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CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM E ENSINO DE PORTUGUÊS IRIS RODRIGUES DIAS RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo o estudo da língua, considerando suas variantes e os diversos gêneros textuais numa perspectiva sociointeracionista e funcional. A metodologia do ensino, por sua vez, não reproduzirá a clássica classificação e exercitação de itens lexicais ou conjunto de regras, mas uma prática que parte da reflexão produzida pelos alunos mediante a utilização de significação/interpretação e senti- do do texto, vinculada à gramática. Com isso, pretende-se selecionar textos, em sua modalida- de oral e escrita, em diversas situações de uso, em diferentes graus de formalidade que servirão de paradigmas para trabalhar a língua de modo produtivo. Introdução O presente trabalho tem por objetivo o estudo da língua, considerando suas variantes e os diversos gêneros textuais numa perspectiva sócio-interacionista e funcional. A metodologia do ensino, por sua vez, não reproduzirá a tradicional classificação e

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CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM E ENSINO DE PORTUGUÊS

IRIS RODRIGUES DIAS

RESUMO:

O presente trabalho tem por objetivo o estudo da língua,

considerando suas variantes e os diversos gêneros textuais numa

perspectiva sociointeracionista e funcional.

A metodologia do ensino, por sua vez, não reproduzirá a

clássica classificação e exercitação de itens lexicais ou conjunto

de regras, mas uma prática que parte da reflexão produzida pelos

alunos mediante a utilização de significação/interpretação e senti-

do do texto, vinculada à gramática.

Com isso, pretende-se selecionar textos, em sua modalida-

de oral e escrita, em diversas situações de uso, em diferentes

graus de formalidade que servirão de paradigmas para trabalhar a

língua de modo produtivo.

Introdução

O presente trabalho tem por objetivo o estudo da língua,

considerando suas variantes e os diversos gêneros textuais numa

perspectiva sócio-interacionista e funcional. A metodologia do

ensino, por sua vez, não reproduzirá a tradicional classificação e

2

de itens lexicais ou apresentação do conjunto de regras, mas uma

prática que parte da reflexão produzida com e pelos alunos por

meios dos aspectos lingüísticos e discursivos trabalhados. Com

isso, pretende-se selecionar textos, em sua modalidade oral e es-

crita, em diversas situações de uso, com diferentes graus de for-

malidade que servirão de paradigmas para trabalhar a língua de

modo produtivo.

Ao darmos aula de uma língua para falantes dessa língua é

necessário perguntar: “Qual é o objetivo de ensinar Português

para falantes nativos de Português?”. Se o objetivo é desenvolver

a competência comunicativa (falante, escritor/ouvinte, leitor) dos

usuários da língua devemos repensar nossas práticas docentes.

Tradicionalmente, o ensino de Língua Portuguesa no Brasil

se volta para a exploração da gramática normativa, em uma abor-

dagem prescritiva da língua. A gramática é algo mais do que fa-

zem supor atividades de ensino baseadas em exercícios orientados

para a interpretação de textos, desvinculada da língua e exercícios

gramaticais voltados para a segmentação de elementos lingüísti-

cos (análise morfológica e sintática), classificações e nomenclatu-

ras.

Segundo Travaglia (2006), o professor deve sempre explo-

rar a riqueza e a variedade dos recursos lingüísticos em atividades

de ensino gramatical que se relacionam diretamente com o uso

desses mesmos recursos para a produção e compreensão de textos

em situações de interação comunicativa.

3

A proposta dos PCN de fundamentar o ensino da língua

materna, tanto oral como escrita, nos gêneros do discurso visa

formar sujeitos capazes de utilizar a língua de modo variado, pro-

duzindo efeitos de sentido e adequando o texto a diferentes situa-

ções de uso e interlocução. Ou seja, a compreensão oral e escrita,

associada a diversos gêneros, supõe o desenvolvimento de

competências lingüístico-comunicativas que devem ser enfocadas

nas situações de ensino.

O ensino da gramática produtiva tem como objetivo o ensi-

no da língua pela própria prática da linguagem, pois, ao ler e pro-

duzir textos, o aluno será capaz de perceber a diversidade de atos

verbais que, a cada momento, se atualizam. Daí nossa proposta

para o ensino da língua materna: da leitura à criação de texto

(ROXO; WILSON, 1995).

“Aprender uma língua, seja de forma natural no convívio

social, seja de forma sistemática em sala de aula, implica numa

reflexão sobre a linguagem, formulação de hipóteses e verificação

do acerto ou não dessas hipóteses sobre o funcionamento da lín-

gua. Quando nos envolvemos em situações de interação, temos de

fazer corresponder nossas palavras às do outro para fazer nos

entender e entender o outro” (TRAVAGLIA, 2006, p107). Assim,

a proposta metodológica que pretendemos desenvolver procura

associar o estudo dos fenômenos lingüísticos a gêneros textuais

diversos numa perspectiva funcional, sociointeracional e produti-

va. O trabalho com os textos está calcado nos gêneros, e as ativi-

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dades com a língua desdobram-se na compreensão do texto por

meio dos aspectos gramaticais e discursivos. O texto só é pretex-

to na medida em que é trabalhado de forma a que o aluno seja

levado a refletir sobre a funcionalidade dos recursos lingüísticos

que estão em jogo em cada situação discursiva. Esse trabalho é

resultado de uma metodologia desenvolvida por Wilson e Roxo

(1995).

Para racionalizar a apresentação das atividades, os exercí-

cios aparecem separados dos estudos gramaticais e expressivos

que os fundamentam. Cabe ressaltar que, para cada texto, há um

estudo prévio do gênero (ou gêneros) ao qual ele se vincula. Esse

estudo é baseado em trabalhos já realizados (Cf. Fundação Ces-

granrio). Segue-se a essa etapa aquela associada diretamente ao

estudo do texto, em que também são tratadas as questões lingüís-

ticas (gramaticais, estilísticas, expressivas) implicadas em cada

texto e motivadas pelo gênero; em seguida, a segunda parte do

trabalho, voltada sobre o modo de organização e das práticas

discursivas, parte em que chamamos a atenção para os aspectos

pragmáticos envolvidos no texto em questão. A seqüência de

textos e atividades é motivada por fatores ligados ou ao gênero

ou à língua (algum aspecto gramatical que pode ser funcional em

um gênero e motivado em outro por razões distintas). Os textos

são escolhidos a partir de uma temática comum desdobrada em

gêneros variados, ou considerando-se um aspecto gramatical cuja

funcionalidade e motivação variam em função do gênero em que

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se manifesta. As atividades são desenvolvidas em partes, com

uma seção dedicada aos comentários lingüísticos e gramaticais.

Gêneros textuais e tipo textual

Para uma maior compreensão do problema da distinção en-

tre gênero e tipos textuais, baseamo-nos em Marcuschi (2006):

a) Usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie de

seqüências teoricamente definidas pela natureza lingüística de

sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais,

relações lógicas). Em geral, os tipos textuais abrangem cerca

de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argu-

mentação, exposição, descrição e injunção.

b) Usamos a expressão gênero textual como uma noção proposi-

talmente vaga para referir os textos materializados que encon-

tramos em nossa vida diária e que apresentam características

sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades

funcionais, estilo e composição característica. Alguns exem-

plos de gêneros textuais: telefonema, sermão, carta comercial,

carta pessoal, romance, bilhete, reportagem jornalística, horós-

copo, receita culinária, reunião de condomínio, lista de com-

pras, cardápio de restaurante, instruções de uso, outdoor, inqué-

rito pessoal, resenha, edital de concurso, piada, conversação

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espontânea, conferência, carta eletrônica, aulas virtuais e etc.

c) Usamos a expressão domínio discursivo para designar uma

esfera ou instância de produção discursiva ou atividade huma-

na. Esses domínios não são textos nem discursos, mas propici-

am o surgimento de discursos bastante específicos. Do ponto

de vista dos domínios, falamos em discurso jurídico, discurso

jornalístico, religioso, etc.

Atividades propostas

Primeiro Gênero: Poema

Infelizmente

Eu te encontrei......profundamente

Eu te descobri.......conscientemente

Eu te analiso........detalhadamente

Eu te afasto..........temporariamente

Contigo ajo..........obrigatoriamente

Eu te olho.............exageradamente

Eu te entendo ......infantilmente

Contigo vejo........alegremente

Por ti recordo.......saudosamente

Contigo sonho......romanticamente

Sobre ti comento...orgulhosamente

Te abraço, te vejo...ardentemente

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Porém não a tenho....infelizmente.

Poemas –Luciano (poeta popular)

Serra Telhado (PE)

1.ª parte: Estudo do Texto

1 – Título: Infelizmente

2 – Gênero Textual: Poema

3 – Modo de organização textual: versos

4 – Tema/foco: o encontro / o amor

5 – Recursos lingüísticos predominantes (relevantes para a inter-

pretação): verbos, pronomes pessoais, advérbios, conjunção ad-

versativa, pontuação: reticências.

1. O que caracteriza um poema em termos de sua organização?

2. Como há vários modos enunciativos inscritos em diversos gê-

neros, pode-se afirmar que esse poema opera com o modo enun-

ciativo do narrar. Com base na definição de narração destacada

abaixo, identifique os fatos, os personagens envolvidos, o tempo e

o espaço em que se desenvolve o texto.

A narração consiste no relato de acontecimentos ou fatos, reais ou

imaginários, envolvendo ação e movimento, no transcorrer do

tempo. A narrativa envolve, além de personagens, espaço e tem-

po; é essencialmente o discurso do fazer.

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(Adapt.: Projeto de avaliação e acompanhamento. CESGRAN-

RIO, 2006)

3. Se há vários modos enunciativos em cada gênero, qual é a fun-

ção comunicativa predominante no poema: ( ) Um depoimento?

( ) Uma declaração de amor? ( ) Uma exposição de sentimentos?

Justifique sua resposta.

Para responder à questão que se segue, consulte a seção “estudo

de caso”.

4. De acordo com a leitura do poema, podemos afirmar que o

poema pode ser dividido em duas partes. Releia as definições

dadas sobre os tempos verbais, explicando qual a função de cada

um deles na divisão do poema em dois momentos distintos, tendo

em vista os seguintes tempos verbais; presente e pretérito perfei-

to.

6) Nesse poema, há um uso recorrente do pronome pessoal reto

da primeira pessoa do singular:

a) A que você atribui o uso recorrente desse pronome?

b) Que efeito de sentido se revela por meio do uso desse prono-

me?

c) Caso o pronome fosse omitido, o efeito de sentido se alteraria?

O que mudaria em sua opinião?

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7) Em seguida ao uso do pronome pessoal do caso reto, encon-

tramos o emprego do pronome te, também pronome pessoal, mas

do caso oblíquo.

a) Em que situações empregamos esse pronome?

b) Em que situação esse pronome está sendo empregado no poe-

ma?

d) Assim como o pronome pessoal reto, o oblíquo te também é

recorrente no poema. Qual a função dessa recorrência? E qual a

relação com o seu destinatário? Reflita.

Para responder à questão que se segue, consulte a seção “estudo

de caso”.

8) Observe o uso da conjunção adversativa porém no último ver-

so do poema:

“Porém não a tem... infelizmente.” Podemos dizer que o emprego

da conjunção porém resulta num outro momento do texto. Leia:

Primeiro momento: Encontro: descoberta, revelação: “Eu te en-

contrei......profundamente

Eu te descobri ......conscientemente”

Segundo momento: aproximação afetiva com seu amado e “ en-

contro”: do terceiro ao penúltimo verso do poema.

Terceiro momento: quebra de expectativa:Tudo o que o eu-lírico

apresenta como se fosse “real” era aparente, fazia apenas parte de

sua imaginação.

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“Te abraço, te vejo...ardentemente / Porém não a te-

nho....infelizmente.”

Responda:

a) Por que se pode afirmar que o emprego de porém no último

verso traduz-se na passagem da fantasia para a realidade?

b) Além da chamada conjunção adversativa ou marcador de con-

tra-expectativa, que outro recurso, no último verso do poema,

reforça a idéia de realidade em contraposição à de imaginação e

fantasia?

c) Crie dois enunciados com recursos lingüísticos que apresentam

uma idéia de contra-expectativa. Utilize conectores como: mas,

porém, infelizmente e apesar.

Por exemplo:

Eu te convidei para sair, _______________________.

Toda vez que eu a tocava, sentia imenso prazer. _____________.

Sonho com você todas as noites; ao acordar, ________________.

9) Você deve ter notado que o poema também é recorrente no uso

dos chamados advérbios. Consulte a seção “estudo de casos” e

responda:

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a) Os advérbios no poema estão modificando que classe (s) de

palavras?

b) Como esses advérbios são classificados pela gramática?

c) Agora, observe o uso de infelizmente no último verso: “Porém

não a tenho....infelizmente.” Esse “advérbio” exerce a mesma

função que os demais advérbios empregados no poema? Que

valor adquire no poema? A que se refere?

2.ª parte: Sobre o modo de organização e das práticas discur-sivas

1) Na relação do eu (eu-lírico) com um tu (te/contigo=ser amado)

evidenciada no poema, comente as afirmativas, retirando exem-

plos do texto:

a) A presença recorrente da primeira pessoa gramatical acaba por

reforçar outras funções como a de ser a expressão explícita de

sentimento e subjetividade do eu-lírico.

b) O tu (ser amado) é apagado/diluído em face da atitude amorosa

do eu-lírico.

c) O comportamento do eu-lírico é revelador de uma atitude de

passividade em relação ao ser amado.

2) A partir de suas reflexões sobre o texto, pode-se dizer que há

um diálogo (interação) entre o eu-lírico e o ser amado? Por quê?

Justifique sua resposta.

3) Leia o verso: “Porém não a tenho ...infelizmente.”

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a) O verbo ter, nesse contexto, apresenta que sentido?

b) De acordo com o sentido de ter nesse verso e nesse contexto,

responda:

b.1. O que é preciso fazer, sob o ponto de vista do eu-lírico, para

se construir uma relação amorosa?

b.2 Nas sociedades de consumo, o ter se sobrepõe ao ser. Refle-

tindo sobre essa questão, responda:

• Quais são os valores que a sociedade de consumo privilegia?

• Que valores são deixados de lado em detrimento de outros?

• O que uma pessoa precisa ser para ser amada e estabelecer

laços afetivos com o parceiro?

• Ter alguém é suficiente para a garantia de uma relação amoro-

sa?

b.3 O que é preciso fazer, sob o seu ponto de vista, para que uma

relação amorosa aconteça?

4) Responda: diante das reflexões realizadas, pode-se dizer que o

eu-lírico idealiza o ser amado? Em que aspectos? Como o texto

revela essa idéia?

5) Imagine o eu-lírico, diante da amada. Que enunciados ele diria

a ela, nas seguintes situações?

a) Convidando-a para sair.

b) Pedindo-lhe para namorar.

c) Perguntando-lhe sobre a sua família?

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d) Impondo-lhe uma determinada situação.

Estudo de caso

I. Tempos verbais

Observe que o poema trabalha com dois tempos verbais: o

presente e o pretérito perfeito.

De acordo com a gramática (CUNHA,(2001)

a) os verbos no Presente do Indicativo empregam-se:

1 – para enunciar um fato atual, isto é, que ocorre no momento da

fala (presente momentâneo) Ex: O céu está limpo, não há nenhu-

ma nuvem acima de nós.

2 – para indicar ações e estados permanentes ou assim considera-

dos, como seja uma verdade científica, um dogma, um artigo

(presente durativo) Ex: A Terra gira em torno do Sol

3 – para expressar uma ação habitual ou uma faculdade do sujeito,

ainda que não estejam sendo exercidas no momento em que se

fala (presente habitual ou freqüentativo)

Ex: Como pouquíssimo.

4 – para dar vivacidade a fatos ocorridos no passado (presente

histórico ou narrativo).

Ex.: “A avenida é o mar dos foliões. Serpentinas cortam o ar (...)”

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5 – para marcar um futuro presente, mais próximo; caso em que,

para impedir qualquer ambigüidade, se faz acompanhar geralmen-

te de um adjunto adverbial:

Ex: Outro dia eu volto, talvez depois de amanhã, ou na primavera.

b) os verbos no Pretérito Perfeito:

A forma simples indica uma ação que se produziu em certo mo-

mento do passado. É ao que se emprega para “descrever o passa-

do tal como aparece a um observador situado no presente e que o

considera do presente”.

Ex.: Jantei com apetite devorador e dormi como um anjo”.

A forma composta exprime geralmente a repetição de um ato ou a

sua continuidade até o presente em que falamos.

Ex.: Tenho escrito bastante poemas.

Quanto aos modos verbais:

a) o modo Indicativo exprime um fato certo, preciso, seja ele pas-

sado, presente ou futuro.

Ex.: Lúcia estuda Português. / “Eu te olho ............. exagerada-

mente”

b) o modo subjuntivo exprime um fato incerto, duvidoso; ou pode

indicar volição, desejo:

Ex: Se Lúcia estudasse Português, seria aprovada. / Gostaria que

você compartilhasse da minha companhia.

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c) o modo Imperativo exprime ordem ou solicitação; convite,

ameaça, etc.:

Ex: Faça a coisa certa.

d) o Infinitivo: aceitar, entregar, acender

e) Particípio Regular: aceitado, entregado, acendido

Particípio Irregular: aceito, entregue, aceso

f) Gerúndio: cantando, batendo, partindo, pondo.

II. Conjunção:

Segundo a gramática, as conjunções servem para ligar dois termos

ou duas orações. Se são conjunções coordenativas, ligam orações e

termos de igual função; se são subordinativas, ligam termos e ora-

ções de função distinta.

As conjunções adversativas como porém são coordenativas e li-

gam dois termos ou duas orações de igual função, acrescentado-

lhes, porém, uma idéia de contraste: mas, porém, todavia, contudo,

no entanto, entretanto.

Além do sentido dado pela NGB, há outros estudos, como os lin-

güísticos, que fornecem novas explicações sobre esses tipos de

conectores. Para a Lingüística, porém e outros conectores de igual

valor e função são classificados como marcadores de contra–

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expectativa, ou operadores argumentativos, incluindo, nesse caso,

as conjunções subordinativas concessivas.

III. Advérbios

Advérbio é uma classe de palavra que pode modificar um verbo,

um adjetivo ou outro advérbio, segundo a gramática tradicional.

Ex: Como modificador de verbos

“Contigo ajo... obrigatoriamente”.

Você compreendeu-me mal.

Ex: Como modificador de outro advérbio

O teu pai está muito mal. .(modificador de um adjetivo)

Ex: Como modificador de adjetivos

Por que me escondeu um segredo tão grande?

Observar os usos adverbiais: aqueles que mantêm predominante-

mente a função gramatical, ao contrário daqueles que assumem

uma função discursiva, funcionando como modalizadores. No po-

ema, infelizmente assume uma função expressiva, portanto, discur-

siva, funcionando como modalizador. Essa função não é abordada

pela NGB, mas deve ser considerada pelo professor para esclarecer

aos alunos sobre os diferentes usos lingüísticos e suas motivações

no texto.

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Observação: Depois do estudo realizado, os alunos passa-

ram à atividade de produção, elaborando um poema. Foi selecio-

nado um exemplo de poema que foi trabalhado em seguida com a

turma. Em seguida, passou-se ao estudo da receita, pois trata-se de

um gênero suscetível ao emprego de advérbios de modo, sobretu-

do.

Segundo Gênero: Receita

Texto: II

Cozinha de Ana Maria: Pavê de abacaxi com coco

Ingredientes

1 caixa de biscoito champanhe

1 lata de leite condensado

a mesma medida de leite (1 lata)

3 ovos

100g de coco ralado

1 lata de abacaxi em calda

1 lata de creme de leite

sem soro bem gelada

Passo a passo

Em uma panela, junte o leite condensado, o leite, as gemas e meta-

de do pacote de coco e leve para ferver sem parar de mexer. Reser-

ve.

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Pique o abacaxi e deixe escorrendo em uma peneira.Em um recipi-

ente de vidro, forre o fundo com abacaxi picado.Cubra a metade do

creme amarelo.

Em um prato fundo, coloque a calda de abacaxi, molhe os biscoitos

e coloque-os sobre o creme. Cubra os biscoitos com o restante do

creme amarelo.

Bata as claras em neve firme, adicione o açúcar e delicadamente

incorpore o creme de leite. Cubra o doce com as claras e sirva bem

gelado.

Estudo do texto

1.ª parte:

1 – Responda:

a) Quais os recursos lingüísticos predominantes na receita?

b) Esses recursos são empregados aleatoriamente? Qual a função

de cada um desses recursos empregados na receita?

c) Receitas trabalham com medidas. Que medidas são apresentadas

nesta receita?

d) Dentre as medidas, há aquelas consideradas convencionais co-

mo grama/quilo, que se distinguem das não-convencionais co-

mo1 caixa, 1 lata, por exemplo. Além dessas medidas, escreva

outras, separando-as em convencionais e não-convencionais.

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e) Receitas, em geral, têm um destinatário específico que nem

sempre aparece explícito no texto.

e.1. Como podemos inferir, por meio de recursos lingüísticos

empregados, que a receita se dirige a um destinatário?

e.2. Identifique os prováveis destinatários das receitas.

f) Há outros modos (verbais) usados para se dirigir a alguém?

Qual ou quais seriam? Redigir a receita, usando outro modo

verbal diferente do empregado.

g) Se você empregar o modo infinitivo no lugar do imperativo,

haverá algum tipo de mudança?

h) Em que outros gêneros textuais podem ser encontradas formas

de se dirigir ao destinatário como as da receita, isto é, com

verbos ou no imperativo ou no infinitivo?

i) Identifique os advérbios e expressões adverbiais empregados na

receita, na seção “passo a passo”. Explique a função gramati-

cal e discursiva que esses advérbios desempenham nesse con-

texto, isto é, relacione o uso à função (motivação) que exer-

cem.

j) Pense na seguinte situação:

“Misture as claras suavemente” ou “Leve ao forno ligeiramente”

para dourar. Se os advérbios e expressões adverbiais forem su-

primidos, a receita ficará comprometida? Por quê? Justifique sua

resposta?

2 – Procure outras receitas que apresentem outros usos adverbiais.

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2.ª parte: Sobre o modo de organização e das práticas discursi-vas:

1) De que modo os ingredientes são apresentados numa receita?

2) Em que outro(s) gênero(s) textual(is) encontramos um modo de

organização discursiva semelhante ao da receita na parte refe-

rente à lista dos ingredientes?

3) Como se organiza discursivamente a parte da receita (isto é, a

seqüência lingüística) referente ao passo a passo ou modo de fa-

zer?

a) Que recursos lingüísticos são utilizados nessa parte? Qual a

razão, motivação de seu emprego nesse contexto?

b) Em que essa seção da receita se distingue da primeira parte?

Estudo de caso

I. Sobre a questão (1):

1. Os alunos nessa questão serão ser levados a perceber a produti-

vidade e a motivação dos usos lingüísticos da receita como: nu-

merais (as medidas),os advérbios e os verbos, sobretudo.

2. Relacionar o imperativo ao infinitivo que também pode exercer

essa função nesse contexto. Levar o aluno a refletir sobre as di-

ferenças relacionadas aos usos desses modos verbais. Por exem-

plo: imperativo; pode aproximar mais destinador-destinatário, ao

contrário do infinitivo.

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3. Relacionar uso e função dos modos imperativo e infinitivo Por

exemplo: bula de remédio, regulamentos, etc. Levar exemplos

desses textos para trabalhar em aula.

II. Sobre a segunda parte:

Explicar a função da lista dos elementos na receita: a relação entre

texto e coerência textual, tratando-se de um alista de compras, lista

de remédios, lista de convidados em contraposição a um texto sol-

to, fragmentado e, portanto, incoerente.

3.ª parte: Texto Leitura do poema “Torta de cebola para prender namorado”

Objetivo: Associar a questão dos gêneros a diferentes funções

comunicativas (intergêneros / gêneros híbridos; modos enunciati-

vos)

Discussão com os alunos sobre o gênero (misto) desse poema

Gênero: receita poética

Modo de organização textual: em versos como um poema

Função/ objetivo do gênero: dar uma receita para se conquistar um

namorado (função estética e não referencial)

Recursos lingüísticos utilizados: levantar com os alunos

Torta de cebola para prender namorado (Roseana Murray)

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Minha avó já dizia

que homem se prende

é pela boca

os tempos estão mudados

hoje são muito diferentes

os namorados

mas pelo sim e pelo não

vai neste poema uma torta

caprichada

faça a massa com farinha

manteiga uma gema de ovo

e de sal uma pitada

depois corte um quilo

de cebolas graúdas

(aproveite para chorar mágoas esquecidas)

ponha margarina na panela

e deixe a cebola dourar

bata três ovos inteiros

e despeje tudo lá dentro

ponha queijo ralado

alguns segredos delicados

e bastante noz-moscada

assim está pronto o recheio

agora é só assar em forno brando

e servir bem quente com muitos

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beijos e vinho branco

Trabalho de produção textual:

1) Apresentação de receitas (pode-se aproveitar o momento para

confraternização, caso cada aluno leve o “produto” de sua receita.

– Receita de bolinho de chocolate, beijinho de amor, bolos, biscoi-

tos, etc.

2) Elaboração de poemas-receita: “ensopado” de namorado, receita

para reconquistar seu grande amor (...), etc.

3) Elaboração de regulamentos (para usos de verbos no imperati-

vo/infinitivo)

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Referências Bibliográficas:

MARCUSCHI, Luiz A. Gêneros Textuais: definição e funcionali-dade. In: DIONÍSIO, Angela P., MACHADO, Anna R.; BEZER-RA, Maria A. (Orgs.) Gêneros Textuais e Ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006

ANTUNES, Irandé. Muito além da gramática: por um ensino em

línguas sem pedras no caminho. São Paulo: Parábola editorial, 2007.

TRAVAGLIA, Luiz C. Gramática e interação: uma proposta para

o ensino de gramática. 11. ed., São Paulo: Cortez, 2006.

GERALDI, João W. Portos de passagem. 4. ed., São Paulo: Mar-tins Fontes,1997

PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: terceiro e quar-to ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa/ Secretaria de Educação Fundamental - Brasília: MEC/SEF, 2001.

Projeto de avaliação e acompanhamento dos alunos de 1.ª a 8.ª séries do Ensino Fundamental com capacitação de professores de Língua Portuguesa e Matemática do Estado de Mato Grosso. CES-GRANRIO / SEDUC. 2006.

ROXO, Maria do Rosário, WILSON, Victoria. Entretextos. São Paulo: Moderna, 1995.