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COMPREENDENDO E VIVENDO O SENTIDO DAS PALAVRAS

Luzia de Lourdes Moriggi1

Carlos da Silva2

RESUMO

Este artigo apresenta uma pesquisa de estudos embasados numa metodologia didático- pedagógica de ação-reflexão-ação, que teve como objetivo inserir o educando em atividades que o levassem a refletir sobre o efeito de sentido produzido pela palavra em seu contexto. O projeto inicial fez parte do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), e foi desenvolvido com alunos do Ensino Fundamental e Médio do CEEBJA de Paranavaí. A pesquisa teve o propósito de elaborar um material didático-pedagógico fundamentado teoricamente em leituras sobre a linguagem figurada. A prática foi desenvolvida em várias etapas, com análises em trechos de poemas de autores diversos, provérbios e trechos de discursos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, observando a linguagem figurada empregada na formalidade da língua e aplicada na comunicação diária. Os resultados obtidos foram satisfatórios, podendo ser comprovados com atividades que confirmam o despertar para o reconhecimento da palavra na ação dinâmica, e articulada na comunicação social.

Palavras-chave: Linguagem figurada. Figuras de linguagem. Aplicabilidade.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo é resultado de um projeto que teve como propósito o

aprofundamento dos sentidos da palavra presente na comunicação social. Como

ponto de partida, a linguagem figurada foi observada na comunicação diária para 1 Professora da rede Pública Estadual / Núcleo Regional de Paranavaí-PR, Licenciada em Letras. Professora do

Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE.

2Professor Orientador do PDE e Docente do Curso de Letras da UNESPAR – Campus de Paranavaí – PR. Mestre

em Teoria da Literatura e Literatura Comparada.

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desenvolver uma proposta pedagógica de ação-reflexão-ação, na qual o educando

foi inserido e que o efeito do sentido da palavra foi o foco central no uso da

linguagem no dia a dia.

Esta proposta, partindo de uma das metas do Programa de Desenvolvimento

Educacional – PDE, da Secretaria de Estado de Educação – SEED – PR,

desenvolvida no CEEBJA de Paranavaí, objetivou, portanto, possibilitar ao educando

o contato com uma prática discursiva, em que o sentido da mensagem está centrado

na linguagem figurada não somente de forma estática, geralmente exemplificada nos

livros didáticos ou nos manuais de teorias, mas de uma forma dinâmica,

particularmente quando utilizada nos discursos do ex-Presidente da República, Luiz

Inácio Lula da Silva, foco dos trabalhos realizados junto aos educandos.

Durante 17 anos atuando como professora de Língua Portuguesa no

CEEBJA de Paranavaí, foi possível perceber que o aluno ao ingressar na referida

disciplina apresenta uma acentuada dificuldade para compreender a linguagem

figurada empregada de maneira geral como processo de comunicação.

Essa dificuldade é considerada significativa para uma Escola de EJA, cujo

alunado é o trabalhador que está às portas do mercado do trabalho, ou que já está

inserido nele, como profissional que necessita de autonomia da leitura para se

conduzir com eficiência em suas atividades profissionais.

Reconhecendo que o entendimento de leitura é pilar para o crescimento

pessoal e acadêmico do aluno, faz-se necessário aprimorar essa habilidade a fim de

que ele atinja uma aprendizagem ampla e significativa na ação de interpretar as

palavras, uma vez que levar o aluno a superar seus limites e agir com autonomia de

leitura é um dos objetivos apresentados pela disciplina de Língua Portuguesa e

como centro do ensino da língua materna referendado pelas DCEs do Estado do

Paraná.

O problema da compreensão da leitura parece localizar-se na dificuldade

que os alunos têm de ultrapassar a lógica do escrito, limitando o entendimento

apenas ao que está dito. Assim, a compreensão do texto não consegue atingir o

segundo nível que ele propõe, qual seja a compreensão advinda de um processo de

abstração proposta pelo discurso implícito.

Sendo assim, fica evidente a necessidade de levar o aluno a compreender a

leitura além da decodificação da palavra, de forma que a elaboração do pensamento

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seja construída buscando uma interpretação em que os diversos sentidos da palavra

utilizada num determinado contexto sejam reconhecidos.

A pesquisa teve o propósito de elaborar um material didático-pedagógico

para o aluno, fundamentado nas leituras realizadas de teóricos que abordam a

questão da linguagem figurada. A prática foi aplicada em várias etapas: iniciando

com análises poemas e textos de diversos escritores e também poemas da autora

Helena Kolody, de outros autores e provérbios, observando o sentido da simbologia

na aplicabilidade formal da língua. Posteriormente, análises de discursos

pronunciados pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, observando o uso da

simbologia empregada por ele em sua prática discursiva, especialmente na sua

improvisação que se utiliza de recursos do coloquialismo, recheados de situações

discursivas provenientes do conhecimento popular.

Dessa forma, a existência deste artigo fundamenta-se na necessidade de

conduzir o aluno ao reconhecimento da funcionalidade do uso das palavras em um

determinado contexto de comunicação, explorando suas potencialidades de sentido.

2 DESENVOLVIMENTO

Cumpre reconhecer que a palavra é indissociável da vida do homem, e

revela-se como geradora do pensamento e do conhecimento humanos desde seus

primórdios, dada a função de revelar elementos implícitos por trás dos discursos

humanos, carregados de ideologias. Quanto a isso, Bakhtin afirma:

As influências extratextuais têm uma importância especial nas primeiras fases da evolução do homem. Essas influências se envolvem na palavra (ou noutros signos) e tal palavra é a dos outros e, acima de tudo, a da mãe. Depois disso, a “palavra do outro” se transforma, dialogicamente, para tornar-se “palavra pessoal-alheia” com a ajuda de outras “palavra do outro,” e depois a palavra pessoal {...] (BAKHTIN, 1997, p .405).

Assim sendo, a palavra cumpre sua trajetória permeando a comunicação

diária entre os homens, dando vida aos discursos ela vai cumprindo sua função

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social na sociedade letrada. Ao longo da história, a humanidade vive e pensa de

formas diferentes, passando assim por grandes transformações, e o mesmo

processo acontece com a palavra. A velocidade com que as informações são

veiculadas pelos meios de comunicação reduzem o seu real valor de sentidos

específicos.

No sentido de atribuir definições à leitura da palavra, vale lembrar a

importância deste questionamento de uma educadora, ao afirmar que “O que move

o mundo são as idéias e quem não sabe o poder das palavras que expressam essas

idéias”? (GROSSI, 2000, p. 40). Essa indagação requer uma prática educativa

embasada numa ação dinâmica e de inquietação diante da realidade presente nas

escolas, ela também traz em si um significado de responsabilidade da prática

pedagógica em desenvolver habilidades que levem o aluno à autonomia de leitura,

reconhecendo as palavras como expressão do pensamento e apropriando-se da

pluralidade de seus sentidos..

A palavra, uma vez articulada, estabelece um vínculo entre sujeito e

realidade, não pode mais ser vista ou comparada com algo estático, mas sim,

dinâmico, e associada a um sentido, está comprometida em suas relações com o

contexto a que se refere e vem recheada de intenções de quem a proferiu.

Comparando a fala dos teóricos sobre a prática da leitura, percebe-se que

há grandes preocupações entre eles. Koch (2010) faz um estudo bem aprofundado

nesse assunto e apresenta importantes constatações ao afirmar que a leitura só faz

sentido na interação autor-texto-leitor, e reconhece que a escola deve cumprir sua

função de formar leitores competentes que sejam promovidos na sociedade através

do acesso à cultura e, para tanto, lança vários questionamentos no sentido de

esclarecer o que se pretende com o ato da leitura: O que é ler? Para que ler? Como

ler?

Os modos para responder a essas perguntas definem a concepção de leitura

que se adota. A autora os define em três focos: no autor, no texto e na interação

autor-texto-leitor, quando reconhece que a realização da leitura só ocorre na

interação entre texto e leitor, Koch afirma:

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Diferentemente das concepções anteriores, na concepção interacional (dialógica) da língua, os sujeitos são vistos como atores/construtores sociais, sujeitos ativos que – dialogicamente – se constroem e são construídos no texto, considerando o próprio lugar da interação e da constituição dos interlocutores. Desse modo, há lugar, no texto, para toda uma gama de implícitos, dos mais variados tipos, somente detectáveis quando se tem, como pano de fundo, o contexto sociocognitivo dos participantes da interação. Nessa perspectiva, o sentido de um texto é construído na interação texto-sujeitos e não algo que preexista a essa interação. A leitura é, pois, uma atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos, que se realiza evidentemente com base nos elementos lingüísticos presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas requer a mobilização de um vasto conjunto de saberes no interior do evento cognitivo (KOCH; ELIAS, 2010, p.11).

Sendo a palavra geradora de novos processos de conhecimentos, deve-se

considerar que leitura e prática são aliadas num processo dinâmico e constante.

Nesse sentido, Grossi (2000) também alertou para os cuidados necessários que a

escola deve ter na formação do aluno agindo como sujeito capacitado para agir na

sociedade, uma vez que o leitor não pode ser mais o mesmo, tendo realizado o ato

da leitura:

Uma aprendizagem não é transformadora quando ela somente instrumentaliza teoricamente de forma desvinculada com a prática. Um produto de aprendizagem não é transformador quando ele ilustra, sem mover quem aprende a incorporar nova postura existencial ou nova capacitação prática (GROSSI, 2000, p. 117).

Utilizando-se da linguagem simbólica, no sentido de exemplificar o efeito que

a leitura provoca no leitor, Lajolo (2008), ao analisar o poema “Tecendo a manhã”,

de João Cabral de Melo Neto, compara os galos que tecem a manhã com os leitores

que tecem o significado dos textos (atos e ações vividas no cotidiano, ensinamentos

de pais para filhos). “Tecendo a manhã”, conota artesanato, solidariedade e diálogo

(vivência do dia a dia, exemplos), uma vez que a tecelagem é uma prática antiga de

entrelaçar tecidos, histórica e enriquecida com o conhecimento passado de geração

a geração, ficando o subjetivismo em cada ação realizada. A tecelagem trabalha

com o fio para a sua construção, e a leitura com a palavra e, dessa forma, ambas

produzem um efeito de sobrevivência. Assim, a autora compara:

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Como a manhã, que no poema de João Cabral se perfazia pelo entrelaçamento do canto de muitos galos, também a leitura, principalmente a literária, parece constituir um tecido ao mesmo tempo individual e coletivo. Cada leitor, na individualidade de sua vida, vai entrelaçando o significado pessoal de suas leituras com os vários significados que, ao longo da história de um texto, este foi acumulando. Cada leitor tem a história de suas leituras, cada texto, a história das suas. Leitor maduro é aquele que, em contato com o texto novo, faz convergir para o significado deste o significado de todos os textos que leu. E, conhecedor das interpretações que um texto já recebeu, é livre para aceitá-las, ou recusá-las, e capaz de sobrepor a elas a interpretação que nasce de seu diálogo com o texto. Em resumo, o significado de um novo texto, afasta, afeta e redimensiona o significado de todos os outros (LAJOLO, 2008, p.106-107).

Complementando o que foi dito, Lajolo chama atenção para a desigualdade

social, causada pela cultura do “ter,” e atenta para a necessidade de se desenvolver

habilidades de leitura que atinjam toda camada social, principalmente aqueles que

ocupam os bancos escolares:

Numa sociedade como a nossa, em que a divisão de bens, de rendas e de lucros é tão desigual, não se estranha que desigualdade similar presida também à distribuição de bens culturais, já que a participação em boa parte destes últimos é mediada pela leitura, habilidade que não está ao alcance de todos, nem mesmo de todos aqueles que foram à escola (LAJOLO, 2008, p.106).

Diante do contínuo movimento do processo de crescimento que a sociedade

vive, é necessário ampliar o universo de informações através da leitura, ofertando ao

aluno conhecimentos que o instrumentalizem com diferentes fontes de informação

para agir como parte integrante e transformadora desse processo de modernização

que se apresenta cada vez mais exigente. Quanto a isso, observe-se o que afirma

Bordini:

A socialização do indivíduo se faz, para além dos contatos pessoais, também através da leitura, quando ele se defronta com produções significantes provenientes de outros indivíduos, por meio do código comum da linguagem escrita. No diálogo que então se estabelece o sujeito obriga-se a descobrir sentidos e tomar posições, o que o abre para o outro (BORDINI, 1993, p.10).

A linguagem está ligada ao homem desde seu nascimento, quando ele já

tem a necessidade de se expressar e é através dessa linguagem que o ensino de

Língua Portuguesa busca encaminhamentos que privilegiem o processo de

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aprimoramento da língua materna, levando em conta o contexto histórico do aluno

para que ele sinta-se envolvido como sujeito nesse processo e possa interagir com

os discursos que o cercam. Ainda conforme Bordini:

É através da linguagem que o homem se reconhece como humano, pois pode se comunicar com os outros homens e trocar experiências. Existe, porém, uma condição prévia para a manifestação da linguagem: é preciso haver um grupo, no qual o sujeito se confronte com o conjunto e se perceba como indivíduo. É, portanto, na convivência social que nascem as linguagens, conforme as necessidades de intercâmbio (BORDINI, 1993, p. 9).

Ainda com relação à linguagem, estudos científicos sobre o funcionamento

do cérebro humano e de outros animais não definem mais o homem como único

animal racional. Experiências em laboratório confirmam diferentes níveis de

capacidade de raciocínio com outras espécies, confirmando que esses seres

também se comunicam através da linguagem. Porém, o diferencial entre essas

linguagens é que a humana é articulada, compete assim somente ao homem

apresentar sentido entre os sujeitos, o que é considerado o divisor entre o mundo

humano e o animal. Dessa forma, não basta que essas manifestações significativas

se restrinjam apenas no nível da oralidade, elas precisam ser transmitidas e

perpetuadas porque a capacidade humana precisa expandir, ter conquistas e

crescer. Ao tratar desse assunto, Ana Maria Machado afirma:

A marca do humano está numa transmissão de experiências muito mais complexa, capaz de atingir quem vive muito longe ou ainda não nasceu. (...) Por isso, para crescer a humanidade necessitou da escrita, capaz de fixar a memória e empurrá-la para mais adiante e para mais distante, por sua vez estimulando que as descobertas seguintes pudessem encontrar parte do caminho já caminhado, e não necessitarem refazer novamente todo o processo de tentativas de erros já percorridos por outros seres da mesma espécie (MACHADO, 2007, p.133).

A capacidade do homem não está apenas em fazer uso da linguagem para a

sua comunicação diária, mas por apresentar a lógica da consciência, assim como

define Bakhtin:

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A lógica da consciência é a lógica da comunicação ideológica, da interação semiótica de um grupo social. Se privarmos a consciência de seu conteúdo semiótico e ideológico, não sobra nada. A imagem, a palavra, o gesto significante, etc. constituem seu único abrigo. Fora desse material, há apenas o simples ato fisiológico, não esclarecido pela consciência, desprovido do sentido que os signos lhe conferem (BAKHTIN, 2009, p.36).

Partindo assim dessas afirmações, entende-se que está centrado na palavra

todo poder das ideologias presentes na comunicação semiótica, portanto é através

dessa palavra que se ampliam os horizontes da criação e da comparação na busca

de se compreender o conhecimento. Esse assunto se enriquece quando essas

informações vão ao encontro do que afirma Ana Maria Machado sobre a capacidade

do uso da linguagem:

Caracteriza-se a humana como linguagem articulada, assinalando uma marca de distinção. Mais que isso, torna-se necessário refinar a descrição do tipo de uso que os humanos fazem dela acentuando que se trata de uma linguagem simbólica, conotativa e capaz de abstrações e ambigüidades e não apenas denotativa, [...] indo-se mais além da simples emissão de sons significativos pelo aparelho fonador. Passa-se a englobar manifestações visuais, sonoras e corporais (MACHADO, 2007, p.132).

As ideias defendidas por diversos estudiosos e apresentadas nessa

pesquisa estão contempladas nas Diretrizes Curriculares da Educação Básica do

Paraná, na área de Língua Portuguesa, reforçam o propósito de possibilitar ao aluno

a participação nas diferentes práticas sociais, e significa, ainda, desenvolver ações

pedagógicas que ensinem a utilizar a leitura como forma de crescimento no

processo de interação social, inserindo o sujeito nas diversas esferas da sociedade.

2.1 PALAVRA, FONTE DE REVELAÇÃO

A pesquisa científica torna evidente e aplicável toda manifestação de sentido

atribuído ao universo que envolve a “palavra” como um signo linguístico integrante

de uma Língua com seus recursos para a comunicação verbal de um povo.

Considera-se, porém, que essa “palavra”, escrita ou falada, está presente na vida do

ser humano desde a criação do mundo, quando, numa concepção bíblica, torna-se

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revelação entre o Pai (criador) e a criatura humana, como se percebe na seguinte

reflexão:

No Gênesis, palavra e criação aparecem como fenômenos interdependentes, complementares. Deus disse: faça-se a luz; e a luz se fez. A palavra (disse ), em tal situação, é parte constitutiva da criação (luz ), permitindo o estabelecimento de uma linha direta entre a vontade divina e a ação. Sendo assim, a luz, como tudo o que se seguirá, resulta não só do poder de Deus, mas do disse , do que foi pronunciado. A palavra é assim, ferramenta que materializa, que viabiliza a vontade e o desejo do Pai, seu poder de criação (PERROTTI, 2005, p.60).

Todos os atos praticados pela humanidade de forma individual ou coletiva só

se consolidam efetivamente através da “palavra”, escrita ou falada, porque ela está

presente nos atos humanos, na expressão dos sentimentos e pensamentos

inerentes ao ser humano como condição básica de sobrevivência. Os grandes fatos

registrados pela história foram consolidados e ainda se consolidam através da

palavra. Bakhtin (1997) a define como material privilegiado da comunicação da vida

cotidiana, pois é o primeiro meio da consciência individual. E ele vai além ao

esclarecer a função da palavra na comunicação social, como um fenômeno

ideológico na construção da consciência humana.

Nesse contexto, torna-se evidente a necessidade de se promover atividades

que permitam ao educando perceber o poder e o significado que a palavra exerce

no contexto em que é utilizada. A ação pedagógica precisa revelar que esses

significados fazem sentido e estão presentes na comunicação diária.

A análise de textos de gêneros em que a linguagem metafórica apresenta-se

com maior intensidade possibilita a efetivação do processo de reconhecimento de

interpretar a palavra como sentido, e não somente como significado. Nesse

momento, o educando percebe que para entender esses textos, “tem que pensar”.

Essa descoberta o leva a um passo além do que usualmente ele concebia em

relação ao sentido da palavra, porque numa análise mais aprofundada é que se

descobre o que está dito. Nessa ação, a reflexão provoca mudança no

comportamento do educando em relação ao conhecimento que subsiste a partir da

leitura dos textos.

Essa prática pode ser entendida quando Bakhtin faz análise da palavra

presente no convívio de toda a humanidade, no sentido de explicar que a mesma

traz à tona o que está contido no mais íntimo do sentimento humano. Confirmando a

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presença e a importância da palavra implícita nos discursos, ainda que não seja

revelada, afirma:

É preciso fazer uma análise profunda e aguda da palavra como signo social para compreender seu funcionamento como instrumento da consciência. É devido a esse papel excepcional de instrumento da consciência que a palavra funciona como elemento essencial que acompanha toda criação ideológica, seja ela qual for. A palavra acompanha e comenta todo ato ideológico. Os processos de compreensão de todos os fenômenos ideológicos (um quadro, uma peça musical, um ritual ou um comportamento humano) não podem operar sem a participação do discurso interior. Todas as manifestações da criação ideológica – todos os signos não-verbais – banham-se no discurso e não podem ser nem totalmente isoladas nem totalmente separadas dele (BAKHTIN, 2009, p. 38).

Confirmando o pensamento acima, concebe-se primordial na prática

pedagógica, ações que despertem no educando a sensibilidade de perceber a

emoção presente na linguagem figurada para acontecer o entendimento da

mensagem que se faz implícita. Dessa maneira, o material didático desempenha

uma importante função ao promover momentos que levem o educando a despertar

interesse para que o texto analisado não fique somente na condição de um material

estudado na escola, mas que faça sentido e ligação com os acontecimentos e

sentimentos da vida diária, ou seja, que o educando perceba o sentimento da

emoção presente e sua interação com seu contexto.

A interação deve estar presente nas ações pedagógicas como forma de

atribuir importância à palavra, buscando na socialização, o caminho para a

construção do entendimento do seu sentido na comunicação social, advinda de uma

forma natural e compreensível através do diálogo estabelecido entre os alunos e

mediado pelo professor. Vale salientar que esses momentos são grandiosos porque

na mediação o professor cumpre o papel de promover oportunidades para acontecer

a aprendizagem. Essa prática deve ser constante para a EJA, considerando a

diferença de idade e experiências de vida dos alunos.

Kleiman (2008) faz uma análise sobre a prática do monólogo do professor

para os alunos escutarem, alerta que a mesma acarreta-lhes desvantagens, porque

é uma prática que o professor deixa de oferecer uma metodologia que privilegie a

interação entre docente, aluno e texto, deixando de criar a construção do saber em

conjunto. No processo interativo é que se abre espaço para o aluno complementar e

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compreender as ideias presentes no texto e assim interagir com os diversos

discursos, como se observa a seguir:

Sabe-se, pelas pesquisas recentes, que é durante a interação que o leitor mais inexperiente compreende o texto: não é durante a leitura silenciosa, nem durante a leitura em voz alta, mas durante a conversa sobre aspectos relevantes do texto. Muitos aspectos que o aluno sequer percebeu ficam salientes nessa conversa, muitos pontos que ficaram obscuros são iluminados na construção conjunta da compreensão. Não é, contudo, qualquer conversa que serve de suporte temporário para compreender o texto (KLEIMAN, 2008, p. 24).

2.2 A PALAVRA E O TEMPO CAMINHAM JUNTOS

A rapidez com que os fatos acontecem tem levado o homem a interagir com

o mundo não mais de maneira contemplativa, mas movido pela ação mecânica,

esvaziando-se o sentido da reflexão e a valorização da palavra, a qual já vem

ganhando uma nova versão robotizada em jogos, brinquedos e recursos

tecnológicos. Essa engrenagem do progresso vai consolidando cada vez mais a

ideia de que não se tem tempo para ouvir e contemplar palavras, e isso implica

negar a multiplicidade de seus significados. O resultado dessa ação repercute na

família, na escola e na sociedade de maneira geral quando fala-se muito, ouve-se

pouco e cumpre-se muito. Sobre esse assunto, Perrotti assim explica:

Sob esse ponto de vista, torna-se importante revisitar a Palavra, ‘ressignificá-la’ nos quadros de nossa contemporaneidade. Não de qualquer forma, de qualquer maneira. É preciso revisitá-la com todas as pompas e circunstâncias indicadas por quem entende do assunto. Drummond é um deles. Aconselha espreitar as palavras, escutá-las, seduzi-las, saboreá-las, mesmo se às vezes o gosto é amargo e a tarefa nem sempre seja fácil. As palavras são opacas, não se entregam nem iludem com as falsas promessas. Não aceitam ser passivas, usadas apenas para atos de compra e venda, de consumo, de mera negociação mercantil. Elas também nos espreitam, escutam-nos, seduzem-nos, saboreiam-nos. Sob a “face neutra”, escondem, cuidadosamente, tesouros esplêndidos e inesperados, que não são entregues senão parcialmente. Elas são ativas, nos interrogam, “Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta, pobre ou terrível, que lhes deres: Trouxeste a chave?” (PERROTI, 2005, p.59).

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As atividades contemplativas estimulam o educando à prática do exercício

da leitura; portanto, analisar um poema pode ser um passaporte para um mundo

imaginário que o aluno ainda não havia experimentado. Fica claro que o aluno

adulto tem consciência da necessidade da contemplação não só da palavra, mas

das ações realizadas na vida pessoal e familiar, principalmente quando se trata de

pais de família. Nesse aspecto, a escola precisa cumprir seu papel de educadora,

formando cidadãos sensíveis, capazes e preparados para o relacionamento intra e

inter pessoal para exercer dignamente o seu direito de cidadão na sociedade.

2.3 LEITURA DA PALAVRA

Muitos teóricos defendem a prática do entendimento da leitura por

acreditarem que a “leitura da palavra” não se esgota simplesmente na decodificação

da escrita, seu sentido é amplo, realidade e linguagem interagem num processo

dinâmico gerando a possibilidade do diálogo entre texto e contexto. Desse vínculo

criado entre leitura e realidade através da palavra, nasce o conhecimento e o

mesmo constrói o “saber”, confirmando, assim, que a leitura da palavra é

fundamental para o processo de transformar a reflexão em ação. Nesse sentido:

- a leitura é uma atividade na qual se leva em conta as experiências e os conhecimentos do leitor; - a leitura de um texto exige do leitor bem mais que o conhecimento do código lingüístico, uma vez que o texto não é simples produto da codificação de um emissor a ser decodificado por um receptor passivo (KOCH; ELIAS, 2010, p.11).

Considerando a leitura da palavra uma prática social, faz-se necessário

inserir o educando num processo de interação construindo diálogo entre sujeito e

mundo, tornando-o um ser capaz de se relacionar com a realidade que o cerca.

Segundo Paulo Freire, “o diálogo faz parte da natureza humana. Os seres humanos

se constroem em diálogo” (FREIRE, Apud GADOTTI, 1989, p. 46). Dessa forma,

trazendo a questão da leitura para o contexto escolar, especificamente para a

modalidade EJA, é possível vivenciar atividades direcionadas para a prática da

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abstração do sentido da palavra. Assim, faz-se um estudo mais aprofundado no

entendimento e na aplicabilidade da palavra presente no cotidiano do aluno com o

objetivo de formar leitores comprometidos e inseridos na prática do discurso, e não

meros observadores, assim como Paulo Freire afirma:

As palavras que constituem a frase a ser analisada não estão simplesmente ali jogadas, postas arbitrariamente. Diríamos que se encontram inclusive “comprometidas” entre si e implicam, na estrutura de suas relações, uma determinada posição, a de quem as expressou (FREIRE, 1993, p. 15).

O entendimento da leitura leva o aluno a assumir o papel de sujeito ativo na

sua fala, e através de seu discurso possa abrir diálogo com outro sujeito, tornando-

se capaz de interagir e responder aos desafios que o mundo oferece. Entende-se

que o aluno jovem ou adulto está inserido no ambiente social, e como cidadão

participa da vida diária na família, no trabalho, na escola e no ambiente social. Em

todas essas situações a palavra está presente no processo de comunicação desse

educando que aos poucos vai se reconhecendo como parte integrante do processo

social no qual está inserido, entendendo um cartaz, uma propaganda, uma

mensagem de autoestima e outras situações. Bakhtin defende esse pensamento

dizendo que (...) ”a palavra deve ser superada de forma imanente, para tornar-se

expressão do mundo dos outros e expressão da relação de um autor com esse

mundo” (BAKHTIN, 1997, p. 208).

Identificar temáticas abordadas nos diversos gêneros analisados como

poema, provérbio, narração e debater ideias presentes na formalidade da Língua,

deve ser uma prática diária para a disciplina de Língua Portuguesa. As ações devem

partir da oralidade para a escrita porque fazem fluir de maneira sutil e espontânea a

abstração do sentido da palavra. Nessa ação, o aluno extrai a mensagem do texto

com mais facilidade. Assim é possível notar o interesse pelos textos analisados

porque há compreensão da mensagem e interação entre leitor e texto.

O papel do leitor é construir o sentido do texto através da interação com o

mesmo, e ir além do conhecimento do código linguístico, sendo um sujeito ativo que

possa atribuir sentido e significado ao texto que leu.

É oportuno salientar o que afirma Paulo Freire a esse respeito: “Creio que

muitas de nossa insistência, enquanto professoras e professores, em que

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estudantes ‘leiam’, num semestre, um sem-número de capítulos de livros, reside na

compreensão errônea que às vezes temos do ato de ler” (FREIRE, 2003, p. 32).

Falar em leitura é atender às necessidades básicas do ser humano no seu

processo de humanização e desenvolvimento, é reconhecer a palavra como fonte

geradora do conhecimento que fundamenta uma sociedade e se faz presente em

todo momento histórico do seu povo, atendendo seus anseios, e registrando

fielmente todo o pensamento do homem através dos tempos. É desvendar o que

está por trás dos discursos, das linguagens, ler elementos implícitos ao que não está

escrito através das palavras e revelar a trama que se forma com a soma dos

pensamentos contemplados nas relações sociais que ideologicamente foram

transmitidos de geração a geração.

2.4 PALAVRA ESCRITA

Confirmando a palavra como porta de entrada para a ascensão social do ser

humano, Paulo Freire, em seu primeiro livro, Pedagogia do Oprimido, defendeu-a

como princípio e a forma mais ampla de humanizar o homem, no qual Esther Grossi,

resgata as palavras de Paulo Freire nas seguintes premissas:

“a palavra ajuda o homem a tornar-se homem.” Mais do que a palavra falada, humaniza o homem a palavra escrita, cujo domínio hoje é inexoravelmente a porta de entrada para o êxito de conquistas produtivas absolutamente indispensável para a construção da justiça, pré-requisito essencial da liberdade. (FREIRE, Apud GROSSI, 2000, p.219).

A necessidade que o ser humano tem de crescer e se expandir superando

seus próprios limites demanda não apenas ter acesso ao conhecimento, mas saber

registrá-lo. Todas as atividades propostas no projeto inicial estavam direcionadas

para a elaboração do pensamento, buscando assim a construção de ideias

finalizando com a escrita. É de suma importância relatar que as produções

apresentadas pelos educandos tornam evidente que o ato de escrever

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necessariamente passa pelo processo de abstrair o sentido da palavra, não se trata

apenas de entendê-la no nível da decodificação, o educando precisa reconhecer que

essa palavra faz ligação e sentido com o seu contexto.

Na prática da leitura, o aluno vai descobrindo que na abstração de sentido

da palavra está a chave que desencadeia as ideias para a escrita, porque assim ele

vai fazendo associação com a realidade. E na contextualização exige-se que se

pense mais, portanto, tem de refletir para escrever.

Valorizar a história de vida do aluno através de relatos, torna significativa a

produção textual, promove a elaboração do pensamento e facilita a socialização do

grupo, principalmente, em se tratando do aluno adulto que sente necessidade de

contar sua história de vida.

Sendo assim, sentimentos e sensações vividas ao longo do tempo e que estão

adormecidas, tornam-se significativas ao serem transpostas para o papel . Essas

vivências, que até então eram classificadas como acontecimentos, agora tomam

novas formas com o reconhecimento do sentido da palavra. Assim, a palavra ganha

mais valor e expressividade no discurso do aluno através do sentido.

Sobre essa questão, Koch ( 2010) faz um alerta para que a prática da leitura

não seja entendida nas escolas como uma captação de ideias somente do autor,

desconsiderando o leitor, suas experiências e seus conhecimentos, explica que se

levada em conta, pode-se concretizar na prática a interação autor-texto-leitor, como

um propósito sociocognitivo-interacional.

O uso da língua na sua forma legítima e valorizada torna-se um fator

fundamental nessa sociedade letrada, marcada pelo preconceito e pela injustiça

social, como afirma Goulart:

A má distribuição de bens econômicos está vinculada, estreitamente, à má distribuição de bens culturais. Do mesmo modo como os bens econômicos estão mal distribuídos, os bens cultuais como a escrita, também o estão. O fato é que ainda temos hoje milhões de pessoas que, mesmo tendo passado pela escola, não dão conta de participar de modo integral da sociedade letrada, pois o domínio que possuem da escrita é tão pouco significativo que não lhes permite ler e escrever textos mais complexos (GOULART, 2005, p.73).

As conquistas tecnológicas aceleram o processo da comunicação gerando a

sensação de não se aproximar e nem atingir a totalidade do conhecimento

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armazenado pela humanidade e historicamente registrado pela escrita. Nessa

evolução do consumo e poder, a escrita ainda precisa crescer muito, como explica

Machado:

Falar em domínio e controle a propósito da inquietação que assalta quem pensa nessas questões equivale a lembrar um aspecto indissociável da cultura escrita, e nem sempre trazido com clareza à consciência: o poder. Ler e escrever é sempre deter alguma forma de poder. Mesmo que nem sempre ele se exerça sob a forma do poder de mandar nos outros ou de fazer melhor e ganhar mais dinheiro (MACHADO, 2007, p.134).

2.5 LINGUAGEM FIGURADA, DA CRIAÇÃO PARA O CONHECIM ENTO

A capacidade do homem não está apenas em fazer uso da linguagem para a

sua comunicação diária, mas na apresentação da lógica da consciência, assim como

define Bakhtin:

A lógica da consciência é a lógica da comunicação ideológica, da interação semiótica de um grupo social. Se privarmos a consciência de seu conteúdo semiótico e ideológico, não sobra nada. A imagem, a palavra, o gesto significante, etc. constituem seu único abrigo. Fora desse material, há apenas o simples ato fisiológico, não esclarecido pela consciência, desprovido do sentido que os signos lhe conferem (BAKHTIN, 2009, p.36).

Partindo dessas afirmações, entende-se que está centrado na palavra todo o

poder das ideologias presentes na comunicação semiótica; portanto, é através

dessa palavra que se ampliam os horizontes da criação e da comparação na busca

da compreensão do conhecimento. Esse assunto se enriquece quando essas

informações vão ao encontro do que escreve Ana Maria Machado sobre a

capacidade do uso da linguagem:

Caracteriza-se a humana como linguagem articulada, assinalando uma marca de distinção. Mais que isso, torna-se necessário refinar a descrição do tipo de uso que os humanos fazem dela acentuando que se trata de uma linguagem simbólica, conotativa e capaz de abstrações e ambigüidades e não apenas denotativa, ... indo-se mais além da simples emissão de sons significativos pelo aparelho fonador. Passa-se a englobar manifestações visuais, sonoras e corporais (MACHADO, 2007, p.132).

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Nessa linguagem em que nada substitui a palavra, mesmo que esteja

apenas no nível da consciência individual, confere reconhecê-la como formadora de

todo o processo da comunicação presente no dia a dia do ser humano. E é através

da palavra que essa proposta de trabalho visa permitir que o educando tome posse

desse fenômeno da comunicação mais enriquecida com a simbologia, vivenciando

em seu discurso a linguagem figurada, não mais somente utilizada na escola ou

vista como um conteúdo, mas antes sim, diluída e permitida a todo falante da Língua

Portuguesa como um processo natural de uso da mesma. Hênio Tavares confirma

essas afirmações exemplificando-as:

Hoje nem percebemos que o uso de um sem número de expressões e construções diariamente presentes em nossas conversas, constituem figuras ou tropos. O emprego reiterado estereotipou-as, apagando a consciência do fenômeno. Senão vejamos alguns exemplos: - os apelidos, que se fundamentam em associações por analogia. Quando chamamos alguém de “homem bala”, - a ideia da pressa ou velocidade é que nos suscitou o termo “bala”, - sem nos preocuparmos de saber estarmos perpetrando um tropo: a metáfora. Se damos a alcunha de “cordeiro”a uma pessoa, agregou-se-nos ao espírito a ideia de mansidão. O processo metafórico é evidente (TAVARES, 2002, p. 325).

Nas atividades propostas para uma análise mais aprofundada sobre o

entendimento da aplicabilidade da linguagem figurada, percebe-se que o aluno

aplica a palavra frequentemente no nível de significado. Mesmo em se tratando do

uso da metáfora, a comparação fica em nível superficial. Não percebem a palavra

numa dimensão carregada de efeitos de sentidos ligados a um contexto, e nem de

forma dinâmica acontecendo na comunicação diária.

É no processo de interação social que a palavra significa, uma vez que, o

ato de fala é de natureza social (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1999, p. 109). Isso

implica dizer que os homens não recebem a língua pronta para ser usada, eles

“penetram na corrente da comunicação verbal; ou melhor, somente quando

mergulham nessa corrente é que sua consciência desperta e começa a operar”,

postula Bakhtin/Volochinov (1999, p. 108). Ensinar a língua materna, a partir dessa

concepção, requer que se considerem os aspectos sociais e históricos em que o

sujeito está inserido, bem como o contexto de produção do enunciado, uma vez que

os seus significados são sociais e historicamente construídos. A palavra significa na

relação com o outro, em seu contexto de produção:

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(...) Toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige a alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação a outro. (...) A palavra é território comum do locutor e do interlocutor (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1999, p. 113, apud DCE, 2008, p. 49-50).

A multiplicidade de sentidos é peculiar da linguagem figurada e na

comunicação esse fenômeno da associação de ideias faz com que a palavra

enunciada passe a ter um sentido diferente do comum. A comparação do dito com

algo visto ou vivenciado no contexto determina um novo significado da palavra

proferida no discurso, ampliando assim o vocabulário do falante que facilita a

aquisição do conhecimento. Exercitar essa linguagem é proporcionar, através da

palavra, envolvimento emocional e deixar fluir o sentimento poético porque pensar

e sentir são inerentes ao ser humano e fazem parte do nosso cotidiano. De acordo

com Hênio Tavares,

é indispensável o conhecimento das figuras e dos tropos, pois “comunicam-nos o conteúdo de toda uma tradição cultural”. Na verdade os retóricos nada inventaram. Nada criaram que não o tivesse criado o povo em sua linguagem. O que fizeram foi apenas sistematizar e ordenar os diversos aspectos que configuram o modo de expressar a nossa emoção e o nosso pensamento. Como se vê, a linguagem figurada e tropológica é constitucionalmente imanente à própria linguagem cotidiana (TAVARES, 2002, p. 326).

A leitura não é privilégio de alguns, e nem pode ser um processo

excludente, é direito e dever de todo ser humano ter sua autonomia de leitura e

inserir-se no processo de interação com a sua realidade.

2.6 A APLICABILIDADE DA LINGUAGEM FIGURADA, A GRAN DE ESPERA

DESSA PROPOSTA

Ao encerrar a etapa que tratava da linguagem figurada aplicada na

formalidade da Língua, foi possível perceber que os alunos estavam pontuando

situações de reconhecimento dessa linguagem presente na comunicação social e

posta nas leituras realizadas na Bíblia, propagandas, provérbios, e-mail e outras

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fontes. É bom lembrar que anterior a essa prática, não se mencionou o

reconhecimento dessa aplicabilidade em nenhum discurso da comunicação diária.

Esse entendimento de leitura tornou-se significativo para os alunos porque

foi uma grande descoberta que a Escola lhes proporcionou, concretizou-se assim, a

ligação da teoria com a prática, confirmando que o conteúdo estudado na Escola faz

parte da vida pessoal, profissional e social.

Faz-se pertinente retomar aqui o pensamento de Paulo Freire ao dizer: “A

primeira condição para que um ser possa assumir um ato comprometido está em ser

capaz de agir e refletir’’ (FREIRE, 1993, p. 16). A exemplo de Freire, é dever e

compromisso da Escola reconhecer que o educando tem como condição básica na

construção do seu conhecimento a capacidade de agir e refletir sobre suas ações.

Os discursos do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi a grande

expectativa de concretização da teoria para a prática dessa jornada de estudos. As

atividades das etapas anteriores proporcionaram vários momentos de atividades

com possibilidades para facilitar a realização dessas leituras.

Esse estudo priorizou o aspecto linguístico e não político-partidário.

Portanto, os discursos foram apresentados com o sentido de um material didático.

Houve boa aceitação e interesse pelos alunos, considerando o conhecimento prévio

dos temas abordados nos discursos.

Ao analisar os trechos, percebia-se que os alunos reconheciam a

grandiosidade que há em relacionar o conteúdo com a prática. Outra observação

importante é que a leitura da palavra desperta no aluno atenção à mensagem

implícita nos discursos que estão na comunicação social. O que pode ser

comprovado pelos momentos de reflexão por parte dos alunos ao manifestarem

sentimento de perdas por não terem tido essa habilidade e um olhar diferenciado

para os discursos que permeiam o cotidiano escolar e social, especificamente ao se

tratar de discursos proferidos por outros ex-presidentes.

Ao concluir o tempo previsto em calendário para a implementação do

projeto, os alunos manifestaram desejo de continuar as propostas de produção

textual. Percebeu-se nessa ação que havia uma mudança de comportamento em

relação ao entendimento da escrita. Eles buscavam um nível mais aprofundado para

o sentido do texto, definiam o que era uma proposta textual, optou-se então por

reescrever os trechos dos discursos do ex-presidente Lula analisados anteriormente,

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considerando que é pretensão desses alunos se prepararem para concursos e

vestibulares. Assim, oportunizou-se a prática de novas estruturas textuais.

Foi preciso realizar a leitura dos discursos completos, para que os alunos se

interassem pelo contexto social e ampliassem o universo dessas informações Essa

atividade conduziu-os a perceber a informação que está implícita também na

linguagem figurada.

3 CONCLUSÃO

A realidade escolar ainda apresenta várias lacunas a serem preenchidas,

principalmente no campo da leitura e da escrita. É oportuno lembrar a importância e

o papel fundamental que a leitura ocupa nessa sociedade em que a palavra se faz

cada vez mais presente na vida do ser humano. Com as ações pedagógicas

desenvolvidas no projeto de intervenção pedagógica, espera-se ter contribuído

para a revitalização e inovação de um saber mais crítico e consciente, a começar

pelo educando inserido em seu contexto de relação social.

É importante salientar que a opção pela análise da linguagem figurada

presente nos discursos do ex-presidente Lula veio ao encontro da realidade do

universo da EJA, ou seja, o aluno tem maturidade e vivência para debater sobre o

tema proposto porque faz parte do seu dia a dia. O material foi elaborado de

maneira atrativa para facilitar a aprendizagem, respeitando o cansaço de quem já

cumpriu sua jornada de trabalho.

Durante as atividades propostas pelo GTR – Grupo de Trabalho em Rede,

proposto pelo PDE – Programa de Desenvolvimento Educacional, os professores

participantes partilharam de momentos de estudos debatendo sobre essa proposta e

aplicaram o material didático elaborado pela professora PDE em suas respectivas

Escolas. Após a prática, postaram opiniões favoráveis quanto à temática abordada

pelo projeto e quanto ao material didático, bem como às atividades ali propostas.

Essas avaliações são consideradas significativas, pois são advindas de profissionais

que também estão em sala de aula e conhecem muito bem a realidade escolar.

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A óptica desse projeto esteve durante todo o tempo voltada para a

abstração do sentido da palavra, o foco foi a “palavra”, e não quantidade de folhas

lidas.

A aplicabilidade do projeto no ambiente escolar foi além das etapas que

estavam previstas. A proposta esteve embasada em atividades que levassem o

aluno a agir e refletir através das habilidades adquiridas. Agora é tempo de pensar e

agir também fora da Escola. As ações vivenciadas durante as atividades

despertaram o educando para um novo foco da realidade, porém, ainda tem muito a

evoluir. O conteúdo, o conhecimento científico que o professor ensinou não é para

deixar na Escola. Deverá ser aplicado no cotidiano do educando, na sua prática de

vida para melhor interagir com o seu contexto, abrindo portas para o seu

crescimento pessoal e social.

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