comunicação e hegemonia: a sociedade em disputa

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COMUNICAÇÃO E HEGEMONIA: A SOCIEDADE EM DISPUTA GT8: Comunicação Popular, Comunitária e Cidadania Camille Costa Perissé Pereira Universidade Federal Fluminense, Brasil [email protected] Resumo O presente artigo se propõe a resgatar bases para o estudo da sociedade civil e seu papel na construção da hegemonia, da qual participam, com interesses e estratégias por vezes antagônicos, os meios de comunicação. Uma teoria política e sociológica se faz necessária para fundamentar e repensar constantemente o cotidiano das nossas relações sociais e suas mediações. O trabalho busca reconhecer novas alternativas que despontam nos usos da radiodifusão e da publicidade, demonstrando que a comunicação comunitária pode estar posicionada na sociedade como contra-hegemonia. O avanço na democratização da comunicação é pensado aqui como integrante da disputa caracterizada por Gramsci enquanto “Guerra de Posições”, e é analisado mais especificamente o contexto brasileiro no que tange à sociedade civil e às leis de radiodifusão e radiodifusão comunitária, esta última sendo uma conquista – e, ao mesmo tempo, com alguns entraves – da pressão de movimentos sociais, o que comprova que a sociedade civil não é oposta ou paralela ao Estado. Palavras-chave: Comunicação Comunitária, Sociedade Civil, Hegemonia 2014

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COMUNICAO E HEGEMONIA: A SOCIEDADE EM DISPUTA GT8: Comunicao Popular, Comunitria e Cidadania Camille Costa Periss Pereira Universidade Federal Fluminense, Brasil [email protected] Resumo O presente artigo se prope a resgatar bases para o estudo da sociedade civil e seupapelnaconstruodahegemonia,daqualparticipam,cominteressese estratgias por vezes antagnicos, os meios de comunicao. Uma teoria poltica esociolgicasefaznecessriaparafundamentarerepensarconstantementeo cotidianodasnossasrelaessociaisesuasmediaes.Otrabalhobusca reconhecernovasalternativasquedespontamnosusosdaradiodifusoeda publicidade,demonstrandoqueacomunicaocomunitriapodeestar posicionada na sociedade como contra-hegemonia. O avano na democratizao dacomunicaopensadoaquicomointegrantedadisputacaracterizadapor GramscienquantoGuerradePosies,eanalisadomaisespecificamenteo contextobrasileironoquetangesociedadecivilesleisderadiodifusoe radiodifuso comunitria, esta ltima sendo uma conquista e, ao mesmo tempo, com alguns entraves da presso de movimentos sociais, o que comprova que a sociedade civil no oposta ou paralela ao Estado. Palavras-chave: Comunicao Comunitria, Sociedade Civil, Hegemonia 2014 Introduo Nasorigensdopensamentoliberal,opensadorcontratualistaanglo-saxnico Hobbes(1979[1588-1674]),emoposioIgreja,analisouasinstituies polticas como resultantes de acordo humano e definiu o Estado como um pacto (contrato). Utilizando o mtodo de uma cincia natural empiricista, ele partia de um pressupostoimediatooindivduoedelededuziauma'naturezahumana' permanente,fixa,essencial.Oindivduoserianaturalmente egostaetenderia violncia,guerradetodoscontratodos.Dessaforma,opactoentreos indivduosexigiaabriremmodesuaviolncianatural,delegandoopoder unicamenteaoEstado,assimcomoocontroledaviolncia-queagora, legitimada, teria como fim garantir o direito vida. Tallinhadepensamentoinaugurouaprimeiragrandeideologiarevolucionria" (ACANDA,2006):oliberalismo.Sendoapropriadopelaburguesiana modernidade,essepensamentopersistecomohegemnicoathoje,emsuas mltiplasespecificidades.SegundoocubanoJ orgeLuisAcanda-doutorem filosofiapelaUniversidadedeLeipzigeprofessordeHistriadoPensamento MarxistanaUniversidadedeHavana-almdeteroindivduocomocentrode partida,aideologialiberalvasubjetividadedeformaa-histrica,abstratae jurdica. Nestetrabalho,serproblematizadaaconsolidaodahegemoniadesse pensamentoparavriasesferasdavidahumana,levandoemcontaquetal consolidaofoifrutodeanosdeformaodeconsensonasociedadecivil, embora o consenso ainda esteja em disputa. Ser visto, assim, como a sociedade civil um conceito usado por diferentes correntes de pensamento, atravessando osentidooriginriodeAntonioGramsci,queaindasefazatualparapensaros tempos atuais. Ahegemonianasociedadecivilcadavezmaismediadapelosmeiosde comunicao e novas tecnologias. Para um estudo crtico que aborde os principais problemasepotencialidadesdaatividadehumanadecomunicar,bemcomoda capacidadehumanadetransformaranaturezaparadesenvolverrecursos tcnicos, fundamental compreender o papel do Estado e das organizaes da sociedadecivil.Porisso,pretendemosestabelecerumaligaoentreesses conceitoseasprticasalternativasdecomunicao,queseinseremdentroda guerra de posies. A hegemonia na sociedade Civil Oconceitodesociedadeciviljfoiutilizado,aolongodotempo,emdiferentes aspectos,comumavariedadedesignificadoseconotaesideolgicas.De acordocomSeligman(apudAcanda,2006),seustrsusosfundamentaisso comosloganpoltico,comoconceitosociolgicoanalticooucomoconceito filosfico normativo. O primeiro, utilizado tanto por ideologias de esquerda quanto dedireita,fazrefernciaideiautpicadesalvaooureconstruodeuma sociedadeideal.Osegundo,atreladoaideiasdedemocraciaecidadania participativas, tem a finalidade de expor casos de organizaes especficas por vezesressaltandoanecessidadedacomunidadeecooperao,poroutras centrando-se no indivduo autnomo. O campo da Comunicao Comunitria faz muito uso da sociedade civil nesse sentido sociolgico (com realce a experincias decomunidadesecooperativismo).J oterceirousoseconstituidereflexes mais tericas no terreno das aes simblicas e formao de valores. SegundoAcanda,houveumretornodaideiadesociedadecivilapartirdo contexto poltico dos anos 1970, quando a ascenso liberal nos pases capitalistas desenvolvidosdefendiaaprivatizaodaeconomiaeumanfasesociedade civil em detrimento do Estado, ao mesmo tempo em que certos setores nos pases comunistasdoleste-europeurejeitavamumEstadoultracentralizador.Aofinal dessa dcada, a esquerda latino-americana tambm se apropriou do conceito na oposio s ditaduras-militares: seria uma "nova fora capaz de exigir do Estado nosomenteadiminuiodarepressocomomaiorresponsabilidadesocial" (ACANDA,2006:22).Emtodosessescasos,enfatizaoautor,humaraiz conceitualcomumdedicotomiaentreoEstado(entendidocomosociedade poltica) e Sociedade Civil. O que gera alguns problemas em sua aplicao. A sociedade civil, vista nessa dualidade, se resumiria a uma funo reguladora em substituio ao Estado, sendo o espao autnomo do no-poltico (ALEXANDER apud ACANDA, 2006). Isso se explica por uma crise poltica que foi se instaurando em grande parte dos pases depois da guerra fria, tanto de esquerda quanto de direita: "uma clara crise de identidade da poltica democrtica e das perplexidades que assolam os diferentes discursos ideolgicos" (Valespin, 1996: 4). Tambm foi ganhandonotoriedade,nesse contexto,omtododepensamentopositivista,de oposiesbinrias,coisificante,quecorroboraparatirardasociedadecivilseu aspectopoltico.Ouseja,sepretendemosbuscarumlugaridealsolidrioe humano e desacreditamos que se possa encontrar tal lugar no espao do poltico, estamosentodiantedadicotomiaEstadoxsociedadecivil.Eaindasurgea mxima:Opodercorrompe.Acandatambmpercebequehojejsefaza separaoemtrsdimenses:sociedadecivil(voluntriaevirtuosa),mercado (competitivo) e Estado (burocracia). De acordo com Meschkat (apud ACANDA, 2006: 40), o discurso da sociedade civil na Amrica Latina tende a fortalecer a ideologia dominante, em trs sentidos: a) SimplificaEstadoxSociedadeCivil,comosetudoquenodependadoEstado significasseumpassoemdireoemancipaosocial;b)Encobrealutade classes,opodereconmico,osmonoplios,ocapitaltransnacional,etc;c) Difunde o conceito vago e ambguo de Organizao No-Governamental (ONG), em que se diluem as enormes diferenas entre aquelas de compromisso real com asorganizaespopulareseasquenopromovemnenhumtipode transformao,apenascorroboramcomaordemjestabelecidaeretirama obrigao do Estado de arcar com o social. Por conta dessa noo a-histrica e a-poltica de sociedade civil que predominou nopensamentomoderno,houvecertorepdioporpartedetericossocialistas marxistasespecialmenteaquelesquevieramdasburocraciasnopoder,da antigaUnioSoviticaeoutrospasescomunistasdolesteeuropeu,osquais Acanda enquadra como marxistas dogmticos ou ps-marxistas exorcizando-a como fenmeno social objetivo- ao conceb-la como antagnica ao Estado e sociedadesocialista"(ACANDA,2006:20).Essarejeiotambmtrouxeuma limitao para que se pudesse fazer novas interpretaes do conceito e contribuir na construo do pensamento crtico. Dessa forma, a sociedade civil surgiu na modernidade com srias simplificaes que a impediram que se configurar como categoria que correspondesse s reais determinaes da sociedade. Penso que tudo isso nos permite afirmar estarmos diante de uma metfora, de uma ideia, e no diante de um conceito ou categoria... A intensificao do carter coisificado e alienante tantodosEstadosquantodomercadocapitalistafezo tradicionalproblemadarelaoentreindividuoesociedade serpropostocomooproblemadarelaoentreoindividuo com os poderes que estruturam a sociedade e a transforma numlugarhostil:opoderpolticoeopodereconmico. Surgiu,assim,anecessidadedeconceberumespao intermedirioentreessesdoispoderes,umaespciede "refgio" no qual o individuo possa encontrar proteo contra essas forcas que tudo tentam devorar. (ACANDA, 2006: 25-26) Apesar desse histrico, ainda se pode encontrar nas apropriaes de sociedade civil alguma teoria mais consistente e menos contraditria. De acordo com o autor, nosnovosmovimentosdelutapopularederesistnciaantiglobalizante,a referncia sociedade civil se baseia na compreenso da existncia, no interior do social, de uma interao orgnica entre o sistmico e o anti-sistmico. Essa relao dialtica a base da concepo do terico Antonio Gramsci. Reapropriaes de Gramsci para discutir hegemonia e sociedade civil A teoria gramsciana faz um estudo sobre novas determinaes do capitalismoem queohomem,suaculturae,consequentemente,osmeiosdecomunicaose inserem.Utilizando-acomofundamento,torna-sepossvelcompreendera realidadecotidianaemquediversastentativasdeseconstruircomunicao alternativaecomunitriaemergem.Ocientistapolticobuscoucompreender,no contextodops(2)-guerra,porquenohaviamuitarevoltacontraaviolenta ordemvigente,fazendo,ento,umaanlisesobreocapitalismoemsuafase monopolista.At1926seusestudosassimilaramideiasbsicasdeLnin.E, assim, em sua reflexo terica, Gramsci no entende o leninismo (e o marxismo em geral) como um conjunto de definies acabadas, mas como um mtodo para a descoberta de novas determinaes (ACANDA, 2006: 84). O Estado e Sociedade Civil foram conceitos alvo de uma intensa crtica por Marx e Engels, nosculoXIX.Elesdemonstravamrazes histricas dosurgimento dos Estados,maisespecificamenteocasodoEstadoburguscapitalista. Desmantelaram a noo de pacto (como j vimos em Hobbes), mostrando que o Estadocorresponde,naverdade,necessidadedeclassessociaisdominantes assegurarem a reproduo de sua dominao. Assim, a separao entre Estado e sociedade seria falsa: ao contrrio, o Estado resultaria da relao entre classes sociais e, portanto, esta seria sua razo de ser. Deacordocomeles,aaparnciadeseparaofoilegitimadaereforadapor filsofosquesustentavamaburguesiaemascenso(principalmenteapartirda revoluofrancesa),chegandoasetornarsensocomum.Poressemotivotal lgica de pensamento considerada por eles uma ideologia. Ao fazer a separao dessasinstncias,sejustificaeselegitimaaperpetuaodessaformade organizaodavidasocial,comoseEstadoesociedadecivilfossementidades comvidaprpriaenaturalmentenecessrias(estafoiadefesaideolgicado Estado absolutista por Hobbes). Acandaobservaque,mesmodepoisdetaisformulaes,grandepartedos estudiososmarxistassecentrouapenasnacrticaaoEstado,masignorarama sociedade civil. Para ele: bemverdadeque,duranteossetentaanosdesua existnciacomoideologiaespecfica,odogmacriadopelos rgosoficiaisdeproduo,difusoeensinodomarxismo nos pases de 'socialismo real' inicialmente ignorou e depois rejeitou esse termo como fez com o conceito de alienao eprocurouocultarsuaimportncianahistriado desenvolvimentodopensamentomarxianoemarxista.Mas isso no justifica deixar de lado a obra de Antonio Gramsci, quecolocouoconceitoeaquestodaSociedadeCivilno centro de sua reflexo terica. (ACANDA, 2006: 30) Emseuperododeprisonoregimefascistaitaliano(19261937),Gramsci reinterpretou, assim, a sociedade civil de acordo com as bases crticas lanadas por esses primeiros autores. Para ele, a sociedade um momento integrante da totalidade,nointeriordeumEstadoampliado.Suasreflexespartiramdo momento em que o Estado capitalista desenvolvido incorporava em seus direitos as conquistas das lutas populares, ainda que no perdesse sua dominao sobre ela (isso seria a socializao da poltica). Surgeentooconceitode aparelhosprivadosdehegemoniaasformas concretasdeorganizaesnasociedadecivil:visesdemundo,conscincia, sociabilidade e cultura, conforme determinados interesses. Da mesma forma que o Estado,asociedadecivilexpressaascontradieseosconsensosfeitosentre fraesdaclassedominante,enquantotambmnelaseorganizamasluta populares. ParaGramsci(2011),ondehEstadoampliado,hmaisestratgiasde convencimento,masnoseexcluiacoero.Asociedadecivilentracomo mediadoradomomentopredominantementeconsensualdoEstado,atravsde entidadesassociativasosaparelhosprivadosdehegemoniaquetambm facilitamaocupaodepostosnoEstadoemsentidoestrito(burocrtico), influenciando as suas leis, sua agenda polticae tambm as medidas de coero. O fato de que um Estado seja mais hegemnico-consensual emenosditatorial,ouvice-versa,dependedaautonomia relativadasesferassuperestruturais,dapredominnciade umaoudeoutra,predominnciaeautonomiaque,porsua vez,dependemnoapenasdograudesocializaoda poltica alcanado pela sociedade em questo, mas tambm dacorrelaodeforasentreasclassessociaisque disputam entre si a supremacia. (COUTINHO, 2007: 131) Dessa forma, o Estado est presente dentro e fora das entidades governamentais. Gramsciconsideravaqueosjornaistinhampapeldepartidospolticos,oque podemosestenderhojeaosmeiosdecomunicaomaisvariadospossveis. Assim,sedirigeeseorganizaumconsentimento,quecomeanasfraesda classedominanteepodeserabsorvidopelasclassessubalternasdase resultam certos valores e opinies como senso comum. Os dissensos tendem a serocultadosousimplificados.Nessesentido,osmeiosdecomunicao,que trabalham com o discurso e possuem tecnologias de alto poder de alcance, so instrumentos importantes para homogeneizar o pensamento. Guerra de Posies e o papel da comunicao Opensamentogramscianopropequeaconquistadopodernassociedades atuaisfeitagradualmente,sendoprecedidaporumalongaguerrapela hegemonia, j que o consenso necessrio, atravs das entidades da sociedade civil. Para ele, essa dinmica s mudaria a partir do momento em que houvesse umareabsorodasociedadepolticanasociedadecivil,desaparecendo progressivamente os mecanismos de coero e as burocracias do Estado que passaasertico.Paraele,adivisoentregovernantesegovernadosat necessriaemdeterminadonveldedesenvolvimentosocial,pormnocomo umaperptuadivisodognerohumano,masapenascomoumfatohistrico, correspondente a certas condies (COUTINHO, 2007: 138). Gramsci tambm criticou a construo stalinista do socialismo, e toda a linha da Internacional Comunista de 1929 a 1943, que pressupe ser iminente o colapso docapitalismoeacriseparahaverumataquefrontalentreasclassessociais. Esse ataque o que Gramsci chama de Guerra de movimento. Ele no descarta essapossibilidadeemalgunscontextos,masnocasodoEstadoampliadoa disputa necessria a pelo consenso, a da Guerra de posio. Portanto, na guerra de posio que atravessa uma crise de hegemonia,preparando-aoudando-lheprogressivamente soluo, no h lugar para a espera messinica do grande dia,paraapassividadeespontanestaquecontacomdesencadeamentodeumaexplosodetipocatastrfico como condio para o assalto ao poder (COUTINHO, 2007: 155). Suaconcepodecrisenessasituaodeumacriseorgnica,quevaise instaurando na medida em que a dominao j no consegue mais se fazer por consenso,precisandodoapeloexclusivodacoero.Pararesolveressacrise, segundoele,precisoenvolvergrandesmassasnasoluodeseusprprios problemas,lutandocotidianamenteporconquistarespaoseposiesdemodo que a estrutura tambm se transforme: necessrio aumentar nossa capacidade de fazer poltica. Osaparelhosprivadosdehegemoniadasociedadecivil,umavezquenoso todos de domnio exclusivo da classe dominante, tambm podem ter o objetivo de desconstruir dada hegemonia, de promover uma real transformao. Na guerra de posio, os aparelhos reconhecidamente atuantes por uma transformao social soconsideradoscontra-hegemnicos.Vamosaquinosaprofundarnaquesto dos meios de comunicao, que, quando apropriados pelas classe dominadas na medida em que ocupam espaos passam a ser potencialmente instrumentos transformadores (e no mais geradores de consenso). Umalutacontra-hegemnicareconhecidanacomunicaobrasileirao movimento das rdios comunitrias, desde os anos 1970. Segundo Cicilia Peruzzo (2006), essas rdios nem sempre surgem com carter poltico definido, sendo por vezes criadas to somente devido ao gosto pela tcnica da radiodifuso. A autora considera, no entanto, que as rdios comunitrias so por si mesmas um protesto contraaformadehegemoniadacomunicaodemassanopas.a concretizaodavontade(implcita,emalgunscasos)dedemocratizaoda comunicao,davontadedeefetivarodireitoliberdadedeexpresso.Nesse sentido,interessanteobservarqueessesveculosalternativossurgiramno perododaditaduramilitar,quandoacomunicaoeraexplicitamenteno democratizada. Masnecessriosalientarqueessacontra-hegemonianopressupe, necessariamente,queaComunicaoComunitriatenhaoptadocomometao alcancedadominao,asubstituiodosgruposnopoder,formandosuas prprias redes de oligoplio. Aradicalidadedoquepodeseconfigurarcomocontra-hegemnico talvez resida no fato de no se desejar nunca o lugar de sujeito hegemnico, no fato de a contra-hegemonia se orientar por uma razo fundamental que se configure de modo contrrio e oposto hegemonia. uma contraposio quepodeviracompanhadadeaeseatuaesno cotidiano,quepodeedeveviracompanhadadeuma reflexocontundentesobreostatusquo,eque, necessariamente, vem harmonizada com o desejo de recusa da situao dominante. (PAIVA in COUTINHO, 2008: 165). Com a reabertura poltica e a nova perspectiva do Brasil como pas democrtico, astentativasdesefazerumacomunicaoalternativasemultiplicaram.Na prtica,aComunicaoComunitriaporvezesincorporaconceitosereproduz prticastipicamentedacomunicaopopularemsuafaseoriginale,portanto, confunde-se com ela, mas ao mesmo tempo outros vieses vo se configurando (PERUZZO, 2006: 6). Os pequenos meios que comearam a surgir desde ento nem sempre possuram algum carter comunitrio conceituado filosoficamente. Paiva (2003) traz o dado dequemuitasdessasrdiosnoRiodeJ aneironasceramsobinflunciade polticos,daIgrejaCatlica,ouporexperinciasindividuais. Seguindoamesma lgicadasgrandescorporaes,algunsdessesveculospodemseconfigurar como mdia local, definida por Cicilia Peruzzo (2006) como um tipo de mdia que teria um propsito na oportunidade lucrativa que o local apresenta, na explorao de nichos de mercado. As rdios comunitrias s passaram a se chamar assim em 1995, na ocasio de realizaodoIEncontroNacionaldeRdiosLivresComunitrias(PERUZZO, 1998:256).Elassediferenciamderdiosilegaisdecartercomercial:Seriam aquelasque,tendocomofinalidadeprimordialservircomunidade,podem contribuirefetivamenteparaodesenvolvimentosocialeaconstruoda cidadania (PERUZZO, 1998, p. 253). Portanto interessante compreender, ao se estudaressesmeiosalternativos,quesuacondionoest,apriori, salvaguardada da mesma lgica comercial que rege os meios hegemnicos. Levando-seemcontaessasquestes,estudarocartercontra-hegemnicoe outrasdiferentescaractersticasdosveculosdeComunicaoComunitria significa reconhecer seu papel dentro da sociedade civil, papel que se constitui em uma lgica outra que promove cotidianamente a possibilidade de um fazer poltico rumoatransformaes,bemcomosuscitaotempotodoriscosinerentesao contexto no qual a comunicao veio se constituindo. A Lei: hegemonia na forma de burocracia do Estado EnquantoaComunicaoComunitriavemganhandoespaonaguerrade posies,ahegemoniadosmeiosdecomunicaodegrandecirculao mantida,mesmoquandohcrisesdelegitimidadedeseuscontedos,pelas formasdeburocraciaecoerodoEstado.Asleisvigentes,oMinistriodas comunicaes, bem como as secretarias de comunicao, exemplificam bem isso. SegundoEsposito,aleiantecederiatodoocontextodasociedade.Ela,em primeira instncia, seria expresso da vontade geral e do Imperativo Categrico, de Kant tudo o que um indivduo deseja para si s se torna vlido se puder ser concretizado para todos ao mesmo tempo. Nesse sentido, a lei teria relao ntima com oesprito comunitrio: esteopressuposto implcitodeRosseau, aoque Kant brinda plena conscincia terica: o carter constitutivamente comunitrio do pensamento (ESPOSITO, 2003: 113). A lei, para ele, prescreve a comunidade. Sua linha de pensamento tem razes no existencialismo de Heidegger, afirmando quevivemosemcomunidadeantesmesmodenosdefinirmoscomopessoa.A comunidade e a lei estariam direcionadas mesma causa unificadora de agregar vontadesindividuaisemumavontadecomumquenenhumindivduopode produzir.NaprticaessaideiaspodeseconjecturarcomoinciodoEstado jurdicoquederivadafora,coerosefundaodireitopblico.(ESPOSITO, 2003: 125). Naprtica,tambmseriaperigosouniracomunidadepolticaealeijurdica (Estado)comacomunidadetica(quepodeseraproximada,paraviasde comparao, concepo gramsciana de Estado tico aquele no processo de ser absorvido na sociedade civil). Pode-se identificar, portanto, uma separao e impossibilidade de juno da poltica com o ser-em-comum que a poltica no , nem poder ser nunca (ESPOSITO, 2003: 127). Em suas palavras: certo que, em um plano puramente hipottico, a comunidade tica poderia estar inclusive em meiocomunidadepoltica,masacomunidadepolticanopodeobrigaros cidadosaingressarnacomunidadetica,ariscodarunadeambas (ESPOSITO,2003:126).interessanteobservarque,justamenteaquiloque Gramsci aponta como possibilidade para a transformao e superao da ordem, o que Esposito (baseado em Kant) considera invivel. Masoqueacontra-hegemoniaeosdebatespromovidospelaComunicao Comunitria, que no um fortalecimento do ser-em-comum, de uma comunidade tica que luta por seus direitos? Se esse esprito de luta no pudesse vincular-se (comojsevincula)comunidadepolticaesleis,seriaapenasuma idealizaoinalcanvel.Maselevememergindodocotidiano,davidaem territrio,emfavelas,etemganhadocadavezmaisnotoriedadeeinserona agendapolticapelademocratizaodacomunicao.Ascontradiesdas comunidades tica e poltica (da sociedade civil e do Estado) j resultam agora na criseestruturaldocapitalismo,portanto,ofatodeoscidadosingressaremna comunidade tica no uma opo ou imposio de risco, mas uma condio de sobrevivncia. Alguns dados sobre a legislao brasileira de comunicao No Brasil, de acordo com o que define o Cdigo Brasileiro de Telecomunicaes (Lein4.117)criadonoperododeditaduramilitar,qualquerorganizaoque pretendaadministrarumafrequnciaderdio(radiodifusodesom)oude televiso(radiodifusodesomeimagem)precisadaautorizao(outorga)do Estado. Porm, a concesso dessas frequncias no depende de edital pblico: a responsabilidadepelogerenciamentodoespectroderadiodifusonopasda Agncia Nacional de Telecomunicaes (Anatel). Ela , portanto, responsvel por selecionar quem deve ou no ter o poder de administrar um meio de comunicao utilizandoaradiodifuso.Asconcessestmvalidadede10(rdio)e15(TV) anos. Hconsideraessobreoriscodeformaodemonoplioouoligopliodos meios.Odecreton236,de1967,impede,emteoria,quehajademasiada concentraodeveculosdecomunicaonopas,determinandoqueuma mesma entidade tenha permisso para administrar, no mximo: (a) dez estaes derdio,quandolocais(sendoatquatroemondasmdiaseatseisem frequnciamodulada);(b)seisestaesderdio,sendoatduasporestado, quandoregionais;(c)quatroestaesderdio,quandonacionais.Noso computadas,noentanto,asestaesretransmissorasdecontedo.Comisso, observa-sequeumamesmaempresapodedetergrandenmerodeemissoras retransmitindoseucontedocomfacilidade1.Nombitodateleviso,temoso caso da Rede Globo: Entre 1965 e 2000, o grupo passou de detentor de uma nica concessodeteleviso,noRiodeJ aneiro,para11 emissorasnoestadodeSoPaulo(28%dasconcesses), oitonoParan (33%),sete em Minas (35%),quatronoRio de J aneiro (29%), uma em Braslia e outra em Recife, o que a coloca na condio de quarta maior rede de TV do mundo atrsapenasdastrsgrandesnorte-americanas(ABC, CBS e NBC). (BAYMA, 2001: 149) 1 Uma mesma empresa pode produzir contedo somente no estado onde fica sua sede, se assim desejar estado para o qual foi concedida a autorizao de uso do espectro. Porm, a mesma empresa pode retransmitir esse contedo a nvel nacional por meio de emissoras afiliadas. Isso se torna possvel atravs das lacunas e contradies da lei. A Globo tambm gere frequncias de rdio, canais de TV por assinatura, jornais e revistas. Isso quer dizer que a informao que chega at a quase totalidade da populao brasileira hoje produzida por um pequeno grupo de pessoas, representantes de uma mesma classe social, e que possuem como objetivo principal a grande venda de seus produtos (podendo deixar de contemplar um contedo com enfoque em educao, formao poltica e cidad). Apesar de tal panorama, no mbito da constituio federal o direito liberdade de opinioeexpressonodizrespeitosomenteaoemissornoprocesso comunicacional: qualquer cidado possui tanto o direito ao acesso informao quantoaodecomunicar(ConstituioFederal,artigo220).AComunicao Comunitria o momento em que isso compreendido como o direito do cidado de produzir sua prpria mensagem. O lugar da Comunicao Comunitria nas leis Em1998foiaprovadaepublicadanoDirioOficialdaUnioumaleique possibilitavaquerdioscomunitriasnoprecisassemmaisseesconderna ilegalidade(Lein9.612).Oservioderadiodifusocomunitria,agora,se diferenciadaqueleprestadopelasgrandesempresasdecomunicao,tendo regras diferentes da radiodifuso comercial. Teriasidoumgrandeavano,sealeinotrouxessemaisentravesdoque benefcios atuao das rdios. A lei s permite que exista uma rdio comunitria porbairroequeseualcancecheguea,nomximo,1kmderaio.Tambmfica proibidaapublicidadelocal:apenasanotificaodeapoioculturalpodeser inserida na rdio, sem nenhuma especificidade sobre a atividade do anunciante, qualoservioousualocalizao,oquedificultaoprprioautossustentodo veculo. Compreende-sequeummeiocomunitrionopodeser regido nem por atividades comerciais nem pela propagao das mesmas, ainda que as atividades comerciais pertenam aoterritriooulocalidadeemquesto.Talpensamentofoi assimiladocomoverdadeindiscutveltantoporquem trabalhouparaseualastramento,comopelosprprios moradoresdoslugaresondeosmeioscomunitriosforam iniciados,que,porconseguinte,passaramaserosmais prejudicados com a absoro dessa ideia fabricada. Em vista disso,aceitarumapublicidade,mesmoquelocal(desdea produo veiculao), passou a ser o mesmo que trair um ideal,almdeconfigurarumcrime,umavezqueinsero publicitrianasveiculaescomunitriasviolaaleipenal. (SALDANHA, 2012: 6-7) PublicidadeouPropaganda,nostermosdoart.2doDec.n57.690/66, qualquerformaremuneradadedifusodeideias,mercadorias,produtosou serviosporpartedeumanuncianteidentificado.Mesmonasdiferenas etimolgicasconcernentesacadaumdostermos,paraaburocraciaouparao discursodasociedadecivilnohdistines.Comoalternativalimitao imposta,aComunicaoComunitriapoderiainstituirumconceitoprpriode publicidade ou de propaganda para utiliz-las a seu favor sem infringir a lei. Essa situaogerariaumquestionamento:seesseconceitoseinstituirdeformaa alcanar o consenso da sociedade civil, como a lei poderia continuar utilizando os mesmos termos e legitimandoargumentos para a sua coero? De acordo com Peruzzo:Arestriosinserespublicitriasumaformade dificultar o desenvolvimento dos canais pblicos, habilmente includapelolobbydagrandemdiaprivada,evitandouma possvel concorrncia com os canais em poder da iniciativa privada. (PERUZZO, 2007: 63) A coero realmente ainda ocorre bastante com as rdios comunitrias. Em caso de qualquer ilegalidade, a Polcia Federal e a ANATEL possuem aval para invadir o local de produo da rdio, indiciar seus responsveis e confiscar os aparelhos. Porm,jnocasodeoutrosmeioscomunitriosquenoseutilizemda radiodifuso, no h regulamentao alguma na lei. De qualquer forma, o discurso hegemnicojpossibilitouomesmoconsensodequequandooveculono possui fins lucrativos, no se pode pensar em publicidade. Peruzzo defende que a forma ideal de sustento de um veculo comunitrio se daria pormeioderecursosdefundospblicos,principalmentenocasodateleviso. Esseentendimentoprovmdaobservaodequeestetipodecomunicao possui essencialmente carter pblico: A Comunicao Comunitria se caracteriza por processos de comunicaobaseadosemprincpiospblicos,taiscomo noterfinslucrativos,propiciaraparticipaoativada populao, ter propriedade coletiva e difundir contedos com a finalidade de educao, cultura e ampliao da cidadania. (PERUZZO, 2006: 09) Porm, como o caso de veculos como rdios e jornais demandam menor volume derecursosqueateleviso,autorareiteraqueasassociaespodemdefinir outroscritriosdearrecadaotaiscomofestas,rifas,doaes,trabalho voluntrio,projetossociais,recursosdasprpriasONGs,apoiocultural, publicidadelocal,prestaodeservios,etc.(PERUZZO,2007:65).Portanto, diversasformasdepublicidadenosentidodetornarpblico,dedivulgare propagar ideias estariam dentro desse espectro. So essas algumas caractersticas que nos permitem afirmar que a lei veio para dificultar a atuao das rdios comunitrias e, consequentemente, de veculos de comunicaocomunitrianogeral.Aocontrriodoqueseesperavadeumalei reguladora,eladificultaaindamaisoacessoaodireitoconstitucionalde comunicar. Porm, apesar da profunda desigualdade de direitos na comunicao e do desrespeito a princpios universais terem uma razo poltica dentro da Guerra de Posies, h equvocos nas formulaes e aplicaes das leis brasileiras que acabam por permitir aquilo que se probe. Consideraes Finais Sabendo-sequeosmeiosdecomunicaosoimportantesformadorese mediadores de sentido, os conflitos existentes em uma luta pelo poder (e direito) dafalaseencaixamdentrodaconcepodeGramscidesociedadecivil.Os meios de comunicao funcionam como aparelhos privados de hegemonia, e, no Brasil,aconcentraodessesmeiosemmosdepoucosconglomerados comerciais,comvantagensdentrodalegislaoedasaescoercitivas, demonstra a dificuldade de se estabelecer uma resposta contra-hegemnica dos grupos desfavorecidos. Porm, as tentativas tm-se multiplicado, configurando um importante movimento de multiplicao de vozes e resistncias, numa Guerra de Posio. Ao mesmo tempo em que se batalha no campo das ideologias e do consenso da sociedade civil, tambm possvel perceber uma luta comunitria incorporada na prpriaburocraciadoEstado,quejsancionounovasleis,javanouej retrocedeuemdireoaoEstadotico.Portanto,aindahumasriede contradieselacunasquepodemserocupadaspelomovimentoda ComunicaoComunitrianoalcancedesuaplenarealizao,ouseja,desua repleta dissoluo no que pode vir a significar comunicao social. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS Acanda,J .L.(2006).SociedadeCivileHegemonia.RiodeJ aneiro:Editorada Universidade Federal do Rio de J aneiro. Bayma,I.F.deC.(2001,set.).Aconcentraodapropriedadedemeiosde comunicaoeocoronelismoeletrniconoBrasil.In:RevistaElectrnica InternacionaldeEconomadelasTecnologasdelaInformacinydela Comunicacin(Eptic),pp.140-171.Acessoem:3dejaneirode2014 Disponvel em:http://www.eptic.com.br/arquivos/Revistas/Vol.III,n.3,2001/EPTIC-III-3.pdf.Coutinho, C. N. (2007). Gramsci:umestudosobreseupensamentopoltico. 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