comunidade de prática musical jogos de mãos praticados pelas crianças no recreio escolar

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as práticas de jogos de mãos, é natural no período da infância. O texto traz a importância da dessa prática para o ensino de música.

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  • Comunidade de prtica musical: os jogos de mos praticados pelas crianas no recreio escolar

    Fernanda de Souza

    [email protected] Universidade Federal do Paran

    Resumo. O presente artigo refere-se a um recorte de minha pesquisa de Mestrado em Msica/UFPR , em andamento, a qual investiga o desenvolvimento da aprendizagem musical infantil abordando aspectos psicolgicos e socioculturais. Esta comunicao tem por finalidade refletir sobre uma das perspectivas socioculturais que fundamentam e interpretam este trabalho: o conceito de comunidade de prtica de Ettiene Wenger (1998) e sua teoria de aprendizagem social. Na primeira parte, evoco os estudos sobre jogos tradicionais que tm contribuido para um maior entendimento sobre a importncia da cultura como fonte de desenvolvimento de habilidades musicais infantis. Na segunda parte, explico a primeira questo que guiou minha pesquisa de mestrado, relatando a experincia. Na terceira parte reflito sobre uma das perspectivas socioucultural de Etiene Wenger e seu conceito de comunidade de prtica. Palavras-chave: educao musical, perspectivas socioculturais, cultura infantil.

    Introduo

    Partindo de minha experincia como professora de Artes do ensino fundamental da rede

    pblica de ensino do estado do Paran, bem como ministrante de cursos de formao de

    professores em msica das sries iniciais de ensino de Curitiba e regio metropolitana do estado,

    seguidamente me deparo em conversas e discusses e ouo meus colegas de profisso comentar

    sobre a inexistncia da msica na escola.

    Por outro lado, em toda minha formao acadmica da graduao especializao em

    msica realizada na Faculdade de Artes do Paran FAP , e mais recentemente no curso de

    mestrado na Universidade Federal do Paran UFPR, bem como nos ltimos congressos de

    educao musical, so recorrentes as reflexes sobre as manifestaes musicais espontnea das

    crianas, as quais identificam a forte presena da msica no seu cotidiano.

    Esse assunto tem aparecido com freqncia nas pesquisas provenientes dos campos de

    estudo socioculturais e da psicologia apresentando-se como o centro de interesse de muitos

    pesquisadores que recorrem a essa temtica para compreender, explicar e fundamentar o processo

    de desenvolvimento da aprendizagem musical da criana. Os estudos de SOUZA (2000), por

    exemplo, revelam que o ensino e a aprendizagem da msica ocorrem em contextos sociais mais

    amplos do que apenas na sala de aula. ILARI (2003; 2007) na sua pesquisa sobre o

    Ana Cattanicab

  • desenvolvimento musical da criana brasileira reflete sobre as diversas formas que e

    desenvolvimento musical ocorre, comprovando que a grande maioria da aprendizagem musical

    das crianas acontece informalmente e de maneira espontnea.

    A partir desses estudos e de minhas reflexes sobre em que momentos a msica estaria

    presente na escola e no cotidiano das crianas de maneira significativa, que surgiram as primeiras

    idias para a realizao do meu trabalho de mestrado. Assim, para a explorao do campo

    emprico, passei a freqentar o recreio escolar de uma escola de sries iniciais com o intuito de

    observar as manifestaes musicais espontneas das crianas.

    Esta comunicao se refere ao perodo inicial de obervao do meu trabalho de mestrado,

    que teve por objetivo identificar algumas brincadeiras e alguns jogos que envolviam a msica

    sendo os jogos de mos a brincadeira musical praticada com maior freqncia nos recreios

    observados.

    Parte I - Um jogo tradicional infantil : jogos de mos

    Segundo Kishimoto (1993) o jogo tradicional infantil considerado como parte da cultura

    popular que guarda a produo de um povo em determinado perodo histrico. uma cultura no

    oficial, transmitida pela oralidade que apresenta-se sempre em transformao e incorporando

    criaes annimas.

    De acordo com a autora, no se tem conhecimento da origem desses jogos, sabe-se apenas

    que so provenientes de prticas abandonadas por adultos, decorrentes de fragmentos de

    romances, poesias, mitos e rituais religiosos.

    Atravs dos estudos desenvolvidos por Kishimoto (1993), pode-se considerar que o jogo tradicional infantil um tipo de jogo livre, espontneo, no qual a criana brinca sem obrigao,

    apenas pelo prazer de o fazer. So experincias transmitidas espontaneamente pela motivao

    interna da criana apresentando um fim em si mesmo, podendo ser alterados, criados e recriados,

    por esse motivo fazem parte da dinmica da vida social.

    Segundo Maffioletti (2004), valorizar as atividades espontneas infantis e perceber a

    criana como produtora de cultura, implica em oferecer subsdios para que ela se desenvolva na

    sua prpria natureza, produzindo e reproduzindo a sua cultura, que atenda suas necessidades

    psicolgicas, intelectuais e sociais.

  • A brincadeira de jogos de mos, que tema deste trabalho caracteriza-se pela sua

    musicalidade, por serem desenvolvidos em um reduto de livre iniciativa das crianas, marcado

    pela transmisso oral, assumindo as caractersticas de anonimato, tradicionalidade, conservao,

    mudana, transformao e universalidade.

    De acordo com Gainza (1996), os jogos de mos apresentam um carter universal

    aparecendo em quase todos os pases e culturas e apresentando, em alguns casos, caractersticas

    assombrosamente similares por responderem a certas necessidades funcionais comuns a todas as

    pessoas. Para Kishimoto (1993), a fora desses jogos tradicionais infantis explica-se pelo poder

    da oralidade, que enquanto manifestao espontnea da cultura popular, tm a funo de

    perpetuar a cultura infantil, bem como, desenvolver formas de convivncia social.

    Uma das pesquisas mais significativas sobre os jogos de mos refere-se ao trabalho de

    Gainza (1996) em seu livro intitulado - Juegos de Manos 75 rimas e a canciones tradicionales

    com manos y otros gestos - no qual a autora faz um estudo sobre os jogos de mos tambm

    chamados por ela de brincadeiras de mos, praticados pelas crianas em diferentes ambientes.

    Neste trabalho, Gainza (1996) recolhe alguns jogos de mos e cria um sistema de smbolos para

    descrever os gestos presentes nessas brincadeiras.

    O jogo com mos, mmicas e outros gestos se executam geralmente a partir de uma rima ou de uma cano. Em alguns casos constitui um aspecto inerente cano, tendo sido originado de maneira simultnea. Outras vezes, os gestos so agregados pelas prprias crianas a certas canes tradicionais (ibid., p. 13).

    Os estudos desenvolvidos por Gainza revelam a riqueza da musicalidade presente nesses

    jogos tradicionais da cultura infantil. Bem sabemos, que a criana desde muito cedo vivencia

    uma srie de experincias com a msica, entende diferentes tipos de expresses musicais,

    reconhece inmeras melodias e tambm faz uso disso nas brincadeiras e jogos, naturalmente.

    Cantando e recitando versos, a criana compreende a estrutura da lngua materna, e aprende a

    reconhecer o significado das nuanas na sonoridade das palavras (MAFFIOLLETI, 2004, p. 38).

    A partir desses estudos podemos dizer que a criana capaz de construir sua prpria

    cultura musical a partir de vivncias, experincias e trocas significativas que se apresentam no

    seu cotidiano atravs de brincadeiras e de jogos musicais.

  • Parte II A investigao

    Objetivo/Metodologia

    A primeira questo que envolveu esta investigao diz respeito a uma observao do

    recreio escolar que teve por objetivo investigar as prticas brincadeiras/jogos- que so

    vivenciadas pelas crianas e que, em especial, envolvem a msica. Para esta primeira etapa da

    investigao optou-se por uma observao no- participante. Neste perodo, observei e transcrevi

    no caderno de dados todas as brincadeiras praticadas pelas crianas no recreio escolar, em

    especial, quelas que envolviam a msica.

    Contexto social

    A observao est sendo realizada na Escola Municipal Carlos Drumond de Andrade1

    Sries iniciais do Ensino Fundamental, com alunos na faixa etria entre 6 e 10 anos. A clientela

    dessas instituies faz parte da classe popular, a maioria so filhos de operrios, comerciantes,

    aposentados ou autnomos, com renda familiar entre dois a trs salrios mnimos2. Os alunos

    participantes da observao, moram em casas e so praticantes das brincadeiras de rua, como:

    bete ombro, pular corda, amarelinha, me pega, leno atrs, casamento atrs da porta, brincadeira

    de roda, jogos de mos, entre outras. Alm disso, no apresentam contato direto com a internet

    nem com jogos eletrnicos como vdeo-game. Raramente participam de eventos culturais como

    teatro, cinema, concertos musicais, etc.3.

    Evocando a experincia: o recreio escolar

    Toca o sino. A correria, o riso e a alegria tomam conta do ptio da escola, a hora

    esperada, a hora do recreio, talvs o nico momento livre em que as crianas no recebem

    ordens dos adultos sobre o que devem fazer, pelo contrrio, so livres para estabelecer suas

    prprias regras partindo de suas prprias vontades e experincias, o fazer das crianas entre elas

    mesmas. O recreio permanece durante 20 minutos e sua principal funo a de lanchar, tarefa

    que muitas vezes deixada de lado na euforia de brincar junto s outras crianas. Os grupinhos se

    formam e muito claro que as afinidades entre as crianas se estabelecem atravs do gosto pelas

    1 A Escola Municipal Carlos Drumond de Andrade atende cerca de 500 alunos, com faixa etria entre 5 e 10 anos. 2 Informaes retiradas do Projeto Poltico Pedaggico da Escola em questo. 3 Informaes adquiridas atravs de conversa informal com professores da escola e com as crianas observadas.

  • brincadeiras, bem como, pela relao entre os gneros. A brincadeira de me-pega, por exemplo,

    a preferida dos meninos bem como as brincadeiras de pular corda, troca de figurinhas (tasos) e

    competio, etc.. J as meninas, preferem as brincadeiras mais calmas, as brincaderas de roda, de

    casamento atrs da porta e de jogos de mos.

    Minha ateno se volta aos pequenos grupos de meninas que reunem-se e permanecem

    durante todo o intervalo do recreio brincando, criando, ensinando ou reinventando esses jogos

    de mos. Essas meninas conhecem muito bem esses jogos. As canes, os ritmos, os versos as

    coreografias, tudo em bela sincronia. A habilidade e a capacidade com que as crianas aprendem

    e ensinam esses jogos mutuamente, por meio de uma aprendizagem holstica e colaborativa

    muito marcante. Aprendem e ensinam de maneira direta, por imitao e por repetio na prpria

    ao praticando com as crianas que j sabem. As crianas simplesmente imitam e repetem o

    modelo at que os movimentos e as palavras se ajustem naturalmente. surpreendentemente e

    eficaz a maneira como as crianas aprendem e ensinam umas s outras. A exatido dos gestos e

    das palavras depende de sua capacidade de memria, porm nenhuma criana tem problemas

    com esta questo, pois se lhe faltar alguma parte ou detalhes de um jogo, ela o completa a sua

    maneira. A criao do ritmo para canes atuais da mdia tambm presente.

    A observao desses riqusimos jogos musicais me fizeram entrar em contato com o

    conjunto de relaes sociais que mantm s crianas como personagens do seu mundo nos

    permitindo compreender melhor o cotidiano infantil, bem como aspectos singulares de sua

    cultura.

    Parte III - Interpretenado a experincia

    Comunidade de prtica: por uma aprendizagem social

    O trabalho de Ettiene Wenger (1998), centra-se basicamente em sistemas de

    aprendizagem social. Seus estudos tentam nos explicar a ligao entre conhecimento,

    comunidade de aprendizagem e identidade a partir do conceito de comunidade de prtica.

    Wenger prope uma teoria social de aprendizagem que nos faz refletir sobre como as

    crianas a partir dos jogos de mos desenvolvem habilidades musicais de maneira to efetiva.

  • Para Wenger (1998), somos seres sociais e este o aspecto fundamental da aprendizagem. na

    comunidade que ocorre o aprendizado, principalmente, quando estamos envolvidos em

    atividades significativas e que so valorizadas pelas pessoas que nos so importantes. Assim, o

    objetivo da aprendizagem vivenciar o mundo e engajar-se com ele de maneira significativa.

    Esses ambientes de aprendizagem o autor denomina de comunidade de prtica.

    Wenger (1998) define comunidade de prtica como um grupo de pessoas que partilham

    uma paixo ou uma preocupao em comum, e quando reunidas com regularidade buscam por

    conhecer e aprender

    A partir desse conceito, pode-se dizer que uma comunidade de prtica um sistema

    social de produo, de aprendizagem e de participao ativa, bem como o fundamento de um

    grupo para conhecer e aprender.

    neste sentido, que Wenger (1998) no considera a sala de aula o lugar priviligiado da

    aprendizagem. Segundo o autor, a sala de aula no o principal evento da aprendizagem. A

    prpria vida o principal evento da aprendizagem. As escolas, salas de aula, e sesses de

    formao continuam a ter um papel a desempenhar nesta viso, mas precisam estar a servio da

    aprendizagem que acontece no mundo.

    A partir da teoria de Wenger (1998) pode-se considerar que a brincadeira dos jogos de

    mos realizada pelas crianas no ambiente escolar, so desenvolvidas em comunidades de

    prtica musical (RUSSEL, 2002), pois caracterizam-se em um ambiente de aprendizagem e

    produo musical envolvendo participao ativa, fundamentada pela habilidade de um

    determinado grupo de crianas para conhecer e aprender, apresentando-se como um sistema

    social de produo musical e de formao de identidade.

    Consideraes Finais:

    Compreender as experincias musicais das crianas associando-as s experincias sociais

    do seu cotidiano a preocupao dos professores de msica da atualidade.

    Segundo Wenger, o objetivo da aprendizagem vivenciar o mundo e engajar-se com ele

    de forma significativa. Fica claro a partir desses apontamentos que esses jogos repletos de

    musicalidade, fazem parte da vida das crianas de maneira significativa. Para o autor,

    aprendemos com os outros quando estamos engajados em atividades significativas que so

    valorizadas pelas pessoas que nos so importantes. O orgulho das crianas por estarem sendo

  • vistas como produtoras de conhecimento, e por algum estar valorizando algo de to delas, foi

    evidente nesta observao.

    E porque essas aprendizagens tornam-se to significativas? Acredito que a partir dese

    estudo podemos ao menos sobre 4 questes: 1) por meio desses jogos as crianas aprendem tanto

    para si, como tambm visando as situaes sociais e coletivas relacionadas com os jogos, 2) por

    fazerem parte da vida das crianas de maneira significativa esses jogos apresentam extraordinrio

    potencial para uma aprendizagem musical efetiva; 3) esses jogos estimulam um ambiente

    dinmico de produo musical desenvolvendo a identidade musical da cultura infantil, atravs da

    reproduo, da criao e da recriao dos jogos de mos; 4) os jogos de mos incluem

    componentes capazes de provocar a ao, como o trabalho com o corpo, com os ritmos e com a

    voz.

    Referncias Bibliogrficas BROUGRE, Gilles. Brinquedo e Cultura. Verso brasileira adaptada por Gisela Wajskop. 5 ed., So Paulo: Cortez, 2004. 43 v. (Coleo Questes da Nossa poca). BROUGRE, Gilles. Jogo e Educao. Traduo Patrcia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1998. GAINZA, Violeta Hemsy. Juegos de Manos: 75 rimas e canciones trradicionales com manos y otros gestos. Buenos Aires: Guadalupe, 1996. ILARI, Beatriz (org.) Em busca da mente musical. Ensaios sobre processos cognitivos em msica da percepo produo. Curitiba: UFPR, 2006. ____________Quando as crianas falam e cantam: conceitos de desenvolvimento musical e musicalidade das crianas brasileiras.In: 3 Simpsio Internacional de Cognio e Artres Musicais. Salvador: EDUFBA, 2007. KISHIMOTO, Tizuko Morchida. A Brincadeira e a Cultura Infantil. Disponve em: http: //www.fe.usp.br/laboratrios/labrimpi/cullt.htm. Acesso: 18 agosto. _________ Brincar e suas Teorias. So Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002. __________ Jogo, Brinquedo, Brincadeira e a Educao. 8 ed., So Paulo: Cortez, 2005. __________Jogos Infantis: O jogo, a criana e a educao. Petrpolis, RJ: Vozes, 1993. RUSSEL, Joan. Sites of Learning: Communities of Music Practice in the Fiji Islands. Focus Areas Rport. Bergen: ISME, 2002. RUSSEL, Joan. Perspectivas socioculturais na pesquisa em educao musical; experincia, interpretao e prtica. (Sociocultural perspectives in music education research: Experience, intrpretation, practice) ( trad. Beatriz Ilari), Revista da Abem, Porto Alegre n.14, p. 7-17, 2006.

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