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Page 1: Competência da Justiça do Trabalho - unifacs.br  · Web view1. Introdução. 2. Da competência. 2.1. Relação de trabalho e seu objeto (incisos I e VI). 2.2. Outros litígios

A nova Justiça do Trabalho. Competência e Procedimento.1. Introdução. 2. Da competência. 2.1. Relação de trabalho e seu objeto (incisos I e VI). 2.2. Outros litígios decorrentes da relação de trabalho (inciso IX). 2.3. As ações que envolvam o exercício do direito de greve (inciso II). 2.4. Representação

sindical (inciso III). 2.5. Mandados de segurança, habeas corpus e habeas data (inciso IV). 2.6. Conflitos de competência (inciso V) e execução previdenciária (inciso VIII). 2.7. Ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores

(inciso VII). 3. Do procedimento

Edilton MeirelesJuiz do Trabalho da 23ª Vara do Trabalho/SSa/Ba.

Mestre e Doutor em Direito (PUC/SP).

1. Introdução

Tratarei da competência da Justiça do Trabalho, em face da Reforma do Poder Judiciário, de

forma quase telegráfica, procurando açambarcar diversas questões que merecem reflexões.

Nesta introdução, no entanto, não posso deixar de lembrar que, mais remotamente, as novas

competências da Justiça do Trabalho antecipam, no aspecto processual (numa inversão da ordem

natural), a reconfiguração do direito do trabalho, para incluir em seu objeto, não só o trabalho

subordinado, mas todo o trabalho prestado por pessoa física. Sobre essa tendência, é

indispensável à leitura do Relatório da Comissão Boissonnat (Le travail dans vingt ans, Paris:

Odile Jacob, 1995)1 e do Relatório Supiot (Au-delà de l’emploi. Transformations du droit du

travail et devenir du droit du travail em Europe, Paris: Flammarion, 1999)2.

Diria, ainda, nesta quadra, que a Reforma do Judiciário visa a reforçar a natureza social de nossa

Constituição, com a valorização do trabalho humano (art. 1º, inciso IV, c/c caput do art. 170 da

CF), ao estabelecer um órgão judicial próprio e especializado, com status constitucional, para

julgar as suas causas, sem esquecer que o constituinte fez a opção por prestigiar o contrato de

emprego como modelo preferencial neste desiderato (inciso VIII do art. 170 da CF).

É certo, porém, que o reformador constitucional, em matéria processual, foi muito mais além do

emprego, ao estabelecer a competência, em razão da matéria (grosso modo) para um órgão

especializado do Poder Judiciário Nacional.

1 Publicado no Brasil com o título “2015 Horizontes do Trabalho e do Emprego”, Jean Boissonnat, São Paulo: LTr, 1998.

2 Publicado no vernáculo português sob o título “Transformações do trabalho e futuro do trabalho na Europa”, Coimbra: Coimbra Editora, 2003. Recomendo, ainda, a leitura do livro

Um futuro para el trabajo em la nueva sociedad laboral, Ramón Jáurigui Atonido et alii, Valencia: Tirant lo Blanch, 2004.

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2. Da competência

Para pensarmos a nova Justiça do Trabalho é indispensável, antes de tudo, que esqueçamos o que

ela era em matéria de competência. O que era, provavelmente, jamais voltará a ser. É preciso ter

a mente aberta para repensar e entender a nova Justiça do Trabalho, sem preconceitos e sem

medo para bem cumprir a missão constitucional originada do constituinte derivado.

Fazendo uma comparação um tanto quanto forçada, diria que antes a Justiça do Trabalho era um

médico especializado. Ao lado dela, tínhamos (e ainda temos) um médico clínico (a Justiça

Estadual, grosso modo, com competência para todas as ações, contra todos) e um médico clínico

especializado (a Justiça Federal, com competência para todas as ações em face de uma categoria

de pessoas).

Contudo, com a Reforma do Judiciário, o juiz do trabalho, em sua nova competência, deixa de

ser um médico especializado, para se tornar, tal como o juiz federal, um médico clínico

especializado (grosso modo, em face da matéria). Seria uma espécie de médico geriatra ou

pediatra: clínico (para todas as ações/doenças) e, ao mesmo tempo, especializado (em face de

determinadas pessoas em suas relações de trabalho, em regra).

Pensando o nosso Judiciário como um todo, em relação ao processo civil, diria que o juiz federal

ocupa uma vara especializada da Fazenda Nacional, o juiz do trabalho uma vara especializada

social (ou do trabalho em sentido amplo) e o juiz estadual uma vara com competência

remanescente (ou vara de família, vara comercial, etc). E a essa conclusão chegamos a partir da

análise do novo art. 114 da CF, que transformou a Justiça do Trabalho numa nova Justiça.

2.1. Relação de trabalho e seu objeto (incisos I e VI).

Numa definição bem aceita, e bastante objetiva, tem-se uma relação de trabalho quando uma

pessoa física presta serviços a outrem. E, para ficar bem claro, relação de emprego, por sua vez,

é a relação de trabalho na qual a pessoa física presta serviços a outrem de forma subordinada

(salariado). Aquela gênero, esta espécie.

Contudo, não basta a mera prestação de serviços a outrem, por parte de uma pessoa física, para

que daí surja uma relação de trabalho. É preciso que o objeto da relação jurídica seja o trabalho. 2

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Para uma melhor compreensão podemos nos valer da classificação dos contratos quanto ao

objeto. Carlos Alberto Bittar, por exemplo, classifica os contratos quanto ao objeto em: de

alienação de bens, de transmissão de uso e de gozo, de prestação de serviços, de conteúdo

especial e os associativos3. Tal classificação, aliás, também é adotada por Maria Helena Diniz,

com base na doutrina de Karl Larenz4.

Carlos Alberto Bittar esclarece, ainda, que “os contratos de prestação de serviços são os que

envolvem a utilização de energia pessoal alheia, em si, ou na consecução de coisas materiais ou

imateriais definidas (produção de bens, ou criações intelectuais)”5. Compreendem, não só o

contrato de emprego, como “o serviço, ou a obra final (como na empreitada, ou na encomenda

de obra intelectual, em que o objetivo é o resultado específico do trabalho: a obra ou a

criação)”6.

Já Orlando Gomes – no que nos interessa - classifica os contratos pela sua função econômica

(objeto) em: de troca, associativos, de prevenção de riscos, de crédito e de atividade7, advertindo

que “o mesmo negócio é incluído em categorias distintas, se exerce dupla função... Mas, como a

disciplina dos negócios se particulariza de acordo com a sua função prática, o conhecimento e a

classificação das principais categorias interessam ao jurista para a fixação do regime a que se

devem subordinar”8. Essa mesma advertência, aliás, é ressaltada por Carlos Alberto Bittar, que

reconhece que “cada grupo de contratos conserva certos pontos de contato”9.

Dentre os contratos de atividade, o mestre Orlando Gomes exemplifica com o de prestação de

serviços, de empreitada, de mandato, de agência, de comissão, de corretagem e o de depósito10.

Destaca, porém, que os de fazer (prestar um serviço) também se incluem na categoria de

contratos de troca (fazer algo em troca de outro fazer ou em troca de uma obrigação de dar)11, já

que “realizam-se para a circulação de riquezas”12, sem que, com isso, deixem de ser, também,

contratos de atividade.

3 Direito dos contratos e dos atos unilaterais, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, p. 96.

4 Curso de Direito Civil Brasileiro, 3 v., 20 ed., São Paulo: Saraiva, p. 99.

5 Ibidem, mesma página.

6 Ibidem, p. 96-97.

7 Contratos, 12 ed, Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 93-94.

8 Ibidem, p. 98.

9 Ob. cit., p. 97.

10 Ob. cit., p. 98.

11 Ibidem, p. 94-95.

12 Ibidem, p. 94.

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Cabe destacar, outrossim, que nos contratos associativos (de sociedade, de parceria, etc) a

eventual “prestação de um dos contratantes não é a causa da contraprestação do outro”13, já

que as partes “reúnem-se em torno de objetivos comuns, comungando esforços e bens para a sua

consecução e mantendo-se, sob liames espirituais e patrimoniais, vinculados à pessoa jurídica

decorrente (na sociedade), ou à relação originária”14, daí porque eles não são tidos como

contratos de atividade.

Contudo, a Carta Magna não fala em contrato de trabalho (de atividade), mas sim, em relação de

trabalho, o que faz pressupor que procura acobertar outras situações jurídicas que envolvem a

prestação de serviço e que não se revelam através do contrato de atividade. Cabe esclarecer,

inclusive, que toda relação jurídica se estabelece em função de um fato gerador (fatos jurídicos).

E o contrato é apenas um dos fatos jurídicos capazes de gerar uma relação jurídica.

Encontra-se acobertado pela definição da relação de trabalho, assim, todo e qualquer tipo de

contrato de atividade em que o prestador de serviço seja uma pessoa física. Nesta categoria,

portanto, incluem-se os contratos de emprego, de estágio, de trabalho voluntário, de trabalho

temporário, de atleta não-profissional (inciso II do parágrafo único do art. 3º da Lei n. 9.615/98),

de prestação de serviço, de empreitada, de depósito, de mandato, de comissão, de agência e

distribuição, de corretagem, de mediação, de transporte, de representação comercial e outros

porventura existentes.

Pode-se, ainda, incluir no seu conceito, a depender do caso concreto, as relações jurídicas

decorrentes da gestão de negócios e da promessa de recompensa (“do desempenho de certos

serviços”, art. 854 do CC), enquanto atos unilaterais de vontade geradores de relações de

trabalho.

Inclui-se, outrossim, no conceito de relação de trabalho outras situações jurídicas nas quais haja

um ser humano prestando serviço a outrem, tendo por objeto o trabalho, como aquelas

decorrentes da prestação de serviços do diretor e/ou do administrador da sociedade, dos

membros dos conselhos fiscais e de administração das pessoas jurídicas, do administrador das

demais pessoas jurídicas, etc.

Da mesma forma, está acobertado pela nova competência da Justiça do Trabalho o serviço

prestado pelos servidores estatais (em sentido amplo), que mantém uma relação de trabalho de

natureza profissional, em caráter não eventual ou eventual, sob vínculo de dependência com a

13 Ibidem, p. 96.

14 Carlos Alberto Bittar, ob. cit., p. 97.

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Administração Pública. São os servidores públicos civis ocupantes de cargos e os empregados

públicos. Nesta mesma categoria, incluímos também os contratados por excepcional interesse

público, os que firmam contratos de prestação de serviços com a Administração Pública, os

dirigentes empresariais, os empreiteiros (pessoa física), etc.

Neste rol, no entanto, não se incluem os agentes políticos, já que estes não mantêm com o Estado

uma relação “de natureza profissional, mas de natureza política. Exercem munus público. Vale

dizer, o que os qualifica para o exercício das correspondentes funções não é a habilitação

profissional, a aptidão técnica, mas a qualidade de cidadãos, membros da civitas e, por isto,

candidatos possíveis à condução dos destinos da Sociedade”15.

O mesmo se diga dos “requisitados para prestação de atividade pública, quais os jurados,

membros de Mesa receptora ou apuradora de votos quando das eleições, recrutados para o

serviço militar obrigatório, etc. Estes agentes exercem um munus público”16, além dos

“delegados de função ou ofício público, quais os titulares de serventias da Justiça não

oficializadas”17. Destaque-se que, dentre os “requisitados” pelo Poder Público, podem ser

incluídos os membros de comissões (de licitação, de concurso, etc), membros de conselhos (da

Criança e Adolescentes, etc), o interventor nas liquidações extrajudiciais, os ocupantes de

funções honoríficas e os auxiliares da justiça (perito, depositário, administrador, conciliador,

síndico da massa falida, comissário na concordata, jurados, juízes temporários, etc).

Aliás, cabe esclarecer, conforme magistério de Celso Antonio Bandeira de Mello, que servidores

estatais “abarca todos aqueles que entretêm com o Estado e suas entidades da Administração

indireta, independentemente de sua natureza pública ou privada (autarquias, fundações,

empresas públicas e sociedade de economia mista), relação de trabalho de natureza profissional

e caráter não eventual sob vínculo de dependência”18( grifos nossos).

Importante, pois, ter em conta que esses servidores, incluídos os ocupantes de cargos, mantêm

uma relação de trabalho com o Estado, ainda que sujeita a regra que a distingue da relação

contratual de trabalho. Não à toa, Carmem Lúcia Antunes Rocha esclarece que “servidor público

é a pessoa física que participa de uma relação jurídica trabalhista de caráter não eventual com

15 Celso Antonio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, 17 ed., São Paulo: Malheiros, 2004, p. 229-230.

16 Ibidem, p. 232.

17 Ibidem, mesma página.

18 Ibidem, p. 230.

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uma pessoa estatal”... “O servidor público é um trabalhador público... participa da relação

trabalhista pública na condição de profissional”19.

E bem servindo como parâmetro interpretativo da regra geral estabelecida no inciso I do art. 114

da CF pode ser lembrada a exceção incluída no texto da proposta de emenda constitucional

aprovada pelo Senado Federal, e que retornou para reapreciação pela Câmara dos Deputados. Por

esta exceção, ficariam excluídas da competência da Justiça do Trabalho as ações em que seja

parte “os servidores ocupantes de cargo criado por lei, de provimento efetivo ou em comissão,

da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e

fundações públicas”. Essa exceção confirma que os servidores efetivos e em comissão também

mantêm relação de trabalho com os tomadores de seus serviços (o Poder Público)20 embora,

eventualmente, os litígios respectivos deixem de ser acobertados pela competência da Justiça do

Trabalho.

Ocupante de cargo público, portanto, é o trabalhador que firma uma relação de trabalho com a

Administração Pública, submetido ao regime administrativo.

Creio, no entanto, que devemos excluir desse rol os militares, pois eles não são simples

prestadores de serviços profissionais. A relação dos militares é muito mais institucional, haja

vista a possibilidade da obrigação da prestação dos serviços respectivos, seja em tempo de paz,

como durante a guerra.

Além disso, é preciso destacar que os militares não são admitidos no serviço público em face dos

seus conhecimentos profissionais prévios. Em verdade, ao contrário do que ocorrem nas demais

relações de trabalho, nas quais os tomadores dos serviços se beneficiam dos préstimos

profissionais do dador dos serviços, o militar é incorporado ao serviço público para aprender o

ofício militar.

Assim, tem-se que as ações envolvendo os servidores ocupantes de cargos civis em suas relações

de trabalho com o Estado passam para competência da Justiça do Trabalho.

Em relação aos empregados públicos não se tem qualquer dúvida quanto à competência da

Justiça do Trabalho.

Já em relação aos demais agentes públicos, classificados acima como ocupantes de funções

públicas, já mencionamos que os agentes políticos não mantêm relação de trabalho com o

Estado. O mesmo se disse em relação aos que os que mantêm uma relação institucional com o

19 Princípios constitucionais dos servidores públicos, São Paulo: Saraiva, 1999, p. 78-79.

20 Ao contrário do que decidiu o STF na ADIN 492.

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Estado, a exemplo dos membros de comissões (licitação, concurso, etc), membros de conselhos

(da Criança e Adolescentes, etc), auxiliares da Justiça e os ocupantes de funções honoríficas.

Diferentemente, no entanto, ocorre com os contratados para ocupar uma função pública, a

exemplos dos admitidos por excepcional interesse público, os dirigentes empresariais (das

autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista) e os demais

trabalhadores contratados sem vínculo empregatícios (estagiário, avulso, etc), já que todos estes

mantêm verdadeira relação de trabalho com a Administração Pública.

Outrossim, por não ter por objeto o trabalho, não se inclui no conceito de relação de trabalho as

relações jurídicas formadas por laços matrimoniais ou de companheirismo (união estável), as

decorrentes do exercício do poder familiar, inclusive em face da adoção, da tutela e da curatela,

bem como em face das relações societárias (inclusive em cooperativas), associativas (relação de

associação ou filiação) e de gestão da coisa comum (condomínio e co-propriedade), ainda que,

nessas hipóteses, uma pessoa física possa prestar serviços a outrem.

Deixando clara a abrangência dessa competência, o reformador constitucional (de modo

dispensável, aliás) ainda preceituou que à JT cabe julgar “as ações de indenização por dano

moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho” (inciso VI do art. 114). Esse

dispositivo, ao certo, serviu muito mais para acabar com as controvérsias quanto à competência

para julgamento dos feitos em que se pede o ressarcimento de danos morais e materiais,

inclusive quando decorrentes do acidente de trabalho.

Daí se tem, por exemplo, para dirimir dúvidas, que, celebrado um contrato de prestação de

serviços entre o paciente e o médico, eventual litígio decorrente dessa relação de trabalho deve

ser julgado pela JT. Se se pretender, outrossim, uma indenização decorrente de erro médico, da

mesma forma, competirá à Justiça do Trabalho o julgamento da ação de ressarcimento

respectiva. O mesmo se diga quanto a qualquer outra relação de trabalho, a exemplo daquela

formada pelo advogado e seu cliente, podendo o causídico, por exemplo, cobrar seus honorários

na Justiça do Trabalho ou o cliente pedir indenização por danos causados por aquele. Da mesma

forma, a ação de indenização proposta pela sociedade contra o seu administrador será da

competência da Justiça do Trabalho, etc.

Em algumas situações, no entanto, a competência se revelará de tormentosa definição. Isso

porque, em diversas hipóteses, a prestação de serviços é contratada junto à pessoa jurídica, mas

efetivada pela pessoa física. Exemplos que podem gerar controvérsia: um médico que presta

serviços em seu consultório celebra uma relação de trabalho com seu paciente. Já o médico que

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presta serviços através de uma clínica ou hospital, não firma um contrato de trabalho com o

paciente. Este último, em verdade, contrata os serviços da clínica ou do hospital. Relação,

portanto, tipicamente comercial-empresarial. Lógico, no entanto, que nesta última hipótese pode

restar demonstrada uma situação de fraude. Somente no caso concreto se definirá a existência da

relação de trabalho ou não.

Contudo, pode-se afirmar que se a prestação de serviços é realizada através da pessoa jurídica,

não estamos diante da relação de trabalho. Cabe lembrar, todavia, que o empresário (antiga firma

individual) não é pessoa jurídica.

Quanto ao direito material a ser aplicado, óbvio que, a cada contrato ou relação jurídica,

aplicam-se às regras próprias que os disciplinam. E se o serviço é lançado no mercado de

consumo, tendo como destinatário final o tomador dos serviços, ao vínculo de trabalho

respectivo ainda se aplicam as regras do Código de Defesa do Consumidor.

Por fim, advirto que, como bem lecionou o Min. Sepúlveda Pertence, ao votar na ADIN 492, já

em 1992, quando se decidiu quanto à inconstitucionalidade da lei ordinária que assegurou a

competência da JT para apreciar os litígios envolvendo os servidores estatutários, “outros

argumentos, que se trazem, atinentes à composição, à natureza, às inclinações da Justiça do

Trabalho [reforçados pela inércia da tradição], com todas as venias, trazem um pré-conceito a

que não adiro” e que podem conduzir às interpretações restritivas deste dispositivo.

2.2. Outros litígios decorrentes da relação de trabalho (inciso IX)

Em aparente contradição, que pode conduzir a interpretações restritivas, o reformador dispôs,

ainda, que compete à JT conhecer de “outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na

forma da lei”. É preciso, portanto, para que a competência seja exercida pela JT em relação a

estas outras controvérsias que haja uma lei (ordinária ou complementar – LOMAN, por

exemplo) disciplinando a matéria.

Mas a pergunta que se faz é: quais seriam essas “outras controvérsias decorrentes da relação de

trabalho” não abrangidas pelo inciso I do art. 114 da CF e que precisam, para ser da

competência da JT, de uma lei assim preceituando (“na forma da lei”)?

A resposta é simples, respondida pelas hipóteses já existentes. Basta lembrar o litígio que

decorre do cumprimento de normas coletivas envolvendo, por exemplo, o sindicato profissional

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e a empresa-empregadora, na cobrança das receitas sindicais, Neste caso, não estamos diante de

uma relação de trabalho (entre sindicato e empresa). Contudo, o pressuposto fático-jurídico que

dá origem ao conflito sindicato-empresa é uma relação de trabalho (a relação de emprego). Em

suma, não existisse uma relação de emprego, na qual é gerada a receita sindical, não haveria

litígio entre sindicato e empresa. Logo, em última análise, este litígio (sindicato-empresa)

decorre de uma relação de trabalho21.

Situação semelhante ocorre entre os empregados e as empresas de previdência privada, cujos

litígios encontram respaldo numa relação de trabalho. Como decidiu o Excelso STF, em relato

do Min. Cordeiro Guerra, à luz do texto constitucional anterior, mas plenamente aplicável ao

atual, “a Constituição da República, é certo que estabelece a competência da Justiça do

Trabalho para dissídios entre empregados e empregadores; mas estende-a também a outras

controvérsias oriundas da relação de emprego, desde que a lei disponha sobre essa competência

extraordinária; e esta norma de lei, exigida para o caso de complemento a aposentados e

viúvas, encontra-se na regra de competência das JCJ no art. 652, a, n. IV, que a estabelece para

os “demais dissídios” concernentes ao contrato individual de trabalho, como é o caso destes

suprimentos financeiros pelo empregador, oriundos de norma estatutária da empresa, com

eficácia residual após extinta a relação de emprego”22.

O dissídio surgido daí decorre do contrato individual do trabalho, atraindo a competência da

Justiça do Trabalho (art. 652, alínea “a”, inciso IV, CLT). “Nesse dissídio, no entanto, não se

debate a relação de emprego, porque já extinta, mas postulam-se os efeitos daquela condição

regulamentar estatuída para vigência ulterior pelo regulamento da empresa empregadora”23.

Esta cláusula, em si, “passa a integrar a relação contratual com o empregador”, atraindo a

competência da Justiça Laboral, pois se concretiza como “dissídios concernentes ao contrato

individual de trabalho”24.

Outro exemplo (pitoresco) em que a lei pode atrair para Justiça do Trabalho à competência

respectiva para bem revelar a importância desse dispositivo em comento: o empregado que tem o

parente ofendido pelo empregador pode demandar, por danos morais, na Justiça do Trabalho

(litígio entre trabalhador e empregador). O parente ofendido, no entanto, demanda na Justiça

Comum. A lei, então, poderá, considerando a relação de trabalho existente, assegurar à JT esta

21 STF, RE 287.227-0, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU de 02/03/2001.

22 STF, RE 91.259-2-SP, Rel. Min. Cordeiro Guerra.

23 STF, AiRg 82.214-3-ES, Rel. Min. Clóvis Ramalhete.

24 Ibidem.

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competência, já que a controvérsia tem como pressuposto fático-jurídico último a relação de

trabalho.

Cabe, portanto, destacar que inexiste qualquer incompatibilidade entre os incisos I e IX do art.

114 da CF, já que naquele primeiro se estabeleceu, com plena eficácia e aplicação imediata, a

regra de competência da Justiça do Trabalho para os litígios que decorram diretamente da

relação de trabalho (litígio diretamente vinculado à relação de trabalho). Já o inciso IX trata da

possibilidade de, através de lei infraconstitucional, estabelecer-se essa mesma competência para

outras controvérsias que tenham como pressuposto fático-jurídico uma relação de trabalho

(litígio indiretamente vinculado à relação de trabalho).

É óbvio, portanto, que o inciso IX não iria contradizer a regra geral do inciso I do art. 114 da

Constituição Federal, que, por sua vez, não está sujeita a qualquer regulamentação para sua

eficácia ou aplicação pelos órgãos judicantes.

2.3. As ações que envolvam o exercício do direito de greve (inciso II)

O inciso II do novo art. 114 da CF assegura também à Justiça do Trabalho a competência para as

ações que envolvam o exercício do direito de greve.

As ações podem ser coletivas (conforme referência expressa do § 3º do art. 114 da CF) ou

individuais. Quanto a estas, não havendo qualquer restrição, qualquer ação poderá ser proposta,

envolvendo qualquer pessoa, desde que haja conexão com o exercício do direito de greve.

Assim, por exemplo, poderá a empresa prejudicada ou qualquer outro interessado propor a ação

reparatória em face de uma greve abusiva, etc. Pode ser uma lide entre empresa e sindicato, entre

empresa e os grevistas (lide empregatícia), entre empresas e sindicalistas responsáveis pela

greve, entre o usuário do serviço paralisado (e prejudicado) e o sindicato e/ou grevistas e/ou

empresas, etc. Tudo na Justiça do Trabalho.

É certo, ainda, que esse dispositivo atrai para a Justiça do Trabalho as ações que envolvem o

exercício do direito de greve por parte dos servidores públicos.

2.4. Representação sindical (inciso III)

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Em face da Reforma, a JT passou, ainda, a ter competência para as ações sobre o direito de

representação sindical, “entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e

empregadores”.

Aqui, em face mesmo de a matéria ser diretamente vinculada ao direito laboral, assegurou-se a

competência do juiz do trabalho para as causas em que se discute o poder de representação de

uma entidade sindical. Esta competência, por sua vez, não desperta grandes controvérsias.

O texto constitucional, no entanto, é, aparentemente, restrito. Fala em sindicato e não, em

entidade sindical. Tal opção pode conduzir à interpretação de que se o litígio envolver outra

espécie de entidade sindical (federação, confederação ou mesmo centrais sindicais), a matéria

não estará sujeita à competência da JT, o que seria, data venia, uma contradição do sistema. Vale

lembrar, inclusive, que o art. 8º da CF também utiliza a expressão “sindicato”, mas se entende

que ela quis se referir às “entidades sindicais” quando tratou das questões ali postas.

2.5. Mandados de segurança, habeas corpus e habeas data (inciso IV)

Procurando consolidar velha jurisprudência, inclusive do STF, no que se refere ao mandado de

segurança, ao mesmo tempo buscando respaldar o entendimento doutrinário e jurisprudencial

dos juslaboralistas e tribunais trabalhistas, quanto à competência para conhecer do habeas

corpus, a Reforma do Judiciário, expressamente, estabelece a competência da JT quando o ato

questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição.

Inovando, porém, assegurou, ainda, a competência da JT para conhecer do habeas data “quando

o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição”.

A competência funcional para conhecer do habeas data, por falta de regulamentação ou até que

ela surja, será do juiz do trabalho de primeiro grau.

Já em relação ao mandado de segurança e habeas corpus, em já havendo regulamentação, sabe-se

que a competência é dos tribunais em relação aos atos praticados pelos juízes do trabalho. Será

do juiz de primeiro grau, no entanto, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua

jurisdição e a autoridade apontada como coatora não for juiz do trabalho. Ressalte-se, porém,

que, em relação a determinadas autoridades (presidente, ministros, etc), a CF estabelece

expressamente o foro privilegiado, sem exceções.

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Aqui cabe lembrar, aliás, que o STF, em decisão datada de 1993 (e lá se vão mais de onze anos!),

em acórdão elucidativo, decidiu, em mandado de segurança impetrado contra ato do Presidente

da República, que, mesmo contra ato praticado na relação de emprego, é possível a impetração

do writ. Isso porque, “a atividade Estatal é sempre pública, ainda que inserida em relações de

Direito Privado e sobre elas irradiando efeitos; sendo, pois, ato de autoridade, o Decreto

Presidencial que dispensa servidor público, embora regido pela legislação trabalhista, a sua

desconstituição pode ser postulada em Mandado de Segurança. 2. Legitimação passiva do

Presidente da República se a questionada dispensa do impetrante foi objeto de decreto, que o

arrolou nominalmente entre os dispensados, reduzindo-se o ato subseqüente de rescisão do

contrato de trabalho a mera execução material de ordem concreta do Chefe do Governo. 3.

Mandado de Segurança contra ato do Presidente da República, embora versando matéria

trabalhista. A competência originária para julgar Mandado de Segurança é determinada

segundo a hierarquia da autoridade coatora e não, segundo a natureza da relação jurídica

alcançada pelo ato coator. A competência do Supremo Tribunal Federal, órgão solitário de

cúpula do Poder Judiciário Nacional, não se pode opor a competência especializada, ratione

materiae, dos seus diversos ramos”25.

Em seu voto condutor, o Min. Rel. Sepúlveda Pertence adotou lições de Agustin A. Gordillo,

para quem “a administração é sempre pessoa de direito público, que realiza operações públicas,

com fins públicos e dentro dos princípios e das formas de direito público, ainda que revista seus

atos com formas que são comuns ao direito privado e use dos meios que este autoriza e para

objetos análogos”26.

A partir de tais lições, portanto, é que o STF – como lembrado – asseverou que “sendo, pois, ato

de autoridade, o Decreto Presidencial que dispensa servidor público, embora regido pela

legislação trabalhista, a sua desconstituição pode ser postulada em Mandado de Segurança”. E

como afirmado pelo Min. Carlos Velloso, “o entendimento em sentido contrário seria

meramente preconceituoso, data venia”27.

E o entendimento acima mencionado, voltou a ser reafirmado, de forma implícita, pelo Excelso

STF, como, por exemplo, no AGRMS 21.200-DF, quando decidiu que “a competência para

processar e julgar mandado de segurança impetrado por ex-empregado contra o empregador,

25 STF, MS 21.109–DF, TP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 19.02.1993.

26 Apud Toshio Mukai, Direito administrativo e empresas do Estado, Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 36.

27 Voto proferido no MS 21.109-DF, p. 463 dos autos.

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muito embora sociedade de economia mista, de estatura federal, em fase de liquidação, é da

Justiça do Trabalho, por enquadrar-se no artigo 114 da Constituição Federal”28 .

Logo, esta competência, para o mandado de segurança, já vinha sendo reconhecida pelo próprio

STF, para as causas estritamente trabalhistas (empregado x empregador), conquanto,

contraditoriamente, encontrava resistência na própria JT.

No que se refere ao mandado de segurança, este dispositivo, aliado ao estabelecido no inciso VII

(quanto às penalidades administrativas aplicadas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização),

retira, em parte, a competência da Justiça Federal para conhecer dessa espécie de ação quando a

autoridade coatora for a autoridade federal (inciso VIII do art. 109 da CF). Ainda que neste outro

dispositivo constitucional não se faça a ressalva, tal como a existente no inciso I do art. 109 (no

que se refere a ações de competência da Justiça do Trabalho), não é razoável supor que a emenda

constitucional, ao atrair para a JT todas as “ações relativas às penalidades administrativas

impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho” (inciso VII)

e o mandado de segurança “quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua

jurisdição” (inciso IV), quis excluir o mandamus no qual a autoridade apontada como coatora é

uma autoridade federal (lembrando que aqui não estamos tratando do mandado de segurança de

competência dos tribunais superiores, expressamente elencados na CF).

Outrossim, é óbvio que as leis estaduais de organização judiciária não podem excluir da

competência da Justiça do Trabalho os mandados de segurança, os habeas corpus e os habeas

data mencionados na CF, ainda que a autoridade coatora seja o governador, o prefeito ou

qualquer outra autoridade estadual ou municipal.

Cumpre, ainda, destacar, que o dispositivo constitucional em comento atribui a competência da

JT para apreciar o mandado de segurança, o habeas corpus e o habeas data não em face da

autoridade, mas em decorrência da matéria (“quando o ato questionado envolver matéria sujeita

à sua jurisdição”). Daí se tem que estas ações constitucionais, especialmente o mandado de

segurança e o habeas corpus, não são possíveis de ser impetradas na JT somente em face dos

juízes e tribunais do trabalho, mas em face de qualquer pessoa ou autoridade, desde que o “o ato

questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição”.

Exemplo que se pode citar é do habeas corpus em face do empregador que mantém empregado

em cárcere privado ou, ainda, em face do fiscal do trabalho que impõe restrição à liberdade do

empregador ou do empregado quando da aplicação de penalidade administrativa.

28 TP, Rel. Min. Marco Aurelio, DJU 10.09.1993.

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2.6. Conflitos de competência (inciso V) e execução previdenciária (inciso VIII)

Quanto à solução dos conflitos de competência entre órgãos integrantes da Justiça do Trabalho e

a execução das contribuições previdenciárias decorrentes das sentenças que proferir, a Reforma

do Judiciário não acrescentou qualquer novidade.

Dispensável, por ora, qualquer novo comentário, considerando o objetivo deste trabalho.

Cabe lembrar, todavia, que a CLT já contém alguns dispositivos que cuidam da execução

previdenciária na Justiça do Trabalho, dada a sua peculiar característica, mormente seu início ex-

officio.

2.7. Ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores (inciso VII)

Em face, ainda, da matéria de mérito discutida nas ações que cuidam das penalidades

administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho,

entendeu-se por bem atribuir ao juiz do trabalho a competência respectiva.

Aqui, transfere-se para a JT a competência para a execução fiscal das multas respectivas

(impostas em face da atuação do Ministério do Trabalho), bem como para qualquer ação na qual

se discute essa matéria, inclusive o mandado de segurança contra ato da autoridade fiscal29 e a

ação declaratória de inexistência de débito.

Outro exemplo de ação que pode ser ajuizada é a proposta contra a União visando a anular atos

praticados por seus agentes fiscais da Delegacia Regional do Trabalho no exercício do poder de

polícia30.

Ficam, de fora, no entanto, da competência da Justiça do Trabalho as ações relativas às

penalidades administrativas impostas aos prestadores de serviços (profissionais liberais) pelos

órgãos de fiscalização das respectivas profissões, a exemplo da OAB e dos Conselhos de

Medicina, Engenharia, Enfermagem, etc.

29 Vide comentários ao inciso IV.

30 Exemplo extraído a partir da decisão do STJ no CC 42514, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. em 22/09/2004.

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A lei ordinária, porém, com fundamento no inciso IX do art. 114 da CF, poderá atrair para a JT

essas outras controvérsias, quando elas se refiram ao exercício da profissão numa relação de

trabalho.

3. Do procedimento

Questão de importância capital se refere ao procedimento a ser adotado nas ações que passaram a

ser da competência da Justiça do Trabalho.

Essa controvérsia, é ao certo a mais relevante e complexa, em decorrência das conseqüências, ao

menos em curto prazo, que dela advêm, principalmente se for levado em consideração que há

uma tendência dos juízes do trabalho em aplicar as regras procedimentais disciplinados na CLT

para toda e qualquer espécie de ação proposta na JT.

Essa posição, no entanto, somente encontra respaldo jurídico em se tratando de “dissídios

oriundos das relações entre empregados e empregadores, bem como de trabalhadores avulsos e

seus tomadores de serviços em atividades reguladas na legislação social” ante a expressa

determinação do art. 643 da CLT para que se aplique, nas ações respectivas, a “forma

estabelecida pelo processo judiciário do trabalho”.

Ainda que restritivo esse preceito, sempre se adotou o mesmo procedimento para as ações de

pequena empreitada, para as ações proposta pelos sindicatos cobrando suas contribuições

sindicais em face do empregador (litígio entre sindicato e empresa e não, entre empregado e

empregador) e em outras que sempre tiveram curso na JT.

Em princípio, portanto, estou certo que haverá uma tendência do juiz do trabalho em querer

aplicar esse mesmo procedimento a toda e qualquer nova ação proposta na JT, à exceção

daquelas de ritos especialíssimos, a exemplo do mandado de segurança, habeas corpus e habeas

data. Acho até, de lege ferenda, que isso seria o ideal, com algumas exceções, até por entender

como satisfatório, à prestação jurisdicional efetiva, o rito da ação trabalhista.

É preciso lembrar, no entanto, que a CLT cuida do procedimento a ser adotado na ação

trabalhista. E, para entendê-lo, é preciso lembrar que o processo do trabalho está para o direito

processual civil assim como os procedimentos especiais elencados no CPC.

Para melhor compreensão dessas idéias e de forma resumida, diria que vislumbro apenas duas

espécies de ações judiciais: a civil e a penal. Na jurisdição civil, no entanto, pode-se distinguir a

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ação com rito ordinário das ações com ritos especiais. Pode-se dizer, então, que ação civil

ordinária é aquela tratada no CPC como procedimento comum. Excluo dessa classificação o

procedimento sumário, já que ele possui rito diverso daquele tido como comum-ordinário.

Classifico-o, aqui, portanto, como uma ação de procedimento especial, assim como todos os

demais procedimentos especiais que encontram no procedimento comum-ordinário suas regras

subsidiárias (parágrafo único do art. 272 do CPC).

Incluo, assim, entre as ações com ritos especiais não só o procedimento sumário e os

procedimentos especiais tratados no Livro IV do CPC, como, também, todas as outras ações de

natureza civil que possuem ritos específicos, tratados na legislação esparsa e mesmo no CPC, e

que têm as regras do procedimento comum-ordinário como fontes subsidiárias. Aqui, portanto,

incluo, entre outros, o mandado de segurança, a ação rescisória, a ação cautelar, a ação de

execução, a ação judicial que corre perante a Justiça Eleitoral e a ação trabalhista.

A ação trabalhista, em verdade, é um procedimento especial, disciplinado em legislação

específica (esparsa, em relação ao CPC). Tem, inclusive, as regras do procedimento ordinário

como fonte subsidiária (CPC), desde a teoria geral do processo aos meios de impugnação às

decisões judiciais.

E mesmo o único princípio não comum a estes dois ramos do direito processual e que

diferenciaria o processo laboral do civil, que é o princípio da proteção ao hiposuficiente -

princípio este de direito material que contagia o processo trabalhista -, mesmo ele, hoje, já é

inerente ao processo do consumidor. Sim. Porque, da mesma forma que o princípio da proteção

ao hiposuficiente na relação de emprego contagia o processo do trabalho ao ponto deste ter

regras que visam a compensar a inferioridade do trabalhador, mesmo na relação processual, a

exemplo das regras de inversão do ônus da prova, ele mesmo (o princípio protetor) é encontrado

na ação civil que tem por objeto a relação jurídica de consumo. Tanto isso é verdade que o

princípio de direito material de proteção ao consumidor contamina a ação civil que cuida dos

seus litígios, o que se exemplifica com a regra de inversão do ônus da prova.

Mas o processo é instrumental. Ele faz atuar o direito material. Logo, o processo do trabalho,

como já dito acima, está contaminado pelo princípio protetor do direito do trabalho (dos

empregados)31. Ele foi criado tendo em vista a relação jurídica de emprego. E o procedimento

especial trabalhista (sumário e sumaríssimo), com especial ênfase na celeridade, na economia

processual, na inversão do ônus da prova, concentração dos atos processuais, restrições

processuais (descabimento de intervenção de terceiros, irrecorribilidade das interlocutórias, 31 Neste sentido, por todos, cf. Sérgio Ferraz, A norma processual trabalhista, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983, p. 24-64.

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dentre outras), etc, justifica-se em face da natureza da relação de direito material que lhe é

subjacente.

Em suma, são os valores inerentes à relação de emprego que justificam o rito da ação trabalhista.

Incorreto pensar, portanto, que o rito se justifica em face do órgão julgador (porque na JT, deve

ser rito da CLT). Não à toa que perante o juiz de direito, no exercício da jurisdição trabalhista, é

adotado o rito da CLT nas reclamações trabalhistas, assim como tal ocorria junto à Justiça

Federal quando esta tinha competência para julgar essas causas em relação à União, suas

autarquias e suas empresas públicas (art. 125, I, da CF de 1967/69).

Como lembram Orlando Gomes e Elson Gottschalk, “nunca será demasia insistir na

necessidade de distinguir situações jurídicas, que não devem ser confundidas. O Direito do

Trabalho não protege todos os economicamente fracos, mas, sim, uma grande parte dos que têm

esta condição, aqueles, precisamente, que têm o estado jurídico de empregados, ou seja, de

trabalhadores subordinados. Outros há, também, economicamente, fracos, que precisam de

proteção jurídica. Mas, essa proteção não pode ser a mesma que dispensa aos empregados, pela

razão mui simples de que as medidas de tutela do Direito do Trabalho são tomadas no

pressuposto de que o trabalhador é subordinado a alguém”32.

Ainda que a tendência seja de inserir no objeto do direito do trabalho outras categorias de

trabalhadores, dando-lhes, ao menos, um mínimo de proteção, é certo que esta jamais poderá se

igualar àquela dispensada aos empregados, inclusive em seus reflexos no direito processual, em

face da condição destes últimos de trabalhadores subordinados e, portanto, em situação mais

desfavorável do que os não-subordinados.

É preciso, ainda, destacar que há uma gama tão grande de relações jurídicas de trabalho que

passaram para a competência da JT, além de outras causas não diretamente derivadas da relação

de trabalho (fiscais, administrativas, etc), sujeitas a princípios de direito material diversos e

distintos, que não se pode, precipitadamente, querer igualá-los à relação de emprego para efeito

de aplicação do direito processual.

Daí porque, como ensina Cândido Rangel Dinamarco, “a realidade dos conflitos e das variadas

crises jurídicas em que eles se traduzem gera a necessidade de instituir procedimentos diferentes

entre si, segundo peculiaridades de diversas ordens, colhidos no modo-de-ser dos próprios

conflitos, na natureza das soluções ditadas pelo direito substancial e nos resultados que cada

32 Curso de direito do trabalho, 16 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2002, nota de rodapé 24, p. 126.

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espécie de processo propõe-se a realizar... Sempre, o procedimento deve ser adaptado à

realidade dos conflitos e das soluções buscadas”33.

Exemplo se pode dar em relação aos contratos firmados pelos prestadores de serviços, inclusive

profissionais liberais. Quando alguém contrata outrem para prestar serviços de forma autônoma,

sem exercer sua atividade em favor do destinatário final ou lançada no mercado de consumo,

sujeita-se, tão-somente, às regras materiais do Código Civil. Se, entretanto, esta mesma pessoa

fornece sua atividade “no mercado de consumo, mediante remuneração” (§ 2º do art. 3º do

CDC), prestando-a a um destinatário final (art. 2º do CDC), a este contrato se aplicam, também,

as regras de defesa do consumidor (inclusive de proteção processual). A relação continua sendo

de trabalho, mas sujeita às regras materiais de direito civil (direitos e deveres dos contratantes,

etc) e também às de proteção do consumidor (responsabilidade civil, cláusulas abusivas,

propaganda enganosa, etc).

Assim, tem-se que, se a relação for de natureza somente civil, as partes devem ser tratadas em

equilíbrio, em igualdade de condições, ou, quando muito, protegendo-se o trabalhador (prestador

de serviços). Se, entretanto, a relação também for de consumo (civil-consumidor ou comercial-

consumidor), o CDC manda proteger o tomador dos serviços e não, o prestador da atividade.

Podem ser lembradas, ainda, as ações que envolvam exercício do direito de greve (inciso II do

art. 114). Em face desse dispositivo, na JT podem, v. g., ser ajuizadas ações pelas empresas

prejudicadas pela greve abusiva, ou por qualquer outro interessado que tenha sido atingido pelo

movimento paredista. Neste caso, então, poder-se-á estar diante de lide formada entre pessoas

que não merecem qualquer proteção especial tendo em vista sua qualidade (empresa x sindicato;

usuários do serviço paralisado x sindicato, etc).

O mesmo se diga das ações propostas contra a União relativas às penalidades administrativas

impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho. Aqui, ao certo,

poder-se-á cuidar tanto da ação de execução fiscal, como de qualquer outra ação (anulatória,

declaratória, mandado de segurança, etc), entre o empregador e a União. Descabido, assim, data

maxima venia, querer impor às partes, nestas ações, o rito próprio da ação trabalhista, só porque

proposta perante a Justiça do Trabalho, quando sequer, nas referidas causas, se está diante de

algum hiposuficiente.

E as ações entre sindicatos, entre sindicatos e seus filiados e entre sindicatos e empresas sobre

representação sindical? Já em algumas hipóteses essa situação se mostra gritante, como, por

33 Instituições de direito processual civil, vol. III, São Paulo: Malheiros, 2001, p. 332-333.

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exemplo, em relação à execução fiscal das multas administrativas aplicadas pela Delegacia

Regional do Trabalho, pois não há justificativa razoável para a adoção do rito da execução

trabalhista ao invés daquele estabelecido para o executivo fiscal (Lei n. 6.830/80).

A partir desses exemplos se pode verificar, então, que não há harmonia de princípios que

justifique a aplicação do mesmo rito processual (da CLT) a toda ação judicial de competência da

Justiça do Trabalho.

Obviamente, ainda, que não se pode querer mesclar os dois ritos (exemplo: citação, audiência,

contestação, provas, etc, conforme CLT; recursos, conforme CPC), sob pena de se violar o

devido processo legal e se instalar a mais completa e caótica prestação jurisdicional, pois

ninguém, ao certo, saberá o que deve ser aplicado deste ou daquele diploma processual, sem

falar na absoluta insegurança jurídica daí advinda.

Outrossim, cabe destacar que inexiste lei a respaldar o entendimento de que às novas ações se

deve aplicar o rito consolidado, lembrando, mais uma vez, que o art. 643 da CLT submete ao

procedimento ali previsto apenas as ações entre empregado e empregador e as ações dos

avulsos34.

Concordo, porém, que deve ser editada, com máxima urgência, lei disciplinando essa matéria,

sob pena de se instalar verdadeiro caos na JT em face da disparidade de entendimentos que, ao

certo, serão adotados pelos juízes e tribunais, gerando prejuízo à própria imagem da JT.

Indispensável, portanto, a edição de nova lei a que se refere o art. 113 da CF.

Em suma, nada justifica mudar o procedimento só porque se alterou o órgão competente para

julgar a causa, ao menos sem que haja lei expressa neste sentido35.

Data maxima venia, tal procedimento por parte dos juízes (mudança dos ritos sem lei

autorizando), em todos os casos, seria violador do princípio do devido processo legal e do

próprio Estado Democrático de Direito.

Já foi dito, no entanto, que a adoção do rito procedimental previsto na CPC e na legislação

esparsa conduzirá a um verdadeiro tumulto administrativo-jurisdicional, num primeiro momento,

já que a JT não está preparada, em todos os sentidos, para tão radical mudança. Contudo, não

podemos ser levados por este despreparo momentâneo para caminhos à margem da lei ou,

34 Cabe ressaltar, porém, que o art. 789 da CLT, quanto ao regime das custas, estabelece que devem ser adotadas as regras ali mencionadas “nos dissídios individuais e nos dissídios

coletivo do trabalho, nas ações e procedimentos de competência da Justiça do Trabalho...”. Assim, às novas ações de competência da JT se aplicam as regras da CLT quanto as custas

processuais, incluive quanto ao seu recolhimento quando da interposição do recurso (seja ele qual for).

35 A exemplo do projeto de lei do Senado n. 288, em trâmite na Câmara dos Deputados, que prevê para as ações ali mencionadas (representantes comerciais, corretor, transportador,

empreiteiro, etc) a adoção do rito procedimental regulado na CLT.

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simplesmente, a adotar posições (políticas) do que entendemos ser o ideal em termos de

prestação jurisdicional. Tudo isso poderá conduzir a um maior desprestigio da JT.

É preciso, portanto, perceber, em sua profundidade, a grandeza da mudança, aceitando-se, quer

queira ou não, o entendimento de que a Justiça do Trabalho deixou de ser apenas uma “justiça da

CLT”, inclusive em sua parte processual.

Assim, data venia dos doutos que se posicionam em contrário, às novas ações de competência da

JT, até ulterior alteração legislativa, aplicam-se às regras procedimentais previstas no CPC e na

legislação processual esparsa, em toda sua extensão e com todas as suas conseqüências, inclusive

quanto ao sistema recursal.

Cabe lembrar, ainda, que, em se tratando de matéria de ordem pública, definidora de

competência material, todos os feitos em curso na Justiça Comum e na Justiça Federal, inclusive

nos respectivos Juizados Especiais, devem ser remetidos à JT.

Tudo isso implica, de imediato, na necessidade da alteração dos regimentos internos dos

tribunais, pois a eles compete conhecer dos recursos cíveis pertinentes, inclusive dos embargos

infringentes.

Situação curiosa resta em torno do recurso para o TST. É que o recurso especial somente é

cabível para o STJ contra decisões proferidas pelos TRF´s e TJ´s. Outrossim, a CLT apenas

prevê o recurso de revista para as causas ali disciplinadas. Logo, até que lei trate da matéria, as

causas cíveis de competência da JT são irrecorríveis para o TST, comportando, porém, em

matéria constitucional, o recurso extraordinário, diretamente para o STF.

Em relação ao Juizado Especial, este poderá ser criado no âmbito da JT, desde que haja

autorização dada por lei ordinária. Até lá, as causas que seriam da competência dos Juizados

Especiais ficam sujeitas aos ritos disciplinados no CPC, no âmbito da JT, inclusive aquelas ações

em curso antes da promulgação da Emenda da Reforma do Judiciário.

Por fim, lembro que, até que haja lei dispondo em contrário, “quando, para cada pedido,

corresponder tipo diverso de procedimento, admitir-se-á a cumulação, se o autor empregar o

procedimento ordinário” (§ 2º do art. 292 do CPC). Assim, não sendo mais a Justiça do

Trabalho uma “justiça da CLT”, em havendo cumulação da ação trabalhista (procedimento

especial) com outra ação de procedimento diverso, dever-se-á adotar o rito ordinário previsto no

CPC36.

36 Conforme lembrado anteriormente, no projeto de lei do Senado n. 288, em trâmite na Câmara dos Deputados, está previsto que as ações ali mencionadas (representantes comerciais,

corretor, transportador, empreiteiro, etc), quando cumuladas com a ação trabalhista, devem adotar o rito procedimental regulado na CLT. Tudo depende da lei, portanto.

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Novembro-dezembro/2004

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