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SILVÉRIA APARECIDA BASNIAK SCHIER A CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM UTILIZADA NO SISTEMA EaD-UNITINS Dissertação submetida ao Departamento de Lingüística, Línguas Clássicas e Vernácula como parte dos requisitos para obtenção do Grau de Mestre em Lingüística pela Universidade de Brasília – UnB. Profa. Doutora Maria Luíza M. S. Coroa Orientadora da Dissertação Brasília 2008

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SILVÉRIA APARECIDA BASNIAK SCHIER

A CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM UTILIZADA

NO SISTEMA EaD-UNITINS

Dissertação submetida ao Departamento de Lingüística, Línguas Clássicas e Vernácula como parte dos requisitos para obtenção do Grau de Mestre em Lingüística pela Universidade de Brasília – UnB. Profa. Doutora Maria Luíza M. S. Coroa Orientadora da Dissertação

Brasília 2008

SILVÉRIA APARECIDA BASNIAK SCHIER

A CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM UTILIZADA NO SISTEMA EaD-UNITINS

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________

Profa. Dra. Maria Luíza M. S. Coroa (orientadora)

UnB – LIP/IL

__________________________________________

Profa. Dra. Silviane Bonnacorsi Barbato UnB - IP

__________________________________________

Profa. Dra. Stella Maris Bortoni-Ricardo

UnB - FE

__________________________________________

Profa. Dra. Ana Adelina Lôpo Ramos UnB – LIP (suplente)

Aprovada em _______________ de 2008.

AGRADECIMENTOS

À professora Maria Luíza M. S. Coroa por ter me aceitado como aluna especial

no curso de mestrado; por ter me orientado com tanta dedicação; pela

compreensão de meus problemas pessoais, que interferiram na conclusão do

mestrado;

À minha filha Gabriela, que é a razão do meu viver, por ter sido compreensiva

nas horas que não pude estar com ela, por ser minha companheira;

Ao meu pai por ter sempre me dado bons exemplos e torcido por mim na

esperança de eu voltar a morar mais perto dele;

Às minhas irmãs Edina e Simone por terem me ajudado nas horas de

desânimo e incentivado a alcançar meu sonho de concluir o mestrado;

Ao Cezar por ter cuidado da Gabriela quando eu me ausentava;

Às minhas amigas Sibele e Raquel por terem me incentivado a iniciar o

mestrado, por terem sido companheiras em tantas viagens a Brasília;

Aos meus amigos Sibele e Pedro por terem cuidado da Gabriela nas horas que

precisei me dedicar mais ao mestrado;

À Delcides por ter cuidado da Gabriela com tanto carinho quando eu ia a

Brasília e nas horas que eu me dedicava aos estudos;

Às professoras Stella Maris Bortoni-Ricardo e Ana Adelina Lôpo Ramos por

terem atendido o convite para fazer parte da primeira banca examinadora e me

dado orientações para o término da dissertação.

Ao professor Marcos Bagno pela atenção e pela compreensão de meus

problemas pessoais, que interferiram nos meus estudos;

À Alessandra Oliveira por me receber em sua residência quando precisava ficar

em Brasília;

À Jacinta, antiga secretária do LIV, por muitas vezes permitir que eu resolvesse

problemas pelo telefone devido a distância em que me encontrava;

Aos colegas de mestrado que sempre estavam dispostos a me ajudar, dando

carona, entregando trabalhos, tirando xérox;

Aos meus alunos que me incentivaram a fazer o mestrado e que entenderam a

minha ausência em algumas aulas quando precisei ir a Brasília;

Às minhas alunas formandas de 2007/2 pela compreensão de minha ausência

na aula da saudade para que eu concluísse minha dissertação.

RESUMO

A pesquisa “A concepção de linguagem utilizada no Sistema EaD-UNITINS”

constitui o resultado de análise de quatro aulas do material impresso para

Educação a Distância produzido pelos professores autores da UNITINS. Meu

objetivo foi caracterizar a concepção de linguagem utilizada no material

impresso da UNITINS. Para realizar a análise do corpus, tive como base o

estudo das concepções de linguagem e do sociointeracismo sob o ponto de

vista de Vigotski (1993; 1996) e Bakhtin (1997). Para caracterizar a concepção

de linguagem utilizada no material, identifiquei as marcas lingüísticas e

estratégias discursivas, segundo Souza (2001, 2006), presentes nas quatro

aulas e analisei de que forma essas marcas propiciam a interação. No término

do estudo, comparei a concepção proposta com a metodologia e os processos

de interação utilizados no material impresso. Os resultados da pesquisa

demonstraram que, no material impresso examinado do Sistema EaD-

UNITINS, há o predomínio da linguagem como forma ou processo de interação.

Palavras-chave: Educação a Distância. Material impresso. Concepção de

linguagem. Sociointeracionismo.

ABSTRACT

The research “The conception of language used at the EaD-UNITINS System”

constitutes the result of analysis from four classes of the printed material for

Long Distance Education produced by professors authors of UNITINS. My

objective was to characterize the conception of language used at the printed

material of UNITINS. To do the analysis of the corpus, I based on the study of

conceptions of language and sociointeractionism under the point of view of

Vigotski (1993; 1996) and Bakhtin (1997). To characterize the conception of

language used at the material, I identified the linguistic marks and discursive

strategies that were present at the four classes and I analysed how those marks

do the interaction. At the end of the study, I compared the proposed conception

with the methodology and the processes of interaction used at the printed

material. The results of the research demonstrated that, at the printed material

of the EaD-UNITINS System, there is a predominance of the language as a

form or interaction process.

Keywords: Long Distance Education. Printed material. Conception of language.

Sociointeractionism.

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Evolução da EaD no mundo ...................................................... 19

Quadro 2 – Evolução da EaD no Brasil ........................................................ 23

Quadro 3 – Crescimento da EaD no Brasil .................................................. 27

Quadro 4 – Evolução dos métodos pedagógicos em EaD ........................... 29

Quadro 5 – Modelos de Educação a Distância – estrutura conceitual ......... 31

Quadro 6 – Análises das marcas lingüístico-textuais interativas/não interativas

....................................................................................................................... 89

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Usuários e hots nas 10 maiores economias (por PIB)............... 46

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 10 2 HISTÓRICO DA EAD ............................................................................................ 17 2.1 HISTÓRICO DA EAD NO MUNDO .................................................................... 18 2.2 HISTÓRICO DA EAD NO BRASIL ..................................................................... 22 2.2.1 Crescimento da EaD no Brasil ..................................................................... 26 2.3 HISTÓRICO DA EAD NA UNITINS .................................................................... 27

2.4 EAD: EVOLUÇÃO DOS MÉTODOS PEDAGÓGICOS ...................................... 29 2.4.1 EaD hoje ......................................................................................................... 32 3 REFLEXÕES SOBRE CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E SOCIOINTERACISNISMO ....................................................................................... 33 3.1 CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM ..................................................................... 33 3.1.1 Linguagem como expressão do pensamento ............................................ 34 3.1.2 Linguagem como instrumento de comunicação ........................................ 34 3.1.3 Linguagem como forma ou processo de interação ................................... 35 3.2 SOCIOINTERACIONISMO ................................................................................ 37 3.2.1 Vigotsky ......................................................................................................... 38 3.2.2 Bakhtin .......................................................................................................... 39 4 EAD: REALIDADE, MITOS E DESAFIOS ............................................................ 42 4.1 SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: MUDANÇAS EDUCACIONAIS ................. 42 4.2 REALIDADES E MITOS SOBRE EAD E AS NOVAS TECNOLOGIAS ............. 45 5 MATERIAL IMPRESSO NA MODALIDADE EAD ................................................ 49 5.1 DADOS DO MI E DE ACESSO À INTERNET .................................................... 49 5.2 VANTAGENS DO MATERIAL IMPRESSO ........................................................ 50 5.3 CARACTERÍSTICAS DO MI ............................................................................... 51 5.4 LINGUAGEM DO MI ........................................................................................... 56 5.5 ATIVIDADES NO MI ........................................................................................... 57 6 O MATERIAL DA UNITINS ................................................................................... 59 6.1 PRINCÍPIOS FILOSÓFICOS E TEÓRICO-METODOLÓGICOS DA UNITINS .. 59 6.2 MÍDIAS DA UNITINS .......................................................................................... 60 6.2.1 TV: tele-aula ................................................................................................... 60 6.2.2 AVA: web-tutoria ........................................................................................... 60 6.2.3 Material impresso .......................................................................................... 61 6.2.3.1 Funcionamento do SEMIU ........................................................................... 61 6.2.3.2 Estrutura do MI da UNITINS ........................................................................ 63 7. A INTERAÇÃO NO MATERIAL PEDAGÓGICO DA UNITINS ........................... 66 7.1 VOCATIVO ......................................................................................................... 67 7.2 DÊITICO “VOCÊ ................................................................................................. 67 7.3 VERBOS NA PRIMEIRA PESSOA DO PLURAL ............................................... 70 7.3.1 Referência ao professor e ao aluno ............................................................ 70 7.3.2 Referência ao professor ............................................................................... 71 7.3.3 Valor de imperativo ....................................................................................... 71 7.4 FORMAS DE IMPERATIVO ............................................................................... 73

7.5 PRONOMES PESSOAIS E POSSESSIVOS ..................................................... 74 7.6 PERGUNTAS ..................................................................................................... 75 7.7 CONVITES, SUGESTÕES, CONSELHOS, SOLICITAÇÕES ........................... 78 7.8 EXEMPLIFICAÇÃO ............................................................................................ 79 7.9 PARÁFRASE ...................................................................................................... 81 7.10 RETOMADA ..................................................................................................... 81 7.10 MARCAS DE IMPESSOALIDADE ................................................................... 82 7.11 ATIVIDADES .................................................................................................... 83 7.12 ESTRUTURA DA AULA ................................................................................... 86 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 92 REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 95 ANEXOS ................................................................................................................... 99

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1 INTRODUÇÃO

A Educação a Distância, doravante EaD, está cada vez mais presente no

contexto da sociedade contemporânea. Ela apresenta-se como uma modalidade

de educação adequada para atender as novas necessidades educacionais

geradas pelas mudanças sociais das sociedades “radicalmente modernas”

(GIDDENS, 1997).

Essas mudanças são decorrentes da globalização, que, segundo

Giddens (1997), intensificada com o surgimento de meios de comunicação e de

transporte em escala mundial, gerou mudanças nas relações tempo/espaço. Além

de interferir na economia mundial, também provocou a “transformação do espaço

e do tempo”. As pessoas entram em contato com outras culturas que lhes

fornecem novos parâmetros para compreender seu contexto local. Nessa dialética

de globalização/localização, observa-se também um aumento da reflexibilidade,

característica típica da modernidade que

[...] diz respeito à possibilidade de os aspectos da atividade social e das relações materiais com a natureza, em sua maioria, serem revistos radicalmente à luz de novas informações ou conhecimentos (GIDDENS, 1997, p. 8).

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As mesmas tecnologias que globalizam as informações estão sendo

aplicadas à aprendizagem a distância. As mudanças no processo econômico, na

organização e gestão do trabalho, no acesso ao mercado de trabalho, na cultura,

cada vez mais mediatizada e mundializada, requerem transformações nos

sistemas educacionais. A educação está modificando suas estratégias para

responder às novas demandas, por meio de introdução de novos meios de

acesso ao ensino (BELLONI, 1999).

A Fundação Universidade do Tocantins – UNITINS –, instalada em

Palmas, no Estado do Tocantins, está acompanhando essas mudanças. Em

2004, a instituição foi credenciada para oferecer cursos na modalidade a distância

(EaD) em nível nacional.

Em 2005, passaram a ser oferecidos pelo Sistema EaD-UNITINS os

cursos de Administração, Ciências Contábeis e Normal Superior. No período de

2005/2, foi implantado o curso seqüencial em nível superior de Fundamentos e

Práticas Judiciárias, somente no Estado do Tocantins. Em 2006, foram oferecidos

os cursos de Serviço Social e Pedagogia. Em 2007, iniciaram-se os cursos de

Letras, Matemática e o curso tecnólogo em Análise e Desenvolvimento de

Sistema. Em 2008, estão sendo oferecidas vagas também para os cursos de

Comunicação Social, Pedagogia – Complementação de Estudos – e o curso de

Práticas Jurídicas, em nível nacional.

A UNITINS utiliza três tipos de mídias: material impresso, tele-aula e web-

tutoria. O material impresso, doravante MI, é a base das tele-aulas, que são

apresentadas ao vivo. A partir das tele-aulas, o aluno pode tirar suas dúvidas por

meio da web-tutoria. Este estudo está voltado à análise do material impresso,

uma vez que as outras mídias se baseiam nele.

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Inicialmente, a elaboração do MI contou com a participação dos

professores autores e com revisores textuais. O material impresso do segundo

semestre de 2005 e primeiro semestre de 2006 ficou sob a responsabilidade de

uma equipe multidisciplinar, que reunia docentes das áreas de Pedagogia,

Administração, Ciências Contábeis, os Responsáveis Técnicos por Área (RTA), e

de revisores de Língua Portuguesa. A preocupação com os aspectos

morfossintáticos, semânticos e discursivo-pragmáticos dos cadernos promoveu a

discussão sobre a concepção de linguagem que o Sistema EaD-UNITINS adotava

na construção do material impresso. Na esteira dessa preocupação, surge este

trabalho.

Nos últimos semestres, a produção do MI ficou sob a responsabilidade

dos professores autores, revisto por um pedagogo e um revisor de Língua

Portuguesa. Em 2007, foi produzido um manual que orienta os professores

autores na produção do MI. A partir desse manual, foi elaborada uma ficha de

avaliação, que tem sido utilizada para avaliar o material já elaborado, que é usado

para a refacção dos cadernos para as novas turmas. As alterações na

metodologia da produção do material impresso, a cada semestre, se dão a partir

das pesquisas realizadas e das experiências vivenciadas pelo grupo responsável

pela elaboração do MI.

Pretendo, com esta investigação, caracterizar, a partir de um arcabouço

teórico-metodológico, como a concepção explicitada de linguagem no Sistema

EaD-UNITINS emerge na elaboração e produção de seu material para a interação

com os alunos.

A análise do MI justifica-se pelo seu predomínio em relação às outras

mídias e pelas suas vantagens. Apesar de a evolução tecnológica trazer

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mudanças para a EaD, ainda, como será mostrado nesta pesquisa, são poucas

pessoas que têm acesso à internet. Além disso, o contexto em que o ensino-

aprendizagem ocorre a distância, a não-presencialidade do professor exige da

EaD uma opção por uma linguagem capaz de fazer com que o aluno seja auto-

gestor do conhecimento. O material impresso é o elo de mediação entre o

professor e o aluno. Para que esse elo ocorra, é preciso trabalhar com diferentes

linguagens, desenvolver um trabalho de produção para as novas formas de

ensinar e de aprender.

Motivar a construção de novos conhecimentos, aguçar o interesse e a

curiosidade, estimular o pensamento, seduzir o aluno pela linguagem, por meio de

marcas e pistas lingüísticas, associando os saberes com que está trabalhando a

sua realidade cotidiana são especificidades que fazem da linguagem objeto

próprio de uma concepção sociointeracionistas da linguagem da EaD. Por isso as

características da linguagem que a metodologia revela são relevantes para a

verificação de compatibilidade de objetivos.

Assim busco caracterizar, por meio de marcas lingüísticas e estratégias

discursivas, a concepção de linguagem utilizada no MI da UNITINS. Observo

como está se dando o processo de transformação desse material para a eficácia

do percurso da concepção de linguagem utilizada no material impresso, na

possibilidade de que ele contribua para o desenvolvimento do indivíduo por meio

de um processo sócio-histórico, mediado pelo uso da linguagem e da

aprendizagem nesse desenvolvimento.

Para conhecer, identificar e caracterizar a concepção de linguagem

utilizada nas produções dos cadernos da UNITINS, em uma análise preliminar,

considerei dois requisitos para a escolha do corpus: o material constituir a área

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em que a concepção de interação faz parte da teoria; o material revelar marcas

de interação. A partir disso, selecionei como corpus aulas de Língua Portuguesa

que são comuns a todos os cursos no primeiro semestre. Analiso uma aula do

caderno da primeira versão produzida pelos professores autores e revisada por

docentes da área de Língua Portuguesa. Essa análise é comparada com versões

posteriores do material, em que além do professor autor e do revisor textual, há

auxílio do RTA. E por fim todo esse material é comparado com produções

recentes que foram realizadas após a confecção do manual e da ficha de

avaliação. Ou seja, analiso o material produzido desde 2005/1 até 2008/1.

Meu trabalho direto com o material, que serve de mediador na relação

entre professor e aluno, norteou a seguinte questão: como se constitui o

desenvolvimento do material cotejado com a linguagem explicitada pelos

professores que elaboram o material impresso para as turmas do Sistema EAD-

UNITINS?

Portanto esta pesquisa tem como objetivo geral caracterizar a linguagem

utilizada na elaboração do material em comparação com a abordagem explicitada,

ou seja, verificar em que medida a elaboração do material realiza a concepção

escolhida.

Seus objetivos específicos são:

a) verificar as concepções de linguagem adotadas no material ao longo de

quatro anos;

b) identificar marcas de interação lingüística no material impresso ao longo

de quatro anos;

c) comparar a concepção proposta com a metodologia e os processos de

interação utilizados no material impresso.

15

Em forma de questões de pesquisa, as pistas que utilizo para a

identificação da concepção da linguagem usada no material impresso do Sistema

EaD-UNITINS são as seguintes:

a) como se dá a explicitação das concepções de linguagem adotadas pelos

professores no material impresso?

b) como se dá o diálogo direto com o aluno?

c) como as atividades promovem o objetivo explicitado de autonomia nos

alunos?

d) como o material propicia a pretendida reflexão a partir da teoria?

No capítulo dois, apresento o histórico da Educação a Distância no

mundo e especifico dados históricos brasileiros. Menciono também o crescimento

da Educação a Distância no Brasil e a história da EaD na UNITINS. E, por fim,

mostro as gerações das metodologias pedagógicas utilizadas na EaD e a

realidade atual desses métodos pedagógicos.

No capítulo três, apresento a fundamentação teórica de minha pesquisa.

Para analisar o material impresso produzido para o Sistema EaD-UNITINS,

inicialmente discuto as concepções de linguagem a partir do que é exposto por

Koch (2002), Travaglia (1997). Na seqüência, faço uma exposição sobre o

sociointeracismo de acordo com as perspectivas teóricas de Vigotski (1993; 1996)

e Bakhtin (1997).

No capítulo quatro, exponho as exigências da sociedade contemporâneas

e as mudanças educacionais necessárias para atender às novas demandas. Na

seqüência, discuto os mitos sobre EaD e novas tecnologias a partir de Aparici

(1997).

16

O capítulo cinco tem a finalidade de mostrar as vantagens do material

impresso (MI) para a EaD. Por isso, inicialmente, apresento dados sobre a

utilização do material impresso e o acesso restrito à internet, que reforça essa

importância. Na seqüência, exponho as vantagens e as características do MI.

Também discuto sobre a linguagem do MI e sobre a importância das atividades.

No capítulo seis, abordo os princípios filosóficos e teórico-metodológicos

da UNITINS e as mídias utilizadas no Sistema EaD-UNITINS. Em função da

minha pesquisa, dou ênfase à análise do MI. Apresento a evolução das

produções, o funcionamento do setor que é responsável pela elaboração do MI.

Além disso, exponho as características da estrutura do material impresso da

UNITINS.

No capítulo sete, com base em Sousa (2001, 2006), exponho algumas

estratégias lingüístico-textuais utilizadas como marcas de interação lingüística que

apresentam no MI da UNITINS:

a) aspectos morfossintáticos: vocativo, dêitico “você”, verbos na primeira

pessoa do plural, formas de imperativo, pronomes no possessivo;

b) aspectos discursivo-pragmáticos: perguntas, convites, sugestões e

solicitações, exemplificação, paráfrase, retomada, marcas de

impessoalidade.

A partir dessas marcas, apresento a análise das quatro aulas

selecionadas para a pesquisa. E por fim, apresento a que conclusão cheguei a

partir da pesquisa que realizei do material impresso do Sistema EaD-UNITINS.

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2 HISTÓRICO DA EAD

Neste capítulo, apresento o histórico da Educação a Distância. Inicio

fazendo um recorte na evolução das formas de interação entre os homens. Na

seqüência, exponho a história da EaD no mundo e especifico dados históricos

brasileiros. Menciono também o crescimento da Educação a Distância no Brasil e

a história da EaD na UNITINS. E, por fim, mostro as gerações das metodologias

pedagógicas utilizadas na EaD e a realidade atual desses métodos pedagógicos.

O homem, na sua evolução, foi-se descobrindo e criando novas formas

de interação. Inicialmente foi a linguagem verbal. Depois foi a criação de signos

gráficos que passou a registrar a fala (FIORENTINI; MORAES, 2003). A escrita

representa um marco importante na comunicação. Ela permitiu a criação de uma

rede de comunicação que possibilitou o desenvolvimento significativo da

correspondência, inicialmente na Grécia e, depois, em Roma (MORAES;

SANTOS, 2000).

Mais tarde, ocorreu o advento da imprensa que permitiu a comunicação

entre o autor e o leitor independentemente de tempo e espaço. Favoreceu a

propagação do conhecimento, de idéias, valores, atitudes. Interferiu na

18

organização social, política, econômica, religiosa e escolar (FIORENTINI;

MORAES, 2003).

A evolução continuou com o surgimento das tecnologias sonoras (rádio,

fitas magnéticas, alto-falantes), das audiovisuais (cinema, TV, vídeo), digitais, dos

programas de comunicação assíncrona (e-mails, fóruns de discussão) e de

comunicação sincrônica (bate-papos virtuais, chats, teleconferências,

videoconferências em tempo real). Essas tecnologias romperam com a noção de

tempo e espaço (FIORENTINI; MORAES, 2003) e provocaram grandes mudanças

na humanidade. Entre essas grandes mudanças, está a Educação a Distância.

2.1 HISTÓRICO DA EAD NO MUNDO

Para alguns autores, entre eles Alves (2001), a EaD iniciou no século XV,

na Alemanha, com a invenção da imprensa. Antes a produção de livros era

realizada manualmente e era extremamente cara. Isso dificultava o acesso das

pessoas ao conhecimento.

No final do século XIX, instituições particulares nos Estados Unidos e na

Europa já ofereciam cursos por correspondência para capacitação em diversas

profissões (CORRÊA, 2005).

Em 1880, houve a tentativa de se implantar um curso por

correspondência na Inglaterra, mas o projeto foi rejeitado pelas autoridades. Em

1882, os autores do projeto encontraram espaço na Universidade de Chicago, nos

Estados Unidos, e estabeleceram o primeiro curso universitário de EaD por

correspondência naquela instituição. Em 1906, também nos EUA e por

correspondência, surgiu a primeira escola primária (NISKIER, 1999).

19

No século XX, houve um movimento de expansão da educação à distância.

Aumentou o número de países, de instituições que ofereciam o ensino por

correspondência. Com a evolução das tecnologias, novas metodologias foram

incorporadas, novas perspectivas surgiam para Educação à Distância, não

apenas para cursos de extensão ou preparatórios para exames, como

inicialmente, mas como alternativa para cursos de graduação e de especialização,

como se pode perceber no quadro um, que resume a evolução da EaD no mundo.

Quadro 1 – EVOLUÇÃO DA EAD NO MUNDO 1728 Gazeta de Boston – anúncio: “material para ensino e tutoria por correspondência”. 1829 Suécia – Instituto Liber Hermodes (150.000 usuários) 1840 Reino Unido – Faculdades Sir Isaac Pitman – primeira escola por correspondência

na Europa 1850 Reino Unido – estenografia/correspondência 1856 Alemanha – Instituto Toussaint y Langenscheidt – Berlim – estudos de idiomas em

domicílio 1858 Reino Unido – a Universidade de Londres passa a conceder certificados a alunos

externos que recebem ensino por correspondência. 1873 Estados Unidos – Society to Encourage Study at Home – Boston - estudos em

domicílio 1891 Estados Unidos - Universidade da Pensilvânia – International Correspondence

Institute – curso sobre medidas de segurança no trabalho de mineração - Na Universidade de Wisconsin, os professores do Colégio de Agricultura mantêm correspondência com alunos que não podem abandonar seu trabalho para voltar às aulas no campu. Estados Unidos – criação de Escolas Internacionais por Correspondência

1892 Estados Unidos – Universidade de Chicago – Divisão de Ensino por Correspondência para preparação de docentes no Departamento de Extensão

1894 Reino Unido - Universidade de Oxford – cursos de Wolseuy Hall Berlim - Rutinsches Fernelehrinstitut – organização de cursos por correspondência para obtenção do Abitur (aceitação de matrícula na Universidade)

1898 Suécia – Instituto Hermond – curso de línguas por correspondência 1903 Valência, Espanha - abertura da Escola Livre de Engenheiros

Estados Unidos – criação nas Escolas Calvert de Baltimore de Departamento de Formação em Casa para acolhimento de crianças de escolas primárias que estudam sob a orientação dos pais.

1922 União Soviética – ensino por correspondência (350.000 usuários) 1938 Canadá – fundação do Conselho Internacional para Educação por Correspondência 1939 * França – fundação do Centro Nacional de Educação a Distância – ensino por

correspondência (184 mil alunos) 1946 África do Sul – Unisa – Universidade da África do Sul – primeiros cursos superiores

em Educação a Distância 1948 Noruega – primeira legislação para escolas por correspondência 1963 - Fundação do Conselho para Educação por Correspondência

- Líbano - Beirute – criação do Instituto Pedagógico UNRWA-Unesco 1967 Alemanha – fundação do Instituto Alemão para Estudos a Distância 1968 - Noruega – fundação da Associação Norueguesa de Educação a Distância

(reorganizada em 1984)

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1969 *Reino Unido – fundação da Universidade Aberta (200 mil alunos) 1972 - *Espanha – fundação da Universidade Nacional de Educação a Distância (110 mil

alunos) - *Tailândia – Sukhothai Thamnathirat (300 mil alunos)

1973 *África do Sul – Unisa (130 mil alunos) 1974 - Alemanha – implantação da Fern Universität

- Paquistão – implantação da Universidade Aberta Allama Iqbal - Israel – fundação da Universidade para Todos - Canadá – reconstituição da Universidade de Athabasca

1977 Venezuela – fundação da Universidade Nacional Aberta 1978 - Costa Rica – Universidade Estadual a Distância

- Japão – fundação do Instituto Nacional de Educação por Multimídia - Tailândia – fundação da Universidade Aberta Sukhothai Thammathirat

1979 *China - China TV University System (530 mil alunos) 1982 - Índia – fundação da Universidade Aberta

- *Coréia - Korea National Open University (196 mil alunos) - *Turquia – Anadolu University (567 mil alunos) - Dinamarca – implantação da Universidade Jysk Aabent - Irlanda – implantação do Centro Nacional de Educação a Distância

1983 - Japão – fundação da Universidade do Ar - Suécia – implantação da Associação Sueca de Educação a Distância

1984 - *Indonésia – Universitas Terburka (353 mil alunos) - Itália – fundação do Consórcio para Universidade a Distância - Holanda – implantação da Universidade Aberta

1985 - Fundação da Associação Européia das Escolas por Correspondência (AEEC) - *Índia – implantação da Universidade Nacional Aberta Indira Gandhi (242 mil alunos)

1986 Decisão do Conselho sobre o Programa Comett, da Comunidade Européia 1987 - Decisão do Conselho sobre o Programa Erasmus, da Comunidade Européia

- Resolução do Parlamento Europeu sobre Universidades Abertas na Comunidade Européia - Fundação da Associação Européia de Universidades de Ensino a Distância - França – fundação da Federação Interuniversitária de Ensino a Distância - Bélgica – implantação do Studiecentrum Open Hoger Onderwijs - Fundação da Saturno, Rede Européia de Ensino Aberto

1988 - Portugal – fundação da Universidade Aberta - Decisão do Conselho sobre o Programa Delta, da Comunidade Européia - Fundação da Euro Pace, Programa Europeu para Educação Continuada Avançada

1989 - Lançamento do satélite Olympus pela Agência Espacial Européia - Decisão do Conselho sobre o Programa Língua, da Comunidade Européia

1990 - Decisão do Conselho sobre o Programa Force, da Comunidade Européia - Implantação da Rede Européia de Educação a Distância, baseada na declaração de Budapeste

1991 Relatório da Comissão sobre Educação Aberta e a Distância na Comunidade Européia

(*) Megauniversidades – mais de 100 mil alunos (dados de 1995). Fonte: Corrêa (2005, p. 17-19) (grifos meu). Por meio do quadro, pode-se observar que a EaD iniciou-se ainda no

século XIX com o uso da correspondência impressa. Após a Segunda Guerra

Mundial, a competição entre as duas superpotências, Estados Unidos

(capitalismo) e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (socialismo), deixou a

21

humanidade alerta. Para poderem acompanhar os novos desafios e competir

entre si sem serem dominadas, as nações investiram no sistema educacional. As

universidades começaram a investir em pesquisas e na tecnologia. É nesse

contexto que, a partir dos anos 1970, surgiram, em diversos países, os grandes

sistemas nacionais de educação superior, as chamadas "Mega-Universidades".

França, Espanha e Inglaterra são os principais centros educacionais de

divulgação da EaD, pois desenvolveram modelos de Educação a Distância que

foram adotados por vários países (ALVES, 1998). A Open University, da

Inglaterra, a Universidade Nacional de Educação a Distância, da Espanha, a

Universidade Nacional Aberta, da Venezuela, e a Universidade Estadual a

Distância, da Costa Rica, são consideradas modelos de ensino superior a

distância (CORRÊA, 2005).

Segundo Romiszowski (2004), a EaD ganhou certo grau de respeito e

reconhecimento na educação pública no século XX devido, principalmente, ao

grande sucesso da Universidade Aberta da Inglaterra (Open University - OU). O

autor aponta que a universidade inglesa

[...] abriu sua "porta virtual" para os primeiros alunos em 1970 e já em 1990 era não apenas a maior, mas, em vários aspectos, também a melhor universidade do Reino Unido. Em adição a isso, a OU causou um grande impacto na educação universitária mundo afora, tanto em países desenvolvidos quanto nos em vias de desenvolvimento. Entretanto, a OU não "caiu do céu" com tudo pronto para atuar. Importantes eventos sobre teoria e prática da educação, que tiveram lugar nos anos anteriores, influenciaram a forma que a OU adotou nos seus anos iniciais e que possibilitaram sua efetiva e eficiente operação (ROMISZOWSKI, 2004, s/p).

Com isso, a Open University tornou-se referência para o surgimento de

universidades abertas em vários países.

Muitos países desenvolveram sistemas de EaD para superar as limitações

de atendimento do ensino regular. Dificuldades geográficas, demandas de

22

formação profissional, acesso a uma segunda língua, ampliação do atendimento

de escolarização e qualificação profissional são razões que estimularam o

surgimento da EaD (CORRÊA, 2005). Por exemplo, Canadá, Suécia, Dinamarca,

Noruega, países gelados e com populações espalhadas pelos seus territórios,

solucionaram seus problemas com a implantação da EaD (NISKIER, 1999).

2.2 HISTÓRICO DA EAD NO BRASIL

Como os demais países, o Brasil também vem construindo alternativas

educativas que são capazes de atender a população e a diversidade do país,

desde o início do século XX. Segundo Romiszowski (2004), na década de 1970, o

Brasil ganhou reconhecimento internacional na modalidade EaD, estava entre

os líderes mundiais, junto com Índia, Espanha, Austrália, Canadá e Reino Unido.

O autor menciona que vários projetos brasileiros foram divulgados como modelos

para outros países, por exemplo: o sistema de segundo grau por meio da TVE do

Maranhão; os telecursos supletivos para adultos lançados pelo setor público

(como TVE Amazonas e IRDEB na Bahia) e pelo setor privado com o Telecurso

da Fundação Roberto Marinho; o Projeto Saci. Apesar desse grande sucesso, o

autor acrescenta que

A história da EAD no Brasil foi [...] um tanto complicada. Grandes projetos foram implementados com enorme sucesso e cresceram para atender, com significativo impacto, algumas das grandes áreas de necessidade educacional, para poucos anos depois serem desativados. Outros grandes investimentos foram feitos no planejamento de projetos que nem chegaram a ser implementados. A história da EAD no Brasil é marcada pela síndrome da descontinuidade. A década seguinte - meados de 1980 a meados de 1990 - mostrou uma forte retração no lançamento de novos projetos de EAD e muitos dos projetos previamente estabelecidos desapareceram (inclusive, a maioria dos projetos bem sucedidos, lançados pelo setor público). Agora, no novo milênio, o Brasil está "re-descobrindo" a EAD (ROMISZOWSKI, 2004, s/p) (grifo meu).

23

O autor menciona que a EaD brasileira teve grandes projetos, mas devido

à “descontinuidade” deles, hoje, estamos “re-descobrindo” a educação a

distância, enquanto outros países, como, por exemplo, a Inglaterra, já tem uma

história avançada em EaD.

O quadro dois apresenta como a EaD se desenvolveu no Brasil. São

mencionados os principais projetos desenvolvidos desde o início do século XX e

quando se deu a incorporação da Educação a Distância no ensino superior.

Quadro 2 – EVOLUÇÃO DA EAD NO BRASIL

1904 Promoção de cursos técnicos, por correspondência, por instituições privadas, sem exigência de escolarização anterior.

1934 Instalação da Rádio-Escola Municipal no Rio de Janeiro por um grupo de membros da Academia Brasileira de Ciências, liderado Edgard Roquete Pinto. Movido pela perspectiva de promover o aperfeiçoamento cultural e educacional, o grupo sonhava em erradicar o analfabetismo pelas ondas hertzianas. Alunos tinham acesso prévio a folhetos e esquemas de aulas. Utilizava-se também a correspondência para contato com alunos.

1936 Doação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, pioneira na radiodifusão no Brasil, ao Ministério da Educação e Saúde.

1937 Criação do Serviço de Radiodifusão Educativa do Ministério da Educação. 1939 Utilização de cursos por correspondência pela Marinha e Exército para preparar

oficiais para admissão à Escola de Comando do Estado Maior. 1941 Fundação do Instituto Universal Brasileiro (considerado como uma entidade de

ensino livre e um dos primeiros em nosso país). Promovia-se a formação profissional de nível elementar e médio por meio do correio e material impresso.

1959 Surgimento do Movimento de Educação de Base (MEB), que, por meio da Igreja Católica e Governo Federal, utilizava o sistema radioeducativo para a fomentação de educação, conscientização, politização, educação sindicalista. Visava à educação política, o que chamamos hoje educação para a cidadania.

1965 Sistematização pelo Governo Federal das teleaulas, que eram emitidas em dia e hora previamente estabelecidos por circuito aberto, por meio de receptor comum.

1969 Criação do Centro Educativo do Maranhão (CEMA) para promoção de cursos de 5ª. série e 8ª. série, com material televisivo, impresso e monitores. Essa criação se deu a partir de um diagnóstico que revelou o estado de carência da educação.

1970 Surgimento do Projeto Minerva que oferecia supletivo de primeiro e segundo graus por meio de programação radiofônica Serviço de Radiodifusão Educativa do Ministério da Educação e Cultura. O projeto atendia a portaria interministerial de n. 408/70, que determinava a transmissão de programação educativa em caráter obrigatório, por todas as emissoras de rádio do país. Atendia também a Lei n. 5.692/71, que dava ênfase à educação de adultos.

1972 Criação do Programa Nacional de Teleducação (PRONTEL), que tinha o objetivo de integrar as atividades didáticas e educativas por meio do rádio, da TV e de outros meios de forma articulada com a Política Nacional de Educação, em âmbito nacional.

De 1966 a 1974

Instalação de emissoras de televisão educativa: a TV Universitária de Pernambuco; a TV Educativa do Rio de Janeiro; a TV Cultura de São Paulo; a TV Educativa do Amazonas; a TV Universitária do Rio Grande do Norte; a TV Educativa do Espírito Santo; a TV Educativa do Rio Grande do Sul.

24

1977 Criação da Fundação Roberto Marinho, que passou a oferecer educação supletiva a distância para 1º e 2º graus. Os cursos eram/são transmitidos em canal aberto com apoio de material impresso.

1978 Lançamento do Telecurso de 2º Grau em que a Fundação Padre Anchieta de São Paulo (TV Cultura) alia-se à Fundação Roberto Marinho. O projeto combina programas de TV com fascículos impressos que se vendem nas bancas de jornais.

1979 - Atuação do Colégio Anglo Americano (RJ) em 28 países, com cursos de correspondência para brasileiros, em nível de 1º. e 2º. graus. - Promoção de cursos veiculados por jornais e revistas pela Universidade de Brasília (UnB).

1989 Transformação da UnB no Centro de Educação a Distância (CEAD) e lançamento do Brasil EaD.

1991 Início do programa Um Salto para o Futuro, em fase experimental, com o "Jornal da Educação - Edição do Professor", concebido e produzido pela Fundação Roquette-Pinto. Tem como objetivo a formação continuada de professores do ensino fundamental.

1992 - Início pela UFMT/FAE/NEAD do programa em nível de licenciatura em educação para o exercício do magistério no ensino fundamental. - Promoção do Projeto Acesso da Petrobras suplementação de 1º. e 2º. graus no próprio ambiente de trabalho. - Criação da Universidade Aberta de Brasília.

1993 - Promoção pelo Senai/RJ – centro de EaD – de cursos de noções básicas em Qualidade Total. Elaboração de material didático impresso (16 mil alunos), cursos a distância para empresas na Argentina e Venezuela.

1994 Início da pesquisa e da oferta de cursos superiores a distância e ao uso de novas tecnologias pelas universidades brasileiras.

1995 - Criação da Secretaria de Educação a Distância (SEED) com a finalidade de cumprir a política do MEC de investir com mais vigor na educação à distância e na tecnologia como estratégia para elevar a qualidade do ensino público no Brasil. - Incorporação do programa Um Salto para o Futuro à grade da TV Escola (canal educativo da Secretaria de Educação a Distância do Ministério da Educação), ocupando uma das faixas da programação do canal. - Implantação do Laboratório de ensino a distância do programa de pós-graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

1996 - Implantação do Projeto de Educação Continuada e a Distância em Medicina e saúde, DIM/LAMPADA, Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) com home page. - Implantação na UFSC da Educação a Distância Mediada por computador. - Implantação de um programa de pós-graduação em Engenharia de Produção (mestrado e doutorado) envolvendo uma rede estadual de oito universidades oficiais e privadas, além de diversas empresas de porte tecnológico significativo. - Regulamentação da EaD como modalidade válida e equivalente para todos os níveis de ensino por meio da lei n. 9.394, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. - Criação do Programa TV Escola pela Secretaria de Educação a Distância e pelo Ministério da Educação. Tem objetivo de promover mudanças significativas nos métodos e técnicas de ensino para preparar os cidadãos para a autonomia, decisão, criatividade e para a responsabilidade coletiva e política.

1997 - Transmissão do canal Futura, resultado de parceria da iniciativa privada, entretanto com caráter público, com uma proposta de utilização e implementação pedagógica. Além do canal, outras mídias fazem parte do projeto: o telefone, o material impresso, a caixa postal, o site na internet e a revista. - Implantação do Mestrado Tecnológico em Logística para a Petrobras (Rio, Macaé, Salvador, Belém e Natal), ministrado por meio do Laboratório de Ensino a Distância, do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da UFSC.

1998 - Capacitação de professores para atuar em EaD na UNIVIR-CO (Rede Universidade Virtual do Centro-Oeste). - Regulamentação do Art. 80 da lei n. 9.394, estabelecendo as normas e regras da EaD no Brasil.

25

2000 - CEDERJ – Consórcio que reúne universidades estaduais e federais. Instalação de unidades de apoio e de infra-estrutura adequada de tutoria e equipamentos para o oferecimento de cursos e programas na área de licenciatura em Pedagogia, Ciências Biológicas, Matemática, Física.

2001 - Regulamentação de oferta de disciplinas não presenciais em cursos presenciais oferecidos em Instituições de Ensino Superior por meio da Portaria MEC n. 2.253. RICESU – Rede de Instituições Católicas de Ensino Superior (CVA – RICESU) que pretende organizar e implementar produtos em EaD, com foco na interação entre os agentes de aprendizagem e em busca de inovação educacional.

2005 Criação da Universidade Aberta do Brasil - instituições públicas de ensino superior levam ensino superior público aos municípios brasileiros que não têm oferta ou cursos ofertados não são suficientes para atender todos os cidadãos.

Fonte: Dados de Alves (2001); Corrêa (2005); Pereira (2005); MEC. Ao analisar o quadro, verificamos que, como na maioria dos países que

tiveram experiência em EaD, a primeira forma de Educação a Distância no Brasil

foram os cursos por correspondência. Esses cursos surgiram no início do século

XX. Em 1923, surgiu o rádio educativo. A televisão educativa (TVE) apareceu na

década de 1960. Muitos projetos de TVE foram lançados nas décadas de 1960 e

1970, a maioria deles nas áreas de formação de professores e cursos supletivos,

que tinham como objetivo oferecer uma segunda oportunidade para os brasileiros

completarem seus estudos básicos.

Romiszowski (2004) chama a atenção para a falta de grandes iniciativas

de implementação de EAD no ensino superior na "era de ouro" da EAD no Brasil.

O autor questiona esse fato quando observa que

Este é um fenômeno até certo ponto estranho porque no mesmo período no mundo afora, a EAD floresceu e cresceu forte, exatamente no ensino superior no setor público. Foi a época de lançamento da maioria das famosas "Mega-Universidades", em países tão diversos como Inglaterra, Índia, Indonésia, Espanha, Portugal e Venezuela (ROMISZOWSKI, 2004, s/p).

Na década de 1990, ocorreu a expansão da internet, que chegou ao

ambiente universitário. A regulamentação de cursos universitários a distância deu-

se somente em 1996. A partir disso, cursos de graduação a distância passaram a

ser oferecidos por várias instituições.

26

Essa oferta tem aumentado também com a criação, em 2005, da

Universidade Aberta do Brasil, que é um projeto do Ministério da Educação para

articular e integrar, experimentalmente, um sistema nacional de educação

superior. Esse sistema funciona por meio de instituições públicas de ensino

superior, que devem ofertar cursos e programas de educação superior a distância

em articulação com pólos de apoio presencial para Educação a Distância, dos

municípios brasileiros que não têm oferta de cursos superiores ou cujos cursos

ofertados não são suficientes para atender a todos os cidadãos. Para isso, as

instituições apresentam propostas de cursos a distância, que são avaliadas pelo

MEC (MEC, 2007).

O decreto n. 5.800 (2006, p. 1) expõe que são objetivos do Sistema

Universidade Aberta do Brasil (UAB):

I - oferecer, prioritariamente, cursos de licenciatura e de formação inicial e continuada de professores da educação básica; II - oferecer cursos superiores para capacitação de dirigentes, gestores e trabalhadores em educação básica dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; III - oferecer cursos superiores nas diferentes áreas do conhecimento; IV - ampliar o acesso à educação superior pública; V - reduzir as desigualdades de oferta de ensino superior entre as diferentes regiões do País; VI - estabelecer amplo sistema nacional de educação superior a distância; e VII - fomentar o desenvolvimento institucional para a modalidade de educação a distância, bem como a pesquisa em metodologias inovadoras de ensino superior apoiadas em tecnologias de informação e comunicação.

Portanto a UAB objetiva promover a formação continuada dos professores,

a capacitação de profissionais, ampliação da educação superior pública,

promoção do desenvolvimento da EaD.

2.2.1 Crescimento da EaD no Brasil

27

Apesar da descontinuidade da EaD no Brasil, a EaD, nos últimos anos, tem

crescido bastante, como podemos verificar no quadro a seguir.

Quadro 3 – CRESCIMENTO DA EAD NO BRASIL 2004 2005 2006 Brasileiros que estudaram por EaD em cursos oficialmente credenciados ou em grandes projetos nacionais públicos e privados.

1.137.908 1.278.022 2.279.000

Número de instituições de ensino superior autorizadas ou com cursos credenciados

166 217 225

Número de alunos nas instituições na modalidade EaD

309.957 504.204 778.458

Novos cursos a distância 56 321 *1 Fonte: Dados publicados pela ABED. Podemos verificar, pelos números apontados na tabela, que, de 2005

para 2006, o número de brasileiros que estudavam na modalidade EaD

praticamente dobrou, como também, de 2004 para 2006, o número de alunos nas

instituições na modalidade EaD. E o que se destaca, de 2004 para 2005, é a

quantidade de cursos que cresceu quase 500%.

Examinando inicialmente a EaD no mundo, depois no Brasil e por fim seu

crescimento em nosso país, vê-se que há mais de um século a EaD tem

contribuído para levar educação às pessoas que, por alguma dificuldade, não têm

acesso à educação regular. Por meio da evolução das tecnologias, a EaD se

consolidou como uma alternativa pedagógica e hoje ganha mais respeito.

2.3 HISTÓRICO DA EAD NA UNITINS2

A UNITINS foi criada em fevereiro de 1990. Para atender um número

maior da população, estabeleceu em seu sistema multicampi Centros

Universitários distribuídos no Estado. 1 Dado ainda não disponibilizado virtualmente pela ABED. 2 O histórico exposto sobre a UNITINS baseia-se no PDI da instituição.

28

Em 2000, com a transferência de parte do seu patrimônio à Universidade

Federal do Tocantins – UFT –, além de seus alunos e cursos regulares, a

UNITINS assumiu uma nova realidade acadêmica e física. Para tanto, incluiu nos

objetivos da instituição outras modalidades de cursos superiores, retirou da sua

estrutura os campi universitários e as escolas isoladas; incumbiu-se da

Coordenação Estadual da Pesquisa Agropecuária.

Em 2001, a instituição iniciou o projeto experimental do Curso Normal

Superior Telepresencial. Por meio dessa modalidade de ensino, pioneira no país,

com a transmissão das tele-aulas para oitenta e cinco municípios tocantinenses,

mais de oito mil alunos foram atendidos e graduados.

Em 2004, a UNITINS foi autorizada pelo MEC para funcionar na

modalidade a distância em nível nacional.

Em 2005, foram implantados os cursos de Normal Superior,

Administração e Ciências Contábeis em 17 Estados e no Distrito Federal. No

período de 2005/2, foi implantado o curso seqüencial de Fundamentos e Práticas

Judiciárias, somente no Estado do Tocantins, a fim de qualificar os serventuários

da Justiça.

Em 2006, foram ofertadas mais vagas para os cursos de Administração e

Ciências Contábeis e implantados dois novos cursos, Pedagogia e Serviço Social

em todos os estados brasileiros e no Distrito Federal.

Em 2007, implantaram-se os cursos de Letras, Matemática, o curso

tecnólogo em Análise e Desenvolvimento de Sistemas e ofereceu-se novo

processo seletivo para o curso de Pedagogia, Ciências Contábeis, Administração

e Serviço Social. No segundo semestre, a UNITINS voltou a oferecer cursos

presencias de graduação. Iniciou cursos tecnológicos na área de mineração e

29

sistemas de informação. Em 2007, a UNITINS esteve presente em 1549

municípios, dando formação superior a 101.832 alunos.

Em 2008, a UNITINS abriu vagas para o curso tecnólogo de Práticas

Jurídicas (agora em nível nacional), Comunicação Social, Pedagogia –

Complementação de Estudos – e outras vagas para os cursos que já vem

oferecendo.

2.4 EAD: EVOLUÇÃO DOS MÉTODOS PEDAGÓGICOS

No final da década de 1980, Nipper (1989) identificava três gerações dos

métodos pedagógicos utilizados pela EaD. A seguir apresentamos o quadro

quatro, no qual se pode visualizá-las.

Quadro 4 – EVOLUÇÃO DOS MÉTODOS PEDAGÓGICOS EM EAD

Aspectos 1ª geração 2ª geração 3ª geração Marco Advento da

imprensa. Difusão do rádio

e TV. Difusão dos

computadores e telecomunicações.

Objetivos pedagógicos

Atingir alunos desfavorecidos.

Atingir alunos desfavorecidos.

Proporcionar educação

permanente e ocupacional.

Métodos pedagógicos

Guias de aluno, auto-avaliação,

instrução programada por meio de material

impresso.

Programas teletransmitidos,

pacotes didáticos, mediação passiva.

Modularização das temáticas,

desenhos didáticos a partir

das carências formativas.

Meios de comunicação

Correio Rádio, TV e materiais

audiovisuais

Ciberespaço, satélite,

videoconferência Tutoria Atendimento

com deslocamento.

Atendimento por meio eletrônicos.

Atendimento por meio eletrônicos.

Interatividade Aluno/ material didático.

Aluno/ material didático.

Aluno/ material didático/ colegas/ tutores/

sistema educativo. Fonte: Corrêa (2005, p. 25).

30

Pelo quadro, percebemos que a primeira geração da EaD resumia-se no

ensino baseado no material impresso, que era enviado aos alunos pelo correio.

A segunda geração inicia-se com a utilização do rádio, que invade também

o ensino formal. Esse meio de comunicação alcançou muito sucesso em

experiências nacionais e internacionais. Foi bastante utilizado na América Latina

nos programas de Educação a Distância do Brasil, Colômbia, México, Venezuela,

entre outros. A partir das décadas de 60 e 70, a Educação a Distância passa a

articular os materiais escritos com o uso do áudio e do videocassete, das

transmissões de rádio e televisão, o videotexto, atingindo um maior número de

alunos. Os alunos precisavam se ajustar aos horários e às atividades

preestabelecidos pelas instituições (CORRÊA, 2005).

Na terceira geração, o uso do computador pessoal e da internet viabiliza o

tipo de interação social entre alunos e professores que supera a "distância social",

bem como a "distância geográfica". As pessoas podem obter informações em

espaços e tempos diferenciados.

Taylor (2001) acrescenta duas novas gerações, que são um

desdobramento da terceira geração de Nipper, em função do rápido

desenvolvimento das tecnologias da informação e do seu uso em novos modelos

de aprendizagem particularmente dos recursos da internet, que, em apenas uma

década, possibilitou a criação de modelos de aprendizagem inovadores.

Na quarta geração, a aprendizagem baseia-se em atividades educativas

on-line, por meio de um processo interativo, colaborativo e não linear. A

navegação pela internet é a ferramenta básica para o estudo interativo. A quinta

geração, em fase experimental, busca aproveitar o essencial da Internet e da

Web, para incluí-la em uma estrutura conceitual significativa, que se consolida no

31

modelo, ao qual o autor denomina, de aprendizagem flexível inteligente. Como o

da quarta geração, esse modelo utiliza o computador para mediar a comunicação

e, diferentemente do anterior, possibilita maior economia de escala na

administração do ensino e suporte acadêmico por meio de um sistema de

respostas automatizadas (PEREIRA, 2003). O quadro cinco resume as principais

características dos modelos apresentados por Taylor.

Quadro 5 - MODELOS DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA – ESTRUTURA CONCEITUAL

Modelos de Educação a Distância e Tecnologias de Distribuição Associadas

Características das Tecnologias de Distribuição

Flexibilidade Materiais altamente refinados

Distribuição interativa avançada

Custos institucionais variáveis zero

Tempo Local Ritmo

1ª Geração Modelos por Correspondência · Impresso

Sim

Sim

Sim

Sim

Não

Não

2ª Geração Modelo Multimídia · Impresso · Áudio · Vídeo · Computador baseado no ensino (CML/CAL/IMM) · Vídeo interativo

Sim Sim Sim Sim Sim

Sim Sim Sim Sim Sim

Sim Sim Sim Sim Sim

Sim Sim Sim Sim Sim

Não Não Não Sim Sim

Não Não Não Não Não

3ª Geração Modelo de aprendizagem por conferência · Áudio-teleconferência · Videoconferência · Comunicação áudio gráfica · TV/Rádio e áudio-conferência

Não Não Não Não

Não Não Não Não

Não Não Não Não

Não Não Sim Sim

Sim Sim Sim Sim

Não Não Não Não

4ª Geração Modelo de aprendizagem flexível · Multimídia interativa (MM) on-line · Internet baseada no acesso ao recurso WWW · Comunicação mediada por computador

Sim Sim Sim

Sim Sim Sim

Sim Sim Sim

Sim Sim Sim

Sim Sim Sim

Sim Sim Não

5ª Geração Modelo de aprendizagem flexível inteligente · Multimídia interativa on-line · Internet – recursos WWW · Computador usando sistema de respostas automáticas · Acesso ao portal do campus para processos e recursos

Sim Sim Sim Sim

Sim Sim Sim Sim

Sim Sim Sim Sim

Sim Sim Sim Sim

Sim Sim Sim Sim

Sim Sim Sim Sim

Fonte: Taylor (apud PEREIRA, 2003, s/p).

32

2.4.1 EaD hoje

Atualmente as instituições de EaD fazem a convergência entre material

impresso, audiovisual e informatizado.

Segundo o Anuário Brasileiro Estatístico de Educação Aberta e a

Distância (ABRAEAD, 2006), o material impresso é utilizado por 84,7% das

instituições. O apoio ao aluno à distância se dá principalmente com o uso de

tecnologias mais recentes (61,2%) e o CD-ROM (42,9%).

Nele também se menciona que a prova escrita presencial é a forma de

avaliação utilizada por 64,3% das instituições de EaD. O e-mail é o apoio tutorial

usado por 86,75% dessas instituições, seguido pelo telefone (82,7%), professor

on-line (78,6%) e o professor presencial (70,4%).

Portanto, percebe-se que cada vez mais o material deve ser interativo e

proporcionar ao aluno autonomia de trabalho e construção do conhecimento. Para

isso, torna-se relevante a concepção de linguagem que sustenta a interação

professor-aluno no material produzido.

33

3 REFLEXÕES SOBRE CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E

SOCIOINTERACISNISMO

Neste capítulo, apresento a fundamentação teórica de minha pesquisa.

Para analisar o material impresso produzido para o Sistema EaD-UNITINS,

inicialmente discuto as concepções de linguagem a partir do que é exposto por

Koch (2002), Travaglia (1997). Na seqüência, faço uma exposição sobre o

sociointeracismo de acordo com as perspectivas teóricas de Vigotski (1993; 1996)

e Bakhtin (1997).

3.1 CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM

Na evolução dos estudos lingüísticos, podemos agrupar as concepções

em três modos distintos de se analisar a linguagem: a linguagem é a expressão

do pensamento, a linguagem é o instrumento de comunicação; a linguagem é um

processo de interação.

34

3.1.1 Linguagem como expressão do pensamento

Para a primeira concepção, a linguagem verbal tem a função de

exteriorizar o pensamento de forma articulada e organizada. Em relação a essa

concepção, Travaglia (1997, p. 21) expõe que

A expressão se constrói no interior da mente, sendo sua exteriorização apenas uma tradução. A enunciação é um ato monológico, individual, que não é afetado pelo outro nem pelas circunstâncias que constituem a situação social em que a enunciação acontece.

Portanto a linguagem é vista como um ato de criação individual, centrada

na capacidade mental do indivíduo. Koch (2002, p. 13-16) acrescenta que essa

vertente

[...] corresponde a de sujeito psicológico, individual, dono de sua vontade e de suas ações [...] [por isso] o texto é visto como um produto – lógico – do pensamento [...] do autor, nada mais cabendo ao leitor/ouvinte senão “captar” essa representação mental, juntamente com as intenções (psicológicas) do produtor, exercendo, pois, um papel essencialmente passivo.

Assim essa concepção ilustra, basicamente, os estudos tradicionais

sobre linguagem. Com ela, a relação professor/aluno é unilateral:

pergunta/resposta. O discurso do professor é pré-elaborado. Todas as falas são

programadas. O foco do ensino de língua portuguesa é a estrutura lingüística

como se apresenta nos livros e nas gramáticas.

3.1.2 Linguagem como instrumento de comunicação

Nessa concepção, a língua é um sistema organizado de signos que serve

como meio de comunicação entre os indivíduos. Os estudos da linguagem, nessa

vertente, ficam restritos ao processo interno de organização do código. Enfatiza-

se a análise da forma enquanto meio de organização de mensagens; valoriza-se

35

o aspecto material da língua e as relações que constituem o seu sistema total, em

detrimento do uso dialógico, da significação e dos elementos extralingüísticos.

Travaglia (1997) expõe a conseqüência disso. Ele aponta que

Essa concepção levou ao estudo da língua enquanto código virtual, isolado de sua utilização - na fala (cf. Saussure) ou no desempenho (cf. Chomsky). Isso fez com que a Lingüística não considerasse os interlocutores e a situação de uso como determinantes das unidades e regras que constituem a língua, isto é, afastou o indivíduo falante do processo de produção, do que é social e histórico na língua. Essa é uma visão monológica e imanente da língua, que a estuda segundo uma perspectiva formalista - que limita esse estudo ao funcionamento interno da língua - e que separa o homem no seu contexto social (TRAVAGLIA, 1997, p. 22).

O autor mostra que a concepção da linguagem como instrumento de

comunicação não considera o uso concreto da língua. Com isso, não examina o

interlocutor e os fatores que interferem no processo de produção da fala.

Koch (2002, p. 14-16) registra que a noção de sujeito, nessa concepção

de linguagem,

[...] corresponde a de sujeito determinado, assujeitado pelo sistema, caracterizado por uma espécie de “não-consciência” [...] o texto é visto como simples produto da codificação de um emissor a ser decodificado pelo leitor/ouvinte, bastando a este, para tanto, o conhecimento do código, já que o texto, uma vez codificado, é totalmente explícito.

A autora expõe que, na concepção da linguagem como instrumento de

comunicação, o papel do sujeito é apenas codificar os textos. Conseqüentemente,

o aluno também assume um papel passivo, uma vez que a informação deve ser

recebida tal qual havia na mente do professor. A preocupação fundamental nesse

tipo de ensino é a transmissão de conhecimentos.

3.1.3 Linguagem como forma ou processo de interação

Diferentemente das anteriores, essa concepção mostra a linguagem

como instrumento de interação humana, como o lugar de constituição de relações

36

sociais. Travaglia (1997, p. 23) reforça essa idéia quando assevera que, “nessa

concepção, o que o indivíduo faz ao usar a língua não é tão-somente traduzir e

exteriorizar um pensamento ou transmitir informações a outrem, mas sim realizar

ações, agir, atuar sobre o interlocutor (ouvinte/leitor)”. Ela contrapõe-se às visões

tradicionais da língua, que a tem como um objeto autônomo, sem história e sem

interferência do social. Nela a linguagem é vista como instrumento de interação

social e formadora de conhecimento.

Koch (2002, p. 15) expõe que, na concepção interativa,

[...] os sujeitos são vistos como atores/construtores sociais. [...] (re)produzem o social na medida em que participam da definição da situação na qual se acham engajados, e que são atores na atualização das imagens e das representações sem as quais a comunicação não poderia existir.

Nessa concepção, diferentemente das outras, os sujeitos são essenciais

para a existência da comunicação. Eles são os “atores/construtores” que

reproduzem e atualizam as representações sociais. Partindo dessa visão, a

autora, quando se refere à concepção de texto e de seu sentido, explica que

[...] o texto passa a ser considerado o próprio lugar de interação [...] a compreensão deixa de ser entendida como simples “captação” de uma representação mental ou como a decodificação de mensagem resultante de uma codificação de um emissor. Ela é, isto sim, uma atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos, que se realiza, evidentemente, com base nos elementos lingüísticos presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas que requer a mobilização de um vasto conjunto de saberes (enciclopédia) e sua reconstrução deste no interior do evento comunicativo (KOCH, 2002, p. 15).

É por meio de textos que o homem interage com o outro. Com isso, o

texto deixa ser visto como uma mera representação mental ou decodificação de

mensagem. O sujeito mobiliza os seus conhecimentos prévios na produção de

sentidos do evento comunicativo. Portanto essa concepção supera a concepção

da linguagem como sistema preestabelecido, estático, centrado no código.

37

Trabalhar com a linguagem como processo de interação exige redefinição de

papéis do professor e do aluno. O docente não pode ser visto como o agente

exclusivo da informação e formação dos alunos, ele deve atuar como mediador.

Seu papel é polemizar, ouvir as diversas vozes, desafiar os alunos a serem

agentes do saber.

3.2 SOCIOINTERACIONISMO

Para superar as limitações e o reducionismo das duas primeiras

concepções de a linguagem, os estudiosos que adotam abordagens

sociointeracionistas defendem a teoria de que a cognição é construída a partir de

processos de interação social que se estabelecem entre os sujeitos. Discuto essa

visão a partir das perspectivas teóricas Vigotski (1993; 1996) e de Bakhtin (1997).

Esses dois pensadores russos contribuíram para o desenvolvimento de uma nova

forma de se entender o processo de ensino e aprendizagem.

Para os dois teóricos, a linguagem tem papel central, é o meio pelo qual o

homem se constrói enquanto sujeito, organiza sua vida mental, constrói sua

realidade, situando-se e sendo situado sócio e historicamente. Por isso, para eles,

a palavra tem enorme valor, é por meio dela que é estabelecida a interação

social. A consciência e o pensamento são construídos a partir das palavras e

idéias que se formulam nas interações.

Bakhtin faz críticas aos sistemas filosófico-lingüísticos do subjetivismo-

idealista (língua analisada como criação individual) e ao objetivismo-abstrato

(língua vista como um sistema imutável). Vigotski, por sua vez, opõe-se aos

behavioristas, que se fundamentam na teoria de que o homem é o reflexo do

38

meio, e aos racionalistas, que consideram que o sujeito se constitui a partir de

fenômenos internos. Ramos (2007, p. 66) menciona que os dois teóricos se

opuseram “[...] à concepção de linguagem como algo meramente instrumental;

perceberam-na como processo e produção”. Portanto, para Bakhtin e Vigotski, a

realidade humana passa a ser conhecida a partir da análise da linguagem.

3.2.1 Vigotski

Um dos pontos fundamentais da teoria de Vigotski (1996) é de que a

educação tem sua origem na sociedade e na cultura, sendo mediada pela

linguagem. Ele vê a linguagem como mediadora entre o individual e o social. Por

isso considera que os signos têm um papel fundamental na construção do

conhecimento. Expõe que

[...] todas as funções no desenvolvimento [do sujeito] aparecem duas vezes: no nível social, e depois, no nível individual; primeiro, entre pessoas (interpsicológica), e, depois, no interior (intrapsicológica) (VIGOTSKI, 1996, p. 75).

O aluno, enquanto sujeito, constrói o seu conhecimento por meio das

interações. Assim, para o teórico russo, a construção do significado e do

conhecimento se dá por meio de um processo social, ou seja, por meio de

diálogo os indivíduos criam um conhecimento comum. É por meio de suas

relações com os outros que o sujeito constrói seus significados de mundo, sua

visão de si mesmo e de tudo que o cerca.

O processo de transformação de uma atividade externa para uma

atividade interna e de um processo interpessoal para um processo

intrapessoal constitui no que Vigotski (1996) chamou de internalização. Para ele,

todo esse processo “implica uma reorganização das atividades psicológicas que

só se torna viável porque emerge de um terreno social, de uma interação com os

39

outros por meio da linguagem” (FREITAS, 2005, p. 306). A aprendizagem

humana, para ele, é de natureza social. Portanto para que ela ocorra, exige-se

emprego de signos, instrumentos de interação e a presença dos outros, que é

imprescindível.

Outro aspecto importante da teoria do autor russo é o conceito de zona

de desenvolvimento proximal ou potencial (ZDP). O conceito diz respeito a

distância entre a aptidão da criança para realizar determinadas funções de forma

autônoma por meio do conhecimento já adquirido ou formado (denominado pelo

autor de desenvolvimento real) e a necessidade que ela tem da colaboração de

outros para realizar funções, a capacidade de aprender com outra pessoa

(denominada de desenvolvimento potencial). A partir dessa concepção, o

professor faz o papel de mediador da construção do conhecimento do aluno, ou

seja, “direciona o aluno a construir conhecimentos dos quais ainda não se

apropriou” (SOUSA, 2006, p. 65). Essa é, portanto, uma dimensão dialógica do

processo de construção do conhecimento na qual se encontra implícita a idéia de

interlocução de Bakhtin. Na visão de Vigotski e Bakhtin, o aluno não é um ser

passivo e receptivo, mas um sujeito que age, que se faz ouvir, se recria a partir de

outras vozes (FREITAS, 2005).

3.2.2 Bakhtin

A concepção de linguagem como interação e a noção de dialogicidade

marcam seu início com o pensador russo Mikhail Bakhtin. Bakhtin (1997, p. 109)

afirma que a verdadeira substância da língua “[...] não é constituída por um

sistema abstrato de formas lingüísticas [...] mas pelo fenômeno social da

40

interação verbal, realizada através da enunciação e das enunciações”. A

categoria básica da concepção de linguagem, no pensador russo, é a interação

verbal, cuja realidade fundamental é o seu caráter dialógico.

Assim a enunciação deve ser compreendida como uma réplica do

diálogo social, ser a unidade base da língua. Ela é de natureza social, portanto,

ideológica, não existindo fora do contexto social. É o produto da interação de

indivíduos socialmente organizados. Bakhtin (1997, p. 113) acrescenta que a

linguagem verbal exerce uma função fundamental pelo fato de que “[...] toda

palavra comporta duas faces. Ela é determinada, tanto pelo fato de que procede

de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente

o produto da interação do locutor e do ouvinte”. Com isso, o sujeito não é o centro

da interação, a palavra não é dele, mas ela traz em si a perspectiva de outra voz.

Ele afirma que a linguagem não é o sistema abstrato das formas

lingüísticas porque

Os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; eles penetram na corrente da comunicação verbal; ou melhor, somente quando mergulham nessa corrente é que sua consciência desperta e começa a operar. [...] Os sujeitos não adquirem sua língua materna: é nela e por meio dela que ocorre o primeiro despertar da consciência (BAKHTIN, 1997, p.108).

O autor concebe a linguagem como a base do processo de constituição

da consciência, “[...] é a expressão que organiza a atividade mental, que a modela

e determina a sua orientação” (idem, p. 112).

Bakhtin (idem, p. 124) expõe que “a língua vive e evolui historicamente na

comunicação verbal concreta, não no sistema lingüístico abstrato das formas da

língua nem no psiquismo individual dos falantes”. O autor acrescenta que ela

constitui um processo de evolução ininterrupto, que se realiza através da interação verbal social dos locutores. [E a enunciação, que é o produto dessa interação, tem] uma estrutura puramente social, dada pela

41

situação histórica mais imediata em que se encontram os interlocutores (idem, p. 127).

A partir do que foi visto aqui, percebe-se que, se há a opção pelo

sociointeracionismo, a linguagem utilizada no material para EaD não pode ser

concebida como mero instrumento de informação, mas como caminho privilegiado

de interação. Não se trata mais de apenas transmitir, mas de construir ou

reconstruir o conhecimento; não se trata mais de pôr no centro o professor e, sim,

o aluno na interação lingüística, para atender, assim, as demandas da sociedade

contemporânea.

42

4 EAD: REALIDADE, MITOS E DESAFIOS

Neste capítulo, exponho as exigências da sociedade contemporâneas e

as mudanças educacionais necessárias para atender às novas demandas. Na

seqüência, discuto os mitos sobre EaD e novas tecnologias a partir de Aparici

(1997).

4.1 SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: MUDANÇAS EDUCACIONAIS

As mudanças nas relações sociais na sociedade contemporânea exigem

que as pessoas desenvolvam uma série de capacidades novas: autogestão,

resolução de problemas, adaptabilidade e flexibilidade diante de novas tarefas,

assunção de responsabilidades, autonomia na aprendizagem e trabalho constante

em grupo, de modo cooperativo e pouco hierarquizado.

Conseqüentemente, essas demandas exigem mudanças nos sistemas

educacionais que precisam se adaptar às exigências do mundo atual. Com isso,

os desafios são enormes para a educação: reformulação radical dos currículos e

43

dos métodos de ensino; destaque para a aquisição de habilidades de

aprendizagem e a interdisciplinaridade; promoção de formação ao longo da vida;

aumento da oferta de oportunidades de acesso. e ao mesmo tempo,

diversificação dessa oferta para adaptação às novas demandas (BELLONI, 1999).

No Relatório para UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação

para o Século XXI, Delors (apud BEHERENS, 2004) propõe quatro pilares para a

aprendizagem ao longo da vida.

a) Aprender a conhecer: o indivíduo precisa compreender o mundo que o

rodeia; dispor de uma cultura geral vasta e capacidade de trabalhar em

profundidade determinados assuntos; exercitar a atenção, a memória. Para

isso, a escola precisa estimular o aluno a se tornar curioso, investigador,

construtor e reconstrutor do conhecimento.

b) Aprender a fazer: desenvolver aptidões que levem a pessoa atuar na

profissão com mais competência e habilidade; tornar-se apta a enfrentar

numerosas situações e trabalhar em equipe. A escola precisa aliar o

aprender a conhecer e o aprender a fazer. Ela deve oferecer situações que

levem o aluno a acessar os conhecimentos e aplicá-los como se estivesse

atuando como profissional (BEHERENS, 2004).

c) Aprender a viver juntos: compreender o outro; respeitar as

individualidades; realizar projetos comuns e preparar-se para administrar

conflitos; conviver harmoniosamente com todos os seres vivos. Para que

ocorra essa aprendizagem, a escola precisa rever a prática pedagógica

que incentiva o trabalho individual, competitivo e mecanicista. Precisa criar

problematizações para que o aluno aprenda a administrar conflitos,

44

respeitar opiniões divergentes, saber contra-argumentar sem agressão e

competividade (BEHERENS, 2004).

d) Aprender a ser: agir com autonomia, discernimento e responsabilidade.

Para o desenvolvimento desse pilar, a educação deve proporcionar o

desenvolvimento total da pessoa: inteligência, sensibilidade, sentido

estético, responsabilidade pessoal, espiritualidade.

O sistema educacional deve desenvolver esses quatro pilares, preparar

cidadãos para serem criativos, críticos, autônomos, questionadores, participativos,

transformadores da realidade social. Mas, para Belloni (1999), todas as

mudanças exigidas pela sociedade contemporânea parecem difíceis de serem

realizadas sem transformações profundas no atual modelo de ensino superior.

Por isso a autora acrescenta que

[...] será necessário criar outros processos e métodos de trabalho que possibilitem aumentar a produtividade dos sistemas, o que significa investir também em tecnologias novas e adequadas. O aumento da adequação e da produtividade dos sistemas educacionais vai exigir necessariamente [...] a integração das novas tecnologias de informação e comunicação, não apenas como meios de melhorar a eficiência dos sistemas, mas principalmente como ferramentas pedagógicas efetivamente a serviço da formação do indivíduo autônomo (BELLONI, 1999, p. 6).

Para ela, a Educação a Distância pode trazer contribuições significativas

para a transformação dos métodos de ensino e da organização do trabalho nos

sistemas convencionais, bem como para a utilização adequada das tecnologias

de mediatização da educação. Belloni (1999, p. 6) lembra que

Existe já neste campo todo um conhecimento acumulado sobre a especificidade pedagógica e didática da aprendizagem de adultos, as formas de mediatização do ensino e as estruturas de tutoria e aconselhamento fundamentadas em uma concepção da educação como um processo de auto-aprendizagem, centrado no sujeito aprendente, considerado como um indivíduo autônomo, capaz de gerir seu próprio processo de aprendizagem.

45

Portanto a EaD pode ser uma das saídas para que a sociedade

contemporânea se adapte às novas realidades e uma das maneiras para a

educação enfrentar os grandes desafios impostos a ela.

4.2 REALIDADES E MITOS SOBRE EAD E NOVAS TECNOLOGIAS

A ideologia da informação acabou gerando uma série de mitos. A partir de

um artigo do prof. Dr. Roberto Aparici, da Universidade Nacional de Educação a

Distância (UNED) da Espanha, destaco alguns desses mitos.

O primeiro mito mencionado por Aparici (1997) é que as novas tecnologias

produzem bem-estar social em todo mundo. As pessoas crêem que com

apenas conhecimentos rudimentares das Tecnologias de Informação e

Comunicação terão garantias de segurança, emprego e justiça social.

Ostenta-se a tendência de os cidadãos se dedicarem mais às tarefas que

requerem o uso de informação do que aquelas tradicionalmente associadas à

agricultura e indústria. Entretanto, na maioria absoluta dos países, as tarefas que

demandam o uso da informação são executadas apenas por 0,05% da população.

A partir dessa realidade, Aparici menciona que somente os países do primeiro

mundo voltam-se mais para atividades da informação. A maior parte faz o trabalho

pesado e produz matéria-prima aos países mais desenvolvidos.

Outro mito citado pelo autor é que se divulga que a EaD é uma

modalidade democrática de ensino que permitirá o acesso de todos à

educação e, com as novas tecnologias, esse acesso será facilitado. Muitos

autores são céticos em relação a isso. Ramal (2001) diz que, apesar de a EaD

46

contribuir para a diminuição da exclusão educacional, há um risco de se aumentar

a distância entre os mais ricos e os mais pobres, os “sem-modem”. Muitas

pessoas ainda não têm acesso às tecnologias da comunicação e da informação.

Além desses problemas, outro que pode ocorrer é quando os profissionais

envolvidos com a EaD reproduzem o estilo de educação que receberam quando

eram estudantes. Com isso uniformizam o conteúdo, em que todos, independente

de interesse, são obrigados a acessar e estudar. O desafio é adequar o uso das

novas tecnologias à eficácia da EaD.

O mito da participação na rede é mais um dos salientados pelo autor.

Segundo ele, a maioria dos países está conectada à internet, mas apenas uma

minoria a utiliza. A América do Norte e a Europa são os grandes usuários da rede,

como pode ser observado na tabela 1.

Tabela 1 – USUÁRIOS E HOTS NAS 10 MAIORES ECONOMIAS (POR PIB)

Fonte: Compilação de dados do Banco Mundial e da NUA Internet (apud CORRÊA, 2005, p. 14). Observa-se, a partir dos números, que o acesso à informação e ao

conhecimento via internet não está garantida democraticamente. Por exemplo, a

47

diferença grande que há entre o número de usuários da internet dos EUA e do

Brasil em relação à respectiva população. “As diferenças culturais e tecnológicas

continuam reforçando e legitimando as desigualdades socioeconômicas entre

países” (CORRÊA, 2005, p. 14).

Outro mito destacado por Aparici é o mito da democracia e da

interatividade. Uma das palavras que se tornou comum no ambiente das novas

tecnologias é a interatividade, que surge por trás da concepção de linguagem

como interação, mas que aqui se reduz a interação à “troca de informação”. A

interatividade surgiu há pouco tempo e se refere à relação da máquina com o

usuário e vice-versa. Muitas vezes produtos são anunciados com essa

característica, porém, quando se adquire, percebe-se que é possível fazer apenas

o que foi desenhado pelo seu programador, ou seja, não há a interatividade

anunciada. Aparici (1997, s/p) relata que “As possibilidades de produzir

significados ou textos próprios são bastante escassas e, menores ainda, quando

se tem supostamente a chance de uma intervenção direta na co-produção de uma

mensagem em sentido estético, argumental, ideológico etc.”. Portanto o autor

expõe que na realidade não existe a interatividade propriamente dita.

Aparici (1997) também chama nossa atenção para o mito que se criou em

relação à influência das novas tecnologias que nos leva a imaginar que elas

proporcionarão mudanças na EaD. Pensa-se que as Tecnologias de Informação

(TI) proporcionam uso criativo dos recursos multimídicos. Entretanto a tendência

das instituições é repetir modelos do processo de ensino-aprendizado tradicional

no uso pedagógico das novas tecnologias. Como exemplo do uso inadequado das

TI, o autor cita o e-mail, que na maioria das vezes é utilizado para passar

48

respostas supostamente úteis a todos. Esse recurso deveria ser usado para

atender as necessidades particulares dos alunos.

Podemos relacionar esse mito à produção do material impresso para a

Educação a Distância. Como é uma modalidade diferente, pressupõe-se material

diferente. E é isso que os estudiosos apontam, mas, na prática, muitas vezes, não

é bem assim. Esse é um dos assuntos de minha pesquisa, como se dá a

produção do material impresso na UNITINS. Houve uma adequação à modalidade

EaD, ou repetem-se formas da educação “convencional”?

49

5 MATERIAL IMPRESSO NA MODALIDADE EAD

Este capítulo tem a finalidade de mostrar as vantagens do material

impresso (MI) para a EaD. Por isso, inicialmente, apresento dados sobre a

utilização do material impresso e o acesso restrito à internet, que reforça essa

importância. Na seqüência, exponho as vantagens e as características do MI.

Também discuto sobre a linguagem do MI e sobre a importância das atividades.

5.1 DADOS DE USO DO MI E DE ACESSO À INTERNET

Como foi visto anteriormente, a EaD iniciou-se com o material impresso.

Apesar de toda inovação tecnológica, segundo a ABRAEAD (2006), essa

plataforma é amplamente utilizada por 84,7% das instituições escolares. Uma das

razões que podem ser apontadas para essa grande utilidade é o fato, do que

também já foi exposto baseado em um dos mitos citados por Aparici (1997), de

que ainda poucas pessoas têm acesso à rede mundial de computadores.

Segundo pesquisa do IBGE (2005), apenas 18,6 dos domicílios brasileiros

têm computador e 13,7 têm acesso à internet. Os dados apresentaram que, em

50

2005, 21% da população teve acesso à internet. Esses dados mostram que a

maioria da população, cerca de 79%, não tem nenhum tipo de acesso à rede

mundial de computadores. O estudo também mostrou que 50,1% do acesso à

internet é realizado dos domicílios, e 39,6%, do local de trabalho. Desses acessos,

a finalidade principal é a educação e o aprendizado, com 71,7% dos acessos, e

em segundo lugar a comunicação com outras pessoas, com 68,6% dos acessos.

Esses dados reforçam o mito exposto por Aparici (1997), o da

participação da rede. Como a UNITINS deseja proporcionar educação a número

cada vez maior da população e são poucos brasileiros que têm acesso à internet,

a instituição precisa levar um bom material impresso a seus alunos.

5.2 VANTAGENS DO MI

Muitas são as vantagens expostas para a utilização do material impresso

pela EaD. Entre as apresentadas nas publicações científicas, destaco as

seguintes:

a) é acessível a maior número de pessoas;

b) é familiar, fácil de ser manipulado;

c) é adaptável ao ritmo do aluno;

d) não requer nenhum horário pré-fixado de estudo;

e) não depende de suportes tecnológicos (existência de telessalas, energia

elétrica, provedores, ou manutenção);

f) tem custo de produção baixo;

g) permite a releitura e leitura seletiva;

h) pode ser integrado a outros meio de interação com o aluno.

51

Em relação a esta última vantagem, Soletic (2001, p. 73) expõe que o MI

mantém-se como fundamental para a EaD devido às “clássicas propostas dos

impressos [...] [e às] produções mais sofisticadas que permitem sua integração

em programas informáticos multimídia”.

5.3 CARACTERÍSTICAS DO MI

Um dos princípios básicos da EAD é o estudo autônomo do aluno, como

se pode verificar no PDI e nos autores apresentados no referencial teórico. Diante

dessa postura, a concepção pedagógica adotada pela EaD deve privilegiar a

interação, a interatividade e a aprendizagem colaborativa, englobar os

aspectos da afetividade e da motivação, considerando que o processo de

aprendizagem deve ser construído em sintonia com o desenvolvimento do ser

humano (SALES, 2005).

Essa recomendação é reforçada por Andrade e Vicari (2003, p. 259)

quando afirmam que

[...] a interação social também influencia a afetividade, a interatividade e a aprendizagem como um todo. No momento em que os alunos adquirem confiança e consideração por seus pares (colegas e professores – reais ou artificiais), as relações interpessoais começam a se formar. Inicia-se um processo de motivação intrínseca, e os alunos vão interagir [...] e socializar seus textos e seus conhecimentos.

Partindo desse pressuposto, Scherer (2005) fala da necessidade do

diálogo, como também defende Sales (2005). Contudo, segundo o que ela expõe,

poucas produções para EaD estimulam verdadeiramente os estudantes ao

diálogo com o professor que escreve. O autor de materiais impressos para EaD

precisa aprender a comunicar-se com o estudante, que não é apenas leitor, mas

alguém que está se comunicando com ele. O diálogo, para a autora, deve

52

provocar um sentimento de encontro. O aluno precisa sentir o professor ao seu

lado, próximo, em uma relação de real interação.

Salgado (2005, p. 156) complementa o ponto de vista de Scherer (2005)

e recomenda que o material impresso deve ser

[...] dialógico e amigável: o autor tem de "conversar" com o aluno, criar espaços para que ele expresse de sua própria maneira o que leu, reflita sobre as informações patentes no texto e as das entrelinhas, exercite a operacionalização e o uso dos conceitos e das relações aprendidas e avalie a cada momento como está seu desempenho. Isso significa dar ênfase mais à aprendizagem do que ao ensino, buscando desenvolver um aprendiz ativo e seguro em relação ao caminho percorrido.

Ainda em relação à interação, Veras (1999, p. 6) destaca que é

importante o professor, na produção do MI, estimular

o aluno a aprender, fazendo-o usar as informações encontradas; motivá-lo a continuar o estudo; verificar seu progresso; capacitá-lo a fazer pausas para tomar nota mentalmente das informações importantes; repartir o texto em "pedaços de aprendizagem", e proporcionar um retorno sobre o curso.

Sales (2005) enfatiza que um dos grandes desafios da Educação a

Distância é justamente produzir um material didático capaz de proporcionar a

autonomia no aluno e provocar ou garantir a necessária interatividade, pontos

destacados pelos pesquisadores anteriormente mencionados.

Averbug (2003, p. 8) também chama a atenção para a importância de a

EaD privilegiar a construção do conhecimento, ou seja, a EaD deve ser “uma

educação problematizadora, com ênfase nos desafios e na resolução de

problemas; busca[r] desenvolver a visão crítica, a curiosidade, a pesquisa e a

criatividade”.

Para que isso ocorra, segundo a autora, a EaD precisa superar o modelo

tradicional centrado na transmissão de informações. Deve levar “levar o aluno a

aprender a aprender, a refletir e questionar, a buscar soluções e inovar, a

53

reconstruir conhecimentos, a relacionar conceitos e aplicá-los na sua vida pessoal e

profissional” (AVERBUG, 2003, p. 4).

Moulin (2003, p.1) diz que o material impresso, também, deve apresentar

textos

[...] que tenham a capacidade de suprir as necessidades do leitor enquanto aluno independente, que prescinde a presença do professor, assim como de atender aos preceitos do ensino voltado para a construção do saber, do saber-fazer e do saber-ser.

A autora menciona que é um grande desafio para o professor de EaD

[...] elaborar textos escritos que se destaquem pela exatidão e correção do conteúdo; que comuniquem as idéias de forma simples e clara, em linguagem precisa e sem ambigüidades, a ponto de que seja possível dispensar a presença física do professor para explicar o significado das idéias expressas no material instrucional (MOULIN, 2003, p.1).

Moore e Kearsley (1996, p. 79-80) asseveram que o material impresso,

além de transmitir informações,

[...] deve conter indicações e orientações aos alunos no seu estudo do conteúdo e fornecer uma estrutura para a interação entre aprendizes e instrutores [...] [o material impresso] deve tentar ser amigável, encorajador e apoiador. É importante lembrar que ele não é um artigo acadêmico nem um texto de aprendizado, mas uma forma de ensinar.

Soletic (2001) também chama atenção para o equívoco de se conceber a

produção para a EaD como um espaço destinado para publicação científica. A

autora justifica esse equívoco ao mencionar que

As condições e as exigências com que nos dias de hoje se realiza o trabalho acadêmico em nosso país fazem com que, muitas vezes, o sentido didático das publicações seja desvirtuado, e, uma proposta de ensino se transforme em um artigo de caráter científico (SOLETIC, 2001, p. 79).

Esse equívoco gera sérios problemas, visto que implica que o aluno tem

conhecimento de um especialista da área. O MI, segundo a autora, precisa ser

contextualizado, as informações expostas precisam estar vinculadas ao

conhecimento prévio do aluno.

54

Soletic (2001) destaca a relevância de se mencionar exemplos nos

conteúdos trabalhados no MI. Ela diz que eles ajudam o aluno a compreender

idéias abstratas e a relacionar os conteúdos com a sua experiência real.

O aluno deve ser estimulado a ir além dos conteúdos apresentados no

MI. O professor deve propor atividades de busca, momentos de reflexão,

encaminhar o aluno para o desenvolvimento do pensamento autônomo. Deve dar

oportunidade para que o aluno confronte os conteúdos apresentados no MI com

conhecimentos prévios, tire conclusões que poderão levar à consolidação do

saber, ou a sua substituição por novas idéias (COSTA, 2006).

Salgado (2005, p. 156) também destaca a importância do MI apresentar

informações articuladas com atividades, pois é por meio delas que o aluno pode

verificar sua compreensão em relação ao conteúdo e medir sua aprendizagem. A

autora também chama a atenção para a necessidade de se incluir casos e

exemplos do cotidiano do aluno para mobilizar seus conhecimentos prévios “e

facilitar a incorporação das novas informações aos esquemas mentais

preexistentes”. O aluno deve ser “levado a raciocinar e refletir com base nos

exemplos, casos e atividades de estudo, de tal maneira que esses elementos se

tornam essenciais para a compreensão do texto” (idem, ibidem).

Para facilitar a compreensão do aluno do que lhe está sendo repassado

por meio do material impresso, o professor pode sinalizar algumas pistas, como

selecionar bem os títulos e os subtítulos, que dão indicações precisas do que será

exposto; apresentar conclusões e sínteses do conteúdo trabalhado; incluir

comentários de conteúdos já vistos (SOLETIC, 2001).

Sales (2005) registra que o material didático deve apresentar

seqüenciação de idéias e conteúdos, relação teoria-prática, auto-avaliação,

55

linguagem clara e concisa, glossário, exemplificações cotidianas e/ou

científicas, resumos, animações.

Vários autores recomendam que o MI seja bem estruturado para

proporcionar clareza do que está sendo exposto ao aluno e para suprir a ausência

do professor. Salgado (2005) sugere que o MI contenha uma introdução que

explicite e delimite o tema; sensibilize o aluno para a importância do assunto.

Também apresente dois a três objetivos do assunto a ser estudado e focalize

conhecimentos e desempenhos resultantes da aprendizagem. No

desenvolvimento do tema, a autora aconselha que o professor explicite com

clareza o objetivo de cada o tema e subtema. Explore bem cada subtema, deixe

claro os conceitos difíceis, apresente exemplos relacionados ao cotidiano do

aluno, comente aspectos polêmicos, destaque os pontos-chave.

Além dessas sugestões, a autora também recomenda que o professor

deve, no material impresso:

• [...] utilizar diferentes tipos de atividades para mobilizar conhecimentos prévios; promover a recuperação de informações ou de experiências; inserir atividades de estudo destinadas a auxiliar a compreensão do tema e subtemas, e atividades práticas e de auto-avaliação, propondo questões com o mesmo formato que será utilizado nas provas presenciais; • estabelecer ligação clara entre as diferentes seções, fornecendo sínteses parciais e pontos importantes a serem sublinhados; • incluir bibliografia, de preferência comentada, para orientar o aprofundamento de estudos (SALGADO, 2005, p. 157).

Ainda em relação à estrutura do MI, Veras (1999) aconselha a divisão em

capítulos e módulos, o uso de cabeçalhos, notas de pé de página, quadros,

tabelas, índice e glossário. O autor também chama atenção para a importância

das ilustrações. Elas devem conquistar o interesse do leitor, ser auto-

explicativas, ter valor instrucional e estar integradas ao texto.

56

Scherer (2005) alerta para a necessidade de o material impresso

proporcionar a hipertextualidade. Assim cada linha, parágrafo, página, imagem

deve possibilitar fazer

links para outros espaços, outras comunicações, outros pensamentos, outras articulações. [...] é preciso favorecer a hipertextualidade do pensamento, pois a materialidade do registro, em folhas de papel, não possibilita a criação de links como aqueles criados em páginas da internet (SCHERER, 2005, p. 2-3).

5.4 LINGUAGEM DO MI

A linguagem no MI é a ferramenta principal, uma vez que é por meio dela

que se faz a interação professor/aluno e o conhecimento é transmitido. Ela é o

veículo de transmissão de novos conhecimentos. Soletic (2001, p. 75) diz que “A

centralidade dos materiais escritos expressa uma concepção da cognição em que

o pensamento e o conhecer estão limitados a formas de atividade mental

exclusivamente discursivas”.

A linguagem, na EaD, não pode ser concebida apenas como instrumento

de informação, mas como caminho privilegiado de interação, pois é por meio da

linguagem que o aluno é conduzido à reflexão, à resolução de problemas, ao

questionamento crítico, à busca de respostas e posicionamentos pessoais.

Motivar a construção de novos conhecimentos, aguçar o interesse e a

curiosidade, estimular o pensamento, seduzir o aluno pela linguagem, por meio de

marcas e pistas lingüísticas, associando os saberes com que está trabalhando à

sua realidade cotidiana são especificidades sociointeracionistas da linguagem da

EaD.

Sales e Nonato (2007) expõem que, para que o material didático

contribua para a construção do conhecimento, deve se apresentar em linguagem

57

dialógica e, para suprir ausência física do professor, deve se garantir certo tom

coloquial, reproduzindo mesmo, em alguns momentos, uma conversa entre

professor e aluno, tornando sua leitura leve e motivadora.

5.5 ATIVIDADES NO MI

Soletic (2001, p. 86) fala da relevância do MI conter atividades, pois, ao

resolvê-las, “o aluno põe em jogo seus recursos, estratégias e habilidades, e

participa ativamente do processo de construção de seu próprio saber”. As

atividades favorecem a reflexão e levam o aluno a transferir os

[...] conhecimentos a outros contextos, criando novas possibilidades de construção e situando[-o] em melhores condições para abordar novos conteúdos. Através das atividades, o material oferece um espaço particularmente apropriado para a aprendizagem dos temas mais significativos, os núcleos conceituais fortes e os procedimentos metodológicos da disciplina (SOLETIC, 2001, p. 86).

Salgado (2005) complementa o pensamento de Soletic expondo que as

atividades, quando bem elaboradas e relacionadas aos objetivos, mostram ao

aluno o seu desempenho, indicando-lhe os pontos que necessitam de maior

atenção, de esforço e de estudo.

Costa (2006) também destaca a importância das atividades. Segundo ela,

as atividades devem ser encaradas um aspecto vital no processo de ensino a

distância para manter o aluno engajado no processo de aprendizagem. Lockwood

(apud COSTA, 2006, e SOLETIC, 2001) defende a tese de que as atividades

ajudam o aluno a pensar por ele mesmo e a atingir os objetivos; dão oportunidade

para que cheque o seu entendimento; ativam o uso do material, por isso devem

estar vinculados aos objetivos do conteúdo.

58

O autor menciona que as atividades devem criar expectativas, ser

atraentes, relevantes, variadas, criativas, claras, bem planejadas, em grande

quantidade e com diferentes graus de dificuldades. Além disso, ele expõe a

necessidade de elas acontecerem com freqüência no decorrer da apresentação

do conteúdo, visto que o aluno, depois de um determinado tempo, perde a

concentração.

Como o aluno realiza as atividades sozinho, Lockwood defende a idéia de

se instruir o aluno, ou seja, apresentar no MI comentários. Soletic (2001)

compactua com essa defesa do autor. Para ela, o professor pode, por meio dos

comentários, oferecer nova informação, proporcionar explicações

complementares. Assim o aluno terá parâmetros para avaliar seu próprio

progresso. A autora encerra dizendo que

Mais que oferecer respostas, tratamos de propor explicações relativas ao processo; mais que mostrar resultados, é necessário esclarecer os passos que conduzem à resolução dos problemas ou as boas questões referentes a essas resoluções (SOLETIC, 2001, p. 90).

Portanto percebemos que a metodologia utilizada na produção do MI é

substancialmente diferente do material tradicional. Essa diferença se faz

necessária, pois é por meio do MI que, em EAD, agimos sobre o aluno.

59

6 O MATERIAL DA UNITINS

Neste capítulo, abordo os princípios filosóficos e teórico-metodológicos da

UNITINS e as mídias utilizadas no Sistema EaD-UNITINS. Em função da minha

pesquisa, dou ênfase à análise do MI. Apresento a evolução das produções, o

funcionamento do setor que é responsável pela elaboração do MI. Além disso,

exponho as características da estrutura do material impresso da UNITINS.

6.1 PRINCÍPIOS FILOSÓFICOS E TEÓRICO-METODOLÓGICOS DA UNITINS

Em relação aos princípios filosóficos e teórico-metodológicos gerais que

norteiam as práticas acadêmicas, é exposto, no PDI, que a UNITINS “concebe

que a educação de um modo geral é um processo de formação e interação social

que conduz à participação plena produtiva e crítica das pessoas na sociedade.

Considera a educação um meio para o desenvolvimento social [...]”. A modalidade

EaD na UNITINS leva em consideração os princípios estruturantes dessa

modalidade de ensino: a diversidade; a autonomia; a investigação; o trabalho

cooperativo; a dialogicidade; a construção e a re-construção do conhecimento.

60

6.2 MÍDIAS DA UNITINS

A metodologia adotada pelo Sistema de EaD-Unitins está baseada em

três mídias: material impresso, web-tutoria e tele-aulas, com interfaces da

educação, comunicação e telecomunicação. Apesar de apresentarem linguagens

distintas, essas plataformas trabalham de forma interligada, respeitando as

especificidades de cada uma. Inicialmente é produzido o material impresso. Ele

serve de base para as produções das tele-aulas. Depois de estudar o MI e assistir

à tele-aula, se o aluno ainda tiver dúvidas, pode enviá-las ao web-tutor.

6.2.1 TV: tele-aula

As tele-aulas são constituídas de produções externas de vídeos

educativos e de gravação de aulas em estúdio. Para a produção de vídeos, os

professores apresentam um planejamento, no qual são identificadas as demandas

de produções audiovisuais. A partir desse planejamento, a equipe de roteiristas e

produtores desenvolve o roteiro e produz os vídeos que serão veiculados na tele-

aula. Uma vez por semana, em datas determinadas pelo calendário acadêmico, o

professor grava a aula ao vivo, que é transmitida via satélite para todas as

telessalas do Brasil.

6.2.2 AVA: web-tutoria

O ambiente virtual de aprendizagem é usado pelo professor para

disponibilizar atividades para aprofundar a teoria exposta no material impresso e

61

na tela-aula; promover chats, fórum de discussão; tirar as dúvidas enviadas pelos

alunos.

6.2.3 Material impresso

O material impresso é a base para o uso das outras duas mídias

utilizadas pela UNITINS. É a partir dele que os professores planejam suas tele-

aulas e o web-tutor organiza o material no AVA e faz atendimentos aos alunos.

Após a aprovação da modalidade da EaD na UNITINS, alguns

professores foram convidados para produzir o material impresso. Os primeiros

cadernos foram produzidos sem uma orientação específica para a modalidade

EaD. Muitos textos eram copiados na íntegra da internet, não havia a

preocupação com o plágio, como também com a linguagem utilizada, com a forma

de expor o conteúdo e como o aluno o receberia. O material produzido passava

apenas por revisores textuais.

O material impresso do segundo e terceiro bimestres 0ficou sob a

responsabilidade de uma equipe multidisciplinar, que congregava docentes das

áreas de Pedagogia, Administração, Ciências Contábeis: os Responsáveis

Técnicos por Área (RTA) e com revisores de Língua Portuguesa.

A instituição, com a intenção de melhorar a produção do MI, enviou uma

equipe para conhecer o material produzido pela CEDERJ (Centro de Ensino

Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro), que já tinha certa experiência

na produção de material para a modalidade de EaD. A CEDERJ desenvolveu sua

produção baseada no material produzido pela UNED (Universidad Nacional de

Educación a Distancia - Madri). Com as orientações recebidas da CEDERJ, a

62

equipe do material impresso da UNITINS conseguiu estabelecer um padrão na

estrutura de seu MI.

Outra preocupação da equipe responsável pelo MI foi a concepção de

linguagem adotada pelo que o Sistema EaD-UNITINS na construção do material.

Com isso, criou-se um grupo de pesquisa com a intenção de promover

discussões sobre os aspectos morfossintáticos, semânticos e discursivo-

pragmáticos das produções para a EaD.

Nos últimos semestres, a produção do material ficou sob a

responsabilidade dos professores autores, revisto por um pedagogo e um revisor

de Língua Portuguesa. Em 2007, foi produzido um manual que orienta os

professores autores na produção do MI. Apesar da preocupação, na prática, o

manual silencia sobre o uso da linguagem como interação. A partir desse manual,

foi elaborada uma ficha de avaliação, que tem sido utilizada para avaliar o

material já elaborado, que é usado para a refacção dos cadernos das novas

turmas. As alterações na metodologia da produção do material impresso, a cada

semestre, se dão a partir da avaliação feita, das pesquisas realizadas e das

experiências vivenciadas pelo grupo responsável pela elaboração desse material.

6.2.3.1 Funcionamento do SEMIU

Hoje o Setor de Mídia Impressa da UNITINS – SEMIU – conta com:

a) uma coordenação, que comanda o setor;

b) uma assessoria jurídica, que é responsável pelos contratos para a

produção do MI e resolução problemas de natureza jurídica, como os

decorrentes de direitos autorais;

63

c) uma equipe de ilustração, que produz as ilustrações para serem inseridas

no MI;

d) uma assessoria editorial, que é responsável pelos fluxos de produção e

distribuição do material no setor;

e) uma equipe que verifica a existência de possível plágio nos cadernos;

f) uma equipe de revisores didático-pedagógicos, que analisa a

compatibilidade entre objetivos, atividades e comentários das atividades;

g) uma equipe de revisores lingüístico-textuais, que se responsabiliza pela

correção textual e pela clareza da linguagem para a modalidade EaD;

h) uma equipe de revisores digitais, que faz a revisão digital.

Depois da revisão digital, o material é enviado à equipe que faz a

diagramação. Depois de diagramado, o caderno retorna ao professor para fazer o

cotejo e verificar se há ainda algum problema a ser corrigido. O material volta à

diagramação para passar por mais uma revisão textual e ser enviado à gráfica.

6.2.3.2 Estrutura do MI da UNITINS3

O setor de produção do MI da UNITINS optou por estabelecer um padrão

na estrutura do material impresso com o objetivo de facilitar a leitura, a

aprendizagem, a interação com as tele-aulas e, conseqüentemente, a construção

gradual do conhecimento.

Os cadernos produzidos na UNITINS são iniciados pela apresentação da

disciplina, seguida do plano de ensino, do sumário e das aulas do caderno de

cada disciplina. 3 A estrutura descrita do MI da UNITINS baseia-se no Manual de Redação e Estilo de Material Impresso produzido pelo SEMIU.

64

Em cada aula, primeiramente, temos os elementos pré-textuais: título,

objetivo(s) e pré-requisitos. O título é o primeiro elemento da aula que deve

apresentar de maneira clara e sintética o tema principal da aula. Os objetivos

precisam ser precisos e restritos e estar relacionados às atividades. Os pré-

requisitos constituem o que é necessário saber previamente para construir os

conhecimentos e atingir os objetivos da aula. Eles precisam responder a três

questões fundamentais: o que o aluno deve saber antes de começar a ler a aula;

onde pode encontrar os pré-requisitos; por que esses pré-requisitos são

importantes para a aula que será estudada. Os elementos pré-textuais têm a

finalidade de estabelecer uma relação de coesão entre as diferentes estruturas

que compõem o caderno.

Após os elementos pré-textuais, devem ser levados em conta a

introdução, o desenvolvimento e a conclusão. Na introdução, o autor precisa

direcionar o leitor para os assuntos que serão abordados ao longo da aula. Na

seqüência, o professor deve, realmente, desenvolver o tema proposto dentro do

enfoque apresentado na introdução. Um último ponto a ser observado na

construção é a conclusão do texto.

Os elementos pós-textuais são: síntese da unidade, atividade(s),

comentários da atividade, referências e na próxima aula fecham as aulas. A

síntese precisa retomar brevemente os principais tópicos desenvolvidos na aula.

As atividades devem medir e avaliar os objetivos estabelecidos no início da aula.

O comentário precisa representar uma série de esclarecimentos sobre as

atividades com indicação das respostas adequadas. No caso de atividades com

respostas pré-determinadas, o autor deve apontar qual é a resposta correta e,

para cada uma das demais respostas incorretas, o porquê da inadequação. No

65

caso de atividades com respostas a serem redigidas livremente pelo leitor, o autor

deve apresentar pelo menos possibilidades diferenciadas de resposta. O

professor precisa relacionar as referências bibliográficas citadas no

desenvolvimento do conteúdo da aula. A função da seção na próxima aula é

mostrar que existe, na sucessão das aulas, continuidade, orientação para os

objetivos gerais da disciplina.

Além dos elementos pré-textuais, textuais e pós-textuais, há os

elementos optativos. Eles têm como objetivo chamar a atenção do aluno sobre

algum conteúdo ou complementá-los. São itens optativos: pensando sobre o

assunto, que deve mencionar alguma informação importante que não cabe no

corpo da aula ou conter uma questão desafiadora ou reflexiva; saiba mais no

qual o professor poderá indicar fontes complementares sobre o tema.

Como o Sistema EaD-UNITINS opta pela educação que se volta para

processo de formação e a interação social, precisou adaptar seu material a esse

perfil de educação. Portanto buscou aperfeiçoar, nessa direção, a produção de

seu material impresso, especialmente porque é ele que serve de base para as

outras duas mídias utilizadas: tele-aula e web-tutoria. Uma equipe foi formada

para comandar, acompanhar e pesquisar novas formas de melhorar essa

produção que deve privilegiar a interação.

66

7 A INTERAÇÃO NO MATERIAL PEDAGÓGICO DA UNITINS

Pelo exposto anteriormente, percebemos que a UNITINS opta por uma

abordagem sociointeracionista de linguagem. Essa abordagem defende o

conhecimento construído a partir de processos de interação social estabelecida

entre os sujeitos. Nessa visão, o material impresso (MI) deve ser construído de

maneira a propiciar a autonomia e a construção do conhecimento por parte do

aluno.

Para verificar se a linguagem utilizada na elaboração do material da

UNITINS ao longo de quatro anos é compatível com a abordagem proposta,

analiso uma aula de cada um dos cadernos elaborados para se trabalhar a Língua

Portuguesa, ou seja, analiso uma aula de 2005/1, uma de 2006/1, uma de 2007/1

e uma de 2008/1.

Com base em Sousa (2001, 2006), apresento algumas estratégias

lingüístico-textuais que norteiam a produção do MI como marcas de interação

lingüística. Ao analisar o MI da UNITINS, focalizei dois grupos de realizações

lingüísticas:

67

c) aspectos morfossintáticos: vocativo, dêitico “você”, verbos na primeira

pessoa do plural, formas de imperativo, pronomes pessoais e possessivos;

d) aspectos discursivo-pragmáticos: perguntas, convites, sugestões,

conselhos e solicitações, exemplificação, paráfrase, retomada, marcas de

impessoalidade.

É importante destacar que, além desses dois tipos de realizações

lingüísticas, também contribuem para uma perspectiva sociointeracional a

estrutura da aula e a organização das atividades didático-pedagógicas.

7.1 VOCATIVO

O vocativo é uma estratégia lingüístico-textual que pode promover a

interação, pois é utilizada pelo autor para referir-se ao interlocutor do texto. No

caso do MI, há um interlocutor específico, o aluno. Em todos os cadernos da

UNITINS dos últimos semestres, é usado o vocativo na apresentação (“caro

aluno”, “prezado estudante”). No corpo do texto, ele quase não aparece. Essa

ausência pode ser justificada pelo tom formal que o uso do vocativo dá ao texto

(SOUSA, 2001), já que o texto do MI pede certa informalidade.

No material analisado, localizei apenas a presença de um vocativo. Ele

foi utilizado na aula do caderno de 2005/1 (“Caro(a) aluno(a), nesta primeira

unidade, vamos [...]”).

7.2 DÊITICO “VOCÊ”

68

É bastante comum o uso de “você” no MI da UNITINS. Muitas vezes é

substituído por verbo na primeira pessoa no plural. Ele pode favorecer a interação

uma vez que indica a pessoa para qual o texto está sendo direcionado (SOUSA,

2001). Ao utilizá-lo, o professor autor pode provocar um sentimento de encontro,

tão importante na EaD. O aluno terá a sensação de o professor estar ao seu lado,

construindo-se, assim, uma relação amigável que contribuirá para a construção

do conhecimento. Além disso, o professor pode utilizar “você” para sensibilizar o

aluno para a importância do assunto, para estimulá-lo à autonomia, para que se

torne um sujeito ativo.

Na aula de 2005/1, a maioria dos dêiticos “você” promove a interação.

Exemplos:

“Você já parou para pensar que ao anotar os dados de um cheque (data, valor, destinatário) no canhoto do talão, está fazendo isso para evitar de esquecê-los no futuro?”

“Quando você lê um texto e apropria-se de algo e acumula aos seus saberes, produziu conhecimento.” “Se você está curioso e quer recordar mais sobre como era a vida no período militar, acesse os sites [...]”

Nos três trechos, o dêitico direciona-se ao aluno, constituindo-o como

interlocutor: ele sentirá o professor mais próximo, estimulando-o a se envolver

com o assunto que está estudando. No entanto também há o uso do “você” sem

que tal constituição seja tão fortemente identificada, chamo-o de você-retórico,

como em:

“Como você pôde perceber, o texto “o que é célula-tronco” tem a finalidade de explicar, fazer você conhecer o que é uma célula-tronco.” “Você pôde perceber que a escrita possibilita ao homem voltar ao passado, apropriar-se do conhecimento [...]”

No primeiro e terceiro exemplos, há a articulação com a presença de

modalização, pois o verbo “poder” ameniza a voz de autoridade do professor

sobre o aluno (“você deveria ter percebido...”).

69

Na aula do caderno de 2006/1, diferentemente das outras aulas, o “você”

só aparece duas vezes, porém bastante interativo. Como podemos notar a seguir:

“Por isso, nesta nossa primeira aula, conversaremos um pouco sobre o conceito de língua padrão para que você compreenda bem a variedade lingüística com a qual trabalharemos nesta disciplina.” “Identifique esses itens e comente de que forma você conseguiu identificá-los.”

No primeiro trecho, o professor mostra ao aluno que o que será exposto na

aula tem a finalidade de levá-lo à compreensão do assunto, que será importante

para o estudo da disciplina. No segundo, o professor estimula para que o aluno

aja, primeiro terá de identificar para depois justificar a identificação. Nos dois

casos, espera-se uma efetiva reação do aluno como constituidor do sujeito “você”.

Na aula de 2007/1, todos os dêiticos “você” utilizados objetivam a

interação, como, por exemplo, em:

“No preenchimento do campo “assunto”, você deve redigir com clareza o objeto da mensagem e especificar seu conteúdo.” “Nos comentários da primeira unidade, sugerimos que você fizesse um levantamento de suas dificuldades de aprendizagem. Aqui, gostaríamos que você exercitasse sua capacidade de compreensão [...] nosso foco é fazer com que você, progressivamente, desenvolva suas habilidades de leitura, compreensão, produção de textos e resolução de questões.”

Nas situações apresentadas, observamos que o professor instiga o aluno

a executar algo, para torná-lo um sujeito ativo, uma característica importante para

o aluno de EaD.

Na aula do caderno de 2008/1, há também o uso constante do dêitico

“você”, em sua maioria bastante interativo, como em:

“O que dizer a você nesse momento? O principal é você “baixar a guarda” em relação a esta disciplina, ou seja, estar aberto à sistematização de conhecimentos que, com certeza, você já possui. [...] Então o que esperamos é que você utilize o que já sabe para avançar um pouco mais. Você verá que estudar sua própria língua não é nenhum bicho-de-sete-cabeças!” “Você sabe o que é ‘levar uma tábua’? Pergunte aos seus pais...”

Portanto, da mesma forma que no uso das aulas anteriores, o “você” dá a

sensação ao aluno de que ele é o interlocutor, que seu professor está próximo,

com isso o professor ganha a confiança de seu aluno. No primeiro trecho,

70

notamos que a intenção é influenciar o comportamento do interlocutor, mostrar

que a reação do professor depende da do aluno, ou seja, o aluno precisa agir

para que o professor faça o que precisa para proporcionar a aprendizagem.

7.3 VERBOS NA PRIMEIRA PESSOA DO PLURAL

Há também o uso constante de verbos na primeira pessoa do plural no MI

da UNITINS. Analisando o contexto em que eles são empregados, constatei a

presença de três situações distintas: referência ao professor e ao aluno,

referência apenas ao professor e referência com valor de imperativo.

7.3.1 Referência ao professor e ao aluno

O uso do verbo em primeira pessoa do plural que faz referência ao

professor e ao aluno ao mesmo tempo dá o tom de envolvimento e cooperação

entre ambos (SOUSA, 2006). O aluno sente o professor ao seu lado, o que lhe dá

confiança e motivação para aprender a aprender, a agir. Podemos notar esse tipo

de uso nos seguintes casos:

“[...] nesta primeira unidade, vamos estudar a língua e suas finalidades. É interessante e importante entender que sempre quando escrevemos temos um objetivo, sempre que colocamos nossas idéias no papel, temos em mente o “para quê” é esse texto.” (Aula de 2005/1) “Aprendemos a falar na convivência. Mas, mais do que isso, aprendemos que devemos falar de certo modo e quando devemos falar de outro.” (Aula de 2006/1) “[...] se não quisermos ser discriminados por grupos que a praticam, devemos conhecê-la.” (Aula de 2007/1) “Assim fica difícil separarmos, com precisão, o que é variação diatópica e o que é variação diastrática.” (Aula de 2008/1) “Por exemplo, se publicarmos uma descoberta científica em um jornal, utilizaremos uma linguagem diversa daquela que utilizaríamos se publicássemos a mesma descoberta em uma revista científica.” (Aula de 2008/1)

71

7.3.2 Referência ao professor

Há também presença marcante em que o professor autor utiliza o verbo

em primeira pessoa do plural para referir-se apenas a si mesmo, excluindo o

aluno. Nesse caso, há apenas uma simulação de interação, de diálogo, pois não

se espera a ação do outro como partícipe da pluralidade. Diferentemente das

outras aulas, na de 2005/1 e na de 2006/1, esse tipo de uso aparece duas e uma

vez, respectivamente, expostas a seguir:

“Dessa forma, podemos apontar algumas finalidades da língua [...]” (Aula de 2005/1) “Ao escrever a letra da música, da qual citamos um trecho [...]” (Aula de 2005/1) “Nesse sentido, podemos apontar os seguintes fatores relacionados às variações de natureza social [...]” (Aula de 2006/1)

Nas aulas de 2007/1 e 2008/1, verbos em primeira pessoa do plural

referindo-se apenas ao professor são utilizados com mais freqüência. Podemos

observá-los nas seguintes situações:

“Nos comentários da primeira unidade, sugerimos que você fizesse um levantamento de suas dificuldades de aprendizagem. Aqui, gostaríamos que você exercitasse sua capacidade de compreensão [...]” (Aula de 2007/1) “O que não queremos ouvir é “não sei português”, pois quem nasceu neste país utiliza essa língua desde seus primeiros anos de vida! Então o que esperamos é que você utilize o que já sabe para avançar um pouco mais.” (Aula de 2008/1) “Concordamos com os autores citados quando afirmam que a uniformidade da língua é um mito e que a variedade não é caótica. Procuraremos mostrar isso a você discorrendo sobre as variações [...]” (Aula de 2008/1)

Nos três exemplos citados, percebemos que o verbo em primeira pessoa

do plural aparece seguido por você (em negrito), o que reforça que esse verbo

refere-se apenas ao professor e pode ser considerado próximo a um uso

“majestático” do pronome.

7.3.3 Valor de imperativo

72

Além do verbo em primeira pessoa do plural, referir ao professor e ao

aluno ao mesmo tempo, referir-se apenas ao professor, também há situações em

que ele apresenta-se com valor de imperativo. Nesse caso, o professor solicita ao

aluno que, juntamente com ele, execute alguma atividade, ou seja, é uma forma

gentil de mandar. Podemos notar isso nos seguintes trechos:

“Vamos juntos, agora, viajar pelo mundo da plurissignificação das palavras [...]" (Aula de 2005/1) “Precisamos nos adequar e procurar aceitar e respeitar a linguagem do outro.” (Aula de 2006/1) “Vejamos então a classificação dos níveis de linguagem [...]” (Aula de 2007/1) “Vejamos mais uma conceituação de língua para compreendermos esse novo tópico.” (Aula de 2008/1)

Ao analisar o corpus, percebi, também, que há uso constante de

“podemos” e “devemos” que são marcas de modalização, principalmente nas

aulas de 2007/1 e de 2008/1, como em:

“Podemos dizer que o texto revela o inconformismo do eu poético em não poder falar o que pensa? Justifique sua resposta.” (Aula de 2005/1) “Através da linguagem utilizada pelo autor(a), podemos identificar o sexo, a faixa etária, a região, a escolaridade, nível social, o ponto de vista.” (Aula de 2006) “A partir das classificações propostas e dos exemplos expostos, podemos analisar as diferenças existentes entre eles. [...] Na língua culta ou padrão, podemos perceber a obediência às regras gramaticais [...]” (Aula de 2007/1) “Apesar de sua elaboração aparentemente fácil, ao escrever uma mensagem eletrônica devemos ficar atentos a alguns procedimentos que vão ajudar a compreensão da mensagem escrita.” (Aula de 2007/1) “Assim podemos constatar que para todos os autores a língua é construída pelos indivíduos sociais e históricos.” (Aula de 2008/1) “Além disso, devemos lembrar que chamamos aqui de texto oral aquele realmente falado, e não o texto lido. Como podemos notar, existe uma gramática do texto falado diferente da gramática do texto escrito.” (Aula de 2008/1)

Notamos, nos trechos mencionados, que a modalização é utilizada para

amenizar a voz de autoridade do professor sobre o aluno (“por exemplo, note que

existe uma gramática do texto falado...”).

73

Além de tudo isso, há casos em ocorre o uso do verbo em primeira

pessoa do plural que acaba se referindo apenas ao aluno, como em: “Para

exemplificar, vamos ler o fragmento de texto da carta de Pero Vaz de Caminha.”

Na seqüência desse trecho, aparece “No fragmento de texto que você

acabou de ler [...]”. Isso indica que o que era para ser lido com o professor, o

aluno acabou lendo sozinho. Portanto a simulação inicial de contato mais próximo

entre professor e aluno foi cortada, e o aluno se vê sozinho para ler e

compreender o texto.

7.4 FORMAS DE IMPERATIVO

No material, há uso constante de formas de imperativo, tanto na terceira

quanto na primeira pessoa do plural. O uso da terceira pessoa objetiva levar o

aluno a se tornar um sujeito ativo, característica importante para o aluno de EaD.

Observemos os seguintes trechos:

“Se você está curioso e quer recordar mais sobre como era a vida no período militar, acesse os sites [...].” (Aula de 2005/1) “Leia o trecho abaixo também retirado da seção de cartas da revista Veja [...] Identifique esses itens e comente de que forma você conseguiu identificá-los.” (Aula de 2006/1)

“Pratique, enviando questões ao web-tutor dessa disciplina.” (Aula 2007/1) “Analise as assertivas a seguir e relacione-as ao tipo adequado de variação lingüística [...] Marque a alternativa correta.” (Aula de 2008)

Em todos esses exemplos, está explícita a ordem que é dada ao aluno

para executar alguma atividade. Há casos, em que o imperativo vem disfarçado

de solicitação, mitigado como pedido, como em: “Lembre-se de que a linguagem

técnica, aquela referente às profissões, organiza-se como uma variedade que tem

como referência a língua padrão.” (Aula de 2007/1); ou de sugestão, com em

74

“Observe que, nos comentários, nosso foco é fazer com que você,

progressivamente, desenvolva suas habilidades de leitura [...]” (Aula de 2007/1)

Algumas vezes, a forma gramatical de imperativo é substituída por formas

mais amenas de ordens, como, por exemplo, em “Escreva duas mensagens de e-

mail. Na primeira, você irá informar ao seu colega da existência de uma vaga para

trabalhar na Komunik & Ação, uma grande empresa de sua cidade.” (Aula de

2007/1)

Outras vezes, o contexto ameniza a ordem dada pelo imperativo, como

em “Você sabe o que é ‘levar uma tábua’? Pergunte aos seus pais...”. Nesses

casos, a ordem vem envolta em ato de sugestão.

Ao examinar o uso das formas de imperativo, constatamos que elas

aparecem com maior freqüência nas atividades, em que o aluno é conduzido para

verificar sua aprendizagem.

7.5 PRONOMES PESSOAIS E POSSESSIVOS

Os pronomes possessivos e demonstrativos em primeira e terceira

pessoa também aparecem com freqüência no MI. Muitas vezes eles propiciam a

interação. O uso deles em primeira pessoa do plural favorece envolvimento e

cooperação entre o professor e o aluno, em que os dois são agentes do processo

de aprendizagem. Os trechos a seguir exemplificam essa situação.

“Aqui analisaremos com que objetivos produzimos nossos textos.” (Aula de 2005/1) “É por isso que a linguagem é altamente reveladora e que ela nos expõe porque linguagem e sociedade estão ligadas entre si de modo inquestionável.” (Aula de 2006/1) “[...] como nós deveremos nos comportar em cada uma das situações de produção lingüística. Ou seja, nós adequamos a nossa linguagem às diferentes circunstâncias do dia-a-dia.” (Aula de 2007/1)

75

“Mas ainda há um termo que precisa ser definido antes da continuidade dos nossos estudos: fala.” (Aula de 2008/1)

Há algumas situações em que os pronomes pessoais e possessivos em

primeira pessoa do plural não motivam a interação. Ocorre quando se refere

apenas ao professor enfraquecendo a interação, ou quando se reveste mais de

valor retórico, como em:

“Observe que, nos comentários, nosso foco é fazer com que você, progressivamente, desenvolva suas habilidades de leitura, compreensão, produção de textos e resolução de questões.” (Aula de 2007/1) “Em nossa sociedade, conferências, entrevistas para obtenção de emprego [...] são, em geral, vistos como situações formais.” (Aula de 2006/1) “Isso quer dizer que não há uma modalidade mais bonita ou mais feia, a não ser que adotemos o preconceito lingüístico de achar que existe apenas uma única maneira de se falar a nossa língua.” (Aula de 2006/1)

No primeiro caso, o pronome destacado refere-se apenas ao professor,

com a exclusão do aluno. Nos outros dois exemplos, os pronomes em primeira

pessoa são retóricos.

Já os pronomes pessoais e possessivos em terceira pessoa favorecem

ao professor atuar sobre o aluno, estimulando-o a realizar ações, ou seja, é uma

forma de instigar um sujeito ativo, que busca aprender a aprender. Nos trechos a

seguir, notamos essa atuação e esse estímulo.4

“Podemos dizer que o texto revela o inconformismo do eu poético em não poder falar o que pensa? Justifique sua resposta.” (Aula de 2005/1) “[...] sugerimos que você fizesse um levantamento de suas dificuldades de aprendizagem. Aqui, gostaríamos que você exercitasse sua capacidade de compreensão para a resolução das questões objetivas e de produção de texto para a resolução da questão subjetiva. (Aula de 2007/1) “Os autores reforçam um aspecto para o qual chamamos sua atenção [...]” (Aula de 2008/1) “[...] se você não a pratica no seu dia-a-dia, procure exercitá-la [...]” (Aula de 2008/1)

7.6 PERGUNTAS

4 Na aula de 2006/1, não encontramos essa marca lingüística.

76

Ao realizar atos pragmáticos de perguntas, o MI busca sensibilizar o

aluno para a aprendizagem, promover momentos de reflexão, encaminhá-lo para

o desenvolvimento do pensamento autônomo, despertar sua curiosidade. Em

algumas situações, para promover a interação, o professor ecoa a possível voz do

aluno, em que este questiona o que está sendo exposto.

Em exemplos como “Você já parou para pensar que ao anotar os dados

de um cheque (data, valor, destinatário) no canhoto do talão, está fazendo isso

para evitar de esquecê-los no futuro[?]” (Aula de 2005/1), o professor faz uma

pergunta ao aluno relacionada com o conteúdo que está exposto, promovendo,

assim, que a reflexão sobre esse conteúdo.

Analisemos o trecho a seguir:

“Conforme a legislação vigente, a mensagem de correio eletrônico só terá valor documental, ou seja, só será aceita como documento original se trouxer certificação digital atestando a identidade do remetente, na forma especificada por lei.

O que é Certificação digital? São regras técnicas e meios para habilitar instituições públicas e entidades privadas que

pretendam validar juridicamente documentos produzidos, transmitidos ou obtidos sob a forma eletrônica.” (Aula de 2007/1)

Na situação exposta, podemos notar o professor ecoando a possível voz

do aluno, quando está expondo que o e-mail só tem valor documental se trouxer

certificação digital. Nesse momento, o aluno que não sabe o que significa

“certificação digital” faz a pergunta “O que é Certificação digital?”. É uma situação

típica da modalidade presencial em que o professor está expondo oralmente o

assunto e um dos alunos levanta o braço e faz a pergunta.

Em “Então o e-mail possui uma estrutura???

Sim. O correio eletrônico possui uma estrutura, vamos vê-la?” (Aula de

2007/1), o professor simula que o aluno fez uma pergunta sobre o e-mail, a qual é

77

respondida na seqüência e o aluno é convidado a estudar sua estrutura por meio

de uma outra pergunta.

Na situação “Como explicitar os pré-requisitos da primeira aula de língua

portuguesa no primeiro período? O que dizer a você nesse momento?” (Aula de

2008/1), o professor aparenta estar bem próximo do aluno, fazendo perguntas a

ele para sensibilizá-lo para a aprendizagem.

Em outras situações são apresentadas apenas perguntas diretas para o

aluno, que devem ser respondidas por meio da apresentação da teoria, como, por

exemplo, “Quais são esses níveis de linguagem?” (Aula de 2007). O aluno obtém

a resposta a essa pergunta no próximo subtítulo que apresenta os níveis de

linguagem. Outro exemplo é o título da aula do caderno de 2006 (“O que é Língua

Padrão”?). O conteúdo apresentado na aula responde a esse questionamento.

Nos trechos da aula de 2008/1, “Você sabe o que é “levar uma tábua”?

Pergunte aos seus pais... O importante é que você saiba que [...]” e “E em uma

conversa em chat ou msn? Você escreveria seus textos de que forma? Utilizaria a

mesma estrutura e vocabulário que utiliza quando faz um requerimento na

universidade?”, o aluno não tem resposta do professor exposta no conteúdo.

Nesses trechos, estimula-se a curiosidade e a reflexão do que está sendo exposto

na aula.

Também há casos de perguntas que devem ser respondidas pelo aluno.

Isso ocorre principalmente nas atividades em que o aluno é conduzido a medir a

sua aprendizagem, é o que podemos observar em:

“Por que algumas variantes da língua portuguesa são desprestigiadas?” (Aula de 2007/1) “Qual é a solução vislumbrada pelo texto para que não haja contradição entre lei e realidade brasileira?” (Aula de 2007/1)

78

“Compare as definições de língua dadas por Fiorin, Faraco, Marcuschi e Geraldi. O que há em comum nas definições? Que característica da língua é citada por todos eles?” (Aula de 2008/1)

Essas questões são esperadas, a interação que provocam mantém o

aluno no seu papel de aprendiz, não o constitui exatamente como o interlocutor

da interação da mesma maneira que as perguntas anteriores.

7.7 CONVITES, SUGESTÕES, CONSELHOS, SOLICITAÇÕES

Os convites, as sugestões, os conselhos, as solicitações são marcados

pelo uso do dêitico você, verbos em primeira pessoa do plural, formas de

imperativo, pronomes pessoais e possessivos, entre outras. É importante que o

MI motive o aluno à aprendizagem, à superação de suas dificuldades, à visão

crítica, à pesquisa, à criatividade, à construção de sua independência. A seguir,

mencionamos alguns exemplos de convites, sugestões e/ou solicitações.

“Se você está curioso e quer recordar mais sobre como era a vida no período militar, acesse os sites [...]” (Aula de 2005/1) “Se você tem dúvidas sobre esse assunto, a lição 10 trata dessas questões. Além da preocupação com a estrutura, você deve se preocupar também com as demais normas de redação [...]” (Aula de 2007/1) “Para navegar nos estudos, acesse os sítios indicados!” (Aula de 2007/1) “Nos comentários da primeira unidade, sugerimos que você fizesse um levantamento de suas dificuldades de aprendizagem. Aqui, gostaríamos que você exercitasse sua capacidade de compreensão para a resolução das questões objetivas e de produção de texto para a resolução da questão subjetiva. Observe que, nos comentários, nosso foco é fazer com que você, progressivamente, desenvolva suas habilidades de leitura, compreensão, produção de textos e resolução de questões.” (Aula de 2007) “O principal é você “baixar a guarda” em relação a esta disciplina, ou seja, estar aberto à sistematização de conhecimentos que, com certeza, você já possui. O que não queremos ouvir é “não sei português”, pois quem nasceu neste país utiliza essa língua desde seus primeiros anos de vida! Então o que esperamos é que você utilize o que já sabe para avançar um pouco mais. Você verá que estudar sua própria língua não é nenhum bicho-de-sete-cabeças!” (Aula de 2008/1) “Uma observação importante diz respeito à variedade padrão: se você não a pratica no seu dia-a-dia, procure exercitá-la, pois todas profissões utilizam linguagem técnica, que tem por base a língua padrão (culta).” (Aula de 2008/1)

79

O que percebemos nesses exemplos é que o aluno é convidado/

aconselhado a estudar e a pesquisar mais, a superar suas dificuldades, a tomar

certos cuidados no uso da língua. É constituído como um sujeito interlocutor da

situação sociointerativa no diálogo que se estabelece.

7.8 EXEMPLIFICAÇÃO

O uso de exemplos no MI é importante para ajudar o aluno a

compreender principalmente os assuntos mais abstratos e também relacioná-los

com sua experiência cotidiana. Na seqüência, apresentamos alguns exemplos

que têm esse perfil.

“Para exemplificar [transferência], vamos ler o fragmento de texto da carta de Pero Vaz de Caminha. [...] No fragmento de texto que você acabou de ler, são retratados os primeiros contatos entre europeus e a nova terra. As informações eram dirigidas a El Rei D. Manuel para informá-lo sobre a terra descoberta. Essas informações são transferidas para hoje depois de cinco séculos. Esta transferência de informações de tempos distantes para o momento atual justifica dizer que a língua escrita tem a finalidade de transferir.” (Aula de 2005/1)

“[...] social – observa-se o uso de dupla negação, como “ninguém não viu”, “eu nem não gosto”, presença de [r] em lugar de [l] em grupos consonantais, como em “brusa”, “grobo” nas falas de grupos situados abaixo na escala social.” (Aula de 2006/1) “Na língua culta ou padrão, podemos perceber a obediência às regras gramaticais, como a posição dos pronomes em relação aos verbos (... que lhe parecia mais adequada.../ ..., aplicar-se-ia.../..., passou-se.../); há obediência também à regência verbal e nominal (... ficava sujeito aos humores do juiz.../ ... um sistema de aplicação de penas.../... passou-se a adotar...), entre outros. Observamos também que o léxico (vocabulário) é mais bem trabalhado, com palavras escolhidas que realmente representam o que se quer dizer, sem ambigüidades.” (Aula de 2007/1) “Por exemplo, se publicarmos uma descoberta científica em um jornal, utilizaremos uma linguagem diversa daquela que utilizaríamos se publicássemos a mesma descoberta em uma revista científica. E em uma conversa em chat ou msn? Você escreveria seus textos de que forma? Utilizaria a mesma estrutura e vocabulário que utiliza quando faz um requerimento na universidade?” (Aula de 2008/1)

O que percebemos, nesses trechos, é que o professor utiliza exemplos

para deixar o conteúdo mais compreensível, contribuindo, assim, para a

aprendizagem do aluno. Os exemplos contribuem para reativar os conhecimentos

80

prévios e “facilitar a incorporação de novas informações aos conhecimentos aos

esquemas mentais preexistentes” (SALGADO, 2005, p. 156).

Além da exemplificação, que algumas vezes nem é marcada pelo termo

“exemplo”, há uso de outras marcas que tornam o texto mais interativo, como é o

caso da aula de 2008/1. A utilização de uma situação que remete nitidamente à

realidade do aluno enriquece o exemplo.

Concorrendo com isso, ocorre tratamento irregular em outras situações,

pois onde seria necessário mencionar exemplos, há ausência deles. É o que

acontece na exposição de alguns temas das aulas de 2005/1, 2006/1 e de 2008/1.

Na aula de 2005/1, não é apresentado exemplo apenas para o item

“preservação”. Na aula de 2006/1, o exemplo de variação geográfica não é

comentado. Apenas é indicado para ler e verificar a variação (“Leia o texto abaixo

e verifique como a variação geográfica ocorre”) e exposto o texto. Não há menção

a exemplos para a variação lingüística de sexo e profissão, como pode ser notado

na seqüência:

“c) sexo – a maneira como os homens articulam a língua é diferente da maneira como as mulheres o fazem. d) profissão – há vocabulário específico de cada comunidade profissional.”

Esse mesmo assunto tem tratamento diferente no caderno de 2007/1:

“Por exemplo, na nossa sociedade, o uso de expressões vulgares é mais aceito para o sexo masculino do que para o feminino. Assim como, segundo pesquisas, as mulheres dominam mais a língua culta do que os homens.

Um outro exemplo que ilustra a relação masculino-feminino é o fato de o celebrante, no momento da união religiosa, dizer: “Eu vos declaro marido e mulher”, ou, então, a mulher dizer: “Esse é o meu marido”, enquanto o homem diz: “Essa é a minha mulher”. É claro que, quando a mulher diz: “Esse é o meu homem”, há uma outra conotação que, talvez, não seja bem aceita socialmente.”

81

O problema que há na aula de 2007/1, é que os exemplos sobre os níveis

de linguagem são comentados depois da exposição de exemplos de todos os

níveis, que acaba dificultando a compreensão do aluno.

Na aula de 2008/1, também faltam exemplos em alguns temas, como em

variação diatópica, diastrática e diafásica. Em relação ao primeiro tema, o

professor menciona “Como exemplos de variação diatópica, podemos citar (entre

tantos outros existentes) os relativos ao léxico, à ordem fonológica e à

morfossintática”, mas essa referência não exemplifica nada para o aluno.

7.9 PARÁFRASE

A paráfrase é uma estratégia lingüístico-textual importante para o material

impresso para a EaD. Ela favorece a comunicação das idéias de forma simples,

clara, precisa, sem ambigüidades, contribui para o pensamento autônomo:

aprender a aprender. Além disso permite a presença da hipertextualidade no MI.

Nas aulas de 2005/1 e 2006/1, não há paráfrase explícita. Na aula de

2007/1, há menção apenas a uma: “Petri diz que o processo de variação dialetal

pode ocorrer tanto horizontal, quanto verticalmente.” Ela aparece com mais

freqüência na aula de 2008/1. Destacamos dois trechos que apresentam a

paráfrase.

“Os autores reforçam um aspecto para o qual chamamos sua atenção: respeitar a variedade trazida pelo estudante de seu meio cultural não significa deixá-lo sem conhecer e, conseqüentemente, sem aprender a língua padrão.” “Podemos perceber o que os autores afirmam quando entramos em contato com gêneros que não fazem parte do nosso dia-a-dia, como um boletim de ocorrência policial, por exemplo. Com certeza, estranharíamos a estrutura e o vocabulário normalmente utilizados nesse gênero. Isso estuda a variação diamésica.”

7.10 RETOMADA

82

É importante o professor retomar os conteúdos expostos, recapitulá-los,

concluí-los, sintetizá-los, pois isso facilita a compreensão dos alunos, reforça os

conteúdos trabalhados, contribuindo para a construção do conhecimento.

Mencionamos a seguir alguns exemplos em que a retomada foi utilizada.

“Neste capítulo, nós trabalhamos com a língua e com a finalidade do uso da escrita. Você pôde perceber que a escrita possibilita ao homem voltar ao passado, apropriar-se

do conhecimento, não ser atraído pela memória, compreender o que se passa no mundo, divertir, em fim que a escrita possibilita-nos participar da sociedade, opinar sobre os problemas, dar sugestões para transformar o homem e o meio.” (Aula de 2005/1)

“Nesta aula estudamos a língua padrão e as situações em que ocorre a variação lingüística.” (Aula de 2006/1) “Neste tema, estudamos que a língua marca nossa procedência, o grau de escolaridade, entre outros fatores.” (Aula de 2006/1) “Vimos que os níveis de linguagem variam por muitos fatores, como nível social, de escolaridade, econômico, por região, profissão e até mesmo por idade, sexo, situação de comunicação etc. Observamos também que nenhum nível é ‘melhor’ que outro: eles são, apenas, utilizados em comunidades lingüísticas distintas ou em situações específicas.” (Aula de 2007/1) “Como você já tinha visto antes, a língua é produto social, enquanto que a fala é individual, particularizada, meio pelo qual a língua se realiza por determinado sujeito.” (Aula de 2008/1) “Recapitulando: a linguagem é uma característica humana universal, enquanto a língua é a linguagem particular de uma comunidade, um grupo, um povo. Já a fala é a realização concreta da língua feita por um indivíduo.” (Aula de 2008/1)

Na aula de 2006/1, a retomada é bastante rápida e simples. Ela é mais

utilizada na aula de 2008/1.

7.10 MARCAS DE IMPESSOALIDADE

Muitas vezes o texto interativo é tão influenciado pela formalidade do

texto escrito, que, provavelmente, a perda da interatividade no estilo nem é

percebida pelo professor autor. A impessoalidade apresenta-se com o sujeito

genérico, verbos acompanhados de se (seja como partícula apassivadora, seja

como índice de indeterminação), nominalização, voz passiva. Ela aparece com

83

freqüência nas aulas de 2005/1, 2006/1 e 2007/1. Exemplos de impessoalidade

são mostrados a seguir.

“Através da língua escrita, o homem enuncia seus pensamentos [...]” (Aula de 2005/1) “[...] estilística – qualquer pessoa muda sua fala de acordo com o(s) seu(s) interlocutor(es) [...] Ou seja, todo falante varia sua fala segundo a situação em que se encontra.” (Aula de 2006/1) “Os parâmetros da variação lingüística são diversos, como se pode inferir da exposição feita até aqui.” (Aula de 2006/1) “[...] recomenda-se solicitar, no final da mensagem, confirmação de recebimento.” (Aula de 2007/1) “É preciso entender que para cada situação existe uma forma de falar.” (Aula de 2006/1) “[...] é importante salientar que diferentes autores apresentam diferentes classificações para os níveis de linguagem.” (Aula de 2007/1) “Sócio-político-cultural – a escrita é usada para atender as nossas dimensões sociais, políticas e culturais.” (Aula de 2005/1)

7.11 ATIVIDADES

As atividades são essenciais no MI, uma vez que é por meio delas que o

aluno verifica sua compreensão em relação ao conteúdo estudado, promove a

recuperação das informações e mede sua aprendizagem. É uma das formas de

levar o aluno a participar ativamente do processo de construção do conhecimento.

Por isso elas precisam ser relevantes, criativas, claras, proporcionar a reflexão, a

produção, a ação do aluno, conduzi-lo a relacionar a teoria com a prática.

A aula de 2005/1 apresenta cinco questões, mas apenas duas estão

relacionadas ao conteúdo da aula. A aula de 2006/1 contém apenas uma

atividade. As duas aulas cobram apenas parte do conteúdo exposto e também

não proporcionam reflexão. Essas atividades são mencionadas a seguir.

“4 - O autor quando utilizou a língua escrita n[a] música [Cálice], o fez com uma finalidade. Levando em consideração a época da repressão que finalidade tem a escrita dessa música? 5 - Numa sala de aula, o professor de Português aplica como atividade uma produção textual. Os alunos, antes de produzirem o texto, devem organizar um plano geral para as suas redações. Neste caso, a escrita foi usada com a finalidade de ______________________________.” (Aula de 2005/1)

84

“Leia o trecho abaixo também retirado da seção de cartas da revista Veja, de 13/4/2005. [...] Através da linguagem utilizada pelo autor(a), podemos identificar o sexo, a faixa etária, a região, a escolaridade, nível social, o ponto de vista. Identifique esses itens e comente de que forma você conseguiu identificá-los.” (Aula de 2006/1)

Na aula de 2007/1, as atividades cobram todo o conteúdo exposto.

Diferentemente das aulas anteriores, promovem a reflexão do aluno, que terá de

analisar para respondê-las, não basta apenas procurar no texto. Há questões

objetivas e subjetivas. Em uma delas, o aluno colocará em prática o que aprendeu

sobre e-mail. Os comandos das questões são citados a seguir.

“1. Por que algumas variantes da língua portuguesa são desprestigiadas? (questão objetiva) 2. Leia o seguinte texto de Marcos Bagno (1999, p.17) [...] Qual a sua opinião: a Constituição é que deve mudar o seu nível de linguagem ou todos os usuários da nossa língua é que devem dominar essa “língua oficial”? Faça um texto de 10 a 15 linhas argumentando em favor de seu posicionamento. 3. Marque a alternativa Correta. O poder público, de um lado, atesta a igualdade de todo brasileiro perante a lei; por outro lado, utiliza uma linguagem não acessível a todos. Qual é a solução vislumbrada pelo texto para que não haja contradição entre lei e realidade brasileira? 4. Analise as proposições sobre os níveis de linguagem discutidos nas aulas e no texto de Marcos Bagno. [...] Marque a opção correta. 5. Escreva duas mensagens de e-mail. Na primeira, você irá informar ao seu colega da existência de uma vaga para trabalhar na Komunik & Ação, uma grande empresa de sua cidade. Lembre-se de preencher as informações de forma clara, para que não existam dúvidas quanto a seu objetivo.”

Na aula de 2008/1, as atividades, na sua maioria, não promovem a

autonomia do aluno, basta reler a aula e encontrar as repostas. Dão ênfase à

terminologia que não acrescenta nada ao aluno. Condena-se o preconceito

lingüístico, a ênfase à gramática, em contrapartida cobra-se o significado de

termos que não acrescentam nada aos alunos.

1 – Compare as definições de língua dadas por Fiorin, Faraco, Marcuschi e Geraldi. O que há em comum nas definições? Que característica da língua é citada por todos eles? 2 – Relacione as definições da segunda coluna de acordo com o fenômeno da primeira. (1) Língua (2) Linguagem (3) Fala ( ) Ação individual, com características particulares. ( ) Faculdade da espécie humana. ( ) Atividade social e histórica desenvolvida de forma interativa entre os indivíduos. 3 – Analise as assertivas a seguir e relacione-as ao tipo adequado de variação lingüística, respectivamente.

85

I – Variação apresentada em diferentes regiões de um mesmo país ou em países que falam a mesma língua. II – Variação constatada na diferença entre a língua falada por indivíduos escolarizados e indivíduos menos escolarizados. III – Variação lingüística em decorrência da situação de fala, do contexto de produção e meios de distribuição dos textos. IV – Variação que ocorre na história externa e interna das línguas, ou seja, na evolução ao longo do tempo em sua função social e em sua gramática e léxico. Marque a alternativa correta.

a. Diacrônica, diamésica, diatópica e diastrática. b. Diacrônica, diamésica, diastrática e diatópica. c. Diamésica, diastrática, diatópica e diacrônica. d. Diatópica, diastrática, diamésica e diacrônica.

4 – Observe os dois enunciados: (1) Nós vamos estudar língua portuguesa neste semestre; (2) Nóis vai estudá língua portuguesa neste semestre. Que variação (diacrônica, diatópica, diastrática, diamésica ou diafásica) ocorre entre os enunciados (1) e (2)? Justifique sua resposta.

Como em EaD o aluno faz as atividades sozinho, é importante o professor

apresentar comentários, proporcionar explicações complementares. Assim o

aluno terá como avaliar sua aprendizagem.

Não há comentário das atividades na aula de 2005/1. Na de 2006/1, o

comentário não acrescenta informação além do que já está no comando da

questão. Vejamos.

Neste tema, estudamos que a língua marca nossa procedência, o grau de escolaridade, entre outros fatores. Com essa atividade, propomos que você identifique no autor do texto as características marcantes de sua faixa etária, sexo, escolaridade, região.

No comentário da aula de 2007/1, o professor não dá instruções sobre as

repostas das atividades, ele incentiva o aluno a superar suas dificuldades, a

resolver as questões propostas e chama a atenção para a função dos

comentários. Observemos.

Nos comentários da primeira unidade, sugerimos que você fizesse um levantamento de suas dificuldades de aprendizagem. Aqui, gostaríamos que você exercitasse sua capacidade de compreensão para a resolução das questões objetivas e de produção de texto para a resolução da questão subjetiva. Observe que, nos comentários, nosso foco é fazer com que você, progressivamente, desenvolva suas habilidades de leitura, compreensão, produção de textos e resolução de questões.

Na aula de 2008/1, o professor dá as repostas, comenta-as e relaciona-

as com os objetivos propostos para a aula. Vejamos.

86

As atividades 1 e 2 proporcionaram a você verificar se atingiu o objetivo de comparar os diversos conceitos de lingüistas em relação à língua, linguagem e fala. Na primeira atividade, a característica recorrente em todas as definições de língua dadas pelos lingüistas é em relação à língua ser uma “experiência histórica”, uma “condição de seres históricos”, uma “atividade sócio-interativa”, produto de “trabalho social e histórico”, fenômeno “sociológico e histórico”. Assim podemos constatar que para todos os autores a língua é construída pelos indivíduos sociais e históricos. [...]

7.12 ESTRUTURA DA AULA

Quando o MI é bem estruturado proporciona clareza do que está sendo

exposto. A estrutura deve propiciar a interação com o aluno, já que o professor

está ausente. Cada seção da aula tem uma função específica, por exemplo, os

pré-requisitos devem informar ao aluno o que ele precisa saber para acompanhar

melhor a aula, onde ele pode buscar as informações e por que essas informações

são importantes para a aula. A introdução informa ao aluno o que será estudado.

A síntese retoma os principais assuntos da aula. A seção na próxima aula liga os

assuntos entre a aula já estudada e a próxima.

Normalmente, em cursos presenciais, o professor vai expondo tudo isso

oralmente, no início da aula revê a aula anterior, expõe os objetivos, o assunto

que será discutido. No final, retoma as principais informações e já prepara o aluno

para a próxima aula. Assim, ao se estruturar o MI, há uma tentativa de se imitar o

que acontece nas aulas presenciais.

Ao analisar o corpus, nota-se que a estrutura das quatro aulas não é a

mesma. Alguns passos aparecem como seções em todos os cadernos, como a

apresentação dos objetivos, a introdução, o desenvolvimento do conteúdo, a

síntese. A estrutura do MI da UNITINS foi sendo aperfeiçoada a cada semestre.

87

Diferentemente das outras aulas, a de 2005/1 não apresenta as seções de

forma explícita. Elas são apresentadas na medida em que o conteúdo da aula é

exposto. A aula inicia com uma introdução em que o professor expõe o que será

visto na aula. Depois menciona os objetivos. Na seqüência, desenvolve o

conteúdo da aula, apresenta os exercícios. No final sintetiza as informações e faz

referência à próxima aula. Nos boxes, são apresentados os exemplos, algumas

informações extras e indicação de site para ampliar o que foi exposto.

Nas outras aulas, as seções são expostas de forma explícita. A de 2006/1,

primeiramente, expõe os objetivos. Depois apresenta a introdução, que se mistura

com o desenvolvimento, visto que o professor não usou subtítulo para separar as

duas seções. Na seqüência, há uma síntese extremamente enxuta (“Nesta aula

estudamos a língua padrão e as situações em que ocorre a variação lingüística.”).

A aula encerra com a atividade e comentário sobre ela.

Na aula de 2007/1, são incluídas outras seções. A aula inicia com a meta

do professor, os objetivos e a introdução. O desenvolvimento do assunto é dividido

em subtítulos. O que pode prejudicar a compreensão do aluno é a forma como o

professor optou para expor os níveis de linguagem: ele explica cada um dos níveis

e exemplifica-os com um texto que é adaptado para cada um dos níveis, mas só

os comenta após a apresentação de todos os níveis. Quando o aluno for ler os

comentários, já não lembra os detalhes do exemplo, o que

acaba prejudicando a interatividade. Depois o professor

sintetiza a aula, indica sites, mas sem comentar a

importância do acesso indicado. Na seqüência, apresenta

cinco atividades, comentário, referências. Encerra a aula

com as informações sobre a próxima aula. Há vários boxes que destacam

88

perguntas e conselhos referentes ao assunto exposto na aula, os exemplos de

níveis da linguagem, o que torna a aula mais interativa.

Nas aulas de 2005/1, 2006/1 e 2007/1, era usado o telinho para chamar a

atenção do aluno para as atividades ou para algum detalhe importante da aula.

A estrutura da aula de 2008/1 é semelhante à de 2007/1. A de 2008/1,

não tem meta da aula, o pré-requisito é mais detalhado. O professor articula

coesivamente a exposição do assunto, como podemos observar nos trechos a

seguir.

“Começaremos esta aula conhecendo várias definições de língua dadas por alguns lingüistas brasileiros renomados. Você verá que grande parte deles sente dificuldade em defini-la, não por falta de conhecimento, mas por causa de sua complexidade. Vamos às definições.

[...] Fecharemos a conceituação com João Wanderley Geraldi [...] Mas ainda há um termo que precisa ser definido antes da continuidade dos nossos

estudos: fala. [...] Recapitulando: a linguagem é uma característica humana universal, enquanto a língua

é a linguagem particular de uma comunidade, um grupo, um povo. Já a fala é a realização concreta da língua feita por um indivíduo. [...]

Já vimos variações diacrônica, diatópica e diastrática. Agora veremos a diamésica.” Essa forma de desenvolver o assunto torna a aula bastante envolvente e

interativa. Também, há conclusão do que foi exposto; síntese, que retoma

brevemente as informações; atividades; comentários, que apresentam as

repostas das questões e a relação delas com os objetivos propostos para a aula.

A aula é finalizada com as referências bibliográficas e informações sobre a

próxima aula. Além disso, o professor utiliza as seções “saiba mais” e “fique

atento” para apresentar informações extras, chamar a atenção do aluno para

algum detalhe importante do conteúdo. Usa boxes para dialogar com o aluno e

destacar alguns assuntos.

Percebemos que, se a aula segue uma estruturação coesa e bem

articulada, ela se presta à maior interatividade. O aluno tem mais facilidade para

compreender o que vai sendo explicado.

89

O quadro seis apresenta uma síntese da análise das marcas lingüístico-

textuais tanto das que promovem a interação quanto das que a prejudicam.

Quadro 6 – ANÁLISES DAS MARCAS LINGÜÍSTICO-TEXTUAIS INTERATIVAS/NÃO

INTERATIVAS

2005/1 2006/1 2007/1 2008/1 VOCATIVO Aparece um só

vocativo. Não há. Não há. Não há.

DÊITICO “VOCÊ”

A maioria do uso dos dêiticos

“você” é interativo.

Presença de apenas dois

dêiticos “você”, mas bastante

interativos.

Uso freqüente de “você” (todos interativos).

Uso constante de “você” (bastante

interativos).

VERBOS NA PRIMEIRA

PESSOA DO PLURAL

Uso de alguns verbos em

primeira pessoa do plural

interativos.

Uso constante da primeira pessoa do

plural.

Há verbos de primeira pessoa do plural interativos.

Há verbos na primeira pessoa do plural interativos.

FORMAS DE IMPERATIVO

Há verbos no imperativo.

Uso de alguns verbos no imperativo.

Formas de imperativo com

maior freqüência, não apenas nas

atividades.

Uso de formas de imperativo com

maior freqüência, não apenas nas

atividades. PRONOMES PESSOAIS E

POSSESSIVOS

Pouco uso de pronomes pessoais e

possessivos.

Pouco uso de pronomes pessoais e

possessivos.

Há pronomes pessoais e

possessivos.

Há pronomes pessoais e

possessivos.

PERGUNTAS Presença de poucas

perguntas.

Uso de uma só pergunta (título

da aula).

Uso de várias perguntas bastante

interativas.

Uso de perguntas bastante

interativas.

SUGESTÕES, CONSELHOS, CONVITES E

SOLICITAÇÕES

Sugestão de site para ampliar um dos tópicos da

aula.

- Há indicação de sites.

- Vários conselhos, alertas, instruções.

Há conselhos, alertas.

EXEMPLIFI- CAÇÃO

Nem toda a teoria exposta é exemplificada.

- Há exemplo não comentado.

- Nem toda teoria ser

exemplificada.

- Há exemplificação

constante.

Nem toda a teoria é exemplificada.

PARÁFRASE Há uso de paráfrases.

RETOMADA Há algumas retomadas.

Uso constante das retomadas.

MARCAS DE IMPESSOA-

LIDADE

Em alguns trechos, o discurso é impessoal.

Uso de marcas impessoalidade.

-Há uso de formas de impessoalidade.

- Em alguns trechos, não há

marca alguma de interação, apenas mera exposição do

conteúdo.

Há uso de marcas de

impessoalidade.

90

ESTRUTURA DA AULA

- A estrutura não é explicitada.

- O título da aula é restrito. - Não há

conclusão do conteúdo.

- O título da aula não contempla

todo o conteúdo. - O

desenvolvimento da aula se

mistura com a introdução.

- A síntese é bastante enxuta.

- A estrutura da aula é explícita

- Os pré-requisitos são vagos.

- A introdução não está clara.

- A síntese retoma brevemente os

assuntos estudados.

Há informações sobre a próxima

aula.

- A estrutura é explÍcita e bem aproveita para a

promoção da interação.

- Os pré-requisitos são claros e

bastante interativos.

- A introdução é clara; o

desenvolvimento da teoria é

bastante dialógico, bem coeso;

há conclusão da aula.

- A síntese retoma brevemente os

assuntos. - As informações sobre a próxima

aula estabelecem elo entre as aulas.

ORGANIZA- ÇÃO DAS

ATIVIDADES DIDÁTICO-PEDAGÓ-

GICAS

- Os objetivos propostos não

estão relacionados

com as atividades.

- As atividades retomam

apenas parte da teoria, não

estimulam a construção da autonomia do

aluno.

- O objetivo não é claro e nem

está relacionado com a atividade.

- Há só uma atividade que

retoma apenas uma parte da

teoria.

- Nem todos os objetivos da aula

são contemplados nas atividades.

- Atividades retomam todo o

conteúdo da aula, promovem a

reflexão, a prática do assunto estudado. - Questões

diversificadas. - No comentário,

há incentivo para o aluno superar as

dificuldades e fazer as atividades.

- Atividades enfatizam a terminologia.

A maioria das questões não

promove a autonomia.

- Os objetivos estão relacionados com as atividades. - Os comentários

das atividades indicam as respostas.

Outras análises

- Abordagem sobre a linguagem da

internet (assunto relevante para o aluno de EaD).

- Em várias situações o

professor ecoa a voz do aluno.

- Uso de boxes bastante

interativos. - Presença da

hipertextualidade.

- Ênfase à terminologia.

- Uso das seções saiba mais e fique

por dentro.

91

A partir dessa análise, percebemos que a busca pela interatividade

apresenta vários níveis de eficácia, algumas aulas são menos interativas. As

menos interativas são a de 2005/1 e a de 2006/1. A aula de 2007 e a de 2008 são

mais interativas. Na aula de 2007/1, o número de fatores que promovem a

interação é bem maior do que os que a prejudicam. Na de 2008, esse número

quase se iguala, porém as estratégias lingüístico-textuais que promovem a

interação são muito bem aproveitadas pelo professor. O que diferencia a aula de

2007/1 da 2008/1, é que, na primeira, toda teoria é exemplificada e as atividades

são bem interessantes; enquanto, na segunda, há falta de exemplos e as

atividades dão ênfase à terminologia.

Portanto, neste capítulo, analisamos as aulas de 2005/1, 2006/1, 2007/1

e de 2008/1 de Língua Portuguesa para caracterizar a concepção de linguagem

utilizada na elaboração do material do Sistema EaD-UNITINS. Apresentamos as

estratégias lingüístico-textuais que verificamos marcar aqui a interação: vocativo,

dêitico você, verbos na primeira pessoa do plural, formas de imperativo,

pronomes pessoais e possessivos, perguntas, convites, sugestões e solicitações,

exemplificação, paráfrase, retomada. Além dessas marcas, as atividades e a

estrutura da apresentação da aula também colaboram para a interatividade do MI.

92

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A investigação objetivou a caracterização da concepção de linguagem

utilizada na elaboração do material no Sistema EaD-UNITINS. Para isso, foram

considerados os princípios filosóficos e teórico-metodológicos gerais que norteiam

as práticas acadêmicas a partir do que é exposto no PDI. Vimos que a UNITINS

opta pela educação como um processo de formação e interação social, em que se

levam em consideração os princípios da autonomia, da investigação, do trabalho

cooperativo, da dialogicidade, da construção e da re-construção do conhecimento.

Ou seja, a instituição opta pela por perspectivas sociointeracionistas de

linguagem.

Se há a opção pelo sociointeracionismo, a linguagem utilizada no material

para EaD não pode ser concebida como mero instrumento de informação, mas

como caminho privilegiado de interação. Interagir é atuar sobre o outro no

processo de construção do conhecimento. Os sujeitos são vistos como

atores/construtores sociais. Assim o professor não é o agente exclusivo da

informação e formação dos alunos, seu papel é atuar como mediador, ou seja,

direcionar o aluno a construir conhecimentos dos quais ainda não se apropriou, a

93

que Vigotski (1996) denominou de zona de desenvolvimento proximal ou potencial

(ZDP).

Na perspectiva sociointeracionista, o conhecimento é construído a partir

de processos de interação social que se estabelecem entre os sujeitos. Vigotski

(1996) defende a teoria de que o desenvolvimento do sujeito começa com o

relacionamento entre as pessoas (nível social) para depois se reorganizar no

interior do sujeito (no nível individual). Portanto a construção do conhecimento se

dá por meio das relações (interações) com os outros.

Para verificar se a linguagem utilizada na elaboração do material da

UNITINS ao longo de quatro anos é compatível com os princípios da abordagem

sociointeracionista proposta, identifiquei algumas marcas lingüístico-textuais

interativas: vocativo, dêitico “você”, verbos na primeira pessoa do plural, formas

de imperativo, pronomes pessoais e possessivos, perguntas, convites, sugestões,

conselhos e solicitações, exemplificação, paráfrase, retomada, organização das

atividades didático-pedagógicas e a própria estrutura da apresentação da aula.

É evidente que a simples presença dessas marcas não é suficiente para

promover a interação. Por exemplo, o dêitico “você” e os pronomes pessoais e

possessivos às vezes aparecem apenas em funções retóricas, com

enfraquecimento da função interativa propriamente dita. Os verbos em primeira

pessoa do plural, em determinadas ocasiões, excluem o aluno. Ausência de

exemplos ou a falta de o professor relacionar exemplos com a teoria exposta,

fazer pouco uso da retomada ou preferir marcas de impessoalidade tornam as

aulas menos interativas.

Ao examinar as aulas desde 2005/1 até 2008/1, notamos nitidamente que

a interação vai se efetivando mais eficazmente sobre as marcas lingüísticas. As

94

aulas de 2005/1 e a de 2006/1 apresentam menos marcas lingüístico-textuais de

interação. Essa constatação é compreensível, uma vez que os professores não

estavam preparados para a construção de um material mais interativo. Mas

mesmo assim ainda conseguem superar a metodologia tradicional, a mera

transmissão de informações.

A aula de 2007 e a de 2008 são mais interativas, uma vez que

apresentam mais marcas lingüístico-textuais interativas. Os professores

conseguem aproveitar melhor essas marcas e manter um diálogo constante com

o aluno. Percebe-se, assim, a evolução da produção do MI.

Diante da análise feita, constata-se que, no material da UNITINS

examinado, há o predomínio da linguagem como forma ou processo de

interação, evidentemente que não da mesma forma em todas as aulas

analisadas. Ou seja, houve semestres em que o material estava mais, outros

menos, compatível com o que é proposto no PDI.

Portanto, para que o MI venha realmente a ter o perfil sociointeracionista

que seus propósitos explicitam, é necessário que o professor autor supere a

influência da formalidade do texto escrito; apresente atividades que realmente

contribuam para a construção do conhecimento; estimule seu aluno a ser tornar

cada vez mais autônomo; enfatize a terminologia apenas quando for necessária

para a prática do aluno; trabalhe mais com a hipertextualidade. Só assim ocorrerá

a superação real das formas da educação “convencional”.

95

REFERÊNCIAS

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ANEXOS

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AULA – 2005/1

TEMA 01

LÍNGUA E ESCRITA

Caro (a) aluno(a), nesta primeira unidade, vamos estudar a língua e suas finalidades. É interessante e importante entender que sempre quando escrevemos temos um objetivo, sempre que colocamos nossas idéias no papel, temos em mente o “para quê” é esse texto.

Aqui analisaremos com que objetivos produzimos nossos textos.

Objetivos

• Adequar o ato verbal aos diferentes objetivos do ato comunicativo; • Refletir e analisar as intenções que levam à produção de um texto.

A Língua e suas finalidades

Através da língua escrita, o homem enuncia seus pensamentos, analisa o mundo, perpetua a história, produz arte literária, produz conhecimento acumulado ao tempo. Dessa forma, podemos apontar algumas finalidades da língua:

• Transferência – é a finalidade de superar o tempo e o espaço, transferir um ato comunicativo para um outro local ou para um outro momento. Para exemplificar, vamos ler o fragmento de texto da carta de Pero Vaz de Caminha. “Esta terra, Senhor, me parece que da ponta que mais contra o sul vimos até outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas por costa. Traz ao longo do mar, nalgumas partes, grandes barreiras, delas vermelhas e delas brancas; e a terra por cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta, é toda praia palma, chã e muito fermosa. Pelo sertão nos pareceu, do mar, muito grande, porque, a estender olhos não podia nos ver senão terra com arvoredos, que nos parecia muito longa. Nela, até agora, não pudemos saber que haja ouro nem prata, nem nenhuma coisa de metal nem de ferro; nem lho vimos...”

101

No fragmento de texto que você acabou de ler, são retratados os primeiros contatos entre europeus e a nova terra. As informações eram dirigidas a El Rei D. Manuel para informá-lo sobre a terra descoberta. Essas informações são transferidas para hoje depois de cinco séculos. Esta transferência de informações de tempos distantes para o momento atual justifica dizer que a língua escrita tem a finalidade de transferir.

• Preservação - é a finalidade de armazenar as informações nos livros, periódicos e jornais encontrados nas bibliotecas.

Através da língua escrita, podemos preservar informações, armazená-las cada vez mais para que gerações posteriores possam apropriar-se de fatos cotidianos e científicos anteriores e até mesmo atuais.

• Memorização – usa-se a língua escrita para não se esquecer de algo que deverá ocorrer no futuro.

Você já parou para pensar que ao anotar os dados de um cheque (data, valor, destinatário) no canhoto do talão, está fazendo isso para evitar de esquecê-los no futuro.

Portanto, ao escrever, o está fazendo com a finalidade de guardar, de memorizar para não ser traído pela memória com o tempo.

• • • Sócio-político-cultural – a escrita

é usada para atender as nossas dimensões sociais, políticas e culturais. Através da escrita, mantemos uma identidade cultural e

nacional. Dança do desempregado Essa é a dança do desempregado Quem ainda não dançou ta na hora de aprender A nova dança do desempregado Amanhã o dançarino pode ser você E vai levando um pé na bunda vai Vai por olho da rua e não volta nunca mais E vai saindo vai saindo sai Com uma mão na frente e a outra atrás E bota a mão no bolsinho (Não tem nada)

http://www.columbia.edu

http://www.bancotel.com

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E bota a mão na carteira (Não tem nada) E bota a mão no outro bolso (Não tem nada) E vai abrindo a geladeira (Não tem nada) Vai procurar mais um emprego (Não tem nada) E olha nos classificados (Não tem nada) E vai batendo o desespero (Não tem nada) E vai ficar desempregad

Gabriel, o pensador. http://gabriel-o-pensador.letras.terra.com.br Gabriel, o pensador utiliza a escrita para fazer uma denúncia social. Ao escrever a letra da música, da qual citamos um trecho acima, o compositor tinha a intenção de atingir a sociedade, de denunciar um dos problemas que assolam o povo brasileiro: o desemprego que cada vez mais avança. Isso justifica dizer que a escrita tem, também, a função sócio-político-cultural. A escrita é utilizada, com muita freqüência, para denunciar, criticar e sugerir novas possibilidades.

• Artística – para produzir as obras literárias como os romances, os

contos, os poemas diversos e as letras de música, os escritores utilizam uma linguagem bem elaborada, trabalhada com a intenção de vislumbrar, encantar, chamar a atenção do leitor.

Soneto da separação

De repente do riso fez-se o pranto Silencioso e branco como a bruma E das bocas unidas fez-se a espuma E das mãos espalmadas fez-se o espanto. De repente da calma fez-se o vento Que dos olhos desfez a última chama E da paixão fez-se o pressentimento E do momento imóvel fez-se o drama. De repente, não mais que de repente Fez-se de triste o que se fez amante E de sozinho o que se fez contente. Fez-se do amigo próximo o distante Fez-se da vida uma aventura errante De repente, não mais que de repente.

Vinícius de Moraes

103

Ao ler o soneto, você mergulha num mundo de palavras escolhidas para mostrar a beleza dos momentos, a tristeza dos amantes, o segundo da vida. Isso deixa claro que a finalidade do texto de Vinícius é mostrar o belo, expor a arte de trabalhar as palavras.

• Produção de conhecimento – os textos científicos são produzidos como recursos para produção de conhecimentos. Quando você lê um texto e apropria-se de algo e acumula aos seus saberes, produziu conhecimento.

O que é célula-tronco

É um tipo de célula que pode se diferenciar e constituir diferentes tecidos no organismo. Esta é uma capacidade especial, porque as demais células geralmente só podem fazer parte de um tecido específico (por exemplo: células da pele só podem constituir a pele). Outra capacidade especial das células-tronco é a auto-replicação, ou seja, elas podem gerar cópias idênticas de si mesmas.

www.estadao.com.br/educando/noticias

Como você pôde perceber, o texto “o que é célula-tronco” tem

a finalidade de explicar, fazer você conhecer o que é uma célula-tronco. A apropriação desse conhecimento foi possível através da leitura deste fragmento de texto científico.

A prática da escrita é desafiadora, significativa, necessária para a vida social. No cotidiano, a palavra pode sensibilizar, salvar, condenar, censurar, divulgar, registrar etc. Permite transmitir informações e recebê-las, manifestar opiniões e críticas sobre os outros.

É através da palavra escrita que se alcança a divulgação das informações para promover melhorias nas condições de vida de um povo.

Atividades individuais Leia o texto de Chico Buarque e Gilberto Gil e responda às questões de 1 a 4.

Cálice

Chico Buarque e Gilberto Gil

Pai, afasta de mim esse cálice Pai, afasta de mim esse cálice Pai, afasta de mim esse cálice De vinho tinto de sangue

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Como beber dessa bebida amarga Tragar a dor, engolir a labuta Mesmo calada a boca, resta o peito Silêncio na cidade não se escutaDe que me vale ser filho da santaMelhor seria ser filho da outra Outra realidade menos morta Tanta mentira, tanta força bruta

De muito gorda a porca já não anda De muito usada a faca já não corta Como é difícil, pai, abrir a porta Essa palavra presa na garganta Esse pileque homérico no mundo De que adianta ter boa vontade Mesmo calado o peito, resta a cuca Dos bêbados do centro da cidade

Como é difícil acordar calado Se na calada da noite eu me dano Quero lançar um grito desumanoQue é uma maneira de ser escutado Esse silêncio todo me atordoa Atordoado eu permaneço atento Na arquibancada pra a qualquer momento Ver emergir o monstro da lagoa

Talvez o mundo não seja pequeno Nem seja a vida um fato consumado Quero inventar o meu próprio pecado Quero morrer do meu próprio veneno Quero perder de vez tua cabeça Minha cabeça perder teu juízo Quero cheirar fumaça de óleo diesel Me embriagar até que alguém me esqueça

Para responder às questões, lembre-se da História do Brasil, do Regime Militar!

1. A censura é quase tão antiga quanto a palavra escrita. O texto mostra que na época em que foi escrito havia censura no país e também outro problema. Que problema é esse?

2. Podemos dizer que o texto revela o inconformismo do eu poético em não poder falar o que pensa? Justifique sua resposta.

3. Você já estudou denotação e conotação. Relembrando que conotação é o sentido figurado da palavra, podendo ser interpretado de acordo com

Regime Militar de 1964

Regime instaurado pelo golpe de Estado de 31 de março de 1964. Estende-se até o final do processo de abertura política, em 1985. Esse período é marcado por autoritarismo, supressão dos direitos constitucionais, perseguição policial e militar, prisão e tortura dos opositores e pela censura prévia aos meios de comunicação.

105

o contexto, procure formular uma explicação para o título da música “Cálice”

4. O autor quando utilizou a língua escrita nesta música, o fez com uma finalidade. Levando em consideração a época da repressão que finalidade tem a escrita dessa música?

5. Numa sala de aula, o professor de Português aplica como atividade uma produção textual. Os alunos, antes de produzirem o texto, devem organizar um plano geral para as suas redações. Neste caso, a escrita foi usada com a finalidade de ______________________________.

Neste capítulo, nós trabalhamos com a língua e com a finalidade do uso da escrita.

Você pôde perceber que a escrita possibilita ao homem voltar ao passado, apropriar-se do conhecimento, não ser atraído pela memória, compreender o que se passa no mundo, divertir, em fim que a escrita possibilita-nos participar da sociedade, opinar sobre os problemas, dar sugestões para transformar o homem e o meio.

Vamos juntos, agora, viajar pelo mundo da plurissignificação das palavras, que possibilita usá-las de acordo com o seu eu, em situações diferentes, com significados diferentes.

Curioso???

Se você está curioso e quer recordar mais sobre como era a vida no período militar, acesse os sites:

http://paginas.terra.com.br/arte/mundoantigo/ditadura/

www.pedagogiaemfoco.pro.br/mai3.html

106

AULA– 2006/1

Tema 01

O que é Língua Padrão?

OObbjjeettiivvoo

A disciplina de Comunicação e Expressão tem como objetivo de estudo a

língua portuguesa. Por isso, nesta nossa primeira aula, conversaremos um pouco

sobre o conceito de língua padrão para que você compreenda bem a variedade

lingüística com a qual trabalharemos nesta disciplina.

Introdução

Toda língua possui diferentes formas lingüísticas de se falar a mesma

coisa. Ou seja, há várias formas de se falar determinado enunciado. Isso quer

dizer que não há uma modalidade mais bonita ou mais feia, a não ser que

adotemos o preconceito lingüístico de achar que existe apenas uma única

maneira de se falar a nossa língua. Neste caso, estaríamos menosprezando as

condições sociais, regionais e estilísticas de cada grupo ou indivíduo.

Enunciado é toda manifestação concreta de uma frase, em situações de

comunicação. Observe o exemplo: “Como o dia está quente!” é uma frase

(gramatical) do português. Toda vez que ela for pronunciada por indivíduos

diferentes ou pelo mesmo indivíduo, em momentos diferentes, tem-se o enunciado

dessa frase.

É preciso entender que para cada situação existe uma forma de falar.

Precisamos nos adequar e procurar aceitar e respeitar a linguagem do outro.

Desse modo estamos respeitando o lugar de onde o outro vem, sua história de

vida. É por isso que a linguagem é altamente reveladora e que ela nos expõe

porque linguagem e sociedade estão ligadas entre si de modo inquestionável. Mais

107

do que isso, podemos afirmar que essa relação é a base da constituição do ser

humano. A história da humanidade é a história de seus organizadores em

sociedade e detentores de um sistema de comunicação oral, ou seja, de uma

língua.

Qualquer língua, falada por qualquer comunidade, exibe sempre variação.

Pode-se afirmar mesmo que nenhuma língua se apresenta como entidade

homogênea. Isso significa dizer que qualquer língua é representada por um

conjunto de variedades. Concretamente o que chamamos de “língua portuguesa”

engloba os diferentes modos de falar utilizados pelo conjunto de seus falares do

Brasil, em Portugal, em Angola, Moçambique, Cabo Verde, Timor etc.

Língua e variação são inseparáveis. A diversidade da língua não deve ser

encarada como um problema, mas como uma qualidade constitutiva do fenômeno

lingüístico. Os falantes adquirem as variedades lingüísticas próprias da sua região,

de sua classe social etc. De uma perspectiva geral, podemos descrever as

variedades lingüísticas a partir de dois parâmetros básicos: a variação geográfica e

variação social.

Tomando-se a comunidade de fala da língua portuguesa como um todo,

podemos nos referir às variedades brasileira, portuguesa, baiana, curitibana, rural

paulista (ou caipira) etc.

Leia o texto abaixo e verifique como a variação geográfica ocorre:

COMO SER BRASILEIRO EM LISBOA SEM DAR MUITO NA VISTA

(Ruy Castro)

Sim, eu sei que não será culpa sua, mas, se você desembarcar em Lisboa sem um bom domínio do idioma, poderá ver-se de repente em terríveis “águas de bacalhau ". Está vendo? Você já começou a não entender. O fato é que como dizia Mark Twain a respeito da Inglaterra e dos Estados Unidos, também Portugal e Brasil são dois países separados pela mesma língua. Se não acredita veja só esses exemplos,(...) Um casal brasileiro, amigo meu, alugou um carro e seguia tranqüilamente pela estrada Lisboa-Porto, quando deu de cara com um aviso: “Cuidado com as BERMAS". Eles ficaram assustados – que diabo seria berma? Alguns metros à frente, outro aviso: “Cuidado com as bermas". Não resistiram, pararam no primeiro posto de gasolina, perguntaram o que era uma berma e só respiraram tranqüilos quando souberam que BERMA era o ACOSTAMENTO. Você poderá ter alguns probleminhas se entrar numa loja de roupas desconhecendo certas sutilezas da língua. Por exemplo, não adianta pedir para ver os TERNOS – peça para ver os FATOS, PALETÓ é casaco. Meias são PEUGAS, suéter é CAMISOLA – mas não se assuste, porque calcinhas femininas são CUECAS. (Não é uma delícia). Pelo mesmo motivo, as fraldas de crianças são chamadas CUEQUINHAS DE BEBÊ. Atenção também para os nomes de certas utilidades caseiras. Não adianta falar em esparadrapo – deve-se dizer PENSOS. Pasta de dentes é DENTÍFRICO. Ventilador é VENTOINHA. E no caso (gravíssimo) de você tomar uma injeção na nádega, desculpe, mas eu não posso dizer porque é feio. As maiores gafes de brasileiros em Lisboa acontecem (onde mais?) nos restaurantes, claro. Não adianta perguntar ao gerente do hotel onde se pode beliscar alguma coisa, porque ele achará que você está a fim de sair aplicando beliscões pela rua. Pergunte-lhe onde se pode PETISCAR. Os sanduíches são particularmente enganadores: um sanduíche de filé é chamado de PREGO; cachorros-quentes são simplesmente CACHORROS. E não se esqueça: Um cafezinho é uma BICA; uma média é um GALÃO, e um chope é uma

108

IMPERIAL. E, pelo amor de Deus, não vá se chocar quando você tentar furar uma fila e algum gritar lá de trás: "O gajo está a furar a BICHA!" Você não sabia, mas em Portugal chama-se fila de bicha. E não ria. Ah, que maravilha o futebol em Portugal! Um goleiro é um GUARDA-REDES. Só isso e mais nada. Os jogadores do Benfica usam CAMISOLA ENCARNADA – ou seja, camisa vermelha. Gol é GOLO. Bola é ESFÉRICO. Pênalti é PENÁLTI. Se um jogador se contunde em campo, o locutor diz que ele se ALEJOU, mesmo que se recupere com uma simples massagem. Gramado é RELVADO, muito mais poético, não é?(...) Para entender as crianças em Portugal, pedagogia não basta. É preciso traçar também uma outra lingüística. Para começar, não se diz crianças, mas MIÚDOS. (Não confundir com miúdos de galinha, que são chamados de MIUDEZAS. Os miúdos de galinha portuguesa são os PINTOS). Quando um guri inferniza a vida do pai, este não o ameaça com a tradicional “dou-lhe uma coça!”, mas com "Dou-te uma TAREIA!", ou então com o violentíssimo “Eu chego a roupa à pele!" Um sujeito preguiçoso é um MANDRIÃO. Um indivíduo truculento é um MATULÃO. Um tipo cabeludo é um GADELHUDO. Quando não se gosta de alguém, diz-se: "Não gamo aquele gajo". Quando alguém fala mal de você e você não liga, deve dizer: “Estou-me nas tintas", ou então: "Estou-me marimbando” (...) Um homem bonito, que as brasileiras chamariam de pão, é chamado pelas portuguesas de PESSEGÃO. E uma garota de fechar o comércio é, não sei por quê, um BORRACHINHO. Mas o meu pior equívoco em Portugal foi quando pifou a descarga da privada do meu quarto de hotel e eu telefonei para a portaria: "Podem me mandar um bombeiro para consertar a descarga da privada"? O homem não entendeu uma única palavra. Eu devia Ter dito: "Ó PÁ, MANDA UM CANALIZADOR PARA REPARAR O AUTOCLISMA DA RETRETE".

(Castro Ruy “Como ser brasileiro...” Viaje bem revista de bordo da VASP, ano Vlll n.3/78)

A variação social, por sua vez, relaciona-se a um conjunto de fatores que têm a ver

com a identidade dos falantes e também com a organização sociocultural da

comunidade de fala. Nesse sentido, podemos apontar os seguintes fatores

relacionados às variações de natureza social:

a) social – observa-se o uso de dupla negação, como “ninguém não viu”, “eu

nem não gosto”, presença de [r] em lugar de [l] em grupos consonantais, como em

“brusa”, “grobo” nas falas de grupos situados abaixo na escala social.

b) idade – uso de léxico particular, como o uso de gírias que denota faixa

etária jovem: “ninguém merece”.

c) sexo – a maneira como os homens articulam a língua é diferente da

maneira como as mulheres o fazem. d) profissão – há vocabulário específico de cada comunidade profissional. e) estilística – qualquer pessoa muda sua fala de acordo com o(s) seu(s)

interlocutor(es) segundo o lugar em que se encontra – em um bar, em uma

conferência – e até mesmo segundo o tema da conversa – fofoca, assunto

científico. Ou seja, todo falante varia sua fala segundo a situação em que se

encontra. Cada grupo social estabelece um contínuo de situações cujos pólos

extremos e opostos são representados pela formalidade e informalidade.

Em nossa sociedade, conferências, entrevistas para obtenção de emprego,

solicitação de uma informação a um desconhecido, contato entre vendedores e

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clientes são, em geral, vistos como situações formais. Já situações como

passeatas, mesas redondas sobre esporte, bate-papo em bar, festas de Natal nas

empresas são definidas como informais. As variedades lingüísticas utilizadas

pelos participantes das situações devem corresponder às expectativas sociais

convencionais: o falante que não atender às convenções pode receber algum tipo

de “punição”.

Aprendemos a falar na convivência. Mas, mais do que isso, aprendemos que

devemos falar de certo modo e quando devemos falar de outro. Os indivíduos que

integram uma comunidade precisam saber quando devem mudar de uma

variedade para outra.

Os parâmetros da variação lingüística são diversos, como se pode inferir da

exposição feita até aqui. Assim no ato de interagir verbalmente, um falante utilizará

a variedade lingüística relativa à sua região de origem, classe social, idade,

escolaridade, sexo, profissão etc. e segundo a situação em que se encontrar.

Síntese da Aula Nesta aula estudamos a língua padrão e as situações em que ocorre a variação lingüística. Atividade Leia o trecho abaixo também retirado da seção de cartas da

revista Veja, de 13/4/2005.

“Em 1991, o papa João Paulo II visitou São Luís do Maranhão. Na época, fui uma

das escolhidas pela escola em que eu estudava, o Colégio Dom Bosco do

Maranhão, para recepcionar Sua Santidade. A visita do papa é um momento

inesquecível em minha vida. Jamais esquecerei o semblante tranqüilo, a face

rosada de João II, a verdadeira expressão de paz.”

Através da linguagem utilizada pelo autor(a), podemos identificar o sexo, a faixa

etária, a região, a escolaridade, nível social, o ponto de vista. Identifique esses

itens e comente de que forma você conseguiu identificá-los.

Comentário sobre as atividades

Neste tema, estudamos que a língua marca nossa procedência, o grau de

escolaridade, entre outros fatores. Com essa atividade, propomos que você

identifique no autor do texto as características marcantes de sua faixa etária, sexo,

escolaridade, região.

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Quais são esses níveis de linguagem?

Meta da unidade Apresentação dos diferentes níveis de linguagem da língua

portuguesa do Brasil, inclusive da linguagem da internet, e dos critérios de eleição da chamada Língua Padrão.

AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA – 2007/1

Níveis de linguagem

Objetivos

Ao final desta unidade, esperamos que você seja capaz de: • compreender os diferentes níveis de linguagem da língua portuguesa do Brasil; • estabelecer relações entre as variantes (região, idade, sexo, etc.) e os níveis de manifestação da linguagem; • adequar os níveis de uso da linguagem às situações de comunicação; • reconhecer o registro de língua usado na internet.

Pré-requisitos

Compreensão dos elementos do discurso: língua, linguagem, fala, variação lingüística e identificação das características da língua padrão. Introdução

Na undiade anterior, vimos o que é linguagem, sistema, norma, língua, fala e língua padrão. Mas temos vários níveis de linguagem e a eficiência da nossa comunicação depende da escolha adequada do nível de linguagem em relação à finalidade do nosso texto.

Variedades lingüísticas

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“Na Antigüidade, a aplicação da pena ao criminoso ficava a critério do juiz que, assim, aplicava a pena que lhe parecia mais adequada. No Iluminismo, foi questionado esse modelo especialmente com o argumento de que o castigo ficava sujeito aos humores do juiz. Em razão disso, passou-se a adotar um sistema de aplicação de penas com critérios matemáticos, ou seja, para o crime de mesma natureza, aplicar-se-ia sempre pena idêntica, o que também não se revelou um bom critério em razão de que tirava do julgador a possibilidade de fazer a aplicação da lei de acordo com as circunstâncias de cada caso concreto.” (Texto adaptado de MIRABETE, 2003, vol. 1, p. 291)

“Na Antigüidade, a aplicação da pena ao criminoso ficava a critério do juiz que, assim, aplicava a pena que parecia a ele mais justa. No Iluminismo, foi questionado esse modelo especialmente com o argumento de que o castigo ficava sujeito aos humores do juiz. Em razão disso, se passou a adotar um sistema de aplicação de penas com critérios matemáticos, ou seja, para o crime de mesma natureza, se aplicaria sempre pena parecida, o que também não se revelou um bom critério em razão que tirava do julgador a possibilidade de fazer a aplicação da lei de acordo com as circunstâncias de cada caso acontecido.” (Texto adaptado de MIRABETE, 2003, vol. 1, p. 291)

Iniciando os estudos sobre variação, é importante salientar que diferentes autores apresentam diferentes classificações para os níveis de linguagem. Seguiremos a classificação de Petri, 2004.

Petri diz que o processo de variação dialetal pode ocorrer tanto horizontal, quanto verticalmente. Se imaginarmos o processo horizontal, teremos a variação por motivos geográficos. Principalmente no Brasil, ocorrem variações de dialetos geográficos por causa da extensão territorial. Temos como exemplo: mexerica, tangerina, mimosa, bergamota, vocábulos cujo uso varia conforme a região em que vive o falante.

Já no processo vertical, a variação ocorre conforme os níveis sociolingüísticos, como profissional, classe social, cultural, grau de escolaridade, sexo etc. Por exemplo, na nossa sociedade, o uso de expressões vulgares é mais aceito para o sexo masculino do que para o feminino. Assim como, segundo pesquisas, as mulheres dominam mais a língua culta do que os homens.

Um outro exemplo que ilustra a relação masculino-feminino é o fato de o celebrante, no momento da união religiosa, dizer: “Eu vos declaro marido e mulher”, ou, então, a mulher dizer: “Esse é o meu marido”, enquanto o homem diz: “Essa é a minha mulher”. É claro que, quando a mulher diz: “Esse é o meu homem”, há uma outra conotação que, talvez, não seja bem aceita socialmente.

Vejamos então a classificação dos níveis de linguagem:

• Língua Culta ou Língua-padrão – variedade praticada pela classe social de

prestígio, é usada na elaboração de documentos oficiais, na imprensa e, principalmente, na forma escrita. Segue as regras da gramática normativa. Exemplo:

• Língua Coloquial – utilizada sem muita preocupação em seguir as regras da gramática normativa, é mais espontânea e natural. Exemplo:

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“- Papai, como é que o bandido vai pra cadeia? - Filhinho, no tempo antigo, quando alguém fazia um crime, o juiz castigava, que era para ele mais certo. Depois, os outros começaram a achar que desse jeito não era bom porque ficava na vontade do juiz o tamanho do castigo. Podia acontecer que quem fez alguma coisa muito, muito errada, mais que outra, tivesse castigo parecido ou até que o outro acabasse tendo um castigo muito pior. - E depois? - Então, querido, começaram a fazer assim: o que a pessoa fez e como era castigada já estava escrito, tudinho. Aí, não era bom, porque como nunca tem crime igual, era preciso deixar que o juiz olhasse o erro de cada um para aplicar o castigo merecido.” (Texto adaptado de MIRABETE, 2003, vol. 1, p. 291)

“Antigamente o castigo do bandido ficava por conta do juiz que dava o castigo que ele achava melhor. Depois acharam que não tava certo, porque só o dotô decidia. Aí, usaram uma tal de matemática: todo bandido que matava, era castigado igual. Mais também num gostaro porque cada um é cada um.” (Texto adaptado de MIRABETE, 2003, vol. 1, p. 291)

“Antigamente o juiz é que tomava de conta do corretivo do cabra que matava um vivente. Depois acharam que não tava certo, porque só o dotô decidia. Aí, usaram uma tal de matemática: todo cabra que matava, era corrigido igual. Mas também num foi do agrado de todos, porque cada um é cada um.” (Texto adaptado de MIRABETE, 2003, vol. 1, p. 291)

• Língua Familiar – linguagem de caráter afetivo, menos formal e de relativa

obediência às regras gramaticais, com uso recorrente de diminutivos. Exemplo: • Língua Popular – utilizada pelas pessoas de baixa escolaridade, sem preocupação com regras gramaticais, carregada de gírias e regionalismos. Exemplo: • Língua Grupal – é dividida em subníveis, conforme o grupo que a utiliza. Por exemplo: - regionalismos: é diferenciada principalmente pela pronúncia, mas também pelo vocabulário e pela sintaxe; Exemplo:

- gírias: são consideradas efêmeras, ou seja, de pouca duração, conhecidas, principalmente, pelos meios de comunicação de massa. Mas há também as gírias de grupos como: de marinheiros, surfistas, caminhoneiros etc. Exemplo:

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“Antigamente o castigo do meliante ficava por conta do cana dura que dava o castigo que ele achava melhor. Depois acharam que não colava, porque só o doutor decidia. Aí, usaram a aritmética: todo malandro que fazia um presunto, ia pro pau de arara. Mais também num deu, amizade, porque cada um é cada um, tá ligado?” (Texto adaptado de MIRABETE, 2003, vol. 1, p. 291)

“Na Antigüidade, a fixação da pena ficava inteiramente ao arbítrio judicial. Esse injusto sistema foi substituído, em decorrência do Iluminismo, por um sistema de penas rígido, em que pouca ou nenhuma flexibilidade se dava ao juiz para aplicar a sanção. Mostrou-se esse critério também inadequado por não poder o julgador sopesar devidamente as circunstâncias do delito para uma melhor correspondência da sanção penal ao agente do fato criminoso” (MIRABETE, 2003, vol. 1, p. 291)

- línguas técnicas: são utilizadas pelas várias profissões, com presença de vocabulário específico. Exemplo:

A partir das classificações propostas e dos exemplos expostos, podemos analisar as

diferenças existentes entre eles. Observe: • Na língua culta ou padrão, podemos perceber a obediência às regras gramaticais,

como a posição dos pronomes em relação aos verbos (... que lhe parecia mais adequada.../ ..., aplicar-se-ia.../..., passou-se.../); há obediência também à regência verbal e nominal (... ficava sujeito aos humores do juiz.../ ... um sistema de aplicação de penas.../... passou-se a adotar...), entre outros. Observamos também que o léxico (vocabulário) é mais bem trabalhado, com palavras escolhidas que realmente representam o que se quer dizer, sem ambigüidades.

• A linguagem coloquial já ‘burla’ algumas regras gramaticais. Por exemplo, as regras que regem o uso de pronomes não são seguidas (... se passou.../... se aplicaria...), entre outras. Quanto à escolha do léxico, notamos que foram utilizadas palavras mais freqüentes entre os falantes, como idêntica/parecida, caso concreto/caso acontecido.

• Quanto à linguagem familiar, qualquer falante de uma língua a utiliza. A questão é a escolha do momento em que podemos utilizá-la, porque contém expressões emotivas, particulares e diminutivos. Vejamos: ...filhinho..., ...querido..., ...tudinho..., ...aí..., ...muito, muito,... etc.

• Já a linguagem popular, do ponto de vista das regras gramaticais normativas, contém erros por se afastar da norma culta estabelecida. Podemos notar exemplos no texto como: ...tava..., ...dotô..., ...mais também..., ...gostaro..., etc. Para classificação, dividimos a linguagem grupal em:

• Regionalismos: podemos citar as expressões: cabra, vivente, corretivo, tomava de conta, utilizadas na região do Tocantins. Talvez em outros estados os falantes achem diferente ou atribuam outros sentidos a tais expressões.

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Fique atento! O nível de prestígio social é a língua culta, e se não quisermos ser discriminados por grupos que a praticam, devemos conhecê-la.

Então o e-mail possui uma estrutura???

• Gírias: vamos nos concentrar mais nas gírias profissionais, que são menos volúveis. No texto, encontramos a expressão meliante, que é considerada gíria do grupo lingüístico de que fazem parte os policiais, por exemplo.

• Línguas técnicas: no exemplo dado, podemos identificar claramente que se trata de uma linguagem do campo jurídico, pois contém expressões como: arbítrio judicial, sanção, delito.

Vimos que os níveis de linguagem variam por muitos fatores, como nível social, de escolaridade, econômico, por região, profissão e até mesmo por idade, sexo, situação de comunicação etc. Observamos também que nenhum nível é ‘melhor’ que outro: eles são, apenas, utilizados em comunidades lingüísticas distintas ou em situações específicas.

Linguagem na Internet

Hoje em dia, as correspondências entre pessoas físicas, empresas e serviço público têm sido feitas, predominantemente, pelo e-mail. Isso acontece porque esse tipo de correspondência apresenta uma característica muito presente na contemporaneidade: a rapidez.

Além da rapidez, a eficiência dessa forma de comunicação permite que as empresas, localizadas em qualquer parte do mundo, possam economizar precioso tempo com a troca de informações, comércio e serviços.

Apesar de sua elaboração aparentemente fácil, ao escrever uma mensagem eletrônica devemos ficar atentos a alguns procedimentos que vão ajudar a compreensão da mensagem escrita.

Sim. O correio eletrônico possui uma estrutura, vamos vê-la?

Estrutura do correio eletrônico É bom lembrar que ao escrever um e-mail o objetivo é informar alguém sobre algo,

solicitar alguma informação, encaminhar algum documento, enfim, inúmeros são os objetivos ao escrever uma mensagem eletrônica.

Algumas vezes, nas pequenas mensagens podemos, por meio de poucas palavras, estabelecer a comunicação pretendida. Observe o exemplo:

- “Documento encaminhado” - “Recebi sua mensagem” - “Obrigado pela informação”

Nesses casos, uma breve mensagem é suficiente para estabelecer a comunicação. Essas mensagens precisam seguir a mesma estrutura de um texto ou parágrafo-

padrão, com introdução, desenvolvimento e conclusão. Se você tem dúvidas sobre esse assunto, a lição 10 trata dessas questões.

Além da preocupação com a estrutura, você deve se preocupar também com as demais normas de redação:

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Até agora falamos da estrutura do e-mail. E como deve ser a linguagem?

Tenha Cuidado!!!

- espaçamento entre parágrafos; - intervalo entre a conclusão, a saudação e a assinatura; - caixa alta e caixa baixa - não escrever textos só em maiúsculas ou minúsculas.

Por sua rapidez de informação e custo baixo, o correio eletrônico tornou-se a principal forma de correspondência e transmissão também de documentação.

A linguagem utilizada no e-mail vai depender das circunstâncias, assim como nós deveremos nos comportar em cada uma das situações de produção lingüística. Ou seja, nós adequamos a nossa linguagem às diferentes circunstâncias do dia-a-dia.

Na linguagem oficial, recomenda-se o uso da linguagem padrão. Nesse caso, é importante observar as normas de tratamento apropriadas às comunicações oficiais.

Para facilitar o arquivamento eletrônico e a identificação do conteúdo enviado, é imprescindível que o campo do formulário referente ao assunto seja devidamente preenchido. As letras devem obedecer às normas atuais de apresentação. Não se deve escrever textos com o uso apenas de letras minúsculas ou maiúsculas.

No preenchimento do campo “assunto”, você deve redigir com clareza o objeto da mensagem e especificar seu conteúdo. Exemplos: • Trabalho de Comunicação e Expressão • Dúvida sobre a questão 1 – lição 3 • Procedimentos para requerer férias • Curso de redação técnica para servidores

Esse procedimento facilita não somente o atendimento ao conteúdo emitido, como também a sua organização em arquivos da empresa ou órgão público com o qual se corresponde.

Por meio do e-mail, você poderá, ainda, enviar a mesma mensagem a vários destinatários. É só utilizar o campo cópia, que em alguns provedores está indicado como Cc ou Cco.

Um recurso recomendável também é o de confirmação de leitura. Se esse recurso não estiver disponível, recomenda-se solicitar, no final da mensagem, confirmação de recebimento.

Conforme a legislação vigente, a mensagem de correio eletrônico só terá valor documental, ou seja, só será aceita como documento original se trouxer certificação digital atestando a identidade do remetente, na forma especificada por lei. O que é Certificação digital?

São regras técnicas e meios para habilitar instituições públicas e entidades privadas que pretendam validar juridicamente documentos produzidos, transmitidos ou obtidos sob a forma eletrônica. A Medida Provisória 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, é a principal norma a respeito da certificação digital. http://www.ibpbrasil.com.br/certificacaodigital/cert001.htm, acesso em 19/07/2006.

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Nesta aula, você aprendeu que existem diferentes níveis

de uso da língua e que é a situação de comunicação que irá definir a variedade lingüística a ser usada. Lembre-se de que a linguagem técnica, aquela referente às profissões, organiza-se como uma variedade que tem como referência a língua padrão. Aprendeu, também, a lidar com a comunicação eletrônica. Pratique, enviando questões ao web-tutor dessa disciplina.

Agora, vamos praticar!

O uso do correio eletrônico já vem trazendo enormes benefícios sociais, antes de sua definitiva regulamentação legal. Assim, a sua oficialização como meio de correspondência permitirá a substituição do papel como principal forma de transmissão legal de comunicação impressa. Conseqüentemente, a economia de gastos e agilização de informações beneficiará, ainda mais, a toda sociedade.

Agora vamos ver o funcionamento prático do e-mail. A figura abaixo é a caixa de e-mail de um determinado provedor. Veja os campos de preenchimento e constate a facilidade de preenchimento dos mesmos. Existem inúmeros provedores para que você se inscreva. Portanto, aproveite as facilidades do uso do e-mail.

Síntese da unidade

Para navegar nos estudos. acesse os sítios indicados!

http://www.cereja.org.br/pdf/semana/Oralidade_e_aquisicao_da_linguagem_escrita_Malu_Alves_de_Souza.pdf http://www.ipv.pt/millenium/Millenium27/18.htm Sem comentários

1. Por que algumas variantes da língua portuguesa são desprestigiadas? a) Porque são mais ‘feias’ em relação às variantes cultas. b) Porque são usadas por grupos que não detêm poder sócio-cultural em uma determinada comunidade lingüística. c) Porque estão cheias de incorreções. d) Porque são muito grosseiras.

htttp/webmail.unitins.br, acesso em 10/07/2006

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2. Leia o seguinte texto de Marcos Bagno (1999, p.17). "O que muitos estudos empreendidos por diversos pesquisadores têm mostrado é que

os falantes das variedades lingüísticas desprestigiadas têm sérias dificuldades em compreender as mensagens enviadas para eles pelo poder público, que se serve exclusivamente da língua padrão. Como diz Maurizzio Gnerre em seu livro Linguagem, escrita e poder, a Constituição afirma que todos os indivíduos são iguais perante a lei, mas essa mesma lei é redigida numa língua que só uma parcela pequena de brasileiros consegue entender. A discriminação social começa, portanto, já no texto da Constituição. É claro que Gnerre não está querendo dizer que a Constituição deveria ser escrita em língua não-padrão, mas sim que todos os brasileiros a que ela se refere deveriam ter acesso mais amplo e democrático a essa espécie de língua oficial que, restringindo seu caráter veicular a uma parte da população, exclui necessariamente uma outra, talvez a maior.”

Qual a sua opinião: a Constituição é que deve mudar o seu nível de linguagem ou todos os usuários da nossa língua é que devem dominar essa “língua oficial”? Faça um texto de 10 a 15 linhas argumentando em favor de seu posicionamento. 3. Marque a alternativa Correta. O poder público, de um lado, atesta a igualdade de todo brasileiro perante a lei; por outro lado, utiliza uma linguagem não acessível a todos. Qual é a solução vislumbrada pelo texto para que não haja contradição entre lei e realidade brasileira? a) escrever os textos legislativos em uma linguagem mais simples e menos técnica; b) permitir o acesso das classes menos favorecidas ao português culto; c) excluir terminantemente as necessidades e os interesses dos menos favorecidos do texto da Constituição federal; d) redigir o texto da Constituição federal em dois níveis de linguagem: padrão e coloquial. 4. Analise as proposições sobre os níveis de linguagem discutidos nas aulas e no texto de Marcos Bagno. I - Toda língua possui diferentes formas lingüísticas de se falar a mesma coisa. Ou seja, há várias formas de se falar determinado enunciado. Isso quer dizer que não há uma modalidade mais bonita ou mais feia, a não ser que adotemos o preconceito lingüístico de achar que existe apenas uma única maneira de se falar a nossa língua. II - É preciso entender que para cada situação existe uma forma de falar. Precisamos nos adequar e procurar aceitar e respeitar a linguagem do outro. Desse modo estamos respeitando o lugar de onde o outro vem, sua história de vida. III - Qualquer língua, falada por qualquer comunidade, exibe sempre variação. Pode-se afirmar mesmo que nenhuma língua se apresenta como entidade homogênea. Isso significa dizer que qualquer língua é representada por um conjunto de variedades. Marque a opção Correta. a) I e II são verdadeiras; b) I e III são verdadeiras; c) I, II e III são verdadeiras; d) somente a I é verdadeira.

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5. Escreva duas mensagens de e-mail. Na primeira, você irá informar ao seu colega da existência de uma vaga para trabalhar na Komunik & Ação, uma grande empresa de sua cidade. Lembre-se de preencher as informações de forma clara, para que não existam dúvidas quanto a seu objetivo.

119

Nos comentários da primeira unidade, sugerimos que você

fizesse um levantamento de suas dificuldades de aprendizagem. Aqui, gostaríamos que você exercitasse sua capacidade de compreensão para a resolução das questões objetivas e de produção de texto para a resolução da questão subjetiva. Observe que, nos comentários, nosso foco é fazer com que você, progressivamente, desenvolva suas habilidades de leitura, compreensão, produção de textos e resolução de questões.

Comentário

Estudaremos o Signo Lingüístico e a produção de sentido. É importante entender que o signo lingüístico implica as formas de utilizá-lo, ou seja, compreensão de seu uso denotativo ou conotativo.

Informações sobre a próxima unidade

Referências BAGNO, M. Preconceito lingüístico: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 1999. MIRABETE, J. F. Manual do Direito Penal. 20.ed. São Paulo: Atlas, 2003. PETRI, M. J. C. Linguagem Jurídica. 7.ed. São Paulo: Plêiade, 2004.

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AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA – 2008/1

Aula 1 – Língua, linguagem, fala e variação dialetal no Brasil

As formas discriminadas têm um uso muito mais freqüente do que se pensa, inclusive na fala e na escrita das pessoas que discriminam a língua dos outros [...]. Se é essa a realidade, a disposição para apontar erros na fala de outros não tem propósito edificante de corrigi-los; é antes uma forma de excluir o outro e de reforçar uma desigualdade percebida.

Ilari e Basso Objetivo

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

• comparar os diversos conceitos de lingüistas em

relação à língua, linguagem e fala;

• reconhecer os diferentes níveis de linguagem e as

formas de manifestação das variações lingüísticas

diacrônica, diatópica, diastrática e diamésica.

Pré-requisitos Como explicitar os pré-requisitos da primeira aula de

língua portuguesa no primeiro período? O que dizer a você nesse

momento? O principal é você “baixar a guarda” em relação a esta

disciplina, ou seja, estar aberto à sistematização de

conhecimentos que, com certeza, você já possui. O que não

queremos ouvir é “não sei português”, pois quem nasceu neste

país utiliza essa língua desde seus primeiros anos de vida! Então

o que esperamos é que você utilize o que já sabe para avançar

um pouco mais. Você verá que estudar sua própria língua não é

nenhum bicho-de-sete-cabeças!

Introdução

O primeiro assunto que veremos é o objeto de estudo desta

disciplina: língua. Como lingüistas contemporâneos a conceituam?

Vamos também procurar diferenciar língua de linguagem e de fala.

121

E por que há variação na forma de falar e escrever a língua

portuguesa? Trataremos sobre esses temas nesta aula.

1.1 O que é língua, linguagem e fala? Começaremos esta aula conhecendo várias definições de

língua dadas por alguns lingüistas brasileiros renomados. Você

verá que grande parte deles sente dificuldade em defini-la, não por

falta de conhecimento, mas por causa de sua complexidade.

Vamos às definições.

1.1.1 Língua José Luiz Fiorin assevera que não se satisfaz com

definições da língua que a vêem [...] como instrumento de comunicação, ou como um sistema ordenado com vistas à expressão do pensamento, nada disso. [...] a linguagem humana é a condensação de todas as experiências históricas de uma dada comunidade, é nesse sentido que nós temos que ver a língua. [...] o aspecto mais relevante a verificar é que a língua é, de certa forma, a condensação de um homem historicamente situado (FIORIN, 2003, p. 72) (grifo nosso).

Na mesma linha de pensamento, Carlos Alberto Faraco

costuma dizer aos seus alunos que [...] nosso objeto de estudo é uma complexa realidade semiótica estrutura sim, mas necessariamente aberta, fluida, cheia de indeterminação e polissemias, porque é atravessada justamente por nossa condição de seres históricos (FARACO, 2003, p. 63) (grifo nosso).

Luiz Antonio Marcuschi acredita que [...] a língua deve ser entendida principalmente como uma atividade e não um sistema ou forma. Ela é um domínio público de construção simbólica e interativa do mundo, ou seja, uma “atividade constitutiva” [...]. Língua é mais do que um conjunto de elementos sistemáticos para dizer o mundo. [...] Língua se manifesta como uma atividade social e histórica desenvolvida interativamente pelos indivíduos com alguma finalidade cognitiva, para dar a entender ou para construir algum sentido. [...] língua é atividade sócio-interativa (MARCUSCHI, 2003, p. 132) (grifo do autor).

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Ingedore V. G. Koch vê a língua [...] simultaneamente como um sistema e como uma prática social. [...] A língua é sistema, ela é um conjunto de elementos inter-relacionados em vários níveis, no nível morfológico, no nível fonológico-morfológico, sintático. Mas ela só se realiza enquanto prática social, quer dizer, os seres humanos, nas suas práticas sociais usam a língua e a língua só se configura nessas práticas e é constituída nessas práticas (KOCH, 2003, p. 124) (grifo nosso).

Fecharemos a conceituação com João Wanderley Geraldi,

para quem a língua [...] é o produto de trabalho social e histórico de uma comunidade. É uma sistematização sempre em aberto. [...] É o produto de um trabalho do qual ela mesma é instrumento. [...] a língua, enquanto esse produto de trabalho social, enquanto fenômeno sociológico e histórico, está sendo sempre retomada pela comunidade de falantes. E ao retomar, retoma aquilo que está estabilizado e que se desestabiliza na concretude do discurso, nos processos interativos de uso dessa língua (GERALDI, 2003, p. 78) (grifo nosso).

Como você pode ver, a maioria dos pesquisadores citados

acredita que a língua é um fenômeno social e histórico. Isso

significa que não podemos ver a língua simplesmente como uma

forma de comunicação ou de expressão do pensamento. A língua

é uma atividade sócio-interativa, pois por meio dela os sujeitos

agem uns sobre os outros e realizam suas práticas sociais.

E então qual a diferença entre língua e linguagem?

1.1.2 Linguagem Para Matos (2003), a linguagem é um sistema cognitivo e

por meio dele podemos adquirir línguas, ou seja, a língua seria

uma manifestação particular da linguagem. Marcuschi (2003, p.

133) acrescenta que a linguagem é uma faculdade da espécie

humana, e a língua “uma das formas de se organizar, efetivar,

concretizar essa faculdade humana, assumindo histórica, social e

culturalmente uma determinada maneira de ser”.

Fiorin (2003, p. 72) contribui para a definição de linguagem

ensinando que “a língua é uma maneira particular pela qual a

123

linguagem se apresenta. A linguagem humana é essa faculdade

de poder construir mundos. [...] E a língua é uma forma particular

dessa faculdade de criar mundos”. Ataliba de Castilho (2003, p.

53) concorda com os autores citados afirmando que a “linguagem

encerra um entendimento mais amplo do que língua. A língua é só

de natureza verbal e a linguagem não, é o conjunto de todos os

sinais que o ser humano foi criando”.

Então a língua é uma das manifestações possíveis da

linguagem e ambas se realizam nas práticas sociais pelos sujeitos.

Mas ainda há um termo que precisa ser definido antes da

continuidade dos nossos estudos: fala.

1.1.3 Fala Recorremos à teoria de Saussure para definir o que é fala.

O autor assevera que [...] o estudo da linguagem comporta duas partes: uma essencial, tem por objeto o estudo da língua, que é social em sua essência e independe do indivíduo; a outra, secundária, tem por objeto a parte individual da língua, isto é, a fala, e compreende a fonética: ela é psicofisiológica (citado por DUBOIS e outros, 2004, p. 261).

Como você já tinha visto antes, a língua é produto social,

enquanto que a fala é individual, particularizada, meio pelo qual a

língua se realiza por determinado sujeito.

Chegamos, nesse ponto dos estudos, à seguinte conclusão:

língua é o que permite a comunicação em determinada

comunidade lingüística, em determinado grupo social. Diferencia-

se da fala porque enquanto a língua é um conjunto de

potencialidades da fala, a fala é um ato de concretização da

língua. Então o que diferencia fala de língua é que a língua é

sistemática, tem certa regularidade e é falada por uma

determinada comunidade; já a fala é parcialmente sistemática,

pois é variável e realizada individualmente.

124

Recapitulando: a linguagem é uma característica humana

universal, enquanto a língua é a linguagem particular de uma

comunidade, um grupo, um povo. Já a fala é a realização concreta

da língua feita por um indivíduo.

E a língua é utilizada pelos falantes da mesma forma? Esse

é o próximo assunto: a variação dialetal do português no Brasil.

1.2 Variação dialetal Vejamos mais uma conceituação de língua para

compreendermos esse novo tópico. José Borges Neto afirma que [...] o termo língua é apenas uma abreviação útil para falarmos de um conjunto de idioletos, que, de alguma forma, achamos que se relacionam por semelhança. O que tem existência é o idioleto. Idioleto como manifestação do conhecimento que cada um de nós tem sobre essa forma de organização mental de conteúdos, de comunicação e de ação sobre os outros, de representação de situações etc., que se convencionou chamar de linguagem (BORGES NETO, 2003, p. 38).

Borges Neto assevera que a língua seria formada por

vários idioletos, que teriam entre si maior ou menor grau de

semelhança, fazendo surgir os dialetos de uma língua. Isso que

dizer que a língua não é homogênea, não é realizada da mesma

forma por todos falantes.

Saiba mais Dialeto: uso da língua em determinada região.

Socioleto: variedade lingüística de determinado grupo com

características (sociais, profissionais, econômicas) comuns.

Cronoleto: variedade de certa faixa etária.

Idioleto: modo de falar característico de um indivíduo.

(BAGNO, 2007)

Qualquer língua, falada por qualquer comunidade, exibe

sempre variação. Pode-se afirmar mesmo que nenhuma língua se

125

apresenta como entidade homogênea. Isso significa dizer que

qualquer língua é representada por um conjunto de variedades.

Concretamente o que chamamos de “língua portuguesa” engloba

os diferentes modos de falar utilizados pelo conjunto de seus

falares do Brasil, em Portugal, em Angola, Moçambique, Cabo

Verde, Timor etc.

Língua e variação são inseparáveis e essa diversidade da

língua não deve ser encarada como um problema, mas como uma

qualidade constitutiva do fenômeno lingüístico. Os falantes

adquirem as variedades lingüísticas próprias da sua região, de sua

classe social etc.

Iniciando os estudos sobre variação, é importante salientar

que alguns autores apresentam diferentes classificações para os

níveis de linguagem. Seguiremos a classificação de Dino Preti

(2000), Rodolfo Ilari e Renato Basso (2006) e Marcos Bagno

(2007).

Ilari e Basso (2006) questionam o fato de muitos escritores

e estudiosos afirmarem que a língua portuguesa é uniforme. Os

autores argumentam que essa afirmação é um mito, pois esconde

em si um nacionalismo exacerbado, uma visão limitada do uso da

língua e uma negação da variação, como se os falantes não se

adaptassem aos contextos de produção de textos orais e escritos.

Seguindo essa linha de raciocínio, Marcos Bagno (2007, p.

40) acrescenta que, para a sociolingüística, a variação é

“estruturada, organizada, condicionada por vários fatores”.

Concordamos com os autores citados quando afirmam que

a uniformidade da língua é um mito e que a variedade não é

caótica. Procuraremos mostrar isso a você discorrendo sobre as

variações diacrônica, diatópica, diastrática e diamésica.

Começaremos pela variação diacrônica.

1.2.1 Diacrônica: a variação através do tempo As variações que ocorrem na língua através do tempo

podem ser externas e internas. A variação externa pode ser

126

descrita como a que ocorre em razão das funções sociais da

língua e em sua relação com a comunidade lingüística. A variação interna se relaciona ao léxico e à gramática: mudanças que

ocorrem na fonologia, na morfologia e na sintaxe (ILARI; BASSO,

2006).

Como exemplo, podemos citar a evolução do latim para a

língua portuguesa (variação externa) e a análise lingüística de

textos de épocas diferentes (variação interna). Mas atenção: Ilari e

Basso (2006) asseveram que podemos pensar que a variação

diacrônica só ocorra em períodos muito distantes, de século em

século, o que não é verdade.

Os autores afirmam que podemos fazer comparação

diacrônica da língua até mesmo no intervalo de geração para

geração. É o caso das gírias, que podem não fazer sentido para

determinados indivíduos de uma geração e ser bastante

conhecidas por de outra. Você sabe o que é “levar uma tábua”?

Pergunte aos seus pais...

O importante é que você saiba que “[...] na língua que

falamos hoje convivem palavras e construções que remontam a

épocas diferentes” (ILARI; BASSO, 2006, p. 153). Assim alguns

optam, conscientemente ou não, por construções e léxico mais

antigo, mesmo que isso represente um distanciamento em relação

à língua falada hoje. Mas, como os autores afirmam,

“independentemente disso tudo, a língua muda” (2006, p. 154).

1.2.2 Diatópica: a variação na dimensão do espaço Esse tipo de variação ocorre em relação ao espaço: em

diferentes regiões de um mesmo país ou mesmo em países

diversos.

Normalmente, a variação diatópica nos leva a comparar o

português do Brasil com o de Portugal. Mas esse não é nosso foco

central de estudo, queremos aqui discutir a variação diatópica no

território brasileiro.

127

Ilari e Basso (2006) chamam a atenção para o fato de que,

se compararmos a variação diatópica do Brasil com a mesma

variação na Europa, concluiremos que ela “quase” não existe por

aqui. Isso porque não afeta o sistema fonológico e sintático. Mas

não significa dizer que ela seja inexistente ou que a variação

diastrática e diamésica não sejam significativas.

Outro aspecto que devemos levar em consideração é o fato

de existir uma intensa migração interna no país, o que resulta em

“variedades lingüísticas de procedências diferentes, entre as quais

acabam se criando diferenças de status e prestígio” (ILARI;

BASSO, 2006, p.161). Assim fica difícil separarmos, com precisão,

o que é variação diatópica e o que é variação diastrática.

Como exemplos de variação diatópica, podemos citar (entre

tantos outros existentes) os relativos ao léxico, à ordem fonológica

e à morfossintática.

Uma observação importante feita por Ilari e Basso (2006)

diz respeito à falta de delimitação geográfica das variações

diatópicas. Segundo os autores, seria necessário um trabalho

conjunto de pesquisadores e de dialetólogos para que as

variações pudessem ser localizadas com precisão. Vejamos agora

a variação diastrática.

1.2.3 Diastrática: a variação entre os estratos da população Apesar da dificuldade de determinar geograficamente

dialetos relacionados à variação diatópica, para encontrar

elementos que caracterizam a variação diastrática na fala não se

precisa de muito esforço. Isso se deve ao fato de ainda existir na

sociedade diferenças marcantes de escolaridade entre a classe

pobre e a classe rica.

Vários estudiosos procuram descrever a variedade

subpadrão do português falado pelos mais pobres

(conseqüentemente, menos escolarizados), entre eles Castilho

(citado por ILARI; BASSO, 2006). O estudioso cita como principais

128

características da variedade subpadrão fatores relacionados à

fonética, à morfologia e à sintaxe.

Apesar de essa variedade falada poder soar “estranha” aos

nossos ouvidos, o que importa é sabermos que, quando entramos

em contato com qualquer variedade subpadrão, [...] estamos diante de um outro código, e não de erros devidos às limitações mentais dos indivíduos que o empregam. Do ponto de vista pedagógico, é fundamental perceber que os alunos que chegam à escola falando uma variedade subpadrão precisam aprender a variedade culta como uma espécie de língua estrangeira; isso não significa que essas crianças devam ser poupadas do aprendizado da língua padrão, cujo valor cultural é inegável; significa apenas que a criança que sempre falou calipe, para chegar a escrever <eucalipto>, terá de aprender essa palavra como uma palavra nova e, portanto, terá de dar dois passos em vez de apenas um (ILARI; BASSO, 2006, p. 177).

Os autores reforçam um aspecto para o qual chamamos

sua atenção: respeitar a variedade trazida pelo estudante de seu

meio cultural não significa deixá-lo sem conhecer e,

conseqüentemente, sem aprender a língua padrão. Você deve

saber que existem maneiras diversas de dizer a mesma coisa, e

que cada variedade deve ser adequada ao momento da

comunicação, ao contexto da prática social.

Já vimos variações diacrônica, diatópica e diastrática. Agora

veremos a diamésica.

1.2.4 Diamésica: a variação dos modos de comunicação (fala/escrita)

A oralidade sempre foi vista como algo que ocorria

separadamente da escrita, e esta sempre gozou de um status

mais elevado em relação àquela. Mas é necessário

compreendermos que as duas se complementam, relacionando-se

de forma recíproca, ora a fala transformando a escrita, ora a

escrita transformando a fala.

A variação diamésica muitas vezes não é levada em

consideração no ensino e aprendizado da escrita. Quando a

129

escola dá atenção especial à escrita em detrimento da fala, pode

levar o aluno a pensar que escrevemos como falamos. Esse é um

grande equívoco.

Esse equívoco que ocorre no contexto escolar em relação à

oralidade e à escrita faz com que a escola “ensine” o aluno a se

expressar oralmente começando por corrigi-lo, para que se

enquadre no “padrão lingüístico prestigiado”, ou seja, na língua

culta. Mas essa correção não evita que o aluno transfira para a

escrita seus “problemas” da oralidade. Assim o que ocorre é o

reforço do preconceito contra quem não domina a chamada

“língua padrão”.

Outro equívoco (ainda existente em nossas escolas) ocorre

pelo fato de o professor confundir o respeito pela variedade

lingüística trazida pelo aluno do seu ambiente social com a idéia

de que não deveria aproximá-lo da língua de prestígio, a língua

culta, como vimos na variação diastrática. Sobre esse assunto, os

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) acrescentam que de nada adianta aceitar o aluno como ele é, mas não lhe oferecer instrumentos para enfrentar situações em que não será aceito se reproduzir as formas de expressão próprias de sua comunidade. É preciso, portanto, ensinar-lhe a utilizar adequadamente a linguagem em instâncias públicas, a fazer uso da língua oral de forma cada vez mais competente (PCN, 1997, p. 28).

Dessa maneira não pretendemos ensinar a você o que já

sabe, mas sim propiciar situações para que possa exercitar a

variedade com a qual pode não ter muita intimidade: a variedade

padrão.

Vamos ver algumas diferenças nas condições de produção

de um texto oral e de um texto escrito. De acordo com Fávero,

Andrade e Aquino (2000, p.74), podemos distinguir a modalidade

oral e a escrita por meio da tabela a seguir.

130

Fala Escrita Interação face a face a distância (espaço-temporal)

Planejamento simultâneo ou quase simultâneo à produção

anterior à produção

Criação coletiva: administrada passo a passo individual Revisão impossibilidade de apagamento possibilidade de revisão

Consultas sem condições de consulta a outros textos

a consulta é livre

Reformulação pode ser promovida tanto pelo falante como pelo interlocutor

é promovida apenas pelo escritor

Reações do interlocutor

acesso imediato sem possibilidade de acesso imediato

Processamento do texto

pode redirecionar o texto, a partir das reações do interlocutor

pode processar o texto a partir das possíveis reações do leitor

Processo de criação

mostra todo processo tende a esconder processo de criação, mostrando apenas o

resultado

Essas diferenças são meramente ilustrativas, já que tanto o

texto oral como o texto escrito têm níveis de formalidade e de

informalidade que variam de acordo com o contexto em que foram

produzidos (interlocutor, intenção, objetivo etc.). Além disso,

devemos lembrar que chamamos aqui de texto oral aquele

realmente falado, e não o texto lido.

Como podemos notar, existe uma gramática do texto falado

diferente da gramática do texto escrito. Segundo Ilari e Basso

(2006), essa não foi a única descoberta importante dos estudos

realizados pela variação diamésia. Outra, diz respeito aos gêneros

discursivos.

Qualquer falante sabe que, conforme o gênero que

utilizamos (determinado pelo contexto, interlocutor, finalidade etc.),

elegemos uma variedade lingüística que seja adequada a ele.

Assim também fazemos com os meios pelos quais os textos são

distribuídos.

Por exemplo, se publicarmos uma descoberta científica em

um jornal, utilizaremos uma linguagem diversa daquela que

utilizaríamos se publicássemos a mesma descoberta em uma

revista científica. E em uma conversa em chat ou msn? Você

escreveria seus textos de que forma? Utilizaria a mesma estrutura

e vocabulário que utiliza quando faz um requerimento na

universidade? Ilari e Basso acrescentam que

131

todos esses gêneros, além de ter marcas exteriores próprias, e de obedecer a convenções interpretativas próprias, fazem também um uso muito particular da língua, chegando às vezes a desenvolver uma sublíngua exclusiva. A sublíngua de um gênero caracteriza-se normalmente não só pela freqüência maior de certas palavras [...], mas pode ser marcada também pela alta freqüência de construções gramaticais que não seriam comuns em outros gêneros (ILARI; BASSO, 2006, p. 187).

Podemos perceber o que os autores afirmam quando

entramos em contato com gêneros que não fazem parte do nosso

dia-a-dia, como um boletim de ocorrência policial, por exemplo.

Com certeza, estranharíamos a estrutura e o vocabulário

normalmente utilizados nesse gênero. Isso estuda a variação

diamésica.

Além dessas quatro variações citadas por Ilari e Basso,

Marcos Bagno (2007, p. 47) acrescenta uma quinta: a variação

diafásica. O autor considera que cada falante utiliza a língua de

forma diferenciada – diferença de graduação do informal para a

formal – e isso diz respeito ao seu estilo.

Fique atento! O nível de prestígio social é a língua culta, e se não quisermos

ser discriminados por grupos que a praticam, devemos conhecê-

la.

SAIBA MAIS Mas de onde surgiu a língua padrão?

Essa variedade é praticada pela classe social de prestígio,

segue as regras da gramática normativa e é tida como parâmetro

para as outras variedades. Porém, para outros autores, como Silva

(1997, p. 14), além da norma descrita anteriormente, chamada de

norma padrão, existem também as normas normais ou sociais.

Essas são normas que definem grupos sociais de uma

determinada sociedade. Em geral, distinguem-se em “normas sem

prestígio social” e “normas de prestígio social”.

132

Apesar de ser a variedade dialetal de prestígio social, a

norma padrão não apresenta características superiores a outra

qualquer, ainda que tenha sido eleita como o padrão de linguagem

correta. Essa eleição deve-se à necessidade de uniformização de

uma linguagem na qual serão registrados os documentos e os

fatos da sociedade.

Para encerrarmos esta aula, convém lembrar que todas as

variações aqui citadas estão presentes, juntas, nos textos e

podem ser aplicadas a qualquer produção da fala ou da escrita. O

que é preciso entender é que para cada situação da prática social

existe uma forma de falar considerada mais adequada.

Síntese da aula Nesta primeira aula, você aprendeu que a linguagem é

uma característica humana universal, enquanto a língua é a

linguagem particular de uma comunidade, um grupo, um povo por

meio da qual há interação dos indivíduos. Já a fala é a realização

concreta da língua feita por um indivíduo em particular. É

importante que o conceito de língua, linguagem e fala tenham sido

bem apreendidos, pois eles formam a base de sua aprendizagem

da língua.

Você conheceu, também, a variação dialetal da língua

portuguesa no Brasil. A variação diacrônica diz respeito às

diversas manifestações de uma língua através dos tempos (que

pode ser de uma geração à outra, ou de século a século); a

diatópica relaciona-se à variação por fatores geográficos; a

variação diastrática trata dos modos de falar que correspondem a

códigos de comportamento de determinados grupos sociais; e a

variação diamésica está relacionada à situação de comunicação,

ou seja, em função do contexto (principalmente falado/escrito), um

falante varia seu registro de língua, adaptando-se às práticas

sociais. Vimos também outra variação citada por Bagno (2007), a

133

diafásica, que consiste na variação de estilo de cada indivíduo, do

informal para o mais formal, conforme a situação.

Uma observação importante diz respeito à variedade

padrão: se você não a pratica no seu dia-a-dia, procure exercitá-la,

pois todas profissões utilizam linguagem técnica, que tem por base

a língua padrão (culta).

Atividades 1 – Compare as definições de língua dadas por Fiorin, Faraco,

Marcuschi e Geraldi. O que há em comum nas definições? Que

característica da língua é citada por todos eles?

2 – Relacione as definições da segunda coluna de acordo com o

fenômeno da primeira.

(1) Língua

(2) Linguagem

(3) Fala

( ) Ação individual, com características particulares.

( ) Faculdade da espécie humana.

( ) Atividade social e histórica desenvolvida de forma interativa

entre os indivíduos.

3 – Analise as assertivas a seguir e relacione-as ao tipo adequado

de variação lingüística, respectivamente.

I – Variação apresentada em diferentes regiões de um mesmo

país ou em países que falam a mesma língua.

II – Variação constatada na diferença entre a língua falada por

indivíduos escolarizados e indivíduos menos escolarizados.

III – Variação lingüística em decorrência da situação de fala, do

contexto de produção e meios de distribuição dos textos.

IV – Variação que ocorre na história externa e interna das línguas,

ou seja, na evolução ao longo do tempo em sua função social e

em sua gramática e léxico.

Marque a alternativa correta.

e. Diacrônica, diamésica, diatópica e diastrática.

134

f. Diacrônica, diamésica, diastrática e diatópica.

g. Diamésica, diastrática, diatópica e diacrônica.

h. Diatópica, diastrática, diamésica e diacrônica.

4 – Observe os dois enunciados: (1) Nós vamos estudar língua

portuguesa neste semestre; (2) Nóis vai estudá língua portuguesa

neste semestre.

Que variação (diacrônica, diatópica, diastrática, diamésica ou

diafásica) ocorre entre os enunciados (1) e (2)? Justifique sua

resposta.

Comentário das atividades

As atividades 1 e 2 proporcionaram a você verificar se

atingiu o objetivo de comparar os diversos conceitos de lingüistas

em relação à língua, linguagem e fala. Na primeira atividade, a

característica recorrente em todas as definições de língua dadas

pelos lingüistas é em relação à língua ser uma “experiência

histórica”, uma “condição de seres históricos”, uma “atividade

sócio-interativa”, produto de “trabalho social e histórico”, fenômeno

“sociológico e histórico”. Assim podemos constatar que para todos

os autores a língua é construída pelos indivíduos sociais e

históricos.

Na atividade 2, a seqüência correta é 3, 2, 1, ou seja,

linguagem é uma faculdade da espécie humana; língua é uma

atividade social e histórica desenvolvida de forma interativa entre

os indivíduos; e, por fim, fala é uma ação individual, com

características particulares.

O segundo objetivo, reconhecer os diferentes níveis de

linguagem e as formas de manifestação das variações lingüísticas

diacrônica, diatópica, diastrática e diamésica pode ser mensurado

pelas atividades 3 e 4. Na atividade 3, a opção correta é a (d). Esta alternativa é a correta porque relaciona, respectivamente, os

conceitos trabalhados da variação diacrônica, diatópica, diastrática

e diamésica. Assim, as opções (a), (b) e (c) estão equivocadas,

135

porque não trouxeram como resposta que a variação diacrônica é

em relação à variação no tempo, que a diatópica é geográfica, que

a diastrática diz respeito à variação por estratos sociais, e que a

diamésica se refere à variação, principalmente, entre fala/escrita,

conforme o contexto comunicacional.

A atividade 4 traz dois enunciados, entre os quais podemos

perceber uma variação dialetal diastrática, pois identificamos no

enunciado (2) o que os lingüistas chamam de variedade subpadrão (Nóis vai estudá). Essa variedade ocorre

principalmente devido a fatores socais e econômicos.

Referências BAGNO, M. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação lingüística. São Paulo: Parábola, 2007. BORGES NETO, J. Borges Neto. In: XAVIER, A. C.; CORTEZ, S. (Orgs.) Conversas com lingüistas: virtudes e controvérsias da lingüística? São Paulo: Parábola Editorial, 2003. BRASIL. Parâmetros Curriculares nacionais – primeiro e segundo ciclos do ensino fundamental: Língua Portuguesa. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental MEC, 1997. CASTILHO, A. Ataliba de Castilho. In: XAVIER, A. C.; CORTEZ, S. (Orgs.) Conversas com lingüistas: virtudes e controvérsias da lingüística? São Paulo: Parábola Editorial, 2003. DUBOIS, J. e outros. Dicionário de Lingüística. 4. ed. São Paulo: Cultrix, 2004. FARACO, C. A. Carlos Alberto faraco. In: XAVIER, A. C.; CORTEZ, S. (Orgs.) Conversas com lingüistas: virtudes e controvérsias da lingüística? São Paulo: Parábola Editorial, 2003. FÁVERO, L. L; ANDRADE, M. L. C. V. O.; AQUINO, Z. G. O. Oralidade e escrita: perspectiva para o ensino de língua materna. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2000. FIORIN, J. L. José Luiz Fiorin. In: XAVIER, A. C.; CORTEZ, S. (Orgs.) Conversas com lingüistas: virtudes e controvérsias da lingüística? São Paulo: Parábola Editorial, 2003. GERALDI, J. W. João Wanderley Geraldi. In: XAVIER, A. C.; CORTEZ, S. (Orgs.) Conversas com lingüistas: virtudes e controvérsias da lingüística? São Paulo: Parábola Editorial, 2003. ILARI, R.; BASSO, R. O português da gente: a língua que estudamos a língua que falamos. São Paulo: Contexto, 2006. KOCH, I. G. V. Ingedore G. V. Koch. In: XAVIER, A. C.; CORTEZ, S. (Orgs.) Conversas com lingüistas: virtudes e controvérsias da lingüística? São Paulo: Parábola Editorial, 2003.

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Na próxima aula Após você ter conhecido o pensamento de vários

lingüistas em relação à língua, à linguagem, à fala e à variação

dialetal, veremos o que pode ser considerado um texto e quais

são os fatores que contribuem para sua qualidade. Daremos

ênfase, nesse momento, à análise da coesão. Ainda há muitos

aspectos da linguagem para você relembrar!