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43 RESUMO CAPITAL SOCIAL E DEMOCRACIA: A CONFIANÇA REALMENTE IMPORTA? 1 Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. 38, p. 43-64, fev. 2011 Recebido em 10 de dezembro de 2008. Aprovado em 12 de maio de 2009. Manoel Leonardo Santos Enivaldo Carvalho da Rocha Recentemente é possível encontrar esforços no sentido de aproximar duas abordagens até então tomadas como antagônicas e inconciliáveis. Trata-se de uma tentativa de intermediar visões que, de um lado, enfatizam a importância das escolhas estratégicas dos indivíduos, e de outro as que privilegiam a importância histó- rica de normas e instituições sócio-culturais nos resultados sociais e políticos. Esse artigo procura se inserir nesse debate e, nesse contexto, a pergunta a cultura importa? faz todo o sentido. Partindo dessa questão procuramos analisar empiricamente a relevância estatística de um valor cultural específico, o capital social, para a qualidade da democracia. O esforço realizado consiste em esclarecer empiricamente se o capital social (aqui entendido a partir dos indicadores de confiança interpessoal, confiança nas instituições e confiança política) está relacionado com a qualidade da democracia (aqui mensurada a partir de dois indicadores – Freedom House e The Economic Inteligence Unit). Como conclusão o artigo sugere que se levarmos em consideração exclusivamente o conceito de confiança interpessoal como medida para o capital social, não podemos definitivamente considerar que o capital social é um valor cultural relevante para democracia. No que diz respeito à confiança nas instituições, a sua correlação negativa com o grau de democratização dos países estudados mostra claramente que o circulo virtuoso sugerido por Putnam não se confirma. A erosão da confiança nos governos em regimes democráticos é uma forte evidên- cia de que não há associação positiva, virtuosa, entre confiança, cultura cívica, ou qualquer outra denomi- nação que se sugira dar na tentativa de construir um mecanismo causal entre capital social e democracia. Não obstante os resultados negativos e os limites apontados em relação ao alcance da teoria do capital social, o texto aponta para um debate em construção e com perspectivas promissoras. PALAVRAS-CHAVE: capital social; teoria da democracia; confiança; desenvolvimento econômico; cultura política. I. INTRODUÇÃO Os limites paradigmáticos da teoria da escolha racional e das explicações neo-institucionalistas apontam para um amplo e, espera-se, produtivo debate epistemológico na Ciência Política contem- porânea daqui por diante. Recentemente, tem sido possível encontrar esforços no sentido de aproxi- mar duas abordagens até então tomadas como antagônicas e inconciliáveis. Trata-se de uma ten- tativa de intermediar visões que, de um lado, enfatizam a importância das atividades e escolhas estratégicas dos indivíduos, e, de outro, que pri- vilegiam a importância histórica de normas e ins- tituições sócio-culturais nos resultados sociais e políticos. Este artigo insere-se nesse debate. Nesse contexto, a pergunta “a cultura impor- ta?” faz todo o sentido. Partindo desta questão mais ampla, procuraremos analisar empiricamente a relevância estatística de um valor cultural espe- cífico, o capital social, para a qualidade da de- mocracia 2 . A questão empírica que colocamos neste artigo é animada pela premissa que sugere que a democracia não é apenas a soma do dese- 1 Agradecemos a inestimável colaboração do Professor Jorge Zaverucha, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), de Adailton Amaral (UFPE), de Daniel Guedes (UFPE) e dos pareceristas da Revista de Sociologia e Polí- tica. Assumimos todas as possíveis imprecisões como de nossa exclusiva responsabilidade. 2 A abordagem seminal sobre a relação entre capital social e democracia está em Putnam (1996), embora o próprio remeta seu emprego ao filósofo David Hume e, contemporaneamente, a Gambetta (1988), North (1990), Olstron (1990) e Fukuyama (2002).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 38: 43-64 FEV. 2011

RESUMO

CAPITAL SOCIAL E DEMOCRACIA:A CONFIANÇA REALMENTE IMPORTA?1

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. 38, p. 43-64, fev. 2011Recebido em 10 de dezembro de 2008.Aprovado em 12 de maio de 2009.

Manoel Leonardo Santos Enivaldo Carvalho da Rocha

Recentemente é possível encontrar esforços no sentido de aproximar duas abordagens até então tomadascomo antagônicas e inconciliáveis. Trata-se de uma tentativa de intermediar visões que, de um lado, enfatizama importância das escolhas estratégicas dos indivíduos, e de outro as que privilegiam a importância histó-rica de normas e instituições sócio-culturais nos resultados sociais e políticos. Esse artigo procura seinserir nesse debate e, nesse contexto, a pergunta a cultura importa? faz todo o sentido. Partindo dessaquestão procuramos analisar empiricamente a relevância estatística de um valor cultural específico, ocapital social, para a qualidade da democracia. O esforço realizado consiste em esclarecer empiricamentese o capital social (aqui entendido a partir dos indicadores de confiança interpessoal, confiança nasinstituições e confiança política) está relacionado com a qualidade da democracia (aqui mensurada apartir de dois indicadores – Freedom House e The Economic Inteligence Unit). Como conclusão o artigosugere que se levarmos em consideração exclusivamente o conceito de confiança interpessoal como medidapara o capital social, não podemos definitivamente considerar que o capital social é um valor culturalrelevante para democracia. No que diz respeito à confiança nas instituições, a sua correlação negativa como grau de democratização dos países estudados mostra claramente que o circulo virtuoso sugerido porPutnam não se confirma. A erosão da confiança nos governos em regimes democráticos é uma forte evidên-cia de que não há associação positiva, virtuosa, entre confiança, cultura cívica, ou qualquer outra denomi-nação que se sugira dar na tentativa de construir um mecanismo causal entre capital social e democracia.Não obstante os resultados negativos e os limites apontados em relação ao alcance da teoria do capitalsocial, o texto aponta para um debate em construção e com perspectivas promissoras.

PALAVRAS-CHAVE: capital social; teoria da democracia; confiança; desenvolvimento econômico; culturapolítica.

I. INTRODUÇÃO

Os limites paradigmáticos da teoria da escolharacional e das explicações neo-institucionalistasapontam para um amplo e, espera-se, produtivodebate epistemológico na Ciência Política contem-porânea daqui por diante. Recentemente, tem sidopossível encontrar esforços no sentido de aproxi-mar duas abordagens até então tomadas comoantagônicas e inconciliáveis. Trata-se de uma ten-tativa de intermediar visões que, de um lado,enfatizam a importância das atividades e escolhas

estratégicas dos indivíduos, e, de outro, que pri-vilegiam a importância histórica de normas e ins-tituições sócio-culturais nos resultados sociais epolíticos. Este artigo insere-se nesse debate.

Nesse contexto, a pergunta “a cultura impor-ta?” faz todo o sentido. Partindo desta questãomais ampla, procuraremos analisar empiricamentea relevância estatística de um valor cultural espe-cífico, o capital social, para a qualidade da de-mocracia2. A questão empírica que colocamosneste artigo é animada pela premissa que sugereque a democracia não é apenas a soma do dese-

1 Agradecemos a inestimável colaboração do ProfessorJorge Zaverucha, da Universidade Federal de Pernambuco(UFPE), de Adailton Amaral (UFPE), de Daniel Guedes(UFPE) e dos pareceristas da Revista de Sociologia e Polí-tica. Assumimos todas as possíveis imprecisões como denossa exclusiva responsabilidade.

2 A abordagem seminal sobre a relação entre capital sociale democracia está em Putnam (1996), embora o próprioremeta seu emprego ao filósofo David Hume e,contemporaneamente, a Gambetta (1988), North (1990),Olstron (1990) e Fukuyama (2002).

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nho de suas instituições formais. Tentaremos veri-ficar empiricamente se o capital social (aqui enten-dido a partir da idéia central de confiança) está re-lacionado à qualidade da democracia. Adicionalmen-te, o artigo propõe investigar comparativamente opeso do valor cultural da confiança na determina-ção do grau de democracia entre países. Para esteúltimo intento, busca-se comparar o peso de umvalor cultural (a confiança), frente ao peso de vari-áveis de desempenho econômico, sendo esses últi-mos, os fatores explicativos consagrados pela lite-ratura como determinantes para o surgimento eestabilidade de regimes democráticos.

II. CULTURA E DEMOCRACIA: O QUE DIZEMCULTURALISTAS E NÃO-CULTURALISTAS

Embora o debate interno entre os culturalistasseja muito amplo, podemos sem maiores proble-mas afirmar que suas duas questões centrais são:para constituir-se e tornar-se estável, um regimedemocrático realmente necessita de uma “culturademocrática”? Caso afirmativo, quais os aspectosparticulares desta cultura democrática que são maisou menos necessários, e como eles atuam para queuma democracia se estabeleça e se mantenha(PRZEWORSKI, CHEIBUB & LIMONGI, 2003)?

As diferentes respostas para a primeira ques-tão, e não são poucas, podem ser divididas, se-gundo Przeworski, Cheibub e Limongi (idem), emtrês grandes abordagens: a não-culturalista, aculturalista moderada e a cuturalista forte. Paraos não-culturalistas, não existe uma relação cau-sal entre cultura e democracia. Ou seja, uma cul-tura democrática não é necessária para que umpaís estabeleça instituições democráticas e as sus-tente. Em geral, a conclusão desses teóricos écética. Sustentam que fatores econômicos einstitucionais são suficientes para gerar explica-ções convincentes sobre a dinâmica democrática,sem qualquer necessidade de recorrer ao recursoda cultura como variável explicativa.

Já para os culturalistas moderados, é funda-mental haver uma cultura democrática para que umademocracia surja e estabeleça-se. Apontam, contu-do, para a necessidade de compatibilizar a culturademocrática com as tradições culturais particula-res de cada sociedade. Assim, democracia é possí-vel desde que as tradições culturais sejam maleáveise possam ser reinventadas e alteradas com algumafacilidade: uma cultura democrática pode florescerdesde que a cultura particular de uma sociedadenão lhe seja completamente hostil.

Por fim, a abordagem culturalista forte de-fende que algumas culturas são simplesmente in-compatíveis com democracia. Diferentes países,portanto, buscam diferentes arranjos políticos eponto final. Aqui, aspectos como a religião, porexemplo, são fatores determinantes. A assertivasegundo a qual a democracia é incompatível como mundo muçulmano é uma das teses mais co-nhecidas.

A segunda questão é mais particular, emborasuas respostas não sejam menos numerosas. Elastomam pelo menos quatro diferentes direções. ParaMontesquieu (2005) por exemplo, os valores ne-cessários à democracia são de natureza irracio-nal, como o medo, a honra e a virtude, os quais,por seu turno, refletem religiões, tradições, cos-tumes e hábitos. Mill (2010) foi mais sistemáticoe focou as preferências dos atores pela democra-cia, assim como o senso de comunidade, comocaracterística necessária à sua sustentação. A pers-pectiva utilitarista de Mill apostava na ampliaçãoda franquia do sufrágio, de onde surgiriam váriosgrupos na disputa pelo poder. Nesse sentido, opluralismo garantiria que nenhum deles se sobre-pusesse sobre os demais. Almond e Verba (1980)chamaram a atenção para as crenças que afetam aavaliação do processo político democrático e deseus resultados. Ao passo que Inglehart (1999)sugeriu que os valores fundamentais a dar supor-te a um regime democrático estão necessariamentefundamentados na satisfação do indivíduo comsua vida, portanto, a capacidade de autoexpressão3

(que exige um regime plural) tem fundamentalimportância no debate. O autor sugere, ainda, quevalores como a confiança interpessoal são funda-

3 Para explicar a variação cultural entre sociedades nomundo contemporâneo, Inglehart foca a variação dessesvalores em duas dimensões determinantes. A primeira é avariação entre os valores tradicionais, de um lado, e os desecularização, de outro. Inglehart chama essa variação detradicional-secular-racional, que reflete o contraste entresociedades nas quais a religião e o sistema de crenças é maisou menos importante para os indivíduos. A segunda varia-ção é entre polos demarcados pelos valores de sobrevivên-cia/auto-expressão. Neste campo estão as principais carac-terísticas da sociedade pós-industrial, ou seja, a polariza-ção entre valores materialistas e pós-materialistas. Segun-do o autor, a variação entre valores de sobrevivência-auto-expressão relaciona-se com a democracia. Para a tese dopós-materialismo ver Inglehart (1971) e Inglehart eAbramson (1999).

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mentais, uma vez que colaboram decisivamentepara o bom desempenho das instituições demo-cráticas.

Como se vê, de cada uma dessas diferentesvisões deriva uma infinidade de aspectos e valo-res da cultura que seriam necessárias à explica-ção do sucesso e estabilidade de um regime de-mocrático. Na expectativa de colaborar com estedebate mais amplo, abordaremos um elementomais específico. Avaliaremos um dos principaiscomponentes da cultura democrática para o de-sempenho da democracia: a confiança.

Como sabemos, “é sempre difícil determinara direção da causalidade, mas os indícios suge-rem que é mais uma questão de a cultura moldar ademocracia do que o contrário” (INGLEHART,2002, p. 134). Assim pretendemos verificar atéque ponto podemos aceitar empiricamente tal pro-posição. Para tanto, veremos se elementos da te-oria do capital social, como a confiançainterpessoal (INGLEHART, 1971) e confiança nasinstituições (FERES JR. & EISENBERG, 2006)podem afetar, se é que podem, o sucesso e a esta-bilidade de um regime democrático. Adicionalmen-te, será incluído no debate o conceito de confian-ça política, desenvolvido aqui com base na idéiade Ruscio (1999).

III. CAPITAL SOCIAL E DEMOCRACIA: O QUEDIZ A TEORIA

Capital social pode designar diferentes coisas, enão são poucas as definições que apresentam dife-rentes matizes, sobretudo se elas surgem em dife-rentes contextos teóricos4. Para os sociólogos eeconomistas, certamente o termo não tem o mes-mo sentido atribuído pelos cientistas políticos. Nestetrabalho, partimos da idéia que capital social é “umconjunto de valores ou normas informais partilha-dos por membros de um grupo que lhes permitecooperar entre si. Se esperam que os outros secomportem confiável e honestamente, os membrosdo grupo acabarão confiando uns nos outros. Aconfiança age como lubrificante levando qualquergrupo ou organização a funcionar com eficiência”(FUKUYAMA, 2002, p. 155).

Assim, a idéia de confiança tem papel centralna teoria do capital social, e, no plano mais agre-gado, para a maioria dos teóricos, a confiançapromove a eficiência institucional. Nesse caso, nãoseria diferente entre aqueles que pensam a demo-cracia como um conjunto de instituições.

Não foi sem razão que em sua análise sobre osdiferentes níveis de desempenho institucional en-tre as regiões da Itália, Putnam (1996) sugeriu queo desempenho institucional é diferenciado sobretu-do pela existência de cultura cívica5 em uma re-gião e, em outra, não. O desempenho das institui-ções é baixo onde a cultura cívica é baixa e, nestesentido, o capital social é fundamental. No que dizrespeito à relação entre capital social e democracia,na sentença que encerra sua obra Comunidade edemocracia, Putnam é bastante claro: “criar capitalsocial não será fácil, mas é fundamental para fazera democracia funcionar” (idem, p. 194).

De uma forma um pouco diferente, mas nomesmo sentido, Inglehart (2002) sugere que arelação entre capital social e democracia se dá pelapresença de valores de auto-expressão, que cau-sam demanda por instituições democráticas. Se-gundo ele, “[...] a correlação entre valores de so-brevivência/auto-expressão e a democracia é no-tavelmente forte. Será que andam lado a lado por-que os valores de auto-expressão (que incluemconfiança interpessoal, tolerância e participaçãonos processo de decisão) levam à democracia?Ou será que as instituições democráticas é quefazem surgir tais valores?” (idem, p. 134).

A tese sugere, em resumo, que com níveiscrescentes de desenvolvimento econômico sur-gem padrões culturais cada vez mais partidáriosda democracia. Esse desenvolvimento torna ospúblicos mais propensos à democracia e maiscapazes de alcançá-la porque, uma vez satisfeitas

4 Para os diferentes conceitos de capital social, ver Bourdieu(1985); Coleman (1988); Putnam (1996); Durston (2003),entre outros.

5 O trecho retirado de Reis (2003) resume bem a idéia:Putnam “identifica uma variável independente tremenda-mente relevante em seu ‘índice de comunidade cívica’, queinclui medidas de comparecimento a referendos, leitura dejornais, proliferação de associações desportivas e culturaise uma proxy de identificação partidária. Especulando sobreos mecanismos que poderiam prover uma explicação daextraordinária correlação encontrada, recorre à noção de‘capital social’ (que passa a substituir a idéia de ‘comuni-dade cívica’) e produz a conjectura de que seria a confiançainterpessoal o mecanismo por excelência pelo qual o capi-tal social produziria seus efeitos sobre o desempenhoinstitucional” (idem, p. 39).

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suas necessidades mais imediatas de sobrevivên-cia, os seres humanos passam a demandar o re-conhecimento de suas identidades e seus valoresculturais. A democracia, portanto, não seria o re-sultado das relações sociais e políticas mediadaspelas instituições. Em um sentido contrário, a de-mocracia seria o resultado dessa demanda e comoas instituições democráticas aqui são vistas pelademanda6. A cultura é que demandaria regimespolíticos mais abertos e participativos. Regimesem que a autoridade seja menos imposta, menoshierárquica e mais participativa.

A análise posterior dos níveis de confiançainterpessoal, confiança nas instituições, confian-ça política e o grau de democratização dos paísesem foco ajudará a levar a teste tal proposição.

IV. MEDINDO O CAPITAL SOCIAL A PARTIRDA CONFIANÇA

Há diferentes abordagens para medir o capitalsocial, e nenhum consenso entre elas. Na verda-de, “medir o estoque total de relações sociais co-operativas com base em normas de honestidade ereciprocidade não é tarefa pequena” (FUKUYAMA,2002, p. 158). Segundo o autor, pelo menos trêscaminhos têm sido trilhados: uma primeira tradi-ção de pesquisa, sugerida por Putnam, defendeque medir capital social é possível a partir de in-formações sobre grupos e integrantes de grupos,de clubes esportivos e corais a grupos de interes-se e partidos políticos, além do índice de participa-ção política, como comparecimento às urnas e dopúblico de leitores de jornais. Adicionalmente, al-guns pesquisadores usam também a análise do usodo tempo, considerando as horas dedicadas a de-terminadas atividades enquanto se está acordado.

A segunda abordagem consiste em medir va-lores negativos de capital social. Segundo ela,pode-se medir capital social usando medidas dedisfunção social, como taxas de criminalidade,dissolução familiar, consumo de drogas, litígios,suicídios, evasão fiscal e coisas do gênero. A Co-missão Nacional de Renovação Cívica usou essaestratégia para medir graus de indiferença cívica(idem, p. 162).

Um terceiro tipo de mensuração é o levanta-mento em surveys voltados à pesquisa de valoresculturais e comportamento, como o Latinobaróme-tro, o General Social Survey e o World ValuesSurvey7. Nesse tipo de levantamento, a questãosobre confiança interpessoal é a questão centralpara a avaliação dos níveis de capital social nospaíses. Mas é possível também extrair valores deconfiança nas instituições. E essa será nossa es-tratégia aqui.

Como dissemos, dificilmente encontraremosuma unidade ou um consenso sobre o conceitode capital social e, conseqüentemente, de como omedir. Mas qualquer seja a tradição de pesquisaou o autor que a considere, a idéia de confiançaestá intimamente relacionada com o conceito decapital social8. Nesse sentido, confiança pareceser a medida de capital social mais largamente uti-lizada, embora não a única e longe de ser a ideal.

O problema da confiança pode ser resumidocomo a necessidade de levar em consideração naanálise não apenas as preferências dos atores ra-cionais, mas sobretudo considerar que os atoresagirão levando em conta aquilo que eles crêemque os outros atores podem vir a fazer. Ou seja,em contextos nos quais a cooperação do ator de-pende necessariamente da cooperação de todos, enos quais o capital social é baixo, não cooperarpode ser racional porque, sem confiança, nuncase sabe se todos irão realmente cumprir sua pala-vra9.

Diante desse problema, não são apenas as pre-ferências dos atores que contam; o contexto im-porta. “Contexto” pode significar não apenas ainformação incompleta ou o fato de os jogadoresestarem envolvidos em jogos em vários níveis ao

6 Putnam sustenta que foi nas regiões onde o capital socialera mais forte que o desenvolvimento de uma economiamoderna e das instituições democráticas foi melhor sucedi-do. Inglehart está sugerindo uma causalidade no mesmo sen-tido. Embora, como o próprio evidencia, sua proposiçãosobre essa relação de causalidade não é assim tão segura.

7 Esta é a base de dados que utilizamos neste artigo. Osdados utilizados correspondem à terceira onda do WorldValues Survey, aplicada no período de 1999 a 2004(WORLD VALUES SURVEY ASSOCIATION, 2005).8 Rennó, apresentando afirmativa compatível, afirma que“apesar do debate sobre os vetores da relação entre confi-ança interpessoal e democracia, está claro que a confiançainterpessoal é a variável central no estudo da cultura polí-tica e do capital social” (RENNÓ, 2001, p. 33).9 A literatura em geral formula esse problema em termosdo dilema dos prisioneiros. Para uma formulação bastanteelaborada, ver Tsebelis (1998), que mostra como variaçõesnos payoffs podem induzir a maior ou menor cooperaçãodos jogadores.

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mesmo tempo, como sugere Tsebelis (1998) coma noção de jogos ocultos. Importam, sobretudo,as relações historicamente determinadas entre gru-pos ou indivíduos em interação estratégica, ou,indo um pouco mais longe, as características cul-turais desses grupos e indivíduos (ROTHSTEIN,2005). Em suma, confiar ou não está histórica e/ou politicamente determinado pela memória cole-tiva10, e isso pode se apresentar como uma ver-dadeira armadilha social que aprisiona os atoresem jogos coletivos não cooperativos (idem)11.

Nesse sentido, resolvemos usar aqui a confi-ança interpessoal nos países analisados a partir daquestão aplicada no World Values Survey12, que éformulada aos respondentes da seguinte forma:“De modo geral, o (a) Sr. (a) diria que pode con-fiar na maioria das pessoas ou precisa ser muitocuidadoso com elas?” E duas respostas são ofe-recidas ao respondente: “1. a maioria das pessoas

são de confiança e 2. é preciso ser muito cuida-doso”. O índice de confiança é o percentual derespostas positivas a essa pergunta.

Em caráter complementar, vamos incluir ou-tro índice de confiança, desta vez, entretanto, tra-ta-se de uma medida que visa aferir o grau deconfiança nas instituições. Essa medida está sen-do incluída considerando o debate recentementeiniciado pela crítica de Feres Jr. e Eisenberg (2006).Em resumo, assenta-se na idéia de que o conceitode confiança interpessoal não é uma medida nemrelevante e nem confiável para a teoria da demo-cracia. Só o conceito de confiança nas institui-ções pode efetivamente oferecer algo para a teo-ria. A operacionalização da confiança nas institui-ções foi feita de seguinte forma: o World ValuesSurvey formula a seguinte pergunta aos seusrespondentes: “Vou citar o nome de algumas or-ganizações. Para cada uma o (a) Sr. (a) poderiame responder em que medida confia: 1. confiatotalmente, 2. confia em parte, 3. confia pouco e4. não confia” (WORLD VALUES SURVEYASSOCIATION, 2005). A resposta correspondea doze instituições, quais sejam: igreja, forças ar-madas, imprensa, televisão, sindicatos, polícia,Justiça, governo federal, partidos políticos, poderlegislativo, serviço público e grandes empresas.O índice de confiança nas instituições é formado,então, pela agregação das duas primeiras respos-tas (indicando confiança nas instituições) e pelaagregação das duas últimas respostas (indicandofalta de confiança nas instituições). O escore ge-ral é dado pela média do percentual de respostasde confiança nas instituições agregadas. Esse ín-dice, que confirma a tese de Feres Jr. e Eisenberg(2006) mostrou-se realmente mais promissor queo índice de confiança interpessoal.

Por fim, uma última medida de confiança seráintroduzida no debate. Trata-se de um índice de-nominando confiança política. Este índice é in-formado pelo debate sugerido por Ruscio (1999),que critica tanto a teoria da escolha racional, emsua explicação sobre a confiança, quanto as teori-as que defendem que a confiança depende de va-lores culturais amplamente compartilhados paraexistir em um determinado contexto. A idéia deconfiança política parece-nos adequada para aanálise política porque combina “a confiança nasinstituições e nos processos de governo, com aconfiança nos servidores públicos como indiví-duos” (idem, p. 640). Nesse sentido, elaboramosum índice formado pela análise fatorial (ver Ane-

10 A noção de memória coletiva aqui não deve ser confun-dida com o conceito de história. Ao contrário, sugereRothstein que a “memória coletiva não é necessária e inevi-tavelmente o produto da história ou das condições cultu-rais. Pelo contrário, ela é geralmente resultado da ação es-tratégica e deliberada das elites políticas em processo deconflito. Mais que um simples resultado histórico a memó-ria coletiva é uma arma no contexto do conflito político”(ROTHSTEIN, 2005, 161).11 Segundo Rothstein (2005), o termo social trap foi cria-do por John Platt em um artigo publicado em 1973 e é umtermo amplo que designa, em resumo, “que o elementocentral do comportamento do ator é determinado pela im-portância dada por este ator à ação futura dos outros atorescom os quais ele interage estrategicamente” (idem, p. 12).O próprio autor admite que não se trata de algo novo e queo problema recebe nomes distintos, a depender da aborda-gem. Por exemplo, “provision of public goods”, “problemof collective action”, “tragedy of the commons”, “prisionersdilemma”, “social dilemma”, entre outros. O termo socialtrap foi utilizado, segundo o autor, para chamar a atençãopara dois aspectos específicos da situação: primeiro, o casocooperação ou não cooperação pode ser uma situação des-vantajosa para todos; segundo, o termo trap mostra que setrata de uma situação de difícil solução, uma vez que aconfiança é uma variável psicológica muito especial e dedifícil alteração. Ou seja, não há como racionalmente pro-duzir confiança ou simplesmente passar da desconfiançapara a confiança e alterar o quadro de aprisionamento de-signado como armadilha social. Em última análise, esse se-ria um grave óbice ao bom funcionamento das instituições.12 O próprio Inglehart utiliza essa opção metodológica emInglehart (1999).

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xo 1) da confiança em instituições de governo(parlamento, partidos, governo, justiça, policia,forças armadas e sistema de saúde), combinadocom a confiança nos servidores públicos, ambosretirados do World Values Survey. A expectativa éque o índice seja um produto entre a capacidadediscricionária dos servidores com o imperativopolítico de accountability. Em outras palavras, quea confiança política dos cidadãos dependa da ten-são entre a capacidade de julgamento e da integri-dade dos servidores públicos no campo de suadiscricionariedade, associada à confiança nas es-truturas institucionais sob as quais esses servido-res operam.

V. MEDINDO A DEMOCRACIA

Assim como medir o capital social, medir ademocracia depende do conceito de democracia(em especial de sua amplitude) com o qual se estátrabalhando. Mais do que isso, a medida dependetambém da forma como se operacionalizaempiricamente o conceito. Nesse sentido, as pos-sibilidades são inúmeras, pois a teoria contempo-rânea da democracia está fortemente marcada pelapluralidade de conceitos, muito mais do que peloconsenso. No âmbito deste trabalho, escolhemostrabalhar com duas medidas já existentes. O pri-meiro é o índice de liberdade da Freedom House(2007), o segundo, o índice de democracia de-senvolvido pela The Economic Inteligence Unit(EIU) (2007), ambos com dados de 2007.

O primeiro índice de democracia, doravantechamado de Freedom House 2007, é construídopela média dos valores em duas dimensões bási-cas, a dimensão dos direitos políticos (PL) e adas liberdade civis (CL), segundo as quais a liber-dade estaria garantida em um determinado país.O índice vai de um a sete para as duas dimensõese quanto menor o valor, mais democrático é o país.Para efeito desta análise, adotaremos a média dasduas dimensões como o índice de democratiza-ção do país. Para facilitar a análise, passamos atomar a escala inversamente, com valores meno-res para menor grau de democratização e maiorespara maior grau de democratização.

O segundo índice de democracia, que passa-remos a denominar EIU 2007, foi desenvolvidoconsiderando cinco diferentes dimensões. Trata-se, portanto, de um índice bem mais amplo, queparte da idéia de que a democracia não é apenas oresultado do desenho das instituições formais, mas

depende também de outros aspectos como a par-ticipação política e a cultura política.

Em um certo sentido, o índice de democraciada EIU rompe com uma tradição de que, em ge-ral, grandes pesquisas tendem a incorporar emseus estudos conceitos minimalistas de democra-cia13, muitas vezes levados ao extremo. Essa vi-são minimalista implica assumir que um país étanto mais democrático quanto mais conseguircumprir exigências básicas, todas relativas exclu-sivamente à competição eleitoral, como o sufrá-gio universal e eleições livres, justas e periódicas.Assim, em um sentido bem mais amplo, estesurvey incorpora na análise mais quatro dimen-sões, quais sejam: a promoção das liberdades ci-vis (como o direito à liberdade de expressão e deimprensa, liberdade de reunião e organização, dainiciativa privada, entre outras); a qualidade e ofuncionamento dos governos (ou seja, que os lí-deres sejam capazes de implementar mudanças epolíticas em nome das quais foram eleitos); a cul-tura política democrática, que está relacionadatanto às crenças dos cidadãos com relação à de-mocracia quanto ao seu apoio às instituições de-mocráticas fundamentais; e, por fim, a dimensãorelativa à participação política, baseada na idéiade que apatia e abstenção são os principais inimi-gos do regime democrático.

O índice da EIU 2007 é uma escala de zero adez, sendo o maior valor para os países mais de-mocráticos e o menor para os menos democráti-cos. O escore geral, que é o grau final da democra-tização de um país, é dado pela média aritméticadas notas obtidas pelo país nas cinco dimensões.

A escolha de dois índices tem duas razõesmetodológicas bem definidas. A primeira diz res-peito à necessidade de trazer ao debate medidasque partam de diferentes idéias do que vem a serdemocracia. Nesse sentido, procuramos um índi-ce que fosse mais reduzido, próximo da idéiaminimalista de democracia, e outro um pouco maisabrangente. A segunda diz respeito à necessidadede testar a consistência desses índices um em re-lação ao outro. Com isso, pretende-se testar emque medida diferentes índices podem apontar di-ferentes resultados.

13 Com relação ao debate sobre o conceito mínimo esubmínimo de democracia, com base em Przeworski,O’Donnel, Mainwaring e Schumpeter, ver Zaverucha (2002).

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V.1. Da relação entre os índices de democracia

Aqui analisaremos em primeiro lugar os resul-tados da análise dos índices de democracia emperspectiva comparada e, posteriormente, as re-lações entre democracia e confiança. Compara-mos os dois índices de democracia entre os paí-ses, com o objetivo de averiguar empiricamentese realmente há diferenças de resultados em fun-ção das diferentes formas de operacionalização doconceito de democracia e de sua abrangência.Considerando as diferentes abrangências dos doisíndices de democracia aqui relacionados, era dese esperar que eles apresentassem diferentes re-sultados sobre a realidade dos países analisados.Contrariando nossas expectativas, os índicesmostraram-se altamente consistentes entre si. Oalto grau de correlação, 0,948, com significânciade 99,9%, verificado na amostra (ver Quadro 1),faz-nos questionar se a forma de operacionalizaçãodo conceito realmente faz diferença. Como se vê,conceitos de diferentes abrangências e orientadospor diferentes teorias significam praticamente amesma coisa.

O que podemos aprender com isso? Que sãonecessárias mais comparações que esclareçammelhor o problema. Mas, de saída, podemos di-minuir nossa desconfiança nos índices de demo-cratização dos países apresentados nesses estu-dos. Portanto, consideraremos essas medidas vá-lidas14.

V.2. Das correlações entre confiança interpessoal,confiança nas instituições, confiança políti-ca e democracia

Ao explorar as relações entre democracia, con-fiança intepressoal, confiança nas instituições econfiança política, estamos na verdade subme-tendo ao teste empírico a pergunta central desteestudo, que é verificar se a confiança é realmenterelevante para a democracia. Afinal, a confiançacomo valor cultural importa ou são as instituiçõesque importam?

De um lado, temos a tese de que o capital so-cial, entendido como componente cultural essen-

cial à democracia, teria um importante papel nosucesso de regimes democráticos, uma vez queofereceria a confiança interpessoal, o “lubrifican-te”, para o bom funcionamento das instituições.Os ciclos virtuosos15 sugeridos por Putnam são omelhor exemplo desta relação de causalidade en-tre o comportamento dos indivíduos e a eficiên-cia das instituições democráticas. De outro lado,temos a tese de que a confiança nas instituições eno seu bom funcionamento é o elementro centraldo sucesso do regime democrático. Ou seja, nãose trata de medir se as pessoas simplesmente con-fiam ou não umas nas outras mas, sobretudo,avaliar se confiam, antes, nas instituições. É di-zer: “se acreditam em uma forma centralizada deresolução do conflito cooperativo”. Ou, ainda, sepreferir, “se acreditam na capacidade das institui-ções em resolver problemas de ação coletiva, depromover reconhecimento e justiça distributiva ede mediar as relações interpessoais estimulando aparticipação política”. Neste caso, derivaria a con-clusão de que a democracia é resultado muito maisdo desenho institucional e suas conseqüências doque da cultura política de uma determinada socie-dade.

15 O trecho que segue, retirado de Reis (2003), resume bema idéia de ciclos virtuosos e ciclos viciosos em Putnam. “Oarranjo autoritário é um círculo vicioso porque o precedenteda afirmação violenta do poder inibe a disseminação de com-portamentos mais cooperativos no interior da população. Avontade do poderoso de plantão prevalece em última instân-cia, dificultando o estabelecimento de laços ‘horizontais’ deconfiança mútua e tornando inúteis, por pouco confiáveis,compromissos que envolvam compensações futuras. A de-mocracia, por sua vez, constituiria um círculo virtuoso emvirtude do fato de que o acatamento de regras impessoais desolução de disputas, uma vez estabelecidos, podem gerar umestado de coisas no qual a violação dessas regras, mesmo queimediatamente proveitosa, pode tornar-se onerosa para aque-les que a praticam, em virtude da retaliação dos demais”(idem, p. 37; sem grifos no original).

14 É possível que esses índices possam ser criticados emtermos de validez interna e de operacionalização teórica,mas isso demandaria outro debate que não cabe aqui.

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CAPITAL SOCIAL E DEMOCRACIA: A CONFIANÇA REALMENTE IMPORTA?

QUADRO 1 – MATRIZ DO COEFICIENTE DE CORRELAÇÃO DE PEARSON ENTRE OS ÍNDICES DEDEMORACIA E DE CONFIANÇA

FONTES: Os autores, a partir de World Values Survey Association (2005), EIU (2007) e Freedom House(2007).

NOTAS: 1. A Correlação tem significância de 0,01 (2-tailed).2. A Correlação tem significância de 0,05 (2-tailed).

Os resultados mostram que, de um modo geral,não temos muitas correlações significativas, comoera de se esperar. A análise mostra que a correlaçãoentre confiança interpessoal e os dois índices dedemocracia é muito baixa. Mais que isso, que elasnão são estatisticamente significativas. O valoressão 0.129 e -0.197, respectivamente, para o índiceda EIU e da Freedom House. Ou seja, se confiançaintepressoal fosse realmente um índice relevante,como sugere a teoria, ele deveria estarsignificativamente correlacionado com o grau dedemocratização dos países estudados, o queclaramente não acontece.

Devemos, entretanto, interpretar esse resultadocom cuidado. Pensamos que deve ser visto nãocomo uma completa negação do elementoconfiança interpessoal no processo democrático,mas, antes disso, como uma confirmação doslimites na forma como o conceito vem sendooperacionalizado. Tomado assim, esse resultadoé compatível com o recente debate teórico acercada validade do conceito de confiança interpessoalpara a teoria da democracia. Ou seja, o resultadoaqui obtido pode ser entendido como ademonstração empírica das críticas de Feres Jr. eEisenberg (2006) ao conceito de confiançainterpessoal. Em linhas gerais, a crítica é a quesegue: “Argumentamos que parte desse equívocose deve à fragilidade analítica com a qual oconceito de confiança interpessoal é formulado,pois tal formulação desconsidera o papel queinstituições que adjudicam conflitos (por exemplo,o Direito) têm na mediação de relaçõesinterpessoais em uma sociedade. Conseqüente-mente, as respostas obtidas nas pesquisas deopinião pública referentes ao conceito de confiança

acabam por traduzir uma dimensão distinta daquelaoriginalmente pretendida por aqueles que asrealizam. Em suma, nosso argumento é que,devido à sua fragilidade analítica, o conceito deconfiança interpessoal é ineficaz enquantoferramenta de medição empírica, conduzindo,portanto, a conclusões nomológicas – i.e.,generalizações teóricas indutivas baseadas emevidências empíricas equivocadas” (idem, p. 457;sem grifos no original).

A conclusão dos autores é clara e objetiva, einduz a um outro caminho na busca do elementoexplicativo para a influência da cultura política emdemocracias. “[...] se queremos construirsociedades democráticas tomando como ponto departida a realidade das democracias existentes e arealidade das demandas sociais feitas em seu seio,precisamos reintroduzir a dimensão ‘confiançapolítica’, entendida como a confiança que o corpode cidadãos deposita nas instituições responsáveispelo reconhecimento, participação e distribuiçãode riqueza. O ato de confiar é muito mais complexoe contém inúmeras sutilezas que uma simplespergunta sobre o grau de confiança interpessoalentre os cidadãos de um país jamais será capaz decaptar” (idem, p. 477; sem grifos no original).

Passemos então à sugestão dos autores,analisando os índices de confiança nas instituiçõese democracia. A análise traz ao debate algunsresultados, senão totalmente inesperados, de difícilinterpretação. O índice de confiança nas instituiçõesrelaciona-se significativamente para apenas uma dasmedidas de democracia, a da Freedom House,conforme sugerem os autores, como se pode verno Quadro 2. É certo que, embora a correlaçãonão seja assim tão alta, ela existe e é significativa.

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Assim, a correlação entre o índice da Freedon Housee o índice de confiança nas instituições é a quemais explica a teoria dos autores (-0,376 comP>0,003). Entretanto, a correlação assinaladaapresenta sinal negativo e, como não poderia deixarde ser, é o que chama a atenção aqui. A idéia é, emsuma, que há uma correlação negativa entredemocracia e confiança nas instituições, ou seja,quanto mais democrático o país, menos osindivíduos confiam em suas instituições.

Mas não deveria ser o contrário?

Segundo a teoria do capital social sim, mastrata-se de um dado que requer cuidadosainterpretação. Em regra, afirma-se que o capitalsocial, que envolve confiança nas instituições,deveria estar relacionado à democracia. Mas, nestecaso, talvez estejamos diante de uma confirmaçãoempírica de uma recente crítica feita por Reis(2003) que afirma claramente que embora a teoriado capital social seja promissora, ela também é“patentemente ‘imatura’, do ponto de vista tantoda operacionalização empírica da teoria quantomesmo da especificação analítica precisa dosignificado de suas categorias centrais” (idem, p.47). Nesse sentido, é possível, com certafacilidade, achar justificativas teóricas para esseaparente paradoxo apresentado aqui pelos dadosempíricos. O próprio Reis assinala: “Deve-seadmitir, a propósito, que cidadãos ‘cívicos’,confiantes uns nos outros, poderão tender acultivar em relação às suas instituições uma atitudevigilante e crítica, de efeitos potencialmentecorrosivos quanto a indicadores de ‘confiançainstitucional’. Ronald Inglehart concilia em termosanálogos a decadência da confiança nos governose nas instituições políticas registrada no Ocidentedurante as últimas décadas com sua postulaçãode uma ‘mobilização cognitiva’ que resultaria emum paralelo aumento da intervenção direta doscidadãos em assuntos públicos” (idem, p. 46).

De uma forma um pouco diferente, mas emum mesmo sentido, Dalton (2005), avaliando orecente declínio da confiança política nos EstadosUnidos, mostra que esse não é um problema sónorte-americano e não está só relacionado comseus eventos políticos recentes, como sugere aliteratura. Segundo ele, pode-se claramentedemonstrar, e ele o faz, que “dúvidas sobreinstituições políticas e governos podem serobservadas em quase todas as democracias deindustrialização avançada nas análises entre países”

(idem, p. 123). A tese é relativamente simples. Oautor sugere que a mudança das expectativas doscidadãos, mais do que as falhas de governo, levamà erosão do suporte ao sistema político nessasdemocracias. O que parece estar compatível comos nossos resultados aqui.

Ademais, o fato de termos indivíduos vigilantescom relação aos governos faz todo sentido emuma sociedade democrática, em que se presume(e os dados empíricos mostram isto), uma maiortransparência que permitiria uma atitude críticacom relação aos resultados gerados pela dinâmicainstitucional. Em outras palavras, em umademocracia seria mais difícil (tanto quantonormativamente indesejável) esconder osresultados gerados pela dinâmica institucional. Istoé efetivamente o que mostra nosso resultado. Ouseja, não deveríamos esperar que "virtuosamente",como sugere a teoria, a capacidade redistributivadas instituições esteja relacionada com democracia.Muito pelo contrário, a liberdade de expressão, deimprensa e de organização são típicos dos regimesdemocráticos, e não de regimes autoritários que,em regra, inibem, quando não sufocam pela força,esse tipo de atividade política baseada nacontestação.

O debate sugerido por Reis (2003) traz, por fim,talvez a distinção mais produtiva entre estas aquiconsideradas: “Russell Hardin traça distinçãocuidadosa entre confiança no governo e confiançaindividual induzida por bom governo, antes deproblematizar ricamente os significados possíveisdo ato de confiar em instituições ou organizações,e de se perguntar seriamente até que ponto aconfiança em governos é sequer desejável. Sob essaperspectiva, é impossível recusar liminarmente apergunta sobre até que ponto a presença de ‘capitalsocial’ e ‘confiança’ (interpessoal ou nasinstituições) não poderia eventualmente ser vistacomo manipulação ideológica bem-sucedida”(idem, p. 47; sem grifos no original).

Por fim, a última medida aqui considerada, aconfiança política, não apresentou ser algorelevante. A tabela mostra que a confiança políticanão apresenta correlações significativas com osíndices de democracia. Nesse sentido, parecerazoável explorar um pouco mais a confiança nasinstituições, uma vez que a análise é bastantelimitada, já que a medida de confiança nasinstituições aparece agregada. Isto nos leva a outrapergunta que realmente merece atenção: será que

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CAPITAL SOCIAL E DEMOCRACIA: A CONFIANÇA REALMENTE IMPORTA?

todas as instituições têm o mesmo peso, ou, ditode outra forma, que instituições realmenteimportam? É o que trataremos na próxima seção.

VI. CONFIANÇA INTERPESSOAL E CONFIAN-ÇA NAS INSTITUIÇÕES

Ao desagregarmos os valores da confiança nasinstituições por tipo de instituição (Quadro 2)vemos, como era de esperar-se, muitas correlaçõesque obedecem à mesma lógica do resultadoanterior, ou seja, que nos países mais democráticosé possível apontar uma erosão na confiança dosindivíduos nas instituições. Esse é o caso de quasetodas as instituições. Um aspecto interessante,porém, merece destaque. Os dados mostram quetrês instituições têm suas correlações invertidas: ajustiça, a polícia e o sistema de saúde. Ou seja, nocaso dessas instituições, quanto mais democráticoo país mais confiantes são seus cidadãos emrelação a elas; embora as correlações só sejamsignificativas em relação ao índice da EIU, e não

ao índice da Freedon House. Esse resultado podenos dizer algumas coisas importantes. Primeiro, aconfiança erode sobretudo em relação àsinstituições eminentemente políticas, comogoverno, parlamento, partidos políticos esindicatos. Também as forças armadas sofrem comessa desconfiança. Enquanto isso, as instituiçõesque, pelo menos em princípio, seriam maisinsuladas das influências políticas, como o poderJudiciário e a polícia, acabam tendo suas relaçõesde confiança positivamente influenciadas emdemocracias mais consistentes.

Obviamente, não há nada de definitivo nessesresultados. Maiores investigações precisam serfeitas para resultados mais precisos. Mas asindicações aqui parecem nos encaminhar para adireção sugerida por de Dalton (2005), segundo aqual existe de fato uma erosão na confiança nasinstituições, e que esta está relacionada fortementeàs instituições políticas.

QUADRO 2 – MATRIZ DE CORRELAÇÕES DE PEARSON ENTRE CONFIANÇA NAS INSTITUIÇÕES E OSÍNDICES DE DEMOCRACIA

FONTES: Os autores, a partir de World Values Survey Association (2005), EIU (2007) e Freedom House(2007).

NOTAS: 1. A Correlação tem significância de 0,01 (2-tailed).2. A Correlação tem significância de 0,05 (2-tailed).

Pode-se argumentar que o equívoco aqui é cla-ro. Não seria mesmo possível inferir resultados co-letivos simplesmente agregando comportamentosindividuais. Assim sendo, outra questão faria todoo sentido. Até que ponto a confiança interpessoalestá relacionada com a confiança nas instituições?Em outras palavras, será que a confiançainterpessoal não é uma variável interveniente, oumesmo antecedente à confiança nas instituições?

Os resultados do Quadro 1 não alimentam es-sas hipóteses e, na verdade, desencorajam enca-minhamentos nesse sentido. O quadro não mos-tra correlação estatisticamente significativa entreconfiança interpessoal e confiança nas institui-ções. Esta correlação, de 0,234 com P > 0,07,como se vê, é muito baixa. Mas como não deve-mos efetivamente desconsiderá-la, cabe aqui umaexplicação que não descarta totalmente a confi-

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ança interpessoal, mas a considera como variá-vel interveniente com algum valor. Isso teria apoiona idéia de que a confiança intepressoal, aoincrementar os valores da confiança nas institui-ções, de maneira indireta estaria contribuindo parao sucesso da democracia, já que a confiança nasinstituições é determinante. Isso pode ser factível,mas seria preciso elucidar o mecanismo por meiodo qual a confiança interpessoal efetivamenteincrementaria a confiança nas instituições. Diga-se de passagem, uma tarefa nada fácil.

Um dos caminhos mais comumente trilhadosé o de sugerir que confiança interpessoal está li-gada à participação política, orientada por valoresculturais cívicos. Assim, o desempenho das insti-tuições melhoraria em função da participaçãoalavancada pela cultura cívica de uma determina-da comunidade (PUTNAM, 1996). Mais recente-mente um estudo de Rennó (2001) verifica se aconfiança interpessoal é importante como elementodefinidor do comportamento político. O autorconclui, de maneira bastante cuidadosa e mode-rada, que “[...] a confiança afeta o comportamen-to político em alguns lugares de um modo maisdireto do que em outros. Isso significa que a con-fiança interpessoal não influencia o comportamentopolítico em todos os contextos e, provavelmente,nem no mesmo contexto em todas as ocasiões.Esse conceito não pode ser tomado como causade participação política reduzida ou pouca parti-cipação em associações. É verdade que a confi-ança está relacionada com algumas formas de par-ticipação política e com o envolvimento com ques-tões públicas em alguns países da América Lati-na, mas não na maioria deles. Por outro lado, aconfiança interpessoal está associada principal-mente com as visões sobre comportamento de

obediência às leis, igualdade legal entre cidadãos econfiança nas instituições públicas e, em graumenor, com o engajamento em associações cívi-cas. Pode-se dizer então que a confiançainterpessoal afeta as percepções sobre a eficáciada obediência às leis e a confiança nas soluçõesinstitucionais para os problemas do cotidiano. Aausência de confiança parece afastar os indivídu-os da busca por soluções institucionais para seusconflitos diários de interação. Nesses casos, a faltade confiança pode ser um estímulo para evitar aintervenção do Estado na solução dos conflitoscotidianos” (idem, p. 38; sem grifos no original).

Como se vê, parece razoável apostar, a priori,nesse mecanismo, mas ele inspira cuidados. Umexame da influência de outros valores na explicaçãodas distintas formas de comportamento político, entreeles a participação política, seria necessário paraelucidar a questão. Ou seja, o alerta de Rennó nãodeve ser esquecido, os microfundamentos da teoriado capital social precisam de melhores explicaçõesno que diz respeito à influência da confiançainterpessoal no comportamento político.

VII. DETERMINANTES ECONÔMICOS DADEMOCRACIA

O debate mais aprofundado e mais rico emevidências sobre os determinantes do surgimentoe manutenção dos regimes democráticos é o de-bate voltado para a explicação a partir de variáveisde desempenho econômico (cf. DAHL, SHAPIRO& CHEIBUB, 2003). De fato, foi exatamente oque encontramos nos dados analisados. A simplesinspeção na matriz de correlação entre os indica-dores de desempenho econômico e os índices dedemocracia já serviriam para confirmar essa tese,como se pode ver no Quadro 3.

QUADRO 3 –- MATRIZ DE CORRELAÇÃO DE PEARSON ENTRE OS ÍNDICES DE DEMOCRACIA COM OSÍNDICES DE DESEMPENHO ECONÔMICO

FONTES: Os autores, a partir de World Bank (2006), EIU (2007) e Freedom House (2007).NOTAS: 1. A Correlação tem significância de 0,01 (2-tailed).

2. A Correlação tem significância de 0,05 (2-tailed).

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À exceção do produto interno bruto (PIB)16,todos os outros indicadores utilizados mostramforte capacidade explicativa, com especial aten-ção para a renda per capita17 e IDH18, que apre-sentam correlações altíssimas, em especial com oíndice da EIU. Certamente que estamos diante deuma força explicativa que precisa ser consideradaem conjunto com outras variáveis. Dessa forma,espera-se verificar seu peso diante de outros fa-tores explicativos. É exatamente isso que seráapresentado na próxima seção.

VIII. ECONOMIA, CULTURA POLÍTICA E INS-TITUIÇÕES: O QUE REALMENTE IM-PORTA?

Adicionalmente, temos aqui o objetivo de in-vestigar comparativamente o peso do valor cultu-ral “confiança” na determinação do grau de de-mocracia entre países. Para tanto, busca-se com-parar o peso desses valores de confiança frenteao peso de variáveis de desempenho econômico,estas últimas fatores explicativos consagrados pelaliteratura como determinantes para o surgimentoe estabilidade de regimes democráticos.

VIII.1. Os modelos

Testamos o peso das variáveis de desempe-nho econômico com as variáveis de cultura polí-tica, ambas para os dois índices de democracia(variáveis dependentes). Por motivos de

parcimônia, reduzimos os modelos a cinco variá-veis explicativas. Exatamente aquelas variáveiscentrais no debate e aquelas que de alguma formaapresentaram correlações promissoras nas análi-ses anteriores. Os dois modelos são compatíveis,ou seja, a resposta é de fato a esperada: os valoresculturais de confiança não exercem pesoexplicativo significativo para a democracia. Con-fiança nas instituições aparece negativamente re-lacionada tanto com o índice da Freedom Housequanto com o índice da EIU. Isso confirma a teseda erosão da confiança nas instituições em regi-mes democráticos, resultado já apontado anteri-ormente. Da mesma forma, mais uma vez, confi-ança interpessoal não apresenta qualquersignificância em nenhum dos modelos.

Já a análise das variáveis econômicas apontapara um forte elemento explicativo que aparecenos dois modelos com significância de 99,9%, arenda per capita. Assim, embora os outros índi-ces de desempenho econômico como o PIB e oGINI19 tenham se mostrado significativos namatriz de correlação anterior (Quadro 3), é a ren-da per capita que realmente contribui mais forte-mente ao resultado. É possível que tenhamos umainteração entre as variáveis econômicas, mas issonão invalida nosso resultado, pois a variávelexplicativa renda per capita foi de fato a mais pro-missora na análise de correlação anterior, e conti-nua sendo aqui, mesmo considerada em conjuntocom as outras.

Nossos resultados são compatíveis com osresultados de Przeworski, Cheibub e Limongi(2003). Segundo os autores, “vários fatores afe-tam a sobrevivência da democracia, mas todoseles são fracos em comparação com a renda percapita” (idem, p. 22). Avaliando tanto fatores eco-nômicos como fatores culturais, como a religiãoe a tradição, os autores afirmam que nenhum des-ses fatores contribui mais do que a renda percapita. Embora, segundo eles próprios, não sejapossível, prima facie, assegurar com isso umavisão culturalista forte a ponto de afirmar que de-terminadas culturas são incompatíveis com a de-mocracia.

16 O PIB é a soma do valor acrescentado por todos osprodutores residentes na economia, acrescida de quaisquerimpostos sobre o produto (à exceção de subsídios) nãoincluídos na valorização da produção. É calculado sem in-cluir as deduções da depreciação dos ativos de capital oudo esgotamento e deterioração dos recursos naturais. Ovalor acrescentado é o produto líquido de uma indústriadepois da soma de todos os produtos finais e da subtraçãode todos os produtos intermédios utilizados. Os dadosaqui utilizados são de 2006 e a fonte foi o Banco Mundial(2006).17 A Renda per capita, denominada atualmente GNI (anti-go GNP per capita), é formada pela renda nacional, conver-tida em dólares americanos usando o método do WorldBank Atlas, dividido pela média populacional. Os dadosaqui utilizados são de 2006 e a fonte foi o Banco Mundial(idem).18 Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é o índiceque mede o grau, em média, de três dimensões básicas dedesenvolvimento humano – vida longa e saudável, nível deconhecimento e padrão de vida digno. Os dados utilizadosforam retirados do Relatório de Desenvolvimento Humano(2007-2008) (PNUD (2008)).

19 O Coeficiente de GINI mede a disparidade de distribui-ção (ou consumo) de rendimentos entre os diversos indiví-duos ou agregados familiares em um determinado país. Acurva de Lorenz marca a percentagem total de acumulaçãode rendimentos distribuídos relativamente ao número debeneficiários, começando pelos indivíduos ou agregados

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QUADRO 4 – MODELOS DE REGRESSÃO GAMMA E INVERSE GAUSSIAN: DESEMPENHO ECONÔMICO ECULTURA POLÍTICA COMO VARIÁVEIS INDEPENDENTES

familiares mais pobres. O índice de GINI mede a área entrea curva de Lorenz e a hipotética linha de igualdade absolu-ta, representada como percentagem da área máxima abaixoda linha. O valor 0 representa absoluta igualdade, ao passoque o valor 100 representa absoluta desigualdade. Os da-dos utilizados aqui foram retirados do Relatório de Desen-volvimento Humano (2007-2008) (PNUD (2008)).

FONTES: Os autores, a partir de World Vales Survey Association (2005), World Bank, EIU (2007) e FreedomHouse (2007).

NOTAS: 1. A Correlação tem significância de 0,01 (2-tailed).2. A Correlação tem significância de 0,05 (2-tailed).3. Variáveis dependentes: (1) Democracia - Freedom House; (2) Democracia - The Economic

Inteligence Unit.

Essas também são as conclusões a que che-gamos, sobretudo quando analisamos separada-mente o fator explicativo mais forte. Ademais, osresultados tornam-se ainda mais robustos quandoanalisamos separadamente a renda per capita comoo fator explicativo mais forte.

VIII.2. Renda per capita e democracia

A probabilidade de uma democracia sobrevi-ver cresce monotonicamente com o crescimentoda renda per capita (PRZEWORSKI, CHEIBUB& LIMONGI, 2003). Diante de tal sugestão, efrente à força explicativa da variável renda percapita em nossos modelos, é prudente dedicar-mos um pouco mais de atenção a ela.

A regressão logística a seguir ajuda-nos a en-tender essa força. A variável dependente binária(democracia-não democracia), retirada dos núme-ros da The Economic Inteligence Unit, mostra aprobabilidade de um país ser democrático a partirde sua renda per capita. O resultado é claro. Pode-se afirmar que os resultados aqui encontrados sãocompatíveis com a teoria. Para os países comrenda per capita acima da mediana, que é de US$6 525, a chance de ser um país democrático au-menta em mais de quatro vezes (4,067). Já paraos países com renda per capita acima da media-na, que é de US$ 6 525, a chance de ser um paísdemocrático é substancialmente maior.

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QUADRO 5 - REGESSÃO LOGÍSTICA: RENDA PER CAPITA

FONTES: Os autores, a partir de World Bank (2006) e EIU (2007).

GRÁFICO 1 – PROBABILIDADE DE UM PAÍS DE BAIXA RENDA PER CAPITA (US$ 0 A 6600) SER UMADEMOCRACIA

FONTE: Os autores, a partir de World Bank (2006).

Parece não restar dúvidas que democracia estáfortemente determinada pelo desempenho econô-mico dos países. Muito mais do que qualquer ou-tra variável aqui considerada.

IX. CONCLUSÕES

Se levarmos em consideração exclusivamenteo conceito de confiança interpessoal como medi-da para o capital social, não podemos definitiva-mente considerar que este seja um valor culturalrelevante para democracia. Os dados analisadosmostram, ao contrário, que podemos afirmar queele não é relevante para a democracia. Ou seja,não é possível afirmar que a cultura importa para

o sucesso da democracia a partir do conceito deconfiança, pois este conceito não oferece capaci-dade explicativa entre os níveis de confiançainterpessoal e o grau de democratização dos paí-ses estudados.

No que diz respeito à confiança nas institui-ções, sua correlação negativa com o grau de de-mocratização dos países estudados sugere que ocírculo virtuoso sugerido por Putnam (1996) nãose confirma. A erosão da confiança nos governosem regimes democráticos é uma forte evidênciade que não há associação positiva, virtuosa, entreconfiança, cultura cívica, ou qualquer outra de-

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nominação que se sugira dar na tentativa de cons-truir um mecanismo causal entre capital social edemocracia.

Nesse sentido, entendemos que nosso resulta-do oferece apoio empírico à tese que sustenta quea democracia é, na verdade, muito mais determi-nada pelos resultados de seu desempenho econô-mico e do seu desenho institucional, e não resul-tado de uma pretensa cultura democrática deter-minada pelo capital social.

Obviamente, o debate entre os culturalistas eos não-culturalistas não se encerra aqui. Este arti-go não tem esse condão, nem esta pretensão.Defendemos, inclusive, que a Ciência Políticacontemporânea só tem a ganhar caso reconheça aimportância de cada uma dessas abordagens. Nocontexto desse debate, e em nosso ponto de vis-ta, algumas questões apresentam-se como im-portantes para o seu prosseguimento. São elas:(1) elucidar os microfundamentos da ação políti-ca e os impactos da cultura nesse comportamen-to político. Ou seja, faz-se necessário ir à agênciapara elucidar questões de comportamento políti-co; (2) refinar a análise sobre o conceito de con-fiança nas instituições, uma vez que sua correla-ção negativa com o grau de democratização dospaíses aqui estudados desafia-nos a elucidar me-lhor essa relação perversa ou aparentemente irra-cional; (3) como refinar metodologicamente aanálise estatística levando em consideração con-

textos específicos, como a América Latina, ondeos valores de confiança são muito mais baixosque a média mundial. E onde, conforme assinala-do por Power e Jamison, “[...] a confiança muitobaixa nos políticos da América Latina é meramen-te um dos aspectos de uma síndrome de baixaconfiança generalizada” (POWER & JAMISON,2005, p. 65); (4) como considerar nas análisesestatísticas a assimetria entre confiança e descon-fiança, ou seja, como enfrentar o fato de que émais fácil desconfiar de maneira generalizada doque construir confiança interpessoal e confiançanas instituições.

Nós acreditamos, com base nessas questões,que em contextos diversificados essasconsequências serão também diversificadas, ouseja, deve-se esperar que os resultados das insti-tuições sejam afetados de maneira não homogê-nea pelos valores culturais entre regiões. Ou seja,em nosso ponto de vista, a teoria é flagrantemen-te limitada e não oferece capacidadegeneralizadora. Nesse sentido, vemos que o de-bate está apenas começando, e consideramosfactível prever uma época próxima de bastantecontrovérsia. A controvérsia, entretanto, podegerar um debate cada vez mais profundo, princi-palmente com foco nos mecanismos causais in-termediários que poderiam explicar o fenômenodemocracia. Mas isso é tarefa para as próximasinvestigações.

Manoel Leonardo Santos ([email protected]) é Doutor em Ciência Política pela UniversidadeFederal de Pernambuco (UFPE).

Enivaldo Carvalho da Rocha ([email protected]) é Professor do Departamento de Ciência Política daUniversidade Federal de Pernambuco (UFPE).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 38: 43-64 FEV. 2011

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OUTRAS FONTES

Operacionalização do conceito de confiançapolítica, a partir da análise fatorial feita com asvariáveis: confiança nos servidores, nas forças

ANEXO 1armadas, na polícia, no parlamento, no governo enos partidos.

QUADRO 1 - TOTAL VARIANCE EXPLAINED

NOTA: Extraction Method: Principal Axis Factoring.

NOTA: Extraction Method: Principal Axis Factoring.

QUADRO 2 - FACTOR MATRIX (A)

NOTAS: 1. Extraction Method: Principal Axis Factoring.2. Attempted to extract 2 factors. More than 25 iterations required. (Convergence = ,003). Extraction was terminated.

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CAPITAL SOCIAL E DEMOCRACIA: A CONFIANÇA REALMENTE IMPORTA?

QUADRO 3 - ROTATED FACTOR MATRIX (A)

NOTAS: 1. Extraction Method: Principal Axis Factoring.2. Rotation Method: Varimax with Kaiser Normalization.3. Rotation converged in 3 iterations.

QUADRO 4 - FACTOR TRANSFORMATION MATRIX

NOTAS: 1. Extraction Method: Principal Axis Factoring.2. Rotation Method: Varimax with Kaiser Normalization.

GRÁFICO 1 - REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DA MATRIZ DE FATORES

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 38: 43-64 FEV. 2011

QUADRO 1 - ÍNDICES DE DEMOCRACIA EM 161 PAÍSES: FREEDOM HOUSE (2007) E THE ECONOMICINTELIGENCE UNIT (2007)

ANEXO 2

País Freedom House 2007 EIU 2007Afghanistan 5 3.06

Albania 3 5.91

Algeria 5.5 3.17

Angola 5.5 2.41

Argentina 2 6.63

Armenia 4.5 4.15

Australia 1 9.09

Austria 1 8.69

Azerbaijan 5.5 3.31

Bahrain 5 3.53

Bangladesh 4 6.11

Belarus 6.5 3.34

Belgium 1 8.15

Benin 2 6.16

Bhutan 5.5 2.62

Bolivia 3 5.98

Bosnia-Herzegovina 3.5 5.78

Botswana 2 7.6

Brazil 2 7.38

Bulgaria 1.5 7.1

Burkina Faso 4 3.72

Burundi 4 4.51

Cambodia 5.5 4.77

Cameroon 6 3.27

Canada 1 9.07

Cape Verde 1 7.43

Central African Republic 4.5 1.61

Chad 5.5 1.65

Chile 1 7.89

China 6.5 2.97

Colombia 3 6.4

Comoros 4 3.9

Congo (Brazzaville) 5 3.19

Costa Rica 1 8.04

Cote d'Ivoire 6 3.38

Croatia 2 7.04

Cuba 7 3.52

Czech Republic 1 8.17

Cyprus 1 7.6

Czech Republic 1 8.17

País Freedom House 2007 EIU 2007Dominican Republic 2 6.13

Ecuador 3 5.64

Egypt 5.5 3.9

El Salvador 2.5 6.22

Equatorial Guinea 6.5 2.09

Eritrea 6.5 2.31

Estonia 1 7.74

Ethiopia 5 4.72

Fiji 3.5 5.66

Finland 1 9.25

France 1 8.07

Gabon 5 2.72

Gambia 4.5 4.39

Georgia 3 4.9

Germany 1 8.82

Ghana 1.5 5.35

Greece 1.5 8.13

Guatemala 4 6.07

Guinea 5.5 2.02

Guinea-Bissau 3.5 2

Guyana 3 6.15

Haiti 4.5 4.19

Honduras 3 6.25

Hungary 1 7.53

Iceland 1 9.71

India 2.5 7.68

Indonesia 2.5 6.41

Irã 6 2.93

Iraq 5.5 4.01

Ireland 1 9.01

Israel 1.5 7.28

Italy 1 7.73

Jamaica 2.5 7.34

Japan 1.5 8.15

Jordan 4.5 3.92

Kazakhstan 5.5 3.62

Kenya 3 5.08

Kuwait 4.5 3.09

Kyrgyzstan 4.5 4.08

Laos 6.5 2.1

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CAPITAL SOCIAL E DEMOCRACIA: A CONFIANÇA REALMENTE IMPORTA?

Latvia 1 7.37

Lebanon 4.5 5.82

Lesotho 2.5 6.48

Liberia 4 5.22

Libya 7 1.84

Lithuania 1 7.43

Luxembourg 1 9.1

Macedonia 3 6.33

Madagascar 3 5.82

Malawi 4 4.97

Malaysia 4 5.98

Mali 2 5.99

Malta 1 8.39

Mauritania 5 3.12

Mauritius 1 8.04

Mexico 2 6.67

Moldova 3.5 6.5

Mongolia 2 6.6

Montenegro 3 6.57

Morocco 4.5 3.9

Mozambique 3.5 5.28

Namibia 2 6.54

Nepal 5.5 3.42

Netherlands 1 9.66

New Zealand 1 9.01

Nicaragua 3 5.68

Niger 3 3.54

Nigeria 4 3.52

North Korea 7 1.03

Norway 1 9.55

Oman 5.5 2.77

Pakistan 5.5 3.92

Panama 1.5 7.35

Papua New Guinea 3 6.54

Paraguay 3 6.16

Peru 2.5 6.11

Philippines 3 6.48

Poland 1 7.3

Portugal 1 8.16

Qatar 5.5 2.78

Romania 2 7.06

Russia 5.5 5.02

Rwanda 5.5 3.82

Saudi Arabia 6.5 1.92

Senegal 2.5 5.37

Serbia 2.5 6.62

Sierra Leone 3.5 3.57

Singapore 4.5 5.89

Slovakia 1 7.4

Slovenia 1 7.96

South Africa 1.5 7.91

South Korea 1.5 7.88

Spain 1 8.34

Sri Lanka 3 6.58

Sudan 7 2.9

Suriname 2 6.52

Swaziland 6 2.93

Sweden 1 9.88

Switzerland 1 9.02

Syria 7 2.36

Taiwan 1 7.82

Tajikistan 5.5 2.45

Tanzania 3.5 5.18

Thailand 3 5.67

Togo 5.5 1.75

Trinidad & Tobago 2.5 7.18

Tunisia 5.5 3.06

Turkey 3 5.7

Turkmenistan 7 1.83

United Arab Emirates 6 2.42

Uganda 4.5 5.14

United Kingdom 1 8.08

Uruguay 1 7.96

United States of America 1 8.22

Uzbekistan 7 1.85

Venezuela 4 5.42

Vietnam 6 2.75

Yemen 5 2.98

Zambia 4 5.25

Zimbabwe 6.5 2.62

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 38: 43-64 FEV. 2011

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CAPITAL SOCIAL E DEMOCRACIA: A CONFIANÇA REALMENTE IMPORTA?

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 295-300 OUT. 2010

SOCIAL CAPITAL AND DEMOCRACY: DOES TRUST REALLY MATTER?

Manoel Leonardo Santos and Enivaldo Carvalho da Rocha

In recent times, efforts have been made to bring two approaches previously considered to be antagonicand impossible to reconcile closer. This refers to an attempt to intermediate views that, on the onehand, emphasize the importance of individuals’ strategic choices and, on the other, prioritize thehistorical importance of socio-historical norms and institutions in political and social results. Thepresent article takes part in this debate and within this context, the question “Does culture matter?”comes to the forefront. Taking this question as our point of departure, we seek an empirical analysisof the statistical relevance of a specific cultural value, “social capital”, and its significance for thequality of democracy. The efforts we carry out consist in attempt to empirically clarifying whethersocial capital (understood here through indicators of interpersonal trust, trust in institutions andpolitical trust) is related to the quality of democracy (measured here through two indicators: FreedomHouse and The Economic Inteligence Unit). We conclude that, if relying exclusively on the conceptof interpersonal trust as a measure of social capital, we will not be able to consider the latter as acultural value that is relevant for democracy. With regard to trust in institutions, this factor’s negativecorrelation to degrees of democratization in the countries studied demonstrates quite clearly that thecircle of virtue suggested by Robert Putnam cannot be confirmed. Erosion of trust in governments,within democratic regimes, is strong evidence that there is no positive, virtuous association betweenconfidence, civic culture or any other denomination that has been suggested in the attempt to buildcausal links between social capital and democracy. Yet notwithstanding negative results and thelimitations that we have pointed to in relation to the scope of the theory of social capital, our text isrevealing of a debate that is currently under construction and seems to hold promise.

KEYWORDS: Social Capital; Theory of Democracy; Trust; Economic Development; PoliticalCulture.

* * *

POLITICAL REPRESENTATION: A DIALOG BETWEEN PRACTICE AND THEORY

Daniela Resende Archanjo

The present essay discusses the issue of political representation through a dialog between politicaltheory and practice. Beginning from the characterization of three forms of representation noted inthe bibliography (representation as delegation, as trust and as sociological representativity) the articleseeks to reveal, through the speech of house representatives and senators who participated in thedebate around the institution of divorce during the 1950s, 1960s and 1970s, how different possibilitiesregarding the concept of political representation were understood and mobilized in political debatewithin the Brazilian Congress. The context surrounding the House of Representatives and the Fe-deral Senate, political scenario par excellence, is multi-faceted, while parliamentary practice isconstituted through the (unconscious) mixture of theoretical models, in which the need to expressthe importance of maintaining ties to the voter always prevails. We must not forget that politicians’discourse is, above and beyond all else, the product of the contexts to which they belong, forged bythe meanings that members of parliament attribute to their function as political representatives.

KEYWORDS: Political Representation; Political Theory; Political Practice; Divorce.

* * *

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 303-309 OUT. 2010

MOTS-CLES: démocratie; minimalisme; représentation politique; accountability; choix rationnel.

* * *

CAPITAL SOCIAL ET DEMOCRATIE: LA CONFIANCE EST-ELLE VRAIMENT IMPOR-TANTE?

Manoel Leonardo Santos et Enivaldo Carvalho da Rocha

Actuellement, il est possible de trouver des efforts visant à réconcilier deux approches avant prisescomme antagonistes et inconciliables. Il s'agit d’une tentative de faire la médiation des visions qued’un côté, soulignent l’importance des choix stratégiques des individus et, d'un autre côté, qui privilégientl'importance historique des normes et des institutions socioculturelles dans les résultats sociaux etpolitiques. Cet article s'insère dans ce débat et, dans ce contexte, la question “la culture est-elleimportante?” est tout à fait logique. En partant de cette question, nous cherchons à analyserempiriquement l’importance statistique d'une valeur culturelle spécifique, “le capital social”, pour laqualité de la démocratie. L’effort est de clarifier empiriquement si le capital social (ici compris à partirdes indicateurs de confiance interpersonnelle, confiance dans les institutions et confiance politique),est lié à la qualité de la démocratie (ici mesurée à partir de deux indicateurs : Freddom House et TheEconomic Inteligence Unit). Nous concluons que, si nous prenons en considération seulement le conceptde confiance interpersonnelle comme mesure pour le capital social, nous ne pouvons pas considérerque celui-ci est une valeur culturelle pertinente pour la démocratie. Par rapport à la confiance dans lesinstitutions, sa corrélation négative avec le degré de démocratisation des pays étudiés, montre clairementque le cercle vicieux suggéré par Robert Putnam n’est pas confirmé. L’érosion de la confiance dansles gouvernements, dans les régimes démocratiques, est une forte évidence que il n’y a pas d’associationpositive, vertueuse, entre confiance, culture civique ou n’importe quelle autre dénomination que puisseêtre suggérée dans une tentative de construire un mécanisme de cause entre capital social et démocratie.Malgré les résultats négatifs et les limites indiqués en ce qui concerne le pouvoir de la théorie ducapital social, le texte indique un débat en construction et avec des perspectives prometteuses.

MOTS-CLES: capital social; Théorie de la Démocratie; confiance; développement économique;culture politique.

* * *

REPRESENTATION POLITIQUE: UN DIALOGUE ENTRE LA PRATIQUE ET LA THEORIE

Daniela Resende Archanjo

Cet article discute la question de la représentation politique à partir du dialogue entre la théorie et lapratique de la politique. En partant de la caractérisation des trois formes de représentation indiquéespar la bibliographie (représentation tant que délégation, tant que confiance et tant que représentativitésociologique), l’article cherche à révéler, à partir des discours des députés et sénateurs qui ont participédu débat autour de l’institution du divorce au Brésil pendant les décennies de 1950, 1960 et 1970,comment les différentes possibilités du concept de représentation politique ont été comprises et mobiliséesdans le débat politique du Congrès National. Le contexte où sont inscrits le Sénat Fédéral et la Chambrede Députés, scénario de la politique par excellence, a des multiples facettes, pendant que la pratiqueparlementaire se constitue dans le mélange (inconscient) des modèles théoriques, où la nécessitéd’exprimer l’importance de l’entretien du lien avec l’électeur prévaut toujours. Il faut ne pas perdre devue que les discours des politiques sont, avant tout, des produits du contexte où ils sont inscrits, masquéspar le significat attribué par les parlementaires à leur fonction de représentants politiques.

MOTS-CLES: représentation politique; Théorie Politique; pratique politique; divorce.

* * *