confianÇa polÍtica na amÉrica latinaaprovado em 11 de dezembro de 2009. ednaldo aparecido ribeiro...

16
167 RESUMO CONFIANÇA POLÍTICA NA AMÉRICA LATINA: EVOLUÇÃO RECENTE E DETERMINANTES INDIVIDUAIS Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. 39, p. 167-182, jun. 2011 Recebido em 23 de novembro de 2009. Aprovado em 11 de dezembro de 2009. Ednaldo Aparecido Ribeiro Recentes pesquisas sobre o tema da confiança política têm apontado um quadro de significativo descrédito dos cidadãos em relação às principais instituições das democracias ocidentais. Entre as diferentes explica- ções levantadas para esse grave fenômeno, tem recebido destaque a tese que o associa a um processo de mudança cultural que estaria conduzindo ao estabelecimento de uma cidadania crítica e, conseqüentemen- te, a um novo padrão nas relações entre os indivíduos e o sistema político. Ainda que satisfatoriamente testada em democracias de longa tradição e relativamente consolidadas, alguns críticos têm apontado a fragilidade explicativa dessa hipótese para o caso das jovens democracias, nas quais o fenômeno seria explicado pela desilusão dos cidadãos com o funcionamento concreto das instituições que compõem o sistema político. Nesse trabalho tratamos dessa polêmica ao testar essas hipóteses no contexto latino- americano, investigando os determinantes individuais da desconfiança política. Utilizando dados produzi- dos pelo projeto World Values Survey em suas três ondas conduzidas na região, inicialmente analisamos a evolução recente de alguns indicadores e, na seqüência, propomos um modelo que confronta simultanea- mente diferentes explicações para o fenômeno em questão. PALAVRAS-CHAVE: desconfiança política; democracia; desilusão; América Latina. I. INTRODUÇÃO Pesquisas recentes sobre o tema da confiança política apontam para uma verdadeira síndrome de desconfiança de dimensões globais (NYE, 1997; LEVI, 1998; KLINGEMANN, 1999; WARREN, 1999; DALTON, 1999; 2004, CATTERBERG & MORENO, 2006). A inegável expansão da demo- cracia como forma de governo dominante em ní- vel global, no que Huntington (1991) denominou de “terceira onda”, tem convivido desde as déca- das finais do século passado com manifestações de descrédito crescente dos cidadãos em relação às principais instituições dessa forma de governo. Tal crise não parece poupar nem mesmo os regi- mes com longa tradição e níveis consideráveis de consolidação, nos quais se verifica a ocorrência de um cinismo endêmico e enraizado, motivado por escândalos (pontuais ou recorrentes) relacionados à corrupção e também pela manifesta incapacidade institucional no atendimento dos anseios da popu- lação (DALTON, 1999; KLINGEMANN, 1999; NEWTON & NORRIS, 2000). Se há um relativo consenso acerca desse qua- dro geral de descrédito institucional, o mesmo não ocorre no campo das explicações, sobretudo quan- do se trata de entender as razões para as diferentes intensidades do fenômeno em distintos países: fun- damentando-se em argumentos sócio-psicológicos alguns estudiosos interpretam a questão da confi- ança com base nos tipos de personalidades indivi- duais (ROSENBERG, 1957; GABRIEL, 1995); no campo culturalista, outros explicam a sua variação a partir do complexo de valores culturais de cada uma das sociedades (BELLAH, 1985; COLEMAN, 1990; FUKUYAMA, 1995); outros ainda, apoiados em teorias racionalistas, defendem que a confiança é uma função direta da avaliação dos cidadãos em relação ao desempenho econômico de governos e elites políticas (KORNBERG & CLARKE, 1992; ANDERSON, 1995). Dentre as propostas mais recentes, tem mere- cido bastante destaque aquela formulada por pes- quisadores como Ronald Inglehart, envolvidos com a análise dos processos de mudança cultural em perspectiva comparada. Para os defensores dessa abordagem uma postura crítica diante das estruturas tradicionais de representação política das democracias ocidentais estaria desenvolven- do-se como parte de um fenômeno maior de mu- danças nas prioridades valorativas individuais em direção à valorização da auto-expressão e do bem-

Upload: others

Post on 23-Jul-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: CONFIANÇA POLÍTICA NA AMÉRICA LATINAAprovado em 11 de dezembro de 2009. Ednaldo Aparecido Ribeiro Recentes pesquisas sobre o tema da confiança política têm apontado um quadro

167

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 39: 167-182 JUN. 2011

RESUMO

CONFIANÇA POLÍTICA NA AMÉRICA LATINA:EVOLUÇÃO RECENTE E DETERMINANTES INDIVIDUAIS

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. 39, p. 167-182, jun. 2011Recebido em 23 de novembro de 2009.Aprovado em 11 de dezembro de 2009.

Ednaldo Aparecido Ribeiro

Recentes pesquisas sobre o tema da confiança política têm apontado um quadro de significativo descréditodos cidadãos em relação às principais instituições das democracias ocidentais. Entre as diferentes explica-ções levantadas para esse grave fenômeno, tem recebido destaque a tese que o associa a um processo demudança cultural que estaria conduzindo ao estabelecimento de uma cidadania crítica e, conseqüentemen-te, a um novo padrão nas relações entre os indivíduos e o sistema político. Ainda que satisfatoriamentetestada em democracias de longa tradição e relativamente consolidadas, alguns críticos têm apontado afragilidade explicativa dessa hipótese para o caso das jovens democracias, nas quais o fenômeno seriaexplicado pela desilusão dos cidadãos com o funcionamento concreto das instituições que compõem osistema político. Nesse trabalho tratamos dessa polêmica ao testar essas hipóteses no contexto latino-americano, investigando os determinantes individuais da desconfiança política. Utilizando dados produzi-dos pelo projeto World Values Survey em suas três ondas conduzidas na região, inicialmente analisamos aevolução recente de alguns indicadores e, na seqüência, propomos um modelo que confronta simultanea-mente diferentes explicações para o fenômeno em questão.

PALAVRAS-CHAVE: desconfiança política; democracia; desilusão; América Latina.

I. INTRODUÇÃO

Pesquisas recentes sobre o tema da confiançapolítica apontam para uma verdadeira síndromede desconfiança de dimensões globais (NYE, 1997;LEVI, 1998; KLINGEMANN, 1999; WARREN,1999; DALTON, 1999; 2004, CATTERBERG &MORENO, 2006). A inegável expansão da demo-cracia como forma de governo dominante em ní-vel global, no que Huntington (1991) denominoude “terceira onda”, tem convivido desde as déca-das finais do século passado com manifestaçõesde descrédito crescente dos cidadãos em relaçãoàs principais instituições dessa forma de governo.Tal crise não parece poupar nem mesmo os regi-mes com longa tradição e níveis consideráveis deconsolidação, nos quais se verifica a ocorrência deum cinismo endêmico e enraizado, motivado porescândalos (pontuais ou recorrentes) relacionadosà corrupção e também pela manifesta incapacidadeinstitucional no atendimento dos anseios da popu-lação (DALTON, 1999; KLINGEMANN, 1999;NEWTON & NORRIS, 2000).

Se há um relativo consenso acerca desse qua-dro geral de descrédito institucional, o mesmo nãoocorre no campo das explicações, sobretudo quan-

do se trata de entender as razões para as diferentesintensidades do fenômeno em distintos países: fun-damentando-se em argumentos sócio-psicológicosalguns estudiosos interpretam a questão da confi-ança com base nos tipos de personalidades indivi-duais (ROSENBERG, 1957; GABRIEL, 1995); nocampo culturalista, outros explicam a sua variaçãoa partir do complexo de valores culturais de cadauma das sociedades (BELLAH, 1985; COLEMAN,1990; FUKUYAMA, 1995); outros ainda, apoiadosem teorias racionalistas, defendem que a confiançaé uma função direta da avaliação dos cidadãos emrelação ao desempenho econômico de governos eelites políticas (KORNBERG & CLARKE, 1992;ANDERSON, 1995).

Dentre as propostas mais recentes, tem mere-cido bastante destaque aquela formulada por pes-quisadores como Ronald Inglehart, envolvidoscom a análise dos processos de mudança culturalem perspectiva comparada. Para os defensoresdessa abordagem uma postura crítica diante dasestruturas tradicionais de representação políticadas democracias ocidentais estaria desenvolven-do-se como parte de um fenômeno maior de mu-danças nas prioridades valorativas individuais emdireção à valorização da auto-expressão e do bem-

Page 2: CONFIANÇA POLÍTICA NA AMÉRICA LATINAAprovado em 11 de dezembro de 2009. Ednaldo Aparecido Ribeiro Recentes pesquisas sobre o tema da confiança política têm apontado um quadro

168

CONFIANÇA POLÍTICA NA AMÉRICA LATINA

estar subjetivo (INGLEHART, 1999; INGLEHART& CATTERBERG, 2002; INGLEHART &WELZEL, 2005). Tais prioridades, por sua vez,gerariam nos cidadãos o desejo por participação emaior autonomia que não estaria sendo satisfeitode maneira adequada pelas instituições tradicionaisestruturadas hierarquicamente, como os partidos esindicatos. Diante disso, as pessoas estariam cadavez mais engajando-se em modalidades de ação não-convencionais e contestatórias, bem como mani-festando níveis cada vez menores de confiança nasinstituições políticas (INGLEHART, 1999).

Sendo assim, a desconfiança é interpretada poresses autores como manifestação de uma posturacrítica em relação às instituições tradicionais, fun-damentada em sólida opção pela participação e li-berdade de expressão. Ao invés de problemática,a baixa confiança institucional seria potencialmentepositiva ao processo de aprofundamento demo-crático (MISHLER & ROSE, 2001; INGLEHART,1999).

Ainda que essa hipótese seja consistente e te-nha sobrevivido a testes importantes no contextodos países de industrialização avançada, a sua trans-posição imediata para as chamadas jovens demo-cracias, como as latino-americanas, é no mínimoproblemática. As condições sociais e econômicasnormalmente associadas ao processo de mudançacultural pós-materialista de que tratam Inglehart eseus colaboradores não se verificam na imensamaioria das sociedades envolvidas nesse grupo, demodo que outros fatores deveriam ser considera-dos nas análises sobre o fenômeno em questãonesses contextos específicos. Desta forma, algunspesquisadores têm defendido que as causas e con-seqüências da redução dos níveis de confiança po-lítica nas democracias solidamente estabelecidasseriam distintas daquelas que poderiam explicar omesmo processo nos novos regimes. Se nas pri-meiras a tese da emergência da cidadania críticafaz sentido, no caso das sociedades que recente-mente fizeram suas transições essa argumentaçãocareceria de consistência. Nessas últimas, a desi-lusão e a insatisfação com o real funcionamento dademocracia é que determinaria os níveis de confi-ança manifestos pelos cidadãos em relação às insti-tuições (CATTERBERG & MORENO, 2006).

A partir dessa perspectiva crítica, deveríamosentender a baixa confiança institucional verificadaentre os públicos latino-americanos como conse-qüência de seguidas avaliações negativas sobre o

desenvolvimento concreto da democracia, o fun-cionamento de suas instituições e a atuação daselites políticas. Como as condições sócio-econô-micas necessárias à sofisticação política dos indi-víduos e ao desenvolvimento de uma cidadaniacrítica ainda não se verificam de maneira consis-tente por aqui, a desilusão ou insatisfação com aefetividade dessa forma de governo apareceriacomo resposta mais adequada.

Pretendemos com esse artigo contribuir paraesse interessante debate sobre as causas da confi-ança política através da apresentação de resultadosde testes empíricos que confrontam diferentes hi-póteses em um único modelo que busca identificaros determinantes individuais ou micro-fundamen-tos dessas disposições e atitudes entre os cidadãosde quatro países: Argentina, Brasil, Chile e Peru.Por meio da construção de um modelo de análisemultivariada que opõe as principais hipóteses teóri-cas contemporâneas sobre a questão, pretendemosinvestigar os impactos produzidos por diferentesdimensões de valores e atitudes sobre o grau deconfiança depositado pelos públicos dessas naçõesnas principais instituições políticas. Adicionalmen-te, nos interessa também identificar possíveis ten-dências de evolução nesses indicadores a partir deuma curta série histórica de dados.

II. BREVE DISCUSSÃO SOBRE A CAUSALI-DADE

A hipótese básica defendida pelos autores quepartem da noção de cidadania crítica associa osbaixos níveis de confiança política ao desenvolvi-mento de uma perspectiva contestadora em rela-ção às instituições tradicionais (INGLEHART,1999). As bases desse argumento, todavia, sãomais gerais e se iniciam na tese de que o desen-volvimento sócio-econômico, verificado principal-mente pelas nações industrialmente avançadas nasegunda metade do século XX, teria produzidouma crescente sofisticação cognitiva nos indiví-duos e conduzido à emergência dos chamadosvalores pós-materialistas (NORRIS, 1999). Umdos efeitos desse fenômeno cultural abrangenteseria a combinação entre uma adesão crescente aprincípios, valores e atitudes democráticas e amanifestação de elevados níveis de desconfiança.A hipótese da cidadania crítica remonta, portanto,às polêmicas formulações que compõem a teoriado desenvolvimento humano, formulada e defen-dida por Ronald Inglehart e seus vários colabora-dores (INGLEHART & WELZEL, 2005).

Page 3: CONFIANÇA POLÍTICA NA AMÉRICA LATINAAprovado em 11 de dezembro de 2009. Ednaldo Aparecido Ribeiro Recentes pesquisas sobre o tema da confiança política têm apontado um quadro

169

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 39: 167-182 JUN. 2011

As primeiras tentativas de sistematização des-sa teoria foram conduzidas na década de 1970,quando Inglehart publicou The Silent Revolution,obra recorrentemente apontada como marco inau-gural de um programa de pesquisas que tem de-fendido a tese da ocorrência de uma lenta e contí-nua alteração nas prioridades valorativas individu-ais em nível mundial. Desde esse impulso inicialquase três décadas de investigações empíricas eteóricas passaram-se e, repetidamente, a tese damudança de um amplo conjunto de valores huma-nos em direção a uma postura pós-materialista temsido testada a partir de evidências empíricascoletadas em dezenas de países nos diferentescontinentes e regiões do globo.

Dentre os vários efeitos gerados por essareorientação valorativa, no campo político se des-taca a incorporação ou adoção de valores e atitu-des congruentes com o estabelecimento, consoli-dação e aprofundamento de democracias (idem).Em paralelo a esse aspecto incontestavelmentepositivo, entretanto, também estaria se desenvol-vendo uma postura crítica em relação ao funcio-namento concreto das instituições políticas dessaforma de governo e, sobretudo, peloquestionamento dos mecanismos tradicionais derepresentação (INGLEHART, 1990; 2001;INGLEHART & WELZEL, 2005).

Uma das conseqüências diretas dessas dispo-sições críticas seria a redução significativa nas ta-xas de mobilização política verificada nas últimasdécadas nas sociedades avançadas industrialmen-te. Esse quadro, todavia, não deveria ser interpre-tado como sinal de apatia por parte dos públicosdessas nações, pois em paralelo a essa redução naparticipação tradicional estaria ocorrendo proces-so inverso nas chamadas elite-directed politicalaction, ou seja, nas atividades de contestação àsinstituições e elites estabelecidas (NORRIS, 2002;INGLEHART & WELZEL, 2005).

Pesquisas conduzidas em países desenvolvi-dos economicamente têm testado essa hipótesecom sucesso, entretanto, isso não pode autorizara sua transposição para realidades sociais, econô-micas e políticas distintas, como a das nações la-tino-americanas que apenas recentemente passa-ram por processos de democratização e lutam paraconsolidar suas instituições. Além disso, como jámencionamos anteriormente, as condições de se-gurança física e material imprescindíveis à ocor-rência da sofisticação e da reorientação valorativa

de que trata a teoria do desenvolvimento humanonão podem ser aqui encontradas de maneira ge-neralizada. A suposta síndrome de valores pós-materialistas atinge nesses países um percentualreduzido da população e a sofisticação política éainda limitada.

Em uma abordagem que acreditamos ser maispertinente ao cenário da América Latina, Catterberge Moreno (2006) defendem que a dinâmica deflutuação dos níveis de confiança política nessescontextos parece seguir um padrão semelhante aoverificado nas taxas de aprovação presidencial nosperíodos pós-eleitorais, partindo de patamares ele-vados para gradualmente caírem contínua e sensi-velmente. Os processos de transição democráticanessas nações conduziram à formulação de altasexpectativas que se manifestaram em altos níveisde aprovação e confiança no momento imediata-mente posterior à mudança, configurando uma es-pécie de lua-de-mel com a democracia(INGLEHART & CATTERBERG, 2002). A inefici-ência da maioria dos regimes implementados noatendimento dessas expectativas, sobretudo nasáreas econômicas e sociais, levaram gradualmenteao desencanto e ceticismo em relação ao sistemapolítico, o que aparece claramente nas atuais taxasde confiança depositadas em suas instituições fun-damentais. Assim, a desconfiança nesse amplo con-junto de nações não poderia ser considerada resul-tado de uma mudança cultural produzida pela emer-gência de gerações de indivíduos socializados emcontextos sócio-econômicos mais favoráveis, massim efeito da desilusão em relação ao sistema polí-tico concretamente existente e, principalmente, aodesempenho de suas instituições.

De fato, essa parece ser a situação dos paísesda região, nos quais o estabelecimento das liber-dades civis e dos direitos políticos foi acompa-nhado por crescente desencanto e desconfiançaem relação às instituições em decorrência das enor-mes dificuldades dos sucessivos governos emresolver os graves problemas sociais e econômi-cos que atingem as nações como um todo e asclasses menos favorecidas em especial (CARVA-LHO, 2001; MOISÉS, 2005).

Apesar de salientar que não existem ainda in-dícios consistentes de que essa manifesta descon-fiança esteja acompanhada da preferência por re-gimes autoritários no caso brasileiro, Moisés(2005) chama a atenção para os possíveis efeitosde longo prazo caso esse quadro não se reverta.

Page 4: CONFIANÇA POLÍTICA NA AMÉRICA LATINAAprovado em 11 de dezembro de 2009. Ednaldo Aparecido Ribeiro Recentes pesquisas sobre o tema da confiança política têm apontado um quadro

170

CONFIANÇA POLÍTICA NA AMÉRICA LATINA

Defendendo uma posição que consideramos pró-xima da adotada por Catterberg e Moreno (2006),esse pesquisador nacional vê a confiança políticacomo uma função da coerência das instituiçõesem relação as suas justificativas normativas. Essenível normativo geraria nos indivíduos determi-nadas expectativas acerca do funcionamento con-creto das mesmas e do confronto entre o espera-do e o verificado surgiria a satisfação ou a insatis-fação, a confiança ou a desconfiança.

A confiança seria, portanto, um fenômenomultidimensional nos termos eastonianos, poisdependeria tanto da internalização de valoresnormativos, quanto das experiências políticas dosindivíduos em suas vidas adultas (EASTON,1965). O cidadão ao longo do seu processo desocialização primária seria apresentado a um con-junto de orientações que o conduziria a formula-ção de expectativas em relação à existência e aodesempenho das instituições. Tais orientaçõespodem ser positivas ou negativas, refletindo osdiferentes contextos em que se deu o períodoformativo das personalidades, sendo tambémmutáveis e sensíveis às experiências que se de-senvolvem na fase adulta dos indivíduos. Assim,níveis elevados de confiança política construídosnos períodos iniciais de formação podem ser re-duzidos pela constatação concreta de que as insti-tuições não têm desempenhado a contento as fun-ções para as quais foram criadas (LOPES & NAS-CIMENTO, 2004; MENEGUELLO, 2006).

Nessa seção foi nosso propósito apresentar osargumentos básicos de apenas duas perspectivasconcorrentes sobre as causas do fenômeno emquestão para os contextos das chamadas jovensdemocracias. Como citamos na introdução, essasnão são as únicas disponíveis, mas a sua relevân-cia para a discussão das particularidades dessegrupo de nações nos levou a sintetizar toda umavasta produção teórica sobre o tema nas duas abor-dagens. Apesar de defendermos essa opção, gos-taríamos de alertar para a diversidade de visõesdisponíveis expondo rapidamente os argumentosde um conjunto de explicações alternativas quepodem ser agrupadas sob o rótulo de teorias docapital social.

De uma forma geral o ponto de partida dessaabordagem são as formulações clássicas de Almonde Verba (1989), buscando explicar os níveis deconfiança em termos do complexo de valores cul-turais de cada país. A matriz cultural de cada povo,transmitida a cada um dos seus membros por meio

das agências de socialização infantil e adulta, nocampo político se manifestaria nos valores e atitu-des dos cidadãos em relação às instituições e aosseus operadores, ou seja, em uma cultura políticaespecífica. Nos grupos primários, como a família,e nas instituições responsáveis pela formação dosindivíduos como a escola, o ambiente de trabalho,os grupos de amigos, ocorreria um processo con-tínuo de aprendizagem para a vida cívica que seriamais ou menos intensa em razão do maior ou me-nor incentivo à competência política dos cidadãos.

Os trabalhos de Fukuyama (1995) e Putnam(1996), dentre outros, reeditaram esses argumen-tos valorizando e incentivando a participação vo-luntária dos indivíduos como estratégia decapacitação dos mesmos para a vida pública e tam-bém para a criação de um ambiente favorável aoestabelecimento de estoques de confiançainterpessoal e política que poderiam minimizar osdilemas envolvidos nas ações coletivas, condu-zindo à maior desenvolvimento econômico e agovernos administrativamente mais eficientes. Ain-da que nossa intenção não seja testar especifica-mente essa teoria para os países por nóspesquisados, tratamos de incluir algumas variá-veis a ela relacionadas para identificar sua capaci-dade explicativa como hipótese alternativa.

Também foram introduzidas nas análises pro-postas algumas medidas que não dizem respeitodiretamente à noção de capital social, mas que nosremetem a essa dimensão dos valores, tais comoa adesão a democracia como valor e a aceitaçãoem relação à corrupção. Como essas variáveis nãonos remetem a teorias ou formulações indepen-dentes acreditamos que não seja necessário dis-cutir seus fundamentos nessa seção teórica. Des-ta forma, iremos nos referir a elas apenas quandoestivermos apresentando os modelos multivariadosconstruídos para explorar os determinantes indi-viduais da confiança política.

III. HIPÓTESE

Posicionando-nos mais claramente nesse de-bate, acreditamos que as variações nos níveis deconfiança institucional entre os públicos das na-ções latino-americanas podem ser mais satisfato-riamente explicadas pela quebra de expectativasgeradas pelos processos de transição para a de-mocracia, sobretudo no que diz respeito a ques-tões econômicas e sociais. Não pretendemos, éclaro, questionar de forma geral a tese da cidada-nia crítica derivada das pesquisas sobre os valo-

Page 5: CONFIANÇA POLÍTICA NA AMÉRICA LATINAAprovado em 11 de dezembro de 2009. Ednaldo Aparecido Ribeiro Recentes pesquisas sobre o tema da confiança política têm apontado um quadro

171

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 39: 167-182 JUN. 2011

res pós-materialistas, mas tomamos como hipóte-se de trabalho a afirmação de que as condições paraa sua ocorrência não podem ser verificadas entreos países envolvidos em nossa pesquisa. Nessesentido, os altos níveis de desconfiança não seriamresultados de um processo de crescente sofistica-ção dos cidadãos dessa região, mas sim indícios designificativo desencanto em relação às instituiçõescentrais dos governos aqui estabelecidos no con-texto da terceira onda de democratização.

IV. DADOS E METODOLOGIA

Para testar essa hipótese, utilizamos nessa in-vestigação dados produzidos pelo projeto WorldValues Surveys (WVS) sobre quatro países lati-no-americanos: Argentina, Brasil, Chile e Peru. OWVS é uma grande investigação sobre mudançassócio-culturais e políticas, executada por uma redeglobal de cientistas sociais a partir de surveys apli-cados a amostras nacionais representativas demais de 80 nações espalhadas por todos os conti-nentes do planeta. As coletas de dados têm se re-petido desde o início da década de 1980 em su-cessivas ondas (1980-1984, 1990-1993, 1995-1997, 1999-2002 e 2005) e na sua última ediçãoconcluída produziu dados representativos paramais de 80% da população mundial1.

No que diz respeito à metodologia empregada,em um primeiro momento nos valemos tão so-mente de técnicas de análise descritiva, cujos re-sultados são apresentados na forma de gráficosde linha que descrevem trajetórias de elevação,estagnação ou redução de alguns indicadores deconfiança nas principais instituições políticas de-mocráticas para cada um dos países.

Na etapa analítica a técnica multivariada deregressão linear múltipla é empregada para com-posição de um modelo preditivo que incorporadiferentes variáveis relacionadas a hipóteses outeorias explicativas sobre a confiança política.

Nosso objetivo com esse procedimento é compa-rar os efeitos produzidos por cada uma dessasmedidas sobre um indicador condensado de con-fiança medida no nível individual e, com isso, tes-tar empiricamente a pertinência das abordagens aelas relacionadas para a explicação do fenômeno.

V. EVOLUÇÃO DA CONFIANÇA NAS INSTI-TUIÇÕES

Para a análise do quadro atual e também daevolução recente da confiança política na Améri-ca Latina, selecionamos as medidas acerca de ins-tituições que consideramos mais relevantes nocontexto dessas jovens democracias: parlamento(Câmara Federal e Senado), partidos políticos,poder Judiciário, serviços públicos e sindicatos2.

Sobre os parlamentos, verificamos abaixo (Grá-fico 1)3 uma tendência de queda em três dos pa-íses. O caso argentino é o mais radical, pois entre1984 e 1999 o percentual de entrevistados queafirmaram confiar em parte ou confiar totalmentesofreu queda de mais 60 pontos. Apenas entre aspesquisas de 1999 e 2006 constata-se uma inter-rupção dessa queda, porém sem recuperação sig-nificativa. Trajetória semelhante é descrita peloChile que em 1990 apresentava 63,4% de confi-ança e em 2006 atingiu 26,2%, sem qualquer indi-cação de reversão desse movimento de redução.No caso peruano temos dados apenas de poucomais de uma década, mas ainda assim a queda éevidente, pois em 1996 o percentual atingiu 15pontos e em 2006 apenas 7,6. O Brasil é o únicoque percorre um movimento distinto, apresentan-do elevação de mais de 10 pontos entre as pesqui-sas de 1991 e 1997 e caindo em 2006 para 25,1%.Ao nos concentrarmos sobre o cenário a partir dadécada de 1990, o quadro geral da confiança nosparlamentos na região é negativo, pois em nenhummomento os percentuais ultrapassam a casa dos40 pontos.

1 Dados das quatro primeiras sondagens estão presentesna base integrada v20060423, que reúne todas as pesquisasrealizadas pelo WVS e também pelo European ValuesSurveys desde 1980. Essa base integrada está disponívelno seguinte endereço: http://www.worldvaluessurvey.org/, sob o código xwvsevs_1981_2000_v20060423. Os dadosda última onda estão na base wvs2005a_v20081015,também disponível no endereço mencionado. Informaçõessobre composição das amostras, questionário e codificaçõestambém podem ser obtidas nesse endereço ou solicitadasao autor deste artigo via correio eletrônico.

2 Essas variáveis são obtidas com a seguinte questão: “Voucitar o nome de algumas organizações. Para cada uma, o(a)Sr(a) poderia me dizer em que medida confia: confia total-mente, em parte, pouco ou não confia nessas organiza-ções?”. Na codificação original a opção “confia muito” equi-vale a 1 e a “não confia” a 4.

3 Para a construção dos gráficos recodificamos todas asmedidas agrupando as opções “confia muito” e “confia emparte” no valor 1 e as “confia pouco” e “não confia” no va-lor 0. Os gráficos representam apenas os percentuais deentrevistados que “confiam muito” ou “confiam em parte”.

Page 6: CONFIANÇA POLÍTICA NA AMÉRICA LATINAAprovado em 11 de dezembro de 2009. Ednaldo Aparecido Ribeiro Recentes pesquisas sobre o tema da confiança política têm apontado um quadro

172

CONFIANÇA POLÍTICA NA AMÉRICA LATINA

Situação igualmente negativa é verificada nocaso dos partidos políticos (Gráfico 2). A maiorqueda desta vez ocorre no Chile, que descreveentre a pesquisa de 1990 e 2005 redução de maisde 30 pontos no percentual de confiantes, apesarde também experimentar uma ligeira elevação em2000. O Brasil, para o qual possuíamos dados

FONTE: European and World Values Surveys four-wave Integrated data file, 1981-2004, v.20060423, 2006 e WorldValues Survey, 2005-2008, wvs2005a_v20081015.

GRÁFICO 1 – EVOLUÇÃO DA CONFIANÇA NO PARLAMENTO EM ALGUNS PAÍSES LATINO-AMERICANOS(1984-2008)

apenas de 1997 e 2006, registra a segunda maiorqueda, totalizando 11,2 pontos. Argentina e Perusão os que apresentam menores reduções e atécerta estabilidade nesse indicador, mas isso nãose revela algo positivo, pois em ambos os casos ocontingente de confiantes não atinge nem a mar-ca dos dez pontos percentuais.

GRÁFICO 2 – EVOLUÇÃO DA CONFIANÇA NOS PARTIDOS POLÍTICOS EM ALGUNS PAÍSES LATINO-AMERICANOS (1984-2008)

FONTE: European and World Values Surveys four-wave Integrated data file, 1981-2004, v.20060423, 2006 e WorldValues Survey, 2005-2008, wvs2005a_v20081015.

Page 7: CONFIANÇA POLÍTICA NA AMÉRICA LATINAAprovado em 11 de dezembro de 2009. Ednaldo Aparecido Ribeiro Recentes pesquisas sobre o tema da confiança política têm apontado um quadro

173

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 39: 167-182 JUN. 2011

No caso do sistema judiciário a situação émenos homogênea entre o grupo de países (Grá-fico 3). No Brasil encontramos a melhor situação,inclusive com uma tendência de evolução, umavez que em 1991 44,1% afirmaram confiar, 54,9%em 1997 e 49,6% em 2006. Mesmo com reduçãona última pesquisa os valores continuam maioresdo que os registrados quinze anos atrás. Na com-paração com as demais instituições o judiciárioestá, portanto, em situação mais confortável no

cenário brasileiro, conseguindo despertar a confi-ança em quase metade dos entrevistados. Nosdemais países a mesma tendência de queda en-contrada para os parlamentos e partidos políticospode ser identificada. Na Argentina, por exemplo,o percentual em 1984 era de 59,1% e em 200619,5. Nesses três países a posição final do judici-ário é semelhante a das demais instituições, como contingente de confiantes não ultrapassando os30 pontos.

GRÁFICO 3 – EVOLUÇÃO DA CONFIANÇA NO JUDICIÁRIO EM ALGUNS PAÍSES LATINO-AMERICANOS(1984-2008)

FONTE: European and World Values Surveys four-wave Integrated data file, 1981-2004, v.20060423, 2006 e WorldValues Survey, 2005-2008, wvs2005a_v20081015.

A situação brasileira em relação aos serviçospúblicos também é relativamente distinta, pois osconfiantes chegam a ser a maioria em 2006 (Grá-fico 4). Ainda que em comparação com quase 60%registrados em 1997, esse último dado representaalgo relevante. Argentina e Peru também apresen-taram nas primeiras pesquisas níveis elevados de

confiança, mas nas seguintes descreveram traje-tória descendente. O caso argentino é dramáticonesse sentido, com redução de mais de 40 pon-tos. No Chile também podemos identificar ten-dência de redução, porém de maneira bem menosacentuada.

Page 8: CONFIANÇA POLÍTICA NA AMÉRICA LATINAAprovado em 11 de dezembro de 2009. Ednaldo Aparecido Ribeiro Recentes pesquisas sobre o tema da confiança política têm apontado um quadro

174

CONFIANÇA POLÍTICA NA AMÉRICA LATINA

GRÁFICO 4 – EVOLUÇÃO DA CONFIANÇA NOS SERVIÇOS PÚBLICOS EM ALGUNS PAÍSES LATINO-AMERICANOS (1984-2008)

FONTE: European and World Values Surveys four-wave Integrated data file, 1981-2004, v.20060423, 2006 e WorldValues Survey, 2005-2008, wvs2005a_v20081015.

O conjunto desses dados favorece a interpreta-ção de que a confiança política entre esses paíseslatino-americanos é baixa e parece seguir uma ten-dência de redução ao longo do tempo. Excetuan-do-se o caso do judiciário, os percentuais de confi-antes não ultrapassam a casa dos 40%, lembrandoque nessa categoria estão os que confiam total-mente, mas também os que confiam em parte.

Esse quadro é semelhante ao identificado porMoisés e Carneiro (2008), com a utilização das in-formações produzidas pelo Latinobarômetro entreos anos de 1995 e 2002. Agrupando a confiançanas forças armadas, judiciário, congresso e parti-dos em uma única medida integrada, esse autorconstatou que os percentuais médias para a Améri-ca Latina não ultrapassaram em nenhum momentoa marca dos 40 pontos. Tratando especificamentedo caso brasileiro esses autores não encontramevidências de associação entre essa desconfiança ea adesão a formas alternativas de governo, masidentificam que os desconfiados são os mesmosque enxergam com bons olhos uma espécie pecu-liar de democracia em que partidos e parlamentostem pouco importância. Diante do quadro que apre-sentamos nessa seção esse tipo de conclusão deveao menos chamar nossa atenção para os possíveisefeitos de médio e longo prazo do crescente des-crédito de nossas instituições perante a população.

VI. DETERMINANTES INDIVIDUAIS

Na elaboração do modelo utilizado para testarnossa hipótese de trabalho e para explorar osdeterminantes individuais da confiança políticaentre os cidadãos dos quatro países selecionadosa pesquisa de Catterberg e Moreno (2006) foi fontedireta de inspiração. Esse trabalho merece aten-ção, pois incorpora um amplo conjunto de variá-veis que representam e opõem em uma única equa-ção as principais hipóteses atualmente disponíveispara a explicação das variações nos níveis de con-fiança. Avaliando esse procedimento como bas-tante profícuo, partimos da estrutura básica pro-posta por esses autores e acrescentamos variá-veis e dimensões que dão conta de algumas parti-cularidades da realidade latino-americana.

Como não poderia deixar de ser, nosso pontode partida foi a construção de uma variável de-pendente que expressasse da forma mais adequa-da possível a confiança política. Os autores aci-ma mencionados, devido a problemas inerentes ànatureza comparativa de seu trabalho, se viramobrigados a adotar uma medida simplificada ba-seada no somatório dos níveis de confiança nosserviços públicos e no parlamento. A pesquisa queora apresentamos se debruça sobre um númerobem mais reduzido de países, o que possibilitou oemprego de medida mais complexa que envolve

Page 9: CONFIANÇA POLÍTICA NA AMÉRICA LATINAAprovado em 11 de dezembro de 2009. Ednaldo Aparecido Ribeiro Recentes pesquisas sobre o tema da confiança política têm apontado um quadro

175

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 39: 167-182 JUN. 2011

outras instituições fundamentais à democracia con-temporânea. Assim, além de mantermos a confi-ança no parlamento como componente da variá-vel dependente, também incluímos medidas rela-tivas aos partidos políticos, ao judiciário e aosserviços públicos. Sendo assim, nossa variável res-posta é na realidade um índice obtido pelosomatório dos valores encontrados nas quatro me-didas de confiança mencionadas, resultando emuma escala de 12 pontos.

É importante mencionar que esse procedimen-to foi adotado apenas depois da realização do tes-te alpha de Cronbach, que retornou os seguintesvalores: 0,830 para Argentina, 0,753 para Brasil,0,813 para Chile e 0,821 para Peru. Como o valormínimo usual é de 0,7 (MORGAN, et al, 2004),consideramos justificado o procedimento de re-dução. Abaixo apresentamos um sumário das prin-cipais informações sobre esse índice para os qua-tro países (Tabela 1). Como a análise anterior dasituação de cada instituição em separada já indica-va, a média brasileira é a mais elevada.

TABELA 1 – ÍNDICE DE CONFIANÇA POLÍTICA EM ALGUNS PAÍSES LATINO-AMERICANOS (2006)

FONTE: World Values Survey, 2005-2008, wvs2005a_v20081015.

Para a seleção das medidas independentes, quepoderiam teoricamente explicar a variação do ín-dice acima descrito, nos orientamos basicamentepelo desejo de representar em nosso modelo asprincipais hipóteses levantadas pela literatura re-cente sobre a questão da confiança cujos elemen-tos centrais procuramos apresentar sumariamen-te na breve discussão teórica da primeira seçãodeste artigo.

As primeiras duas medidas selecionadas nosremetem a tese de que a confiança política, mastambém a interpessoal, está associada à prospe-ridade e a segurança econômica (FUKUYAMA,1995; CATTERBERG & MORENO, 2006). Oargumento de sustentação dessa proposição é re-lativamente simples: indivíduos que superaramuma situação de escassez de recursos vitais teri-am maior propensão à confiança do que aquelesque teriam suas vidas ameaçadas constantemen-te. Nesses termos, essas variáveis iniciais devemser entendidas como instrumentos para aoperacionalização de hipóteses teóricas que as-sociam a confiança à satisfação efetiva com osresultados concretos da atuação das instituiçõespolíticas, sobretudo daquelas que influenciammais diretamente as condições materiais de exis-tência dos cidadãos.

É interessante destacar que tal insegurança nãose refere diretamente ao nível de renda dos indiví-duos, mas à sensação de segurança por eles expe-rimentada. Inglehart (1990; 2001) ao discutir asubstituição dos valores de sobrevivência pelosde auto-expressão salienta que mais importantedo que o nível de renda atual dos indivíduos, sãoas condições sócio-econômicas vigentes em seusperíodos de socialização. Pessoas socializadas emcontextos de escassez e insegurança tendem acontinuarem sentindo-se inseguras e a valoriza-rem prioridades relacionadas à sobrevivência físi-ca e econômica mesmo quanto concretamenteessas ameaças já não existem em suas vidas adul-tas. Atentos a isso, no modelo que propomos essahipótese será representada pela variável satisfa-ção com a situação financeira familiar (1) satis-fação com a vida em geral (2).Isso não quer di-zer que negligenciamos a variável renda, pois essatambém é introduzida em nossa análise no blocode medidas sócio-econômicas.

O segundo conjunto de variáveis incorporadodiz respeito mais diretamente à nossa hipótese detrabalho ao relacionar os baixos níveis de confi-ança política nas jovens democracias à insatisfa-ção e desilusão dos cidadãos em relação ao de-sempenho concreto das instituições que estariam

N.

Page 10: CONFIANÇA POLÍTICA NA AMÉRICA LATINAAprovado em 11 de dezembro de 2009. Ednaldo Aparecido Ribeiro Recentes pesquisas sobre o tema da confiança política têm apontado um quadro

176

CONFIANÇA POLÍTICA NA AMÉRICA LATINA

se afastando das expectativas geradas por suasjustificativas normativas. Assim, a terceira variá-vel selecionada é a avaliação do sistema político(3), entendida aqui como medida da satisfação dosentrevistados em relação ao sistema concretamenteexistente. Assim como no bloco anterior de variá-veis, nossa hipótese inicial é de que essas medi-das de satisfação e avaliação estariam positivamenteassociadas à confiança política manifesta pelos en-trevistados, ou seja, quanto maior for a percep-ção de que o sistema político e suas instituiçõescumprem bem suas funções, maior será a confi-ança depositada.

Até esse momento o modelo comporta ape-nas variáveis relacionadas ao que podemos cha-mar de avaliações e percepções acerca de dife-rentes dimensões do desempenho do sistemapolítico e de suas instituições. Essas medidasiniciais são congruentes com a hipótese que acre-ditamos ser mais plausível na explicação dasflutuações de nossa variável dependente. Apesarde inicialmente aceitarmos a tese de que nos pa-íses em desenvolvimento, onde se deu a terceiraonda de democratização, a mudança cultural nãopoderia explicar satisfatoriamente o fenômeno emquestão, optamos por introduzir algumas impor-tantes variáveis relacionadas a diferentes conjun-tos de valores, crenças e atitudes dos entrevista-dos. Com esse procedimento nossa intenção étornar possível, por meio da comparação dosefeitos de cada medida, a identificação do rendi-mento de diferentes hipóteses concorrentes noplano empírico.

A primeira variável que compõe esse grupo foiobtida pela combinação das respostas fornecidaspelos entrevistados a quatro questões que visamidentificar como os mesmos percebem situaçõespolíticas particulares. Na primeira delas as pesso-as respondem se consideram ótimo, bom, ruimou péssimo a existência de um líder forte que nãoprecisa se preocupar com o congresso. Na se-gunda são levados a posicionarem-se em relaçãoà ocorrência de um governo de técnicos e especi-alistas. Na terceira acerca de um regime militar.Por fim, na quarta devem informar o que pensamsobre um governo democrático. A partir dessasvariáveis originais do WVS construímos um índi-ce somatório de atitudes democráticas (4), utili-zado neste trabalho para verificar em que medidaa adesão normativa à democracia impacta os ní-veis de confiança política dos brasileiros.

Como discutimos na seção anterior, uma dasexplicações para o fenômeno da desconfiança emnível mundial o associa à emergência dos valorespós-materialistas. Naquele momento tambémapontamos que nos países em desenvolvimento,como é o caso do Brasil, apenas parcela reduzidada população manifesta tais prioridadesvalorativas, o que nos leva à conclusão de que osaltos níveis de desconfiança política verificadosentre os brasileiros não podem ser atribuídos aessa mudança cultural. Ainda assim, introduzimosem nosso modelo o índice de materialismo/pós-materialismo(5), desenvolvido por Inglehart paraanalisar, no nível individual, a ocorrência de im-pacto dessa mudança de objetivos e prioridadessobre nossa variável resposta.

Preocupados com as possíveis relações exis-tentes entre corrupção e confiança política opta-mos por incorporar em nossa análise uma medidade aceitação da corrupção (6), entendida aqui comodisposição para justificar práticas sociais corrup-tas. Moreno (2002) apresentou interessantes evi-dências que associam negativamente tal aceitaçãoa atitudes democráticas e também à confiança.

Como mencionamos anteriormente, nos mar-cos das teorias do capital social a confiança podeser uma característica relacionada à participação eao associativismo de uma dada sociedade(FUKUYAMA, 1995). Níveis elevados deassociativismo e de participação voluntária em or-ganizações estariam associados a taxas elevadas deconfiança, tanto política como interpessoal. Aoperacionalização dessa hipótese em nossa análisedá-se inicialmente pela introdução de uma medidade participação política (7), obtida por meio dacombinação das respostas fornecidas pelos entre-vistados a uma série de perguntas sobre sua parti-cipação em diferentes organizações, instituições eatividades voluntárias. Complementarmente, tam-bém introduzimos uma variável sobre modalidadesde participação denominadas pela literatura recentede não-convencionais ou contestatórias(8)(INGLEHART & WELZEL, 2005).

Quanto à confiança interpessoal, evidênciasempíricas analisadas por Rennó (2001) em pes-quisa comparativa envolvendo diferentes paísesda América Latina atestam que essa dimensão estáassociada positivamente à confiança depositadapelos indivíduos na maioria das instituições e ato-res políticos. Sendo assim, optamos por tambémutilizar essa variável (9).

Page 11: CONFIANÇA POLÍTICA NA AMÉRICA LATINAAprovado em 11 de dezembro de 2009. Ednaldo Aparecido Ribeiro Recentes pesquisas sobre o tema da confiança política têm apontado um quadro

177

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 39: 167-182 JUN. 2011

Apesar de termos antecipado nossa posiçãoacerca da inadequação da tese da cidadania crítica,como um teste empírico sobre a questão ainda nãofoi realizado no contexto regional, incluímos a va-riável interesse por política (10) importância atri-buída à política (11)que estariam associadas à so-fisticação cognitiva dos cidadãos. Segundo essatese, o interesse por política estaria negativamenteassociado à confiança política, pois seria uma dascaracterísticas da postura crítica que estaria sedesenvolvendo durante as últimas décadas, princi-palmente nas nações industrialmente desenvolvidas.

Também adicionamos uma medida do auto-posicionamento ideológico (12)dos entrevistados,que apesar de não estar diretamente presente emnenhuma teoria explicativa sobre o tema da descon-fiança pode fornecer informações interessantes so-bre possíveis diferenciais entre esquerda e direita.

Por fim, introduzimos como medidas de con-trole as seguintes variáveis sócio-demográficas:sexo (13), idade (14), educação (15), renda (16)os estados civis casado (17) solteiro (18).

VII. RESULTADOS

Abaixo (Tabela 2) apresentamos os resultadosobtidos com esse modelo de análise. Para cada país

são apresentados os coeficientes padronizados enão-padronizados apenas das variáveis que se mos-traram preditores relevantes (significância < 0,50).

A primeira informação relevante a ser mencio-nada diz respeito às diferentes capacidadesexplicativas do modelo em cada um dos quatropaíses. Ainda que nossa intenção não tenha sidoproduzir modelos robustos para a explicação daconfiança política, merece destaque o fato de queentre os brasileiros uma equação com cincopreditores mostrou-se capaz de explicar mais de40% da variação da confiança política. A relevânciadesse dado é ainda maior quando o comparamoscom os modelos dos demais países, cuja capacida-de explicativa varia de nove a 16 pontos percentuais.É interessante notar que os quatro modelos sãorelativamente semelhantes, com conjuntos pareci-dos de variáveis, mas o efeito produzido pelas mes-mas tende a ser maior entre os brasileiros.

Voltando nossa atenção para as variáveis inde-pendentes, é importante lembrar que nossa inten-ção é testar a pertinência de diferentes fatores naexplicação do fenômeno da desconfiança, o quetorna relevante a discussão sobre as medidas quenão parecem afetar essa ordem de disposições doscidadãos.

TABELA 2 – PREDITORES DA CONFIANÇA POLÍTICA EM ALGUNS PAÍSES LATINO-AMERICANOS (2006)

Page 12: CONFIANÇA POLÍTICA NA AMÉRICA LATINAAprovado em 11 de dezembro de 2009. Ednaldo Aparecido Ribeiro Recentes pesquisas sobre o tema da confiança política têm apontado um quadro

178

CONFIANÇA POLÍTICA NA AMÉRICA LATINA

FONTE: World Values Survey, 2005-2008, wvs2005a_v20081015.NOTAS: 1. No caso da Argentina não havia informação sobre renda. Para o caso peruano não havia informaçõesnecessárias para compor o Índice de Aceitação da Corrupção.

Como é possível verificar, a medida de satis-fação dos indivíduos com a vida não alcançousignificância estatística mínima, indicando que nocontexto dos países em questão não impacta aconfiança política dos entrevistados. Catterberg eMoreno (2005) ao analisarem comparativamentediferentes grupos de países (democracias conso-lidadas, repúblicas que faziam parte da União So-viética, novas democracias do leste europeu e tam-bém quatro nações latino-americanas) encontra-ram resultados semelhantes, o que favorece a con-clusão de que essa variável de satisfação geral nãoé um bom preditor da confiança.

Gostaríamos de destacar, entretanto, queMoisés e Carneiro (2008) chegaram a resultadosdiferentes ao utilizarem dados do InstitutoLatinobarometro coletados entre 1997 e 2001.Nesse estudo os autores encontram evidências deque os mais desconfiados são também os menossatisfeitos com a vida. É importante mencionarque existem diferenças metodológicas significati-vas entre nossa pesquisa e a dos autoressupracitados, entre as quais enfatizamos: 1) en-quanto valem-se de dados agregados de 17 paí-ses, nós analisamos dados de cada uma das na-ções de forma independente; 2) na composiçãodo índice de desconfiança incluíram a políciacomo instituição, enquanto nós incluímos os ser-viços públicos ao lado do judiciário, congresso epartidos. Dessa forma, a busca de explicações paraessa relevante discrepância é bastante difícil eapenas a continuidade das pesquisas poderá indi-car se de fato ocorreu uma mudança entre 2001 e2006 ou se a divergência se deve efetivamente afatores amostrais ou metodológicos.

Também não alcançou esse nível de exigênciao índice de materialismo/pós-materialismo, rela-

cionado à dimensão dos valores sócio-políticos dospesquisados, o que merece uma discussão maisdemorada. Apesar de Inglehart e seus colaborado-res repetidamente afirmarem a ocorrência no nívelmundial de uma síndrome de valores pós-materia-listas que estaria associada, dentre outras coisas, àemergência da cidadania crítica (INGLEHART,2001; INGLEHART & WELZEL, 2005), as evi-dências que apresentam são válidas somente paraas chamadas sociedades de industrialização avan-çada que experimentaram períodos relativamentelongos de prosperidade econômica no pós-guerra.Esse não é o caso das nações em desenvolvimento,como os pesquisados nesse trabalho, onde a mu-dança nas prioridades valorativas atinge uma par-cela muito pequena da população, não podendoexplicar os generalizados baixos níveis de confian-ça. Demonstrando que essa situação não diz res-peito apenas à região latino-americana, podemosencontrar resultados semelhantes no grupo de oitojovens democracias do Leste Europeu investigadopor Catterberg e Moreno (2006).

O mesmo ocorreu com a variável participaçãopolítica (convencional e não-convencional) e con-fiança interpessoal, relacionadas às teorias sobrecapital social. Sobretudo no caso das modalidadesde participação causou certa surpresa a ausênciade efeito, pois nos parecia plausível a suposição deque os mais envolvidos em atividades contestatórias(não-convencionais) manifestassem níveis mais ele-vados de desconfiança. Todavia, não parece haverdiferenciais em termos de confiança institucionalentre aqueles que participam menos ou mais, inde-pendentemente da forma de participação.

No que diz respeito à confiança interpessoalnossos resultados divergem dos encontrados porRennó (2001) ao analisar dados do

Page 13: CONFIANÇA POLÍTICA NA AMÉRICA LATINAAprovado em 11 de dezembro de 2009. Ednaldo Aparecido Ribeiro Recentes pesquisas sobre o tema da confiança política têm apontado um quadro

179

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 39: 167-182 JUN. 2011

Latinobarômetro de 1996. Nesse artigo o autorencontrou associações importantes entre esse tipode confiança e as disposições dos entrevistadosem relação a algumas importantes instituições de-mocráticas. Não temos elementos suficientemen-te fortes para associar inequivocamente essa di-vergência à ampliação nos níveis de desconfiançaidentificados por nós ao longo da última década,mas acreditamos que a hipótese do gradualdescolamento entre essas duas medidas de confi-ança seja plausível. As evidências por nós recolhi-das indicam que o crescente desencanto com asinstituições políticas não pode ser explicado e nemmesmo está associado à confiança interpessoal.

Dentre as medidas sócio-econômicas, sexo,renda e o estado civil solteiro e casado tambémdemonstraram não produzir efeito significativosobre a variável dependente. Aqui também des-ponta uma importante incongruência em relaçãoao estudo de Moisés e Carneiro (2008), pois osmesmos identificaram uma maior propensão doshomens à desconfiança. Em pesquisa anterior(RIBEIRO, 2009) envolvendo apenas o Brasil eutilizando dados de 1997 do WVS, encontramosresultados semelhantes a esses, revelando umamaior inclinação à confiança entre as mulheres.Como nesse caso a metodologia e a fonte dosdados é a mesma, somos inclinados à conclusãode que de fato a elevação nos níveis de desconfi-ança tenha contribuído para diminuição do impactoda variável sexo, fazendo com que homens emulheres deixassem de se distinguir.

A tabela revela que a única variável que ocupaa posição de preditor para todos os quatro paísesé a que se relaciona à avaliação do sistema políti-co, apresentando coeficientes padronizados quevão de 0,14 (Chile) a 0,24 (Argentina). Ou seja,nesse contexto regional indivíduos que avaliampositivamente o sistema político vigente tendem adepositarem maior confiança nas instituições po-líticas. Tal resultado corrobora a tese defendidapor Catterberg e Moreno (2006) de que nos paí-ses latino-americanos, que fizeram suas transiçõespolíticas no contexto da terceira onda de demo-cratização, a confiança está mais ligada à formacomo concretamente o regime político funciona.A distância entre a justificação normativa dessasinstituições e a sua efetividade na vida concretaparece estar gerando uma frustração das expec-tativas formuladas pelos cidadãos latino-america-nos, o que se manifesta na falta de confiança queas pesquisas têm revelado.

Seguindo essa lógica da maior presença entreos países, localizamos em três deles a medida so-bre atitudes democráticas. Entretanto, encontra-mos uma distinção importante entre os modelos,pois enquanto entre os brasileiros essa variávelproduz efeito positivo sobre a confiança nas insti-tuições (inclusive como o maior coeficiente pa-dronizado de todos os modelos), entre chilenos eperuanos o impacto é negativo. Esse dado podesugerir que o reservatório de legitimidade demo-crática no Brasil ainda tem colaborado para a ma-nutenção de uma postura confiante em relação àsinstituições do regime. No caso chileno e peruanoesse resultado pode ser entendido como sinal deuma postura crítica em relação às instituições derepresentação tradicional amparada em consistenteadesão à democracia.

Em ambos os contextos, entretanto, é precisoconsiderar as possíveis conseqüências da manu-tenção dos altos níveis de desconfiança sobre osvalores e atitudes democráticas dos cidadãos, poiso reservatório de legitimidade não é infinito e podeser erodido pela constante desilusão com as insti-tuições do regime. Mesmo uma postura demo-crática crítica pode ser minada, sobretudo por-que entre os públicos das nações latino-america-nas as demais condições para a emergência deuma cidadania crítica não se fazem presentes.Como já mencionamos, Moisés e Carneiro (2008)recolheram indícios que são no mínimopreocupantes em termos desses efeitos potenci-almente perigosos para o médio e longo prazo.

Também aparecendo em três modelos está aimportância atribuída à política pelos entrevista-dos. Como já destacamos, a literatura contempo-rânea apresenta evidências que apontam a exis-tência de associação negativa entre medidas comoessa e a confiança política nos países de industri-alização avançada. Assim, quanto maior a relevânciaatribuída a essa dimensão da vida social, menorseria a tendência dos indivíduos à desconfiançapolítica. Não é o que verificamos na tabela acima,pois a variável demonstrou produzir efeito signifi-cativo e positivo entre argentinos, peruanos e chi-lenos, chegando nesse último a ocupar a posiçãode preditor de maior impacto. Apesar de ter al-cançado significância estatística apenas para oPeru, o interesse por política caminha nessa mes-ma direção, ou seja, produz efeito positivo.

Esses achados contrariam frontalmente asconclusões a que chegaram os defensores da tese

Page 14: CONFIANÇA POLÍTICA NA AMÉRICA LATINAAprovado em 11 de dezembro de 2009. Ednaldo Aparecido Ribeiro Recentes pesquisas sobre o tema da confiança política têm apontado um quadro

180

CONFIANÇA POLÍTICA NA AMÉRICA LATINA

da cidadania crítica. Inglehart (1999) e seus cola-boradores ao estudarem nações com democraci-as estabelecidas têm identificado que o maior in-teresse por política está relacionado a atitudescontestatórias e, sobretudo, à falta de confiançanas instituições políticas tradicionais. Provandomais uma vez que essas conclusões não podemser estendidas para o contexto das novas demo-cracias, entre os brasileiros o interesse pelos as-suntos políticos está associado a níveis mais ele-vados de confiança.

A satisfação com situação financeira familiaraparece no modelo argentino e brasileiro. Assimcomo a avaliação do sistema político, acredita-mos que essa variável se relacione a uma avalia-ção do desempenho do regime concretamenteexiste, porém nesse caso mais especificamente àdimensão econômica. Moisés e Carneiro (2008)chegam a uma conclusão semelhante ao encon-trarem uma maior propensão à desconfiança en-tre aqueles que tendem a ver a situação geral dopaís como ruim e a renda como insuficiente.

Também presente em dois modelos, no Brasile no Chile, está a medida sobre a aceitação dacorrupção pelos entrevistados. Os coeficientespositivos indicam que uma disposição mais tole-rante em relação a práticas consideradas corrup-tas conduz a maior confiança nas instituições. Esseachado revela, portanto, que além da já confirma-da associação entre essa medida de aceitação e aconfiança interpessoal (MORENO, 2002), umapostura mais tolerante a práticas dessa naturezatambém impacta positivamente à confiança políti-ca entre os países latino-americanos.

O auto-posicionamento ideológico dos entre-vistados, por sua vez, só se mostrou relevanteentre argentinos e peruanos, em ambos os casoscom efeito positivo, o que indica que quando maisa direita do espectro mais propenso a confiar sãoos indivíduos.

Por fim, entre as medidas de natureza sócio-econômicas introduzidas no modelo, apenas ida-de e educação produziram impacto significativo.O efeito da idade se fez notar entre chilenos (comsinal positivo) e peruanos (negativo). Menos am-bíguos são os resultados envolvendo educação,pois entre argentinos, brasileiros e peruanos o in-cremento na escolaridade conduz à maior descon-fiança institucional. Esse último dado poderia ser

facilmente antecipado, uma vez que a sofistica-ção política que conduz a uma postura maisfiscalizadora e crítica tem na educação sua maiselementar base.

VIII. CONCLUSÕES

O conjunto dos dados apresentados ao longodesse texto indica inicialmente que o fenômenoda desconfiança em relação às instituições políti-cas das jovens democracias latino-americanas éalgo consistente no curto período de tempo co-berto pelos dados. Além disso, indícios de umatendência de redução já podem ser encontradosna comparação dos percentuais encontradas nasdiferentes ondas de pesquisa. Ainda que autoresvinculados à tese da cidadania crítica interpretemessa situação como sinal de um desejo dos indiví-duos pelo aprofundamento da democracia expres-so no questionamento das instituições tradicionaisde representação, no contexto dos países aquianalisados o fenômeno possui outros contornos.Como alertam Moisés e Carneiro (2008), nos pa-íses em que um número considerável de pessoasapóia democracias sem partidos e parlamentos aconstante desconfiança nas instituições principaisdo regime pode no longo prazo levar até mesmo aredução do apoio ou adesão aos valores e princí-pios dessa forma de governo.

Os resultados também subsidiam algumas re-flexões importantes sobre as principais hipótesesdisponíveis atualmente para explicar o fenômenoda confiança política e, especialmente, possibili-tam avaliar a pertinência da tese de que em jovensdemocracias, como a brasileira, a crescente des-confiança tenha suas raízes na frustração e que-bra de expectativas em relação ao desempenhoconcreto das instituições que compõem o regime.Ainda que variáveis relativas à dimensão das ati-tudes e valores tenham também se mostrado rele-vantes, a única medida presente em todos os qua-tro países e com efeito consistente na mesma di-reção foi a satisfação com o sistema político, se-guida pela satisfação com a situação financeirafamiliar. Esses resultados, portanto, corroborama tese de que o desencanto e a frustração das ex-pectativas formuladas no contexto do processode transição dessas jovens democracias é elementomuito importante para a compreensão dos atuaisníveis de confiança política manifestos pelas suasrespectivas populações.

Page 15: CONFIANÇA POLÍTICA NA AMÉRICA LATINAAprovado em 11 de dezembro de 2009. Ednaldo Aparecido Ribeiro Recentes pesquisas sobre o tema da confiança política têm apontado um quadro

181

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 39: 167-182 JUN. 2011

Ednaldo Aparecido Ribeiro ([email protected]) é Doutor em Sociologia pela Universidade Federaldo Paraná (UFPR) e professor no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Maringá(UEM).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMOND, G. & VERBA, S. 1989. The CivicCulture: Political Attitudes and Democracy inFive Nations. New York: Sage.

ANDERSON, C. 1995. Blaming the Government:Citizens and the Economy in five EuropeanCountries. New York: M. E. Sharpe.

BELLAH, R. N.; MADSEN, R.; SULLIVAN, W.M.; SWIDLER, A. & TIPTON, S. M. 1985.Habits of the Heart: Individualism andCommitment in American Life. Berkeley:University of California.

CARVALHO, J. M. 2001. Cidadania no Brasil:o longo caminho. Rio de Janeiro: CivilizaçãoBrasileira.

CATTERBERG, G. & MORENO, A. 2006. TheIndividual Bases of Political Trust: Trends inNew and Established Democracies.International Journal of Public OpinionResearch, Oxford, v. 18, n. 1, p. 31-48, Spring.

COLEMAN, J. S. 1990. Foundations of SocialTheory. Cambridge: Belknap.

DALTON, R. J. 1999. Political Support inAdvanced Industrial Democracies. In:NORRIS, P. (ed.). Critical Citizens. Oxford:Oxford University.

_____. 2004. Democratic Challenges, DemocraticChoices. Oxford: Oxford University.

EASTON, D. 1965. A Systems Analysis ofPolitical Life. New York: Wiley.

FUKUYAMA, F. 1995. Trust: the Social Virtuesand the Creation of Prosperity. New York: Free.

GABRIEL, O.W. 1995. Political Efficacy andTrust. In: VAN DETH, J. W. &SCARBROUGH, E. The Impact of Values.Oxford: Oxford University.

HUNTINGTON, S. 1991. The Third Wave:Democratization in the Late Twentieth Century.Norman: University of Oklahoma.

INGLEHART, R. 1990. Culture Shift in AdvancedIndustrial Society. Princeton: PrincetonUniversity.

_____. 1999. Postmodernization Erodes Respectfor Authority, but Increases Support forDemocracy. In: NORRIS, P. (ed.). CriticalCitizens: Global Support for DemocraticGovernment. Oxford: Oxford University.

_____. 2001. Modernización y posmodernización:el cambio cultural, económico y político en 43sociedades. Madrid: Siglo XXI.

INGLEHART, R. & CATTERBERG, G. 2002.Trends in Political Action: the DevelopmentalTrend and the Post-Honeymoon Decline.International Journal of ComparativeSociology, Newbury Park, v. 43, n, 3, p. 300-316, Oct.

INGLEHART, R. & WELZEL, C. 2005.Modernization, Cultural Change, andDemocracy. New York: Cambridge University.

KLINGEMANN, H. 1999. Mapping PoliticalSupport in the 1990s: a Global Analysis. In:NORRIS, P. (ed.). Critical Citizens. Oxford:Oxford University.

KORNBERG, A. & CLARKE, H. D. 1992.Citizens and Community: Political Support ina Representative Democracy. New York:Cambridge University.

LEVI, M. 1998. A State of Trust. In:BRAITHWAITE, V. & LEVI, M. (eds.). Trustand Governance. New York: Russell SageFoundation.

LOPES, D. & NASCIMENTO, M. N. 2004. Parapensar a confiança e a cultura política na Amé-rica Latina. Opinião Pública, Campinas, v. 10,n.1, p. 162-187, maio. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-62762004000100007.Acesso em: 15.jun.2011.

MENEGUELLO, R. 2006. Aspects of DemocraticPerformance: Democratic Adherence and Re-gime Evaluation in Brazil, 2002. InternationalReview of Sociology, v. 16. n. 3, London, p.617-635, Nov.

Page 16: CONFIANÇA POLÍTICA NA AMÉRICA LATINAAprovado em 11 de dezembro de 2009. Ednaldo Aparecido Ribeiro Recentes pesquisas sobre o tema da confiança política têm apontado um quadro

182

CONFIANÇA POLÍTICA NA AMÉRICA LATINA

MISHLER, W. & ROSE, R. 2001. PoliticalSupport for Incomplete Democracies: Realistvs. Idealist Theories and Measures.International Political Science Review,Newbury Park, v. 22, n. 4, p. 303-320, Oct.

MOISÉS, J. A. 2005. A desconfiança nas institui-ções democráticas. Opinião Pública, Campi-nas, v. 11, n. 1, p. 33-63, mar. Disponível em:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-62762005000100002&lng=en&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em:15.jun.2011.

MOISÉS, J. A. & CARNEIRO, G. P. 2008. De-mocracia, desconfiança política e insatisfaçãocom o regime – o caso do Brasil. Opinião Pú-blica, Campinas, v. 14, n. 1, p. 1-42, jun. Dis-ponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?s c r i p t = s c i _ a r t t e x t & p i d = S 0 1 0 4 -62762008000100001&lng=en&nrm=iso&tlng=pt.Acesso em: 15.jun.2011.

MORENO, A. 2002. Corruption and Democracy:a Cultural Assessment. Comparative Sociology,Leiden, v. 1, n. 3-4, p. 495-507. Disponívelem: http://www.worldvaluessurvey.org/wvs/articles/folder_published/publication_526/files/5_Moreno.pdf. Acesso em: 15.jun.2011.

MORGAN, G. A.; LEECH, N. L.; GLOECKNER,G. W. & BARRETT, K. C. 2004. SPSS forIntroductory Statistics. 2nd ed. New Jersey:L. Erlbaum.

NEWTON, K. & NORRIS, P. 2000. Confidencein Public Institutions: Faith, Culture orPerformence? In: PHARR, S. & PUTNAM,

R. (eds.). Disaffected Democracies: What’sTroubling the Trilateral Countries. Princeton:Princeton University.

NORRIS, P. 2002. Democratic Phoenix: PoliticalActivism Worldwide. Cambridge: CambridgeUniversity.

NYE, J. S. 1997. Why People Don’t TrustGovernment. Cambridge: Harvard University.

PUTNAM, R. 1996. Comunidade e democracia: aexperiência da Itália moderna. Rio de Janeiro:Fundação Getúlio Vargas.

RENNÓ, L. R. 2001. Confiança interpessoal ecomportamento político: microfundamentos dateoria do capital social na América Latina. Opi-nião Pública, Campinas, v. 7, n. 1, p. 33-59.Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-62762001000100003. Acesso em: 15.jun.2011.

RIBEIRO, E. A. 2009. Investigando osdeterminantes individuais da confiança políti-ca entre os brasileiros. Política & Sociedade,Florianópolis, v. 8, n. 15, p. 271-297, out. Dis-ponível em: http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/politica/article/download/11803/11046. Acesso em: 15.jun.2011.

ROSENBERG, M. 1957. Misanthropy andAttitudes Toward International Affairs. Journalof Conflict Resolution, Newbury Park, v. 1,n. 4, p. 340-345, Dec.

WARREN, M. E. 1999. Democracy and Trust.New York: Cambridge University.

WVS. 2006. European and World Values SurveysFour-Wave Integrated Data File, 1981-2004,v. 20060423. Stockholm: World Values SurveyAssociation.

OUTRAS FONTES

_____. 2009. World Values Survey 2005 OfficialData File v. 20090901. Stockholm: WorldValues Survey Association.