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Como cheguei à formulação do princípio pluralista claudio de oliveira ribeiro

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como cheguei à formulação do princípio pluralista | claudio de oliveira ribeiro

Como cheguei àformulação do

princípiopluralista

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COMO CHEGUEI À FORMULAÇÃO DO

PRINCÍPIO PLURALISTA

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princípiopluralista

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COMO CHEGUEI À FORMULAÇÃO DO PRINCÍPIO PLURALISTA

© 2021 Claudio de Oliveira Ribeiro. Todos os direitos reservados.Distribuição gratuita.

Ambigrama EditorialRua Manuel Hernandes Lopes, 437Anchieta, São Bernardo do Campo, SP, 09732-480www.ambigrama.com.br | [email protected]

Direção editorial: Elizangela A. SoaresProjeto gráfico: Ambigrama Editorial

Conselho editorial: Antonio Carlos de Melo Magalhães Daniel Pansarelli Elisa Rodrigues João Gremmelmaier Candido Magali do Nascimento Cunha Matthias Henze Paulo Augusto de Souza Nogueira

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Índices para catálogo sistemático:

1. Pluralismo religioso 261.2

Maria Alice Ferreira – Bibliotecária – CRB-8/7964

Ribeiro, Claudio de OliveiraComo cheguei à formulação do princípio pluralista [livro eletrônico] /

Claudio de Oliveira Ribeiro. -- 1. ed. -- São Bernardo do Campo, SP : Ambigrama, 2021.

PDF

ISBN 978-65-87868-14-1

1. Fé (Cristianismo) 2. Pluralismo religioso 3. Religião – Aspectossociais 4. Salvação (Teologia) – Cristianismo 5. Teologia I. Título.

21-64460 CDD-261.2

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Sumário

Introdução .................................................................................................................. 6

I - Produção referente à base anterior da pesquisa ..................... 9

II – A formulação do princípio pluralista .............................................22

Primeiro bloco: sobre o pluralismo religioso ............................................................23

Artigos e capítulos ..................................................................................................................................................23

Livros .............................................................................................................................................................................................31

Segundo bloco: sobre pluralismo metodológico e antropológico ... 36

Sobre pluralismo metodológico ....................................................................................................36

Artigos e capítulos ..................................................................................................................................................36

Livros ...........................................................................................................................................................................................40

Sobre pluralismo antropológico ..................................................................................................... 41

Artigos e capítulos ....................................................................................................................................................41

Livros ...........................................................................................................................................................................................43

III – Aplicações e debate sobre o princípio pluralista ...............44

Primeiro bloco: “aplicações...” ................................................................................................44

Segundo bloco: Análises correlatas ...............................................................................54

IV – Síntese .................................................................................................................61

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Introdução

O princípio pluralista tem sido o foco de minha produção acadêmica recente, e ela está associada aos objetivos e resultados de três pesquisas desenvolvidas sequencialmente nos últimos anos. A primeira, intitulada “Presença pública inter-religiosa, democra-cia e direitos humanos no Brasil”, é oriunda do estágio de pesquisa de pós-doutoramento que realizei, sob a supervisão do Prof. Dr. Joerg Rieger, da Perkins School of Theology/SMU, Dallas-EUA, realizado com o apoio do CNPq, no ano de 2015.

A segunda, “Movimentos inter-religiosos, política e espaço público no Brasil”, é resultante do estágio de pesquisa de pós-dou-toramento realizado em 2018-2019, no Programa de Pós-Gra-duação em Ciências da Religião, da Pontifícia Universidade de Campinas, sob a supervisão do Prof. Dr. Breno Martins Campos.

A terceira, intitulada “O princípio pluralista como chave de interpretação e análise de movimentos inter-religiosos no Bra-sil”, foi desenvolvida como tarefa principal de meu trabalho como professor visitante na Universidade Federal de Juiz de Fora (2019-2021).

É fato que a formulação deste princípio antecede em muito o período das referidas pesquisas e é resultado de duas décadas de trabalho sobre temas ecumênicos em chave teológica latino--americana e de análises da realidade de pluralidade religiosa que marca o nosso tempo. As principais análises foram desenvolvidas a partir das bases conceituais e práticas oriundas do trabalho do grupo de pesquisa Teologia no Plural, certificado na plataforma do

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CNPq pela Universidade Metodista de São Paulo na qual tra-balhei até 2017. O grupo se orientava pela preocupação com a importância da lógica plural para o método teológico e para os estudos de religião.

Em resumo, a preocupação é a identificação de aspectos que, nas últimas décadas, têm limitado ou facilitado o alargamento do método no campo dos estudos de religião e, consequentemente, oferecido menor ou maior capacidade de formulação de respos-tas teológicas e analíticas consistentes, diante da complexidade da realidade social latino-americana, em especial a diferença cultural nas linguagens da religião no Brasil e o pluralismo religioso.

De minha parte, além de ter liderado este grupo, desenvolvi várias atividades práticas relacionadas ao tema da pesquisa. Desta-co a assessoria ao Programa de Cooperação e Diálogo Inter-reli-gioso do Conselho Mundial de Igrejas (reuniões em Dubai, 2013, Beirute-Líbano, 2014, Matanzas-Cuba, 2017) para reflexão sobre pluralismo religioso e múltiplas pertenças religiosas, e o acom-panhamento de atividades, de organizações e de fóruns inter-re-ligiosos no Brasil. Tais inserções e acompanhamentos marcaram decisivamente as reflexões.

O debate sobre o princípio pluralista está articulado com o Grupo de Pesquisa Interinstitucional “Espiritualidades contempo-râneas, pluralidade religiosa e diálogo”, da Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em Teologia e Ciências da Religião (Anptecre) e da Sociedade de Teologia e Estudos de Religião (So-ter), coordenado pelo Prof. Dr. Roberlei Panasiewicz (PUC Minas), Gilbraz Aragão (Unicap-PE) e por mim (UFJF). Em vários eventos destas associações e sessões do grupo, as ênfases de nossa pesquisa foram apresentadas. Os resultados estão descritos nos resumos dos principais artigos, capítulos e livros publicados sobre a temática da

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pesquisa, apresentados a seguir. Além deles, oferecemos também os links para a observação dos textos na íntegra.

Apresentaremos: (I) A produção referente à base anterior da pesquisa, (2) a produção mais específica sobre a formulação do princípio pluralista, (3) a produção referente às aplicações e debate sobre o princípio pluralista, e (4) uma síntese: o verbete princípio pluralista no Dicionário do Pluralismo Religioso (Ed. Recriar, 2000).

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I - Produção referente à base anterior da pesquisa

A pesquisa foi motivada pelo destaque que a temática do pluralismo religioso tem ocupado na sociedade, tanto em termos nacionais como no mundo todo. Além disso, o pluralismo religioso tem tido também destaque no contexto acadêmico, em diferentes áreas do conhecimento. O mesmo se dá com temas correlatos como os referentes aos direitos humanos, à democracia e à diversidade.

Do ponto de visto prático, a necessidade da pesquisa se tor-nou mais evidente, entre outros fatores, pelos debates suscitados na disciplina “Hermenêutica do Pluralismo Religioso” (ministrada no PPG-CR/UMESP em diferentes semestres desde 2011). Dela se originou a produção de um livro didático que apresenta uma introdução às reflexões teológicas sobre o pluralismo religioso: A teologia das religiões em foco: um guia para visionários. São Paulo: Paulinas, 2012 [escrito em conjunto com Daniel Santos Souza]. Trata-se de uma síntese didática dos principais autores e temas em torno da teologia das religiões, em suas variadas perspectivas teóricas, tanto no campo protestante como no católico-romano. O livro destaca as visões ecumênicas apresentando trajetórias de vida, experiência de diálogo intra e inter-religioso, conceitos relativos ao pluralismo religioso e textos de autores/as com vivência e proce-dência de distintos continentes e inserções acadêmicas e pastorais.

A repercussão da obra nos levou a aprofundar o tema, sis-tematizando as questões levantadas a partir de eixos de análise [e não mais por autores como é a proposta do referido livro]. No

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mesmo ano, foram produzidos artigos com novos enfoques da te-mática publicados em revistas acadêmicas bem qualificadas.

Para uma visão da base inicial da pesquisa, seguem os resu-mos e a indicação dos links de acesso aos textos na íntegra:

Apresenta bases significativas de uma teologia ecumênica das religiões, considerando os desafios do tempo presente, em es-pecial o pluralismo religioso e cultural, e tendo em vista a cons-trução de uma lógica plural para o método teológico. Apresenta, também, sínteses da visão de autores que têm dado uma contri-buição relevante para o tema, como Paul Knitter, Andrés Torres Queiruga, Roger Haight e John Hick, no campo europeu e esta-dunidense, e José Maria Vigil, Marcelo Barros, Diego Irarrazaval e Faustino Teixeira, no campo latino-americano.

Como indicativo da necessidade de novos referenciais teó-ricos para as ciências da religião está uma compreensão mais ade-quada da diversificação cada vez mais visível do quadro religioso e o crescente anseio da parte de diferentes grupos pelos diálogos inter-religiosos, não obstante ao simultâneo fortalecimento das propostas de cunho fundamentalista. Este panorama tem imple-mentado novas perspectivas hermenêuticas, teológicas ou não, mas ainda possui no horizonte a maior parte de suas questões. Es-tas também necessitam ser formuladas de maneira mais adequada e debatidas com profundidade.

1. “Pluralismo e religiões: bases ecumênicas para uma teologia das religiões”. Estudos de Religião, São Bernardo do

Campo, Umesp, v. 26, n. 42, p. 209-237, 2012.

2. “Ecumenismo, pluralismo e religiões: a busca de novos referenciais teóricos”. Revista Eclesiástica Brasileira (REB), Petrópolis, Vozes, v. 72, n. 287, p. 651-663, 2012.

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Trata das possibilidades de uma teologia ecumênica das re-ligiões tendo como eixo articulador a preocupação pela paz, pela justiça e pela integridade da criação. O objetivo é analisar temas de destaque para o cenário das análises sociais e teológicas como: a) O valor do humano e da ética social para o diálogo inter-reli-gioso, b) As possibilidades de uma unidade aberta, convidativa e integradora no âmbito das religiões; c) A importância pública das religiões; d) As religiões como códigos de comunicação; e) O po-der do império e o poder do diálogo das religiões. Para isso, recorre-se às contribuições de Hans Küng, Jürgen Moltmann, Ju-lio de Santa Ana, Xavier Pikaza e José Comblin respectivamente.

Trata do método teológico a partir da busca de um equacio-namento mais adequado para as relações entre teologia e cultura, com destaque para o valor dos estudos culturais para a reflexão teo-lógica, tendo como base as análises pós-coloniais de Homi Bha-bha. Destaca também as dimensões da pluralidade, da subjetivida-de e da ecumenicidade para o método teológico, com vistas ao reforço de uma lógica plural na reflexão teológica e nas ciências da religião e as consequências disso para o conjunto da sociedade. Dentro da visão crítica do pensamento pós-colonial em Homi Bhabha, destacamos o trabalho fronteiriço da cultura, que requer um encontro com “o novo” que não seja mera reprodução ou con-tinuidade de passado e presente. Ele renova e reinterpreta o pas-

4. “Fronteiras, entre-lugares e lógica plural: a contribuição dos estudos culturais de Homi Bhabha para o método teo-

lógico”. Estudos de Religião, São Bernardo do Campo, Umesp, v. 26, n. 43, p. 9-21, 2012.

3. “Religiões e Paz: perspectivas teológicas para uma apro-ximação ecumênica das religiões”. Horizonte, Belo Horizonte, PUC Minas, v. 10, n. 27, p. 917-936, 2012.

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sado, refigurando-o como um “entre-lugar” contingente, que ino-va, interrompe e interpela a atuação do presente. Outro destaque é o horizonte hermenêutico e de intervenção social de Bhabha a partir da possibilidade de “negociação” da cultura ao invés de sua “negação”, comum nas posições dicotômicas e bipolares. Trata-se de uma temporalidade forjada nos entre-lugares e posicionada no “além”, que torna possível conceber a articulação de elementos an-tagônicos ou contraditórios e tornar possível novas realidades ain-da que sejam híbridas, sem forte coerência racional interna, mas nem por isso desprovida de potencial transformador e utópico.

Reflexão sobre questões que interpelam o método teológi-co, suscitadas pela realidade das culturas afro-indígenas, especial-mente a relação entre subjetividade e racionalidade. As realida-des das culturas religiosas afro-indígenas que marcam o contexto latino-americano, se consideradas pela reflexão teológica, em postura de diálogo crítico e interpelador, possibilitam uma revi-são do método teológico em diferentes aspectos. Dois deles são destacados no texto: O primeiro é o alargamento da visão sobre a realidade, sobre o ser humano e sobre o cosmo baseado na prima-zia da vivência comunitária em detrimento das lógicas doutrinais e formais, e também na maior ênfase na dimensão do despoja-mento e da autodoação em contraposição às formas cristológicas sacrificialistas; descartadas, no entanto, as muitas idealizações das referidas culturas feitas por diferentes círculos. O segundo é que as dimensões de subjetividade e as experiências lúdicas e rituais dos grupos religiosos afro-indígenas, uma vez vistas como interpela-ção à teologia cristã, redimensionaria o caráter fortemente racio-nal nela presente e geraria novas sínteses entre fé e ações práticas.

5. “A teologia diante das culturas afro-indígenas: interpela-ções ao método teológico”. Numen, Juiz de Fora, UFJF, v. 15, n.2, p. 515-535, 2012.

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O livro procura mostrar que a religião não somente expres-sa seus conteúdos pela linguagem, como se estrutura, ela mesma, por meio da linguagem. A religião se constitui em linguagem da cultura e sistema de comunicação e de geração de sentido para a vida. O capítulo em questão apresenta um elenco de caminhos nos quais o método teológico é desafiado pela lógica plural e pelo pluralismo religioso. Entre eles estão o valor dos estudos culturais para a reflexão teológica e a emergência de uma teologia ecumê-nica das religiões.

* * * * *Até aqui, estes resultados correspondiam ao projeto de pes-

quisa “Lógicas plurais e de ‘fronteiras’: novas interpelações entre te-ologia e cultura” (2011-2012), desenvolvido no PPG-CR/Umesp. Nos anos seguintes, com o projeto “Pluralismo e Religiões: novas interpelações entre teologia e cultura, tendo em vista uma teologia ecumênica das religiões” (2013-2015), desenvolvido em sequência no mesmo Programa, novos enfoques surgiram. Os principais re-sultados desta segunda pesquisa foram organizados em duas obras:

Aborda o tema do pluralismo religioso, tanto no tocante à descrição do quadro de diferença religiosa no Brasil e suas causas, quanto no que diz respeito a uma teologia ecumênica das religiões. Trata dos desafios advindos das questões cristológica e missiológi-ca e de uma teologia pública. Há uma resenha por Ney de Souza, em Revista de Cultura Teológica, São Paulo, PUC-SP, n. 90, 2017.

1. Pluralismo e libertação. São Paulo: Paulinas, 2014.

6. “A importância da lógica plural para o método teológico” (p. 219-254). In: NOGUEIRA, Paulo (org.). Linguagens da

Religião. São Paulo: Paulinas, 2012.

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Análise das perspectivas ecumênicas, tanto em nível intra-cristão quanto na dimensão inter-religiosa, em especial as experiências que se formaram em torno do Conselho Mun-dial de Igreja, com destaque para aspectos históricos, teológico e prático-pastorais.

* * * * *Esses dois livros são a reorganização temática dos seguintes

textos, publicados em revistas acadêmicas igualmente bem qualificadas:

A pesquisa procurou identificar os aspectos do quadro reli-gioso brasileiro atual que consideramos os mais importantes para uma compreensão das possibilidades e dos limites do pluralismo religioso. Entre tais aspectos estão: (i) a relação da matriz religiosa e cultural brasileira com as marcas do pluralismo religioso atual, (ii) os processos de privatização das experiências religiosas, espe-cialmente como o fato econômico intervêm nas experiências reli-giosas, (iii) os processos de secularização e as novas formas religio-sas, incluindo as formas de trânsito religioso e o lugar das mídias no processo religioso, e (iv) a relação entre as expressões de funda-mentalismo e as de pluralismo. Para efetuar tais análises, recorre-mos às concepções que consideramos fundamentais para uma hermenêutica do quadro de pluralismo religioso, a saber: (i) a no-

1. “Um olhar sobre o atual cenário religioso brasileiro: pos-sibilidade e limites para o pluralismo”. Estudos de Religião, São

Bernardo do Campo, Umesp, v. 27, n. 2, p. 53-71, 2013.

2. O rosto ecumênico de Deus. São Paulo: Fonte Editorial, 2013 [escrito em conjunto com Magali do Nascimento Cunha].

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ção de alteridade e a sua implicação para o estudo científico da religião (cf. Martin Buber e Emmanuel Lévinas), e (iii) os proces-sos de interculturalidade facilitados pela maior velocidade das co-municações, pelo desapego às tradições e pela mobilidade rural-urbana (cf. Raul Fornet-Betancourt), e (iii) a concepção de entre-lugar, como trabalho fronteiriço da cultura, que requer um encontro com “o novo” que não seja mera reprodução ou continui-dade de passado e presente (cf. Homi Bhabha).

A pesquisa girou em torno da confluência entre os pensa-mentos de Paul Tillich e os da teologia latino-americana no to-cante à perspectiva pluralista de compreensão da fé. O pressupos-to é que a vocação ecumênica, ao marcar as reflexões teológicas e pastorais, indica que o caráter de apologia, de sectarismo ou de exclusivismo são ou devem ser evitados. Deus é sempre maior do que qualquer compreensão ou realidade humana. Age livremente, em especial na ação salvífica. Nesse sentido, não é preciso estar ex-cessivamente preocupado em descobrir quem é ou será salvo (para utilizar o imaginário comum dos cristãos); mas quem é e o que representa Jesus Cristo para a comunidade cristã. Essa perspectiva de Tillich o remete à busca de um novo paradigma para a teologia das religiões. A perspectiva pluralista possui como característica básica a noção de que cada religião tem a sua proposta salvífica e de fé que devem ser aceitas, respeitadas e aprimoradas a partir de diálogo e aproximação mútuas. Assim, a fé cristã, por exemplo, necessita ser reinterpretada a partir do confronto dialógico e cria-tivo com as demais fés. O mesmo deve se dar com toda e qualquer tradição religiosa.

2. “Fé e pluralismo religioso: reflexão a partir da teologia de Paul Tillich”. Correlatio, São Bernardo do Campo, Umesp, v. 12,

n. 23, p. 29-41, 2013.

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Análise dos principais desafios do pluralismo religioso para o contexto teológico latino-americano. Como resultado de nossa pesquisa, formulamos três eixos norteadores da temática: (i). A importância pública das religiões para os processos de promoção da paz e da justiça, associada ao valor da mística e da alteridade na formação de espiritualidades ecumênicas e como elas incidirão nos processos religiosos e sociais, favorecendo perspectivas utó-picas, democráticas e doadoras de sentido. (b). A necessidade de mudança de lugar teológico a partir da realidade das culturas reli-giosas afro-indígenas. (c). A contribuição da teologia feminista da libertação para o debate do pluralismo religioso. Metodologica-mente, reunimos a produção teológica latino-americana em torno das questões do pluralismo religioso, identificamos os aspectos principais, especialmente os que interpelam mais diretamente o método teológico e sistematizamos os pontos que consideramos mais desafiadores em torno dos três eixos já referidos. A pesquisa mostra que, diante do pluralismo religioso, faz-se necessária para a teologia das religiões uma atenção especial à articulação entre a capacidade de diálogo dos grupos religiosos e os desafios em torno da defesa dos direitos humanos e das lógicas inclusivas.

O texto apresenta uma perspectiva cristológica plural base para as relações inter-religiosas, a partir da visão de que cada ex-pressão religiosa tem a sua proposta salvífica e de fé que devem ser

4. “Pluralismo e religiões: a questão cristológica em foco”. Horizonte, Belo Horizonte, PUC Minas, v. 11, n. 29, p. 353-380, 2013.

3. “A teologia latino-americana diante do pluralismo reli-gioso”. Horizonte, Belo Horizonte, PUC Minas, v. 11, n. 32, p. 1436-1460, 2013.

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aceitas, respeitadas, valorizadas e aprimoradas a partir de diálogo e aproximação mútuas. Tal perspectiva não anula nem diminui o va-lor das identidades religiosas - no caso da fé cristã, a importância de Cristo –, mas leva-as a um aprofundamento e amadurecimento, movidos pelo diálogo e pela confrontação justa, amável e corres-ponsável. Assim, a fé cristã, por exemplo, seria reinterpretada a par-tir do confronto dialógico e criativo com as demais fés. O mesmo deve se dar com toda e qualquer tradição religiosa. Consideramos que tal visão, em certo sentido, supera outros modelos como aque-le que considera Jesus Cristo e a Igreja como caminho exclusivo de salvação; o que considera Jesus Cristo como caminho de salvação para todos, ainda que implicitamente, o que se denominou inclusi-vismo; e a perspectiva relativista na qual Jesus é o caminho para os cristãos, enquanto para os outros o caminho é a sua própria tradi-ção, sem maiores esforços de autocríticas, revisões e mútua interpe-lação. Na visão pluralista, os elementos chaves da vivência religiosa e humana em geral são alteridade, respeito à diferença e o diálogo e cooperação prática e ética em torno da busca da justiça, da paz e do bem-comum. A aproximação e o diálogo entre grupos de dis-tintas expressões religiosas cooperam para que elas possam cons-truir ou reconstruir suas identidades e princípios fundantes.

A pesquisa relacionou duas dimensões fundamentais da fé cristã que é a missão e a perspectiva ecumênica. As bases me-todológicas de análise foram avaliações de contribuições de di-ferentes perspectivas teológicas para o tema da missão diante do pluralismo religioso, como as de Michael Amaladoss e de Christine Lienemann-Perrin e a dos teólogos metodistas Wes-

5. “Missão e compromisso ecumênico”. Caminhando, São Bernardo do Campo, Umesp, v. 18, n. 2, p. 129-141, jul./dez. 2013.

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ley Ariarajah e Inderjit Bhogal. Como resultado, indicamos perspectivas fundadas no valor do humano e da ética social para o diálogo inter-religioso e para a prática missionária, as possi-bilidades de uma unidade aberta, convidativa e integradora no âmbito das religiões e como a aproximação e diálogo influem na defesa dos direitos humanos e como eles redimensionam a mis-são cristã. Nossa intenção foi realçar as possibilidades de uma teologia da missão, de inspiração dialogal e ecumênica, tendo como eixo articulador a preocupação pela paz, pela justiça e pela integridade da criação.

Diante do pluralismo religioso faz-se necessária para a teo-logia das religiões uma atenção especial à articulação entre a capa-cidade de diálogo dos grupos religiosos e os desafios em torno da defesa dos direitos humanos e da promoção da paz, pressupondo que a espiritualidade ecumênica requer visão dialógica, alteridade, profunda sensibilidade com as questões que afetam a vida huma-na e inclinação para os processos de humanização, favorecendo assim perspectivas utópicas, democráticas e doadoras de sentido na sociedade.

A pesquisa girou em torno de possibilidades de discerni-mento bíblico-teológico das realidades sociais marcadas pelo plu-ralismo religioso. Metodologicamente, três passos foram dados: a

7. “Bases teológicas cristãs para o discernimento do plura-lismo religioso”. Pistis & Praxis, Curitiba, PUC-PR, v. 6, n. 1, p.

209-228, 2014.

6. “Teologia e espiritualidade ecumênica: implicações para o método teológico a partir do diálogo inter-religioso”. Estudos Teo-

lógicos, São Leopoldo, EST, v. 53, n.1, p. 57-73, jan./jun. 2013.

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identificação da noção bíblica de alteridade, a identificação da abertura ao diálogo e a prática interativa que a visão trinitária da fé cristã oferece, e um levantamento das questões em torno do desafio da visão cristológica diante do quadro de valorização do pluralismo religioso.

Abstract: This paper shows how theology of religions needs to focus on two aspects when speaking of religious pluralism: the ability and capacity of religious groups to dialogue, and the chal-lenges of human rights and inclusiveness. From the Latin Ame-rican theological context, the research was formulated around three topics: (i) the public importance of religion in both peace building as well as the promotion of justice, taking into accou-nt the importance of mysticism and otherness in the ecumenical formation of spiritualties and how they affect religious and social processes, allowing the emergence of new utopian, democratic and meaningful perspectives; (ii) the necessity of reshaping the theological lens with an intentional starting point in the realities of Afro-Indigenous cultures; and (iii) the contribution of feminist liberation theology to the debate of religious pluralism.

A pesquisa indica bases conceituais para análise dos espaços fronteiriços entre a presença pública das experiências inter-religio-sas no Brasil e o aprofundamento da democracia. Entre os resulta-dos da pesquisa, apresentamos bases teóricas que mostram a neces-

8. “Towards an ecumenical theology of religions throught a Latin American lens”. Exchange, Brill, v. 44, n.1, p. 83-102, 2015.

9. “A contribuição das noções de entre-lugar e de fronteira para a análise da relação entre religião e democracia”. Rever, São Paulo, PUC-SP, v. 15, p. 160-176, 2015.

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sidade de uma atenção especial nas análises sociais à articulação entre a capacidade de diálogo dos grupos religiosos e os desafios em torno da democracia. Entres tais bases se destacam a noção de entre-lugar e de espaços fronteiriços, a lógica de alteridade e a di-mensão ecumênica, e a relação entre religião e globalização contra-hegemônica. Os resultados da pesquisa tratam da primeira dimensão: as noções de entre-lugar e de fronteira como referenciais de análise das diferenças culturais e religiosas. Metodologicamente, a pesquisa utilizou o recurso da interação entre elementos da reali-dade sociorreligiosa e conceitos dos estudos culturais pós-coloniais advindos da produção teórica de Homi Bhabha e Boaventura de S. Santos.

Apresenta os resultados de pesquisa realizada em torno de questões que emergem do quadro de pluralismo religioso e se re-lacionam com a temática da defesa dos direitos humanos e com aspectos que giram em torno dos processos de aprofundamento da democracia. Metodologicamente, foi priorizado em um pri-meiro momento um balanço de questões que demarcam o cami-nho para uma teologia ecumênica das religiões, pois elas geram novas perspectivas teológicas em torno dos temas tratados. Em seguida, destacamos (i) alguns aspectos da tendência atual dos processos de privatização das experiências religiosas, com a pre-missa que tais aspectos não favorecem a relação religião e direitos humanos, (ii) analisamos as relações entre teologia ecumênica e direitos humanos, privilegiando o diálogo com a noção de globa-lização contra-hegemônica, de Boaventura de Souza Santos e (iii) mostramos como a emancipação humana se articula frontalmente

10. “Pluralismo religioso, direitos humanos e democracia”. Horizonte, Belo Horizonte, PUC Minas, v. 13, p. 1805-1825, 2015.

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com as questões teológicas em torno da democracia. Entre os re-sultados da pesquisa, destacamos bases teóricas que mostram que se faz necessária para a teologia das religiões uma atenção especial à articulação entre a capacidade de diálogo dos grupos religiosos e os desafios em torno da defesa dos direitos humanos. Também indicamos que uma espiritualidade ecumênica que emerge do pluralismo religioso terá como valor a dimensão de alteridade e isso incidirá nos processos religiosos e sociais, favorecendo pers-pectivas utópicas, democráticas e doadoras de sentido.

Síntese de aspectos teológicos que norteiam a prática ecu-mênica intra e inter-religiosa.

11. Verbete “Espiritualidade ecumênica”. In: Enciclopédia Digital Theologica Latino-americana. Belo Horizonte: FAJE.

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II – A formulação do princípio pluralista

A primeira vez que utilizei a expressão “princípio pluralista” foi em uma conferência no Programa de Pós-Graduação em Teo-logia, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, realizada no dia 17 de agosto de 2017, cujo tema foi “Pluralismo Religioso na América Latina”. Eu estava bastante motivado pelas experi-ências de diálogo inter-religioso que se abriam para mim, espe-cialmente no contexto de participação no Fórum Inter-Religioso de Santo André-SP e de outros canais de diálogo, tanto em nível local e nacional, como também nos espaços criados pelo Programa de Cooperação e Diálogo Inter-Religioso do Conselho Mundial de Igrejas, como já referido.

Após a conferência, o Programa da PUC teve a gentiliza de publicar o texto em sua Revista de Cultura Teológica, com o título “O princípio pluralista: bases teóricas, conceituais e possibi-lidades de aplicação” (2017a). No mesmo ano, o IHU publicou em seus Cadernos Teologia Pública, com o título “O princípio pluralista” (2017b), um aprofundamento do texto, o qual teve boa circulação e aceitação em alguns setores dos estudos de religião.

Apresentaremos a seguir dois blocos de textos, ambos re-lacionados com a formulação do princípio pluralista. O primeiro, formado por aqueles que diretamente traduzem e sistematizam os resultados das pesquisas realizadas sobre pluralismo religioso. O segundo, com estudos associados ao tema do pluralismo, não somente religioso, mas também metodológico e antropológico.

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Primeiro bloco: sobre o pluralismo religioso

Da mesma forma como apresentamos os principais resulta-dos iniciais da pesquisa, utilizaremos igualmente os resumos dos principais textos publicados sobre o tema, acompanhados da indi-cação dos textos na íntegra, para mostrar os resultados da pesquisa.

Artigos e capítulos

A pesquisa procurou sistematizar duas noções em torno das relações inter-religiosas que visam desconstruir imaginários de corte idealista que muitas vezes emergem de práticas e de formas de ecumenismo inter-religioso: os diferenciais de poder presen-tes na sociedade e nas relações inter-religiosas e a concepção de polidoxia que evitaria interpretações e ações dicotômicas e bipo-lares. Metodologicamente, recorremos ao processo de sínteses de perspectivas oriundas dos estudos culturais pós-coloniais realiza-dos por diferentes autores e à crítica teológica feminista de Kwok Pui-Lan. Entre os resultados da pesquisa estão as bases teóricas para as análises que dão destaque aos diferenciais de poder presen-tes também nas relações inter-religiosas que uma vez identificados, assumidos e equacionados criticamente poderiam atenuar a repro-dução de formas veladas de dominação, na medida em que tais formas, contraditoriamente, também estão presentes no espectro do diálogo inter-religioso. Outro é uma elucidação da concepção de polidoxia, que, por intermédio da crítica e do desmascaramento do pensamento único, visa a ultrapassar o binômio ortodoxia/here-

1. “As noções de polidoxia e de diferenciais de poder no con-texto da relação entre imaginários e diálogos inter-religiosos”.

Horizonte, Belo Horizonte, PUC Minas, v. 15, n. 45, p. 40-67, jan./mar. 2017.

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sia, que em geral inibe a efetivação de um diálogo inter-religioso e cultural autêntico. A divindade, nesta perspectiva, é compreendida em termos de multiplicidade, irrestringibilidade e relacionalidade.

O texto apresenta resultados de pesquisa realizada a par-tir de esforços de avaliação sobre a teologia latino-americana no tocante aos desafios suscitados pelo pluralismo. Trata-se de uma análise crítica de sua metodologia, tendo em vista contribuir com o seu aprimoramento e com a indicação de respostas mais ade-quadas e mais consistentes ao quadro crescente de complexida-de da realidade social e de pluralismo, sobretudo religioso. Este cenário é emoldurado pelos fatores econômicos e marcado por uma emergência de subjetividades, além de ser também molda-do por um quadro de pluralismo em diferentes aspectos cada vez mais intenso nas sociedades e culturas. Para este esforço crítico foi conceituado o princípio pluralista. Metodologicamente, foram dados os seguintes passos: (i) síntese de perspectivas teológicas no campo da teologia ecumênica das religiões, (ii) análise de fontes que realçam aspectos da complexidade cultural, da subjetividade humana, da pluralidade, da alteridade e da ecumenicidade, e (iii) análise da importância pública das religiões e da força dos movi-mentos contra hegemônicos, a partir do princípio pluralista.

O texto apresenta resultados de pesquisa realizada a par-tir de esforços de avaliação sobre a teologia latino-americana no tocante aos desafios suscitados pelo pluralismo. Trata-se de uma

2. “O princípio pluralista: bases teóricas, conceituais e possi-bilidades de aplicação”. Revista de Cultura Teológica, São Pau-lo, PUC-SP, v. 25, n. 90, p. 234-257, jul./dez. 2017.

3. “O princípio pluralista”. Cadernos Teologia Pública, São Leopoldo, IHU, n. 128, v. 14, 2017.

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análise crítica de sua metodologia, tendo em vista contribuir com o seu aprimoramento e com a indicação de respostas mais ade-quadas e mais consistentes ao quadro crescente de complexida-de da realidade social e de pluralismo, sobretudo religioso. Este cenário é emoldurado pelos fatores econômicos e marcado por uma emergência de subjetividades, além de ser também molda-do por um quadro de pluralismo em diferentes aspectos cada vez mais intenso nas sociedades e culturas. Para este esforço crítico foi conceituado o princípio pluralista. Metodologicamente, foram dados os seguintes passos: (i) síntese de perspectivas teológicas no campo da teologia ecumênica das religiões, (ii) análise de fontes que realçam aspectos da complexidade cultural, da subjetividade humana, da pluralidade, da alteridade e da ecumenicidade, e, (iii) análise da importância pública das religiões e da força dos movi-mentos contra-hegemônicos, a partir do princípio pluralista.

A pesquisa centrou-se na análise do percurso teológico da Reforma Protestante, enfatizando a pluralidade dela, as visões politicamente distintas entre seus protagonistas como Martinho Lutero, João Calvino e Thomas Müntzer, e as práticas e espiritu-alidades igualmente distintas até os dias de hoje. Metodologica-mente, seguimos a noção da história como interpretação e o po-tencial criativo dos entre-lugares culturais, valorizando os aspectos utópicos que possam ser reforçados pela avaliação histórica. Os resultados da pesquisa destacaram alguns desses aspectos como: (i) o valor teológico da dimensão ecumênica, (ii) os processos de renovação eclesial, dentro e fora do contexto protestante, (iii) a criação e o fortalecimento de vida comunitária e crítica, dentro

4. “Espiritualidades plurais da Reforma”. Perspectiva Teo-lógica, Belo Horizonte, FAJE, v. 49, n. 1, p. 63-86, jan./abr. 2017.

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dos parâmetros teológicos da Reforma. Eles devem ser analisados levando-se em consideração as peculiaridades do contexto brasi-leiro e latino-americano em geral em suas diferentes dimensões.

Apresenta, a partir de reflexão em torno das perspectivas históricas, teológicas e pastorais da Reforma Protestante, desafios e possibilidades de reforma para os dias de hoje, principalmente em relação ao pluralismo religioso e à sexualidade humana. Como chaves de leitura estão às críticas a Lutero e a Calvino nos aspec-tos de manutenção do status quo, a concepção de que a história é sempre interpretação, e que reforma e espiritualidade devem ser vistas como projeções do devir.

A pesquisa apresenta os resultados da discussão em torno do conceito de religião entendido pelo teólogo Paul Tillich e como ele se relaciona ao que o autor denominou preocupação última e à importância dela para a vida humana. Metodologicamente, foram dados passos na direção de uma sistematização do conceito tilli-chiano de preocupação última, e de uma análise de como ele pode ser relacionado à proposta do diálogo entre as religiões, com a indica-ção de temas religiosos mobilizadores como a salvação. Além disso, para esta discussão recorremos também à possibilidade de um diá-logo da teologia de Tillich com a teologia latino-americana. Entre os resultados da pesquisa, destacamos aspectos da vivência religiosa

5. “Para onde sopram os ventos da Reforma?” Revista Ecle-siástica Brasileira, Petrópolis, Vozes, v. 77, n. 305, p. 8-33, jan./mar. 2017.

6. “As religiões diante da preocupação última da vida: uma reflexão a partir do pensamento de Paul Tillich”. Estudos de

Religião, São Bernardo do Campo, Umesp, v. 31, n. 3, 2017 [Es-crito em conjunto com André Yuri Gomes Abijaudi].

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nos quais a preocupação última não é somente mais uma função do espírito humano, mas a que concede sentido e profundidade a todas as funções criativas da vida humana e que aponta para o caminho da autotranscendência. Há também de se considerar a situação so-cial opressiva e os problemas cruciais da sociedade e da vida hu-mana que necessitam ocupar a reflexão teológica, especialmente a soteriológica, levando em conta as ambiguidades da vida humana, o desejo por salvação e as possibilidades de uma teologia das religiões.

Análise das possibilidades ecumênicas de reforma das igre-jas, com ênfases nos movimentos eclesiais de caráter mais livre e espontâneo que articulam temas e situações emergentes, como os desafios da espiritualidade ecológica, da espiritualidade ecumê-nica inter-religiosa, da sexualidade e da vivência comunitária que realce a gratuidade, a liberdade e a autenticidade humana como contraponto às formas de violência, de individualismo, de consu-mismo, de insensibilidade humana e de segregação.

A pesquisa abordou as experiências de dupla ou múltipla pertença religiosa no Brasil. Metodologicamente foram dados pas-sos com distintas bases teóricas nos quais foram sistematizados os principais resultados da pesquisa. Isto se deu a partir da indicação de elementos que possibilitam avaliações mais apuradas destas ex-periências, tais como: (i) maior atenção ao destaque que o crescente quadro de pluralismo religioso tem para a vida das pessoas e gru-

8. “Dupla e múltipla pertença religiosa no Brasil”. Estudos de Religião, São Bernardo do Campo, Umesp, v. 32, n.3, 2018.

7. “Ecumenismo e Reforma para além das ferrugens ecle-siásticas” (p. 21-31). In: KUZMA, Cesar & VILLAS BOAS,

Alex (orgs.). Religiões em Reforma: 500 anos depois. São Paulo: Paulinas/Soter, 2017.

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pos, o que lhes possibilita maiores informações e mais fácil acesso às diferentes propostas religiosas, (ii) a importância de se pensar criticamente o quadro de pluralismo religioso, não a partir do con-ceito moderno de religião, em geral compartimentalizado, raciona-lizado e formal, mas a partir de como se dá efetivamente a relação entre vida cotidiana e expressões de fé, (iii) a verificação de que tais experiências são vividas em espaços de fronteiras e nos entre-lu-gares das culturas onde brotam os novos signos que colaborarão e contestarão as definições e ideias sobre as sociedades, (iv) o reco-nhecimento de que a matriz cultural e religiosa brasileira, devido ser ela marcada historicamente por elementos mágicos e místicos, fruto de uma simbiose das religiões indígenas, africanas e do cato-licismo ibérico, facilita os processos de dupla ou múltipla pertença religiosa, e (v) a constatação de que o trânsito religioso se dá, não apenas na migração de uma religião para a outra, mas também na recomposição simbólico-cultural de diferentes sistemas de crenças, o que torna um fator gerador de dupla ou múltipla pertença.

O texto apresenta os resultados de pesquisa sobre aspectos teológicos do pluralismo com destaque para o tema da alteridade, levando em conta o dado crítico de que as aberturas fundamentais para o “outro” precisam considerar efetivamente os diferenciais de poder que marcam as relações sociais e políticas. Metodologica-mente, foram dados os seguintes passos: (i) análise da necessidade de identificação das dimensões de alteridade a partir da explici-tação dos diferenciais de poder que marcam os processos de in-terculturalidade e as diferentes relações, inclusive inter-religiosas, (ii) explicitação da noção bíblica de alteridade a partir das relações básicas da antropologia teológica que constituem o ser como hu-

9. “Teologia, pluralismo e alteridade ecumênica”. Teocomu-nicação, Porto Alegre, PUC-RS, v. 48, n.1, 2018.

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mano, (iii) indicação da abertura ao diálogo e a prática interativa que a visão trinitária da fé cristã oferece, inclusive para práticas sociais democráticas e participativas e visões eclesiais marcadas pela comunhão, e (iv) uma identificação do valor de uma mística de alteridade que reforce perspectivas utópicas e doadoras de sen-tido para os grupos sociais.

A pesquisa trata de um dos desafios que se apresenta para a teologia latino-americana, que é o aprofundamento das questões que emergem da valorização do pluralismo religioso e como ela incide no fortalecimento da democracia, das práticas ecumêni-cas e de cunho libertador e da defesa dos direitos humanos e da terra. O ponto central de nossa análise está em torno da revisão metodológica da teologia latino-americana, tendo em vista a di-versificação crescente do quadro de pluralismo religioso. Para esta revisão, as questões suscitadas pelas relações entre fés e culturas têm tido destaque. Metodologicamente, identificamos dois blocos para análise. Um que emerge do contexto da teologia feminista latino-americana e outro das teologias afro-indígenas. O esforço da teologia feminista da libertação em buscar imagens femininas de Deus está centrado nas expressões da fé em uma divindade não androcêntrica, que seja fonte de iluminação crítica das formas de patriarcalismos e sexismos. O foco é a vivência espontânea da fé que promova a cura e que valorize o corpo, a sexualidade, o cuidado e a proteção e a responsabilidade ética com a criação e a natureza. A necessidade de mudança de lugar teológico, a par-tir da realidade das culturas religiosas afro-indígenas, valoriza a

10. “A teologia latino-americana diante do pluralismo re-ligioso: a mudança de lugar teológico a partir das teologias

feministas e afro-indígenas”. Encontros Teológicos, São Paulo, Unifai, v. 33, n.2, 2018.

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contribuição de uma teologia indígena e de uma teologia negra, especialmente por desfrutarem da tensão criativa entre ritualida-de e racionalidade e por articularem as subjetividades do mundo afro-indígena e a racionalidade cristã ocidental.

O texto apresenta resultados de pesquisa sobre as possibilida-des de inserção religiosa nos processos de globalização contra-he-gemônica, em especial o papel das experiências inter-religiosas no Brasil, que possam ocorrer como crítica à lógica e ao poder imperial. O foco das análises é o eixo articulador entre a preocupação reli-giosa pela paz, pela justiça e pela integridade da criação e a crítica às formas e expressões de Império. Para isso, um dos destaques é a tradição teológica cristã latino-americana, que está presente no contexto dos movimentos inter-religiosos analisados. A partir dela, mas em diálogo com autores de diferentes contextos, afirma-se a importância da crítica às relações de dominação e de exclusão so-cioeconômica que marcam a atualidade e que caracterizam o do-mínio de um “novo Império”, capitaneado pelo sistema econômico capitalista, que, não obstante as reações contra-hegemômicas, con-diciona e dirige as formas de pensar e de agir dos diferentes grupos e culturas e os sistemas de valores presentes na sociedade. Consta-tou-se que as práticas dos movimentos inter-religiosos analisados na pesquisa, em função de suas pautas no campo dos direitos e ações sociopolíticas articuladas com iniciativas de reforço da democracia, podem ser consideradas, juntamente com diferentes movimentos sociais, forças contra-hegemônicas expressivas.

11. “Movimentos inter-religiosos no Brasil e globalização contra-hegemônica”. Reflexão, Campinas, PUC Campinas, v. 43, n. 2, 2018.

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Livros

As principais produções em livros que deram base para a formulação do princípio pluralista são: (i) os da coleção Teologia no Plural, publicados pela Editora Reflexão, (ii) os dois livros que reúnem os conteúdos dos “Seminários de Março” (Umesp) do GT “Espiritualidades contemporâneas, pluralidade religiosa e diálogo” e (iii) livros sobre temas ecumênicos e sobre pluralismo religioso. São eles:

Visão panorâmica de aspectos relevantes no quadro teológi-co das últimas quatro décadas, com destaque para o quadro das ex-periências ecumênicas, em especial no contexto latino-americano.

Análise do quadro de pluralismo religioso tendo em vista aspectos da teologia latino-americana e as possibilidades e limites de valorização da pluralidade nas propostas religiosas e as impli-cações destes processos no quadro social.

A tônica do livro é que toda e qualquer ação ou reflexão sobre democracia e/ou direitos humanos requer análises mais consisten-tes e posicionamentos mais nítidos acerca das questões que lhes são mais diretamente relacionadas, como o combate aos racismos, ao sexismo e ao homofobismo e a crítica ao sistema capitalista como

2. Interpretação teológica do pluralismo religioso. São Paulo: Reflexão, 2016.

1. Caminhos plurais: quatro décadas de trajetos ecumênicos e pastorais. São Paulo: Reflexão, 2016.

3. Religião, democracia e direitos humanos: presença pública inter-religiosa no fortalecimento da democracia e na defesa dos direitos humanos no Brasil. São Paulo: Reflexão, 2016.

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produtor de desigualdades sociais, violência e pobreza. No caso das religiões no Brasil, tanto pelas históricas dificuldades no tratamen-to de tais questões quanto pela riqueza teológica de vários grupos que reagiram aos processos dominantes e se colocaram francamen-te a favor do aprofundamento da democracia e dos direitos, esse processo avaliativo, reflexivo e propositivo torna-se cada vez mais imperativo. Há uma resenha por Claudia Danielle Andrade Ritz, em Horizonte, Belo Horizonte, PUC Minas, v. 15, n. 46, 2017.

Analisa o quadro de pluralismo religioso no Brasil, ao enfo-car as diferenças religiosas dentro da dinâmica social que leva em conta os efeitos dos processos de globalização. Estes são amplos e se revelam, especialmente, na velocidade das alterações socio-culturais, no ineditismo de certas reconfigurações religiosas e nas formas híbridas cada vez mais crescentes no campo religioso.

Análise do pluralismo religioso a partir de enfoques teóricos como transreligiosidade, alteridade ecumênica e a relação com a democracia e com os direitos humanos. O livro apresenta também relatos de experiências de diálogo inter-religioso e um quadro da diversidade interna de alguns grupos religiosos.

Apresenta conceitos importantes para o debate inter-reli-gioso, como o de polidoxia, transreligiosidade e alteridade, com ênfase na análise de movimentos sociais e inter-religiosos no

4. Pluralismo religioso em debate. São Paulo: Reflexão, 2017 [escrito em conjunto com Giovanni Catenaci].

5. Espiritualidades contemporâneas, pluralidade religiosa e diá-logo (org.). São Paulo: Fonte Editorial, 2016.

6. Espiritualidades contemporâneas e direitos humanos (org.). São Paulo: Terceira Via, 2018.

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Brasil que atuam no campo dos direitos humanos, assim como análises a partir de visões de distintas tradições religiosas sobre temas relacionados ao debate sobre direitos sociais.

Enfatiza a dimensão de pluralidade no contexto da Refor-ma Protestante, tanto em seus primórdios como na atualidade. Trata-se de uma reflexão teológica e pastoral sobre o fortaleci-mento da vida comunitária dentro de uma lógica inclusiva e tendo em vista os desafios que a sociedade apresenta nos dias de hoje.

Apresenta uma visão panorâmica de aspectos de destaque no quadro teológico desde os anos de 1980, com destaque para o qua-dro das experiências ecumênicas, em especial no contexto latino--americano, que deu base para a formulação do princípio pluralista.

Na linha ecumênica, organizei também as seguintes obras:

Textos de lideranças de igrejas evangélicas contendo refle-xões sobre questões teológicas e pastorais a respeito do meio am-biente a partir de apreciações e análises da Encíclica Laudato Si’, do Papa Francisco.

Panorama das principais questões que marcam o cenário da experiência ecumênica no Brasil no século 21, de forma especial

8. Por onde andei... Trajetos pessoais e o princípio pluralista. São Paulo: Fonte Editorial, 2018.

7. Espiritualidades plurais da Reforma. São Paulo: Reflexão, 2017.

9. Evangélicos e o Papa: olhares de lideranças evangélicas so-bre a Encíclica Laudato Si’, do Papa Francisco. São Paulo: Reflexão, 2016.

10. Evangélicos e católicos: encontros e desencontros o século 21. São Paulo: Reflexão, 2016.

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a relação entre grupos católicos e evangélicos, com realce para as mais destacadas possibilidades e limites do ecumenismo e os en-contros e desencontros vividos.

Análises de aspectos históricos e teológicos, feitas ecume-nicamente, de temas candentes da Reforma Protestante, como a centralidade da graça, a crítica profética, o sacerdócio universal de todos os crentes e a noção de uma permanente reforma da igreja.

Balanços das principais ênfases teológicas que marcam o ce-nário teológico protestante no contexto da Teologia Latino-Americana da Libertação, incluindo as raízes históricas que remontam os anos de 1960 e as perspectivas das teologias e práticas ecumênicas desde esse período. O livro traz reações de teólogos e teólogas não cristãs aos principais conteúdos da teolo-gia protestante latino-americana.

Análises de pesquisadores e pesquisadoras sobre as experiên-cias de dupla ou múltipla pertença religiosa, dentro do quadro de valorização do pluralismo. Tais vivências são muito mais abundan-tes do que se imagina, possuem conexões com variados aspectos do quadro cultural brasileiro e ainda não encontram a atenção e a vi-sibilidade devidas por partes dos setores sociais, religiosos e acadê-micos e outros grupos interessados no campo das espiritualidades

13. Religião, diálogo e múltipla pertença religiosa. São Paulo: Annablume, 2019 [organizado em conjunto com Angélica Tostes].

11. Ecumenismo e Reforma. São Paulo: Paulinas, 2017 [orga-nizado em conjunto com Alessandro Rocha].

12. Teologia protestante latino-americana: um debate ecumê-nico. São Paulo: Terceira Via, 2018.

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e no estudo da religião. As abordagens do tema são feitas a partir da indicação de elementos que possibilitam avaliações mais apura-das das experiências de múltiplas pertenças religiosas, sobretudo no Brasil, e como elas incidem na reconstrução das identidades religiosas e das culturas. Há uma resenha do livro por Cristian Si-csú da Glória: “Caminhos para compreender as pertenças religio-sas no Brasil”. Revista Plura, São Paulo, ABHR, vol. 11, n. 1, 2020.

O livro amplia o foco da discussão entre religião e política substituindo as reflexões ensaísticas de volumes afins anteriormen-te publicados e trazendo apontamentos a partir de documentos, survey, materiais empíricos e aprofundamento teórico-metodoló-gico sobre a participação política de grupos evangélicos no Brasil.

Análises de pesquisadores e pesquisadoras de certo destaque no cenário acadêmico sobre a relação entre religião e política no Brasil, vista a partir de diferentes tradições religiosas. As abordagens do tema foram feitas com a indicação de elementos religiosos e te-ológicos e de bases conceituais e doutrinárias de distintas tradições religiosas que fundamentam intervenções sociopolíticas críticas, pautadas pela paz e pela justiça. Ao mesmo tempo, a maioria das análises traz também uma descrição das práticas sociais mais signi-ficativas de cada grupo religioso em questão e um balanço de como tais grupos religiosos atuaram e atuam politicamente na sociedade, incluindo a diversidade de perfis e das suas formas de atuação.

14. Religião & política à brasileira (org.). São Paulo: Recriar, 2019 [organizado em conjunto com Nelson Lellis].

15. Religiões e intervenção política: múltiplos olhares (org.). São Paulo: Recriar, 2020 [organizado em conjunto com An-gélica Tostes].

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Segundo bloco: sobre pluralismo metodológico e antropológico

Os resultados da pesquisa sobre o princípio pluralista apresen-tados acima estão articulados com três ênfases, nas quais temos nos ocupado. A preocupação geral é o pluralismo, mas ela não se res-tringe ao pluralismo religioso. As outras duas ênfases, que nos têm acompanhado desde algum tempo, são o pluralismo metodológico e o pluralismo antropológico. Neste sentido, julgamos necessário rela-tar também a produção que, embora não trate especificamente sobre o tema do pluralismo religioso que marca os projetos de pesquisa referidos inicialmente, está direta e indiretamente relacionada a eles.

Sobre pluralismo metodológico

Nesta ênfase estão: (i) a revisão crítica do método teológico latino-americano, (ii) os novos estudos a partir das obras do reno-mado filósofo italiano Giorgio Agamben, (iii) a continuidade das reflexões sobre teologia e literatura e (iv) sobre aspectos críticos da teologia protestante.

Artigos e capítulos

O texto realça, entre a diversidade de aspectos que mere-cem a atenção no pensamento de Giorgio Agamben, duas ênfa-ses. A primeira é a de que o Estado Moderno foi forjado na violência e por isso se constitui um estado de exceção permanen-te. A economia política moderna se apropriou da noção tradicio-nal de providência divina e a transformou em técnicas coerciti-vas de governo a fim de harmonizar desejos humanos com as políticas voltadas com o controle de condutas. Nesse contexto,

1.“Comportamentos normatizados e a noção de profanação na obra de Giorgio Agamben”. Cadernos Teologia Pública, São Leopoldo, IHU, n. 124, v. 14, 2017.

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estão as formas utilitárias e artificiais de produção de desejos, com as correspondentes normatizações, padronizações e norma-lização de comportamentos. A segunda é a de que, diante das formas de ‘vida nua’ que se estabeleceram no contexto da socie-dade moderna devido ao domínio da biopolítica que, com seus aspectos coercitivos e seus dispositivos de controle, retiraram do uso comum todas as dimensões da vida e da liberdade humana, a tarefa política e existencial que se coloca é a de profanar as estruturas políticas e jurídicas.

O texto analisa em que medida esses dois campos – Teolo-gia Feminista da Libertação e a literatura de Cora Coralina – que buscam a valorização da mulher em um mundo que permanece patriarcal e androcêntrico, se correlacionam. Entre os resultados da pesquisa, indicamos que a união desses dois discursos para dis-cutir e refletir temas sobre as experiências concretas da vida de homens e mulheres, compreender suas relações entre si e entre toda a amplitude da natureza, torna-se relevante, primordialmen-te quando o objetivo é a motivação para caminhos que os levam a ações de solidariedade e comunhão.

Resultados de pesquisa sobre aspectos teológicos en-fatizados por círculos protestantes no contexto da Teologia Latino-Americana da Libertação como a relação entre fé e políti-

2. “Marcas da resiliência: a Teologia Feminista da Liber-tação em diálogo com a literatura de Cora Coralina”. Teo-

literária, Curitiba, PUC-PR, v. 6, p. 152-173, 2016 [escrito em conjunto com Rita de Cássia Luckner].

3. “A dimensão política da Teologia Protestante da Liber-tação”. Revista Brasileira de História das Religiões, Maringá, UEM, v. XI, n. 32, set./dez. 2018, p. 75-102.

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ca, a responsabilidade social cristã, a perspectiva ecumênica, a pri-mazia da graça, a crítica profética em relação às formas idolátricas no campo sociopolítico e econômico e a eclesialidade de comu-nhão e serviço. Esse quadro está organizado em dois momentos. O primeiro deles privilegia a contribuição da primeira geração de teólogos da libertação, com suas correspondentes práticas sociais e ecumênicas, especialmente a de José Miguez-Bonino, Julio de Santa Ana e Rubem Alves. No segundo momento, a partir da herança teológica do movimento ecumênico em torno de ISAL (Igreja e Sociedade na América Latina), destacamos alguns temas recorrentes como a perspectiva teológica ecumênica, a primazia da graça, a vida em comunidade e as tensões entre instituição e mo-vimento. Por fim, a partir da visão política e teológica subjacente à teologia protestante latino-americana, apresentamos um leque de questões que desafiam o contexto histórico atual.

A pesquisa trata das vertentes teológicas protestantes que marcaram a gênese da Teologia Latino-Americana da Libertação. Entre os resultados mais destacados da pesquisa estão realçados os aspectos teológicos enfatizados por círculos protestantes no con-texto da Teologia da Libertação como a responsabilidade social cristã, a perspectiva ecumênica, a primazia da graça, a crítica pro-fética em relação às formas idolátricas no campo sociopolítico e econômico e a eclesialidade de comunhão e serviço. Metodologi-camente, sistematizamos as questões em um quadro cuja descrição está organizada em dois momentos. O primeiro deles privilegia a contribuição da primeira geração de teólogos da libertação, com suas correspondentes práticas sociais e ecumênicas, especialmente

4. “Raízes protestantes da Teologia Latino-Americana da Libertação”. Pistis & Praxis, Curitiba, PUC-PR, v. 10, n. 3, 2018.

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a de José Miguez-Bonino, Julio de Santa Ana e Rubem Alves. No segundo momento, daremos ênfase à teologia feminista de Elza Tamez e de Marcella Althaus-Reid, que se configurou nas décadas seguintes. As principais dimensões desta produção serão destacadas com a crítica bíblica à economia política e o tema da justificação pela fé, caros à tradição teológica protestante, e com a reflexão sobre a sexualidade humana, sempre ocultada dos debates teológicos.

As três dimensões que articulam as reflexões contidas no texto – religião, política e Rubem Alves – são complexas e de di-fícil definição. Religião é conceito moderno e ocidentalizado que não encontra ressonância em todas as culturas. Para falar sobre ela precisaríamos cobrir, por um lado, todo o aparato mais formal das expressões cúlticas, míticas, rituais, doutrinárias e institucionais, e por outro, o turbilhão de experiências numinosas, simbólicas e produtoras de sentidos e significados presentes nas mais diversas áreas da vida humana. E mais do que isso, é necessário estarmos atentos às zonas interstícias de vários campos fronteiriços da vi-vência humana e aos entre-lugares das culturas, pois elas nos re-metem ao caráter propositivo e inovador que as experiências de fronteiras possuem. O mesmo se pode dizer de política. Ela se expressa nas estruturas e organizações formais da vida social, mas também se faz presente nas soluções e dissoluções do cotidiano, nas margens e bordas de vivências invisibilizadas, nas formas-de--vida, hifenizadas como no dizer do renomado filósofo italiano Giorgio Agambem, que demarcam comportamentos não norma-tizados e que se concretizam para além de dispositivos de controle.

5. “A fé para além da religião, a gratuidade para além da política: Rubem Alves em jogo”. Numen, Juiz de Fora, UFJF, v.

22, n. 2, jul./dez. 2019, p. 95-106.

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Sobre Rubem Alves não é diferente. Pelo destaque que este teólo-go ganhou, tanto nacional como internacionalmente, pela profu-são e divulgação de seus escritos em várias áreas do conhecimento, pela projeção midiática que ele teve, pela densidade, criatividade e repercussão de sua produção intelectual, Rubem Alves é destacado por diversas formas.

Livros

O texto é um diálogo crítico com pensamentos e testemu-nhos de vida de teólogos e de teólogas latino-americanos, católi-cos e protestantes, que ousaram ter um pensamento crítico e auto-crítico. Destacam-se as contribuições de Juan Luiz Segundo, Julio de Santa Ana, José Comblin, Hugo Assmann, Ivone Gebara, Marcella Althaus-Reid, Maria Clara Bingemer, Elza Tamez, Le-onardo Boff, Milton Schwantes e Gustavo Gutierrez. Há uma resenha do livro por Alonso Gonçalves: “Os desafios da Teologia Latino-Americana diante do contemporâneo”. Correlatio, São Bernardo do Campo, Umesp, v. 16, n. 1, junho 2017.

Textos de introdução ao pensamento do filósofo italiano Giorgio Agamben a partir de uma visão panorâmica dos principais aspectos de sua obra. Trata de aspectos básicos que perpassam a obra do filósofo, em especial a complexidade dos escritos em torno de Homo Sacer, as noções de biopolítica, de inoperosidade, a genea-logia teológica do poder que estabeleceu a sociedade ocidental, a tensão entre poiesis e práxis, e a concepção de profanação. No capí-tulo “Dos jardins com Heidegger à profanação da política” (p. 9-54)

2. Giorgio Agamben em foco. Curitiba: Prismas, 2017 (org).

1. Testemunho e libertação: a Teologia Latino-Americana em questão. São Paulo: Fonte Editorial, 2016.

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apresentei, em conjunto com Rita de Cássia Luckner e Thiago Kelm, o itinerário biográfico e de produção do autor.

O livro é resultado de pesquisa de um setor da comunida-de acadêmica que se motiva, dentre outras coisas, pela construção intelectual de Rubem Alves, um dos mais destacados pensadores oriundos dos meios teológicos latino-americanos. As reflexões, com densidade conceitual e teórica, transitam pelas principais obras de Rubem Alves. Nas duas primeiras seções estão várias “contas de vidro”, incluindo a mística e a beleza que envolvem o corpo, a poesia, a infância, a imaginação e o silêncio. Na tercei-ra, variações que suscitam outros temas: a literatura (em poesia e prosa), a ciência e, de novo, a mística e a teologia. Na quarta, uma “nuvem de testemunhos” com memórias e caminhos comuns, de quem conviveu com Rubem Alves.

Sobre pluralismo antropológico

Artigos e capítulos

A pesquisa em sua totalidade está baseada em um fio condu-tor com desafios de análise que a realidade atual apresenta para o contexto teológico latino-americano. Diante das mudanças sociais e com a intensificação da pluralidade e da complexidade da realidade social, ao menos três necessidades requerem acuidade nas análises. A

3. Rubem Alves e as contas de vidro: variações sobre teologia, mística, literatura e ciência (org.). São Paulo, Loyola, 2020 [orga-

nizado em conjunto com Breno Campos e Ceci Mariane].

1. “Feminismo, subjetividades e pluralismo: crítica teológica feminista e os desafios da realidade social latino-americana”. Pistis & Práxis, Curitiba, PUC-PR, v. 8, p. 179-198, 2016.

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primeira enfatiza a necessidade de alargamento metodológico para uma compreensão mais apurada da complexidade social, que possa fugir das explicações e formulações dicotômicas e bipolares. A segun-da reside em uma articulação mais adequada entre a racionalidade que marca a reflexão teológica latino-americana com as dimensões da subjetividade humana que emergem fortemente na atualidade, o que requer formas novas, gratuitas e mais autênticas de espiritualidade. A terceira está em torno de um aprofundamento das questões que emergem da valorização do pluralismo religioso e como tal positiva-ção incide no fortalecimento da democracia, das práticas ecumênicas e de cunho libertador e da defesa dos direitos humanos e da terra. Nessa etapa, apresentamos no texto a crítica teológica feminista, em especial os questionamentos quanto aos reducionismos e incongru-ências que surgiram ao longo do processo latino-americano. Meto-dologicamente, optamos pela articulação em síntese da contribuição teológica de pensadoras como Ivone Gebara e Elsa Tamez, em espe-cial as reflexões em torno das temáticas relativas à espiritualidade, às questões de gênero e à busca de lógicas inclusivas e de justiça social.

Análise, em perspectiva ecumênica, da encíclica Laudato si’, do Papa Francisco, com destaque para os conteúdos que refor-çam a dimensão social do documento, que aproxima as diferentes igrejas e religiões, assim como os setores científicos e movimentos ecológicos. A partir dos conteúdos da encíclica faz-se uma re-flexão teológica ecumênica sobre os principais aspectos de uma teologia da criação. Esta compreensão teológica requer formas de espiritualidades compatíveis que indiquem aspectos práticos im-prescindíveis para o futuro da humanidade e da Terra. Trata-se

2. “Também cantamos “louvado sejas, Senhor”: reflexões de um pastor evangélico a partir da encíclica Laudato si’, do Papa Fran-

cisco”. Caminhos de Diálogo, Curitiba, PUC-PR, v. 6, n. 8, 2018.

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de uma abertura à sensibilidade com os outros e à cooperação e respeito à vida humana e à natureza, perceber o mundo natural, material e humano como fontes vivas de energia e de responder ao chamado à comunhão entre eles, em espiritualidade comunitária e ecológica, vital para a sobrevivência da biosfera.

Texto em tom poético e autobiográfico realçando a leitura feita das principais obras de Leonardo Boff.

Livros

Balanço da teologia feminista com temáticas e ênfases que dialogam criticamente com a Teologia Latino-Americana da Li-bertação. O livro reúne textos de Ivone Gebara, Maria Clara Bin-gemer, Marcella Althaus-Reid e Elza Tamez. Há uma resenha do livro, por Elaine Martins Donda, em Mandrágora, São Bernardo do Campo, Umesp, v. 23, n. 2, 2017.

Indicações teológicas e políticas em viés feminista dos temas em torno da corporeidade, da sexualidade e dos direitos reprodutivos. O livro reúne textos de Sandra Duarte, Ivone Geba-ra, Odja Barros e Lusmarina Garcia.

3. “Outra eucaristia é possível”. In: ARROCHELAS, Ma-ria Helena & BARROS, Marcelo (orgs.). In: Ternura cósmica: Leonardo Boff, 80 anos. Petrópolis: Vozes, 2018.

1. Rasgando o verbo: a crítica feminista à teologia da liberta-ção. São Paulo: Fonte Editorial, 2016 (org).

2. Religião, corporeidade e direitos reprodutivos. São Paulo: Annablume, 2019 [organizado em conjunto com Angélica Tostes].

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III – Aplicações e debate sobre o princípio pluralista

A exemplo do que apresentamos no item anterior, indica-remos a seguir dois blocos de textos, ambos relacionados com o princípio pluralista. O primeiro, com os textos em conexão dire-ta com os resultados das pesquisas sobre este princípio e a sua aplicabilidade. O segundo com estudos associados ao tema do pluralismo, não somente religioso, mas também metodológico e antropológico.

Primeiro bloco: “aplicações...”

O texto apresenta os resultados da pesquisa sobre o princípio pluralista, no tocante às análises sobre pluralismo antropológico, especificamente sobre a visão do ser humano quando realçadas as suas múltiplas relações com a natureza e com o cosmo. Me-todologicamente, foram efetuadas duas abordagens teóricas no campo da ecoteologia latino-americana. A primeira a partir de análises teológicas de Leonardo Boff, especialmente as noções de pan-en-teísmo e pericorese. A segunda abordagem teórica é feita a partir de conceito de relacionalidade, apresentado pela teóloga Ivone Gebara. Além dele, há o destaque para a epistemologia eco-feminista por ser inclusiva e holística, especialmente a suposição de que a experiência mais profunda que o humano compartilha é de interdependência recíproca entre todos os elementos do cos-

1. “Espiritualidade integral e ecológica e o princípio pluralis-ta”. Perspectiva Teológica, Belo Horizonte, FAJE, v. 50, n. 3, 2018.

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mo. Ambas as abordagens cooperam com a elucidação do princí-pio pluralista.

A pesquisa foi desenvolvida considerando o debate episte-mológico que tem se dado no contexto da Área Ciências da Re-ligião e Teologia no Brasil, em especial a relação entre essas duas disciplinas. O objetivo principal das análises feitas foi identificar os principais aspectos desta relação e observá-la a partir do prin-cípio pluralista. A pressuposição é que tal princípio, devido às suas bases conceituais oriundas dos estudos culturais decoloniais, pode oferecer maior visibilidade ao poder criativo das fronteiras que existem entre as duas frentes em questão nesta análise e pode fa-cilitar as reflexões de ambas ao ser um elemento articulador das pesquisas, sobretudo aquelas motivadas por realidades, temáticas e situações forjadas pelos “entrelugares das culturas” e por experiên-cias fronteiriças. O passo metodológico principal da pesquisa foi o cotejamento do princípio pluralista com aspectos de destaque evi-denciados no Documento da Área Ciências da Religião e Teolo-gia (2017), da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pes-soal de Nível Superior), órgão que acompanha e avalia o Sistema Nacional de Pós-Graduação brasileiro. Deu-se atenção especial à “árvore do conhecimento” e aos perfis dos egressos pós-graduados nestas duas frentes. Entre as perspectivas conceituais, priorizamos: i) as noções de diálogo multi, inter e transdisciplinar e a valoriza-ção da pluralidade metodológica, ii) a preocupação específica com a diversidade religiosa, e iii) o caráter propositivo, prático e de inserção social inerente ao princípio pluralista.

2. “O princípio pluralista como elemento articulador de pes-quisas na área Ciência da Religião e Teologia”. Rever, São Paulo, PUC-SP, v. 19, n. 2, p. 65-86, 2019.

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A pesquisa identifica bases conceituais que introduzem criticamente na teologia latino-americana o valor de dimensões antropológicas que estão em torno da corporeidade, da sexuali-dade e do prazer, em geral desprezadas pelas leituras teológicas hegemônicas. Metodologicamente, foi estabelecida a interação do princípio pluralista com a produção teológica feminista e queer latino-americanas, especialmente as de Ivone Gebara, Marcella Althaus-Reid e André Musskopf, e com a teopoética de Rubem Alves. Entre os resultados apresentados destaca-se o fato da re-flexão teológica sobre corporeidade, sexualidade e prazer ter o seu histórico na contribuição das teologias feministas e queer, sobretu-do as formuladas no contexto latino-americano. O debate mostra que as definições acerca do corpo e das práticas sexuais, explícitas ou não, quer sejam vivenciadas em contextos de prazer, autenci-dade, afeto e festividade, quer em formas sublimadas, repressivas e violentas, são bases constituintes e definidores da realidade e se revelam nas fronteiras e entrelugares das culturas. Daí a impor-tância delas para a reflexão teológica dentro do princípio pluralista.

A pesquisa indica bases conceituais para análise dos espaços culturais fronteiriços nos quais as experiências religiosas se diver-sificam, antagonizam-se ou aproximam-se. Metodologicamente, seguiu-se a identificação das noções de entrelugar e de polido-xia a partir de pesquisa bibliográfica interdisciplinar sobre con-

3. “O princípio pluralista, corporeidade e sexualidade”. Es-tudos Teológicos, São Leopoldo, EST, v. 60, n. 1, p. 283-297, jul./dez. 2020.

4. “Polidoxia, entrelugares e fronteiras da cultura e pluralis-mo religioso”. Reflexão, Campinas, PUC Campinas, 45, 2020 [escrito em conjunto com Angélica Tostes].

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ceitos fundamentais dos estudos culturais advindos da produção teórica de Homi Bhabha, de Boaventura de Souza Santos e de Kwok Pui-Lan, procurando interagir tais conceitos com questões da realidade sociorreligiosa. O local fronteiriço das culturas e as possibilidades de hermenêuticas diatópicas, dentro do quadro da tarefa decolonial, são fundamentais no processo de interpretação do pluralismo religioso e de criação de bases mais sólidas para os estudos da religião. Entre os resultados da pesquisa são apresenta-dos: (i) os aspectos básicos do pensamento decolonial; (ii) a noção de entrelugar e de espaços fronteiriços, com ênfase na importância da negociação/tradução e da diferença cultural nas interpretações das experiências religiosas e em como elas interpelam direta ou indiretamente o debate sobre o pluralismo; e (iii) a concepção de polidoxia, que contribui para evitar interpretações e ações dicotô-micas e bipolares no tocante às aproximações e às cooperações in-ter-religiosas, uma vez que é constituída por intermédio da crítica e do desmascaramento do pensamento único, visando a superar o binômio ortodoxia/heresia, que em geral inibe a efetivação de diálogos autênticos.

A teologia das religiões, desenvolvida no campo cristão tanto em setores católicos-romanos quanto protestantes, tem procurado fazer as melhores adequações, em termos de posições teológicas, diante da realidade inconteste das religiões e suas tradições, ritos, doutrinas, moralidade e ética e como elas se relacionam entre si. Com isso, uma primeira tentativa de classificação das posturas te-ológicas diante do desafio de compreender as religiões, se deu a

5. “Modelos de interpretação teológica das religiões: crítica e proposição”. Revista de Cultura Teológica, São Paulo, PUC-SP, v. XXVIII, n. 96, p. 240-266, mai./ago. 2020 [escrito em conjun-

to com Alonso Gonçalves].

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partir de três conhecidas perspectivas: exclusivismo, inclusivismo e pluralismo. Como resultados de nossa pesquisa, constatamos que, embora de importância histórica e singular, tais perspectivas têm sido consideradas limitadas e discutíveis por diferentes motivos. Ainda que as categorias sejam diversas, há um consenso de que a pluralidade religiosa convoca e provoca à teologia a refletir sobre a questão do pluralismo religioso abordando seu aspecto crítico, pro-positivo e dialógico. Metodologicamente, a pesquisa foi organizada em dois blocos de reflexão. O primeiro é uma crítica aos modelos modernos de interpretação teológica das religiões, por não abarca-rem a complexidade e a variedade presentes no quadro de diversi-dade religiosa, sobretudo as formas de espiritualidades de grupos subalternos, em geral com perfis holísticos e integradores tendo em vista os diferentes campos da cultura e da vivência humana. O se-gundo, traz perspectivas críticas e propositivas, na linha do diálogo com os estudos culturais, que são as bases do princípio pluralista.

O objetivo do texto é apresentar um primeiro balanço sobre o princípio pluralista, após alguns anos de debate, reproduzir suas bases conceituais mais importantes, com o registro dos principais autores e autoras que lhes dão sustentação teórica, e indicar, em síntese, algumas aplicações que temos feito dele. Entre elas, des-tacamos a tarefa de (i) investigar aspectos do quadro de plurali-dade religiosa, sobretudo o valor da relação entre vida cotidiana e expressões de fé; (ii) contribuir para a teologia ecumênica das religiões, com uma crítica aos modelos teológicos modernos de in-terpretação, por não abarcarem a complexidade e a variedade pre-sentes no quadro de diversidade religiosa, especialmente as formas

6. “O debate sobre o princípio pluralista: um balanço das re-flexões sobre o princípio pluralista e suas aplicações”. Cadernos

Teologia Pública, São Leopoldo, IHU, v. 17, n. 145, 2020.

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de espiritualidades de grupos populares e subalternos, em geral com perfis holísticos e integrados à cultura; (iii) observar o prin-cípio pluralista em relação aos estudos de religião no Brasil, espe-cialmente como elemento articulador de pesquisas desenvolvidas na área “Ciências da Religião e Teologia”; (iv) analisar as questões suscitadas pelas ecoteologias e ecoespiritualidades, que realcem as relações necessárias de interdependência e de cooperação vital; (v) realçar o valor de dimensões antropológicas que estão em torno da corporeidade, da sexualidade e do prazer, em geral desprezadas pelas leituras teológicas hegemônicas; e (vi) destacar aspectos de novas linguagens teológicas, forjadas nas expressões dos desejos humanos e associadas às dimensões lúdicas e místicas de formas de vida marcadas pela festividade, pela alteridade, pela afirmação da diferença, pela poesia e pelo empoderamento de grupos subal-ternizados que revelam visões plurais e criativas de vida.

A pesquisa tem como foco destacar aspectos de novas lingua-gens teológicas, forjadas nas expressões dos desejos humanos e as-sociadas às dimensões lúdicas e místicas de formas de vida marcadas pela festividade, pela alteridade, pela afirmação da diferença, pela poesia e pelo empoderamento de grupos subalternizados que, nos entrelugares de suas culturas, revelam visões plurais e criativas de vida. Entre os resultados alcançados na pesquisa, destacamos o valor das teologias narrativas e da teopoética, que representam visões de recriação da linguagem teológica, com elementos simbólicos e de forte apelo existencial que traduzem concepções teológicas funda-mentais da fé. Metodologicamente, procuramos seguir na trilha de pensar a vida e as experiências religiosas a partir do lugar criativo e

7. “O princípio pluralista diante das dimensões do lúdico e da festividade”. Pistis & Praxis, Curitiba, PUC-PR, v. 12, n. 3, p. 561-580, set./dez. 2020.

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propositivo dos entrelugares e fronteiras das culturas, assim como estar atentos à perspectiva dos estudos culturais decoloniais que destaca a tríplice demanda de decoloniadade do poder, do saber e do ser. Para isso, nos esforçamos em articular o princípio pluralista com visões antropológicas que valorizam o lúdico e a festividade, uma vez que tais dimensões nem sempre são realçadas nas análises teológicas e constituem intensa força mobilizadora da vida.

O texto apresenta os resultados da pesquisa cujo objetivo é analisar a relação entre o pensamento decolonial, os estudos de religião e o princípio pluralista. Metodologicamente, a pesquisa está centrada na formulação de sínteses relativas ao pensamento decolonial, com o recurso de fontes diversificadas, mas com deter-minado recorte teórico comum, especialmente a noção de “entre--lugar” e de fronteiras, associada às tensões entre as sociologias das ausências e das emergências de identidades e às críticas às formas de colonialidade do poder, do saber e do ser. Tais fontes corres-pondem também a algumas das principais bases conceituais do princípio pluralista. Neste sentido, há uma circularidade na apre-sentação destas duas perspectivas, mediada pela preocupação com as implicações da visão decolonial para os estudos de religião. En-tre os resultados da pesquisa estão as descrições de algumas tarefas decoloniais: (i) a crítica à visão de um pensamento único, (ii) a re-visão da perspectiva de “centrocentrismos”, (iii) o questionamento da visão de universalismo das ciências e da ética, (iv) a análise crí-tica da supremacia da racionalidade formal técnico-científica mo-derna e uma avaliação criteriosa da forma meramente conceitual da produção do conhecimento, (v) a revisão da noção de indivíduo desprovida da interação constituinte do humano com a comuni-

8. “Religião, decolonialidade e o princípio pluralista”. Nu-men, Juiz de Fora, UFJF, v. 23, n. 1, p. 21-40, 2020.

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dade, a história, a natureza e o cosmo, e (vi) o exame da ideologia das identidades rígidas e fixas.

Síntese das pesquisas sobre a formulação e o aprimoramen-to do princípio pluralista, que visa contribuir para o processo de construção de referenciais teóricos mais precisos para as análises sociais, no tocante aos papéis da religião e do pluralismo, especial-mente tendo em vista o aprimoramento de práticas sociais que visem ao fortalecimento democrático, à cidadania, à prática do di-álogo e de alteridade, e à consolidação de direitos. Tais resultados pretendem ir na direção de respostas às necessidades advindas da prática de setores que trabalham em variadas frentes, como a edu-cação religiosa nas esferas públicas e privadas, confessionais ou não, os setores da imprensa e da mídia em geral nas abordagens do quadro religioso, e mesmo setores governamentais e não governa-mentais em torno da formulação de políticas públicas que devam considerar o pluralismo. Da mesma forma, as reflexões sobre o princípio pluralista visam a atender as demandas que surgem para grupos que atuam na prestação de serviços, de assessorias, de con-sultorias, docência e de avaliações do quadro religioso e do lugar das religiões nas questões sociais e políticas.

O texto apresenta resultados da pesquisa sobre o princípio pluralista, instrumental de análise que tem sido realçado nas refle-

9. “Princípio pluralista e fundamentalismo religioso” (p. 12-64). In: ARAGÃO, Gilbráz; MARIANO, Vicente (org.). Desafios do fundamentalismo. Recife: Unicap, 2020.

10. “A circularidade teológica e filosófica entre a noção de paradoxo e o princípio pluralista”. Páginas de Filosofia, São Ber-

nardo do Campo, Umesp, v. 9, n. 2, p. 117-139, jul./dez. 2020.

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xões sobre o pluralismo religioso. O foco é a circularidade teológica entre ele e as noções de paradoxo, presentes em teologias contem-porâneas. A concepção teológica de parodoxo favorece o alarga-mento conceitual do princípio pluralista, pois representa uma fonte de situações e decisões existenciais que cria e reforça interpreta-ções abertas e plurais, mas, é, ao mesmo tempo, favorecida por ele, na medida em que pode ser melhor compreendida por intermédio das visões de alteridade ecumênica e de polidoxia, duas de suas mais destacadas bases teológicas. Metodologicamente, a pesquisa articulou sínteses das contribuições de Søren Kierkegaard e de Paul Tillich sobre a noção de paradoxo com as bases teológicas do princípio pluralista, dentro dos objetivos da análise que visa realçar a circularidade entre ele e a noção de parodoxo.

O dossiê apresenta textos de estudantes em reação crítica e propositiva ao princípio pluralista, procurando relacioná-los com suas pesquisas e preocupações. São eles: O princípio pluralista: problematização e provocações (Martin Santos Barcala), Diálogo inferfé e hermenêutica feminista latino-americana: possíveis ca-minhos (Angelica Tostes), Corpos subversivos e o princípio plura-lista: uma análise antropológica (Luis Fernando Carvalho Sousa), Corpo e sexualidade na doutrina espírita: uma reflexão acerca das abordagens de Chico Xavier e Herculano Pires a partir do prin-cípio pluralista (Grazyelle de Carvalho Fonseca), Cruzando fron-teiras: um diálogo teológico-literário sobre o pluralismo religioso na obra A Viagem de Théo, de Catherine Clément (Rita Cassia Scocca Luckner), Observatório Transdisciplinar das Religiões no

11. Organização [em conjunto com Irênio Chaves e Alonso Gonçalves] do Dossiê “Diversidade religiosa e cultural e o

‘princípio pluralista’”, da revista Caderno Teológico, Curitiba, PU-CPR, v. 5, n. 1, 2020.

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Recife: uma experiência de pluralismo e diálogo (Mailson Fer-nandes Cabral de Souza) e A teologia diante do pluralismo re-ligioso: Uma hermenêutica do diálogo inter-religioso a partir de Paul Tillich (André Yuri Gomes Abijaudi).

O texto procura articular a temática dos direitos humanos contra-hegemônicos com perspectivas religiosas libertadoras. Ele também sintetiza as bases conceituais do princípio pluralista e o indica como caminho conceitual privilegiado para cooperar com a compreensão das relações entre as religiões e a defesa dos di-reitos humanos, em seu sentido amplo. Trata também, a partir da descrição de movimentos inter-religiosos destacados no Brasil, da capacidade de diálogo dos grupos religiosos e dos desafios em torno da defesa dos direitos humanos e da terra, da cidadania e da democracia. Há uma resenha do livro, por Luis Fernando de Carvalho Souza, na página da editora.

Análise da diversidade católica romana no contexto brasi-leiro com o recurso ao princípio pluralista. Metodologicamente, a pesquisa apresenta bases conceituais do princípio pluralista e as utiliza para melhor compreensão da pluralidade católica. Este princípio, a partir dos estudos culturais decoloniais, prioriza o olhar das realidades socioculturais e religiosas a partir dos entrelu-gares e fronteiras das culturas, sobretudo de grupos invisibilizados

12. “Religiões, direitos humanos e o princípio pluralista” (p. 11-53). In: RIBEIRO, Claudio de Oliveira (org.). Religiões

e direitos humanos: múltiplos olhares. Campinas: Saber Criativo, 2021.

13. “O catolicismo brasileiro visto sob a ótica do princípio plu-ralista”. Interações, Belo Horizonte, PUC Minas, v. 16, n. 01, p. 149-167, jan./jun. 2021 [escrito em conjunto com Cris Serra].

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e subalternizados, e não a partir de identidades fixas, formais e institucionalizadas. Entre os resultados da pesquisa estão a descri-ção, em síntese, da pluralidade multidimensional do Catolicismo romano e da pluralidade interna nos modos de “ser católico”, de “ser igreja” e de “ser Igreja” no mundo, e com o mundo. O primei-ro aspecto é resultante de uma dinâmica de disputas, resistências e negociações que se dá com descontinuidades e continuidades, rupturas e reapropriações que se articulam histórica e sociologica-mente. Os demais aspectos revelam o entrecruzamento e a multi-plicação de identidades e modos de pertencimento, não isentos de silenciamentos e invisibilizações de diversas práticas, sobretudo as teologias feministas, queer, negras e indígenas, diversas pastorais inseridas ou não na institucionalidade eclesial, como a pastoral afro-brasileira, as Comunidades de Base, Católicas pelo Direito de Decidir e a Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT.

Segundo bloco: Análises correlatas

O texto apresenta resultados de pesquisa sobre a pluralidade religiosa em termos globais e nacionais, indicando as principais tendências e dados. Metodologicamente, se priorizou a pesquisa bibliográfica que aponta dois aspectos: (i) um panorama da situa-ção mundial, tanto em termos das mais destacadas expressões re-ligiosas quanto as tendências por regiões do globo, e (ii) o quadro religioso brasileiro, com suas especificidades. Em termos nacio-nais, são indicadas as novas configurações da pluralidade religiosa, a relação das principais expressões com a matriz religiosa brasilei-ra, as formas de trânsito religioso e de múltipla pertença. Uma das

1. “A pluralidade religiosa global e nacional em questão”. Caminhos, Goiânia, PUC Goiás, v. 18, n. 2, p. 308-324, 2020 [Escrito em conjunto com Clarisse de Franco].

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pressuposições da análise é a consideração de que os dados esta-tísticos sobre o cenário religioso global e nacional não podem ser tomados como única referência na análise do fenômeno religioso, já que a religião se encontra permeada dentro de outras esferas do campo cultural e a declaração afirmativa ou as demonstrações efetivas e públicas de pertença religiosa não são as únicas formas de observação deste fenômeno.

A pesquisa trata de vertentes teológicas protestantes que marcaram criticamente a Teologia Latino-Americana da Liberta-ção. Entre os resultados mais destacados da pesquisa estão os que contribuem para o aprofundamento e revisão do método teológico latino-americano, sobretudo o redimensionamento da linguagem e a valorização das dimensões da corporeidade, da sexualidade e do prazer. Metodologicamente, sistematizamos as questões em um quadro cuja descrição está organizada em dois momentos. O primeiro deles privilegia a contribuição do teólogo Rubem Alves, em especial com a recriação da linguagem teológica, a teopoética, e com a valorização de elementos simbólico-poéticos e lúdicos vistos como tradução das concepções teológicas fundamentais da fé. O segundo momento enfatiza a teologia feminista e queer de Marcella Althaus-Reid, com destaque para as reflexões em tor-no das temáticas relativas às questões de gênero, ao cotidiano, às narrativas de vidas alternativas e à busca de lógicas inclusivas e de justiça social. É realçado também o método que a autora deno-minou “suspeita sexual”, que abarca os questionamentos às visões patriarcais, à heteronormatividade, e demais formas ideológicas de compreender a sexualidade humana.

2. “Pensamento teológico crítico latino-americano: o lega-do de Rubem Alves e Marcella Althaus-Reid”. Religare, João Pessoa, UFPB, v. 17, n. 1, p. 178-204, ago. 2020.

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Este artigo propõe uma análise centrada no florescimento de uma “mística de olhos abertos” na América Latina ao longo do século 20, a chamada espiritualidade da libertação. Dentre os resultados da pesquisa, estão indicados elementos da mística que se revela com o sentido de “suspiro dos oprimidos”, conforme a interpretação que faz Rubem Alves da conhecida expressão de Karl Marx, tecida numa interlocução com a sociologia da religião no Brasil, como fruto de uma reflexão sobre o retorno do sagrado na sociedade contemporânea. Suspiro, entretanto, que se expressa como desejo de transformação da realidade, tendo no horizonte a libertação social. Mística como indignação diante da injustiça e como força de revolução, de empoderamento dos grupos subalter-nos e de mudança social. Destaca-se também a mística como canal de expressão da fragilidade humana, da capacidade de alteridade e do despertamento da dimensão lúdica. Por meio de metodologia bibliográfica, esta análise oferece elementos para o debate episte-mológico no âmbito dos estudos de mística que se propõem a escu-tar a experiência religiosa das vozes reprimidas pelo poder colonial, tendo como recurso a correspondência de perspectivas teológicas latino-americanas, especialmente as de Gustavo Gutierrez, Maria Clara Bingemer e Rubem Alves, com a poesia de Violeta Parra.

O texto apresenta resultados de pesquisa realizada sobre o tema da hospitalidade eucarística, a partir da descrição do conhe-

3. “Vozes poéticas na escuta da fragilidade dos pobres: con-tribuições para uma reflexão sobre a mística em diálogo com

a poesia de Violeta Parra”. Teoliterária, Curitiba, PUC-PR, v. 10, n. 21, p. 372-405, 2020 [Escrito em conjunto com Ceci Mariane

e Breno Martins Campos].

4. “Hospitalidade eucarística: uma visão ecumênica da Santa Ceia”. Fronteiras, Recife, Unicap, v. 3, n.2, p. 331-352, 2020.

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cido Documento ecumênico Batismo, Eucaristia e Ministério, do Conselho Mundial de Igrejas, acolhido no Brasil pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, o CONIC. A análise realça a Santa Ceia como espaço de comunhão dos fiéis que abarca do ponto de vista teológico e pastoral todos os espaços da vida e é fonte de questionamento a todas as formas de injustiça, de racismo, de separação e de ausência de liberdade, uma vez que, por intermédio da eucaristia, a graça de Deus penetra e restaura a vida humana em sua dignidade. O texto apresenta ainda um conjunto de indicações teológico-pastorais feitas por círculos ecumênicos que consideram que, pelo menos para os grupos que possuem certa experiência de cooperação ecumênica, é uma contradição ainda haver entraves para a comunhão eucarística conjunta.

* * * * *Todos os esforços descritos até aqui redundaram em duas

obras de maior densidade:

Verbetes construídos a partir de perspectivas conceituais de maior circulação no debate sobre pluralismo e em torno da di-versidade religiosa como um conceito descritivo que possibilita captar o fenômeno observável da vasta quantidade de ofertas re-ligiosas e de espiritualidades disponíveis e apresentadas em dado contexto social. A noção de diversidade, aqui entendida como si-nônimo de pluralidade, se distingue do conceito ético-normativo e político de pluralismo religioso. Este termo, em geral, é utilizado para se pensar as possibilidades de convivências justas, dialógicas, respeitosas e democráticas entre os diferentes grupos religiosos,

1. Dicionário do pluralismo religioso. São Paulo: Recriar, 2020 [organizado em conjunto com Gilbraz Aragão e Roberlei Pa-nasiewicz].

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incluindo a relação entre religiosos e não religiosos. A valoriza-ção do pluralismo religioso requer, portanto, plataformas políticas que gerem intervenções sociais e atitudes concretas dos diferentes grupos e instituições, mediadas democraticamente pelo Estado. Os verbetes respondem mais de perto as demandas desse segundo conceito, embora sejam sempre conectados com os dados da di-versidade religiosa no Brasil e no mundo.

Análise crítica da metodologia teológica latino-americana, tendo em vista contribuir com o seu aprimoramento e com a in-dicação de respostas mais adequadas e mais consistentes ao qua-dro crescente de complexidade da realidade social. Este cenário é emoldurado pelos fatores econômicos e marcado por uma emer-gência de subjetividades, além de ser também moldado por um quadro de pluralismo cada vez mais intenso nas sociedades e cul-turas. Para este esforço crítico, segue-se o instrumento de análise, tanto social quanto teológica, denominado de princípio pluralista. Há resenha do livro em: Paralellus, Recife, Unicap, v. 12, n. 29, 2021, feita por José Pascoal Mantovani.

* * * * *Essas duas obras têm gerado reflexões e debates. Alguns de-

les podem ser encontrados em dois livros, por mim organizados:

O livro apresenta os seguintes textos, cujos títulos traduzem os conteúdos abordados: O debate sobre o princípio pluralista: um primeiro balanço (Claudio de Oliveira Ribeiro), Do pluralismo de princípio ao princípio pluralista (Roberlei Panasiewicz), Desa-

1. O princípio pluralista em debate. São Paulo: Recriar, 2021.

2. O princípio pluralista. São Paulo: Loyola, 2020.

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fios epistemológicos e metodológicos para o princípio pluralista (Gilbraz Aragão), O princípio pluralista como um princípio-mo-lotov (Daniel Santos Souza), O princípio pluralista: problematiza-ção e provocações (Martin Santos Barcala), Princípio pluralista e reconhecimento: provocações éticas e epistemológicas ( Jefferson Zeferino; Raquel de Fátima Colet), A teologia diante do pluralis-mo religioso: O princípio pluralista como tarefa hermenêutica do diálogo inter-religioso (André Yuri Gomes Abijaudi), A atitude pluralista de Raimon Panikkar e suas possíveis aproximações com o princípio pluralista (Rita Grassi), Diálogo interfé e hermenêuti-ca feminista latino-americana: possíveis caminhos (Angélica Tos-tes), Limites e possibilidades de diálogo inter-religioso: gênero, sexualidade e o princípio pluralista (Giovanna Sarto), Cruzando fronteiras: um diálogo teológico-literário sobre o pluralismo reli-gioso na obra A Viagem de Théo, de Catherine Clément (Rita de Cassia Scocca Luckner), O Êxodo profético do rap: Mano Brown e Racionais MC’s sob um olhar teológico pluralista (Luis Fernan-do de Carvalho Sousa), Lixo extraordinário: teologia e arte nos entre-lugares da cultura (Ceci Baptista Mariani; Breno Martins Campos), Espiritualidades indígenas em diálogo: potencialidade (e limites) do princípio pluralista (Maria Cecília dos Santos Ribei-ro Simões; Rita Suriani Lamas).

Análise da diversidade interna das diferentes tradições re-ligiosas no Brasil, realizada a partir dos entre-lugares e fronteiras da cultura, das lógicas de alteridade e das possibilidades de empo-deramento dos grupos subalternos e invisibilizados, três conceitos caros ao princípio pluralista. A estrutura do livro apresenta: (i) uma visão panorâmica do quadro religioso global e nacional, (ii) as re-ligiões e a diversidade política e ideológica, (iii) diversidade sexual

2. Diversidade religiosa e o princípio pluralista [no prelo].

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e de gênero nas religiões no Brasil e (iv) as diversidades internas do Catolicismo, do mundo evangélico, do Espiritismo, das reli-giões afro-brasileiras, das espiritualidades indígenas, das religiões orientais e do Islã.

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IV – Síntese

Apresentamos a seguir a transcrição completa do verbete princípio pluralista do Dicionário do pluralismo religioso (Ed. Re-criar, 2000) como demonstração sintética dos principais conteú-dos do livro O princípio pluralista, acima indicado.

PRINCÍPIO PLURALISTA

Concepção. Trata-se de um referencial de análise facilitador de uma melhor compreensão do complexo e variado quadro religio-so, que pode também ser utilizado como noção condutora de re-flexões sobre o pluralismo metodológico e antropológico, tanto em termos do caráter descritivo e sociológico das ciências da reli-gião, quanto em termos da dimensão hermenêutica da teologia. É um instrumento hermenêutico de mediação teológica e analítica da realidade sociocultural e religiosa que procura dar visibilida-de a experiências, grupos e posicionamentos que são gerados nos “entre-lugares”, bordas e fronteiras das culturas e das esferas de institucionalidades (RIBEIRO, 2017a, 2017b). O princípio plura-lista possibilita divergências e convergências novas, outros pontos de vistas, perspectivas críticas e autocríticas para diálogo, empo-deramento de grupos e de visões subalternas e formas de alteri-dade e de inclusão, considerados e explicitados os diferenciais de poder presentes na sociedade. O princípio pluralista, formulado a partir de lógicas ecumênicas e de alteridade, possibilita melhor compreensão da diversidade do quadro religioso e das ações hu-manas. Não se trata de uma indicação ética ou “catequética”. Com

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ele, as análises tornam-se mais consistentes, uma vez que possi-bilitam melhor identificação do “outro”, especialmente as pessoas e grupos que são invisibilizados dentro da visão sociológica que Boaventura de Souza Santos (2010) chamou de sociologia das au-sências. A sensibilidade com as distintas expressões culturais ou religiosas, majoritárias ou minoritárias, fronteiriças ou não, con-tribui para uma sociologia das emergências de novos rostos, variados perfis religiosos, multiplicidades de olhares, perspectivas e formas plurais de atuação. A lógica de uma visão pluralista está presente em diferentes autores e autoras, mas a expressão princípio plura-lista tem certo caráter inédito. É fato que a nomenclatura, espe-cialmente por sua sonoridade e constituição, nos remete à ideia do pluralismo de princípio, como nos indicaram Claude Geffé (2004), Jaques Dupuis (1999) e outros autores. Para eles, além do pluralismo religioso de fato, como uma das marcas da realidade social, o pluralismo de princípio, seria uma plataforma teológica que reconhece e valoriza a realidade do pluralismo religioso como vontade e automanifestação divinas, para que a ultimacidade se revele por meio da diversidade de culturas e religiões. O princípio pluralista contempla tal perspectiva ecumênica, valorativa do diá-logo e das aproximações inter-religiosas, mas é mais amplo, uma vez que também se constitui em instrumento de avaliação da re-alidade social e cultural, sobretudo para melhor compreensão das diferenças, religiosas ou não, que se forjam nos entre-lugares das culturas. O princípio pluralista requer uma articulação teórica e metodológica de concepções fundamentais para uma hermenêu-tica do quadro brasileiro de diversidade religiosa, em especial: (i) a concepção de entre-lugar e de fronteiras; (ii) as tensões entre as sociologias das ausências e das emergências; (iii) as críticas às formas de colonialidade do poder, do saber e do ser; (iv) as visões de alteridade e ecumenicidade; (v) a noção de polidoxia, para gerar

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bases de aplicação do princípio pluralista que apontem para me-lhor compreensão da pluralidade religiosa e antropológica.

Entre-lugares e fronteiras. O princípio pluralista segue a con-cepção de entre-lugar, como trabalho fronteiriço da cultura, con-forme nos indica Homi Bhabha em sua obra O local da cultura (2001), que requer um encontro com “o novo” que não seja mera reprodução ou continuidade de passado e presente. O princípio pluralista renova e reinterpreta o passado, refigurando-o como um entre-lugar contingente, que inova, interrompe e interpela a atu-ação do presente. Ele está em sintonia com o horizonte herme-nêutico e de intervenção social, configurado por Homi Bhabha, a partir da possibilidade de “negociação” da cultura ao invés de sua “negação”, comum nas posições dicotômicas e bipolares, tanto no campo político como nas análises científicas. Trata-se de uma temporalidade forjada nos entre-lugares e posicionada no “além”, que torna possível conceber a articulação de elementos antagôni-cos ou contraditórios e tornar possível novas realidades ainda que sejam híbridas, sem forte coerência racional interna, mas nem por isso desprovida de potencial transformador e utópico. O “local da cultura” - para usar o sugestivo título da obra - é fundamental no processo de se estabelecer mediações socioanalíticas para as interpretações teológicas e para as análises científicas da religião em geral. Daí a proposta da transdisciplinaridade, que parte de uma revisão crítica da fragmentação das ciências com seus efeitos diversos e propõe uma visão global da realidade capaz de resga-tar a totalidade dela e ser ao mesmo tempo integradora e crítica (MORIN, 2010). As questões em torno das teorias de complexi-dade nos levam a fazer um percurso que vai da dimensão trans-disciplinar à perspectiva de transreligiosidade. Nele, o conceito de entre-lugar é crucial e está relacionado à visão e ao modo como grupos subalternos se posicionam frente ao poder e como rea-

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lizam estratégias de empoderamento. Tais posicionamentos ge-ram entre-lugares em que aparecem com maior nitidez questões comunitárias, sociais e políticas. A posição de fronteira permite maior visibilidade das estruturas de poder e de saber, o que pode ajudar na apreensão das subjetividades de povos subalternos. Tal visão está associada à perspectiva dos estudos culturais que, em solo latino-americano ganhou a partir dos estudos, sobretudo do peruano Anibal Quijano e dos argentinos Enrique Dusssel e Walter Mignollo, um novo conteúdo crítico. Trata-se da perspec-tiva ou giro decolonial. Estas expressões, que se distinguem do pós-colonial ou do descolonial, possuem um sentido estratégico que revela interpelações políticas e epistemológicas de reconstru-ção de culturas, instituições e relações sociais. Tais interpelações críticas são marcadas por certo caráter propositivo e prático e por ações concretas no âmbito cultural e político. O decolonial indica uma desobediência epistemológica sem a qual “não será possível o desencadeamento epistêmico e, portanto, permaneceremos no domínio da oposição interna aos conceitos modernos e eurocen-trados, enraizados nas categorias de conceitos gregos e latinos e nas experiências e subjetividades formadas dessas bases” (MIG-NOLO, 2008, p. 288). A tarefa decolonial consiste em construir a vida a partir de outras categorias de pensamento que estão para além dos pensamentos ocidentais dominadores. Trata-se de uma postura e atitudes permanentes de transgressão e de intervenção no campo político e cultural, na incidência das culturas subalter-nalizadas e invisibilizadas, nas quais se pode identificar, visibilizar e incentivar lugares de exterioridade, de interculturalidade e de construções críticas alternativas e plurais. “O paradigma decolo-nial luta por fomentar a divulgação de outra interpretação que põe em evidência uma visão silenciada dos acontecimentos” e, ao mesmo tempo, revela “os limites de uma ideologia imperial que se

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apresenta como a verdadeira e única interpretação” (MIGNOLO, 2007, p. 457). As proposições conceituais dos estudos culturais decoloniais visam realçar a decolonialidade do poder, do saber e do ser (MIGNOLO, 2008). Com isso, as aproximações religiosas e a valorização do pluralismo podem ser, não somente percebidas e terem suas tendências identificadas nas análises, mas podem ser sobretudo construídas.

Alteridade e ecumenicidade. O princípio pluralista arquiteta-do sob a noção de entre-lugares da cultura e estabelecido tam-bém sob outras duas grandezas – alteridade e ecumenicidade – pode, dentro da perspectiva colonial, reforçar as experiências religiosas que se constituem como aprofundamento dos proces-sos de humanização, da democracia, da cidadania, e da capacidade contra-hegemônica na defesa de direitos humanos e da terra. O mesmo é possível afirmar em relação à necessidade de tais experi-ências serem vistas e analisadas considerando-se as relações assi-métricas de poder presentes na sociedade e as formas de coloniali-dade. Em ambos os casos, alteridade e visão ecumênica são chaves significativas de interpretação do quadro de diversidade religiosa. Compreende-se alteridade como a capacidade de se reconhecer um “outro” que está além da subjetividade própria de cada pessoa, grupo ou instituição, como indicaram Emmanuel Lévinas (2002) e Martin Buber (1987). Trata-se de uma postura, método, ou sistema de ferramentas científicas que permitem redimensionar, em perspectiva, a realidade. Assim, a plausibilidade de um dado sistema (religioso ou cultural) se evidenciaria no convívio com o “outro” e não na confrontação apologética tentando desqualificá--lo. Dessa forma, permite-se uma possibilidade criativa de apro-ximação e convívio da qual decorrerá em melhor compreensão do “outro”, que não mais será visto como exótico, como inimigo, como inferior ou como qualquer outra forma de desqualificação.

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A aplicação do princípio pluralista para a compreensão do qua-dro religioso em geral e para as possibilidades de aproximações inter-religiosas leva em conta que a visão pluralista nem anula as identidades religiosas, por um lado, e nem as absolutiza, por ou-tro. A perspectiva pluralista olha as religiões em plano dialógico e diatópico, considerando cada contexto, especialmente os diferen-ciais de poder que neles estão presentes. Não se trata de igualdade de religiões, mas de relações justas, dialógicas e propositivas entre elas. Tal visão potencializa o plano utópico das experiências in-ter-religiosas e de diálogo interfés. A perspectiva pluralista das religiões interpela fortemente o contexto teológico latino-ameri-cano, especialmente pela sua vocação libertadora e pelos desafios que advém de sua composição cultural fortemente marcada por diferenças religiosas que se interpenetram nas mais diferentes for-mas. A Teologia Latino-Americana da Libertação, dentre os seus muitos desafios, tem elaborado uma consistente reflexão sobre os desafios do pluralismo religioso. O marco dessas reflexões foi a publicação de uma pequena obra, sob os auspícios da Associação dos Teólogos e Teólogas do Terceiro Mundo (Asett), de vários autores com o sugestivo nome, que também dá título à coleção, Pelos Muitos Caminhos de Deus: desafios do pluralismo religioso à Te-ologia da Libertação (2003). Na sequência, foram publicadas ou-tras obras que aprofundam e ampliam as questões inicialmente levantadas. Em diálogo com esta produção, o princípio pluralista realça as perspectivas teológicas que procuram superar as clássi-cas visões exclusivistas, inclusivistas e relativistas de compreensão mútua entre as religiões. A perspectiva ecumênica que, tanto na dimensão intracristã como na interreligiosa, ganhou nas últimas décadas forte destaque nos ambientes teológicos, é fundamental para toda e qualquer experiência religiosa ou esforço teológico ou hermenêutico. Esta visão, quando vivenciada existencialmente e/

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ou assumida como elemento básico entre os objetivos, altera pro-fundamente o desenvolvimento de qualquer projeto, iniciativa ou movimento religioso. Daí o interesse pelos estudos ecumênicos. A presença do “outro”, portanto, é a dimensão interpeladora da prática ecumênica. É este “outro” em seu corpo, fala, face, fé que provoca a vida e a produção teológica de quem com “ela/ele” se relaciona. Esta presença e interação são desafiadoras em diferentes aspectos, em especial a pluralidade e a hospitalidade (TEIXEI-RA, 2017). Na interação com o “outro”, nas mobilidades de nos-sas fronteiras, se dá um encontro com “o novo”, numa espécie de evento kairótico, em que a relação com esta alteridade explode o curso comum das histórias pessoais e coletivas. Há, portanto, uma transformação por meio da graça manifesta na relação, no face--a-face: uma dimensão salvífica. Outro significado teológico das aproximações ecumênicas inter-religiosas é a referência utópica. A presença em conjunto de pessoas e de grupos com diferentes experiências religiosas aponta para o futuro e, necessariamente, precisa estar deslocada do real. É a dimensão da imaginação. Este utópico, todavia, não é uma perspectiva linear e progressiva da história em que ela vai completando-se e conhecendo-se rumo a um sentido único. Utopia, aqui, relaciona-se com uma ativida-de visionária que – a partir da dimensão do futuro – cria inter-venções e rupturas no presente, agora. É o sonho que acampa o real, fazendo dele morada. Uma busca para fazer-lugar aquilo que permanece apenas como desejo, como movimentação. A utopia, o residir “no além” é “ser parte de um tempo revisionário, um retorno ao presente para redescrever nossa contemporaneidade cultural; reinscrever nossa comunalidade humana, histórica; tocar o futuro em seu lado de cá” (BHABHA, 2001, p. 27 – grifo nosso). Quando comunidades religiosas, ainda que de forma incipiente começam – movidas por uma utopia – a se unir em torno de uma proposta

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socialmente responsável e comum, isso se torna uma ação política e profética. A unidade é, portanto, uma tarefa religiosa sublime e nos cabe identificá-la (ou mesmo as suas contraposições) nas diferentes linguagens religiosas. Dentro deste contexto pluralista, os elementos chaves da vivência religiosa e humana em geral são alteridade, respeito à diferença e o diálogo e cooperação prática e ética em torno da busca da justiça e do bem comum.

A noção de polidoxia. O princípio pluralista também está em co-nexão com a noção de polidoxia, como Kwok Pui-Lan indicou em Globalização, gênero e construção da paz (2015). A polidoxia possui importância na medida em que inibe interpretações e ações bipolares (do tipo ortodoxia versus heterodoxia, ou mesmo ver-dade versus heresia). Ela é constituída por intermédio da crítica e do desmascaramento do pensamento único e compreendida no contexto de multiplicidade, da postura do “não saber” como ques-tionamento das próprias certezas que perpassam as identidades, corpos, essências, exclusões, objetificações e de relacionalidade das concepções religiosas de divino ou de sagrado. Na abordagem teológica do pluralismo religioso, feita sob a égide do princípio pluralista, se dão melhores condições de superação do binômio ortodoxia-heterodoxia, uma vez que este, em geral, gera formas excludentes de pensamento e ação. Quando a heterodoxia é vista como heresia a partir de mecanismos coercitivos institucionais das diferentes religiões, os processos de exclusão se acentuam. Consi-derando o contexto de hegemonia do amálgama Ocidente-mo-dernidade-cristianismo-capitalismo, o conceito de polidoxia tor-na-se uma referência teológica importante para a construção de imaginários dialógicos no contexto das aproximações e diálogos inter-religiosos. Nesta direção, se reforça a diversidade, a plurali-dade e a fluidez e a variedade da linguagem humana e suas falas acerca do sagrado. “A polidoxia insiste que nenhuma teologia ou

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credo pode exaurir o sentido de Deus e alegar infalibilidade dou-trinal. [...] A polidoxia partilha a afinidade com a teologia apofá-tica, que insiste que a natureza de Deus não pode ser plenamente descrita, e que só podemos falar a respeito do que Deus não é, em vez de sobre o que Deus é” (PUI-LAN, 2015, p. 75-76). Com isso, por intermédio da polidoxia, é possível expor os limites da razão ocidental e reforçar a perspectiva de uma ética de alteridade. Ao demonstrar que a alteridade é constitutiva do ser – que, de fato, é sempre inter-ser – Pui-Lan mostra que o diálogo interfé é um canal de construção de uma cultura da solidariedade e da paz com justiça.

Princípio pluralista e diversidade antropológica. O princípio pluralista possui e reforça uma visão antropológica aberta, marca-da por identidades em construção. Isto requer uma nova lingua-gem teológica, forjada nas expressões da corporeidade, da sexua-lidade e dos desejos humanos, associadas às dimensões místicas e de formas de vida marcadas pela alteridade, pela afirmação da di-ferença, pela linguagem poética e narrativa e pelo empoderamento de grupos subalternizados como os de indígenas, trabalhadores e trabalhadores rurais, LGBTI+, grupos de base especialmente de mulheres, de negros e de jovens. Tal visão gera formas de espiritu-alidades centradas na realidade corporificada no cotidiano, tanto nas dimensões de prazer como nas de dor, incluindo as mudanças e os processos do corpo, da vida pessoal, da autoafirmação e, ao mesmo tempo conectada ao compromisso social e atividade polí-tica. Dessa espiritualidade surgem as possibilidades de afirmação do corpo, tanto em seu poder erótico como em seu poder criativo de dar a vida e de ser fonte de cura. Há iniciativas significativas nesta direção realizadas por setores das teologias poéticas, femi-nistas e queer como as produções e iniciativas no campo latino-a-mericano de Ivone Gebara, Elza Tamez, Rubem Alves, Marcella

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Althaus-Reid, Andre Musskopf e outros. Além desse quadro, a experiência religiosa brasileira foi e tem sido fortemente influen-ciada por uma espiritualidade de cunho imagético e por narrativas míticas que se constituem mais por um conjunto de cosmovisões e experiências orientadas pela espontaneidade e sem maior rigor institucional do que por um corpus teológico sistematizado. Sem possuir contornos fixos, as novas espiritualidades se multiplicam, com traços flutuantes, dispersos e plurais. Muitos deles situam--se nas fronteiras e cruzamentos da religião com a medicina, a arte, a física, a filosofia, a psicologia, a ecologia, e, especialmen-te, com a economia. Tais formas de espiritualidades respondem a dimensões muito variadas do dado antropológico. Outro aspecto de destaque no quadro religioso brasileiro atual é o simultâneo e igualmente ambíguo crescimento dos fundamentalismos e do pluralismo religioso. Não obstante ao fortalecimento institucional e popular de propostas religiosas com acentos mais verticalistas, em geral conflitivas, fechadas ao diálogo, marcadas por violência simbólica e de caráter fundamentalista, o campo religioso tem ex-perimentado também formas ecumênicas de diálogo entre grupos religiosos distintos. Pressupomos um tipo de fundamentalismo, mais associado a certa refutação religiosa das perspectivas antro-pológicas que levam em conta as formas de evolução do universo e da vida humana e as explicações mais racionais da vida, assim como reações contra posturas mais abertas no campo da sexuali-dade, especialmente no que se refere ao direito das mulheres ao próprio corpo e ao prazer e a práticas não heterossexuais. Com o princípio pluralista, as análises podem se tornar mais consisten-tes por se sentirem constantemente desafiadas pelas novas visões sociais, políticas e científicas e pelas demandas que a sociedade apresenta. As análises não podem se confinar aos dogmatismos eclesiásticos que somente travam a visão crítica, e nem às visões

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que não levam em conta as mudanças culturais e científicas na forma de compreender o mundo. Ao passar por revisões, críticas e autocríticas, próprias do princípio pluralista, a visão teológica e os estudos de religião terão melhores condições de serem iluminado-ras de novas práticas e de novas perspectivas conceituais.

Bibliografia. Asett. Pelos muitos caminhos de Deus: desafios do pluralismo re-ligioso à Teologia da Libertação. Goiás: Ed. Rede, 2003; BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001; BUBER, Martin. Sobre comunidade. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1987; DUPUIS, Jacques. Rumo a uma teologia cristã do pluralismo religioso. São Paulo: Paulinas, 1999; GEFFRÉ, Claude. Crer e interpretar: a virada hermenêutica da teologia. São Paulo: Vozes, 2004; LÉVINAS, Emmanuel. De Deus que vem à ideia. Petrópolis: Vozes, 2002; MIGNOLO, Walter. Delinking: The rethoric of modernity, the logic of colo-niality and the grammar of de-coloniality. In: Cultural Studies, n. 21, vols 2 e 3. Routledge. 2007; MIGNOLO, Walter. Desobediência eistêmica: A opção des-colonial e o significado de identidade em política. Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: literatura, língua e identidade, n. 34, 2008; MORIN, Edgar. Ciência com consciência. 10 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010; PUI-LAN, Kwok. Globalização, gênero e construção da paz: o futuro do diálogo interfé. São Paulo: Paulus, 2015; RIBEIRO, Claudio de Oliveira. O princípio pluralista: bases te-óricas, conceituais e possibilidades de aplicação. Revista de Cultura Teológica. v. 25, p. 234-254, 2017a; RIBEIRO, Claudio de Oliveira. O princípio pluralista. Cadernos Teologia Pública – IHU. v. 14, n. 128, 2017b; SANTOS, Boaventura de Souza. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2010; TEIXEIRA, Faustino. Malhas da hospitalidade. Horizonte, Belo Horizonte, v. 15, n. 45, p. 18-39, jan./mar. 2017.

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COMO CHEGUEI À FORMULAÇÃO DO PRINCÍPIO PLURALISTA

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ISBN: 978-65-87868-14-1