conceitos elementares e correntes teóricas das relações internacionais

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05/03/14 12:48 Conceitos Elementares e Correntes Teóricas das Relações Internacionais Página 1 de 80 http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=13651 Conceitos Elementares e Correntes Teóricas das Relações Internacionais MÓDULO I - CONCEITOS ELEMENTARES E CORRENTES TEÓRICAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS Site: Instituto Legislativo Brasileiro - ILB Curso: Relações Internacionais: Teoria e História Livro: Conceitos Elementares e Correntes Teóricas das Relações Internacionais Impresso por: Pedro Henrique Monteiro de Barros da Silva Néto Data: quarta, 5 março 2014, 12:48

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Conceitos Elementares e CorrentesTeóricas das Relações

Internacionais

MÓDULO I - CONCEITOS ELEMENTARES E CORRENTESTEÓRICAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Site: Instituto Legislativo Brasileiro - ILBCurso: Relações Internacionais: Teoria e HistóriaLivro: Conceitos Elementares e Correntes Teóricas das Relações InternacionaisImpresso por: Pedro Henrique Monteiro de Barros da Silva NétoData: quarta, 5 março 2014, 12:48

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SumárioMódulo I - Conceitos Elementares e Correntes Teóricas das Relações Internacionais

Unidade 1 - As Relações Internacionais no Mundo Contemporâneo: Dilemas e PerspectivasPág. 2 - As Relações Internacionais no mundo contemporâneoPág. 3 - O Processo de GlobalizaçãoPág. 4 - Dilemas da GlobalizaçãoPág. 5 - Meio Ambiente, Direitos Humanos, Conflitos InternacionacionaisPág. 6 - Importância do conhecimento de Relações InternacionaisPág. 7 - As Relações Internacionais e a Constituição BrasileiraPág. 8 - O Poder Legislativo e as Relações InternacionaisPág. 9 - O Estudo das Relações InternacionaisPág. 10 - Relações Internacionais como disciplina independente

Unidade 2 - Conceitos FundamentaisPág. 2 - Conceitos FundamentaisPág. 3 - Sociedade InternacionalPág. 4 - Sociedade InternacionalPág. 5 - Ator InternacionalPág. 6 - Sistema InternacionalPág. 7 - Forças ProfundasPág. 8 - PotênciaPág. 9 - PotênciaPág. 10 - PotênciaPág. 11 - HegemoniaPág. 12 - HegemoniaPág. 13 - Hegemonia

Unidade 3 - Correntes teóricas das Relações InternacionaisPág. 2 - Teorias de Relações InternacionaisPág. 3 - A fase idealistaPág. 4 - A fase idealistaPág. 5 - A fase idealistaPág. 6 - A fase realistaPág. 7 - Behavioristas e pós-behavioristasPág. 8 - Realismo, Pluralismo e GlobalismoPág. 9 - PluralismoPág. 10 - GlobalismoPág. 11 - Outras correntes teóricasPág. 12 - Idealismo x RealismoPág. 13 - Tradicionalistas x CientíficosPág. 14 - A Teoria Sistêmica das Relações InternacionaisPág. 15 - A Teoria Sistêmica das Relações InternacionaisPág. 16 - Realistas x PluralistasPág. 17 - Mudanças na Teoria das Relações Internacionais

Unidade 4 - O RealismoPág. 2 - O RealismoPág. 3 - O RealismoPág. 4 - O RealismoPág. 5 - O RealismoPág. 6 - O conflito e a questão da segurançaPág. 7 - Críticas ao RealismoPág. 8 - O NeorrealismoPág. 9 - O NeorrealismoPág. 10 - Os Últimos Grandes DebatesPág. 11 - Neorrealistas X GlobalistasPág. 12 - Neorrealistas X Neoliberais e a Teoria da InterdependênciaPág. 13 - Neorrealistas X Neoliberais e a Teoria da InterdependênciaPág. 14 - Neorrealistas x Neoliberais e a Teoria da InterdependênciaPág. 15 - Conclusão

Unidade 5 - Sociedade Internacional: Aspectos GeraisPág. 2 - Sociedade Internacional: Evolução Histórica e ConceitoPág. 3 - Sociedade Internacional: Evolução Histórica e ConceitoPág. 4 - Sociedade Internacional: Evolução Histórica e Conceito

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Pág. 5 - Sociedade Internacional: Evolução Histórica e ConceitoPág. 6 - Sociedade Internacional: Evolução Histórica e ConceitoPág. 7 - Sociedade Internacional: Evolução Histórica e ConceitoPág. 8 - Sociedade Internacional: Evolução Histórica e ConceitoPág. 9 - Sociedade Internacional: Evolução Histórica e ConceitoPág. 10 - Sociedade Internacional: Evolução Histórica e ConceitoPág. 11 - Sociedade Internacional: Evolução Histórica e ConceitoPág. 12 - Conclusão do Módulo I

Exercícios de Fixação - Módulo I

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Módulo I - Conceitos Elementares e Correntes Teóricas dasRelações Internacionais

Unidade 1 - As Relações Internacionais no Mundo Contemporâneo: Dilemas e PerspectivasUnidade 2 - Conceitos FundamentaisUnidade 3 - Correntes Teóricas das Relações InternacionaisUnidade 4 - O Realismo

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Unidade 1 - As Relações Internacionais no MundoContemporâneo: Dilemas e Perspectivas

Ao final desta Unidade inicial, o aluno deverá estar apto a:

identificar os principais pontos da agenda de relaçõesinternacionais contemporâneas;estabelecer o conceito e as características da Globalização;estabelecer a importância das relações internacionais para oBrasil; assinalar a evolução histórica e a importância de RelaçõesInternacionais como disciplina acadêmica.

Em um curso de educação a distância por meio da Internet, o estudantetem um papel central no estabelecimento de uma relação de qualidadecom o conteúdo proposto. Portanto, procure organizar-se para ter omelhor aproveitamento possível do curso.

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Pág. 2 - As Relações Internacionais no mundo contemporâneo

Antes de iniciar os estudos desta unidade, assista ao primeiro vídeo educacional dasérie: Conexão Mundo ("Aldeia Global - Mundo Digital"), disponível na página doILB.

Conexão Mundo é uma série de 20 programas sobre relações internacionais que ofereceinformações necessárias à compreensão dos novos processos de intercâmbio entre as nações. Osprogramas enfocam toda a história das relações entre os povos, os tratados e políticas para a novaordem internacional e procuram desvendar conceitos como o de “globalização”, “blocoseconômicos” etc.

As últimas décadas do século XX foram marcadas pela intensificação das relações entre os povos, de uma maneira como nuncaexperimentada anteriormente. Cada vez mais, as distâncias estão menores, tempo e espaço perdem o significado que tinhampara nossos pais e avós, e as pessoas de diferentes locais do globo tomam consciência de que “a menor distância entre doispontos é uma tecla”.

O século XXI chegou trazendo grandes conquistas: o mundo está menor, globalizado, interligado física e eletronicamente; pode-se tomar café em Londres e almoçar em Washington; as fronteiras perdem sua importância; o sistema internacional vê-se cadavez mais integrado; a tecnologia alcança milhões de pessoas, e não há limite ao conhecimento humano. O último século dosegundo milênio presenciou uma evolução tecnológica inimaginável!

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Pág. 3 - O Processo de Globalização

O termo globalização pode ser entendido como fenômeno de aceleração e intensificação demecanismos, processos e atividades, com vista à promoção de uma interdependência global e,em última escala, à integração econômica e política em âmbito mundial. Trata-se de conceitorevolucionário, envolvendo aspectos sociais, econômicos, culturais e políticos. Registre-se,ademais, que essa é apenas uma das várias conceituações do fenômeno, o qual não é recente,mas se acelerou a partir da segunda metade do século XX.

Um dos aspectos mais importantes da globalização envolve a ideia crescente do “mundo semfronteiras”. Isso é perceptível em termos como “aldeia global” e “economia global”. Poucoslugares do mundo estão a mais de dez dias de viagem, e a comunicação através das fronteiras é

praticamente instantânea.

Em nossos dias, com as economias interligadas, blocos se formam, com consequências que ultrapassam os benefícioseconômicos, pois as conquistas sociais e políticas de um membro do bloco logo deverão chegar aos territórios de todos osoutros. Princípios como a democracia e a prevalência dos direitos humanos podem ser defendidos e arguídos em troca debenefícios econômicos. Cite-se, por exemplo, o caso de países como Grécia, Portugal e Espanha, que, para serem aceitos naentão Comunidade Europeia, tiveram que promover importantes mudanças econômicas, sociais e políticas. O mesmo seaplica à Turquia, que aspira a tornar-se parte da moderna Europa. No caso do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), há a chamada "cláusula democrática", a qual estabelece que apenaspaíses sob regimes democráticos podem participar do bloco. Essa cláusula evita as alternativas autoritárias em alguns paísesdo Mercosul, em momentos de crise institucional.

Assim, o atual processo de globalização envolve a integração econômica mundial em diversos níveis, com a redução dasdistâncias em virtude do desenvolvimento de mecanismos de produção e distribuição de bens em escala global, e dofortalecimento dos meios de comunicação. Nesse contexto, novos atores, como as organizações não governamentais, asempresas transnacionais, a opinião pública e a mídia, ganham destaque ao influenciarem a conduta dos Estados.

Uma leitura essencial sobre o tema é o artigo de Paulo Roberto de Almeida,

“Contra a Antiglobalização”.

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Pág. 4 - Dilemas da Globalização

Entretanto, a globalização também é marcada por problemas em escala mundial. Nesse sentido, há a criminalidade, queultrapassa as fronteiras dos Estados, com organizações criminosas exercendo suas atividades ilícitas no âmbito internacional.Crimes como o narcotráfico, o tráfico de armas, o tráfico de pessoas e de animais e a pirataria, todos esses há muito não sãoproblemas exclusivos de um ou outro país, mas questões globais que devem ser encaradas sistemicamente. E a base do crimeorganizado é a lavagem de dinheiro, que movimenta cerca de um trilhão de dólares por ano no mundo, ou 4% do ProdutoInterno Bruto (PIB) mundial, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).

Assim, ao lado das grandes conquistas, há novos e grandes desafios: parte significativa da população mundial ainda permaneceno século XIX. Nações ricas e prósperas convivem com Estados que comportam milhões de miseráveis. Alguns locais do globoainda não saíram da Idade Média! Novas e antigas doenças afligem milhões. Cite-se, ainda, a parte significativa da raça humanaque sofre com a fome, a pobreza, as guerras. A sociedade internacional presencia crises econômicas, políticas, culturais esociais. E o destino da humanidade permanece uma grande incógnita.

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Pág. 5 - Meio Ambiente, Direitos Humanos, ConflitosInternacionacionais

Outro importante tema de relações internacionais neste mundo globalizado envolveos problemas ambientais. Cada vez mais a humanidade toma consciência de que o meioambiente não pode ser tratado como assunto interno dos Estados e que os danosambientais ultrapassam as fronteiras. A terra é um corpo único e seus recursos sãopatrimônio de todos os seres humanos e das futuras gerações. Daí que os males causadosao meio ambiente afetam toda a humanidade.

Convém registrar que, paraRelações Internacionais comodisciplina acadêmica ou áreado conhecimento,empregaremos iniciaismaiúsculas, enquanto que,quando nos referirmos aoobjeto de estudo, usaremos otermo em minúsculas.

No último quartel do século XX, a proteção ao meio ambiente passou a ser uma das grandes preocupações da comunidadeinternacional, não só na esfera de governo, mas também entre todos os habitantes do planeta. A Conferência do Rio de Janeirode 1992 exerceu essa salutar influência, e multiplicaram-se nas últimas décadas os tratados sobre todos os aspectos ambientais,tanto assim que se calcula em mais de mil os tratados internacionais assinados sobre o tema.

Também a proteção aos direitos humanos é um assunto em voga, sobretudo quando notícias de violações a esses direitos noschegam de todas as partes do planeta. No moderno sistema internacional, agressões contra uma pessoa devem ser consideradascrimes contra toda a raça humana. O intenso trabalho das cortes internacionais de direitos humanos na Europa e no continenteamericano refletem essa nova realidade.

Ademais, à medida que nos aproximamos uns dos outros, surgem também os conflitos, outro componente marcante da agendainternacional desde sempre. E no extremo dos conflitos, temos a guerra, sob suas diferentes formas. Nesse sentido, o século XXfoi marcado por uma grande quantidade de guerras por todo o globo, inclusive com dois conflitos que envolveram praticamentetoda a sociedade internacional.

De fato, uma das grandes certezas do século XXI é que nele ainda presenciaremos o fenômeno da guerra. Entretanto, algunscogitam mesmo que a guerra, neste século, não será mais entre países, mas entre civilizações (HUNTINGTON, 1998).

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Pág. 6 - Importância do conhecimento de RelaçõesInternacionais

Eis, portanto, o grande paradoxo global: ao lado de grandes conquistas, grandes desafios! E é nesse contexto que se percebe anecessidade de conhecimento das relações internacionais. Atualmente, quem não estiver informado sobre o que ocorre nomundo poderá ver-se bastante limitado, pessoal e profissionalmente.

Hoje, a sociedade internacional está tão interligada, tão integrada em um processo de globalização, que situações ocorridas naChina podem afetar a nós, brasileiros, do outro lado do planeta. Daí que o problema do outro passa a ser também um problemanosso, e o bem-estar de cada homem passa a significar o bem-estar de toda a humanidade. Nesse contexto, se você não é parteda solução, é parte do problema!

Assista à aula proferida pelo Professor Doutor Joanisval Brito Gonçalves, por ocasião de curso presencial ministrado no ILB.

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O Brasil e as Relações Internacionacionais

Como quinto maior país do globo em população e dimensão territorial, e estando entre as maiores economiasdo planeta, com condições e pretensões de se tornar uma grande potência, o Brasil não pode se furtar a terum papel de destaque nas relações internacionais. As transformações e acontecimentos no mundo globalizadofarão cada vez mais parte de nosso dia a dia, em uma tendência praticamente irreversível. Estamos estrategicamente localizados, temos fronteiras com praticamente todos os países sul-americanos, ecom o Atlântico, principal via para a Europa e a África. Ademais, somos uma nação tida como pacífica erespeitadora do direito internacional e com incontestáveis atributos de liderança regional. Finalmente, nãodevemos desconsiderar nossas maiores riquezas: os recursos naturais e um povo multiétnico, empreendedor e, nos dizeres de

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Gilberto Freyre, com suas peculiares “características antropofágicas”.

Pouco significativa diante de suas potencialidades é a atuação brasileira no cenário internacional. Apenas nas últimas décadas doséculo XX é que o Brasil começou a se fazer mais presente. Isso coincide com o surgimento e o desenvolvimento dos primeiroscursos de Relações Internacionais no País e com o aumento do interesse nas questões internacionais por parte de diversossetores da nossa sociedade.

É premente a necessidade de que os brasileiros tenham algum conhecimento de Relações Internacionais. Na AdministraçãoPública, essa demanda é mais evidente. No Poder Legislativo, é fundamental que aqueles que assessoram os legisladoresconheçam as principais linhas da política internacional tão bem quanto conhecem a política interna brasileira. Afinal, políticainterna e política externa estão estreitamente relacionadas: as ações daquela afetarão e serão afetadas por esta e vice-versa.

Um sítio interessante para o estudante e o profissional de Relações Internacionais é o Inforel, quetraz cobertura atualizada das questões gerais da área e também de defesa nacional, além de artigoscom análises interessantes.

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Pág. 7 - As Relações Internacionais e a Constituição Brasileira A importância das relações internacionais também pode ser percebida na maneira como o tema é tratado na ConstituiçãoFederal. A Carta Magna, já em seu Título I, referente aos “Princípios Fundamentais”, estabelece, no art. 4º, os princípios queregem as relações internacionais do Brasil:

· independência nacional;· prevalência dos direitos humanos;· autodeterminação dos povos;· não intervenção;· igualdade entre os Estados;· defesa da paz;· solução pacífica dos conflitos;· repúdio ao terrorismo e ao racismo;· cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;· concessão de asilo político.

Ainda no que concerne à Lei Maior, também os direitos e garantias fundamentais estão intimamente relacionados às experiênciasvivenciadas pela comunidade das nações ao longo de sua história. Foi graças às revoluções em países como a Inglaterra, aFrança, os EUA e a Rússia, e à difusão desses princípios para além de suas fronteiras, que o mundo moldou uma cultura dedireitos fundamentais que hoje são inquestionáveis em todo o planeta. E a violação a esses direitos gera repulsa da comunidadeinternacional. Vereshchetin (1996), por exemplo, vê no que chama de “fator direitos humanos” um dos principais meios de retomada de umacultura mínima de proteção internacional no pós-Guerra. O relacionamento entre Estado e indivíduo, que tradicionalmente foiobjeto de preocupação de leis internas, não mais pode ser considerado uma questão puramente doméstica dos países. A Constituição da Rússia de 1993, por exemplo, trouxe como princípio a incorporação das normas internacionais ao sistemajurídico interno e a prevalência dos acordos internacionais dos quais a Federação Russa faça parte, caso estes estabeleçamregras que difiram daquelas estipuladas em lei interna. Isso tem se mostrado uma tendência constitucional em vários países.Quando não há dispositivos legais expressos, as cortes constitucionais têm dado o rumo da interpretação.

Na década de 1990, as cortes constitucionais da Hungria e da Polônia, por exemplo, decidiram que a Constituição e as normasinternas deveriam ser interpretadas de tal forma que as normas internacionais geralmente aceitas tivessem força efetiva.

Há, portanto, em todo o planeta, sinais de uma crescente interdependência até mesmo no campo jurídico, e o Tribunal PenalInternacional nada mais é que uma expressão e consequência disso.

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Pág. 8 - O Poder Legislativo e as Relações Internacionais

As relações internacionais do Brasil passam efetivamente pelo Poder Legislativo. Em nosso sistema jurídico-político, quaisquertratados que o Brasil celebre com outras nações ou com organizações internacionais devem necessariamente passar pelo aval doCongresso Nacional antes de serem ratificados.

O art. 49 da Constituição Federal de 1988 é claro ao estabelecer, logo nos dois primeiros incisos, as competências exclusivas doCongresso Nacional:

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargosou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;

II - autorizar o Presidente da República a declarar guerra, a celebrar a paz, a permitir que forçasestrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente, ressalvadosos casos previstos em lei complementar;

(...)

E o Senado Federal, por sua vez, tem atribuições mais específicas, pois é a Casa Legislativa que avalia e aprova nossosembaixadores, autoridades máximas das missões diplomáticas brasileiras, designados para representar o País no Exterior.Compete também ao Senado autorizar as operações externas de natureza financeira dos Estados, do Distrito Federal e dosMunicípios. Cada Casa Legislativa possui comissões encarregadas dos temas de relações exteriores e defesa nacional. No Senado Federal,por exemplo, a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE), composta por 19 membros titulares e 19 suplentes, écompetente para tratar das questões que envolvam as relações internacionais do País. A legislação brasileira evidencia a importância do Poder Legislativo nos destinos das relações internacionais. E quanto mais oBrasil busque integrar-se na comunidade das nações e ocupar o seu devido papel de destaque, mais importante se faz oconhecimento, na esfera do Legislativo, dos principais temas da área.

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Pág. 9 - O Estudo das Relações Internacionais

Antes de concluirmos a primeira Unidade, convém apresentar algumas considerações gerais sobre o estudo das relaçõesinternacionais como disciplina, as áreas de atuação do profissional da área e a realidade brasileira. O estudo de Relações Internacionais envolve conhecimentos gerais de Direito, Economia, Administração, História, Filosofia,Sociologia, Antropologia, Estatística e, sobretudo, de questões internacionais contemporâneas. O interesse por temas de relações internacionais aumentou mais ainda após os atentados terroristas de 11 de setembro de2001. Ao assistirmos àqueles dramáticos acontecimentos em tempo real, alguns véus foram retirados, e aos poucos tomamosconsciência de que as distâncias físicas se estreitavam ao mesmo tempo em que as distâncias culturais e sociais aumentavam. Oterrorismo passa também a ser uma questão global, que afeta países nos hemisférios Norte e Sul, no Ocidente e no Oriente. No campo profissional, as relações internacionais são aplicáveis em diversas áreas. No Brasil, há profissionais dessa áreaatuando em vários setores da Administração Pública e da iniciativa privada. Em termos de carreira, uma das mais conhecidas é a diplomacia. O diplomata é o legítimorepresentante do Governo e da nação junto a outros povos e organizações internacionais.Para se tornar um diplomata no Brasil, é necessário o ingresso na carreira por meio deconcurso público, promovido pelo Instituto Rio Branco (IRBr) do Ministério das RelaçõesExteriores. Aprovado no concurso, e, submetido a um período de treinamento no IRBr, odiplomata inicia uma carreira como Terceiro Secretário, podendo chegar a Embaixador. Palácio do Itamaraty

Fonte:www.inforel.org

No serviço público, além da Chancelaria, o profissional de relações internacionais tem diante si alternativas de trabalho nosvários órgãos da Administração Federal, Estadual e Municipal. Afinal, sempre há uma “assessoria internacional” em cadaministério, secretaria, autarquia e empresas públicas. E o perfil do internacionalista se destaca. Constata-se a presença deprofissionais de relações internacionais nas principais carreiras de Estado. Na iniciativa privada, outro leque de alternativas se abre aos que possuem formação na área. Além das grandes corporaçõesmultinacionais e transnacionais, as empresas brasileiras de médio e grande porte já percebem a necessidade de atuarem emuma economia globalizada. Assim, em um mundo cada vez mais integrado econômica e financeiramente, as empresas precisamde profissionais que as auxiliem a se integrarem e a permanecerem no sistema internacional. Aquelas que desconsideram essapercepção frequentemente acabam por sucumbir. Além disso, há a possibilidade de trabalho nas centenas de Organizações Internacionais e Organizações Não Governamentais queatuam no globo: ONU, OEA, OIT, OMC, OPEP, UNESCO, FAO, Greenpeace, WWF e outras. Brasília tem representação da maiorparte dos organismos internacionais dos quais o Brasil é membro e, com isso, o mercado do profissional de relaçõesinternacionais se amplia na capital federal.

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Pág. 10 - Relações Internacionais como disciplinaindependente

Até o início do século XX, as relações internacionais não eram estudadas como disciplina independente. O estudo do tema estavasempre sob o manto de outras ciências, como o Direito, a Economia, a Sociologia e a Ciência Política. À medida que a sociedade internacional tornava-se mais complexa e as relações entre os Estados mais diversificadas, relaçõesestas que envolviam conflito e cooperação, e que muitas vezes culminavam em situações que interferiam diretamente nocotidiano das pessoas e na política interna das nações, percebeu-se a crescente necessidade de teorias que explicassem aconduta dos atores em um cenário internacional. Essas teorias e seu estudo deveriam constituir uma nova área doconhecimento, independente e com autonomia para gerar suas próprias percepções da realidade. Daí o aparecimento dasprimeiras cátedras de Relações Internacionais pelo mundo. Os cursos de Relações Internacionais surgiram na primeira metade do século XX, nas principais universidades europeias e norte-americanas. Foram constituídos com o objetivo de produzir conhecimento que explicasse como se desenvolviam as relaçõesentre os Estados. Naquele contexto, as perguntas que impulsionariam o estudo estavam intimamente relacionadas ao grandetrauma da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), conflito sem precedentes até então, que envolvera diversas nações do globo ecausara pesadas perdas, sobretudo no território europeu. Assim, os temas centrais eram:

O que havia conduzido o mundo a uma situação de conflito tão drástica?O que leva os Estados à guerra?É possível se evitar o conflito entre os povos?Como agem os atores internacionais e quais forças que interferem na conduta desses entes?

Claro que, no decorrer do século XX, o estudo de Relações Internacionais diversificava-se à medida que os laços entre os povostornavam-se mais complexos e novos temas, como cooperação, desenvolvimento, integração, paz, direitos humanos eglobalização, vinham à baila. Atualmente, a disciplina é ampla e alcança as mais diferentes áreas de estudo, e evolui à medidaque também evolui a complexidade da sociedade internacional. De fato, hoje há cursos de Relações Internacionais nas principaisuniversidades do mundo e profissionais da área atuando nos mais variados segmentos dos setores público e privado. O primeiro curso de Relações Internacionais no Brasil foi instituído na Universidade de Brasília, na década de 1970, fazendo dacapital da República o referencial brasileiro em estudos internacionais. Até meados da década de 1990, havia apenas dois cursosde Relações Internacionais no Brasil – na Universidade de Brasília e na Universidade Estácio de Sá (Rio de Janeiro). Hoje, sãodezenas de instituições que oferecem a graduação em Relações Internacionais por todo o País. Trata-se, portanto, de carreira degrata expansão. Mesmo assim, a contribuição brasileira para as relações internacionais ainda é muito incipiente, sobretudo paraum país que tem potencial para se tornar uma grande potência entre seus pares.

Feitas essas primeiras considerações acerca do tema de nosso curso, realize as atividades propostas e, em seguida, passemos àsteorias e aos principais conceitos utilizados pelos profissionais e estudiosos das Relações Internacionais.

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Unidade 2 - Conceitos Fundamentais

Ao final desta unidade, o aluno deverá ser capaz de identificar edefinir os seguintes conceitos fundamentais de relaçõesinternacionais:• Sociedade Internacional;• Atores;• Forças Profundas;• Sistema Internacional;• Potência;• Hegemonia.

Lembre-se sempre dos objetivos estabelecidos, que devem servir de guias para oestudo do conteúdo e para a autoavaliação do cursista. Tenha um bomaproveitamento!

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Pág. 2 - Conceitos Fundamentais Essencial para o desenvolvimento de nosso curso é a compreensão de conceitos fundamentais de Relações Internacionais. Nessesentido, seria complicado tentar iniciar qualquer análise de Relações Internacionais sem as noções desses conceitos. Dentre elesressaltamos:

Sociedade Internacional;

Atores;

Forças Profundas;

Sistema Internacional;

Potência;

Hegemonia.

Antes de iniciar o estudo desta unidade, sugerimos que assista atentamente aos doisvídeos seguintes do Conexão Mundo,

“Conceitos Fundamentais de Relações Internacionais”, disponíveis no sítio do ILB.

A seguir, vamos procurar identificar os elementos mais importantes desses conceitos. Sociedade Internacional Um dos primeiros aspectos com o qual se depara aquele que inicia o estudo de Relações Internacionais refere-se à temática queenvolve a Sociedade Internacional. Como definir Sociedade Internacional? Quais os elementos constitutivos desse conceito?

A ideia de Sociedade Internacional – termo cunhado por Hugo Grócio no século XVII – permitedirecionar a atenção para a atuação padronizada dos Estados. Apesar da ausência de umaautoridade central no cenário internacional, os Estados exibem padrões de atuação que estãosujeitos a, e constituídos por, restrições de diversas naturezas – históricas, sistêmicas, legais emorais, entre outras.

Num primeiro momento, podemos relacionar Sociedade Internacional à evolução histórica dasrelações entre os grupos, povos e, mais tarde, Estados-nações organizados em âmbito espacialdeterminado. Podemos identificar a evolução da Sociedade Internacional a partir das relaçõesentre os grupos primitivos da Antiguidade, passando pelos reinos e impérios e chegando à IdadeContemporânea, com a ascensão do Estado nacional e soberano nos séculos XVIII e XIX e o seudeclínio, no século XX, frente a um sistema cada vez mais globalizado e interdependente.

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Pág. 3 - Sociedade Internacional Podemos falar em Sociedade Internacional antes mesmo da formação dos Estados nacionais, que só se deu, nos moldes como osconcebemos hoje (compostos de povo, território e soberania), há dois séculos. Mesmo que não houvesse consciência dos povos aesse respeito, não há como negar a existência “de fato” de uma Sociedade Internacional na Antiguidade. Afinal, a partir domomento em que surgem os primeiros grupos independentes e diferenciados, exercendo relações políticas, culturais oucomerciais entre si, tem-se uma Sociedade Internacional embrionária. Das tribos passaram-se aos reinos, às cidades-estados eaos impérios, e estes, vistos em um contexto macro e nas relações entre si, formavam a Sociedade Internacional do mundoantigo. Claro que o primeiro modelo de Sociedade Internacional, inserido em um Sistema Internacional da Antiguidade, refletia mais umconjunto de sociedades regionais localizadas, muitas vezes sem qualquer contato entre si e até sem consciência da existênciaumas das outras. Era uma época em que as forças naturais limitavam a comunicação entre Oriente e Ocidente, e a “SociedadeInternacional do sistema grego” mantinha pouco contato com a “Sociedade Internacional do extremo oriente” – na qual oimpério dinástico chinês era o principal ator. Somente com as grandes navegações e o expansionismo europeu pelo planeta é que se estrutura uma Sociedade Internacionalglobal. Assim, desde o século XVI, o mundo vai-se tornando cada vez mais integrado, seja pela força da economia e docomércio, seja pela força dos canhões e das conquistas coloniais europeias. Paul Kennedy, em sua obra já clássica Ascensão eQueda das Grandes Potências, analisa, com clareza, como o extremo oeste do continente euro-asiático, conhecido como Europa,com uma diversidade de povos e reinos autônomos e marcado por conflitos regionais e fratricidas, consegue expandir-se pelomundo e, em pouco mais de dois séculos, tornar-se o centro de uma sociedade global, subjugando forças tradicionais como aChina e o Império Otomano.

O termo “internacional” foi utilizado pela primeira vez em 1780, pelo filósofo inglês JeremiasBentham, em sua obra Princípios de Moral e Legislação. Essa é a época do apogeu dos Estadosnacionais, com o início do declínio do absolutismo no continente europeu. Era um período em que aideia de nação ainda estava muito ligada à figura do soberano. A Sociedade Internacionalrepresentava, para os europeus, a “Cristandade”, com seus paradigmas e princípios seculares. OEstado soberano era o principal ator internacional. Foi com a Revolução Francesa que o conceito de nação deixou de ter caráter puramente simbólico epassou a relacionar-se diretamente à questão da soberania. Esta passou a residir essencialmente nanação, onde o súdito tornou-se cidadão e as relações entre os Estados, até então simbolizados econduzidos pelos monarcas, estenderam-se às relações entre os povos. O século XX esclarece essa

nova perspectiva: as relações entre nações não são necessariamente relações entre os Estados, muito pelo contrário.

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Pág. 4 - Sociedade Internacional

Não há dúvida de que essa Sociedade Internacional é dinâmica e tem sua evolução diretamente relacionada à evolução dosgrupos, povos, reinos, Estados, Impérios e nações, enfim, de todos os atores que a compõem ou a compuseram e das forças queinfluenciam a sua atuação. Qual é, então, o conceito de sociedade internacional?

A resposta para essa pergunta é percebida de maneira diferenciada pelos teóricos das Relações Internacionais, que podem serreunidos em três grandes grupos (CERVERA, 1991).

Para os teóricos do primeiro grupo, é simplesmente impossível definir Sociedade Internacional. Limitam-se, assim, ao estudo doscomponentes da Sociedade Internacional e à evolução das relações entre eles. Os teóricos do segundo grupo dedicam-se a analisar a Sociedade Internacional em contraposição a outros grupos sociais. Poressa ótica, a pergunta que se busca responder é “Como é a Sociedade Internacional?” É irrelevante, portanto, para essesautores, a formulação de um conceito teórico para Sociedade Internacional. De qualquer maneira, eles não deixam de apresentarsua definição de Sociedade Internacional, mas apenas para instrumentalizar suas explicações, como veremos adiante. O terceiro grupo, majoritário, afirma não só ser possível, mas também necessário, proceder à definição do termo “SociedadeInternacional”, para que se possa tratar com mais propriedade o estudo dos fenômenos internacionais e das relações que sedesenvolvem em seu meio. Uma vez que concordamos com essa percepção, apresentaremos nosso conceito de SociedadeInternacional. Antes, porém, vejamos alguns conceitos de autores renomados. Colliard (1978) afirma que Sociedade Internacional é o “conjunto de seres humanos que vivem sobre a terra”. Percebemosuma definição genérica e abrangente, que põe completamente de lado as estruturas em que os seres humanos estão agrupados,como as nações ou os Estados nacionais. Para o autor, o conceito de Sociedade Internacional confunde-se com o de“humanidade”. Chega-se a perceber mesmo uma concepção idealista, pois a Sociedade Internacional teria em primeiro plano oindivíduo, independentemente de suas origens e do grupo ou povo a que pertence.

Hedley Bull (2002), com base em uma análise sistêmica, definiu Sociedade Internacional como um “grupo de comunidadespolíticas independentes que não formam um sistema simples”.

Juan Carlos Pereira (2001) apresenta uma definição mais precisa e completa: “um âmbito espacial e global em que sedesenvolve um amplo conjunto de relações entre grupos humanos diferenciados, territorialmente ou geograficamenteorganizados e com poder de decisão.” O autor acredita que a Sociedade Internacional estaria evoluindo para uma ComunidadeInternacional.

Rafael Calduch Cervera (1991) define Sociedade Internacional como “aquela sociedade global (macrossociedade) quecompreende os grupos com um poder social autônomo, entre os quais se destacam os Estados, que mantêm entre si relaçõesrecíprocas, intensas, duradouras e desiguais sobre as quais é assentada certa ordem comum”.

Por fim, cabe apresentar nossa própria conceituação de Sociedade Internacional, que é baseada na corrente historiográfica, pelaqual buscamos reunir elementos que consideramos essenciais para a compreensão do termo e de sua evolução desde aAntiguidade. A nosso ver, Sociedade Internacional pode ser definida como o conjunto de entes que interagem de maneirasistêmica em uma esfera internacional sob a influência de forças profundas.

Desmembremos esse conceito para melhor compreensão.

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Pág. 5 - Ator Internacional A primeira parte de nosso conceito de Sociedade Internacional trata de um conjunto de entes. Esses entes nada mais são do queos Atores internacionais. Ator internacional é toda autoridade, organização, grupo ou pessoa que representa ou pode vir arepresentar um papel de destaque na Sociedade Internacional. A percepção desses atores varia conforme o tempo e a correnteteórica que os identifica, mas podemos destacar aqueles que, na atualidade, podem ser considerados os mais importantes: osEstados nacionais, os atores governamentais interestatais (as organizações internacionais), os atores não governamentaisinterestatais (i.e., organizações não governamentais e empresas multi- e transnacionais, entre outros) e os indivíduos. Não são todas as pessoas, grupos ou organizações que podem ser identificados como Ator Internacional. Para nossaclassificação, é necessário que a atuação desses entes tenha destaque em escala global. Por exemplo, uma associaçãoestabelecida dentro de determinado país e voltada em suas atividades e interesses prioritariamente ao âmbito interno daquelepaís não é um Ator internacional. Não obstante, qualquer grupo, organização ou indivíduo pode vir a tornar-se Ator internacional. Grandes empresastransnacionais de hoje foram, no passado, pequenas organizações comerciais, algumas de natureza familiar, que atuavamexclusivamente no interior de seu país de origem, não sendo à época Atores internacionais. À medida que essas empresascresceram, expandiram-se para além das fronteiras de seus Estados de origem e começaram a atuar e influir na SociedadeInternacional, tornaram-se Atores internacionais.

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Pág. 6 - Sistema Internacional O segundo aspecto de nosso conceito de Sociedade Internacional refere-se à atuação sistêmica na esfera internacional.Adotamos uma abordagem sistêmica, em que o aspecto relacional é importante. Sistema pode ser conceituado como “conjuntode elementos e instituições entre os quais se possa encontrar alguma relação” ou, ainda, “conjunto ordenado de meios de açãoou de ideias, tendente a um resultado”. A abordagem sistêmica em relações internacionais vê o conjunto de inter-relações entreos Atores internacionais como sujeito a padrões e normas – enfim, a forças profundas –, que remetem ao conjunto mais amplo,o sistema internacional como um todo. As primeiras considerações a respeito do modelo sistêmico para explicar as Relações Internacionais tomaram por basereferências da Biologia e da Química. Nesse sentido, pode-se associar a noção de sistema ao corpo humano, no qual váriossubsistemas – circulatório, nervoso etc. – são compostos de órgãos que se relacionam e dependem uns dos outros. A ideia desistema, portanto, está relacionada a um ordenamento nas relações entre componentes e à interdependência entre essescomponentes.

Raymond Aron, em sua obra clássica Paz e Guerra entre as Nações, recorreu ao conceito de sistema paraevocar a dinâmica das relações internacionais. Assim, a Sociedade Internacional tem característicassuficientemente estáveis para que possamos percebê-la como um sistema onde os Atores conduzem suasrelações dentro de certos padrões.

Cabe aqui, também, apresentar um conceito de Sistema Internacional, de acordo com Frederic S. Pearsone J. Martin Rochester (2000, p. 641):

Sistema Internacional. Conjunto de relações em âmbito mundial nas áreas política, econômica, social etecnológica, em torno do qual ocorrem as relações internacionais em um dado momento.

Há ainda autores que separam as noções de Sociedade Internacional e de Sistema Internacional paraidentificar certos períodos históricos. Por exemplo, Sociedade Internacional teria como substrato a ideia de concerto e harmoniainternacional, que alguns defendem corresponder, por exemplo, à Europa do pós-1815. Em contrapartida, Sistema Internacionaltraduziria a existência de vários polos de poder que interagem entre si e não necessariamente se harmonizam no todo, o quealguns autores defendem corresponder ao mundo pós-1945.

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Pág. 7 - Forças Profundas Finalmente, de acordo com a nossa concepção de Sociedade Internacional, o terceiro elemento fundamental são as “forçasprofundas”. A ideia de “forças profundas” origina-se da corrente historiográfica das Relações Internacionais cujos principaisexpoentes foram Pierre Renouvin e Jean-Baptiste Duroselle. De acordo com esses historiadores, as forças profundas nada maisseriam que determinados fatores que influenciariam as ações das coletividades. As condições geográficas, os movimentos demográficos, os interesses econômicos e financeiros, os traços da mentalidadecoletiva, as grandes correntes sentimentais – todas essas forças profundas formaram o quadro das relações entre os gruposhumanos e, em grande parte, lhes determinaram o caráter. O homem de Estado, nas suas decisões ou nos seus projetos, nãopode negligenciá-las; sofre-lhes a influência e é obrigado a constatar os limites que elas impõem à sua ação. Todavia, quandoele possui quer dons intelectuais, quer firmeza de caráter, quer temperamento que o levam a transpor aqueles limites, podetentar modificar o jogo de semelhantes forças e utilizá-las para seus próprios fins.

Juan Carlos Pereira denomina tais forças profundas de “fatores condicionantes” (PEREIRA, 2001, p. 44). Identifica algunsdesses fatores: fator geográfico, fator demográfico, fator econômico, fator tecnológico, fator ideológico/sistema de valores,fator político-jurídico e fator militar-estratégico. Portanto, a Sociedade Internacional é composta de entes – Estados, organizações internacionais, organizações nãogovernamentais, empresas transnacionais, indivíduos, entre outros – que são influenciados pelas forças profundas – fatoresgeográficos, demográficos, migratórios, políticos, econômicos e financeiros, ideológicos, religiosos, tecnológicos etc. – em suasações sistêmicas na esfera internacional.

Uma leitura complementar recomendada é a do texto sobre Rio Branco e as Forças Profundas, deArno Wehling:

Visão de Rio Branco – o homem de estado e os fundamentos de sua política.

Além do clássico Histoire des Rélations Internationales, obra-mestra dahistoriografia francesa das relações internacionais, caberia destacar dois livros deRenouvin e Duroselle já traduzidos para o português: Introdução à História dasRelações Internacionais – publicada em 1967 pela Difusão Europeia do Livro, deSão Paulo – e Todo Império Perecerá – um dos últimos grandes trabalhos deDuroselle, lançado no Brasil em 2000.

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Pág. 8 - Potência Além dos conceitos já tratados, cabem, neste curso introdutório, algumas observações – ainda que sem aprofundamento – arespeito de outros conceitos essenciais para viabilizar nosso entendimento dos temas tratados no decorrer das próximasunidades. Passemos a eles.

Potência O Sistema Internacional é composto por uma diversidade de atores. Nesse contexto, o Estado ocupa papel de destaque, masexistem diferenças marcantes entre os Estados na esfera internacional e o grau de influência (poder) que eles exercem. Assim,importante para a compreensão das relações internacionais é a ideia de Potência e das diferentes gradações dessa classificação. Há inúmeras definições para Potência. Segundo Martin Wight (2002), Potência é “um Estado moderno e soberano em seu aspecto externo, e quase pode ser definidocomo a lealdade máxima em defesa da qual os homens hoje irão lutar”. Rafael Calduch Cervera (1991), por sua vez, cita o conceito de Potência Internacional segundo C. M. Smouts, ou seja, comoaquele Estado “mais ou menos poderoso segundo sua capacidade de controlar as regras do jogo em um ou mais âmbitos-chaves da disputa internacional e segundo sua habilidade de relacionar tais âmbitos para alcançar uma vantagem”. Ao tratar da capacidade dos Estados de influenciarem a Sociedade Internacional, Martin Wight relaciona Potências Dominantes,Grandes Potências, Potências Mundiais e Potências Menores. Potências Dominantes e Potências Mundiais seriam subdivisões dogênero Grande Potência, uma vez que ambas as categorias se referem a Estados com interesses globais e capacidade deinfluência significativa no Sistema Internacional. Em última análise, a diferenciação poderia ser restringida a Grandes Potênciase Potências Menores. Wight define Potência Dominante como aquela capaz de medir forças contra todos os rivaisjuntos. E cita exemplos ao longo dos séculos, como Atenas, à época das Guerras doPeloponeso, o Império Romano, a Espanha de Carlos V e de Filipe II, a França de Luís XIV, aGrã-Bretanha no século XIX e os EUA no século XX. Outro termo muito utilizado e cujas características vão além da Potência Dominante,conforme definida por Wight, é o de Superpotência. Esse termo, cunhado com o advento daGuerra Fria, designava exclusivamente URSS e EUA. Esses países, em virtude de suascapacidades nucleares – com poder de destruição global –, inúmeras vezes associadas aopoderio militar convencional e à influência político-ideológica mundial, tinham status únicona comunidade das nações. Gounelle (1992) indica quatro características das Superpotências:

têm capacidade de intervir em qualquer parte do globo;

dispõem de amplo arsenal, capaz de causar danos diferenciados dos armamentos convencionais e composto tanto dearmas nucleares quanto de outros meios de destruição em massa;

assumem a liderança de uma aliança militar (os EUA da OTAN e a URSS do Pacto de Varsóvia);

pretendem oferecer um modelo universal de sociedade.

Convém lembrar que a ideia de Superpotência ultrapassa em muito o poderio exclusivamente militar. De fato, a capacidade dedestruição massiva do planeta é o elemento central do conceito de Superpotência, mas o aspecto de liderança de um bloco denações e de pretensões de estabelecimento de uma sociedade universal em seus moldes político-econômico-ideológico-sociaisnão pode ser desconsiderado.

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Pág. 9 - Potência

Atualmente, com o colapso da URSS, restou, no planeta, apenas uma Superpotência: os EUA. Alguns autores vislumbram apossibilidade de a China vir a ocupar, na segunda metade do século XXI, o lugar da URSS. Entretanto, ainda não há que se falarna China como Superpotência, uma vez que esta, além de não dispor de arsenais nucleares capazes de fazer frente ao poderiode Estados como EUA e Rússia, não tem pretensões – nem condições – de projetar um modelo sócio-político-cultural-ideológicoseu para o mundo. A Rússia, por sua vez, apesar de dispor de arsenais nucleares com capacidade de destruição massiva doplaneta, não pode ser chamada de Superpotência, exatamente porque também não tem condições de aspirar a qualquerpretensão hegemônica no sistema internacional, como fazia a URSS. Assim, os EUA, considerados os vencedores da GuerraFria, são hoje o único Estado com as características básicas da superpotência, e, de fato, essa nação tem-se tornado tãopoderosa que já se cunha o conceito de Hiperpotência, algo sem precedentes na História. A Hiperpotência dispõe de um aparato bélico superior ao das demais Potências juntas. Esse aparato não se resume ao acervodas armas de destruição em massa, mas inclui armamento convencional significativo e capacidade de operação militar em maisde um teatro no globo. Ademais, trata-se de uma Economia de peso diante do sistema, sua influência na política internacional émarcante e, ainda, consegue projetar seu modelo sócio-cultural e político para outras regiões do planeta. Assim, os EUA não encontram, no início do século XXI, adversários militares à altura, e são a Grande Potência econômica e aliderança mundial. Do ponto de vista econômico, por exemplo, apenas a coalizão das grandes economias europeias pode fazerfrente aos EUA, o mesmo se podendo dizer das economias asiáticas. A projeção de poder dos norte-americanos no mundo nãoencontra precedentes, e alguns analistas já começam a analisar a política externa estadunidense como uma política de império.De qualquer maneira, o conceito de Hiperpotência ainda encontra-se em desenvolvimento. O conceito de Wight para Potência Dominante tem grande proximidade com a ideia de hegemon, ou seja, uma potência tãopoderosa que seria necessária uma coalizão de todas as demais nações para contê-la. A concepção de hegemon ultrapassa aesfera exclusivamente político-militar, de modo que o Estado que detém esse título influencia a Sociedade Internacional emesferas diversas, como a cultura, a estrutura social interna, a Economia e até o Direito. Além disso, essa influênciado hegemon não ocorre necessariamente de maneira impositiva. De fato, a hegemonia, como veremos a seguir, envolve ummisto de coerção e consenso. Finalmente, convém lembrar que o hegemon continua influenciando a Sociedade Internacionalmesmo após perder esse status.

Interessante observar que a hegemonia dos EUA hoje é mantida mais por outros meios – o que alguns autores chamam de softpower (poder suave) –, como a presença marcante na compilação e divulgação de notícias e diversões, na produção de bensde consumo, nas inúmeras formas de cultura popular e sua identificação com a liberdade política e de mercado, do quepropriamente por meio do hard power (poder militar).

Além da potência hegemônica, há outros atores estatais com capacidade significativa de influência na Sociedade Internacional.Esses são as Grandes Potências, as quais, inclusive, disputam a hegemonia entre si e aspiram tornar-se a potência dominante,chegando, muitas vezes, a alcançar esse objetivo. De fato, as relações internacionais seriam um grande tabuleiro onde essasPotências disputariam poder em um jogo de influência. Como exemplos atuais de Grandes Potências teríamos China, França,Rússia, Alemanha, Japão e Grã-Bretanha. As potências menores constituem a maioria. Seu grau de influência no sistema varia significativamente. Nesse grupo, poderiamser relacionadas desde as Potências Mundiais menores – como Espanha e Índia – até as Potências Regionais – Argentina eEgito, por exemplo. Vale destacar que uma Potência Menor hoje pode vir a tornar-se uma Grande Potência e até a PotênciaDominante. Os EUA são um bom exemplo disso.

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Pág. 10 - Potência

Max Gounelle (1992) comenta que, à medida que dispõe de capacidade de influenciar de maneira significativa os outros entesda Sociedade Internacional em prol de seus interesses particulares, um Estado pode ser classificado como Microestado,Potência Local, Potência Média, Grande Potência ou Superpotência.

Os microestados são aquelas pequenas soberanias que persistem em nossos dias e que, em sua maioria, tiveram origem naformação histórica dos Estados nacionais europeus ou no processo de descolonização. Encontram-se constantemente sob amplograu de dependência frente a uma Potência e integram-se a grupos de Estados organizados no seio de organizaçõesinternacionais. Conviria exemplificar nessa categoria países como o Principado de Mônaco e a República de San Marino, diversosEstados-arquipélagos no Pacífico ou até algumas Repúblicas da América Central e Caribe. Apesar de minimamente influentes naSociedade Internacional, esses entes ganham força quando se associam e se fazem representar em organismos internacionaisonde tenham poder de voto igual ao de outros Estados. As Potências Locais são as mais numerosas. Participantes das atividades comuns da vida internacional, esses entes têm comoobjetivos principais sua própria sobrevivência e a defesa de sua soberania territorial. De maneira geral, não têm grandespretensões internacionais de projeção de poder e acabam também associados às Grandes Potências ou a Potências Regionais.Como exemplos para essa categoria, temos países como Bolívia, Paraguai, Camboja, Albânia e Moçambique. São classificados como Potência Regional ou Potência Média aqueles Estados aptos a representarem certo papel de destaque emgrandes áreas geopolíticas. Egito, Síria, Nigéria, Brasil, Argentina e Irã são exemplos de Potências Regionais ou Médias. Essespaíses exercem influência em virtude de suas aptidões de liderança sob certos limites geográficos, fundadas em seus potenciaismateriais ou demográficos, sua envergadura ideológicas ou seu peso militar, econômico e até social. Gounelle, no entanto, diferencia Potências Regionais de Potências Médias ao afirmar que estas últimas têm ambições mundiaisrestritas às suas próprias capacidades. Tais pretensões poderiam ser limitadas a domínios específicos (nuclear, cultural,econômico, diplomático). A França, a Alemanha, a China e o Japão estariam nessa categoria. De fato, o que Gounelle relacionacomo Potências Médias seria o que se costuma chamar mais apropriadamente de Grandes Potências, ou seja, Potências cominteresses globais e capacidade de influenciar a Sociedade Internacional em diferentes domínios. Ao chamar Potências comoChina e Grã-Bretanha de Potências Médias, Gounelle o faz comparando-as às Superpotências – à época, URSS e EUA.

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Pág. 11 - Hegemonia

Tomamos como base para o conceito de Hegemonia a obraInternational Relations: the Key Concepts, de MartinGriffiths e Terry O’Callaghan (London: Routledge, 2002).

Hegemonia, em grego, significa “liderança”. Em sentido amplo, portanto, em Relações Internacionais, o hegemon é o líder – ouo Estado líder – de um grupo de nações. Para que os conceitos de hegemonia e de hegemon sejam aplicáveis, presume-se que haja uma certa ordem na SociedadeInternacional. Daí que, apesar de ser o Estado mais poderoso no cenário internacional, o hegemon só pode exercer sualiderança (hegemonia) se houver relações de poder entre entes em um meio internacional.

Hegemonia consiste, então, no exercício de uma liderança ou comando em uma sociedade, com base em recursos de poder.Esses recursos fundamentam-se em dois aspectos: coerção e consenso. Assim, toda relação de poder tem por base os graus decoerção e consenso exercidos por um ente ou mais de um sobre os demais. À medida que é alterada essa relação, mudatambém a liderança no grupo.

Para o exercício da hegemonia, o hegemon deve ter capacidade de atuar nas esferas de consenso e coerção. Uma relação quese baseie apenas na coerção – por meio de recursos de força militar ou econômica – não pode ser verdadeiramentehegemônica, da mesma maneira que é impossível a liderança da comunidade internacional com fulcro apenas no consenso dosdemais atores. As relações internacionais têm sido marcadas pela disputa, por parte das Potências, da hegemonia na Sociedade Internacional.Essa hegemonia, além de política, pode ser militar, econômica, cultural ou ideológica. Pode ser regional ou global. Um Estadoque seja a Potência hegemônica em uma dessas áreas muito provavelmente o será na maioria das outras. É claro que talliderança pode ter diferentes gradações e que uma grande Potência econômica em nossos dias pode não ter o mesmo poder deinfluência cultural ou até militar no cenário internacional. A Sociedade Internacional será sempre marcada por um hegemon, cujo interesse é manter o status quo do sistema, diante deoutras Potências que não pouparão esforços para se tornar o hegemon. De acordo com a teoria da estabilidade hegemônica,o hegemon tem que ter capacidade de garantir a ordem do sistema, ordem que deve ser percebida pelos demais entes dacomunidade como positiva a seus interesses. Para isso, o hegemon deveria dispor de alguns atributos: liderança em um setoreconômico ou tecnológico e poder político baseado no poder militar. Podemos acrescentar a esses atributos a capacidade deobter consenso sobre sua liderança.

Não acumule dúvidas. Procure saná-las logo que apareçam.

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Pág. 12 - Hegemonia

Para Robert Gilpin, a estabilidade internacional depende da existência de uma hegemonia, que tenha tanto capacidade quantovontade de fornecer “bens públicos” internacionais, como lei, ordem e moeda estável. Conforme didática explicação de Griffiths(2004, p. 26-27):

(...) os mercados não podem crescer em produção e distribuição de bens e serviços se não houver umEstado que forneça certos pré-requisitos. Por definição, os mercados dependem da transferência, pormeio de um mecanismo de preço eficiente, de bens e serviços que possam ser comprados e vendidosentre os principais agentes particulares que permutam direitos de posse. Mas os mercados dependem doEstado para lhes dar, por coerção, regulamentos, taxas e certos “bens públicos” que eles sozinhos nãopodem gerar. Isto inclui uma infraestrutura legal de direitos e leis de propriedade para fazer contratos,uma infraestrutura coerciva que assegure a obediência à lei, além de um meio de permuta estável(dinheiro) que assegure um padrão de avaliação dos bens e serviços. Dentro das fronteiras territoriais doEstado, os governos fornecem tais bens. É claro que, internacionalmente, não existe Estado no mundocapaz de multiplicar sua provisão em escala global. Baseando-se na obra de Charles Kindleberger e naanálise de E. H. Carr sobre o papel da Grã-Bretanha na economia internacional no século XIX, Gilpinargumenta que a estabilidade e a “liberalização” da permuta internacional dependem da existência deuma “hegemonia”, que tenha tanto capacidade quanto vontade de fornecer “bens públicos” internacionais,como lei, ordem e uma moeda estável para o comércio financeiro.

Em termos gerais, essa é a Teoria da Estabilidade Hegemônica.

É uma teoria importante e voltaremos a ela na Unidade 4, ao tratarmos do debate teórico travadoentre neorrealistas e neoliberais.

As Potências hegemônicas são as Grandes Potências na concepção de Wight, e o hegemon nada mais é que a PotênciaDominante. A hegemonia político-ideológica no planeta, por exemplo, era disputada pelas Superpotências no contexto da GuerraFria, mas a URSS dificilmente poderia ser caracterizada como ameaça à hegemonia econômica dos EUA.

Deve-se esclarecer, todavia, que, durante a maior parte daGuerra Fria, imaginava-se que a União Soviética se tornaria umagrande potência econômica.Isso é especialmente válido para os anos 30: enquanto aseconomias ocidentais agonizavam por causa da crise de 1929, aeconomia soviética crescia a taxas espantosamente altas.

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Pág. 13 - Hegemonia

Complementando os estudos sobre o conceito de Hegemonia, atente para esta aula do Professor Joanisval.

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Duração: 2min55Caso não consiga visualizar:

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Essas observações introdutórias são suficientes e fundamentais para a compreensão das unidades seguintes e para adiscussão dos temas tratados neste curso.

Artigo interessante para concluir os estudos desta Unidade é o texto de João Marques de Almeida,sobre Hegemonia Americana e Multilateralismo.

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Unidade 3 - Correntes teóricas das Relações Internacionais

Ao final da unidade, o aluno deverá ser capaz de:

indicar e caracterizar as principais correntes teóricas das RelaçõesInternacionais no Século XX;

identificar os principais debates teóricos da disciplina

Esperamos que você tenha excelente aproveitamento em seus estudos!

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Pág. 2 - Teorias de Relações Internacionais

O objeto material de qualquer ciência se define pela parcela de realidade que se pretende conhecer mediante a formação deteorias e a utilização de um método científico (CERVERA, 1991). A teorização sobre as Relações Internacionais surgiu quando sebuscou explicar a existência e as condutas dos entes internacionais. É na Grécia Antiga, com a obra de Tucídides, História daGuerra do Peloponeso, que se tem a primeira manifestação embrionária de uma teoria de Relações Internacionais. Há algo que as ciências naturais e as ciências sociais, conforme Karl Popper, certamente têm em comum: a necessidade dateoria para se desenvolverem. Nas palavras de Tomassini (1989, p. 55):

"A ciência exige algo mais do que fatos e descrições de fatos. Exige uma explicação de por que ocorreram, que efeitos causarame algumas predições (ou, no caso das ciências sociais, conjecturas) sobre seu comportamento provável no futuro, uma mescla decausalidade, teleologia e prospecção. No campo das ciências sociais, como em outras ciências, a teoria é chamada a ministraressas explicações, pondo ordem ao mundo heterogêneo e muitas vezes incompreensível dos fatos isolados, e a arriscar algumaspredições."

A Teoria do Equilíbrio de Poder

Começamos por essa teoria por uma razão simples: para muitos estudiosos da políticainternacional, a Teoria do Equilíbrio de Poder, também conhecida como Teoria doBalanço de Poder, é o que mais próximo existe de uma teoria política das relaçõesinternacionais. Arnold Toynbee, conhecido historiador, chegou mesmo a dizer que talteoria constituía uma “lei” da História. Na era moderna, com o surgimento e desenvolvimento do Estado-nação, multiplicaram-se também as teorizações a respeito das relações internacionais. Em um contexto deanarquia internacional e de conflito entre os Estados, as práticas dos agentes e dosatores na Sociedade Internacional levaram à formulação de uma teoria que pode serconsiderada a precursora da análise convencional realista das relações internacionais, aTeoria do Equilíbrio de Poder.

A Teoria do Equilíbrio de Poder percebe o cenário internacional em uma situação deequilíbrio, no qual o poder é distribuído entre os diversos Estados. Quando um Estadocomeça a se destacar e a buscar aumentar seu poder frente aos demais, há umaperturbação no equilíbrio, e faz-se necessária uma coalizão das Potências para conter o

Estado “pretensioso” e restaurar a ordem. Assim, pressupondo o Estado como um ator racional, a teoria defende que o balançoou o equilíbrio de poder é a escolha preferível e, portanto, a tendência do sistema internacional. A Teoria orientou as relaçõesinternacionais nos quatro séculos compreendidos entre a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) e a Primeira Guerra Mundial(1914-1918). Foi útil para justificar as condutas dos Estados e ações de governantes em um contexto anárquico e conflituoso,como será visto nas Unidades 2 e 3 do módulo seguinte deste nosso curso. Alguns autores distinguem entre o equilíbrio de poder como uma política (esforço deliberado para prevenir predominância,hegemonia) e como um padrão da política internacional (em que a interação entre os Estados tende a limitar ou frear a buscapor hegemonia e, como resultado, resulta num equilíbrio geral).

Com o fim da Primeira Guerra Mundial e as consequentes mudanças no cenário internacional e no equilíbrio de forças, em virtudedos traumas causados pelo conflito e do desenvolvimento do discurso pacifista junto à opinião pública internacional, a Teoria doEquilíbrio de Poder foi questionada. Sob o argumento de que essa doutrina não poderia perdurar em um sistema em que aguerra deveria ser evitada a qualquer custo, o imediato pós-guerra foi marcado por novas concepções sobre as relaçõesinternacionais, baseadas em uma nova corrente teórica, a qual se fundamentava no Direito Internacional, na solução pacífica dascontrovérsias e na busca de uma estrutura supranacional que garantisse a paz: o Idealismo das Relações Internacionais. Foi, portanto, na primeira metade do século XX que os primeiros teóricos de Relações Internacionais começaram a desenvolversuas explicações sobre o tema em um contexto de disciplina autônoma. Claro que, em virtude de um objeto de estudo tãocomplexo, diversas foram as correntes teóricas instituídas nas últimas décadas. Como não é este um curso de teoria,pretendemos apresentar apenas as linhas gerais das correntes mais reconhecidas.

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Pág. 3 - A fase idealista

O Idealismo, como ficou conhecida a primeira grande corrente teórica de Relações Internacionais, surge em um contexto do finalde um conflito muito marcante, a Primeira Guerra Mundial, e reflete a crescente preocupação daqueles que então começavam ateorizar sobre as relações internacionais: Como se poderia buscar a paz na Sociedade Internacional, ou melhor, como evitar o conflito, sobretudo bélico, entre os Estados?

No que se refere ao contexto internacional, lembra Arenal (1984), o clima nunca poderia ter sido mais favorável ao Idealismo. AGrande Guerra havia demonstrado a fragilidade da tradicional diplomacia europeia como meio para assegurar a ordem e a pazinternacional. As enormes perdas humanas e materiais produzidas pelo conflito foram responsáveis, também, pelo advento deuma opinião comum universal segundo a qual a guerra deveria ser erradicada como instrumento de política dos Estados.Pregava-se, ademais, o estabelecimento de um modelo de segurança coletiva capaz de evitar novas contendas.

Assim, sob os auspícios do discurso idealista e moralizante do presidente estadunidense Woodrow Wilson, foi criada a Sociedade(ou Liga) das Nações (SDN), com o objetivo de ser a organização central de um sistema de segurança coletiva e um fórum emque os Estados pudessem resolver suas contendas de maneira pacífica. A SDN, portanto, contribuía para acentuar o otimismofrente ao futuro da Sociedade Internacional e estabelecia os fundamentos de um sistema dirigido para preservar a paz. Nessecontexto, a teoria internacional dominante se orientava pelos caminhos do Idealismo, dos projetos de organização internacional,do estabelecimento de mecanismos tendentes à solução pacífica e de propostas de desarmamento. Importância significativa foidada pelos idealistas ao Direito Internacional e às instituições jurídico-normativas que garantissem a ordem nas relações entreos Estados: ganhava força o institucionalismo nas relações internacionais.

Anarquia internacional não significa “desordem”, mas, sim, ausência de um governo central superioraos Estados (que são soberanos e só prestam contas a si mesmos e a outros Atores do sistema).

Anarquia é, portanto, ausência de governo.

O Idealismo partia do princípio de que as relações internacionais encontram-se em estado de natureza, ou seja, de anarquiainternacional. As nações devem buscar, destarte, superar essa anarquia e estabelecer um contrato social em âmbito internacionalque ordene as relações entre os povos. Os Estados, acreditavam os idealistas, deveriam portar-se de acordo com os mesmosprincípios morais que guiam a conduta do indivíduo. Para estimular ou obrigar esses Estados a seguir tais princípios, seriafundamental que se institucionalizasse, em escala mundial, o interesse comum de todos os povos em alcançar a paz e aprosperidade. O estudo de Relações Internacionais, como disciplina autônoma, mostrou-se como uma ciência da paz.

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Pág. 4 - A fase idealistaO Realismo e o Idealismo encerram, na verdade, duas visões de mundo opostas, em que o ponto de partida é a dicotomiaanarquia x ordem. Apesar de Tucídides, com História da Guerra do Peloponeso, antes mesmo de surgirem os conceitos desoberania e a tese do estado de natureza, já ter iniciado a moldar uma concepção anárquica do mundo, é com Thomas Hobbes,em Leviatã, e, em seguida, com John Locke, em O Estado de Guerra (Capítulo III da obra Segundo Tratado do Governo Civil),em que se explora, pela primeira vez, o estado de natureza anárquico a respeito das relações internacionais.

Segundo Lijphart (1982), as noções de soberania e de anarquia internacional inspiraram três teorias interligadas: a do governomundial, a do equilíbrio de poder (ou balanço do poder) e a da segurança coletiva. Segundo a teoria do governo mundial, dado que a anarquia é responsável pela tensão internacional, é necessário celebrar umcontrato social internacional para instituir um governo mundial soberano e único, para pôr fim à anarquia. A teoria do equilíbrio de poder, ao contrário, defende que a luta pelo poder entre os Estados soberanos tende a gerar umequilíbrio, o qual não alimenta uma tensão perpétua, mas cria uma ordem internacional. Para a teoria da segurança coletiva, o melhor seria que os Estados se empenhassem em tomar medidas coletivas contra todoagressor, o que acabaria atenuando a anarquia internacional. Todas essas teorias aceitam a tese de que a anarquia reina entre os Estados soberanos. Segundo Inis L. Claude, citado porLijphart, essas três teorias correspondem a estágios sucessivos de uma progressão em direção a uma centralização cada vezmais repleta de autoridade e poder (no sentido balanço de poder > segurança coletiva > governo mundial). O mundo nuncapassou do segundo estágio, o qual foi, na verdade, o foco da maior parte dos autores idealistas.

Historicamente, no desenvolvimento do sistema de Estados da Europa,soberania é normalmente associada aos trabalhos de Jean Bodin e ThomasHobbes, nos quais significava o direito de exercer poder irrestrito. Todavia, ahistória do sistema de Estados modernos, do século XVII em diante, é umatentativa de se distanciar da rigidez dessa concepção original em busca da ideiade igualdade formal.

Para as Relações Internacionais, é particularmente importante a visão construída por Hugo Grócio sobre a sociedadeinternacional a partir da teoria do contrato. Grócio, considerado o pai do Direito Internacional, defendeu ser o direito umconjunto de normas ditadas pela razão e sugeridas pelo appetitus societatis. A base da doutrina de Grócio é a solidariedade, oupotencial solidariedade, entre os Estados em relação à aplicação da lei internacional, e procura estabelecer uma ordem mundialrestringindo os direitos dos Estados de irem para a guerra por motivações políticas e promover a ideia de que a força só pode serlegitimamente usada em nome dos objetivos e anseios da comunidade internacional como um todo.

Grócio, como se observa, apresenta uma hipótese inversa à do equilíbrio de poder. Para ele, existe um fundamento comum denormas morais e jurídicas, e o mundo é uma sociedade composta de Estados onde reina um consenso normativo suficientementeamplo e intimidador para que a noção de estado de natureza e de anarquia internacional não seja aplicável. A tese de Grócioparte da noção de anarquia, mas a minimiza para efeitos de teorização, desconsiderando a relação necessária entre anarquia eguerra, relação esta reduzida a mera “hipótese” (e não a um “dado” ou “premissa”, como fazem os realistas).

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Pág. 5 - A fase idealistaA teoria e a prática das relações internacionais desde a Primeira Guerra Mundial, principalmente com o Pacto da Liga das Nações(o Pacto de Paris), a Carta da Organização das Nações Unidas (ONU) e a Carta do Tribunal Internacional de Nuremberg, derivamda fórmula grociana, que concebe a sociedade internacional de forma ordenada, fruto da analogia com a alegoria da sociedadedoméstica usada pelos teóricos do contrato social dos séculos XVII e XVIII. Edward Hallett Carr, autor do clássico Vinte Anos de Crise: 1919-1939, cuja primeira edição foi lançada logo após odesencadeamento da Segunda Guerra Mundial, em 1939, analisa a dicotomia entre uma perspectiva utópica e a prática realistados Estados e ilustra bem a maneira como os idealistas viam as relações internacionais e os argumentos que utilizavam aotratarem das interações entre os povos:

O aspecto teleológico da ciência da política internacional tem estado evidente desde o princípio. Surgiu de uma grande edesastrosa guerra; e o objetivo-mestre que inspirou os pioneiros da nova ciência foi o de evitar a recidiva dessa doença do corpointernacional. O desejo passional de evitar a guerra determinou todo o curso e direção iniciais do estudo. Como outras ciênciasna infância, a ciência política internacional tem sido marcada e francamente utópica. Ela se encontra no estágio inicial, no qual odesejo prevalece sobre o pensamento, a generalização sobre a observação, e poucas tentativas são efetuadas de uma análisecrítica dos fatos existentes e dos meios disponíveis. Neste estágio, a atenção está concentrada quase exclusivamente no fim aser alcançado.

Carr cita, ainda, o discurso do Presidente Wilson – que refletia o pensamento idealista geral e que continha a resposta de Wilson:“se não funcionar, teremos que fazê-lo funcionar!”, quando indagado se aquele modelo moralizante e pacifista funcionaria – eesclarece:

"O advogado de um plano para uma força de polícia internacional, ou para a ‘segurança coletiva’, ou de algum outroprojeto para uma ordem internacional, geralmente responde à crítica, não com um argumento destinado a mostrarcomo e por que ele pensa que seu plano funcionaria, mas sim, ou com uma declaração de que ele tem que ser posto afuncionar porque as consequências de sua ausência de funcionamento seriam desastrosas, ou com a demanda poralguma panaceia alternativa."

Após a Primeira Guerra Mundial, a Liga das Nações foi um esforço específico da política internacional de substituir o princípio doequilíbrio de poder pelo princípio da segurança coletiva. Tal princípio, que sustentou a criação daquela Organização, foi elaboradopara remover a necessidade de equilíbrio ou balanço. Para os realistas, essa sua remoção no período entreguerras teria sidojustamente a causa da Segunda Guerra Mundial. Como resultado, o sistema internacional pós-1945 deixou de ser explicado emtermos do princípio idealista da segurança coletiva, e noções de bipolaridade e multipolaridade, típicas das análises de balançode poder, o substituíram. Chegou-se mesmo, nos períodos mais quentes da Guerra Fria, em se falar de “balanço de terror”.

Para reforçar e ilustrar os conceitos acima, assista ao vídeo.

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Pág. 6 - A fase realista A década de 1930, entretanto, caracterizada por uma crescente instabilidade internacional, consequência de comoções políticas,econômicas e ideológicas, internas e internacionais, e pelo fracasso do sistema da Sociedade das Nações e da política deapaziguamento das democracias europeias, marca a decadência da perspectiva idealista para a teoria das RelaçõesInternacionais. Nesse período, tem-se o debate entre o Idealismo e uma nova corrente que ganhava força, o Realismo Político.

Os acontecimentos internacionais novamente foram essenciais para a mudança no aporte teórico. O Realismo representou, emum primeiro momento, a reação dos especialistas às insuficiências teóricas e práticas dos idealistas, no contexto de convulsõesinternacionais dos anos trinta e da própria Segunda Guerra Mundial. Para os realistas, o apelo à opinião pública e à razãohumanista, preconizada pelos idealistas, mostrou-se incapaz de prevenir a guerra, fazendo-se necessário retomar as ideias desegurança nacional e de força militar como suportes da diplomacia. Apenas por meio de um poder efetivo, acreditavam, osEstados poderiam assegurar a paz internacional e a solução pacífica das controvérsias. Carr assinalava que o significado últimoda crise internacional era "o colapso da total estrutura do utopismo baseado no conceito de harmonia de interesses".

A pragmática nova geração de estudiosos do pós-Segunda Guerra Mundial baseava-se no pensamento clássico maquiavélico ehobbesiano e via na defesa dos interesses nacionais, em relação a poder, o grande eixo da conduta dos Estados soberanos nomeio internacional. O Realismo encontrou maior respaldo nos EUA. Desse país, a doutrina realista difundiu-se pelo globo,tornando-se a corrente teórica mais relevante para explicar as Relações Internacionais.

Abordaremos essa corrente com mais detalhes a seguir e também em unidade própria.

Atualmente, cerca de 90% da produção acadêmica dos EUA em RelaçõesInternacionais têm por fundamento a corrente realista.

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Pág. 7 - Behavioristas e pós-behavioristas

A terceira fase da Teoria das Relações Internacionais desenvolveu-se também nos EUA como “resposta aos excessos doRealismo”. Trata-se de uma aproximação com a vertente behaviorista da Sociologia. Essa corrente ficou conhecida comobehaviorista ou científica. Para Arenal (1984, p.82):

No início dos anos cinquenta, alguns especialistas norte-americanos em política de segurança nacionalrepensam os postulados do realismo político, com base no caráter impreciso e intuitivo dos mesmospara a análise da realidade internacional, e buscam um enfoque de caráter científico capaz de darresposta à complexidade das Relações Internacionais. O impacto dos métodos de pesquisa e osmodelos das ciências físico-naturais são notados com força nas pesquisas que começam a pôr emmarcha. A partir desse momento, uma onda de cientificismo, que trata de desenvolver uma ciênciadas Relações Internacionais, com base na aplicação de métodos quantitativo-matemáticos, invade asRelações Internacionais, impondo-se o que se denominou perspectiva behaviorista ou conducista.

Para os behavioristas, o objetivo das Relações Internacionais é o comportamento dos atores. O estudo desse objeto deve atentarpara parâmetros que envolvam fases como a coleta e a elaboração de dados, o tratamento quantitativo desses dados e,finalmente, a produção de modelos dentro do rigor científico das ciências exatas. Para os behavioristas, os estudos devem estarsempre voltados para os casos concretos, a partir dos quais uma linguagem científica das ciências sociais deve ser elaboradacom base em dados empíricos, rejeitando-se análises provenientes do Direito, da História ou da Filosofia. Entre os váriosenfoques da corrente behaviorista, convém destacar a Teoria da Tomada de Decisões, a Teoria Sistêmica das RelaçõesInternacionais e a Teoria dos Jogos. Os autores científicos mais renomados são Morton Kaplan, David Singer e G. T. Allison.

O desenvolvimento da corrente “científica” gerou um grande debate nos anos sessenta entre os tradicionalistas filosófico-intuitivos (idealistas e realistas) e os científicos (behavioristas).

Finalmente, Arenal identifica uma quarta fase, motivada pelo que David Easton (1969) chamou de “nova revolução da ciênciapolítica”, e que se convencionou chamar de pós-behaviorismo. Essa nova revolução ter-se-ia produzido devido a uma profundainsatisfação com a pesquisa política e os ensinamentos behavioristas, sobretudo por quererem converter o estudo da política emuma ciência segundo o modelo físico-natural. As bandeiras levantadas pelos pós-behavioristas são ação e relevância. O novomovimento, sem abandonar o enfoque científico do behaviorismo, dirige sua atenção à conduta humana enquanto tal e aosproblemas reais do mundo, às motivações e aos valores subjacentes a toda conduta. Busca-se uma pesquisa com ênfase ao casoconcreto, dando atenção a um objeto de análise que difere dos objetos das ciências exatas. O pós-behaviorismo constituiu,portanto, a síntese do debate entre as concepções tradicionalistas e as científicas.

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Pág. 8 - Realismo, Pluralismo e Globalismo

Atualmente, a doutrina reconhece três grandes correntes teóricas das Relações Internacionais: o Realismo, o Pluralismo e oGlobalismo. São também chamados de paradigmas teóricos, dado que as variadas teorias que existem na disciplina podem serencaixadas em uma dessas três correntes. O Realismo trabalha mais com os conceitos de poder e equilíbrio de poder, oGlobalismo com dependência, e o Pluralismo, por sua vez, com os conceitos de processo de tomada de decisão etransnacionalismo.

Vamos abordá-las brevemente a seguir.

Assistindo ao vídeo abaixo, ainda com o Professor Joanisval, um dos conteudistas deste curso, você terá uma visão introdutóriado surgimento do Realismo.

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Realismo O Realismo tem algumas proposições básicas. Primeiro, o Estado é o ator principal no meio internacional, e o estudo das relações internacionais foca essa unidade política.Atores não estatais, como as empresas multinacionais, são menos relevantes para a análise, e as organizações internacionais,como a ONU ou a OTAN, não possuem existência autônoma ou independente, porque são compostas de Estados, as verdadeirasunidades soberanas, independentes e autônomas, que determinam o comportamento dessas organizações internacionais. O Conselho de Segurança da ONU, por exemplo, que era uma forma de “gerência” do poder na visão realista, foi paralisado,durante a Guerra Fria, pelo veto – os interesses de poder da URSS e dos EUA iam em sentidos opostos e, por consequência,

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impediam a organização de funcionar. No pós-Guerra Fria, apesar da superação das rivalidades dentro do Conselho, aOrganização ainda não funcionava automaticamente, dependendo, em cada circunstância, do “interesse” dos Estados para atuar.Realistas citam, por exemplo, o contraste entre a ação rápida na Guerra do Golfo e a inércia diante da crise iugoslava. Segundo, os Estados são atores unitários. São unitários porque quaisquer diferenças de visão entre os líderes políticos ouburocracias dentro do Estado são, no final das contas, resolvidas, para que o Estado fale uma só voz. Terceiro, os Estados são atores racionais. Isso porque, dados certos objetivos, trabalham com alternativas viáveis para alcançá-los, à luz de suas capacidades, por meio de uma análise de custo-benefício. Os realistas reconhecem a existência de problemascomo falta ou ruído de informação, incerteza, pré-julgamento e erros de percepção, mas, contudo, pressupõem que ostomadores de decisão não medem esforços para alcançar a melhor decisão possível.

Finalmente, para os realistas, a segurança nacional é a questão de maior importância para a agenda de política exterior dequalquer Estado. Questões políticas e militares dominam a agenda e são chamadas de “alta política” (high politics). Os Estadosatuam para maximizar o interesse nacional. Em outras palavras, os Estados tentam maximizar a probabilidade de atingiremqualquer objetivo que tenham estabelecido, o que inclui preocupações de alta política relativas à sobrevivência do Estado(segurança) assim como os objetivos de baixa política ligados a esse campo, como comércio, finanças, câmbio e bem-estar.

A guerra responsiva dos EUA contra o Afeganistão, após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, e sua guerrapreventiva contra o Iraque, em 2003, evidenciam o conflito alta política x baixa política, pois, durante os quatro anos do GovernoBush, os democratas o criticaram constantemente por ter abandonado as questões de economia doméstica em nome dasegurança nacional. Até mesmo o direito interno foi suspenso nos EUA: vêm sendo negados a vários suspeitos, estrangeiros enacionais, direitos garantidos constitucionalmente, em ampla afronta ao princípio do devido processo legal (due process of law),conquista de mais de dois séculos da sociedade norte-americana.

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Pág. 9 - Pluralismo

Assista à aula introdutória, gravada no curso presencial no ILB, sobre Pluralismo. Vamos lá!

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Os anos de 1980 e 1990 deram força à corrente teórica conhecida como Pluralismo, que veio para desafiar as proposições doRealismo. Nessa corrente normalmente se enquadram os neoliberais.

O Pluralismo é baseado em quatro proposições básicas.

Primeiro, atores não estatais são importantes na política internacional. Organizações internacionais, por exemplo, podem tornar-se, em algumas questões, atores independentes, ao contrário do que defendem os realistas. Elas são mais do que simplesfóruns em que Estados competem e cooperam uns com os outros. O corpo de funcionários de uma organização internacionalpode reter um grau expressivo de poder ao determinar os termos de uma agenda, assim como ao fornecer informações sobreem quais representantes de Estado baseiam suas demandas (como acontece com o FMI em relação aos países que pedemempréstimos além de suas cotas, e, por consequência, precisam seguir o receituário do “consenso de Washington”).

Similarmente, organizações não governamentais, como a WWF, e corporações multinacionais, como a Petrobras, a IBM, a Sony, aGeneral Motors, a Exxon, o Citicorp, entre várias outras, também desempenham papéis importantes na políticamundial. Atualmente, lembram os pluralistas, até mesmo na área comercial as ONGs têm sido chamadas a atuar. Para os pluralistas, também não se poderia negar o impacto de atores não estatais, como grupos terroristas (como a Al Qaeda),comerciantes de armas da máfia russa, movimentos guerrilheiros, como as FARC colombianas etc.

Segundo, para os pluralistas, o Estado não é um ator unitário. O Estado é composto de indivíduos, grupos de interesse eburocracias que competem entre si. Apesar de as decisões serem noticiadas como decisões de “tal país”, é geralmente maiscorreto se falar em decisão feita por uma coalizão governamental particular, uma agência burocrática do Executivo ou mesmo umúnico indivíduo. A decisão não é tomada por uma entidade abstrata chamada “Brasil”, “China” ou “EUA”, mas por uma

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combinação de atores por trás da definição da política externa.

Diferentes organizações podem apresentar perspectivas distintas em determinada questão de política externa. Competição,formação de coalizões e compromissos eventualmente resultarão numa decisão que será anunciada como uma decisão do país.Essa decisão “estatal” pode ser o resultado de lobbies levado a efeito por atores não governamentais (como o lobby dosfazendeiros norte-americanos contra o fim dos subsídios agrícolas, das empresas multinacionais, de grupos de interesse, oumesmo de um ente amorfo, a opinião pública). Assim, para os pluralistas, o Estado não pode ser visto como um ator unitário,uma vez que tal rótulo perderia de vista a multiplicidade de atores que formam e compõem a entidade chamada de “Estado-nação”. Terceiro, os pluralistas desafiam a suposição realista de que o Estado é um ator racional. Dada a visão pluralista e fragmentadado Estado, pressupõe-se, ao contrário, o choque de interesses, a barganha e a necessidade de compromisso que nem semprelevam a um processo de tomada de decisão racional. Por fim, para os pluralistas, a agenda da política internacional é extensa. Embora a segurança nacional seja importante, ospluralistas também se preocupam com um número variado de questões econômicas, sociais, energéticas e ecológicas que têmsurgido com o aumento da interdependência entre os países e as sociedades nos séculos XX e XXI. Alguns pluralistas, porexemplo, enfatizam o comércio e as questões monetárias e energéticas, as quais estariam no topo da agenda internacional.Outros dedicam-se à solução do problema demográfico e da fome no Terceiro Mundo. Outros, ainda, focam a poluição e adegradação do meio ambiente. Nesse sentido, os pluralistas rejeitam a dicotomia entre alta política (high politics) e baixapolítica (low politics) dos realistas.

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Pág. 10 - Globalismo

Para introduzir o conceito de Globalismo, assista ao vídeo e, em seguida, leia atentamente o texto que se segue!Economizador de Energia do SafariClique para Iniciar o Plug-in do Flash

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Historicamente, o Globalismo se relaciona com o surgimento do Terceiro Mundo na política mundial. Nesse sentido, representauma visão ignorada e desprestigiada da realidade internacional. Para eles, a hierarquia, como uma característica chave, é maisimportante do que a anarquia, dada a desigualdade na distribuição do poder dentro do sistema. Vimos que os realistas organizam seus estudos em torno da questão básica de como a estabilidade pode ser mantida nummacroambiente anárquico. Os pluralistas se perguntam como mudanças pacíficas podem ser promovidas num mundo que écrescentemente interdependente política, militar, social e economicamente. Os globalistas, por sua vez, se concentram naquestão de por que tantos países do Terceiro Mundo na América Latina, na África e na Ásia não têm conseguido se desenvolver.Para muitos globalistas, mais ligados à linha marxista, essa questão faz parte de um campo maior de análise: o desenvolvimentodo capitalismo no mundo. Os globalistas são guiados por quatro proposições. Primeiro, é necessário entender o contexto global em que Estados e outros atores interagem. Os globalistas argumentam quepara explicar o comportamento em qualquer nível de análise – o individual, o burocrático, o societário e o estatal –, é necessário,antes, entender a estrutura geral do sistema global no qual esses comportamentos se manifestam. Assim como os realistas,globalistas acreditam que o ponto de partida da análise é o sistema internacional. Numa extensão mais larga, o comportamentode atores individuais é explicado por um sistema que fornece limitações e oportunidades. Segundo, os globalistas realçam a importância da análise histórica na compreensão do sistema internacional. Apenas rastreandoa evolução histórica do sistema é possível entender sua estrutura atual. O fator histórico chave e a característica definidora dosistema como um todo é o capitalismo. Até mesmo os Estados socialistas precisam operar dentro desse sistema econômico, queconstantemente restringe suas opções. Terceiro, os globalistas assumem que existem mecanismos de dominação que impedem que o Terceiro Mundo se desenvolva e

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que contribuem para o desenvolvimento desigual ao redor do planeta. A compreensão desses mecanismos requer o exame dasrelações de dependência entre os países industrializados do Norte (América do Norte e Europa) e os vizinhos pobres doHemisfério Sul (América Latina, África e Ásia). Finalmente, os globalistas defendem que os fatores econômicos são absolutamente críticos para se explicar a evolução e ofuncionamento do sistema capitalista mundial e a relegação do Terceiro Mundo para uma posição subordinada. A economiafunciona como uma espécie de “alta política” para os globalistas.

Para fins didáticos, podemos traçar o seguinte quadro, que relaciona os três paradigmas das Relacões Internacionais:

Realismo Pluralismo Globalismo

Unidadesanalíticas

Estado como principal unidadede análise.

Estado e atores não estatais, comoorganizações burocráticas, elites,sociedades, indivíduo, grupos deindivíduos, organizaçõesinternacionais, corporaçõesmultinacionais, organizações nãogovernamentais.

Estado, classes, elites, sociedadese atores não estatais comooperadores do sistema capitalista.

Concepção deator

Estado unitário e racional. Estado não unitário e não racional:desagregado em componentes,alguns dos quais com atuaçãotransnacional.

Estado não unitário e racional,visto sob a perspectiva histórica dodesenvolvimento do capitalismo.

Dinâmicacomportamental

Estado como maximizador deseus próprios interesses napolítica externa.

Conflito, barganha, formação decoalizões e compromissos nosprocessos transnacionais e detomada de decisão em políticaexterna, não necessariamentelevando a resultados ótimos.

Política externa como padrõesracionais de dominação dentro eentre Estados e sociedades.

Agenda Segurança nacional comoquestão mais importante.

Agenda múltipla, com questõessócio-econômicas tão ou maisimportantes do que questões desegurança nacional.

Questões econômicas como maisimportantes.

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Pág. 11 - Outras correntes teóricas

Registre-se, outrossim, que as correntes citadas nesta unidade são as mais difundidas e tradicionais. Não obstante, nestecontexto de pós-modernidade, ganham força perspectivas de vanguarda, com destaque para o Construtivismo. Porém, foge aoescopo deste curso a análise dessas outras correntes. Passemos, portanto, aos principais debates que marcaram a Teoria das Relações Internacionais no século XX. OS GRANDES DEBATES TEÓRICOS

Idealismo X Realismo

O debate entre realistas e idealistas iniciou-se na década de 1930. Não obstante, conforme acentua Arenal (1984), trata-se “deum debate que está presente, com maior ou menor força, em toda a história da teoria internacional, inclusive tendo recobradoforça com novas perspectivas em nossos dias”. De acordo com John Herz (1951, p.8), o Idealismo é um tipo de pensamentopolítico que “não conhece os problemas que surgem do dilema da segurança e poder”, ou que o faz “somente de uma formasuperficial”. O Realismo, por sua vez, ao contrário, considera fatores de segurança e poder inerentes à sociedade humana.

Arenal relaciona as características essenciais do Idealismo e do Realismo na Tabela 1:

TABELA 1: IDEALISMO X REALISMO

IDEALISMO REALISMO

1) Crença no progresso: diante da suposição de que anatureza humana pode ser compreendida não como imutável,mas como potencialidade que se atualiza progressivamente aolongo da História.

1) Pessimismo antropológico: nega a possibilidade de evoluçãopara uma sociedade mais humanista. A política de podersempre foi e será o cerne das Relações Internacionais.

2) Visão não determinista do mundo: a fé no progressocareceria de sentido se não fosse acompanhada de umasimilar crença na eficácia da mudança por meio da açãohumana.

2) Visão determinista do processo histórico: a ordeminternacional dificilmente pode ser modificada pela açãohumana. É possível compreender o processo histórico, mas nãoalterá-lo.

3) Racionalismo: considera que uma ordem política é racionale possível na Sociedade Internacional e que, como osindivíduos são morais e racionais, da mesma maneira osEstados são capazes de comportarem-se de forma racional emoral em suas relações. É a racionalidade que conduz aoprogresso.

3) Distinção entre os códigos de conduta moral do indivíduo edo Estado: a ética pública é diferente da ética na vida privada.O homem de Estado, enquanto defensor da comunidadenacional, não está limitado em sua atuação pelas normas éticase morais que regem os particulares. Daí o conceito de “razãode Estado”, em virtude do qual condutas inaceitáveis emâmbito interno do Estado seriam plenamente aceitáveis napolítica internacional.

4) Harmonia natural de interesses: os Estados teriaminteresses mais complementares que antagônicos. Daí a ideiade que é possível a cooperação entre os povos por um fimúltimo de paz e integração.

4) Ausência de harmonia natural de interesses: os Estadosencontram-se em uma competição constante, uma vez que édifícil se obter a confiança entre os entes estatais que lhespermita escapar dessa situação.

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Pág. 12 - Idealismo x Realismo

Assim, para os idealistas, a política é a arte do bom governo, e o poder político não constitui fenômeno natural, lei imutável danatureza. A Sociedade Internacional, em um primeiro momento, poderia até se encontrar em um estado de natureza, mas aanarquia internacional seria naturalmente substituída não por um sistema baseado no equilíbrio de poder, mas por uma ordemfundamentada na lei internacional, em instituições e na cooperação entre os povos. Assim, a conduta racional dos Estados oslevaria à constituição de um poder supranacional, uma confederação de nações, que garantiria a segurança e a paz no Sistema(a “paz perpétua” de Kant).

Os realistas, por sua vez, consideram a política internacional uma constante e interminável luta pelo poder, definido emcapacidade de influência. Negam o otimismo idealista. Atuar racionalmente significa agir em favor dos próprios interesses; ouseja, de aumentar o poder, a capacidade ou habilidade de controlar os outros entes internacionais. Partindo do princípio de que ohomem não é naturalmente bom e que se reúne em sociedade apenas porque é a melhor maneira que encontrou para garantir asegurança essencial à sua sobrevivência diante da guerra de todos contra todos, o Realismo percebe o Estado como umgladiador envolvido em um combate perpétuo pela sobrevivência na Sociedade Internacional anárquica em que as relações deforça predominam. O Realismo não considera a moral ou a ética como limites à ação do Estado, mas a prudência, o senso de oportunidade e ocálculo racional. Essa consideração explica o pragmatismo e a falta de credulidade em organizações internacionais comoinstituições que não sejam apenas meros instrumentos de alguns Estados no jogo de poder internacional. Um governo mundialbaseado apenas no Direito e no desejo global de paz é inconcebível para o Realismo.

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Pág. 13 - Tradicionalistas x Científicos

O debate entre os enfoques clássico e científico ou entre tradicionalistas e behavioristas ultrapassa, na ótica de Arenal, o debateentre realistas e idealistas. Afinal, ensina o mestre, tanto os partidários da análise clássica quanto os da perspectiva científicapodem inscrever-se nas visões realista ou idealista. O debate entre tradicionalistas e behavioristas tem caráter metodológico.Faremos apenas algumas breves considerações introdutórias a esse respeito.

Luciano Tomassini (1989), ao relacionar as principais diferenças entre os dois debates, lembra que,enquanto o primeiro debate (idealistas x realistas) tem sua origem específica no âmbito das relaçõesinternacionais, o segundo (tradicionalistas x científicos) está centrado na totalidade das ciências sociais,tendo ocorrido em virtude da “revolução behaviorista”. Os científicos buscavam alcançar, nas ciênciassociais, o nível de exatidão similar ao das ciências exatas. Daí a tentativa de adoção de técnicassemelhantes às utilizadas nas ciências naturais – como as da química, da física e até da biologia – e abusca de “leis naturais” para explicar as relações sociais.

Uma segunda distinção, segundo Tomassini, repousa no fato de que, enquanto o primeiro debate referia-sea questões substanciais – aspectos da natureza humana, dos fundamentos da Sociedade Internacional, daessência do poder –, o segundo debate teve cunho metodológico. Nesse sentido, tanto pensadores realistas

quanto teóricos idealistas poderiam assumir uma perspectiva científica em suas análises.

Finalmente, Tomassini assinala que, se o debate entre idealistas e realistas, por tratar de questões substanciais, faz com que asduas correntes sejam eternamente irreconciliáveis, o segundo debate estabelece uma paulatina aproximação das colocações eum entendimento final, dando origem aos pós-behavioristas. Os neorrealistas são o melhor exemplo desse resultado.

Os behavioristas criticavam os tradicionalistas pelo fato de estes dissociarem o sistema internacional do sistema nacional, etambém porque os tradicionalistas ignoravam as variáveis internas – como, por exemplo, o processo de tomada de decisão noâmbito interno –, as quais seriam, na concepção científica, fundamentais para a compreensão da política exterior. Ademais, osbehavioristas não davam atenção a questões filosóficas e morais, como a busca da paz, a moralidade da SociedadeInternacional, ou quais seriam os melhores mecanismos para a estabilidade internacional baseada no crescimento e nacooperação entre nações.

A resposta tradicionalista às críticas behavioristas fundamentava-se no fato de que a Sociedade Internacional é complexa demaispara que se chegue a “leis” que expliquem o sistema e a conduta dos atores com base na análise de variáveis isoladas.Lembravam, ainda, que o método quantitativo não permitia a compreensão de situações chaves – fundamentadas em aspectosintuitivos ou racionais. Finalmente, assinalavam que, devido ao sigilo, em Relações Internacionais é longo o tempo até que setenha acesso a determinadas informações que seriam essenciais para “quantificar a análise científica”. Na resolução de questõesurgentes na Sociedade Internacional, não é possível, outrossim, esperar até que se consigam os dados estatísticos ou aconclusão das várias análises de casos em que os científicos querem basear-se.

Certamente foi de grande relevância a contribuição behaviorista para a análise das relações internacionais. Afinal, foi possívelaperfeiçoar os métodos da teoria e sistematizar as análises sob uma perspectiva mais empírica. Não obstante, o aspecto intuitivoou racionalista das ciências sociais jamais poderá ser desprezado. Nesse sentido, não se pode querer atribuir às ciênciashumanas equivalência em relação às ciências naturais, exatas. Em Relações Internacionais, assim como em qualquer ciênciasocial, o homem – seja sob seu aspecto individual, seja por meio de suas manifestações coletivas – é o objeto central de estudo.Tentar explicar as relações humanas com base apenas nos critérios exclusivamente quantitativos pode conduzir o analista a erroem sua avaliação.

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Pág. 14 - A Teoria Sistêmica das Relações Internacionais

Segundo Tomassini, o enfoque sistêmico para explicar as relações internacionais encontra-se “entre os aspectos substantivos quedividiram os realistas e idealistas durante o primeiro pós-guerra e as questões metodológicas que foram objeto das disputasentre tradicionalistas e científicos” após a Segunda Guerra Mundial. Há, entretanto, aqueles que situam a corrente sistêmica naescola científica.

A escola sistêmica encontra suas origens na década de 1950, quando se começou a aplicar conceitos de análise de sistemas aoestudo das Relações Internacionais. Sua principal diferença frente ao enfoque convencional consistia no fato de que, enquanto ostradicionalistas concebiam as relações internacionais como um conjunto de interações entre unidades independentes e soberanas– os Estados –, não sujeitas a pautas nem a qualquer previsibilidade, a análise sistêmica percebia as relações internacionaisinfluenciadas ou determinadas pela estrutura ou pelas tendências de uma unidade mais ampla, que seria o Sistema Internacionalem seu conjunto.

Um sistema geral pode ser definido como algo substantivado em um conjunto de elementos ou partes interconectados. Essaconexão entre os diversos elementos ocorre por meio de um princípio claramente identificável ou, mais simplesmente, por um rolde interação hipotético entre seus distintos componentes. Pode-se dizer, portanto, que um sistema é um conjunto de unidadesque interagem entre si de acordo com padrões relativamente regulares e perceptíveis, alguns dos quais podem configurarsubsistemas que se relacionam com o conjunto, seguindo o mesmo tipo de padronizações, e cujos limites ou parâmetrostambém são reconhecíveis, mas que, em geral, permanecem abertos a influências de um meio ambiente externo.

A maior preocupação da perspectiva sistêmica está na interação entre os componentes de um Sistema Internacional e nosefeitos que o sistema tem sobre a conduta dos atores. Daí a atenção maior aos mecanismos e à estrutura do conjunto que àspartes específicas.

Tomassini conclui que os enfoques sistêmicos têm permitido conhecer e melhor compreender as relações existentes entre asdistintas unidades nacionais, o Sistema Internacional em seu conjunto e os diversos subsistemas que operam em seu interior. Oenfoque também é importante para:

· a percepção das funções que desempenham as estruturas e sua influência sobre o comportamento das distintas unidades;· a necessidade de trabalhar com diferentes níveis de análise, com os limites entre um Sistema Internacional e seus

elementos contextuais;· a natureza fechada ou aberta do sistema diante desse contexto; e· a interação observável entre o sistema e os diferentes segmentos que o integram.

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Pág. 15 - A Teoria Sistêmica das Relações InternacionaisUm termo muito usado na análise sistêmica é o de “subsistema”, que também será explorado no decorrer deste curso. Aplicadoàs Relações Internacionais, normalmente vem associado à ideia de região – “subsistemas regionais” – ou às relações dentro deum setor (subsistema econômico, militar etc.). A região, concebida como um subsistema, implica categorizar o todo (ou sistema) em partes distintas. O subsistemaapresentaria as mesmas características do sistema, sendo que em um nível diferente. A busca por padrões e processoscaracterísticos se daria da mesma forma que na análise de sistemas, embora não necessariamente apresentando os mesmosresultados.

Por exemplo, poder-se-ia considerar a integração uma tendência periférica em um sistema mundial e, ao mesmo tempo, umatendência dominante em um subsistema. Essa é, particularmente, uma das conclusões de alguns pesquisadores a respeito daformação de blocos econômicos. Dentro do sistema mundial, esta seria uma tendência dominante apenas entre paísesperiféricos, e não entre as principais potências. Paulo Nogueira Batista Jr., por exemplo, argumenta que os EUA e a UniãoEuropeia (UE) não têm e nem pretendem ter acordo de livre comércio entre si. Tampouco está em cogitação uma área de livrecomércio entre os EUA e o Japão, ou entre o Japão e a UE. Isso não impede que os EUA, a UE e o Japão mantenham inter-relacionamento comercial substancial e crescente ao longo do tempo. O que os norte-americanos, europeus e japoneses têmfeito nas últimas décadas é negociar, no âmbito multilateral, em rodadas sucessivas de liberalização, a gradual e seletivadiminuição de barreiras ao comércio internacional.

Usamos o texto intitulado Estratégias Comerciais do Brasil: Alca, União Europeia, OMC e NegociaçõesSul-Sul, preparado para o seminário “O Brasil e Oportunidades de Integração”, patrocinado peloBanco Interamericano de Desenvolvimento e pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, realizadoem 04 de novembro de 2003.

Concepções relativas a hierarquia, que normalmente eram empregadas no estudo do sistema macropolítico da políticainternacional, podem ser aplicadas, com a mesma validade, na análise de subsistemas regionais. Assim, um ator estatal podeapresentar papel significante em um nível e apenas modesto em outro. Índia e Brasil são bons exemplos. Além disso, doisprocessos sistêmicos relevantes, como o conflito e a cooperação, podem igualmente se manifestar no nível subsistêmico e,ainda, provocar um efeito spillover sobre o macrossistema. O conflito palestino-israelense é ilustrativo disso. Trataremos mais adiante, na Unidade 5, das ideias de subsistema econômico, militar e ideológico, entre outras.

Entre os principais expoentes da escola sistêmica nas Relações Internacionais estão Morton Kaplan, Karl Deutsch e RichardRosecrance. No caso do Neorrealismo, cuja perspectiva é eminentemente sistêmica, tem-se em Kenneth Waltzseu grandeexpoente.

Sugerimos as obras de Waltz, particularmente Teoria das Relações Internacionais(Theory of International Politics) para o estudo mais aprofundado da perspectiva

neorrealista de relações internacionais, e, ainda, O homem, o estado e a guerra.

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Pág. 16 - Realistas x Pluralistas Outro debate relevante é o que se dá entre realistas e pluralistas. Os pluralistas colocam o caráter anárquico da SociedadeInternacional e a importância da segurança em segundo plano, o que é fortemente criticado pelos realistas, para os quaisnenhuma análise das relações internacionais será completa sem se considerar a estrutura anárquica do Sistema e o dilema dasegurança. Para os pluralistas, dada a complexa interdependência da Sociedade Internacional, o uso militar da força tende a termenos utilidade na resolução de conflitos. Os pluralistas nem sempre usam os conceitos de sistema e de equilíbrio nas relações internacionais, dado que não concebematores autônomos e predeterminados no cenário internacional. Eles criticam as previsões baseadas em análises de balança depoder dos realistas por serem demasiado genéricas.

Ao contrário do mundo idealizado pelos realistas, os pluralistas veem indeterminação e imprevisibilidade, dado que não háseparação entre política externa e política interna, sendo aquela mera extensão desta, pois não deixa de ser influenciada porfatores como a opinião pública, a indústria do lobby e processos de barganha entre os atores internos (políticos, agênciasburocráticas etc.). A noção de Estado-nação dos pluralistas, ao contrário do que concebem os realistas, é difusa, irracional ealtamente permeável. A Teoria da Estabilidade Hegemônica, que vimos na Unidade 2 ao tratarmos de hegemonia, é exemplo de uma tentativa deconjugação da perspectiva realista com a pluralista. Alguns consideram essa teoria um “compromisso parcial” entre ambas ascorrentes. Outros debates

Há discussões mais recentes e igualmente relevantes, como os debates entre neorrealistas e globalistas e entre neorrealistas eneoliberais. Vamos abordá-los na próxima Unidade.

Também sobre o debate teórico de relações internacionais, veja o texto de WilliamGonçalves, Relações Internacionais.

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Pág. 17 - Mudanças na Teoria das Relações Internacionais A partir de 1990, a Teoria das Relações Internacionais passou a enfrentar um problema epistemológico, uma vez que estavaacostumada a trabalhar com os conceitos de Estado nacional, soberania, território nacional, interesse nacional, entre outros.Alguns autores identificam, na década de 1990, a ramificação das escolas da Teoria das Relações Internacionais em trêsdireções: o Realismo, nos EUA; o Pluralismo, na Europa e na literatura mais recente da América Latina; e o Globalismo, nasinterpretações da esquerda ainda presente na América Latina e em outros países do Hemisfério Sul. O Realismo passou a sofrer várias críticas devido à dificuldade do Estado em administrar forças transnacionais. O Globalismo seenfraqueceu com a crise do socialismo real. O Pluralismo se revelou inadequado, uma vez que as suas preocupações com asquestões sociais teriam sido desprezadas pela nova política internacional (SARAIVA, 1997, p. 361-362). Os seguintes movimentos passaram a ter relevância para a análise das relações internacionais contemporâneas:

soma de fluxos transnacionais como fator que afeta o cotidiano das pessoas e leva à crise do Estado-nação, cujouniversalismo e soberania são questionados;

relativização do conceito de soberania, surgindo expressões, nos meios diplomáticos, como “soberania operacional”;

atores não estatais não necessariamente agem contra o Estado, mas exigem mudanças de sua conduta – na políticainterna e externa;

atores não estatais forçam o Estado a levar em conta a Comunidade Internacional, uma vez que a interdependência torna-se fato, e os problemas globais (ecologia, migrações, epidemias, narcotráfico, direitos humanos, terrorismo) passam a serde responsabilidade de todos;

o Sistema Internacional passa a ser composto de sistemas confederados, o que solapa a identidade tradicional;

a Economia desliga-se do espaço nacional e das regulamentações do Estado, funcionando para o exterior.

A transição da bipolaridade para a globalização ocorreu, no entanto, sem que a nova ordem internacional demonstrassecapacidade para superar problemas globais, como o endividamento internacional, a hegemonia do mercado financeiro, o arrochoeconômico mundial requerido para o ajuste de economias centrais e o desemprego estrutural. Esses também são temasimportantes para os teóricos de Relações Internacionais no século XXI.

Um filme interessante para se entender, na prática, teoria das relações internacionais é “Sob aNévoa da Guerra” (Errol Morris, EUA, 2003), documentário em que o ex-Secretário de Defesa dosEUA, Robert McNamara, faz uma análise da política externa dos EUA na II Guerra Mundial.

!

Como sugestão de leitura, reforçamos a indicação da última grande obra de Jean-BaptisteDuroselle, Todo império perecerá: teoria das relações internacionais. Interessante,ainda, um livro básico para a compreensão do Realismo, A Política entre as Nações,de Hans Morgenthau. Finalmente, convém conhecer a Escola Inglesa de RelaçõesInternacionais por meio de duas obras fundamentais: A Política do Poder, de MartinWight, e A Sociedade Anárquica, de Hedley Bull. Veja a referência completa sobreessas obras na Bibliografia Complementar, no menu de apoio.

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Unidade 4 - O Realismo

Ao final da unidade, o aluno deverá ser capaz de:• identificar as características da principal corrente teórica dasRelações Internacionais e as críticas a essa corrente;• descrever a evolução do pensamento realista nas RelaçõesInternacionais ao longo do século XX;• discorrer sobre a validade do Realismo no século XXI.

Outro fator importante, que pode contribuir para o aproveitamento do curso, ésua organização pessoal e a disponibilidade de um tempo diário e preciso para os

estudos.

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Pág. 2 - O Realismo A tentativa mais notória do século XX para explicar as relações internacionais foi conduzida por um grupo de pensadores quecontemplavam a realidade internacional com base nas relações de força, poder e dominação. Esses autores foram osrepresentantes da corrente teórica conhecida como Realismo Político ou, simplesmente, Realismo. Trata-se da doutrina maisclássica e aceita das Relações Internacionais, chegando-se a ponto de muitos a considerarem o tronco central do estudo teóricodo tema. Após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, ela teve notório fortalecimento. Devido a essas peculiaridades,optamos por dedicar uma unidade específica a essa corrente.

Entre os fundamentos do Realismo, buscaremos analisar as ideias que mais se destacam, a saber:

a percepção de um sistema internacional anárquico, sem uma autoridade central superior aos Estados e titular legítima douso da força;

o caráter praticamente exclusivo do Estado como o único ou, ao menos, o principal ator internacional;

o desprezo pelo institucionalismo e pelo papel efetivo das organizações internacionais no sistema;

a percepção de que os Estados são entes unitários e racionais ao conduzirem sua política externa;

a heterogeneidade desses atores, quanto a aspectos econômicos, políticos, culturais etc.;

o predomínio da competição e da dimensão conflitiva sobre todas as formas de relações entre os aaAtores internacionais;

a busca da racionalidade na conduta dos Estados, que atuam na esfera internacional perseguindo sempre seu interessenacional;

o interesse nacional definido com base no poder, que conduz a uma paradoxal ordem internacional no sistema anárquico,ordem esta imposta pelas Potências hegemônicas aos demais Estados e em benefício das primeiras;

a preocupação com a segurança como umas das grandes orientadoras da conduta dos atores, no que os realistasconsideram ”alta política” (high politics) em contraposição à chamada baixa política (low politics);

a ideia de equilíbrio de poder na ordem internacional, estabelecido pelas Potências.

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Pág. 3 - O Realismo Os realistas tiveram por objetivo inicial definir as características que fariam do campo de estudo das Relações Internacionais umaciência própria. Daí buscarem distinguir, preliminarmente, a política internacional da política interna dos Estados.Desenvolveram, então, a percepção anárquica do sistema internacional.

Assim, os realistas percebem o sistema internacional como anárquico, no qual não existe poder central ou superior dos Estadossoberanos. Para os realistas, os Estados não reconhecem e não se submetem a qualquer autoridade que não a sua própria,também não estando, em última análise, internacionalmente sujeitos nem mesmo às regras do Direito. Nesse sentido, osEstados “são livres para fazer sua própria justiça e podem recorrer à força para defender seus interesses nacionais”(SENARCLENS, 2000, p. 16).

O pensamento realista inspira-se nas concepções de Thomas Hobbessobre o “estado de natureza” e, reproduzindo a visão hobbesiana sobre ohomem, percebe os Estados numa situação de guerra permanente – nãonecessariamente de conflito armado –, na qual perseguem seus interessesnacionais.

Nesse contexto anárquico, o Estado é visto internacionalmente como umente unitário e que atua em política externa de maneira racional, sendo ocálculo estratégico essencial para garantir sua sobrevivência. Nessesentido, o interesse nacional definido em termos de poder guiará aconduta dos Estados, e, em meio à guerra de todos contra todos, sãoessenciais para a sobrevivência de qualquer ente a garantia de suasegurança e o aumento de sua capacidade de influência no sistema.

Em âmbito interno, segundo Hobbes, os homens associam-se e abremmão de parte de sua independência para garantir sua segurança,transferindo uma parcela de seu poder para um soberano – o Estado –que, tornando-se o único e legítimo titular do uso da força (coerção),protege-os e garante a ordem. Na esfera internacional, entretanto,

declaram os realistas, não há uma autoridade superior à qual os Estados estejam dispostos a transferir parcela de seu poder ousoberania em troca de segurança.

Para garantir sua segurança, os Estados irão buscar aumentar seu poder – definido pela capacidade de influenciar os demaisEstados e de ser influenciado o mínimo por eles –, projetando-o no sistema internacional. Esse poder relaciona-se intimamentecom o uso da força – sobretudo de poderio político-militar e os aspectos econômicos relacionados a ele. Em outras palavras,quanto mais forte for um Estado frente a seus pares, menos sujeito a ser subjugado por estes ele se encontra.

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Pág. 4 - O RealismoParadoxalmente, uma vez que é impossível a coexistência em um sistema internacional caótico, os realistas acreditam que háuma ordem internacional estabelecida pelas Potências – Estados mais poderosos –, que a impõem aos demais Atores. A ordemse fundamenta, portanto, em um equilíbrio de poder instituído pelas relações entre as Potências. Quando uma Potência aumentasua esfera de poder, entrará em atrito com as demais – que não aceitarão ver sua capacidade de influência diminuída. Dessamaneira, o sistema poderá ser levado ao desequilíbrio, chegando-se ao conflito entre os Estados poderosos, que culminará, porsua vez, em uma nova ordem imposta pelos vencedores.

Os realistas não acreditam em uma ordem internacional instituída por princípios morais e fraternos. Qualquer forma decooperação internacional será conduzida pelos Estados enquanto esses perceberem que a cooperação garantirá mais segurançaque a não cooperação. As instituições internacionais são frágeis e somente prevalecem enquanto for mais conveniente para asPotências. No meio internacional, o Direito acaba quando a força começa.

Destarte, para os realistas, os Estados só seguirão e defenderão o Direito Internacional enquanto isso lhes for interessante. Casoas instituições jurídicas internacionais contrariem interesses de um Estado, este não se furtará a violá-las, desde que tenhacapacidade –potencialidade de uso da força – para fazê-lo e para suportar as reações dos outros Estados que defendam aquelesinstitutos. Periodicamente, os governos recorrem à força e violam os princípios de Direito Internacional, produzindo, inclusive,argumentos jurídicos para justificar sua política de agressão.

Outro aspecto importante do pensamento realista é a percepção do Estado como o único, ou, no mínimo, o principal Ator nasRelações Internacionais. Nessa perspectiva, os demais Atores – reconhecidamente as organizações internacionais – não seriammais que instrumento de manobra das Potências para garantir sua hegemonia na Sociedade Internacional. Segundo Senarclens(2000, p. 18):

De fato, as grandes potências definem as condições da segurança internacional e se arrogam em uma boa margem de manobrana interpretação dos princípios da Carta das Nações Unidas. Elas dominam as organizações internacionais; as utilizamcontinuamente para servir aos seus próprios fins [das grandes Potências], notadamente para efetivar suas ambições políticas eseu desejo de hegemonia. (...) Para os realistas, (...) o direito e a moral nas Relações Internacionais não fazem mais queexprimir a racionalização dos interesses dos principais Estados que dominam a política mundial.

(...) Definitivamente, as normas jurídicas e as instituições são frágeis; sua implementação é frágil, uma vez que os Estadosinterpretam a seu bel-prazer as obrigações que elas impõem; [os Estados] as transgridem invocando a defesa de seus interessesnacionais. Contrariamente ao que ocorre na esfera estatal interna, não há [no meio internacional] um poder legítimo capaz deinstaurar e assegurar uma ordem política impondo sua arbitragem frente aos conflitos entre os Estados; nenhuma autoridade écapaz de produzir um conjunto de normas jurídicas universalmente reconhecidas como legais. Não existe uma corte internacionalcapaz de julgar de maneira sistemática e coerente as diferenças entre os Estados, nem forças policiais [internacionais] quepossam coibir agressões a fim de estabelecer a paz. O indivíduo que viole a lei dentro de um Estado é passível de sanção. OEstado que transgrida o direito internacional em geral não é punido.

O institucionalismo, portanto, não encontra abrigo na perspectiva realista.

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Pág. 5 - O RealismoAdemais, a liberdade de ação dos Estados na esfera internacional estará relacionada à força que cada um deles tenha frente aosdemais. Em Paz e Guerra entre as Nações, Raymond Aron, partindo do pressuposto de que os Estados são soberanos – e,portanto, livres para perseguir sua própria justiça –, admitiu que o direito desses entes de recorrer à força constitui uma dasespecificidades das relações internacionais.

No que concerne ao meio internacional heterogêneo, os realistas afirmam que, apesar de os Estados serem juridicamenteidênticos e terem direitos iguais de pronunciar-se perante o concerto das nações, na prática, a capacidade de exercerem suasoberania varia consideravelmente.

O que os realistas buscam deixar claro é que não se pode querer igualar a China a Liechtenstein, ou o Brasil à Somália, ou ainda,ou ainda, os EUA ao Afeganistão. Não adianta, portanto, querer arguir o artigo 2º da Carta das Nações Unidas para que seimponha o princípio da igualdade entre os Estados nas relações internacionais. Os Estados são distintos uns dos outros quanto àgrandeza territorial, populações, localização geográfica, capacidade militar, níveis de desenvolvimento em que se encontram,recursos econômicos, capacidade de exploração desses recursos. É exatamente em virtude dessas diferenças que os Estadosterão maior ou menor influência no sistema internacional e buscarão formas de defender seus interesses.

O artigo 2º da Carta da Nações Unidas dispõe que a ONUé "fundada sobre o princípio da igualdade soberana de

todos os seus Membros.

Destarte, para os realistas, a política internacional de cada Estado é conduzida considerando-se as próprias potencialidades e asdaqueles com os quais o Estado vá relacionar-se. A heterogeneidade – econômica, política, militar, cultural, ideológica, social – éa regra no sistema internacional, e não levar isso em consideração pode ser tremendamente desastroso para qualquer Ator.

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Pág. 6 - O conflito e a questão da segurança

A política internacional, como toda política, tem por base os conflitos relacionados à distribuição do podere dos recursos econômicos. Os Estados atuam na arena internacional considerando essa disputa por podere por recursos econômicos. E os governos não devem ter objetivos maiores que os da defesa de seus“interesses nacionais”, entre os quais o mais importante é assegurar sua sobrevivência. É exatamente aconduta dos Atores internacionais em uma persecução - muitas vezes desordenada - por seus interessesnacionais que leva à situação de conflito e caos. Daí a assertiva de Morgenthauem A Política entre asNações:

A política internacional, como toda política, é uma luta pelo poder. Quaisquer que sejam os finsúltimos da política internacional, o poder é sempre o fim imediato.

Os realistas percebem diferentes maneiras pelas quais os Estados buscam sua segurança. Para assegurara independência, dependendo da posição e do status internacional, optam pela proteção de uma grande Potência, a participaçãoem sistemas de segurança coletiva ou em alianças políticas ou militares. De qualquer maneira, a maioria dos Estados dispõe deforças armadas para garantir sua segurança. Aqueles que renunciaram a elas (a Costa Rica é o caso mais notório),necessariamente confiam sua defesa à proteção de uma Potência hegemônica.

Philippe Braillard, em Teoria das Relações Internacionais (1990, p. 115), resume bem os principais conceitos do pensamento deMorgenthau:

Para Morgenthau é o poder (power) e, mais precisamente, a procura pelo poder, que é o fundamento detoda a relação política e que constitui, assim, o conceito chave de toda a teoria política. Esta procura dopoder está inscrita profundamente na natureza humana, onde tem a sua origem, natureza que não éessencialmente boa, já que ela confere a todos os homens um ardente desejo de poder ou animusdominandi, e os faz, com frequência, agir como uma ave de rapina, pelo menos ao nível das relações dosgrupos sociais entre si. Temos, por isso, no fundamento da teoria política de Morgenthau, uma visãofilosófica do homem, uma antropologia, marcada pelo pessimismo, que é fortemente inspirada pela obrado teólogo Reinhold Niebuhr, um dos mestres do pensamento da escola realista americana.

No que respeita particularmente à política internacional, a aspiração ao poder por parte das diversasnações, cada uma procurando manter ou modificar o status quo, conduz, necessariamente, a umaconfiguração que constitui o que chamamos de equilíbrio [de poder] (balance of power) e as políticas quevisam conservar esse equilíbrio. Ao estabelecer uma ligação necessária entre a aspiração das nações aopoder e as políticas de equilíbrio, Morgenthau pretende evitar o erro cometido pelos que acreditam quepodemos escolher entre a política fundada no equilíbrio e uma política, de um gênero melhor, esquecendoque todos os Estados procuram os seus interesses, exprimidos em termos de poder.

Também sobre o Realismo, veja o texto que trata da moral nas Relações Internacionais numaperspectiva realista, de Marcelo Beckert Zapelini.

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Pág. 7 - Críticas ao Realismo Claro que o Realismo tem sofrido pesadas críticas ao longo de décadas. Por exemplo, afirma-se que a teoria negligencia aspectossociais, culturais ou mesmo econômicos, dando valor exacerbado a fatores político-militares. Outra crítica é de que o conceito depoder na perspectiva realista estaria mal definido e seu emprego demasiado vago, uma vez que o poder seria, ao mesmo tempo,“um fim, um meio, um motivo e uma relação”.

Há, ainda, aqueles que lembram que o interesse nacional definido em termos de poder é discutível, uma vez que é complicadodeterminar e quantificar esse interesse. Ademais, o Estado jamais poderia ser considerado um Ator unitário e racional, e asdecisões e ações de política externa são fruto de um complexo conjunto de interesses de forças em diferentes níveis dasociedade interna. Daí que interesse nacional seria um conceito bastante subjetivo, tanto em virtude da diversidade das forçasdo interior do Estado que estabelecem quais são as prioridades e os interesses da nação, quanto devido à heterogeneidade dosistema internacional.

Finalmente, há a ponderação de que a teoria realista assenta-se numa visão das relações internacionais limitada à configuraçãodessas relações nos séculos XVIII e XIX, ou mesmo na primeira metade do século XX, sendo inadequada ao sistemainternacional contemporâneo, marcado pela diversidade de Atores e de grupos, como organizações internacionais, organizaçõesnão governamentais e empresas transnacionais.

O conhecimento da perspectiva realista é fundamental para acompreensão das relações internacionais. Além da já citada obra deMorgenthau, sugere-se a leitura dos trabalhos de Raymond Aron, comdestaque para Paz e Guerra entre as Nações e dos livros de HenryKissinger.

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Pág. 8 - O Neorrealismo

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O Neorrealismo é uma versão mais atual do Realismo. Pegou emprestado alguns elementos do cientificismo behaviorista e,assim, deu um renovo para a corrente realista. O Neorrealismo deriva de um movimento epistemológico que ficou conhecidocomo Estruturalismo. Segundo os estruturalistas, a sociedade se define pelas condições de possibilidade de toda organizaçãosocial. A análise dos diferentes sistemas constitutivos da Sociedade Internacional e de sua articulação mostra serem eles aaplicação de certo número de leis lógicas encontráveis em toda sociedade. Tal ponto de vista se casou com algumas perspectivas“clássicas”, como as que veem as “leis” da anarquia e do poder como explicativas da realidade (como a “lei” do balanço de poderjá estudada), dando luz ao Neorrealismo. Para os estruturalistas, são essas as invariantes ou constantes que dão unidadenecessária à fundamentação científica. Enfim, para os estruturalistas, o importante é identificar os padrões, os arranjos, asorganizações sistemáticas em determinado estado. Em suma, o Estruturalismo foi fundamental para o desenvolvimento dos métodos “científicos” ao ensinar que o processocientífico básico é o analítico, da decomposição das coisas, e que se deve privilegiar o aspectorelacional da realidade, uma vezque as relações são constantes, enquanto que os elementos podem variar.

Kenneth Waltz (2002) se utiliza do Estruturalismo para criar o seu Neorrealismo, também chamado de RealismoEstrutural, ao final da década de 1970, que ele modestamente chama de “revolução de Copérnico” no âmbito dasRelações Internacionais. Waltz identifica três níveis de análise nas Relações Internacionais: o Indivíduo, o Estado e a Sociedade (economia

doméstica/sistemas políticos), e o Sistema Internacional (ambiente anárquico). Dos três níveis de análise identificados por ele,concentra-se no terceiro nível, para dizer que a anarquia é uma constante, um “dado” na estrutura do Sistema Internacional.Enquanto esse primeiro critério da estrutura, a anarquia, é uma constante, o segundo, a distribuição de capacidades, é umavariável, pois varia entre os Estados. O referencial empírico para essa variável é a quantidade de Superpotências que domina osistema. Dado o pequeno número de tais Estados – importante perceber que ele escrevia na época da Guerra Fria –, e, alémdisso, para Waltz, não mais que oito já foram importantes, a política internacional, segundo ele, poderia ser estudada em termosda lógica de poucos sistemas.

O Neorrealismo foca mais as características estruturais do sistema internacional estatocêntrico do que as unidades que ocompõem (os Estados). Em outras palavras, é a estrutura que molda e conforma as relações políticas entre as unidades. ParaWaltz, o Realismo tradicional, por se concentrar nas unidades e nos seus atributos funcionais, é incapaz de trabalhar com

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mudanças de comportamento ou na distribuição de poder que ocorre independentemente das flutuações entre as própriasunidades. Assim, apesar de o sistema ainda ser anárquico e as unidades ainda serem autônomas no Neorrealismo, a atençãovoltada para o nível estrutural fornecia-lhe uma imagem mais dinâmica e menos restrita do comportamento político internacionalemergente. O Neorrealismo busca explicar como as estruturas afetam o comportamento e os resultados, independentemente dascaracterísticas atribuídas ao poder e ao status.

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Pág. 9 - O NeorrealismoPara Waltz, o sistema internacional funciona como o mercado, o qual está interposto entre os atores econômicos e os resultadosque eles produzem. É o mercado que condiciona seus cálculos, seus comportamentos e suas interações. Assim, para ele, é aestrutura do sistema internacional que limita o potencial de cooperação entre os Estados e que, por consequência, gera o dilemada segurança, a corrida armamentista e a guerra. Waltz lembra que as empresas devem desenvolver sua própria estratégia para sobreviver em um meio competitivo, sendodifíceis ações coletivas que otimizem o lucro a longo prazo. Waltz usa a noção de poder estrutural – espécie de poder que pode estar operando quando os Estados não estiverem agindo daforma que se esperava, dada a desigualdade de distribuição de poder no sistema internacional. Percebe-se que Waltz se inspirouem Durkheim, para quem a sociedade não é a simples soma de indivíduos e que todo fato social tem por causa outro fato social,e jamais um fato da psicologia individual. Em seu trabalho sobre o suicídio, Durkheim procurou demonstrar que, mesmo no atoprivado de tirar a própria vida, conta mais a sociedade presente na consciência do indivíduo do que sua própria históriaindividual. Ou seja, o ambiente é mais importante do que o agente, e essa é a tese por trás do Neorrealismo de Waltz. Isolando a estrutura, Waltz argumenta que uma estrutura bipolar dominada por duas Superpotências é mais estável que umaestrutura multipolar dominada por três ou mais Superpotências, pois é mais provável que se sustente sem guerras espalhadasno sistema. Para ele, há diferenças expressivas entre multipolaridade e bipolaridade. Na multipolaridade, os Estados confiam emalianças para manter a segurança, o que é inerentemente instável, uma vez que existem potências demais para se permitir quequalquer uma delas trace linhas claras e fixas entre aliados e adversários. Em contraste, na bipolaridade, a desigualdade entre asSuperpotências e cada um dos outros Estados assegura que a ameaça posta a cada um deles seja mais fácil de ser identificada,e, no sistema bipolar da Guerra Fria, a URSS e os EUA mantinham o equilíbrio central, confiando mais nos próprios armamentosdo que nos aliados. Ficam, assim, minimizados os perigos decorrentes de previsões erradas. A intimidação nuclear e ainabilidade das Superpotências em superarem mutuamente as forças retaliadoras aumentam a estabilidade do sistema. Ou seja,para Waltz, a estrutura do sistema em si gerava a estabilidade.

!

Os conceitos de multipolaridade e de bipolaridade serão abordados com mais detalhesno próximo módulo.Waltz foi criticado por Raymond Aron, para quem a estabilidade da Guerra Friatinha mais a ver com as armas nucleares em si do que com a bipolaridade. Muitoscríticos argumentaram que o modelo de Waltz era muito estático e determinístico,além de desprovido de qualquer dimensão de mudança estrutural (revolução). Masessas, na verdade, são as características do Estruturalismo. Em Waltz, os Estadosestão condenados a reproduzir a lógica da anarquia, e qualquer cooperação queocorra entre eles ficará subordinada à distribuição de poder. Os neoliberais criticamWaltz por exagerar o grau de “obsessão” dos Estados pela distribuição de poder epor ignorar os benefícios coletivos que podem ser alcançados pela cooperação.Abordaremos esse debate entre neorrealistas e neoliberais mais à frente.Outros acusaram Waltz de tentar legitimar a Guerra Fria sob o manto da ciência.Com o fim da Guerra Fria, um dos polos da estrutura ruiu, a URSS, o que não seharmonizava com as expectativas da teoria de Waltz, segundo as quais asSuperpotências amadureceriam para se tornar “duopolistas sensíveis” no comandode uma estrutura crescentemente estável.

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Pág. 10 - Os Últimos Grandes Debates Visto o Neorrealismo, agora podemos abordar os últimos grandes debates teóricos de interesse para o presente cursointrodutório. Tais debates, que surgiram nas últimas décadas do século XX, refletem as teorizações que se fizeram necessáriaspara explicar as significativas mudanças nas relações internacionais produzidas pelo processo de globalização e pelo aumento dainterdependência entre os Atores. Neorrealistas X Globalistas Um dos últimos debates que merece referência neste curso é o que se dá entre neorrealistas e globalistas.

Como visto, a corrente neorrealista surge com o objetivo de desenvolver uma análise mais precisa das Relações Internacionais,baseada nos pressupostos realistas clássicos, mas com adaptações que tinham que considerar a nova realidade internacionalmais complexa.

Como já referido, Waltz (2002) reafirma a perspectiva tradicional realista: o princípio da soberania estatal confere à SociedadeInternacional características próprias e limita os domínios da cooperação internacional, prejudicando qualquer integraçãodurável. O autor retoma a ênfase na teoria do equilíbrio de poder diante do Sistema Internacional anárquico, no qual os Estadoscompetem e atuam em defesa de seus interesses, que podem ser percebidos como, no mínimo, a sua própria preservação, e, nomáximo, a dominação universal.

O Globalismo, por sua vez, usa algumas das categorias que o Neorrealismo usa (como o poder estrutural), pois também derivado Estruturalismo, mas surge como uma corrente alternativa. Os globalistas reconhecem, como os neorrealistas, que hálimitações estruturais para a cooperação entre os Estados, mas defendem que isso se dá mais em razão da hierarquia do que daanarquia no Sistema. Para eles, a hierarquia, como uma característica chave, é mais importante do que a anarquia, dada adesigualdade na distribuição do poder dentro do sistema. Os globalistas enfatizam o poder estrutural e centram as capacidadeschaves no sistema econômico. Para eles, uma divisão peculiar do trabalho ocorreu historicamente no sistema mundial comoresultado do desenvolvimento do capitalismo como a forma dominante de produção. Como já referido na Unidade 3, o Globalismo busca explicar as relações internacionais não em virtude de cooperação ou conflito,mas sob a ótica do subdesenvolvimento de vários países. Os globalistas buscam analisar as Relações Internacionais dentro deum contexto global e geral, assim como fazem os neorrealistas, mas acreditam que o que deve ser explicado são as relações dedominação, ou seja, como a minoria consegue dominar a maioria, doméstica ou internacionalmente, e essa dominação encontrana Economia seu aspecto central. “Existe uma influência marxista no globalismo, principalmente nas análises sobre o padrão de evolução histórica das relações dedominação (o conflito seria o motor da dinâmica entre as classes sociais). Existe também um enfoque na totalidade, ou seja, nãoé possível entender o capitalismo sem entender as relações de exploração. Afirmam também, nessa perspectiva global, quequalquer solução localizada deve ser vista apenas como uma etapa da solução global.” Miguel Burnier, Debate Interparadigmáticodas Relações Internacionais, no Caderno Pet Jur n. IV.

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Pág. 11 - Neorrealistas X GlobalistasO Globalismo vê um sistema-mundo capitalista composto por um núcleo (o centro) e a periferia. As áreas centrais se engajaram,historicamente, nas atividades econômicas mais avançadas: bancária, industrial, agricultura de alta tecnologia etc. A periferiatem fornecido matéria-prima, como minérios e madeira, para a expansão econômica do centro. O trabalho não qualificado ésufocado, e aos países periféricos é negado o acesso a tecnologias avançadas nas áreas/setores em que podem vir a competircom os países centrais. O relacionamento polarizado entre as duas categorias é um dos motores do sistema.

Assim, não basta um consenso ideológico a favor do capitalismo (como pensam os neoliberais) ou uma concentração do podermilitar entre as hegemonias do centro (como pensam os neorrealistas) para que um conflito sério no sistema possa ser evitado.Para os globalistas, não bastaria nenhum dos dois se não fosse a divisão da maioria numa camada inferior maior.

Autores globalistas, como Immanuel Wallerstein, acreditam que o sistema-mundo continuará a funcionar como tem feito nosúltimos quinhentos anos, em busca do acúmulo sem fim de bens e capital, e que a periferia será cada vez mais marginalizada namedida em que a sofisticação tecnológica do centro se acelerar. Neorrealistas X Neoliberais e a Teoria da Interdependência

Este último debate é o mais relevante para o mundo que se descortina diante de nossos olhos neste início do século XXI.Também pode ser referido como um debate entre neorrealistas e pluralistas, já que os liberais e neoliberais se reúnem noparadigma pluralista.

Como pano de fundo desse debate temos a Teoria da Interdependência. Esse debate teórico ganhou força nas décadas de1980 e 1990 e perdura até os dias de hoje. O debate se dá em torno de questões como: se o sistema internacional mudou ounão sob o impacto da interdependência, e quais as implicações de tal mudança para a teoria e prática das relações

internacionais. No fundo, quando surgiu o debate, a questão era se o modeloclássico da “anarquia” estava perdendo seu poder explicativo frente à“interdependência” entre os Estados, se a agenda tradicional das relaçõesinternacionais passou ou não a reduzir a importância da “alta política” (highpolitics – segurança militar, dissuasão nuclear) e a elevar a “baixa política” (lowpolitics – comércio, finanças internacionais etc.). Na época em que surgiu, a discussão era travada entre os que acreditavam que osistema internacional não estava sofrendo nenhuma mudança sistêmica (a escolaneorrealista) e os que argumentavam que o Realismo passou a ser um guiainadequado para a compreensão das mudanças dramáticas ocorridas nas relações

internacionais como resultado das forças econômicas transnacionais (a escola neoliberal).

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Pág. 12 - Neorrealistas X Neoliberais e a Teoria daInterdependênciaA razão desse debate era a crise do sistema Bretton Woods, a crise de conversibilidade do dólar e os choques de petróleo,eventos que abalaram todo o mundo. E, claro, não se pode deixar de citar, o fracasso dos EUA na Guerra do Vietnã. Segundo Waltz (2002), a direção da interdependência econômica dependia da distribuição de poder no Sistema Internacional. Osignificado político das forças transnacionais não decorre de sua escala; o que importa é a vulnerabilidade dos Estados às forçasfora de controle e os custos da redução de exposição a essas forças. Para Waltz, no sistema bipolar então vigente, o grau deinterdependência era relativamente baixo entre as Superpotências, e a persistência da anarquia, como princípio centralorganizador das relações internacionais, garantia que os Estados continuassem a privilegiar a segurança acima da busca porriquezas (GRIFFITHS, 2004). Do outro lado do debate estavam os neoliberais, que afirmavam que o crescimento das forças econômicas transnacionais, comoos fluxos financeiros, a crescente irrelevância do controle territorial frente ao crescimento econômico e a divisão internacional dotrabalho tornavam o Realismo obsoleto. Os benefícios coletivos do comércio e a influência dos fluxos financeiros para as políticasdomésticas dos Estados assegurariam uma cooperação maior entre os Estados e contribuiriam para o declínio do uso da forçaentre eles. Um dos fortes defensores das teses neorrealistas foi Stephen Krasner. Para Krasner (1983), os Estados soberanos continuamsendo, nos tempos de hoje, agentes racionais e interesseiros, firmemente preocupados com seus ganhos relativos. Argumentouque os períodos de abertura na economia mundial correspondem aos períodos nos quais um Estado é nitidamente dominante. Noséculo XIX, foi a Grã-Bretanha; no período 1945-1960, os EUA. Por consequência, concorda com Waltz: o grau de aberturadepende, em si, da distribuição de poder entre os Estados. A “interdependência” econômica é subordinada ao equilíbrio de podereconômico e político entre os Estados, e não o contrário. A teoria da Estabilidade Hegemônica, vista na Unidade 2, trata desseponto.

Krasner também ataca os globalistas. Para ele, os Estados nem sempre colocam a riqueza acima dos outros objetivos. O poderpolítico e a estabilidade social também são cruciais, e isso significa que, embora o comércio aberto possa fornecer ganhosabsolutos para todos os Estados que se comprometerem com ele, alguns Estados ganharão mais do que outros, e essasdiferenças de poder são o principal fator determinante e explicativo do comportamento dos Estados. Krasner ataca os globalistaspelo fracasso em explicarem o envolvimento dos EUA na Guerra do Vietnã, que provocou tão intensas discordâncias domésticaspara tão pouco ganho econômico. Se os EUA frequentemente desejavam proteger os interesses das corporações norte-americanas, reservaram o uso da força em larga escala, todavia, para as causas ideológicas. Isso explicaria a guerra contra oVietnã, uma área de importância econômica insignificante para os EUA, e a relutância no uso da força durante as crises dopetróleo nos anos de 1970, que ameaçaram o fornecimento do produto em todo o mundo capitalista.

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Pág. 13 - Neorrealistas X Neoliberais e a Teoria daInterdependênciaKrasner atacou de frente a “interdependência” neoliberal, e todo o institucionalismo supostamente por trás dela. Segundo ele,Estados pequenos e pobres do Sul tendem a apoiar os regimes internacionais que distribuem recursos autoritariamente, aopasso que os Estados mais ricos do Norte favorecem regimes cujos princípios e regras dão prioridade aos mecanismos demercado. Regimes internacionais “autoritários” são aqueles conjuntos de regras, normas, princípios e procedimentos queaumentam os poderes soberanos dos Estados individualmente, dando aos Estados o direito de regulamentar fluxos internacionais(migração, sinais de rádio, ativos financeiros, aviação civil etc.) ou de distribuir acesso a recursos internacionais (fundo do mar,atmosfera, etc.). Os Estados do Terceiro Mundo procuram, na verdade, proteção. Tentam se proteger contra a operação demercados em que eles se encontram em desvantagem. Não seria por outro motivo o apoio de países do Terceiro Mundo aoFórum Social Mundial, cujas preocupações têm sido a regulamentação dos fluxos financeiros internacionais e a imposição de umatributação sobre eles (a chamada “taxa Tobin”).

Regimes internacionais são normalmente definidos como princípios, normas, regras e processosde tomada de decisão em torno dos quais as expectativas do Ator convergem para uma dadaquestão setorizada (issue area). Os regimes implicam não apenas normas e expectativas quefacilitam a cooperação entre os Estados, mas formas de cooperação.

Krasner, assim, identifica uma dicotomia regulamentação/Terceiro Mundo versus desregulamentação/Primeiro Mundo, que, nofundo, evidencia relações de poder. Krasner, desse modo, rejeita, mais uma vez, a hipótese de que os Estados perseguemsimplesmente riqueza, e argumenta que os Estados do Terceiro Mundo também se envolvem em lutas pelo poder, querendodiminuir sua vulnerabilidade ao mercado e exercer um controle estatal maior sobre ele (é o que estaria por trás, por exemplo,das discussões na China sobre o controle ou não dos fluxos de capital – deixar ou não fechada a conta de capital do balanço depagamentos). Assim, a soberania dá aos Estados do Terceiro Mundo uma forma de “metapoder” ou poder de uma ideologiacoerente para atacar a legitimidade dos regimes do mercado internacional e as injustiças do capitalismo global (GRIFFITHS,2004). Portanto, para os neorrealistas, a tentativa de estabelecer regimes internacionais como meio de superar ou atenuar os efeitos daanarquia não funciona. Tais regimes não disfarçam as diferenças de poder existentes nas relações internacionais e tampoucoconseguem alterar a importância da soberania dos Estados. Neoliberais como Robert Keohane (2001) tentariam derrubar essas teses, buscando uma resposta positiva para a questão de seas instituições explicam ou não o comportamento dos Estados. O argumento básico de Keohane é que, num mundointerdependente, o paradigma realista é de uso limitado para ajudar a compreender a dinâmica dos regimes internacionais, ouseja, as normas, regras e princípios que governam as tomadas de decisão e as operações em relações internacionais sobredeterminadas questões, como o dinheiro.

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Pág. 14 - Neorrealistas x Neoliberais e a Teoria daInterdependênciaOs neoliberais usam o modelo da “interdependência complexa”. Trata-se de um modelo explanatório das relações internacionaisque pressupõe múltiplos canais de contato entre as sociedades, uma ausência de hierarquia entre questões de agenda e umadiminuição da utilidade do poder militar, ou um papel minimizado para o uso da força. A “interdependência complexa” é oresultado da multiplicação das interconexões globais e da aceleração de fluxos financeiros, demográficos, de bens, serviços e deinformações, com operadores extremamente variados: organizações intergovernamentais, multinacionais, organizações nãogovernamentais, sociedade civil, dentre outros, os quais passam a ganhar espaço nas decisões e discussões internacionais, e oEstado deixa de ter o único papel relevante nas relações internacionais, embora ainda proeminente. Sob condições de interdependência complexa, os neoliberais afirmam que é difícil para Estados democráticos delinearem eperseguirem políticas exteriores racionais, como defendem os realistas. Os neorrealistas, tornando o debate mais acalorado, responderam dizendo que não é verdade que a distribuição de poder políticoe militar não se relacione com a condição de interdependência complexa. A Teoria da Estabilidade Hegemônica é normalmentecitada como a conjugação das ideias do realismo com as ideias pluralistas de interdependência (vide Unidade 2). Ela explica, porexemplo, a ligação entre o poder hegemônico e o grau de interdependência complexa no comércio internacional. Waltz, ao falarsobre a importância do equilíbrio de poder, mostrou que a interdependência, longe de tornar obsoleto o poder, dependia dahabilidade e da disposição dos EUA em fornecer as condições sob as quais os outros Estados estariam participando daconcorrência por ganhos relativos e cooperando para maximizar seus ganhos absolutos com base em uma cooperação nocomércio e em outros setores de controvérsia. A Teoria da Estabilidade Hegemônica procurou responder ao argumento neoliberal de que o crescimento da interdependênciaeconômica entre os Estados os estaria enfraquecendo e atenuando o relacionamento histórico entre a força militar e acapacidade de sustentar interesses nacionais. Afinal, está a interdependência econômica que testemunhamos no mundo atualreduzindo a importância do poder militar? A resposta dessa teoria é negativa, como visto. Portanto, para autores como Gilpin, a liderança hegemônica dos EUA e o antissovietismo foram as bases do compromisso com o“internacionalismo liberal” e com o estabelecimento de instituições internacionais para facilitar a grande expansão comercialocorrida entre os Estados capitalistas nos anos de 1950 e 1960 (chamados de “anos dourados” por Eric Hobsbawm). GiovanniArrighi, em sua obra O longo século XX, apresentou tese no mesmo sentido. Sem a presença de um hegemon, não teria havidoos anos dourados do pós-Guerra.

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Pág. 15 - Conclusão

O Realismo continua sendo a principal corrente teórica de RelaçõesInternacionais. No século XXI, análises sob uma ótica realista passam aconsiderar diferentes fatores e novos Atores. Não obstante, esses novoselementos não conduzem à decadência ou obsolescência do paradigma,

mas, sim, a novas adaptações. As teses neorrealistas são bons exemplos.De fato, com as mudanças na política internacional que vêm ocorrendo

neste início de milênio, motivadas pelas pretensões hegemônicas deprojeção de poder da Hiperpotência norte-americana, nunca o mundo

pareceu tão realista.

Nesta Unidade então, estudamos a principal corrente teórica das Relações Internacionais: O Realismo. Volte ao início da Unidadee verifique se os objetivos propostos foram alcançados.

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Unidade 5 - Sociedade Internacional: Aspectos Gerais

• apresentar os aspectos gerais que caracterizam a Sociedade Internacional;• assinalar as subestruturas que compõem a Sociedade Internacional e suaimportância na compreensão da mesma.

Outro fator importante, que pode contribuir para o aproveitamento docurso, é sua organização pessoal e a disponibilidade de um tempo diário epreciso para os estudos.

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Pág. 2 - Sociedade Internacional: Evolução Histórica eConceito Em um primeiro momento, podemos relacionar a Sociedade Internacional à evolução histórica das relações entre os grupos,povos e Estados-nações organizados em âmbito espacial determinado. Assim, é possível identificar a evolução da SociedadeInternacional a partir das relações entre os grupos primitivos da Antiguidade, passando pelos reinos e impérios e chegando àIdade Contemporânea, com a ascensão e o declínio do Estado-nação frente a um sistema cada vez mais globalizado einterdependente.

Em nossas observações acerca da Sociedade Internacional, a análise histórica pode ser de grande auxílio. Essa análise é definidacomo o estudo do grande número de eventos ou fatos que transcenderam as fronteiras entre os Estados e que relacionaramentre si as nações e os povos, de forma pacífica ou conflituosa.

Conceito de Sociedade Internacional

Convém apenas lembrar que definimos Sociedade Internacional como o conjunto de entes que interagem de maneira sistêmicaem uma esfera internacional sob a influência de forças profundas. Passemos aos elementos fundamentais da SociedadeInternacional.

Elementos Fundamentais e Sistema da Sociedade Internacional

Para Rafael Calduch Cervera (1991, p. 64-55), “a Sociedade Internacional é umasociedade global de referência”, ou seja, constitui “um marco social de referência, umtodo social em que estão inseridos todos demais grupos sociais, quaisquer que sejamseus graus de evolução e poder”. É uma “sociedade de sociedades, ou macrossociedade,em cujo seio surgem e se desenvolvem os grupos humanos, desde a família àsorganizações intergovernamentais, passando pelos Estados.” A Sociedade Internacional pode ser percebida como um conjunto de sociedades, sendo,portanto, heterogênea. Registre-se que há cerca de apenas três séculos é que aSociedade Internacional começou a adquirir características “globais”: até recentemente, pouco contato havia entre as diversas“sociedades” dentro da Sociedade Internacional.

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Pág. 3 - Sociedade Internacional: Evolução Histórica eConceito

Elementos Fundamentais e Sistema da Sociedade Internacional (cont.)Outro ponto a que Calduch chama a atenção é que “a Sociedade Internacional é distinta da sociedadeinterestatal”. Mesmo sendo o Estado o principal Ator internacional, compreender a Sociedade Internacionalapenas com base nas relações interestatais conduziria a uma percepção obscura e, portanto, deficiente darealidade. Não há como desconsiderar, sobretudo nos dias atuais, a presença e influência cada vez maior degrupos diferentes dos Estados-nação no sistema internacional. Ademais, convém lembrar que a doutrinaaceita a existência de uma Sociedade Internacional antes do surgimento dos Estados nacionais. Calduch afirma, ainda, que não é possível considerar a existência de uma Sociedade Internacional em seusentido estrito, sem que seus membros mantenham relações mútuas intensas e duráveis no tempo. Com isso,

assinala que a mera ocorrência de ações esporádicas e ocasionais não basta para se considerar a existência de uma SociedadeInternacional. Discordamos dessa percepção de Calduch. Afinal, o que não se pode conceber, nos termos apresentados, é uma sociedadeglobal, interdependente, como a dos dias atuais. Entretanto, Sociedade Internacional sempre houve, mesmo que sua principalcaracterística fosse a falta de interação entre as sociedades/civilizações que a compunham.

A Sociedade Internacional pode ser percebida na dicotomia “anarquia x ordem comum”. Evidente que é anárquica por nãopossuir uma autoridade superior que, legítima titular do uso da força, controle ou imponha a conduta a seus membros. Nãoexiste um governo mundial ou uma autoridade supraestatal. Assim, os Atores conduzem suas relações internacionais de acordocom seus próprios interesses e, ao menos no que concerne aos Estados, não aceitam, de maneira geral, autoridade superior nosistema. Todavia, relembre-se que anarquia internacional não é sinônimo de desordem. Há uma ordem comum no meio internacional,estabelecida pelos próprios Atores para viabilizar suas relações. Nesse sentido, o papel das grandes Potências é essencial, poissão elas que definem os rumos do sistema. Não poderiam existir “relações internacionais” sem um ordenamento mínimo naSociedade Internacional. Essa ordem internacional emana da correlação de forças e poderes entre os Atores internacionais. Pode-se dizer que esseordenamento é estruturado com base em elementos como extensão espacial, diversificação estrutural, estratificação ehierarquia, polarização, grau de homogeneidade ou heterogeneidade e de institucionalização. São os chamados “elementos daestrutura internacional” (Esses elementos foram apresentados por Calduch, e as observações que faremos a respeito são provenientes do estudo de sua obra.).Variam conforme o tempo e as diferentes sociedades, podendo ser identificados em todas elas.

Sobre as transformações na Sociedade Internacional, interessante a trilogia deManuel Castells: A Sociedade em Rede (Paz e Terra, 2007), O Poder daIdentidade (Paz e Terra, 2000), Fim de Milênio (Paz e Terra, 2002).

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Pág. 4 - Sociedade Internacional: Evolução Histórica eConceitoA extensão espacial Para Calduch, “a Sociedade Internacional é uma sociedade territorial”. Daí considerar-se essencial para a análise de qualquerSociedade Internacional o conhecimento do “marco espacial” em que a referida sociedade se encontra assentada. A Sociedade Internacional sofrerá transformações em sua estrutura e dinamismo sempre que sua dimensão espacial for alterada,ou, ainda, quando algum de seus membros principais experimentar mudanças em seus limites fronteiriços ou em sua zona deinfluência territorial direta – como ocorreu no Leste Europeu para a URSS. Vale lembrar que, sendo o Estado o principal Atorinternacional, suas mudanças territoriais e reações a mudanças têm marcado as diferentes sociedades internacionais. Portanto, da mais remota Antiguidade aos dias atuais, a constante expansão geográfica da Sociedade Internacional gerouconflitos e mudanças nos Atores e nas relações de poder entre eles. O que deve ficar claro é que, até o século XX, acaracterística da Sociedade Internacional era exatamente a composição espacial de diferentes sociedades internacionais, aindaque com espaços definidos e com crescentes intercâmbios culturais, comerciais, sociais e políticos, mas com característicasdistintas e espaço geográfico delimitado. O século XX marca o limite espacial da Sociedade Internacional. Esse foi um problema que surgiu quandoa Sociedade Internacional alcançou dimensões planetárias. Com o desenvolvimento tecnológico, a ideiade “globalização” apresenta uma Sociedade Internacional não mais espacialmente limitada ao continenteeuropeu, ao Ocidente ou ao “mundo civilizado”, mas às dimensões do planeta Terra. Não se pode mais buscar soluções para problemas locais sem um pensamento global. Os problemas da Sociedade Internacionalglobalizada têm efeitos em todo o território do planeta. Entre esses “desafios” estão o fenômeno do esgotamento dos recursosnaturais, o crescimento exponencial da população mundial, a deterioração ambiental ocasionada pela contaminação da terra, doar e das águas, o uso crescente da energia nuclear para fins civis ou militares, a utilização do espaço estratosférico e dasprofundezas oceânicas. Acrescente-se a significativa disparidade de renda na esfera internacional, marcada por uma minoria dapopulação do globo com alto padrão de vida e a maioria vivendo em condições subumanas, na miséria absoluta, sob regimesautoritários e sem quaisquer perspectivas de futuro digno. Essas condições implicam necessariamente uma reestruturação daSociedade Internacional, em que a questão geográfica, isoladamente, cai para segundo plano.

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Pág. 5 - Sociedade Internacional: Evolução Histórica eConceitoA diversidade sistêmica A Sociedade Internacional é composta de distintos subsistemas, cuja correlação configura a ordem internacional imperante. Cadaum desses subsistemas corresponde a uma das áreas imprescindíveis para a existência da Sociedade Internacional em seuconjunto. Calduch prefere chamá-los de “subestruturas”. Cite-se, então, o subsistema econômico, no qual está a base material e produtiva indispensável para a existência dos gruposhumanos. Incluem-se aí tanto o conjunto dos fatores e forças de produção quanto as inter-relações associadas ao processoeconômico (produção, comércio e consumo). O subsistema econômico não pode ser descartado para a compreensão daSociedade Internacional, uma vez que a Economia é uma das “forças profundas” mais influentes na conduta internacional dosAtores.

O segundo subsistema a ser considerado é o político-militar. Compõe-se dascomunidades políticas e organizações internacionais, bem como das relações de autoridade edominação que elas mantêm entre si em virtude de normas jurídicas ou mediante o exercíciodo poder militar. O terceiro subsistema é o cultural-ideológico. Forma-se, segundo Calduch, por “atores erelações internacionais desenvolvidas a partir da existência de conhecimentos, valores ouideologias comuns a distintas sociedades humanas e dos processos de comunicação quedeles derivam”. O subsistema cultural-ideológico, tão importante quanto os anteriores,desempenha um papel de mediador entre a dimensão político-militar e a econômica, como

foi testemunhado, por exemplo, nos anos da Guerra Fria. Naturalmente, cada um dos subsistemas está conformado de maneira particular, em virtude das características exclusivas decada um de seus componentes. Suas respectivas evoluções seguem ciclos e ritmos de diferentes intensidade e duração,provocando tensões, desajustes e crises, tanto entre os grupos que as capitalizam quanto ao conjunto da SociedadeInternacional.

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Pág. 6 - Sociedade Internacional: Evolução Histórica eConceitoA estratificação hierárquica A Sociedade Internacional constitui uma realidade complexa, cujos membros ocupam níveis ou estratos segundo a desigualdadede poder – político, econômico, militar, social, cultural/ideológico. Uma vez que há diferentes graus de influência nos assuntosinternacionais, existe uma hierarquia “de fato” entre os Atores na Sociedade Internacional. Daí o conceito de Calduch para essaestratificação: “conjunto das diferentes e desiguais posições ocupadas pelos atores internacionais em cada uma das estruturasparciais que formam parte da Sociedade Internacional.” Uma primeira observação a ser feita a respeito da estratificação é que a hierarquia internacional não é única e imutável em cadaSociedade Internacional e muito menos homogênea para cada subsistema. Assim, a posição ocupada por um Estado noSubsistema econômico internacional poderá não ser a mesma no subsistema político-militar, ou vice-versa. Para exemplificar, ainfluência atual do Brasil na economia internacional é bastante diferente de sua influência na política ou de seu poder militar, e,mais ainda, de seu papel cultural-ideológico internacional. Calduch lembra, também, que, junto aos Estados soberanos, “deve-se considerar aqueles grupos internacionais cujoprotagonismo fica limitado a certas áreas da vida internacional, por exemplo, o Fundo Monetário Internacional, para osubsistema econômico; o [extinto] Pacto de Varsóvia, para a política; a Agência de notícias Reuters, no plano cultural”. Claro queesses outros membros da Sociedade Internacional não podem ser desconsiderados, pois é inquestionável sua influência nosdiferentes subsistemas, em alguns casos muito superior à da maior parte dos Estados-nacionais.

Acrescentemos a relevância no papel de alguns indivíduos na SociedadeInternacional contemporânea, os quais exercem, efetivamente, influência comoAtores internacionais. Inegável que Bill Gates, George Soros, o Papa João Paulo II,ou mesmo Osama bin Laden, só para citar alguns nomes mais conhecidos,mostraram-se mais influentes nas relações internacionais, sejam políticas,econômicas ou até culturais, que muitos países. Portanto, na SociedadeInternacional contemporânea, o indivíduo, entendido como Ator internacional,também ocupa um estrato dessa hierarquia.Assim, a estratificação hierárquica em cada um dos subsistemas internacionaispode realizar-se atendendo às diferentes características de Atores (Estados,organizações internacionais, organizações não governamentais, empresasmultinacionais/transnacionais, indivíduos, entre outros) ou, ainda, considerandocada um dos grupos com capacidade de participação nos diferentes subsistemas.

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Pág. 7 - Sociedade Internacional: Evolução Histórica eConceitoA polarização Alguns Atores atraem para si outros em virtude da capacidade de influência no sistema e da desigualdade entre os diferentesprotagonistas do cenário internacional. Introduzimos, aqui, um dos elementos essenciais para a compreensão da estrutura dosistema internacional: a ideia de polarização.

Polarização pode ser definida como a capacidade efetiva de um ou vários Atores internacionais para adotar decisões,comportamentos ou normas que sejam aceitos pelos demais Atores e, por meio dos quais alcançam ou garantem uma posiçãohegemônica na hierarquia internacional. Para os Atores que ocupam essa posição de destaque, a manutenção da estruturaimperante mostra-se questão de sobrevivência, pois qualquer sinal de mudança pode significar que outro polo está a seestruturar, com a consequente – e, às vezes, fatal – alteração no equilíbrio de poder no sistema. Enquanto a estratificaçãoconsidera o conjunto dos Atores, a polarização – ou polaridade – contempla somente aqueles que dominam as relações básicasde cada subsistema internacional.

Portanto, ao tratarmos de polarização, consideramos os membros da Sociedade Internacional nas posições superiores daestratificação hierárquica. Segundo Calduch, os Atores à frente de cada subsistema internacional se veem obrigados a intervir de modo crescente econstante nas relações internacionais, com o objetivo de perpetuar sua hegemonia. A longo prazo, haverá uma drenagem tãogrande de seus recursos e capacidades para projetos e atuações exteriores que esses Atores terão seu poder debilitado, tantointerna quanto externamente. Um bom exemplo disso é o que ocorreu com a URSS na década de 1980, que culminou nodesaparecimento daquele Estado em 1991. O caso da URSS é, como dito, apenas um exemplo. A “ascensão e queda das grandes potências”, para usar os termos de PaulKennedy, é um fato que pode ser constatado em diversos momentos da evolução histórica da Sociedade Internacional, semprerelacionado à incapacidade de manutenção da hegemonia internacional nos diferentes subsistemas ao longo do tempo. Aevolução é fatal: um Ator hegemônico surge ainda quando o Sistema está polarizando por outro ou outros atores; aos poucos,vai ocupando o vazio de poder fruto do enfraquecimento desse ou desses, até adquirir capacidade suficiente para afetar oSistema. Entretanto, depois de determinado tempo – anos, décadas ou séculos –, a única certeza é que surgirá um novo Atorpara ocupar seu espaço no Sistema Internacional. Assim como ocorre na natureza, numa lógica darwiniana, ocorre também naSociedade Internacional.

Entenda-se lógica darwiniana como a capacidade de um ente se adaptar a determinado ambiente. É importante observar que umente muito adaptado a determinado ambiente e, portanto, bem-sucedido, pode desaparecer se as condições se modificam.

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Pág. 8 - Sociedade Internacional: Evolução Histórica eConceitoPolarização (cont.)

Há três formas de polarização internacional:

unipolaridade;

bipolaridade; e

multipolaridade.

Entende-se por unipolaridade a situação em que um só Ator é capaz de dirigir, de modo decisivo, a dinâmica de determinadosubsistema internacional. No seu auge, o poder de influência desse Ator é incontestável, devido à incapacidade de outro Atorfazer-lhe frente. !

O exemplo clássico de unipolaridade político-militar está no Império Romano, entre a derrota de Cartago (136 a.C.) e seudesmembramento (476 d.C.), no contexto da Sociedade Internacional mediterrânea. Um exemplo atual poderia ser a condiçãodos EUA, ao menos sob a perspectiva de poder militar, com o fim da Guerra Fria e o colapso da URSS. Alguns autores,entretanto, discordam e vislumbram um sistema multipolar no contexto geral.

A bipolaridade ocorre quando dois Atores dividem a hegemonia de um subsistema. Os demais componentes do Sistema acabammigrando para a esfera de influência de um dos dois Atores principais. É possível, ainda, que os demais Atores optem por umapolítica pendular, tendendo a uma ou outra esfera de influência conforme interesses específicos e, ao mesmo tempo, “jogando”com a disputa entre os polos. Como exemplos de sistemas bipolares no plano político citamos: Esparta e Atenas, na Gréciaclássica; Cartago e Roma, no mundo antigo; EUA e URSS, nas quatro décadas seguintes ao término da II Guerra Mundial (1939-1945). Finalmente, quando o domínio de um subsistema internacional é disputado por mais de dois Atores, tem-se a multipolaridade.Como na bipolaridade, a hegemonia na multipolaridade não tem uma direção única, o que obriga os distintos polos aconsiderarem em suas condutas internacionais os interesses e condutas de seus pares. Quanto maior o número de Atorespolarizando o Sistema, mais complexas e aleatórias são as relações internacionais. Como exemplo de multipolaridade no subsistema político-militar tem-se o Concerto Europeu, estabelecido em 1815, com aderrota de Napoleão, e que perdurou por cerca de 100 anos na ordem europeia. Já para exemplificar a multipolaridadeeconômica, apresentamos a Sociedade Internacional de nossos dias, uma vez que, junto às Grandes Potências econômicas (EUA,Japão, Alemanha, China), surgem também organizações intergovernamentais e blocos econômicos (União Europeia, NAFTA,APEC, Mercosul etc.) e ainda empresas multinacionais ou transnacionais (Exxon, General Motors, IBM, Citicorp), algumas dasquais com capacidade para influenciar o sistema de forma muito superior à da maior parte dos Estados soberanos do globo. Registre-se, ademais, que, para perdurar, a relação hegemônica deve basear-se em dois alicerces: coerção e consenso. Não sepode exercer a liderança em um sistema por muito tempo apenas com base no uso da força, ao mesmo tempo em quehegemonia fundamentada simplesmente no consentimento dos pares pode ser ameaçada por uma crise de legitimidade.!

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Pág. 9 - Sociedade Internacional: Evolução Histórica eConceitoO grau de homogeneidade e heterogeneidade A Sociedade Internacional encontra-se condicionada também pela presença ou ausência de homogeneidade entre seus membros.Uma vez que existem Atores com diferentes naturezas, composições, poder e objetivos, só é possível estudar o grau dehomogeneidade/heterogeneidade se forem comparados Atores pertencentes a uma mesma categoria. Não se pode, portanto,comparar Estados soberanos com organizações internacionais para se medir o grau de homogeneidade de determinadosubsistema. Existe homogeneidade internacional quando são observadas identidades ou similitudes internas fundamentais entre os Atoresque pertençam a uma mesma categoria e participem de um mesmo subsistema internacional, principalmente entre os Atoresestatais. Já a heterogeneidade é constatada com a existência de divergências internas básicas entre os referidos Atores. Uma análise das relações internacionais sob o enfoque do grau de homogeneidade/heterogeneidade da Sociedade Internacionaldeve considerar: 1) a comparação entre Atores da mesma categoria; e 2) a não existência de categoria com grau de homogeneidade absoluto.

Sempre haverá diferenças entre os Atores, uma vez que a diversidade é uma característica inata das sociedades que compõem aSociedade Internacional. Um terceiro aspecto que deve ser considerado é que um elevado índice de homogeneidade em um subsistema internacional nãose transfere automaticamente aos outros subsistemas. Assim, há casos em que são vislumbradas relações políticas homogêneasem contraposição à heterogeneidade econômica e sociocultural em um mesmo grupo de Atores. Finalmente, vale observar que, para alguns autores, os sistemas homogêneos tendem a ser mais estáveis (ARON, 1986). Afinal,a homogeneidade permite maior grau de previsibilidade na conduta internacional dos Atores. Trata-se, entretanto, de umatendência que não pode ser considerada de maneira categórica, visto que ao próprio conceito de estabilidade são atribuídasdiferentes interpretações.

Muitas vezes, os Atores fazem uso dessa dicotomia homogeneidade/heterogeneidade para conduzir seusinteresses internacionais e influenciar a conduta de outros Atores. Exemplos são os grupos que seformam sob a égide de bandeiras como “nações civilizadas”, “países desenvolvidos”, “emdesenvolvimento” e “subdesenvolvidos”, “capitalistas, socialistas e não alinhados”. Enquanto o caráterhomogeneidade/heterogeneidade, em alguns casos, realmente se faz presente, em outros nada mais setem que uma forma de apresentação internacional pouco condizente com a realidade.!

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Pág. 10 - Sociedade Internacional: Evolução Histórica eConceito

O grau de institucionalização

O último elemento fundamental para o estudo das relações internacionais identificado por Calduch é o grau deinstitucionalização, que, por sua vez, resumiria todos os anteriores. Para o mestre espanhol, “o grau de institucionalização deuma Sociedade Internacional é formado pelo conjunto de órgãos, normas e valores que, independentemente de seu caráterexpresso ou tácito, são aceitos e respeitados pela generalidade dos Atores internacionais de um mesmo subsistema, permitindo,dessa maneira, a configuração e a manutenção de determinada ordem internacional.” (CALDUCH, 1991, p. 74).

Esse conceito traduz o entendimento e o consenso social que deve imperar entre componentes de uma Sociedade Internacionalao estabelecerem ou modificarem suas relações mútuas. Calduch defende que não se pode analisar o grau de institucionalizaçãoapenas com base nas normas jurídicas: há normas que não estariam envolvidas pelo Direito Internacional, ainda que estesintetize a maior parte das instituições fundamentais da Sociedade Internacional. Ao estudar as instituições internacionais e suas transformações, o analista depara-se com a estrutura da ordem internacional, osinteresses dos Atores e as forças que influenciam as condutas dos membros da Sociedade Internacional ao longo do tempo. Asinstituições estão relacionadas aos valores, às normas e aos objetivos dos membros de uma sociedade e, mesmo, à essência deseus subsistemas. As mudanças nas instituições refletem, portanto, as transformações da própria sociedade em que se encontram, suas formas decooperação e seus antagonismos.

!

Finalmente, Calduch afirma que a diplomacia, o comércio e a guerra são formas de relaçõesinternacionais presentes em diversos tipos de instituições internacionais. Daí não ser cabível, paraa análise do grau de institucionalização de uma sociedade, a exclusão de valores ou normas queemanem diretamente da existência de conflitos bélicos. Portanto, compreendendo as instituições de uma sociedade, pode-se compreender seus membros,as forças que nela interferem e os reflexos das relações entre os Atores.

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Pág. 11 - Sociedade Internacional: Evolução Histórica eConceitoO grau de institucionalizaçãoUm exemplo recente de dificuldades geradas em modelos institucionais críticos é a guerra em regiões menos desenvolvidas doglobo. Enquanto o conflito entre as Potências busca seguir determinadas “leis” de conduta, um confronto em áreas menosdesenvolvidas foge a qualquer padrão. Muitos oficiais ocidentais ficaram perplexos ao combater em 2001 no Afeganistão, porqueas milícias afegãs “desconheciam os usos e costumes do direito de guerra das nações civilizadas”. Não havia nada parecido comas instituições da guerra clássica no cenário da Ásia Central, o que levou à violência exacerbada de ambos os lados no combate. Cite-se entre as principais as Convenções de Genebra de 1949 e seus protocolos Adicionais, que regulamentam as condutas doscombatentes. Assim, as instituições refletirão os subsistemas e a maneira como estão ordenados. Pode-se, portanto, analisar as relaçõesinternacionais sob a ótica das instituições que se manifestam no Sistema Internacional. É essencial, portanto, aointernacionalista, conhecer as instituições que regem as estruturas da sociedade objeto de seu estudo.

Assista à aula do Professor Joanisval Gonçalves, em duas partes, sobre Sociedade Internacional, que engloba conceitos tratadosneste primeiro módulo. Vamos lá!

Parte 1-duração: 7min29

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Parte 2 - duração: 7min08

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Concluimos os aspectos teóricos de nosso curso introdutório. Nos módulos seguintes será apresentada uma breve análise daevolução histórica da Sociedade Internacional a partir da era moderna, com esses aspectos teóricos operando como pano defundo.

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Pág. 12 - Conclusão do Módulo IConcluimos os aspectos teóricos de nosso curso introdutório. Nos módulos seguintes será apresentada uma breve análise daevolução histórica da Sociedade Internacional a partir da era moderna, com esses aspectos teóricos operando como pano de

fundo.

Dois livros importantes para se compreender a ideia de sociedadeinternacional são A Evolução da Sociedade Internacional, de

Adam Watson (Brasília: Ed. UnB, 2004) e A Sociedade Anárquica,de Hedley Bull (Brasília: Ed. UnB, 2002). Bull e Watson são dois

ícones da chamada Escola Inglesa de Relações Internacionais, a qualtem uma perspectiva das relações internacionais muito fundamentada

nas ideias de sociedade internacional.

Você pode encontrar resenhas dos livros sugeridos na Internet:

# A Sociedade Anárquica e # A Evolução da Sociedade Internacional

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Exercícios de Fixação - Módulo I

Parabéns! Você chegou ao final do Módulo I de estudo do curso Relações Internacionais - Teoria e História.

Como parte do processo de aprendizagem, sugerimos que você faça uma releitura do mesmo e resolva os Exercícios deFixação. O resultado não influenciará na sua nota final, mas servirá como oportunidade de avaliar o seu domínio doconteúdo. Lembramos ainda que a plataforma de ensino faz a correção imediata das suas respostas!

Para ter acesso aos Exercícios de Fixação, clique aqui.