conhecimento e uso da carnaÚba e da algaroba no sertÃo

8
451 Revista Árvore, Viçosa-MG, v.37, n.3, p.451-457, 2013 Conhecimento e uso da carnaúba e da algaroba em... CONHECIMENTO E USO DA CARNAÚBA E DA ALGAROBA EM COMUNIDADES DO SERTÃO DO RIO GRANDE DO NORTE, NORDESTE DO BRASIL 1 Laís Costa Rodrigues 2 , Aryêcha Arruda da Silva 2 , Raquel Barbosa da Silva 2 , Antonio Fernando Morais de Oliveira 3 e Laise de Holanda Cavalcanti Andrade 3 RESUMO – Em comunidades rurais do Vale do Açu, sertão do Rio Grande do Norte, investigaram-se o conhecimento e uso de Copernicia prunifera (carnaúba), palmeira nativa do Nordeste do Brasil; e de Prosopis juliflora (algaroba), leguminosa originária do Peru, intencionalmente introduzida na mesma região na década de 1940. Foram entrevistados 74 moradores de quatro comunidades estabelecidas no Município de Carnaubais, que citaram o uso de 142 espécies vegetais, nativas e introduzidas. Os dados foram analisados considerando-se a faixa etária dos entrevistados e as categorias de uso das plantas por eles citadas. Avaliou-se o índice de significado cultural de cada espécie que apontou seu valor para a sobrevivência biológica e cultural dos membros da comunidade. Os usos da carnaúba citados por 59% dos informantes se enquadravam nas categorias artesanato, combustível e medicinal. A categoria que mais contribuía para o uso da carnaúba era a categoria construção (UDs Coper 0,72). A algaroba tem uso como combustível e forragem, citados por 61% dos entrevistados. Calculou-se o valor da diversidade de uso mostrando que a categoria combustível (UDs Pros 0,37) era a que mais contribuía para o uso da algaroba nas comunidades rurais. Apesar do desequilíbrio ambiental ocasionado por sua introdução, a algaroba ajuda na subsistência das comunidades estudadas e aumentou o repertório de espécies fornecedoras de madeira para lenha, carvão e construção. A carnaúba, antes bastante utilizada pela população, vem sendo substituída por outras espécies, sendo estas atualmente as novas fontes de renda para a população local. Palavras-chave: Caatinga; Etnobotânica; Prosopis; Copernicia. KNOWLEDGE AND USE OF THE CARNAUBA AND MESQUITES COMMUNITIES IN THE BACKLANDS OF RIO GRANDE DO NORTE, NORTHEAST BRAZIL ABSTRACT In rural communities of the Vale do Acu, inland of Rio Grande do Norte, investigated the knowledge and use of Copernicia prunifera (carnaúba), palm tree native to northeastern Brazil and of Prosopis juliflora (algaroba), legume intentionally introduced from Peru in the same region in the 1940s. We interviewed 74 residents of four communities established in the municipality of Carnaubais, citing the use of 142 plant species, native and introduced. Data were analyzed considering the age categories of respondents and the use of the plants mentioned by them. We evaluated the level of cultural significance of each species, which indicates its value to the biological and cultural survival of the community members. The uses cited by 59% of respondents to fall into the categories carnauba crafts, fuel and medical. The category that most contributes to the use of carnauba is the category construction (UDs Coper 0.72). The mesquite is used as fuel, and fodder, cited by 61% of respondents. It has been calculated, the value of the range of use, showing the fuel category (UDs Pros 0.37) is the largest contributor to the use of mesquite in rural communities. Although environmental 1 Recebido em 02.07.2012 aceito para publicação em 14.05.2013. 2 Programa de Pós-Graduação em Biologia Vegetal da Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Ciências Biológicas. E-mail: <[email protected]>, <[email protected] > e <[email protected]>. 3 Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Ciências Biológicas, Departamento de Botânica. E-mail: <[email protected]> e <[email protected]>.

Upload: joao-paulo

Post on 23-Oct-2015

37 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: CONHECIMENTO E USO DA CARNAÚBA E DA ALGAROBA NO SERTÃO

451

Revista Árvore, Viçosa-MG, v.37, n.3, p.451-457, 2013

Conhecimento e uso da carnaúba e da algaroba em...

CONHECIMENTO E USO DA CARNAÚBA E DA ALGAROBA EMCOMUNIDADES DO SERTÃO DO RIO GRANDE DO NORTE, NORDESTE DO

BRASIL1

Laís Costa Rodrigues2, Aryêcha Arruda da Silva2, Raquel Barbosa da Silva2, Antonio Fernando Moraisde Oliveira3 e Laise de Holanda Cavalcanti Andrade3

RESUMO – Em comunidades rurais do Vale do Açu, sertão do Rio Grande do Norte, investigaram-se o conhecimentoe uso de Copernicia prunifera (carnaúba), palmeira nativa do Nordeste do Brasil; e de Prosopis juliflora (algaroba),leguminosa originária do Peru, intencionalmente introduzida na mesma região na década de 1940. Foram entrevistados74 moradores de quatro comunidades estabelecidas no Município de Carnaubais, que citaram o uso de 142 espéciesvegetais, nativas e introduzidas. Os dados foram analisados considerando-se a faixa etária dos entrevistadose as categorias de uso das plantas por eles citadas. Avaliou-se o índice de significado cultural de cada espécieque apontou seu valor para a sobrevivência biológica e cultural dos membros da comunidade. Os usos da carnaúbacitados por 59% dos informantes se enquadravam nas categorias artesanato, combustível e medicinal. A categoriaque mais contribuía para o uso da carnaúba era a categoria construção (UDs

Coper 0,72). A algaroba tem uso

como combustível e forragem, citados por 61% dos entrevistados. Calculou-se o valor da diversidade de usomostrando que a categoria combustível (UDs

Pros 0,37) era a que mais contribuía para o uso da algaroba nas

comunidades rurais. Apesar do desequilíbrio ambiental ocasionado por sua introdução, a algaroba ajuda na subsistênciadas comunidades estudadas e aumentou o repertório de espécies fornecedoras de madeira para lenha, carvãoe construção. A carnaúba, antes bastante utilizada pela população, vem sendo substituída por outras espécies,sendo estas atualmente as novas fontes de renda para a população local.

Palavras-chave: Caatinga; Etnobotânica; Prosopis; Copernicia.

KNOWLEDGE AND USE OF THE CARNAUBA AND MESQUITES

COMMUNITIES IN THE BACKLANDS OF RIO GRANDE DO NORTE,

NORTHEAST BRAZIL

ABSTRACT – In rural communities of the Vale do Acu, inland of Rio Grande do Norte, investigated the knowledge

and use of Copernicia prunifera (carnaúba), palm tree native to northeastern Brazil and of Prosopis juliflora

(algaroba), legume intentionally introduced from Peru in the same region in the 1940s. We interviewed 74

residents of four communities established in the municipality of Carnaubais, citing the use of 142 plant species,

native and introduced. Data were analyzed considering the age categories of respondents and the use of

the plants mentioned by them. We evaluated the level of cultural significance of each species, which indicates

its value to the biological and cultural survival of the community members. The uses cited by 59% of respondents

to fall into the categories carnauba crafts, fuel and medical. The category that most contributes to the use

of carnauba is the category construction (UDs Coper 0.72). The mesquite is used as fuel, and fodder, cited

by 61% of respondents. It has been calculated, the value of the range of use, showing the fuel category

(UDs Pros

0.37) is the largest contributor to the use of mesquite in rural communities. Although environmental

1 Recebido em 02.07.2012 aceito para publicação em 14.05.2013.2 Programa de Pós-Graduação em Biologia Vegetal da Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Ciências Biológicas.E-mail: <[email protected]>, <[email protected] > e <[email protected]>.3 Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Ciências Biológicas, Departamento de Botânica. E-mail: <[email protected]>e <[email protected]>.

Page 2: CONHECIMENTO E USO DA CARNAÚBA E DA ALGAROBA NO SERTÃO

452

Revista Árvore, Viçosa-MG, v.37, n.3, p.451-457, 2013

RODRIGUES, L.C. et al.

unbalance caused by introduction, help on the livelihood of the communities studied and increased the repertoire

of species supplying wood for firewood, charcoal and construction. The carnauba before widely used by the

population has been replaced by other species and these are now the new sources of income for local people

and knowledge of resources offered by it is gradually being lost by the Carnaubais residents.

Keywords: Caatinga; Ethnobotany; Prosopis; Copernicia.

1.INTRODUÇÃO

Copernicia prunifera (Mill.) H. E. Moore é umapalmeira nativa do Nordeste do Brasil que possui caulesolitário, ereto e colunar, caracteristicamente revestidopelos remanescentes da base das folhas já caídas,dispostos espiraladamente. Os caules dos indivíduosdessa espécie podem atingir 10-15 m de altura e 15-25 cm de diâmetro, apresentam folhas numerosas em formade leque (flabeliformes), palmadas, que formam uma copaglobosa. As inflorescências são intrafoliares, ramificadas,dispostas obliquamente e mais longas do que as folhas.Os frutos, ovoides ou globosos, apresentam epicarponegro e liso e mesocarpo fino (LORENZI et al., 2010).

A carnaúba é encontrada na vegetação de Caatinga,preferindo ambientes com terrenos baixos de várzea,principalmente na beira de rios e lagos, periodicamenteinundados. Constitui recurso vegetal bastante utilizadopor diferentes comunidades estabelecidas no semiáridonordestino, ajudando nas necessidades diárias,principalmente daquelas pessoas que vivem no ambienterural (LORENZI et al., 2010).

No Estado do Rio Grande do Norte, o auge daexploração da carnaúba, para a extração da cera,verificou-se na segunda década do século passado(ALBANO; SÁ, 2009). Nesse período, a região do Valedo Açu teve grande importância, por se tratar de ambientede várzea bastante favorável para a agricultura irrigada,aliada à exploração da carnaúba. Segundo Silva (1999),o período de 1969-1979 foi marcado pela exploraçãoda carnaúba e da agricultura irrigada do algodão herbáceo(Gossypium sp.) e da banana (Musa paradisiaca L.).Com a chegada de grandes empresas na região, houveforte queda na extração da cera de carnaúba ao longodas décadas de 1990 e 2000, acompanhada por aumentona produção de banana. Nesse mesmo período, muitasáreas de várzea antes ocupadas pelas matas de carnaúbaforam vendidas para empresas estrangeiras e passarama ser utilizadas para essa monocultura, que passoua ser a nova fonte de renda para a população (ALBANO;SÁ, 2009).

Outra espécie bastante importante para a região dosemiárido do Rio Grande do Norte é Prosopis juliflora

(Sw.) DC., conhecida como algaroba, introduzida noNordeste brasileiro em 1942, com a finalidade de ser maisuma opção de alimento para os animais na época de escassezde forragem. Apresenta-se em forma de arbusto ou pequenasárvores, que podem atingir até 10 m de altura, com troncosde até 1,2 m de diâmetro. As folhas são alternas, bipinadas,com folíolos medindo entre 5 e 24 mm de comprimento.A inflorescência é uma espiga comprida, com tamanhovariando entre 8 e 10 cm de comprimento, em que as floresjovens possuem cor verde esbranquiçada e mudam paraamarelo-claro quando maduras. Os frutos são legumesindeiscentes que apresentam exocarpo estriado, mesocarpocarnoso e de coloração amarelada, medem de 10 a 40 cmde comprimento, 15 a 20 mm de largura e contêm, em média,20 sementes (MENDES, 1989).

A algaroba possui crescimento acelerado e étolerante a ambientes com baixo índice pluviométricoe a solos salinos. Essa espécie também pode ser encontradaao longo dos cursos de rios secos ou periodicamentesecos, já que a presença e profundidade do lençol freáticopermitem a sua distribuição, crescimento e tamanho(SIMPSON et al., 1977).

Além de sua importância na alimentação animal,a algaroba é importante na alimentação humana. Osfrutos de P. juliflora são utilizados na fabricação defarinha, biscoitos, bolos, café, cachaça e vinagre(MENDES, 1989). Essa espécie também é utilizada comoprodutos madeireiros (estacas para cercas) e comocombustível, na forma de lenha e carvão.

A economia da região se baseia na agricultura,pecuária e indústria, com a produção de óleo ou petróleolíquido e gás natural, produção de carvão vegetal, lenhae madeira em tora das espécies florestais nativas efabricação de produtos de espécies florestais nativas,como cera e pó da carnaúba (IDEMA, 2005).

O clima local é do tipo BSwh, quente e semiárido,com temperatura média anual em torno de 27,5 ºC, curtoperíodo chuvoso de fevereiro a abril e umidade relativa

Page 3: CONHECIMENTO E USO DA CARNAÚBA E DA ALGAROBA NO SERTÃO

453

Revista Árvore, Viçosa-MG, v.37, n.3, p.451-457, 2013

Conhecimento e uso da carnaúba e da algaroba em...

média anual de 66%. A fitofisionomia é de CaatingaHiperxerófila, em que são encontradas diversasleguminosas, como a jurema-preta (Mimosa tenuiflora

(Willd.) Poir.); euforbiáceas, como a faveleira(Cnidoscolus phyllacanthus (Müll. Arg.) Pax & K.Hoffm.) e o marmeleiro (Croton sp.); e cactáceas, comoo facheiro (Facheiroa squamosa Braun) e o xique-xique(Pilosocereus gounellei (F.A.C. Weber) Byles & G.D.Rowley (CPRM, 2005).

Neste trabalho, investigaram-se o conhecimentoe uso atual da carnaúba e da algaroba em quatrocomunidades rurais de Carnaubais, no sertão do RioGrande do Norte, comparando o significado culturale o valor da diversidade de uso com o de espécieslenhosas típicas da Caatinga.

2. MATERIAL E MÉTODOS

Localizado na Mesorregião do Oeste Potiguar ena Microrregião do Vale do Açu do Estado do Rio Grandedo Norte, o Município de Carnaubais possui extensãoterritorial de 542,53 km². De acordo com o Censo doIBGE (2010), apresenta densidade populacional de 9.775habitantes por km², distribuídos na zona urbana (4.761)e na zona rural (5.014).

Para este estudo foram selecionadas as comunidadesrurais de Pacheco, Sítio Casinha, Mutamba e Arenosa,onde se encontram 1.977 habitantes moradores de 555residências (IBGE, 2010).

Entre janeiro e abril de 2011 foram entrevistadas64 mulheres com idade variando de 19-82 anos e 10homens com idade entre 21-71 anos, empregando-seformulários semiestruturados e diálogos informais(ALBUQUERQUE et al., 2010).

Além de dados socioeconômicos, como idade,ocupação, renda familiar, tempo de moradia no local,número de moradores na casa e nível de escolaridade,foram levantadas questões relacionadas com oconhecimento e uso das plantas da região, comespecial atenção para a carnaúba e a algaroba. Osusos citados foram enquadrados nas categoriasartesanato, combustível, construção, medicinal eforragem.

As espécies citadas pelos informantes pelo nomevernáculo foram coletadas, identificadas e depositadasno Herbário da Universidade Federal de Pernambuco(UFP).

O Índice de Significado Cultural (ISC) das plantascitadas pelos informantes foi calculado (STOFFLE etal., 1990) e comparado com os obtidos para a carnaúbae a algaroba, para avaliar a importância biológica ecultural das duas espécies das comunidades ruraisinvestigadas.

Determinou-se o Índice de Valor da Diversidadede Uso (UDs) para a algaroba e a carnaúba, seguindoByg e Baslev (2001), para medir como a espécie é usadaem uma categoria e como contribui para o valor deuso total.

Para analisar as informações sobre o uso da carnaúbapelas pessoas foi empregado o teste de Qui-quadrado.O teste G foi calculado para observar se havia diferençasentre as faixas etárias dos informantes que utilizavamou não a carnaúba.

3. RESULTADOS

Nas quatro comunidades estudadas, a carnaúbaera utilizada principalmente para construção de casas(31 citações) e cercas (18 citações) e mais raramentecomo combustível, com apenas uma citação (Figura 1).Além da carnaúba, outras espécies de plantas nativasda região, como jurema-preta (Mimosa tenuiflora (Willd.)

a b

Figura 1 (a-b) – Carnaubeiras (Copernicia prunifera (Mill.)H. E. Moore) em matas ciliares, nas baixadasúmidas e várzeas dos rios, Município deCarnaubais, Rio Grande do Norte, Nordestedo Brasil.

Figure 1 (a-b) – Carnaubas trees (Copernicia prunifera (Mill.)

H. E. Moore), occurring in riparian forest,

wet lowlands and floodplains of rivers,

municipality of Carnaubais, Rio Grande do

Norte, Northeast of Brazil.

Fotos: L. C. Rodrigues (março, 2011).

Photos: L. C. Rodrigues (March, 2011).

Page 4: CONHECIMENTO E USO DA CARNAÚBA E DA ALGAROBA NO SERTÃO

454

Revista Árvore, Viçosa-MG, v.37, n.3, p.451-457, 2013

RODRIGUES, L.C. et al.

Poir, 25 citações), catanduva (Pityrocarpa moniliformis

(Benth.) Luckow & R. W. Jobson, 11 citações), mulungu(Erythrina verna Vell., quatro citações) e mororó(Bauhinia cheilantha (Bong.) Steud., três citações),são empregadas na construção de casas e cercas.

A carnaúba ainda é utilizada na produção de artesanato(17 citações), como bolsas, chapéus e esteiras,confeccionados com suas folhas por moradores da regiãoe vendidos em feiras livres de Carnaubais e outros municípiosdo Estado ou até mesmo enviados para outros Estadosdo Nordeste. O uso medicinal local da carnaúba pelosentrevistados teve apenas uma citação, em que uma mulhercom 54 anos indicou o chá da raiz para dor na coluna.

Apesar de nem todos os entrevistados citarema carnaúba como planta útil, não foi encontrada diferençasignificativa (p = 0,6171; x² = 0,25) entre o número depessoas que afirmaram usar a carnaúba e o daquelasque relataram não utilizá-la. Também não foramsignificativas as diferenças de seu uso entre informantesna faixa etária de até 49 anos (13% do total) e os maioresde 50 anos (p = 0,3800; teste G = 0,7706), que crescerame se tornaram adultos ainda no período de valorizaçãoeconômica da espécie.

Nas comunidades analisadas, aproximadamentea terça parte dos entrevistados utilizava a algarobapara alguma finalidade, sendo citado seu uso comocombustível (20 citações), seguido de forragem(18 citações) e construção de casas e cercas (15 citações)(Figura 2).

Segundo os entrevistados, a madeira da algarobaé considerada de boa qualidade e de longa duração,utilizada na confecção de tábuas, postes e estacaspara a construção de cercas; se utilizada como lenha,produz carvão abundante e de excelente qualidade.

Combustível é a categoria que mais contribui parao uso da algaroba nas comunidades rurais de Carnaubais(UDs

Pros 0,37). Essa categoria também contribui para

o uso de espécies nativas da Caatinga, como catanduva(UDs

Pipta 0,21), jurema-preta (UDs

Mimo 0,10) e catingueira

(UDs Poin

0,10), cujos índices são mais baixos que osencontrados para a algaroba.

As categorias forragem (UDs Pros

0,33) e construção(UDs

Pros 0,28) também contribuíam para o uso da algaroba,

embora com valores mais baixos que a categoriacombustível. Na categoria construção, espécies nativas,como carnaúba (UDs

Coper 0,98), marmeleiro (UDs

Crot

0,96), pereiro (Aspidosperma pyrifolium Mart.) (UDs

Aspid 0,94), jurema-preta e catingueira (UDs 0,89),

apresentavam valores mais elevados que a algaroba.

Apesar de introduzida há relativamente pouco tempo,a algaroba apresentou o mesmo significado culturalque a carnaúba nas quatro comunidades rurais estudadas,com valor de ISC superior ao de muitas espécies nativastípicas da caatinga, como o juazeiro (Ziziphus joazeiro

Mart.), o jatobá (Hymenaea courbaril L.), a jurema-preta, a catingueira (Sideroxylon obtusifolium (Roem.& Schult.) T. D. Penn.) e o jucá (Libidibia ferrea (Mart.Ex. Tul.) L. P. Queiroz) (Tabela 1).

Com relação ao uso da carnaúba nas comunidadesrurais de Carnaubais, a categoria construção era a quemais contribuía para o uso da espécie (UDs

Coper 0,72).

Essa categoria também contribuía para o uso das espéciesnativas da Caatinga, como catingueira (UDs

Poin 0,89),

marmeleiro (UDs Crot

0,89) e pereiro (UDs Aspid

0,10), cujosíndices são mais altos que os encontrados para a carnaúba.

As categorias artesanato (UDs Coper

0,25), medicinal(UDs

Coper 0,01) e combustível (UDs

Coper 0,01) também

contribuíam para o uso da carnaúba, embora com valoresmuito mais baixos que a categoria construção. Na categoriamedicinal, espécies nativas como ameixa (UDs

Ximen 0,97),

cumaru (UDs Ambur

0,95) e jucá (UDs Caesal

0,88) apresentaramvalores mais elevados que a carnaúba. Na categoriacombustível, as espécies nativas da Caatinga tambémtiveram valores baixos, como jurema-preta (UDs

Mimo 0,08),

mofumbo (UDs Combre

0,08) e pereiro (UDs Aspid

0,05).

Figura 2 – Algaroba (Prosopis juliflora (Sw.) DC.) (Carnaubais,Rio Grande do Norte, Nordeste do Brasil.

Figure 2 – Mesquite tree (Prosopis juliflora (Sw.) DC.) (Carnaubais

municipality, Rio Grande do Norte, Northeast of Brazil.

Foto: L. C. Rodrigues (março, 2011).

Photo: L. C. Rodrigues (March, 2011).

Page 5: CONHECIMENTO E USO DA CARNAÚBA E DA ALGAROBA NO SERTÃO

455

Revista Árvore, Viçosa-MG, v.37, n.3, p.451-457, 2013

Conhecimento e uso da carnaúba e da algaroba em...

4. DISCUSSÃO

Em estudo realizado por Francelino et al. (2003)em comunidades de assentados estabelecidas no sertãodo Rio Grande do Norte, estas utilizavam recursosflorestais nativos da Caatinga para subsistência desuas famílias, principalmente quando não havia outrasformas de ocupação. Esses recursos eram empregadoscomo fonte energética, pastagem, infraestrutura emedicinal.

Segundo Albano e Sá (2009), comunidades do RioGrande do Norte utilizavam as raízes da carnaúba comomedicamento, os frutos como alimento, as folhas parafabricação da cera, produção de peças artesanais ecobertura das casas e o tronco para construção decasas e cercas. Neste estudo, constatou-se queatualmente a carnaúba é pouco utilizada nas quatrocomunidades investigadas.

Em comunidades do Nordeste, a raiz da carnaúbaé empregada na forma de elixir para o tratamentode sífilis e afecções cutâneas (AGRA et al., 2007),sendo no Estado do Ceará utilizada no tratamentode úlceras, erupções cutâneas e reumatismo (BRAGA,1976). Nas comunidades de Carnaubais, foimencionada apenas uma citação de uso medicinal,indicando a raiz da carnaúba para tratamento dedores na coluna.

Apesar de não diferir significativamente, constatou-seque metade do conjunto dos entrevistados não utilizavaa carnaúba. Considerando que essas pessoas seencontravam na faixa etária de 20 a 29 anos, provavelmenteo conhecimento sobre essa espécie não será difundidopara seus descendentes e conhecidos, o que pode levara uma erosão do conhecimento e diminuição do valorde uma das mais importantes espécies para a economiada região.

Estudos etnobotânicos realizados em várias partesdo mundo avaliam a importância de uma espécie paradeterminado local, através da quantidade de usosatribuídos a ela pela comunidade (BYG; BASLEV, 2001).Como evidenciam estudos realizados por Felger (1977)e D’Antoni e Solbrig (1977), em comunidadesestabelecidas em regiões áridas e semiáridas de diversospaíses a algaroba fornece numerosos recursos parasuprir as necessidades das populações, sendo utilizadacomo fonte de alimento para o homem, forragem, produçãode lenha e carvão de boa qualidade. Outros recursostambém são utilizados, como a cera na produção develas e remédios, a resina na pintura e confecção deenfeites e as raízes na confecção de cordas de boaqualidade, além de ser bastante comum em alguns paíseso uso da algaroba como medicinal (FELGER, 1977).

Após seis décadas de sua introdução, a Prosopis

juliflora é utilizada como forragem, combustível, paraconstrução de cercas e casas, medicinal e alimentícia

Nome científico Nome vulgar ISC

Ziziphus joazeiro Mart. Juazeiro 20Aspidosperma pyrifolium Mart. Pereiro 20Calliandra spinosa Ducke Umarizeiro 20Hymenaea courbaril L. Jatobá 24Combretum leprosum Mart. Mofumbo 24Mimosa tenuiflora (Willd.) Poir Jurema-preta 28Pityrocarpa moniliformis (Benth.) Luckow & R.W.Jobson Catanduva 32Amburana cearensis (Alemão) A. C. Sm. Cumaru 32Sideroxylon obtusifolium (Humb. Ex Roem. & Schult.) T.D. Penn. Quixabeira 36Poincianella pyramidalis (Tul.) L.P.Queiroz Catingueira 40Libidibia férrea (Mart. Ex. Tul.) L.P. Queiroz Jucá 40Copernicia prunifera (Mill.) H.E. Moore Carnaúba 48Prosopis juliflora (Sw.) DC. Algaroba 48

Tabela 1 – Posicionamento de Prosopis juliflora (Sw.) DC. e Copernicia prunifera (Mill.) H.E. Moore em relação às espécieslenhosas nativas da Caatinga de maior significado cultural para as comunidades de Arenosa, Sítio Casinha, Pachecoe Mutamba (Carnaubais, Rio Grande do Norte). ISC = Índice de Significado Cultural.

Table 1 – Positioning of Prosopis juliflora (Sw.) DC. and Copernicia prunifera (Mill.) H.E. Moore in relation to nativespecies of Caatinga with the highest cultural significance to the communities Arenosa, Sítio Casinha, Pacheco

and Mutamba (Carnaubais, Rio Grande do Norte). ISC = Cultural Significance Index.

Page 6: CONHECIMENTO E USO DA CARNAÚBA E DA ALGAROBA NO SERTÃO

456

Revista Árvore, Viçosa-MG, v.37, n.3, p.451-457, 2013

RODRIGUES, L.C. et al.

pelas comunidades rurais do Nordeste do Brasil(ALBUQUERQUE; ANDRADE, 2002ab; ALBUQUERQUEet al., 2007; NASCIMENTO et al., 2008; ALBUQUERQUEet al., 2009; ALMEIDA et al., 2010). Tais usos tambémforam atribuídos pelas comunidades rurais investigadasno Município de Carnaubais, RN.

Silva e Andrade (2004) comentaram que espéciesexóticas inseridas em algumas culturas apresentam,nos dias atuais, grande destaque, com índice designificado cultural mais elevado do que as espéciesnativas, apontando maior valorização por espéciesde outros países. Neste estudo, constatou-se que,apesar de introduzida, a algaroba apresentaatualmente índice de significado cultural mais elevadodo que muitas espécies nativas da região do Valedo Açu.

5. CONCLUSÕES

Os baixos valores apresentados para as categoriasde uso atribuídas à carnaúba evidenciam que atualmenteesta espécie era pouco utilizada pelas comunidadesinvestigadas.

A utilização da algaroba pelos moradores deCarnaubais pode amenizar o impacto de uso sobrealgumas espécies nativas, empregadas na alimentaçãoanimal, na produção de carvão ou na confecção detábuas e estacas para a construção de casas e cercas.

6. AGRADECIMENTOS

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoalde Nível Superior – CAPES, pela bolsa concedida àprimeira autora; aos moradores das comunidades deArenosa, Pacheco, Sítio Casinha e Mutamba, pelaacolhida; especialmente àqueles que dispuseram doseu tempo para participar das entrevistas nas quaisse basearam este trabalho.

7. REFERÊNCIAS

AGRA, M. F.; FRANÇA, P. F.; BARBOSA-FILHO, J.M. Synopsis of the plants known as medicinal andpoisonous in Northeast of Brazil. Revista Brasileirade Farmacognosia, v.17, p.114-140, 2007.

ALBANO, G. P.; SÁ, A. J. Vale do Açu-RN: Apassagem do extrativismo da carnaúba para amonocultura de banana. Revista deGeografia, v.26, n.3, p.6-32, 2009.

ALBUQUERQUE, U. P.; ANDRADE, L. H. C.Uso de recursos vegetais da caatinga: o casodo agreste do estado de Pernambuco(Nordeste do Brasil). Interciência , n.27,p.336-346, 2002a.

ALBUQUERQUE, U. P.; ANDRADE, L. H. C.Conhecimento botânico tradicional e conservaçãoem uma área de caatinga no estado de Pernambuco,Nordeste do Brasil. Acta Botanica Brasilica,v.16, n.3, p.273-285, 2002b.

ALBUQUERQUE, U. P. et al. Medicinal plants ofthe caatinga (semi-arid) vegetation of NE Brazil: aquantitative approach. Journal ofEthnopharmacology, n.114, p.325-354, 2007.

ALBUQUERQUE, U. P. et al. How ethnobotanycan aid biodiversity conservation: reflections oninvestigations in the semi-arid region of NE Brazil.Biodiversity and Conservation, v.18, n.1,p.127-150, 2009.

ALBUQUERQUE, U. P; LUCENA, R. F. P. L.;CUNHA, L.V.F.C. Métodos e Técnicas naPesquisa Etnobiológica eEtnoecológica. Recife: Nupeea, 2010.

ALMEIDA, C. F. C. B. R. et al. A comparison ofknowledge about medicinal plants for three ruralcommunities in the semi-arid region of northeastof Brazil. Journal of Ethnopharmacology,v. 127, n.3, p.674-684, 2010.

BRAGA, R. Plantas do Nordeste,especialmente do Ceará. 4 ed. Natal:Universitária-UFRN, 1976. 539p. (ColeçãoMossoroense vol.315).

BYG, A.; BASLEV, H. Diversity and use of palms inZahamena, eastern Madagascar. Biodiversityand Conservation, n.10, p.951-970, 2001.

CPRM – Serviço Geológico do Brasil. Instruçõese procedimentos de padronização notratamento digital de dados paraprojetos de mapeamento da CPRM:manual de padronização. Rio de Janeiro: 2005. v.2.

D’ANTONI, H. L.; SOLBRIG, O. T. Algarrobos inSouth American cultures: past and present. In:Simpson, B.B. (Ed.). Mesquite: Its biology intwo desert ecosystems. Stroudsburg: Dowden,Hutchinson and Ross, 1977. p. 189-200.

Page 7: CONHECIMENTO E USO DA CARNAÚBA E DA ALGAROBA NO SERTÃO

457

Revista Árvore, Viçosa-MG, v.37, n.3, p.451-457, 2013

Conhecimento e uso da carnaúba e da algaroba em...

FELGER, R. S. Mesquite in Indian cultures ofsouthwestern North America. In: Simpson, B.B.(Ed.). Mesquite: Its biology in twodesert ecosystems. Stroudsburg: Dowden,Hutchinson and Ross, 1977. p. 150-176.

FRANCELINO, M. R. et al. Contribuição daCaatinga na sustentabilidade de projetos deassentamentos no sertão norte-rio-grandense.Revista Árvore, v.27, n.1, p.79-86, 2003.

IDEMA. Instituto de Desenvolvimento Sustentável eMeio Ambiente do Rio Grande do Norte, 2005.Disponível em: <http://www.idema.rn.gov.br.> Acesso: março de 2011.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -IBGE,, 2010 Disponível em: http:<//www.ibge.gov.br.> Acesso: março de 2011.

LORENZI, H.; NOBLICK, L.; KAHN, F.;FERREIRA, E. Flora brasileira Lorenzi:Arecaceae (palmeiras). InstitutoPlantarum de Estudos da Flora . NovaOdessa, 2010. 368p.

MENDES, B. V. Potencialidades de Utilização daAlgarobeira (Prosopis juliflora (SW) DC) noSemi-árido Brasileiro. Mossoró: ColeçãoMossoroense, v.1 n.2: p.118-120, 1989.

NASCIMENTO, V. T. et al. Rural fences inagricultural landscapes and their conservationrole in an area of caatinga (dryland vegetation) inNortheast Brazil. Environment,Development and Sustainability, v.11,n.5, p.1005-1029, 2008.

SILVA, A.G. Trabalho e tecnologia na produção defrutas irrigadas no Rio Grande do Norte-Brasil. In:Cavalcanti, J. S. B. (Org.). Globalização,trabalho, meio ambiente: mudançassocioeconômicas em regiões frutícolas paraexportação. Recife: Universitária da UFPE, 1999.p.171-220.

SILVA, V. A.; ANDRADE, L. H. C. O significadocultural das espécies botânicas entre indígenasde Pernambuco: o caso Xucuru. Biotemas, v.17,n.1, p.79-94, 2004.

SIMPSON, B. B.; NEFF, J. L.; MOLDENKE, A. R.Prosopis flowers as a resource. In: Mesquite,Its Biology in Two Desert ShrubEcosystems. SIMPSON, B. B. (Ed.). Dowden:Hutchinson and Ross, 1977. p.84-107.

STOFFLE, R. W.; EVANS, M. J.; OLMSTED, J. E.Calculating the cultural significance of americanindian plants: Paiute and Shoshone ethnobotanyat Yucca Mountain, Nevada. AmericanAnthropologist, v.92, n.2, p.416-432, 1990.

Page 8: CONHECIMENTO E USO DA CARNAÚBA E DA ALGAROBA NO SERTÃO

458

Revista Árvore, Viçosa-MG, v.37, n.3, p.451-457, 2013

RODRIGUES, L.C. et al.