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133 REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 21, Nº 47: 133-153 SET. 2013 RESUMO COMO SE EXPLICA O NEOLIBERALISMO NO BRASIL? UMAANÁLISE CRÍTICA DOS ARTIGOS PUBLICADOS NA REVISTA DADOS Lucas Massimo ARTIGOS Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 21, n. 47, p. 133-153, set. 2013 Recebido em 28 de março de 2013. Aprovado em 25 de julho de 2013. O artigo analisa a produção bibliográfica publicada pela revista Dados acerca da implantação das reformas orientadas para o mercado no Brasil, durante os anos 1990, com vistas a mapear as diferenças e as semelhanças entre as explicações predominantes nesse periódico. A análise foi realizada por meio da confecção de fichas de leitura para isolar a estrutura lógica da argumentação de cada artigo analisado. A grade de leitura discerniu os seguintes elementos estruturantes: (i) o problema e pergunta de pesquisa; (ii) o objeto; (iii) os objetivos e conclusões, e por fim, (iv) a tese de cada artigo. Por meio do enquadramento de 38 artigos foi possível constituir três famílias de argumentos: a primeira ressalta os argumentos sociológicos, identificando três explicações para as quais a causa das reformas encontra-se na sociedade brasileira. A segunda reúne duas explicações pragmáticas, que postulam a inexorabilidade das reformas orientadas para o mercado. A terceira constitui-se por duas explicações institucionalistas, que procuram nas instituições políticas a causa para a implantação das reformas neoliberais. O artigo revela que as análises das reformas neoliberais no Brasil foram realizadas a partir de dados empíricos ricos e diversificados, mas que, por outro lado, ainda denotam um debate teórico e conceitual bastante incipiente. PALAVRAS-CHAVE: neoliberalismo; análise bibliográfica; revista Dados; Economia Política brasileira; Sociologia Política brasileira. I. INTRODUÇÃO: O QUE SÃO REFORMAS NEO- LIBERAIS E POR QUE ESTUDÁ-LAS EM UM PERIÓDICO CIENTÍFICO 1 Como se explica a implantação das reformas orientadas para o mercado no Brasil? Como se interpretou o neoliberalismo no Brasil? Por meio de quais operações analíticas, ou, ainda, por meio de quais conexões causais a produção intelectual de sociólogos, economistas e cientistas políticos explica a implantação das reformas? Este artigo propõe algumas repostas por meio da análise de um levantamento bibliográfico sobre as reformas neoliberais. Especificamente, o artigo analisa os textos publicados pela revista Dados acerca desse assunto. Como podemos contextualizar um esforço dessa natureza? Há pelo menos dez anos a produção intelectual de pesquisadores situados no campo da Ciência Política e áreas afins vem crescendo substancialmente, em um movimento que está diretamente relacionado à expansão dos programas de pós-graduação em Ciência Política no Brasil 2 . O aumento de teses, dissertações, artigos e livros publicados por esses especialistas constituiu um objeto que tem chamado cada vez mais a atenção de pesquisadores que procuram mapear, classificar e discernir os eixos temáticos nos quais se organizam essa produção. Os recentes levantamentos da produção intelectual na área de Ciência Política não devem ser confundindos com os trabalhos que fazem a história da Ciências Sociais no Brasil em geral (SCHWARTZMAN, 1979; MICELI, 2001; TRINDADE, 2005), e, de modo mais específico, que tratam da constituição da pós-graduação em Ciência Política (LAMOUNIER, 1982; QUIRINO, 1994; 1 Este artigo é uma versão condensada do segundo capítulo da dissertação de mestrado defendida em abril de 2012 no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política do IFCH/Unicamp. Agradeço aos valiosos comentários realizados por Renato Perissinoto, Adriano Codato e Fernando Leite. A versão integral da dissertação foi aceita para a publicação em um livro, editado pela editora Apris, cujo lançamento está previsto para o segundo semestre de 2014. 2 Os indicadores de produção científica elaborados pelo comitê de Ciência Política e Relações Internacionais da Capes foram feitos com base em dez programas de pós-graduação em 1999, ao passo que, em 2009, na mesma relação apareciam 26 programas (CAPES, 2013).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 21, Nº 47: 133-153 SET. 2013

RESUMO

COMO SE EXPLICA O NEOLIBERALISMO NO BRASIL?UMA ANÁLISE CRÍTICA DOS ARTIGOS PUBLICADOS NA

REVISTA DADOS

Lucas Massimo

ARTIGOS

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 21, n. 47, p. 133-153, set. 2013Recebido em 28 de março de 2013.Aprovado em 25 de julho de 2013.

O artigo analisa a produção bibliográfica publicada pela revista Dados acerca da implantação das reformasorientadas para o mercado no Brasil, durante os anos 1990, com vistas a mapear as diferenças e as semelhançasentre as explicações predominantes nesse periódico. A análise foi realizada por meio da confecção de fichas deleitura para isolar a estrutura lógica da argumentação de cada artigo analisado. A grade de leitura discerniu osseguintes elementos estruturantes: (i) o problema e pergunta de pesquisa; (ii) o objeto; (iii) os objetivos e conclusões,e por fim, (iv) a tese de cada artigo. Por meio do enquadramento de 38 artigos foi possível constituir três famílias deargumentos: a primeira ressalta os argumentos sociológicos, identificando três explicações para as quais a causadas reformas encontra-se na sociedade brasileira. A segunda reúne duas explicações pragmáticas, que postulam ainexorabilidade das reformas orientadas para o mercado. A terceira constitui-se por duas explicaçõesinstitucionalistas, que procuram nas instituições políticas a causa para a implantação das reformas neoliberais. Oartigo revela que as análises das reformas neoliberais no Brasil foram realizadas a partir de dados empíricos ricose diversificados, mas que, por outro lado, ainda denotam um debate teórico e conceitual bastante incipiente.

PALAVRAS-CHAVE: neoliberalismo; análise bibliográfica; revista Dados; Economia Política brasileira; SociologiaPolítica brasileira.

I. INTRODUÇÃO: O QUE SÃO REFORMAS NEO-LIBERAIS E POR QUE ESTUDÁ-LAS EM UMPERIÓDICO CIENTÍFICO1

Como se explica a implantação das reformasorientadas para o mercado no Brasil? Como seinterpretou o neoliberalismo no Brasil? Por meio dequais operações analíticas, ou, ainda, por meio de quaisconexões causais a produção intelectual de sociólogos,economistas e cientistas políticos explica a implantaçãodas reformas? Este artigo propõe algumas repostaspor meio da análise de um levantamento bibliográficosobre as reformas neoliberais. Especificamente, oartigo analisa os textos publicados pela revista Dadosacerca desse assunto.

Como podemos contextualizar um esforço dessanatureza? Há pelo menos dez anos a produção

intelectual de pesquisadores situados no campo daCiência Política e áreas afins vem crescendosubstancialmente, em um movimento que estádiretamente relacionado à expansão dos programasde pós-graduação em Ciência Política no Brasil2. Oaumento de teses, dissertações, artigos e livrospublicados por esses especialistas constituiu um objetoque tem chamado cada vez mais a atenção depesquisadores que procuram mapear, classificar ediscernir os eixos temáticos nos quais se organizamessa produção.

Os recentes levantamentos da produção intelectualna área de Ciência Política não devem serconfundindos com os trabalhos que fazem a históriada Ciências Sociais no Brasil em geral(SCHWARTZMAN, 1979; MICELI, 2001;TRINDADE, 2005), e, de modo mais específico, quetratam da constituição da pós-graduação em CiênciaPolítica (LAMOUNIER, 1982; QUIRINO, 1994;

1 Este artigo é uma versão condensada do segundo capítulo dadissertação de mestrado defendida em abril de 2012 no Programade Pós-Graduação em Ciência Política do IFCH/Unicamp.Agradeço aos valiosos comentários realizados por RenatoPerissinoto, Adriano Codato e Fernando Leite. A versão integralda dissertação foi aceita para a publicação em um livro, editadopela editora Apris, cujo lançamento está previsto para o segundosemestre de 2014.

2 Os indicadores de produção científica elaborados pelo comitêde Ciência Política e Relações Internacionais da Capes foramfeitos com base em dez programas de pós-graduação em 1999,ao passo que, em 2009, na mesma relação apareciam 26programas (CAPES, 2013).

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COMO SE EXPLICA O NEOLIBERALISMO NO BRASIL?

FORJAZ, 1997). Esses trabalhos já vêm sendorealizados há pelo menos 40 anos e fazem parte dosesforços empreendidos para fazer a Sociologia doConhecimento no país, a tal ponto que, ela mesma, játenha se constituído como uma subárea autônoma daSociologia, com perspectivas teórico-metodológicasbastante consolidadas e, em certa medida, antagônicasumas em relação às outras3.

Ainda que com algumas semelhanças, acaracterística mais marcante dessa nova onda delevantamento bibliográfico é sua concentração sobrea produção que aparece em periódicos científicos, emteses e dissertações e em comunicações apresentadasem congressos científicos. Com a disseminação dacomunicação científica em meios eletrônicos,ocorreram esforços consistentes para sistematizar essaprodução em bancos de dados, com vistas a procurartendências e padrões da produção intelectual posteriorà segunda metade da década de 1990 – esse será,com efeito, um traço marcante que distingue essa novaonda de levantamentos bibliográficos realizados a partirdos anos 2000.

Entre esses trabalhos podemos distinguir pelomenos dois enfoques: o primeiro faz uma taxonomiade alguns elementos básicos de artigos publicados nosperiódicos classificados em extratos elevados noranking Qualis, elaborado pela Capes. Trata-se declassificar características dos artigos como, porexemplo, o tipo de metodologia empregada, a naturezadas fontes mobilizadas nos artigos e até o perfil dosseus autores, como seu gênero e sua vinculaçãoinstitucional. Este primeiro enfoque resulta em umaanálise morfológica dos artigos que tem sidopublicados no Brasil, e seus indicadores assumem umcaráter quase que bibliométrico (SOARES, SOUZA& MOURA, 2010; OLIVEIRA, 2011).

O segundo enfoque também procura anotartendências e regularidades na produção dos periódicos,mas, indo um pouco além das análises estatísticas,esse enfoque lança hipóteses acerca da constituição econfiguração de um campo intelectual que nem sempre

coincide com as fronteiras disciplinares da CiênciaPolítica praticada nos programas de pós-graduaçãomais longevos do país. À diferença do primeiroenfoque, o segundo elabora tipologias capazes declassificar os temas analisados nos artigos – este é ocaso dos trabalhos de Fernando Leite, que propõemum cruzamento entre duas dimensões: os temas e asabordagens podem variar em um eixo que oscila doteoricismo ao empiricismo, e, na segunda dimensão,a variância ocorre entre o politicismo e o societalismo(LEITE, 2010a; 2010b).

A nossa proposta neste artigo também se inserenesta nova onda de levantamentos bibliográficosrealizados a partir da produção de periódicoscientíficos, mas ela difere do que vem sendo realizadoem dois aspectos: em primeiro lugar, este trabalho nãoanalisa toda a produção dos periódicos, mas apenasuma parte dela – no caso da revista Dados,selecionamos um décimo do que foi publicado duranteo período analisado. Em segundo lugar, sacrificamosa tabulação de uma grande quantidade de artigos emfavor de uma exegese dos seus argumentos centrais,detendo-nos, particularmente, sobre a lógica quesustenta as explicações. Com isso escolhemos analisarem profundidade a forma como são construídas asteses e hipóteses mobilizadas na bibliografia para aexplicação de um assunto. É importante salientar queessa pretensão não está presente em nenhum doslevantamentos realizados nesses trabalhos que ocorrema partir da década de 2000, uma vez que, em todoseles, os dados de que parte a análise resultam de umaanálise transversal que não toca nos conteúdos dosargumentos de cada artigo.

O foco deste trabalho recai sobre como sãoconstruídas as explicações sobre o neoliberalismo noBrasil: queremos entender exatamente quais as causasque explicam a ocorrência das reformas, quais ossentidos de suas operações de causalidade, o queexplica e o que é explicado em cada artigo. Portanto,a análise da estrutura lógica dos argumentos faz comque o objeto de nossa investigação sejam as explicaçõesque aparecem nos artigos, e não os artigos queaparecem nos periódicos. Consequentemente, nãopretendemos elaborar um perfil dos periódicos,descobrir qual perspectiva teórico-metodológica éhegemônica, nem tampouco analisar as tensões quedefinem esse ambiente.

E por que, afinal de contas, realizar essa pesquisanos periódicos? Como podemos justificar a escolhada revista Dados como fonte de coleta das explicações?Os artigos publicados em uma revista de excelênciaexprimem, em alguma medida, o que acontece em umdeterminado campo do conhecimento, já que, tendo

3 Referimo-nos às críticas de André Botelho e Elide RugaiBastos a Sérgio Micelli (BASTOS & BOTELHO, 2010). Osprimeiros, adeptos da sociologia das ideias, enfatizam aimportância de ler a obra dos grandes intérpretes do Brasilcomo um objeto em si, destacando o componente normativo desuas teses, que aparece quando se considera as ideias comoforças políticas em si mesmas. No campo de Sérgio Micelli,por outro lado, as questões centrais tratam da origem socialdos intelectuais brasileiros, sua trajetória acadêmica, mas,sobretudo, das relações que se podem estabelecer entre suaorigem social, socialização no mundo intelectual e o modo comopraticam ciências sociais no Brasil.

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sido arbitrados por pares, tais artigos receberam achancela acadêmica de um corpo de editores e de umacomunidade de avaliadores4. Para efeito de síntese,trazemos neste artigo apenas os resultados encontradosem Dados, mas durante a pesquisa analisamos textospublicados nas revistas Economia e Sociedade, LuaNova, Revista de Economia Política, RevistaBrasileira de Ciências Sociais e Novos Estudos – aliteratura internacional foi consultada de modo maiscircunstancial. Todos esses periódicos publicaramartigos sobre este assunto em particular, a implantaçãodas reformas orientadas para o mercado no Brasil,durante a década de 1990.

Por que propor uma revisão bibliografica sobreesse assunto se a conjuntura econômica da década de2010 modificou-se bastante com relação à da décadade 1990? Atualmente tem se escrito muito sobre umnovodesenvolvimentismo no Brasil (BIANCARELI,2012). Essas elaborações dialogam diretamente como velho desenvolvimentismo, que já foi amplamenteestudado (BIELSCHOWSKY, 1995), mas quando sereferem ao seu imediato sucedâneo, o neoliberalismo,aí reside um impensado, um vazio teórico e conceitualrelativo às transformações experimentadas no Brasildurante a década de 1990. Como pretendemosdemonstrar, existem algumas fraquezas conceituaisassociadas ao modo predominante como se pratica asociologia política no Brasil, e este artigo pretendecontribuir para sanar essas deficiências,circunscrevendo as inconsistências verificadas nosestudos sobre o neoliberalismo.

É consenso que na década de 1990 a estruturasócioeconômica brasileira passou por transformaçõescapazes de superar o nacional desenvolvimentismo,um modelo de crescimento econômico que logrou,em pouco menos de 50 anos, converter uma estruturaeconômica centralizada na lavoura, e direcionada parao mercado externo, em uma sociedadepredominantemente urbana, dinamizada pelos circuitosda produção industrial (OLIVEIRA, 1976). Essastransformações operam em pelo menos duasdimensões: em um plano extensional, é necessárioreverter expectativas de um sem número de agenteseconômicos acerca do paradigma de modeloeconômico. Cada qual se integra à economia domésticaà sua maneira, determinada pelas peculiaridades dosetor em que atua, e da região na qual está situado. Eapesar da enorme heterogeneidade, as mais diversasestruturas econômicas domésticas irão, ao longo de

uma década, e com graus diferentes de resistência,conformar-se ao novo ambiente concorrencial. Esseprocesso implica o desaparecimento de muitasempresas5, e isso não seria possível sem uma profundareorientação dos valores acerca do que é novo eultrapassado em matéria de desenvolvimentoeconômico. Por isso as reformas supõem umaprofunda mudança de atitudes, comportamentos eexpectativas que, operando em um plano intencional,difundirá novos conteúdos afinados à novamodernidade orientada, agora, para o mercado.

Isso deve ser levado em conta para se aquilatar aamplitude e a intensidade da classe de fenômenosdiscriminados pela expressão “reformas orientadas parao mercado”6. Diante disso, consideraremos que esseconjunto de transformações pode ser vislumbrado emum quadro relativamente bem delimitado quando seenfatiza cinco conjuntos de reformas: (i) aberturacomercial, que significa a eliminação de alíquotas deimportação, a centralização de tarifas alfandegárias ea eliminação ou redução de barreiras não tarifárias;(ii) liberalização financeira, que ocorre por meio daeliminação ou redução dos programas de créditodirigido, da eliminação dos controles sobre taxas dejuros, da reforma da legislação bancária e do mercadode capitais; (iii) liberalização do regime deinvestimentos estrangeiros, que implica a quebra demonopólios em áreas estratégicas e o fomento aosmovimentos de fusões e aquisições, recompondo amalha empresarial doméstica, agora com amplaparticipação de empresas estrangeiras; (iv)privatizações de serviços públicos e empresas estatais;(v) a desregulamentação do mercado de trabalho,caracterizada pela redução do orçamento de instituiçõesde seguridade social, o fomento à prática deterceirização, a exclusão da excepcionalidade do regimede contratação por tempo determinado, asubcontratação, a disseminação de contratos deaprendizagem e formação. Esse sumário é umaadaptação da lista proposta por Sebastião Velasco e

4 Não admitimos no universo ensaios, resenhas, homenagenspóstumas, relatórios de pesquisa e comunicações derivadas decongressos científicos.

5 Informações disponíveis sobre a reestruturação produtivaindicam que o movimento de concentração da malha empresarialadquire consistência durante a década de 1990, passando de 22operações fusões e aquisições em 1991 para 169 em 1997(MIRANDA & MARTINS, 2000, p. 71).6 Existe uma divergência entre os pesquisadores desse assuntosobre as oscilações terminológicas entre a expressão “reformasneoliberais” e “reformas orientadas para o mercado”. Adivergência ocorre em torno da eficácia da segunda formulaçãoem descrever as reformas que ocorrem no âmbito das instituiçõesestatais (BOITO JUNIOR, 1999, p. 28). Este artigo não propõenenhuma discussão conceitual, portanto tomaremos ambascomo sinônimos.

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COMO SE EXPLICA O NEOLIBERALISMO NO BRASIL?

Cruz acerca das reformas de ajustes estruturais(VELASCO E CRUZ, 2004).

O artigo está organizado em quatro seções, alémdesta introdução. Apresentaremos, na seção II, a nossagrade de leituras, isto é, a ferramenta utilizada para aanálise da estrutura lógica da argumentação de cadaartigo. No terceiro subitem descrevemos os resultadosda análise, discriminando quais são as explicações maisfrequentes na produção do periódico e quais são seusnexos causais mais contundentes. No quarto tópicoapresentamos duas modalidades de crítica a essasexplicações, uma referente aos seus pressupostoslógicos e outra relativa às suas consequênciasanalíticas. Por fim, na conclusão, resumimos o quefoi tratado previamente, frisando os limites e o alcanceda proposta deste artigo.

II. MATERIAIS E MÉTODOS: A GRADE DELEITURA

Os cinco itens apresentados acima descrevem oque nos referimos como sendo reformas neoliberais.Eles também foram utilizados como critério para aconstituição do universo bibliográfico investigado:selecionamos todos os artigos publicados pela revistaDados, entre janeiro de 1990 e dezembro de 2006(quando encerramos a coleta), que tratavam, diretaou indiretamente, de pelo menos um dos cinco pontosmencionados. Com esse procedimento, constituímosum universo de artigos minimamente representativoda produção intelectual de cientistas políticos,economistas e sociológos brasileiros, por meio de umcritério objetivo, sujeito à validação. Entre janeiro de1990 e dezembro de 2006, Dados publicou 348 artigos– aqui estão reunidas todos os itens mencionados nosumário de cada fascículo. A partir da análise dessematerial, e da leitura de todos os resumos, detectamosque 38 artigos guardavam alguma relação com os cincoitens da pauta de reformas7.

A partir das leituras e releituras de cada um dessesartigos, construímos uma grade de leitura para isolare extrair a estrutura lógica de sua argumentação. Essagrade é formada por três elementos. O primeiro delesé o problema do artigo, e ele procura entender em quecontexto (intelectual) o texto deve ser lido?Formulando a resposta para essa interrogação em umafrase, elaboramos para cada artigo um problema, ouseja, uma frase que expressasse para quaisinterlocutores o artigo apontava, com quais tipos de

abordagens ele poderia dialogar. Isso revelou-nos oque ordinariamente se conhece pelo tema do artigo.Entretanto, o tema indica a filiação a uma dadacorrente, a adoção de uma agenda de pesquisa, aaplicação de uma proposta metodológica, em sentidolato, a pertença a uma comunidade de saber. Issonão é suficiente para precisar a contribuição do artigoà comunidade na qual ele se insere. Para isso,inquirimos a cada artigo qual seria a sua pergunta depesquisa, ou seja, dentro de um dado conjunto deestudos, qual é a pergunta que aquele artigo querresponder, como ele visa contribuir com os autoresque estudam o mesmo tema. Problema e pergunta,como ferramentas de análise, adquirem sentidosomente em relação uma ao outro, pois a segundavisa especificar o primeiro.

Segundo nossa grade de leituras, aquilo quechamamos de pergunta do artigo – “o que se querexplicar?” – normalmente indica à sua tese, “o queexplica?”. O problema mais a pergunta, e a tese,resumem a estrutura lógica da argumentação, umesquema que elaboramos a partir de cada um dosartigos lidos, com a qual pudemos detectar quais asexplicações substantivas daquele subconjunto deartigos para a implantação das reformas neoliberaisno Brasil, durante a década de 1990.

Essas três ferramentas são mobilizadas em umesforço de interpretação, elaboração e análise que vaialém do que está escrito pelos próprios autores;portanto, elas são ferramentas estéreis (por seremabstratas) sem a referência direta àquilo que o artigoestuda. Por isso, procuramos registrar em cada textoo seu “objeto”, os seus “objetivos” e suas “principaisconclusões”. O objeto é “aquilo que é explicado”. Oque o artigo investiga, qual o espaço-tempo daquiloque ele trata, o que de mais importante ele descreve,interpreta ou explica. No objetivo procuramos anotaros pontos de saída do artigo, e nas conclusõesprocuramos registrar seus principais pontos dechegada, seus achados mais importantes8.Esquematicamente, estes artifícios metodológicosestão resumidos no Quadro 1.

7 A menção a pelo menos um dos cinco itens ocorre em 57resumos, porém, em 19 artigos os fenômenos analisados nãofaziam referência ao caso brasileiro, por isso eles foram excluídosdo universo.

8 É importante sublinhar que o que as fichas de leitura registramcomo “objeto”, “objetivo” e “conclusões” são excertosparafraseados dos artigos, ao passo que “problema”, “pergunta”e “tese” são proposições nossas, em alguma medida arbitrárias,visto que resultam da releitura na qual se assenta nossa análise.Em situações limite, os autores dos artigos poderiam até mesmodiscordar dessas proposições. Entretanto, sempre que falarmosem “a tese” do artigo, está-se fazendo referência a uma ideiaque elaboramos a partir do texto, e isso deve atenuar o grau dearbitrariedade de nossa interpretação.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 21, Nº 47: 133-153 SET. 2013

Esse quadro resume a ferramenta de pesquisautilizada para detectar padrões de argumentação semincorrer em generalizações infecundas que, a nossover, obscureceriam o modo como os autores explicama implantação das reformas orientadas para o mercadono Brasil durante a década de 1990. Foi possível refinaro universo de 57 artigos previamente selecionados,escolhendo-se os 38 artigos constitutivos do universobibliográfico analisado.

III. RESULTADOS: TRÊS FAMÍLIAS DE ARGU-MENTOS SOBRE A IMPLANTAÇÃO DASREFORMAS ORIENTADAS PARA OMERCADO

Tendo em vista organizar e sistematizar os nexosde causalidade encontrados na produção da revistaDados, procuramos isolar e agrupar os traços maisfrequentes que apareceram nas fichas de leitura. Comoresultado, classificamos as explicações sobre aimplantação das reformas neoliberais no Brasil durantea década de 1990 em três famílias de argumentos: (i)argumentos sociológicos, isto é, aqueles que procuramas causas das reformas na sociedade brasileira; (ii)argumentos pragmáticos, reunindo as explicações quepostulam a inexorabilidade das reformas neoliberais e(iii) argumentos institucionalistas, que agregam asexplicações segundo as quais as causas das reformasdevem ser buscadas nas instituições políticasbrasileiras.

A categorização em famílias de argumentos foirealizada a partir da ideia de semelhança de família,

uma noção elaborada por Abraham Kaplan provenientedo conceito de “Family Meanigs”, que Kaplanapresenta dessa maneira: “Wittgenstein nos provê ametáfora iluminadora da ‘família de significados’:semelhança familiar não trata de alguns atributosdefinitivos, comuns a todos os membros da Família,mas ao compartilhamento de uns ou outros atributos,suficientes para mostrar a semelhança entre doismembros da Família”9 (KAPLAN, 1964, p. 48).

No nosso caso a categorização por famílias écrucial, porque praticamente não existe na produçãode Dados explicações tipicamente monocausais, valedizer, explicações simples e lineares, onde o fenômenoA causa, explica ou determina (sozinho) o fenômenoB. Com efeito, isso não ocorre. Entretanto, quandoagregadas por famílias, é possível notar que, em umafamília de argumentos, normalmente as teses sãocontruídas de modo similar, ou, de modo mais preciso,as operações lógicas que lhes dão sustentação sãobastante semelhantes.

Desse modo, em algumas fichas, a tese do artigosugere que a fragmentação do empresariado explica adesarticulação da política industrial, enquanto outra

9 No original: “Wittgenstein provides us with the iluminatingmetaphor of a ‘Family of meanings’: family resemblance is nota matter of some definite features common to all the memeberof the Family, but the sharing of some features or other, enoughto show the resemblance, by any two member of the Family”(Nota e Tradução do Revisor).

QUADRO 1 – MODELO DE FICHA DE LEITURA PARA A ANÁLISE DOS ARTIGOS

Problema de pesquisa (tema)

Pergunta

Objeto

Objetivo

Principais conclusões

TESE

Nesse campo procuramos descrever o que contexto intelectual em que oartigo deve ser lido. Não é apenas o tema, ou o assunto, porque essecampo ajudará, com o campo abaixo, a deduzir a abordagem e ametodologia do autor.

Dentro do problema, qual é a pergunta que o artigo pretende responder? (oque se quer explicar)

Aqui se apresenta o quê, exatamente, o artigo descreve, interpreta ouexplica.(o que é explicado)

O “objetivo” do artigo é o ponto de partida. Com as conclusões é possívelverificar a consistência interna da argumentação, cotejando o que “promete”com aquilo que ele “entrega”.

Aqui é cercado o ponto de chegada do artigo, suas conclusões maisrelevantes para o problema de pesquisa, ou para os pesquisadores quese trabalham com o mesmo problema. Artigos inconsistentes apresentamdefasagens entre o “objetivo” e as “principais conclusões”, e vice-versa.

No campo TESE procuramos resumir:1. A tese do autor 2. Se o artigoresponde sua pergunta 3. A ideia-força do artigo, seu nexo explicativo maiscontundente (o que explica).

FONTE: O autor.

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COMO SE EXPLICA O NEOLIBERALISMO NO BRASIL?

tese sugere que a profissionalização da representaçãode interesses explica o sucesso do lobby dos industriaisno Congresso Nacional. Tanto uma como a outrasugerem que a causa da implantação das reformasneoliberais deve ser buscada na qualidade doempresariado. Ele é fragmentado ou ele é bemarticulado? Ao atribuir às qualidades do empresariadodoméstico o nexo causal mais contundente para aexplicação da implantação das reformas neoliberais,essa tese sugere que se procure na sociedade asexplicações desse fenômeno. É diferente das teses queprocuram essas causas nas estratégias perseguidaspela Presidência da República, ou na relação entre ospoderes Executivo e Legislativo: aqui a explicaçãoconcentra-se sobre o que acontece nas instituiçõespolíticas, e não na sociedade.

A seguir, apresentaremos em detalhes cada umadas famílias de argumentos encontradas na produçãodo periódico.

III.1. As explicaçãos sociológicas

A primeira família de argumentos caracteriza-sepor procurar na sociedade brasileira as causas queexplicam a implantação das reformas neoliberais. Aindaque bastante genérica, essa proposição permitedemarcar a diferença com as explicações queinvestigam nas instituições políticas as causas para asreformas.

Esse quadro fica melhor delineado diante das tesespropostas nessa família de argumentos. A explicaçãosociológica ramifica-se em três modalidades deconexões causais, cada qual explicando a implantaçãodas reformas à sua maneira: a primeira causa daimplantação das reformas encontra-se na qualidadedo empresariado doméstico; conforme a segundacausa, os conflitos distributivos explicam a implantaçãodo neoliberalismo no Brasil; a terceira relação decausalidade explica a implantação das reformas a partirda cultura e dos valores dominantes na sociedadebrasileira durante a década de 1990.

A primeira explicação sociológica procura naspropriedades do empresariado industrial nacional asrazões para a implantação das reformas. Aqui asexplicações dividem-se em duas teses: uma explica aimplantação das reformas a partir da fragmentação eda heterogeneidade da representação política dosinteresses industriais, e a outra explica-as a partir dasua unidade em torno de uma bandeira (a redução do“custo-brasil”), e da coerência obtida comprofissionalização da representação dos interesses daindústria pela Confederação Nacional da Indústria(CNI), com o decorrente incremento da eficácia dolobby empresarial no Congresso Nacional.

A tese que explica a implantação das reformasneoliberais pela fragmentação do empresariado admiteque os empresários compartilhavam, ao final da décadade 1980, uma ideologia antiestatal, mas que foramincapazes de organizar um projeto hegemônico a partirdos interesses da indústria. Nessa tese afirma-seostensivamente que a debilidade da ação política doempresariado deve-se às suas ambiguidades econtradições com relação à pauta das reformasneoliberais10. E, como consequência dessasambiguidades, “a falta, por parte dos principais porta-vozes do empresariado, de um projeto de longo prazo,dotado de consistência e coerência internas, contendoas especificações em torno de propostas para asdiferentes áreas de problemas, determina a grandediversidade de conflitos quando da implementação deprogramas globais de que afetam o conjunto daeconomia” (DINIZ, 1991, p. 354).

Segundo Eli Diniz, essas ambiguidades também severificam na disputa pelo desenho da organizaçãosindical e dos direitos trabalhistas. Segundo a autora,“os empresários opuseram-se sistematicamente àstentativas de desmantelamento da estrutura corporativaoficial” (ibidem), mas perfilaram organizada oposiçãoaos principais defendidos pelas Central Única dosTrabalhadores (CUT) e pela Central Geral dosTrabalhadores (CGT)11.

A segunda tese que se ampara nas qualidades doempresariado doméstico como fator explicativoenfatiza exatamente o oposto. Ela observa naprofissionalização da representação dos interesses avariável fundamental para o êxito do lobby realizadopela CNI no Congresso Nacional.

10 Expressamente: “Assim, apesar do prevalecimento daposição de abertura ao capital estrangeiro, é possível detectarvariações que oscilam do liberalismo radical à defesa da reservade mercado. Coexistindo com a crítica ao capitalismo cartorial,observou-se, no decorrer do debate público em torno dadesregulamentação, considerável resistência, no meioempresarial, à proposta do Estado de eliminar as intervençõespara salvar empresas à beira da falência. Ao lado da demandageneralizada pela contenção dos gastos públicos e redução dodéficit, considerados como causa fundamental da inflação, nãoforam infrequentes as ações de oposição sistemática às tentativasde cortar subsídios e rever a política de incentivos. Em algunscasos chegou-se mesmo a solicitar o aumento dos subsídios”(DINIZ, 1991, p. 354).11 Nas palavras da autora: “Medidas consideradas imprescindí-veis pelas lideranças sindicais, como o direito irrestrito de greve,a redução da jornada de trabalho, a estabilidade no emprego, opagamento em dobro de horas-extras, a extensão da licença àgestante, foram duramente combatidas pelo empresariado,constituindo uma de suas preocupações centrais a tentativa dederrotá-las na fase final da Constituinte” (idem, p. 355).

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A tese de Mancuso (2004) contrapõe-se à ideia dadebilidade do empresariado industrial brasileiro; paraverificá-la, o autor mensura a eficácia do lobbyrealizado pela CNI no parlamento brasileiro. Suasevidências indicam que o empresariado industrialbrasileiro é geralmente mais bem-sucedido em suasincursões sobre o campo da política do que parte daliteratura faz crer.

Um dos elementos cruciais para a tese da debilidadeé a inépcia do empresariado para unificar-se em tornode uma bandeira, como fica mais ou menos explícitonas citações de Eli Diniz. “Em geral, a debilidade queesses trabalhos apontam pode ser entendida como aincapacidade do empresariado industrial em atingir umconsenso em torno de objetivos comuns, assim comode mobilizar um apoio decidido para a realização dessesobjetivos. Na situação particular em que o país seencontra, marcada pela mudança do modelo dedesenvolvimento econômico, a debilidade manifesta-se na incapacidade de definir e promover as decisõespolíticas necessárias para incrementar suacompetitividade; em outras palavras, na incapacidadede oferecer um apoio eficaz para a redução do custoBrasil” (idem, p. 511)

Segundo Mancuso, a atuação da CNI em favor daredução do custo-brasil alterou esse quadro. Além disso,a abertura comercial realizada ao longo da década de1990 transformou profundamente as condições decompetitividade da indústria brasileira. Esse é umprimeiro fator que, nessa tese, condiciona uma mudançanas propriedades do empresariado industrial. Essastransformações no ambiente provocariam um desgasteem um dos pilares da tese da fragmentação doempresariado, pois o comportamento auto-centrado eauto-referido que dizia Eli Diniz seria mais oneroso nessenovo ambiente concorrencial12.

O segundo elemento que ampara a tese do sucessodo empresariado enfatiza o papel desempenhado pelasentidades empresariais de maior abrangência, como a

CNI e a Federação das Indústrias do Estado de SãoPaulo (Fiesp) na articulação dos interesses doempresariado junto às instâncias decisórias. Por isso,a ideia de profissionalização na representação dosinteresses explica o sucesso da mobilização da CNIsobre o congresso nacional13.

Os artigos de Mancuso (2004) e Diniz (1991) sãoduas manifestações de como a explicação sociológicaelabora suas teses tendo em conta as transformaçõesque ocorrem na sociedade brasileira. Esse é o traçomais saliente da primeira família de argumentos, quetambém fica bem nítido quando a explicação ocorrepela via dos conflitos distributivos.

A ideia de conflitos distributivos como causa daimplantação das reformas neoliberais aparece naexplicação sociológica sob duas ênfases: por um ladoconflitos distributivos descrevem predominantementea ação dos agentes sociais e por outro os conflitosdistributivos discernem majoritariamente astransformações nas estruturas sociais nas quaisacontece o conflito de interesses.

A primeira forma de explicação enfatiza aracionalidade dos atores em situação de conflitodistributivo (SMITH, 1993). Essa explicação operaem dois tempos: primeiro, desenha-se um cenárioonde os padrões de distribuição de recursos políticosreajustam-se em um equilíbrio que combine economiade mercado com consolidação das novasdemocracias. Em um segundo momento, examina-secomo deverá ser o comportamento dos atores maisrelevantes nesse novo cenário.

A segunda ênfase da explicação sociológica comcausa nos conflitos distributivos discernemajoritariamente as transformações nas estruturassociais que subjazem os conflitos distributivos.

Chamou nossa atenção a ausência, nesse universo,de investigações sistemáticas sobre as relações detrabalho no Brasil durante a década de 1990. Em apenasdois dos 38 artigos selecionados em Dados aimplantação das reformas neoliberais é observada pormeio dos impactos que ela gera sobre sua base social,no sentido mais amplo – presumindo que nas relações

12 Nas palavras do próprio autor: “Fragmentado em numerosas‘coalizões distributivas’, o empresariado industrial empenhaos recursos políticos à sua disposição em rent-seeking [...], ouseja, para arrancar do poder público toda a sorte de vantagensparticulares, tais como tratamento tributário favorecido, créditosubsidiado com taxas de juros diferenciadas, proteção especialcontra a competição, entre outras. Os benefícios criadosartificialmente por decisões casuísticas como essas sãoapropriados com exclusividade pelas empresas e segmentosindustriais privilegiados. A intenção de agir de forma tão estreitaé reforçada pela constatação de que o custo da ação políticanecessária para alcançar os enormes benefícios exclusivos ésempre menor do que o custo da mobilização da indústria comoum todo” (MANCUSO, 2004, p. 512).

13 “Essa mobilização é o resultado da confluência entre umprocesso de natureza econômica, que tornou a competitividadeem meta prioritária, e a iniciativa de um ator político – a CNI –que se dispôs a assumir o custo de organizar a ação coletiva dosetor e que é capaz de assumir esse custo, seja por ocupar umaposição propícia como entidade de cúpula do segmento, sejapor contar com recursos financeiros suficientes, garantidos porseu quinhão na contribuição sindical compulsória paga pelasempresas” (idem, p. 514).

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de trabalho concatenam-se determinantes advindos daabertura comercial, das privatizações, da reforma doEstado e da liberalização financeira, isto é, supondoque todas essas políticas afetam diretamente o conjuntoda população brasileira engajada em algum tipo derelação de trabalho.

No primeiro deles, Adalberto Cardoso analisa astrajetórias ocupacionais de trabalhadores da indústriaautomobilística em São Paulo entre 1989 e 1995(CARDOSO, 1998). Entre suas principais conclusões,o autor demonstra como o trabalho industrial para osetor da indústria automobilística no estado de SãoPaulo é efêmero, isto é, uma situação transitiva quenão consolida uma profissão. Se perguntando sobre odestino empregatício do trabalhador que perde oemprego na indústria automobilística, o autorargumenta que, mais do que redução líquida dos postosde trabalho, o que tem havido é uma dilapidação purae simples das habilidades e qualificações dostrabalhadores. No segundo artigo (CARDOSO, 2000),o autor problematiza a hegemonia da rationaleeconômica neoclássica, ao tomar como objeto a lógicainterna ao debate econômico hegemônico com relaçãoa duas noções específicas: flexibilidade do mercadode trabalho e empregabilidade.

A terceira operação causal agregada sob a famíliados argumentos sociolólogicos explica a implantaçãodas reformas neoliberais a partir dos valorespredominantes na sociedade brasileira nesse período.Aqui também as explicações devem ser buscadas nasociedade, mas a causa não está nem nas qualidadesdo empresariado, nem nos conflitos distributivos, masnos princípios éticos e morais que orientam asreformas, ou nos valores sociais arraigados seja napopulação, seja nas elites econômicas.

Tendo como foco as contradições internas à éticaburocrática que amparou o projeto neoliberal dereforma do Estado, particularmente o novogerencialismo, Borges (2000) apresenta a teoria queorientou a reforma do Estado no Brasil, e discute osgargalos inerentes aos fundamentos dessa teoria, anova economia política ou economia das organizações,identificada nos escritos de Oliver Williamson. Suacrítica baseia-se na ideia de crise moral do Estado –essa ideia é formulada junto ao conceito de EstadoProvidência, de Pierre Rosanvallon. Basicamente,“crise moral do Estado” exprime a crise de um polode integração social capaz de contrapor-se aos efeitossocialmente desagregadores do mercado. A tese doautor afirma que o consenso moral formado em tornodo gerencialismo agrava a crise moral do Estado.

A terceira explicação que compõe a família deargumentos sociológicos também analisa os valores

predominantes na sociedade brasileira. Essa explicaçãodivide-se em dois ramos: um deles se devota aosvalores da população, e outro aos valores das elitespolíticas sociais

Com relação aos valores da população, a explicaçãocultural enfatiza o elevado grau de politização do debateeconômico entre os brasileiros. Para demonstrá-lo,Andy Baker analisa um survey14 correlacionandoopiniões dos entrevistados sobre três temas de políticaeconômica (investimento direto estrangeiro, livre co-mércio e privatizações) com a avaliação do presidenteFernando Henrique Cardoso. Essa pesquisa revela comclareza que tais opiniões possuem um impacto decisivona implantação das reformas, isso porque “no lugarde posições incoerentes e aleatórias sobre importantestemas econômicos, os brasileiros associam suasopiniões sobre política econômica ao reino da política,baseando nessas opiniões seus julgamentos sobre opresidente em exercício. Além disso, as avaliações dopresidente vão muito além de suas característicaspessoais e do desempenho da economia sob suaadministração” (BAKER, 2002, p. 91).

Com relação aos valores das elites, a explicaçãocultural afirma que tanto o ritmo como a natureza datransformação econômica explicam-se pelo tipo deconsenso ideológico que prevalece acerca da relaçãoentre Estado e mercado. O problema que essaexplicação quer resolver é peculiar: “reformasneoliberais sem neoliberalismo” (ALMEIDA, 1996, p.226). Observando o argumento mais de perto vê-seque, na verdade, o que falta é um consenso em tornodo neoliberalismo, uma construção ideológicaequivalente ao que fora o desenvolvimentismo.

Nesse argumento, explica-se o ritmo daimplantação das reformas neoliberais no Brasil pelaausência de um consenso ideológico em torno doneoliberalismo. Essa fragmentação ideológica, por suavez, decorreu da lenta erosão da construção ideológica

14 O texto apresenta uma bateria de informações específicas edetalhadas sobre o survey, cujo cômputo geral aponta para oseguinte: “Os resultados deste artigo demonstram que osbrasileiros parecem ser tão atentos às políticas públicas quantoos eleitores – mais escolarizados – da América do Norte e daEuropa Ocidental. Pelo menos no que diz respeito às avaliaçõesdo presidente, muitos brasileiros são altamente racionais, umavez que (1) são coerentes em suas convicções sobre políticaeconômica; (2) conhecem as convicções do seu presidente; (3)avaliam-no segundo o grau de aproximação entre as políticaspor ele apresentadas e as suas próprias convicções. Além disso,contrariamente às percepções de vários estudiosos, os brasileirosmenos escolarizados não são menos coerentes ou racionais doque os cidadãos mais escolarizados” (BAKER, 2002, p. 94).

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formada em torno do desenvolvimentismo, para a quala debacle do plano Cruzado desempenharia um papeldecisivo15.

III.2. As explicações pragmáticas

A segunda família de argumentos agrega asexplicações pragmáticas, vale dizer, que postulam ainexorabilidade das reformas neoliberais. Segundo esseponto de vista não há alternativa às reformas neoliberais,ainda que se possa conjecturar sobre a forma comoelas serão implantadas. Existem duas teses queexplicam a implantação do neoliberalismo no Brasil demodo pragmático. A primeira afirma que a causa dasreformas neoliberais é a crise do Estado, e a segundaprocura na crise de governabilidade a causa daimplantação das reformas neoliberais no Brasil durantea primeira metade da década de 1990.

Como se trata de uma explicação pragmática, atese da crise do Estado (BRESSER PEREIRA, 1991)recusa qualquer proposição teórica sobre a naturezadas instituições estatais. Em vez de se perguntar sobreo que o Estado é, a tese da crise do Estado concentra-se em detectar por que ele não está funcionando“corretamente”. Essa é uma característica muitoimportante da explicação pragmática. Ela recusaperemptoriamente conceitos teóricos: no máximo aexplicação constrói alguns arquétipos de políticasneoliberais, a partir da obra dos principais ideólogosdo neoliberalismo, mas tais arquétipos são rapidamenteabandonados por serem doutrinariamente neoliberais,e pouco pragmáticos. O raciocínio funciona daseguinte maneira: em primeiro lugar detecta-se aocorrência de falhas na administração de políticas doEstado nacional – o Estado não consegue administrarseu orçamento, sua moeda, sua dívida etc. Tendo sidodetectada a falha, elabora-se o cenário previsto pelodiagnóstico das teorias neoliberais. Esse cenário ensejauma solução neoliberal (o arquétipo), mas essa soluçãoé rapidamente rejeitada porque é excessivamentedoutrinária (ou ideológica) e pouco pragmática, istoé, não pode ser executada concretamente nascircunstâncias objetivas do Estado em crise.

Parece claro que essa forma atabalhoada deraciocínio expressa a falta de conceitos teóricos, maspara esclarecê-lo, vejamos mais de perto as oscilaçõesdo argumento com relação à intervenção do Estadona economia. Afirma Bresser-Pereira: “Entendo quecerto grau de intervenção do Estado é necessário paraadministrar os países capitalistas. Sem ela ocrescimento econômico e social sustentado seráprejudicado. O mercado é, em grande escala, o melhorcoordenador da economia; contudo, ele não é capazde sozinho alocar recursos e garantir um crescimentosatisfatório. Por outro lado, o mercado é umainstituição incapaz de garantir a distribuição de renda.Por isso podemos afirmar que a atitude neoliberal [sic]contra a intervenção estatal é essencialmente ideológica.Isso não quer dizer, entretanto, que essa posição estejasimplesmente incorreta. Ao contrário, essa visãoconservadora é em muitos casos muito útil. Seuargumento de que a intervenção estatal, ao tentarcorrigir as insuficiências da coordenação da economiapelo mercado, acaba provocando distorções aindapiores não pode ser facilmente descartado” (BRESSERPEREIRA, 1991, p. 7)

Afirma-se “o mercado é o melhor coordenador daeconomia”, mas o que é o mercado? É uma instituição?Qual a sua natureza? Como é formado? Como setransforma e como se conserva? Pode-se remeter essetipo de questão ao substantivo “intervenção do Estadona economia”, mas mesmo assim o argumento nãooferece respostas satisfatórias. Isso acontece porquea família de argumentos pragmáticos opera em umnível tão elevado de generalidade que todas essasquestões acabam sendo preteridas, já que a pretensãode pragmatismo da explicação afasta qualquercontraditório de matiz conceitual. O que importa éverificar se a intervenção do Estado na economiafunciona ou não16.

A segunda explicação pragmática é uma versãomais sofisticada do mesmo argumento. A tese daingovernabilidade também está analisando a crise do

15 Para Maria Hermínia “A primeira tentativa ambiciosa dopresidente Sarney de banir a inflação – o Plano Cruzado –incorporava todas as generosas ilusões econômicas da oposiçãodemocrática. Procurava promover, simultaneamente, aestabilidade dos preços, a redistribuição de renda e o crescimentoeconômico. Apoiava-se em uma fé inabalável na capacidade deo Estado conduzir e controlar os processos econômicos. Otraumático malogro do Cruzado produziu junto aos economistasprofissionais e as elites tecnocráticas a primeira fratura noconsenso desenvolvimentista. A partir de então, foi emergindolentamente um entendimento das complexas relações entre ainflação e a crise fiscal do Estado.” (ALMEIDA, 1996, p. 222).

16 Textualmente, isso aparece assim: “Em termos práticos, aintervenção do Estado em um determinado setor da economiatende a ser inicialmente eficaz, isto é, tende a corrigir asinsuficiências coordenativas do mercado. Todavia, uma vez queos políticos, os funcionários e os empresários diretamenteassociados na intervenção raramente concordam sobre o quandodeve cessar o processo intervencionista, este tende a se prolongarno tempo e acaba sendo ineficiente. As regulações tornam-secasuísticas; a proteção a certas indústrias deixa de serprovisória, como deveria ser e tende a ser tornar permanente;os gastos estatais e as renúncias fiscais tendem a aumentar auma taxa muito mais alta do que as receitas do Estado; o déficite a dívida pública crescem; a ameaça de uma crise fiscal torna-se iminente” (BRESSER PEREIRA, 1991, p. 7).

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Estado, mas ela procura dar conta das causas políticase sociais mais profundas que antecedem adesorganização nas contas públicas. Desse modo, asegunda explicação pragmática concentra seusesforços no círculo vicioso formado entrefragmentação dos interesses setoriais (esse aspectodo argumento é informado pela primeira explicaçãodo argumento sociológico), a perda de capacidadeestatal e a consequente inépcia das autoridadeseconômicas em retomar a coordenação dasexpectativas entre os agentes econômicos. Essecircuito determinou a ocorrência da hiperinflação porum longo período, e a explicação da governabilidadeprocura soluções capazes de desarmá-lo.

Diante de tal quadro, não faz sentido munir-se deconceitos teóricos para enfrentar seja a natureza dacrise, seja o significado político das soluções possíveis.Esse é o caráter pragmático da explicação: ela urgepor soluções práticas, concretas e eficazes. Portanto,as duas versões da explicação pragmática (o argumentoda crise do Estado e o argumento da crise degovernabilidade) concluem pelo reforço da eficáciado Estado, enfatizando a sua importância na direçãodo processo de reformas neoliberais. O problema dessaexplicação é que seu caráter pragmático impede queela analise em profundidade o significado político dasua proposição central – em uma palavra: quem vaidirigir o aparelho de Estado, e com que propósitos? Equem será contrariado, e através de quaismecanismos? Esse tipo de pergunta invariavelmenteremete a explicação para os porquês do neoliberalismo,e esse, ao que parece, é o limite de uma formulaçãotão genérica como a explicação pragmática. Esseaspecto será retomado no próximo item deste doartigo.

III.3. As explicações institucionalistas

A terceira família de argumentos reúne duasexplicações institucionalistas, vale dizer, análises queprocuram nas instituições políticas brasileiras ascausas para a implantação das reformas orientadaspara o mercado na década de 1990. O núcleo dessaexplicação afirma que ou as estratégias dos atores ouas regras que definem o seu ambiente institucionalexplicam a implantação das reformas no Brasil. Porisso, a explicação institucionalista subdivide-se nestasduas causas. Essa diferença fica bem demarcadaquando visualizamos os dois blocos de teses.

No primeiro grupo, observamos sete teses queatentam para as estratégias que os atores mobilizaramnesse ambiente.

(i) A estratégia dos atores explica a formação depolíticas públicas (MELO, 1990);

(ii) O resultado do pleito de 1994 é explicado pelaretração do fator programático-ideológico e pelaprevalência da aritmética eleitoral no cálculo dosatores político-partidários (RODRIGUES, 1995);

(iii) A congruência entre os atores estratégicosexplica o êxito das privatizações (ALMEIDA,1999);

(iv) As reformas neoliberais são explicadas pelahabilidade do presidente subjugar os interesses dosEstados na política macroeconômica (SAMUELS,2003);

(v) As coalizões transnacionais que emergem dainteração entre os atores explica a difusão demodelos de política públicas (MELO, 2004);

(vi) O governo FHC teve sucesso na reforma dalegislação trabalhista porque mobilizou seusrecursos legislativos para articular a base noCongresso e isolar atores de veto, dentro e fora doparlamento (DINIZ, 2005);

(vii) O sucesso e o fracasso da reforma daprevidência são explicados pelo êxito do governoem aninhá-la à reforma da tributária, angariandocom isso o apoio dos governadores de partidos daoposição (MELO & ANASTASIA, 2005).

Enfatizando as regras que definem o ambienteinstitucional, temos cinco proposições:

(i) As regras institucionais do jogo legislativoexplicam os resultados econômicos (MONTEIRO,1991);

(ii) O tipo de relação Executivo-Legislativocondiciona as políticas de estabilização econômicae ajuste estrutural (SANTOS, 1997);

(iii) A constituição de 1988 explica o processo dereforma do Estado no Brasil (COUTO, 1998);

(iv) A guerra fiscal produziu a descentralização daindústria automobilística no Brasil (ARBIX, 2000);

(v) A estrutura decisória determina o ambiente ondeas equipes econômicas atuam após crises cambiais(FAUCHER & ARMIJO, 2004).

A análise detalhada de cada uma dessas 12proposições não precisa ser retomada agora, mas,apenas a título de ilustração, vejamos mais de pertodois casos de explicações institucionalistas.

A primeira explicação realizada no âmbito da famíliade argumentos institucionalistas destaca a estratégiaperfilada pelos atores mais relevantes. Essa explicaçãoé institucionalista porque não são quaisquer atorescujas estratégias possuem essa propriedade explicativa:são atores que estão, direta ou indiretamente, presentes

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nas instituições políticas. Isso fica bem claro quandoSamuels (2003) analisa os êxitos e os fracassos dasreformas macroeconômicas (e da reforma fiscal emparticular) nos governos Fernando Henrique Cardoso,em uma trama que articula as metas perseguidas pelapresidência aos interesses dos governadores estaduais.

A tese do artigo sugere que o processo deimplantação do Plano Real verifica o poder deinfluência das subunidades federadas sobre a políticamacroeconômica no Brasil. A ideia é que a estratégiada administração Cardoso, tanto na presidência comono Ministério da Fazenda consistiu em reverter odesequilíbrio fiscal que advinha dos governos estaduais– isso porque, nos governos Sarney e Collor, osgovernadores desfrutaram de uma elevada margemde manobra fiscal, uma consequência do contextofavorável à descentralização que aglutinou as forçascontra o regime militar ao longo da década de 1980.Segundo Samuels, “embora os economistasadvertissem que o descontrole dos gastos públicosestaduais contribuía decisivamente para as dificuldadesdo governo federal de estabilizar a economia no longoprazo, de Sarney a Itamar Franco nenhum presidenteempenhou suficiente capital político para obrigar osgovernantes estaduais a conter seus gastos e pagarsuas dívidas. Em vez disso, os presidentes quasesempre negociavam operações de salvamento dasdívidas estaduais em troca do apoio dos governadoresaos seus projetos no Legislativo. Em suma, a autonomiapolítica dos estados, aliada a presidentes relativamentefracos, impôs obstáculos à solução dos problemasfiscais brasileiros e impediu o governo federal de pro-mover a estabilidade macroeconômica” (idem, p. 810).

O sucesso na estratégia presidencial se explicaquando a presidência condiciona o apoio dosgovernadores às medidas de austeridade fiscal àfederalização das dívidas estaduais. Essa tática decorredo poder que os executivos estaduais exercem sobreas bancadas dos seus estados na câmara federal, masela também seria a responsável pela deterioração dadívida pública do governo federal. Além disso, aelevação da dívida foi reforçada pela política de jurosaltos (para atrair investidores estrangeiros, e, ao mesmotempo, controlar a inflação), que abateusistematicamente o controle que o governo logrou obtersobre os orçamentos estaduais. “Em suma, ocrescimento da relação dívida/PIB no Brasil durante agestão de Fernando Henrique Cardoso não foi umaconsequência do desregramento dos gastos públicos,mas da própria política de juros e de câmbio do seugoverno, e decorreu dos esforços para sanar asfinanças da União e dos estados e municípios. Aocontrário do que se poderia esperar, embora aresponsabilidade fiscal fosse um objetivo básico do

Plano Real, as políticas do governo federal provocarama explosão da dívida pública” (idem, p. 820).

O que explica esse resultado? As contradições daestratégia perseguida pela Presidência da Repúblicana gestão macroeconômica: “Em outras palavras, oêxito do governo FHC em algumas frentes significou,necessariamente, a criação de problemas em outrasfrentes” (idem, p. 828).

A segunda explicação produzida pela família dosargumentos institucionalistas enfatiza as regras nasquais os atores exercem o poder político, as normasque definem que o seu ambiente institucional. A esserespeito, um tema bastante comum entre asexplicações institucionalistas é a relação entreExecutivo-Legislativo no Brasil pós-constituinte. Otrabalho de Maria Helena de Castro Santos demonstraque a investigação dessa relação pode complexificar ocenário desenhado pela explicação pragmática,produzindo causalidades específicas com as regrasinstitucionais. O texto emprega a abordagempragmática de Bresser Pereira, Maravall e Przeworski(1993), reconhecendo, logo de início, a inevitabilidadehistórica das reformas neoliberais: “Neste artigo, partodo pressuposto que, no Brasil pós-constituinte,qualquer que seja a extração ideológica de umgovernante, a ele se colocarão os mesmos desafios,com pequena margem de manobra no que se refereàs soluções propugnadas. Assim, em primeiro lugar,ao governante se imporá, em um mundo globalizado,o ajuste da economia e reforma do Estado em crise”(SANTOS, 1997, p. 335)

Mas essa não é uma explicação pragmática porqueesse é apenas o pano de fundo no qual se problematizaa relação Executivo-Legislativo no Brasil pós-constituinte. Esse problema é apresentado em tornode três desafios que se colocaram para qualquergovernante: (i) ajuste da economia e reforma doEstado, (ii) resgate da dívida social e (iii) preservaçãoda ordem democrática.

O artigo faz um estudo de caso sobre o processodecisório da política salarial no governo Collor, e dapolítica fiscal nos governos Collor e Itamar. O objetivoé contribuir para o debate conceitual sobre processodecisório no Brasil por meio da articulação da dimensãoda formulação das políticas à dimensão da sua imple-mentação. A categoria que a autora introduz para reali-zar esta articulação vem da ideia de “capacidade gover-nativa”. Essa categoria indica se um sistema políticoé “capaz de (i) identificar problemas da sociedade eformular políticas públicas, isto é, oferecer soluçõese (ii) implementar as políticas formuladas, mobilizandopara isso os meios e recursos políticos, organizacionaise financeiros necessários” (idem, p. 344).

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COMO SE EXPLICA O NEOLIBERALISMO NO BRASIL?

Trata-se de deslocar o olhar sobre as dificuldadesno processo de implementação de políticas,frequentemente apontado como o lócus dos gargalosde políticas de ajuste, em favor de uma abordagemmais ampla, que leve em conta variáveis do processode formulação das políticas. Com isso, o artigo chegoua três importantes conclusões: (i) existe um padrãodual na tomada de decisão com relação às políticas deajuste: políticas de estabilização são enclausuradas nasaltas burocracias governamentais e reformasestruturais são submetidas ao congresso; (ii) o poderExecutivo normalmente predomina na definição doprocesso legislativo, mas o congresso não é nemirrelevante e nem sempre cooperativo; (iii) o padrãodual de tomada de decisão está relacionada às

democracias híbridas que combinam elementos degestão autoritários das políticas, com processoseleitorais democráticos. Com vistas a qualificar odebate conceitual sobre processo decisório no Brasil,a tese do artigo faz claro como o desenho institucionalserá uma causa decisiva para a implantação dasreformas neoliberais no Brasil durante a década 1990:a tese afirma que é preciso articular, no plano analítico,o tipo de política ao tipo de arena, discernindo aspolíticas que passam pelo congresso daquelas que sãoencapsuladas nas burocracias17.

Neste ponto já é possível sistematizar o conjuntodas conexões causais produzidas pelas três famíliasde argumentos. Esquematicamente, podemossintetizá-las como disposto no Diagrama 1.

DIAGRAMA 1 – FAMÍLIAS DE ARGUMENTOS SOBRE A IMPLANTAÇÃO DAS REFORMAS ORIENTADAS PARA OMERCADO NO BRASIL DURANTE A DÉCADA DE 1990

FONTE: O autor.

III. Três famílias de argumentos

Regrasinstitucionais

Estratégiados atores

Sete causas para a Implantação das Reformas Neoliberais durante a década de 1990

III.1 ExplicaçõesSociológicas

III.2 ExplicaçõesPragmáticas

III.3 ExplicaçõesInstitucionalistas

Qualidadesdo empresariado

Conflitos distributivos

Cultura e valoresdomiantes

Crise do Estado

Crise degovernabilidade

17 Nas palavras da autora: “Em resumo, no que se refere àspolíticas de ajuste – item da pauta de todos os governos pós-Constituintes –, se sua deficiência de implementação éconhecida, o processo de formação das políticas que passampelo crivo do Congresso é frequentemente complexo e difícil.

Por outro lado, se boa parte das políticas de estabilização são,basicamente, formuladas na relativa clausura das burocraciasgovernamentais, as reformas estruturais – a segunda fase doprograma de ajuste – são todas submetidas ao Legislativo, atéporque dependem, em parte de reforma constitucional, o que,necessariamente, passa pelas dificuldades descritas de negociaçãoentre os dois poderes, prolonga o tempo do processo deformulação das reformas estruturais, tão ansiosamenteperseguidas pelos governos pós-1990” (SANTOS, 1997, p. 363).

IV. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS: O EXAME DEPRESSUPOSTOS (LÓGICOS) E CONSEQUÊN-CIAS (ANALÍTICAS) DOS ARGUMENTOS EN-CONTRADOS

A leitura da produção bibliográfica publicada pelarevista Dados acerca da implantação das reformas

orientadas para o mercado no Brasil, durante a décadade 1990, colocou-nos diante de sete modalidades deexplicação, que foram agrupadas em três famílias de

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 21, Nº 47: 133-153 SET. 2013

argumentos. Diante disso, resta saber se essasexplicações são boas ou não, e por quais razões.

A extração e o exame da estrutura lógica de cadaartigo permitiu-nos inferir alguns elementos dospressupostos que amparam as teses desses artigos,bem como algumas consequências que decorrem delas.A seguir, apresentaremos duas críticas aospressupostos de uma explicação pragmática e faremosalgumas ponderações sobre consequências analíticaspresentes em uma explicação sociológica. Essascríticas apontam algumas deficiências na forma comose tem praticado a sociologia política no Brasil nosúltimos anos, ainda que não sejam suficientes paraasseverar um diagnóstico sobre o estado da arte nessadisciplina – há que se ter em mente que estamoslidando com um segmento dessa produção, aquelarelativa a implatanção das reformas neoliberais durantea década de 1990. Em que pese essa limitação, épossível afirmar com alguma segurança que, excetopelas explicações institucionalistas18, esse tema foi malanalisado pelos especialistas brasileiros.

IV.1. O exame de pressupostos (lógicos) das explicaçõespragmáticas

Afirmamos que a família de argumentospragmáticos não oferece explicações com sólidosfundamentos teóricos. Isso fica muito nítido quandose solicita ao argumento da crise do Estado uma análisecuidadosa das causas para a sua ocorrência. Aexplicação pragmática simplifica essa operação, dessamaneira: “Em termos práticos, a intervenção do Estadoem um determinado setor da economia tende a serinicialmente eficaz, isto é, tende a corrigir asinsuficiências coordenativas do mercado. Todavia, umavez que os políticos, os funcionários e os empresáriosdiretamente associados na intervenção raramenteconcordam sobre quando deve cessar o processointervencionista, este tende a se prolongar no tempo eacaba sendo ineficiente. As regulações tornam-secasuísticas; a proteção a certas indústrias deixa deser provisória, como deveria ser e tende a ser tornarpermanente; os gastos estatais e as renúncias fiscaistendem a aumentar a uma taxa muito mais alta do queas receitas do Estado; o déficit e a dívida públicacrescem; a ameaça de uma crise fiscal torna-seiminente” (BRESSER PEREIRA, 1991, p. 7).

No momento de propor as soluções viáveis, a teseda crise do Estado afasta peremptoriamente oreceituário neoliberal puro, o plano de Washington quechegaria, segundo essa explicação, como um pacotefechado, estranho às condições políticas práticas. Oeconomista tecnocrata é, segundo essa explicação, osujeito capaz de identificar o que há de doutrinário e oque há de “praticável” nesse receituário. Como sedefine esse agente social? “Por pragmáticos eu definoos economistas-tecnocratas que trabalham dentro dasorganizações estatais e definem atualmente a políticaeconômica na maioria dos países. Eles não sãoeconomistas teóricos, nem economistas ideológicos.São economistas práticos, diretamente ligados aogoverno” (idem, p. 7).

Esse agente está em posição de distinguir, dentrodo receituário de políticas recomendadas pelasinstituições multilaterais, quais são aquelas com teoresde neoliberalismo mais acentuado ou mais ameno.Portanto, entre as soluções aventadas por essaexplicação pragmática há uma espécie de gradação de“teores de neoliberalismo” ora mais ou menosdogmático, ora mais ou menos pragmático. É comohouvesse uma espécie de “centro de gravidade” emcujo vértice encontram-se obras de autores neoliberaisconsagrados (as referências seriam Friedrich Hayek,Milton Friedman e James Buchanan). As ideias quemais se aproximam desse vértice aparecem comodogmáticas, ao passo que, quanto mais distantes dessevértice, menores serão as concessões ao que seconhecia no final da década de 1980 como “consensoneoliberal”, e mais pragmática poderá ser a abordagem.

O que se nota, portanto, é que há nessesargumentos uma variação em função de grau, emreferência a diversos “teores” de neoliberalismo. Issoaparece com clareza no texto de Bresser Pereira,Maraval e Przeworski (1993), quando os autoresapresentam a tese central do artigo: “Tanto aobservação de que a estabilização gera recessão, quantoa de que os programas de estabilização frequentementeminam as condições para o crescimento futuro sãohoje indiscutíveis. Na realidade, as vozes aqui referidasemanam do Banco Mundial e do Fundo MonetárioInternacional – o FMI. O ponto a partir do qual nosafastamos do consenso neoliberal diz respeito àquestão central da análise de Bresser Pereira, quandoargumentamos que as reformas orientadas para omercado não são suficientes para gerar condições decrescimento” (idem, p. 181).

Dizíamos acima que os argumentos pragmáticosoperam em um elevado nível de generalidade. Agora,regredindo aos pressupostos lógicos do argumento,observa-se, com essa gradação de teores de

18 Não apresentamos críticas às explicações agrupadas nafamília de argumentos institucionalistas porque a conjugaçãodo problema com a pergunta de pesquisa, mais a tese enunciadanestes artigos revela uma estrutura lógica muito consistentenessas explicações.

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neoliberalismo, o tratamento genérico com o qual estaexplicação aborda a relação entre Estado e mercadoem sociedades capitalistas. No cerne da tese da crisedo Estado, como fundamento da sua estrutura lógica,“Estado” e “mercado” aparecem como duas ideiasque discriminam concepções normativas concorrentessobre a alocação de recursos em sociedadescapitalistas. Isto é, como eixo da estrutura lógica daargumentação, a contraposição “Estado” versus“mercado” contém em si dois princípios antagônicosde distribuição de recursos, sejam eles recursospolítico-institucionais, posições de mando oudominação, sejam mesmo recursos econômicos emsentido mais estrito, com relação ao circuito deinvestimento, produção e consumo. A ideia de umcentro de gravidade parece-nos adequada paradescartar uma (inverossímil) ideia de linearidade naoposição Estado versus mercado. Com efeito, serepresentada visualmente, tal variação caberia muitomelhor em um gráfico de dispersão do que variandoem apenas um eixo (como em um continuum).

Isso porque os prognósticos previstos pelaexplicação pragmática recusam uma identificação toutcourt entre “Estado com atraso” e “mercado commoderno”. Procura-se elaborar linhas de reflexãocapazes de escapar a esse maniqueísmo. Mas éexatamente por isso que a matização em teores precisavariar em função de grau: há que se construir um“meio-termo” entre essas duas coisas – que, de resto,sabe-se lá o que sejam. É importante sublinhar quemuito frequentemente as teses pragmáticas recusamperemptoriamente a oposição entre Estado versusmercado. Segundo nossa leitura, ao estabelecer seucontraditório nesses termos, o argumento pragmáticorevela-se tributário dessa oposição. A contraposiçãoEstado versus mercado é negada para ser, em ummomento seguinte, requalificada. Esse requalificar dacontraposição é uma operação lógica necessária paradesignar diferentes graus de neoliberalismo – mais oumenos pragmático, mais ou menos ideológico.

Portanto, o pressuposto dessa explicaçãopragmática é que as soluções para a crise do Estadoconstituem-se sem conceitos elaborados teoricamente,mas em meio a um conjunto relativamente uniformede ideias, concepções, juízos e opiniões. Ou seja, aoposição entre Estado versus mercado aparece emconcepções sobre as relações entre Estado e sociedade,na formulação dos gargalos à modernização econômicae no prognóstico sobre cenários de democratização.Em todos esses objetos, a causação, o núcleo dasexplicações solicita uma polarização genérica esuperficial entre dois conjuntos de ideias, oraidentificadas com “Estado”, ora com “mercado”.

A segunda explicação que compõe a família deargumentos pragmáticos concentra-se sobre a crisede governabilidade. Esse argumento constitui-se natentativa mais arrojada dessa bibliografia de explicar,em seu conjunto, a implantação das reformasorientadas para o mercado por meio da separação entrea dimensão da formulação e a implementação daspolíticas públicas. Entretanto, como veremos a seguir,o argumento da crise de governabilidade revela outroproblema, a ausência de uma teoria do Estado, o queatesta sua caracterização como uma explicaçãopragmática sobre a implantação das reformasneoliberais no Brasil, na década de 1990.

Resumidamente, o problema central consiste emsaber se as instituições políticas brasileiras funcionamou não, e por quê. Nessa ordem. O debate sobre agovernabilidade das instituições políticas brasileirasaparece na primeira metade da década de 1990 comouma tentativa de racionalizar a crise política eeconômica na qual o desenho político-institucional dademocracia brasileira foi forjado. Essa discussãoconsumiu parte importante da comunidade deestudiosos políticos brasileiros na década de1990, ejá foi objeto de alguns levantamentos bibliográficos.Valemo-nos desses esforços de modo a situar, por meiode uma discussão que aparece na revista Dados, ascríticas que amparam a apreciação negativa quefazemos sobre essas explicações.

Para compreendermos o raciocínio que preside odebate sobre a crise de governabilidade é precisosepará-lo em cinco etapas

Na primeira etapa constata-se uma crise. A facemais aparente dessa crise é a desordem monetária.Porém, logo abaixo dessa primeira camada está umdesarranjo cuja matriz é de ordem sociocultural(FAUCHER, 1993, p. 396). Nessa primeira etapa nãohá um esforço de enquadramento teórico sobre asnaturezas do problema em tela: tateia-se a crise, coma intuição de que sua solução está em uma terceiracamada, na política (DINIZ, 1995, p. 387).

O exame dessa intuição é a operação que conduz àsegunda etapa do raciocínio: Por que há uma crise? Aresposta, novamente, é: porque “o Estado nãofunciona” (FAUCHER, 1993, p. 395). A resposta é atransição para a segunda etapa, visto que ela eleva ograu de abstração. Agora é preciso saber o que é oEstado, ao passo que, quando somente se constava acrise, isso não era necessário.

Na segunda etapa do raciocínio ainda não sedebruça sobre o que é o Estado, mas sobre por queele não funciona. Como vem sendo notado, essa seráa principal falta do debate, que não dispõe de uma

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reflexão teórica ou conceitual sobre o que é o Estado.Mas ainda na segunda etapa, a resposta para a questão“por que o Estado não funciona?” é “porque ele estádesarticulado ou desajustado com relação àsociedade”. Nessa segunda etapa do raciocínio ademocracia comparece como um pressuposto. Odebate “pré” supõe um consenso tácito com relaçãoàs instituições clássicas da democracia liberal(partidos políticos, eleições livres, instituiçõesrepresentativas etc.), ou seja, a democracia, aqui,revela-se o télos do debate.

Ora, se o Estado está desarticulado com relação àsociedade, então é preciso ajustá-lo. Esse é o pontode passagem para a terceira etapa do argumento, quetrabalha ao mesmo nível de abstração da segunda,porque não se colocou a questão “o que é o Estado”nem tampouco “o que é a sociedade”. Mas é umaterceira etapa, pois agora põe-se à procura deprescrições (DINIZ, 1995, p. 390), recomendações esoluções para a adequação das instituições sociais aodesenho institucional, presumindo-se que não háalternativas ao ajuste do Estado. Isso é importantepara entender a maneira fatalista como as reformasorientadas para o mercado comparecem ao debatesobre governabilidade.

A observação do repertório de soluções disponíveisentre os especialistas que estudam o assunto é aoperação lógica que leva o raciocínio à sua quarta etapa,que trabalha em um terceiro nível de abstração: essesespecialistas estão munidos de uma rica carteira deanálises, prescrições e recomendações (SANTOS,1997, p. 340) sobre como articular as instituições doEstado com os padrões de sociedade – algumas delasinclusive com efeitos colaterais nocivos para o télosdemocrático (DINIZ, 1995, p. 406). É nesse terceironível de abstração que aparece o conceito degovernabilidade: ele procura desvelar as condições emque se exerce a autoridade política. Como uma versãoligeiramente alterada, o conceito de governancedescreverá os modos do uso dessa autoridade (MELO,1995, p. 30).

Entretanto, a observação metódica dessa distinçãorevelou que ela seria inócua, já que ainda ela nãoesclarece porque o Estado não está funcionandocorretamente. Mas, além disso, se com o conceitogovernance discrimina-se diversos modos de uso daautoridade política, e, se o télos do debate restringe-se ao modo democrático, então, por isso, é precisoampliar o conceito de governabilidade, de modo aadmitir modelos de coordenação e cooperação entreos atores sociais convenientes com os procedimentosdemocráticos.

A ampliação do conceito de governabilidade, oumelhor, sua fusão com o conceito de governanceconduz o raciocínio para o quarto nível de abstração.Essa mesma operação constitui a quinta etapa doraciocínio: alarga-se o conceito para articular, no planoconceitual, a um só tempo, as condições de exercícioda autoridade política, o télos quanto à democraciarepresentativa e a solução à crise – que segue apenasconstatada, sem um esforço de enquadramento teórico.Nessa quinta etapa do argumento não se discute maisa diferença entre governo e sociedade, mas um novotipo de forma política: “A ruptura com a perspectivareducionista da governabilidade permite enfrentar essetipo de problema. De acordo com a nova interpretaçãode teor pluridimensional, o êxito das estratégiasgovernamentais requer a mobilização não apenas dosinstrumentos institucionais e dos recursos financeirosmanejados pelo Estado, mas também dos meiospolíticos de execução [...]. Na medida em quesustentação política não se produz de formaespontânea, nem decorre automaticamente dapertinência das decisões, a garantia dessa condiçãoimplica a constituição de arenas de negociação queforneçam o respaldo necessário às ações estatais. Oconsentimento dos grupos afetados positiva enegativamente aparece como elemento crucial dosucesso e, portanto, da eficácia das políticas.Governabilidade passa a depender não apenas daclarividência de tecnocracias iluminadas, mas daarticulação do aparato estatal com as instâncias de apolítica democrática. Sob esse aspecto, a análise dasnovas formas de gestão, que alargam o universos dosatores participantes, pode trazer novos elementos paraa compreensão das modalidades de intervençãopública. Em última instância, além das consideraçõesde ordem técnica associadas à eficiência do Estado, adimensão política adquire relevância” (DINIZ, 1995,p. 394).

O nome do conceito capaz de prescrever essa novaforma política é “capacidade estatal”, e encerra as duaspontas do processo que estariam dissociadas nomomento anterior à crise: a fase de formulação depolíticas e a fase de execução das políticas. Com oconceito de “capacidade estatal” será possívelestabelecer como e por que o aparelho institucionaldeve ser redesenhado, de modo a atender tanto aosinexoráveis ajustes à nova economia mundial, como àconsolidação das instituições democráticas nascentes.A quinta etapa do raciocínio que preside o debate sobregovernabilidade conclui com a defesa do conceito decapacidade estatal.

Esse raciocínio pode ser sistematizadograficamente como aparece no Diagrama 2.

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COMO SE EXPLICA O NEOLIBERALISMO NO BRASIL?

DIAGRAMA 2 – REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DAS ETAPAS DO ARGUMENTO DA CRISE DE GOVERNABILIDADE

5ª Etapa

É precisoalargar osconceitos etorná-losconvenientes aotélosdemocrático.Nova formapolítica.

Novo conceito: afusão degovernance comgovernabilidadetransforma-seem capacidadeestatal.

1º Nível deabstração

2º Nível deabstração

3º Nível deabstração

4º Nível deabstração

1ª Etapa

Há uma crise.Aparece em trêscamadas-econômica-sociocultural-política

Sem ideias ouconceitos.Constata-seuma crise.

2ª Etapa

Por que há umacrise?Porque oEstado nãofunciona. Por queo Estado nãofunciona?Porqueestá desajustadocom a sociedadeque deve serdemocrática.

É preciso saber oque é o Estado –mas não se sabepor que não háum conceito.

3ª Etapa

É precisoajustar o Estadoà sociedade. Asociedade deveser democrática(télos dodebate).

Continua semum conceito deEstado ou desociedade.

4ª Etapa

Quais assoluçõesdisponíveis entreos“especialistas”:Governabilidadee Governance,mas eles nãosão suficientes epodem não serdemocráticos.

Asrecomendaçõesnão sabem o queé Estado ousociedade, maspropõemconceitos novos.

FONTE: O autor.

Em resumo, a lógica que preside o argumento dacrise de governabilidade demonstra que essasexplicações sobre as reformas neoliberais são frágeisdo ponto de vista teórico-conceitual porque essesautores analisam uma modalidade de fenômeno quese situa entre a sociedade e o Estado, mas suas análisessão desprovidas de modelos teóricos consistentes sobreum ou outro polo. Isso é claro. Não nos encontramosem condições de oferecer uma explicação para esse“comportamento”, pois nossa análise restringe-se aoâmbito da estrutura dos argumentos – uma pesquisamais ampla, com um corte específico da sociologiados intelectuais poderia lançar hipóteses a esse respeito,o que, evidentemente, não é o nosso caso. Ainda assim,podemos notar que a produção da revista Dados faz

eco aos esforços mobilizados para produzir respostasrazoáveis a um arranjo político institucional que naprimeira metade da década de 1990 parecia fadado aofracasso. Exceto pelo artigo de Maria Helena dosSantos – que, como já mencionamos, propõe umaexplicação institucional – todos os demais textos quediscutem a ingovernabilidade são produzidos até 1995,em um debate mais amplo, que ocupou uma parcelasignificativa da comunidade de sociólogos e politólogosbrasileiros nesse período.

IV.2. O estudo de consequências (analíticas) a partirde uma explicação sociológica.

Além dessas considerações sobre os pressupostosdas explicações pragmáticas, podemos destacar

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algumas consequências analíticas que decorrem deuma explicação sociológica. O equívoco, nesse caso,também está relacionado à ausência de modelosteóricos; entretanto, como veremos a seguir, ele implicaproblemas mais severos. Trabalhando a posteriori, asimprecisões que serão apontadas decorrem de umaestratégia hiperdescritiva de análise.

A primeira explicação sociológica analisaimplantação das reformas à luz das qualidadesempresariado, como discriminado no item III.1. Essaexplicação aparece na tese da fragmentação doempresariado, e a ela contrapõe-se a interpretação daprofissionalização da representação de interesses: essasegunda tese explica como a unificação da burguesiaindustrial foi obtida graças à ação consertada da CNI,que aglutinou diversos segmentos industriais sob abandeira da redução do custo-brasil.

O primeiro obstáculo da explicação da fragmenta-ção do empresariado é que ela não indica por que eledeveria estar unificado, isto é, por qual motivo oempresariado deveria liderar um projeto hegemônicopara toda a sociedade. Como consequência, e namedida em que se furta a essa reflexão, o argumentoarrola um conjunto de ausências, à despeito do examedas presenças, isto é, das circunstânciassocioeconômicas nas quais o empresariado existiracomo tal. Em outras palavras, ao afirmar que oempresariado era fragmentado, a explicação nãoinforma como as classes proprietárias posicionavam-se perante a distribuição da riqueza social antes e depoisda implantação das reformas neoliberais. Isso éimportante porque, com essa distinção, iluminam-seas condições sociopolíticas necessárias para areprodução da instabilidade monetária. Usualmente, asexplicações para essa situação enfatizam a ineficáciados mecanismos institucionais responsáveis pela“normalidade econômica”: daí que, diante de um severoquadro de crise, os autores questionem-se se o Brasilé governável. A análise dos interesses satisfeitos pelaspolíticas econômicas durante o período da crise conduza reflexão para outro tipo de eficácia, no caso, aquelaresponsável pela manutenção, por um longo período,da hiperinflação. Qual seria a posição do empresariadoneste contexto? A tese da fragmentação tem pouco adizer a esse respeito.

Esse deslocamento qualificaria o modo de pensara implantação das reformas neoliberais no Brasil durantea década de 1990, na medida em que com elevislumbrariam-se novos atores, e as relações sociaisque constituem a situação de crise seriam alçadas aoprimeiro plano.

Com efeito, quando passamos para a tese daunificação do empresariado, tais contradições

permanecem não explicadas. No artigo de Mancuso(2004) examina-se a articulação política dos interessesindustriais por meio de um estudo da eficácia da açãopolítica da CNI. No espaço abstrato da estrutura lógicada sua argumentação (problema+pergunta=tese) ficanítido como o texto transforma os objetivosestratégicos do empresariado industrial em categoriaexplicativa da sua ação política. Segundo Mancuso,“Não obstante a enorme fragmentação do empresariadoindustrial, e o impulso centrífugo decorrente destafragmentação, pelo menos desde meados da décadade 1990 a indústria vem realizando um grande trabalhocoletivo para definir e defender uma posição comumem relação a propostas legislativas que tramitam noPoder Legislativo federal e cuja aprovação, reformaou rejeição pode contribuir para a solução deproblemas que afetam negativamente a competitividadede todo o segmento. Essa mobilização é o resultadoda confluência entre um processo de naturezaeconômica, que tornou a competitividade em metaprioritária, e a iniciativa de um ator político – a CNI –que se dispôs a assumir o custo de organizar a açãocoletiva do setor e que é capaz de assumir esse custo,seja por ocupar uma posição propícia como entidadede cúpula do segmento, seja por contar com recursosfinanceiros suficientes, garantidos por seu quinhão nacontribuição sindical compulsória pagapelas empresas” (MANCUSO, 2004, p. 514).

A combinação de um processo de naturezaeconômica (elevação da competitividade) com a açãopolítica da cúpula do segmento explica a sua unificaçãoem torno de uma bandeira. Essa é a tese do artigo.Mas qual seria a diferença entre essa tese e o discursoda CNI sobre sua própria estratégia de ação comocúpula do empresariado industrial?

Ao assimilar como problema de pesquisa osproblemas colocados aos agentes das reformas, aanálise das correlações de força que caracterizam umaconjuntura confunde-se com a sua descrição. É porisso que as explicações que trabalham no registrohiperdescritivo são conduzidas à crônica política naqual o neoliberalismo acontece. O que não aparecenessa crônica? Os mesmos fenômenos que sãopreteridos pela sua análise, a saber, quais os interessessociais estão representados por esse lobby, e por quê?Quais as frações do empresariado que se unificaramem torno dessa plataforma, e que setores dela forampreteridos?

Não nos parece nada simples determinar as causaspelas quais se adota o registro hiperdescritivo – aindaque possamos constatar as suas consequências, nestecaso, uma narrativa que mimetiza o discurso da classeempresarial representada pela CNI; com efeito,

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COMO SE EXPLICA O NEOLIBERALISMO NO BRASIL?

deparamo-nos novamente com as restrições do nossopróprio desenho de pesquisa: como deduzir uma causa(o por quê da explicação equivocada) a partir desomente um de seus efeitos (a descrição estilizada doprocesso político)? Apesar disso, é possível lançar umaconjectura coerente com o plano em que se situa nossainvestigação, a estrutura lógica das explicações. Elacertamente não resolve a questão, mas deixa algumaspistas sobre como entender a ocorrência dessasexplicações enviesadas.

Para nos aproximarmos da origem desse problema,podemos começar observando a distinção operada porKaplan (1964) entre o que é claro e o que é verdadeiro.Para Kaplan, o verbo explicar pode ser utilizado emduas acepções. A primeira é simplesmente a explicaçãosemântica, aquela capaz de produzir um esclarecimentosobre uma palavra, no sentido de torná-la intelígivel –e, é evidente, a explicação semântica só pode serconsiderada assim se ela for capaz de se fazer clara. Asegunda acepção do verbo “to explain”, para Kaplan,se refere às explicações científicas, que, à diferençada explicação semântica, não satisfazem o pré-requisitoda clareza. Segundo Kaplan “A diferença entreexplicações semânticas e explicações cientificas é àesse respeito como a diferença entre o enunciado serclaro e ser verdadeiro. Nós não podemos dizer queum enunciado é claro sem indicar, ao menostacitamente, para quem é claro. Mas se dizemos queum enunciado é verdadeiro para esta ou aquela pessoa,nós dizemos que ela acredita nele, ou tem evidênciaspara ele, ou alguma coisa do tipo. Podemos quererdizer também que a pessoa interpreta de tal modo quea proposição não depende dela ou de qualquer outrapessoa [para ser verdadeira]”19 (idem, p. 327).

Desse ponto de vista, não há dúvida sobre a clarezada explicação produzida pelo registro hiperdescritivo.Todavia, ao especificar a distinção entre o que é claroe o que é verdadeiro, Kaplan estabelece, de formabastante convincente, a diferença que nos éfundamental: “A explicação científica, por contrastecom a descrição, não nos diz não somente o queacontece, mas por que (...) a explicação científica nãodiz alguma coisa diferente do tipo de coisa que a

descrição diria, mas nos diz alguma coisa a mais doque a mera descrição daquilo que é cientificamenteexplicado.”20 (idem, p. 329). A fragilidade do registrohiperdescritivo aparece quando ele revela-se incapazde estabelecer relações entre classes de fenômenosque, aparentemente, não estão relacionadas. E esse“algo a mais” é um tipo de designação que nãoaparecerá no registro hiperdescritivo, por maisminucioso que ele seja. Ainda segundo Kaplan, “Taisdesignações somente descrevem o que pretendemexplicar: elas não colocam-no em relação com outrosprocessos ou eventos”21 (ibidem).

V. CONCLUSÕES

Este artigo analisou 38 dos 348 artigos publicadospela revista Dados entre 1990 e 2006. Portanto, énecessário frisar que não se discutiu o perfil dos artigospublicados por esse periódico, nem tampouco asconfigurações do campo intelectual brasileiro noperíodo – com a leitura de um décimo da produçãodessa revista quaisquer afirmações nesse sentido nãoafetariam mais do que a ponta de um iceberg.

Entretanto, foi possível reunir boa parte daprodução doméstica realizada acerca de um assunto:a implantação das reformas orientadas para o mercadono Brasil, durante a década de 1990. E o traço maismarcante dessa produção é a diversidade deexplicações produzidas sobre essas reformas.

As sete proposições explicativas que foramdiscernidas no artigo indicam que podemos procuraras causas das reformas neoliberais seja na sociedadebrasileira, seja nas suas instituições políticas – entreestas últimas, pudemos entender que as análisesexplicam as reformas seja por meio da ênfase nasregras que definem o ambiente institucional, seja pormeio do exame pormenorizado das estratégias que osatores mais relevantes mobilizam nesse ambiente. Entreas explicações sociológicas as conexões causaistambém variam bastante, com interpretaçõescompondo suas explicações a partir dos conflitosdistributivos deflagrados com a implantação dasreformas, ou, por uma outra via, mediante a análisedos valores e das opiniões predominantes entre as elites

19 No original: “The difference between a semantic explanationand a scientific explanation is in this respect like the differencebetween a statement’s being clear and its being true. We cannotsay that a statement is clear without at least tacitly indicatingto whom is clear. But if we say that the statement is true forsomeone or other, we mean only he believes it, or has evidencefor it, or something of the kind. We may also mean that heinterprets it in such a way that the proposition does not dependon him or on anyone else”.

20 No original: “Scientific explanation is often contrastedwith description, as telling us, not merely what happens,but why [...]. An scientific explanation does not tell ussomething of a different kind than a descriptions does,but it tells us something else the mere description ofwhat it is explain”.21 No original: “such designations only describe whatthe purport to explain: they do not put it into relationwith other processes or events”.

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ou entre a população brasileira durante a década de1990do século XX. Ainda no rol das explicações queprocuram na sociedade brasileira a causa daimplantação das reformas, detectamos na produçãoda revista Dados uma divergência entre duas tesessobre o empresariado, uma mais recente, enfatizandoa sua unidade, e outra mais antiga, reforçando a suafragmentação.

Como se vê, o traço mais marcante na produçãode Dados é a diferença, e não a uniformidade, entre asexplicações lançadas acerca das reformas neoliberais.E essa diferença é de tal monta que a terceira grandeexplicação presente nesse universo bibliográfico recusaaté mesmo uma proposição teórica sobre a naturezada transformação econômica: a explicação pragmáticapostula a inexorabilidade das reformas neoliberais e,com isso, busca racionalizar a desarticulação entreEstado e sociedade no Brasil por meio de duas teses,uma mais pontual, sobre a crise do Estado, e outramais ampla, sobre a crise de governabilidade.

O aspecto positivo que encontramos na produçãode Dados decorre dessa diversidade de explicações:essa parcela do acervo desse periódico é formada porartigos com evidências empíricas sólidas, produzidas,em sua maioria, com a análise de fontes primáriassobre diversas dimensões da implantação das reformasneoliberais.

Nossas conjecturas críticas foram organizadas emdois blocos: no primeiro, detivemo-nos sobre ospressupostos de algumas explicações e, no segundo,exaurimos algumas consequências analíticas de umadas explanações sociológicas estudadas em Dados.Trabalhando sobre os pressupostos, enunciamos o fiocondutor que preside a argumentação da tese da crisedo Estado. Demonstramos como essa explicaçãopragmática ampara-se em polarização genérica e

superficial entre duas concepções normativasconcorrentes sobre a alocação de recursos emsociedades capitalistas, uma identificada a uma ideiagenérica de “Estado”, outra mais próxima da noçãoimprecisa de “mercado”. Além disso, a crítica realizadano plano dos pressupostos permitiu reconstruir acategoria chave da tese da crise de governabilidade, aideia de capacidade governativa. Desagregamos oraciocínio que orienta essa tese em cinco etapas, paraverificar como ele desenvolve-se em um terreno teóricoconceitual frágil e inseguro.

O segundo bloco de conjecturas críticas exploraas consequências de uma abordagem hiperdescritiva.Ao final do quarto item exploramos a confusão entrea estratégia de ação do empresariado e a estratégia deargumentação mobilizada para a sua análise. Aqui, adescrição minuciosa de conjuntura confundiu-se coma análise das suas correlações de força, em prejuízoao conhecimento positivo da implantação das reformasneoliberais. Procuramos salientar esses defeitos doregistro hiperdescritivo tendo em mente os limites queo nosso próprio nível de análise impõe, qual seja, aestrutura lógica dos argumentos.

Feitas todas as contas, notamos que as explicaçõesda implantação das reformas orientadas para o mercadono Brasil, durante a década de 1990, carecem deamadurecimento no plano teórico e conceitual, aindaque muitas pesquisas empíricas já tenham sidoproduzidas sobre o tema. Essa ponderação é tanto maisnecessária se levarmos em conta que datam desseperíodo os arranjos institucionais sob os quais foiforjada a atual estrutura de competição política.Portanto, é razoável conjeturar que uma retomadadessas teses possa auxiliar a reflexão sobre o que háde novo e o que há de velho no modelo brasileiro dedesenvolvimento econômico e social.

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Lucas Massimo ([email protected]) é Mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas(Unicamp) e pesquisador do Núcleo de Estudos em Sociologia Política Brasileira da Universidade Federal doParaná (UFPR).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 21, Nº 47: 157-160 SET. 2013

ABSTRACTS

HOW TO EXPLAIN NEOLIBERALISM IN BRAZIL? A CRITICAL ANALYSIS OF ARTICLESPUBLISHED IN THE REVISTA DADOS.

Lucas Massimo.

The article makes a rummage of explanations published by the Revista Dados about the implementation ofStructural adjustment policies in Brazil, during the 1990s, in order to explore the differences and similaritiesbetween the main explanations in the journal. The analysis was performed by making reading notes toisolate the logical structure of the argument of each paper; the grid of reading discerned the followingstructural elements: the problem and the research question, the object, the objectives and conclusions, andFinally, the thesis of each article. Through the frameworking of thirty-eight articles, we find three family ofmeanings: the first highlights the sociological arguments, which aggregate three explanations by which thecause of reform lies in Brazilian society. The second brings together two pragmatic explanations that postulatethe inevitability of market-oriented reforms, and the third consists of two institutionalist explanations, seekingthe cause of political institutions for the implementation of neoliberal reforms. The article reveals that theanalysis of neoliberal reforms in Brazil was held from empirical data rich and diverse, but on the other hand,still denote a theoretical and conceptual debate incipient about the subject matter.

KEYWORDS: Neoliberalism; literature review; Revista Dados; Brazilian political economy; Brazilianpolitical sociology.

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ERRATA V. 21, N. 47

PÁGINA COLUNA, LINHA ONDE SE LÊ: LEIA-SE

140 direita, 33 Desenvolvi-mentismo desenvolvimentismo

143 direita, 17 plea pela

145 esquerda, 8 explicações explicação

149 direita, 47 da dela

150 esquerda, 41 dizer diz

151 direita, 19 do ao