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J Pneumol 25(6) – nov-dez de 1999 335 Curvas de complacência ou curvas pressão-volume na insuficiência respiratória aguda Curvas de complacência ou curvas pressão-volume na insuficiência respiratória aguda SILVIA REGINA RIOS VIEIRA 1 O objetivo do presente trabalho é revisar o uso das curvas de complacência ou curvas pressão-volume (P-V) de pacientes com insuficiência respiratória aguda (IRA) – lesão pulmonar aguda ou acute lung injury (ALI) e síndrome da angústia respiratória aguda (SARA). Foram revisados os principais trabalhos publicados na literatura em língua inglesa, localizados por pesquisa via Medline, que abordavam o uso das curvas P-V na IRA. Idealmente as curvas P-V devem ser realizadas em pacientes com IRA visando uma monitorização e um manejo mais adequado dos mesmos a partir dos dados por elas fornecidos: ponto de inflexão inferior (Pinf), ponto de inflexão superior (Psup) e complacência estática. Todos os métodos disponíveis para a obtenção das mesmas (superseringa, oclusões inspiratórias e fluxo contínuo) são similares desde que fluxos contínuos baixos sejam utilizados e sejam tomados cuidados que permitam o esvaziamento pulmonar antes de realizar as curvas, evitando o surgimento de PEEP (pressão expiratória final positiva) intrínseca. Com estes cuidados o fluxo contínuo torna-se um método simples, não dispendioso, seguro e confiável, para realizar curvas P-V à beira do leito, facilitando a monitorização dos pacientes com IRA. (J Pneumol J Pneumol J Pneumol J Pneumol J Pneumol 1999;25(6):335-339) Compliance curves or pressure-volume curves in acute respiratory failure The goal of this paper is to review the use of pressure-volume (P-V) curves or compliance curves in patients with acute respiratory failure (ARF) – acute lung injury (ALI), and acute respiratory distress syndrome (ARDS). The most important papers published in English language literature concerning P-V curves in ARF were found in Medline and reviewed. Ideally, recommendation is made to calculate P-V curves in all patients with ARF in order to achieve adequate monitoring and management considering data obtained from the curves, such as lower inflexion point, upper inflexion point, and static compliance. The methods used to obtain P-V curves are supersyringe, multiple inspiratory occlusions and continuous flow. All of them are similar if low continuous flow is used and if care is taken to allow lung emptying and to avoid intrinsic PEEP (positive end expiratory pressure) before accomplishing the curves. In this way continuous flow can be a simple, inexpensive, secure and reliable method to be carried out at bedside in order to obtain P-V curves that allow for a better monitoring and management of patients with ARF. AR TIGO DE REVISÃO 1. Professora do Centro de Tratamento Intensivo do Hospital de Clí- nicas de Porto Alegre – Departamento de Medicina Interna, UFRGS. Doutora em Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Endereço para correspondência – Silvia Regina Rios Vieira, São Luís, 1.127, Apto. 501 – 90620-170 – Porto Alegre, RS. Tel./fax (051) 223-4256; E-mail: [email protected] Recebido para publicação em 19/2/99. Apr Recebido para publicação em 19/2/99. Apr Recebido para publicação em 19/2/99. Apr Recebido para publicação em 19/2/99. Apr Recebido para publicação em 19/2/99. Aprovado, após r ovado, após r ovado, após r ovado, após r ovado, após revi- evi- evi- evi- evi- são, em 1/3/99. são, em 1/3/99. são, em 1/3/99. são, em 1/3/99. são, em 1/3/99. Siglas e abreviaturas utilizadas neste trabalho P-V – Pressão-volume IRA – Insuficiência respiratória aguda ALI – Lesão pulmonar aguda SARA – Síndrome da angústia respiratória aguda Pinf – Ponto de inflexão inferior Psup – Ponto de inflexão superior PEEP – Pressão expiratória final positiva I/E – Relação inspiração/expiração Descritores – Lesão pulmonar aguda. Síndrome da angústia respi- ratória aguda. Curvas pressão-volume. Complacência estática. Ponto de inflexão inferior. Ponto de inflexão superior. Key words – Acute lung injury. Acute respiratory distress syndrome. Pressure-volume curves. Static compliance. Lower inflexion point. Upper inflexion point. A curva de complacência ou curva pressão-volume (P-V) é uma técnica utilizada com fins diagnósticos para descrever as propriedades mecânicas estáticas do sistema respiratório, tendo sido adaptada aos pacientes das unidades de trata- mento intensivo (UTIs) com o objetivo de avaliar o sistema

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J Pneumol 25(6) – nov-dez de 1999 335

Curvas de complacência ou curvas pressão-volume na insuficiência respiratória aguda

Curvas de complacência ou curvas pressão-volumena insuficiência respiratória aguda

SILVIA REGINA RIOS VIEIRA1

O objetivo do presente trabalho é revisar o uso das curvas de complacência ou curvas pressão-volume (P-V)

de pacientes com insuficiência respiratória aguda (IRA) – lesão pulmonar aguda ou acute lung injury (ALI) esíndrome da angústia respiratória aguda (SARA). Foram revisados os principais trabalhos publicados na

literatura em língua inglesa, localizados por pesquisa via Medline, que abordavam o uso das curvas P-V naIRA. Idealmente as curvas P-V devem ser realizadas em pacientes com IRA visando uma monitorização e um

manejo mais adequado dos mesmos a partir dos dados por elas fornecidos: ponto de inflexão inferior (Pinf),ponto de inflexão superior (Psup) e complacência estática. Todos os métodos disponíveis para a obtençãodas mesmas (superseringa, oclusões inspiratórias e fluxo contínuo) são similares desde que fluxos contínuosbaixos sejam utilizados e sejam tomados cuidados que permitam o esvaziamento pulmonar antes de realizaras curvas, evitando o surgimento de PEEP (pressão expiratória final positiva) intrínseca. Com estes cuidadoso fluxo contínuo torna-se um método simples, não dispendioso, seguro e confiável, para realizar curvas P-V

à beira do leito, facilitando a monitorização dos pacientes com IRA. (J PneumolJ PneumolJ PneumolJ PneumolJ Pneumol 1999;25(6):335-339)

Compliance curves or pressure-volume curves in acute respiratory failure

The goal of this paper is to review the use of pressure-volume (P-V) curves or compliance curves inpatients with acute respiratory failure (ARF) – acute lung injury (ALI), and acute respiratory distress

syndrome (ARDS). The most important papers published in English language literature concerning P-V

curves in ARF were found in Medline and reviewed. Ideally, recommendation is made to calculate P-V

curves in all patients with ARF in order to achieve adequate monitoring and management consideringdata obtained from the curves, such as lower inflexion point, upper inflexion point, and static

compliance. The methods used to obtain P-V curves are supersyringe, multiple inspiratory occlusionsand continuous flow. All of them are similar if low continuous flow is used and if care is taken to allowlung emptying and to avoid intrinsic PEEP (positive end expiratory pressure) before accomplishing the

curves. In this way continuous flow can be a simple, inexpensive, secure and reliable method to becarried out at bedside in order to obtain P-V curves that allow for a better monitoring and management

of patients with ARF.

ARTIGO DE REVISÃO

1. Professora do Centro de Tratamento Intensivo do Hospital de Clí-nicas de Porto Alegre – Departamento de Medicina Interna, UFRGS.Doutora em Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande doSul.

Endereço para correspondência – Silvia Regina Rios Vieira, São Luís,1.127, Apto. 501 – 90620-170 – Porto Alegre, RS. Tel./fax (051)223-4256; E-mail: [email protected] para publicação em 19/2/99. AprRecebido para publicação em 19/2/99. AprRecebido para publicação em 19/2/99. AprRecebido para publicação em 19/2/99. AprRecebido para publicação em 19/2/99. Aprovado, após rovado, após rovado, após rovado, após rovado, após revi-evi-evi-evi-evi-são, em 1/3/99.são, em 1/3/99.são, em 1/3/99.são, em 1/3/99.são, em 1/3/99.

Siglas e abreviaturas utilizadas neste trabalhoP-V – Pressão-volumeIRA – Insuficiência respiratória agudaALI – Lesão pulmonar agudaSARA – Síndrome da angústia respiratória agudaPinf – Ponto de inflexão inferiorPsup – Ponto de inflexão superiorPEEP – Pressão expiratória final positivaI/E – Relação inspiração/expiração

Descritores – Lesão pulmonar aguda. Síndrome da angústia respi-ratória aguda. Curvas pressão-volume. Complacência estática. Pontode inflexão inferior. Ponto de inflexão superior.Key words – Acute lung injury. Acute respiratory distress syndrome.Pressure-volume curves. Static compliance. Lower inflexion point.Upper inflexion point.

A curva de complacência ou curva pressão-volume (P-V) éuma técnica utilizada com fins diagnósticos para descrever aspropriedades mecânicas estáticas do sistema respiratório,tendo sido adaptada aos pacientes das unidades de trata-mento intensivo (UTIs) com o objetivo de avaliar o sistema

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respiratório numa situação extremamente grave(1-4). Sua apli-cação costuma ser essencialmente reservada a pacientes cominsuficiência respiratória aguda (IRA), incluindo pacientes comsíndrome da angústia respiratória aguda (SARA) e lesão pul-monar aguda ou acute lung injury (ALI), situações em que foiproposta como um meio de observar a evolução da gravida-de dessa síndrome(5).

A seguir serão feitas considerações sobre fisiologia, for-ma, aspectos clínicos e técnicas de obtenção das curvas decomplacência na IRA.

ASPECTOS FISIOLÓGICOS

O deslocamento do sistema respiratório durante a ventila-ção necessita se opor a forças resistivas, a forças de inércia ea forças elásticas do referido sistema. Essas forças são exer-cidas sobre a parede torácica e sobre os pulmões. Elas po-dem ser produzidas pelos músculos respiratórios, como naventilação espontânea, por ventilador, como na ventilaçãocontrolada, ou por ambos, nos casos de ventilação assistida.As patologias alveolares ou parenquimatosas causam essen-cialmente alterações do componente elástico do sistema res-piratório, razão pela qual as curvas pressão-volume são nor-malmente realizadas em condições estáticas que influenciamna relação pressão-fluxo. O sistema respiratório possui igual-mente propriedades viscoelásticas, fenômeno esse que cor-responde a uma diminuição rápida das forças elásticas deretração para uma mesma pressão. Tais características sãoobservadas facilmente se fizermos uma pausa teleinspirató-ria e observarmos que, para um mesmo volume pulmonar, apressão cai em algumas centenas de milissegundos para seequilibrar em um platô (pressão inspiratória final ou pressãode platô). As forças viscoelásticas podem ser consideráveisem pacientes com SARA e devem ser potencialmente consi-deradas quando se trabalha com as relações pressão-volume.Essa questão das forças viscoelásticas poderá se manifestarprincipalmente quando as curvas forem analisadas não porum método totalmente estático como o das oclusões inspira-tórias, mas por um método de fluxo contínuo lento(6-8).

Um dos problemas de interpretação das curvas pressão-volume do sistema respiratório repousa no fato de que suaanálise se baseia na medida da pressão de todo o sistema,dependendo, em parte, das características do pulmão e, emparte, das características da parede. Com efeito, em indiví-duos normais, a presença de um ponto de inflexão inferior(Pinf) pode estar presente em decorrência da parede toráci-ca(9). Além disso, Mergoni et al.(10) mostraram, recentemen-te, a influência que podia ser atribuída à parede respiratórianos deslocamentos das curvas modificando suas inclinações,ou seja, o valor absoluto da complacência estática, comotambém os valores das eventuais inflexões observadas sobrea curva.

FORMA DA CURVA

Em indivíduos normais, em posição supina, a curva pres-são-volume mostra duas inflexões: uma inferior, devido àmecânica da parede torácica quando em baixos volumes pul-monares, e uma superior, devido à hiperdistensão pulmonarem volumes próximos da capacidade pulmonar total(9).

Em pacientes com SARA, a forma habitual da curva pres-são-volume é a de uma relação freqüentemente descrita comosigmoidal, com uma parte inferior correspondente a umacomplacência baixa, uma parte linear com uma complacên-cia um pouco menos reduzida e uma parte superior onde acomplacência cai novamente. A porção inicial da curva éconsiderada como a que corresponde à abertura de vias aé-reas colabadas(11). A parte retilínea da curva é consideradacomo a que reflete o estado do pulmão após recrutamentoalveolar e a avaliação de sua inclinação permite quantificar agravidade do comprometimento pulmonar. Entre a porçãoinicial e a porção retilínea está o ponto de inflexão inferior,que corresponde ao nível de pressão a partir do qual ocorreesse recrutamento alveolar(11). A parte superior da curva, quese flete novamente na altura do chamado ponto de inflexãosuperior (Psup), pode refletir quer o fim do recrutamentoalveolar, quer um nível de hiperdistensão(12).

ASPECTOS CLÍNICOS

As correlações entre o aspecto da curva e o estado dadoença foram bem estabelecidas por Matamis et al.(5). Prin-cipalmente as relações entre o ponto de inflexão inferior e aeficácia da pressão expiratória positiva têm sido usadas comouma forma de otimização da regulagem do ventilador. Re-centemente, estudos de Amato et al.(13,14) estimularam o in-teresse no uso das curvas pressão-volume para o manejodos pacientes com SARA. Com efeito, esses autores, em es-tudo prospectivo randomizado, utilizaram a curva pressão-volume para estabelecer os parâmetros ventilatórios e o ní-vel de pressão expiratória final positiva (PEEP) a ser utilizado.Verificaram que o grupo tratado dessa forma e com peque-nos volumes correntes, para limitar as pressões de fim deinsuflação, apresentou melhora nos parâmetros de oxigena-ção e na mecânica respiratória, tendo ocorrido redução ini-cial da mortalidade.

Devido a esses outros possíveis benefícios da compreen-são da mecânica respiratória em função das intervençõesterapêuticas, torna-se importante, para o manejo de pelomenos alguns pacientes com SARA, a monitorização das cur-vas pressão-volume. Até o momento as técnicas consagra-das (superseringa e oclusões inspiratórias), da forma comque são realizadas, geram problemas e/ou dificultam sua rea-lização rotineira à beira de leito. Por outro lado, as técnicasque utilizam fluxos contínuos, embora mais práticas, aindanão estão devidamente validadas.

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Curvas de complacência ou curvas pressão-volume na insuficiência respiratória aguda

Para atingir-se um ponto ideal dever-se-iam desenvolvertécnicas para obtenção das curvas pressão-volume que fos-sem automatizadas, simplificadas e incorporadas aos apare-lhos de ventilação mecânica de forma a facilitar seu uso nomanejo dos pacientes com SARA.

Os principais objetivos da realização mais rotineira dascurvas pressão-volume na SARA seriam calcular e monitori-zar a complacência estática do sistema respiratório ao longoda evolução da doença; verificar a presença de um ponto deinflexão inferior e utilizá-lo, quando presente, para estabele-cer o valor ideal de PEEP a ser empregado; verificar a presen-ça de um ponto de inflexão superior e adotá-lo, quando pre-sente, como controle das pressões de via aérea a serem uti-lizadas, numa tentativa de evitar hiperdistensão alveolar.

TÉCNICAS DE OBTENÇÃO DAS CURVAS

Várias técnicas têm sido empregadas para obter as curvaspressão-volume:

Técnica de superseringa – É a técnica mais utilizada, maisconhecida e mais antiga, sendo considerada como referênciapara traçar as curvas pressão-volume estáticas do sistemarespiratório em pacientes com IRA(5). Consiste em insuflarpor patamares volumétricos sucessivos até 1,5L ou 2L eminspiração e em desinflar nos mesmos patamares em expira-ção. Essa técnica foi largamente popularizada pelos traba-lhos de Matamis e Lemaire e permitiu descrever o aspectoda curva em diferentes estágios da doença(5). Numerosas li-mitações e artefatos são associados a esse método(15). Um deseus grandes inconvenientes é a desconexão obrigatória dopaciente do ventilador. Um outro problema é o tempo ne-cessário para a realização de toda a curva, pois a manobrade inflação requer 45 a 60 segundos. Além disso, está asso-ciada a perda de volume, já que o consumo de oxigênio (O2)no interior do pulmão é mais rápido do que a produção dedióxido de carbono (CO2). Isso faz com que a medida dovolume pela seringa seja superestimada e cause alteraçõesprincipalmente no ramo expiratório da curva. Esse fato foibem demonstrado por Dall’Ava-Santucci et al.(16,17), quandocompararam o volume medido pelo deslocamento da serin-ga com mudanças de volume torácico obtidas a partir depletismografia.

Técnica das oclusões inspiratórias múltiplas – Essa téc-nica, bastante empregada nas determinações das curvas pres-são-volume estáticas, foi introduzida por diferentes auto-res(18,19). Um dos primeiros estudos foi o de Levy et al.(18)

que, utilizando um ventilador munido de oclusão teleinspira-tória e teleexpiratória e empregando volumes progressiva-mente crescentes, mostrou que era possível, sob certas con-dições técnicas, traçar o conjunto da curva pressão-volume.Desde então, o método tem sido largamente utilizado, comas vantagens de não necessitar desconectar o doente do ven-tilador e de poder ser realizado a partir de qualquer nível de

base, sendo efetuado mais facilmente em PEEP(19-21). A prin-cipal desvantagem é o longo tempo gasto em sua realização,de aproximadamente 15 minutos, motivo pelo qual é usadaem pesquisa, mas torna-se trabalhosa para ser empregadano dia-a-dia à beira do leito.

Técnica de insuflação com fluxo contínuo – Um métodoalternativo, usando um fluxo contínuo, foi também propostopara determinar a complacência respiratória(22). Esse méto-do dinâmico, embora introduzido há vários anos, ainda nãofoi devidamente validado. Baseia-se no princípio de que,quando um fluxo constante penetra nos pulmões, a razão demudança das pressões é inversamente proporcional à com-placência do sistema respiratório. Durante o procedimento,dois segmentos podem ser identificados na curva de pressãoda via aérea: a primeira porção da curva de pressão estárelacionada às propriedades resistivas do sistema respirató-rio; a segunda porção, caracterizada por um aumento linearna pressão da via aérea a uma razão inversamente propor-cional à complacência, está relacionada às propriedades elás-ticas do sistema respiratório. Suratt e Owens(23) compararamo método de fluxo contínuo com o estático e demonstraramque os valores de complacência medidos com ambos os mé-todos eram fortemente correlacionados. A técnica foi nova-mente testada por Mankikian(7), usando um fluxo contínuolento de 1,7L.min–1, sendo que as curvas eram superponí-veis às obtidas com a superseringa. Sua principal vantagemera a de não modificar o volume pulmonar antes de efetuar amanobra. Ranieri et al.(20) retomaram a técnica, tendo ob-servado que representava uma ferramenta simples e não in-vasiva capaz de detectar e predizer os efeitos da PEEP norecrutamento alveolar. Nesse estudo, em que foi adotado umfluxo constante alto, variando de 20 a 60L.min–1, os pontosde inflexão inferior e superior não podiam ser corretamentedeterminados. Recentemente a técnica foi novamente em-pregada no trabalho de Servillo et al.(8). Utilizando um fluxoinspiratório constante de 15L.min–1, os autores verificaramque o método era de fácil aplicabilidade e com vantagenspráticas. No entanto as curvas assim obtidas eram desviadaspara a direita devido às propriedades resistivas e elásticas dosistema respiratório, resultando assim em uma hiperestima-ção dos pontos de inflexão inferior.

Comparação entre os métodos – Recentemente realiza-mos um trabalho(24) com o objetivo de comparar, à beira doleito, em pacientes com IRA, os três métodos para medidadas complacências toracopulmonar, pulmonar e torácica: ostradicionais métodos da superseringa e das oclusões inspira-tórias com uma técnica mais nova, simples, rápida e poucodispendiosa, que não desconecta o paciente do ventilador eusa fluxos constantes mais baixos (por exemplo 3 e 9L.min–1) liberados por um ventilador convencional.

Neste trabalho(24) foram estudados, prospectivamente, 14pacientes com diagnóstico de ALI ou SARA, submetidos à rea-lização de curvas pressão-volume toracopulmonares, pulmo-

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nares e torácicas, obtidas pelo método da superseringa(2,5,15),das oclusões inspiratórias múltiplas(18,19) e de dois fluxos con-tínuos: 3 e 6L.min–1. Estes fluxos foram liberados pelo venti-lador César usando-se os seguintes parâmetros: freqüênciarespiratória de 5, relação inspiração/expiração (I/E) de 80%(tempo inspiratório de 9,6 segundos) e volumes correntes de500ml para o fluxo 3L.min–1 e 1.500 para o fluxo 9L.min–1.

Os resultados deste estudo(24) demonstraram que as curvaspressão-volume toracopulmonares, pulmonares e torácicasobtidas com os métodos das superseringa, das oclusões ins-piratórias múltiplas e do fluxo contínuo 3L.min–1 foram su-perponíveis. O método do fluxo contínuo com 9L.min–1 foiassociado com um leve desvio da curva para a direita, prova-velmente devido a um componente resistivo. Os valores doponto de inflexão inferior e das complacências toracopulmo-nares, pulmonares e torácicas não foram significativamentediferentes entre os métodos. Este estudo indicou que a técni-ca do fluxo contínuo pode avaliar corretamente as proprie-dades elásticas do pulmão e da parede torácica, sem ser afe-tado pelas propriedades resistivas do tubo endotraqueal e dosistema respiratório, principalmente quando um fluxo contí-nuo baixo, como 3L.min–1, foi usado.

A resistência do sistema respiratório é parcialmente rela-cionada ao nível de fluxo inspiratório(25,26). Servillo et al.(8)

verificaram que as curvas pressão-volume desviavam-se paraa direita quando um fluxo constante de 15L.min–1 era libera-do pelo ventilador. Em contraste, Mankikian et al.(7) observa-ram que as curvas obtidas com o fluxo constante de 1,7L.min–1 eram superponíveis às traçadas com o método da su-perseringa. Nossos resultados (24, em uma série de pacien-tes com resistência respiratória normal ou levemente aumen-tada, demonstraram que as curvas pressão-volume obtidascom um fluxo contínuo de 3L.min–1 foram similares àquelasdos métodos estáticos, enquanto as obtidas com um fluxocontínuo de 9L.min–1 mostraram um leve desvio para a direi-ta. Tal desvio não influenciou significativamente a medidadas complacências e dos pontos de inflexão inferior, já quefoi observada uma boa concordância para os valores destasmedidas tanto nas curvas toracopulmonares, como nas pul-monares e nas torácicas obtidas por todos os métodos. Alémdisso, nossos resultados confirmaram a idéia de que a resis-tência do sistema respiratório é fluxo-dependente(27). Em nos-so estudo, pacientes com doença pulmonar obstrutiva crôni-ca (DPOC) e broncoespasmo foram excluídos, sendo necessá-rias novas investigações para definir o nível ótimo de fluxo aser utilizado em pacientes com elevada resistência respirató-ria.

O método da superseringa é tradicionalmente considera-do como o de referência para medir as curvas pressão-volu-me(5), tendo como inconvenientes a desconexão obrigatóriado paciente do ventilador e problemas associados à perda devolume devido ao consumo de oxigênio pelos pulmões(15,16).A técnica das oclusões inspiratórias também é bastante con-

fiável, pode ser realizada sem a desconexão do ventilador, éamplamente utilizada em trabalhos de pesquisa, principal-mente por permitir sua fácil realização em PEEP(18-21), mastem como desvantagem o longo tempo necessário para suarealização. O fluxo contínuo, por sua vez, apresentou váriasvantagens em relação aos outros métodos: 1) não houvenecessidade de desconectar o paciente do ventilador; 2) asmanobras totais de reconstrução das curvas pressão-volumeforam rápidas e permitiram a construção simultânea das cur-vas pressão-volume na tela do respirador; 3) o método foisimples, não dispendioso e não necessitou de equipamentosespecíficos; 4) a análise das curvas pressão-volume pôde serrealizada à beira de leito, já que o ventilador era equipadocom um programa de computador que permitia a visibiliza-ção da curva em sua tela e possibilitava as medidas da incli-nação da curva e do ponto de inflexão inferior, com o auxíliode cursores móveis. Além disso, desde que o ventilador fosseequipado com um transdutor de pressão adicional que pu-desse ser conectado à extremidade distal da traquéia, a curvapressão-volume podia ser registrada à beira do leito sem ainfluência das propriedades resistivas dos circuitos ventilató-rios e do tubo endotraqueal. Embora essa técnica para amedida da curva pressão-volume tenha sido testada com oventilador César, ela pode ser implementada com vários ven-tiladores de UTI, desde que equipados com uma tela e comum programa que permitam visibilizar e analisar as curvaspressão-volume.

O método apresentou, porém, algumas limitações. Primei-ramente, o fluxo inspiratório foi indiretamente estabelecidodependendo da razão I/E, da freqüência respiratória e dovolume corrente. Em segundo lugar, a obtenção de um fluxoinspiratório constante por um período superior a dez segun-dos não foi possível devido a uma freqüência respiratóriamínima que teve de ser utilizada e que, nos ventiladores atual-mente em uso, é igual ou superior a cinco ciclos por minuto.Como conseqüência, os volumes correntes máximos quepuderam ser utilizados ficaram limitados a 500ml para umfluxo de 3L.min–1 ou a 1.500ml para um fluxo de 9L.min–1.Assim sendo, o ponto de inflexão superior não foi determi-nado com essa técnica em pacientes com IRA moderada nosquais volumes mais altos deveriam ser alcançados. Essas difi-culdades poderiam, talvez, ser minimizadas se os ventilado-res viessem equipados com um gerador de fluxo que forne-cesse fluxos contínuos de 3, 6 e 9L.min–1 durante períodosde administração de 10, 20 e 30 segundos. Seria tambéminteressante que eles tivessem um botão que permitisse rea-lizar uma expiração prolongada antes da manobra, além deuma tela e de um programa de computador para visibilizaçãoe análise da curva pressão-volume. Dessa forma poderia ha-ver uma melhora importante da monitorização respiratória àbeira do leito. Tornar a curva pressão-volume facilmente aces-sível aos intensivistas, sem desconectar o paciente do venti-lador, representaria, certamente, um avanço no campo da

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Curvas de complacência ou curvas pressão-volume na insuficiência respiratória aguda

ventilação mecânica. Enquanto tais aprimoramentos técni-cos são aguardados, o método descrito neste estudo(24) cons-titui uma alternativa que pode ser adotada na realização dascurvas pressão-volume.

CONCLUSÕES

As curvas pressão-volume devem ser realizadas, sempreque possível, visando uma melhor monitorização e manejode pacientes com IRA, a partir dos dados que fornecem (Pinf,Psup e complacência estática). Estas curvas podem ser reali-zadas por diferentes métodos. Todos os métodos disponíveispara obtenção das curvas pressão-volume (superseringa, oclu-sões inspiratórias múltiplas e fluxo contínuo) são similaresdesde que fluxos contínuos baixos sejam utilizados (comoabaixo de 9L.min–1) e desde que cuidados sejam tomadospara permitir esvaziamento pulmonar antes da obtenção dascurvas e evitar PEEP intrínseca. Com estes cuidados o fluxocontínuo torna-se um método simples, seguro, confiável enão dispendioso para realizar as curvas à beira do leito. Po-rém, para trabalhos de pesquisa, principalmente aqueles quenecessitam realizar curvas pressão-volume em diferentes ní-veis de PEEP, continua-se empregando o conhecido métododas oclusões inspiratórias que, embora mais difícil, mais de-morado e menos prático, possibilita uma correção mais ade-quada dos níveis de PEEP extrínseca e intrínseca.

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