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CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

© 2015 Organização Pan-Americana da Saúde. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Todos os direitos reservados. É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que seja citada a fonte e que não seja para venda ou qualquer fim comercial.

Tiragem: 1ª edição – 2015 – 2.000 exemplaresSérie Cooperação em Saúde Suplementar no Brasil

Elaboração, distribuição e informações: ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE/ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE – OPAS/OMS NO BRASILSetor de Embaixadas Norte, Lote 19Brasília-DF – Brasil – CEP: 70.800-400e-mail: [email protected]/bra

AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR – ANSDiretoria de Gestão - DIGESAv. Augusto Severo, 84 –79º andar – GlóriaRio de Janeiro-RJ – Brasil – CEP 20.021-040

Nota: Os estudos que subsidiaram este livro foram realizados no âmbito da Cooperação Técnica entre a OPAS/OMS no Brasil e a ANS, por meio do Termo de Cooperação nº 42.

Impresso no Brasil / Printed in BrazilOrganização:Andrea Carlesso Lozer (GEQIN/DIGES/ANS)Carla Valéria Cazarim Godoy (GEQIN/DIGES/ANS)Karla Santa Cruz Coelho (DIGES/ANS)Fernando Antonio Gomes Leles (OPAS/OMS)

Equipe Técnica:Aline Gouvea Triunfo (GEQIN/DIGES/ANS)Andréa Brites Pinto e Freitas (GEQIN/DIGES/ANS)Maristela Bernardi (GEQIN/DIGES/ANS)Nádia Vendruscolo Pioner (GEQIN/DIGES/ANS)

Apoio Bibliotecário: CODOB/GEDOC/DIGES

Revisão Técnica: Andrea Carlesso Lozer (GEQIN/DIGES/ANS)

Capa, Projeto gráfico e Diagramação: Gerência de Comunicação Social da Agência Nacional de Saúde Suplementar GCOMS/DICOL/ANS

Ficha Catalográfica

C 749c Conhecimento técnico-científi co para qualifi cação da saúde suplementar / Organizado por Andréa Carlesso Lozer, Carla Valéria Cazarim Godoy, Fernando Antonio Gomes Leles, Karla Santa Cruz Coelho. – Brasília, DF: OPAS; Rio de Janeiro: ANS, 2015. 192 p. – (Cooperação em saúde suplementar no Brasil). ISBN 978-85-7967-107-4 1. Saúde suplementar – Produção científica. 2. Agência Nacional de Saúde Suplementar - Produção científica. I. Lozer, Andréa Carlesso (Org.). II. Godoy, Carla Valéria Cazarim (Org.). III. Leles, Fernando Antonio Gomes (Org.). IV. Coelho, Karla Santa Cruz (Org.). IV. Organização Pan-Americana da Saúde. V. Agência Nacional de Saúde Suplementar (Brasil). VI. Série.

CDD 368.382

Catalogação na fonte – Biblioteca da ANS – Coordenação de Documentação e Biblioteca

3OPAS/OMS - ANS/MS

Prefácio ANS Com o objetivo de tecer uma discussão sobre dispositivos regulatórios em saúde suplementar, este livro busca integrar diversos saberes relevantes para a melhoria da atividade regulatória. Aborda a importância da implementação de uma rede de universidades colaboradoras, com uma grande questão a ser respondida: Quais são os temas mais relevantes para a melhoria da atividade regulatória no setor de saúde suplementar?

Esta foi a pergunta que abriu os trabalhos desenvolvidos no Seminário “Conhecimento científico como subsídio regulatório”. O resultado deste debate, em que participaram Professores e Pesquisadores das principais instituições de ensino e pesquisa na área de saúde do país e servidores da ANS, deu origem a quatro linhas de pesquisa, que foram publicizadas através de um Edital OPAS/ANS. Este livro reúne os dez estudos selecionados através deste Edital e desenvolvidos no escopo desta parceria, que envolveu a Academia, Órgão Regulador e a OPAS desde a concepção das linhas de pesquisa até o desfecho dos estudos propostos, tendo como objetivo comum qualificar o setor de saúde suplementar através da produção do conhecimento.

No primeiro capítulo é abordada a satisfação do beneficiário, analisada na perspectiva da qualidade e integralidade, em um estudo que envolveu os servidores da ANS, valorizando os saberes de quem lida, cotidianamente, com as questões trazidas à regulação pelos usuários de planos privados de assistência à saúde. No segundo capítulo, o leitor terá acesso ao conceito de avaliação centrada no usuário, que é explorado a partir de sua relevância no contexto da avaliação de serviços em saúde, primordial para o desenvolvimento e aprimoramento do setor. O terceiro capítulo aporta conhecimentos no campo da demografia, com dados e análises sobre as mudanças na estrutura etária dos beneficiários e discute os impactos na sustentabilidade do setor. Em consonância à discussão do envelhecimento populacional trazida pela demografia, o capítulo quatro aborda o desenvolvimento de um modelo de atenção à saúde do idoso, trazendo a perspectiva de pensar e produzir redes de atenção para a nova realidade epidemiológica que se aproxima. Também destacando a importância das linhas de cuidado, o quinto capítulo remete o leitor à importância do desenvolvimento da rede de atenção em saúde mental no sistema de saúde brasileiro, incluindo sua efetiva consolidação nos serviços da saúde suplementar. O capítulo seis ainda aborda a questão das redes: em um estudo ecológico, os autores exploram variáveis relacionadas ao câncer de mama, discutindo as relações entre os beneficiários e a quantidade de recursos assistenciais no setor suplementar. O sétimo capítulo fala de questões referentes à saúde suplementar nas contratações e negociações coletivas, apontando para a relevância histórica desta modalidade de contratação, que atualmente comporta a maior parte de beneficiários do setor. O capítulo oito discute o tema da judicialização na saúde suplementar, através de um estudo que analisou as ações judiciais do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, quantificando e descrevendo o perfil das demandas de beneficiários e operadoras e o comportamento do Judiciário. O capítulo nono explora uma temática na área de sistemas de informações em saúde: o modelo de “Grupo Diagnósticos Relacionados – DRGs”. Os autores descrevem a história do desenvolvimento do modelo, sua importância como processo de apoio à gestão da saúde e detalham o mapeamento entre as duas classificações de procedimentos mais utilizadas no Brasil. O décimo, e último, capítulo propõe uma metodologia de análise do desempenho econômico-financeiro de operadoras de plano de saúde, discutindo, primordialmente, a importância do monitoramento da saúde financeira destas empresas para a sustentabilidade do setor de saúde suplementar.

A diversidade dos temas abordados nos dez capítulos que compõe esta obra remete o leitor para a complexidade do setor e o consequente desafio da ANS em busca da defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde. Essa complexidade demanda o aprofundamento e análise técnica das questões pertinentes à saúde e a regulação, especialmente quando pensamos na informação como elemento fundamental para a tomada de decisão regulatória, mas, sobretudo, como subsídio e para estimular a sociedade à participação ativa neste setor. O movimento de produção e difusão do conhecimento em saúde suplementar, a exemplo deste livro, é fundamental para promover discussões mais amplas e que envolvam os diversos atores, caminho que certamente conduzirá a um desenvolvimento mais sustentável e equilibrado deste setor. A ANS convida o leitor a refletir sobre as questões aqui colocadas e a compartilhar o conhecimento produzido pela Rede de Universidades Colaboradoras no ano de 2015, um coletivo de pesquisadores que em parceria com a equipe da ANS conceberam este livro.

CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

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Apresentação OPAS Ao longo dos últimos 10 anos, a OPAS/OMS no Brasil vem apoiando a ANS, através de cooperação técnica, com o intuito de qualificar a Saúde Suplementar e melhorar a qualidade de vida da população brasileira beneficiária deste subsistema de saúde. Neste sentido, desde 2005, vêm sendo desenvolvidas ações para fortalecimento institucional da Agência, com vistas a torná-la cada vez mais robusta em sua capacidade de regular, e ações externas, voltadas ao mercado de planos de saúde, às operadoras e prestadores de serviços, com vistas à melhoria da qualidade, à redução da fragmentação dos serviços e, consequentemente, da atenção aos beneficiários que, em 2015, representa cerca de 25% da população brasileira.

Este peso da saúde suplementar brasileira, não vem se refletindo, nos últimos anos, na produção científica, sendo a discussão do assunto nos ambientes acadêmicos bastante aquém de sua importância. A maior parte das publicações sobre saúde encontradas no país costuma relacionar-se ao campo da Saúde Pública / Coletiva, à clínica ou à utilização de tecnologias, sendo a produção relativa à regulação de mercado, à Saúde Suplementar ou aos planos de saúde pouco volumosa.

Com vistas a fomentar este campo de pesquisa, a cooperação elaborou, em fins de 2014, um edital para desenvolvimento de projetos de estudos, produção de conhecimentos e elaboração de instrumentos e ferramentas para apoio e qualificação da atividade regulatória da Saúde Suplementar Brasileira, com quatro linhas de trabalho: a) atenção à saúde em rede, com temas como análise e dimensionamento da rede prestadora, georreferenciamento, relações prestadores/operadoras, qualidade da atenção, avaliação da integralidade e modelos de atenção em suas dimensões política, organizativa e assistencial; b) sustentabilidade e estímulo à qualidade na saúde suplementar, incluindo temas como produtividade, gestão de custos, efetividade, otimização de recursos, modelos de remuneração de prestadores e contratualização; c) políticas de saúde, incluindo financiamento, modelos de organização do sistema, relação público-privado, compartilhamento de rede prestadora, duplo vínculo profissional, acesso e qualidade; e d) gestão na saúde suplementar, análise de cenários, qualidade na gestão, gestão das operadoras / gestão de negócios, gestão das instituições públicas / qualidade regulatória, arranjos de gestão, avaliação de tecnologias, formação profissional e organização logística das operadoras. Foram recebidas 18 propostas, de 17 importantes instituições de pesquisa do país, sendo selecionadas 10.

Esta publicação, que agora lhes apresentamos, traz os resultados preliminares destes 10 projetos. Contudo, ela representa uma pequena parcela da enorme quantidade de conhecimentos de grande qualidade que foi desenvolvida no âmbito do projeto, incluindo 39 produtos técnicos, 13 seminários, 18 publicações (artigos e livros) e 2 sites interativos.

A construção conjunta de conhecimentos, valorizando as visões acadêmica, técnica e gerencial, foi a base do processo e esperamos que gere parcerias importantes entre as universidades e a ANS, cujos frutos a OPAS/OMS no Brasil pretende apoiar, saborear e disseminar no futuro.

Organização Pan-Americana da SaúdeOrganização Mundial da Saúde

OPAS/OMS no Brasil

OPAS/OMS - ANS/MS

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Sumário

Capítulo 1A satisfação do beneficiário da Saúde Suplementar sob a perspectivada qualidade e integralidade: desafios para a garantia do direito à saúde...................................

Capítulo 2Avaliação centrada no usuário: aspectos conceituais e experiências internacionais.....................

Capítulo 3Mudanças recentes na estrutura etária dos beneficiários de operadoras privadasde saúde no Brasil..................................................................................................................

Capítulo 4Modelo de Atenção à Saúde do Idoso - a ênfase sobre o primeiro nível de atenção.....................

Capítulo 5A interface entre os subsistemas privado e público de saúde na políticade saúde mental: a construção de linhas de cuidado.................................................................

Capítulo 6Suficiência de Rede: um estudo ecológico sobre beneficiários e redes de cuidados à saúdepara prevenção do câncer de mama.........................................................................................

Capítulo 7A Saúde Suplementar do ponto de vista dos contratos coletivos – uma análise das contrataçõese negociações coletivas...........................................................................................................

Capítulo 8Judicialização na Saúde Suplementar........................................................................................

Capítulo 9Metodologia e ferramentas para aplicação do modelo de “Grupo Diagnósticos Relacionados”(DRGs) para área hospitalar na Saúde Suplementar brasileira.....................................................

Capítulo 10Análise do desempenho econômico-financeiro de operadoras de planos de saúde:uma proposta de metodologia..................................................................................................

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9OPAS/OMS - ANS/MS

Capítulo 1

A satisfação do beneficiário da Saúde Suplementar sob a perspectiva da qualidade e integralidade: desafios para a garantia do direito à saúde

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11OPAS/OMS - ANS/MS

A satisfação do benefi ciário da Saúde Suplementar sob a perspectiva da qualidade e integralidade: desafi os para a garantia do direito à saúde1

Universidade Federal do Espírito Santo

Rafael da Silveira Gomes Doutor em Ciências (ENSP/Fiocruz), Professor Adjunto do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-graduação em Psicologia Institucional da Universidade Federal do Espírito Santo

Raphaella Fagundes Daros Doutoranda em Psicologia, Universidade Federal Fluminense

Fábio Hebert da SilvaDoutor em Educação (UFES), Professor Adjunto do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-graduação em Psicologia Institucional da Universidade Federal do Espírito Santo

Tatiana Coelho LopesDoutora em Saúde Coletiva (IMS/UERJ), Fisioterapeuta do Hospital Sofia Feldman e Pesquisadora do Laboratório de Pesquisa sobre Práticas de Integralidade em Saúde (LAPPIS)

Julia Alano PortaMestranda em Psicologia Institucional, Universidade Federal do Espírito Santo

Introdução

A Constituição Federal de 1988 legitimou a saúde como um direito de todos e dever do Estado e deu-lhe status de bem público, porém, livre à iniciativa privada, cujas instituições podem participar de forma complementar ao Sistema Único de Saúde - SUS (BRASIL, 1988). Deste modo, o sistema de saúde brasileiro é composto por dois subsistemas: o público e o privado (PIETROBON; PRADO; CAETANO, 2008). Nesse cenário, os serviços privados, que nas décadas de 1970 e 1980 vinham se ampliando significativamente, passam a compor o setor de saúde suplementar, sendo reconhecidos como parte da política nacional de saúde sem, no entanto, ter suas atividades regulamentadas, normatizadas, orientadas e fiscalizadas.

Diante da ausência de uma legislação específica para o setor da Saúde Suplementar, a norma mais frequente para a tentativa de resolução dos conflitos nas relações entre beneficiários e as operadoras dos planos de saúde era o Código de Defesa do Consumidor, sendo a Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (PROCON) a instituição de referência. Segundo Andrade, Maia e Rodrigues (2013) e Alves, Bahia e Barroso (2009), as grandes questões que levavam os beneficiários a acionar o sistema judiciário, geralmente decorrentes de contratos “injustos e excludentes”, eram a restrição de cobertura, limitação do acesso aos serviços, os aumentos dos preços praticados e a interrupção do tratamento de maneira unilateral, juntamente com questões relacionadas à portabilidade, descredenciamento de rede, entre outras questões ligadas mais estritamente ao direito do consumidor.

Somente mais de uma década após a criação do SUS, ocorreu a criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) pela Lei nº 9.961, de 28 de janeiro de 2000. A ANS é uma autarquia, que atua em

1Este projeto de pesquisa foi produzido no âmbito do Edital 005/2014 ANS/OPAS. As opiniões emitidas na presente publicação são da exclusiva responsabilidade dos autores, sem representar posicionamentos oficiais da Organização Pan-Americana da Saúde ou da Agência Nacional de Saúde Suplementar.

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todo território nacional, como órgão de regulação, normatização, controle e fiscalização das atividades que garantem a assistência suplementar à saúde. Tem como missão, promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regular as operadoras setoriais - inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores - e contribuir para o desenvolvimento das ações de saúde no país. Sua atuação, inicialmente, foi centrada em três pontos principais: sustentabilidade do mercado; direito dos consumidores; produtos, valores e coberturas. Além disso, a agência teria como atribuição o controle da assimetria da informação e a ampliação da participação do beneficiário no setor. A incidência da prática regulatória na sustentabilidade do mercado tem destacado as ações direcionadas para a intermediação dessas relações contratuais, as quais tem se configurado como competência mais explícita da agência. O investimento nos últimos anos parece ter garantido a ampliação e estabilidade do setor, diante de um quadro crescente de acesso aos serviços privados, impulsionado pelo aumento do poder aquisitivo de parcela considerável da população ocasionada pelo desenvolvimento socioeconômico (SANTOS; MALTA; MERHY, 2008).

Atualmente, passados quinze anos desde a fundação da agência, apesar dos desafios, ainda encontrados na busca da garantia do acesso aos serviços de saúde suplementar, a consolidação das conquistas nesse âmbito abre espaço para a emergente discussão acerca da questão da qualidade. A qualidade, aqui, pode ser traduzida então em um conjunto de políticas, diretrizes e ações que busca tanto a qualificação das relações contratuais e regulatórias, quanto o parâmetro fundamental da satisfação dos beneficiários (SILVA JÚNIOR et al., 2008).

Sisson et al. (2011) apontam a satisfação dos usuários como um parâmetro importante para ações de planejamento, gestão, monitoramento e avaliação das prestadoras de serviços de saúde, contribuindo na ampliação do nível de qualidade dos serviços prestados. A percepção dos usuários contribui para produção de informações tanto para implementação de ações na área quanto na regulação das relações com entes públicos e privados no setor saúde. No entanto, a inclusão da satisfação do beneficiário e da qualidade como parâmetros nos coloca um desafio, uma vez que se trata de indicadores complexos, que incluem: as experiências de cuidado que operam dentro de uma lógica contratual; certas dimensões do acesso aos serviços e da continuidade do cuidado que extrapolam tal lógica contratual; criação de demanda e expectativa de consumo para procedimentos e tecnologias de ponta que não poderão ser contempladas; uma perspectiva de rede como conjunto de prestadores de serviço e que termina por fragmentar o cuidado em especialidades; disponibilidade de recursos e conflitos contratuais entre operadoras e prestadores.

Vários programas da ANS discutem e abordam a questão da melhoria do atendimento ao beneficiário segundo óticas distintas. Investigar o conceito de qualidade na saúde suplementar desde a perspectiva dos diferentes grupos passa a ser, então, de fundamental importância no desenvolvimento e aprimoramento das análises e divulgação de informações do setor. Além disso, a discussão da integralidade no Brasil vem ganhando uma dimensão sócio-política mais ampla que em outros países, direcionando-se ao esforço de estabelecimento, manutenção e ampliação dos direitos sociais recém-adquiridos em meio a um contexto constituído por grandes desigualdades socioeconômicas e culturais, marcado pela insuficiência das redes assistenciais, organizadas a partir de modelos centralizados e verticalizados de gestão, resultando em uma grande lacuna entre as necessidades dos usuários e os serviços ofertados (SILVA JÚNIOR et. al., 2008).

Partindo dos referenciais do campo da Saúde Coletiva, entendemos que a saúde também é determinada e condicionada socialmente, e que, portanto, está atrelada a fenômenos que incluem fatores biológicos, psicológicos, sociais, culturais, econômicos e ambientais. Assim, as necessidades em saúde emergem de uma inserção singular dos sujeitos na complexidade de determinados contextos, manifestando-se em variados tipos e graus conforme a organização social de um determinado território. Por isso, compreendemos que as demandas aos serviços não podem ser analisadas exclusivamente a partir de uma perspectiva objetiva monitorada por meio de indicadores tradicionais. As necessidades de saúde expressam a cultura, os valores, os projetos e desejos dos sujeitos individuais e coletivos que procuram os serviços (SILVA, BATISTELLA e GOMES, 2007). A satisfação do beneficiário emerge então como aspecto importante para a avaliação da qualidade do setor, justificada pela necessidade de se ter o usuário do sistema como foco e prioridade.

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Apesar de alguns autores afirmarem a experiência do usuário como parte indissociável do projeto tecnoassistencial e destacarem a importância da análise da satisfação para ações de planejamento, monitoramento e avaliação dos prestadores de serviços de saúde (compreendendo-a como contribuição indispensável na ampliação do nível de qualidade dos serviços prestados), enfatiza-se também a fragilidade teórica do conceito de satisfação, e certa polissemia que contribui para diminuir seu potencial analítico. Os estudos direcionados à satisfação dos beneficiários chamam atenção para a complexidade e contradição que essa dimensão implica, dificultando o estabelecimento de critérios para sua mensuração. Desse modo, na ausência de critérios mais claros, muitas vezes, a satisfação fica circunscrita ao âmbito da manifestação das queixas e reclamações dos beneficiários, como consumidores dos planos de saúde contratados (CUGINOTTI, 2011; MENESES et. al.,2013).

O problema é que nessa direção só há a possibilidade de gerar autuações e penalidades quando essa satisfação confusa não é alcançada. Neste contexto, ainda são muito frágeis as abordagens que caminhem por uma via metodológica mais inclusiva, através da investigação das opiniões dos beneficiários sobre a qualidade dos processos de cuidado na relação com a integralidade das ações, a singularidade das demandas por saúde e alguma perspectiva de rede de produção de saúde.

Portanto, apesar de reconhecer o acesso como dimensão fundamental e ainda em processo de consolidação, é preciso, ao mesmo tempo, avançar no debate acerca dos sentidos da qualidade da regulação e, principalmente, da qualidade assistencial e sua relação com a integralidade no setor da saúde suplementar, uma vez que parece não haver atualmente, seja na via político-institucional ou no âmbito acadêmico, um consenso acerca desses conceitos. Entendemos que essa investigação qualitativa de questões relacionadas a satisfação do beneficiário e sua relação com a assimetria da informação poderá subsidiar a proposição de ferramentas e instrumentos que ampliem a valorização de seus saberes e a ampliação de sua participação efetiva. Aspectos fundamentais para a qualificação da atenção no setor, a partir do princípio da integralidade.

Com a intenção de contribuir para o avanço desse debate no setor da Saúde Suplementar procuramos analisar o conceito de qualidade a partir da demanda dos beneficiários, na perspectiva da integralidade, considerando as relações entre satisfação, assimetria da informação e cuidado em saúde.

Metodologia

Para atingir os objetivos, realizamos uma pesquisa qualitativa de caráter exploratório que buscou integrar uma dinâmica de investigação que considerou processos, fluxos, indicadores e resultados de qualidade, a partir da visão de diferentes atores. Essa modalidade de pesquisa define-se como exploratória sequencial (Denzin, 1973), já que articulou métodos e ferramentas qualitativas, que visaram a formulação de um olhar ampliado do problema a ser investigado: a qualidade na atenção na saúde suplementar.

A operacionalização do presente projeto se deu em três etapas: 1) a realização de uma revisão integrativa da produção científica publicada entre os anos de 2000 e 2015; 2) a análise dos e-mails dos beneficiários da região sudeste enviados para a Central de Relacionamento no site da ANS, no período de 19 de março de 2014 a 18 de março de 2015; 3) realização de grupos focais com os técnicos e especialistas em regulação de três Núcleos de Atendimento da ANS da Região Sudeste, para acessar a demanda dos beneficiários.

Na primeira etapa elaboramos uma revisão integrativa da produção científica brasileira sobre o setor de Saúde Suplementar nos últimos 15 anos, buscando evidenciar lacunas e dimensões abordadas ou privilegiadas quanto aos temas da qualidade e da integralidade. Destacamos que essa opção metodológica, para uma primeira aproximação, deveu-se à potencialidade da mesma ofertar uma síntese de estudos publicados, permitindo a geração de novos conhecimentos, pautados nos resultados encontrados (MENDES; SILVEIRA; GALVÃO, 2008).

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O processo se iniciou com a definição das fontes de pesquisa, seguidas das estratégias de busca e a construção da primeira matriz analítica, com o nome do artigo, ano, periódico, descritor de captura, autores, instituição, objetivo e link de acesso a produção. Como estratégias de busca das fontes de pesquisa utilizaram-se os descritores (DeCS e MeSH): “Saúde Suplementar”; “Planos de Pré-Pagamento em Saúde”; “Seguro Saúde”, no portal da Biblioteca Virtual da Saúde (BVS), selecionando-se as bases: Lilacs (Literatura Latino-americana em Ciências da Saúde); Medline (Literatura Internacional em Ciências da Saúde); Scielo (Scientific Electronic Library Online); BDENF (Base de Dados em Enfermagem) e PubMed (National Library of Medicine). É válido ressaltar que a opção pela utilização desses descritores que mapeiam as produções acadêmicas vinculadas à temática da Saúde Suplementar de forma mais ampla, deu-se após a constatação de que a utilização direta dos descritores específicos de nosso objeto de pesquisa: qualidade, integralidade e satisfação dos usuários não resultou em um universo significativo de produções a serem analisadas.

Além da seleção de bases de interesse, a estratégia de busca contemplou um recorte temporal de 15 anos (2000-2014), marco normativo/temporal da Lei nº 9.656/98 e da criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar. Foram priorizadas produções nacionais publicadas em formato de artigo, de acesso on line, publicadas nos idiomas português, espanhol e inglês. Foram excluídas da seleção resenhas, editoriais e comunicações, assim como produções sem texto completo disponível.

No uso do descritor “Saúde Suplementar” foram capturados 111 artigos, em seguida da inserção dos filtros previamente definidos. Destes, 24 publicações foram excluídas após leitura do resumo por se tratarem de cunho institucional da ANS, não possuírem texto completo disponível ou realizarem apenas uma breve comunicação editorial. O descritor “seguro saúde” mobilizou sete produções, sendo cinco delas excluídas pelos motivos já descritos. Já o descritor “Planos de Pré-Pagamento em Saúde” não resultou em nenhuma produção com os filtros utilizados. No total, com os três descritores, foram selecionados 89 artigos que foram lidos na integra pelos autores.

A segunda etapa metodológica correspondeu à análise de e-mails enviados por beneficiários residentes nas unidades federativas que compõem a região sudeste do Brasil (ES, MG, RJ e SP) para a Central de Relacionamento no site da ANS no período de 19 de março de 2014 a 18 de março de 2015, o que configurou uma amostra de 1.013 e-mails do total de 19.969 enviados no período. Após a definição da amostra, iniciamos a fases de categorização e análise dos dados, que se deu em duas etapas. Na primeira, foi realizada leitura flutuante de parte da amostra com intuito de proporcionar uma familiarização com o material e iniciar o processo de sistematização dos dados. Na segunda, foi realizada a leitura integral dos 1013 e-mails, que resultou na classificação dos mesmos em cinco grandes categorias: Acesso aos Serviços; Continuidade do Cuidado; Relações Contratuais; Informação e Outros. Posteriormente os e-mails categorizados como “Acesso aos Serviços” e “Continuidade do Cuidado” foram classificados, com o objetivo de qualificar a análise, a partir das subcategorias: Negação; Dificuldade e/ou Imposição de Condicionantes; e Rede de Prestadores Restrita.

A terceira etapa da pesquisa incluiu a realização de 6 grupos focais com os servidores dos Núcleos de Atendimento da ANS. Os grupos focais foram realizados com os técnicos e especialistas em regulação dos Núcleos de Atendimento da ANS com sede nos munícipios de Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo. Os encontros, realizados em duas etapas, tiveram duração média de duas horas e os áudios foram gravados com a prévia autorização dos participantes mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Além disso, foi realizado um trabalho de relatoria para o registro das principais falas e informações produzidas em cada reunião, material que serviu de insumo para a realização da análise dos conteúdos produzidos nas atividades. A participação da maior parte dos servidores foi garantida em duas rodadas, buscando assim a continuidade do debate em torno da qualidade e da integralidade a partir da perspectiva dos beneficiários por eles atendidos.

Participaram dos grupos 22 servidores, que possuíam dentre suas atribuições o atendimento direto dos beneficiários que buscam a Agência com demandas de informação e/ou queixas acerca dos atendimentos recebidos no setor da Saúde Suplementar. Dentre os 22 participantes, identificamos 15 Especialistas em Regulação (ER) e 07 Técnicos em Regulação (TR). O tempo médio em que os mesmos

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atuam na ANS é de 7,3 anos, sendo que a maioria afirma ter atuado como fiscal do Núcleo de Atendimento desde o início da trajetória na instituição.

A opção metodológica por construir esses espaços de diálogo com os trabalhadores dos Núcleos que atendem presencialmente aos beneficiários se pautou em nossa percepção, posteriormente confirmada, de que a interação com esses trabalhadores nos permitiria acessar e dar visibilidade às informações qualitativas que não encontram espaço de expressão nos formulários técnicos e nos campos temáticos de registro possibilitados por sistemas de informação digital, como no caso dos e-mails analisados anteriormente. Interessava-nos, portanto, acessar as nuances que muitas vezes não aparecem nos dados brutos, daquilo que na percepção deles emerge como relevante para a maior parte das pessoas que busca o atendimento, e que, no entanto, não encontra espaço ou não ganha relevância em outros canais de comunicação. Deste modo, é prudente ressaltar que nosso objetivo foi acessar, a partir das percepções e análise dos trabalhadores que lidam diariamente com os beneficiários, as demandas, queixas e percepções destes últimos sobre a Saúde Suplementar.

Resultados e discussão

A realização da revisão integrativa nos apontou principalmente a fragilidade e a incipiência do debate da produção acadêmica no que se refere ao princípio da integralidade na Saúde Suplementar, tanto pela quantidade de pesquisas e estudos ligados à temática, como pelo apontamento de que estratégias indutoras da integralidade são práticas embrionárias que têm encontrado muita resistência das operadoras e prestadores, cuja organização dos serviços segue reafirmando a fragmentação do cuidado e na perpetuação de uma lógica procedimento-centrada (GARBIN et al. 2013). No que se refere especificamente aos debates da qualidade, observamos um maior interesse acadêmico, geralmente relacionado à expectativa do avanço das práticas regulatórias em detrimento ao que é produzido em torno da qualidade da assistência.

Quando eventualmente emerge como objeto de análise, o debate da temática da integralidade aparece como contraponto aos modelos assistenciais que estruturam a Saúde Suplementar. Os focos dessa atuação estão muito claramente embasados no modelo hegemônico de prestação de serviços de saúde, com foco na doença, excessiva medicalização, privilégio do uso de tecnologias nas práticas de cuidado e predomínio das tecnologias duras nas relações com os usuários. Neste sentido, Silva Junior et al. (2008), indicam que assim como os serviços públicos de saúde, os serviços vinculados à Saúde Suplementar precisam ser avaliados, com intuito de fortalecer a Política Nacional de Saúde.

A avaliação dos serviços de saúde ganha destaque nos últimos anos, tanto como consequência do aumento da pressão social dos beneficiários e dos clientes corporativos do campo da Saúde Suplementar, como pelo reconhecimento do movimento governamental da importância estratégica na qualificação da assistência e planejamento do sistema de saúde. Contudo, os indicadores utilizados permanecem centrados nos critérios da oferta, acesso e utilização dos serviços. E nesse sentido, entendemos, como alguns dos autores estudados, que a facilidade de acesso, sob o lastro do incentivo de uma prática procedimento-centrada, não necessariamente resultam numa melhor qualidade do nível de saúde da população atendida. Posicionamento confirmado pela análise feita pelos próprios servidores quando em contato com o relato dos beneficiários que procuram o serviço de atendimento dos Núcleos participantes dessa pesquisa.

Nesse cenário, a discussão da qualidade, na maior parte dos casos, fica sob a determinação da relação custo-efetividade. Mesmo quando há investimentos em atividades de promoção e prevenção, reunidos atualmente sob os modelos de atenção gerenciada, as ações funcionam mais como produto de marketing do que como diretriz de um modelo assistencial, visando de fato ao cuidado à saúde. Desse modo, observamos que a construção de novos modos de assistência, a reorganização dos processos de trabalho, ainda que possam apontar para transformação qualitativa da assistência, mais condizente com o modelo abraçado pelo SUS, ainda é condicionada pelo mercado e limitada pelos interesses econômicos das operadoras e prestadores.

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Em se tratando dos estudos nomeadamente direcionados à satisfação dos beneficiários, verificamos certo consenso acerca da subjetividade e contradição que essa dimensão implica, fatores que dificultam o estabelecimento de critérios objetivos para sua mensuração. Ao mesmo tempo, encontramos a inexpressividade de abordagens teórico-metodológicas que invistam na investigação qualitativa da escuta/leitura das opiniões dos beneficiários sobre a qualidade do atendimento recebido e dos processos de cuidado colocados em andamento. Neste aspecto, o mais comum é que essa dimensão seja inferida pela manifestação das queixas e reclamações dos beneficiários, enquanto consumidores dos planos de saúde contratados.

Conforme observamos, tanto pela análise dos e-mails como mediante os relatos dos servidores, as informações sobre direitos contratados, cobertura, reajuste, portabilidade, transferência de carteira, muitas vezes são acompanhadas de reclamações sobre a dificuldade de obtenção de respostas e informações, além da dificuldade ou negativa de acesso à procedimentos e serviços, descredenciamento, continuidade do tratamento e má qualidade do atendimento. Alguns casos ocorrem por questões pontuais, situadas e contextualizadas; outros casos, porém, apontam claramente para os limites da regulação diante das expectativas e exigências dos beneficiários sobre o setor da Saúde Suplementar e o papel da ANS, o que produz efeitos na satisfação ou insatisfação deles.

No que se refere à imposição de condicionantes para o acesso aos serviços, o discurso dos beneficiários aponta para uma crítica à própria forma de organização do sistema, em que a rigidez burocrática, muitas vezes legitimada pelas práticas regulatórias, parece funcionar no sentido de impedir o uso dos serviços contratados no tempo necessário para a resolução das demandas por cuidado, ao mesmo tempo em que a centralidade das especialidades e procedimentos não permite a integralidade do cuidado. Além disso, os beneficiários se queixam de que, apesar da exigência de muitos documentos e perícias, geralmente não há um olhar cuidadoso e diferenciado para as situações que eles entendem como específicas e singulares. Nesse sentido, a imposição de condicionantes parece produzir um sentimento de negligência com a singularidade de cada demanda e suas urgências.

Percebemos, assim, que a demanda por um olhar diferenciado, de acordo com a singularidade de cada caso clínico, toca ao mesmo tempo na questão dos conflitos entre operadoras e prestadores. Em termos gerais, tais conflitos são ocasionados pela tensão entre a autonomia técnica requerida pelo profissional, que conta, na maioria das vezes, com credibilidade junto ao beneficiário, e a relação contratual estabelecida entre as partes. A relação contratual, inclusive, torna-se instrumento, em grande parte das vezes, utilizado pelas operadoras na tentativa de reduzir os custos, o que muitas vezes acaba por inviabilizar ou dificultar tanto o acesso aos serviços como a continuidade do cuidado.

A estratégia de redução de custos, por sua vez, inclui também o próprio regime de remuneração dos prestadores de serviço credenciados, os quais diante dos valores considerados insatisfatórios referentes ao pagamento de consultas, acabam não só por sobrecarregar suas agendas, como passam a incorporar o aumento da solicitação de exames e procedimentos que nem sempre parecem indispensáveis, mas que acabam funcionando como uma possibilidade complementar de aumentar as receitas, ações que dificultam a produção de um olhar mais singular e humanizado e reafirmam a lógica procedimento-centrada, atingindo diretamente o beneficiário, que tem seu acesso dificultado, o tempo de consulta clínica reduzido, enquanto seu itinerário terapêutico se alonga devido à solicitação dos mais variados exames e procedimentos.

Percebemos que apesar do acesso às especialidades e procedimentos ganhar maior visibilidade, devido a importância da dimensão da garantia do direito do consumidor, a garantia do direito à saúde, a partir da perspectiva da qualidade e da integralidade se apresenta de modo mais complexo. Dessa perspectiva, observamos que a demanda dos beneficiários geralmente vai além das questões contratuais, e também abordam o vínculo estabelecido com os profissionais, tocando em questões que vão desde a reivindicação do acesso a uma rede credenciada próxima e resolutiva, até reafirmação da relação de confiança e credibilidade construída com os profissionais que constituem essa rede. Nesse contexto, o gerenciamento do setor, levado a cabo pelas operadoras, geralmente desconsidera o que as pessoas

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entendem como qualidade da atenção, que em termos gerais envolvem critérios que se baseiam no atendimento de necessidades diversas e singulares, incluindo o acesso e manutenção de uma rede conveniada local mais ampliada.

De certa forma, entendemos que a reclamação acerca do acesso também fala da impossibilidade da manutenção do vínculo. No sistema de Saúde Suplementar, ao contrário do sistema público, não há um arranjo que favoreça a constituição de linhas de cuidado focadas em estratégias de promoção, como acontece na Atenção Básica, por exemplo, o que termina por determinar que o atendimento seja focado nos especialistas e nos procedimentos. Somado a isso, a restrição/redução e o descredenciamento recorrente da rede de prestadores, muitas vezes sem o devido aviso prévio, colabora para que o beneficiário perca recorrentemente o vínculo, mesmo que mínimo e precário, obtido pelo acompanhamento de alguns especialistas, como os ginecologistas no caso das mulheres e os pediatras no caso das crianças, para citar um exemplo comum.

Portanto, na categoria analítica denominada “continuidade do cuidado”, a imposição de condicionantes emerge relacionada a questões como: novas solicitações de documentos, perícias e autorizações para tratamentos e processos já iniciados e em curso; beneficiários internados para algum tipo de intervenção para os quais a operadora não libera nem nega o procedimento; problemas de comunicação dos beneficiários com as operadoras (operadoras simplesmente não respondem ou protela-se infinitamente as respostas), situações em os beneficiários veem os prazos de suas solicitações não cumpridos e estendidos ao absurdo; beneficiários que iniciam o tratamento e no meio do processo recebem negativa de cobertura para um procedimento específico ou material; conflitos entre prestadores e operadoras que impedem a continuidade do cuidado em curso.

Precisamos considerar que, como se trata de um cuidado prestado por uma rede de serviços conveniados, é bastante comum que o beneficiário, ao longo de um tratamento, necessite de mudar de prestador. Contudo, tal configuração de rede pode restringir o cuidado integral. Neste aspecto, os relatos dos beneficiários trazem muitos casos onde essa necessidade de mudança de especialidade-prestador para continuar seu cuidado, implica na interrupção do tratamento porque não há em sua rede conveniada a especialidade demandada e, na maior parte dos casos, a única alternativa que lhes resta é buscar outro especialista, o que geralmente implica em um deslocamento inviável. Por vezes também, o prestador com o qual o beneficiário possui vínculo é descredenciado, e por força de contrato, este se vê obrigado a procurar outro profissional em um processo custoso em todos os aspectos, desde a questão do tempo, que muitas vezes é fatal, incluindo a resolutividade de sua demanda e o desgaste físico e emocional, elementos que certamente impactam na sua saúde.

Contudo, se até aqui nos ocupamos do debate dos condicionantes que encontram legitimidade pelas próprias práticas regulatórias, também é preciso destacar a emergência daqueles que parecem se configurar fora dos padrões de legitimidade dos processos regulatórios, como é o caso dos problemas relacionados ao fluxo de comunicação, os quais ganharam uma maior visibilidade a partir da análise dos e-mails dos beneficiários, em se tratando mais especificamente das relações estabelecidas entre operadoras e beneficiários, e do discurso dos trabalhadores do Núcleo, que abordam a fragilidade da comunicação institucional, impactando mais diretamente na atividade regulatória em si.

A análise dos e-mails e relatos dos servidores destacou os problemas de comunicação com a operadora e alguns prestadores, como fator de dificuldade ou mesmo impedimento do acesso aos serviços, geralmente ocasionando prejuízos significativos como a perda de prazos para cirurgias e outros procedimentos previamente agendados que dependem de autorização. Neste contexto, o mau funcionamento dos canais de comunicação com os beneficiários parecem tradicionalmente naturalizados ou não problematizados, fato que serve como justificativa para o prolongamento dos prazos dos procedimentos que se fazem necessários ou que são solicitados no processo de cuidado. Desse modo, quando se trata de pensar a satisfação dos beneficiários, ainda que se observe um certo investimento nos canais de comunicação, que prometem ampliar o acesso destes às operadoras,

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verifica-se que esses mesmos canais, por vezes, são responsáveis pela dificuldade de acesso dos beneficiários aos serviços. Restrição que se impõe através de filtros que acabam por funcionar como espécies de condicionantes, testando ao limite a persistência do beneficiário para fazer com que a sua demanda inicial se efetive.

Os processos de comunicação, por sua vez, estão diretamente associados com a quantidade e a qualidade das informações que circulam, fundamentais para uma problemática cara ao setor da Saúde Suplementar atualmente: a chamada assimetria de informação. Nesse sentido, a imposição dos condicionantes produzidas pelas falhas de comunicação diz também da qualidade da informação que circula entre os vários atores do setor, tendo impactos não só na satisfação dos usuários que se veem impedidos no uso dos serviços, como, sobretudo, na qualidade do processo regulatório, na medida em que a informação não circula em via de mão dupla, e os subsídios gerados pelas demandas dos beneficiários e pelo saber acumulado pela escuta dos servidores não encontram um canal que possibilite o seu retorno como insumo para o aperfeiçoamento da atividade regulatória.

Por essa via, vimos ganhar intensidade a questão da assimetria de informação, a partir da crença de que a falta ou insuficiência de informações do beneficiário limitaria sua capacidade avaliativa do sistema, impactando, portanto, em seu nível de satisfação. É sabido que há um amplo investimento institucional na produção e divulgação de informações claras visando o “empoderamento” do beneficiário, orientando-o para a prática do “consumo consciente”, traduzido na realização de melhores escolhas e reivindicação de seus direitos. Afirma-se, portanto, que o enfretamento da assimetria de informação é fundamental para a realização de um alinhamento de expectativas, uma vez que se parte do pressuposto que o conhecimento exato dos serviços contratados e do alcance da assistência colaboraria para a amenização de uma possível frustração, reverberando positivamente no nível de satisfação do beneficiário.

Porém, ao mesmo tempo em que confirmamos essa expectativa institucional na fala dos trabalhadores dos Núcleos de Atendimento da ANS, que em termos gerais veem na diminuição da assimetria da informação uma de suas principais funções no atendimento realizado aos beneficiários, poucas foram as produções acadêmicas que abordaram a questão da assimetria da informação como justificativa para uma suposta incapacidade do beneficiário na avaliação da qualidade da assistência prestada. Interpretação compatível com a análise dos e-mails realizados nessa pesquisa, textos que em geral expressavam considerável conhecimento dos direitos e demandas, apesar das eventuais dúvidas e reclamações acerca da dificuldade de comunicação com seus interlocutores (operadoras e prestadores), fator que se colocava como condicionante principal, e muitas vezes impeditivo, para o acesso aos serviços ou a continuidade do cuidado iniciado.

Entendemos ser fundamental destacar que, além da assimetria da informação, encontra-se a questão da assimetria de saber e poder que marca o encontro entre o profissional da saúde e a influência destes profissionais na decisão acerca dos procedimentos de cuidado que marcam o itinerário terapêutico a ser seguido. Desse modo, apesar da identificação da tendência atual no debate da qualidade do setor apontar para a priorização da necessidade de melhor informar o beneficiário a respeito da legislação (direito do consumidor) e no que tange a questão tecnológica, conscientizando-o da necessidade de utilizar os recursos de acordo com uma necessidade concreta e objetiva e, com equilíbrio, acreditamos que o foco no enfrentamento da assimetria da informação corre o risco de seguir uma via unidirecional, especialistas-beneficiários, desconsiderando a importância da participação do beneficiário, tendência em franca expansão na política nacional de saúde, onde tem ganhado cada vez mais espaço a valorização do saber do usuário acerca do próprio processo de saúde-doença e, portanto, da singularidade de suas demandas para a qualificação e resolutividade das práticas de cuidado.

A integralidade fala, portanto, de um tempo que difere e muito do tempo da burocracia e da clara imposição de dificuldades para a continuidade do cuidado. Essa temporalidade convocada pela integralidade implica uma necessidade de cuidado que ultrapassa as cláusulas de um contrato. Aqui, como no caso do acesso, o que está em jogo são histórias e demandas singulares. Na continuidade do cuidado ainda há alguns agravantes, como no caso da interrupção de tratamento, que por vezes são extremamente

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complexos, como os casos de tratamento oncológico, para citar um exemplo bastante comum. Além disso, é importante ressaltar que embora a garantia ao acesso seja fundamental, os beneficiários apontam para a necessidade de lidar com um serviço ou profissional com os quais tenham confiança e que expressem garantias de continuidade do cuidado.

A satisfação do beneficiário, quando observada pela perspectiva da qualidade e da integralidade, impõe, portanto, a necessidade de construção de indicadores que ultrapassem tanto a concepção de que falta informação ao beneficiário, quanto a noção de rede, geralmente restrita a pontos de atenção dos serviços conveniados. Esses indicadores precisariam, portanto, considerar o que faz sentido para o beneficiário, como os vínculos estabelecidos com os profissionais do cuidado, contratos mais explícitos, garantia do acesso e, principalmente, garantia de continuidade do cuidado.

Considerações fi nais

No percurso dessa pesquisa, munidos da intenção de colocar em análise a dimensão da satisfação do beneficiário da Saúde Suplementar pela ótica da qualidade e integralidade, investimos nossos esforços na realização de uma revisão integrativa das produções acadêmicas relacionadas às temáticas mencionadas, para, em seguida, nos aproximarmos do discurso dos beneficiários, tanto pela via da análise dos e-mails enviados para a Central de Relacionamentos da ANS como pelos relatos da experiência dos fiscais do Núcleo de Atendimento, no encontro destes com os beneficiários, e outros atores do setor. Imersão em uma realidade que nos forneceu um panorama significativo acerca dos rumos tomados no debate dessas temáticas, nos levando ao contato com a complexidade dos desafios colocados à regulamentação do setor da Saúde Suplementar.

Diante desse cenário, seguimos apostando na importância de entender não apenas o que a política de qualificação em implementação na ANS tem compreendido como qualidade e integralidade, mas, sobretudo, compreender quais são as percepções, demandas, necessidades e expectativas dos grandes atores que constituem o setor da saúde suplementar: as operadoras, os prestadores, e, principalmente os beneficiários, para quem se dirige todos os esforços da regulamentação da assistência à saúde. Uma vez que,

[...] nem sempre serão coincidentes as visões dos dirigentes do sistema de saúde (geralmente preocupados com a relação custos/efetividade das ações, com a baixa capacidade operacional, limitações no financiamento, organização da atenção integral, etc.), dos pesquisadores (interessados na produção de conhecimentos e tecnologias que possam resultar em melhorias gerenciais, organizativas e operacionais dos serviços de saúde), dos profissionais e trabalhadores de saúde (que veem como problemas as limitações de infraestrutura, dificuldades administrativas e precarização do trabalho), e finalmente da população (como sujeitos individuais ou coletivos que buscam o atendimento integral de suas necessidades, que são mais amplas, relacionadas às condições de vida, ou mais específicas, referentes ao acesso às tecnologias, à humanização da atenção e ao desenvolvimento de sua autonomia). (Silva; Batistella; Gomes, 2007, p.163)

Neste cenário, entendemos que os relatos dos beneficiários e servidores que participaram dessa pesquisa são emblemáticos para entendermos a noção de qualidade e os desafios decorrentes dela. Os beneficiários, em geral, ao contratar os planos de saúde buscam uma alternativa ao sistema público e das suas difundidas, mas nem sempre fidedignas, mazelas. Para eles a qualidade está vinculada tanto a garantia de acesso rápido e amplo (a profissionais, procedimentos, serviços e tecnologia), de continuidade do tratamento necessário no local que desejam por lhes parecerem mais confortável e confiável; quanto ao tratamento com vínculo, diferenciado e singular, com um preço acessível. Percepção, muitas vezes, distinta dos outros atores que restringem a qualidade ao cumprimento do contratado ou do regulamentado.

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Quando analisamos as questões relativas ao acesso aos serviços e continuidade do cuidado tais distinções se materializam. Podemos citar algumas situações que explicitam nuances que muitas vezes são invisibilizadas. O acesso e a continuidade podem ser negados por questões de limites de cobertura contratada, caso raro, uma vez que, como foi destacado pelos servidores, a norma da ANS privilegia a quase universalidade de procedimentos, por meio da atualização e ampliação constante do rol que serve de parâmetro às operadoras e eventos mínimos a serem garantidos pelos planos de saúde. Para além disso, o acesso e a continuidade podem ser postergados pela imposição de condicionantes, muitos dos quais considerados legítimos e mesmo previstos nas atividades regulatórias, como exigência de apresentação de inúmeros documentos, realização de exames e perícias médicas, assim como pela prática de se valer dos prazos temporais máximos para aprovação de procedimentos e exames.

Contudo, há alguns condicionantes que parecem se configurar fora dos padrões de legitimidade, e mesmo da visibilidade, dos processos regulatórios, como é o caso dos problemas relacionados ao fluxo de comunicação, os quais ganharam uma maior visibilidade a partir da análise dos e-mails dos beneficiários, em se tratando mais especificamente das relações estabelecidas entre operadoras e beneficiários, e do discurso dos trabalhadores do Núcleo, que abordam a fragilidade da comunicação institucional, impactando mais diretamente na atividade regulatória em si.

Portanto, analisar a satisfação do beneficiário da saúde suplementar sob a perspectiva da qualidade e integralidade, a partir da noção do direito à saúde como bem público, coloca-nos em meio a um paradoxo e questões que à primeira vista parecem ser irreconciliáveis, uma vez que a relação entre beneficiários, operadoras e prestadores é condicionada especialmente pelo mercado e pelos interesses econômicos dos últimos. Os beneficiários encontram-se assim, numa encruzilhada entre a expectativa do direito universal à saúde, fundamento do SUS, e a realidade de uma regulamentação de relações de mercado, vinculada a uma lógica de direito do consumidor. Neste contexto, expectativas e garantias muitas vezes não são coincidentes e em alguns casos bastantes distantes, tencionando as relações entre os atores principais do setor (prestadores, administradoras, operadoras, beneficiários e ANS). Desse modo, ao discutir a noção de qualidade da assistência na Saúde Suplementar os tensionamentos emergem.

Com isso, a garantia da integralidade, a partir da lógica de funcionamento como o setor de saúde suplementar vem sendo estruturado, parece impossível de ser alcançada, haja vista a habitual prática de segmentação da clientela com base na capacidade de pagamento e não por suas necessidades (SESTELO, SOUZA E BAHIA, 2014), emergindo, portanto, como um desafio para a regulação do setor.

Ainda que os planos de saúde sejam vendidos com a promessa de acesso a especialistas/procedimentos/serviços sempre que for necessário e/ou se demandar, configurando-se como uma alternativa à difundida precariedade do Sistema Único de Saúde (RUYZ, MAXTA, 2012; DILÉLIO et.al., 2014), percebemos que essa não é uma realidade do setor. Ao contrário disto, o setor de saúde suplementar, ao reafirmar a lógica biomédica e da fragmentação do cuidado, acaba por produzir uma demanda crescente por procedimentos e serviços cada vez mais especializados, de alta densidade tecnológica e custo. Custo que, diante da lógica de ampliação dos lucros, deve ser sempre reduzido.

Neste contexto, identificamos que algumas das estratégias de redução de custos têm afetado a qualidade e dificultado a integralidade do cuidado. As informações sobre direitos contratados, cobertura, reajuste, portabilidade, transferência de carteira, muitas vezes são acompanhadas de reclamações sobre a dificuldade de obtenção de respostas e informações, além da dificuldade ou negativa de acesso à procedimentos e serviços, descredenciamento, continuidade do tratamento e má qualidade do atendimento.

Alguns casos ocorrem por questões pontuais, situadas e contextualizadas; outros casos, porém, apontam claramente para os limites da regulação diante das expectativas e exigências dos beneficiários sobre o setor da Saúde Suplementar e o papel da ANS, o que produz efeitos na satisfação ou insatisfação deles. Os relatos apontam que, para além da negação do acesso aos serviços e procedimentos, os beneficiários também se veem diante da restrição da continuidade do cuidado, destacando a necessidade de fiscalização se tais dificuldades não se tratam de estratégias deliberadas para redução de custos.

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Deste modo, se por um lado a análise da satisfação do beneficiário da saúde suplementar sob a perspectiva da qualidade e integralidade nos coloca o desafio de questionar a própria estruturação do setor de saúde suplementar, cujos contratos se baseiam na definição de rol de procedimentos com diferentes níveis de abrangência, mas ainda assim limitados; por outro, nos impõe a necessidade de ressaltar quando as estratégias de redução de custos passam a se configurar como instrumento de restrição ao próprio direito à saúde, para além do respeito necessário ao direito do consumidor.

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Capítulo 2

Avaliação centrada no usuário: aspectos conceituais e experiências internacionais

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Avaliação centrada no usuário: aspectos conceituais e experiências internacionais2

Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal Fluminense

Aluísio Gomes da Silva JuniorMédico, Doutor em Saúde Pública, Professor do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva – UFF

Ricardo Heber Pinto LimaMédico, Especialista em Medicina Preventiva e Social e Administração de Serviços de Saúde, Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva – UFF

Márcia Guimarães de Mello AlvesMédica, Doutora em Saúde Pública, Professora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva – UFF

Mônica Tereza Christa MachadoMédica Veterinária, Doutora em Saúde Pública, Professora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva – UFF

Elisa Carla HilgembergAcadêmica de Medicina, Bolsista de Inovação Tecnológica (AGIR-PROPPi-UFF/CNPq)

Letícia Maria Araujo Oliveira NunesAcadêmica de Medicina, Bolsista de Extensão Universitária (PROEX-UFF)

Nínive dos SantosAcadêmica de Gestão de Recursos Humanos (UNESA), Assistente de Pesquisa

Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Roseni PinheiroDoutora em Saúde Coletiva, Professora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva – IMS-UERJ

Introdução

A saúde suplementar no Brasil é um setor dinâmico que exige, no esforço de sua regulação e aperfeiçoamento, inovações tecnológicas na área da saúde e na área da gestão. Especialmente na abordagem de avaliações da qualidade dos serviços de saúde oferecidos pelas operadoras, são ainda incipientes, as iniciativas.

A qualidade dos serviços de saúde oferecidos tem ligação com a mudança do modelo tecnoassistencial praticado hegemonicamente na saúde suplementar e apresenta desafios de difícil enfrentamento como os custos crescentes. Entretanto, os problemas do modelo tecnoassistencial não se restringem ao plano econômico. De fato, o plano econômico é reflexo dos problemas encontrados no plano do cuidado. Como, por exemplo, a fragmentação da rede assistencial, a falta de comunicação entre prestadores, beneficiários sem a orientação devida em suas linhas de cuidado, operadoras praticando políticas de remuneração sem o conhecimento de mudança efetiva na prática dos serviços, repetição de consultas, exames e procedimentos desnecessariamente e descontinuidade do cuidado.2 Este projeto de pesquisa foi produzido no âmbito do Edital 005/2014 ANS/OPAS. As opiniões emitidas na presente publicação são da exclusiva responsabilidade dos autores, sem representar posicionamentos oficiais da Organização Pan-Americana da Saúde ou da Agência Nacional de Saúde Suplementar.

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Nessa perspectiva, estudos apontam que a escolha de prestadores baseada na excelência, assim como a coordenação do cuidado, no encaminhamento aos outros prestadores, são fatores estratégicos no melhor desempenho econômico dos planos de saúde (ALMEIDA et al., 2010; CONILL et al., 2008; CONSTÂNCIO, 2012; FRANCO et al., 2007; MAC ADAM, 2008; PORTER e TEISBERG, 2007; SCHOUT et al., 2009). Assim sendo, monitorar e avaliar a assistência prestada por essas redes, principalmente em operadoras com amplo uso de rede credenciada, é imperativo para assegurar a qualidade da assistência, o controle dos gastos assistenciais e a efetividade de novas formas de remuneração.

Formas tradicionais de atuação, como o monitoramento de indicadores (tempo de internação, custo médio etc.), barganha de preços e economia de escala têm o seu valor. Entretanto, tais metodologias têm se mostrado insuficientes para avaliar a rede. A fragmentação das linhas de cuidado, as reinternações, a repetição de exames e procedimentos, dentre outros problemas, se tornam uma espécie de “doença crônica” da gestão da rede de prestadores (SILVA JUNIOR et al., 2005, 2006, 2008).

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), agência que regula as empresas operadoras de planos privados de saúde, atenta a essas situações, propõe algumas estratégias de enfrentar essa problemática. Dentre as várias estratégias, pode ser citada a criação do Programa de Monitoramento da Qualidade dos Prestadores de Serviços na Saúde Suplementar (QUALISS). Esse programa tem como objetivo avaliar a qualidade dos prestadores por meio de indicadores que possuam validade, comparabilidade e capacidade de discriminação dos resultados (BRASIL, 2011). Tais indicadores são divididos em seis eixos: efetividade, eficiência, equidade, acesso, centralidade no paciente e segurança.

Quando se fala em “centralidade do paciente”, o eixo de análise consiste em dois indicadores: a “satisfação do cliente” e o “monitoramento da manifestação do cliente”. O indicador de “satisfação do cliente” é baseado na pergunta ao paciente se o mesmo recomendaria a outras pessoas o serviço recebido em determinada unidade hospitalar (BRASIL, 2012b). Já o indicador de “monitoramento da manifestação do cliente” consiste no monitoramento de reclamações realizadas pelos pacientes e o acompanhamento de ações de melhorias geradas a partir dessas reclamações. Interpreta-se o maior número de ações de resposta por parte da operadora, geradas a partir das reclamações, como maior envolvimento da instituição na centralidade do paciente (BRASIL, 2012a).

Apesar de terem grande utilidade, tais indicadores são limitados em seu poder de análise. Fato esse reconhecido pela própria ANS em seus documentos, pois a análise de satisfação tem uma carga subjetiva, além de ser difícil estabelecer um benchmarking nacional para o indicador. Isso está em consonância com as discussões internacionais, que já reconhecem a necessidade de comparabilidade entre a avaliação dos serviços (GROENE, 2011) e a limitação das avaliações de satisfação em relação aos relatos de experiência, embora os conceitos sejam frequentemente confundidos na literatura (CROW et al., 2002; EPSTEIN et al., 1996; ROSENTHAL e SHANNON, 1997; SITZIA e WOOD, 1997; SOFAER e FIRMINGER, 2005; WILLIAMS, 1994).

O indicador “satisfação do cliente” - que remete a uma pergunta sobre a satisfação - ou não, de um serviço, não tem representatividade da realidade analisada. Isso se dá, principalmente, por não avaliar etapas específicas do processo de cuidado. O “monitoramento da manifestação do cliente”, por sua vez, é um indicador retrógrado e de difícil obtenção. Ele não permite a intervenção em tempo real no problema, depende da análise de atas de reunião das operadoras e da comprovação da existência de ações de melhorias. Além disso, é um indicador passivo. Sua obtenção depende da ação do consumidor, prejudicando a sua representatividade da realidade a ser gerenciada e a mensuração dos resultados obtidos com as ações gerenciais.

A noção de satisfação de beneficiários, segundo vários autores, é enviesada por uma série de expectativas, muitas vezes desencontradas, por parte dos avaliadores e beneficiários (ESPERIDIÃO e TRAD, 2006). Essa observação nos obriga a investir em referenciais mais objetivos e que possam dar voz ao paciente em sua experiência de adoecimento e busca por cuidados. O Laboratório de Pesquisas e Práticas de Integralidade em Saúde – LAPPIS (IMS-UERJ), em especial na sua interface com o Instituto de Saúde Coletiva da UFF, tem investido, desde 2003, em metodologias avaliativas amistosas à Integralidade

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em Saúde (SILVA JUNIOR e MASCARENHAS, 2004; SILVA JUNIOR et al., 2008; PINHEIRO, SILVA JUNIOR e MATTOS, 2008). Como desdobramento desses estudos, vêm construindo abordagens centradas nos usuários de serviços de saúde, nas quais estes usuários possam ter suas perspectivas contempladas em diálogo com valores emergentes da discussão da Integralidade em Saúde (PINHEIRO e MARTINS, 2009, 2011; PINHEIRO e SILVA JUNIOR, 2009). Muito se tem investido em abordagens que utilizam itinerários terapêuticos dando voz à vivência dos pacientes e de seus familiares na busca por cuidado (BELLATO, ARAÚJO e CASTRO, 2008; GERHARDT, ROTOLI e RIQUINHO, 2008; NASCIMENTO SILVA et al., 2008; SILVEIRA et al., 2008). Entretanto, a escala necessária dos estudos, o advento das redes sociais e as tecnologias de comunicação no mundo virtual apresentam-se como novos desafios e oportunidades.

Um desses estudos desenvolvidos dialoga com a possibilidade de utilização da internet e de redes sociais virtuais na construção de práticas avaliativas de serviços e programas de saúde. Neste, os usuários são estimulados a avaliar os serviços buscados com base nas suas vivências e em alguns conceitos–chave do cuidado integral (HEBER et al., 2012). Esta experiência chamada “(Im)Paciente – site de avaliação de serviços de saúde” (www.impaciente.org) vem sendo aperfeiçoada e vislumbrou a oportunidade de aplicação em escala no Programa de Monitoramento da Qualidade dos Prestadores de Serviços na Saúde Suplementar (QUALISS) desenvolvido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar-ANS.

No âmbito da cooperação com a ANS, mediada pela Organização Pan-Americana de Saúde – OPAS, no sentido de aprofundar a discussão sobre a centralidade do usuário na avaliação dos prestadores de serviços de saúde no setor suplementar, foi pactuada a realização de um estudo sobre o assunto. O objetivo geral deste estudo foi analisar a produção científica sobre avaliação de programas e serviços em saúde centrada no usuário, destacando aspectos conceituais, experiências internacionais e instrumentos existentes. Os objetivos específicos foram: identificar e levantar a produção teórica de avaliação de programas e serviços em saúde centrada no usuário no Brasil e em âmbito internacional; sistematizar a produção científica levantada e analisar conceitos e experiências relevantes encontradas.

A metodologia proposta foi uma revisão integrativa da literatura científica (MENDES; SILVEIRA; GALVÃO, 2008).

O universo pesquisado foi o de estudos listados na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), acessando arquivos científicos indexados nas seguintes bases de dados: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs), Scientific Electronic Library Online (SciELO), Literatura Internacional em Ciências em Saúde (MEDLINE), Índice Bibliográfi co Espanhol de Ciências da Saúde (IBECS) e Biblioteca Cochrane.

Os descritores selecionados foram: “avaliação centrada usuário”, “avaliação centrada paciente”, “patient centered assessment” e “patient centered evaluation”.

O processo de seleção da bibliografia pode ser observado de forma sistemática na Figura 1.

28 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

Figura 1 - Diagrama de busca bibliográfi ca

Busca com descritores: “patient centered care assessment review”, “patient centered assesment review”, “patient centered care evaluation review”, “avaliação centrada no paciente” e “avaliação centrada no usuário”.

717 estudos

84 estudos para leitura integral

17 estudos para discussão detalhada

67 artigos não propunham nova metodologia nem abordavam o assunto de forma que fossem agregadas várias experiências

633 estudos que:• Tratam apenas de uma linha de cuidado específica• Tratam de uma experiência isolada• São sobre medicamentos ou ensaios sobre medicamentos• Abordam patologias ou condições de saúde específicas• Não abordam aspectos metodológicos da avaliação centrada no usuário ou da metodologia de aplicação desse tipo de avaliação• São estudos duplicados

Fonte: (HEBER, 2015).

29OPAS/OMS - ANS/MS

Resultados

Avaliação centrada no usuário (ou paciente) e assistência centrada no usuário (ou paciente)

Após revisão da literatura e aproximações sucessivas do conceito de “avaliação centrada no paciente”, fica claro que a discussão de avaliação tem origem na discussão de assistência e apenas se diferencia desta na possibilidade de avaliar também serviços organizados em lógicas diferentes das centradas no paciente. Por isso, o caminho percorrido pela literatura foi o de, em primeiro lugar, definir o que é a assistência centrada no usuário (Patient Centered Care - PCC), e em segundo lugar, levantar metodologias de avaliação deste tipo de assistência. Dentre as metodologias possíveis, uma que ganhou maior destaque foi a avaliação centrada no paciente.

Dessa forma, propõe-se neste estudo seguir a linha de raciocínio da literatura. Entretanto, primeiro é necessário discorrer sobre a PCC.

Assistência centrada no paciente (PCC)

A proposta deste trabalho não é dissertar sobre a definição da assistência centrada no paciente, mas entender minimamente como seu significado é importante. Foram buscados na literatura os autores mais abrangentes e relevantes em suas definições. A partir desse raciocínio, puderam ser identificadas dimensões da definição da PCC: uma dimensão conceitual, uma dimensão operacional e uma dimensão individual. É importante notar que a divisão nessas dimensões é meramente didática e que aspectos abordados na literatura são por muitas vezes classificáveis em mais de uma delas.

Quando se fala de dimensão “conceitual”, a intenção é definir ideias e delimitar conceitos. Robinson et al. (2008) traçam quatro dimensões pelas quais a PCC pode ser abordada:

1) Políticas públicas: Quando a ideia de respeitar as vontades, necessidades e preferências do paciente, assim como provê-lo de suporte e educação para participar de seu próprio cuidado, ajudam a moldar a visão de qualidade do sistema de saúde.

2) Econômica: uma visão derivada do consumerismo (a ideia do direito de consumidor). O paciente como consumidor cada vez mais deve ser melhor informado e participar das decisões dos serviços que recebe. Os autores salientam que, segundo o Economic and Social Research Institute (2006), a PCC carrega conceitos que são tangíveis no consumerismo (como as expectativas do paciente em relação à qualidade, ao custo e ao tempo), mas a noção de PCC abraça mais a ideia de adaptação da oferta de serviços conforme as necessidades dos pacientes (lógica analítica), do que a oferta de serviços demandados pelo paciente (lógica de consumo de produtos).

3) Clínica: tradicionalmente, pacientes recebem assistência sem serem levadas em consideração suas preferências em relação ao cuidado. Na PCC, o contexto psicossocial e as preferências do paciente devem ser considerados na condução da assistência e a relação prestador-paciente deve focar no bem estar deste último.

4) Perspectiva do paciente: segundo os autores, é uma dimensão essencial para definir a centralidade do paciente, porém, ainda sem definição formal. Entretanto, estudos se esforçam para definir as prioridades do paciente na assistência. Podemos citar alguns exemplos, tais como: respeito, cortesia, eficiência, envolvimento em decisões, tempo da assistência, disponibilidade e acessibilidade, informação, comunicação, dentre outros aspectos.

30 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

Uma dimensão “operacional” diz respeito à organização dos processos de trabalho propriamente ditos de um serviço centrado no paciente.

Nesse sentido, Hudon et al. (2011) publicaram um trabalho que propõe uma matriz para a definição de PCC a partir da literatura mais proeminente. Os autores identificaram pontos de convergência nas propostas de definição por Mead e Bower (2000) e Stewart et al. (2003). A assistência centrada no paciente necessariamente deve perpassar as dimensões 1) “biopsicossocial”, no sentido de ver o paciente como um todo; 2) “paciente como pessoa”, na sua vivência com a doença e com o estado de estar doente; 3) “compartilhamento de poder e responsabilidade”, no sentido de diálogo entre médicos e pacientes na construção, tanto de terapêuticas mais adequadas às necessidades e ao modo de viver dos pacientes, quanto da autonomia deles e 4) “aliança terapêutica” (na relação médico-paciente) no sentido de maior proximidade, resguardando também a subjetividade do médico.

Seguindo com o raciocínio, uma dimensão “individual” é aquela que o próprio paciente define como “assistência centrada no paciente”.

Esse tipo de perspectiva foi descrito por Sofaer e Firminger (2005). Eles dizem que, quando perguntados sobre o que consideram qualidade, os pacientes respondem algo próximo do que é o conceito de PCC. Para eles, qualidade inclui ter suas necessidades físicas e emocionais atendidas, ter assistência individualizada, serem envolvidos na assistência e decisões, ter profissionais com conhecimento personalizado sobre o paciente, respeitando suas crenças, inclusive sobre medicina não-ocidental, que se reportam ao paciente, que demonstram respeito, escutam, antecipam necessidades, protegem a privacidade e confidencialidade do paciente, enfermeiros que advogam ao seu favor, envolvem seus familiares e dão assistência equânime.

Pode-se perceber, portanto, que a informação ao paciente, no sentido de provê-lo de conhecimento novo para tomada de decisão, o diálogo e seu envolvimento nas decisões e no processo da assistência são fatores que perpassam todas as três dimensões da PCC. Nesse sentido, é importante destacar o paradoxo da centralidade do paciente, apontado por Groene (2011). Segundo o autor, pacientes com maior grau de instrução tendem a querer participar mais das decisões da assistência, enquanto pacientes com menor grau de informação tendem a não querer se envolver nessas decisões. O paradoxo consiste no fato de ser exatamente o paciente com menor grau de instrução que, na maioria das vezes, demande maior cuidado.

Destaca-se, a partir disso, o que foi dito por Robinson et al. (2008) na dimensão de “políticas públicas”: é necessário prover o paciente de suporte e informação para que participe das decisões.

Metodologias de avaliação centradas no paciente

Antes de partir para a abordagem de metodologias de avaliação centrada no paciente, primeiro é necessário definir quem é o dito “paciente” e o que busca ser avaliado.

Lee, Skött e Hansen (2009) estudaram diversos relatórios de avaliação de tecnologia em saúde. Tais relatórios possuíam uma seção referente às “questões relacionadas ao paciente”. Os autores perceberam que o termo “paciente” engloba todos os usuários potenciais da tecnologia, podendo ser uma pessoa, um grupo de pacientes ou membros da sociedade. Eles relevam que a combinação de experiências, percepções, expectativas e ações em relação a uma tecnologia é inter-relacionada com a situação de vida e com a história do indivíduo. Sendo assim, as perspectivas do paciente diferem substancialmente daquelas do profissional.

Essa perspectiva não é só diferente entre pacientes e profissionais. Como Lee, Skött e Hansen (2009) pontuam, é uma questão individual. Essa mesma perspectiva é diferente entre pacientes. Assim,

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é de suma importância diferenciar o conceito de satisfação do paciente do conceito de experiência do paciente. Ambos carregam a percepção do paciente, mas diferem bastante em sua utilidade.

Sofaer e Firminger (2005) abordam essa questão. Eles ressaltam que os termos experiência do paciente e satisfação do paciente têm sido usados como se fossem a mesma coisa e isso leva a muita confusão conceitual. A satisfação do paciente depende de sua percepção, necessidades ou desejos. Nesse tocante, Crow et al. (2002) realizaram um estudo que leva a duas conclusões sobre satisfação: a satisfação não implica superioridade do serviço, apenas em adequação ou aceitação do mesmo e que satisfação é um conceito relativo: o que satisfaz uma pessoa não necessariamente satisfaz outra.

Muitas pesquisas de satisfação envolvem uma nota global, o que é difícil que seja atribuído por um paciente, pois suas experiências com a assistência variam com o tempo e com os diferentes prestadores. Isso levou a muitas experiências mudarem o foco da satisfação para relatos de experiências. Epstein et al. (1996), dizem que pode ser bem mais útil perguntar aos pacientes sobre períodos específicos e experiências com a assistência, documentando ambos experiência com assistência e avaliação. Além disso, perguntas específicas sobre a assistência minimizam a subjetividade e a confusão das expectativas do paciente com suas avaliações.

Assim sendo, podem ser delineados aqui dois valores importantes para a avaliação centrada no paciente: 1) o “paciente” pode ser qualquer usuário da tecnologia, serviço ou sistema de saúde ou até do arranjo desses serviços no sistema e 2) a experiência do paciente tem um valor analítico muito maior que a satisfação do paciente. Assim sendo, neste documento, chama-se de “usuário” ou “paciente” qualquer pessoa na qualidade de usuário do serviço, tecnologia ou sistema, além de serem favorecidas metodologias que abordem não só a experiência dessas pessoas, como também a satisfação delas com os serviços.

Aspectos metodológicos - operacionais

Quando se fala de “avaliação centrada no paciente”, podemos pensar que essa avaliação ocorra por três perspectivas distintas, as quais serão chamadas de “terceira pessoa”, “segunda pessoa” e “primeira pessoa” apenas por motivos didático-explicativos.

Uma metodologia em “terceira pessoa” é uma forma de avaliar mais distante, na qual se afere a perspectiva do usuário como um “outro”, um “ele/ela”. Um exemplo disso é o trabalho de Jennings, Staggers e Brosch (1999). Os autores diferem indicadores clínicos de indicadores holísticos em suas classificações. De forma prática, pode ser explicado que o indicador clínico é o que o prestador está interessado em melhorar: a pressão arterial, o índice de massa corporal, os níveis de fator reumatóide, a hemoglobina glicada, dentre muitos outros. Indicadores holísticos são os que o paciente está interessado em melhorar: o grau de incapacidade de um paciente portador de artrite reumatóide, por exemplo. É necessário reparar que aqui se fala de indicador: o grau de incapacidade. Apesar da intenção do indicador ser aferir a autonomia do paciente para suas atividades laborais ou cotidianas, aqui falamos de aferir “grau de incapacidade”. São dimensões de análise completamente distintas. Quando se fala de grau de incapacidade, está se fazendo uma avaliação distante, com um indicador mais objetivo. Isso tem sido chamado de “terceira pessoa”. Já uma entrevista, para entender como a autonomia do paciente é afetada por sua doença, pode ser pensada como uma abordagem mais próxima, a qual será explorada a seguir.

A metodologia em “segunda pessoa” é uma forma de avaliação centrada no paciente mais próxima do paciente, mas ainda focada em outro indivíduo: o entrevistador. Robinson et al. (2008) trazem o exemplo de um procedimento: gravações de momentos de comunicação entre prestador e paciente. Entretanto, a autora ressalta um fator divisor de águas na avaliação centrada no paciente, ao citar dois estudos conduzidos por Stewart et al. (2000, 2001). Stewart et al. (2000) relatam que foram observadas gravações de áudio de momentos de comunicação prestador-paciente, nos quais foram identificados aspectos considerados “centrados no paciente”. Essas gravações foram comparadas com o reconhecimento, pelo

32 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

próprio paciente, de que houve centralidade do paciente na relação. Nos casos onde o paciente reconhece a centralidade ocorreram metade das referências (a outros prestadores) e metade dos testes diagnósticos do que nos casos das gravações. Stewart (2001) concluiu que não há centralidade do paciente, embora sejam observáveis características de centralidade do paciente, em relações nas quais o paciente não reconhece que haja essa centralidade.

Essa conclusão nos leva à perspectiva em “primeira pessoa” de avaliação centrada no usuário. Além disso, Sofaer e Firminger (2005) ainda relevam que as perspectivas dos pacientes e prestadores diferem significativamente. Ou seja: se está sendo buscada a qualidade por meio da centralidade do paciente, necessariamente a perspectiva do paciente deve ser levada em conta.

Limitações da avaliação centrada no usuário

Groene (2011) ainda ressalva que a maior limitação para avaliar a centralidade do paciente é a falta de uma metodologia “padrão-ouro”, mas que, considerando as diferenças de abordagem necessárias para cada serviço, apenas um padrão de abordagem pode não atender a todos os objetivos de avaliação.Outra limitação relevante é que em questionários respondidos diretamente pelo paciente pode haver confusão de conceitos. Robinson et al. (2008) citam o método usado no National Healthcare Quality Report para exemplificar essa limitação.

O método em questão pede que os pacientes respondam perguntas sobre a) se o prestador escuta atentamente; b) se o prestador explica as coisas de forma clara; c) se o prestador respeita o que o paciente tem a dizer e d) se o prestador passa tempo o suficiente com o paciente (AGENCY FOR HEALTHCARE RESEARCH AND QUALITY, 2005).

Robinson et al. (2008) argumentam que, nesse tipo de estudo, o paciente pode responder que um profissional escuta atentamente, mas o critério usado para sua análise pode não envolver o que constitui escutar atentamente. Isso reforça a necessidade formativa e informativa ao paciente para haver real comparabilidade entre serviços ao usar metodologias centradas no paciente como avaliação. Uma forma de contornar essa limitação é, por exemplo, ofertar, no processo avaliativo com o paciente, conteúdo sobre o que significa “escuta atenta”, sinalizando a utilização dos seus aspectos pessoais e do contexto na análise do paciente.

Parâmetros ou diretrizes para a avaliação centrada no usuário

Sofaer e Firminger (2005) buscaram direto com o paciente os critérios que devem ser usados na avaliação centrada no paciente. As dimensões consideradas importantes envolvem acesso (tanto ao serviço quanto aos profissionais), comunicação, informação, cortesia e suporte emocional. Já, entre profissionais, necessidades de ajuda em serviços não médicos (como serviços sociais) e qualidade técnica. Podemos pensar esses indicadores como determinados em “primeira pessoa”.

Analogamente, indicadores determinados em “segunda pessoa” também são possíveis. Lee, Skött e Hansen (2009), por meio do estudo de relatórios de avaliação tecnológica em saúde, identificaram cinco categorias de questões relacionadas ao paciente: informação do paciente, aspectos psicológicos (subdivididos em desconforto e preocupação do paciente, satisfação do paciente e envolvimento do paciente), efeitos da tecnologia (por exemplo, na qualidade de vida), questões sociais (subdivididas em impacto na rotina no cotidiano do paciente, implicações para entes queridos e impacto na capacidade de trabalhar), questões éticas (subdivididas em aceitação do paciente à tecnologia e considerações técnicas fundamentais e específicas) e impacto na situação financeira do paciente.

Utilizar indicadores em “terceira pessoa” dispensa grandes explicações, pois muitos já são

33OPAS/OMS - ANS/MS

explorados na clínica e literatura. Podemos citar o uso do Quality Adjusted Life Years (QUALY), ou anos de vida ajustados para a qualidade e grau de limitação, como no exemplo já abordado de um portador de artrite reumatóide.

Nesse tocante, é possível perceber que, assim como a avaliação em si, é possível determinar quais parâmetros ou indicadores podem ser abordados com metodologias em “primeira”, “segunda” e “terceira” pessoas. Reeve et al. (2013) reconhecem o que está sendo chamado de avaliação centrada no usuário em “primeira pessoa” como Patient Reported Outcome (PRO). Como o próprio artigo define, é qualquer informação extraída diretamente do paciente, sem mediação de qualquer outro profissional. Após revisão da literatura e opiniões coletadas de especialistas do International Society for Quality of Life Research (ISOQOL), os autores sugerem padrões mínimos para a metodologia do PRO para buscar melhorias na efetividade e eficiência da assistência, quais sejam:

1. Conceito e modelo de mensuração: o PRO deve ter documentação definindo e descrevendo o conceito usado para formulação do método e a definição da população-alvo da pesquisa, assim como documentação sobre como o conceito é organizado no modelo de aferição, incluindo evidência da dimensionalidade da medida, como os itens da pesquisa se relacionam com o conceito e a relação entre conceitos empregados no PRO;

2. Confiabilidade: a confiabilidade deve ser acima de 0,70 (escala utilizada pelos autores) para comparações de grupos, mas pode ser menor, caso seja devidamente justificada. A confiabilidade pode ser estimada usando diversos métodos, como de confiabilidade interna, confiabilidade de repetibilidade ou teoria de resposta ao item. O método empregado deve ser justificado;

3. Validade: a) Validade de conteúdo; b) Validade da construção e c) Responsividade;

4. Interpretação das medidas: o PRO deve esclarecer como as notas e avaliações usadas por ele devem ser interpretadas;

5. Tradução do PRO para outras línguas;

6. Fardo para investigador e paciente: o PRO não deve ser um fardo, o tempo de coleta de informações deve ser considerado, assim como a freqüência da pesquisa e o nível educacional dos participantes.

Assim sendo, dois exemplos internacionais de metodologias de avaliação centrada no paciente com aspectos em “primeira pessoa”, esforço de padronização (para gerar comparabilidade) e com grande aceitação e relevância em seus países de origem podem ser citados aqui: a pesquisa Consumer Assessment of Healthcare Providers and Systems (CAHPS) nos Estados Unidos (NATIONAL COMMITTEE FOR QUALITY ASSURANCE, 2015) e o National Health System Choices (NHS Choices) na Inglaterra (ENGLAND DEPARTMENT OF HEALTH, 2015).

Conclusões

A avaliação centrada no paciente é um conceito que pode ser utilizado em diversos tipos de assistência, sendo centrados no paciente ou não.

Entretanto, seu desenvolvimento tem sido mais explorado nas últimas duas décadas, por ter sido reconhecida, em sua forma que é denominada como “primeira pessoa” neste trabalho, como um componente estratégico para avaliação da centralidade do paciente e, consequentemente, da qualidade de serviços e sistemas de saúde.

34 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

Neste trabalho percebe-se que a metodologia de avaliação, assim como o próprio conteúdo a ser avaliado, podem ser determinados de várias formas. Com uma abordagem mais distante, só com indicadores (“terceira pessoa”), de forma próxima, com entrev istas e observação cuidadosa (“segunda pessoa”) e pelo próprio paciente (“primeira pessoa”), sendo este último o método mais relevante. Entretanto, mais relevante ainda é que sejam mescladas metodologias distintas.

Vale lembrar que a adequação da metodologia ao que se quer avaliar e a quem está sendo avaliado são medidas não só estratégicas, como também necessárias para que realmente ocorra uma avaliação centrada no usuário.

Com espaço cada vez mais crescente na saúde, a avaliação centrada no usuário tem ocupado papel cada vez mais “central” nos modelos tecnoassistenciais, com experiências internacionais cada vez mais marcantes. É de suma importância que, atento para essa tendência, o Brasil, tanto na rede pública quanto na rede privada, aproveite essas lições para prover um cuidado de maior qualidade para o usuário, ou seja, para todos nós.

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38 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

39OPAS/OMS - ANS/MS

Capítulo 3

Mudanças recentesna estrutura etáriados beneficiáriosde operadoras privadasde saúde no Brasil

40 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

41OPAS/OMS - ANS/MS

Mudanças recentes na estrutura etária dos benefi ciários de operadoras privadas de saúde no Brasil3

Universidade Federal de Minas Gerais

Cassio Maldonado TurraDoutor em Demografia e Professor Associado do Departamento de Demografia do CEDEPLAR

Kenya NoronhaDoutora em Economia e Professora Adjunta do Departamento de Economia do CEDEPLAR

Monica Viegas AndradeDoutora em Economia e Professora Associada do Departamento de Economia do CEDEPLAR

Introdução

A transição demográfica é o processo caracterizado pela passagem de altos para baixos níveis de fecundidade e mortalidade. Uma de suas consequências mais notáveis é o envelhecimento da população (CAMARANO et al., 2004). Em economias em desenvolvimento como o Brasil, a transição demográfica foi marcada por um início tardio e uma maior velocidade de redução tanto da fecundidade quanto da mortalidade (PALLONI et al., 2006, PALLONI et al., 2005). Em todas as populações, a transição demográfica inicia-se por reduções nos níveis de mortalidade. No Brasil, este processo começou nos anos 30, em função da queda nos níveis de mortalidade infantil e materna, especialmente em função da diminuição dos óbitos por doenças infectocontagiosas. Em anos mais recentes, os ganhos de mortalidade têm se estendido para as idades mais avançadas, seguindo o padrão clássico de transição epidemiológica, o que tem acelerado o envelhecimento da estrutura etária. A transição de mortalidade no país decorreu de melhorias do sistema de saúde pública e de infraestrutura urbana, disseminação de melhores hábitos nutricionais e de higiene pessoal, bem como dos avanços tecnológicos na área da saúde, sobretudo com a descoberta dos antibióticos (LIMA, 2011; GORDILHO et al., 2000; IBGE, 2009, CAMARANO et al, 2004). De 1940 a 2008, observou-se um aumento expressivo da expectativa de vida, que passou de 45,5 anos para 72,8. De acordo com projeções populacionais, espera-se que em 2050, a expectativa de vida atinja o patamar de 81,3 anos, quando então, se assemelhará às atualmente observadas na Islândia (81,80), Hong Kong, China (82,20) e Japão (82,60) (IBGE, 2008).

No processo de transição demográfica, a transição de mortalidade é seguida pela redução nos níveis de fecundidade. No Brasil, esta fase ocorreu a partir dos anos 60. Em apenas 40 anos, a taxa de fecundidade total sofreu uma redução de, em média, 4 filhos por mulher, passando de 6,3 em 1960 para 2,3 em 2000 (IBGE, 2002). Trata-se de um processo significativamente mais rápido do que o observado nas economias desenvolvidas. Na Itália e França, por exemplo, foram necessários quase dois séculos para que o processo de transição de fecundidade avançasse e suas taxas de fecundidade total atingissem níveis iguais a, respectivamente, 2,2 e 0,9 filhos por mulher (BRITO, 2007). Atualmente, a taxa de fecundidade total no Brasil está em torno de 1,7 filhos por mulher, valor abaixo do nível de reposição da população (IBGE, 2012).

Como reflexos dessas mudanças, verificou-se a partir dos anos 70, uma redução na participação dos jovens na população total e o concomitante aumento da proporção de idosos (CAMARANO et al., 2004; CARVALHO; WONG, 2008). A partir de então, o Brasil vem envelhecendo em ritmo bastante acelerado

3Este projeto de pesquisa foi produzido no âmbito do Edital 005/2014 ANS/OPAS. As opiniões emitidas na presente publicação são da exclusiva responsabilidade dos autores, sem representar posicionamentos oficiais da Organização Pan-Americana da Saúde ou da Agência Nacional de Saúde Suplementar.

42 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

(CHRISTOPHE, 2009). Em 1950, a proporção de indivíduos acima de 65 anos representava 3% da população total no Brasil. Em 2010, essa proporção mais do que dobrou, passando para 7.4% (IBGE, 2015). De acordo com projeções populacionais, a participação dessa parcela da população deverá alcançar quase 23% em 2050 (UNITED NATIONS, 2015). Esses valores são próximos aos projetados para alguns países desenvolvidos, como Reino Unido e Estados Unidos, cujo percentual de idosos em 2050 estará em torno de 25% e 22%, respectivamente (UNITED NATIONS, 2015).

A crescente participação relativa de idosos na população brasileira vem alterando significativamente o perfil de morbidade do país (CAMARANO; PASSINATO, 20 04). A população idosa é acometida, primordialmente, por enfermidades crônicas o que acarreta em um aumento do consumo de consultas médicas, exames periódicos, medicamentos, e internações hospitalares, impactando de forma expressiva os gastos com saúde (GORDILHO et al., 2000). Nesse contexto, tem crescido o debate sobre o financiamento dos serviços de saúde, tanto no setor público quanto no setor privado, e sua sustentabilidade no longo prazo.

O objetivo desse capítulo é analisar a evolução da estrutura etária da carteira de beneficiários das Operadoras Privadas de Saúde (OPS) por tipo de contratação e sexo. Essa análise é particularmente importante para o Brasil tendo em vista o processo de envelhecimento populacional que o país vem experimentando. Os atributos de risco observáveis mais relevantes para determinação dos gastos esperados com saúde, e, consequentemente para definição dos prêmios de seguro, são as variáveis de sexo e idade. Na maior parte dos países tanto a alocação de recursos em saúde, como o ajustamento de risco, tem como parâmetros fundamentais a distribuição etária e de sexo da população (OECD, 2004; Mendes 2009; Van de Ven et al., 2003; Van de Ven e Ellis, 2000; Carr-Hill et al., 1994). No caso brasileiro, em particular, as OPS devem observar as regras de precificação e de reajuste relacionadas à idade dos participantes. Essas regras variam de acordo com a data de contratação – antes ou depois de 01 de janeiro de 1999, quando a Lei 9.656, que regulamentou o setor, começou a vigorar – e com o tipo de contratação – individual ou coletiva. Desde 2004, a ANS estabeleceu 10 faixas etárias e vem regulamentando as regras de reajuste dos prêmios. Os prêmios dos planos regulamentados estão limitados a uma variação de no máximo seis vezes entre o grupo etário mais velho (59 anos de idade ou mais) e o mais jovem (0 a 18 anos de idade) além de terem que ser observadas regras na taxa de crescimento entre faixas etárias (ANS, 2003). A imposição de uma razão máxima entre os prêmios das faixas extremas tem como fundamentação econômica a tentativa de implementar subsídio cruzado entre grupos etários. Esse subsídio ocorreria, caso a operadora definisse o prêmio dos mais idosos em função do valor do prêmio dos mais jovens. Nesse caso, a regulamentação poderia implicar em preços subsidiados para os grupos de idade mais velhos, isto é, em preços inferiores aos custos efetivos gerados por este subgrupo para os planos. Na ausência de seleção adversa, ocorreria uma transferência líquida de recursos dos grupos de idade mais novos para os mais velhos, o que se convencionou chamar de pacto intergeracional. A presença ou não do subsídio cruzado (ou pacto intergeracional) forçado pela regulamentação da ANS depende de vários elementos. Em princípio, do ponto de vista teórico, não se espera que os mais jovens sejam altruístas e desejem pagar um prêmio de risco não atuarialmente justo para obter o seguro saúde. Na prática, entretanto, esse subsídio pode ocorrer dependendo principalmente da forma de adesão ao plano e da estrutura de concorrência do mercado de operadoras. A forma de adesão é importante por pelo menos dois motivos: primeiro porque se o contrato, embora seja renovado anualmente, apresentar uma perspectiva de longo prazo ou de ciclo de vida, é provável que os indivíduos aceitem esse esquema de subsídio cruzado. É o caso, por exemplo, de planos de saúde ofertados por empregadores que têm baixa rotatividade da mão de obra, sendo setores com empregos de maior estabilidade. Nesses casos, é razoável supor que os indivíduos em idade mais jovem aceitem pagar mais caro subsidiando os indivíduos mais idosos da carteira, na certeza de que quando estiverem nesse grupo etário, também serão subsidiados. Se a adesão for familiar, é possível também esperar que os indivíduos sejam propensos a aceitar esse tipo de esquema de subsídio, uma vez que existe uma transferência entre gerações da mesma família. No Brasil, grande parte dos planos apresentam dependentes evidenciando a possibilidade da viabilidade desse esquema de tarifas. Maia (2012) mostrou que a evidência empírica suporta a presença de subsídio cruzado entre os grupos etários no Brasil, não sendo observada seleção adversa dos grupos etários mais idosos. Até 2008, segundo a autora, não houve redução na chance de os grupos mais jovens adquirirem plano de saúde. Esses resultados podem estar

43OPAS/OMS - ANS/MS

associados, inclusive a politicas mercadológicas, praticadas pelas operadoras, para atraírem grupos mais jovens, tentando um pool de risco mais favorável. A política de subsidio cruzado entre grupos etários está também fortemente associada às etapas da transição demográfica da população alvo da cobertura. Nas fases iniciais da transição demográfica, quando o ritmo de crescimento populacional é alto e a participação relativa de jovens na população é elevada, as transferências são diluídas entre uma grande população de jovens e o pacto intergeracional torna-se um instrumento de financiamento sustentável. Entretanto, na medida em que há um avanço no processo de transição demográfica e observa-se o consequente envelhecimento da população, o aumento da necessidade de transferências líquidas oriundas de uma proporção cada vez menor de jovens coloca em risco o pacto de solidariedade entre as gerações e consequentemente, a sustentabilidade financeira das operadoras. Com a maior necessidade de financiamento intergeracional, espera-se um incremento da probabilidade de ocorrer seleção adversa dos beneficiários de planos de saúde. Nesse caso, a participação dos jovens na carteira de planos de saúde seria inferior à observada na população como um todo enquanto a participação dos idosos seria superior.

A contribuição deste capítulo é analisar a distribuição dos beneficiários por idade, bem como as mudanças recentes em sua estrutura etária, que são elementos primordiais para o debate sobre o pacto intergeracional. Os resultados obtidos nesse estudo são um primeiro passo para se mensurar futuramente as transferências líquidas entre os grupos etários e com isso avaliar a existência do subsídio cruzado entre os grupos etários.

Método

Para a realização desse estudo, foi construído o banco de dados com base nos microdados do Sistema de informação de beneficiários (SIB) disponibilizados pela Agência Nacional de Saúde. Além do SIB, foi também utilizado o Sistema de Cadastro de Operadoras (CADOP) para obter informações sobre o status (ativa/não ativa) da OPS em cada ano de análise, sua modalidade e Unidade da Federação (UF). O status da operadora em cada ano foi obtido com base em informações sobre a data de registro da OPS junto à ANS e a data de cancelamento. Foi considerada ativa a operadoras cuja data de registro era anterior ao ano em estudo e o registro não foi cancelado ou o cancelamento ocorreu em ano posterior ao de análise.

As informações presentes nos microdados do SIB estão organizadas por vínculo de prestação de serviço entre as OPS e os beneficiários. O vínculo não equivale necessariamente a um beneficiário pois o beneficiário pode ter mais de um vínculo em determinado momento (associado a mais de uma operadora) ou o vínculo pode se alterar ao longo do tempo. Dessa forma, o número de vínculos é considerado como proxy para o número de beneficiários pois não é possível obter por técnicas diretas a identificação do beneficiário e o seu acompanhamento ao longo do tempo ou entre operadoras. O banco de dados foi organizado de forma a obter o total de beneficiários referentes a contratos posteriores à regulamentação (Lei 9.656/98), desagregando por OPS, tipo de contratação e de segmentação, idade, sexo, e ano (2008 a 2013).

Para obter o total de beneficiários, foi necessário calcular, para cada ano de análise, o tempo de exposição de cada beneficiário (vínculo) na OPS em cada idade simples. O cálculo do tempo de exposição considerou a data de aniversário e a data de contratação de cada beneficiário. No caso daqueles que saíram da OPS, foram consideradas a data de cancelamento e, quando necessário, a data de reativação. Com base nas informações do SIB, foi possível estimar o total de beneficiários segundo as seguintes características: tipo de contratação, segmentação, sexo, grupo etário e grande região de residência definida pelo IBGE. A classificação dos contratos de planos e seguros de saúde por segmentação considerou três grandes agrupamentos: 1) Referência ou planos ambulatoriais mais hospitalares, 2) hospitalar e 3) ambulatorial4.

4Planos exclusivamente odontológicos não são considerados nessa análise

44 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

Os contratos ambulatoriais incluem planos de saúde que oferecem apenas os serviços ambulatoriais com ou sem serviços odontológicos. Os contratos hospitalares referem-se a planos que oferecem apenas os serviços hospitalares com ou sem cobertura odontológica e com ou sem obstetrícia. Os contratos de referência congregam as seguintes categorias: 1) planos de referência, 2) hospitalares com obstetrícia, ambulatorial e odontológico, 3) hospitalares com obstetrícia e ambulatorial, 4) hospitalares com ou sem obstetrícia mais ambulatorial, 5) hospitalares sem obstetrícia, mais ambulatorial e odontológico, 6) hospitalares sem obstetrícia mais ambulatorial.

Os beneficiários foram classificados nos seguintes grupos etários quinquenais: 0-4, 5-9, 10-14, 15-19, 20-24, 25-29, 30-34, 35-39, 40-44, 45-49, 50-54, 55-59, 60-64, 65-69, 70-74, 75-79, 80 anos e mais. Beneficiários que não possuíam o registro da data de nascimento e aqueles que, devido a erros de registro da data de nascimento, tinham idade que variava entre 109 e 260 anos foram transformados em valores missing na variável de idade. Esses indivíduos foram considerados no cômputo total de beneficiários de cada operadora, mas foram excluídos para a construção de sua estrutura etária. O limite máximo igual a 108 anos de idade foi selecionado uma vez que esse é o valor máximo de idade encontrado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 2008. Foram também construídas variáveis que indicam o número de beneficiários segundo modalidade da OPS (autogestão, medicina de grupo, cooperativa médica, filantropia, seguradora)5.

Em uma primeira etapa do estudo, foi realizada a análise descritiva da distribuição de beneficiários segundo as diferentes categorizações propostas. Essa análise, embora bastante elucidativa, não nos permite examinar, com a devida ênfase, as transformações ocorridas nessa população ao longo do tempo. Uma vez que ainda não dispomos das estimativas sobre os fluxos de entrada (contratações) e de saída (cancelamentos) de beneficiários nos anos de 2008 a 2013, optamos por investigar, indiretamente, a dinâmica da população de beneficiários, através do cálculo de taxas específicas de crescimento dos beneficiários por idade entre os anos de 2008 e 2013. Na literatura da área de demografia, as taxas de crescimento por idade têm sido utilizadas com dois objetivos: i) examinar a dinâmica da estrutura etária e seus determinantes demográficos correntes e históricos (nascimentos, óbitos e migrações); ii) estimar medidas de coorte a partir de medidas de período (coorte hipotética) em um contexto de não estacionaridade populacional (isto é, quando o crescimento populacional é diferente de zero). Horiuchi e Preston (1988) demonstraram que a taxa de crescimento do número de pessoas com idade i, entre dois pontos no tempo, pode ser descrita como:

r(i, t)= ln�Ni

t+1

Nit �=rb(t-i)-� ∆μ(y,t)dy-� ∆i(y,t)dy

i

0

i

0

\s (1)

Onde Nit é a população de idade i no ano t e Ni

t+1 é a população com idade i no ano t+1. A taxa de crescimento r(i,t) mede a variação no tamanho de duas coortes de nascimento distintas e consecutivas, na idade i em sucessivos pontos no tempo. O primeiro fator no lado direito da equação (1) descreve a parcela da taxa de crescimento que decorre do aumento no número de nascimentos entre as duas coortes. O segundo fator expressa a parcela da taxa crescimento que decorre de diferenças acumuladas no risco de morrer entre o nascimento e a idade i nas duas coortes. O último componente reflete a parcela do crescimento atribuível às diferenças acumuladas nas taxas de migração líquida das duas coortes. Quando estimamos as taxas de crescimento por idade da população de beneficiários das OPS, captamos, além dos fatores demográficos responsáveis pela dinâmica etária da população brasileira descritos em (1), variações nas taxas de mortalidade desse segmento populacional em relação à população brasileira, bem como as diferenças acumuladas nas taxas de entrada e saída de diferentes coortes de beneficiários, decorrentes de contratações e cancelamentos de planos. Portanto, se estimarmos as taxas de crescimento específicas por

5As categorias cooperativa odontológica e odontologia de grupo foram excluídas dessa análise.

45OPAS/OMS - ANS/MS

idade da população de beneficiários entre dois anos e comparamos com as taxas da população brasileira como um todo, para o mesmo período, é possível indicar de alguma maneira, a parte da dinâmica da estrutura etária que é comum à população brasileira e a parte que é exclusiva da população de beneficiários.

Resultados

A Figura 1 apresenta a distribuição etária e de sexo dos beneficiários em 2008 e 2013 e para fins comparativos, a distribuição da população total brasileira estimada para 2012. Como pode ser observado, a distribuição etária de beneficiários apresenta uma participação menor dos grupos com até 19 anos e da população acima de 55 anos relativamente à distribuição da população total brasileira nos dois anos analisados. Em 2012, a proporção da população jovem (0 a 19 anos) e da população idosa (60 anos e mais) no Brasil era igual a 34% e 9,8% entre os homens e 32% e 12% entre mulheres. Entre os beneficiários, esses percentuais eram iguais a 27% e 7% entre homens e 25% e 9% entre mulheres para o grupo etário mais jovem e idosos, respectivamente. A maior participação relativa dos grupos entre 20 e 54 anos na população beneficiária, em torno de 62% contra 52% na população brasileira total, é em grande medida associada ao fato desses grupos etários fazerem parte do mercado de trabalho, tendo como um dos benefícios a cobertura privada de plano ou seguro de saúde. De fato, a presença de plano de saúde no Brasil é, em grande medida, financiada pelo empregador, o que obviamente amplia a parcela da população em idade ativa na pirâmide etária dos planos de saúde quando comparada com a pirâmide etária do Brasil como um todo.

Figura 1 - Distribuição etária e sexo dos benefi ciários e da população total brasileira, 2008 e 2013

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 4

5 a 9

10 a 14

15 a 19

20 a 24

25 a 29

30 a 34

35 a 39

40 a 44

45 a 49

50 a 54

55 a 59

60 a 64

65 a 69

70 a 74

75 a 79

80 e mais

Mulheres Beneficiárias Homens Beneficiários Mulher Total Homem Total

2008

46 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 4

5 a 9

10 a 14

15 a 19

20 a 24

25 a 29

30 a 34

35 a 39

40 a 44

45 a 49

50 a 54

55 a 59

60 a 64

65 a 69

70 a 74

75 a 79

80 e mais

Mulheres Beneficiárias Homens Beneficiários Mulher Total Homem Total

2013

Fonte: SIB/ANS e IBGE.

A análise da distribuição etária e por sexo para diferentes regiões do país mostra que a população de beneficiários é proporcionalmente mais adulta do que a população total de cada localidade. Além disso, observa-se que essa distribuição acompanha o estágio de envelhecimento populacional que cada região se encontra. O Norte e o Nordeste apresentam relativamente uma estrutura etária de beneficiários menos envelhecida (Figura 2). Por exemplo, entre as mulheres em 2013, a proporção de idosos beneficiários (acima de 60 anos) nessas duas regiões era igual a 6,2% e 7,1% respectivamente, contra 9% no Sul e no Sudeste do Brasil. Por outro lado, a proporção de crianças (entre 0 e 4 anos) era igual a 7,5% no Norte enquanto no Sudeste esse percentual era igual a 6%. Essas diferenças regionais provavelmente refletem as diferenças de transição demográfica entre as regiões brasileiras. As regiões Sul e Sudeste apresentam maior envelhecimento que as regiões Norte e Nordeste. Além disso, como a compra de plano de saúde é crescente com a renda dos indivíduos, é possível que parte dessas diferenças também resulte de disparidades de poder econômico dos idosos residentes nas regiões Sul e Sudeste.

47OPAS/OMS - ANS/MS

Figura 2 - Distribuição etária e de sexo dos benefi ciários e da população segundo grandes regiões de residência, 2013

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homem Total Homens Beneficiários Mulher Total Mulheres Beneficiárias

Norte

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homem Total Homens Beneficiários Mulher Total Mulheres Beneficiárias

Nordeste

48 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homem Total Homens Beneficiários Mulher Total Mulheres Beneficiárias

Sudeste

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homem Total Homens Beneficiários Mulher Total Mulheres Beneficiárias

Sul

49OPAS/OMS - ANS/MS

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homem Total Homens Beneficiários Mulher Total Mulheres Beneficiárias

Centro Oeste

Fonte: SIB/ANS e IBGE

As diferenças na estrutura etária são mais proeminentes quando a análise é realizada considerando as características dos planos e seguros de saúde, tais como, tipo de contratação, segmentação e modalidade. A Figura 3 mostra a distribuição etária e por sexo dos beneficiários por tipo de contratação do plano ou seguro de saúde para 2008 e 2013. Como pode ser observado, os planos de contratos individuais e coletivos por adesão apresentam uma estrutura etária mais envelhecida, com um percentual mais elevado de idosos em suas carteiras, comparado com os planos coletivos empresariais. Em 2013, a proporção de homens beneficiários acima de 60 anos de idade era igual a 11% e 13,8% nos planos individuais e coletivos por adesão respectivamente. Entres as mulheres esse percentual era igual a 14,6% e 15,3%. Nos planos coletivos empresariais, a proporção de idosos é bem mais baixa, sendo igual a 4,8% e 5,6% entre homens e mulheres respectivamente. Essa diferença reflete as modalidades de adesão ao plano. Os planos individuais e o plano coletivo por adesão, ocorrem sem intermediação de um empregador. Nesses casos, a adesão ao plano de saúde, ou seja, sua contratação é determinada pela demanda do próprio individuo ou de sua unidade domiciliar. No caso do plano coletivo empresarial, a contratação do plano é resultado da demanda da empresa, sendo, na maior parte das vezes, inclusive compulsória. Desse modo, é razoável que a carteira de beneficiários dos planos coletivos empresariais apresente pirâmide etária menos envelhecida. Entre 2008 e 2013, enquanto a participação dos idosos permaneceu praticamente constante nos planos coletivos empresariais, nos planos individuais e coletivos por adesão essa proporção sofreu um aumento importante evidenciando a provável saída dos idosos dos planos coletivos empresariais quando estes se aposentam ou saem do mercado de trabalho. Nos planos individuais o aumento foi em torno de 17% e 13% entre homens e mulheres, enquanto nos planos coletivos por adesão, o aumento foi da ordem de 52% e 41%. Os planos por contratação individual, além de possuírem um percentual mais alto de idosos, também apresentam uma proporção mais elevada de crianças, comparativamente aos dois outros tipos de contratação. Em 2013, entre os beneficiários do sexo masculino, a proporção de crianças entre 0 e 4 anos de idade era igual a 11,7% nos planos individuais contra 5,2% e 6,2% nos planos coletivos por adesão e coletivos empresariais respectivamente.

50 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

Figura 3 - Distribuição etária e de sexo por tipo de contratação do plano ou seguro de saúde,2008 e 2013

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homens Mulheres

Individual 2008

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homens Mulheres

Individual 2013

51OPAS/OMS - ANS/MS

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homens Mulheres

Coletivo Empresarial2008

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homens Mulheres

Coletivo Empresarial 2013

52 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homens Mulheres

Coletivo porAdesão 2008

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homens Mulheres

Coletivo por Adesão 2013

Fonte: SIB/ANS

A Figura 4 apresenta a distribuição etária e sexo dos beneficiários por segmentação do plano ou seguro de saúde em 2008 e 2013. Os três grupos de planos apresentam estruturas etárias diferenciadas. Os planos e seguros exclusivamente ambulatoriais e os exclusivamente hospitalares apresentam uma estrutura etária mais envelhecida, com uma proporção relativamente mais alta de idosos (acima de 60 anos), sobretudo os planos hospitalares. Em 2013, entre as mulheres, a proporção de idosas era igual a 16% e 13,5% nos planos exclusivamente hospitalares e exclusivamente ambulatoriais respectivamente. Entre os homens, essa proporção era igual a 13,7% e 9,9%. Nos planos de referência (incluindo aqueles

53OPAS/OMS - ANS/MS

que ofertam conjuntamente cuidados hospitalares e ambulatoriais), essa proporção era menor, igual a 10,4% entre mulheres e 7,8% entre homens. Essa fatia do mercado é pequena comparada aos demais tipos de segmentação correspondendo a apenas 4% do mercado. A maior presença de idosos nos planos exclusivamente hospitalares pode ser uma estratégia dos próprios indivíduos, que na impossibilidade de contratar um seguro completo, contratam somente para os casos em que o gasto esperado é mais elevado e, portanto, a perda de bem-estar esperada é superior. Essas especulações, entretanto, só serão possíveis de serem analisadas, de posse de informações longitudinais que contemplem a migração dos beneficiários entre planos de saúde.

Figura 4 - Distribuição etária e sexo dos benefi ciários segundo segmentação do plano ou seguro de saúde, 2008 e 2013

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homens Mulheres

Referência ou Ambulatorial + Hospitalar 2008

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homens Mulheres

Referência ou Ambulatorial + Hospitalar 2013

54 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homens Mulheres Homens Mulheres

Ambulatorial (com ou sem odontológico) 2008

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homens Mulheres

Ambulatorial (com ou sem odontológico) 2013

55OPAS/OMS - ANS/MS

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homens Mulheres

Hospitalar (com ou sem obstetrícia) 2008

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homens Mulheres

Hospitalar (com ou sem obstetrícia) 2013

Fonte: SIB/ANS

No que se refere à distribuição etária por modalidade da operadora, observa-se uma estrutura etária mais envelhecida nas autogestões, seguida das filantrópicas e cooperativas médicas (Figura 5). Entre os homens, a proporção de beneficiários idosos nas autogestões era igual a 19,7% em 2013. Essa participação nas OPS filantrópicas era igual a 11,5%. Quando se analisa as cooperativas médicas, medicina de grupo esse percentual é mais baixo, sendo igual a 8,2% e 6,4%. A análise entre as mulheres apresenta quadro similar. Enquanto nas autogestões o percentual de idosas beneficiárias é igual a 24%, nas cooperativas médicas, medicina de grupo e seguradoras, esse valor cai para 11%, 8,7% e 5,0% respectivamente. O maior percentual de idosos em planos na modalidade de autogestão é um resultado esperado. No Brasil, as autogestões são modalidades de planos ofertados principalmente por empresas estatais ou relacionadas a associações de funcionários públicos. Desse modo, a política de financiamento do plano de saúde é bastante diferente, sendo, inclusive em alguns casos, estabelecido um “community rating” (prêmio comum

56 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

independente do risco). Além disso, as autogestões, em geral oferecem condições mais satisfatórias para os indivíduos quando estes se aposentam, havendo ainda, algum tipo de subsidio entre os empregados ativos e os inativos. Esse tipo de política incentiva os beneficiários a continuarem na carteira mesmo após sua aposentadoria. No caso das cooperativas médicas, mesmo os planos coletivos empresariais, ou seja, ofertados através do empregador, os benefícios não são mantidos quando os indivíduos se aposentam, o que muitas vezes resulta na saída do beneficiário do plano coletivo para um plano individual dequalidade inferior.

Com relação às crianças (entre 0 e 4 anos), observa-se uma participação mais baixa (menor que 5%) nas autogestões. Nas cooperativas médicas e medicina de grupo, a proporção de crianças é em torno de 8,9% e 8,1% entre beneficiários do sexo masculino, e 7,5% e 6,9% entre as do sexo feminino.

Figura 5 - Distribuição etária e sexo dos benefi ciários segundo modalidade da operadora, 2008 e 2013

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homens Mulheres

Autogestão 2008

57OPAS/OMS - ANS/MS

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homens Mulheres Homens Mulheres

Autogestão 2013

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homens Mulheres

Filantropia 2008

58 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homens Mulheres

Filantropia 2013

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homens Mulheres

Cooperativa Médica 2008

59OPAS/OMS - ANS/MS

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homens Mulheres

Cooperativa Médica 2013

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homens Mulheres

Medicina de Grupo 2008

60 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homens Mulheres

Medicina de Grupo 2013

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homens Mulheres

Seguradora 2008

61OPAS/OMS - ANS/MS

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homens Mulheres

Seguradora 2013

Fonte: SIB/ANS e CADOP/ANS

Analisando a distribuição etária e sexo dos beneficiários por tipo de contratação em cada modalidade da operadora, observa-se que a distribuição acompanha aquela observada para o tipo de contratação (Figura 6). Os contratos individuais e coletivos por adesão apresentam uma estrutura etária mais envelhecida quando comparado com os contratos coletivos empresariais em quase todas as modalidades analisadas. Além disso, os contratos individuais possuem um percentual relativamente mais elevado de crianças menores que cinco anos. Apenas as autogestões apresentam um comportamento diferenciado, com um percentual mais elevado de idosos e mais baixo de crianças, não importando se o tipo de contratação é coletivo por adesão ou empresarial.

62 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

Figura 6 - Distribuição etária e sexo dos benefi ciários segundo modalidade do plano ou seguro de saúde e tipo de contratação, 2013

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homens ‐ 2013 Mulheres ‐ 2013

Autogestão (Coletivo Empresarial)

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homens ‐ 2013 Mulheres ‐ 2013

Autogestão(Coletivo por Adesão)

63OPAS/OMS - ANS/MS

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homens ‐ 2013 Mulheres ‐ 2013

Cooperativa Médica(Coletivo Empresarial)

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homens ‐ 2013 Mulheres ‐ 2013

Cooperativa Médica(Coletivo por Adesão)

64 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homens ‐ 2013 Mulheres ‐ 2013

Cooperativa Médica(Individual)

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homens ‐ 2013 Mulheres ‐ 2013

Medicina de Grupo (Coletivo Empresarial)

65OPAS/OMS - ANS/MS

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homens ‐ 2013 Mulheres ‐ 2013 Homens ‐ 2013 Mulheres ‐ 2013

Medicina de Grupo (Coletivo por Adesão)

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homens ‐ 2013 Mulheres ‐ 2013 Homens ‐ 2013 Mulheres ‐ 2013

Medicina de Grupo (Individual)

66 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homens ‐ 2013 Mulheres ‐ 2013

Seguradora(Coletivo Empresarial)

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homens - 2013 Mulheres - 2013

Seguradora(Coletivo por Adesão)

67OPAS/OMS - ANS/MS

0,15 0,10 0,05 0,00 0,05 0,10 0,15

0 a 45 a 9

10 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 79

80 e mais

Homens ‐ 2013 Mulheres ‐ 2013

Seguradora (Individual)

Fonte: SIB/ANS e CADOP/ANS

A Figura 7 compara as taxas de crescimento por idade entre 2008 e 2013, para a população brasileira e para o total de beneficiários no SIB estimadas de acordo com a equação 1 especificada na metodologia. Alguns aspectos merecem ser destacados. Em primeiro lugar, independentemente da idade, as taxas de crescimento da população de beneficiários são sempre maiores do que as taxas da população brasileira. Esse resultado indica que houve uma migração líquida da população sem plano para a população com plano, no período analisado. Ou seja, a taxa de contratações superou a taxa de cancelamentos, transferindo população para os planos. No entanto, do ponto de vista do padrão etário das taxas de crescimento, nota-se que há similaridades entre as duas populações. Por exemplo, os grupos de idade de 30 a 39 anos, 55 a 69 e acima de 80 anos são os que apresentaram maior crescimento na população brasileira total e entre os beneficiários das OPS. Esses picos de crescimento refletem, na população brasileira, a história demográfica de diferentes coortes (especialmente as transições de fecundidade e mortalidade) e já foram descritos em detalhes por Myrrha et al. (2014). Portanto, a dinâmica de crescimento da população de beneficiários por idade reflete, em boa medida, as forças de crescimento demográfico da população brasileira, ainda que os níveis de crescimento sejam distintos. Esse resultado sugere que o processo de envelhecimento populacional em andamento no país não pode ser de forma alguma ignorado nos estudos sobre a saúde suplementar.

68 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

Figura 7 - Taxas específi cas de crescimento por idade, Brasil, ambos os sexos, 2008/2013

‐0,04

‐0,02

0

0,02

0,04

0,06

0,08

0,1

0,12

0,14

0‐4

5‐9

10‐14

15‐19

20‐24

25‐29

30‐34

35‐39

40‐44

45‐49

50‐54

55‐59

60‐64

65‐69

70‐74

75‐79

80‐84

85‐89

90+

População Total de Beneficiários de OPS

População Brasileira

Fonte: SIB; Population Division, UN

Quando calculamos as taxas de crescimento para diferentes tipos de contratação (Figura 8) observamos, em primeiro lugar, um padrão de crescimento por idade muito similar entre beneficiários de planos do tipo empresarial e individual, ainda que os níveis de crescimento tenham sido maiores (em algumas idades, o dobro) para os beneficiários de planos empresariais. Ambos seguem o padrão etário de crescimento descrito na Figura 7 para a população brasileira como um todo. Os maiores níveis de crescimento observado para os planos empresariais refletem, provavelmente, a maior formalização da força de trabalho nesse período. Por outro lado, nota-se, no período analisado, um padrão muito distinto no caso dos planos coletivos por adesão, caracterizado por uma redução no número de beneficiários nas idades abaixo de 30 anos. Além disso, observa-se um baixo crescimento (próximo de zero) nas idades entre 30 e 45 anos, e um crescimento mais elevado e similar ao dos beneficiários dos demais tipos de planos, nas idades acima de 70 anos. Essas alternâncias de comportamento da taxa entre grupos etários observada para os planos coletivos por adesão não são simples de serem analisadas. Os planos coletivos por adesão resultam, na maior parte das vezes, em estratégias mercadológicas das operadoras de planos de saúde para “burlar” a regulamentação. Nesse sentido, vários dispositivos regulatórios foram sendo incorporados nesse período para amenizar essa forma de contratação indevida. Os impactos desses dispositivos entre os grupos etários são totalmente desconhecidos e talvez esses dados revelem que existiam contratos que atendiam determinados grupos da sociedade.

69OPAS/OMS - ANS/MS

Figura 8 - Taxas específi cas de crescimento por idade, benefi ciários das operadoras, ambos os sexos, tipo de contratação, 2008/2013

‐0,1

‐0,05

0

0,05

0,1

0,15

0,2

0‐4 5‐9 10‐14 15‐19 20‐24 25‐29 30‐34 35‐39 40‐44 45‐49 50‐54 55‐59 60‐64 65‐69 70‐74 75‐79 80‐84 85‐89

Empresarial

Total

Individual

Adesao

Fonte: SIB

As taxas de crescimento também foram estimadas para os beneficiários, segundo diferentes segmentos de planos (Figura 9). O que se observa são, novamente, padrões etários das taxas de crescimento que são similares entre os segmentos e que seguem o padrão da população brasileira. Mas há diferenças importantes nos níveis de crescimento, com destaque para o baixo crescimento no número de beneficiários dos planos exclusivamente hospitalares. Nesse caso, nos grupos de idade mais jovens e mais velhos, houve, inclusive, uma redução no número de beneficiários entre 2008 e 2013.

Figura 9 - Taxas específi cas de crescimento por idade, benefi ciários das operadoras, ambos os sexos, diferentes segmentos, 2008/2013

‐0,04

‐0,02

0

0,02

0,04

0,06

0,08

0,1

0,12

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0‐4 5‐9 10‐14 15‐19 20‐24 25‐29 30‐34 35‐39 40‐44 45‐49 50‐54 55‐59 60‐64 65‐69 70‐74 75‐79 80‐84 85‐89

Total

Referencia

Ambulatorial

Hospitalar

Fonte: SIB

70 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

Considerações Finais

Esse artigo procurou caracterizar a estrutura etária da carteira de beneficiários das OPS no Brasil e as mudanças observadas entre 2008 e 2013. A análise consiste em um primeiro passo para o entendimento da sustentabilidade financeira do setor tendo em vista o atual contexto de envelhecimento da população Brasileira. Esse estudo subsidiará a análise sobre o pacto intergeracional no sistema de saúde suplementar no país. A discussão sobre o pacto é relevante tendo em vista as regras de precificação que as Operadoras Privadas de Saúde (OPS) têm que seguir. De acordo com a regulamentação vigente, os preços dos planos regulamentados estão limitados a uma variação de no máximo seis vezes entre o grupo etário mais velho (59 anos de idade ou mais) e o mais jovem (0 a 18 anos). Com o cenário de envelhecimento populacional, maior longevidade e menor proporção de jovens na população, a sustentabilidade das OPS no longo prazo pode ser ameaçada. Neste novo contexto demográfico, torna-se necessário discutir os termos do pacto intergeracional vigente, de tal forma que seja possível garantir a oferta apropriada de serviços privados de saúde para as futuras gerações de idosos.

Considerando conjuntamente todas as carteiras de beneficiários, os resultados encontrados nesse estudo mostram uma distribuição etária diferente da população total, com uma participação maior da população adulta (entre 20 e 54 anos) entre os beneficiários. Esse resultado é em grande medida associado ao fato desses grupos etários ainda fazerem parte do mercado de trabalho, tendo como um dos benefícios a cobertura privada de plano ou seguro de saúde. Quando a análise é realizada por tipo de contratação e segmentação dos planos, os resultados mostram estrutura etária diferenciada. Planos individuais e coletivos por adesão e planos exclusivamente ambulatoriais ou exclusivamente hospitalares possuem uma carteira mais envelhecida. A análise temporal evidencia ainda um aumento na proporção de idosos principalmente nos planos individuais e coletivos por adesão. Esses resultados refletem o fato dos idosos, por estarem excluídos do mercado de trabalho, aderirem a um plano por contrato individual e nos segmentos cujos prêmios são mais baixos como os planos exclusivamente ambulatoriais ou exclusivamente hospitalares.Com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, STIVALI (2011) também demonstra que há uma maior proporção de idosos nos planos de saúde com contratação individual, em relação à população total, bem como uma maior proporção relativa de adultos nos planos de contratação coletiva. Além disso, em ambos os tipos de planos, o autor observa uma proporção menor de jovens de até 25 anos entre os beneficiários de planos de saúde relativamente à população total. Resultados semelhantes são apresentados no Foco – Saúde Suplementar de 2012 (ANS 2012), em KELLES (2013) e em RIBEIRO (2005). Essa última autora também ressaltou a maior participação relativa de mulheres entre as idades de 25 e 49 anos na população que possui plano de saúde, segundo dados da PNAD. O envelhecimento populacional brasileiro acarretará em sérias consequências financeiras para as OPS, especialmente para os planos individuais. Mesmo os planos empresariais que atraem proporcionalmente mais adultos, enfrentarão, nas próximas décadas, uma oferta cada vez menor de pessoas em idade ativa, seja pelas mudanças estritamente demográficas, seja pelo menor crescimento das taxas de participação masculina e feminina no mercado de trabalho. Nesse novo contexto, espera-se uma redução na capacidade de financiamento cruzado entre grupos de idades, o que implicaria em uma pressão por prêmios maiores para os grupos de idade que geram custos maiores, resultando em maior seleção adversa e na provável saída de idosos da saúde suplementar. Esse tema não deveria ser de interesse apenas das OPS, mas também dos diferentes níveis de governo, uma vez que a saída de idosos da saúde suplementar para o Sistema Único de Saúde poderá acarretar em um envelhecimento ainda mais acelerado do que o já esperado da população que utiliza serviços públicos de saúde.

71OPAS/OMS - ANS/MS

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73OPAS/OMS - ANS/MS

Capítulo 4

Modelo de Atenção à Saúde do Idoso - a ênfase sobre o primeiro nível de atenção

74 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

75OPAS/OMS - ANS/MS

Modelo de Atenção à Saúde do Idoso - a ênfase sobre o primeiro nível de atenção6

Universidade Aberta da Terceira Idade. Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Renato Peixoto VerasProfessor Associado e Diretor da Universidade Aberta da Terceira Idade, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UnATI/UERJ).

Andréa Estevam de AmorimPesquisadora da UnATI/UERJ e Analista em Ciência e Tecnologia do Instituto Nacional de Câncer (INCA).

Introdução

O idoso possui particularidades bem conhecidas – mais doenças crônicas, mais fragilidades, mais custos, menos recursos sociais e financeiros. Envelhecer, ainda que sem doenças crônicas, envolve alguma perda funcional. Com tantas situações adversas, o cuidado do idoso tem que ser estruturado de forma diferente da que é realizada para o adulto, com uma assistência diferenciada. A prestação de serviços de saúde, atualmente, fragmenta a atenção ao idoso, com multiplicação de consultas de especialistas, informação não compartilhada, inúmeros fármacos, exames e outros procedimentos. Sobrecarrega o sistema, provoca forte impacto financeiro em todos os níveis e não gera benefícios significativos para a qualidade de vida.

Sabemos que a projeção demográfica para os próximos anos mostrará uma população mais envelhecida (Banco Mundial, 2011) – portanto, o panorama atual só tende a piorar se o modelo se mantiver inalterado. O aumento da longevidade acarreta maior uso dos serviços de saúde, gerando mais custos e ameaçando a sustentabilidade do sistema e gerando novas demandas. Os modelos assistenciais são do tempo em que o Brasil era um país de jovens e de doenças agudas; agora somos um país envelhecido de doenças crônicas. A promoção e a educação em saúde, a prevenção e o retardamento de doenças e fragilidades, a manutenção da independência e da autonomia são ações que precisam ser ampliadas.

Com o modelo assistencial defasado, precisa-se ampliar a gestão da informação, valorizar o conhecimento científico e reduzir o poder absoluto das máquinas; torna-se necessário mudar a lógica assistencial. A alternativa para evitar a sobrecarga desse sistema é investir em políticas de prevenção de doenças, monitoramento e estabilização das enfermidades crônicas e manutenção da capacidade funcional. Por este motivo, os gestores devem buscar intervenções que visem diminuir o uso das instâncias avançadas de cuidado (entre elas as internações), ampliar a oferta de cuidados em instâncias mais leves (dentre as quais o núcleo integrado de cuidado), sempre que possível em caráter preventivo, fora do ambiente hospitalar7.

A porta de entrada do sistema de saúde não deve ser o hospital; deve-se desenhar um modelo onde haja várias instâncias de cuidado anterior ao hospital. O problema é que o hospital é visto como o local privilegiado da cura, o que é um erro conceitual, e no caso, a internação de pessoas idosas deve apenas ocorrer no momento agudo da doença crônica pelo menor tempo possível, ou em casos de urgências. O

6Este projeto de pesquisa foi produzido no âmbito do Edital 005/2014 ANS/OPAS. As opiniões emitidas na presente publicação são da exclusiva responsabilidade dos autores, sem representar posicionamentos oficiais da Organização Pan-Americana da Saúde ou da Agência Nacional de Saúde Suplementar.7Preferencialmente, essas ações devem oferecidas em um local intitulado de “Acolhimento”, como será detalhado adiante.

76 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

hospital não é um ambiente seguro para uma pessoa envelhecida, o risco de infecção e perda da capacidade funcional é alto, do mesmo modo que as reminiscências durante o período de internação podem levar a transtorno distímico ou colaborar para quadros depressivos.

Enfatizamos que não somos contra o hospital ou a utilização de procedimentos de alta tecnologia, mas apenas nos momentos necessários, pois sabemos que estas ações são exceções, caso a prioridade se dê para o cuidado e monitoramento dos idosos ao longo da fase madura. No entanto, tanto a sociedade como os profissionais de saúde possuem uma lógica muito hospitalocêntrica e entendem apenas tratar da doença, no local de maior complexidade, e não de evitar ou postergar o surgimento da doença. Outra dificuldade em reverter esse quadro é que, apesar dos pressupostos da prevenção e promoção serem aceitos por todos – pois é defasado não valorizar a prevenção – quando se observa o dia a dia, o que existe são os modelos assistenciais clássicos e muito pouco é praticado do conhecimento da saúde coletiva.

Os avanços da tecnologia, da ciência e da medicina oferecem àqueles que utilizam as modernas ferramentas para a manutenção da saúde a chance de desfrutar a vida por um tempo maior, e isto não é exclusivo dos equipamentos e protocolos clínicos de tratamento hospitalar, nas instâncias mais leves do cuidado também estão presentes instrumentos e métodos de última geração.

Se já sabemos que a população está mais velha, que as doenças são crônicas e múltiplas, que os custos assistenciais se ampliam, que os modelos de cuidados são do tempo das doenças agudas e que o conhecimento da epidemiologia nos informa dos fatores de risco então por que há a crise do setor saúde, se já possuímos todas as informações para enfrentá-la? Esta é a discussão central do projeto “Hierarquização da Atenção ao Idoso baseado na Complexidade dos Cuidados”, voltado para a qualidade de vida do idoso e que busca orientar os formuladores de políticas de saúde sobre modelos contemporâneos e resolutivos, com relação custo-benefício favorável. Desenvolvido pela UnATI/UERJ8, é uma das importantes pesquisas da instituição com inúmeros artigos científicos publicados sobre o tema (Caldas et al., 2013; Lima et al., 2015; Veras et al., 2013; Veras, 2011; Veras 2012).

O Modelo

Trata-se da sistematização de um modelo empírico que vem sendo elaborado a partir da experiência de mais de 20 anos da UNATI/UERJ, baseada em referenciais e lógicas tanto do campo do Planejamento e Gestão em Saúde Pública quanto do campo da Gerontologia e da Economia da Saúde. Nosso foco é a proposição de um modelo mais resolutivo e acolhedor, baseado no cuidado integral e no que há de mais atual e contemporâneo no conhecimento científico. Com uma lógica pragmática, implicada na viabilidade de implantação e baseada em resultados mensuráveis, é aplicável a qualquer rede de atenção ao idoso, seja pública ou privada. No entanto, devido ao tamanho e complexidade do SUS e às imensas diferenças político-estruturais entre os municípios que o compõem, o modelo termina por se voltar para o setor privado, uma vez que, para implantá-lo, é necessário dispor de uma agilidade que o setor público não possui.

Desde 2011, realizamos estudos e revisões constantes da literatura que possibilitam uma análise crítica sobre estudos que avaliam a efetividade de redes assistenciais integradas e coordenadas para a população idosa. Nos últimos cinco anos, nossa equipe publicou em torno de 30 artigos científicos divulgando os resultados do avanço da construção do modelo. As experiências analisadas apresentam um conjunto de serviços integrados entre atenção primária, hospitalar, centros-dia, serviços domiciliares e serviços sociais, com resultados efetivos para a garantia da qualidade da assistência. Redução da prevalência de perda funcional, melhora na satisfação e na qualidade de vida dos usuários e de seus familiares, diminuição do uso da atenção hospitalar ocasionam também em economia para o sistema financiador e são evidências de que é possível manter qualidade da assistência com sustentabilidade em relação aos custos – um problema para além da realidade brasileira.

8 Universidade Aberta da Terceira Idade da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

77OPAS/OMS - ANS/MS

O modelo assistencial vigente no Brasil é anacrônico, com foco nas doenças agudas e valorização do hospital como espaço principal para a assistência, apresentando uma oferta fragmentada, com poucos pontos de atenção que não se articulam (ambulatório, hospital e instituições de longa permanência). Desta forma, os pacientes entram nessa rede desarticulada em um estágio muito avançado e, em muitos casos, a porta de entrada acaba sendo a emergência do hospital, ocasionando sobrecarga de usuários nos níveis de maior complexidade, pela carência de cuidado nos primeiros níveis. Além de inadequado e arcaico, sua relação custo-benefício não é favorável, dado que se centra no hospital, com uso intensivo de tecnologias de alto custo. Mesmo quando se oferta um programa com uma lógica de antecipação de agravos, as propostas são voltadas prioritariamente para a redução de determinadas enfermidades crônicas já estabelecidas.

A atenção ao idoso tende a ser um processo que evolui em direção à maior complexidade, e para ter eficácia e eficiência é substancial dispor de uma lógica de rede articulada, referenciada, com sistema de informação único com ofertas de serviços que assista desde o idoso saudável e ativo até o momento final da vida. Ações de educação, promoção da saúde, prevenção de doenças evitáveis, postergação de moléstia (o mais precocemente possível) e reabilitação de agravos devem compor a linha de cuidados como forma de evitar e retardar a hospitalização.

O modelo que propomos é composto por cinco níveis hierarquizados de cuidado – acolhimento, núcleo integrado de cuidado, ambulatório geriátrico, e os cuidados complexos de curta duração e longa duração (ver Figura 1) – mas são os três primeiros níveis, nas instâncias leves de cuidado, onde há a diferença. Constitui uma proposta de linha de cuidado ao idoso, compreendida como uma estratégia de estabelecimento de “percursos assistenciais”, organizando o fluxo de indivíduos, de acordo com seu grau de fragilidade. A identificação do risco e a integralidade da atenção nos diferentes pontos da rede são o cerne deste modelo. A identificação precoce do risco, a fim de reduzir o impacto das condições crônicas na funcionalidade, oportuniza monitorar a saúde e não a doença, com possibilidade de postergar a doença, a fim de que o idoso possa usufruir seu tempo a mais de vida. A hierarquização não pressupõe um percurso evolutivo entre os níveis de atenção do modelo, apesar da tendência esperada; as etapas não podem ser absolutamente fixas, porque existe a possibilidade de reversão da incapacidade e retorno a um patamar de menor complexidade, dependendo da situação. Outro fato a ser considerado é que as operadoras já possuem sua clientela e suas instâncias assistenciais montadas – portanto, podemos pensar na estruturação do acolhimento em outros pontos, como no Núcleo Integrado de Cuidado, ou até mesmo no hospital, pois sabemos que é nesta unidade que algumas operadoras possuem sua melhor estrutura operacional. No caso, o acolhimento constitui o processo de desmontagem da lógica antiga e de tentar que o paciente faça o percurso inverso; inicia-se em uma instância pesada e todo o esforço é realizado para que sua caminhada assistencial seja a de retroceder aos níveis iniciais do modelo. Em outras palavras, o acolhimento pode se descolar de um suposto espaço físico próprio (o ideal!) para se estruturar no interior de outra unidade da prestadora de saúde.

Devemos considerar que os níveis 1 a 3, em amarelo (Figura 1), são as instâncias leves, ou seja, de custo menores e compostas basicamente pelo cuidado dos profissionais de saúde, bem treinados. O esforço deve ser realizado para manter os pacientes nestes níveis leves, visando preservar sua qualidade de vida e participação social. Já as instâncias em vermelho, as pesadas, são de alto custo e é onde se situam o hospital e as demais unidades de longa permanência; o empenho deve ser realizado para tentar reabilitá-lo e trazê-lo para as instâncias leves, apesar de nem sempre ser possível. Deste modo, todo esforço deve ser realizado para permanecer com o idoso nos três primeiros níveis de cuidado, com vistas a manter sua qualidade de vida e reduzir os custos. Por este motivo, a ênfase é conferida a essas instâncias de baixo custo e de grande resolutividade, nos quais se concentram mais de 90% da população idosa.Os modelos de atenção a esse segmento populacional precisam ser centrados na pessoa, considerando suas especificidades e necessidades. O cuidado precisa ser gerenciado desde a entrada no sistema até os cuidados ao fim da vida, com a integralidade dos serviços e ações ofertadas através de um plano de cuidados e acompanhamento constante. Sabemos que os idosos possuem especificidades decorrentes de doenças crônicas, de fragilidades orgânicas e sociais com um maior custo maior para seu cuidado. Como tantas situações adversas, o cuidado do idoso tem de ser estruturado de forma diferente da que é realizada para o adulto.

78 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

A reprodução gráfica do modelo (Figura 1) auxilia na compreensão de aspectos importantes do modelo proposto. A entrada única através do Nível 1 (acolhimento)9 garante um acesso consciente e com acolhimento, um início pautado na transparência das regras de funcionamento, das carências, dos direitos e deveres da atenção ofertada, da bonificação e premiação existentes. Constitui a porta de entrada, momento crucial para estabelecimento da empatia e confiança fundamental para fidelização do usuário.

Figura 1 - Modelo brasileiro de cuidado integrado ao idoso

Legenda:Nível 1 - AcolhimentoNível 2 – Núcleo Integrado de Cuidado (Centro Sócio Sanitário, Ambulatório Clinico e Centro Dia).Nível 3 - Ambulatório Geriátrico e Atenção Domiciliar níveis 1 e 2.Nível 4 - Curta Duração: Atenção Domiciliar 3, Emergência e Internação de Casos Agudos, Hospital Dia e “Hóspice*” .Nível 5 - Longa Duração: Unidade de Reabilitação, Residência Assistida e a Instituição de Longa Permanência de Idosos (ILPI).

Observações:Contorno em amarelo - níveis leves de cuidadoContorno em vermelho - níveis mais pesados.

Um diferencial importante é a proposição de registrar os “percursos assistenciais” do paciente através de um sistema de informação amplo, que registre não somente a evolução clínica da pessoa idosa, mas também sua participação em ações de prevenção, individuais ou coletivas, assim como o apoio do gerente de acompanhamento e as chamadas realizadas para ou pelo GerontoLine (que será comentado mais adiante)10 permite um compartilhamento da informação, possibilitando uma avaliação mais integral do indivíduo, inclusive com o prontuário médico da unidade hospitalar que está regido por normas específicas.

9O acolhimento preferencialmente deve ter o seu local próprio para o início da nova lógica, mas também pode se localizar no interior de uma das instâncias de cuidado da operadora.10GerontoLine é a denominação que demos para um call center qualificado e resolutivo.

*A palavra “hospice” tem origem do latim hospes. Em 1840, na França, os “hospices” eram abrigos, de origem religiosa, para os peregrinos durante os seus percursos, onde eram cuidados os enfermos, que estavam morrendo. Nos dias atuais o “hospice” é um hospital destinado para o cuidado paliativo, para as pessoas em estado terminal. No “hospice” há o controle efetivo da dor e de outros sintomas decorrentes dos tratamentos em fase avançada das doenças. Portanto, o “hospice” é o local reservado para que a morte aconteça de forma digna, cuidadosa, e menos dolorosa possível

79OPAS/OMS - ANS/MS

O gerente de acompanhamento é um profissional da área de saúde que recebe e acompanha o idoso e família a partir do Nível 2 (Núcleo Integrado de Cuidado). A avaliação funcional breve feita no ingresso permite um marco zero de monitoramento e parâmetro para acompanhamento do plano terapêutico entre os diferentes pontos da rede. Este profissional cuida da transição do cuidado entre os serviços e reavalia anualmente, ou quando necessário, a capacidade funcional da pessoa, incentivando-a a participar do processo de cuidado através da interlocução entre o discurso assistencial e o paciente, em sua maioria, frágil. Para manter a qualidade da assistência, recomenda-se que para cada gerente de acompanhamento tenha até 300 idosos sob sua responsabilidade, como forma de garantir o estabelecimento da confiança e vinculação com o idoso, valores inerentes a uma assistência qualificada.

O Nível 2 é o local de integração das várias ações de educação, promoção e prevenção de saúde com profissionais de saúde através do ambulatório de saúde para idosos com baixo risco, centro de convivência e conveniência, serviços de reabilitação, serviços de apoio ao cuidado e ao autocuidado, apoio à família, GerontoLine, e onde o idoso é apresentado ao seu gerente de acompanhamento.

No Nível 3 (Ambulatório Geriátrico), destacamos a importância da equipe multidisciplinar composta por médico, enfermeiro e assistente social, que realizam a avaliação geriátrica multidimensional que permitirá intervenções específicas quando necessário. Esta avaliação considera aspectos médicos, de cuidados, de suporte social, de meio ambiente, cognitivos, afetivos, de crenças religiosas e econômicas que constituem o plano terapeutico, construído coletivamente e discutido com a equipe de saúde e o gerente de acompanhamento. Neste nível também é o local onde se localiza o atendimento domiciliar na complexidade 1 e 2.

O GerontoLine deve ser um serviço de apoio onde o idoso e seus familiares se sintam protegidos e tenham suas necessidades atendidas e suas dúvidas esclarecidas sobre a assistência recebida. Deve funcionar como um facilitador e um reforço na relação empresa-segurado – este tipo de call center deve ser um diferencial. A equipe de atendentes deve ser formada por pessoal qualificado, idealmente com formação em psicologia, e seu papel será o de conversar e resolver as demandas do cliente. A prerrogativa é que toda situação tenha uma solução, e caso necessário, o atendente deve retornar a ligação com a resposta que não pode ser oferecida no momento anterior. Deve ser um canal de comunicação efetiva, de apoio à assistência e aos demais serviços ofertados.

Com relação aos familiares da pessoa idosa, observamos que há modelos distintos com arranjos variados do que podemos considerar como participação – existem idosos que vivem sós sem suporte de uma rede familiar, e isto não que dizer que não haja amigos ou empregados; outros convivem com acompanhantes; uns assistidos à distância; e ainda aqueles que vivenciam relações pautadas nas obrigações morais sem afeto. O suporte não deve se restringir a relação familiar consanguínea, mas para aqueles que vivem ou convivem com o idoso.

Ressaltam-se, assim, aspectos ausentes na maioria dos modelos assistenciais para pessoas idosas existentes no país e que, quando devidamente registrados em sistema único, oportunizam algo muito importante para o cuidado – quanto mais o profissional de saúde conhece o histórico do seu paciente, melhores serão os resultados e é assim que devem funcionar os modelos contemporâneos e resolutivos de cuidado.

A busca da excelência e de práticas inovadoras deve ser permanente e constitui um desafio que ultrapassa o conhecimento das ciências biológicas; a interlocução com as ciências sociais e econômicas dever ser permanentes, como forma de manter modelos assistenciais mais eficientes, resolutivos, de qualidade superior e custos mais baixos, que possibilitem a inclusão e a redução de riscos.

Detalharemos aqui a proposta para o primeiro nível, que é a porta de entrada do sistema, local do acolhimento, cadastramento e início do processo de monitoramento do perfil de saúde do idoso pelo resto de sua vida e onde deve se concentrar a imensa maioria da clientela.

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Nível 1 - Acolhimento

Acolher faz a diferença e é fundamental para que o idoso e sua família possam desenvolver confiança no sistema e, assim, se fidelizar. Durante o primeiro contato de apresentação do modelo de assistencia, a atitude do profissional deve ser educativa, com esclarecimentos sobre a forma de atendimento, a lógica das intervenções, as ações disponíveis e explicações da proposta do plano com base no modelo de promoção e prevenção e de níveis hierárquicos diferenciados. É nesse momento que a pessoa é informada sobre os diferenciais da proposta – integralidade, acompanhamento individualizado através de um gerente de acompanhamento, do GerontoLine, das avaliações constantes, da equipe de saúde e atenção global do cuidado, mais do que a mera assistência clínica.

O início desta nova relação deve ser pautada em aspectos técnicos assistenciais, além das questões administrativas e financeiras inerentes ao contrato – nada deve ser omitido. O vínculo inicial deve ser pautado na confiança e transparência, para que o usuário possa escolher participar ou não do modelo, dado que sua adesão implica bonificações e premiações vinculadas ao uso dos serviços, como incentivos concedidos pelo plano de saúde e incentivados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A recusa em participar11 não impossibilita a admissão em outro momento sem perda dos incentivos; da mesma forma, os clientes idosos já usuários do plano de saúde poderão aderir.

Chegar ao Nível 1 implica saber de sua existência, e a oferta da participação pode ocorrer durante a abordagem do plano com o usário ou empresa, no qual o novo cliente é convidado a ter todos os esclarecimentos com um profissional de saúde que desempenha uma função muito mais ampla do que um corretor. Contudo, a oferta para adesão pode acontecer durante uma consulta ambulatorial ou internação, o profissional de saúde responsável pelo acolhimento vai onde o usuário está sendo atendido, como forma de captação e ampliação da cobertura de participantes na nova proposta assistencial.

O primeiro atendimento deve ser realizado por um profissional de saúde, com formação em geriatria ou gerontologia, que irá explicar a linha do cuidado e suas várias instâncias de atendimento, estabelecendo uma relação de confiança entre usuário (e sua família) e o modelo de cuidado proposto. Esse profissional fará uma ampla exposição das ações propostas, enfatizando, sobretudo a promoção da saúde e a prevenção de doenças, além de todos os percursos assistenciais da rede de atenção, permitindo ao usuário uma compreensão abrangente do modelo. Deve-se detalhar de modo claro e didático aos usuários os vários procedimentos que serão realizados, diferenciais que acreditamos serem benéficos e que visam melhorar a qualidade de vida e de saúde dos idosos, do mesmo modo que a participação do idoso deve ser incentivada porque faz parte deste modelo de atenção à saúde.

Julgamos importante, no entanto, que haja um médico presente na unidade de acolhimento, em caso de dúvida ou na eventualidade de um usuário não aceitar determinada informação sobre sua doença. Nesse tipo de conflito, raro, mas que pode ocorrer, o médico tem que intervir. A confiança e a fidelidade ao sistema são consequências da percepção do usuário do quanto ele é respeitado e do que lhe é oferecido e que há vantagens para ambos: o idoso percebe sua saúde bem cuidada e se sente protegido, e a operadora obtém a fidelização com custos mais baixos. Nesse espaço de acolhimento também estarão disponíveis materiais educativos para que, de acordo com a necessidade do usuário, seja possível iniciar a orientação sobre patologias crônicas como hipertensão, diabetes e osteoartrite, além do uso seguro de medicação, nutrição saudável, segurança ambiental, atividade física e orientações sobre vacinas.

Durante o acolhimento, é aberto um registro eletrônico único, longitudinal e multiprofissional. Lá estarão armazenadas as informações de todas instâncias de cuidado dentro do modelo assistencial, do contrato até o cuidado paliativo na fase final da vida. Este registro deve conter informações sobre a história clínica e exames físicos do paciente idoso, mas é essencial que tenha assentamentos relacionados

11Nenhum usuário será obrigado a participar da proposta assistencial ofertada, nestes casos, fará uso do plano de saúde de modo convencional e a operadora não poderá recursar aqueles que não desejam participar como determina a Lei nº 9.656, de 03/06/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, ratificada pela Súmula Normativa nº27 da ANS, de 10/06/15, que proíbe a seleção de riscos pelas operadores de plano de saúde tanto na contratação como na exclusão de beneficiários.

81OPAS/OMS - ANS/MS

com a participação da família, atividades do núcleo integrado de cuidado, os “screenings” epidemiológicos decorrentes de atendimentos nos serviços ofertados. A informação de todos os procedimentos é fundamental para o monitoramento do associado e confecção de cartão com chip contendo número de registro, nome do contato familiar, unidade em que é atendido, tipo sanguíneo e Rh, permitindo o acesso ao registro eletrônico e o monitoramento do paciente em todos os níveis, verificando a efetividade das ações para tomadas de decisões e acompanhamento.

Como forma de organizar o acesso aos níveis do modelo, recomendamos uma triagem epidemiológica básica, de poucas perguntas que permitam identificar algumas características operacionais para priorizar o atendimento e utilizar os recursos adequadamente, através da aplicação de um instrumento de identificação de risco (IR). A tomada de decisão técnica sobre o encaminhamento do cliente precisa acontecer mediante a pactuação do envolvimento na proposta de atenção à saúde e com base na avaliação do risco de incapacidade. Deste modo, o IR “organiza a fila”, definindo prioridades com base na necessidade, e não na perversa busca de senha para o atendimento. O importante é que a IR deva ser aplicada em todos os idosos usuários em seu ingresso ao modelo. Pode ser autoaplicável, anterior à ida ao Acolhimento (Nível 1), permitindo uma acolhida ao usuário com informações prévias; ou ainda via telefone ou atendimento domiciliar. Aplicado anualmente nos idosos, seus resultados devem ser registrados no sistema eletrônico do paciente.

Existem vários instrumentos validados e que apresentam confiabilidade. Um dos questionários de busca ativa do idoso de risco que preenche todos os requisitos científicos e é um dos mais utilizados, é o PRISMA-7,12 que consiste na aplicação de sete perguntas – quando há três ou mais respostas positivas, o idoso é considerado frágil (Quadro 1).

Quadro 1 - Instrumento Prisma-7

Pergunta Sim Não

1 Você tem mais de 85 anos?

2 Sexo masculino?

3 Em geral, você tem algum problema de saúde que limite suas atividades?

4 Você precisa de ajuda no seu dia a dia?

5 Em geral, você tem algum problema de saúde que o faz ficar em casa?

6 Em caso de necessidade, você conta com ajuda de alguém próximo a você?

7 Você usa regularmente andador, bengala ou cadeira de rodas?

Após a IR, o idoso é encaminhado para o nível de atenção que melhor condiz com suas necessidades. Usuários com baixo risco (<3, Prisma-7) são encaminhados para o Núcleo Integrado de Cuidado, onde será realizada a avaliação funcional breve, por seu gerente de acompanhamento. Essa avaliação contempla os principais riscos em geriatria – perda sensorial, humor, cognição, uso medicação,

12O questionário Prisma-7 foi desenvolvido no Canadá como parte do Modelo PRISMA de assistência à saúde do idoso e destinado ao rastreamento do risco de perda funcional do idoso. O instrumento é composto de sete itens dicótomos, com respostas do tipo “sim” e “não”, e apresenta como benefícios a facilidade e rapidez da aplicação e de respostas; maior objetividade; menor risco de parcialidade do entrevistador; menor possibilidade de erros e maior facilidade na analise dos resultados. As perguntas têm como base a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), estabelecida pela OMS para os termos autonomia e declínio funcional, mobilidade e dependência; atividades de vida cotidiana e suporte social (Saenger, 2015).

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mobilidade/funcionalidade, riscos sociais. Todas as informações e esclarecimentos então obtidos serão registrados no prontuário e mantidos até o final do percurso assistencial.

Usuários com IR (>3, Prisma-7) são encaminhados para o Nível 3, onde seu gerente de acompanhamento e a equipe interprofissional geriátrica vão proceder a avaliações mais detalhadas, a fim de propor seu plano de intervenção.

Seria ideal que a contratação do plano de saúde fosse realizada durante o acolhimento, como forma de prestar todos os esclarecimentos necessários, possibilitando um início de relacionamento transparente e importante para as duas partes, de conhecimento de direitos e entrada ordenada e ativa no sistema de saúde. A entrevista qualificada de adesão é um momento de grande importância durante a contratação de um plano de saúde, pois além de criar uma relação de confiança entre as partes, permite que o foco não seja exclusivo da relação contratual. É uma oportunidade única para avaliação do paciente e sua inserção na rede de cuidados.

É parte integrante do contrato o preenchimento do documento de saúde (declaração de saúde), onde são informadas todas as possíveis doenças ou lesões preexistentes (DLP)13 e se estabelece a cobertura parcial temporária (CPT)14. Seu preenchimento é necessário para compreender o contrato a ser assinado, definindo prazos de carência, procedimentos cobertos nos casos de urgência e emergência e cobertura oferecida nos casos de DLP. O preenchimento indevido pode caracterizar uma situação de fraude, ficando sujeito à suspensão da cobertura ou rescisão unilateral do contrato.

O usuário, sempre que possível, deveria preencher a declaração de saúde mediante entrevista qualificada orientada por um profissional de saúde pertencente à contratada, sem qualquer ônus. Entretanto, a “entrevista inicial” é realizada pelo corretor que vende o plano de saúde, que, com frequência, não informa ao futuro usuário que preencheu sua declaração de saúde, pois seu interesse é vender o produto (plano). A relação com o usuário precisa mudar; ela deve ser transparente, estabelecer um pacto baseado em verdades, e todas as ações realizadas devem ser cadastradas no sistema de informações, que deve ser aberto no acolhimento e seguido até sua saída do plano.

O modelo de hierarquização de cuidado propicia o conhecimento de seus usuários, seu perfil e necessidades, de modo a construir a melhor forma de organizar sua prestação de serviços. Uma coisa é certa: sem a organização do cuidado do idoso e sem a elaboração de um plano de cuidados, o envelhecimento populacional e o aumento da prevalência de doenças podem deixar de ser oportunidades e se tornarem entraves para a sustentabilidade do sistema de saúde suplementar brasileiro.

Considerações fi nais

No campo da saúde, quase nenhum aspecto escapa à regulação. Isto inclui pesquisa e desenvolvimento, produção de medicamentos e equipamentos, profissionais, unidades de saúde, seguros e toda uma rede heterogênea de atividades e serviços que envolvem esse setor. A elaboração de políticas e de outras atividades que exigem decisões em ambientes democráticos é um processo complexo, que envolve diversos interesses e atores, daí a necessidade de se debater amplamente a adoção de instrumentos regulatórios construídos com base em conhecimentos científicos (Veras, 2014).

Nos dias de hoje, a pesquisa no campo da saúde deve estar voltada para o desenvolvimento e a avaliação de produtos, intervenções e políticas. Estamos falando de um tempo em que a ciência da regulação e a ciência acadêmica se aproximam para favorecer as necessárias transformações. Eis aí o novo paradigma da produção científica e o desafio maior do marco regulatório – atender às necessidades 13As DLPs são relatadas pelo beneficiário no momento da contratação ou adesão ao plano de assistência à saúde ou podem ser informadas pelo próprio beneficiário ou por seu responsável.14A CPT é aquela que admite, por um período de até 24 meses, a partir da data da contratação ou adesão ao plano de assistência à saúde, a suspensão da cobertura de alguns procedimentos (leitos cirúrgicos, CTI e procedimentos de alta complexidade), desde que estes estejam relacionados exclusivamente às doenças ou lesões preexistentes declaradas pelo beneficiário ou por seu representante legal.

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de uma sociedade em permanente transformação. Esta é a tendência contemporânea: a aproximação cada vez maior das agências de fomento e das agências regulatórias na produção do conhecimento científico, com maior ênfase na investigação de problemas do mundo real (Veras, 2014).

Qualquer política contemporânea para o setor deve valorizar o envelhecimento saudável, com manutenção e melhoria da capacidade funcional, prevenção de doenças e recuperação da saúde e das capacidades funcionais. Sem uma abordagem preventiva e integral, que associe reflexão epidemiológica e planejamento sistemático de ações de saúde, não há saída possível para a crise de financiamento e reestruturação do setor (Veras, 2007).

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a nova realidade demográfica e epidemiológica brasileira aponta para a urgência de mudanças nos paradigmas de atenção à saúde da população idosa, com estruturas criativas e inovadoras, acompanhadas de ações diferenciadas para que o idoso usufrua integralmente os anos proporcionados pelo avanço da ciência. Nossa proposta é que o modelo de atenção ao idoso tenha como foco a identificação de riscos potenciais. Ao monitorarmos a saúde em vez da doença, direcionamos o investimento dos recursos do sistema de saúde para uma intervenção precoce, o que resulta em chances mais generosas de reabilitação e em redução do impacto na funcionalidade.

Na regulação da saúde suplementar, a ANS fomenta a formulação de medidas de incentivo para adoção de modelos assistenciais estruturados no cuidado integral, com ênfase na promoção e prevenção da saúde dos usuários (Brasil, 2011). O modelo aqui proposto é uma resposta à atuação da ANS em promover estudos e pesquisas que possibilitem a mudança necessária no modelo assistencial vigente, tendo a avaliação da fragilidade como conceito essencial para monitoramento da capacidade funcional das pessoas idosas. Desde 2011 a UnATI participa, com a ANS, de fóruns técnicos para proposição de melhorias na atenção à saúde do idoso na saúde suplementar, e um exemplo desta parceria foi a publicação do documento Plano de Cuidados para Idosos na Saúde Suplementar, em 2012, como parte da Agenda Regulatória 2011/2012, que tinha a atenção ao idoso como um dos eixos dos compromissos assumidos.

Em conjunto com outros documentos técnicos da Agência, os estudos realizados pela UnATI colaboram na elaboração de propostas com base em evidências e conhecimentos científicos que auxiliam a regulação indutora, como a Resolução Normativa nº 265, de 2011, publicada pela ANS, que dispõe sobre concessão de bonificação aos beneficiários de planos privados de assistência à saúde pela participação em programas para Promoção do Envelhecimento Ativo ao Longo do Curso da Vida e de premiação pela participação em programas para População-Alvo Específica e programas para Gerenciamento de Crônicos. A bonificação15 e a premiação16 são dispositivos importantes para incentivar a participação do beneficiário de forma regrada (Brasil, 2011).

Como forma de garantir direitos e regular as relações contratuais entre operadoras e prestadores na concessão de incentivos, a ANS publicou a Súmula Normativa nº 27, em junho de 2015, que proíbe qualquer tipo de seleção ou exclusão de usuários tanto na contratação como no cancelamento. Concordamos integralmente com esta postura da Agência, pois o que desejamos é estabelecer uma relação clara e transparente, oferecendo todos os esclarecimentos de forma que o cliente possa optar por uma nova modalidade de cuidado. Nada, portanto, deve ser escamoteado ou omitido.

Os custos da saúde não param de crescer, mas as fontes de financiamento são finitas. Assim, quando pensamos em ações de promoção e prevenção para uma sociedade que envelhece rapidamente, como é o caso brasileiro, o que está embutido nessa reflexão não é apenas o desejo de oferecer mais anos de vida saudável à população. Defendemos um movimento capaz de consolidar a importância de ações eficientes que garantam, ao setor de saúde, condições de ofertar atendimento de qualidade a todos.

15A bonificação consiste em vantagem pecuniária, representada pela aplicação de desconto no pagamento da contraprestação pecuniária, concedida pela operadora ao beneficiário de plano privado de assistência à saúde como incentivo à sua participação em programa para Promoção do Envelhecimento Ativo (Inciso I, Art. 2º da RN nº 265⁄2011).16A premiação consiste em vantagem, representada pela oferta de prêmio, concedida pela operadora ao beneficiário de plano privado de assistência à saúde como incentivo à sua participação em programa para a promoção da saúde e prevenção de riscos e doenças (Inciso II, Art. 2º da RN nº 265⁄2011).

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Entendemos essa concepção como uma proposta segundo a qual todos devem ser vencedores: o idoso, que ampliará sua vida com o máximo possível de bem-estar; a família, que terá um ente querido ativo e participativo; e o sistema de saúde, que evitará internações repetidas e de alto custo. Viver mais é importante, sem dúvida. Mas é essencial que se agregue qualidade a esses anos adicionais de vida.

Referências

Banco Mundial. Population aging: is Latin America ready? Directions in development. Washington, DC: The World Bank; 2011.

Brasil, Agência Nacional de Saúde Suplementar. Manual técnico para promoção da saúde e prevenção de riscos e doenças na saúde suplementar. Rio de Janeiro: ANS, 2011.

Brasil, Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução Normativa nº 265, de 19 de agosto de 2011 da Diretoria de Normas e Habilitações de Produtos DIPRO.

Caldas CP, Veras RP, Motta LB, Lima KC, Kisse CBS, Trocado CVM et al. Rastreamento do risco de perda funcional: uma estratégia fundamental para a organização da Rede de Atenção ao Idoso. Ciênc Saúde Coletiva. 2013;18(12):3495-3506. DOI:10.1590/S1413-81232013001200006

Lima KC, Veras RP, Caldas CP, Motta LB, Bonfada D, Santos MM, Souza DLB, Roig JJ. Effectiveness of intervention programs in primary care for the robust elderly. Salud Pública de México (Impresa). 2015; 57:265 - 274.

Saenger AL. Rastreio do risco de perda da autonomia funcional no idoso que reside na comunidade: tradução e adaptação transcultural do Instrumento Prisma-7. Tese (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Área de Concentração em Ciências Médicas. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.

Veras RP, Caldas CP, Cordeiro HA, Motta LB, Lima KC. Desenvolvimento de uma linha de cuidados para o idoso: hierarquização da atenção baseada na capacidade funcional. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2013;16(2):385-392. DOI:10.1590/S1809-98232013000200018

Veras RP, Parahyba MI. O anacronismo dos modelos assistenciais para os idosos na área da saúde: desafios para o setor privado. Cad Saúde Pública. 2007;23(10):2479-2489. DOI:10.1590/S0102-311X2007001000022

Veras RP. Conhecimento científico, políticas públicas e regulação na área de saúde: um novo paradigma. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2014;17(2):233-234. DOI:10.1590/S1809-98232014000200001

Veras RP. Estratégias para o enfrentamento das doenças crônicas: um modelo em que todos ganham. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2011;14(4):779-786.

Veras RP. Experiências e tendências internacionais de modelos de cuidado para com o idoso. Ciênc Saúde Coletiva. 2012;17(1):231-238. DOI:10.1590/S1413-81232012000100025

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Capítulo 5

A interface entre ossubsistemas privado epúblico de saúde napolítica de saúde mental:a construção de linhasde cuidado

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A interface entre os subsistemas privado e público de saúde na política de saúde mental: a construção de linhas de cuidado17

Alcindo Antônio FerlaDoutor, Professor adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Pesquisador sênior ILMD/Fiocruz/FAPEAM.

Renata Flores TrepteMestranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva/UFRGS.

Lisiane Boer PossaDoutora, Professora adjunta da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Julio Cesar SchweickardtDoutor, Pesquisador do Instituto Leônidas e Maria Deane - Fiocruz Amazonas.

Rodrigo Tobias de Sousa LimaDoutor, Pesquisador do Instituto Leônidas e Maria Deane - Fiocruz Amazonas.

Luiza Maria PlentzBolsista de Iniciação Científica - Graduanda em Saúde Coletiva/UFRGS.

Introdução

Dentro da concepção jurídica institucional vigente no país, a saúde é considerada como um bem essencial e de relevância pública, o que significa que a responsabilidade pela formulação de políticas de saúde e seu respectivo controle e regulação é do poder público. Considera-se que no Brasil o sistema de saúde é único, formado por uma composição de serviços públicos e privados, cujas diretrizes devem ser únicas, o que significa dizer que estas devem estar condicionadas à atuação reguladora do Estado, como apregoa a Constituição Federal (BRASIL, 1988). Além da existência concomitante de serviços públicos e privados para a assistência à saúde, a Constituição Brasileira também não impediu a permanência de um subsistema privado de financiamento da provisão da assistência, formado por planos e seguros privados de saúde, ressalvando seu caráter suplementar em relação ao subsistema público. Acresce-se a esses dois subsistemas já apresentados, a oferta dos serviços assistenciais do subsistema privado de assistência pago diretamente pelo usuário ou por quem o representa, aqui denominado como subsistema privado de desembolso direto.

A condição, de subordinação à definição constitucional de relevância pública da saúde, submete indistintamente serviços, redes e subsistemas à regulação pública, feita tanto por órgãos do Ministério da Saúde e das Agências Nacionais de Saúde Suplementar (ANS) e Vigilância Sanitária (ANVISA), como de outras instâncias do Sistema Único de Saúde (SUS) e dos órgãos de regulação econômica e defesa do consumidor.

Essa premissa orienta este estudo, pois se tem como pressuposto que as políticas de Saúde Mental, desenvolvidas pela Agência Nacional de Saúde – ANS e implementadas pelas operadoras de planos 17Este capítulo faz parte do projeto de pesquisa produzido no âmbito do Edital 005/2014 ANS/OPAS. As opiniões emitidas na presente publicação são da exclusiva responsabilidade dos autores, sem representar posicionamentos oficiais da Organização Pan-Americana da Saúde ou da Agência Nacional de Saúde Suplementar.

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e seguros de saúde e seus prestadores de serviços, devem estar alicerçada nas diretrizes definidas pelo poder público. A Lei No 10.216/0118 também é a orientadora do subsistema privado de assistência, na medida em que dispõe sobre os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Segundo a referida lei, “Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos” (Art. 2º) previstos na mesma. Ainda de acordo com a lei:

Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental (...) são assegurados sem qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno, ou qualquer outra (Art. 1º).

Sobre esta modelagem definida legalmente para o atendimento às pessoas que necessitam de cuidados, é possível destacar a ênfase da convivência comunitária e da atenção extra-hospitalar para pacientes com distúrbios mentais. Portanto, as práticas no interior de serviços, redes e operadoras vinculados aos planos e seguros privados de saúde também deveriam estar traduzindo as diretrizes e os princípios dessa política nacional, uma vez que se trata de uma configuração de direito das pessoas.

Diversas formulações teóricas tem se ocupado de caracterizar distinções entre lógicas de organização dos dois componentes de assistência do sistema de saúde brasileiro, quer seja por questões econômico-financeiras, fiscais, de formação de mercados, entre outras. Esses estudos partem de uma separação a priori entre os dois subsistemas, público e privado de financiamento e assistência à saúde, e consideram que as principais questões que mereceriam análises são, como ponto de partida, distintas e em oposição entre ambos.

Nossos estudos têm se ocupado, há algum tempo, de reconhecer que, na dimensão do cotidiano, a população brasileira engendra um mix entre serviços e subsistemas de diferentes características, mesmo entre os beneficiários da saúde suplementar (FERLA, 2009; FERLA, 2010). Esses mix são verificáveis desde a gestão das ofertas assistenciais que fazem os serviços que têm vinculação com ambos os subsistemas, até a combinação de ações de diferentes serviços que os brasileiros e brasileiras que buscam o cuidado nos serviços de saúde fazem nos seus percursos assistenciais.

Essa perspectiva de análise coloca questões distintas daquelas abordadas pelos estudos tradicionais da Saúde Pública, e permite, por exemplo, desenvolver pesquisas avaliativas acerca dos imaginários (CECCIM et al, 2008) que mobilizam os atores (usuários, profissionais, profissionais em formação) acerca dos modos como se organizam os serviços e são ofertadas ações para a população seja nos serviços públicos ou privados, seja para beneficiários ou não de planos e seguros de saúde, ou mesmo considerar aspectos macrorregulatórios e microrregulatórios que operam na definição de facilidades e dificuldades de acesso aos serviços e ao cuidado (ANS, 2005). Nessa perspectiva, o foco da análise é o caminho do cuidado e não os serviços, que se tornam marcadores das ofertas assistenciais.

Este artigo tem como objetivo analisar a incorporação da linha de cuidado em saúde mental em planos e seguros privados de saúde. Ou seja, pretende-se analisar o quanto as propostas de cuidado em saúde mental, construídas pelo poder público e dirigidas a toda a população brasileira, estão sendo abordadas na saúde suplementar. Essa afirmação fortalece a necessidade não apenas de analisar, mas produzir dispositivos e mecanismos que tenham potência para induzir as mudanças nas práticas de cuidado em saúde mental na saúde suplementar, assim como tecnologias para o acompanhamento e a avaliação dessas mudanças. O planejamento de mecanismos dessa natureza implica na abertura ao pensamento de que esses mix existem, traduzem a expectativa de uma parcela de brasileiros que os produz no cotidiano da busca de cuidados e que podem, portanto, ser otimizados em desenhos tecnoassistenciais capazes de fazer avançar a diretriz constitucional de integralidade na saúde. O capítulo compõe um ensaio que analisa 18Lei Federal nº 10.216, de 06 de abril de 2001, que Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm.

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preliminarmente parte dos dados de uma pesquisa maior, denominada “Análise da Rede de Atenção em Saúde Mental no subsistema de Saúde Suplementar brasileiro nas regiões Norte e Sul sob a perspectiva da construção de linhas de cuidado”.

Esse estudo justifica-se pela necessidade de contextualizar como este subsistema tem abordado o cuidado em saúde mental no cotidiano do trabalho em saúde. Desta forma, apresenta-se o cenário atual da implementação da política de saúde mental na saúde suplementar, usando como marcador a proposta conceitual de linhas de cuidado. Tendo como base analítica as propostas sintetizadas pela reforma psiquiátrica, procura-se mapear os conceitos, estratégias e dispositivos de cuidado em saúde mental incorporados nas práticas dos atores implicados com o subsistema saúde suplementar, seja a agência reguladora, os operadores de planos e seguros, prestadores de serviços ou beneficiários. Considerando que são esses os atores envolvidos diretamente no subsistema da saúde suplementar, os resultados são apresentados considerando três planos de análises: a regulação, a produção do cuidado e os itinerários dos usuários.

A política de saúde mental no sistema de saúde brasileiro

O início do processo de Reforma Psiquiátrica no país é contemporâneo à eclosão do “movimento sanitário”, nos anos 1970. Este movimento caracterizou-se pela disputa por uma reforma sanitária no Brasil e na defesa da mudança dos modelos de atenção e gestão nas práticas de saúde, defesa da saúde coletiva, equidade na oferta dos serviços e protagonismo dos trabalhadores e usuários dos serviços de saúde nos processos de gestão e produção de tecnologias de cuidado. A assistência à saúde mental pública na década de 90, período inicial da implantação da reforma sanitária, foi marcada por uma política de redução dos leitos hospitalares localizados nos hospitais psiquiátricos tradicionais e pela implantação concomitante de recursos terapêuticos substitutivos ao aparelho manicomial.

Desde o início da implantação desse processo denominado reforma psiquiátrica no Brasil, a atenção à saúde mental vem passando por grandes transformações, em particular no que se refere às políticas assistenciais desenhadas e aos dispositivos tecnoassistenciais produzidos e ofertados. Essas transformações decorrem, ao mesmo tempo, de mudanças específicas no campo de saúde mental e daquelas operadas no contexto mais geral do Sistema Único de Saúde (SUS). No primeiro campo, pode-se destacar as mudanças culturais em relação ao atendimento à doença mental e da ampliação e diversificação das ofertas assistenciais em saúde mental no sistema de saúde, particularmente no contexto da superação do modelo asilar (BRASIL, 2005). No segundo, observa-se a expressiva expansão de serviços de atenção básica e priorização da estratégia tecnoassistencial de organização de redes de atenção, uma vez que os problemas de saúde que acometem a população brasileira demandam esforços de diferentes equipamentos e serviços existentes, de forma orquestrada (BRASIL, 2010).

São estratégias centrais da política atual a indução à criação de uma ampla rede de serviços substitutivos e a articulação desta aos demais serviços, assim como a integração do cuidado em saúde mental às demais ações de saúde na rede de atenção. As diretrizes no setor suplementar brasileiro deveriam estar em consonância com aquelas estabelecidas pela legislação da Reforma Psiquiátrica vigente e pela política de saúde mental do SUS, já que respondem a possibilidades de cuidado existentes na rede de serviços e na medida em que essas ofertas estão configurando novas expressões para o direito à saúde das pessoas. As novas diretrizes estão fundamentadas em quatro pontos: a) garantia dos direitos civis dos portadores de transtornos mentais; b) descentralização da rede de cuidados em saúde mental; c) proteção dos pacientes em tratamento nos hospitais psiquiátricos; d) desenvolvimento de uma rede de serviços diversificada, extra-hospitalar de base comunitária e territorial (BRASIL, 2008). Os principais objetivos da política de saúde mental do SUS têm buscado: a redução progressiva dos leitos psiquiátricos; a qualificação, expansão e fortalecimento da rede extra-hospitalar; inclusão de ações de saúde mental na atenção básica e implementação de diretrizes de atenção integral aos usuários de álcool e drogas (BRASIL, 2008). A aposta do SUS para estruturação da Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com

90 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas (RAPS) foi sistematizada na Portaria Nº 3.088. A RAPS é o instrumento usado pelos atores do SUS para estruturar a atenção integral em saúde mental, álcool e outras drogas (BRASIL, 2011). As diretrizes da RAPS, como forma de produzir integralidade do cuidado em saúde mental, constituem, dentre outros aspectos: a diversificação de estratégias de cuidado; o combate aos estigmas e preconceitos; a assistência multiprofissional, ancorada em lógicas de trabalho interdisciplinares; e no desenvolvimento de atividades com foco nos territórios de vida das pessoas, favorecendo à inclusão social, o aumento da autonomia dos usuários e familiares e o exercício da cidadania.

No interior do Sistema Único de Saúde, a Rede de Atenção Psicossocial19 é composta por ações no âmbito da atenção básica em Unidade Básica de Saúde e equipe de atenção básica para populações específicas (Equipes de Consultório na Rua e equipes de apoio aos serviços do componente Atenção Residencial de Caráter Transitório) e Centros de Convivência; pela atenção psicossocial especializada, em Centros de Atenção Psicossocial de diferentes modalidades; pela atenção de urgência e emergência (SAMU 192, Sala de Estabilização, UPA 24 horas, portas hospitalares de atenção à urgência/pronto socorro e Unidades Básicas de Saúde, entre outros); pela atenção residencial de caráter transitório (Unidade de Recolhimento, Serviços de Atenção em Regime Residencial); e pela atenção hospitalar (enfermarias especializadas em Hospital Geral, serviços Hospitalares de Referência para Atenção às pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas); por estratégias de desinstitucionalização (Serviços Residenciais Terapêuticos); e pela reabilitação psicossocial. Como se pode verificar, há uma clara intenção política de diversificação de serviços e de articulação do cuidado em saúde mental na rede de serviços de atenção à saúde em geral, produzindo a ampliação de pontos de cuidado e de expectativa de respostas para superar a especialização excludente dessa modalidade de necessidades de saúde. Também é importante destacar que, ao propor uma diversificação de serviços e induzir a ampliação da capacidade de respostas, a política pretende deslocar o lugar do cuidado que se construiu na história moderna e contemporânea da assistência à doença mental, cujo efeito pedagógico foi a estigmatização da loucura.

Um dos obstáculos à implementação de uma atenção adequada à saúde mental no país é relativa à insuficiência da capacidade instalada de serviços. Além disso, de modo geral, o que se observa é que a organização do trabalho e a formação profissional nessa área continuam embasadas em um modelo de atenção que toma como matriz uma compreensão orgânica do processo saúde-doença. Esta se concretiza em práticas assistenciais de intervenção focalizadas na sintomatologia que têm como recurso, quase que exclusivamente, os hospitais psiquiátricos e a medicalização. No que diz respeito à atenção psiquiátrica no âmbito da saúde suplementar, esse modo de organizar o cuidado parece se repetir, consolidando uma estratégia de atenção de alto custo e pouco eficiente.

Partindo da perspectiva de responsabilidade compartilhada, de que o regramento normativo sobre as políticas de saúde está colocado para todos os componentes do sistema de saúde faz-se necessário que tanto o subsistema público de assistência, quanto o subsistema privado, através da agência reguladora, tomem iniciativas para ampliar e ofertar ações e serviços para sua clientela conforme previsto na política, no caso, as diretrizes estabelecidas pela lei da Reforma Psiquiátrica.

A Saúde Mental na Regulação do Subsistema Privado de Assistência a Saúde

A Lei Federal nº 9656/98, que dispõe sobre os planos privados de assistência à saúde, cria a obrigatoriedade de cobertura, nos planos-referência, de todas as doenças e problemas relacionados à

19A Portaria do Ministro da Saúde de nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011, publicada em formato definitivo no DOU nº 96, de 21.05.2013, Seção 1, págs. 37/38, institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt3088_23_12_2011_rep.html.

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saúde constantes da Classificação Internacional de Doenças (CID), da OMS, salvo de exceções previstas na própria lei que devem ser objeto de regulamentação da ANS. Também veda a possibilidade de impedimento de participação de qualquer indivíduo nos planos privados de assistência à saúde em razão de idade e/ou de ser portador de alguma doença ou lesão. Parte-se, portanto, de um regramento que obriga planos e seguros de saúde a ofertarem cuidado em saúde mental.

Esse pressuposto é reforçado pela regulamentação específica, que trata da contratação e prestação de serviços de atenção em saúde mental no setor de saúde suplementar. A Resolução Normativa nº 338, de 21/10/2013, da ANS, determina expressamente a obrigatoriedade de tratamento de todos os transtornos psiquiátricos codificados no CID, reafirmando a importância da adoção de medidas, por parte dos serviços de saúde e planos de saúde, que evitem a estigmatização e a institucionalização aos portadores de transtornos mentais. Há, na regulamentação específica, uma clara aproximação com as definições legais acerca da atenção à saúde mental e ao modelo inaugurado no interior do SUS.

A Agência Nacional de Saúde Suplementar, como reguladora da saúde suplementar criou o Programa de Qualificação da Saúde Suplementar, em novembro de 2006. Este foi um primeiro movimento mais consistente frente à necessidade constante de equalizar as ações ofertadas neste subsistema de assistência aos princípios doutrinários e organizativos do Sistema Único de Saúde. No texto normativo no qual o programa é apresentado, a ANS afirma, em seu artigo segundo, que o principal objetivo da ação seria construir um mercado de saúde suplementar cujo principal interesse “seja a produção da saúde, com a realização de ações de promoção à saúde e prevenção de doenças” (ANS, 2006). Aumentar a qualidade, a integralidade e a resolutividade são os guias elencados para orientar a execução do programa, cujas propostas de ação são direcionadas tanto para as entidades ocupantes do mercado da saúde suplementar, quanto para a própria ANS.

Em nota divulgada em agosto de 2009, a gerente geral técnico-assistencial de produtos da ANS, afirma que:

Ao incentivar a adoção desses programas [programas de promoção à saúde e prevenção de agravos], a ANS avança no cumprimento de sua finalidade institucional, reconhecendo a saúde suplementar como um local para a produção da saúde, o que impõe ao órgão regulador a necessidade de elaborar estratégias para a avaliação da qualidade e o acompanhamento dos programas desenvolvidos pelas operadoras20.

Mais recentemente, em outubro de 2013, a ANS atualizou o rol de procedimentos, que constitui a referência básica para cobertura assistencial mínima nos planos privados de assistência à saúde e fixa as diretrizes de atenção à saúde, através da Resolução Norativa nº 338 (RN 338), inclusive quanto a regulação das formas pelas quais o cuidado em saúde mental deva ser ofertado por planos e seguros de saúde. Esta norma prevê: a necessidade de ampliação de cobertura; propõe a organização de fluxos e linhas de cuidado; afirma a priorização do atendimento ambulatorial, e hospital-dia; assinala para a diminuição da internação psiquiátrica, considerando esta como o último recurso terapêutico a ser acionado; indica ainda que o cuidado deva ser prestado por equipe multiprofissional, de forma integral; sugere a utilização da epidemiologia para monitoramento da qualidade das ações e gestão em saúde; estabelece a incorporação de ações de promoção da saúde e prevenção de doenças como estratégias de cuidado.

A concepção de uma linha de cuidado em saúde mental no subsistema público considera a estratégia da composição de uma rede de atenção, que inclua o acesso, o vínculo e a resolutividade em serviços de diferentes naturezas; o pleno acesso à assistência farmacêutica; e a disponibilidade de ações de promoção e prevenção à saúde.

20Nota sobre Ações Indutoras da ANS, disponível em http://www.ans.gov.br/images/stories/Plano_de_saude_e_Operadoras/Area_da_Operadora/Promoprev/acoes_inducao_ans.pdf; acessada em 26 de junho de 2015.

92 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

Segundo Malta et al.(2010), espera-se que ocorra na linha de cuidado um caminhar do usuário que seja seguro e tranquilo, garantindo a qualidade da assistência. Linha de cuidado é considerada pela ANS como:

Modelos matriciais de organização da atenção à saúde que visam à integralidade do cuidado e conjuguem ações de promoção, vigilância, prevenção e assistência, voltadas para as especificidades de grupos ou necessidades individuais, permitindo a condução dos pacientes pelas possibilidades de diagnóstico e terapêutica em todos os níveis de atenção, com visão global das condições de vida (ANS, 2008).

Para organização da assistência no subsistema de saúde suplementar, a ANS classifica os sofrimentos psíquicos em categorias, quais sejam: 1) transtornos mentais graves e persistentes; 2) transtornos psiquiátricos decorrentes do uso de álcool e drogas; 3) transtornos depressivos, ansiosos e alimentares; 4) atenção à saúde mental da criança e adolescente e 5) atenção à saúde mental do idoso. Essa categorização dos transtornos delimitam os públicos para os quais propõe linhas de cuidado. Ou seja, estabelece cinco linhas de cuidado que deveriam produzir saúde, através do desencadeamento de diferentes ações, em diversos níveis de atenção (ANS, 2008).

Segundo o manual da ANS, que estabelece as diretrizes assistenciais em saúde mental, é prioridade a linha de cuidado dos portadores de transtornos mentais graves e persistentes. Sabe-se que os transtornos psicóticos significam um drama pessoal na vida do individuo, tanto pelo caráter estigmatizante como pelo sofrimento que provoca. Também é explicitada, nas orientações da ANS, a necessidade de ações e serviços privados destinados à atenção a crianças e adolescentes com transtornos mentais, sendo que estes devem levar em conta os princípios que vêm orientando no país a política pública de saúde mental para essa população, ou seja, consultas por especialistas, leitos de suporte, serviços-dia para casos de maior complexidade, serviços residenciais terapêuticos, entre outros.

Dada a magnitude e a relevância das questões de saúde mental, percebe-se que as diretrizes elencadas no documento da ANS explicitam a necessidade de discussão do atual modelo de atenção a saúde mental praticado pelos serviços privado e comprados pelas operadoras de planos e seguros de saúde. Em especial, a necessidade de mudança dos mesmos, de tal foram que estejam baseados nos princípios contidos na lei no 10216/01, que ordenou o processo de reforma psiquiátrica brasileira, resgatando a cidadania e garantindo a reinclusão social dos portadores de transtornos mentais (ANS, 2008).

Diante da complexidade do tema da saúde mental, a ANS, com o objetivo de induzir à mudança do modelo de atenção a saúde, traz como estratégia a adoção de práticas cuidadoras e integrais, incentivando a implantação de Programas de Promoção de Saúde e Prevenção de Agravos. Estes estariam orientados com o objetivo de reduzir a incidência, prevalência e recorrência dos transtornos mentais, no sentido de diminuir o impacto da doença sobre as pessoas, família e a sociedade (ANS, 2008).

Esses documentos formais sinalizam à aproximação das orientações da ANS, e, portanto, da regulação do conjunto das operadoras de planos e seguros e prestadores de serviço, na direção da política de saúde mental definida em lei e na política brasileira. Expressam também o reconhecimento formal de que é responsabilidade da saúde suplementar o cuidado qualificado das pessoas com sofrimento mental, que conforme apresentado a seguir, representa um problema com o qual se depara parcela significativa da população. Cabe destacar que em torno de 51 milhões de pessoas (25% do total da população brasileira) são beneficiárias dos planos e seguros de saúde no ano de 201521 e parcela destas pessoas se deparam com necessidades em saúde mental ao longo da vida.

Tendo em vista o lugar indutor exercido pelos instrumentos normativos expedidos pela ANS, é importante salientar as medidas tomadas pela agência, a exemplo da proposta de linhas de cuidado e 21Fonte: Sistema de Informações de Beneficiários/ANS/MS - 06/2015 - http://www.ans.gov.br/perfil-do-setor/dados-gerais#sthash.4GTpEc6o.dpuf

93OPAS/OMS - ANS/MS

das diretrizes para elaboração dos programas voltados para atenção em saúde mental. Malta et al.(2004) enfatizam que embora ainda não seja uma prática comum, as operadoras podem e devem ser gestoras da saúde dos seus beneficiários estabelecendo ações cuidadoras, que impliquem não só a promoção, mas também a garantia do acesso e a qualidade da assistência ofertada e parece que a ANS tem buscado induzir tais práticas.

A produção do cuidado em saúde mental: demandas por atenção e oferta das operadoras e prestadores de serviços da saúde suplementar

Através de um levantamento junto às operadoras de planos de saúde, a ANS identificou que, durante o ano de 2007, das causas de internações psiquiátricas, 45% foram decorrentes de psicoses e neuroses graves. Ou seja, este grupo foi responsável por praticamente metade dos casos de internação psiquiátrica na saúde suplementar. Essas informações demonstram a importância do cuidado do grupo de pessoas com essas patologias (ANS, 2008). Além disso, pessoas acometidas com esses transtornos mentais graves e persistentes têm especificidades e necessidades que requerem um conjunto de ações de cuidado muito complexas que não se resumem ao controle da sintomatologia. Estas necessidades envolvem a sua integração na sociedade e o desempenho de papeis sociais de forma adequada.

Estima-se que o consumo de substâncias psicoativas esteja presente em cerca de 10% das populações urbanas de todo o mundo, tomando proporções relevantes não só individuais, como sociais. O uso do álcool e do tabaco tem importante prevalência por serem drogas consideradas lícitas, de fácil acesso e aceitação pela sociedade, trazendo consequências importantes para saúde das pessoas. Os dados publicados pela ANS e citados anteriormente sobre as causas de internações psiquiátricas no ano de 2007, apontam que a maioria delas são decorrentes do uso abusivo de álcool e drogas. Reafirmando este problema como uma necessidade em saúde dos beneficiários de planos e seguros privados, corroborando outras analises que também o consideram como um importante problema de saúde pública (ANS, 2008).

Com relação às depressões e ansiedades leves, segundo dados da Associação Brasileira de Psiquiatria - ABP de 2006, os atendimentos em saúde mental decorrentes dessas patologias têm crescido significativamente, atingindo 12% da população brasileira. Apesar desse grupo não necessitar de internações com frequência, demandam acompanhamento em serviços de saúde. Assim como a depressão, os transtornos ansiosos estão entre os mais relevantes em diversos países e culturas. Eles manifestam-se, por exemplo, através da fobia social, distúrbio do estresse pós-traumático e transtorno do pânico. Segundo alguns autores muitos transtornos ansiosos se iniciam ainda na infância e adolescência - fases de vida de risco para tais patologias (MAJCHER & POLLACK, 1996 apud WHO, 2004).

Dados da Organização Mundial da Saúde estimam que 20% de crianças e adolescentes sofrem com problemas ou transtornos mentais (OMS, 2001). Nessa perspectiva, estabelecer intervenções precoces voltadas à atenção em saúde mental de crianças e adolescentes parece ser uma excelente oportunidade para a prevenção em saúde mental como um todo. Segundo Kim-Cohen et al.(2003) um importante percentual de transtornos mentais em adultos têm o seu início nas fases pré-mórbidas na infância e adolescência.

Lopes e Silva colocam que “o processo saúde-doença é resultante das situações de vida dos indivíduos e coletivos e que essas situações são construídas nas relações que se estabelecem na sociedade”, alertando que um processo saúde-doença é sempre histórico e passível de ser apreendido, bem como é parte importante do ideário constitutivo das práticas de consultório (LOPES; SILVA, 2004). Considerando estas necessidades em saúde mental e as proposições de mudanças nas práticas de cuidado é que se buscou responder: Por onde anda o cuidado ofertado pelos planos e seguros de saúde e prestadores privados?

94 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

Em dados preliminares da pesquisa iniciada em 2015, analisou-se, a partir das informações disponíveis no site da ANS, a lista de programas de promoção da saúde e prevenção de riscos e doenças ofertados por todas operadoras. Estas contam com um número total de programas implantados ainda pouco expressivo. Considerando as oito grandes áreas para estruturação de programas – bucal, mental, mulher, homem, idoso, adolescente, jovem, criança – totalizam-se 617 programas registrados junto à ANS.

No universo total de programas cadastrados, encontram-se apenas 25 da área de saúde mental. Os que apresentam descrição das ações caracterizam-se pela combinação de consultas médico-psiquiátricas, acompanhadas de sessões de psicoterapia individual e em alguns casos com a possibilidade de acompanhamento em grupo semanal, quinzenal ou mensal. Esses dados sinalizam que ao passo que a ANS produziu estratégias e dispositivos para a mudança no cuidado em saúde mental no plano da regulação e indução de políticas, os planos e seguros de saúde pouco avançaram na implementação das propostas articuladas em programas.

Segundo Malta et al. (2004) um dos mecanismos utilizad os pelas operadoras para conter os gastos é o da microrregulação do cuidado. Esta ocorre através da criação de protocolos e fluxos que dificultam as solicitações de procedimentos, do co-pagamento, dentre outros. Esses dispositivos desconsideram as necessidades dos usuários, causando nítida fragmentação do cuidado, que se torna centrado na lógica da oferta daquilo que foi contratado. Estas práticas têm consequências importantes no cuidado em saúde mental, pois, na maioria dos casos, as abordagens que resultam no enfrentamento do sofrimento das pessoas com problemas de saúde mental demandam tempo e continuidade. Neste caso a limitação de atendimento a um número de consultas por pessoa e o co-pagamento, que são dispostivos frequentes de microrregulação das operadoras, resulta em prejuízos importantes para o cuidado. Explicita-se, através do uso destes mecanismos, o quanto operadoras de plano de saúde enxergam o cuidado em saúde como mercadoria e não como um direito humano, descolando os atos e procedimentos realizados dos resultados sobre a diminuição do sofrimento e qualidade de vida das pessoas.

Considerando o exposto, observamos que ainda há uma lacuna existente entre as propostas de organização do cuidado que a ANS tenta imprimir e a configuração atual do modelo de atenção a saúde mental praticado pelas operadoras e prestadores de serviço do subsistema privado. Os documentos organizativos propostos pela ANS tentam induzir mudanças, na medida em que: propõe a estruturação de ações baseadas nos princípios contidos na lei no 10216/01 e preceitos do movimento da reforma psiquiátrica brasileira; baseiam-se no resgate da cidadania, defendendo a garantia da reinclusão social dos portadores de transtornos mentais no Brasil (ANS, 2008). No entanto, ainda não se percebe avanço na efetivação de uma proposta de atenção integral, mesmo considerando aquelas estruturadas dentro de uma proposta de promoção de saúde. As ofertas de cuidados disponibilizadas pelas operadoras e pelos prestadores de serviços ainda são muito incipientes para a produção de alterações significativas na estrutura do cuidado aos usuários.

Isso se evidencia nas especificações dos programas e nas demais ofertas de atenção da saúde suplementar ao usuário em sofrimento psíquico que foram analisados. Percebe-se um cenário que não está organizado para induzir itinerários cuidadores aos usuários e que é fortemente exercido em uma perspectiva ancorada no que Yasui e Costa Rosa (2008) caracterizaram como modelo tradicional. Este se baseia no princípio doença-cura e compreende de forma predominantemente orgânica o processo saúde-doença, além de suas premissas serem concretizadas em estratégias de cuidado centradas na sintomatologia.

O Itinerário do usuário em busca do cuidado em saúde mental: benefi ciários de planos e seguros e seus percursos terapêuticos

Identificou-se, em estudos prévios que o mix público e suplementar, construído pelas pessoas nas suas trajetórias em busca de cuidado pelos serviços de saúde, amplia a integralidade no acesso a ações

95OPAS/OMS - ANS/MS

e serviços de saúde. No entanto, a gestão dessa integração tem sido exercida pelos próprios usuários. Em particular no caso da saúde mental, ao analisar a questão da integralidade na saúde suplementar, identificou que os usuários da saúde mental buscam cuidado mais integral no mix publico e suplementar (FERLA, 2010).

Os beneficiários de planos de saúde migram em busca de atenção na rede substitutiva do subsistema público da assistência, o que pode indicar uma opção por um serviço diferenciado e também um reconhecimento da qualidade do cuidado que resulta da atenção baseada nas diretrizes políticas defendidas na reforma psiquiátrica (FERLA, 2009). Este comportamento, em alguns casos, parece ser estimulado pelas operadoras e regulado por prestadores de serviços privados. A gestão do cuidado, nessas situações, parece estar sob a responsabilidade dos próprios beneficiários e seus familiares. No entanto, os resultados aqui apresentados sinalizam para uma insuficiência, em especial da qualidade das ofertas, nos serviços de saúde mental do subsistema suplementar, o que pode em parte explicar a trajetória que faz o usuário.

Considerações Finais

Partindo da perspectiva que a reforma psiquiátrica e a rede de cuidados em saúde mental são diretrizes políticas do sistema de saúde neste campo, reconhece-se que não é apenas para o subsistema de assistência pública de saúde, trata-se também de diretriz e orientação para a saúde suplementar. Estes deveriam ter iniciativas no sentido de ampliar ações e serviços de saúde mental que garantissem o cuidado substitutivo às internações hospitalares e o cuidado efetivo para sua clientela.

Ferla (2009) sugere que existe uma tensão entre as lógicas da integralidade e do mercado no âmbito da saúde suplementar, com avanços importantes do setor em direção às políticas de regulação da Agência Nacional de Saúde - ANS. A necessidade de avançar esta discussão é o ponto central da pesquisa que vem sendo desenvolvida pela rede científica, tendo em vista contribuir para a reflexão a cerca das articulações das ofertas dos subsistemas suplementar e público de serviços de saúde. O que está em questão é o desenvolvimento da rede de atenção em saúde mental e a implementação das diretrizes da política que deveriam orientam as práticas cotidianas no conjunto dos serviços de saúde do país, incluindo os provedores da saúde suplementar.

Portanto, desenvolver conhecimentos no campo da saúde suplementar em consonância com essa matriz que considera o mix público e privado como possibilidade analítica, permite que se parta da compreensão dos itinerários assistenciais, aqueles efetivamente vivenciados pelos usuários, e das redes de atenção, serviços que cuidam de pessoas com problemas de saúde mental em cada território, para pensar nos desenhos de linhas de cuidado. Ou seja, a partir do vivido pelos usuários nas suas trajetórias em busca do cuidado encontrar aprendizado que potencialize a construção da tecnologia que pretende articular serviços e trabalhadores colocando-os em contato numa rede quente22 e cuidadora – as linhas de cuidado.

Além disso, o mix representa um marcador qualificado para analisar a problemática que envolve a atenção em saúde mental no cenário atual. Ao fluir pela linha de cuidado da saúde mental, o usuário tem intensificado seu projeto terapêutico individual e não simplesmente o seu encaminhamento da menor à maior tecnicalidade da atenção. Desse modo, analisando também as práticas e estratégias no

22A definição de redes quentes e frias pode ser compreendida como diferentes momentos, por exemplo, de uma rede de saúde, incluindo não só os equipamentos, pessoas, trabalhadores, mas seu maior ou menor potencial de conectividade e capacidade de realizar novas conexões, novos arranjos. Uma rede dita fria são aquelas com alto grau de conformação, organização, normatização, hierarquização, homogeneização , reprodução e rebatimento das práticas e das subjetividades. Uma rede quente se constituiria por um momento, onde este poder de organização e normatização se desestabiliza, se desacomodando. Na perspectiva clínico política, uma intervenção só é possível quando o sistema de rebatimento se desarranja, permitindo devires minoritários, através das variáveis menores. (PASSOS & BARROS, 2009, pag 29-30)

96 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

enfrentamento de problemas cotidianos, sobretudo em relação à procura de cuidados em saúde, estamos colocando em evidência a discussão dos “itinerários terapêuticos” percorridos. Tematizar as relações entre itinerários terapêuticos e usuários, demonstra a capacidade em se mobilizar recursos e criar tecnologias de cuidado sob a forma de linhas de atenção, mesmo diante de limites nas ofertas assistenciais dos serviços.

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98 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

99OPAS/OMS - ANS/MS

Capítulo 6

Suficiência de Rede:um estudo ecológicosobre beneficiários eredes de cuidadosà saúde para prevençãodo câncer de mama

100 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

101OPAS/OMS - ANS/MS

Sufi ciência de Rede: um estudo ecológico sobre benefi ciários e redes de cuidados à saúde para prevenção do câncer de mama23

Instituto de estudos de Saúde Coletiva UFRJ

Ligia Bahia Professora do Instituto de Saúde Coletiva da UFRJ

Ronir Raggio Luiz Professor do Instituto de Saúde Coletiva da UFRJ

Jessica Pronestino de Lima MoreiraDoutoranda da COPPE/Biomédica UFRJ

Instituto de Economia UFRJ

Maria Lucia Werneck Vianna Professora do Instituto de Economia UFRJ

Introdução

O tema suficiência da rede assistencial situa-se na fronteira entre as necessidades e cuidados à saúde, estabelecendo a interdependência entre demanda e oferta e a necessidade de saúde. Consequentemente, alterações em ambas as dimensões afetam a dinâmica das relações entre a existência e o uso de serviços de saúde. Por sua vez, as interações entre os pontos de cuidados à saúde e a população demandante e usuária são determinadas pelos contextos econômicos, políticos, sociais e culturais. Assim, essa complexa trama de processos interdependentes endereça desafios permanentes aos sistemas de saúde contemporâneos.

Os antecedentes do objeto do projeto, a suficiência e organização da rede assistencial de planos e seguros de saúde, remontam aos muitos séculos durante os quais os cuidados à saúde eram precipuamente atividades domésticas, caseiras e os médicos atuavam de forma independente ou em pequenos grupos os quais estabeleciam relações de propriedade ou vínculos, frequentemente autônomos com hospitais e unidades de diagnose e terapia. A concentração da população em áreas rurais, as distâncias e a velocidade dos meios de transporte impediam a criação de organizações formais e centralizadas de cuidados de saúde (Starr, 2004).

Países europeus e escandinavos, no período pós II Guerra erigiram sistemas universais de saúde baseados em redes assistenciais diferenciadas, quanto ao grau de vinculação estatal, na gestão e provisão de cuidados. As iniciativas para assegurar o direito à saúde para todos os cidadãos, independente do local de moradia e trabalho acompanharam-se da organização de redes territorializadas e relativamente homogêneas. Embora persistam, especialmente em países que conservaram sistemas de seguro saúde, concentrações da oferta de determinados serviços de saúde nas maiores cidades (Conill et al., 2011). Nos EUA, as mudanças na organização da rede assistencial ocorreram em um curto intervalo de tempo. Atualmente uma cidade americana típica possui 3 ou 4 redes articuladas de cuidados, geralmente.

23Este capítulo faz parte do projeto de pesquisa produzido no âmbito do Edital 005/2014 ANS/OPAS. As opiniões emitidas na presente publicação são da exclusiva responsabilidade dos autores, sem representar posicionamentos oficiais da Organização Pan-Americana da Saúde ou da Agência Nacional de Saúde Suplementar.

102 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

)ancoradas em torno de grandes hospitais e empresas de planos de saúde de grande porte. Tais redes são conglomerados constituídos por hospitais, cuidados primários e médicos especializados, ambulatórios e unidades de cuidados pós-atendimento de casos agudos. Resta uma franja de instituições não afiliadas e médicos autônomos, mas a presença de provedores independentes é declinante (Riggs e DeCamp, 2014). No Brasil, as instituições de cuidados com a saúde se consolidaram no século XX, quando, em razão dos problemas acarretados à economia cafeeira, o Estado assumiu a responsabilidade pelo combate aos males que travavam o desenvolvimento do setor agroexportador (Hochman, 2004). Os serviços de atenção à saúde, públicos, se voltaram para a resolução de epidemias e os filantrópicos e privados ao atendimento individualizado. Ao longo do tempo a separação entre as ações de saúde pública e a assistência médica-hospitalar estimulou disparidades regionais, culminando em um sistema segmentado em termos de demanda e oferta (Ponte e Falleiros, 2010; Paim, 2008).

A promulgação do SUS, em 1988, trouxe avanços significativos para a expansão das coberturas, evidenciados pela ampliação da oferta pública e acesso à atenção básica. No entanto, obstáculos, como: restrições no volume e natureza das fontes de financiamento; preservação de um arcabouço administrativo resistente às mudanças nas formas de contratação de pessoal e aquisição de insumos e dificuldades advindas das relações entre distintos entes da federação retiveram a marcha da superação da padronização na distribuição geográfica e uso de cuidados de saúde especializados (Lima, 2012). Os percalços para a efetivação do SUS bem como o padrão pretérito de segmentação do atendimento a trabalhadores de grandes empresas e segmentos das classes médias potencializaram o crescimento do mercado de planos de saúde (Paim, 2013).

São, portanto, diferenciadas as trajetórias da ampliação e reorganização da rede assistencial, em países europeus com sistemas universais consolidados, nos EUA e no Brasil. Tais assimetrias refletem-se na diversificação do foco das proposições governamentais para organizar redes assistenciais suficientes e qualificadas. O acento das proposições de reorganização do sistema nacional de saúde do Reino Unido recai sobre o estabelecimento de padrões de acesso e qualidade dos pontos de cuidado (NHS, 2014), enquanto que nos EUA a preocupação gravita em torno da necessidade de ofertar cuidados para a denominada “pent-up demand” (demanda reprimida) resultante do ACA (Affordable Care Act, 2010) (Obamacare facts, 2015), que incluiu mais de 10 milhões de americanos no Medicaid (Kaiser, 2014).

As pesquisas sobre organização e suficiência da rede assistencial refletem os contextos e circunstâncias nacionais especificas. Um dos importantes ângulos de análise de diversos estudos sobre a rede assistencial nos EUA é a relação entre o número e especialização dos provedores e os valores de remuneração cobrados a terceiros pagadores (empresas de planos e seguros e programas governamentais), como exemplificado, entre outros, pelos trabalhos de Gaynor e Town (2012) e Murray e Delbanco (2012). No Reino Unido, muitos estudos sobre organização da rede associam padrões assistenciais e desfechos clínicos ou epidemiológicos, como se constata em publicações como a investigação de O’Dowd (2014) sobre o desempenho do tratamento de diabetes, e outros dedicam-se a examinar as relações entre os incentivos subjacentes aos contratos dos prestadores de serviços e inovação (Lacobucci, 2014).

A literatura nacional sobre o tema volta-se tanto à identificação de problemas de gestão, distribuição geográfica e porte de unidades assistenciais, principalmente hospitais (Braga Neto, 2008; Vecina e Malik, 2007), à problematização das relações entre prestadores de serviços e empresas de planos de saúde (Dias, 2004) e sistematização das agendas dos atores envolvidos (Braga, 2012). Embora nem todas as pesquisas arroladas sobre a organização de redes assistenciais detenham-se na avaliação de suficiência, a situação dos hospitais brasileiros é um elemento comum nestes trabalhos, que ressaltam a existência de uma parcela considerável de estabelecimentos para internação hospitalar de pequeno porte e a cronicidade do déficit financeiro de instituições filantrópicas.

No que concerne ao elemento territorial essencial para os estudos de rede assistencial no Brasil, a discussão tem sido nucleada pelo questionamento do desenho federativo. As interrogações abrangem desde fatores como o custo do arranjo institucional, passando pela autonomia/subordinação dos governos

103OPAS/OMS - ANS/MS

sub-nacionais, até a distinção de duas dimensões: formulação e execução das políticas e ações de saúde. As funções para a melhoria do acesso, qualidade e segurança dos cuidados à saúde são executadas no nível local, incluindo: seleção de prestadores; garantia de acesso a cuidados de qualidade para as populações e segmentos vulneráveis; desenvolvimento de novos conhecimentos tecnologias e práticas de saúde; produção de informações monitoramento da qualidade dos cuidados de saúde; formação da força de trabalho de saúde (Tang et al., 2004).

As redes assistenciais são integradas pelos prestadores de serviços, mas devem contar com a colaboração de comunidades locais, empresas empregadoras e pacientes para melhorar o atendimento, objetivando a organização da oferta de cuidados voltada à execução de intervenções sobre determinantes ambientais da saúde e oferta de cuidados mensuráveis e de qualidade para indivíduos, famílias e comunidades. Compete às redes assistenciais não apenas a promoção da comunicação efetiva com pacientes e familiares e a coordenação do cuidado individualizado como também o trabalho com as comunidades para promover a ampla utilização das melhores práticas para uma vida saudável.

Depreende-se, assim, que o vasto acervo de conhecimentos sobre sistemas de saúde subsidia um enquadramento adequado à análise da suficiência da rede assistencial para os beneficiários de planos e seguros de saúde no Brasil. A literatura sobre o tema ressalta por um lado, a tradição de redes de prestadores de serviços heterogênea e concentrada em algumas cidades e rarefeita e dispersa em outras e por outro, a importância da aproximação dos prestadores de serviços aos contextos locais dos processos saúde-doença.

A partir desses referenciais, busca-se examinar as relações entre os beneficiários e a quantidade registrada de recursos assistenciais discriminados por tipos e especialidades sobre determinadas condições de saúde e contribuir para subsidiar o aprimoramento das normas de garantia de coberturas da ANS, em função das necessidades de saúde. O fio condutor que orienta o trabalho é a premissa segundo a qual, diferentes espaços-populações apresentam distintas necessidades, no entanto devem ter assegurados direitos de receber cuidados suficientes e adequados, no momento e ambiente oportunos e que os esforços locais precisam ser compartilhados e consistentes com as normas e prioridades nacionais.

Apontamentos Metodológicos

Trata-se de um estudo ecológico que coteja informações populacionais, recursos assistenciais e dados epidemiológicos de bases de dados distintas, referidas aos municípios brasileiros. A análise baseia-se na adequação do modelo de Diderichsen, 1998, que procurara representar a estratificação social e produção de doenças. O modelo de Diderichsen e Hallqvist de 1998 (CSDH, 2010) foi adaptado por Diderichsen, Evans e Whitehead (2001). O modelo original enfatiza a criação da estratificação social pelo contexto social, que delega aos indivíduos posições sociais distintas. A posição social das pessoas determina suas oportunidades de saúde.

A Figura 1, a seguir, incorpora a definição de suficiência de rede e sua relação com os desfechos – mortes evitáveis e procedimentos inseguros.

104 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

Figura 1 - Modelo Sufi ciência Rede Assistencial - Mortes Evitáveis e Procedimentos Inseguros

Sociedade

Contexto Econômico

Rede assistencial

Indivíduos/Beneficiáriosde Plano de Saúde

Mortes evitáveis/ Procedimentos inseguros

Contexto Social

1 3

6

5

2

4

A primeira parte consistiu em caracterizar os beneficiários de plano de saúde para a população geral e idosa, por municípios brasileiros. Para tanto, os municípios foram agrupados além da forma tradicional – por unidades da federação e macrorregiões brasileiras – também segundo o porte (pequeno, médio e grande), que considera o tamanho populacional e densidade demográfica, classificando-os ainda segundo sua integração ou não à região metropolitana.

No segundo momento, verificou-se como a rede assistencial, incluindo prevenção e diagnóstico poderia influenciar nos casos de óbito por câncer de mama.

O trabalho baseou-se nos dados de sistemas de informações públicos, disponíveis na WEB: Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), Sistema de Informações Hospitalares (SIH), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). As informações referem-se ao ano de 2012, em função da atualização do registro dos dados de mortalidade, no período de elaboração do trabalho, exceto as referentes ao número de mamógrafos, em que foram utilizados dados do período de 2007 a 2011, já que a prevenção e o diagnóstico que o equipamento confere acontece no período de tempo anterior ao óbito.

105OPAS/OMS - ANS/MS

Resultados Preliminares

Número de benefi ciários23 de planos de saúde nos municípios brasileiros em 2012 O número de beneficiários de planos de saúde é, naturalmente, um indicador fundamental para se estudar não apenas a suficiência da rede assistencial privada, mas todo o sistema de saúde, especialmente se considerarmos a atual complexidade do mix público-privado assistencial. E conhecer a sua distribuição espacial - como os beneficiários se distribuem no imenso espaço brasileiro, com todas as características e diversidades dos municípios - é igualmente relevante e necessário. Adicionalmente, explorar também e separadamente os beneficiários considerados idosos - aqueles com 60 anos ou mais - pode contribuir para um melhor entendimento do sistema, dadas as peculiaridades e demandas deste segmento populacional. A Tabela 1 apresenta os quantitativos populacionais – geral e de idosos – e de beneficiários – geral e idosos – de planos de saúde no Brasil em 2012, segundo as regiões e os estados. Tais dados são necessários para se calcular a cobertura percentual de beneficiários de planos de saúde, mas eles por si só são bastante expressivos não apenas do grau de heterogeneidade populacional e de beneficiários das regiões e estados brasileiros, mas também do papel dos idosos na população brasileira. Como observações gerais que merecem destaque, a região Sudeste apresenta o maior contingente populacional (42%) e se destaca ainda mais quanto ao número de beneficiários, 63,6% do total de beneficiários, com especial influência do estado de São Paulo. Este diferencial é claramente explicado pelas pequenas frequências de beneficiários dos estados do Norte e do Nordeste: a proporção de beneficiários nestas regiões é menos que a metade da proporção populacional, 3,7% versus 8,4% e 13,2% versus 27,8%, respectivamente. Com relação aos idosos, chama a atenção a proporção mais elevada nos estados do Rio de Janeiro e da Paraíba, tanto em termos populacionais quanto de beneficiários, mas o destaque mesmo é o estado do Acre, onde a proporção de idosos beneficiários chega a 16,2%, enquanto apenas 6,8% da sua população é idosa.

23Segundo a ANS, o termo “beneficiários” se refere ao número de vínculos a planos. Nesse sentido, considerando informações externas, como as disponíveis nas PNAD’s e na PNS 2013, pode-se dizer que estes quantitativos devem estar superestimados de 9 a 12%, aproximadamente, dependendo do local.

106 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

Tabela 1 - Quantitativos de municípios, populacionais (geral e idosos) e de benefi ciários (geral e idosos) de planos de saúde no Brasil em 2012, segundo as regiões e os estados

Regiãoe

Estado

Númerode

municípios

População em 2012 Beneficiários em 2012

GeralIdosos

(60 anos ou +)Geral

Idosos(60 anos ou +)

N % N % N % N %

BRASIL 5.565 193.976.530 100,0% 20.889.849 10,8% 10,8% 100,0% 5.341.061 11,3%

REGIÂO NORTE 449 16.347.807 8,4% 1.110.240 6,8% 6,8% 3,7% 129.929 7,5%

Rondônia (RO) 52 1.590.011 0,8% 114.247 7,2% 7,2% 0,4% 15.308 8,2%

Acre (AC) 22 758.786 0,4% 48.514 6,4% 6,4% 0,1% 7.321 16,2%

Amazonas (AM) 62 3.590.985 1,9% 216.699 6,0% 6,0% 1,2% 29.815 5,5%

Roraima (RR) 15 469.524 0,2% 25.702 5,5% 5,5% 0,1% 2.625 8,5%

Pará (PA) 143 7.822.205 4,0% 549.470 7,0% 7,0% 1,6% 62.224 8,2%

Amapá (AP) 16 698.602 0,4% 35.752 5,1% 5,1% 0,1% 5.425 8,1%

Tocantins (TO) 139 1.417.694 0,7% 119.856 8,5% 8,5% 0,2% 7.212 7,7%

REGIÂO NORDESTE 1.794 53.907.144 27,8% 5.531.289 10,3% 10,3% 13,2% 623.691 10,1%

Maranhão (MA) 217 6.714.314 3,5% 579.919 8,6% 8,6% 0,9% 33.688 8,2%

Piauí (PI) 224 3.160.748 1,6% 336.029 10,6% 10,6% 0,5% 24.195 10,4%

Ceará (CE) 184 8.606.005 4,4% 924.727 10,7% 10,7% 2,3% 105.882 9,8%

Rio Grande do Norte (RN) 167 3.228.198 1,7% 348.688 10,8% 10,8% 1,0% 53.359 10,8%

Paraíba (PB) 223 3.815.171 2,0% 456.717 12,0% 12,0% 0,8% 55.628 15,1%

Pernambuco (PE) 185 8.931.028 4,6% 951.169 10,7% 10,7% 3,1% 141.426 9,8%

Alagoas (AL) 102 3.165.472 1,6% 280.517 8,9% 8,9% 0,8% 35.396 9,6%

Sergipe (SE) 75 2.110.867 1,1% 189.592 9,0% 9,0% 0,6% 27.928 9,8%

Bahia (BA) 417 14.175.341 7,3% 1.463.931 10,3% 10,3% 3,2% 146.190 9,7%

REGIÂO SUDESTE 1.668 81.565.983 42,0% 9.659.516 11,8% 11,8% 63,6% 3.601.899 12,0%

Minas Gerais (MG) 853 19.855.332 10,2% 2.337.624 11,8% 11,8% 11,0% 612.413 11,8%

Espírito Santo (ES) 78 3.578.067 1,8% 370.769 10,4% 10,4% 2,4% 113.265 10,1%

Rio de Janeiro (RJ) 92 16.231.365 8,4% 2.110.043 13,0% 13,0% 12,4% 886.791 15,2%

São Paulo (SP) 645 41.901.219 21,6% 4.841.080 11,6% 11,6% 37,8% 1.989.430 11,2%

REGIÂO SUL 1.188 27.731.644 14,3% 3.322.197 12,0% 12,0% 14,1% 729.578 11,0%

Paraná (PR) 399 10.577.755 5,5% 1.184.212 11,2% 11,2% 5,6% 282.242 10,7%

Santa Catarina (SC) 293 6.383.286 3,3% 670.028 10,5% 10,5% 2,9% 133.410 9,6%

Rio Grande do Sul (RS) 496 10.770.603 5,6% 1.467.957 13,6% 13,6% 5,6% 313.927 12,0%

REGIÂO CENTRO-OESTE 466 14.423.952 7,4% 1.266.607 8,8% 8,8% 5,5% 255.964 9,9%

Mato Grosso do Sul (MS) 78 2.505.088 1,3% 244.384 9,8% 9,8% 0,9% 51.139 11,5%

Mato Grosso (MT) 141 3.115.336 1,6% 244.775 7,9% 7,9% 1,0% 37.253 8,2%

Goiás (GO) 246 6.154.996 3,2% 573.809 9,3% 9,3% 1,9% 73.795 8,1%

Distrito Federal (DF) 1 2.648.532 1,4% 203.639 7,7% 7,7% 1,6% 93.777 12,3%

Fonte: DATASUS (acesso em julho de 2015)

107OPAS/OMS - ANS/MS

A Tabela 2 e Gráfico 1 apresentam as frequências de municípios por coberturas categorizadas, segundo o porte dos municípios e integração à região metropolitana. A associação de municípios grandes e em regiões metropolitanas com coberturas maiores é nítida. Chama a atenção a existência de 3 municípios grandes e em região metropolitana com pequenas coberturas de planos (<5%). São eles: Águas Lindas de Goiás (GO), Bayeux (PB) e Maranguape (CE). Na realidade, são municípios não tão grandes (população pouco maior que 100.000) e situam-se em regiões metropolitanas também não tão populosas.

Tabela 2 - Municípios brasileiros por proporção de benefi ciários de planos de saúde em 2012, segundo o porte do município e integração à região metropolitana

Porte* domunicípio

IntegraRegião

Metropolitana(RM)

Proporção de beneficiários no municípioBeneficiários em 2012 Brasil

Idosos(60 anos ou +)Até 4,9% De 5 a 24,9% 25% ou +

N % N % N % N %

PequenoIntegra RM 145 44,9 163 50,5 15 4,6 323 100,0

Não integraRM 2.745 66,6 1.213 29,4 161 3,9 4.119 100,0

MédioIntegra RM 54 24,8 115 52,8 49 22,5 218 100,0

Não integraRM 282 46,2 218 35,7 110 18,0 610 100,0

GrandeIntegra RM 3 1,9 57 37,0 94 61,0 154 100,0

Não integraRM 8 6,1 58 43,9 66 50,0 132 100,0

Brasil 3.237 58,3 1.824 32,8 495 8,9 5.556 100,0

Fonte: DATASUS (Acesso em julho de 2015) *Pequeno = população < 50.000 e densidade < 80 hab/km2; Médio = população entre 50.000 e 100.000 ou densidade > 80 hab/km2; Grande = população > 100.000 habitantes

Gráfi co 1 - Distribuição dos municípios brasileiros quanto à cobertura de planos em 2012, segundo o porte do município e integração à Região Metropolitana

44,9

66,6

24,8

46,2

1,9 6,1

50,5

29,4

52,8

35,7

37,0

43,9

4,6 3,9

22,5 18,0

61,0

50,0

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Pequenos e em RM Pequenos e fora deRM

Médios e em RM Médios e fora deRM

Grandes e em RM Grandes e fora deRM

Prop

orçã

o de

mun

icíp

ios

Porte dos municípios e integração à região metropolitana

Até 4,9% de beneficiários De 5 a 24,9% 25% ou +Fonte: DATASUS (Acesso em julho de 2015)

108 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

Rede Assistencial para Prevenção do Câncer de Mama

A Tabela 3 e Gráfico 2 apresentam as taxas de mortalidade por câncer de mama no Brasil segundo o porte dos municípios e se integram ou não região metropolitana, de forma agregada e desagregada, respectivamente. Fica evidente a associação entre a taxa de mortalidade por câncer de mama e o porte do município, assim como se o município integra ou não região metropolitana. Percebe-se que os municípios pequenos apresentam taxas menores que os municípios médios e grandes, observando-se claramente um gradiente, quer os municípios estejam integrando ou não região metropolitana.

Tabela 3 - Quantitativos de municípios, populacional e de óbitos por câncer de mama no Brasil em 2012 e taxa de mortalidade por 100.000 mulheres, segundo o porte do município e integração à região metropolitana

Integração à RegiãoMetropolitana (RM)

e porte* do município

Númerode

municípios

População feminina Óbitos por câncer de mama em 2012

N % N % N

Integra RM 696 48.283.152 48,8% 8.195 59,6% 17,0

Grande 154 41.717.952 42,1% 7.441 54,1% 17,8

Médio 219 4.548.284 4,6% 557 4,1% 12,2

Pequeno 323 2.016.916 2,0% 197 1,4% 9,8

Não integra RM 4.869 50.700.496 51,2% 5.547 40,4% 10,9

Grande 132 13.747.533 13,9% 1.998 14,5% 14,5

Médio 610 12.667.577 12,8% 1.392 10,1% 11,0

Pequeno 4127 24.285.386 24,5% 2.157 15,7% 8,9

Brasil 5.565 98.983.648 100,0% 13.742 100,0% 13,9

Fonte: DATASUS (Acesso em julho de 2015)*Pequeno = população < 50.000 e densidade < 80 hab/km2; Médio = população entre 50.000 e 100.000 ou densidade > 80 hab/km2; Grande = população > 100.000 habitantes

Gráfi co 2 - Médias das taxas de mortalidade por câncer de mama (por 100.000 mulheres) nos municipios brasileiros em 2012, segundo o porte do município e integração à região metropolitana

0

2

4

6

8

10

12

14

16

Pequeno Médio GrandeTaxa

por

cânc

erde

mam

a (1

00.0

00 m

ulhe

res)

Integra RM Não integra RM

Fonte: DATASUS (Acesso em julho de 2015)

109OPAS/OMS - ANS/MS

Não obstante a relevância da quantidade de médicos e médicos-oncologistas de modo a oferecer condições satisfatórias para a população para o diagnóstico e a assistência aos casos de câncer de mama, outra característica fundamental para o controle desta patologia, especialmente para evitar os casos fatais, é a detecção precoce dos casos, ainda em estágio inicial. Nesse sentido, recomendam-se exames mamográficos regulares (todo ano ou de dois em dois anos) para as mulheres acima de 50 anos (ou 40 anos, dependendo de quem recomenda). Naturalmente, a recomendação só será viável se houver mamógrafos disponíveis e em quantidade suficiente para atender a população feminina satisfatoriamente, de modo que estudar o quantitativo de mamógrafos disponíveis nos municípios pode ser um bom indicador relacionado aos óbitos de câncer de mama. Além disso, do ponto de vista da cronologia desta doença e do potencial preventivo de exame mamográfico, só faz sentido estudar a existência de mamógrafos disponíveis em momentos anteriores à ocorrência do evento (óbito). Assim, como o evento aqui são os óbitos ocorridos em 2012, propõe-se mapear os quantitativos de mamógrafos nos 5 anos anteriores, ou seja, de 2007 a 2011, município a município.

O Gráfico 3 ilustra o total de mamógrafos e também os disponíveis no SUS e a evolução no período de 2007 a 2011. Percebe-se que há um crescimento, mas menos acentuado nos disponíveis para o SUS. Em 2011 havia quase 4.500 mamógrafos no Brasil, mas menos de 2.000 deles estavam disponíveis para o SUS.

Gráfi co 3 - Evolução do número de mamógrafos no Brasil no período de 2007 a 2011

0500

100015002000250030003500400045005000

2007 2008 2009 2010 2011

Mam

ógrafos

Ano

Total de mamógrafos Disponíveis no SUS

Fonte: DATASUS (Acesso em julho de 2015)

Porém, para se ter um indicador útil sob uma perspectiva preventiva, mais significativo que os valores absolutos nacionais de mamógrafos são os valores relativizados à quantidade de mulheres que se recomenda o exame considerando simultaneamente a disponibilidade de mamógrafos em cada município. Nesta perspectiva, para simplificar, pode-se tomar a média dos cinco anos considerados (2007 a 2011) como uma quantidade de referência de mamógrafos com potencial preventivo para os casos fatais de câncer de mama em 2012. Adicionalmente, considerando que um exame mamográfico dura cerca de 30 minutos, cerca de 16 mulheres (8 horas de uso por dia) poderiam ser submetidas ao exame por dia em um único aparelho. E tomando 250 dias úteis no ano, 4.000 mulheres (250x16) diferentes poderiam ser examinadas no ano por um único aparelho. Ou seja, considerando a recomendação de exame anual de mamografia para mulheres acima de 50 anos, um único aparelho poderia atender a cerca de 4.000 mulheres nesta faixa etária24.

24Trata-se de um cálculo otimista, pois se considera um uso diário eficiente e desconsidera interrupções nos exames por quebra ou falha do aparelho.

110 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

Nesse sentido, propõe-se como indicador o número de mamógrafos em cada município por 4.000 mulheres com 50 anos ou mais. E para a construção desse indicador dentro dos propósitos da presente análise será considerado, em cada município, o número médio de mamógrafos entre os anos de 2007 e 2011 e a quantidade de mulheres com 50 anos ou mais no ano de 2009. Adicionalmente, como se dispõe da informação não só do total de mamógrafos existentes no município, mas também do total disponível no SUS, propõe-se dois indicadores a serem estudados: 1) número de mamógrafos disponíveis no SUS por conjunto de 4.000 mulheres com pelo menos 50 anos; e 2) número total de mamógrafos por conjunto de 4.000 mulheres com pelo menos 50 anos e que sejam beneficiárias de planos de saúde. Este segundo indicador é potencialmente mais informativo e sensível, pois as mulheres brasileiras com pelo menos 50 anos e que sejam beneficiárias de plano de saúde são as únicas que tem acesso ao total de mamógrafos. A Tabela 4 é bastante informativa e sintetiza bem como era a distribuição de mamógrafos nos municípios brasileiros entre 2007 e 2011. Considerando que seria necessário pelo menos 1 mamógrafo por conjunto de 4.000 mulheres acima de 50 anos para se ter uma cobertura preventiva satisfatória, vê-se que apenas 247 municípios (4,4%) alcançaram esta meta no SUS. Oitenta e quatro vírgula quatro por cento (84,4%) dos municípios brasileiros não tinham como ofertar exames mamográficos no SUS. Já quando se examina a situação para a população de beneficiárias de planos a realidade é melhor, mas ainda assim também não tão satisfatória: com pelo menos 1 mamógrafo por 4.000 beneficiárias havia 969 (587+382) municípios (17,4%).

Tabela 4 - Número de municípios combinando as quantidades de mamógrafos totais e disponíveis no SUS por conjunto de 4.000 mulheres com pelo menos 50 anos no Brasil

Mamógrafostotais por 4.000

mulheresbeneficiárias

de plano

Mamógrafos disponíveis no SUS por 4.000 mulheres

BRASILMunicípio

sem mamógrafo

Menos que 1 mamógrafo por 4.000 mulheres

Pelo menos 1 mamógrafo por 4.000 mulheres

N % N % N % N %

Município sem beneficiárias com 50 anos ou mais

265 4,8% 0 0,0% 0 0,0% 265 4,8%

Sem mamógrafo ou menosque 1 por 4.000 beneficiárias

4.321 77,6% 10 0,2% 0 0,0% 4.331 77,8%

Entre 1 e menos que10 mamógrafos por4.000 beneficiárias

59 1,1% 451 8,1% 77 1,4% 587 10,5%

10 ou mais mamógrafospor 4.000 beneficiáriascom 50 anos ou mais

51 0,9% 161 2,9% 170 3,1% 382 6,9%

BRASIL 4.696 84,4% 622 11,2% 247 4,4% 5.565 100,0%

Fonte: DATASUS (Acesso em julho de 2015) Nota: a quantidade de mamógrafos foi determinada pela média entre os anos 2007 e 2011 e o ano de 2009 foi usado como referência da quantidade de mulheres com pelo menos 50 anos.

111OPAS/OMS - ANS/MS

Em síntese, e combinando os dois indicadores, o que chama a atenção é que 4.596 (265+4.321+10) municípios brasileiros (82,6%) não ofereciam condições para a realização de exames mamográficos para atender preventivamente a população de mulheres com pelo menos 50 anos, nem mesmo se elas fossem beneficiárias de planos de saúde. Claro que a grande maioria desses municípios deve ser bem pequena e nem devesse mesmo ter aparelho mamográfico à disposição, especialmente se um município vizinho oferecesse o exame (desde que próximo e fosse bem equipado para atender a sua própria população e também à população vizinha!). O fato é que esses números são sugestivos de uma importante barreira. Resta saber se houve, pelo menos preditivamente, alguma associação com a mortalidade por câncer de mama em 2012.

Dessa forma, configuram-se 4 grupos: 1) municípios que não dispunham de condições para oferecer exames mamográficos satisfatoriamente para a população feminina com 50 anos ou mais (n=4.596); 2) municípios que dispunham de condições para oferecer exames mamográficos satisfatoriamente apenas para beneficiárias de planos (n=110), em azul; 3) municípios que não dispunham de condições para oferecer exames mamográficos satisfatoriamente no SUS, mas boas condições no sistema privado (n=612), em verde; e 4) municípios que dispunham de condições satisfatórias tanto no SUS quanto na rede privada (n=247), em vermelho.

Explorando agora a associação entre a mortalidade por câncer de mama em 2012 e a quantidade total de mamógrafos por beneficiárias com 50 anos ou mais combinando com aqueles disponíveis no SUS para o total de mulheres com 50 anos ou mais entre 2007 e 2011, a Tabela 5 apresenta os resultados. Sintetiza-se aqui a classificação conjunta dos mamógrafos na rede privada e no SUS, segundo 4 grupos: 1) municípios que não dispunham de condições para oferecer exames mamográficos satisfatoriamente para a população feminina com 50 anos ou mais (82,6%); 2) municípios que dispunham de condições para oferecer exames mamográficos satisfatoriamente apenas para beneficiárias de planos (2,0%); 3) municípios que não dispunham de condições para oferecer exames mamográficos satisfatoriamente no SUS, mas boas condições no sistema privado (11,0%); e 4) municípios que dispunham de condições satisfatórias tanto no SUS quanto na rede privada (4,4%).

atender preventivamente a população de mulheres com pelo menos 50 anos, nem mesmo se elas fossem atender preventivamente a população de mulheres com pelo menos 50 anos, nem mesmo se elas fossem municípios brasileiros (82,6%) não ofereciam condições para a realização de exames mamográficos para municípios brasileiros (82,6%) não ofereciam condições para a realização de exames mamográficos para

112 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

Tabela 5 - Estatísticas descritivas da taxa de mortalidade por câncer de mama (por 100.000 mulheres) nos municípios brasileiros em 2012 pela cobertura de plano de saúde no município, segundo a disponibilidade combinada de mamógrafos total e no SUS entre 2007 e 2011

Disponibilidadede mamógrafos

entre 2007 e 2011

Estatísticasda taxa de

mortalidadepor câncerde mama

Brasil

Cobertura de planos de saúde

Até 4,9%De

5 a 24,9%25%

ou mais

Municípios sem disponibilidade de oferecer satisfatoriamante exames mamográficos

N 4596 3.057 1.330 206

Média 9,3 7,4 13,1 12,5

Desvio-padrão 18,4 16,5 21,6 18,3

Mínimo 0,0 0,0 0,0 0,0

Mediana 0,0 0,0 0,0 6,2

Máximo 239,8 152,2 239,8 119,5

Disponibilidade para oferecer satisfatoriamenteapenas para beneficiárias de planos

N 110 30 53 27

Média 12,2 8,8 12,1 16,1

Desvio-padrão 9,6 8,3 9,7 9,7

Mínimo 0,0 0,0 0,0 0,0

Mediana 11,7 6,4 12,4 15,5

Máximo 43,3 26,6 43,3 41,8

Sem disponibilidade para oferecer satisfatoriamente no SUS, mas boas condições no sistema privado

N 612 91 301 220

Média 13,4 9,3 13,2 15,3

Desvio-padrão 8,1 8,0 8,4 7,2

Mínimo 0,0 0,0 0,0 0,0

Mediana 12,6 8,5 12,1 15,6

Máximo 58,3 34,8 58,3 41,7

Disponibilidade satisfatórias tanto no SUSquanto na rede privada

N 247 65 140 42

Média 12,7 8,6 13,4 16,4

Desvio-padrão 11,8 12,6 10,8 12,2

Mínimo 0,0 0,0 0,0 0,0

Mediana 9,7 4,1 10,7 14,2

Máximo 72,0 72,0 50,8 54,0

BRASIL

N 5565 3.243 1.824 495

Média 9,9 7,5 13,1 14,3

Desvio-padrão 17,2 16,2 19,1 13,5

Mínimo 0,0 0,0 0,0 0,0

Mediana 0,0 0,0 8,3 13,4

Máximo 239,8 152,2 239,8 119,5

Fonte: DATASUS (Acesso em julho de 2015)

Analisando os resultados para o Brasil como um todo (Gráfico 4), vê-se que a disponibilidade para exames mamográficos em anos anteriores, quer seja na rede pública quer seja na rede privada, não parece impactar positivamente nas taxas mortalidade por câncer de mama em 2012. Mulheres residentes em municípios sem mamógrafos apresentam taxas médias inferiores àquelas residentes em municípios com mamógrafos, inclusive quando o município era bem servido tanto no SUS quanto na rede privada. Embora este resultado seja o contrário do esperado, a qualidade do diagnóstico pode ser especulada.

113OPAS/OMS - ANS/MS

Gráfi co 4 - Médias das taxas de mortalidade por câncer de mama (por 100.000 mulheres) nos municípios brasileiros em 2012 segundo a disponibilidade combinada de mamógrafos total e no SUS entre 2007 e 2011

9,3

12,2

13,4

12,7

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

13

14

Municípios sem disponibilidade deoferecer satisfatoriamante exames

mamográficos

Disponibilidade para oferecersatisfatoriamente apenas para

beneficiárias de planos

Sem disponibilidade para oferecersatisfatoriamente no SUS, mas boas

condições no sistema privado

Disponibilidade satisfatórias tanto no SUSquanto na rede privada

Fonte: DATASUS (Acesso em julho de 2015)

De maneira análoga, quando esta análise se desenvolve de forma estratificada, pela cobertura municipal de beneficiários de planos de saúde (Gráfico 5), os resultados pouco se alteram. Por outro lado, de forma curiosa e que mereceria reflexões e análises mais profundas e específicas, são nos municípios onde praticamente só o SUS atua (< 5% de cobertura de planos de saúde) é que se observam taxas de mortalidade por câncer de mama marcadamente inferiores (média = 7,5/100.000 mulheres). Adicionalmente, observa-se um claro gradiente: quanto mais cobertura, maiores taxas. Mas, a exemplo dos resultados anteriores, este resultado também pode estar confundido ou enviesado, de modo que conclusões mais consistentes e definitivas demandariam estudos e análises de outra natureza.

114 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

Gráfi co 5 - Médias das taxas de mortalidade por câncer de mama (por 100.000 mulheres) nos municípios brasileiros em 2012 pela disponibilidade combinada de mamógrafos total e no SUS entre 2007 e 2011, segundo a cobertura municipal de planos de saúde

6

7

8

9

10

11

12

13

14

15

16

17

Até 4,9% De 5 a 24,9% 25% ou mais

Méd

ia d

a ta

xa d

e m

orta

lidad

e po

r câ

ncer

de

mam

a (p

or 1

00.0

00 m

ulhe

res)

Cobertura municipal de plano de saúde

Municípios semdisponibilidade de oferecersatisfatoriamante examesmamográficos

Disponibilidade para oferecersatisfatoriamente apenaspara beneficiárias de planos

Sem disponibilidade paraoferecer satisfatoriamente noSUS, mas boas condições nosistema privado

Disponibilidade satisfatóriastanto no SUS quanto na redeprivada

BRASIL

Fonte: DATASUS (Acesso em julho de 2015)

Conclusão e considerações fi nais

A taxa de mortalidade por câncer de mama no Brasil em 2012 foi de 13,9/100.000 mulheres e em termos médios, município a município, um pouco inferior, igual a 9,9/100.000 mulheres. Esta diferença se explica pelos tamanhos populacionais dos municípios. Na análise desagregada, isto é, município a município, qualquer município pequeno vale tanto quanto um município grande. Observou-se também importantes diferenças entre as cidades brasileiras, mesmo entre as grandes e capitais, podendo variar desde uma taxa entorno de 5 a quase 30 óbitos por 100.000 mulheres.

Vale registrar que o trabalho não propõe especular se as taxas observadas são altas ou baixas em termos absolutos ou comparativamente a outras localidades, como países ou cidades estrangeiras. A proposta é mapear a taxa segundo um perfil específico das cidades brasileiras, considerando seu porte, integração à região metropolitana e, principalmente, as potenciais relações com a assistência suplementar de saúde, a partir da proporção de beneficiários de planos em cada município, além da questão central da rede de cuidados disponível em cada município, tanto para a população geral como para a população de beneficiários de planos.

No geral, e contrariamente ao que seria esperado, se observam algumas diferenças nas taxas de mortalidade por câncer de mama com relação ao porte do município e integração à região metropolitana. Municípios maiores e/ou integrando regiões metropolitanas apresentaram maiores taxas. Mais surpreendente ainda foi observar que o número de médicos disponível nas cidades, incluindo os especialistas (oncologistas), no SUS ou na rede privada, parece ter um efeito contrário ao que deveria, assim como a disponibilidade de mamógrafos em anos anteriores. Pode-se pensar que a complexidade subjacente à mortalidade por câncer de mama no Brasil, especialmente no que diz respeito à qualidade diagnóstica, e agravada pela heterogeneidade de seus municípios, não permite maiores esclarecimentos a partir de estudos ecológicos ou pelo menos a partir das dimensões exploradas neste relatório.

115OPAS/OMS - ANS/MS

Adicionalmente, mesmo reconhecendo explicitamente com os dados disponíveis e com a estratégia analítica adotada que os municípios pequenos são, por exemplo, muito diferentes dos municípios grandes deve haver, também, heterogeneidade entre os municípios pequenos – devido potencialmente às suas intrínsecas diferenças por conta de suas condições geográficas, demográficas ou econômicas – e, principalmente, heterogeneidade entre os municípios grandes. Variações intraurbanas nos municípios grandes, por exemplo, tem sido objeto de preocupação entre os gestores e desafio adicional para a implementação de ações ou políticas em saúde efetivas.

Uma limitação dos resultados que merece ser sublinhada é que não são consideradas várias dimensões demográficas, sociais, econômicas e de saúde dos municípios que poderiam ajudar na explicação das taxas de mortalidade. Em particular, poderiam ser calculadas as taxas de mortalidade por câncer de mama de cada município padronizadas por idade. Por outro lado, a proposta não é “explicar” em detalhes a taxa de mortalidade aqui estudada e suas associações, e sim mapeá-las explorando suas diversidades em nível municipal, por meio de um estudo ecológico, e contribuindo com indicadores obtidos e analisados em nível desagregado (município), nível no qual, de fato, às ações e políticas acontecem.

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117OPAS/OMS - ANS/MS

Capítulo 7

A Saúde Suplementar do ponto de vista dos contratos coletivos – uma análise das contratações e negociações coletivas

118 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

119OPAS/OMS - ANS/MS

A Saúde Suplementar do ponto de vista dos contratos coletivos – uma análise das contratações e negociações coletivas25

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Eli Iola Gurgel AndradeEconomista e Doutora em Demografia. Faculdade de Medicina da UFMG

Mariângela Leal CherchigliaMédica, Doutora em Saúde Pública. Faculdade de Medicina da UFMG

Isabela Luiza Moreira BrantEnfermeira, Mestranda em Saúde Pública/ Faculdade de Medicina da UFMG

Pedro Paulo de Salles Dias FilhoEconomista, Doutorando em Saúde Pública/ Escola Nacional de Saúde Pública - ENSP/FIOCRUZ

Ronaldo Teodoro dos SantosDoutor em Ciência Política/ UFMG

Rosiene Maria de FreitasBióloga, Doutoranda em Ciência Política/ UFMG

Introdução

O sistema de saúde brasileiro, em sua dimensão histórica, contempla uma trajetória de lutas, conquistas e consequentes mudanças no ideário. Atualmente, temos um sistema de saúde fragmentado, no qual os segmentos público e privado se distanciam do padrão de universalização do acesso às ações e serviços de saúde, com forte tendência à privatização.

De acordo com Gerschman (2008), o setor privado de saúde no Brasil antecede historicamente a formulação do Sistema Único de Saúde (SUS). Seu surgimento pode ser compreendido através da análise histórica do sistema previdenciário brasileiro, constituído a partir dos anos 1920. As Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAPs), “organizadas por empresas de natureza civil e privada responsáveis pelos benefícios pecuniários e serviços de saúde para empregados de empresas específicas” (CUNHA; CUNHA, 1998:56), foram consolidadas como embriões da previdência social brasileira (COHN, 1995). A partir da década de 1930 ocorre sua transformação em institutos de aposentadoria e pensão, os IAPs, autarquias que incorporaram os empregados por categorias profissionais, posteriormente – em 1966 – unificados em um único instituto, o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS).

Assim, ao mesmo tempo em que a unificação da estrutura previdenciária acenava para uma configuração pública de acesso à previdência, à saúde e à assistência, por outro, mantinha barreiras sociais à ampliação da cobertura por meio da manutenção da obrigatoriedade do vínculo formal de emprego. Essas políticas se apoiaram em um cenário de intensificação do processo de industrialização e urbanização e, consequentemente, na expansão de empresas de seguros de saúde. A prática liberal da medicina, de hospitais privados, dos serviços médicos e das empresas empregadoras foi preservada nos moldes já então praticados (BAHIA, 2005). 25Este projeto de pesquisa foi produzido no âmbito do Edital 005/2014 ANS/OPAS. As opiniões emitidas na presente publicação são da exclusiva responsabilidade dos autores, sem representar posicionamentos oficiais da Organização Pan-Americana da Saúde ou da Agência Nacional de Saúde Suplementar.

120 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

Com as recorrentes reformas e em decorrência da crise do INPS, no ano de 1977 foi criado o SINPAS – Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social – que, além de traçar ideias inovadoras com tendência à adoção de um modelo institucional mais amplo de seguridade, objetivou a reorganização e racionalização no enfrentamento de aspectos financeiros críticos originados pela expansão dos gastos com assistência médica, relativo ao “boom” do complexo médico-previdenciário que ameaçou o equilíbrio financeiro da Previdência Social. Reforçava a dualidade do setor, dando ao Ministério da Saúde caráter normativo e atribuições na área de interesse coletivo e ao Ministério da Previdência a responsabilidade pelo atendimento individualizado (ANDRADE, 1999; ACÚRCIO, 2005).

Num período de duas décadas o padrão de financiamento da saúde do trabalhador direcionou-se do seguro social previdenciário ao seguro saúde: em 1966, o INPS custeava e administrava a assistência médica, nos moldes da seguridade social e, a partir de 1980, a responsabilidade pela gestão da saúde do trabalhador do setor formal passou a ser do seguro saúde, através de planos e contratos com prestadores privados (ANDRADE; SALLES, 2009). Bahia (2005) ressalta que as políticas de assistência médica oriundas da previdência social, com cunho privatizante, deram embasamento para duas vertentes de ação: a convocação e criação de empresas de planos de saúde, o financiamento público para a compra de serviços, reforma e construção de hospitais privatizados, colocando a opção pela transferência de atividades de assistência à saúde à iniciativa privada.

Uma das principais abordagens atuais de estudo na saúde pública gira em torno da forma específica como se deu a montagem de um setor privado de prestação de serviços médicos, desde o interior do sistema previdenciário, seu desenvolvimento e ampliação ao longo da construção do SUS e o que levou a constituir-se no principal segmento de prestação de assistência à saúde, quando se trata da cobertura do conjunto dos trabalhadores/empregados no país (ANDRADE; SALLES, 2009). O argumento da universalização excludente coloca na insatisfação com os serviços públicos a razão para consolidar a mudança do sistema público de saúde de segmentos sociais médios e de trabalhadores dos setores privado e público mais dinâmicos da atividade produtiva. A transição dos trabalhadores politicamente mais organizados teria enfraquecido ainda mais a pressão social pela melhoria do setor estatal de saúde. A mesma concepção pode ser adotada na sequência histórica, quando os mecanismos de racionamento proporcionaram a continuidade e a ampliação do processo de exclusão do sistema público para o setor supletivo de saúde, atingindo parte da classe média baixa e dos trabalhadores de pequenas empresas (FAVARET, 1990). Em contraponto, Bahia (1999) associa a expansão do setor privado de saúde, de caráter suplementar, não apenas ao fracasso e insatisfação com os serviços públicos, mas a outros dados empíricos, como o interesse das empresas em relação a tais serviços e a participação dos sindicatos dos trabalhadores no estímulo ao convênio dos empregadores com empresas médicas e seguradoras. Contudo, fato é que por meio de políticas explícitas o Estado desencadeou e estimulou as parcerias com o setor privado, numa perspectiva privatizadora e, posteriormente, abdicou das funções mediadora e reguladora, permitindo que as relações entre o público e o privado persistissem sem intervenção e perdendo, assim, a capacidade de regulá-las. A falta de regras claras para o funcionamento do mercado e de mecanismos para fiscalizá-lo tensionou as relações entre os diversos atores do setor (ALMEIDA, 1998).

Em sequência à irrestrita propagação do setor privado no sistema de saúde brasileiro, ao crescente número de beneficiários e às tensões geradas na relação entre os atores envolvidos – empresas, beneficiários e Estado – em 2000 foi criada a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), órgão regulador vinculado ao Ministério da Saúde, cuja finalidade institucional é promover a defesa do interesse público na assistência suplementar. A ANS passa a atuar em um mercado já em funcionamento, desordenadamente expandido, constituído por diversos tipos de planos e operadoras que atendem a uma grande variedade de interesses e nichos de mercado (ALBUQUERQUE et al, 2008). Esse mercado é constituído atualmente por 50,5 milhões de beneficiários em planos de assistência médica individual e nos chamados contratos/planos coletivos.

Especificamente com relação aos planos coletivos, a ANS classifica dois formatos: contratos coletivos por adesão e coletivos empresariais. No caso dos primeiros estaria caracterizada a iniciativa de sindicatos e associações profissionais em estabelecer contratos diretos junto às operadoras de planos

121OPAS/OMS - ANS/MS

de saúde. Os coletivos empresariais, por sua vez, correspondem à assistência prestada a funcionários da empresa contratante em decorrência do vínculo empregatício ou estatutário (ANS, 2012). A evolução do número de beneficiários de planos coletivos de saúde demonstra a força dessa modalidade e a importância da análise dos contratos dentro do sistema privado. No período de março/2013 a março/2014, o percentual de beneficiários cobertos por planos coletivos de assistência médica passou de 62,5% para 79,1% do total. Entre os planos exclusivamente odontológicos, este percentual passou de 70,6% para 81,8%. Em ambos os casos predominam os planos coletivos empresariais.

Diante desse contexto, a preocupação com os mecanismos que definem o vínculo entre o mercado formal de trabalho e os planos de assistência à saúde torna-se um objeto de crescente interesse. Em estudo da ANS acerca do perfil das empresas contratantes de planos de saúde identificou-se que o setor da indústria abarcava 26,9% dos beneficiários de planos coletivos. Por sua vez, o ramo do comércio, abrigaria o maior número de empresas contratantes desses planos, correspondendo a 41,4% dos registros. O mesmo estudo revelou, ainda, que aos empregados do comércio correspondiam as menores taxas de cobertura ambulatorial e hospitalar em relação às demais categorias estudadas (ANS, 2013). Nos setores de educação, saúde e serviços sociais, o recorte por gênero revelou que o percentual de mulheres com plano de assistência médica era maior do que o de homens, correspondendo a 60,1% dos benefícios (ANS, 2013, p. 80). Por sua vez, os vínculos masculinos predominavam nos setores da indústria e transporte, nos quais a participação das mulheres recuava para 45% dos que têm acesso a planos coletivos do setor suplementar (ANS, 2013)26.

As informações sobre os aspectos da acomodação e interação da modalidade de planos coletivos sobre as diversas realidades do mercado formal de trabalho ainda carecem de profundidade e existe uma correspondência entre as assimetrias que configuram o mercado laboral no país e a estrutura de organização do setor de saúde suplementar. Como é sabido, o mercado de trabalho formal no Brasil abriga fortes desigualdades em termos de rendimento, taxa de sindicalização e rotatividade de mão de obra, parâmetros que, por sua vez, encontram correspondência em termos de escolarização, gênero, raça e faixa etária dos trabalhadores (DIEESE, 2006). Nesse contexto, o objetivo do Projeto foi o de analisar os acordos e convenções coletivas relacionadas à assistência à saúde de trabalhadores nos ramos de atividade industrial, comercial e de serviços, constantes do banco de dados do SACC-DIEESE, no sentido de estabelecer a correspondência entre a configuração do mercado laboral no país e a estrutura de organização do setor de saúde suplementar.

Metodologia do trabalho

O sistema de informação do SACC-DIEESE foi desenvolvido pelo DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos – para o registro e recuperação de informações constantes de acordos e convenções coletivas de trabalho, bem como de outros documentos que regem a contratação coletiva de trabalho de diversas categorias profissionais no Brasil, nos setores da indústria, comércio e serviços. O objetivo principal do sistema é subsidiar o movimento sindical brasileiro nos processos de negociação coletiva, bem como viabilizar estudos e pesquisas de interesse dos trabalhadores. Atualmente cobre o período de 1993 a 2012 e é considerado como o banco de dados mais completo sobre negociações coletivas vigente no Brasil.

O SACC-DIEESE foi construido em etapas: no chamado “SACC-Original”, iniciado a partir de 1993, 94 unidades de negociação contemplavam aproximadamente 30 categorias profissionais, alcançando 14 unidades da Federação das regiões Sul, Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste; já o SACC-Ampliado, a partir de 2003 (totalizando 220 unidades de negociação), passou a abranger cerca de 50 categorias profissionais em 17 unidades da federação de todas as regiões geográficas do país. Em 2010 foram incluídas mais 5 unidades de negociação do Amazonas em razão da criação do Escritório Regional do DIEESE. Basicamente,

26Valendo-se da RN 295/2012, a ANS captou tais informações a partir do CNPJ das empresas contratantes de plano, tornando-se possível identificar a atividade econômica da empresa, via Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), organizada pelo IBGE.

122 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

o sistema reúne hoje informações dos instrumentos normativos que regulam as relações de trabalho de 225 unidades de negociação – categorias sindicais que compõem o painel fixo do SACC-DIEESE distribuídas em 18 Estados da federação, das quais 154 negociaram cláusulas classificadas como de “assistência médica”. Essas foram o objeto de análise desse estudo, totalizando 2.530 cláusulas.

Para proceder à análise dos acordos constantes do banco de dados do SACC-DIEESE o mesmo foi transposto para um banco de dados construído no âmbito do Projeto, com o objetivo de aproximar o conteúdo das cláusulas de uma categorização das mesmas em relação ao tema tratado. O Quadro 1 apresenta o conteúdo do banco de dados construído.

Quadro 1- Campos do banco de dados do Projeto

1 - Data-base

2 - Setor econômico

Comércio

Indústria

Serviços

3 - Atividade

4 - Ramo

5 - Unidade de negociação

6 - Âmbito da negociaçãoEmpresa

Categoria

7 - Unidade federativa

8 - Número da Cláusula

9 - Tema

Cobertura de assistência médica ambulatorialou hospitalar, e odontológica

Auxílio

Convênios

Seguro de vida

Saúde ocupacional

10 - Conteúdo da cláusula

Fonte: GPES/NESCON/UFMG, 2015.

123OPAS/OMS - ANS/MS

Cabe ressaltar o tipo de conteúdo que direcionou a classificação das cláusulas nos temas estabelecidos no âmbito do Projeto. O tema “Cobertura de assistência médica ambulatorial ou hospitalar, e odontológica” incluiu cláusulas que tratam de direitos e obrigações em planos de saúde, regulamentados ou não, coletivos empresariais, por adesão, ou autogestão, para os trabalhadores ativos, dependentes, aposentados ou afastados por problemas de saúde, bem como do financiamento. No tema “Auxílio” foram enquadradas as cláusulas que estabelecem acordos relativos a abonos para compra de medicamentos; serviços de óticas, laboratórios e similares; auxílio odontológico na forma de custeio parcial aparelhos ortodônticos; empréstimos para desconto em folha, com fins de ajuda de custo para tratamento de saúde; e acesso a recursos de programas de assistência social (auxílio enfermagem, remoção em UTI móvel ou táxi aéreo; reembolso de despesas com dependentes portadores de necessidades especiais, dentre outros). O tema “Convênios” incluiu cláusulas que tratam do estabelecimento de convênios com empresas para descontos na compra de medicamentos, óculos, próteses, etc. Como “Seguro de vida” foram classificadas as cláusulas que tratam da contratação e obrigações relativas a seguro de vida contra acidentes pessoais ou do trabalho. E, finalmente, no tema “Saúde ocupacional” foram incluídas as cláusulas que se referem a direitos e obrigações relacionadas a programas de controle médico e segurança no trabalho (PCMSO).

A análise do banco de dados foi realizada partir do âmbito de negociação – por categoria ou empresa – que define duas modalidades de instrumentos. Na modalidade “categoria” as Convenções Coletivas, concertadas pelos diversos sindicatos representantes, estipulam acordos que se aplicam a toda a categoria profissional. Na modalidade “empresa” são pactuados Acordos Coletivos, que têm seus efeitos apenas para a empresa e os trabalhadores envolvidos27. Nesse sentido, consideramos a hipótese de que a dispersão das negociações por categoria – dado que ocorrem entre dois ou mais sindicatos representativos – comporta também uma dispersão dos interesses ali negociados, aqui tratando especificamente em relação à assistência à saúde. Ao contrário, a negociação entre o sindicato, no interesse dos trabalhadores de apenas uma empresa, teria maior poder de “barganha” com vistas à garantia desses interesses. Cabe ressaltar que as definições dos acordos, nas convenções coletivas ou nos acordos coletivos, assumem “força de lei” para toda uma categoria ou empresa (SANTOS, 2013).

Para prosseguir nessa investigação foi feita a separação das cláusulas relativas a Convenções Coletivas e Acordos Coletivos e, dentro dessas, a análise das cláusulas de acordo com o pertencimento a um tema, conforme descrito acima.

27Como definido na Súmula nº 277 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), a Negociação Coletiva ajusta a Convenção ou o Acordo Coletivo, que, configurando atos jurídicos, estabelecem regras provisórias de relações de trabalho.

124 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

Resultados

Em 2012, das cláusulas referentes à assistência à saúde, 53% eram relativas a convenções coletivas (categorias) e 47% a acordos coletivos (empresas). Nos dois âmbitos de negociação o setor “indústria” apresentou maior proporção de cláusulas de saúde negociadas em todas as datas base. No entanto, a proporção de cláusulas de assistência à saúde nos acordos coletivos é maior (78,8%) em relação às convenções coletivas (53,6%), nesse setor econômico (Tabela 1).

Tabela 1 - Distribuição das cláusulas de assistência à saúde segundo âmbito de negociação, setor econômico e data base

Data Base

Convenções coletivas Acordos coletivos Total

Nº de cláusulas

%Indústria Serviço Comércio Nº de

cláusulas%

Indústria Serviço Comércio

n % n % n % n % n % n % n %

1993 53 73,6 46 86,8 6 11,3 1 1,9 19 26,4 19 100 72 2,8

1994 44 65,7 36 81,82 7 15,91 1 2,27 23 34,3 23 100 67 2,6

1995 46 67,6 38 82,6 7 15,2 1 2,2 22 32,4 22 100 68 2,7

1996 38 64,4 25 65,8 12 31,6 1 2,6 21 35,6 21 100 59 2,3

1997 49 77,8 37 75,5 11 22,4 1 2,0 14 22,2 14 100 63 2,5

1998 39 68,4 27 69,2 11 28,2 1 2,6 18 31,6 18 100 57 2,3

1999 39 70,9 28 71,8 10 25,6 1 2,6 16 29,1 16 100 55 2,2

2000 46 78,0 34 73,9 11 23,9 1 2,2 13 22,0 13 100 59 2,3

2001 43 74,1 30 69,8 12 27,9 1 2,3 15 25,9 15 100 58 2,3

2002 47 81,0 32 68,1 14 29,8 1 2,1 11 19,0 11 100 58 2,3

2003 86 46,0 36 41,9 45 52,3 5 5,8 101 54,0 72 71,3 29 40,3 187 7,4

2004 91 48,7 40 44,0 46 50,5 5 5,5 96 51,3 75 78,1 20 20,8 1 1,0 187 7,4

2005 81 44,3 32 39,5 43 53,1 6 7,4 102 55,7 77 75,5 25 24,5 183 7,2

2006 84 46,4 37 44,0 40 47,6 7 8,3 97 53,6 63 64,9 34 35,1 181 7,2

2007 95 45,5 46 48,4 43 45,3 6 6,3 114 54,5 88 77,2 26 22,8 209 8,3

2008 89 47,6 39 43,8 44 49,4 6 6,7 98 52,4 68 69,4 30 30,6 187 7,4

2009 92 47,2 44 47,8 42 45,7 6 6,5 103 52,8 81 78,6 22 21,4 195 7,7

2010 88 49,4 37 42,0 45 51,1 6 6,8 90 50,6 70 77,8 20 22,2 178 7,0

2011 103 46,2 47 45,6 49 47,6 7 6,8 120 53,8 102 85,0 18 15,0 223 8,8

2012 89 48,4 28 31,5 53 59,6 8 9,0 95 51,6 68 71,6 27 28,4 184 7,3

Total 1342 53,0 719 53,6 551 41,1 72 5,4 1188 47,0 936 78,8 251 26,8 1 0,4 2530 100

Fonte: GPES/NESCON/UFMG a partir de dados do SACC/DIEESE, 2015.

125OPAS/OMS - ANS/MS

Houve também um aumento gradual nas negociações registradas no sistema, mas esse fato, a princípio, está justificado pela ampliação do banco de dados do SACC-DIEESE a partir de 2003. No entanto, a proporção de cláusulas assistenciais acordadas para as empresas (acordos coletivos) teve um crescimento (em 1993 correspondiam a 26,4 % do total, em 2003 a 54% e em 2012 a 51,6%), enquanto aquelas acordadas para as categorias (convenções coletivas) sofreram um decréscimo em relação ao início da implantação do SACC-DIEESE (86,8% em 1993, 46% em 2003 e 48,4% em 2012). Na Tabela 2 estão representadas as cláusulas relativas a assistência à saúde, por data base, âmbito da negociação e estados. As maiores proporções são observadas para São Paulo (24%), Minas Gerais (10,6%), Paraná (10,1%) e de abrangência nacional (11%).

Tabela 2 - Distribuição das cláusulas constantes do banco de dados do Projeto, segundo estado da federação, data-base e âmbito da negociação.

Estado 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Conv. Acor. Conv. Acor. Conv. Acor. Conv. Acor. Conv. Acor. Conv. Acor. Conv. Acor. Conv. Acor. Conv. Acor. Conv. Acor.

AM

BA 2 2 2 3 2 4 1 4 2 4 1 4 2 2 4 2 2 2 2 3

CE 2 2 2 2 2 2 2 1 2 2

DF 1 1 1 1 2 2 2 2 2 2

ES 4 2 1 2 1 2 2 1 1 2 1 1

GO 1 1 1 1 1 1

MG 3 7 4 9 3 6 3 5 3 3 1 5 3 5 5 3 3 5 6

PA

PB

PE 2 1 2 1 1 2 2 2 2 2 1 2 2 1 1

PR 3 3 1 3 2 5 3 4 5 1 3 2 5 4

RJ 3 4 4 2 3 4 3 4 4 4

RN 1 1 1 1 1 1

RS 2 1 2 1 3 2 3 1 1 1 3 1 2 1 3 1 1 3 1

SC 2 3 1 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 2 1 2

SE 1

SP 31 5 19 5 24 4 16 25 2 16 4 15 5 19 5 18 4 18 4

Nacional 1 1 1 1 4 1 4 1 1 1 1 1

N. ident.

Total 52 20 44 23 46 22 39 20 47 16 39 18 38 17 46 13 41 17 47 11

Total ano

72 67 68 59 63 57 55 59 58 58

continua

126 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

continuação daTabela 2 - Distribuição das cláusulas constantes do banco de dados do Projeto, segundo estado da federação, data-base e âmbito da negociação.

Estado 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Total

Conv. Acor. Conv. Acor. Conv. Acor. Conv. Acor. Conv. Acor. Conv. Acor. Conv. Acor. Conv. Acor. Conv. Acor. Conv. Acor. n %

AM 2 1 2 2 2 3 7 2 4 25 1,0

BA 9 9 8 7 7 6 8 3 10 9 10 10 7 7 16 9 8 6 13 9 221 8,7

CE 1 2 2 2 2 2 2 2 2 2 38 1,5

DF 4 4 5 3 5 4 3 2 6 3 4 5 3 5 1 4 3 4 1 85 3,4

ES 2 1 1 4 4 2 4 2 4 5 4 53 2,1

GO 1 1 1 1 1 1 2 1 15 0,6

MG 4 16 4 14 4 17 3 21 3 11 3 17 3 13 2 17 3 16 1 15 269 10,6

PA 3 4 1 4 1 5 1 5 1 1 1 1 1 1 1 9 1 10 1 12 64 2,5

PB 2 2 2 2 2 1 3 4 4 22 0,9

PE 6 1 7 6 1 9 8 8 8 6 1 9 7 2 103 4,1

PR 7 11 8 11 8 12 10 14 9 13 9 14 10 5 10 17 9 11 10 14 256 10,1

RJ 9 3 9 3 7 6 10 6 12 6 15 6 13 4 9 4 10 3 8 2 180 7,1

RN 1 1 1 1 1 1 1 1 1 2 7 1 1 6 1 1 34 1,3

RS 5 1 5 2 4 3 4 2 6 4 4 2 2 3 1 1 3 1 86 3,4

SC 2 6 2 6 2 7 2 8 2 4 6 2 7 2 12 2 11 1 10 117 4,6

SE 4 4 3 3 3 3 3 2 4 1 4 1 4 40 1,6

SP 28 6 27 12 30 9 25 13 32 11 28 9 30 11 22 6 34 6 24 5 607 24,0

Nacional 4 33 9 27 3 22 3 15 32 2 10 1 31 2 4 3 39 5 15 278 11,0

N. ident. 2 11 13 11 37 1,5

Total 86 101 92 95 83 100 84 97 95 114 88 99 92 103 88 90 105 118 89 95 2530 100

Total ano

187 187 183 181 209 187 195 178 223 184

Fonte: GPES/NESCON/UFMG a partir de dados do SACC/DIEESE, 2015.

Na análise, os temas relacionados a cobertura de assistência de saúde compreenderam 71,7% nos acordos coletivos e 61,3% para as convenções coletivas. Os convênios aparecem como segundo tema mais abordado nas convenções (16,9%), enquanto que nos acordos (empresas), foi mais frequente a abordagem do auxílio (15,6%). O tema destacado “sem conteúdo” refere-se às cláusulas que não continham o texto da negociação, impossibilitando, portanto, sua análise. Isso aconteceu, especificamente, nos anos de 1993, 1994 e 1995. Esses resultados estão apresentados na Tabela 3.

127OPAS/OMS - ANS/MS

Tabela 3 - Distribuição das cláusulas analisadas, segundo tema e âmbito de negociação

Tema Acordos coletivos Convenções coletivas

n % n %

Cobertura de assistência médica ambulatorialou hospitalar, e odontológica

852 71,7 823 61,3

Convênios 44 3,7 228 16,9

Auxílio 186 15,6 129 9,6

Saúde ocupacional 32 2,6 14 0,1

Seguro de vida 6 0,4

Não enquadra 5 0,4

Sem texto-conteúdo 69 5,8 142 10,6

Total 1188 100 1342 2530

Fonte: GPES/NESCON/UFMG a partir de dados do SACC/DIEESE, 2015.

A seguir apresentamos a análise do conteúdo das cláusulas, de acordo com os temas definidos no Projeto e o âmbito de negociação.

a. Acordos coletivos (empresas) a.1 - Cobertura

Esse tema correspondeu a 71,7% dos acordos para as empresas. Em relação à cobertura de planos ou programas de saúde pelas empresas, os acordos versaram, principalmente, sobre a obrigação das empresas de contratar plano assistencial médico e odontológico para empregados; compromisso de assegurar a cobertura mínima determinada na Lei 9656/98; das adequações no plano de saúde já contratado, de forma a estabelecer a coparticipação dos empregados; alteração do modelo de autogestão para a contração de plano empresarial/adesão; condições de migração entre modalidades de planos nas empresas; contratação de planos de saúde e as condições para renegociação do contrato, em conjunto com o sindicato; critérios para inclusão de dependentes; compromisso de estudos atuariais para a contratação de plano de saúde; implantação de sistema de auto-gestão ou contratação de plano de saúde para os funcionários; da manutenção das condições acordadas em exercícios anteriores; oferta do plano de saúde e opção de adesão a uma modalidade superior, arcando com o diferencial do custo; opção de adesão ou o reembolso de despesas médicas, caso não optem pela adesão; inclusão de procedimentos em planos autogestão; e convênios com entidades sindicais para a prestação de serviços odontológicos.

1997- Cláusula 16 - A Empresa manterá o serviço de assistência médica/odontológica supletiva já conveniada, ou outro qualquer, obedecendo os critérios ora adotados (SAAC-DIEESE).

2006 - Cláusula 46 - A [...] manterá convênio de assistência odontológica que permita o acesso a este benefício a seus empregados, cabendo a estes optar pela adesão, em razão do plano e das condições de custo que vierem a ser oferecidas (SAAC-DIEESE).

2006 - Cláusula 4 - As EMPRESAS concederão a todos os empregados e seus dependentes legais, sem ônus na mensalidade, o Programa de Assistência à Saúde, tendo como referência básica o plano “Top Nacional Enfermaria”. Poderão os empregados, por livre vontade, respeitados os períodos e as condições da apólice de seguro vigente, optar pelo plano imediatamente

128 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

superior, arcando neste caso, com o diferencial de custos adicionais da mensalidade (SAAC-DIEESE).

Com relação ao financiamento dos planos e programas de saúde, as cláusulas contêm, principalmente, a definição de limites de participação de empregados e empregadores no financiamento; o estabelecimento de percentuais de participação dos funcionários em relação às faixas salariais; a necessidade de autorização expressa do funcionário para o desconto em folha dos valores devidos para o custeio do plano e coparticipações; os limites quantitativos dos procedimentos reembolsáveis; o estabelecimento de subsídios para despesas médicas e hospitalares não cobertas pelo plano, bem como o limite quantitativo deste subsídio; a oferta de planos com vinculação às categorias de cargos dos empregados, bem como as condições de reembolso das despesas: planos ambulatoriais para cargos operacionais e administrativos, ou hospitalares, para cargos executivos; e, o custeio com tratamento fora da localidade de domicílio, quando não existirem os recursos necessários, bem como subsídio ao transporte.

2003 - Cláusula 5- Para internamentos hospitalares que envolvam ou não cirurgias, respeitadas as condições do plano em questão, não haverá qualquer tipo de participação do empregado. Para consultas médicas e exames o empregado participará com 20% do valor fixado na tabela do respectivo plano, não podendo, entretanto, a somatória mensal destas participações ultrapassar a 10% do salário básico mensal do empregado (SAAC-DIEESE).

2003 - Cláusula 37- A participação de empregados e aposentados, bem como de pensionistas a eles vinculados, no custeio dos procedimentos classificados como de pequeno risco no Programa de Assistência Multidisciplinar de Saúde será efetuada conforme os valores de % de participação de acordo com a classe de renda: Até 1,3 MSB 7%; Até 2,4 MSB 14,0%; Até 4,8 MSB 22,0%; Até 9,6 MSB 35,0%; Até 19,2 MSB 42,0%; > 19,2 MSB 50,0% (MSB= Menor Salário Básico) (SAAC-DIEESE).

Especificamente em relação a funcionários demitidos, aposentados e acidentados do trabalho, e em caso de falecimento, as cláusulas estabelecem, principalmente, acordos relativos às condições e tempo de permanência no plano de saúde; condições de utilização do plano para empregados acidentados no trabalho; participação de demitidos no plano, condicionada à comprovação de serem portadores de doenças específicas (mantida a mesma modalidade do plano de saúde que possuía o empregado demitido; a empresa arca com o custo total; estabelece tempo de permanência); possibilidade de acesso a serviços médicos da empresa para os aposentados; e fornecimento de medicamentos e transporte.

Foram também identificadas cláusulas que concedem benefícios de assistência à saúde em situações especiais.

2011 - Cláusula 75 - A companhia continuará assegurando aos beneficiários da ..., portadores do vírus HIV, a mesma assistência proporcionada aos portadores de outras doenças (SAAC-DIEESE).

2005 - Cláusula 27- Nos casos em que o empregado for portador de deficiência crônica que requeira atendimento constante, desde que avaliado pelo serviço médico da empresa, não será cobrado deste o valor da consulta que exceder ao limite de atualização anual (SAAC-DIEESE).

a.2 - Auxílio

Nos acordos coletivos, as cláusulas referentes a auxílio corresponderam a 15,6% do total. De forma geral se referem a subsídios para a compra de medicamentos, aparelhos ortodônticos e lentes corretivas; empréstimo anual para tratamento odontológico; reembolso de despesas com a compra de

129OPAS/OMS - ANS/MS

medicamentos, bem como seus limites; subsídio para compra de medicamentos para empregados em gozo de auxílio doença previdenciário; e vinculação do subsídio para compra de medicamentos com categorias salariais.

2007 - Cláusula 24 - A Empresa reembolsará os empregados e seus dependentes, na base de 70%, as despesas com medicamentos decorrentes de receitas médicas de “doenças não ocasionais” (SAAC-DIEESE).

2008 - Cláusula 12 - A ... concederá um empréstimo social a cada 12 meses, destinado exclusivamente ao tratamento odontológico de seus empregados/dependentes, a ser regulamentado em procedimento próprio, e que será concedido mensalmente para até 10% do efetivo de pessoal, distribuídos proporcionalmente entre as áreas. [...] § 3º - É condição indispensável para a concessão do empréstimo social aqui previsto, que o empregado solicitante tenha mais de 01 ano de trabalho na .... (...) § 5º - Os empregados reembolsarão à ... o valor do empréstimo em até 10 parcelas mensais, vencendo-se a primeira no mês subsequente ao da concessão, com acréscimo de 0,25% ao mês, a título de juros (SAAC-DIEESE).

Ainda, algumas cláusulas ampliam as garantias dos funcionários, estabelecendo benefícios como remoção em táxi aéreo ou UTI móvel e despesas com acompanhante; tratamento psicoterápico; tratamento especializado para dependentes portadores de necessidades especiais; e auxílio para recuperação da saúde em casos de aposentadoria por invalidez, dentre outros.

2010 - Cláusula 30 - A todos os funcionários serão assegurados acesso aos recursos do Programa de Assistência Social para os seguintes eventos: perícia odontológica; arbítrio especial; assistência e dependentes com deficiência; enfermagem especial; hormônio do crescimento; deslocamento para tratamento de saúde no país; deslocamento para tratamento de saúde no exterior; deslocamento para doação e recepção de órgãos e transplantes; falecimento em situação de serviço; remoção em UTI móvel ou taxi aéreo; controle do tabagismo (SAAC-DIEESE).

a.3 - Convênios

Nos acordos coletivos 3,7% das cláusulas se referiram a convênios com empresas para descontos na compra de medicamentos, óculos, próteses, principalmente.

a.4 - Saúde ocupacional

Os acordos relativos a saúde ocupacional, direitos e obrigações relacionadas a programas de controle médico e segurança no trabalho (PCMSO), corresponderam a 2,7% do total.

2006 - Cláusula 4 - A ... se compromete a promover política de segurança, medicina e higiene no trabalho, de assistência social e de assistência ao acidentado, tendo como meta principal a preservação da integridade física e mental dos empregados, sua saúde e o controle de riscos profissionais. A ... se compromete a envidar esforços no sentido da contínua adequação das diretrizes básicas de sua política global de saúde (programas de saúde ocupacional, promoção de saúde, de assistência médico-hospitalar-odontológica e de serviço social).

130 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

b. Negociações coletivas b.1 - Cobertura

Compreenderam 61,3% dos acordos firmados nas convenções coletivas. Destacam-se aquelas que asseguram direitos em relação aos convênios médicos ou planos de saúde, bem como a participação dos funcionários e empregadores em seu financiamento. Ressalta-se que, no caso das convenções, observou-se que o detalhamento das participações e garantias de assistência é menor do que aquele observado nas cláusulas referentes aos acordos coletivos, descritos anteriormente.

2010 - Cláusula 51- Assegura o direito de optar pela sua inclusão em convênios médicos ou seguro de vida em grupo, sempre que tiver de participar dos custos dos mesmos (SAAC-DIEESE).

2010 - Cláusula 19 - As empresas ficam obrigadas a subsidiar convênio médico, plano de saúde ou equivalente aos empregados (não abrangendo dependentes), com opção facultativa. Para empresas com até 40 empregados será suportada a razão de 60% pelo empregado e 40% pelo empregador. Acima de 41 empregados será de 30% para o empregado e 70% para o empregador. Estabelece o limite máximo de r$ 55,00 para a contratação do convênio. A cessação do contrato de trabalho gera a cessação do direito, a não ser que o empregado pague integralmente o custo (SAAC-DIEESE).

2010 - Cláusula 54 - As empresas [...] com mais de 50 empregados poderão firmar convênios, para oferta de assistência médica aos seus empregados, durante a vigência do contrato de trabalho, autorizado o desconto salarial dos trabalhadores aderentes, em valor equivalente a 1/3 do valor da mensalidade estipulada. Admite-se a exclusão da cobertura relativa a atendimento obstétrico nos convênios firmados com base no caput da presente cláusula. Não se beneficiarão dos convênios descritos no caput da presente cláusula, os empregados aposentados por invalidez ou em gozo de auxílio-doença por período superior a 06 meses. As empresas poderão adotar, em substituição aos convênios, plano extraordinário de assistência médica e odontológica patrocinado pelo sindicato profissional ou através de operadores de assistência médica suplementar cadastrados junto à ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar, mantendo-se a possibilidade de desconto nos salários dos empregados, prevista no caput desta cláusula (SAAC-DIEESE).

2000 - Cláusula 11- A ... compromete-se a manter um plano de Assistência Médica subsidiada aos seus empregados e dependentes legais (SAAC-DIEESE).

As cláusulas tratam também das garantias nos casos de demissões e aposentadoria por invalidez, e de serviços assistenciais especificamente oferecidos nos ambientes de trabalho.

2010 - Cláusula 51- O empregado dispensado sem justa causa poderá usufruir dos convênios de assistência médica e hospitalar contratados pelo banco, pelos períodos especificados, contados do último dia de trabalho efetivo e determinados conforme tempo de casa, mantidas as condições do plano ao qual se vincula o empregado, respeitadas as situações mais favoráveis (SAAC-DIEESE).

2010 - Cláusula 51 - Reconhecem os sindicatos, disposição de contrato individual de trabalho que limite o uso dos planos coletivos de assistência médica dos empregados em gozo de auxílio doença, por período superior a 06 meses, e dos trabalhadores aposentados por invalidez (SAAC-DIEESE).

131OPAS/OMS - ANS/MS

Algumas cláusulas destacaram, na definição da cobertura garantida, questões específicas, como o atendimento psiquiátrico e cobertura de patologias definidas.

2004 - Cláusula 17 - [...] Os planos deverão incluir atendimento psiquiátrico para os empregados (SAAC-DIEESE).

2004 - Cláusula 30 - Para empregados que no ato da demissão, sem justa causa, comprovem que são portadores de doenças crônicas (miocardiopatia grave, neoplasias, mal de Alzheimer, esclerose múltipla, esclerose em placa, IRC, AIDS e Parkinson, será mantido, e arcando a empresa com o custo total da mesma modalidade do plano de saúde que possuir o empregado demitido, excluindo seus dependentes, pelo prazo de 1/3 do período que permaneceu na empresa, limites mínimo de 6 meses e máximo de 24 meses (SAAC-DIEESE).

b.2- Auxílio

As cláusulas – 9,6% do total nas convenções – no geral estão tratando do reembolso de despesas comprovadas com medicamentos; subsídio aos gastos com medicamentos; pagamento de despesas médicas no caso de acidente de trabalho fora da localidade do domicílio; auxílio saúde, com prestação única limitada ao equivalente ao salário mensal, no caso de o empregado sofrer danos em sua saúde no exercício de suas funções, defendendo o patrimônio da empresa; empréstimo anual para tratamento odontológico; reembolso de despesas com a aquisição de óculos; e custeio de medicamentos receitados em caso de acidente de trabalho.

2000 - Cláusula 41 - No caso de o empregado sofrer danos em sua saúde, no exercício de suas funções, defendendo o patrimônio da empresa, terá direito a um auxílio saúde, cuja prestação única, limitada ao montante equivalente ao seu salário mensal não será superior aos gastos efetivamente realizados (SAAC-DIEESE).

2010 - Cláusula 22 - As Empresas reembolsarão aos seus empregados o valor correspondente a 100% das despesas com a aquisição de lentes de vidro ou resina comuns para óculos, comprovadas através de recibos ou notas fiscais de óticas, devidamente quitadas (SAAC-DIEESE).

b.3 - Convênios

Dentre as cláusulas referentes às convenções coletivas 16,9% foram identificadas no tema “convênios”. Essas cláusulas trataram, principalmente, de convênios com farmácias; do limite de compra de medicamentos para desconto em folha de pagamento; e de convênios com óticas.

1993 - Cláusula 91- As empresas, sempre que possível, estabelecerão convênio com farmácias e drogarias para aquisição de remédios pelos seus empregados (SAAC-DIEESE).

2002 - Cláusula 18 - As empresas manterão convênios com farmácias ou concederão empréstimos de, no mínimo, 15% (quinze por cento) do piso mínimo de efetivação vigente na ocasião, para compra de remédios para seus empregados e dependentes, mediante controle de cada empresa, sendo o valor da compra descontado do salário do empregado, a partir do mês seguinte ao do empréstimo, em, no mínimo 2 (duas) parcelas mensais, iguais e sucessivas (SAAC-DIEESE).

b.4- Saúde ocupacional

A obrigação de manter PPRA e PCMSO foi tratada em 0,1% das cláusulas nas convenções coletivas.

132 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

2010 - Cláusula 80- Todas as empresas ficam obrigadas a realizar e manter atualizado o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA e o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional – PCMSO, disponibilizando aos Sindicatos Patronal e Laboral, sempre que juntos requisitá-los para consulta na sede da empresa de segurança (SAAC-DIEESE).

b.5- Seguro de vida

Os seguros de vida foram objeto de 0,4% das cláusulas pactuadas nas convenções coletivas.

2012 - Cláusula 16 - A empresa pagará seguro de vida e acidentes pessoais a todos os funcionários da empresa, em caráter de livre escolha pelo empregador, no valor de até R$ 4,30 mensal por empregado (SAAC-DIEESE).

Discussão e considerações

Uma primeira observação a ser feita é o fato de grande parte do texto das cláusulas não conter um detalhamento do conteúdo do acordo. Em sua maioria, trataram de aspectos pontuais de um conteúdo maior, não identificável por meio do filtro do banco de dados relativo à assistência à saúde. A expectativa era de que o conjunto das datas base analisadas poderia fornecer o quadro geral dos acordos em relação à cobertura de assistência à saúde, ou seja, os textos, ao longo do período analisado – 1993 a 2012 – conteriam uma sequência das negociações realizadas, permitindo identificar claramente a modalidade de assistência acordada entre as partes. Essa expectativa não foi atendida: em boa parte dos anos analisados o conteúdo das negociações era apenas reiterado entre as partes, tanto para empresas quanto para categorias; outros versaram sobre as contribuições financeiras de empregados e empregadores na manutenção do plano, variando no percentual de um ano a outro, sem, contudo, permitir o esclarecimento esperado quanto à real modalidade de assistência à qual a cláusula se referia. Esse fato prejudicou um dos objetivos propostos – identificar as modalidades de contratação coletiva de planos de saúde – e justificou a opção adotada de tratar os dados a partir do âmbito de negociação, “convenção coletiva” e “acordo coletivo”, em seus respectivos temas das cláusulas de assistência à saúde: cobertura, auxílio, convênios, saúde ocupacional e seguro de vida.

Na análise, observou-se algumas diferenciações entre acordos coletivos e convenções coletivas. Por exemplo, no caso dos acordos coletivos as coberturas são mais bem definidas e generosas. Por exemplo, em alguns casos existe a previsão de UTI aérea. No caso das convenções coletivas as cláusulas são mais genéricas, sendo que algumas negociações preveem que as empresas “envidarão os melhores esforços” para a disponibilização de planos, não significando uma contratação stricto sensu, mas uma intenção de ofertar o benefício. Foi possível identificar que a maior parte dos acordos coletivos nos quais foram constatadas coberturas bem definidas e amplas deriva dos setores que eram de operação estatal e foram privatizados nos anos 1990, incluindo-se empresas do setor elétrico, telecomunicações e siderurgia. Há uma presença forte das autogestões (administradora de planos vinculada à empresa) nesse segmento. Também no caso dos acordos coletivos o auxílio é mais generoso do que nas convenções coletivas, ampliando direitos. Cláusulas tratando de auxílio, além disso, aparecem em maior proporção nos acordos coletivos, em relação às convenções coletivas – 15,6% para as primeiras e 9,6% para as últimas – o que corrobora a análise de sua maior generosidade, aqui referida não só à quantidade, mas também à qualidade dos benefícios.

Cláusulas agrupadas no tema “convênios”, nas convenções coletivas aparecem em maior proporção – 16,9% – em relação aos acordos coletivos, com 3,7%. Podemos inferir que o fato de aparecerem em menor proporção nos acordos pode estar associado à sua inclusão nos benefícios mais amplos já garantidos pelos auxílios.

133OPAS/OMS - ANS/MS

Um fato interessante a destacar é que, no caso dos acordos coletivos (empresas), os benefícios relativos aos medicamentos são mais generosos do que nas convenções coletivas (categorias): variam de 50% a 90% de reembolso, alguns com limites mensais ou anuais, e até mesmo benefícios crescentes relacionados com o percentual da renda do assalariado. Nas convenções coletivas, o limite máximo observado desse subsídio foi de 50% do valor dos medicamentos, sendo que em alguns casos não se trata de subsídio, mas adiantamento, isto é, o trabalhador retira o medicamento e posteriormente tem o desconto integral em folha, ou parcelado.

A associação do conteúdo das cláusulas analisadas com a legislação do setor suplementar de saúde foi prejudicada pelo fato, já citado, desse conteúdo não permitir, na grande maioria dos casos, a identificação da modalidade de contratação dos planos de saúde. Em muitos deles restou a dúvida de tratarem-se de programas de assistência à saúde implementados pelas empresas ou sindicatos, oferecendo serviços próprios ambulatoriais, ou planos de saúde regulamentados. Por exemplo, com relação à Resolução Normativa RN nº 195, que traz definições e disciplinamento sobre os contratos coletivos empresariais e por adesão, não foram identificadas referências à exigência do cumprimento de carências, agravo ou cobertura parcial temporária nos casos de doenças ou lesões preexistentes, que permitam a avaliação da pertinência ou legalidade dos acordos. Com relação à inclusão de dependentes muitas das cláusulas analisadas foram mais explícitas, vinculando-a aos conceitos de dependência definidos pelo INSS. Com relação à permanência nos planos de demitidos sem justa causa e aposentados, como regulamentado na RN nº 279 de 2011, as cláusulas analisadas tiveram seu conteúdo mais explicitado, identificando prazos de permanência em relação ao período de contribuição e a finalização desse benefício em caso de admissão em novo emprego. Ainda, em poucas cláusulas foi possível identificar acordos que tratassem das condições de rescisão dos contratos e poucos trataram dos reajustes.

A título de considerações finais, ressaltamos que o banco de dados construído pelo Projeto a partir do banco do SAAC/DIEESE é rico em informações, mas essas carecem de uma associação com os instrumentos originais de contratação da assistência à saúde para uma análise das modalidades de planos contratados e de sua conformidade à regulamentação da saúde suplementar.

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134 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

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135OPAS/OMS - ANS/MS

Capítulo 8

Judicialização na saúde suplementar

136 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

137OPAS/OMS - ANS/MS

Judicialização na saúde suplementar28

Fundação Faculdade de MedicinaDepartamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP)

Prof. Dr. Mário César SchefferDoutor em Medicina Preventiva pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e Professor do Departamento de Medicina Preventiva da FMUSP

Prof.ª Dr.ª Daniela Batalha TrettelAdvogada, Pós-Doutoranda em Medicina Preventiva na Faculdade de Medicina da USP.

Juliana Ferreira KozanAdvogada

Introdução

A pesquisa “Judicialização na saúde suplementar”, cujas principais conclusões são apresentadas neste artigo, foi desenvolvida pelo Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo com participação da Faculdade de Saúde Pública (Núcleo de Estudos de Direito Sanitário), da mesma universidade, e da Universidade Federal do ABC.

O estudo analisa dados de ações judiciais de usuários de planos de saúde contra as operadoras no Estado de São Paulo. Os dados foram coletados no acervo público on line do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), responsável por julgar, em segundo grau, os recursos das ações judiciais envolvendo planos e seguros de saúde. De um total de mais de 37 mil ações judiciais mapeadas, referentes aos julgamentos ocorridos de 2010 a 2014, 4.059 foram analisadas em detalhes.

O fenômeno da judicialização consiste no movimento crescente de cidadãos que buscam o direito à saúde através dos órgãos da Justiça, e se insere em um fenômeno jurídico, político e sociológico ainda mais complexo de judicialização de políticas públicas, em especial das relacionadas à efetivação de direitos sociais (VIANNA, 2014).

Uma das dimensões possíveis de análise do fenômeno da judicialização é o estudo do comportamento da Justiça, da conformidade das decisões com a legislação, das competências das instituições reclamadas nos tribunais, das características dos autores das ações, dos perfis das demandas e dos problemas de saúde, bem como a análise das falhas e disfunções da regulação do sistema de saúde.

Metodologia de pesquisa

A pesquisa teve como metodologia a realização de estudo epidemiológico de delineamento de corte transversal, que visa abordar a judicialização na saúde suplementar por meio da análise de ações judiciais contidas na base pública on line do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Além de quantificar e descrever o perfil das demandas levadas à Justiça buscou-se analisar o argumento de usuários e das operadoras de planos e seguros de saúde, o comportamento do Judiciário, e eventuais lacunas na legislação.

28 Este projeto de pesquisa foi produzido no âmbito do Edital 005/2014 ANS/OPAS. As opiniões emitidas na presente publicação são da exclusiva responsabilidade dos autores, sem representar posicionamentos oficiais da Organização Pan-Americana da Saúde ou da Agência Nacional de Saúde Suplementar.

138 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

Os resultados visam contribuir para o aprimoramento da regulamentação dos planos e seguros de saúde, dos modelos de organização do sistema de saúde brasileiro e da atuação do Poder Judiciário na defesa do direito à saúde.

A pesquisa teve como foco o Estado de São Paulo por este ser a unidade da federação que concentra a maior taxa de cobertura de saúde suplementar: 44,8% da população do Estado (18,4 milhões de usuários) está vinculada a planos e seguros de saúde (ANS, 2014). A escolha do Tribunal de Justiça se deve ao fato de este ser a instância competente para julgar, em segundo grau, os recursos das ações judiciais envolvendo planos e seguros de saúde. No âmbito do Estado, trata-se da instância judicial que por último se manifesta sobre os conflitos envolvendo usuários e operadoras de planos de saúde. Além disso, o TJSP disponibiliza, publicamente e em meio informatizado, toda a sua jurisprudência acumulada sobre o assunto.

O período pesquisado tomou como base inicial os últimos cinco anos (2010 a 2014). As decisões selecionadas são as de caráter definitivo (apelação e embargos infringentes), descartando-se as referentes a liminares e/ou antecipação de tutela – tendo em vista o seu caráter provisório.

O sistema de armazenamento de jurisprudência do TJ/SP tem sua própria indexação (SAJ). Atualmente, os conflitos entre usuários de planos de saúde e operadoras são indexados em “planos de saúde”, dentro do tópico “contratos de consumo”. No SAJ anterior o tema era armazenado nos assuntos “cobrança de seguro saúde”, “material rel plano/seg saude/conv saúde”, “plano de saúde” e “seguro saúde”. Todos esses assuntos foram considerados.

Em consulta inicial ao repositório de jurisprudência do TJSP (https://esaj.tjsp.jus.br), identificou-se o total de 37.609 decisões que se enquadram no perfil inicial de pesquisa, distribuídas da seguinte maneira:

•2010: 2.298 decisões •2011: 4.822 decisões •2012: 11.402 decisões •2013: 9.936 decisões •2014: 9.419 decisões

Embora tenha ocorrido um pico de ações judiciais julgadas em 2012, não se pode negar que a judicialização nos planos de saúde apresentou um crescimento considerável ao longo dos anos.

Apesar dos dados quantitativos levantados serem relevantes para compreensão do fenômeno estudado, somente a depuração do conteúdo das decisões, com sua análise detalhada, poderia mostrar um panorama mais detalhado dos motivos determinantes dos conflitos judiciais. Diante da brevidade da pesquisa e do montante das ações levantadas, optou-se por refinar o objeto de pesquisa, acrescendo-se os seguintes elementos de seleção: restrição aos anos mais recentes, de 2013 e 2014; conflitos relacionados a contratos coletivos; ações originárias do Município de São Paulo (Comarca de São Paulo).

A escolha da capital paulista como foco da pesquisa analítica se deu levando-se em consideração que se trata do principal Município no Brasil em número de usuários de planos de saúde. Considerou-se que a pesquisa envolvendo apenas a capital atingiu o objetivo de mapear a judicialização no Estado em razão do número alto de usuários de planos de saúde residentes na localidade e da pluralidade de operadoras que ofertam seus serviços na capital – diferentemente do interior, no qual há o conhecido domínio das Unimeds.

A modalidade coletiva de contratação de planos de saúde possui grande relevância na saúde suplementar. Os planos coletivos29 são os que tiveram maior crescimento na última década. De 2004 a

29 O setor de planos de saúde adota uma série de classificações peculiares, que lhe são próprias. Tais denominações expressam as diferentes formas e datas de contratação. A depender do tipo de contrato, as consequências jurídicas podem ser diversas:Contrato individual ou familiar: plano de saúde contratado diretamente pela pessoa física com a operadora de plano de saúde, sem a presença de

139OPAS/OMS - ANS/MS

2014, a quantidade de beneficiários dessa modalidade de contratação identificados pela ANS aumentou de 22,5 milhões para 40,2 milhões. No mesmo período, os beneficiários de contratos individuais saltaram de 8,3 milhões para 10,2 milhões (ANS, 2014)30. Em março de 2015 havia 40.494.536 beneficiários nos planos coletivos e 9.979.007 beneficiários nos planos individuais (ANS, 2015) – praticamente 80% dos beneficiários de planos de saúde encontra-se em contratos coletivos.

Este movimento do mercado de saúde suplementar é chamado de coletivização dos planos, já que representa uma significativa redução de planos individuais em oposição ao aumento da oferta e contratação de planos coletivos. Pode ser explicado pelo fato de os planos de saúde individuais possuírem uma proteção legal maior, no que se refere à aplicação de reajustes e ao cancelamento unilateral de contratos, bem como à branda regulamentação dos planos coletivos.

Garantiu-se, com a escolha dessa hipótese de trabalho, a coleta não só de dados referentes a negativas de cobertura – que, em pesquisa preliminar, notou-se ser um tema presente também em contratos coletivos – como também de dados sobre novos temas, que têm tomado espaço relevante no debate regulatório: reajustes, resilição de contratos pela operadora, manutenção do usuário no contrato coletivo após desligamento da empresa por aposentadoria ou demissão, entre outros.

Chegou-se ao, com a aplicação de novos filtros metodológicos, ao número final de 4.059 decisões, às quais se aplicou, mediante leitura completa por uma equipe de pesquisadores, um questionário estruturado.

Análise das decisões judiciais

Do total de decisões analisadas, 2.076 (51%) se referem a julgamentos ocorridos em 2013, e 1.983 (49%) em 2014. Destas, 4.033 são apelações (99,36%) e outras 26 (0,64%) se referem a embargos infringentes31.

A pesquisa buscou obter informações com relação ao resultado da demanda, ou seja, se a decisão analisada foi favorável, parcialmente favorável ou desfavorável ao usuário de plano de saúde. A análise foi efetuada considerando o resultado referente ao provimento material solicitado (como a revisão do reajuste, a cobertura do procedimento negado, etc.), não sendo considerados resultados referentes a discussões processuais ou a pedidos de indenização por danos morais.

intermediários, para si (contrato individual) ou para si e seus dependentes (contrato familiar). Contrato coletivo: plano de saúde assinado no qual existe a intermediação na contratação de uma pessoa jurídica. Essa pessoa jurídica é a que figura formalmente como contratante da operadora de plano de saúde, representando os usuários. Podem ser contratos coletivos empresariais – pessoa jurídica intermediária é o empregador, que contrata plano de saúde para seus empregados – ou contratos coletivos por adesão – pessoa jurídica intermediária é sindicato ou associação, que realiza a contratação do plano de saúde em benefício de seus afiliados.Contrato antigo: contrato assinado até 1º de janeiro de 1999, antes da entrada em vigor de dispositivos da Lei nº 9.656/98, responsável pela regulação do setor de planos de saúde, que estabeleceram critérios mínimos de contratação, como a obrigatoriedade de cobertura de todas as doenças listadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), prazos máximos de carências e regulação de reajustes de contratos individuais pela ANS.Contrato adaptado: contrato que, embora assinado antes de 1º de janeiro de 1999, foi adaptado às regras básicas de contratação estabelecidas na Lei nº 9.656/98. Tal contrato é tratado, portanto, segundo as mesmas regras aplicadas aos contratos novos.Contrato novo: contrato assinado a partir de 2 de janeiro de 1999. Obedece as regras mínimas estabelecidas pela Lei nº 9.656/98 referentes a carência, coberturas, reajustes etc.30Mesmo considerando que a qualidade dos dados informados ao Sistema de Informações de Beneficiários da ANS tenha melhorado na última década e possa ter algum impacto nos números registrados pela Agência, é inegável que a contratação na forma coletiva teve maior impulso na última década e meia.31Em geral, as decisões nos tribunais, chamadas tecnicamente de acórdãos, são resultantes do julgamento de recurso de apelação. Tais acórdãos são proferidos por três desembargadores. Todavia, caso no julgamento da apelação tenha sido reformada (modificada) a decisão de 1ª instância favorável ao autor da ação em votação não unânime, ou seja, dois desembargadores votaram pela modificação da decisão do juiz de 1º grau e um pela sua manutenção, outro recurso é possível. Trata-se dos Embargos Infringentes, nos quais outros dois desembargadores que compõem a Câmara são chamados a se manifestar, totalizando cinco votos. Nesse caso, a decisão ocorrida nos embargos infringentes substitui a do julgamento da apelação.

140 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

Tabela 1 - Resultados das demandas analisadas – Confl itos entre usuários e operadoras de planos de saúde – Comarca de São Paulo - 2013/2014 - TJSP (apelações e embargos infringentes)

Resultado da demanda Total %

Decisão favorável ao usuário 3.575 88,08

Decisão desfavorável ao usuário 300 7,39

Decisão parcialmente favorável ao usuário 174 4,29

Demanda entre operadora e empresa contratante1 10 0,25

Em 92,4% dos acórdãos foi dada razão ao usuário, sendo que 88% dos casos o pedido foi integralmente acolhido e em outros 4,4% o acolhimento se deu, ao menos, em parte. Em apenas 7,4% dos recursos julgados a operadora de plano de saúde foi vitoriosa (Tabela 1).

Quanto aos temas discutidos nas ações judiciais, a exclusão de coberturas foi o mais presente, em aproximadamente 48% das decisões analisadas (1.935 decisões tratam do tema). Foram classificados dessa maneira todos os casos em que o usuário, por recomendação médica, solicitou um procedimento ou um atendimento e a operadora se recusou a cobri-lo.

O direito à manutenção do aposentado no contrato coletivo e a fixação do valor devido de mensalidade estão no segundo e terceiro lugar de maior incidência nas decisões analisadas. Ambos são discutidos, em conjunto ou separadamente, em cerca de 15% dos casos (608 decisões discutem o valor da mensalidade em caso de manutenção do aposentado no contrato coletivo e outras 589 discutem o direito do aposentado de ser mantido no contrato coletivo).

O reajuste por mudança de faixa etária, quarto tema mais recorrente na presente pesquisa, é discutido em 11,7% das decisões analisadas (475 casos).

Outro reajuste, desta vez o referente ao aumento de sinistralidade, apresenta-se como o quinto tema mais discutido nas decisões analisadas nesta pesquisa. Está presente em 6,8% das demandas (275 acórdãos).

A resilição (cancelamento) unilateral do contrato coletivo figura como sexto tema mais discutido nas demandas analisadas. Este tema foi discutido em 5,2% das decisões (211 ações).

Nas ações que discutem cobertura assistencial, os principais procedimentos discutidos são cirurgias (33,8%), tratamentos para câncer (15,7%) e internações (15,1%) (Tabela 2).

141OPAS/OMS - ANS/MS

Tabela 2 - Procedimentos demandados em juízo – Confl itos entre usuários e operadoras de planos de saúde sobre cobertura assistencial – Comarca de São Paulo - 2013/2014 - TJSP (Apelações e embargos infringentes)

Procedimentos/atendimentos excluídos/negados Total %

Cirurgia 652 33,7

Tratamento para câncer 303 15,66

Internação 292 15,09

Órtese/prótese 274 14,16

Medicamento 230 11,89

Exame 220 11,37

Materiais necessários à cirurgia 118 6,1

Home care 111 5,74

Internação em UTI 52 2,69

Fisioterapia 44 2,27

Hemodiálise 35 1,81

Honorários da equipe médica 14 0,72

Consulta médica 12 0,62

Também foi levantado, nas ações que permitiam a extração da informação, os casos que se referiam a demandas de usuários idosos e/ou aposentados. De acordo com a ANS, em junho de 2014 havia 5.839.391 idosos (pessoas com 60 anos ou mais) contratantes de planos de saúde com cobertura médica, dos quais cerca de 63% figuravam como usuários de contratos coletivos (total de 3.648.612 idosos) (ANS, 2014). Os dados colhidos na análise de decisões judiciais demonstram que ao menos 31,3% das demandas certamente dizem respeito a usuários idosos e/ou aposentados, percentual equivalente ao de 27,6% de idosos na população coberta por planos. Como nem sempre há a identificação na ação de que o autor é uma pessoa idosa, esse número pode ser maior. Nos casos que foram identificados, os temas mais recorrentes foram: manutenção e valor da mensalidade de aposentados em contratos coletivos, reajuste por mudança de faixa etária e exclusão de cobertura.

Ao apresentarem suas defesas, as operadoras de planos de saúde tentaram, na maioria dos casos, justificar o seu comportamento nas previsões contratuais (50,87%). A lei setorial (Lei 9.656/98), o rol de procedimentos da ANS e outras resoluções da agência também figuram entre os argumentos mais citados (Tabela 3).

142 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

Tabela 3 - Argumentos das operadoras de planos de saúde – Confl itos entre usuários e operadoras de planos de saúde –Comarca de São Paulo - 2013/2014 - TJSP (Apelações e embargos Infringentes)

Argumentos das operadoras Total %

A prática encontra-se de acordo com previsão contratual 2065 50,87

Lei 9.656/98 permite a prática 513 12,64

Procedimento não consta do rol de coberturas obrigatórias da ANS 452 11,14

Resolução da ANS permite a prática 407 10,03

Irretroatividade da Lei 9.656/98 247 6,09

Saúde integral é dever apenas do Estado 106 2,61

Irretroatividade do Estatuto do Idoso 104 2,56

Ato jurídico perfeito ou direito adquirido 57 1,40

Irretroatividade do Código de Defesa do Consumidor 23 0,57

As legislações mais utilizadas como fundamento para decidir as demandas analisadas são o Código de Defesa do Consumidor (Lei. 8.078/90), utilizado em 56,8% das decisões (2.305 acórdãos), e a Lei 9.656/98, utilizada em 56,6% decisões (2.297 acórdãos) (Tabela 4).

Tabela 4 - Fundamentação legal das decisões judiciais – Confl itos entre usuários e operadoras de planos de saúde – Comarca de São Paulo - 2013/2014 - TJSP (Apelações e embargos Infringentes)

Legislações utilizadas na fundamentação da decisão Total %

Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) 2305 56,79

Lei de Planos de Saúde (Lei 9.656/98) 2297 56,59

Súmulas TJ/SP 1752 43,16

Código Civil 424 10,45

Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003) 396 9,76

Resoluções Normativas ANS/CONSU 326 8,03

Constituição Federal 209 5,15

Súmulas STJ 193 4,75

143OPAS/OMS - ANS/MS

Conclusão

A análise das decisões judiciais permitiu constatar que há uma forte tendência do Tribunal de Justiça de São Paulo em julgar ações referentes a planos de saúde de forma favorável ao usuário. Também é possível afirmar que as chances de êxito de um usuário ao propor uma ação judicial pleiteando direitos relacionados aos planos de saúde são grandes, já que é pouco provável que haja a revisão da maioria das questões pelo Superior Tribunal de Justiça, por esbarrar nas vedações das Súmulas nº 5 e 732.

Verifica-se que há um forte descompasso entre as práticas das operadoras de planos de saúde – e os embasamentos tomados para tanto – e aquilo que tem interpretado o Poder Judiciário como o comportamento esperado na relação entre os usuários e os provedores de serviços de planos de saúde. A negativa de cobertura, de manutenção do contrato ou a imposição de reajustes, e outras práticas justificadas apenas em disposições de contratos por adesão – nos quais as cláusulas são pré-redigidas pela operadora e o usuário não tem qualquer possibilidade de negociação ou oposição ao que lhe é imposto – não se adéquam à visão majoritária do Poder Judiciário e até mesmo ao que determinam as leis. Os princípios da função social do contrato e da boa-fé no decorrer das relações contratuais têm imperado não só nas decisões judiciais como também na elaboração das mais novas legislações, entre elas o Código de Defesa do Consumidor e o Novo Código Civil (2002).

Neste capítulo, em razão da limitação espacial, não serão apresentadas todas as análises aprofundadas de cada um dos problemas identificados na pesquisa elaborada. Mas alguns elementos podem desde já ser apontados, entre eles:

1. Dissonância entre os posicionamentos dos tribunais e a interpretação dada à legislação pela ANS e pelas operadoras de planos de saúde, e necessidade de reflexão sobre esse fenômeno por parte da Agência. Isso se verifica, por exemplo, na enorme quantia de acórdãos que desconsideram o rol de coberturas obrigatórias da ANS e no fato das resoluções da ANS serem pouco consideradas na fundamentação das decisões judiciais.

2. Aparecimento de fortes problemas relacionados ao descumprimento das leis e das resoluções da ANS pelas operadoras de planos de saúde, em especial quanto à garantia de continuidade do usuário de plano de saúde no contrato após sua aposentadoria ou desligamento da empresa intermediária na contratação do plano de saúde empresarial (dificuldades para exercício da portabilidade, problemas relacionados ao valor da mensalidade a ser paga).

3. As questões de cobertura continuam sendo o grande “calcanhar de Aquiles” na relação entre operadoras e usuários de planos de saúde, mas temas relacionados à gestão econômico-financeira dos contratos também têm tomado espaço considerável, ressaltando-se a necessidade de se repensar a forma como reajustes têm sido aplicados.

4. Necessidade de a ANS repensar o seu papel regulador dos contratos coletivos, considerando que, exceção feita à negativa de cobertura e ao reajuste por mudança de faixa etária, os demais temas mais discutidos nas decisões analisadas são todos relacionados a aspectos próprios da regulamentação de planos coletivos. O fato de não interferir em temas relacionados a reajustes e resilição de contratos não só tem estimulado a coletivização do setor como também está trazendo grande impacto nos conflitos judiciais. E mais, há aspectos previstos na regulamentação dos contratos coletivos por parte da ANS que permitem que os conflitos com relação a estes temas se perpetuem como, por exemplo, a possibilidade de criação de carteiras exclusivas para ex-empregados, a extinção do direito previsto no art. 31 da Lei nº 9.656/98 em caso de cancelamento do contrato coletivo pelo empregador, a possibilidade de reajuste por faixa etária de até 500% entre a primeira e a última faixa, entre outros.

32 Súmula nº 5 STJ: A simples interpretação de cláusula contratual não enseja Recurso Especial; Súmula nº 7 STJ: A pretensão de simples reexame de prova não enseja Recurso Especial.

144 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

5. Necessidade de a ANS dar especial atenção a usuários idosos e/ou aposentados, por sua representatividade e vulnerabilidade, principalmente nas questões de manutenção e valor da mensalidade de aposentados em contratos coletivos, reajuste por mudança de faixa etária e exclusão de cobertura, considerando as necessidades e a capacidade de pagamento da população idosa.

Referências bibliográfi cas

Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS. Caderno de Informação da Saúde Suplementar: Beneficiários, Operadoras e Planos. Setembro/2014. Rio de Janeiro: ANS, 2014.

_____. Caderno de Informação da Saúde Suplementar: Beneficiários, Operadoras e Planos. Junho/2015. Rio de Janeiro: ANS, 2015.

VIANNA, L. W.k et al. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2014.

145OPAS/OMS - ANS/MS

Capítulo 9

Metodologia e ferramentaspara aplicação do modelode “Grupos Diagnósticos Relacionados” (DRGs) paraárea hospitalar na saúde suplementar brasileira

146 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

147OPAS/OMS - ANS/MS

Metodologia e ferramentas para aplicação do modelo de “Grupos Diagnósticos Relacionados” (DRGs) para área hospitalar na saúde suplementar brasileira33

Sociedade Beneficente de Senhoras Hospital Sírio-Libanês

André Alexandre OsmoMédico, Doutorado pela Faculdade de Medicina da USP e Superintendente de projetos de saúde e novos negócios da área de consultoria em saúde do Hospital Sírio Libanês

Antônio Carlos Onofre LiraMédico, Pós-doutorado em planejamento e economia da saúde e Diretor Técnico do Hospital Sírio Libanês

Beatriz de Faria LeãoMédica, Pós-doutorado em informática em saúde e consultora HSL

Carolina Gonçalves da Silva PereiraEnfermeira, Especialista em administração hospitalar e gerente de projetos em saúde e novos negócios e da área de consultoria em saúde do Hospital Sírio Libanês

Deborah Pimenta FerreiraMédica, Doutora em Informática Médica e consultora Hospital Sírio Libanês

Gonzalo Vecina NetoMédico, Mestre em administração de empresas, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP e Superintendente Corporativo do Hospital Sírio Libanês

Marcia Martiniano de Sousa SáMédica, Especialista em vigilância epidemiológica e gestão em saúde, mestranda da Faculdade de Medicina da USP e epidemiologista do Hospital Sírio Libanês

Osmeire Aparecida Chamelette SanzovoEnfermeira, Especialista em administração hospitalar e informática em saúde e consultora do HospitalSírio Libanês

Paulo ChapchapMédico, Doutor em Medicina (Clínica Cirúrgica) e Superintendente de Estratégia do Hospital Sírio Libanês

Sérgio Fernando Rodrigues ZanettaMédico, Doutor em Medicina Preventiva. Superintendente de Filantropia do Hospital Sírio Libanês

Introdução

“Diagnosis Related Groups’’ (DRGs) constitui um sistema de classificação de pacientes (criado originariamente com foco em doentes internados em hospitais que atendem casos agudos) desenvolvido por uma equipe interdisciplinar de pesquisadores da Yale University (EUA), dirigida por Robert B. Fetter

33Este projeto de pesquisa foi produzido no âmbito do Edital 005/2014 ANS OPAS. As opiniões emitidas na presente publicação são da exclusiva responsabilidade dos autores, sem representar posicionamentos oficiais da Organização Pan-Americana da Saúde ou da Agência Nacional de Saúde Suplementar.

148 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

e John Thompson, no final da década de 1960 (Fetter, 1986; Veras et al., 1990; Noronha, 1991; Zanetta, 2003). Essa equipe teve como objetivo realizar pesquisas nas áreas de gestão, planejamento e revisão do consumo hospitalar e foi motivada principalmente pela demanda gerada com a criação, em 1965, do programa Medicare (modelo governamental de seguro saúde dos EUA) para cidadãos que preenchiam determinados critérios de renda (US CONGRESS, 1985). Este determinava que cada hospital pertencente ao programa deveria ter um comitê de revisão da utilização, assim como um programa para essa revisão. Este sistema de classificação busca correlacionar os tipos de pacientes atendidos pelo hospital com os recursos consumidos durante o seu período de internação, criando grupos de pacientes coerentes do ponto de vista clínico e similares ou homogêneos quanto ao consumo dos recursos hospitalares, denominados de DRGs (Figura 1) (Averill, 1985).

Figura 1 - Princípios básicos da classifi cação por DRG

Fonte: 3M Health Care Academy, modificado pelo autor

Com base no sistema de DRGs pode-se obter uma nova forma de definição do perfil nosológico dos hospitais - Case-Mix (Fetter et al., 1980), e também de mensuração do produto hospitalar, permitindo que se utilize uma abordagem de gerenciamento baseada não só na administração dos insumos, como também no controle do processo do trabalho médico (Fetter e Freeman, 1986). O desenvolvimento deste sistema teve como objetivo inicial e primordial permitir o monitoramento da qualidade da assistência e utilização dos serviços hospitalares.

Ao final da década de 1970, o sistema foi adaptado para servir como base para o pagamento a hospitais do Estado de Nova Jersey (EUA) e, desde outubro de 1983, é utilizado para o reembolso baseado no sistema de pagamento prospectivo a hospitais dos EUA que prestam assistência a pacientes, principalmente idosos, beneficiários do Medicare (Averill, 1985; McMahon, 1987). Esta utilização particular dos DRGs tem resultado, frequentemente, na percepção distorcida de que o sistema seja destinado ao pagamento e não à classificação de pacientes, desconsiderando uma de suas principais virtudes que é a padronização de informações para a análise da morbidade hospitalar, a avaliação da performance de serviços e de médicos além de se constituir numa poderosa ferramenta para comparação de desfechos da assistência (benchmarking).

O desenvolvimento e utilização nos EUA suscitaram interesse pelo sistema DRG em vários países, tais como: Grã-Bretanha, França, Holanda, Bélgica, Alemanha, Espanha, Itália, Portugal, Áustria, Suíça, Noruega, Dinamarca, Suécia, Finlândia, Austrália, Canadá, Coreia e mais recentemente Brasil (Palmer et al., 1989; Tatchel, 1985; Shin et al., 1988; Rodrigues, 1987; Rodrigues, 1988, Veras et al., 1990, Noronha, 1991, Zanetta, 2003, Noronha et al., 2004).

No Brasil, neste momento, ainda não dispomos de uma metodologia padronizada, disseminada e consistente de avaliação e comparação do produto hospitalar.

149OPAS/OMS - ANS/MS

No intuito de contribuir para a introdução, no Brasil, de uma metodologia que melhore a análise do desempenho dos hospitais quanto aos pacientes internados, optou-se pela implementação, como projeto piloto, no Hospital Sírio Libanês em São Paulo, da metodologia já consagrada internacionalmente, baseada no padrão de DRGs.

O presente capítulo descreve este projeto de implementação do sistema DRG, não só para avaliar o impacto e os benefícios atrelados a aplicação do modelo, mas também para propor uma forma de viabilizar a sua implementação e utilização para a realidade dos hospitais brasileiros. São descritos e analisados todos os passos para a sua efetivação, desde a criação e organização do Conjunto Mínimo Básico de Dados (CMBD), as oportunidades e necessidades de adequação da aplicação dos sistemas de classificação e codificação de diagnósticos (CID-10), de procedimentos (SIGTAP/TUSS), bem como as necessidades de treinamento e preparação de codificadores com conhecimento desta metodologia.

A utilização da metodologia de DRGs é uma realidade nos Estados Unidos da América e na maior parte dos países da Europa e na Austrália há mais de 35 anos. Em paralelo, há projetos de desenvolvimento e implantação do sistema em alguns países da América Latina e, neste momento, a partir dos processos de discussão de novas formas de remuneração entre financiadores e prestadores públicos e privados, surge como importante elemento na agenda das necessidades de estudo para o Brasil, como forma de propiciar a transparência das informações e a comparabilidade entre hospitais, prestadores de serviços, operadoras de planos de saúde e financiadores públicos.

O Produto hospitalar

A partir da década de 1960 surgiu uma preocupação crescente, por parte dos administradores de saúde nos EUA, sobre a necessidade de uma definição mais prática e operacional do conceito de produto hospitalar que pudesse fornecer subsídios relevantes para a análise do desempenho dos hospitais (Fetter et al., 1980; Fetter, 1986; McMahon, 1987).

Segundo Fetter, o produto hospitalar pode ser conceituado como o conjunto específico de serviços que cada paciente recebe em função das suas necessidades no processo de tratamento. A dificuldade de mensurar esse produto advém da necessidade de padronizar a coleta e análise dos resultados destes serviços, considerando que um conjunto de pacientes com características semelhantes possam ser agrupados para o estudo do consumo de cada serviço.

Uma das primeiras tentativas de analisar o produto hospitalar partiu de Codman em 1912 (Urbano, 1990; Noronha, 1991; Zanetta; 2003), procurando definir os produtos do Hospital Geral de Massachussets (EUA) como sendo: pacientes atendidos, instrução médica, enfermeiros graduados, publicações médicas e cirúrgicas (Codman citado por Fetter et al., 1985). Este conceito de produto hospitalar não havia sofrido mudanças substanciais desde então, definindo-o e mensurando-o na forma de serviços específicos oferecidos: número de testes laboratoriais, raios-X, horas de cuidado de enfermagem, procedimentos cirúrgicos ou, em termos de dias de internação, número de admissões e altas, que são medidas agregadas, não apontando diferenças no nível e intensidade da utilização desses serviços para os diversos grupos de pacientes (Fetter et al., 1980; Burik e Nackel, 1981).

O objetivo principal do hospital é prestar cuidados aos seus pacientes e, portanto, a análise do produto hospitalar deve estar diretamente relacionada aos pacientes atendidos, conforme conceito da equipe da Universidade de Yale (EUA). A partir desta visão, os serviços de diagnóstico (testes laboratoriais, raios X, etc.), terapêuticos (sala de cirurgia, cuidados de enfermagem, medicações e outros) assim como os serviços de infraestrutura, hotelaria e sociais, podem ser conceituados como “produtos intermediários” necessários para a assistência dos doentes, utilizados no seu conjunto, para atender a cada paciente para o seu problema específico de saúde (Fetter, 1989).

150 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

Assim, consolidou-se o conceito de produto hospitalar como o conjunto específico de serviços que cada paciente recebe em função das necessidades do seu processo de tratamento.

A dificuldade de mensurar esse produto, no entanto, advém do fato de que o hospital pode ter tantos produtos quanto seu número de pacientes tratados (Fetter e Freeman, 1986; Urbano e Bentes, 1990). Embora cada doente hospitalizado seja único, existem certas características demográficas, diagnósticas e terapêuticas em comum entre os pacientes, que determinam o tipo e nível de serviços que receberão. Identificando-se grupos de pacientes com características clínicas e perfil de tratamento semelhantes e incluindo todos os tipos de doentes internados, é possível construir um sistema de classificação. Esse sistema pode oferecer as características de complexidade do perfil nosológico hospitalar (case-mix) em termos de recursos consumidos durante o processo de hospitalização e também mensurar o produto hospitalar, examinando as diversas linhas de produção correspondentes a cada grupo, na medida em que dentro deles é esperado que recebam produtos ou serviços similares (Fetter et al., 1980; Averill, 1985). O reconhecimento das diferenças entre os diversos tipos de pacientes assistidos é de grande relevância para entender as variações de custos entre hospitais e entre pacientes de uma mesma instituição.

O Desenvolvimento do sistema de classifi cação para a análise do prod uto hospitalar

Segundo Fetter et al. (1985), o movimento no sentido do desenvolvimento de um sistema de classificação de pacientes foi motivado por dois programas de revisão do uso de recursos no processo de atendimento aos pacientes internados, que buscavam identificar os casos atípicos (outliers), ou seja, aqueles que apresentavam um tempo de internação hospitalar excepcionalmente longo. Verificou-se que para estudar a gestão hospitalar e a utilização de serviços era necessário analisar os cuidados prestados aos pacientes, por serem a base do processo do trabalho em saúde. Outra questão identificada foi que os cuidados ou serviços prestados eram diferentes em função de alguns atributos tais como: idade, sexo, estadiamentos da doença, entre outros, explicitando a necessidade de caracterização dos diferentes tipos de pacientes (McMahon, 1987), ficando evidente que a análise desses atributos era indispensável para o entendimento das variações dos custos entre os hospitais e entre os pacientes.

Para desenvolver um sistema de classificação de pacientes, o grupo de Yale realizou uma avaliação dos sistemas de classificação já existentes. Neste trabalho, analisaram inicialmente o Sistema de Classificação Internacional de Doenças - CID, publicado pela OMS, tentando agrupar pacientes baseando-se nos Diagnósticos Principais. Esse caminho mostrou-se insuficiente, pois características importantes do paciente tais como idade, a interação do diagnóstico principal com outros diagnósticos e com procedimentos cirúrgicos não eram devidamente avaliadas nesse sistema. Além disto, a classificação de pacientes baseada no Diagnóstico Principal gerou uma quantidade muito grande de grupos com poucos pacientes em cada um, dificultando a sua utilização e não produzindo dados estatísticos significativos para cada diagnóstico (McMahon, 1987; Fetter et al., 1980).

Outro sistema avaliado foi o Professional Activity Study (PAS) da Commission on Professional and Hospital Activities (CPHA) dos EUA (Mullner, 1983; Noronha, 1991). Esta comissão publica tabelas estatísticas de tempo de permanência com um sumário de variáveis: diagnóstico principal, presença de diagnósticos adicionais, idade e presença de cirurgias dos pacientes atendidos nos hospitais ligados à comissão. Utilizando esta base de dados, foi criada uma classificação - CPHA-list A com a finalidade de observar o impacto dos diferentes grupos de pacientes nos custos hospitalares. Esse sistema apresentou problemas similares aos da Classificação Internacional de Doenças:

1. Falhou em distinguir diagnósticos secundários reunindo, por exemplo, pacientes portadores de diabetes e pneumonia com pacientes portadores de diabetes e hipertensão em um mesmo grupo. Também falhou em distinguir entre procedimentos cirúrgicos, reunindo em um mesmo grupo pacientes

151OPAS/OMS - ANS/MS

diabéticos que sofreram amputação de dedo com os diabéticos que receberam reparo de aneurisma aórtico abdominal (McMahon, 1987).

2. Tendeu a especificar em excesso algumas categorias diagnósticas onde as variáveis não eram relevantes e sub especificar em outras, nas quais uma informação mais precisa era necessária (Fetter et al., 1980).

3. Devido ao alto número de grupos finais (7.960), a frequência de pacientes em diversos grupos era muito pequena, reduzindo sua utilidade para análise estatística (Hornbrook, 1982a).

Em função das limitações observadas nestes sistemas de classificação estudados, o grupo de Yale optou por construir um novo sistema.

Como primeira abordagem, reuniu um conjunto de médicos para a definição dos diversos tipos de pacientes atendidos nos hospitais, buscando estabelecer variáveis que considerassem importantes na determinação do volume e tipo de serviços utilizados. Esse caminho mostrou-se pouco efetivo, pois os médicos tenderam a incluir um conjunto extenso de especificações, na sua maioria descrevendo casos infrequentes e utilizando-se de informações nem sempre disponíveis nas estatísticas hospitalares (Fetter et al., 1980).

A partir desta constatação, o grupo de Yale optou por iniciar o processo de definição dos grupos mediante a utilização das informações já disponíveis nas bases de dados hospitalares, com o objetivo de examinar a frequência relativa dos diferentes tipos de pacientes e identificar suas características gerais. Para essa análise, foi utilizada uma variação do algoritmo estatístico denominado AID (com base na técnica de regressão múltipla), desenvolvido por Morgan e Sonquist (1963) que, aplicado a esses dados, indicava formas de agrupamentos de pacientes que fossem similares em termos da intensidade de recursos hospitalares consumidos durante a internação. Foi utilizado o tempo de permanência como variável dependente e testadas diversas variáveis que dividiam os grupos entre diferentes tempos de permanência.Com a obtenção dos grupos sugeridos pelo algoritmo, verificou-se que estes incluíam pacientes que, embora tivessem características semelhantes no que diz respeito ao consumo de recursos hospitalares, possuíam pouca ou nenhuma coerência clínica interna, isto é, pacientes das mais diversas especialidades e com diferentes necessidades, eram reunidos num mesmo grupo (Fetter et al., 1980). Ficou então evidenciada a necessidade da interferência também de médicos clínicos e cirurgiões durante o processo de formação dos grupos para que o produto final da análise não só tivesse um significado estatístico, mas também coerência clínica. Para tal, foi desenvolvido um programa computacional denominado AUTOGRP que permitiu não só a interferência de médicos durante o processo de avaliação estatística na formação dos grupos, como também a utilização de bancos de dados extensos com geração rápida dos resultados (Mills et al., 1976; Fetter et al., 1980).

Definiu-se também que, para um sistema de classificação de pacientes ser prático e coerente, deveria obedecer aos seguintes critérios:

1. Cada grupo deveria conter pacientes que fossem semelhantes clinicamente (coerência clínica) com as subclasses de pacientes das categorias diagnósticas;

2. Cada grupo deveria conter pacientes com padrões semelhantes de consumo de recursos;

3. Os dados dos pacientes utilizados na definição dos grupos deveriam limitar-se às informações colhidas rotineiramente nos resumos das altas hospitalares (Fetter et al., 1980; Averill, 1985).

152 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

Mediante estes critérios e com os instrumentos estatísticos e de computação desenvolvidos, definiu-se então a metodologia básica que originou a construção das primeiras versões dos agrupamentos pelos DRGs.

As Primeiras versões dos DRGs

Para facilitar a análise dos dados dos pacientes e permitir maior coerência clínica no resultado final de formação de DRGs, o passo inicial consistiu na definição de Grandes Categorias Diagnósticas – GCDs (Major Diagnosis Categories - MDCs) através do trabalho de um conjunto de médicos. Para sua definição, foram analisadas as classificações americanas de doenças e foram obedecidos três princípios básicos:

1. As GCDs deveriam ter consistência em termos da anatomia, classificação fisiopatológica ou na forma como os pacientes são tratados clinicamente;

2. As GCDs deveriam agrupar um número suficiente de pacientes;

3. As GCDs deveriam cobrir completamente todos os códigos da CID sem sobreposição. (Fetter et al., 1980; Hornbrook, 1982a).

Seguindo estes princípios, as GCDs foram baseadas nos sistemas orgânicos e especialidades médicas.

Para o desenvolvimento dos DRGs, utilizou-se um banco de dados composto de resumos de alta de hospitais americanos classificados na época, de acordo com o ICD-9 (CID-9). A primeira etapa foi enquadrar todos os diagnósticos principais dos resumos de alta dentro GCDs correspondentes. A segunda etapa consistiu no exame da distribuição do tempo de permanência hospitalar em cada GCD e retirada do banco de dados de resumos de alta que não preenchiam as características necessárias à classificação (outliers). Na terceira etapa, utilizou-se o programa computacional AUTOGRP e algoritmos estatísticos para avaliar e sugerir grupos de pacientes que possuíssem um perfil similar na utilização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos (Young et al., 1980). A variável dependente adotada como referência de utilização de recursos foi sempre o tempo médio de permanência hospitalar de cada GCD. Diversas variáveis independentes foram testadas buscando identificar as mais explicativas da divisão dos dados em grupos que poderiam influir no seu tempo de permanência hospitalar. As variáveis analisadas passavam a compor a classificação quando preenchiam os seguintes critérios:

1. Produziam uma redução significante da variância da variável dependente (tempo de permanência) relativa às outras variáveis;

2. Criavam uma quantidade de grupos gerenciáveis;

3. Criavam grupos de pacientes com tempos médios de internação similares e clinicamente homogêneos (Fetter et al., 1980).

As principais variáveis analisadas foram os diagnósticos, a idade, o sexo e os procedimentos clínicos. Com estas variáveis, foram realizadas partições dos dados em cada GCD, formando-se assim os primeiros grupos. O processo de formação de cada grupo poderia terminar após a partição baseada em uma só variável ou continuar baseando-se em outras variáveis, cumprindo os critérios estatísticos ou clínicos pré-estabelecidos. Desta forma, foram definidos os grupos finais, que incluíam pacientes com um grau razoável de homogeneidade no seu tempo de permanência hospitalar. Estes grupos passaram a ser denominados DRGs (Fetter et al., 1980).

153OPAS/OMS - ANS/MS

Seguindo a metodologia descrita, foram desenvolvidas diversas versões dos DRGs durante o tempo e conforme os propósitos buscados, que significaram um refinamento cada vez maior dos grupos formados.

A primeira versão dos DRGs, apresentada em 1973, era constituída de 54 GCDs, divididas em 333 DRGs, baseados nas variáveis diagnósticos primário e secundário, idade e presença ou ausência de cirurgias específicas. Os dados utilizados para construir esta versão foram resumos de alta de alguns hospitais selecionados do Estado de Connecticut, EUA (Fetter et al., 1985; Mullin, 1986). Esta versão suscitou interesse dos órgãos financiadores da saúde nos EUA para utilizá-la no reembolso a hospitais. A equipe de Yale foi então contratada para adaptá-la para esta finalidade. Com esse objetivo, foi desenvolvida a 2ª versão dos DRGs em 1977, sob contrato com a Social Security Administration do Governo Federal Americano, administradora do programa Medicare. O número de GCDs foi expandido para 83 e o número de DRGs para 383, baseados nas variáveis: diagnóstico primário ou principal, diagnóstico secundário, procedimento cirúrgico primário, procedimento cirúrgico secundário, idade e serviço clínico. A base de dados consistiu em resumos de alta de hospitais de Nova Jersey (EUA) e de um hospital de Connecticut (EUA) (Fetter et al., 1980). Em 1980, esse sistema foi introduzido como unidade de medida da nova forma de remuneração dos hospitais que atendiam casos agudos do estado de Nova Jersey, o sistema de pagamento prospectivo (Prospective Payment System - PPS). Essa forma de pagamento abrangeu todos os hospitais daquele estado americano, não importando quem fosse o responsável pelo pagamento (Medicare, Medicaid, Blue Cross ou outros). A entrada dos hospitais no programa de pagamento prospectivo foi gradual, ocorrendo durante os anos de 1980 a 1982 (May e Wasserman, 1984). Essa versão teve uma grande exposição pública ao ser utilizada como base na experimentação do pagamento prospectivo, tendo sido alvo de diversas críticas e avaliações.

Alguns dos problemas detectados, principalmente os relacionados a grupos que incluíam procedimentos cirúrgicos, foram resolvidos na 3ª versão do sistema, produzida em 1978. Porém, ficou claro que a versão de 383 DRGs possuía problemas estruturais significativos e que deveriam ser resolvidos (McMahon, 1987).

Em 1980, foi iniciada uma profunda revisão do sistema, levando em consideração as críticas e problemas identificados nas versões anteriores, com o intuito de adaptá-lo para utilização para reembolso prospectivo a hospitais, ligados ao programa de seguro americano Medicare (McMahon, 1987).

A construção da 4ª versão dos DRGs teve o suporte do Health Care Financing Administration (HCFA), agência governamental americana. Para sua construção foi utilizada uma amostra estratificada nacional de 1.4 milhões de resumos de alta, selecionados de hospitais escolhidos por sua qualidade na codificação dos diagnósticos e procedimentos. Outra amostra foi selecionada contendo dados financeiros de 335.000 altas de 33 hospitais do estado de Nova Jersey. Essa segunda base de dados teve como objetivo utilizar como variável dependente os custos diretos do tratamento dos pacientes, e testar a hipótese de os grupos assim obtidos serem idênticos àqueles gerados com a utilização do tempo de internação como variável dependente (Averill, 1985; Urbano e Bentes, 1990). Na construção dessa versão, utilizou-se para a codificação dos diagnósticos e dos procedimentos a ICD-9-CM (WHO, 1979), que é uma versão norte-americana da Classificação Internacional de Doenças – 9ª revisão, com extensões para classificação diagnóstica para uso em morbidade (CM = clinical modification) e que inclui uma classificação de procedimentos. Esta classificação é mantida por duas agências: NCHS (National Center for Health Statistics), responsável pela parte de diagnósticos e CMS (Centers for Medicare and Medicaid Services), responsável pela classificação dos procedimentos. Foram definidas, por um grupo de médicos, 23 GCDs baseadas principalmente em termos de sistemas orgânicos e todos os códigos da ICD-9-CM foram distribuídos nas GCDs correspondentes.

O passo inicial para o desenvolvimento dessa versão foi distribuir na amostra todos os diagnósticos principais contidos nas 23 GCDs. Após essa classificação, foram excluídos os resumos de alta dos pacientes que faleceram, que apresentaram erro na codificação, dos que continham dados incompletos e que apresentavam tempo de permanência excessivamente longo (Fetter et al., 1980; Hornbrook, 1982b).

154 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

Em seguida, foram avaliadas em cada GCD, outras características dos pacientes que poderiam ter um efeito significativo no consumo dos recursos hospitalares. Outro grupo de médicos concluiu que a presença de cirurgias conduzia a um efeito significativo no consumo de recursos, na grande maioria das GCDs.

Foi então decidido que a partição seguinte seria definida pela presença ou ausência de cirurgia, gerando assim, grupos denominados CIRÚRGICOS e grupos CLÍNICOS. Na maior parte das GCDs, as hospitalizações consideradas CLÍNICAS foram subdivididas em grupos de diagnósticos principais, coerentes clinicamente, organizados geralmente em grupos de neoplasias, diagnósticos relacionados com o sistema orgânico, sintomas e outros. Este último também incluiu diagnósticos considerados raros ou não definidos clinicamente. As hospitalizações consideradas CIRÚRGICAS foram subdivididas em grupos, hierarquizados quanto à intensidade de recursos utilizados. Em geral, foram constituídos grupos de grandes cirurgias, pequenas cirurgias, outras cirurgias e cirurgias não relacionadas com o diagnóstico principal. Finalmente, cada grupo cirúrgico e não cirúrgico foi subdividido através de análises estatísticas, utilizando-se o programa AUTOGRP (Figura 2). Geraram-se então partições de acordo com as seguintes variáveis:

1. Idade isoladamente;

2. Idade maior ou igual a 70 anos combinada com existência de co-morbidade ou complicação (CC);

3. Doença associada (co-morbidade) e/ou complicação substancial (CC);

4. Destino após a alta.

A aplicação desta metodologia descrita acima resultou em 23 GCDs e 470 DRGs (Fetter et al., 1985; McMahon, 1987).

Figura 2 - Gestão de informação clínica no sistema DRG

Definição das GrandesCategorias Diagnósticas - GCDBaseadas nos sistemas orgânicos eespecialidades médicas com consistênciaem termos de anatomia, fisiopatologia ouna forma que os pacientes são tratados

Exame da distribuição do tempode permanência hospitalar em cadaGCD e retirada dos “outliers”

Aplicação do AUTOGRP - variáveldependente: tempo de permanênciahospitalar - variáveis analisadas:diagnósticos, procedimentos, idade,sexo, e serviços assistenciais. Gruposfinais de pacientes com um grauaceitável de homogeneidade no seutempo de permanência hospitalar.Diagnosis Relates Groups (DRG)

Fonte: Elaboração do autor.

Em 1984, a administração do programa Medicare firmou contrato com uma empresa de consultoria (Health Systems International), para criar recomendações relativas a eventuais revisões dos DRGs e se responsabilizar pela liberação do software GROUPER e os manuais de definições dos DRGs (Averill, 1985; Urbano e Bentes, 1990).

As revisões da classificação por DRGs têm sido necessárias para adequá-las às mudanças dos códigos de doenças e procedimentos, considerar o “feedback” de profissionais e pesquisadores da área da saúde com relação a: 1) interpretação dos grupos clínicos; 2) avaliações estatísticas da adequação dos grupos para descrever os recursos hospitalares utilizados; 3) aplicações do DRG na gerência e pagamento hospitalar; 4) desenvolvimento de novos modelos conceituais de utilização dos serviços de saúde; 5) achados de outros estudos na área de classificação de pacientes hospitalares (Health Systems Management Group, 1985).

155OPAS/OMS - ANS/MS

Com a implementação do Sistema DRG nos EUA em 1983, a nível nacional, para o pagamento das contas hospitalares, a 4ª versão passou a ser considerada como 1ª revisão e, nos anos subsequentes, o sistema sofreu novas revisões. As versões liberadas no decorrer do tempo para utilização no programa Medicare foram:

• Primeira revisão liberada em 1983 com 470 DRGs (McMahon, 1987);• Segunda revisão liberada em 1985 com 471 DRGs (Health Systems

International, 1985);• Terceira revisão liberada em 1986 com 473 DRGs (Health Systems

International, 1986);• Quarta revisão liberada em 1987 com 475 DRGs (Health Systems

International, 1987)• Quinta revisão liberada em 1988 com 477 DRGs (Health Systems

International, 1988);• Sexta revisão liberada em 1989 com 477 DRGs (Health Systems

International, 1989);

Após a 6ª revisão, o sistema sofreu nova e importante reestruturação para adequar sua capacidade de distinguir pacientes com gravidades distintas, e passou a ser denominada de “DRGs Refinados” (RDRGs). Após serem formados os DRGs médicos e cirúrgicos dominados Adjacents DRGs (ADRGs), cada um passou a ser avaliado segundo a presença ou não de diagnósticos secundários. A grande modificação desta revisão levou a elaboração de uma lista hierarquizada de diagnósticos secundários, organizados segundo a participação destes no incremento do consumo de recursos a ser incorrido no atendimento ao paciente. A lista de diagnósticos secundários para os ADRGs médicos foi subdividida em três grupos: Maior, Moderado, e Menor ou Nenhum Efeito e a lista para os ADRGs cirúrgicos foi subdividida em quatro grupos: Catastrófico, Maior, Moderado e Nenhum Efeito. Os pacientes, dentro de cada ADRG são classificados em um dos grupos listados acima e, somente após essa etapa final de avaliação dos diagnósticos secundários, é que os grupos passam a ser denominados DRGs. Com esse refinamento o número de DRGs aumentou para 1.130 (Freeman, 1988; Freeman, 1989; Fetter, 1989).

Sistemas de DRGs

A tecnologia de sistemas de DRGs vem apresentando uma evolução significativa desde a sua implementação em 1983 pelo Health Care Financing Administration (HCFA) dos EUA, hoje Centers for Medicaid and Medicare Services para o Inpatient Prospective Payment System (IPPS) como forma de pagamento dos seus prestadores fazendo com que as derradeiras gerações destes sistemas incorporassem as melhorias desenvolvidas no intuito de superar algumas limitações específicas dos sistemas originais.

Em 1989, a HCFA criou um projeto junto a Universidade de Yale para revisar a utilização das complicações e comorbidades (CCs – Complicações e Comorbidades) no sistema do Medicare DRGs, uma vez que, com a utilização inicial do sistema pelo Medicare observou-se um significativo aumento dos recursos hospitalares quando da presença das CCs, ocorrendo uma diferença importante das despesas e repasses na dependência de existirem ou não CCs. Este sistema busca agrupar as CCs em diversos níveis de complexidade conforme se relacionem a diagnósticos clínicos (non-CC, moderate ou major CCs e catastrophic CCs) ou cirúrgicos (non CC, moderate CCs, major CCs e catastrophic CCs) (Averill, 1985). Este sistema ficou disponível em 1993 e foi publicado pelo HCFA em 1994, mas sem data para sua implementação (AHIMA, 2015).

Em 1990, a 3M desenvolveu o APR-DRG, incluindo análises de severidade das doenças e risco de mortalidade para as todas as populações (All Patient) de pacientes internados (HORN et al., 1983).

Existem vários outros sistemas de DRGs que ajustam a severidade das doenças como o APS-DRGs (Ingenix R) que buscam mensurar a intensidade dos recursos dependidos em relação ao tempo de

156 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

permanência e custos. Além destes, outros sistemas foram desenvolvidos para pacientes ambulatoriais ou para categorias específicas de pacientes, não sendo objeto deste estudo.

Conforme podemos observar no Quadro 1, os cinco principais sistemas de DRGs desenvolvidos foram:• Medicare DRGs / Medicare Refined DRGs (MS-DRGs)• Refined DRGs (RDRGs) • All Patient DRGs (AP-DRGs)• Severity DRGs (SDRGs)• All Patient Refined DRGs (APR-DRGs)

Quadro 1 - Diferenças e características das diversas categorias de DRGs

Medicare DRGs Versão

12.0SDRGs

RDRGs Versão 10.0

AP-DRGs Versão 12.0

APR-DRGs Versão 12.0

Número de Categorias da Base DRG 338 316 367 NA 384

Número de DRGs 492 652 1170 641 1530

GCD Trauma Múltiplo Limitada Completa

GCD Infecção por HIV Limitada Completa

Usa Peso de Nascimento Não Limitada Completa

NACHRI Adequação para pediatria Não Limitada Completa

Major (Extreme) Co-morbidade e Complicações

Não Sim

Óbito usado na definição Sim Não

Tempo de Permanência usado na definição Não SimSomente neonatos

Não

Lista de comorbidades reavaliada Não Substancial Limitada Completa

Reconhecimento de Múltiplas Comorbidades Não Sim

Número de subgrupos de comorbidades 2 3 3 Med, 4 Cir

Estrutura de subgrupos de comorbidades VariávelRelativamente

UniformeVariável Uniforme

Subgrupos de risco de mortalidade Não Sim

Base de DRGs utilizada MedicareAPR-DRG

exceto neonatos

Fonte: HIS Research Report – 3M Health Care Academy USA

157OPAS/OMS - ANS/MS

Na Figura 3, podemos observar a cronologia de criação das principais categorias de DRGs:

Figura 3 - Principais categorias de DRGs

Linha do Tempo das Principais Categorias DRGs

DRGs originais - Universidade de Yale - década de 70

DRGs Medicare HCFA / CMS - 1983

All Patient DRGs - AP DRGs

Yale Refi ned DRGs - RDRGs

APR-DRGs

MS-DRGs

1970 1980 1990 2000 2010 2015Fonte: Traduzido de AHIMA USA (2015)

ALL PATIENT DRGs (AP-DRGs) e ALL PATIENT REFINED DRGs (APR-DRGs)

Em 1987, o Estado de Nova York (EUA) através do New York State Department of Health (NYDH) criou uma legislação instituindo um sistema de pagamento prospectivo baseado em DRGs para todos os pacientes não-Medicare. A partir desta legislação surgiu a necessidade de avaliar populações não incluídas de forma específica nos sistemas anteriores, como os recém-nascidos e pacientes com infecções pelo vírus HIV. As avaliações concluíram que o sistema Medicare para pacientes não-Medicare não era adequado e foram desenvolvidas modificações criando-se o All Patient - DRGs (AP-DRGs).

O All Patient Refined DRGs (APR-DRGs) é uma evolução do AP-DRGs com a adição de dois conjuntos de quatro subgrupos para a severidade da doença e o risco de mortalidade (Figura 4).

158 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

Figura 4 - Estrutura do APR-DRG

Grandes categoriasdiagnósticas

APR - DRGs Básicos

314

1258

Subclasses de severidadesda doença

MenorModerado

MaiorExtremo

Subclasses de riscode mortabilidade

MenorModerado

MaiorExtremo

Fonte: 3M Health Care Academy USA – Tradução dos autores.

• Grandes Categorias Diagnósticas (GCD) / Major Diagnostic Categories (MDC) (primeiro nível de agrupamento). Este agrupamento maior baseia-se no diagnóstico principal, pelo órgão ou sistema, não pela etiologia. Assim, estão definidas na atual versão do APR - DRG 25 grandes categorias. Alguns destes são atribuídos como “erros”, ou seja, não entram em nenhuma grande categoria. • Severidade da Doença (SDD) – Severity of Illness (SOI) – se refere à extensão da descompensação fisiológica ou perda de função de um sistema orgânico. É feita uma segunda classificação no APR-DRG baseada em critérios clínicos e estatísticos, elaborados por especialistas para cada grupo DRG, divididas em quatro níveis (nem todos DRG possuem os 4):

1. Menor;2. Moderada;3. Maior e4. Extrema.

159OPAS/OMS - ANS/MS

• Risco de Mortalidade (RDM) – Risk of Mortality (ROM) - refere-se à probabilidade de morrer. É uma terceira classificação feita no APR-DRG, também baseada em critérios definidos por especialistas, dividida nos mesmos quatro níveis:

1. Menor;2. Moderado;3. Maior e4. Extremo.

Aplicações dos sistemas de DRGs

O sistema de classificação DRG contém, em sua estrutura, elementos que permitem:

a) que hospitais possam identificar o conjunto de recursos consumidos em cada DRG para o tratamento dos pacientes dentro de cada grupo (Bardsley e Coles, 1987). Esse tipo de estudo permite também obter informações sobre os custos reais de cada DRG;

b) auxiliar na melhoria da alocação de recursos internamente nos hospitais, permitindo, como exemplos: o planejamento na utilização de salas de cirurgia, estimar o uso de leitos, estimar a demanda para os anos subsequentes, estudar o fluxo de pacientes entre regiões ou distritos (Bardsley e Coles, 1987; Jenkins e Rendall, 1987);

c) que hospitais de uma determinada região possam determinar as linhas de produção e de cuidados para as quais possuem competência e/ou as áreas em que necessitam melhorar seu desempenho (Thompson, 1985 citado por Foran, 1989);

d) que através de revisão de utilização hospitalar seja possibilitada a identificação de hospitais nos quais o tempo médio de permanência dos pacientes apresentou-se excessivamente longo ou curto, sinalizando para uma auditoria (Fetter et al., 1980);

e) efetuar comparações do tempo médio de permanência hospitalar observado em cada DRG, entre hospitais da mesma região, entre regiões ou entre países (Fetter et al., 1980);

f) implementar novos modelos de gestão dos serviços hospitalares, baseado em linhas de produção, organizando o hospital na forma matricial, facilitando a avaliação da eficiência e efetividade dos serviços (Fetter et al., 1985).

Conjunto mínimo básico de dados (CMBD)

O processo de geração dos DRGs necessita de algumas informações básicas, o chamado Conjunto Mínimo Básico de Dados (CMBD, ou Minimal Basic Data Set, MBDS) que internacionalmente tem sido objeto de normativa para a homogeneização dos dados que devem ser incluídos nos prontuários médicos e na autorização de internação hospitalar.

O CMBD usualmente contém os seguintes itens que coincidem com os aceitos pelo Comitê Nacional de Estatísticas Vitais e de Saúde dos EUA e com as recomendações da Comissão Europeia:

1. Identificação do hospital 2. Identificação do paciente 3. Data de nascimento 4. Sexo 5. Endereço

160 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

6. Fonte pagadora 7. Data de admissão 8. Motivo de admissão 9. Diagnósticos (principal e secundários) 10. Procedimentos cirúrgicos e obstétricos 11. Outros procedimentos realizados 12. Peso ao nascer (no caso de recém-nascidos) 13. Idade Gestacional (no caso de recém-nascidos) 14. Data da alta 15. Motivo da alta 16. Identificação do médico responsável da alta

Dos itens incluídos no padrão internacional, existem dois que são críticos na construção do sistema DRG e que têm uma incidência elevada na qualidade e utilidade da informação resultante do agrupamento: os diagnósticos e os procedimentos. A qualidade e riqueza das informações contidas em ambos os itens citados podem mudar a complexidade e inclusive o tipo do DRG resultante.

A Figura 5 descreve de forma esquemática o processo de gestão da informação para o sistema DRG.

Figura 5 – Gestão da informação para o sistema DRG

Fonte: Everis Consulting (NTT data group) – modificado pelo autor

Materiais e Métodos

O presente estudo foi realizado com apoio e participação da 3M Health Care Academy – USA, que gentilmente nos forneceu assessoria para a organização do primeiro CMBD e processou os bancos de dados do HSL nas Fases 1, 2 e 3, com o sistema 3M APR-DRG na sua sede nos EUA. Isto aconteceu até a implantação definitiva da metodologia e do sistema no Hospital Sírio Libanês, o que aconteceu no segundo semestre de 2015.

Para a utilização dos bancos de dados do HSL foi estabelecido um termo de parceria e confidencialidade entre as organizações e todos os registros enviados a 3M foram criptografados preservando assim a integridade e confidencialidade dos dados dos pacientes das amostras de todas as fases do projeto.

161OPAS/OMS - ANS/MS

Os bancos de dados enviados (CMBD) passaram pelo processamento do grouper e as tabelas de diagnósticos e procedimentos sofreram as conversões necessárias para a utilização do sistema APR-DRG que originariamente opera com a tabela de diagnósticos e procedimentos ICD-9-CM (EUA). Esta Classificação de Doenças, Nona revisão, Clinicamente Modificada (ICD-9-CM) baseia-se na Classificação Internacional de Doenças (ICD-9 – CID-9) publicada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), e até o momento do presente estudo era a o sistema oficial de codificação para diagnósticos e procedimentos associados nos hospitais dos EUA, publicada e atualizada periodicamente pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC) dos EUA. A ICD-9 (CID-9) da OMS foi utilizada para codificar e classificar mortalidade nos EUA até o ano de 1999, quando passou a ser utilizada a ICD-10 (CID-10) para esta finalidade. Portanto até o período recente os EUA e consequentemente os groupers e sistemas produzidos e utilizados nos EUA se utilizavam da ICD-9-CM (CDC) para codificação de diagnósticos e procedimentos de morbidade hospitalar e a ICD-10 da OMS para codificação e classificação da mortalidade.

No Brasil, no que se refere a diagnósticos, utiliza-se a CID-10 da OMS tanto para codificação da mortalidade quanto para a da morbidade hospitalar. Para efeito de codificação e classificação de procedimentos não há uma tabela única padronizada nacionalmente, utilizando-se para o Sistema Único de Saúde (SUS) a SIGTAP (Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e Materiais Especiais do Sistema Único de Saúde) e para a área privada (Saúde Suplementar) diversas tabelas e edições para cobrança de honorários médicos, e que se utilizam para cobrança de procedimentos no Sistema de Saúde Suplementar (entidades privadas) criadas pela Associação Médica Brasileira (AMB) que evoluíram para a CBHPM (Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos). Estas tabelas não contemplam os princípios básicos e necessários para uma tabela de procedimentos para integrar as tabelas de morbidade hospitalar. Mais recentemente, em substituição a estas tabelas de procedimentos, a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) propôs e implementou a Tabela TUSS (Terminologia Unificada em Saúde Suplementar) para o relacionamento entre prestadores privados e as operadoras de planos de saúde.

Como o sistema APR-DRG 3M na versão utilizada para este estudo opera com a tabela ICD-9-CM. A equipe técnica da 3M USA realizou o mapeamento necessário da CID-10 utilizada no Brasil e da tabela SIGTAP para a tabela ICD-9-CM com a finalidade de adaptá-lo a realidade brasileira. Como parte ainda deste estudo, a equipe do HSL está desenvolvendo em parceria com a 3M um mapeamento preliminar TUSS-SIGTAP na tentativa de verificar a possibilidade de facilitar a transposição das tabelas brasileiras para outros sistemas.

Na primeira fase, foram selecionados 36.258 registros de todas as saídas hospitalares realizadas no HSL, no período de janeiro/2013 a setembro/2014. Nesta etapa foram utilizadas informações constantes no banco de dados existente nos registros dos pacientes internados, validados pelo Serviço de Epidemiologia Hospitalar do HSL. Nesta fase não foram realizadas ações complementares na coleta e codificação das informações existentes no prontuário do paciente, com objetivo de avaliar a situação do processo de registro e codificação existentes no período estudado. Foram utilizadas as seguintes variáveis para a composição do CMBD: identificação do prontuário do paciente, identificação do atendimento, data de nascimento, sexo, tipo de saída (alta/óbito/transferência), o diagnóstico principal e até 4 outros diagnósticos secundários (CID 10), o procedimento cirúrgico principal (código do sistema SIGTAP), data de entrada e data da saída. O objetivo principal desta primeira fase do estudo foi identificar as oportunidades de melhoria quanto às fontes e qualidade das codificações para as classificações, utilizando apenas os dados rotineiramente utilizados nos registros clínicos do HSL. Assim, foi obtido um panorama preliminar da morbidade do HSL com a respectiva a medição do seu produto que servirá como base de comparação após os ajustes necessários da metodologia de codificação para as etapas posteriores.

Após a análise das informações obtidas na Fase 1, foi selecionada uma amostra, a partir do primeiro banco de dados enviado para a 3M, com todas as saídas de pacientes com diagnósticos do Sistema Cardiovascular e do Digestório, clínicas ou cirúrgicas, para nova passagem pelo grouper após a realização da revisão das informações nos registros clínicos, sendo complementados com informações já existentes nos prontuários, introduzindo diagnósticos secundários, comorbidades e outros procedimentos,

162 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

que, pela rotina anterior não foram lançados no CMBD (na época somente eram codificados o diagnóstico principal e somente um procedimento SIGTAP) sendo então incluídos nas 986 saídas hospitalares desta fase. Ao CMBD da Fase 2 foram acrescidas as seguintes informações: tipo de entrada (eletivo ou urgência), diagnóstico da admissão, diagnósticos secundários, diagnósticos presentes na admissão, procedimentos secundários realizados durante a internação, dias de ventilação mecânica, outras informações relevantes (por exemplo, procedimentos não encontrados na tabela) para subsidiar o aprimoramento da coleta. Para tanto foi constituída uma equipe de enfermeiros com experiência em codificação que foi treinada para este projeto, reforçando-se os conceitos de classificação diagnóstica para uso em morbidade e procedimentos relevantes para o DRG (procedimentos cirúrgicos e demais intervenções, diagnósticas ou terapêuticas, de “maior relevância”). Sendo realizada a busca oculta de diagnósticos no prontuário, sendo os prontuários analisados na sua totalidade e não apenas através de formulários específicos.

Após a análise dos resultados da Fase 2, que sugeriram significativa melhora após o processo de recodificação e complementação da Fase 1, foi realizado novo treinamento dos codificadores e iniciamos a Fase 3. Na busca de um processo de melhoria contínua, foram analisadas as saídas de Outubro de 2014 a Junho de 2015, totalizando 16505 registros, sendo que, nos cinco primeiros meses deste período analisado, a inclusão de diagnósticos e procedimentos foi realizada através de banco de dados institucionais com o uso de técnicas de linkage. Os demais quatro meses de 2015 passaram pelo processo de busca ativa de diagnósticos no prontuário, que neste momento já está incorporado na instituição.

A partir do segundo semestre de 2015, o HSL incorporou já na sua operação o sistema APR-DRG 3M para a sistematização de suas informações clínicas com a aquisição das licenças do sistema e sua incorporação na rotina do hospital.

Neste projeto, tivemos ainda, como um dos objetivos, o mapeamento entre as duas classificações de procedimentos mais utilizadas no Brasil, na direção da TUSS para a SIGTAP, com a finalidade de poder usá-las para geração dos DRGs.

A opção por esta direção deve-se, como descrito anteriormente, ao fato de já ter sido criado um mapeamento preliminar da SIGTAP para o sistema de procedimentos mais utilizado para o APR-DRG 3M nos EUA, a tabela ICD-9-CM. Outro fator de influência nesta decisão é que a SIGTAP é o padrão atual para uso no Brasil pelo Sistema de Comunicação de Informação Hospitalar e Ambulatorial do Ministério da Saúde (CIHA) (BRASIL, 2011), tanto para os serviços públicos quanto para os privados. Consideramos também, que o produto final deste mapeamento poderá ser útil para a interoperabilidade de sistemas de informações em saúde no Brasil para a geração de relatórios epidemiológicos (estatísticas de saúde), evitando algumas distorções ocasionadas eventualmente por regras para remuneração de serviços e prestadores, tanto no âmbito da saúde suplementar quanto no setor público.

Para este mapeamento foram seguidos alguns dos princípios da ISO/TR 12300:2014 - Health Informatics – Principles of Mapping Between Terminological Systems, em processo de tradução para o português e que em breve será publicada no Brasil:

“Um projeto de mapeamento deve estabelecer a comparabilidade semântica entre recursos terminológicos (RT), que incluem terminologias, classificações e outros sistemas de códigos. Alguns sistemas terminológicos não representam conceitos explícitos, apenas termos, ou seja, o significado não pode ser assumido automaticamente pelo código utilizado. Um recurso terminológico deve possuir, pelo menos, código, termo e descrição, para possibilitar mapeamentos com maior qualidade”.

163OPAS/OMS - ANS/MS

Resultados

Resultados da Fase 1

Nesta fase foram utilizados os dados dos registros dos prontuários dos pacientes tais como se encontravam sem qualquer busca ou complementação adicional, sendo lançados somente o diagnóstico principal e o procedimento principal, tal como preconiza o sistema do CIHA e que se constitui na sistemática da maior parte dos hospitais brasileiros.

Nesta fase foram analisados 36.258 registros, sendo 17.447 do sexo feminino e 18.811 do sexo masculino, distribuídos em 730 APR DRGs dos 1258 possíveis e 258 DRGs básicos dos 316 possíveis, o tempo médio de permanência da amostra foi 5,7 dias, com mínimo de 1 a máximo de 876 dias. Encontramos uma média de 1,05 códigos diagnósticos CID-10 por saída e u m máximo de 4 (entre principal e secundários) e somente 1 código de procedimento SIGTAP por saída (rotina do HSL na época – norma do sistema CIHA). Do total dos registros 97% foram agrupados em DRGs específicos e 3% da amostra (1095/36.258 registros) foi agrupado em APR DRGs inespecíficos.

As 10 Grandes Categorias Diagnósticas (GCDs) mais encontrados no HSL por esta amostra, foram, por ordem de frequência: 1 – Sistema Digestivo; 2 –Sistema musculoesquelético tecido conectivo; 3 – Sistema Circulatório; 4 – Pele, subcutâneo e mama; 5 – Rim e trato urinário; 6 – Sistema Respiratório; 7 – Sistema Nervoso; 8 – Sistema hepatobiliar e pâncreas; 9 – Ouvido, nariz e garganta; 10 – Doenças e afecções do sistema reprodutivo masculino. Nos registros desta fase foi observado um Índice de Case Mix (ICM – CMI) de 0,941056392

Na Tabela 1 podemos verificar a forma como o APR-DRG pode classificar as informações do CMBD, neste caso observa-se os 10 DRGs de procedimentos mais frequentes observados no HSL no período de janeiro de 2013 a setembro de 2014 e sua classificação segundo a severidade da doença (SDD), notando-se uma grande concentração nos SDDs de menor gravidade, e portanto com menor complexidade em função da não agregação das comorbidades e diagnósticos secundários (CCs) nesta fase do estudo. Podemos também observar no Gráfico 1 a comparação dos SDDs obtidos no HSL com a média nacional dos EUA.

164 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

Tabela 1 - Fase 1 - Distribuição dos 10 APR-DRGs mais frequentes no HSL segundo a severidade da doença (SDD)

Ranking Descrição do DRGSDD

1%

SDD 2

%SDD

3%

SDD 4

TOTAL

1 Colecistectomia laparoscópica 936 91,50% 73 7,10% 14 1,40% 1023

2 Procedimentos cardiovasculares percutâneos 727 71,80% 235 23,20% 50 4,90% 1 1012

3 Pneumonia 496 51,50% 401 41,60% 56 5,80% 10 953

4 Procedimentos de Mastectomia 936 98,60% 12 1,30% 1 0,10% 949

5 Procedimentos da tieróide, paratireoide 667 92,90% 47 6,50% 3 0,40% 1 717

6Procedimentos do rim e vias urinárias sem presença de malignidade

662 92,30% 46 6,40% 9 1,30% 717

7 Procedimentos de Mama exceto mastectomia 541 76,50% 163 23,10% 3 0,40% 707

6 Infecções dos rins e trato urinário 377 56,50% 251 37,60% 37 0,55% 2 665

7 Procedimentos de ouvido, nariz e garganta 589 92,80% 45 7,10% 1 0,20% 635

6Procedimentos do sistema reprodutivo masculinoe outros relacionados

13 2,20% 572 96,30% 9 1,50% 594

Fonte: Elaboração do autor.

Gráfi co 1 - Fase 1 - Comparação do percentual médio de severidade da doença (SDD) dos EUA com a média no HSL

0,00% 10,00% 20,00% 30,00% 40,00% 50,00% 60,00% 70,00% 80,00%

1

2

3

4

74,22%

21,65%

3,83%

0,30%

40,06%

38,55

17,92%

3,47

Severidade da Doença (SDD) ‐ Comparação da média dos EUA e a média do HSL ‐ Fase 1

Média USA HSL Fase 1

Fonte: Elaboração do autor.

Na Tabela 2, também da Fase 1 observa-se a relação entre o Risco de Mortalidade (RDM) apresentado pelo APR-DRG e a mortalidade efetiva, notando-se uma frequência elevada para os grupos de RDM 2 e 3 e menor para o 4, o que não seria esperado, mas explica-se como citado anteriormente, pela maior concentração dos pacientes nos grupos de menor complexidade devido a sistemática de codificação adotada na ocasião.

165OPAS/OMS - ANS/MS

Tabela 2 - Fase 1 – Distribuição do Risco de Mortalidade e a Mortalidade efetiva– HSL

RDM No de Casos % Óbitos% de óbitos/No de casos

% de óbitos

1 30564 84% 151 0,5% 19%

2 4630 13% 373 8,1% 46%

3 930 3% 227 24,4% 28%

4 132 0% 65 49,2% 8%

Total 36256 816 2,3%

Fonte: Elaboração do autor.

Resultados da Fase 2

Nesta fase, após a inclusão de mais informações referentes aos diagnósticos selecionados, observamos que os procedimentos cardiológicos invasivos, como a inserção de cateteres, marca-passos e outros contribuíram para o refinamento dos DRGs, e aumento da severidade e risco de mortalidade, quando comparados aos resultados da 1ª fase (Tabela 3): houve uma redução do grau 1 de severidade de 73,8% para 59,3%, enquanto o grau 3 aumentou de 4,6% dos casos para 8,3%, além de surgirem casos com grau 4, que não haviam aparecido na primeira fase (Tabela 4). Quanto ao risco de mortalidade, houve uma mudança de 12,9% para 18,6% no grau 2, de 3,2% para 7,6% no grau 3 e de 0,4% para 0,8% no grau 4 (Tabela 5).

Tabela 3: Modifi cação da SDD (severidade da doença) após a revisão da codifi cação na amostra da Fase 2

SDDApós recodificação

1 2 3 4 Total %

Antes da recodificação

1 576 139 12 1 728 73,8%

2 8 173 31 1 213 21,6%

3 1 3 39 2 45 4,6%

TOTAL 585 315 82 4 986

% 59,3% 31,9% 8,3% 0,4% 100,0%

Fonte: Elaboração do autor.

166 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

Tabela 4 - Modifi cação da RDM (risco de mortalidade) após a revisão da codifi cação na amostra da Fase 2

RDMApós recodificação

1 2 3 4 Total %

Antes da recodificação

1 716 87 20 823 83,5%

2 3 95 28 1 127 12,9%

3 1 27 4 32 3,2%

4 1 3 4 0,4%

TOTAL 720 183 75 8 986

% 73,0% 18,6% 7,6% 0,8% 100,0%

Fonte: Elaboração do autor.

O índice de case-mix resume a complexidade dos atendimentos e o custo relativo dos casos por meio de um comparativo entre a média esperada de utilização de recursos para um determinado DRG e a média observada no conjunto de pacientes sob análise. Na amostra da Fase 2 apresentou uma variação positiva de 0,96688 para 1,04149, o que significa que, pela melhoria das informações registradas nos prontuários dos pacientes, houve uma variação de 8% em direção de uma maior complexidade nos pacientes desta amostra.

Resultados da Fase 3

Durante a Fase 3, avaliamos o todas as saídas de Outubro de 2014 a Junho de 2015 num total de 16505 registros. Antes desta fase foram consolidadas as melhorias que se mostraram necessárias com a experiência e resultados da Fase 2, incluindo novo treinamento de codificadores. Os dados obtidos desta fase foram comparados com os obtidos da Fase 1. Consideramos que as amostras são comparáveis já que nas duas fases foram incluídas o total das saídas no período sem qualquer tipo de seleção, correspondendo, em cada uma das fases ao “case mix” de cada período.

Na Tabela 5 e Gráficos 2 e 3 podemos observar a modificação dos índices de severidade da doença (SDD), com significativa transferência de DRGs de menor severidade para os de maior severidade, mostrando-se mais compatível com a realidade do HSL. Na média total entre as amostras observamos uma modificação de 5,2% na direção de maior complexidade, no entanto, as variações considerando os SDDs 3 e 4 (de maior complexidade) ficaram evidentes e paralelamente houve uma redução dos SDDs 1 e 2 (de menor complexidade).

167OPAS/OMS - ANS/MS

Tabela 5 - Comparação das Modifi cações na Severidade da Doença (SDD) entre a Fase 1 (piloto) e a Fase 3 com APR-DRGs implantado e em operação

SDM

HSL- 1ª Fase HSL - Total Saídas (Outubro/14 a Junho/15)

Observado Fase 1

(Nº de casos)%

Observado Fase 3

(Nº de casos)%

Esperado Fase 3 com parâmetros da Fase 1

Diferença(Obs-Esp)

% Mudançade SDD

0 2 0,006% 160 0,969% 1 159

1 26.909 74,221% 11.740 71,130% 12.250 -510 -4,165%

2 7.850 21,652% 3.711 22,484% 3.574 137 3,833%

3 1.387 3,826% 819 4,962% 631 188 29,706%

4 107 0,295% 75 0,454% 49 26 53,968%

Total 36.255 100,000% 16.505 100,000% 16.505 5,200%

Fonte: Elaboração do autor.

Note-se que há uma migração da proporção de casos nos níveis 0 (sem severidade), 1 e 2 de severidade para os níveis 2, 3 e 4 no sentido de uma maior severidade e portanto maior complexidade, fruto da evolução e qualificação da técnica de codificação ocorrida no período.

Gráfi co 2 - Distribuição das saídas entre os diversos graus de severidade da doença (SDD) – variação entre Fase 1 e Fase 3

0,00

0,74

0,22

0,040,000,01

0,71

0,22

0,05

0,000

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0 1 2 3 4

Proporção dos pacientes distribuidos entre os níveis de Severidade da Doença (SDD) –APR‐DRGs nas Fases 1 (piloto) e 3 (sistema implantado)

Fase 1 Fase 3

Fonte: Elaboração do autor.

168 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

Gráfi co 3 - Migração dos níveis de severidade (SDD) de menores na Fase 1 para mais elevados na Fase 3

-0,04

0,04

0,30

0,54

-0,05

0,05

0,15

0,25

0,35

0,45

0,55

0 1 2 3 4

Variação da distribuição da Severidade da Doença (SDD) - APR-DRGs entre as Fases 1 (piloto) e 3 (sistema implantado)

Variação ISD Fase 1 / Fase 3

Fonte:Elaboração do autor.

A mesma situação descrita anteriormente também se manifestou quando da comparação do risco de mortalidade (RDM), em que ocorreu uma migração entre as Fases 1 e 3, como pode ser observado na Tabela 6 e nos Gráficos 4 e 5.

Tabela 6 - Comparação das Modifi cações no Risco de Mortalidade (RDM) entre a Fase 1 (piloto) e a Fase 3 com APR-DRGs implantado e em operação

RDM

HSL- 1ª Fase HSL - Total Saídas (Outubro/14 a Junho/15)

Observado Fase 1

(Nº de casos)%

Observado Fase 3

(Nº de casos)%

Esperado Fase 3 com parâmetros da Fase 1

Diferença(Obs-Esp)

% Mudançade SDD

0 160 -

1 30.564 84,301% 13.459 81,545% 13.914 -455 -3,2687%

2 4.630 12,770% 2.284 13,838% 2.108 176 8,3626%

3 930 2,565% 529 3,205% 423 106 24,9502%

4 132 0,364% 73 0,442% 60 13 21,4824%

Total 36.255 100,000% 16.505 100,000% 16.505 5,200%

Fonte: Elaboração do autor.

169OPAS/OMS - ANS/MS

Gráfi co 4 - Distribuição das saídas entre os diversos graus mortalidade da doença (RDM) – variação entre Fase 1 e Fase Fonte: Elaboração do autor.

84,30%

12,77%

2,57%0,36%

81,54%

13,84%

3,21%0,44%

0,000%

10,000%

20,000%

30,000%

40,000%

50,000%

60,000%

70,000%

80,000%

90,000%

1 2 3 4

Proporção dos pacientes distribuidos entre os níveis de Risco de Mortalidade –APR‐DRGs nas Fases 1 (piloto) e 3 (sistema implantado)

Fase 1 Fase 2

Fonte: Elaboração do autor.

Gráfi co 5 - Migração dos níveis de mortalidade (RDM) de menores na Fase 1 para mais elevados na Fase 3

‐3,27%

8,36%

24,95%

21,48%

‐5,0000%

5,0000%

15,0000%

25,0000%

35,0000%

45,0000%

55,0000%

1 2 3 4

Variação da distribuição do Risco de Mortalidade (RDM) –APR‐DRGs entre as Fases 1 (piloto) e 3 (sistema implantado)

Risco de Mortalidade (RDM)

Fonte: Elaboração do autor.

170 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

Mapeamento da tabela TUSS 3.02 para a tabela SUS (SIGTAP)

Para o mapeamento da tabela de procedimentos da TUSS para a tabela SUS (SIGTAP), foram seguidos alguns dos princípios da norma ISSO para mapeamento entre recursos terminológicos (ISO, 2014), ainda em processo de tradução para publicação no Brasil. Segundo esta norma, um projeto de mapeamento deve estabelecer a comparabilidade semântica entre recursos terminológicos (RT), que incluem: terminologias, classificações e outros sistemas de códigos. Alguns sistemas terminológicos não representam conceitos explicitamente, apenas termos, ou seja, o significado não pode ser assumido explicitamente pelo código utilizado. Um recurso terminológico deveria ter, no mínimo, código, termo e descrição, para possibilitar mapeamentos com mais qualidade.

Assim, um projeto de mapeamento precisa definir o relacionamento dos conceitos de um sistema de códigos para os conceitos de outro sistema de códigos e deve ser feito de acordo com justificativas documentadas e para um propósito previamente determinado. A direção é sempre única e também deve ser determinada.

Neste projeto, tivemos como objetivo o mapeamento entre as duas classificações de procedimentos mais utilizadas no Brasil, na direção da TUSS para a SIGTAP, com a finalidade de usá-las para geração dos DRG. A escolha desta direção foi pelo fato de já existir um mapeamento da SIGTAP para o sistema de procedimentos mais utilizado pela 3M nos Estados Unidos, a tabela ICD 9 CM e, além disto, por esta classificação ser padronizada para uso no Brasil neste momento pelo Sistema de Comunicação de Informação Hospitalar e Ambulatorial, tanto nos serviços públicos quanto nos privados. Além do uso para a geração de DRG, o produto final deste mapeamento poderá ser útil para a interoperabilidade de sistemas de informações em saúde, visando a geração de relatórios epidemiológicos (estatísticas de saúde), sem as restrições ou distorções causadas por regras para pagamentos, seja no âmbito da saúde suplementar ou no setor público.

Verificou-se que inicialmente 55% dos termos da tabela TUSS não são relevantes para geração do DRG. Futuramente, é possível que estes itens possam ter impacto na análise de severidade e de risco de mortalidade, o que será descoberto e analisado quando do amadurecimento no uso do DRG.

Para a análise do grau de equivalência, foram utilizados os critérios da ISO/TR 12300 (ISO, 2014), resumidos abaixo:

1 - Equivalência de significado - tanto léxico quanto conceitual.2 - Equivalência de significado, mas com sinonímia.3 - Conceito fonte tem significado menos específico que o conceito alvo.4 - Conceito fonte tem significado mais específico que o conceito alvo.5 - Não é possível mapeamento.

Como primeiro mapeamento, ainda em revisão e que deverá ser validado por ampla consulta, obtivemos o seguinte resultado:

171OPAS/OMS - ANS/MS

Tabela 7 - Distribuição dos casos, por grau de equivalência

Grau de equivalência N %

1 317 12,30%

2 396 15,40%

3 245 9,50%

4 995 38,70%

5 617 24,00%

Total 2.570 100,00%

Fonte: Elaboração do autor.

Até esta etapa do mapeamento já foi possível observar que, de um modo geral, as duas classificações de procedimentos utilizadas apresentam um grau de equivalência semântica (de significado) apenas em 28% do seu conteúdo mais relevante para geração de DRGs. Em 24% deste conteúdo, o mapeamento não foi possível e nos outros 48% há necessidade de alguma informação adicional para que seja possível o mapeamento automático (refere-se aos graus 3 e 4, que significam que os termos estão associados, porém, com grau de especificidade diferentes).

Discussão

O presente estudo foi a base para que a equipe do Hospital Sírio-Libanês pudesse se apropriar da tecnologia do método de avaliação do produto hospitalar através do sistema de DRGs.

O HSL constitui um centro de referência para alguns tipos de doenças de grande complexidade como câncer, cardiologia, doenças do trato gastrointestinal, urologia, neurocirurgia entre outras. Portanto, o esperado numa análise de seu produto é o encontro de uma complexidade elevada, que deveria se manifestar através do sistema de DRGs (APR-DRGs 3M) pela maior concentração de saídas hospitalares entre os graus mais elevados de Severidade da Doença (SDD) e Risco de Mortalidade (RDM).

Na fase inicial (Fase 1) ficou patente que a qualidade dos registros clínicos e a sistemática de codificação são a base de uma boa classificação e um bom processo de análise. Os resultados obtidos na ocasião apontaram para uma complexidade média e baixa, em desacordo com a expectativa relativa as características do hospital. Em função desta situação e com o aprofundamento da discussão sobre as possíveis causas destes resultados, optou-se por:

1. Revisar e complementar a forma como foi construído o CMBD, incluindo dados que não foram inseridos na fase inicial, como diagnósticos secundários e comorbidades, o total dos procedimentos cirúrgicos e invasivos, tempo de ventilação mecânica (previsto para CMBD do APR-DRG), utilização de hemocomponentes e procedimentos diagnósticos especiais;

2. Treinar e aprimorar a qualificação da equipe de codificadores para realizar buscas ativas nos prontuários dos pacientes com o intuito de localizar diagnósticos secundários e comorbidades não valorizadas e não descritas nos resumos de alta dos mesmos;

3. Qualificar a equipe de codificadores para a visão de morbidade hospitalar e não de mortalidade do CID-10 como acontecia em alguns casos, buscando valorizar o código do diagnóstico do evento que motivou a internação e não somente a causa original, além da inclusão de mais códigos referentes aos diagnósticos secundários e as comorbidades e aos demais procedimentos, além do principal, utilizando a tabela SIGTAP;

172 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

4. Aprimorar a sistemática da criação do banco de dados e buscar a sua automação para a constituição do CMBD.

A partir destas constatações foi realizado um piloto com uma amostragem deste primeiro conjunto de saídas da Fase 1, incluindo as saídas com diagnósticos cardiológicos e do trato gastrintestinal denominado Fase 2, para verificar a efetividade das ações descritas anteriormente. Os resultados obtidos nesta fase apontaram para uma assertividade e coerência das ações propostas, constituindo a base para o estudo mais extenso, agora com todas as saídas do período de outubro de 2014 a junho de 2015, já com a implementação dos APR-DRG 3M na sistemática de produção do HSL, denominada de Fase 3.

Na Fase 3 confirmaram-se os resultados esperados fruto do processo de melhoria contínua estabelecido no serviço de codificação do HSL, que passou a fazer parte do nosso modelo de educação permanente em função dos conhecimento e experiência que está sendo acumulada progressivamente com a metodologia de classificação por DRGs.

Um ponto a se destacar para contribuir com a melhoria dos registros hospitalares poderia partir do sistema CIHA, permitindo e orientando para a inclusão de todos os procedimentos e diagnósticos pertinentes ao evento internação (situação esta, que deverá ser superada com a proposta do MS/SAS/DRAC da criação do CMD – Conjunto Mínimo de Dados da Atenção à Saúde, vindo a substituir, entre outros, o sistema CIHA futuramente).

Com a aquisição das licenças do sistema APR-DRG 3M, o HSL está planificando a automação da operação deste sistema com os seus bancos de dados e ao mesmo tempo criando uma Sumário de Alta mais completo e informatizado contendo todos os dados necessários a constituição do CMBD, além de estabelecer uma ampla campanha de informação e motivação do Corpo Clínico do HSL no sentido do preenchimento correto e completo de todos os diagnósticos principais e secundários dos pacientes, além das possíveis comorbidades, base para o aprimoramento dos registros clínicos e para a análise do produto hospitalar.

Conclusões

Este projeto nos apontou para importantes oportunidades de melhoria nos sistemas de informações para apoio à gestão da saúde:

1. Maior necessidade de capacitação para a codificação para os estudos de morbidade hospitalarVários países que utilizam o DRG fazem a classificação diagnóstica de forma muito mais específica, utilizando classificações estendidas, chamadas clinicamente modificadas, tanto a partir da CID10 quanto da CID9. As regras para uso em mortalidade são diferentes das regras para uso em morbidade. A OMS estabelece o uso da CID10 para os relatórios de mortalidade, porém, considera que o uso para morbidade deve seguir regras nacionais, além das regras básicas para reclassificação que são recomendadas. No Brasil, não há regras nacionais para uso em morbidade, exceto para algumas bases específicas, como o Registro de Câncer. Mesmo considerando as regras gerais e a possibilidade de uso do quinto dígito em algumas situações, isto não é praticado no Brasil. Nas classificações estendidas é comum o uso não apenas do quinto dígito, mas também do sexto e sétimo dígitos, de acordo com regras estabelecidas nacionalmente.

Com uma classificação mais detalhada e específica, incluindo as comorbidades e complicações, seguindo regras para classificação clínica e não somente para

173OPAS/OMS - ANS/MS

fins de pagamento, o agrupamento dos DRGs torna-se muito mais fidedigno e específico, tornando os grupos de pacientes mais homogêneos do ponto de vista de consumo de recursos e com pertinência clínica na análise de severidade e do risco de mortalidade.Com o uso adequado da CID10 original (distribuída pela OMS e, no Brasil, pelo Centro Brasileiro de Classificação de Doenças), com treinamento e revisão sistemática, além de melhoria nos processos de coleta, codificação e reclassificação, já é possível obter-se um agrupamento com maior qualidade.

2. Proposição de uma classificação de procedimentos para fins estatísticos/epidemiológicosNo Brasil, as intervenções são rotineiramente registradas de diversas formas nos diferentes serviços, muitas vezes através de sistemas de códigos ou “tabelas” próprias e classificadas de acordo com um dos 3 grupos de recursos terminológicos disponíveis, conforme a necessidade:

• Família SUS – SIGTAP (utilizada nos sistemas SIH, SIA, CIHA);• Família ANS – TUSS e suas versões;• Família AMB – THM, LPM e, atualmente, CBHPM

Porém, todos estes recursos têm sido utilizados para fins de pagamento e não análise epidemiológica. Assim urge que tenhamos uma classificação de intervenções em saúde para fins estatísticos, sem distorções devido ao processo de pagamento. O produto deste mapeamento poderia ter esta finalidade e, futuramente, facilitar o seu mapeamento para uma classificação internacional, que ainda está em estudo pela OMS. Como fruto deste projeto, já tivemos alguns desdobramentos:

1. Estabelecer processo para validação do mapeamento entre as classificações de procedimentos, possibilitando seu uso por outras instituições;2. Identificação dos gaps de informação clinica relevante nas tabelas SUS e TUSS;3. Análise do CMBD em comparação com conteúdo da TISS e CIHA;4. Aprimoramento do processo de codificação e classificação de diagnósticos e de procedimentos, com treinamento estruturado e permanente;5. Nova geração dos DRG´s com dados de todas as saídas de janeiro a junho de 2015, possibilitando a comparação entre esta e a primeira rodada e análise do índice de case-mix;6. Benchmarking com hospitais estrangeiros;

Após os resultados da segunda fase (diagnósticos selecionados), com a evidência de melhora após recodificação, foram analisadas as saídas do período entre outubro/2014 e junho/2015, totalizando 16.505 registros. Porém, os cinco primeiros meses foram enviados apenas com melhorias das informações através de banco de dados institucionais com o uso de técnicas de linkage. Os demais quatro meses passaram pelo processo de busca ativa de diagnósticos no prontuário, que já está incorporado na instituição. Os resultados preliminares já demonstram uma melhoria contínua no processo de reclassificação, conforme apresentado na Tabela 6, com mudança de 5,2% na classificação da severidade da doença.

174 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

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177OPAS/OMS - ANS/MS

Capítulo 10

Análise do desempenho econômico-financeiro de operadoras de planos de saúde: uma proposta de metodologia

178 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

179OPAS/OMS - ANS/MS

Análise do desempenho econômico-fi nanceiro de operadoras de planos de saúde: uma proposta de metodologia34

Universidade Federal de Uberlândia (UFU)Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EAESP-FGV)

Álvaro Escrivão JuniorDoutor em Medicina Preventiva e Professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EAESP)

Ana Maria MalikDoutora em Medicina Preventiva e Professora Titular da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EAESP)

Eduardo Loebel (Coordenador)Doutor em Ciências Sociais e Professor adjunto da Universidade Federal de Uberlândia (FAGEN/UFU)

Etienne Cardoso AbdalaDoutora pela FGV-EAESP e Professora adjunta da Universidade Federal de Uberlândia (FAGEN/UFU)

Felipe ZambaldiDoutor em Administração de Empresas e Professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EAESP)

José Eduardo Ferreira LopesDoutor em Administração e Professor adjunto da Universidade Federal de Uberlândia (FAGEN/UFU)

Peterson Elizandro GandolfiDoutor em Administração e Professor adjunto da Universidade Federal de Uberlândia (FAGEN/UFU)

Renato Madrid BaldassareMestre em gestão e saúde, membro do GVSaúde-FGV-EAESP

Renata Rodrigues Daher PauloDoutora em Administração e Professora adjunta da Universidade Federal de Uberlândia (FAGEN/UFU)

Introdução

A saúde no mundo tem sido marcada pelos efeitos da crescente inflação e aumento dos custos médicos e hospitalares. As principais causas são atribuídas à incorporação de novas tecnologias, ao déficit de infraestrutura (principalmente leitos em hospitais), aos impactos do processo de envelhecimento da população, ao aumento das doenças crônicas, aos gastos crescentes com a saúde, às carências do atual modelo de financiamento.

A saúde suplementar no Brasil sofre os mesmos impactos, além de ter que dar respostas às exigências crescentes da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) em relação à ampliação da cobertura de procedimentos, restrições nos reajustes de preços dos planos, aumento das garantias de

34Este projeto de pesquisa foi produzido no âmbito do Edital 005/2014 ANS/OPAS. As opiniões emitidas na presente publicação são da exclusiva responsabilidade dos autores, sem representar posicionamentos oficiais da Organização Pan-Americana da Saúde ou da Agência Nacional de Saúde Suplementar.

180 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

solvência e qualificação. Tais desafios impactam o desempenho econômico e financeiro das operadoras de Planos de Saúde (OPSs) ao mesmo tempo em que necessitam de performance operacional eficiente para cumprirem as suas funções assistenciais, sociais e econômicas.

Desde a Resolução de Diretoria Colegiada RDC nº 39, de 27 de outubro de 2000 e legislação decorrente, as OPSs, no Brasil, estão organizadas em modalidades, segundo seu estatuto jurídico, da seguinte forma: administradoras, cooperativas médicas, cooperativas odontológicas, autogestões, medicinas de grupo, odontologias de grupo, seguradoras e filantropias.

A operação das OPSs é regulada e avaliada pela ANS visando promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde. Para tanto, a Agência analisa diversas dimensões e tem alcançado, desde sua criação, em 2000, importantes resultados como a ampliação de coberturas assistenciais estabelecidas em contratos, a indução a práticas de promoção da saúde, a possibilidade de portabilidade de carências, a ampliação de barreiras à entrada e à saída das operadoras do mercado e a qualificação do setor (SALVATORI; VENTURA, 2012). As autoras afirmam ser possível notar que, por meio dos instrumentos normativos da ANS e da efetivação de suas ações, houve maior preocupação regulatória com os aspectos econômico-financeiros das operadoras ao longo do período de sua existência (SALVATORI; VENTURA, 2012).

A preocupação com a situação econômico-financeira das operadoras se manifestou de maneira mais explícita em forma de uma Resolução que entrou em vigor um ano após a criação da Agência. Com a publicação da RDC Nº 77, de 17 de julho de 200135, institui-se a obrigatoriedade das operadoras em constituir reservas financeiras crescentes como capital mínimo (aplicado às empresas com fins lucrativos) ou provisão para a operação (para as empresas sem fins lucrativos), provisão de risco, índice de giro de operações e margem de solvência.

Para aprimorar o monitoramento do desempenho econômico-financeiro das operadoras, a ANS instituiu o Plano de Contas Padrão, por meio da RDC 38 de 27 de outubro de 2000. Esta medida facilitou o fornecimento de informações gerenciais e padronizou a coleta de dados e as demonstrações contábeis das operadoras. Assim, tornou possível analisar o desempenho de uma mesma operadora ao longo do tempo; comparar o desempenho das operadoras com outras do mesmo porte e igual forma jurídica e com outras de diferentes portes e outras formas jurídicas; e analisar os custos de atendimento médico e odontológico (COSTA, 2008). Esta medida também subsidiou a ANS com dados econômico-financeiros para avaliação do mercado de saúde suplementar.

Neste contexto, o objetivo do projeto desenvolvido pelo Núcleo de Pesquisas de Gestão em Saúde da Faculdade de Gestão e Negócios da Universidade Federal de Uberlândia (FAGEN-UFU) em parceria com o GVSaúde da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EAESP-FGV) foi apresentar uma metodologia para analisar o desempenho econômico-financeiro de operadoras de planos de saúde das modalidades autogestão, cooperativa médica, medicina de grupo e seguradora e verificar diferenças de desempenho entre distintas operadoras, considerando suas modalidades, portes e região.

O desempenho econômico-financeiro foi mensurado por meio de indicadores operacionais e de retorno financeiro, considerando o período entre 2007 e 2014. Foram propostos dois modelos hierárquicos para estimar o efeito operadora, efeito modalidade e efeito porte no desempenho. A metodologia apresentada permitiu identificar as operadoras com melhor desempenho no período analisado. O referencial teórico empregado refere-se às abordagens e correntes teóricas sobre mensuração de desempenho das organizações apresentadas a seguir.

35A RDC 77, de 17/07/2001 foi revogada. Atualmente esta matéria é regulamentada pela RN 209, de 22/12/2009, alterada pela RN 274, de 20/10/2011.

181OPAS/OMS - ANS/MS

Mensuração do desempenho das organizações: abordagens e correntes teóricas

Venkatraman e Ramanujam (1986) elaboraram uma importante síntese sobre mensuração do desempenho empresarial. Os autores tinham como objetivo classificar diferentes abordagens desse processo na pesquisa em estratégia e ressaltar benefícios e limitações de cada uma. Para o propósito da presente pesquisa, destaca-se a abordagem pela qual o desempenho empresarial é analisado em termos de indicadores financeiros e operacionais por meio de dados provenientes de fonte secundária, denominada “abordagem B” no trabalho de Venkatraman e Ramanujam.

Esta abordagem representa “uma concepção ampliada do espaço de construção da noção de desempenho empresarial” (VENKATRAMAN; RAMANUJAM, 1986, p. 805). Este é o caso do trabalho desenvolvido por Baldassare (2014), no qual foram empregados modelos de equações hierárquicas para estimar o efeito operadora, efeito modalidade e efeito porte no desempenho. O autor focalizou critérios múltiplos de desempenho tais como retorno sobre ativos (ROA), retorno operacional sobre ativos (OROA), retorno sobre o patrimônio líquido (ROE), liquidez corrente e sinistralidade.

De acordo com Venkatraman e Ramanujam (1986), os benefícios dessa abordagem são: a) proporcionar uma operacionalização mais abrangente do desempenho empresarial; b) permitir o exame do relacionamento entre os aspectos financeiro e operacional do desempenho. A abordagem apresenta limitações: a) não permite a validação da operacionalização através de diferentes fontes de dados; b) tem pouco signifi cado quando utilizada em nível de unidade estratégica de negócios (strategic business unit – SBU).

A literatura sobre o desmembramento da variância do desempenho empresarial indica três aspectos básicos de análise recorrentes: o “efeito da empresa”, o “efeito do setor”, e o “efeito do tempo (ano)”. O debate teórico, acima de tudo, gira em torno de testar a importância relativa dos dois primeiros efeitos. Duas posições teóricas permanecem no coração da tradição de pesquisa sobre o desmembramento da variância do desempenho empresarial: a visão de organização industrial (PORTER, 1980; 1985) e a visão baseada em recursos (BARNEY, 1991; BARNEY et al., 2001; BARNEY, 2001b; a; BARNEY et al., 2011). O ponto de vista das capacidades dinâmicas (HELFAT et al., 2007; TEECE, 2009) pode ser entendido como uma extensão da última (EISENHARDT; MARTIN, 2000).

A investigação sobre a persistência do desempenho das empresas inclui o trabalho de Mueller (1977; 1986), Cubbin e Geroski (1987), Jacobsen (1988), Waring (1996), McGahan e Porter (1999), Bou e Satorra (2007), Chen e Lin (2010) e Chen (2010). Desde a publicação da obra de McGahan e Porter, estudos empregaram componentes fixos e incrementais para identificar configurações estabelecidas no passado que influenciam o desempenho das empresas e seu crescimento.

Partindo do estudo destas abordagens de investigação do desempenho organizacional, Baldassare (2014) analisou o desempenho econômico-financeiro de operadoras das modalidades autogestão, cooperativa médica, medicina de grupo e seguradora, num período de doze anos (de 2001 a 2012). Para tanto, o autor empregou uma base de dados operacionais e contábeis disponível na página eletrônica da ANS, avaliando o desempenho econômico-financeiro analisando cinco indicadores: retorno sobre ativos, retorno operacional sobre ativos, retorno sobre o patrimônio líquido, liquidez corrente e sinistralidade.Dois modelos hierárquicos foram adotados para estimar o efeito operadora, efeito modalidade e efeito porte no desempenho. O trabalho possibilitou identificar que o efeito operadora é responsável pela maior parte da variância explicada do desempenho. A estimação dos efeitos possibilitou também identificar as operadoras que apresentaram melhor desempenho no período analisado (BALDASSARE, 2014).

Os modelos adotados na investigação revelaram predomínio do efeito ano sobre o desempenho das operadoras de planos de saúde. Dentre os efeitos operadora, considerando a modalidade e o porte, o primeiro explicou a maior parte da variabilidade do desempenho, em consonância com resultados obtidos na literatura, que atribuem esta parcela da variação explicada à firma. A única exceção foi encontrada

182 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

no Modelo 1, em que o efeito modalidade foi mais expressivo que o efeito operadora, quando utilizada a Liquidez Corrente como variável dependente da medida do desempenho. Baldassare (2014) utilizou série histórica longa, com no mínimo nove anos de observações por empresa. Assim, o efeito operadora pode estar subestimado. Este mesmo efeito pode ser estimado a partir dos dados disponíveis no site da ANS, porém com uma série histórica mais curta, priorizando o período a partir de 2007. Desse ano em diante, as informações requeridas pela ANS e o instrumento para envio de dados foram unificados para todas as modalidades.

O efeito operadora foi significante nos dois modelos para as variáveis ROA, OROA, Liquidez Corrente e Sinistralidade. Já o efeito modalidade teve significância para OROA, Liquidez Corrente e Sinistralidade. efeito porte foi significante para o desempenho quando medido por ROA, Liquidez Corrente e Sinistralidade. O indicador ROE não se mostrou sensível aos efeitos estudados, levando a totalidade de sua variação a ser atribuída ao ano.

A pesquisa de Baldassare (2014) identificou nove operadoras que apresentaram desempenho superior em mais de uma medida, sendo quatro no Modelo 1, e cinco no Modelo 2. O perfil mais frequente destas operadoras foi pertencer à modalidade Medicina de Grupo (sete operadoras), ter porte pequeno, isto é, até 20 mil beneficiários (oito operadoras), e estarem localizadas na Região Sudeste (seis operadoras). A mesma metodologia foi utilizada para refazer os cálculos e análises em relação ao período de 2007 a 2014 como será descrito a seguir.

Metodologia de análise de base de dados sobre desempenho de operadoras de planos de saúde por meio de modelos estatísticos multinível A aplicação da metodologia de análise escolhida iniciou-se com a criação de um banco de dados contendo elementos dos demonstrativos financeiros, bem como informações operacionais disponíveis no site da ANS, como a sinistralidade. A partir das demonstrações financeiras foram obtidos os indicadores de retorno contábil e liquidez. As análises permitiram apurar o comportamento do desempenho individual das operadoras e delas, em conjunto, por modalidades, distribuídas ao longo do tempo no período examinado. As análises quantitativas, em conjunto, ofereceram subsídios para especificar um quadro geral do padrão de desempenho financeiro da modalidade das operadoras de planos de saúde, assim como identificar um conjunto de operadoras que se destacaram por apresentar desempenho superior à média da sua modalidade.

Com base na revisão de literatura, a medida de desempenho, a variável dependente deste estudo, foi operacionalizada de forma multidimensional, adotando-se a concepção do Domínio do Desempenho Empresarial (Domain of Business Performance), segundo a tipologia proposta por Venkatraman e Ramanujam (1986). Primeiramente, com base em lucro contábil, o Retorno sobre Ativos (ROA) foi operacionalizado pela divisão do Resultado Líquido pelo Total de Ativos das empresas, em consonância com outros estudos sobre variação de desempenho (GOLDSZMIDT et al., 2007). Além deste, utilizou-se a medida do Retorno sobre o Patrimônio Líquido (ROE) e o Retorno Operacional sobre Ativos (OROA). Também foram considerados indicadores de eficiência operacional, como a sinistralidade das operadoras. Utilizou-se, ainda, uma medida de desempenho baseada na capacidade das operadoras honrarem seus compromissos, por meio da Liquidez Corrente, obtida pela divisão do Ativo Circulante pelo Passivo Circulante. As variáveis independentes são a operadora, o porte e a modalidade.

183OPAS/OMS - ANS/MS

Os dados necessários para execução da análise foram obtidos na base de dados DIOPS da ANS, cujos vieses de validade e fidedignidade em relação aos dados são amenizados pelos mecanismos de auditoria independente, exigidos pela Agência por meio da RN nº 173/2008 (alterada pela RN nº 238/10). Tais vieses também foram amenizados na análise pela manutenção, na amostra, somente de operadoras que dispusessem de dados por pelo menos dois anos.

A natureza dos dados de desempenho das operadoras de diferentes modalidades ao longo do tempo é hierárquica, pois tais dados se organizam em diferentes níveis em termos de observações, anos e operadoras. Neste contexto, modelos multinível são adequados como método de análise e se aplicam com propriedade a situações em que as quantidades de casos são diferentes entre grupos, típicas em estudos de desempenho de firmas (GOLDSZMIDT et al., 2007).

O propósito dos modelos empíricos apresentados nesta pesquisa foi identificar os três tipos de efeitos no desempenho das operadoras: modalidade; porte; e operadora. O nível mais alto é a classificação de operadoras por modalidade ou porte. Desta forma, estimar o efeito operadora, efeito modalidade e efeito porte e da operadora implica um modelo de três níveis, com as observações por ano no nível 1, operadoras no nível 2 e modalidade (alternando por porte no Modelo 2) no nível 3. As variáveis utilizadas nos modelos foram:

Sinistralidade: representa a relação entre despesas assistenciais e total das receitas com operação de planos de saúde (contraprestações efetivas). Foram considerados 75% de sinistralidade como referência para os modelos estatísticos: o desempenho das operadoras para este indicador foi considerado melhor quanto mais se aproximou desta taxa. Não há consenso sobre a sinistralidade ideal para as operadoras, mas a despesa assistencial comprometendo até 75% da receita de contraprestação permite à operadora custear suas despesas administrativas, comerciais e ter uma margem de lucro que viabilize o negócio.

ROA: representa a taxa de retorno sobre o ativo total obtido pela operadora no ano observado, calculado pela relação entre o resultado líquido e o ativo total. O ROA verifica a rentabilidade obtida pela empresa sobre a totalidade de seus recursos. A partir dele se pode verificar a eficiência da empresa em gerar lucro a partir do uso de seus investimentos totais. Este indicador apresenta um importante poder explicativo do desempenho da firma, em especial quando combinado com outros indicadores. Estudos que investigaram o desempenho de operadoras também utilizaram este indicador (GUIMARÃES; ALVES, 2009).

OROA: representa a taxa de retorno operacional sobre o ativo total obtido pela operadora no ano observado, calculado pela relação entre o resultado operacional e o ativo total. O OROA permite avaliar a rentabilidade da empresa decorrente de sua atividade principal, excluindo perdas e ganhos financeiros e outros valores não gerados pela operação. Este indicador é utilizado na literatura para análise de desempenho de empresas (MORETTI; SANCHEZ, 2011; LANA, 2013).

ROE: representa a taxa de retorno sobre o patrimônio líquido obtido pela operadora no ano observado, isto é, a rentabilidade do volume dos recursos próprios da empresa. Permite a seus acionistas ou sócios compará-la com outras opções de investimento no mercado. O ROE é calculado utilizando a relação entre o resultado líquido e o patrimônio líquido. Malik e Veloso (2010) utilizaram o ROE como uma das medidas de desempenho.

Liquidez Corrente: representa a liquidez corrente da operadora no ano observado. Mostra a relação entre os ativos conversíveis em dinheiro no curto prazo e as dívidas de curto prazo. A inclusão deste indicador busca incluir a expectativa da ANS de que as operadoras possam honrar os compromissos junto a seus prestadores para o atendimento com qualidade e de forma contínua a seus beneficiários. Embora ela seja um indicador tipicamente financeiro, nesta pesquisa é considerado como indicador operacional relacionado à gestão financeira da operadora.

A análise da variável dependente Desempenho, medida alternadamente como ROA, OROA, ROE, Liquidez Corrente e Sinistralidade, resulta na estimação de dois modelos de três níveis, com Modalidade

184 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

(Modelo 1) e Porte (Modelo 2), representados pela letra k no Nível 3, operadora (j) no Nível 2 e ano (i) no Nível 1, como apresentado na Figura 1.

Figura 1 – Modelos hierárquicos

Nível 3 - Modalidade ( k ) Nível 3 - Porte ( k )

Nível 2 - operadora ( j ) Nível 2 - operadora ( j )

Nível 1 observ. / Anoi ( i )

Nível 1 observ. / Anoi ( i )

Modelo 1 Modelo 2

Fonte: Elaborado pelos autores.

Formalmente, tem-se:

Nível 1: DESEMPENHOijk = ß0jk + eijk eijk~ N(0,σ2

e)

Onde, ß0jk é o desempenho médio ao longo dos anos da operadora j, da modalidade k eijk é o resíduo do desempenho da operadora j, da modalidade k, no ano i

Nível 2: ß0jk = α0k + ujk ujk~ N(0,σ2

u)

Onde,α0k é o desempenho médio das operadoras da modalidade k

ujk é o resíduo do desempenho da operadora j na modalidade k

Nível 3:α0k= ß0 + vk vk~ N(0,σ2

v) Onde, ß0 é o desempenho médio das quatro modalidades (Modelo 1) ou dos três portes (Modelo 2) vk é o resíduo do desempenho da modalidade ou do porte k

Em notação compacta, tem-se: DESEMPENHOijk = ß0+ vk+ ujk+ eijk (Equação 1)

185OPAS/OMS - ANS/MS

Os resíduos, que representam os desvios das observações em relação à média, são utilizados para identificar as operadoras com desempenho superior.

Aplicação da metodologia

O banco de dados utilizado para o presente estudo foi construído com informações disponíveis na página eletrônica da ANS do período de 2007 a 2014. Esta base contém dados de 1.667 operadoras de planos de saúde, totalizando 10.060 observações.

Foram reunidas as seguintes informações de cada operadora: nome, registro na ANS, ano de referência, cidade, estado, região, modalidade, porte, resultado do Índice de Desempenho da Saúde Suplementar, sinistralidade, ativo total, ativo circulante, ativo permanente, passivo circulante, patrimônio líquido, resultado líquido e resultado operacional. A partir destes dados, foram calculados: retorno sobre ativos, retorno operacional sobre ativos, rentabilidade do patrimônio líquido e liquidez corrente.

A primeira análise realizada visou a identificar as observações de interesse para o presente estudo e verificar a disponibilidade das informações essenciais para o tratamento estatístico. Desta forma, o primeiro filtro na base de dados foi excluir as operadoras que não estavam mais ativas no mês de março do ano de 2015. Foram excluídas 1.324 observações de 384 operadoras.

O segundo filtro aplicado foi a exclusão das modalidades não previstas no estudo, mantendo apenas as empresas que operam nas modalidades autogestão, cooperativa médica, medicina de grupo e seguradora. Nesta etapa, foram excluídas 3.136 observações de 531 operadoras.

O terceiro filtro aplicado à amostra se referiu à disponibilidade de dados considerados essenciais para o estudo: nome da operadora, ano de referência, modalidade, região onde se localiza, sinistralidade, ativo total no mesmo ano e resultado líquido referente àquele ano. A disponibilidade destes dados permitiria realizar a análise do desempenho com pelo menos uma medida operacional (sinistralidade) e uma medida econômica (retorno sobre ativos). A aplicação desta condição à base de dados eliminou 152 observações de 76 operadoras.

O quarto filtro aplicado à amostra foi a exclusão das operadoras que não tiveram os dados essenciais disponíveis por pelo menos dois anos, excluindo 18 observações de 18 operadoras. Desta forma, a base apresenta dados em painel não balanceado, uma vez que nem todas as operadoras estão presentes em todo o período do estudo.

Na etapa seguinte, foram excluídas as observações atípicas, consideradas outliers. Utilizou-se para avaliação de outliers o D² de Mahalanobis. Valores de D² superiores a 12,5 foram excluídos, indicando outliers multivariados. Foram excluídas 31 observações de 19 operadoras.

Foram, ainda, excluídas 262 observações de 107 operadoras que apresentaram Patrimônio Líquido negativo, que distorciam o cálculo dos testes.

Para calcular o Modelo 2, com porte no terceiro nível, foram excluídas 278 observações de 75 operadoras que mudaram de porte entre 2007 para 2014, permitindo a manutenção do caráter hierárquico do modelo. A base de dados da pesquisa para desenvolvimento do Modelo 2 apresenta 2.266 observações de 615 operadoras, sendo que 442 observações são da modalidade autogestões, 1.017 de cooperativas médicas, 767 de medicinas de grupo e 40 observações de seguradoras.

O tratamento no banco de dados, descrito na metodologia, resultou na amostra final composta por 5.133 observações de 719 operadoras (91,7% do total de observações das modalidades de interesse disponíveis na base original).

186 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

Resultados

Os resultados a seguir referem-se aos modelos descritos na seção anterior: o primeiro procurou avaliar o efeito modalidade no desempenho das operadoras e o segundo o efeito porte.

Modelo 1 - Efeito modalidade sobre o desempenho das operadoras

O Modelo 1 procurou avaliar o efeito modalidade nas variáveis dependentes selecionadas para mensurar o desempenho das operadoras de planos de saúde. Neste modelo, os níveis da análise hierárquica foram ordenados por observações por ano (primeiro nível), operadoras (segundo nível) e modalidades (terceiro nível). Este modelo foi estimado para os cinco indicadores de desempenho – ROA, OROA, ROE, Liquidez Corrente e Sinistralidade. A Tabela 1 apresenta os coeficientes médios de cada variável dependente e o ajuste do modelo pelo log-likelihood.

T abela 1 - Valores de coefi cientes de cada regressão e ajuste do modelo 1

ROA OROA ROELIQ.

CORRENTESINISTRALIDADE

Desempenho Médio (ß0) 0,0419 0,0148 0,0425 3,1062 0,8255

Log-likelihood 2.624,88 2.241,53 -10.371,93 -18.679,07 -7.238,83

Fonte: Elaborado pelos autores.

Os resultados obtidos no Modelo 1 estão apresentados na Tabela 2 e expressam a composição da variância do desempenho, indicando a importância relativa de cada efeito para o desempenho da operadora.

Ta bela 2 - Composição da variância do desempenho das operadoras de planos de saúde estimada pelo modelo hierárquico com modalidade no terceiro nível

ROA OROA ROELIQ.

CORRENTESINISTRALIDADE

% Var p-valor % Var p-valor % Var p-valor % Var p-valor % Var p-valor

Modalidade 0,05% 0,25 0,54% < 0,01 0,04% 0,85 7,70% < 0,01 1,42% < 0,01

Operadora 6,49% < 0,01 8,25% < 0,01 6,69% < 0,01 69,21% < 0,01 24,78% < 0,01

Var. não explicada (Tempo) 93,46% 91,21% 93,28% 23,09% 73,81%

Fonte: Elaborado pelos autores.

A modalidade exerce pequeno efeito sobre o desempenho. Um efeito um pouco mais elevado pode ser observado apenas na Liquidez Corrente, que chega a 7,7% (p<0,01) da variância do desempenho no indicador explicada pela modalidade.

187OPAS/OMS - ANS/MS

Em relação à operadora, esta exerce efeito mais acentuado nos indicadores, chegando a 69,2% (p<0,01) de explicação da variância do indicador de desempenho Liquidez Corrente e 24,78% (p<0,01) de explicação da variância do indicador Sinistralidade. Em menor escala, mas também significante, a operadora exerceu efeito nos índices ROA, OROA e ROE, sendo o percentual de variância de 6,49%, 8,25% e 6,69% (p<0,01), respectivamente.

Modelo 2 - Efeito porte sobre o desempenho das operadoras

O Modelo 2 buscou avaliar o efeito porte das operadoras nas variáveis dependentes selecionadas. Neste modelo, os dois primeiros níveis da análise hierárquica (observações por ano no primeiro nível e operadoras no nível dois) foram mantidos. O terceiro nível do modelo foi substituído por porte. Este modelo foi estimado para os cinco indicadores de desempenho – ROA, OROA, ROE, Liquidez Corrente e Sinistralidade. A Tabela 3 apresenta os coeficientes médios de cada variável dependente e o ajuste do modelo pelo log-likelihood. Em seguida, os resultados estão apresentados na Tabela 4.

Tab ela 3 - Valores de coefi cientes de cada regressão e ajuste do modelo 2

ROA OROA ROELIQ.

CORRENTESINISTRALIDADE

Desempenho Médio (ß0) 0,038 0,022 -0,022 2,160 0,818

Log-likelihood 1.189,24 1.062,49 -5.114,33 -6.106,18 -4.123,45

Fonte: Elaborado pelos autores.

O efeito porte sobre o desempenho das operadoras foi significante apenas quando medido pela Liquidez Corrente, embora explicando apenas 2,38% da variabilidade, não sendo relevante sobre os demais indicadores. O efeito operadora mostrou-se significante para os indicadores de desempenho, exceto para ROE e Sinistralidade. Em todas as medidas significantes, o efeito operadora foi maior que o efeito porte sobre o desempenho.

Tabe la 4 - Composição da variância do desempenho das operadoras de planos de saúde estimada pelo modelo hierárquico com porte no terceiro nível

ROA OROA ROELIQ.

CORRENTESINISTRALIDADE

% Var p-valor % Var p-valor % Var p-valor % Var p-valor % Var p-valor

Porte 0,00% 1,00 0,00% 1 0,02% 0,96 2,38% < 0,05 0,00% 1

Operadora 9,27% < 0,01 11,36% < 0,01 3,9% 1 85,23% < 0,01 1,12% 1

Var. não explicada (Tempo) 90,73% 88,64% 96,09% 12,4% 98,88%

Fonte: Elaborado pelos autores.

Tanto no Modelo 1 quanto no Modelo 2, para todas as medidas, o efeito operadora foi mais expressivo que os efeito modalidade e efeito porte. Este resultado é compatível com outros estudos sobre o tema (MORETTI; SANCHEZ, 2011; GOLDSZMIDT; BRITO; VASCONCELOS, 2007).

188 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

Alinhado aos resultados encontrados por Baldassare (2014), cabe destacar que as operadoras atuam em um mercado regulado, diferentemente de empresas de outros setores. Portanto, deve ser considerado o efeito ANS na tendência a homogeneizar a atividade das operadoras quando comparada à atuação de empresas em mercados não regulados. Estes fatores, em conjunto, contribuem para menor dispersão do desempenho entre as operadoras e podem explicar a baixa porcentagem de variação de desempenho atribuída à operadora, à modalidade e ao porte, quando utilizados os índices de retorno ROA, OROA e ROE.

Foram identificadas seis operadoras com desempenho superior em mais de uma variável dependente no Modelo 1. Corroborando os achados de Baldassare (2014), o perfil destas operadoras apresentou uma concentração na modalidade Medicina de Grupo (quatro operadoras), sendo a maioria (83,3%) de pequeno porte. A Região Sul apresentou maior número de operadoras com desempenho superior (50%), seguida da região Sudeste (33,3%), como mostra a Tabela 5.

Tabela 5 - Operadoras com melhor desempenho em mais de uma variável dependente – Modelo 1

CD_OPERADORA* MODALIDADE PORTE LOCALIZAÇÃO INDICADORES

7 Cooperativa Médica Pequeno SUDESTE ROA e OROA

15 Autogestão Pequeno SUDESTE ROA e ROE

17 Medicina de Grupo Pequeno SUL ROA, OROA, ROE

19 Medicina de Grupo Médio NORDESTE ROA e OROA

43 Medicina de Grupo Pequeno SUL ROA e OROA

46 Medicina de Grupo Pequeno SUL ROA e OROA

Fonte: Elaborado pelos autores.

* O código da operadora refere-se ao código atribuído internamente pelos pesquisadores, não havendo relação com a codificação de operadora da ANS.

Já no Modelo 2 foram identificadas oito operadoras com desempenho superior em mais de uma variável dependente (ver Tabela 6). Analogamente à pesquisa de Baldassare (2014) e aos resultados do Modelo1, estas operadoras se concentraram na modalidade Medicina de Grupo (seis operadoras). Todas as operadoras identificadas são de pequeno porte e a maioria delas (37,5%) está localizada na Região Sul.

Tabela 6 – Operadoras com melhor desempenho em mais de uma variável dependente – Modelo 2

CD_OPERADORA* MODALIDADE PORTE LOCALIZAÇÃO INDICADORES

7 Cooperativa Médica Pequeno SUDESTE ROA e OROA

17 Medicina de Grupo Pequeno SUL ROA, OROA, ROE

29 Medicina de Grupo Pequeno SUDESTE Liq. Corr, Sinist.

38 Medicina de Grupo Pequeno SUDESTE ROA, OROA, ROE

46 Medicina de Grupo Pequeno SUL ROA, OROA, ROE

65 Autogestão Pequeno SUL ROA, OROA

67 Medicina de Grupo Pequeno NORDESTE ROE, OROA

72 Medicina de Grupo Pequeno SUDESTE OROA, Sinist.

Fonte: Elaborado pelos autores.* O código da operadora refere-se ao código atribuído internamente pelos pesquisadores, não havendo relação com a codificação de operadora da ANS.

189OPAS/OMS - ANS/MS

Finalmente, importa destacar que três operadoras apresentaram desempenho superior em mais de uma variável dependente, tanto no Modelo 1, quanto no Modelo 2.

Retomando os resultados alcançados por Baldassare (2014), em sua pesquisa foram identificadas nove operadoras com desempenho superior em mais de um indicador (quatro no Modelo 1 e cinco no Modelo 2). O perfil mais frequente destas operadoras foi pertencer à modalidade Medicina de Grupo (sete operadoras), ter porte pequeno, isto é, até 20 mil beneficiários (oito operadoras), e estarem localizadas na Região Sudeste (seis operadoras).

Os resultados dos cálculos refeitos para o período de 2007 a 2014 foram onze operadoras que apresentaram desempenho superior em mais de um indicador, sendo seis no Modelo 1 e oito no Modelo 2, considerando que três operadoras figuram nos resultados de ambos os modelos. Coerente com os resultados de Baldassare (2014), o perfil mais frequente destas operadoras foi pertencer à modalidade Medicina de Grupo (oito operadoras), ter porte pequeno- até 20 mil beneficiários – (dez operadoras), e estarem localizadas na Região Sudeste (cinco operadoras). Em estudos futuros, as operadoras identificadas poderão ser objeto de novas pesquisas para a identificação dos principais fatores que influenciam no desempenho superior de operadoras de planos de saúde.

Considerações fi nais

O desempenho econômico-financeiro é elemento fundamental para que uma empresa consiga se manter em atividade. Aquelas que operam no mercado de planos de saúde devem ser monitoradas com certa prioridade (SALVATORI; VENTURA, 2012). A manutenção do equilíbrio econômico-financeiro das operadoras é condição necessária para garantir a continuidade da prestação de serviços e para estimular a concorrência, através da competição por percentuais de participação no mercado (ANS, 2010). O controle econômico-financeiro das operadoras tem especial importância no mercado da saúde, dado o risco à saúde do beneficiário em caso de falha na capacidade das operadoras de arcar com as ações necessárias para o atendimento integral a seus clientes.

Desde o início de sua atividade na regulação do mercado de planos de saúde, a ANS desenvolveu diversas ações de monitoramento e controle dos agentes econômicos envolvidos direta e indiretamente na prestação de serviços de saúde. Dentre as ações, está previsto o envio periódico de informações contábeis à ANS, por meio do preenchimento do Documento de Informações Periódicas das Operadoras de Planos de Assistência à Saúde (DIOPS). Até o ano de 2006, as seguradoras utilizavam o Formulário de Informações Periódicas (FIP) como instrumento para envio mensal das informações cadastrais e econômico-financeiras à ANS. A partir de 2007, as informações requeridas foram revisadas, o instrumento de envio foi unificado, e todas as modalidades passaram a utilizar o DIOPS. A disponibilidade destas informações permite diversas formas de análise e no presente estudo a metodologia multinível se mostrou adequada para esta finalidade.Assim, os modelos empíricos elaborados nesta pesquisa visavam identificar três tipos de efeito no desempenho das operadoras: efeito operadora, efeito modalidade e efeito porte. O nível mais alto foi a classificação de operadoras por modalidade ou porte, sendo que para estimar os efeitos obteve-se um modelo de três níveis com as observações por ano no nível 1, operadoras no nível 2 e modalidade no nível 3. Para realizar as análises foi criado um banco de dados contábeis, financeiros e operacionais das OPSs, relativo ao período de 2007 a 2014. O tratamento do banco de dados, detalhado na seção 3.1, gerou uma amostra final composta por 5.133 observações de 719 operadoras, representando 91,7% do total de observações das modalidades de interesse disponíveis na base original.A análise da variável dependente Desempenho, medida alternadamente como ROA, OROA, ROE, Liquidez Corrente e Sinistralidade, resultou na estimação de dois modelos de três níveis, com Modalidade (Modelo 1) e Porte (Modelo 2).

190 CONHECIMENTO TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

O Modelo 1 avaliou o efeito modalidade nas variáveis dependentes selecionadas para mensurar o desempenho das operadoras de planos de saúde. Neste modelo, os níveis da análise hierárquica foram ordenados por observações por ano (primeiro nível), operadora (segundo nível) e modalidade (terceiro nível). Este modelo foi estimado para os indicadores de desempenho ROA, OROA, ROE, Liquidez Corrente e Sinistralidade. A modalidade exerceu pequeno efeito sobre o desempenho. Um efeito um pouco mais elevado foi observado apenas na Liquidez Corrente: 7,7% (p<0,01) da variância do desempenho no indicador explicada pela modalidade. A operadora exerceu efeito mais acentuado nos indicadores, 69,2% (p<0,01) de explicação da variabilidade da variância do indicador de desempenho Liquidez Corrente e 24,78% (p<0,01) de explicação da variância do indicador Sinistralidade. A operadora também exerceu efeito nos índices ROA, OROA e ROE, apresentando variância de 6,49%, 8,25% e 6,69% (p<0,01), respectivamente.

O Modelo 2 avaliou o efeito porte das operadoras nas variáveis dependentes selecionadas. Neste modelo, os dois primeiros níveis da análise hierárquica foram mantidos (observações por ano no primeiro nível e operadora no segundo), sendo que o terceiro nível foi substituído por porte. Este modelo foi estimado para os indicadores de desempenho ROA, OROA, ROE, Liquidez Corrente e Sinistralidade. O efeito porte sobre o desempenho das operadoras foi significante apenas quando medido pela Liquidez Corrente, explicando 2,38% da variabilidade e não sendo relevante sobre os demais indicadores. O efeito operadora foi significante para a maioria dos indicadores de desempenho (exceto ROE e Sinistralidade). Em todas as medidas significantes o efeito operadora foi maior que o efeito porte sobre o desempenho.

Os resultados obtidos nesta pesquisa, com relação à identificação de operadoras com desempenho superior, permitiram identificar seis operadoras com desempenho superior em mais de uma variável dependente no Modelo 1 e oito operadoras no Modelo 2. Em ambos os modelos, os achados da pesquisa vão ao encontro dos resultados do estudo de Baldassare (2014). O perfil das operadoras com desempenho superior revela que a maioria delas concentra-se na modalidade Medicina de Grupo, são de pequeno porte e estão localizadas, principalmente, nas Regiões Sul e Sudeste. Três operadoras apresentaram desempenho superior no ROA e no OROA, tanto no Modelo 1, quanto no Modelo 2.

Dessa forma, considera-se alcançado o objetivo proposto para esta pesquisa, de proporcionar a divulgação de conhecimento sobre uma metodologia para analisar o desempenho econômico-financeiro de operadoras de planos de saúde das modalidades autogestão, cooperativa médica, medicina de grupo e seguradora por um determinado período de tempo e verificar diferenças de desempenho entre as distintas operadoras, modalidades e os portes.

Indicamos como pesquisa subsequente a elaboração de um modelo de sistema de informação gerencial (SIG), o qual permitirá, à ANS e demais atores envolvidos, analisar e comparar o desempenho econômico-financeiro de OPSs, considerando as seguintes dimensões: modalidade, porte, região, ano, além de outras dimensões passíveis de serem identificadas na base de dados ou que a ANS venha a solicitar das OPSs. Esse trabalho encontra-se em andamento e será alvo de próximas publicações.

Referências

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