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Oo OUSAR SABER Seleção de Textos Escolhidos | 1 CONCURSO de TEXTO FILOSÓFICO OUSAR SABER COMO PODE A PERGUNTA SER A SOLUÇÃO? © www.pascal-lecocq.com Oo SELEÇÃO DE TEXTOS ESCOLHIDOS

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Oo OUSAR SABER Seleção de Textos Escolhidos | 1

CONCURSO de TEXTO

FILOSÓFICOOUSARSABER

COMO PODE A PERGUNTA SER A SOLUÇÃO?

© www.pascal-lecocq.com

Oo

SELEÇÃO DE TEXTOS ESCOLHIDOS

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Vem de tempos remotos o lema Ousar Saber retomado por Immanuel Kant no célebre texto em que apresenta o desafio de um uso autónomo do entendimento. O acomodamento dado num entendimento passivo e pouco empreendedor dissuade a pergunta e demora a mudança. A coragem de pensar é o repto que transcende os tempos do Iluminismo e continua hoje a ecoar nas aulas de Filosofia. Foi este o dinamismo que se pretendeu atualizar neste Concurso de Texto Filosófico Porto Editora, destinado aos alunos do 11.º ano, através da questão:

Como pode a pergunta ser a solução?

Imagem da capa: Pascal Lecocq, The Painter of Blue ®, 54x64, Em busca do caminho, 1990; óleo sobre tela

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O Concurso de Texto Filosófico foi uma iniciativa da Porto Editora, decorrida durante os meses de março e abril de 2014, apresentada pela equipa de professores que preparou o manual do 11.° ano: Ousar Saber.

ÍNDICETexto 1 – Luís Cupido, Escola Básica e Sec. Gonçalves Zarco, Funchal ........ 4

Texto 2 – Carlos Victor, Escola Secundária Monte da Caparica ....................... 8

Texto 3 – Débora Correia, Agrupamento de Escolas Dr. Jaime Magalhães Lima, Esgueira .................................................................................................. 11

Texto 4 – Juliana Senra, Escola Secundária de Barcelos .................................... 13

Texto 5 – Luís Silva, Escola Secundária Gaia Nascente, V. N. Gaia .................. 15

Texto 6 – João Teles, Instituto Nun’Alvres, Caldas da Saúde ........................... 17

Texto 7 – José Costa, Agrupamento de Escolas Dr. Jaime Magalhães Lima, Esgueira .................................................................................................. 19

Texto 8 – Ana Silva, Escola Secundária Gaia Nascente, V. N. Gaia .................. 23

Texto 9 – Bruno Lopes, Dilan Nunes, Inês Valente, Raquel Ferreira e José Rego, Agrupamento de Escolas Dr. Jaime Magalhães Lima, Esgueira .................................................................................................. 25

Texto 10 – Ana Alves, Didáxis Cooperativa de Ensino, Riba de Ave ............... 27

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Texto 1 – Luís Cupido, Escola Básica e Sec. Gonçalves Zarco, Funchal

Como pode a pergunta ser a solução?

Para que uma pergunta seja a solução, esta terá de responder a uma outra pergunta… Para responder a este problema, terei então de pensar numa pergunta que possa responder a uma outra pergunta.

Começo por pensar o que é uma pergunta e uma resposta e, respetivamente, uma pede por uma resposta e a outra responde à questão.

Daí que todas as perguntas peçam por uma ou mais respostas e uma resposta certamente responderá a alguma pergunta… mas será que a pergunta tem ou pode ter várias respostas certas? Não, uma pergunta só pode ter uma e uma única só resposta, que é a mais verdadeira, a mais perfeita, enquanto que outras respostas só se aproximam. A “resposta perfeita” sim-boliza todas as respostas sinónimas entre si, como: “vermelho” ou “cor vermelha“.

– Quanto é que é um mais um?

A resposta é dois, e é a única, isto é, a resposta perfeita à questão.

– A Lua é considerada um satélite natural da Terra?

A resposta é sim, e é a mais perfeita, já que é a mais aceite, a melhor.

– E se eu perguntar algo que tem várias respostas, em que todas estão certas? Como…

Que cálculo dá quatro?

Bem… dois mais dois dá quatro, cinco menos um dá quatro, dois vezes dois dá quatro… então, qual será a resposta perfeita? A resposta perfeita, neste caso, seria identificar TODOS os cálculos que dão quatro… mas isso não seria possível, daí que neste caso só poderemos res-ponder parcialmente à pergunta: a resposta perfeita passa a se chamar resposta perfeita limi-tada e, neste caso, seria identificar um dos cálculos e afirmar que existem outros.

Resposta: Um dos vários cálculos possíveis que dá quatro é dois mais dois.

Devido ao limite da capacidade humana, não nos é possível responder com TODOS os cál-culos que dão quatro. Daí que o limite da capacidade humana limita a resposta de resposta perfeita para resposta perfeita limitada (nome inventado para simplificar esta argumentação), pois a resposta perfeita terá de ser limitada a algo mais simples, já que o ser humano não a consegue responder, neste exemplo, com todos os cálculos existentes (que são infinitos!).

Então, uma pergunta só tem uma resposta, que é a mais perfeita, mas nem sempre é possível lhe responder totalmente (capacidade humana), tornando-se uma resposta perfeita limitada.

Mas, e se a pergunta for retórica? Será que responde ao problema aqui proposto? Apesar de retórica, estas continuarão a pedir, na mesma, uma resposta perfeita, isto pois a pessoa é que escolhe responder ou não (perfeitamente ou não)! No caso de a pessoa responder da mesma forma que a pergunta, se a primeira for retórica, a segunda não responderá perfeitamente…

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– (depois de uma conversa, a pessoa que nada ouvia pergunta) Dizias?

Resposta: (pessoa que falava, zangada) Dizias?

Respondeu com uma resposta cuja frase “Dizias?” é igual à pergunta “Dizias?“, mas res-pondeu perfeitamente? Não… a resposta perfeita seria tudo o que a pessoa que falava disse (e que a pessoa que perguntou nada ouviu). Logo, as perguntas retóricas mais as suas respostas não respondem ao problema proposto de “Quando é que uma pergunta é a solução?“.

E se a pergunta for subjetiva? Ou seja, a resposta difere de pessoa para pessoa, como…

– Gostas de gelados?

Neste caso, continua a haver uma resposta perfeita… mas esta passa a se chamar resposta perfeita subjetiva (nome inventado para simplificar esta argumentação), pois depende da pes-soa a quem perguntamos. Se perguntarmos a uma pessoa que gosta de facto de gelados se ela “gosta de gelados“, só haverá uma resposta perfeita que é “Sim” ou qualquer sinónimo. Mas também há pessoas que não gostam de gelados e, nesse caso, a resposta perfeita será “Não“.

Até agora existem as respostas perfeitas (objetivas), as respostas perfeitas limitadas e as respostas perfeitas subjetivas.

E, por agora, a tese que relaciona a pergunta com a resposta, mais o problema proposto, dependerá destes pontos:

– Uma pergunta pede sempre uma resposta perfeita, que pode ser também limitada pela condição humana ou subjetiva.

– A resposta terá de estar em forma de pergunta e terá responder à pergunta anterior-mente dita.

Para completar ainda mais esta tese, propus-me usar a argumentação de Descartes sobre o uso dos sentidos… Será que são seguros? Isto é, será possível haver uma resposta perfeita a uma pergunta onde se usam os sentidos?

Se a pergunta for:

– De que cor é o caixote do lixo “papelão“?

Penso logo em responder “Azul“, mas será que de facto estou a vê-lo azul? Será que vejo mal e aquilo na realidade é vermelho? Os sentidos já me enganaram várias vezes, será que terei a certeza absoluta que ao responder “Azul” esta será a resposta perfeita?

Imaginemos que duas pessoas, uma que não tem quaisquer problemas de saúde e outra cuja visão troca as cores de azul para vermelho e vice-versa, mas em que estas pessoas nada sabem deste problema de saúde, respondem que a cor do caixote do lixo “papelão” é “Azul“.

Inicialmente, seria simplesmente normal pensar que ambas tinham respondido certo, ape-sar de a pessoa com o problema de visão ter respondido vendo a cor errada.

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O problema surge-me quando penso na possibilidade de todos nós estarmos a ver mal e de facto a cor verdadeira do caixote ser, na pura realidade, rosa, e nós então estar-mos a ver azul erradamente. Respondeu-se perfeitamente? Não, a resposta perfeita seria rosa.

Logo, as perguntas que necessitam do uso dos sentidos para serem respondidas por nós têm sempre uma resposta perfeita, mas nós poderemos não sabê-la! Isto devido à imperfei-ção dos nossos sentidos.

Assim sendo, só poderemos saber, de facto, a resposta a uma pergunta, de forma perfeita, se só se tiver de usar a razão; mas continuamos na mesma a poder responder de forma per-feita… se usarmos a SORTE.

Será que se consegue responder perfeitamente a uma pergunta usando a “sorte“?

Sim! Se se perguntar a uma pessoa uma certa questão de sim ou não, e esta não souber a resposta e “à toa” responde com “sim” e de facto responde perfeitamente à pergunta, então o uso da sorte deu-lhe essa possibilidade.

– Quanto é que são três mais três?

A criança não sabe e diz à sorte um número de zero a dez e esse número é seis. Respondeu perfeitamente à pergunta!

E se a pergunta remeter ao futuro? Como…

– Choverá amanhã?

Poderemos responder perfeitamente a esta pergunta? Sim… usando a sorte novamente, pois apesar de todas as provas que nos derem, só saberemos se choverá quando de facto for amanhã. E se nos remeter ao futuro, relacionando com o passado?…

– “Amanhã, a batalha de Alcácer Quibir continuará a existir como algo do passado?“

Seria lógico pensar que sim, pois apesar de tudo no futuro ser incerto, esta pergunta ape-sar de nos remeter ao futuro, fala do passado, e o passado não se altera. Mas, na mesma, não temos prova alguma se amanhã o passado desaparece e TUDO recomeça do zero a par-tir desse dia. O futuro será SEMPRE incerto, mesmo que nos remeta ao passado ou ao pre-sente.

Logo, perguntas sobre o futuro têm uma resposta perfeita, mas nós não a poderemos saber até que cheguemos a esse tempo.

E, depois de toda esta argumentação, volto a referir a tese agora completa:

– Uma pergunta pede sempre uma resposta perfeita, que pode ser também limitada pela condição humana ou subjetiva.

– A resposta poderá ser respondida com certeza própria pela razão ou por sorte (respon-der perfeitamente aos sentidos também será um acaso).

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– Perguntas sobre o futuro só podem ser respondidas por sorte, onde a resposta perfeita só poderá ser possível de se descobrir quando se chegar a esse tempo no futuro.

– A resposta terá de estar em forma de pergunta e terá responder à pergunta anterior-mente dita.

Começo então agora a responder ao problema proposto! Tentarei inventar perguntas e suas respostas perfeitas.

Primeira: “O prédio é alto?“

De facto, o prédio é alto para mim e respondo que “Sim“. A resposta, apesar de perfeita subjetiva (poderá haver pessoas que achem o prédio pequeno), está longe de ser igual à per-gunta.

Segunda: “Quanto é que são dez vezes dez?“

Respondo perfeitamente com “Cem“, mas a resposta apesar de perfeita e estar inserida no campo da matemática como a pergunta, continua a ser muito distante de se parecer, em ter-mos de escrita, com a pergunta.

Terceira: “Deus existe?“

Não sei a resposta com 100% de certeza, portanto respondo que “Sim” e de facto Deus existe só que não consigo ter experiência deste. Respondi perfeitamente usando a sorte, mas continua a resposta a ser diferente da pergunta em termos de escrita.

Quarta: “De que cor é o cavalo branco de Napoleão?“

Imagina-se que nunca vi o cavalo de Napoleão, mas que olhando para a pergunta deduzo pelo uso da razão que é branco, respondo com “Branco“, e de facto na pura realidade ele tem cor verdadeira branca. Respondi perfeitamente à pergunta usando tanto a razão como o acaso mas a resposta continua a ser diferente, em termos de escrita, à pergunta, apesar de ambas terem a palavra “branco“.

Pensei e pensei e não conseguia responder ao problema proposto… quando me surge a ideia de relacionar a palavra “pergunta” tanto na pergunta como na resposta, isto é, haver a palavra “pergunta” na pergunta e/ou na resposta.

Quinta: “Que pergunta me perguntarás?“

Respondo à toa “Que horas são?” e de facto eu ia perguntar isso momentos depois. Mas não me é possível saber se eu diria isso, pois o futuro é incerto e qualquer coisa poderia acon-tecer (como o outro indivíduo perguntar primeiro pelas horas). Não me é possível então saber se respondi perfeitamente à pergunta (subjetiva), logo, para descobrir a solução para o pro-blema proposto, a pergunta terá de ser no presente.

Sexta: “Que perguntas gostas de perguntar?“

Respondo que gosto de perguntar o nome das pessoas: “Como se chama?“, e que real-mente gosto de perguntar isso (resposta perfeita subjetiva).

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Respondi perfeitamente à pergunta e não foi remetida ao futuro. Será que esta é a solução ao problema proposto? A resposta é a solução à pergunta, onde a resposta é uma pergunta… mas esta resposta é UMA pergunta e não A pergunta: “Como pode a pergunta ser a solução?” pede por uma resposta que seja a pergunta e não outra pergunta.

Por isto mesmo, a tese teve de ser ligeiramente alterada:

– Uma pergunta pede sempre uma resposta perfeita, que pode ser também limitada pela condição humana ou subjetiva.

– A resposta poderá ser respondida com certeza própria pela razão, ou por sorte (respon-der perfeitamente aos sentidos também será um acaso).

– Perguntas sobre o futuro só podem ser respondidas por sorte, onde a resposta perfeita só poderá ser possível de se descobrir quando se chegar a esse tempo no futuro.

– A resposta terá de estar em forma de pergunta e terá de ser escrita da mesma forma que a própria pergunta anteriormente dita.

Com isto, descobri a resposta ao problema proposto:

Sétima: “Que pergunta é igual a esta pergunta?“

E, portanto, respondo com “Que pergunta é igual a esta pergunta?“, respondendo perfeita-mente à pergunta, com uma resposta que está na forma da pergunta!

A resposta é perfeita, pois é a única, é respondida pela razão, em que não se relaciona com o futuro, e é igual à própria pergunta.

Concluo, então, que a resposta a “Como pode a pergunta ser a solução?” é: “Que pergunta é igual a esta pergunta?” Ou qualquer sinónima a esta, permitindo-me então saber que existem perguntas cuja solução é a própria pergunta… isto é, a própria pergunta já poderá conter a res-posta para a pergunta.

Texto 2 – Carlos Victor, Escola Secundária Monte da Caparica

“A pergunta certa é geralmente mais importante do que a resposta certa à pergunta errada.

Alvin Tofller

É devido às perguntas que existem respostas. As perguntas, já por si, são a expressão do nosso desejo por conhecimento.

Desde que nascemos que tudo à nossa volta é questionado, nas nossas perguntas encon-tra-se a nossa fome de conhecimento e, como afirmava Confúcio, este só existe quando “ temos consciência tanto de conhecer uma coisa quanto de não a conhecer“. É isto que nos torna únicos, a capacidade de interrogar, de tentar ir para além do simples meio material, é tentar encontrar no abstrato a resposta para o concreto, perguntar é viver, como afirmava Oscar Wilde, “viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas existe“.

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Vivemos num mundo de fenómenos, desde sempre que o Homem os tentou desvendar, para o humano uma pergunta sem resposta pode ser aterradora na medida em que nos senti-mos seguros caso encontremos para tudo uma causa.

Foi o medo da não existência de uma causa que impediu o Homem durante séculos de per-guntar, de admitir que nem para tudo existe causa, de admitir que a causa que hoje assumimos como certa possa não ser a causa atribuída a algo daqui a uns anos. Contudo, “se o conheci-mento pode criar problemas, não é através da ignorância que podemos solucioná-los” (Isaac Asimov). A resposta a uma pergunta, tal como o conhecimento, constrói-se com a experiência, com passar do tempo ou com o quebrar de barreiras que a nossa mente estabelece ou toma por garantidas.

Temos de admitir uma realidade que transcende a nossa perceção e em certa medida foi o que os pioneiros na física fizeram, eles, que tendencialmente estiveram restritos ao meio material (Jónia), estavam agora ocupados a determinar o trabalho de forças, a calcular valo-res para a aceleração gravítica (Ciência Moderna). Foi o não conseguir tocar ou ver que impe-diu grande parte das pessoas de admitir estas novas descobertas, o Homem sempre esteve limitado à sua existência, ao seu período de vida; e para que ocorressem as grandes mudan-ças no planeta decorreram milhões de anos, logo, não era expectável que admitissem mais do que a realidade imediata que os rodeava, para eles apenas fazia sentido o que observa-vam, não se questionavam, limitavam-se a constatar e a acreditar que tudo era fixo, imutável e constante.

Temos de deixar de ser conformistas, temos de ter um espirito crítico, nem sempre a pri-meira resposta é a “correta“. Na realidade, é das coisas que nos parecem mais seguras e bási-cas que devemos duvidar.

As perguntas estão normalmente associadas a uma busca por uma resposta. Contudo, o conhecimento fica enriquecido pelo simples facto de existirem perguntas. Quando cientistas formularam algumas das mais famosas teorias, eles constataram desde logo que não iriam ver a sua teoria comprovada experimentalmente no imediato, por na altura não estar disponí-vel a tecnologia necessária para que tal acontecesse. Poderiam limitar-se a formular teorias em linha com o paradigma (Thomas Kuhn), a discutir os mesmos problemas que tantos outros na sua época discutiam. Contudo, devido à sua inovação, permitiram que as gerações futuras usufruíssem da sua criatividade e das suas qualidades enquanto cientistas. Foi o caso do Ato-mismo grego (séc. VI a. C.). Teorizava que existiam dois princípios fundamentais: o átomo e o vazio. Apesar das diferenças entre o Atomismo grego e do conceito de átomo que temos atualmente, isto veio a confirmar-se nos séculos XIX e XX. Outro caso famoso foi a primeira prova direta da Teoria da Relatividade de Einstein feita por Arthur Eddington, na ilha do Príncipe, confirmando a deformação da trajetória da luz em função das massas, quatro anos depois de a teoria ter sido proposta. O caso mais recente divulgado pelos meios de comunicação foi o da descoberta dos primeiros ecos do Big Bang pelos peritos do Centro de Astrofísica de Harvard--Smithsonian, constituindo uma evidência para esta teoria.

Parte das respostas que hoje posso encontrar para as minhas questões baseiam-se no facto de terem existido pessoas que dedicaram a sua vida não a encontrar respostas mas sim

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a formular perguntas que ninguém se lembrara de fazer. Quando damos uma resposta certa, podemos com isso obter bastante fama, por exemplo um prémio Nobel, mas será que quem faz as perguntas é valorizado? Durante a história da Humanidade muitos foram aqueles que morreram sem verem as suas perguntas valorizadas. Como foi referido, o Homem tem uma natureza conformista, tem medo de desafiar o que é considerado seguro. Por isso muitas questões foram consideradas uma afronta às elites, à normalidade científica (Thomas Kuhn). Por exemplo, Galileu, com o heliocentrismo, ou, outro caso menos conhecido, o da Teoria da Deriva Continental proposta por Alfred Wegener, que afirmava que os continentes se separa-ram a partir de um supercontinente, a Pangeia – a sua teoria foi ridicularizada pela comunidade científica da época e confirmada dez anos após a sua morte…

Mas será que uma resposta tomada como correta universalmente é obrigatoriamente imutável?

O nosso intelecto é normalmente influenciado por aquilo que a maioria considera válido (justificado), mas um filósofo austríaco, Karl Popper, não concordava com tal situação. Para Popper, no campo empírico, não existem verdades absolutas. Popper interrogava-se se seria mais correto procurar a razão pela qual uma teoria é verdadeira ou buscar a razão pela qual não se consegue provar até agora que é falsa.

Segundo Popper, considerando-se as hipóteses como enunciados universais, isso torna-se um obstáculo à sua verificação. Para que tal acontecesse teríamos de verificar todos os casos particulares conhecidos e futuros, o que é de facto impossível. Assim, não podemos mostrar que as hipóteses são verdadeiras, apenas podemos mostrar que são fal-sas ou que tal ainda não foi conseguido. A confirmação é substituída pela refutação. Se a hipótese resistir à tentativa de a falsificar ou de a refutar, a hipótese não é confirmada, mas sim corroborada. O princípio da falsificabilidade ou da refutabilidade altera a relação entre a ciência e a verdade. As teorias científicas não podem ser verdadeiras, apenas são aproxi-mações à verdade.

A ciência, segundo Popper, só progride por ensaios, por erros e por refutações. As leis, teo-rias, princípios sobrevivem enquanto resistirem aos testes que pretendem refutá-los. Con-tudo, isso não confirma a sua veracidade, pois no futuro podem ser refutados.

Como foi demonstrado, os filósofos sempre se preocuparam com a veracidade das res-postas, com a forma como colocamos as perguntas e com a criação de testes para pôr à prova as teorias que se criavam. Mas para Popper, a pergunta adquiriria ainda uma outra importância para além da de estar na origem da criação das teses ou teorias. A pergunta teria ainda o papel de “examinador“. A pergunta revela-se então de importância crucial para a Filosofia e para a Ciência, para o progresso do conhecimento.

Contudo, uma questão agora se impõe: não será o cenário da constante descartabili-dade das teorias e da constante refutação das respostas desencorajador para fazer uma pergunta?

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Texto 3 – Débora Correia, Agrupamento de Escolas Dr. Jaime Magalhães Lima, Esgueira

Como pode a pergunta ser a solução?

“Pelo calor da noite já a descer sobre as águasOuvimos as vozes inocentes

Suplicar-nosUma história que leve a outros mundos…

Que pode um sóContra as vozes de tantos todos juntos?

Uma que dá o sinal de começarOutra que exige nada de disparates

Outra que manda parar por uns instantes:E ao voltar o silêncio,

Nosso sonho noutros mundosVai avançando – um mundo de monstros

Um mundo falso de aves e animais

impossíveis.

Mundo com uma história que nunca mais tem fimE que às vozes obrigam a nunca mais parar

Embaladas nas ondas felizesDo sonho” 1

É assim que a dúvida e a pergunta nos conduzem numa infinidade de possibilidades. Para a busca do desconhecido não há limites, nem o céu nem a voz da razão, porque, tal como diz o poema de Lewis Carroll, o que pode um contra tantos todos juntos?!

Vivemos no século da inovação, vemos o nosso mundo alterar-se de segundo para segundo e talvez por isso tenhamos, numa tentativa de normalizar o “inormalizável“, perdido a nossa capacidade de indagar, de (numa atitude tão humana) tentar perceber o que nos rodeia porque sabemos que quando voltarmos o olhar nada estará igual.

Em 1899, não havia ainda findado o século que seguira o da renovação industrial e já alguém dizia que tudo o que podia ser inventado já tinha sido feito e, vejamos, estávamos muito longe de conhecer avanços tecnológicos como o telemóvel ou o computador, e já o mundo pensava ter atingido o seu auge e que não existiria nada mais que lhe fosse útil. Não podemos voltar a cometer o mesmo erro. Não podemos nunca tomar aquilo que nos rodeia como garantido nem, muito menos, como garantida tomar a mudança. Precisamos cada vez mais de entender que somos nós quem construímos o mundo que nos rodeia, tijolo a tijolo e, acreditem, nada melhor do que a pergunta para servir de cimento, porque se há algo que ilumina o nosso caminho na escuridão do futuro é ela, essa guia silenciosa que é a mãe de todas as coisas!

Planetas, cometas, satélites, GPS… tudo faz parte da esfera do nosso conhecimento, con-tudo, estas ideias não nasceram connosco portanto, se as temos é porque algo ou alguém nos deu a conhecê-las e, embora esse sujeito enunciador seja diferente de caso para caso, não podemos negar a origem comum destas ideias: a ciência e a filosofia.

1 CARROLL, Lewis; abertura de Alice no País das Maravilhas.

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A filosofia é, talvez, a atividade mais inata ao Homem que desde os primórdios se questio-nou sobre o que o rodeava e tentou ir mais além, primeiro com a roda, depois com o fogo e finalmente com tudo o que conhecemos agora, no entanto, não nos podemos esquecer a velha máxima “só sei que nada sei“, pois, tal como o filósofo e antropólogo francês Claude Lévi--Straw afirma: “A mente científica não tem tanto a ver com o dar as respostas, mas sim com o fazer as perguntas certas.“

Aquilo que não conhecemos é tão maior que aquilo que conhecemos que, por vezes, nos sentimos esmagados ou até mesmo amedrontados com tanto desconhecimento e é nesses momentos que é bom questionar:

“Como se mata o medo, pergunto-me?Como se atinge um espeto em pleno coração,

Como se corta a sua cabeça espetral,Como se aperta o seu pescoço fantasmagórico?” 2

Talvez a resposta seja um pouco mais simples do que esperamos e talvez resida no facto de não termos de o matar, apenas de aprender a conviver com ele e torná-lo útil na nossa demanda. Todo o filósofo sente receio quando se depara com o facto de nunca ir obter respos-tas, apenas possibilidades que geram novas questões e, no entanto, não deixa de se questio-nar (a ele e ao mundo), porque sabe que a sua capacidade de indagação é provavelmente a única coisa que o pode aproximar um pouco mais daquilo que pretende, mesmo não tendo a menor ideia do que busca. Todo o cientista treme ao ler os resultados importantes sobre a sua pesquisa e não o faz porque esteja com medo mas por excitação, por querer desesperada-mente saber que novas questões levantam aquelas folhas de papel, porque o medo, esse velho companheiro, já não assusta, apenas o lembra que aquilo que tem não é nada comparado com o que pode perder se parar de perguntar!

A vida de um homem é constituída por vários acontecimentos. Alguns não passam disso mesmo, meras coisas que nos acontecem, outros aos quais somos totalmente inconscientes ou que são tão rotineiros que não os controlamos (atos do Homem), mas outros são livres e voluntários, tomados de forma tão consciente (atos humanos) que se tornam capazes de defi-nir toda uma pessoa. É nestes atos humanos que reside a nossa essência e é apenas através deles que podemos buscar algo novo para nós.

Para agir, o Homem precisa de um motivo (aquilo que leva o agente a realizar a ação), e haverá motivo melhor que a dúvida para nos incentivar a continuar a indagar? Precisamos tam-bém de uma intenção (aquilo que se projeta conseguir) e de um plano para que nada falhe e, neste campo, a pergunta é a nossa única aliada. Quando entramos em terrenos tão desconhe-cidos como aquilo que não sabemos, só podemos entrar naquilo que nos levou até lá e sem sombra de dúvida de que esse agente orientador foi a pergunta.

No duro e penoso caminho a que a pergunta conduz só os fortes de espírito conseguem prosperar, pois acreditam que há, no fim, algo melhor que o início e quando lá chegam “saúdam aqueles que estão pensativos e os que são felizes, os descontentes e os desejosos, os que estão alegres e os confusos, e todos os amantes” 3 porque sabem que, mais uma vez, estão ali só de passagem até outra pergunta os voltar a assaltar!

2 Joseph Conrad3 Tristão e Isolda, Joseph Bedier (pág. 189)

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Nós, humanos, podemos não passar do produto de uma série de condicionantes, estamos dependentes do ambiente social, cultural, científico, tecnológico e histórico em que nos desen-volvemos (condicionantes histórico-culturais), até mesmo do campo que habitamos, pois é este que controla as nossas relações com o meio envolvente (condicionantes físico-biológicos) e ainda da nossa própria personalidade que nos leva a oscilar entre estados psicológicos tem-porários (condicionantes psicológicos), mas nunca nos podemos esquecer que o sonho é como uma bola colorida que salta nas mãos de uma criança e se somos capazes de sonhar, somos capazes de saltar e ver mais longe, talvez, longe o suficiente para construirmos um “presente--futuro” um pouco melhor que o atual, quem sabe, longe o suficiente para entendermos que a pergunta é a solução, que só com ela conseguimos chegar perto da etapa que nos move.

Precisamos de coragem, precisamos de medo e tantas outras coisas, mas o mais impor-tante é que precisamos de nós e de tudo o que encontrarmos pelo caminho e que acrescente um bocadinho ao que somos e até estarmos completos só podemos esperar e orar:

“Possa a vossa espada nunca quebrar-sePossa o ferro sem nunca corroer a vossa armadura

(…)Possa a vossa Barba tornar-se longa

Possa a vossa busca da vida nunca esfacelar-se-vos no rosto(…)

Possa a vossa pátria prosperarPossam os dragões voar para sempre nos nossos sonhos.” 4

Texto 4 – Juliana Senra, Escola Secundária de Barcelos

Um problema surge de uma necessidade, e o ser humano é o ser mais necessitado que conheço. Tão necessitado é, que não se limita a satisfazer-se com as soluções que o mundo em que foi colocado providencia, mas ousa criar as suas. Esta não é, no entanto, uma condição com que nascemos. É fruto da nossa consciência, atributo que desenvolvemos durante largos anos, e que em alguns casos não chega a passar da menoridade (usando um termo kantiano).

Esta nossa consciência permite-nos formular problemas a partir de observações e refle-xões sobre a totalidade do real. Diria que o desenvolver de uma consciência é o primeiro e mais importante passo para o exercício da filosofia, e o seu mais valioso instrumento. No momento em que uma questão é colocada, a parte fulcral foi realizada, pois sabemos agora que porção do infinito estamos a tentar compreender.

As necessidades humanas de que falava anteriormente vão dos domínios mais práticos até às questões metafísicas. Sendo assim, não é a nossa inteligência ou destreza mental que determina a maturidade da nossa consciência, mas sim a nossa capacidade de ver mais do que o que nos é indicado por outros, de questionar as informações que nos são dadas, de duvidar do que nos é dito como certo. Só a aceitação de nós próprios como indivíduos não conforma-dos aos padrões alheios pode fazer surgir questões inéditas. Estas questões, independente-mente de terem uma solução ou não, são a nossa maior contribuição para a Humanidade. São um estímulo para que nenhum de nós se limite à sua animalidade e ao seu senso comum, para que alcancemos mais em vida do que os nossos predecessores; e se não é este o objetivo do ser humano, eu não sei qual é.

4 Margaret Weise e Tracy Hickman

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Quanto aos ditos problemas e às suas soluções, parece-me que nos deparamos com duas opções. A primeira é que a simples enunciação de um problema pode levar à sua solução, por esta ser tão simples e evidente (pelo menos à luz do nosso saber atual) que não mais é preciso procurar. É fácil compreendermos que isto aconteça em casos em que a pergunta formulada é de âmbito pessoal, por exemplo. Noutros casos, a chegada a uma solução requer um maior trabalho de investigação, uma maior análise do problema. Podíamos apontar a questão da origem do Uni-verso como uma delas – a descoberta da origem das coisas é tanto complexa como importante.

Apesar de sobre o início do Universo não termos até agora mais do que teorias, o facto de nos termos (e por nós refiro-me à Humanidade, por falta de um sujeito particular, já que esta é uma questão de interesse comunitário) decidido a empreender a procura por uma solução é um enorme contributo para ela. Embora não tenhamos certezas sobre as hipóteses que for-mulamos, vamo-nos assim aproximando da verdade. Quer sejamos céticos e acreditemos que ela nos passará sempre ao lado, quer acreditamos que estamos prestes a alcançá-la (se não o fizemos já), não podemos negar que é positivo que nos tentemos acercar dela, ou que, no mínimo, arranjemos soluções provisórias.

Em ambas as opções descritas, não devemos permitir-nos a arrogância de considerarmos uma solução definitiva. Devemos admitir as opiniões alheias como complementares às nos-sas, pois o objetivo não é que sejamos necessariamente nós a alcançar uma solução. O impor-tante é que lá cheguemos, principalmente se pudermos com ela contribuir para alguém além de nós próprios.

Com tudo isto, não pretendo defender que todos devemos ser cientistas ou filósofos. Não seria viável que todos nos dedicássemos profissionalmente a estas questões. Acredito sim que é preciso estimular o “Homem Comum” – ou seja, a pessoa que, por conforto, se deixa permanecer na menoridade e se sujeita, ainda que sem o saber, às necessidades de outros – para que comece também a questionar. Este acordar para nós próprios, para a nossa vontade e individualidade (não confundir com individualismo), representa a perspetiva de infinitas possi-bilidades, que nunca teríamos anteriormente.

Levantar problemas não tem de ser nada de extremamente complexo. Ele/Ela pode sim-plesmente questionar-se sobre o verdadeiro interesse de um certo programa televisivo, ou sobre o porquê de cozinhar um certo prato da maneira que a sua mãe o/a ensinou. Tais dúvidas só o/a irão ajudar, pois pode descobrir novas soluções para problemas antigos que pensava estarem solucionados, ou novos problemas que, depois de solucionados, lhe irão apenas faci-litar a vida. Não existem problemas mais importantes do que outros, pois todos são meios para melhorarmos a nossa qualidade de vida ou entendermos melhor a essência da mesma.

A questão dos problemas parece-me então encerrar o que nos distancia de todos os outros seres vivos: não nos limitamos a instintos, pensamos e temos opiniões. Somos indivíduos per-tencentes a uma comunidade maior com todas as nossas diferenças e semelhanças. Enclau-surarmo-nos num dogmatismo extremo, recusando-nos a ter o trabalho de empreender os nossos próprios pensamentos, independentes dos de outras pessoas (ainda que os devamos tomar em conta), seria o completo abandono da nossa condição humana, a total neglicência pela diferença de que podemos usufruir.

É então imperativo que encontremos as nossas dúvidas e que as levemos a sério. Parto do princípio de que todas as soluções estão contidas nos problemas, prontas a serem descober-tas pela nossa inquirição e curiosidade, e seria então um enorme desperdício das nossas extensas capacidades se não ouvíssemos primeiro o que temos a dizer a nós próprios, e não o que nos dizem.

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Foi o problema de não terem como se aquecerem que levou os nossos ancestrais a des-cobrirem o fogo. Foi a necessidade de perdurarem no tempo que motivou os egípcios a construírem as magnificentes pirâmides que podemos ainda hoje admirar. Foi a vontade de descobrir que levou os portugueses a serem pioneiros da navegação marítima. Todos estes acontecimentos que hoje recordamos foram fruto de homens e mulheres que, com a sua vontade e o seu entendimento, formularam um problema, contribuindo para o imparável avanço dos tempos.

A colocação de problemas é o motor da evolução. Como poderíamos não querer fazer parte de tão grandioso plano?

Texto 5 – Luís Silva, Escola Secundária Gaia Nascente, V. N. Gaia

“Ser descontente é ser homem.“

Fernando Pessoa

Pergunta é a “1. palavra ou frase com que se faz uma interrogação; 1.1. questão que se sub-mete a alguém de quem se espera a sua resolução (…) dúvida, indagação, interrogação, ques-tão“ 5. O termo perspetiva uma inquietação, uma insatisfação que se experiencia no contacto com o que nos rodeia. Perguntar resulta da necessidade de informação ou resposta, ou seja, é o princípio da estrada do conhecimento – interrogar-se.

Solução é, por outro lado, “1. Aquilo que resolve, que soluciona (algum problema ou dificul-dade); saída (…) 2. Resposta correta a uma questão de prova, teste, problema, etc.; resultado (…) 6. Palavra, locução ou frase a que se chega após a decifração de uma charada, enigma, etc., resposta“.6 Pode inferir-se que a pergunta origina uma possibilidade de solução.

Perante tudo isto, não será a pergunta uma tentativa de constituição de um método que indaga, no sentido de chegar a um resultado, uma potencial resposta? Que entraves podem existir à constituição desse método?

Uma boa pergunta é o primeiro passo para chegar a uma boa hipótese, uma boa resposta.

“Sapere aude” é, de acordo com Kant, a necessidade de deixar a menoridade. Esta necessi-dade tem por base a ideia de que o Homem, por comodismo ou preguiça intelectual, não é capaz de “se servir do seu próprio entendimento“ 7. Então, é fundamental que saia da sua zona de conforto, expressão muito em voga nos nossos dias, para poder tirar partido das suas potencialidades.

A complicar todo o processo, existem aqueles que se assumem como “tutores” e agri-lhoam os que se sentem incapazes de caminhar sozinhos – “Vem por aqui” – dizem-me alguns com os olhos doces/ Estendendo-me os braços, e seguros/ De que seria bom que eu

5 In Houaiss António, Villar Mauro de Salles (2003), Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Tomo V, Lisboa, Círculo de Leitores, p. 2833.

6 in Houaiss António, Villar Mauro de Salles (2003), Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Tomo VI, Lisboa, Círculo de Leitores, p. 3371.

7 In Kant, Immanuel (1995), O que é o Iluminismo? A Paz perpétua e outros opúsculos, Edições 70, p.11.

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os ouvisse/ Quando me dizem: “vem por aqui!” 8, tentando conduzi-los para o caminho que mais lhes aprouva. Estes tutores afastam-se do antigo Mestre que aceitava ensinar o aprendiz, generosamente, mostrando-lhe como chegar a algo. Disto é exemplo Guilherme de Baskerville que, em O Nome da Rosa, de Umberto Eco, um Sherlock Holmes medieval, procura mostrar a Adso de Melk como a busca da verdade é ambígua, ilusória e naturalmente perigosa. Contudo, o próprio Adso refere, anos mais tarde, enquanto narrador de primeira pessoa, que “não sabia então o que procurava o frade Guilherme, e, para dizer a verdade, ainda hoje não sei, e presumo que nem sequer ele o soubesse, movido como era pelo desejo da verdade e pela suspeita – que sempre lhe vi nutrir – de que a verdade não era aquela que lhe aparecia no momento presente“.9

A relevância de questionar o que nos envolve é tal que Hume aponta a necessidade de alguém dotado de razão e raciocínio precisar primeiramente de encontrar uma relação de causa e efeito em tudo o que observa, partindo de uma experiência repetida. Para tanto, há que evitar o “efeito do costume“, ou seja, a tendência para repetir um ato sem questionar-se, pois “o nosso espírito tem uma irresistível tendência para considerar como mais clara a ideia que frequentemente lhe serve“10. Sendo assim, parece mais fácil e mais pacífico aceitar o que já se conhece. Além disso, as influências são inúmeras e determinam as “constelações de ideias com que o grupo está, num determinado momento, de facto comprometido“11. Os entraves apontados impedem o acesso a verdadeiras crenças. Desta forma, impedem também a maio-ridade kantiana.

Então, como encontrar a melhor forma de questionar, para tentar chegar às respostas que todos anseiam? Como desconstruir? Como aprender a desprender-se?

No sentido de destruir as opiniões, o que Hume designava como o “costume“, Descartes já propunha o ataque a todos os fundamentos em que acreditava e que lhe foram transmitidos pelos sentidos, que são, por vezes, enganadores. Por essa razão, defendia a constituição de um método, de forma a iluminar a busca da verdade e os “espíritos cegos“.

No entanto, todo o conhecimento é falível, porque provisório. Conhecer não é mais do que conjeturar e, por isso, a pergunta é geradora de hipóteses mais ou menos fiáveis. Aliás, verda-des tidas como universais são abaladas por factos polémicos, não explicáveis pelos paradig-mas, e que conduzem à “ciência em crise” de que fala Kuhn. Perguntar sobre algo pode condu-zir à alteração de paradigmas ou até à sua substituição. Isto significa que aquilo que julgamos que sabemos pode ser posto em causa, o que se repercute no caminho para o conhecimento. Voltemos ao antigo Mestre e seu aprendiz. Pergunta Adso: “Se bem compreendo, fazeis, e sabeis porque fazeis, mas não sabeis porque sabeis que sabeis aquilo que fazeis?“; a essa questão, Guilherme responde: “Talvez seja assim. De qualquer modo, isso diz-te porque me sinto tão inseguro da minha verdade, mesmo se creio nela.“12

Enveredar pelo caminho da pergunta pode ser difícil, pode ser incómodo e até perigoso, mas vale a pena poder não contentar-se e ir mais longe, servindo-nos das nossas capacidades,

8 Régio, José (1965), Poemas de Deus e do Diabo, Lisboa, Portugália Editora, p. 25 . 9 In Eco, Humberto (2002), O Nome da Rosa, Coleção Mil Folhas, Barcelona, Bibliotex, pp. 15-16.10 Bergson, Henri, citado em Bachelard, Gaston, La Formation de l’Esprit Scientifique, Paris, Vrin, pp. 14-15.11 Kuhn, Thomas (2009), A Estrutura das Revoluções Científicas, Guerra e Paz, Lisboa, pp. 115-116. 12 In Eco, Humberto (2002), O Nome da Rosa, Coleção Mil Folhas, Barcelona, Bibliotex, p. 195.

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escorregando, caindo, mas não nos limitando a seguir apenas os outros, sem saber por onde eles vão. Como diria Régio, “Prefiro escorregar nos becos lamacentos,/ Redemoinhar aos ventos,/ Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,/ A ir por aí…“.13

A pergunta é, assim, simultaneamente, um ponto de chegada e um ponto de partida; um ponto acedido através de um caminho duro e ousado, como o de Régio, que abre portas para muitos outros caminhos, igualmente duros e ousados. Esse ponto mostra que é preciso saber como “to think outside the box“, ou seja, derrubar as paredes à nossa volta, e ir mais além, ir para lá do nosso contentamento.

Os caminhos que se vislumbram no horizonte do ponto de partida são individuais. É impor-tante que o percurso seja feito olhando o que nos rodeia e procurando compreendê-lo, não apenas com os sentidos, mas, sobretudo, com o nosso entendimento, eventualmente ador-mecido, que a pergunta pretende acordar.

Nos tempos em que vivemos, nos quais existe uma clara falta de reflexão, a pergunta é uma possível saída para o adormecimento coletivo, não só dentro da nossa espécie, mas também na relação que mantemos com o meio. Em que é que errámos? O que podemos melhorar? Quão longe estamos nós da possibilidade de implodir?

Texto 6 – João Teles, Instituto Nun’Alvres, Caldas da Saúde

Como pode a pergunta ser a solução?

Muitos desvalorizam o essencial papel relevante da pergunta.

Cegos (com a cegueira não dos que não veem, mas dos que não querem ver), atribuem valor apenas a soluções que sejam proposições lógicas factivas, fechando os seus horizontes à beleza e ao mérito da questão em si.

Tal acontece devido a um certo preconceito filosófico que prolifera no seio leigo da socie-dade: observa-se a solução, no seu fim, e desconsideram-se os mecanismos-berço da mesma, os quais constituem, tantas vezes, mais resposta do que a resposta em si.

Alumiando a essência das minhas palavras, exponho um exemplo representativo: supo-nha-se o típico cenário de bifurcação, a escolha entre dois caminhos por parte de um indivíduo que possui informações e elementos abonativos para cada uma das vias. Deparando-se com a inevitabilidade da escolha, a sua razão instila uma solução: uma solução que começa não na escolha imediata e inabalável de um dos caminhos, mas no desabrochar da questão que é vetor diretor na busca da resposta:

“Qual o caminho a seguir?“

Claro está que é um exemplo simples, sem grande carga intelectualmente laboriosa; no entanto, é um exemplo-tipo: o padrão, o potencial-base da quase totalidade das experiências humanas.

13 Régio, José (1965), Poemas de Deus e do Diabo, Lisboa, Portugália Editora, p. 25.

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Com o germinar da pergunta, atinge-se, então, um limite crítico, uma linha intangível entre aquilo que é e não é solução, no sentido estrito da palavra. É chegado a este ponto que se torna comum o assumir de conclusões falsas e incorretas, no que toca ao delimitar conceptual da solução. No entusiasmo lógico do raciocínio, de imediato, o sujeito sente-se tentado a assumir a resposta como solução; no entanto, esta conceção, quando submetida a escrutínio lógico, tanto prático como teórico, evidencia uma débil suscetibilidade. A resposta é confundida e tomada como solução quase inconscientemente, como consequência de um compreensível erro semântico, em que se confunde a noção de “resposta” com a de “solução“. Ora, estes con-ceitos diferem em muitos níveis que não se limitam à sua denotação e à sua conotação.

Quando se analisa friamente a terminação medular da resposta, isto é, a sua essência, con-clui-se que, embora útil de um ponto de vista prático, esta falha em termos de valor lógico extensivo, quer implícito quer explícito. Isto é, possui pouca (ou quase nenhuma) informação remanescente do raciocínio que a originou. A resposta é apenas o passo final (a determinação do caminho a seguir, no exemplo anteriormente exposto).

Onde está, então, todo o encadeamento lógico de ideias que conduziu e sustentou a res-posta? E, se uma vez encontrado, será este raciocínio prévio a nossa tão procurada solução?

São considerações, de facto, relevantes. Analisando-as, creio que a segunda questão é facilmente respondida. Embora já filosoficamente mais roborada que o singelo conceito de “resposta“, creio que o raciocínio, sem mais, é ainda demasiado frágil para poder ser encarado como solução; isto porque o encadeamento lógico que corrobora a resposta já possui, em si, uma série de fatores e requisitos a priori, ou seja, um vetor direcional que o orienta (não consti-tuindo um fator limitativo, mas sim de convergência racional).

Chegamos, desta feita, a um estádio fundamental da minha dissertação: qual é o instru-mento lógico que desencadeia o raciocínio levando a uma resposta? O que orienta e direciona esse encadeamento de ideias? Qual é causa primeira do exercício racional e, por isso, vetor que conduz a conclusões logicamente fundamentadas?

Em outras palavras: o que é, então, a solução?

Após todas estas etapas de reconstrução multifacetada de exercício lógico, poderei afirmar que, de um modo geral, na coletânea de experimentação racional humana, a pergunta é, em si mesma, a solução:

– É a pergunta que despoleta toda uma onda de considerações intelectuais e filosóficas, que conduz a todo um trabalho lógico de procura de uma (ou várias) respostas.

– É na pergunta que encontramos, em toda a sua extensão, o potencial racional humano.

– É na pergunta que encontramos a solução.

Convido-vos, agora, a refletirem sobre esta dissertação: encontrada uma síntese, uma conclusão coerente devido ao trabalho de raciocínio elaborado, pode afirmar-se que, final-mente, se chegou a uma resposta: “a pergunta é a solução“.

No entanto, penso que é claro que esta proposição categórica não é, de todo, representa-tiva da totalidade extensiva do exercício lógico que a precedeu e sustenta.

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Relendo-se a dissertação, nela encontramos uma volúvel flutuação de ideias, encadeadas com o propósito de se encontrar uma resposta.

Temos uma resposta. Temos a sua sustentação.

Mas, para se procurar a solução, deve-se ir mais além: para o instrumento lógico que implí-cita a capacidade reflexiva e crítica humanas.

Termino, assim, apresentando a pergunta que é solução em si mesma, dando expediente à questão inicial. Concluo da mesma forma com que comecei, dando-vos a questão que é, simultaneamente, pergunta e solução. Isto porque a pergunta requer uma resposta, o que implica indagação e vontade de ir mais além, mas a solução está fechada em si mesma, é caminho percorrido.

“Como pode a pergunta ser a solução?“, eis a pergunta.

“Como pode a pergunta ser a solução!“, eis a solução.

Texto 7 – José Costa, Agrupamento de Escolas Dr. Jaime Magalhães Lima, Esgueira

Poderá a pergunta ser a resposta?

Introdução:

Todo o conhecimento é desenvolvido a partir de uma pergunta, resultado de uma natural curiosidade humana. Na sua base, está sempre a resposta à pergunta ou desafio. A pergunta não precisa de ser formalizada, formulada, verbalizada ou escrita, muitas vezes está implícita (será que… se… o que posso fazer… como fazer…).

Foi assim que o conhecimento foi sendo construído ao longo dos tempos. Numa primeira fase, o ser humano tinha interesse em conhecer bem a cosmologia, questionando o funciona-mento do Universo, os seus fenómenos e a sua origem. Esta busca encontrava-se em todas as religiões e denominava-se mitologia. Numa segunda fase, a evolução do conhecimento é caracterizada pelo aparecimento de teorias, em que se procurava a compreensão racional baseada na organização, na integração e a dinamização do conhecimento. Segundo Eliéser Pereira (Rev. Cien. Fac. Lour. Filho, v. 5, n. 1, 2007), atribui-se aos Gregos a substituição da fase mítico-religiosa do conhecimento por uma explicação teórica e racional. A ciência encontrava--se no seu estado teórico.

Aristóteles (384-322 a. C.) definia ciência “como o conhecimento pelas suas causas” (manual de filosofia: Contextos, 11.º ano, pág. 182) e lançou as bases de um método científico, o método indutivo ou a indução para responder a perguntas e atribuir ao conhecimento um carácter rigoroso ou objetivo. Karl Popper (1902-1994) apresentava um novo método científico que ficou conhecido por método hipotético-dedutivo, onde as teorias são sujeitas a testes rigorosos, cujo objetivo será eliminá-las, sendo a teoria melhor e mais próxima da verdade a que resistir a esses testes cada vez mais severos.

Uma das características do conhecimento científico é o seu carácter metódico, que leva a uma generalização a partir da observação de casos particulares semelhantes. As diferenças entre os métodos apresentados e a importância da questão para cada um serão discutida ao longo do trabalho.

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Método Indutivo

O método indutivo é um método científico cujo objetivo será alcançar o conhecimento ver-dadeiro. Francis Bacon (1561-1626) e Stuart Mill (1806-1873) eram ambos defensores da cor-rente epistemológica positivista. Esta teoria defende que o conhecimento científico é perfeito e que consegue alcançar a verdade, desde que empiricamente verificável e com base na lógia formal e na matemática imprimiram, portanto, um carácter empirista à ciência valorizando a experiência como base sólida do conhecimento. Desta forma, as questões só eram considera-das científicas se fosse possível confirmá-las experimentalmente, caso contrário não seriam científicas, pois seria impossível verificá-las.

O método indutivo consiste em três etapas principais: observação por parte de um cientista que lhe suscita curiosidade. Levantamento de uma hipótese por parte do mesmo. Partirá de seguida para a verificação ou experimentação e, caso haja confirmação, há o aparecimento de uma lei.

Esta teoria, apesar de muito bem estruturada, tem sido alvo de variadas críticas, pois peca durante a fase de experimentação. Quando um cientista constrói o conhecimento recorrendo ao indutivismo, procura verificar a veracidade da sua teoria utilizando meios próprios para que isso aconteça. Existe, assim, uma espécie de manipulação por parte do cientista, que utiliza o que lhe interessa e deixa de fora o que poderia negar a sua teoria. As fases deste método encontram-se esquematizadas na figura.

Fonte: http://filosofianajml.blogspot.pt/2012/05/metodo-indutivo.html

Para compreendermos a construção do conhecimento numa perspetiva indutivista, anali-semos um problema, aparentemente simples: a queda dos corpos à superfície da Terra. A interpretação deste problema não será correta caso não se criem as condições experimentais e controlo de variáveis, uma vez que a simples observação do acontecimento poderá induzir a erros. Quando abandonamos da mesma posição e no mesmo instante corpos de massas dife-rentes à superfície da Terra, observa-se que os corpos não caem ao mesmo tempo. Levanta--se a hipótese, corpos de maior massa demoraram menos tempo a cair. Estabelece-se a rela-ção que o tempo de queda e a massa estão relacionados e generaliza-se dizendo que o tempo de queda depende da massa dos corpos.

Esta generalização não está correta. O facto de os corpos de maior massa caírem em pri-meiro lugar não significa que seja devido à massa mas sim às condições em que se realizaram a experiência. Basta abandonar dois corpos de igual forma com massas diferentes e observa--se que caem ao mesmo tempo ou realizar a experiência em vácuo.

Método Indutivo-experimental

ObservaçãoCasos particulares

Hipótese

Infirma Confirma

ExperimentaçãoLei

Visa confirmar(verificacionismo)

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Método hipotético-dedutivo

Karl Popper, um dos principais críticos do método indutivo, foi quem lançou as principais bases do método hipotético-dedutivo, também conhecido como o método das conjeturas e refutações.

Segundo Karl Popper, o método indutivo errava no papel atribuído à observação e no crité-rio utilizado para distinguir as teorias científicas das não científicas, uma vez que para os indu-tivistas uma lei ou uma teoria é científica desde que confirmada pela experimentação e desde que os factos a confirmem. Errava também na forma como efetuava a testagem. Para Popper, a testagem de uma teoria nunca deveria ser realizada com o objetivo de a confirmar, mas sim de a refutar: O critério do estatuto científico de uma teoria é a sua falsificabilidade, ou refutabi-lidade, ou testabilidade (Popper, 2003, página 60). Por outro lado, quanto mais resistente às críticas e às tentativas de destruição fosse uma teoria, mais próxima de verdade esta seria (verosimilhança). Errava ao atribuir carácter de universalidade e generalidade às teorias cientí-ficas, uma vez que nenhuma delas resulta de uma observação exaustiva da totalidade dos seres ou fenómenos aos quais se aplica, mas apenas de uma pequena parcela que, depois, por um processo de generalização, se aplica à totalidade dos seres ou fenómenos da mesma espécie. Este problema, denominado problema da indução, foi pela primeira vez levantado por David Hume e retomado no século XX por Karl Popper.

O método hipotético-dedutivo consiste em quatro etapas: o cientista parte de um pro-blema que lhe suscita curiosidade. Depois, formula uma conjetura ou teoria explicativa, isto é, uma hipótese da qual não apresenta certezas. De seguida parte para a experimentação ou tes-tagem, onde o objetivo não será verificar, mas sim refutar a teoria, isto é, descobrir onde é que a sua teoria apresenta falhas. Toda a comunidade científica participará nesta tentativa de refu-tar a teoria. E, por fim, caso a sua teoria resista a todos os testes a que foi submetida com a finalidade de identificar falhas ou erros, ela tornar-se-á num conhecimento provisório, isto é, uma teoria corroborada pelos factos. Esta teoria será considerada científica até que alguém, na tentativa de a refutar, descubra um problema ao qual ela não se aplique dando origem à neces-sidade de formular uma teoria mais abrangente, mais explicativa.

Fonte: http://bipedepensante.blogspot.pt/2011/08/textos-sobre-os-metodos-indutivo-e.html

Conhecimento provisório

Verosimilhançaverosimilitude

Validade da conjetura

Resiste

Corroboração

Problema ProblemaConjetura Testagem Experimentação

Comunidade científica

Tentativa de Retulação

Conjetura:+ abrangente+ explicativa+ resistente

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O mesmo problema da queda dos corpos segundo o método hipotético-dedutivo parte logo do problema que resulta da observação: Por que razão os corpos não caem todos ao mesmo tempo? Para refutar a teoria que o tempo de queda depende da massa dos corpos, serão levantadas outras hipóteses, para além da massa, como, por exemplo, a forma dos cor-pos. Criam-se condições na experimentação para verificar a falsidade da influência da massa dos corpos na sua queda, basta por exemplo abandonar corpos de iguais massas mas com formas diferentes. Observa-se que o tempo de queda é diferente, contudo os corpos têm igual massa. A lei que o tempo de queda depende da massa é refutada e uma nova questão se levanta, Por que razão a forma do objeto é importante na queda do corpo? Surgindo assim um novo problema onde a hipótese da resistência do ar é levantada.

O método hipotético-dedutivo foi defendido por Galileu (1564-1642) e o problema aqui levantado foi objeto de estudo por parte deste cientista, que idealizou experiências com ausência de ar, para interpretar o acontecimento de que corpos de massas diferentes, quando abandonado do mesmo lugar e ao mesmo tempo, caem ao mesmo tempo.

Importância da pergunta na ciência

Os métodos dedutivo e hipotético-dedutivo apresentam características distintas e a ques-tão que se coloca é: será que a pergunta terá a mesma importância e a mesma função em ambos os métodos? Pode-se afirmar que em ambos os casos a pergunta é essencial na reali-zação da investigação científica, mas difere na posição na ordem em que aparece. O método hipotético-dedutivo inicia logo pela pergunta ou dúvida, enquanto o método indutivo inicia pri-meiro pela observação, só depois é que faz referência à pergunta.

Quando nos questionamos acerca valor da pergunta, e se esta poderá constituir uma res-posta, pode-se afirmar que depende do método em que nos posicionamos. Isto é, no método indutivo, na etapa de testagem, como o objetivo é confirmar, os cientistas têm sempre a ten-dência de utilizar meios de testagem que favoreçam a sua teoria, conforme disse Kant, o cien-tista “deve forçar a Natureza a responder às suas interrogações” (crítica da razão pura), dei-xando de parte outros meios de testagem que provavelmente iriam contra a sua teoria. Portanto, haverá sempre uma resposta favorável ao problema inicial com a utilização deste método, cuja finalidade é a confirmação. Segundo o método hipotético-dedutivo, isto não acontece, uma vez que, como o que é pretendido é refutar as teorias, quando estas não são corroboradas porque não resistem ao teste do confronto com os factos, surge a necessidade, por parte da comunidade científica, de formular novas questões (novas conjeturas) cada vez mais arrojadas. E, nesse caso sim, a pergunta constitui a resposta ao conhecimento, porque pelo facto de negarmos a possibilidade a uma teoria gera-se uma nova questão… Onde erra-mos? E esta questão será a resposta ao desenvolvimento de novas teorias.

A pergunta é fundamental quando a pergunta é: O que faz avançar a ciência? E o que faz avançar a ciência é de facto a dúvida, ou as questões, uma vez que a ciência “padece da falibili-dade humana” (Karl Popper) e é nessa consciência de falha ou erro que reside o carácter dinâ-mico e vivo do conhecimento científico. Sempre que levantamos uma dúvida ou questão sobre a qual trabalharemos para tentar alcançar a resposta, a própria pergunta é a resposta à pro-gressão, ao desenvolvimento da ciência. O cientista não deve considerar nunca que encontrou uma resposta definitiva à pergunta que formulou uma vez que ela até pode ser verdadeira, no entanto deve assumi-la apenas como provisória no sentido de estimular o espírito crítico e permitir a abertura a novas conceções sobre o mundo.

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Conclusão

Como pode a pergunta ser a solução? Esta foi a questão que, de uma forma implícita ou explí-cita, se procurou discutir neste trabalho. O valor da pergunta é essencial na construção do conhe-cimento, quer como um motor motivacional para iniciar e dar continuidade à busca do saber, para ousar saber mais, para possibilitar o avanço da ciência; quer como metodologia na busca do saber, quer como reflexiva quando questiona o valor do conhecimento científico e da verdade.

Segundo os indutivistas, o conhecimento em geral e o científico em particular têm como base a observação e a experimentação e, a partir de casos particulares, deduzem-se leis universais. Mas os próprios indutivistas questionaram o “problema da indução” colocando as perguntas: Como se justifica a passagem dos enunciados observacionais para os enunciados universais? Qual é o fundamento de todas as conclusões a partir da experiência? (Hume, 1985, p. 37)

Crítico do indutivismo, Karl Popper demarca a ciência de outras formas do conhecimento, substituído o método indutivo pelo hipotético-dedutivo e substituindo a verificabilidade pela falsidade. O facto-problema, que surge de conflitos entre as teorias e as expectativas do cien-tista é o ponto de partida para a investigação. A imaginação e a criatividade do cientista são postas à prova na formulação das hipóteses (raciocínio abdutivo), nas questões que levanta, na procura da solução, solução esta que poderá gerar um novo facto-problema e um novo cami-nho se abrirá, novas perguntas serão levantadas em busca do saber. Este método levou-nos à ciência contemporânea, abrindo diferentes caminhos para o saber.

Ousar saber é ousar perguntar.

BibliografiaBorges, J. F.; Tavares, O.; Paiva, M. (2014), Contextos – Filosofia 11.º Ano, Porto Editora

Webgrafia http://pt.dreamstime.com/imagem-de-stock-ponto-de-interroga%C3%A7%C3%A3o-image6906191 (Imagem da interrogação, capa), em 2014-04-07 http://bipedepensante.blogspot.pt/2011/08/textos-sobre-os-metodos-indutivo-e.html, em 2014-04-07http://filosofianajml.blogspot.pt/2012/05/metodo-indutivo.html, em 2014-04-07http://www.iep.utm.edu/ded-ind/, em 2014-04-06http://www.fflch.usp.br/df/opessoa/TCFC1-10-Cap04.pdf, em 2014-04-06http://www.flf.edu.br/revista-flf.edu/volume05/v5mono5.pdf, em 2014-04-07

Texto 8 – Ana Silva, Escola Secundária Gaia Nascente, V. N. Gaia

Pode a pergunta ser a solução?

“Precisamos tanto de perguntas com respostas como de perguntas sem respostas. Ambos os géneros de questões fazem parte do ser humano“ 14, afirma Alan Lightman, traduzindo o quanto a pergunta é intrínseca ao ser humano.

14 Horn, Heather (2012), An MIT Physicist Makes God the Main Character of His Novel. The Atlantic [Internet]. Disponí-vel em: http://www.theatlantic.com/entertainment/archive/2012/01/an-mit-physicist-makes-god-the-main--character-of-his-novel/251938/ Acedido em: 2 de abril de 2014

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Precisamos da pergunta não só para evoluir mas, sobretudo, para sobreviver. Todos nós perguntamos todos os dias, a toda a hora, sem no entanto perceber o quão importante é a pergunta, frequentemente subvalorizada, pois existe uma propensão para achar normal o que temos como adquirido e neste caso perguntar faz parte do instinto animal. Como lembra Karl Popper, perguntar não é uma característica exclusivamente humana, mas sim de todos os organismos vivos, dos mais primitivos aos mais complexos.

Porque serão tão poucas as pessoas que questionam os fenómenos que nos rodeiam? Talvez a resposta esteja no nosso cérebro, que, como refere Richard Gregory, não está prepa-rado para procurar a verdade, mas sim para resolver problemas práticos do quotidiano e, do ponto de vista teórico, estes fenómenos não despertam nenhum interesse na maioria das pessoas

É a pergunta que faz mover a evolução, pois a Natureza não desperdiça aquilo que constrói, apenas adiciona, ou seja, aos poucos tudo se foi tornando mais complexo. A pergunta, nas diferentes espécies, serve para assegurar a sobrevivência, até que, por uma sucessão de mutações genéticas, reorganizações celulares e seleção natural, surgiu a espécie humana que se diferenciou de todas as outras pela capacidade de usar a linguagem simbólica, que lhe per-mitiu analisar, refletir, criticar e chegar a conclusões mais eficazes. Mas porquê a nossa espécie e que condições permitiram este desenvolvimento intelectual? É extremamente difícil com-preender a complexidade humana, mas é ainda mais complicado perceber a nossa extrema curiosidade sobre tudo o que nos rodeia, não só para sobreviver mas essencialmente para nossa satisfação. Desde os tempos primitivos que observamos tudo à nossa volta. Começa-mos por atribuir a causa dos acontecimentos naturais a seres superiores, aos deuses, pelo que todas as nossas perguntas tinham uma resposta sobrenatural. No entanto, tal como na Alego-ria da Caverna de Platão, o ser humano ousou abandonar a caverna em busca de uma explica-ção racional.

No Renascimento, o Homem recuperou o ideal clássico e desafiou vários dogmas, dando--se início à aventura da ciência moderna. O Renascimento foi uma época revolucionária, que permitiu ao Homem abandonar a heteronomia e aventurar-se na sua própria linha de pensa-mento, deixando assim de ser tão manipulável e dependente. A Natureza, que desde sempre foi alvo de curiosidade e interrogação, passou a ser abordada através do método experimental, cuja primeira etapa consiste na observação da Natureza, seguindo-se a formulação de hipóte-ses, a experimentação e, se a hipótese for comprovada, a lei. A perspetiva indutiva do método experimental pressupõe que o cientista parte de factos, porém Karl Popper contrapõe que não há facto sem teoria, pelo que os conhecimentos prévios e expectativas precedem toda e qual-quer observação, ou seja, o raciocínio é hipotético-dedutivo, o que permite ultrapassar o cons-trangimento da justificação regressiva inerente à indução.

Apesar de todo o caminho percorrido, somos forçados a reconhecer que somos seres extremamente limitados. Temos tendência a construir relações de causa-efeito apenas pela observação recorrente de algo que se repete ao longo do tempo, derivado da associação de ideias, do hábito ou costume de que fala David Hume. Supondo que é assim que o nosso cére-bro funciona, seria assustador descobrir que a Natureza não se regula por efeitos em cadeia, mas, por outro lado, nunca o descobriremos porque o nosso cérebro não foi assim moldado, o que de certo modo nos torna seres ínfimos na grandiosidade do Universo.

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Conscientes das limitações associadas a qualquer processo cognitivo, sabemos que a for-mulação de perguntas é importante para a identificação do erro, pois é única hipótese que temos para refutar uma teoria, ou seja, sem perguntas não existiria ciência e sem ela o nosso mundo e desafios seriam bem diferentes. Todo o cientista sabe que a verdade é inatingível porque a explicação de qualquer crença verdadeira enfrenta o problema da justificação regres-siva. Mas o Homem não suporta a ignorância, por isso mesmo continua a procurar.

É percetível que agora, mais do que nunca, a pergunta tem um papel fundamental para a nossa orientação no Universo, pois os desafios são cada vez maiores, tanto a nível ambiental, como tecnológico, como social, como económico, e isso provém essencialmente da nossa ati-tude ambiciosa, visionária e crítica.

A pergunta é a razão da nossa existência, portanto não podemos prescindir dela. Tudo, para o ser humano, requer uma explicação porque somos compelidos pelo cérebro a fazê-lo. Sabendo que às vezes os nossos sentidos se equivocam, a pergunta é o nosso travão, é aquilo que nos faz pensar para além dos sentidos, para além daquilo que nos parece ser.

Ousar saber é crucial para fazer a diferença entre continuar na ignorância ou optar por entrar em áreas desconhecidas com a coragem de as explorar, com a fé que nos dá a espe-rança e o motivo para acreditar, com a imaginação que nos faz sonhar. A pergunta faz-nos dar pequenos saltos no caminho do conhecimento, que mesmo sem fim não nos abranda o desejo e o entusiasmo com que o percorremos.

Texto 9 – Bruno Lopes, Dilan Nunes, Inês Valente, Raquel Ferreira e José Rego, Agrupamento de Escolas Dr. Jaime Magalhães Lima, Esgueira

Como pode a pergunta ser a solução?

O que é que faz mover o mundo? O que é que faz avançar a ciência? E as tecnologias? E as ciên-cias naturais? E as ciências exatas? E o que faz progredir as ciências humanas? E as sociais? E…?

Não estará, na base da procura de respostas, para o que ainda desconhecemos, o ques-tionamento? Que incitará os investigadores, os cientistas, os filósofos, mas também o Homem comum, no empreendimento do saber? Será o apelo pelo desconhecido? A histó-ria da Humanidade é o reflexo da insatisfação humana pelo ainda não sabido. Se nos focar-mos, por exemplo, nos descobrimentos portugueses, qual aventura inaudita por mares nunca dantes navegados, encontraremos o questionamento imanente aos navegadores, que borda a fio de ouro todo o glorioso caminho traçado, tão pesado para as vidas que se perderam, em nome de uma nação, que hoje pouco reconhece o valor maior daquele cometimento, quiçá o maior de sempre do povo português. Que terá levado aqueles homens àquelas aventuras tão pejadas de perigo? A pergunta pelo desconhecido? O desejo de saber mais? Ou o apelo pela riqueza material? Talvez o gosto pelo conhecimento do até então desconhecido…

Se nos debruçarmos sobre a evolução da ciência, descobriremos que na sua base estará novamente a pergunta pelo que ainda não se sabe, pelo ignorado. O mesmo se aplica às tecno-logias, que servem a pesquisa científica e lhe servem de suporte e de ferramenta de trabalho.

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A questão é imanente ao Homem. Desde os primórdios que a pergunta escolta a evolução humana. No preciso momento em que o Homem descobriu o milagre grego, a pergunta não mais abandonou o ser humano. As próprias respostas míticas que os pré-socráticos encontra-ram mais não são do que respostas, ainda que mágicas, fabulosas, fantásticas, para as dúvidas então colocadas. Encontramos o repto do questionamento em diferentes momentos da histó-ria da Humanidade, como, por exemplo, na filosofia socrática. Sócrates provoca nos seus inter-locutores a destruição das ideias feitas, pré estabelecidas, dos preconceitos que cresceram na mente humana sem o consentimento de uma razão deliberada, mediante a sua ironia e, num segundo momento do seu método, instiga à elaboração dos conceitos, fase construtiva do seu método, desafiando os seus interlocutores a responder às questões referentes à condição humana, com vista à formulação de conceitos, universais, que existem em cada um de nós, enquanto seres pensantes.

A racionalidade é, como sabemos, o que nos distingue da animalidade e nos torna capazes de transpormos as nossas dificuldades, barreiras e incapacidades. Assim, por exemplo, uma vez que não podemos voar, criámos a passarola, o helicóptero, o avião e outras tecnologias capazes de permitirem ao ser humano a realização de um sonho impossível. A razão é esta competência de transpormos as nossas limitações naturais, realizando o que, a priori, se vis-lumbrava impraticável. E, na origem de tudo isto, encontra-se o questionamento, a pergunta, a dúvida, tão especificamente humana e tão motora do conhecimento e desenvolvimento da condição humana. Que hei de eu fazer para transpor as minhas limitações naturais? Como hei de eu transcender-me a mim próprio e aos limites humanos de que sou parte integrante? Estas são perguntas que, apesar de muitas vezes não serem verbalizadas, são feitas, sem repararmos, pelo nosso subconsciente.

Encontramos esta mesma ideia, por exemplo, em Jaspers, quando regista que “filosofar é estar a caminho“. Este itinerário mais não é do que o trilho filosófico do questionamento que leva ao saber. Em vez do poeta, diremos com o filósofo que pela pergunta é que vamos, não comovidos e não mudos…, antes bem despertos, atentos e a postos para a procura ativa do saber, com consciência crítica.

Recuperamos esta mesma ideia em Kant, quando recomenda aos jovens que ousem saber, pois na base desta ousadia se encontra uma vez mais o querer dar resposta ao desconhecido. Assim, diremos com Kant, “ousa questionar“, sendo a pergunta a solução, uma vez que é ela que orienta, enquadra, direciona a investigação efetuada quer pela comunidade científica, quer pelos filósofos. É uma boa pergunta que nos encaminha para a resposta, procurando incessan-temente o saber. Quando se consegue responder a uma pergunta, uma outra surge (no hori-zonte), levando a uma nova pesquisa e assim sucessivamente. Então, a pergunta é mais impor-tante que a sua resposta. A pergunta vivifica, anima, exorta o saber. A pergunta desbrava caminhos a priori impensáveis e insondáveis, explora possibilidades infindáveis de respostas, permanentemente na senda do conhecimento.

A pergunta é, ainda no rumo de Descartes, a razão de ser do saber, pois “viver sem filosofar é, na verdade ter os olhos fechados, sem nunca se esforçar por os abrir“. Concluímos assim que o ato de questionar é, muitas vezes, mais importante do que a resposta em si. É este que

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faz a sociedade aperceber-se das suas dificuldades e limitações e que lhe permite evoluir, prosseguir em frente, conquistar novos horizontes. Podemos, assim, atribuir uma importância tão grande ou até maior à pergunta relativamente à sua resposta, pois é ela que nos intriga, provoca e nos faz mover.

Texto 10 – Ana Alves, Didáxis Cooperativa de Ensino, Riba de Ave

No nosso quotidiano lidamos com inúmeras questões, somos confrontados com diversas problemáticas, somos questionados desde assuntos banais, como “Que horas são?” e “Quanto tempo falta para começar a aula?“, até assuntos de elevada importância, podendo comprometer o nosso futuro, como as questões que podemos encontrar nos nossos momentos de avaliação.

Basta pararmos um bocado para pensar e notamos que é impossível de contabilizar as questões que colocamos e as que nos são colocadas.

No meio de tantos pensamentos e momentos de reflexão que temos ao longo da nossa vida, há assuntos sobre os quais nunca depositamos a nossa atenção e que se revelam assuntos de elevado interesse. Associados a esses assuntos encontramos as questões e a importância que elas têm na nossa vida e na nossa sociedade. Desde o momento que come-çamos a fazer parte de uma sociedade somos enfrentados com questões e algumas delas podem acompanhar-nos até ao final das nossas vidas. A esse momento eu refiro-me à época em que começamos a pensar por nós próprios, a criarmos as nossas ideias e a delimi-tar, perante os outros, os nossos objetivos. Caso um sujeito não faça o que eu disse anterior-mente nunca chega a pertencer ativamente à sociedade e este é um assunto que eu irei aprofundar mais tarde.

Este concurso fez com que o meu pensamento se centrasse na importância das perguntas e levou-me a uma conclusão: nada nesta vida poderia existir se não fosse primeiramente questionada. As razões da minha conclusão vão sendo explicadas ao longo do texto com a presença de certos exemplos para facilitar a compreensão do leitor.

As questões, mas sobretudo sobre o que elas dizem respeito, têm uma importância bruta-líssima sobre nós mas, como lidamos com elas vulgarmente, deixamos de lhes dar a devida atenção. Vou afastar-me um pouco do tema central para explicar com clareza os motivos que me levaram à conclusão anterior. As pessoas, incluindo eu, que vivem numa aldeia, quando vão à cidade ou a lugares com culturas e costumes diferentes dos nossos, atraem a nossa atenção e isto acontece porque não estamos habituados a uma margem tão grande de penteados e de formas de vestir. Quando algo se torna vulgar deixa de chamar a nossa atenção.

Voltando ao tema central, na minha opinião, o carácter das pessoas também pode ser reve-lado pelo tipo de perguntas que as mesmas apresentam. As perguntas podem surgir em diversas situações, podem ter inúmeras funções e nem toda a gente tem capacidade para criar uma pertinente. Uma pessoa que questione pontos que podem contribuir para o futuro da Humanidade, que crie questões que ponham o auditório a pensar e que o obrigue a chegar a alguma conclusão, para mim, cria um tipo de questões inteligentes e com fundamentos. Em contrapartida, há pessoas que colocam as questões como simples formas de intervir e colo-cam-nas com o resguardo de já saberem a resposta para que não tenham de utilizar o seu poder de improviso e de persuasão, para mim, são um tipo de pessoas fúteis que nunca che-gam a atingir o verdadeiro sentido de pessoa útil. Defino como ‘pessoa útil’, alguém que

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interage ativamente na sociedade onde se encontra inserida, alguém que intervém e luta por uma evolução do meio que a rodeia, alguém que não nasce apenas para consumir oxigénio, mas, sim, utiliza as suas forças de forma adequada e correta. Há tanto para evoluir, nós e tudo o que nos rodeia! Este concurso ajudou-me a perceber que uma das formas de evoluirmos é sabermos pensar por nós próprios, termos uma ideia constante sobre algum tema e não nos deixarmos influenciar por amigos, televisão, jornais, etc.

Uma simples questão é o que vai fazer desencadear um processo complexo em nós: o pen-samento. Este é o melhor amigo de todos os objetivos que podemos alcançar ao longo da nossa vida. Muitos autores, autores de elevado prestígio, recorrem às perguntas retoricas com o objetivo de colocar o auditório a pensar.

Focando-me agora totalmente na questão central deste concurso: “Como pode a pergunta ser a solução?“, vou tentar mostrar o que concluí da mesma.

Após um alargado e árduo pensamento, após muitas questões colocadas a mim própria e muitas teorias para tentar perceber o que concluir após esta questão, cheguei à conclusão que as questões são responsáveis pelo desencadeamento de tudo o que vem a seguir à mesma. O que quero dizer com isto é que uma questão é a fase inicial de qualquer tipo de procedimento, exercício… é o início de tudo! Tal como uma forte amizade é a base essencial para uma relação estável e duradoura, uma pergunta aparece neste sentido como o ponto inicial e essencial. Segundo o meu pensamento, tudo está dependente de uma questão, de uma simples questão.

Já aconteceu a todos nós passarmos por uma fase má e com a passagem do tempo até deixarmos de pensar nela, mas basta uma simples questão que nos relaciona com essa mesma fase e tudo o que foi mudado ao longo desse tempo é posto em causa. Quantas vezes é que achamos que temos a matéria estudada e tentamos resolver uma ficha de trabalho e apercebemo-nos de que afinal não sabemos nada? Somos uns perfeitos irrealistas quando não colocamos a nossa vida em questão, quando não colocamos as nossas atitudes à prova. Nunca tudo está bem, há sempre algo que está a falhar e nós só conseguimos chegar a essa conclusão quando meditamos sobre o nosso percurso familiar, profissional e, acima de tudo, individual.

O complexo pergunta-resposta funciona como um par-reação, na medida em que a ques-tão é colocada, a esta deve estar associada uma resposta e para haver uma resposta tem de haver uma pergunta. Está aqui uma das minhas principais conclusões: se uma pergunta não obter resposta, não consegue atingir o seu objetivo, mas não deixa de existir e marcar a sua importância. Mas, em contrapartida, uma resposta está totalmente dependente de uma ques-tão, a segunda só aparece se a primeira também aparecer. Aqui é que eu atinjo o meu pensa-mento máximo: uma questão funciona como princípio-base de qualquer atividade! Traduzindo isto para a vida real, se olharmos para algo que está mal, mas nunca colocarmos a questão “O que podemos fazer para melhorar?” aquilo vai permanecer assim tempos infinitos até que apareça alguém e tente mudar isso. É por essa razão e é devido à nossa preguiça mental que deixamos que os nossos problemas se alastrem, caindo, por vezes, no abismo. Vivemos na ilusão de que alguém vai aparecer na nossa vida e vai fazer com que os nossos sonhos se con-cretizem, mas essa pessoa somos nós, estamos dependentes de nós próprios! Por muito que estejamos na presença de uma simples pergunta, esta envolve um processo muito complexo até que possamos atingir algo de concreto ou algo credível. Uma questão

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funciona como um impulso que tem um ponto-alvo, como um assunto, uma pessoa, uma opi-nião, e vai fazer com que a dúvida permaneça em nós até conseguirmos atingir uma conclusão. Na maior parte dos casos, a colocação de uma dúvida vai fazer com que o nosso pensamento se resuma àquele assunto com a intenção de o corrigir/melhorar, mas como tudo na vida apresenta um lado negativo, às vezes as questões são colocadas com o objetivo de nos bara-lhar, de nos iludir para algo negativo, aqui aparece o papel da manipulação que às vezes as pessoas praticam connosco.

Para finalizar, queria aludir principalmente aos jovens, como uma que sou, para nunca se deixarem iludir por pensamentos falsos, com a idade e com boas companhias conseguimos realizar o difícil trabalho de distinguir uma dúvida boa de uma dúvida má e com segundas intenções. Ao longo da nossa vida temos de acreditar naquilo que vemos e naquilo que passa-mos e não naquilo que nos dizem, se queremos ser alguém na vida, se queremos atingir os nossos objetivos devemos ser fortes, devemos ter os nossos princípios e valores marcados e sobretudo devemos pôr sempre tudo em questão. Porque nós somos humanos e com isto quero dizer que há sempre falhas, nunca há uma atitude 100% correta e devemos focalizar-nos nisso para tentarmos corrigir os nossos erros e seguir pelo caminho mais correto: o mais difícil, pois é esse que nos vai indicar a verdadeira felicidade. Este concurso ajudou-me a perceber que as questões funcionam e aparecem na nossa vida como as nossas melhores amigas, são elas que nos vão afastar da ilusão e são elas que nos vão levar à razão da nossa existência: o pensamento crítico!

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COMO PODE A PERGUNTA SER A SOLUÇÃO?“A formulação de um problema é

muitas vezes mais importante que a

sua solução, a qual constitui apenas

matéria de matemática ou de habilidade

experimental. Propor novas questões,

admitir novas possibilidades, encarar

velhos problemas sob novos ângulos,

isso requer imaginação criadora e

assinala reais avanços na ciência.”

Albert Einstein, A Evolução da Física