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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDESPRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAISPROJETO “A VEZ DO MESTRE”
ANÁLISE DIACRÔNICA DEREPRESENTAÇÕES DE IDENTIDADE
CONCEIÇÃO MARIA AMORIM MOREIRA
ORIENTADORA: Profª FABIANE MUNIZ
RIO DE JANEIROABRIL / 2002
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDESPRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAISPROJETO “A VEZ DO MESTRE”
ANÁLISE DIACRÔNICA DEREPRESENTAÇÕES DE IDENTIDADE
CONCEIÇÃO MARIA AMORIM MOREIRA
Trabalho monográfico apresentado comorequisito parcial para a obtenção do Grau deEspecialização em Docência do EnsinoSuperior.
RIO DE JANEIROABRIL / 2002
DEDICO ESTE TRABALHO DE PESQUISA A
TODOS AQUELES QUE VALORIZAM A NOSSA
PÁTRIA E QUE LUTAM POR UM BRASIL MAIS
JUSTO, PRINCIPALMENTE NO CAMPO EDUCATIVO.
AGRADECIMENTOS
AGRADEÇO AOS MEUS FAMILIARES E AMIGOS QUE, DIRETA E INDIRETAMENTE,
CONTRIBUÍRAM PARA A EXECUÇÃO DESTA PESQUISA.
QUERELAS DO BRASIL
(ALDIR BLANC & MAURÍCIO TAPAJÓS)
O BRAZIL CONHECE O BRASILO BRASIL NUNCA FOI AO BRAZIL.TAPIR, JABUTI, ILIANA, ALAMANDA,ALI, ALAÚDE,PIAU, URURAU, AQUI, ATAÚDE,PIÁ, CARIOCA, PORÊ, KAMEKRÁJOBIM, AKARORE, JOBIM AÇU, UÔ, UÔ, UÔPERERÊ, CAMARÁ, TORORÓ, OLERÊPIRIRI, RATATÁ, KARATÊ, OLARÁO BRAZIL NÃO MERECE O BRASILO BRAZIL TÁ MATANDO O BRASILGEREBA, SACI, KAANDRADES, CUNHÃS, ARIRANHA, ARANHASERTÕES, GUIMARÃES, BACHIANAS, ÁGUASE MARIONAÍMA, ARIRA, ARIBOÍANA AURA DAS MÃOS DE JOBIM AÇU, UÔ, UÔCERERÊ, SARARÁ, CURURU, OLERÊBLABLABÁ, BAFAFÁ, SURURU, OLARÁDO BRASIL S.O.S. AO BRASILDO BRASIL S.O.S. AO BRASILTINHORÃO, URUTU, SUCURIMUJOBIM, SABIÁ, BEM-TE-VICABUÇU, COTOVIA, CAXAMBI, OLERÊMADUREIRA, OLARIA E BANGU, OLARÁIPANEMA E NOVA IGUAÇU, OLARÁDO BRASIL S.O.S. AO BRASILDO BRASIL S.O.S. AO BRASIL
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................ 07
Capítulo I.
NACIONALISMO – BUSCA DE IDENTIDADE ...................................... 08
Capítulo II
REPRESENTAÇÕES DE IDENTIDADE – JOSÉ DE ALENCAR .......... 10
Capítulo IIIREPRESENTAÇÕES DE IDENTIDADE – MACHADO DE ASSIS ....... 14
Capítulo IVREPRESENTAÇÕES DE IDENTIDADE – LIMA BARRETO ................. 18
Capítulo VREPRESENTAÇÕES DE IDENTIDADE – MÁRIO DE ANDRADE ....... 22
CONCLUSÃO ................................................................................................. 26
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 28
RESUMO
Por ser o Brasil um país marcado pela diversidade, país comclasses diferentes, com desigualdades extremas, com problemaseconômicos, como falar de identidade nacional? O Estado Nacional épercebido pela população como instância de coação pura, o Estado tem aforça e a população vive como pode. Não há uma identidade brasileira, poisnão há valores básicos nacionais. Não havendo esta identidade, a nação étransformada em um ser que não existe, uma produção ideológica. Édefinida como uma ficção produzida e acreditada como se fosse verdadeirae por isso existem as representações de identidade, que simbolizam a buscade uma identidade nacional. Alguns autores brasileiros apresentaram umavisão crítica da sociedade brasileira, através de seus trabalhos. Resgatarama identidade nacional do povo brasileiro, representando a típica culturanacional, “independente” da cultura do colonizador e faremos uma análisedesta identidade as obras de quatro autores, cada um no seu estilo literário.Apresentamos José de Alencar, considerado o maior romancista doRomantismo brasileiro, bem como um dos maiores da nossa literatura. EmIracema, romance indianista que relata, em prosa poética, um grande idílio,Alencar objetiva criar um mito das origens nacionais, com sua linguagemfloreada e original e a ação se situa no século XVIII. Machado de Assis estána época do Realismo (segunda metade do século XIX). Um dos seus livrosmais importantes são as Memórias Póstumas de Brás Cubas. Adorado emseu tempo e até hoje, ele soube, como nenhum outro escritor brasileirorevelar os caminhos da alma humana e combater, pela crônica sutil, ahipocrisia de nossa sociedade. Lima Barreto preconiza o Modernismo,através de Triste Fim de Policarpo Quaresma, em que já se evidenciamnovas características literárias e um novo objetivo na própria literatura.Publicado em 1911, este livro mostra a realidade histórico-social de umpaís, em que o nacional é desvalorizado em detrimento de valores econceitos estrangeiros. Com a semana de Arte Moderna, Mário de Andradese projetou em todo o país como líder do Modernismo. Publicada em 1928,a obra Macunaíma mistura o maravilhoso e o sobre-humano ao retratar asfaçanhas de um herói que não apresenta rigorosos referenciais espaço-temporais – Macunaíma é o representante de todas as épocas e de todos osespaços brasileiros.
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INTRODUÇÃO
A questão da identidade nacional brasileira é difícil. Se na Europa
esse tema se construiu sobre tradições populares ancestrais, no Brasil, por
falta delas, ele foi inicialmente lapidado em cima de um passado inventado
pelos escritores do Romantismo, de modo idealizado.
A conjunção harmoniosa de índios, negros e europeus, a sobreposição
de valores, a construção do herói modelar, o triunfo do bem são, na realidade,
a repetição ingênua dessa identidade forjada e, portanto, falhada.
Iracema representa a fase indianista de José de Alencar e
materializa o desejo romântico de representação do índio como símbolo
idealizado do herói brasileiro, identificado com a natureza local, corajoso e
guerreiro. Memórias Póstumas de Brás Cubas é uma obra inovadora a partir
de sua estrutura: a história de um defunto-autor, livro narrado em primeira
pessoa. Aproveita Machado de Assis para fazer crítica ao comportamento
burguês bem como criticar o romantismo pela sua idealização. É o relato do
pessimismo e da frustração. Triste Fim de Policarpo Quaresma, romance de
Lima Barreto, pertence ao pré-modernismo. O livro analisa criticamente a
realidade brasileira, mostra o major Quaresma, um nacionalista fanático que
deseja livrar o Brasil das influências estrangeiras, mal compreendido é preso e
fuzilado injustamente. Macunaíma, de Mário de Andrade, representa uma
visão crítica do nacionalismo romântico, uma leitura irônica do modelo de herói
idealizado pelo romantismo, um verdadeiro “anti-herói” que rompe com
procedimentos estéticos e ideológicos da literatura no século XIX.
Pátria, ao fim e ao cabo, é uma construção, não um sonho; é um
processo de enfrentamento da realidade, não de idealismo. Amar a Pátria
significa participar da criação de todos, para todos. E o que queremos é um
país que abrigue todos os brasileiros.
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Capítulo I
NACIONALISMO – BUSCA DE IDENTIDADE
Nacionalismo é a tendência à afirmação de uma nação por meio de
movimentos políticos e/ou manifestações culturais. Vejamos como o mesmo
se dá no Brasil.
O nacionalismo surgiu com a formação das nações modernas na
Europa, desenvolvendo-se com o mercantilismo, a ascensão da burguesia e
acontecimentos históricos como a Independência dos Estados Unidos e a
Revolução Francesa. Com o fortalecimento das nações burguesas e a
passagem do capitalismo de livre concorrência para o Imperialismo, o
nacionalismo europeu adquiriu características agressivas e expansionistas,
que culminaram no Fascismo. No entanto, após a II Guerra Mundial, o
nacionalismo se tornou um componente ideológico antiimperialista para
os povos do Terceiro Mundo em luta contra o Colonialismo e o
Neocolonialismo.
No século XIX ocorre a ficcionalização do Brasil pelos românticos.
O romance expressa que a natureza é a garantia do futuro e que os moldes
tradicionais são ligados ao final feliz. O poeta romântico tematiza um país
ligado à sua natureza. Há a lusofobia, um sentimento contra o português,
uma aversão a tudo o que lembra o colonizador. O Brasil dos românticos
constata a sua diferença em relação à Europa, a nação jovem (Brasil)
percebe que a Europa tem muito tempo de Romantismo, pois enquanto a
mesma vive um momento de revolução, com o desenvolvimento das
máquinas etc., a nação brasileira elogia a sua natureza. Notamos o discurso
ufanista: o Brasil é o país do futuro, apesar de não ter a bagagem cultural
européia (com relação ao Romantismo). A natureza é o modelo de uma
produção cultural, além disso, valoriza-se o primitivo, o t ipo regional é
9
focalizado, há uma mitificação do sertanejo, que é a encarnação da
coragem, da lealdade. O tipo regional é um modelo de brasilidade.
O texto de fácil leitura era o que representava um retrato ufanista
do Brasil, os escritores são aqueles que vão produzir uma identidade
nacional e a noção de pátria é primordial para esta identidade. O Brasil,
tendo que relacionar-se de igual para igual com a Europa, compensava
através do ufanismo o complexo de inferioridade. Há uma idealização do
país e o mesmo é reduzido a traços caracterizadores, que são exagerados
(hipérboles). A linguagem romântica se dilui, passa a ser repetitiva, é
intensificadora e emocional, procurando persuadir o leitor de um país
eternamente identificado à sua natureza. O Brasil não quer ser como país o
que foi como colônia; do ponto de vista político, o Brasil continuava tendo
uma dependência, mesmo não sendo mais colônia e era necessária a
imagem de pátria enquanto natureza. O ufanismo é, portanto, uma ótica
ingênua do idealismo romântico, uma tentativa de auto-afirmação como
nação, a busca da identidade. Na década de 30, no Brasil, há a idéia da
construção de um estado nacional.
O Romantismo no Brasil teve como característica principal o
desejo de manifestar nas letras as peculiaridades do país, sua realidade
física e social, fazendo com que despertasse a consciência de nacionalidade
brasileira, como pudemos constatar. Os românticos brasileiros foram
extremamente ufanistas, preocupando-se com a natureza, buscando
satisfação no regional, no pitoresco e no selvagem. Procuravam idealizar a
realidade ao invés de reproduzi-la. Em vez dos assuntos da Idade Média,
sobre os quais recaiu geralmente a tônica do Romantismo europeu, o
brasileiro encontrou nas recordações da história local, nas lendas do nosso
passado e nas glorificações do indígena, as sugestões para uma desejada
volta às origens próprias, que seriam a fonte de inspiração da arte e da
literatura, aliás, de todo o espírito e civilização brasileira.
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Capítulo II
REPRESENTAÇÕES DE IDENTIDADE – JOSÉ DE ALENCAR
José de Alencar abrangeu em sua obra todo um perfil da cultura
brasileira, na busca de uma identidade nacional que transcorresse os seus
aspectos sociais, geográficos e temáticos, numa linguagem mais brasileira,
tropical. As obras indianistas revelam sua paixão romântica pelo exotismo,
encarnado na figura do índio, com todos os seus costumes, crenças e
relações sociais. Ele incorporou-se no movimento do indianismo na literatura
brasileira, em que a fórmula nacionalista consistia na apropriação da
tradição indígena na ficção. Sua descrição sempre se opõe à imagem do
homem branco, “estragado” e corrompido pelo mundo civilizado. O índio de
José de Alencar ganha tons lendários e míticos, com ares de “bom
selvagem”. Sua descrição muitas vezes funde seus sentimentos com a
beleza e a harmonia exótica da natureza. Seus enredos denotam em vários
momentos um nacionalismo exaltado e o orgulho pela construção da pátria.
A primeira fase do movimento romântico brasileiro, caracterizada
principalmente pelo indianismo, tem como destaque José de Alencar, na
prosa. Machado de Assis disse, definindo-se, ao definir Alencar: “Nenhum
escritor teve em mais alto grau a alma brasileira. E não é só porque houvesse
tratado assuntos nossos. Há um modo de ver e sentir, que dá a nota íntima da
nacionalidade independente da face externa das coisas”. Essa nota íntima é
exatamente o “ instinto de nacionalidade”.
A obra Iracema é considerada uma prosa poética devido à beleza
do texto em si, do seu lirismo forte que contava a lenda do período de
formação do estado do Ceará:
11
“Entre verdes mares bravios de minha terra natal,Onde canta a jandaia nas fontes da carnaúba![...]Verdes mares que brilhais como líquida esmeralda,Aos raios do sol nascente,Perlongando as alvas praias ensombradas de coqueiros[...]Serenai, verdes mares e alisaidocemente a vaga impetuosa,para que o barco aventureiro,manso resvale à flor das águas!”
(Iracema, Cap. I)
O enredo é cheio de símbolos. Comecemos pela própria Iracema,
heroína do livro. Considerando as mulheres índias como verdadeiras
conquistadoras da terra, Alencar estabeleceu que as mães indígenas eram a
essência das virtudes da raça; por isso Iracema reunia em si qualidades de
mulher, esposa e mãe.
Alencar buscou usar a linguagem da sociedade indiana, suas
idéias, suas imagens, contando uma história poética, à maneira dos velhos
relatos das tribos: a fundação do Ceará, os amores de Iracema e Martim, o
ódio entre as ações adversárias. Ele, definindo-se pelo indianismo como
corrente literária, valorizou poética e ficcionalmente o espírito nacional
brasileiro.
Iracema, de enredo simples – uma índia ama um homem branco,
sofre e morre de amor – o texto é, todavia, emocionante e trabalhado com
rigor e maestria pelo autor. O índio, para Alencar, era a possibilidade de
despertar, no povo brasileiro recém-independente, o amor pela pátria
(nacionalismo ufanista). O seu estilo desvenda uma forma literária que
enriquece a língua portuguesa, acrescentando-lhe uma aculturação tupi,
desvendando-lhe caminhos novos, que, embora não fugindo às peculiaridades
de sua estrutura e sintaxe, proporcionaram-lhe uma expressão brasileira,
inconfundível, própria.
Notamos abaixo que o narrador, seguidas vezes, compara Iracema
à natureza exuberante do Brasil. E a virgem leva sempre vantagem. Seus
cabelos mais negros e mais longos, seu sorriso mais doce, seu hálito mais
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perfumado, seus pés mais rápidos. Ela é apresentada por um narrador que,
embora se apresente em terceira pessoa, é claramente emotivo e
apaixonado. Retrata-a, portanto, como a síntese perfeita das maravilhas da
natureza cearense, brasileira e americana. Iracema é muito mais do que
uma mulher. Não anda, flutua. Toda a natureza rende-lhe homenagem: da
acácia silvestre aos pássaros, como o sabiá e a ará. A heroína é o próprio
espírito harmonioso da floresta virgem:
“Além, muito além daquela serra, que ainda azula nohorizonte, nasceu Iracema.Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelosmais negros que a asa da graúna e mais longos que seutalhe de palmeira.O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem abaunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria osertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreiratribo, da grande nação tabajara. O pé é grácil e nu, malroçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terracom as primeiras águas.Um dia, ao pino do sol, ela repousava em um claro dafloresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, maisfresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestreesparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos nafolhagem os pássaros ameigavam o canto.Iracema saiu do banho; o aljôfar d’água ainda a roreja,como à doce mangaba que corou em manhã de chuva.Enquanto repousa, empluma das penas do gará as flechasde seu arco, e concerta com o sabiá da mata, pousado nogalho próximo, o canto agreste. A graciosa ará, suacompanheira e amiga, brinca junto dela.”
(Iracema, Cap. II)
O romance é narrado na terceira pessoa, mas o narrador está
longe de se manter neutro e mero observador. Abundam os adjetivos
reveladores de admiração, principalmente em referência à natureza
brasileira e à Iracema. Em alguns momentos o narrador arrebatado chega a
revelar-se na primeira pessoa: “O sentimento que ele pôs nos olhos e o
rosto, não o sei eu”. Tais arroubos justificam-se pela colocação, no início da
obra, de que essa é “uma história que me contaram nas lindas vargens
onde nasci”. Assim Alencar justifica a intromissão da voz na primeira pessoa
em uma obra narrada na terceira.
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A permanência de Iracema no universo cultural brasileiro é
incontestável. Uma das manifestações artísticas que perpetuam a imagem
da virgem dos lábios de mel, mesmo que nem sempre tão virgem ou
idealizada, é a música popular brasileira contemporânea. O romance é uma
tentativa de criar uma lenda para a origem do Ceará. A descrição da terra é
minuciosamente ufanista e as qualidades e linguagem indígenas lembram as
de cavaleiros medievais.
Alencar tenta concretizar a proposta do Romantismo de construir
uma linguagem brasileira. Tenta, então, escrever um romance usando
termos indígenas, o que revela uma linguagem autenticamente nacional. A
busca de uma linguagem brasileira era reflexo de uma lusofobia (aversão ao
português, a Portugal) que invadiu o Brasil na época do Romantismo. O
processo de nacionalização brasileira consistiu em um movimento de
afirmação nacional, de busca da própria identidade, de conquista de um
caráter nacional, de afirmação de qualidades peculiares e Alencar viu que a
civilização brasileira é mestiça, nem branca, nem negra, nem indígena, mas
mestiça, “brasileira”, algo novo, de características peculiares. Ele voltou-se
para dentro do país, retirando dele os motivos da construção literária.
José de Alencar foi o patriarca da literatura brasileira, símbolo da
revolução literária então realizada, a cuja obra está ligada à fixação desse
processo revolucionário que enquadrou a literatura brasileira nos seus
moldes definitivos. Incitando o movimento de renovação; acentuando a
necessidade de adaptação dos moldes estrangeiros ao ambiente brasileiro,
em lugar da simples imitação servil; defendendo os motivos e temas
brasileiros, sobretudo indígenas, para a literatura, que deveria ser a
expressão da nacionalidade; reivindicando os direitos de uma linguagem
brasileira; colocando a natureza e a paisagem física e social brasileiras em
posição obrigatória no descritivismo romântico; exigindo o enquadramento
da região e do regionalismo na literatura; apontando a necessidade de
ruptura com os gêneros neoclássicos, em nome de uma renovação que teve
como conseqüência imediata, praticamente, a criação da ficção brasileira,
Alencar deu um enérgico impulso à marcha da literatura brasileira para a
alforria.
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Capítulo III
REPRESENTAÇÕES DE IDENTIDADE – MACHADO DE ASSIS
Machado de Assis, um dos melhores escritores de todos os
tempos, foi um transfigurador da realidade, o criador de uma obra
semelhante à vida. Utilizou alguns processos de escola, como o método
autobiográfico, a observação da realidade, certa frouxidão de enredo,
visando à aproximação da realidade e a um retrato do homem. Ele sabia
perfeitamente a diferença entre a arte e a vida, o que o distanciava dos
ortodoxos realistas e naturalistas. Na obra de Machado de Assis, a
paisagem dominante é a do espírito humano, ele teve uma tendência a
pesquisar a vida interior do indivíduo, a ficção introspectiva e psicológica
mostrava uma nova espécie de realidade, da qual não estavam longe a
invenção e a fantasia, e a que Machado reuniu uma radical visão trágica da
existência.
Seu estilo sóbrio, equilibrado, correto, nobre, é repassado de
humor finíssimo e revela um pessimismo tranqüilo, uma descrença sem
desespero, tudo com maturidade. O homem discreto, observador e
conhecedor da alma humana revela em suas obras profunda sondagem
psicológica. A ficção Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de
Assis, se exerce com o caráter de um severo e impiedoso realismo
psicológico em que se mostra o sentido trágico da vida, o humor ferino, a
crítica mordaz das desconcertantes contradições da condição humana.
Memórias Póstumas de Brás Cubas narra a história de Brás
Cubas – defunto autor – que depois de morto resolve escrever suas
memórias. Os capítulos são curtos, os personagens conflituosos, submersos
numa vida de pesadelos, vivendo um circuito de desespero entre os dois
mistérios: a vida e a morte. A visão da vida é negativa, pessimista. Quase
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tudo na obra é a negação, a miséria, a desgraça, descritas num humor sutil,
com grandes mergulhos psicológicos. Parece que a vida se reduz a uma
grande negação, nada dignifica o viver, nem os amores com Marcela –
jovem prostituta – nem os amores com Eugênia – jovem aleijada. Torna-se
amante de Virgínia – esposa de Lobo Neves. Conhece Eulária, que morre
vítima de uma epidemia. Brás Cubas tentara a celebridade com o emplasto
“Brás Cubas”, porém vem a falecer de pneumonia antes de realizar o seu
intento; tentara a fama com a política; mas morre cercado de poucos amigos
e de Virgínia.
O último capítulo é bastante elucidativo:
“Não alcancei a celebridade do emplasto, não fui ministro,não fui califa, não conheci o casamento. Verdade é que, aolado dessas faltas, coube-me a boa fortuna de não compraro pão com o suor do meu rosto. Mais; não padeci a mortede Dona Plácida, nem a semidemência do Quincas Borba.Somadas umas coisas e outras, qualquer pessoa imaginaráque não houve míngua nem sobra, e conseguintementeque saí quite com a vida. E imaginará mal; porque aochegar a este outro lado do mistério, achei-me com umpequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulode negativas: não tive filhos, não transmiti a nenhumacriatura o legado da nossa miséria”.
A estrutura de Memórias Póstumas de Brás Cubas tem uma lógica
narrativa surpreendente e inovadora. A seqüência do livro não é determinada
pela cronologia dos fatos, mas pelo encadeamento das reflexões do
personagem. Uma lembrança puxa a outra e o narrador Brás Cubas, que
prometera contar uma determinada história, comenta todos os outros fatos que
a envolvem, para retomar o tema anunciado muitos capítulos depois.
Organizados em blocos curtos, os 160 capítulos desta obra fluem segundo o
ritmo do pensamento do narrador. A aparente falta de coerência da narrativa,
permeada por longas digressões, dissimula uma forte coerência interna,
oferecendo ao leitor todas as informações para conhecer a visão de mundo de
um homem que passou pela vida sem realização nenhuma, apenas ao sabor
de seus desejos. Logo nas primeiras páginas, o escritor brinca com a
expectativa do leitor de chegar logo às ações do romance. Machado de Assis,
por intermédio do seu narrador, se dirige diretamente ao leitor,
metalingüisticamente, para comentar o livro. Diz Brás Cubas:
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“Veja o leitor a comparação que melhor lhe quadrar, veja-ae não esteja daí a torcer-me o nariz, só porque ainda nãochegamos à parte narrativa destas memórias. Lá iremos.Creio que prefere a anedota à reflexão, como os outrosleitores, seus confrades, e acho que faz muito bem ”.
Ao usar a metalinguagem, Machado convida o leitor a refletir sobre
a estrutura da obra e perceber dois níveis de leitura: a que revela
diretamente o personagem e a que o faz objeto de crítica do autor. O mais
importante da obra Memórias Póstumas de Brás Cubas certamente não é
o enredo e sim a linguagem utilizada por Machado de Assis. A denúncia
tácita da sociedade, por meio da leve ironia e humor.
Vemos ainda neste livro que Machado mostra sua desconfiança da
articulação perfeita entre o texto e a realidade e procura adequar a forma ao
conteúdo. Exemplo: para traduzir a frustração de Brás Cubas quando não
consegue se tornar ministro, a solução do autor foi deixar o Capítulo 139 em
branco. No capítulo seguinte, explica: “Há coisas que melhor se dizem
calando; tal é a matéria do capítulo anterior ”.
O leitor de Machado é constantemente solicitado a interagir
criticamente com a obra, distanciando-se ainda mais do modelo de leitura
proposto pelos romances românticos, que mobilizam a emoção e a
imaginação.
Para Machado de Assis, a universalidade corresponde à maior
riqueza e força do sentimento nacional, quanto mais nacional mais
universal o escritor. O nacionalismo literário autêntico é o que
corresponde à definição de Machado ao descrever o “instinto de
nacionalidade”, para ele a nota distintiva da literatura brasileira na década
de 1870, quando escreveu o ilustre ensaio que leva aquele título. O
escritor questionava a identificação que o romântico fazia com o regional
e o nacional; um texto é nacional quanto menos regional ele for e quanto
mais universal ele for. Ele baseou-se na tradição ocidental, resgatou a
leitura da Antigüidade, mas inseriu jogos intertextuais, diferentes dos
padrões românticos.
Em Machado de Assis, portanto, há a perfeita conciliação entre o
ideal nacional e a universalidade, o nacionalismo verdadeiro não rejeita a
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tradição universal, nenhuma cultura constrói-se isoladamente, à custa
somente das qualidades nativas, cortando os laços com a humanidade.
“Não há dúvida que uma literatura, sobretudo uma literaturanascente, deve principalmente alimentar-se dos assuntosque lhe oferece a sua região; mas não estabeleçamosdoutrinas tão absolutas que a empobreçam. O que se deveexigir do escritor, antes de tudo, é certo sentimento íntimo,que o torne homem do seu tempo e do seu país, aindaquando trata de assuntos remotos no tempo e no espaço”.
Esse sentimento a que Machado de Assis se refere é o que
poderíamos chamar de “brasilismo interior”, a ser representado sob todas as
variações artísticas. Tal sentimento íntimo é que caracteriza a alma nacional
e traduzi-la é o dever do artista. Quanto mais fiel o for às imposições desse
sentimento, mais genuíno e mais universal será ele.
Como pudemos perceber, Machado, fazendo uma crítica à resposta
romântica, vê o “instinto de nacionalidade” de modo diverso, pensando no
nacional a partir do momento em que reconhece o Brasil universalmente.
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Capítulo IV
REPRESENTAÇÕES DE IDENTIDADE – LIMA BARRETO
Podemos considerar Lima Barreto como antecipador do Modernismo,
foi um autor de significação marginal na literatura brasileira. Embora não
tenha sido reconhecido no seu tempo, tornou-se um clássico da nossa
literatura pela prosa envolvente, humor, realismo e generosa capacidade de
expressar os problemas do povo. Ele foi crítico em relação ao seu tempo,
mostrando as mazelas da sociedade.
Clássico da literatura brasileira, Triste Fim de Policarpo Quaresma
denuncia os males da sociedade brasileira da época: a burocracia das
repartições públicas, o clientelismo, a bajulação, a injustiça social, o
problema da terra, etc. Neste enredo surge um D. Quixote nacional, o Major
Policarpo Quaresma. Visionário e patriota, o personagem encarna a luta
pela grandeza do país. Um motivo mais do que suficiente para acabar muito
mal...
Em Triste Fim de Policarpo Quaresma, Lima Barreto descreve a
política no Brasil após a Proclamação da República. Apavorado com a
descaracterização da cultura e da sociedade brasileira, modelada em
valores europeus, o autor cria a caricatura de um nacionalista, ferrenho em
sua xenofobia (aversão a pessoas e coisas estrangeiras): o major Policarpo
Quaresma. Policarpo possui uma biblioteca especializada em temas
brasileiros, é um homem moldado pela leitura. A obsessão do protagonista
pela leitura já mostra uma descaracterização nacional, já que a educação,
aqui, representa um status social e não um fator de formação cultural.
O sonho utópico do protagonista é o encontro de uma identidade
cultural brasileira, apresentado no decorrer da história; de tal forma que o
autor não poupa detalhes, desenhando o retrato de uma sociedade atrasada,
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mas acomodada em estrangeirismos. Lima Barreto não economiza entraves
ao sonho delirante de seu personagem quixotesco: ora são as revelações
das críticas veladas; ora a incompreensão de sua busca; ora ainda o
desfecho trágico de suas tentativas frustradas.
O autor retratando, pinceladamente, os preconceitos de uma
sociedade conservadora e sem identidade, revela um Dom Quixote à
brasileira; discriminado, dentro de sua própria cultura, e, finalmente, arrasado
pela inutilidade de sua luta. O autor mostra, assim, um realismo pessimista,
derrotista, mas fiel da sociedade brasileira, numa época em que poucos
tinham ousadia para inovar e buscar uma identidade cultural para o país.
Detalhada e fielmente, Lima Barreto pinta um personagem
genuíno; simples, puro, até mesmo nobre e leal em suas intenções e
convicções, mas que acaba subjugado por uma sociedade ainda distante de
compreender o valor do seu sonho nacionalista. Dessa forma, Lima Barreto
presenteia o leitor com um ufanismo pessimista, mas que o leva a uma
reflexão mais profunda de si mesmo e de sua realidade social. Cabe a esse
leitor julgar, devidamente, tanto a intenção do personagem quanto a do autor.
Estamos no fim do século XIX e os autores nacionais (anteriores à
existência da nação) fazem parte das estantes do nosso protagonista –
major Policarpo Quaresma; viajantes, historiadores aparecem nos livros que
ele lê. O mito do ufanismo é a tendência à exaltação lírica da terra ou da
paisagem, espécie de crença num eldorado terrestre e Quaresma ufana-se
do seu país, valorizando as riquezas de sua pátria. Ele é um funcionário
público que habita o subúrbio carioca. A utopia de Policarpo o leva à
infelicidade, ele tenta aplicar suas leituras à realidade e se dá mal, é a
própria imagem do ufanista, a imagem da consciência ingênua – ele assimila
passivamente o que está nos livros. Quaresma faz requerimentos
desesperados às autoridades, defendendo o uso do tupi como língua oficial;
aprende a tocar violão, afirmando que este era o instrumento que melhor
expressava o sentimento da raça brasileira; coleciona peças de folclore.
Enfim, é a imagem ridícula do “patriotário”. Lima Barreto também mostra, na
figura pura e ingênua do major Policarpo, a doçura e o calor humano do
brasileiro.
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Policarpo acredita no que os seus livros dizem, com relação às
terras do Brasil, sempre férteis. No entanto, o discurso ufanista salta dos
livros e se choca irremediavelmente contra a bruta realidade do cotidiano:
no Sítio do Sossego, Policarpo decide trabalhar no campo e espera obter
êxito nas suas plantações, mas as terras são invadidas por saúvas que as
destroem, provando que a terra paradisíaca é apenas ficcionalizada nos
livros. O Brasil ficcionalizado neste livro guarda a nostalgia do discurso
ufanista. Policarpo ainda crê no Éden Tropical e morre comprovando o
fracasso de ter vivido. As suas leituras foram a causa de seus males. A
pátria era algo absoluto para Quaresma e quando passa a se
desconstruir, tem um valor relativo para o mesmo. Policarpo foi alguém
que se dedicou a uma causa equivocada, ele idolatra o presidente
Floriano Peixoto, que era doentiamente indolente e imprime esta
indolência no poder, degenerescendo a nação. Ele revela-se o contrário
de um grande estadista internacional.
O mito do “paraíso terrestre” imposto pelos olhos dos viajantes e
do colonizador causam uma grande decepção em Quaresma, este perde
então a ilusão que mantinha em relação aos seus compatriotas e ao ideal
construído pela classe dominante de tratar da fertilidade da terra e da
cordialidade entre os homens, descobre o simulacro imposto pelas elites:
“O tupi encontrou a incredulidade geral, o riso, a mofa, oescárnio; e levou-o à loucura. Uma decepção. E aagricultura? Nada. As terras não eram ferazes e ela nãoera fácil como diziam os livros. Outra decepção. E, quandoo seu patriotismo se fizera combatente, o que achara?Decepções. Onde estava a doçura de nossa gente? Poisele não a vou combater como feras? Pois ele não a viamatar prisioneiros inúmeros? Outra decepção. A sua vidaera uma decepção, uma série (melhor, um encadeamentode decepções). A pátria que quisera ter era um mito; eraum fantasma criado por ele no silêncio de seu gabinete.Nem a física, nem a moral, nem a intelectual, nem apolítica que julgava existir havia. A que existia de fato, eraa do Tenente Antonino, a do doutor Campos, a do homemdo Itamarati ”. (Triste Fim de Policarpo Quaresma, p. 207)
Assim, por não conseguir decifrar os códigos de sua sociedade,
Quaresma torna-se um melancólico, isola-se de tudo por saber que nada
poderia alterar. Seu mundo desmorona, sua história não contribuiria em
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nada, não faz parte do mundo dos homens poderosos, constata
melancolicamente que a História era escrita pelos vencedores.
Sem inovar estética e estilisticamente, como os Modernistas da
Semana de 1922, o narrador de Triste Fim de Policarpo Quaresma
desmascara a realidade forjada de uma época. Lima Barreto destacou-se
por sua imensa coragem de denunciar que a vida cultural estava toda
enredada com fidelidades partidárias, subserviências e ambições de
compartilhar da distribuição de privilégios no novo regime. A ousadia de
denunciar as fraudes eleitorais, as brutalidades repressivas, as
manipulações econômicas, a discriminação e a segregação social da nova
ordem e a audácia de fazer da literatura um ato lírico de denúncia fazem de
Lima Barreto um desmascarador da sociedade carioca.
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Capítulo V
REPRESENTAÇÕES DE IDENTIDADE – MÁRIO DE ANDRADE
Mário de Andrade é a figura central da época modernista.
Dificilmente se poderá apontar na história literária brasileira outro homem de
letras com a influência que ele exerceu, uma influência literária nos
acontecimentos e nos escritores mais jovens, através de intensa atividade e
produção intelectual. Em Macunaíma, ele mostrou sua capacidade criadora
e inovadora. Inspirando-se no folclore indígena da Amazônia, misturado com
lendas e tradições das mais variadas regiões do Brasil, Mário de Andrade
construiu um “herói” que encarna antropofagicamente o homem latino-
americano. Nesta obra, há uma ruptura com o modelo idealizante
(edênico/paradisíaco) do herói brasileiro, pois Macunaíma é um personagem
feio, preguiçoso e fraco. Um dos traços distintivos que mais o caracteriza é
a sua esperteza.
Macunaíma é uma das obras pilares da cultura brasileira porque
foi através dela que nasceu a lingüística com suas adaptações brasileiras, a
introdução “do jeito como se fala”, os mitos folclóricos e também o
surrealismo que permite os personagens “navegar” sem fronteiras.
Resumindo-se nasce, a partir de Macunaíma, uma linguagem nova, com
todas as características naturais da brasilidade, rompendo assim com o
sistema cultural vigente.
Mário de Andrade escreve Macunaíma no período da República
velha agonizante. O herói sem nenhum caráter é apresentado como um
transgressor, revela-se um mentiroso, é um anti-herói. Na carta de Pero Vaz
de Caminha, vemos a fertilidade da terra e a inocência das pessoas como
traços paradisíacos, enquanto que em Macunaíma não há traços
paradisíacos e sim uma sociedade primitiva Em Iracema, o cenário era
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paradisíaco tanto quanto a personagem e há a tematização do amor-paixão,
já em Macunaíma só há o desejo. Através da perda da pedra (muiraquitã),
se desenvolve toda a história, onde aparece o pássaro como elemento
surreal. Concluímos então que a pedra é a peça chave para que aconteça e
se desenvolva os fatos da obra.
Na parte em que o anti-herói tenta obter de volta a sua muiraquitã,
dada por Ci, sua amada que virou estrela, podemos notar que o gigante
Venceslau Pietro Pietra, que comprou o amuleto perdido, é o estrangeiro
que tenta dominar Macunaíma, o índio. Ele não tem forças para vencer o
gigante, só pode usar sua astúcia, enquanto que o herói do modelo
paradisíaco é forte. Quando Macunaíma vai para São Paulo, vemos a
imagem do selvagem diante da civilização, ele tem o olhar do colonizado
que vê as mazelas da colonização. Macunaíma quer descrever São Paulo a
exemplo da cidade de Roma, no entanto descreverá os males da capital.
Observamos o aspecto social na relação homem/máquina. É o
início da industrialização, que confunde Macunaíma. Mais uma vez o
elemento surreal se apresenta no momento em que o herói transforma tudo
em máquina. No aspecto lingüístico, há a introdução de novas palavras:
“maquinando”; “satisfa”. A obra Macunaíma apresenta um novo aspecto
lingüístico dentro da literatura brasileira, onde a língua portuguesa sofre
“alterações” que caracterizam o “brasileirismo”, o português do Brasil e não
de Portugal. Em alguns trechos da obra observa-se a denúncia social sobre
os costumes da sociedade brasileira. Paralelo a isso, é introduzido na obra
traços do folclore brasileiro, permitindo tornar mais evidente os traços
modernos da obra. Existe também a preocupação de evidenciar e valorizar a
natureza do Brasil, com todas as suas riquezas.
Macunaíma faz uma sátira em relação aos parnasianos, criticando
a forma “exagerada” da escrita. Por esse motivo, na carta redigida por
Macunaíma ele utiliza uma linguagem mais formal, diferente daquela
utilizada em sua fala. Neste trecho da obra também observamos o aspecto
de denúncia social em relação aos políticos, juntamente com o aspecto
lingüístico: “si não..., milhores, testículos da Bíblia” (p. 81). No desenrolar do
romance, Mario de Andrade nos mostra a questão da língua, onde
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observamos que o português “abrasileirado” está se formado, como por
exemplo, neste trecho: “... quem conta história de dia cria rabo de cutia...”
(p. 89), sendo este um dito popular que se relaciona diretamente com a
cultura brasileira.
Em Macunaíma, Mário de Andrade faz uma brincadeira, descreve
o surgimento das três raças que deram origem à população brasileira:
“Macunaíma e seus dois irmãos Jiguê e Maanape, pretosretintos, estavam no meio da mata quando Macunaímaenxergou uma lapa bem no meio do rio cheia d’água. E acova era que nem a marca dum pé de gigante. Abicaram. Oherói depois de muitos gritos por causa do frio da águaentrou e se lavou direitinho. Mas a água era encantadaporque aquele buraco na lapa era a marca do pezão doSumé, do tempo em que andava pregando o evangelho deJesus para a indiada brasileira. Quando o herói saiu dobanho estava branco e de olhos azuizinhos, a água lavarao pretume dele, (...). Nem bem Jiguê percebeu o milagre,se atirou na marca do pezão do Sumé. Porém a água jáestava muito suja da negrura do herói e por mais que Jiguêesfregasse feito maluco atirando na água para todos oslados só conseguiu ficar com a cor bronze novo. (...)Maanape então é que foi se lavar, mas Jiguê esborrifavatoda a água encantada para fora da cova. Tinha só umbocado lá no fundo e Maanape conseguiu molhar só apalma dos pés e das mãos. Por isso ficou negro (...). Sóque as palmas das mãos e dos pés dele são vermelhas porterem se limpado nas águas santas.” (p. 37)
Analisando os fatos históricos do Brasil, notamos que desde a sua
colonização a dependência econômica, social e cultural era grande. Com o
passar do tempo não foi diferente, pois mesmo após a “independência” o
Brasil continuou dependente dos Estados Unidos. Chegamos então à
conclusão de que os brasileiros não possuem sua cultura, seus costumes e
nem consciência tradicional, tornando-se assim sem caráter. Ao longo do
romance, Macunaíma não se mostra diferente, pois ao mesmo tempo que é
marginal, ele é um herói em seu mundo surreal.
Macunaíma é um personagem que está fora do tempo e do espaço
e por esse motivo pode realizar as fugas espetaculares e assombrosas em
que da capital de São Paulo foge para a Ponta do Calabouço, no Rio, e logo
já está em Guarajá-Mirim, nas fronteiras de Mato Grosso e Amazonas e
assim por diante. Assim, o anti-herói é uma figura que está fora dos
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esquemas tradicionais da prosa de ficção, é um personagem que representa
a reunião de alguns possíveis tipos brasileiros. Sempre na defesa, o índio
começava comendo terra e acabava sendo comido pela terra. Ele também
tinha aspectos positivos: era incapaz de adaptar-se a uma cidade como São
Paulo e criticava a desumanização e a ânsia de riqueza que caracterizavam
os habitantes desta metrópole.
Com esta rapsódia de Mário de Andrade, vimos a fusão do regional
com o coloquial urbano, a síntese das três grandes etnias do povo
brasileiro. Macunaíma é um viajante que se transforma num personagem
urbano, é o esperto que possui a lei da sobrevivência, é o malandro que
aprende as regras do jogo, é mais uma representação de identidade. O
Brasil aparece esperto, carnavalesco e malandro, graças a este personagem
libertino irresponsável, que desconstrói a “visão do paraíso” enquanto
ruptura com a tradição de ficcionalização do país. O Modernismo foi toda
uma concepção da vida, que gerou um estilo novo de enfrentar a realidade
brasileira, fosse nos processos de dominá-la, fosse nas formas de
representá-la artisticamente e Mário de Andrade, como poeta, é o marco de
uma nova ordem estética, onde no livro Macunaíma ele conjuga os
elementos da epopéia e da rapsódia, com lirismo, história, mitologia e
folclore.
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CONCLUSÃO
O Brasil tem mudado de pele. E, certamente, de ossatura. Sendo
um ser em metamorfose, há 500 anos, é legítimo que o Brasil de hoje não
seja exatamente o de ontem, assim como o de amanhã não será o de agora.
Isto contraria uma definição de brasilidade entendida como uma “essência”,
algo imutável, idêntica a si mesma no fluir dos anos. E introduz uma
inquietação e complexidade: o sentimento de “brasilidade” é diferenciado
diacronicamente conforme o momento histórico percorrido, assim como é
diverso num mesmo instante sincrônico, conforme as cabeças que pensam o
Brasil.
Toda identidade se define a algo que lhe é exterior, ela é uma
diferença. Poderíamos nos perguntar sobre o porquê dessa insistência em
buscarmos uma identidade que se contraponha ao estrangeiro. A resposta
pode ser encontrada no fato de sermos um país do chamado Terceiro
Mundo, o que significa dizer que a pergunta é uma imposição estrutural que
se coloca a partir da própria posição dominada em que nos encontramos no
sistema internacional. Por isso, autores de tradições diferentes e politicamente
antagônicos se encontram, ao se formular uma resposta para o que seria
uma cultura nacional. Porém a identidade possui ainda uma outra dimensão,
que é interna. Dizer que somos diferentes não basta, é necessário mostrar
em que nos identificamos.
Diacronicamente o sentimento de brasilidade conheceu pelo
menos três instantes específicos: o da defesa da territorialidade, o da
expectativa imperial e o da consciência nacionalista. Podemos afirmar que o
nacionalismo brasileiro é um nacionalismo a favor das nossas peculiaridades
nacionais de povo, de nação, de civilização mestiça. O processo de
desenvolvimento cultural e literário teve dois pontos altos: a fase romântico-
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realista do séc. XIX e a fase modernista do séc. XX. As representações de
identidade aqui apresentadas estão inseridas neste período.
Ao se fazer a pergunta sobre a brasilidade hoje, de uma coisa
podemos ter certeza: a brasilidade não se contenta mais com a territorialidade
satisfeita, não se exercita mais numa vocação imperial, não se basta nas
disputas nacionalistas. Algo de novo está se configurando. E a primeira
condição para se ver o novo é saber assinalar, destacar, descartar ou
rearticular o que ficou velho.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALENCAR, José de. Iracema. São Paulo: Ática, 1991.
ANDRADE, Mário de. Macunaíma. 2ª ed. São Paulo: Ática, 1993.
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro:
Companhia José Aguiar Editora, 1971.
BARRETO, Lima. Triste fim de Policarpo Quaresma. São Paulo: Ática, 1992.