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    9Roberto Kant de Lima & Brbara Lupetti Baptista

    Anurio Antropolgico / 2013, Braslia, UnB, 2014, v. 39, n. 1: 9-37

    Como a Antropologia pode contribuir para apesquisa jurdica? Um desafio metodolgico

    Roberto Kant de Lima UFF

    Brbara Gomes Lupetti Baptista UCP

    Entre o Direito e a Antropologia: uma proposta emprica deaproximao destes saberes

    Antes de tratarmos diretamente do assunto a que nos propusemos, enten-demos que seria relevante destacar aquilo que consideramos o aspecto crucialque norteia no apenas este trabalho, mas todas as demais produes acadmicasque vm sendo realizadas por um de ns, Roberto Kant de Lima, ou sob suaorientao, e pelos nossos parceiros em muitos espaos institucionais de produ-o do conhecimento e, notadamente, no INCT-InEAC, Instituto de EstudosComparados em Administrao Institucional de Conflitos (www.uff.br/ineac)ao qual pertencemos, qual seja: o reconhecimento da relevncia da realizao depesquisas empricas, que envolvam trabalho de campo, de carter etnogrfico ecomparativo, para a compreenso do Direito e de suas instituies.

    A importncia de articular DireitoeAntropologia embora reconhecida porinstituies como o MEC, que inseriu a Antropologia Jurdicano currculo dagraduao em Direito, e pelo CNPq, que a elenca como subrea do Direito ainda no est de fato legitimada pelos operadores jurdicos.

    Ofazer antropolgico pressupe a relativizao de verdades consagradas, en-quanto ofazer jurdicoatravs delas se reproduz, sendo este contraste metodo-lgico um significativo obstculo ao dilogo destes campos. Exercitar a apro-ximao destes saberes um desafio no apenas para o Direito, mas tambmpara a Antropologia, pois ambas as reas no pautam as suas agendas a partir dediscusses comuns.

    No entanto, a proposta deste artigo precisamente destacar a importnciade uma metodologia prpria da antropologia, a etnografia, de base emprica ecalcada no trabalho de campo e no mtodo comparativo contrastivo, para o de-senvolvimento da pesquisa na rea do Direito.1Para tanto, pretendemos no sdemonstrar que o trabalho de campo e a etnografia so uma metodologia extre-mamente valiosa para o estudo e para a compreenso do campo jurdico, como

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    10 Como a antropologia pode contribuir para a pesquisa jurdica?

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    tambm explicitar alguns dos obstculos que causam os rudos de comunicaodestes campos. O contraste do Direito, afeito a respostas prontas e padroni-zadas, com a Antropologia, acostumada com perguntas e relativizaes, trazresultados interessantes para a interdisciplinaridade, to valorizada na produodo conhecimento cientfico contemporneo.

    Nesse sentido, este artigo pretende, para alm de destacar a necessidade deaproximao destes diferentes saberes, o do Direito e o da Antropologia, cha-mar a ateno para o fato de que esta aproximao dificilmente ter xito sefor imposta exclusivamente por via terica, pois as teorias antropolgicas, porsi ss, no parecem atrativas aos operadores do campo do Direito. Entretanto,poder ser muito valiosa, como de fato vm demonstrando os resultados depesquisas que temos produzido institucionalmente, se for feita por via me-todolgica, atravs da realizao de etnografias comparativas e contrastivas,com as quais os juristas no tm afinidade e sentem muita dificuldade de atri-buir-lhes o devido valor.

    Propor esse exerccio de aproximao no espao de uma Revista tradicionalna rea das Cincias Sociais assume especial relevncia, pois a articulao entreo Direito e a Antropologia, embora extremamente profcua, como se pretendedemonstrar neste trabalho,2 no propriamente uma tradio no campo ju-rdico. Ao contrrio, foi e ainda bastante refutada em certos espaos deproduo, legitimao e consagrao do saber, o que torna a sua integrao umgrande desafio, como sugere o ttulo do artigo.

    O olhar antropolgico essencialmente um olhar marcado pelo estranhamen-to, mas no no sentido de suspeio. Trata-se, na verdade, de uma forma peculiarde ver o mundo e as suas representaes, partindo sempre, necessariamente, deum surpreender-se com tudo aquilo que aos olhos dos outros parece natural.Relativizar categorias e conceitos e desconstruir verdades consagradas so, pois,importantes exerccios antropolgicos e podem ser igualmente um fundamentalexerccio jurdico, de grande valia para promover as consequentes transforma-es pelas quais o Judicirio vem lutando e necessita concretizar, caracterizando-se tambm como um esforo significativo para se tentarromper com as formastradicionais de produo, legitimao e consagrao do saber jurdico.

    A nossa contribuio com este trabalho caminha, portanto, no sentido dechamar a ateno para a necessidade de se comear a pensar o Direito a partirde outra perspectiva que no as que vm sendo tradicionalmente utilizadas pelocampo dogmtico.

    E por qu? Porque o prprio campo jurdico comeou a se dar conta deque as respostas prontas e definitivas que o Direito oferece para os problemas

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    dinmicos e cotidianos enfrentados pelo Judicirio no atendem s demandasdiferenciadas da sociedade.

    E, alm disso, esse notrio descompasso, verificado entre aquilo que os ci-dados desejam e aquilo que a Justia lhes oferece, est causando uma incontor-nvel crise de (des)legitimidade desse Poder da Repblica, que precisa resgatar asua credibilidade para fazer cumprir o seu papel de administrao institucionalde conflitos, que primordial para o fortalecimento do Estado Democrtico deDireito, ainda muito distante da nossa realidade.

    Realidade, a propsito, uma palavra de ordem neste trabalho, pois a pes-quisa emprica pressupe justamente o direcionamento do olhar para o contextoftico. A pesquisa emprica no deixa de ser um instrumento que mensura arealidade. No caso do Direito, enquanto objeto de pesquisa, a anlise das prti-cas judicirias a ferramenta metodolgica que permite lanar um espelho au-torreflexivo sobre o Judicirio e suas tradies e, a partir disso, ao conhec-losmelhor, tentar aprimor-los, pois, com efeito, s possvel transformar aquiloque se conhece3(DaMatta, 1987:48-50).

    A possibilidade de iniciar um dilogo com as Cincias Sociais j ganha con-tornos institucionais no prprio campo do Direito, atravs, por exemplo, daintroduo da disciplina denominada Noes Gerais de Direito e FormaoHumanstica como parte da prova eliminatria em concursos pblicos para in-gresso na carreira da magistratura em todos os ramos do Poder Judicirio na-cional (Resoluo n 75, de 12 de maio de 2009). E tambm pela atuao daENFAM Escola Nacional de Formao e Aperfeioamento de Magistrados,que funciona junto ao Superior Tribunal de Justia (STJ), e que pretende de-senvolver, em parceria com a academia,4pesquisas voltadas para uma melhorcompreenso da aplicao prtica do Direito. Sobreleva-se, neste caso, a recen-te publicizao de um edital, elaborado pelo Conselho Nacional de Justia emparceria com a CAPES, intitulado CNJ Acadmico5 Programa de apoio pes-quisa jurdica, visando justamente estimular o profcuo dilogo a ser estabele-cido entre a academia, instncia de produo do conhecimento cientfico, e oJudicirio, at ento normalmente estudado e pesquisado interna corporis. Sotodas, pois, estratgias ou polticas institucionais que parecem apontar para umanova direo do campo jurdico, tanto na esfera do saber (acadmico) quanto naesfera do poder (Judicirio).

    No entanto, certo que, apesar de isolados esforos, em termos de pesquisa,muito pouco se caminhou no campo do Direito, que permanece ainda bastanteatrelado a dogmas e tradies que no se compatibilizam com as referncias aca-dmicas da sociedade contempornea.

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    Justamente devido carncia de pesquisas de carter emprico na rea doDireito que entendemos que a contribuio da antropologia deve-se dar pela viametodolgica da empiria e da comparao, e no de outro modo. Entretanto, preciso de incio esclarecer que a pesquisa emprica um desafio significativo parao campo do Direito, seja porque os seus operadores no esto socializados comessa metodologia, seja porque esto acostumados a pensar o Direito a partir deideais abstrato-normativos (dever-ser)que costumam obscurecer a viso do campopara prticas e rituais que os contrariam, que se tornam objeto de estigma e, nolimite, de denncia, acusao e criminalizao, no de pesquisa. Alm do fato deque, socializados na lgica do contraditrio, da disputatio, seja no processo, seja naproduo da dogmtica, os juristas so muito pouco afeitos lgica da argumenta-o, voltada para consensualizaes provisrias e sucessivas.

    Nesse sentido, a empiria, que s pode ser constituda, validada e estruturadasob consenso, no ganha legitimidade no campo como mtodo de produo deconhecimento: como se, fundada no consenso, no existisse, pois na disputatios o dissenso existe (Berman, 2006:163-167). A construo do conhecimentojurdico, em sua quase totalidade, segue princpios enraizados na disputatioesco-lstica medieval e que so anlogos queles utilizados para produzir a verdade ju-diciria na civil law tradition, ancorados nas frmulas adequadas ao exerccio da l-gica do contraditrio.6Esta, como se sabe, funda-se no oferecimento obrigatriode dissensos infinitos autoridade de terceiros, que optaro por uma das versespara faz-la vencedora, sem considerar a convenincia das partes. No processoem busca de UMA verdade, d-se mais relevncia, para descobri-la, lgica dosargumentos de autoridade do que quela da autoridade dos argumentos, esta l-tima prpria da argumentao cientfica contempornea, fundada na construodialgica e sucessiva de consensos temporrios, fundamento de seu suporteftico.

    Observe-se tambm que no se deve confundir o mtodo de construo daverdade jurdica, denominado de adversrio em ingls, adversarial porque im-plica a participao de duas partes (Hall, 2009:284-286), distinguindo-se assimdaquele que constri a verdade jurdica de maneira monolgica e autoritria,como o caso das inquiries-devassas (Lima, 2008, 2008a, 2008b, 2010). Nocaso adversrio, as partes esto inicialmente divergindo, mas podem concordara qualquer momento desse processo para chegarem a um acordo sobre a verdadeconstruda que a todos satisfaa. No o caso da forma do contraditrioque tomaesse mtodo adversrio, a qual vige em nosso sistema judicirio e que se ensinatambm como mtodo produtor da Cincia do Direito: neste caso, as partesesto obrigadas a divergir, deixando sempre a uma autoridade externa a elas adeciso da descoberta da verdade.7

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    Por isso, a prtica da pesquisa emprica como mtodo de construo do co-nhecimento um instrumento que nos parece eficaz para a (re)construo deum Judicirio mais democrtico, entendendo-se a ideia de democracia, nestecontexto, como o caminho ou o espao necessrio de interlocuo e de apro-ximao entre as partes, no caso o Tribunal e a sociedade, nas formas de admi-nistrao institucional de seus conflitos. Alis, os Tribunais Superiores, atravsde discursos de seus presidentes,8 tm demonstrado de forma recorrente uminteresse efetivo em promover esse contacto entre cidados e Tribunais, a fim deminimizar os efeitos da falta de legitimao pela qual o Judicirio est passando.

    A resistncia do Direito pesquisa emprica: um dos dilemas daaproximao com a Antropologia

    Os discursos produzidos pela dogmtica baseados essencialmente em opi-nies, em vez de dados, ou evidncias ainda sustentam a produo terica doDireito, embora no encontrem qualquer correspondncia emprica. Isto temcomo consequncia o fato de que ler leis, livros e manuais de Direito no su-ficiente para construir uma percepo adequada do campo jurdico e tampoucopermite entender a lgica do nosso sistema judicirio.

    Assim, somente a partir da conjugao dos diversos tipos de saberes produ-zidos no campo do Direito (tericos e empricos) que se poder tentar entend-lomelhor e, com isso, eventualmente, aprimorar os seus mecanismos para torn-lomais transparente. Nesse sentido, como j mencionado, assume importncia o es-tudo das prticas judicirias, normalmente relegado pelos juristas, mais preocu-pados em manualizaro conhecimento jurdico, uniformizando as suas categorias enormatizando condutas segundo um conceito idealizado e utpico.

    Sobre este aspecto, da manualizaodo conhecimento jurdico, a leitura deKuhn (2009:175-183) ajuda a compreender que esta forma de lidar com o sabertorna-o insusceptvel de provocar uma revoluo cientfica capaz de permitiruma ruptura com dogmas consagrados embotadores do conhecimento novo ecriativo alm do que obscurece a compreenso mais global dos fenmenosjurdicos, pois as teses que chegam aos manuais, em geral, so as teses ven-cedoras dessa disputa acirrada do campo pelo monoplio de dizer o Direito(Lima, 2010), logo excludentes e no representativas de consensos, que, apesarde necessariamente provisrios, ilustram as problemticas obrigatrias do cam-po cientfico em um determinado momento.9

    Ao contrrio da construo dogmtica do Direito,10o estudo das prticasjudicirias, realizado a partir de pesquisas etnogrficas de carter antropolgico,permite uma interlocuo com o campo emprico, que incorpora produo do

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    saber jurdico os significados que os operadores do campo atribuem Lei e snormas, possibilitando uma percepo no apenas mais completa, como tam-bm mais democrtica dos fenmenos e dos institutos jurdicos.

    O trabalho de campo e especialmente a etnografia permitem perceber va-lores e ideologia diferentes daqueles que informam explicitamente os discursosoficiais do campo. No caso do Direito, certo que o discurso terico produzidono campo nem sempre encontra correspondncia nas prticas judicirias, e vice-versa. Isto se deve, segundo nos parece, no apenas ao fato de que existe umanotria incompatibilidade entre os rituais judicirios e os valores e a ideologiaexplicitados nos manuais e nos livros de doutrina, mas especialmente ao fato deque existe, para alm disso, uma completa invisibilidade dos valores e da ideolo-gia que norteiam os mesmos rituais. Nesse contexto, a pesquisa etnogrfica sur-ge exatamente para, atravs da descrio minuciosa e da recorrncia dos dadosde campo, amparada nas referncias comparativas, tornar mais transparente talteoria (valores e ideologia) que orienta as prticas e os rituais que se mostramincompatveis com o discurso dogmtico oficial (Lima, 2008:236).

    Na pesquisa emprica, a voz dos operadores do campo e dos cidados ouvi-da, e o objeto do estudo internaliza a concepo terica produzida pelos juristasde forma articulada com o mundo prtico, dos cartrios e dos tribunais, nor-malmente olvidado pelos tericos do dever-ser.11

    A pesquisa emprica, articulada atravs de trabalho de campo, nada maisnada menos do que a possibilidade de vivenciar a materializao do Direito,deixando de lado, por um momento, o referencial dos cdigos e das Leis paraexplicitar e tentar entender o que de fato acontece e no caso do Direito oque os operadores do campo e os cidados observados dizem que fazem, senteme veem acontecer todos os dias enquanto os conflitos esto sendo administradospelos Tribunais.12

    Isto importante porque, embora o mundo jurdico seja estabelecido elegitimado internamente como uma esfera parte das relaes sociais, o fato que, na realidade, o Direito no pode ser estudado de forma dissociadado seu campo social de atuao porque ele parte integrante desse espao,constituindo-se no aspecto normativo de cada sociedade (Geertz, 1998). Emsendo assim, em nada contribui para sua compreenso essa autoimagem deum saber monoltico ou estritamente lgico-formal (Lima & Varella, 2008;Fragale Filho, 2007).13

    Apesar da relevncia de se perceber o Direito a partir das suas manifesta-es prticas, fato que o conhecimento advindo da empiria desvalorizadono campo jurdico que, como dito acima, por ser institudo como um sistema

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    normativo abstrato e idealizado, em detrimento dos fatos, insiste na busca des-ses tais ideais, muitas vezes inatingveis, de to distantes da realidade. Devido atudo isso, o Direito acaba por resistir ao estudo das prticas, que so vistas comoum conhecimento menos prestigioso, pois ou se presumem conforme sua idea-lizao, ou se constata serem desviantes dela, caso em que se tornam um erro aser corrigido e no um fato a ser estudado.

    Para ilustrar a dificuldade que o campo jurdico tem de aceitar a inter-veno de outros saberes em seu prprio universo, destacamos um trecho deuma entrevista concedida pelo ex-presidente do Superior Tribunal de Justia,ministro Edson Vidigal, ao criticar o resultado de uma pesquisa emprica en-comendada pelo Supremo Tribunal Federal, poca presidido pelo ministroNelson Jobim, cuja concluso foi no sentido de que no Brasil h juzes demais eo Judicirio gasta de modo exagerado.14Disse o ministro: [...] o que acontece que no Brasil h muita tese de mestrado. E o pessoal gosta muito de elucubrar.Parece que essa pesquisa foi produto de acadmico [...] Eu no sei de onde tira-ram essa concluso [...].

    Assim, o campo jurdico brasileiro, diferentemente de outros campos ju-rdicos ocidentais, tem uma dificuldade epistemolgica de assimilar parme-tros acadmicos fundamentados em pesquisa emprica e de considerar comosaber qualificado aquele cujos dados tm essa origem (Lima, 2008b; Amorimet al., 2003; Amorim et al., 2005). Isto se deve, dentre outros fatores, no saos obstculos epistemolgicos postos pela lgica do contraditrio, j referi-dos, mas tambm ao desmesurado abismo existente entre o Direito escrito/legislado/normatizado e o Direito praticado. Aquele, idealizado. Este, presoaos muros circunscritos dos nossos Tribunais, acessado por poucos e conhe-cido por um pequeno grupo de pessoas: aqueles que atuam, pragmtica eprofissionalmente, nesse campo.

    O conhecimento jurdico, fundado em verses consagradas e dogmas ins-titudos e mope ao olhar para a realidade, ento atualizado de forma ano produzir transformaes, mas cpias autorizadas. Conhecer, nesse campo,equivale, na maioria das vezes, a deixar as coisas tal como esto e no intervirno seu modo de atuao. Trata-se de uma viso limitada do conhecimentoque leva no s estagnao do campo enquanto saber, mas especialmente sua deslegitimidade enquanto Poder (Judicirio). O campo jurdico no sepermite ser descrito ou analisado de forma diferente, assim como no querter de incorporar em sua estrutura as suas descries. Com isso, acaba fi-cando sempre igual. E, neste artigo, esta a questo que mais nos interessadestacar (Lima & Varella, 2008).

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    Trata-se de um campo que no dialoga com quem o descreve, somente comquem o reproduz de forma ideal. At porque a sua descrio emprica nuncaequivaler sua idealizao abstrata, e este campo, como j dito, prefere ignorare/ou descartar os fatos, sob pena de rejeit-los todos por no corresponderem ssuas projees idealizadas. Ao fazer isso, como num passe de mgica, o campo setorna ideal, pois ele prprio obscurece os problemas e as dificuldades do mundoemprico, tornando-as invisveis, logo, aparentemente, e para todos os efeitoslgicos, inexistentes.

    Em outra oportunidade, em texto produzido em parceria com o filsofoAlex Varella, chamamos essa postura do campo de uma concepo transcen-dental do Direito, que permite a aceitao incondicional do dogma jurdico noqual o Direito seria definido como um campo descontextualizado dos demais,internalizando uma lgica um tanto metafsica para um saber com to fortespretenses normativas da empiria (Lima & Varella, 2008:90).

    Assim, as verses consagradas e autorizadas do campo15 so o cimento daformao jurdica, sempre limitada e restrita aos dogmas j postos, insensveis dvida ou ao questionamento. Os produtores de conhecimento jurdico sequerso donos de seu prprio discurso, sendo o uso recorrente dos pronomes emterceira pessoa, em vez de em primeira, um dado bastante significativo dessaimpropriedade intelectual do campo, que resvala numa ausncia de reconheci-mento da subjetividade desse poder-saber.

    O Direito se constitui, portanto, a partir de autorreproduo e, mesmoquando algum do campo escreve algo considerado criativo, ainda assim partede limites j fixados pela consagrao tradicional. Aproprio-me, mais uma vez,de uma reflexo de outrora (Lima, 1997:37), que se insere perfeitamente nessecontexto: um pouco como se as verses consagradas fossem a matria-primasobre a qual se edifica a atividade intelectual, que se limita a avanar a partir da,sem contestar seus prprios alicerces.

    O professor Otvio Velho (1995:107), escrevendo sobre a necessidade dea Antropologia fazer um esforo autorreflexivo sobre o seu atuar, algo que seprope neste textoem relao ao Direito,mencionou algo muito apropriado:

    Na medida em que no fazemos isso [um esforo de autorreflexo para ficarmosconscientes de nossa prpria posio], penso que a antropologia est correndo orisco de car muito satisfeita consigo mesma, acreditando que est tima sem conseguir

    discutir mais profundamente o que est fazendo, por que est fazendo, quais so as condi-

    es institucionais em que est fazendo e quais as repercusses disso sobre o conhecimento[...] Acho que no devemos nos enganar com as nossas instituies, elas so

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    devoradoras da criatividade[...] preciso estar discutindo sobre o real, e estarrefletindo sobre aquilo que se est fazendo e que est fazendo parte desse real,est sendo incorporado permanentemente a ele (grifos nossos).

    Refutar e obscurecer a empiria so formas de negar uma realidade incom-patvel com a idealizao normativo-dogmtica. O problema est no fato b-vio de que quanto mais se nega a realidade, mais se afasta a possibilidade detransformar o estado das coisas, pois quando se tenta mudar a partir de ideaisabstrato-normativos, aumenta-se a probabilidade de insucesso e de ocorrnciade efeitos no previstos. Por mais empenho que o Judicirio promova em tentaraproximar a sociedade dos Tribunais, de nada adiantar o esforo iniciado seele no tomar conscincia explcita de si prprio. Ouvir os cidados e os seusanseios e tambm aceitar descrever a sua prpria realidade, tal como ela ,16so medidas que permitem atuar de forma mais eficaz, ainda que a realidaderefletida no espelho seja indesejvel.

    No texto escrito com Alex Varella sobre aspectos do campo jurdico do di-reito brasileiro (2008:117), mencionamos esta questo: Seu fervor teorticoimplica confortavelmente dispensar o mundo, as especificidades e a diversidadeemprica, para ficar com o espelho, que continuamente lhes devolve a imagemque desejam. O que se verifica que a dogmtica acaba por exercer esse papelde reproduzir simbolicamente imagens idealizadas, por mais que a realidade nose parea com elas. Ao faz-lo, obscurece, com uma cortina de fumaa, relaesde hierarquia, de poder, de desigualdade que esto internalizadas na sociedade,queiram os juristas ou no. Mas, ao mesmo tempo, ao querer regular normativa-mente a empiria, sem reconhec-la como parte do processo de normalizao dasociedade, sujeita seu projeto normativizador a fracassos sucessivos, que acabampor transformar essa normatizao em apenas um arremedo de controle, no qualcampeia no a obedincia voluntria prpria das sociedades democrticas, mas odescaso com as normas, sempre por demais abstratas para regular seja o que for.

    A contribuio que a Antropologia possibilita fornecer bases metodol-gicas para que possamos trabalhar o Direito a partir de outra perspectiva: aemprica. no campo da pesquisa jurdica que esse estranhamento do familiar eessa relativizao dos conceitos ideais se mostram fundamentais para repensar oDireito e as suas formas de materializao.

    Conhecer intervir, transformar, tensionar, problematizar, e isso o nossoDireito manualizado, dogmtico, formalista e codificado no faz, e precisa apren-der a fazer (Lima & Varella, 2008). A esse propsito, Mannheim (1974:136) des-taca em sua obra algo que se adqua a essa ideia de que a manualizao do ensino do

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    Direito , em grande parte, o eixo reprodutor, irrefletido e acrtico de produodo saber jurdico, que amortece o impulso crtico, imobilizando quem poderiapensar o Direito de uma forma diferente: A comercializao mida do conhe-cimento em pacotes padronizados paralisa o impulso para questionar e inquirir.Trata-se de uma lgica que paralisa o saber e funciona como uma camisa de foraque aprisiona a produo desse conhecimento e, por conseguinte, restringe qual-quer possibilidade de transformar antigos comportamentos em novas prticas.

    Alm disso, h outra questo fundamental a se considerar, j esboada ante-riormente: o Direito um campo que no adota o consensocomo categoria estru-turante do conhecimento. Ao contrrio, adota a lgica do contraditrio comobase e como forma de construo do seu saber, pois as doutrinas ou correntesdoutrinrias nada mais so do que formas opostas de ver/interpretar o mesmoobjeto, ao sabor da autoridade acadmica ad hoc, muitas vezes confundida, pelaanalogia do mtodo, com a autoridade judiciria. Por isso, este campo do conhe-cimento dogmtico e no cientfico.

    Essa lgica do contraditrio, que no se confunde com o princpio advers-rio, mas que nele encontra eco e inspirao, internalizada e naturalizada pelosoperadores que, por sua vez, reproduzem-na no apenas no processo judicial,mas tambm no processo de construo do saber jurdico.

    Somado a isso, h ainda o fato de o Direito brasileiro se organizar e seconstituir atravs de categorias no unvocas, cujo significado est sujeito autoridade interpretativa ad hoc logo, por definio, no sujeitas interpre-tao literal, que considerada ilegtima possibilitando, assim, uma lutainterna do campo para ver qual das possveis interpretaes das normas jur-dicas ter a melhor aceitao. Nesse sentido, a consagrao no interior dessecampo do conhecimento exige uma concorrncia pelo poder institucional,dotado de um saber particularizado, que lhe empresta legitimidade e que,por sua vez, distingue e hierarquiza os que alcanam o reconhecimento in-telectual (os consagrados/autorizados) em face dos demais (Bourdieu, 1968,1987). Quer dizer, nesse campo, saber igual a poder (Lima, 2010).

    Esta particularidade, inclusive, torna o Direito um tanto enigmtico, j queas bases de sua legitimidade esto fincadas em um saber que no est disponvela todos e que, uma vez revelado assim como se deu com dipo ao desvendaro enigma da esfinge leva imediatamente ao poder (Foucault, 2003).17

    Um dado contundente e ilustrativo do que mencionamos, notadamenteacerca da disputa pela legitimidade da produo do conhecimento jurdico, odiscurso de um ministro do STJ, reproduzido no seguinte trecho do seu votovencido, datado de 2003:18

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    Sr. Presidente, li, com extremo agrado, o belssimo texto em que o Sr.Ministro Francisco Peanha Martins expe as suas razes, mas tenho velhaconvico de que o art. 557 veio em boa hora, data vnia de S. Exa. No meimporta o que pensam os doutrinadores. Enquanto for Ministro do Superior Tribunal

    de Justia, assumo a autoridade da minha jurisdio. O pensamento daqueles que no

    so Ministros deste Tribunal importa como orientao. A eles, porm, no me submeto.

    Interessa conhecer a doutrina de Barbosa Moreira ou Athos Carneiro. Decido, porm,

    conforme minha conscincia. Precisamos estabelecer nossa autonomia intelectual, para

    que este Tribunal seja respeitado. preciso consolidar o entendimento de queos Srs. Ministros Francisco Peanha Martins e Humberto Gomes de Barrosdecidem assim, porque pensam assim. E o STJ decide assim, porque a maioriade seus integrantes pensa como esses Ministros. Esse o pensamento do SuperiorTribunal de Justia, e a doutrina que se amolde a ele. fundamental expressarmoso que somos. Ningum nos d lies. No somos aprendizes de ningum. Quandoviemos para este Tribunal, corajosamente assumimos a declarao de que temos notvel

    saber jurdico uma imposio da Constituio Federal. Pode no ser verdade.Em relao a mim, certamente, no , mas, para efeitos constitucionais, mi-nha investidura obriga-me a pensar que assim seja. Peo vnia ao Sr. MinistroFrancisco Peanha Martins, porque ainda no me convenci dos argumentos deS. Exa. Muito obrigado (grifos nossos).

    Esta forma de disputar a legitimidade sobre os significados e a extenso docontedo das normas jurdica prpria (e recorrente) do campo do Direito, des-tacando-se pronunciamento mais recente de ministro da Corte Especial do STJ,hoje no STF, que reverbera o discurso do ministro transcrito acima:

    [...] o contedo da norma no , necessariamente, aquele sugerido pela doutri-na, ou pelos juristas ou advogados, e nem mesmo o que foi imaginado ou que-rido em seu processo de formao pelo legislador; o contedo da norma aquele, eto somente aquele, que o Poder Judicirio diz que (Corte Especial, AI nos ERESP644.736/PE, MIN. TEORI ALBINO ZAVASCKI, julgado em 06/06/2007).

    O mtodo do contraditrio, enquanto forma de construo do saber jurdi-co, acaba por impedir consensos sucessivos e provisrios ao pressupor que exis-tam teses certas ou erradas, justas ou injustas, a critrio de uma autoridade ins-titucionalmente constituda, estranha s partes, para situaes da vida concreta,o que leva falaciosa pretenso de estabelecer A verdade, que seria a soluodo problema, em vez de internalizar a possibilidade de haver verdades possveis

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    construdas com base em consensos de certezas provisrias que contemplemtodos os interesses e os interessados (Lima, 2008b:16). O estilo do Direito apadronizao pelo poder, no pelo saber, e o que no se amolda a esse formato descartado. Com isso, a forma institucional de administrar conflitos nessecampo acaba produzindo desigualdades na aplicao da Lei, outro motivo queinterfere na sua legitimidade.

    Ora, se o Direito refuta a empiria, a explicitao dos problemas, a descriodetalhada de suas prticas, a relativizao19e a desconstruo, dificilmente po-der vir a se constituir como um espao dinmico de autorreflexo cientfica,crtica e criativa que permita efetivar as mudanas necessrias pelas quais eleprprio clama.

    Sobre como o Direito pode incorporar o trabalho de campo e aetnografia: o princpio da oralidade processualAcreditamos que a descrio das prticas e dos rituais judicirios pode ser

    muito valiosa para a pesquisa no Direito.As pesquisas empricas tm a particularidade de permitir contrastar as-

    pectos diferenciados do campo e das estruturas que o constituem e que nonecessariamente se complementam, ao contrrio, comumente se anulam.Exemplo disto o que ocorre com o Princpio da Oralidade Processual, que naDoutrina e na Legislao assume um significado e, para os operadores do cam-po, outro, no apenas distinto, mas absolutamente contrrio quele.

    Etnografia empreendida no Tribunal de Justia do Rio de Janeiro acercado Princpio da Oralidade Processual, utilizada neste artigo para ilustrarcomo o Direito pode incorporar a metodologia etnogrfica em suas pesquisas,permitiu perceber que inexiste comunicao entre o mundo dos manuais deDireito e o mundo das prticas judicirias, transitando este saber jurdico en-tre o real e o ideal, o que faz com que as suas lgicas sejam paradoxais e a suacompreenso, inexata: consequentemente, a sua atuao torna-se socialmenteilegtima (Lupetti Baptista, 2008).

    A forma reprodutora atravs da qual o campo do Direito se manifesta impe-de ou, pelo menos, restringe a possibilidade de se enxergarem os aspectosimplcitos que atuam nesse campo e que, queiram os juristas ou no, orientam asua forma de atuar e regulam as suas prticas e rituais.

    A etnografia possibilita exatamente que esses mecanismos, obscurecidospela forma de produo e circulao do saber jurdico, se revelem e, tornan-do-os explcitos, permite uma melhor compreenso do campo e de sua lgica.

    Especificamente em relao ao princpio da oralidade, analisando os rituais

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    judicirios atravs da pesquisa de campo desenvolvida no Tribunal de Justia doRio de Janeiro, foi possvel perceber que a dogmtica atualiza o tema de umaforma absolutamente distinta daquela depreendida pela empiria.

    A doutrina reconhece a oralidade como uma garantia das partes a um pro-cesso justo e democrtico, portanto, um instituto fundamental que deve ser ob-servado e assegurado a todos os cidados (Lupetti Baptista, 2008). No entanto, aanlise dos rituais judicirios mostra que a oralidade descartada pelos operado-res do campo, sob o fundamento de que esta forma de manifestao processualacaba sendo um empecilho concretizao de outro princpio processual, aindamais importante: o da celeridade da prestao jurisdicional.

    A celeridade, assim como a oralidade, um princpio de direito proces-sual alado categoria de garantia, sendo que, diferentemente da oralidade,tem statusconstitucional, estando previsto expressamente no rol dos direi-tos e das garantias fundamentais dos cidados, a saber, no art. 5, incisoLXXVIII, da Constituio da Repblica.20

    A finalidade precpua do princpio da celeridade, nos termos sustentadospela dogmtica, assegurar aos cidados a durao razovel do processo,cujo significado, nas palavras de um processualista consagrado nesse campo, assim traduzido: o interesse pblico o de que as demandas terminem o maisrapidamente possvel, mas que tambm sejam suficientemente instrudas paraque sejam decididas com acerto (Santos, 1985:298).

    Assim, o tempotornou-se um fator significativo para a administrao institu-cional de conflitos no Brasil, sendo a celeridade, modernamente, seno a maior,uma das mais importantes metas da agenda jurdica em pauta.

    Nesse contexto, o que as prticas judicirias apontam e a dogmticadesconsidera um ntido conflito entre princpios processuais, em que aoralidade cede espao celeridade j que, em sendo assegurados s partes to-dos os atos processuais orais legalmente previstos, a celeridade acabaria porno se efetivar e, no sistema vigente, a durao razovel do processo umrequisito essencial prestao jurisdicional.

    Curioso o que se verificou no trabalho de campo porque, ao se comparar odiscurso dogmtico com o emprico, notadamente acerca da dicotomia oralidadex celeridade, percebeu-se que, para o discurso terico-dogmtico, a oralidadetem uma conotao valorativa imensamente positiva. Ela romanceada pelosdoutrinadores, ao passo que no discurso dos operadores, que lidam com a orali-dade em seu cotidiano, ela , opostamente, vista com uma conotao negativa. tida como algo que atrapalha o bom andamento do processo e que no temdestinao de fato til.

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    A doutrina, como esperado pois assim que o Direito se estrutura: entreo real e o ideal tem uma viso potica e utpica do princpio da oralidade noprocesso civil. Ao se lerem as manifestaes dogmticas, tem-se a sensao deque a oralidade a soluo de todos os males do sistema e o fim do abismo quenotoriamente separa e distancia os cidados do Judicirio.

    Ao ser categorizada como princpio norteador de um processo justo e demo-crtico (Greco, 2005), a oralidade reconhecida, no campo discursivo, comouma garantia de autodefesa da parte, proporcionada por um dilogo humanoe pblico com o juiz da causa (Greco, 2005). A oralidade seria ento o instru-mento capaz de possibilitar ao juiz no s ouvir, mas especialmente sentir aspartes e as testemunhas e, por conseguinte, avaliar melhor as provas diante deleproduzidas e formar, com mais certeza e preciso, o seu convencimento.

    A oralidade representada na dogmtica como um mtodo que propor-ciona luta judiciria [o processo] o seu genuno carter humano, que co-munica vida e eficcia ao processo [...] (Morato, 1938); um sistema em queo juiz participa ativamente do processo, entretanto, sua autoridade pblicasobrepe-se a soberania individual das partes (Leal, 1938); trata-se de ummecanismo que possibilita uma justia rpida, perfeitae barata, sendo, naverdade, um remdio herico (Cunha Barreto, 1938); o que possibilitaa palavra viva em sobreposio escrita morta, eis que na palavra viva falatambm o vulto, os olhos, a cor, o movimento, o tom da voz, o modo de di-zer, e tantas outras pequenas circunstncias, que modificam e desenvolvemo sentido das palavras e subministram tantos indcios a favor ou contra aprpria afirmao delas. A mmica, a eloquncia do corpo so mais verdicasdo que as palavras [...] (Chiovenda, 1938); a oralidade, afinal, garante umajustia intrinsecamente melhor; faz do juiz partcipe na causa e permite-lhedomin-la melhor [...] assegura melhor a veridicidade e a sinceridade dos re-sultados da instruo [...].

    Percebe-se, portanto, uma alta carga de sensibilidade, nos juristas, ao estu-darem e lecionarem sobre a aplicao desse princpio. Na prtica, entretanto,nem sempre assim que o processo se materializa, inclusive porque a escritaprevalece em funo justamente da necessidade cada vez mais premente de cele-ridade na prestao jurisdicional (Lupetti Baptista, 2008).

    Empiricamente, a oralidade um obstculo celeridade processual e, noapenas por isso, mas especialmente, vista como um entrave que inviabiliza aconcretizao do princpio constitucional que preconiza a durao razovel doprocesso. Eis o que pensam os operadores.

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    A oralidade a maior proximidade do juiz com a parte, com as testemunhas,tal, mas eu no acho que essa oralidade alm do necessrio seja benfica.Muito pelo contrrio, ela muito malfica. Tanto que estou em uma vara cvele posso afirmar que no h necessidade de se fazer mais do que dez ou dozeaudincias por ms. No h. invivel hoje em dia ficar ouvindo as partes, osadvogados, no h tempo. Ns no temos mais tempo para essas questes. Aoralidade atrapalha. Voc no pode ser obrigado a fazer uma audincia (Juizem exerccio em Vara Cvel da Comarca do Rio de Janeiro).

    Ns temos regras que ns precisamos seguir [...] A oralidade, em Vara Cvel, muito mitigada porque ela faz com que o juiz gaste muito tempo ouvindo, aopasso que ele pode gastar menos tempo lendo (Juza titular de Vara Cvel daComarca do Rio de Janeiro).

    A oralidade atrapalha do ponto de vista prtico. O volume de trabalho muitogrande. muito mais rpido despachar por escrito, muito mais fcil analisar,ler as peties, do que ficar ouvindo as pessoas em audincia. Os advogadosno tm poder de sntese, as partes muito menos. No h condies de ouvirtodo mundo ponderar o que quer. Temos que ser muito objetivos (Juiz titularde Vara Cvel da Comarca do Rio de Janeiro).

    Eu acho que, na prtica, nem precisaria de oralidade [...] Tem tantas outrascoisas que a gente pode fazer para diminuir o volume, para diminuir o tempode processamento, sabe? [...] A prova oral no muito til. Voc perde tempo,1h ou 1h e meia e no vem a contribuio que voc quer (Juza de Vara Cvelda Comarca do Rio de Janeiro).

    Eu sei que h autores que defendem uma maior oralidade nos processos. Euconfesso a voc que eu penso de forma diferente. Para mim, a oralidade snos casos estritamente necessrios, porque a oralidade acaba sendo um entravepara o normal prosseguimento dos processos. No vejo a oralidade como algonecessrio. Alis, acho que pode ser at prejudicial (Juiz titular de Vara Cvelda Comarca do Rio de Janeiro).

    Um juiz hoje no pode se dar ao luxo de ficar fazendo as audincias porqueas partes querem, ou ouvir todo mundo porque as pessoas querem falar. Nopode. No pode. Ele pode dar uma bela sentena escrita. Ele pode ser umapessoa excepcional; dar uma bela deciso. Mas se ele no tem pulso, se ele

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    deixa que coisas inteis se produzam no processo, ele, no fundo, est prejudi-cando a distribuio da justia (Juiz em exerccio em Vara Cvel da Comarcado Rio de Janeiro).

    O contraste entre o discurso dogmtico e os dados empricos sugere quenoapenas ambos representam a oralidade de forma absolutamente distinta, comotambm o que nos pareceu mais interessante o fazem de forma contradit-ria, j que a dogmtica v a oralidade como um instrumento a servio da cele-ridade, e a prtica judiciria, opostamente, a v como um estorvo celeridade.

    Marinoni e Arenhart (2005:671) assim se pronunciam sobre o tema:

    A oralidade, sem dvida, contribui no apenas para acelerar o ritmo do pro-cesso, como ainda para se obter uma resposta muito mais fiel realidade. Ocontato direto com os sujeitos do conflito, com a prova e com as nuancesdo caso permitem ao magistrado apreender de forma muito mais completa arealidade vivida, possibilitando-lhe adotar viso mais ampla da controvrsia edecidir de maneira mais adequada.

    Os demais doutrinadores, acima citados, igualmente destacam a oralida-de como a vantagem mais imediata do processo oral, especialmente por seconsiderar sempre menos penoso ouvir do que ler. O processo oral, quandode sua implementao, foi visto como o remdio provadamente eficaz contraa lentido do Judicirio. A oralidade foi recepcionada como o instrumentoque libertou o processo de frmulas inteis e arcaicas, destinando-se a tor-nar possvel a soluo dos litgios com economia de tempo (Gusmo, 1938;Estellita, 1938; Mendona, 1938; Cunha Barreto, 1938; Oliveira, 1938).

    No campo, todavia, como se pde ver, a percepo que se tem do princpio daoralidade reversa. Entende-se que o sistema oral moroso e, atualmente, invivel.

    O exemplo da pesquisa sobre a oralidade ilustrativo, portanto, de que asincoerncias e as desarticulaes do sistema processual s so possveis de ver seos rituais forem observados e, a partir da, explicitados, descritos e postos sobanlise. Sem isso, partindo de idealizaes normativas que nenhuma correspon-dncia tm com a empiria, o Direito continuar sendo um campo enigmtico,hermtico e incompreendido.

    Desde 1983, no trabalho intitulado Por uma Antropologia do Direito, noBrasil (Lima, 2008:1-38), chama-se a ateno para a importncia de se cons-tituir um campo de pesquisa emprica, de base crtica, na rea do Direito.Naquele texto, mencionava-se a necessidade de se rasgarem os vus do

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    Judicirio e tornar explcitas as suas prticas para que fosse possvel conhecermelhor esse saber e as atividades que o governam, sem que o acesso a essesdados fosse restrito aos membros internos e operadores do campo.

    Passados mais de 30 anos, a dificuldade de se introduzir essa forma de pes-quisa no Direito brasileiro permanece e, com isso, continua-se a retardar a cons-tituio de um campo crtico-reflexivo sobre as prticas dos Tribunais.

    Como fazer isso? Talvez, para alm de difundir essa metodologia de pesquisaro Direito, fomentado-a no ensino da Graduao e da Ps-graduao, articular arelao institucional entre a academia e os Tribunais seja uma opo importante.

    No entanto, para isso, seria necessrio que os Tribunais, seus doutrinadorese operadores se permitissempesquisare serem pesquisadose se permitissem criti-car e serem criticadosacademicamente, fora da lgica do contraditrio. E quandomanifestamos isto, no intentamos diminuir ou subjugar o poder-saber dos in-tegrantes desse campo, mas, ao contrrio, chamar a ateno para o fato de que ainculcao que neles se faz desde os bancos universitrios acaba por formar ope-radores resistentes aofazer jurdico diferentee treinados para a reproduo do co-nhecimento consagrado e dos dogmas que embotam a criatividade e a crtica.21

    Alm disso, a interlocuo do Direito com outras reas do conhecimento igualmente fulcral para a transparncia do nosso sistema judicirio. A aber-tura do Direito, que, como dito, um campo tradicionalmente hermtico, um importante passo para se alcanarem estratgias institucionais de mu-dana do quadro atual.

    Por mais eventualmente indecorosa que seja a imagem refletida no es-pelho do Judicirio, a partir das pesquisas empricas a serem realizadas, preciso enfrentar, sem criminalizar nem estigmatizar, a descrio de suasprticas, pois sua explicitao que permitir aos operadores do campo veraquilo que esto fazendo e, a partir dessa conscincia, optar se querem con-tinuar fazendo mais do mesmo ou se querem seguir na direo de novas pers-pectivas de atuao.

    O autoconhecimento doDireitopeloDireito, atravs da interlocuo comoutros campos do saber, se faz premente, e a nossa proposta de pesquisa,acreditamos, vai ao encontro desse projeto comum, que visa, afinal, cons-truo do Judicirio de modo a afirmar o seu reconhecimento como um po-der legitimamente democrtico, republicano e acessvel aos cidados.

    Algumas possveis conclusesAlm da pesquisa sobre a oralidade processual, ora objeto de anlise e in-

    terpretao (Lupetti Baptista, 2008), diversas outras pesquisas empricas esto

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    publicadas e foram realizadas por pesquisadores formados em Direito (MoreiraLeite, 2003; Ferreira, 2004, 2013; Figueira, 2005, 2008; Rocha Pinto, 2006;Silva, 2011; Mendes, 2012; Lupetti Baptista, 2013; Vidal, 2013) e que, portan-to, fizeram o exerccio antropolgico de desconstruir e desnaturalizar as suasrepresentaes sobre o real, inculcadas durante a sua formao, para envereda-rem-se por um novo caminho, de guas turbulentas, mas que, ao fim e ao cabo,permite entender o Direito a partir de outras concepes, o que possibilita umacontribuio nica e bastante diferenciada para a reconstruo desse saber e, porconseguinte, para o aprimoramento do seu funcionamento. Isto, sem dvida,colabora, como dissemos, para que se percebam os paradoxos do sistema judici-rio e, com isso, se efetivem as necessrias rupturas nesse campo de poder que,como se sabe, clama por mudanas que o tornem mais democrtico e legtimo.

    Esses e outros resultados de pesquisas empricas (Mota, 2005; Eilbaum,2008, 2012) foram recentemente consagrados e institucionalizados na criaode nosso Instituto Nacional de Cincia e Tecnologia Instituto de EstudosComparados em Administrao Institucional de Conflitos (INCT-InEAC),aprovado em fevereiro de 2009 pelo Ministrio de Cincia, Tecnologia eInovao atravs da iniciativa do Programa Institutos de Cincia e Tecnologia(Edital 15/08). O InEAC, hoje institucionalizado na UFF atravs da criaodo Ncleo de Ensino, Pesquisa e Extenso em Administrao Institucional deConflitos, vinculado Pr-Reitoria de Pesquisa, Ps-graduao e Inovao daUFF (NEPEAC/PROPPI/UFF), tem como proposta produzir pesquisas emp-ricas, em suas bases quantitativas e qualitativas, que permitam propor e avaliarpolticas pblicas, em nvel federal, estadual e municipal, na rea da SeguranaPblica e do Acesso Justia, bem como desenvolver tecnologias de interven-o social nesses campos. O objetivo do Instituto produzir e transmitir co-nhecimento emprico e terico sobre as lgicas de tratamento e administraoinstitucional de conflitos por parte dos agentes pblicos, focalizando as suaspesquisas em etnografias, em uma perspectiva comparada, que direcionam oolhar para o mundo real.

    Assim, o que propomos com este artigo chamar a ateno para o fato deque a metodologia de pesquisa emprica, com base no trabalho de campo e even-tualmente etnogrfica e comparativa, a melhor forma de identificar e diagnos-ticar os problemas e os obstculos que impedem o bom funcionamento dessasinstituies do pas.

    Temos de reconhecer que, por enquanto, as pesquisas empricas realiza-das sobre as prticas e as instituies judicirias so muito tmidas e restritas apoucos espaos institucionais de produo do conhecimento cientfico, mas j

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    configura um bom comeo o fato de que o Judicirio, atravs especialmente doCNJ, esteja promovendo parcerias oficiais com as agncias de fomento, como aCAPES, para estimular estudos que direcionem um olhar externo de pesquisa-dores sobre o Judicirio.

    Estudar o Direito, suas prticas, instituies e tradies, a partir de uma pers-pectiva emprica, o que permitir perceber, como inmeras pesquisas j apon-taram, que o Direito que se pratica est muito distante do Direito que se idealiza.Olhar para a realidade ftica, construda de acordo com mtodos das cinciashumanas e sociais, vai possibilitar ver em que medida essa distncia se verifica e,a partir disso, sem negar nem criminalizar as eventuais discrepncias, engendrar,pelo contrrio, o que necessrio fazer para alterar o rumo desses caminhos todissonantes, seja para aproxim-los, seja para comear a pens-los a partir deoutro vis que frutifique em prticas e medidas que viabilizem transformaespositivas a serem usufrudas pelos Tribunais e, principalmente, pela sociedade.

    A importncia da atuao do Poder Judicirio e de suas instituies indis-cutvel em um Estado Democrtico de Direito. Nesse contexto, os Tribunaisse configuram como um local de exerccio e um espao de concretizao dosdireitos de cidadania. Se no tem podido ser assim, desejvel que esse quadrose inverta. Ns vemos nas pesquisas de carter emprico, em uma perspectivacomparativa, um importante instrumento para a criao de um campo crtico ereflexivo sobre o Direito e suas instituies, uma rea de estudos jurdicos com-plementar, portanto, quelas tradicionais, j capituladas pela pesquisa jurdicanas agncias de fomento.

    Recebido em: 16/09/2013Aceito em: 18/11/2013

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    Roberto Kant de Lima coordenador do INCT-InEAC Instituto deEstudos Comparados em Administrao Institucional de Conflitos, e do Ncleode Ensino, Pesquisa e Extenso em Administrao Institucional de Conflitos NEPEAC/PROPPI/UFF; pesquisador de Produtividade 1-A do CNPq eCientista do Nosso estado/FAPERJ; professor do Departamento de SeguranaPblica da Faculdade de Direito da UFF e dos Programas de Ps-Graduao emAntropologia e Direito Constitucional da UFF. Contato: [email protected]

    Brbara Gomes Lupetti Baptista pesquisadora do InEAC, Professorapermanente do Mestrado em Direito da Universidade Catlica de Petrpolis PPGD/UCP e da Faculdade de Direito da UFF e Advogada. Contato: blupetti@

    globo.com

    Notas

    1. Para efeitos deste artigo, deve-se fazer clara distino entre etnografia e trabalhode campo. claro que o treinamento para o trabalho etnogrfico requer longos pero-dos de pesquisa e sensibilidade treinada para observar e incorporar valores externos aoobservador e relativizar os seus prprios. J o trabalho de campo, mesmo realizado porpesquisadores em formao e no treinados especificamente para fazer etnografia, nessecaso, j introduz uma perspectiva de experincia inestimvel na interpretao dos dadose na compreenso das instituies jurdicas e de seu funcionamento. Pela nossa experin-cia, perfeitamente possvel realizar pesquisas empricas que se fundem em trabalho de

    campo, com entrevistas e observao direta e participante pelos operadores jurdicos,com excelentes resultados, mesmo sem que tenham sido configurados, em sua plenitude,os requisitos clssicos de uma etnografia tradicional.

    2. Geertz, referindo-se jurisprudenceda common law, j reconhecia esse improduti-vo distanciamento tambm em relao Antropologia: Sejam quais forem as outrascaractersticas que a antropologia e a jurisprudncia possam ter em comum como,por exemplo, uma linguagem erudita meio incompreensvel e uma certa aura de fan-tasia ambos se entregam tarefa artesanal de descobrir princpios gerais em fa-

    tos paroquiais [...] No entanto, essa sensibilidade pelo caso individual pode tanto di-vidir como unir [...] A interao de duas profisses to voltadas para a prtica, to

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    profundamente limitadas a universos especf icos e to fortemente dependentes de tc-nicas especiais teve como resultado mais ambivalncia e hesitao que acomodao e sntese[...] (Geertz, 1998:249).

    3. [...] a tradio viva e a conscincia social subentendem responsabilidade. E respon-sabilidade significa excluir possibilidades e isso diz respeito a formas de escolhas entremuitos modos de pensar, perceber, classificar, ordenar e praticar uma ao sobre o real.Uma tradio viva , pois, um conjunto de escolhas que necessariamente excluem formasde realizar tarefas e de classificar o mundo (DaMatta, 1987:48).

    4. Notcia veiculada no sitedo Superior Tribunal de Justia, em 24/06/2009: STJ e Enfamassinam acordos de cooperao tcnica com universidades do Rio de Janeiro. Disponvelem: http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.tex-to=92591. Acesso em: 15/09/2013

    5. Edital disponvel em: http://www.capes.gov.br/bolsas/programas-especiais/cnj-aca-demico. Acesso em: 15/09/2013

    6. No confundir a lgica do contraditrio com o princpio do contraditrio. O princpiodo contraditrio garantido na Constituio da Repblica de 1988 (Brasil, 1988), em seuartigo 5: Art. 5 - Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, ga-rantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes: LV - aoslitigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral so asseguradoso contraditrio e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

    7. Para mais detalhes sobre as formas tradicionais da disputatioe de suas posteriorestransformaes, ver Berman (2006). Tanto assim que, mesmo no direito processual civil,supostamente disponvel para as partes, porque discute questes de natureza privada, osartigos 348 e 350 do Cdigo de Processo dispem que a confisso faz prova contra o con-fitente e se caracteriza quando a parte admite um fato contrrio ao seu interesse e favorvelao adversrio, o que faz com que o trabalho do advogado seja defensivo e esteja voltadoo tempo todo a se policiar para que no corra o risco de emitir qualquer declarao nosautos do processo que, em algum momento, possa vir a ser interpretada como uma pos-svel confisso em prejuzo dos interesses de seu cliente.

    8. Por exemplo: 1. Notcia veiculada no site do CNJ, sob o ttulo EmManaus, presidente do CNJ afirma que o Judicirio quer alcanar o homemcarente de Justia. Disponvel em: http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=7891:em-manaus-ministro-gilmar-mendes-afirma-que-o-judiciario-quer-alcancar-o-homem-carente-de-justica&catid=1:notas&Itemid=675; 2.Notcia veiculada no site do CNJ, sob o ttulo Ministro Gilmar Mendes inaugura Casasde Cidadania para aproximar Judicirio da sociedade. Disponvel em: http://monoceros.cnj.gov.br/portalcnj/index.php?option=com_content&view=article&id=5392:minist

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    ro-gilmar-mendes-inaugura-casas-de-cidadania-para-aproximar-judiciario-da-sociedade-&catid=1:notas&Itemid=169; 3. Discurso do ex-presidente do STJ, ministro Raphael deBarros, em 2007: O estreitamento dos laos entre a Justia e a sociedade civil um ex-celente caminho para agregar valores capazes de elevar os jurisdicionados vivncia dareal cidadania e da plenitude da dignidade humana. Disponvel em: http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=85744. Acesso em:15/09/2013

    9. A categoria manualizao costuma ser apropriada por aqueles que, como ns, pre-tendem evidenciar uma crtica forma reprodutiva como o Direito se estrutura enquantocampo do conhecimento. Oscar Vilhena, em certa ocasio, referindo-se sua formaomesclada entre o Direito e as Cincias Sociais, disse que, ao ingressar nos referidos cursos,viu-se entre o deserto manualesco dos juristas e a sedutora literatura das demais cin-cias humanas (Entrevista disponvel em: virtualbib.fgv.br. Os livros que fizeram minhacabea). Lenio Streck (2005:180), em seu texto A hermenutica filosfica e as possi-bilidades de superao do positivismo pelo (neo) constitucionalismo, refere-se a umacultura positivista e manualescaque continua enraizada nas escolas de direito e naquilo quese entende por doutrina e aplicao do direito. Joo Maurcio Adeodato tambm usa aexpresso na orelha de seu livro O Direito Dogmtico Perifrico e sua Retrica,ao mencionar queo livroprocura fugir ao carter manualescoque tem caracterizado boa parte da produojurdica nacional.

    10. A expresso dogmtica equivale doutrina jurdica que, no Direito, significa:o estudo de carter cientfico que os juristas realizam a respeito do direito, seja com oobjetivo meramente especulativo de conhecimento e sistematizao, seja com o escopoprtico de interpretar as normas jurdicas para sua exata aplicao (Diniz, 1994:284).Na verdade, em sntese, pode-se dizer que a dogmtica um normativismo inspirado nateoria positivista Hans Kelsen.

    11. Em outro trabalho sobre o tema, de meno oportuna, define-se melhor o con-ceito de etnografia: o ponto central do mtodo etnogrfico a descrio detalhada e a in-terpretao dos fenmenos observados com a indispensvel explicitao tanto das catego-rias nativas como aquelas do saber antropolgico utilizado pelo pesquisador [...] (Lima,2008:12). Para entender como fazer etnografia, utilizando-se da observao participante,ver Foote-Whyte (1975).

    12. Otvio Velho fornece uma definio interessante para quem no do campo dascincias sociais acerca da metodologia antropolgica: [...] Antropologia no tem m-todos e tcnicas, antropologia uma coisa que entra pelos poros, uma coisa espon-tnea, uma coisa que tem a ver com esse grande contato fundamental com o campo oucom os nossos interlocutores, ou, enfim, com o grupo social que estamos estudando(1995:106).

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    13. Na mesma linha, Roberto Fragale discute a importncia de uma viso sociolgicapara a compreenso do Direito (Fragale Filho, 2007).

    14. Notcia do Superior Tribunal de Justia, divulgada em 11/05/2005, intitulada:Ministro Vidigal diz em Fortaleza que desconhece pesquisa do STF. Disponvel no siteoficial do STJ: www.stj.jus.br.

    15. Fragale Filho, tratando da importncia da sociologia jurdica para refletir e repen-sar o Direito, manifesta-se nessa mesma linha, destacando-se (Fragale Filho, 2007:55-56): [...] a sociologia jurdica pode ser uma fundamental alavanca [para desnaturalizaras certezas produzidas pelo direito], na medida em que ela impulsione a adoo de umapostura epistemolgica que lance a semente da dvida, que elimine os obstculos de umadiscusso mais aberta e questionadora [...] Ensinar (e aprender) sociologia jurdica nasfaculdades de direito uma necessidade para desmistificar certezas e explicar que o mun-do muito mais complexo e inseguro do que sugere a certeza da norma, uma necessidadepara explicitar como o mundo do direito fruto de construes circunstanciais e cambi-antes. Embora seja to difcil viver sem as aparentes e ingnuas certezas do direito, seriauma pena se esquecssemos que, entre os extremos do negro e do branco, h inmerastonalidades de cinza.

    16. A respeito da desarmonia entre a teoria e as prticas judicirias, ver Garapon(1997) e Garapon e Papadopoulos (2008). Garapon destaca que a sacralizao da lei des-qualifica a prtica jurdica e questiona o fato de o Direito exigir a aplicao de regras quevisam a um ideal. Ele ressalta que um direito demasiado ideal muitas vezes inaplicvel,de modo tal que o distanciamento entre o direito dos livros e o direito vivido tornou-se perigoso, tendo em vista que, para ele, a distoro entre o que a lei determina e oque a prtica realiza causa uma anomia decorrente no da ausncia do Direito, mas doseu carter demasiado abstrato (Garapon, 1997:180). O direito visa a fazer com que omundo dos fatos esteja em conformidade com um mundo ideal; a transformar o mundo talcomo ele em um mundo tal como deveria ser (Supiot, 1994 apud Garapon, 2008:42).

    17. Nesse sentido, como destacado acima, a preocupao dos doutrinadores emlegitimar o seusaber, fora do contexto acadmico, torna-se maior do que o compromis-so com o contedo daquilo que sustentam, privilegiando o argumento de autoridadeem detrimento da autoridade do argumento, o que acaba, muitas vezes, restringindo oconhecimento jurdico ao contraditrio de opinies, inspirado na tradio da disputatioda escolstica medieval (Berman, 2006:163-167).

    18. Voto proferido pelo ministro Humberto Gomes de Barros nos autos do agra-vo regimental nos embargos de divergncia em recurso especial (AgReg em ERESP)no 279.889/AL. Disponvel em: https://ww2.stj.gov.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200101540593&dt_publicacao=07/04/2003. Acesso em: 15/09/2013

    19. Lima (1995:6), ao descrever as suas dificuldades de adaptao ao universo jurdico,

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    menciona exatamente o aspecto da relativizao, destacando que o seu embate se deu, es-pecialmente, por causa da impossibilidade de relativizao explcita dos valores implcitosna prtica advocatcia.

    20. Art. 5, inciso LXXVIII, CRFB/88: a todos, no mbito judicial e administrativo,so assegurados a razovel durao do processo e os meios que garantam a celeridade desua tramitao.

    21. A leitura de Berman (2006) ajuda-nos a compreender que na universidade quese firmam os cnones metodolgicos do saber cientfico. Do mesmo modo, Bourdieu(1987) trata deste assunto quando menciona no texto em que discute os sistemas de ensinoe sistemas de pensamento que [...] quanto mais tais esquemas [de pensamento] encon-tram-se interiorizados e dominados, tanto mais escapam quase que totalmente s tomadasde conscincia [...].

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    Resumo

    A importncia de articular Direitoe An-tropologia embora reconhecida por

    instituies como o MEC, que inseriua Antropologia Jurdicano currculo dagraduao em Direito, e pelo CNPq,que a elenca como subrea do Direi-to ainda no est de fato legitimadapelos operadores jurdicos. Ofazer an-tropolgico pressupe a relativizao deverdades consagradas, enquanto ofazerjurdicoatravs delas se reproduz, sendo

    este contraste metodolgicoum significa-tivo obstculo ao dilogo destes campos.Exercitar a aproximao destes saberes um desafio no apenas para o Direi-to, mas tambm para a Antropologia,pois ambas as reas no pautam as suasagendas a partir de discusses comuns.Este artigo destaca a importncia de umametodologia prpria da antropologia, a

    etnografia, de base emprica e calcada notrabalho de campo e na perspectiva com-parativa contrastiva, para o desenvolvi-mento da pesquisa na rea do Direito.Demonstraremos que essa metodologia extremamente valiosa para a compre-enso do campo jurdico, como tambmexplicitaremos alguns dos obstculosque causam os rudos de comunicaodesses campos. A metodologia utilizadapara a construo dos dados fruto daobservao participante dos autores, queso formados em Direito e tm experi-ncia acadmica e profissional na rea daAntropologia Jurdica.

    Palavras-chave:Antropologia jurdica,mtodo comparativo, pesquisa empricae Direito, etnografia jurdica.

    Abstract

    In Brazil, Law and Anthropology are veryseparate fields of knowledge. This is due

    not only to their particular characteris-tics as fields of knowledge law beingquite instrumental directed to solveproblems, anthropology quite reflexive,directed to ask questions on comparativematters but also due to the methodsthat both use to produce and legitimatelyreproduce their knowledge. As a socialscience, Anthropology is an empirical

    science based on comparative fieldworkexperiences; besides that, Anthropologybuilds scientific evidence based on tem-porary consensus on facts; Law is a nor-mative and abstract field of knowledge,which uses a particular truth finding ad-versarial method, called contraditrio,which consists in an infinite dispute be-tween the involved parties, who cannot

    agree over evidence; such a dispute canonly be terminated by a third party withauthority. As such, Brazilian law refusesto legitimate evidence and legitimatesonly knowledge produced by an author-ity: its knowledge is abstract and norma-tive and its reproduction does not stimu-late reflection and creativity. Empiricalresearch on Law, conducted either byLaw agents or by social scientists, mayhelp shed light upon legal practices andtheir meanings, contributing to a moreproductive dialogue between these twofields of knowledge.

    Key words: Legal Anthropology, com-parative method, fieldwork and ethnog-raphy in the field of law.