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revista communicare Volume 11 – Edição 2 2º Semestre de 2012 ISSN 1676-3475 www.facasper.com.br/cip

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revista

communicare

Volume 11 – Edição 22º Semestre de 2012ISSN 1676-3475www.facasper.com.br/cip

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Communicare: revista de pesquisa / Centro Interdisciplinar de Pesquisa, Faculdade Cásper Líbero –v. 11, nº 2 (2011). – São Paulo: Faculdade Cásper Líbero, 2011

SemestralISSN 1976-3475

1. Comunicação social periódicos I. Centro Interdisciplinar de Pesquisa da Faculdade Cásper Líbero.

CDD 302.2

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revista communicareFaculdade Cásper LíberoFundação Cásper Líbero

Presidente da Fundação Cásper Líbero: Paulo Camarada

Superintendente Geral: Sérgio Felipe dos Santos

Diretora da Faculdade: Tereza Cristina Vitali

Vice-Diretor: Welington Andrade

Centro Interdisciplinar de PesquisaCoordenador Geral do CIP: Maria Goreti Juvencio Sobrinho

Monitoria do CIP: Aline Vieitez Bernils, Avana França Salles e Rafael Faccio

Revista CommunicareFaculdade Cásper Líbero

Editora: Maria Goreti Juvencio Sobrinho

Conselho Consultivo: Adriano Duarte Rodrigues (Universidade Nova de Lisboa), Alessandra Meleiro (UFF e CEBRAP), Alfredo Dias D’Almeida (FAPSP),

Ana Maria Camargo Figueiredo (PUC-SP), Beatriz Dornelles (PUC-RS), Claudia Braga (UFSJ/UNICAMP), Cristiano Ferraz (UFPE), Dimas Antonio Künsch (FCL),

Eneus Trindade (USP), Ernani Ferraz (PUC-Rio), Ivone Lourdes de Oliveira (PUC-MG), Joana Puntel (Sepac), João Alegria (PUC-Rio), Henrique Carneiro (USP), Liana

Gottlieb (FCL), Lucilene Cury (USP), Luiz Carlos Assis Iasbeck (UPIS-DF e UCB-DF), Magda Rodrigues da Cunha (PUC-RS), Manuel Dutra (UFPA), Marcus Bastos

(PUC- SP), Maria Aparecida Baccega (USP e ESPM), Maria Helena Weber (UFGRS), Mauro de Souza Ventura (UNESP), Monica Mata Machado de Castro (UFMG),

Monica Rebecca Nunes (FAAP), Ninho Moraes (FCL) Roseli Fígaro (USP), Sueli Galego de Carvalho (MACK) Teresinha Maria de Carvalho Cruz Pires (PUC-MG),

Umberto de Andrade (UNIFESP), Walter Lima (FCL) e Wilson da Costa Bueno (UMESP).

Pesquisadores do CIP que colaboraram para esta edição: Bruno Hingst, Ethel Pereira, Genilda Alves de Souza, Irineu Guerrini Júnior e

Sônia Breitenwieser Castino.

Revisão: Maria Goreti Juvencio Sobrinho, Irineu Guerrini Júnior e Sônia Breitenwieser Castino.

Versão para o inglês e para o espanhol: Aline Vieitez Bernils, Avana França Salles, Irineu Guerrini Júnior e Sônia Breitenwieser Castino.

Projeto gráfico: Danilo Braga

Arte e editoração: Núcleo Editorial da Faculdade Cásper Líbero

Tiragem: 1.000 exemplares.

Redação - Faculdade Cásper Líbero

Av. Paulista, 900 – 6º Andar – São Paulo – SP – CEP: 01310-940

Telefone: (11) 3170-5878

Email: [email protected] / [email protected]

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Pesquisadores do Centro Interdisciplinar de Pesquisa (CIP) e projetos em desenvolvimento durante 2012

Pesquisadores Docentes

Gilberto Maringoni de OliveiraComunicação e desenvolvimento: parâmetros para uma regulamentação democrática da mídia.

Irineu Guerrini Jr.“O crime não compensa”: um estudo dos ro-teiros da série transmitida pela Rádio Record de São Paulo.

Liráucio Girardi Jr.A “nacionalização” do controle sobre a Internet e a ação política em rede (ACTA, PIPA, Hadopi, Doring, Sinde...)

Magaly Parreira do PradoDemocracia digital – o ciberativismo via mídia torpedista a pautar o noticiário do Século XXI

Mauro Araújo de SousaNietzsche: comunicação e autoeducação ou o alem-do-homem desde a comunicação

Sandra Lucia GoulartAs drogas ilícitas no Grupo Folha: a cobertura sobre o crack e a maconha.

Sônia Breitenwiesser Alves dos Santos CastinoImagem da literatura brasileira contemporânea na imprensa alemã.

Tonio Gomes TavaresA comunicação não-verbal no filme publici-tário: a gestualidade do consumo.

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Pesquisadores Discentes de iniciação científica

Angela Costa de SouzaAs Relações Públicas no mercado cultural brasileiroOrientador: Sérgio Andreutti

Laís F. de CastroA importância das práticas de relações-públicas na melhoria da imagem da Polícia Militar de São PauloOrientador: Luiz Alberto Farias

Laura Mafei Rabelo de QueirozAnálise da ascensão feminina no jornalismo esportivo televisivo: competência ou beleza?Orientadora: Genilda Alves

Letícia Dongo de SouzaNicolau Tuma, Osmar Santos e Éder Luiz: Es-colas radiofônicas esportivas nas emissoras AM e FM de São Paulo.Orientadora: Magaly Prado

Lucas Lazarini ReginatoA “Convergência de funções” na Web Social TVOrientador: Liráucio Girardi

Melina Adissi SternbergO distanciamento histórico e a construção do imaginário em Maus, de Art SpiegelmanOrientador: Welington Andrade

Roberto Francisco FideliNeon Genesis EvangelionOrientador: Luís Mauro Sá Martino

Teresa Gardelino SavinoCastelo RÁ-TIM-BUM: a educação transmitida através do audiovisualOrientador: Irineu Guerrini

Tiago da Mota e SilvaSobre Cowboys e símbolosOrientador: José Eugenio

Vanessa Magdaleno VieiraA capacidade dos jogos de interface entre mun-dos usada como elemento narrativo no cinema e sua possibilidade de aproximar espectador e personagem.Orientador: Liráucio Girardi

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SumárioApresentação: EditorialMaria Goreti Juvencio Sobrinho

Comunicação, tecnologia e política

A influência das pesquisas eleitorais na decisão de votoGenilda Alves de Souza

09

Os roteiros de Túlio de Lemos: rádio, arte e consciência socialIrineu Guerrini Jr.

Megaeventos esportivos no Brasil e seu comprometimento com a sustentabilidade

Ethel Shiraishi Pereira

Artigos

13

41

69

123

Faculdade Cásper Líbero e o professor do futuro: estudo sobre a formação inicial do professor para cursos de

graduação em comunicaçãoElse Lemos

95

A literatura brasileira vista pela imprensa alemãSonia Breitenwieser Alves dos Santos Castino

Comunicação, meios e mensagens

Comunicação e mercado

Torcedores e consumidores: O futebol como produto da indústria cultural na sociedade contemporânea

Cláudio Novaes Pinto Coelho e Rafael de Oliveira Lourenço151

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Apresentação

EditorialMaria Goreti Juvencio SobrinhoDocente e Coordenadora Geral do Centro de Interdisclipina de Pesquisa da Faculdade Cásper Líbero e doutoranda no curso de Ciências Sociais da PUC/SP.

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Volume 11 – Nº 2 – 2º Semestre de 2012 09

Maria Goreti Juvencio Sobrinho

A edição especial Communicare resulta dos trabalhos empreendidos pelos pes-quisadores do Centro Interdisciplinar de Pesquisa (CIP), durante o biênio 2010-2011, e do seu compromisso com a produção e difusão do conhecimento científico no campo da comunicação e de áreas afins.

A presente edição, 11.2, que reúne seis artigos científicos, é a primeira de uma série de três edições especiais que visam difundir, mediante a anuência dos membros do conselho consultivo e editorial Communicare, os principais resultados e aquisições de mais de trinta projetos de pesquisa desenvolvidos, ao longo de dois anos, nas linhas e grupos de pesquisa do CIP.

Na seção Comunicação, tecnologia e política, a pesquisadora Genilda Alves de Souza, em “A influência das pesquisas eleitorais na decisão de voto”, aborda as especi-ficidades das pesquisas eleitorais e a exploração midiática de seus resultados, esclare-cendo as diferenças existentes entre o escopo das pesquisas eleitorais e a natureza das polêmicas que sempre surgem durante os processos eleitorais.

Rádio, televisão e literatura brasileira são os temas tratados na seção Comunica-ção, meios e mensagens. O artigo de abertura, “Os roteiros de Túlio de Lemos: rádio, arte e consciência social” é do pesquisador Irineu Guerrini Jr. , que em meio a sua ex-periência no campo da comunicação resgatou um dos grandes nomes da comunicação no país, Túlio de Lemos, cuja obra remete, ademais, a momentos particularmente ricos da cultura brasileira.

A cultura brasileira também aparece no artigo seguinte, de autoria de Sonia Brei-tenwieser Alves dos Santos Castino, que acompanhou a cobertura de alguns períodos de língua alemã, como Die Zeit, Die Welt, Der Spiegel e Focus sobre a literatura brasileira. A pesquisadora, tendo como fio condutor os estudos de recepção, destaca a recorrência de certos imagotipos construídos no exterior sobre o Brasil.

O esporte é um dos temas presentes nos dois artigos da seção Comunicação e mercado, ainda que por ângulos e universos distintos. Enquanto a pesquisadora Ethel S. Pereira explora o tema da sustentabilidade na análise de megaeventos como Copa do mundo de 2014, em “Megaeventos esportivos no Brasil e seu comprometimento com a sustentabilidade”, os autores, Claudio Coelho e Rafael O. Lourenço analisam a mercan-tilização do esporte na chamada indústria cultural em “Torcedores e consumidores: o futebol como produto da indústria cultural na sociedade contemporânea”¹. O artigo de encerramento desta edição, “Faculdade Cásper Líbero e o professor do futuro: estudo sobre a formação inicial do professor para cursos de graduação em comunicação”, sin-tetiza os resultados da pesquisa empreendida pela professora Else Lemos. As reflexões e dados trazidos por Lemos ensejam não somente uma avaliação dos anos de experiência

1. Esse artigo decorre de pesquisa desenvolvida no programa de pós-graduação da Faculdade Cásper Líbero, enquanto os demais, como assinalado, resultam dos trabalhos desenvolvidos no âmbito do CIP.

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10 Revista Communicare

Apresentação: Editorial

do projeto “professor do futuro”, mas, também, futuros projetos articulados em torno da missão institucional Cásper Líbero: ensino, pesquisa e extensão.

Vale ressaltar que as pesquisas desenvolvidas no biênio 2010-2011 inscrevem-se numa perspectiva mais ampla dos pesquisadores da Faculdade Cásper Líbero em con-solidar um espaço de pesquisa nesta Instituição. Como discutido no editorial da edição 11.1, os pesquisadores do CIP, por reconhecerem a relação indissociável entre ensino de qualidade, pesquisa científica e extensão, têm trabalhado para evitar o caminho de alheamento da vida social que tem trilhado a maioria das faculdades privadas do país.

A Communicare agradece a todos que colaboraram para esta edição e convida o leitor a interlocução com os seus pesquisadores do Centro Interdisciplinar de Pesquisa – CIP.

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A influência das pesquisas eleitorais na decisão de voto

Comunicação, tecnologia e política

Genilda Alves de SouzaProfessora adjunta da Faculdade Cásper Líbero, nos cursos de Publicidade e Propaganda e de Rádio e TV, e na Pós-Graduação em Administração Hospitalar do Centro Universitário São Camilo. [email protected]

As pesquisas eleitorais sempre foram um tema polêmico, desde que começaram a ser feitas pelo Ibope em 1945. De lá para cá, as pesquisas de intenção de voto passaram a ser comuns nas eleições brasileiras. Muitos institutos surgiram e as técnicas e métodos por eles utilizados foram se aperfeiçoando. Mas, sempre que o Brasil passa por um novo processo eleitoral, as mesmas polêmicas, envolvendo as pesquisas, voltam à mídia. Em períodos eleitorais, a publicação dos resultados das pesquisas de intenção de voto aumenta e passa a ser um elemento cotidiano das notícias, em todos os veículos de mídia. Paralelo a isso, de acordo com os resultados divulgados, surge o debate sobre a validade das pesquisas eleitorais e seu grau de influência sobre o eleitor. Palavras-chave: Comunicação, mídia, pesquisas eleitorais, intenção de voto

La influencia de las encuestas en la de-cisión de voto Las encuestas de la elección han sido

siempre un tema polémico desde que comenzarán a ser rea-

lizadas por Ibope en 1945. Desde entonces, las encuestas so-

bre intención de voto se hicieron comunes en las elecciones

brasileñas. Muchos institutos han surgido y las técnicas y los

métodos utilizados han mejorado. Pero, siempre que el Brasil

está pasando por un nuevo proceso electoral, la misma con-

troversia, de investigación, de recurrir a los medios de comu-

nicación. En época de elecciones la publicación de los resul-

tados de la investigación del aumentos de intención de voto

se convierte en un elemento de las noticias diarias en todos

los medios de comunicación. Paralelo a esto, y de acuerdo

con los resultados publicados, el debate siempre surge sobre

la validez de las encuestas y cuál es su grado de influencia en

el votante. Palabras clave: Comunicación, medios de comu-

nicación, las elecciones de investigación, intención de voto

The influence of polls on voting decisionThe polls have always been a controversial topic since it be-

gan to be made by Ibope in 1945. Since then, the polls on

voting intentions became common in Brazilian elections.

Many institutes have emerged and the techniques and meth-

ods used have improved. But whenever Brazil has a new

electoral process, the same controversy involving research

turns to the media. At election time the publication of re-

search results of voting intention increases and becomes an

element of daily news in all media outlets. Parallel to this,

and according to the results published, the debate always

arises about the validity of the polls and what is their degree

of influence on the voter. Keywords: communication, me-

dia, research elections, intention to vote

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14 Revista Communicare

A influência das pesquisas eleitorais na decisão de voto

Nos meios de comunicação, encontramos muitas mensagens com números nas mais variadas formas: percentuais, índices, taxas, resultados de pesquisas, etc. Em períodos eleitorais, a publicação dos resultados das pesquisas de intenção de voto aumenta e passa a ser um elemento cotidiano das notícias, em todos os veículos de mídia. Parale-lo a isso, de acordo com os resultados divulgados, surge o debate sobre a validade das pesquisas eleitorais e seu grau de influência sobre o eleitor.

As pessoas desconfiam das pesquisas ou desacreditam totalmente desse instru-mento de análise da realidade, particularmente no caso das pesquisas eleitorais. Para citar um único exemplo, em uma lista de discussão feita pelo site UOL, sobre uma pesquisa de opinião do Instituto Sensus, que avaliava o desempenho do governo Lula, e que foi publicada pelo site em 18/02/08, dos cerca de 210 internautas participantes do debate, encontramos apenas um que acreditava nos resultados da pesquisa. Todos os outros diziam que a pesquisa era “manipulada”, “fraudada”, “comprada”, etc., e não poderia ser usada como parâmetro de análise da realidade.

Os dados estatísticos, em particular as pesquisas de opinião, quando publicados na mídia, acabam influenciando de alguma maneira a opinião do receptor? Em 1994, o Instituto Datafolha fez uma pesquisa na cidade de SP sobre a influência das pes-quisas eleitorais na decisão do voto. Os resultados encontrados mostraram que 81% dos entrevistados nunca definiram seu voto por causa das pesquisas eleitorais. Os que admitiram a influência das pesquisas na mudança de voto foram 19% dos eleitores consultados. Essa parcela dos eleitores poderia optar pelo “voto útil”, isto é, o voto dado a certo candidato, porque ele está na frente, ou ao candidato que não tem chances de ganhar, como forma de protesto. (Souza, 2009)

As pesquisas eleitorais sempre foram um tema polêmico, desde que começaram a ser feitas pelo Ibope em 1945. De lá para cá, as pesquisas de intenção de voto pas-saram a ser comuns nas eleições brasileiras. Muitos institutos surgiram e as técnicas e métodos por eles utilizados foram se aperfeiçoando. Mas, sempre que o Brasil pas-sa por um novo processo eleitoral, as mesmas polêmicas, envolvendo as pesquisas, voltam à mídia. Desde 1986, o TSE regula a divulgação dos resultados de pesquisas eleitorais (Resolução no 13.090 do TSE). Diversas leis sobre as eleições no Brasil preo-cupam-se com a realização das pesquisas eleitorais e sua divulgação pela mídia, porque se acredita que as pesquisas eleitorais e a divulgação de seus resultados têm o poder de influenciar o voto do eleitor.

Os pesquisadores de opinião usam uma analogia com a fotografia, quando que-rem se referir ao fato de que as pesquisas representam sempre um instante da reali-dade. Particularmente, sobre as pesquisas eleitorais é dito: “pesquisa é um retrato do momento”. Assim como a fotografia, o resultado de uma pesquisa é uma imagem para-lisada de algo que está em constante movimento: a opinião. As pesquisas não predizem o futuro, mas apenas indicam tendências que podem ser alteradas se algo interferir na realidade medida, fazendo com que mude a opinião pública.

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Volume 11 – Nº 2 – 2º Semestre de 2012 15

Uma pesquisa de opinião é um levantamento estatístico, de uma amostra parti-cular, sobre uma determinada população. Ela tem como objetivo medir a opinião de um grupo de pessoas sobre um determinado assunto e, a partir daí, generalizar estes dados encontrados para a população, respeitando-se a margem de erro e o intervalo de confiança da pesquisa. As pesquisas eleitorais são ferramentas importantes e efica-zes para o conhecimento da opinião e do comportamento dos eleitores, entre outros aspectos, e nos possibilita entender como se manifesta a intenção de voto dos indiví-duos dentro do grupo social.

No livro Discurso das Mídias, Charaudeau (2006) parte da afirmativa de que o acontecimento (a intenção de voto ou a notícia sobre as pesquisas eleitorais, por exem-plo) é construído como discurso de um sujeito para outro. É uma relação dialética entre aquele que comunica o acontecimento (o emissor da mensagem) e aquele que recebe a comunicação (o receptor da mensagem). Um acontecimento é sempre trans-mitido com uma significação. Depende do olhar de quem o transmite. A fala confere a um fenômeno uma significação. Por isso, para Charaudeau, o acontecimento é sempre construído pela significação dada pelo olhar de quem transmite o acontecimento.

As pesquisas eleitorais e a mensagem jornalística, a notícia (a transmissão do acontecimento), têm sua significação dada pela fala de quem transmite a notícia – o Instituto de Pesquisa e o jornalista – e também pelo olhar de quem a recebe – o leitor ou eleitor. Como discurso, o acontecimento é uma construção social do emissor da mensagem, mas também do receptor desta mensagem. O mesmo acontece com as pesquisas e a notícia sobre elas divulgada na mídia.

Para ordenar os sentidos, o sujeito opera com uma dupla faculdade: a de per-cepção e a de estruturação do mundo através da linguagem. Ele também opera com três tipos de aptidão: a) reconhecimento do sistema de pensamento; b) percepção de um elemento novo e c) reintegração do acontecimento acidental a um dos sistemas do pensamento. (Charaudeau, 2006). O acontecimento passa a ser significado socialmen-te pelo sujeito, por meio da interpretação que ele faz do mundo. “Sendo a finalidade da informação midiática a de relatar o que ocorre no espaço público, o acontecimento será selecionado e construído em função de seu potencial de ‘atualidade’, de ‘socialida-de’ e de ‘imprevisibilidade’.” (Charadeau, 2006:99)

Os resultados das pesquisas eleitorais e as notícias sobre estes resultados nunca são transmitidos em seu estado bruto ou neutro, pois eles passam por um processo de significação e ressignificação pelos atores envolvidos: o emissor (Institutos de Pes-quisa e a mídia) e o receptor (leitor/eleitor). A divulgação dos resultados de pesquisas eleitorais e a compreensão que tem o eleitor sobre as informações que recebe são uma construção. "Sempre que tentamos dar conta da realidade empírica, estamos às voltas com um real construído, e não com a própria realidade." (Charaudeau, 2006:131)

Genilda Alves de Souza

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16 Revista Communicare

A quantificação da notícia

Com o avanço científico, desde o período iluminista, passamos a entender o conheci-mento como aquele expresso pelos números das operações matemáticas. O paradigma criado pelas ciências naturais e pelo experimentalismo passaram a ditar o pensamento ocidental. A verdade passou a significar aquilo que podia ser medido ou calculado, por-que assim poderíamos apreender a realidade e fazer previsões. “No fazer científico, a matemática preside a observação e a experiência na investigação, e, mais, torna-se mo-delo de representação; a matemática materializa a valorizada separação entre o sujeito e o objeto, princípio da idealidade científica.” (Senra, 2005:29)

Os números passam a representar a objetividade. Ao contrário dos juízos (bom ou mal), dos sentimentos (amor ou ódio) ou dos valores (certo ou errado), os números não precisam da presença do objeto para existirem e são tidos como um conhecimento universal dos objetos . “Os números simbolizam um conhecer externo e prévio que se leva aos objetos.” (Senra, 2005:29)

Desde a Antiguidade o homem se interessa pelas contagens. Com o avanço do capi-talismo, passa a ser fundamental conhecer os territórios, os recursos naturais, as riquezas produzidas, as populações nacionais e as suas relações de natalidade, mortalidade, ren-da, migrações, fome, saúde pública e muitas outras. Mais tarde passará a ser de grande importância conhecer as opiniões, as intenções e o comportamento das grandes massas para governar, ter controle social e vender cada vez mais mercadorias. A Estatística é a ferramenta capaz de aproximar o distante e o desconhecido, fornecendo as informações necessárias sobre os diversos territórios e suas populações, as opiniões dos diversos gru-pos sociais, sempre com o objetivo de melhor conhecer, governar ou controlar.

A força de verdade que está contida nos números faz da Estatística uma ferramen-ta muito valorizada nas discussões e nas elaborações. Contra a “verdade” estatística não há argumentos. O número, ao invés de ser tomado como referência e como uma das possibilidades de explicação do real, passa a ser visto como algo absoluto e incontestável, a não ser que se apresente um outro número ou outro resultado estatístico que desmin-ta o primeiro. Esquece-se de que a Estatística é um recorte da realidade feito por um indivíduo, portanto uma construção do real relativizada, por mais que a linguagem ma-temática dê a ilusão do contrário. Aliás, todo resultado estatístico sempre afirma que as suas conclusões têm algum grau de erro – a margem de erro – e que, por isso, devem ser vistos como algo relativo e provisório e nunca como um dado permanente e absoluto.

Na mídia, a estatística é tratada como um discurso da verdade de outra pessoa, isto é, da massa, do leitor ou do consumidor, e não do próprio jornal-jornalista que escreve a matéria. O jornalista apropria-se do discurso estatístico e acredita que assim está garantindo a neutralidade e a objetividade da notícia. Os números têm a função de retirar da matéria jornalística a sua “humanidade” dando a ela “consistência”, “precisão” e “racionalidade”. Esta concepção abstrai que toda interpretação humana da realidade

A influência das pesquisas eleitorais na decisão de voto

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Volume 11 – Nº 2 – 2º Semestre de 2012 17

é um recorte dessa realidade, seja do leitor, do jornalista ou da pesquisa. Portanto, a notícia é um discurso construído sobre o real, por mais que se procure a objetividade deste discurso na razão, que no caso da matéria jornalística procura ser garantida pela Matemática ou pela Estatística.

Como discurso, a mensagem jornalística (e todas as outras) terá sempre uma mo-tivação política ou ideológica, mesmo que legitimada pelos números, porque “não é possível o acesso ao real, sem um recorte ideológico, sem atribuir valores aos aconteci-mentos [...].” (Hernandes, 2006:23).

A nossa apreensão do real é sempre filtrada pela nossa visão de mundo e o jornal e o jornalista não estão isentos desse processo. A objetividade e a neutralidade jornalís-ticas são utopias, que procuram esconder do receptor da mensagem que a notícia é o resultado de uma filtragem da realidade, a partir dos valores do jornal (e do jornalista), que, como agentes sociais, atuam de acordo com as crenças, interesses e valores dos grupos aos quais pertencem e representam. Isso não pode ser mudado pela quantifica-ção da notícia, através da linguagem matemática.

A linguagem do espetáculo constitui-se por “[...] signos da produção reinante, que são ao mesmo tempo a finalidade última desta produção.” (Debord, 1991:11). A reali-dade traduzida em signos converte-se em imagem e esta confunde-se com o real, ou melhor, é percebida pelo indivíduo como a objetivação da própria realidade. Por isso, na sociedade do espetáculo, o olhar tem a primazia sobre todos os outros sentidos hu-manos, para que a abstração generalizada, a imagem do real seja a forma de “[...] fazer ver por diferentes mediações especializadas o mundo que já não é directamente (sic) apreensível [...]”. (Debord, 1991:15)

Mas, no mundo do espetáculo, como são estruturadas as notícias? Como um fato da realidade é elevado à categoria de “fato jornalístico”? Marcondes Filho (2002) afirma que o clichê é a alma da notícia. Para ele, um jornalista determina se um fato é ou não notícia, se este tiver algo de espetacular ou sensacional, se tiver emoção e tes-temunho. Para ser notícia um fato deve ser um “[...] acontecimento excepcional, raro, sem precedente, único, de marcar época”. (Marcondes Filho, 2002:117). O fato deve ser um espetáculo para ser notícia.

O jornalista passa a ser um “juiz de valores”, um mediador entre o fato real e o indivíduo. Para cumprir esse papel, o mais fácil para ele é escolher os clichês, as fórmulas prontas, os estereótipos sobre as coisas ou as pessoas. “O princípio de seleção é a busca do sensacional, do espetacular.” (Bourdieu apud Marcondes Filho, 2002:117)

O clichê é a espetacularização da notícia. Mas como manter o mito da transpa-rência, da neutralidade e da independência, de jornalistas e seus veículos, perante o público? Como garantir que o mundo pré-concebido se encaixe na realidade? Tomando posse de outro discurso universalmente conhecido e tido como neutro, objetivo e preci-so: a matemática. A linguagem matemática facilita e reforça os mitos de transparência, neutralidade e independência do discurso jornalístico, principalmente se estiver sobre

Genilda Alves de Souza

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18 Revista Communicare

a forma de pesquisas de opinião. Não é mais o jornalista dizendo a “sua verdade”. Trata-se do jornalista informando a “verdade” para o seu público, traduzida nos números da pesquisa, na “opinião da maioria”.

O excesso de estatísticas no jornalismo também serve para encobrir a superficia-lidade causada pela pressa. Pressionado pelo tempo, o jornalista produz a notícia com menos rigor. Não tem mais tempo de pesquisar com profundidade ou consultar diversas fontes antes de escrever a notícia.

[...] A tendência da imprensa escrita de multiplicar as sondagens como modo de apreensão das reações da opinião pública, [...] conduz à mesma despossessão do papel de mediador principal, através da qual o jornalista se encontra reduzido a uma simples função de comentador dos resultados de uma operação, e que deixou de lado o trabalho tradicional de pesquisa de informação, de tratamento, de análise e de reflexão sobre uma situação. (Charon apud Marcondes Filho, 2002:74)

O discurso jornalístico busca uma objetividade mítica, ideologizada e impossível de alcançar. A imprensa faz de tudo para esconder de seus públicos, que a formação da opinião, incluída a do jornalista e seu veículo, é social e histórica e portanto, não pode ser neutra. “O espetáculo na sociedade corresponde a um fabrico concreto da alienação.” (Debord, 1991:22). A quantificação da informação, feita pela mídia, corrobora e amplifi-ca esta alienação do indivíduo. Este, por confiar e acreditar no discurso matemático, vê na notícia baseada em números e estatísticas, a representação de uma verdade inques-tionável. Não consegue perceber que a notícia assim fabricada é apenas uma representa-ção da realidade. Uma manipulação do real transformado em notícia espetacularizada.

Como são feitas as pesquisas eleitorais

Uma pesquisa de opinião é um levantamento estatístico, de uma amostra particular, so-bre uma determinada população. Ela tem como objetivo medir a opinião de um grupo de pessoas sobre um determinado assunto e então se generalizam os dados encontrados na amostra para a população, respeitando-se a margem de erro e o intervalo de confiança da pesquisa. As pesquisas, na medida em que medem a opinião pública, ganham importân-cia porque podem expressar aspectos latentes do conjunto dos pensamentos individuais e assim da própria sociedade. São ferramentas importantes e eficazes para o conheci-mento da opinião e do comportamento dos grupos, entre outros aspectos, e possibilita-nos entender como se manifestam os aspectos individuais dentro do grupo social.

Mas como podemos saber se os resultados de uma pesquisa de opinião são confiá-veis? Para responder, tomamos como referência os conceitos apresentados por Alberto Carlos Almeida (2003) que dividiu as informações básicas, as mais importantes sobre uma pesquisa, em dois grupos: as informações metodológicas, que dizem respeito aos

A influência das pesquisas eleitorais na decisão de voto

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Volume 11 – Nº 2 – 2º Semestre de 2012 19

métodos e aos procedimentos usados na pesquisa e as não metodológicas, tão impor-tantes quanto as primeiras, e que se referem, de maneira geral, a fonte dos dados, pa-trocínio, data do trabalho de campo, entre outros aspectos. Para melhor entendimento, vejamos uma síntese dos conceitos desenvolvidos pelo autor:

a) Aspectos metodológicos da pesquisa: dizem respeito aos dados sobre a amostra, o questionário e o trabalho de campo.

1) Sobre a amostra devemos saber a que população se refere; que fontes e infor-mações prévias foram usadas para a formulação da amostra; qual a técnica de amostra-gem usada; o tamanho da amostra (número de entrevistas) e a proporção feita em cada estrato da população: região, sexo, idade, escolaridade, etc.; qual a margem de erro e o intervalo de confiança da pesquisa.

2) Sobre o questionário da pesquisa é importante saber que perguntas foram fei-tas; se as perguntas eram abertas ou fechadas; que opções de respostas (alternativas) o entrevistado tinha nas perguntas fechadas; qual o grau de complexidade das perguntas e a terminologia usada; qual a ordem das perguntas no questionário; se havia discos ou cartões, para que o entrevistado escolhesse as alternativas, e qual era o seu formato; quanto tempo levou a aplicação do questionário.

3) Sobre o trabalho de campo é preciso saber o perfil dos entrevistadores e como eles foram selecionados e treinados; qual o sistema de controle do trabalho de campo e como se procede a checagem das entrevistas; qual o percentual de erros cometidos du-rante a coleta de dados; como foram aplicados os questionários: na rua ou no domicílio.

b) Os aspectos não metodológicos são: data de realização da pesquisa, para avaliarmos se os seus resultados ainda são válidos; quem contratou a pesquisa; quem fez a pesquisa, o Instituto responsável; se a pesquisa foi feita para ser publicada (para as eleitorais há uma legislação que obriga a sua publicação); quantas pesquisas o Instituto está fazendo ao mesmo tempo, para medirmos a qualidade do trabalho de campo.

Embora Almeida apresente uma lista extensa sobre as informações básicas refe-rentes às pesquisas de opinião, elas são fundamentais para avaliarmos a sua qualidade, o seu grau de confiabilidade e a representatividade de seus resultados. No entanto, a grande maioria destas informações não é repassada pela mídia impressa aos seus leito-res com as justificativas: “a matéria ficaria muito grande”, “os dados são muito técnicos e o leitor não vai se interessar por isso”, “as notícias estão submetidas a critérios de tempo e espaço do jornal” e vários outros argumentos. Mas essas explicações, embora verdadeiras, não justificam a ausência de dados importantes, que dariam condições ao leitor de julgar a qualidade da informação recebida. Afinal, a imprensa como uma das instituições mais respeitadas pelo público brasileiro tem a obrigação de cumprir este papel: o de colocar à disposição do leitor as informações necessárias, para que ele possa

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construir sua própria opinião.Os jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo publicaram diversas matérias

sobre as pesquisas eleitorais, para a Presidência da República, em 2010, no primeiro e no segundo turno.

Tabela 01- Número de matérias publicadas nos jornais sobre pesquisas eleitorais para presidente da República – Período de julho a outubro de 2010

Fonte: jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo.

Nas 36 matérias publicadas, sobre os resultados das pesquisas eleitorais, não en-contramos as informações sugeridas por Almeida para melhor esclarecimento do leitor. Em geral, os jornais informam o Instituto que realizou a pesquisa, a data da realização do trabalho de campo, o número de municípios pesquisados (mas não quais), o número de entrevistas feitas, a margem de erro da pesquisa e o número de registro da pesquisa no TSE. Informam-se, parcialmente, apenas aqueles dados obrigatórios por lei para a divulgação dos resultados das pesquisas eleitorais (ver figuras 1 e 2).

A influência das pesquisas eleitorais na decisão de voto

JornalNúmero de matérias

1º Turno/2010 2º Turno/2010

Folha de S. Paulo 11 07

O Estado de S. Paulo 11 07

Total 22 14

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Genilda Alves de Souza

Fonte: pesquisa Datafolha realizada nos dias 8 e 9 de setembro, com 11.660 eleitores em 414 mu-nicípios, com margem de erro máxima de 2 pon-tos. O levantamento está registrado no Tribunal Superior Eleitoral com o número 28809/2010

Figura 01- Matéria do jornal Folha de S. Paulo

Fonte: Folha de S. Paulo de 11/09/2010

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A influência das pesquisas eleitorais na decisão de voto

Fonte: O Estado de S. Paulo de 21/10/10

Figura 02- Matéria do jornal O Estado de S. Paulo

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O brasileiro, as pesquisas eleitorais e o voto

A opinião pública pode ser definida como “[...] todo fenômeno que, tendo origem em um processo de discussão coletiva e que se refira a um tema de relevância pública [...] esteja sendo expresso publicamente, seja por sujeitos individuais em situações diversas, seja em manifestações coletivas” (Figueiredo, Cervellini, 1995:116). A opinião pública assim concebida tem um aspecto plural. Assim, não existe uma, mas várias formas de se identificar à opinião. Ela “[...] se expressa através dos grupos organizados, [...] das pesquisas, das eleições, [...] dos meios de comunicação, etc. Nesse sentido, a opinião pú-blica não designa apenas uma coisa, mas várias. Isso porque a coletividade também não tem uma única forma de se manifestar, mas diversas” (Figueiredo, Cervellini, 1995:115).

Para Sauvy (1966), a opinião pública constrói-se a partir das informações que o in-divíduo ou o grupo têm dos fatos e das situações às quais são expostos cotidianamente, e “a recepção é diferente, pois indivíduos registram os fatos diferentemente, como indi-víduos e como partes de um conjunto.” (Sauvy, 1966:28). Para o autor, a opinião pública pode ser classificada de quatro formas distintas:

a) A opinião claramente expressa, às vezes anunciada com alarde;b)A opinião oral, por vezes sussurrada, como a fornece o boato;c) O sufrágio universal, o referendum, ou a sondagem de opinião;d)O referendum ou a sondagem com voto obrigatório. (SAUVY, 1966:10)

As pesquisas eleitorais dedicam-se a levantar a tendência de voto dos eleitores e medem as formas de opinião descritas nos itens c e d, de acordo com a classificação de Sauvy. A intenção e a decisão de voto são fenômenos complexos para os quais concor-rem muitas causas: identidade partidária, imagem dos candidatos, avaliações políticas e econômicas, variáveis demográficas, sociais, culturais e geográficas. Além disso, um fator importante e muitas vezes decisivo é a conjuntura em que se dá a eleição (o quadro eleitoral) que se pretende analisar.

Para Almeida (2008), o eleitor médio tem pouquíssima informação sobre o que acontece na política. Aquilo que lembra sobre os candidatos, os partidos e o processo eleitoral de conjunto está sempre “cheio de ruídos e muito truncado”. Na verdade, o eleitor brasileiro, ao se relacionar com a política, parte de grandes emblemas e símbo-los. Para o autor, as pesquisas de opinião são a chave para o entendimento da cabeça do eleitor e das suas escolhas nos processos eleitorais, porque a opinião pública obedece a padrões. “Não é aleatória, irregular ou ilógica” (Almeida, 2008:31). As estatísticas elei-torais demonstram que um dos elementos centrais na decisão de voto do brasileiro é a avaliação do governo anterior, tanto nas reeleições quanto na sucessão dos governantes. A avaliação do governo anterior é mais importante do que as ações de marketing e de publicidade e, até mesmo, do que o próprio candidato, vide a eleição de Pita à prefeitura de SP, em 1996, sucedendo Paulo Maluf.

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Almeida elege seis fatores que formam a lógica de escolha do eleitor brasileiro e afirma que as eleições são previsíveis, porque a decisão de voto obedece a uma lógica na cabeça do eleitor. Vejamos os fatores:

1. A avaliação do governo;2. A identidade dos candidatos;3. O nível de lembrança (recall) dos candidatos;4. O currículo dos candidatos e se eles o utilizam para mostrar ao eleitor que podem resolver o principal problema que aflige o eleitorado;5. O potencial de crescimento dos candidatos, que combina a rejeição de cada um deles com seu respectivo nível de conhecimento;6. E o fato de não ser possível contar com os apoios, ou seja, popularidade e simpatia não se transferem. (Almeida, 2008:19)

Nas eleições de 2010, o presidente Lula, que deixou o cargo com cerca de 80% de avaliação positiva, conseguiu eleger o seu sucessor. Aparentemente uma contradição com o que diz Almeida no item seis de que “[...] popularidade e simpatia não se transferem.”

[...] Isso é muito diferente da seguinte situação: um governante popular que não pode disputar a reeleição indica e pede votos para um sucessor. Se esse governo for muito bem avaliado, o indicado torna-se o franco favorito na eleição. Não se trata aqui de transferência de popularidade ou de simpatia, mas de aprovação do governo. O eleitor decide eleger o candidato indicado pelo governante popular porque é esse candidato quem dará continuidade ao governo bem avaliado. (Almeida, 2008:21)

Não devemos confundir a transferência de voto com desejo de continuidade. Nas eleições de 2010, o que primou para a escolha de Dilma Roussef foi o desejo de conti-nuidade do eleitorado, que avaliava muito bem o governo Lula. Nestes casos, o voto será decido pelos seguintes fatores:

1) Um governo com boa avaliação, que tenha recebido, por exemplo, 60% de ótimo e bom; 2) um candidato governista de carteirinha, que tenha sua identidade muito clara para o eleitor; 3) ter grande popularidade com o eleitorado; 4) reunir um bom número de realizações concretizadas; 5) prometer resolver o principal problema da população; 6) não ter nenhum motivo para ser rejeitado pelo eleitorado.Consequência: esse candidato não tem como perder uma eleição. (Almeida, 2008:21)

Ao que tudo indica, esses foram os fatores predominantes na eleição para Pre-sidente em 2010. O Presidente Lula tinha, segundo pesquisa Ibope de 24/09/10, 80% de avaliação ótima e boa e seu governo tinha 87% de avaliação positiva. Dilma Roussef era reconhecida por 92% dos entrevistados, na mesma pesquisa, como a candidata do Presidente Lula. A intenção de voto para a candidata Dilma era de 50%. O carro chefe da campanha eleitoral de Dilma foram as obras do PAC e a solução dos problemas de saú-

A influência das pesquisas eleitorais na decisão de voto

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de no País, que era a primeira preocupação do eleitor brasileiro, na época das eleições. Mesmo com as denúncias de corrupção envolvendo uma de suas assessoras diretas, 69% dos entrevistados diziam que não pretendiam mudar seu voto e 24% achavam que Dilma estava agindo de forma mais correta do que Serra, em relação às denúncias de corrupção contra a ex-ministra Erenice Guerra (Ibope, 2010). Consequência: Dilma Roussef foi eleita Presidente do Brasil em 2010.

No primeiro turno, em todo o País, Dilma teve 47.651.434 votos (46%) e Serra 33.132.283 votos (33%). Em SP capital, Serra obteve 2.677.318 votos (40%) e Dilma 2.532.225 votos (38%). No segundo turno Dilma teve 55.752.529 votos (56%) e Serra 43.711.388 (44%), sobre os votos válidos, elegendo-se Presidente da República.

A influência das pesquisas eleitorais sobre o eleitorado

A cada dois anos ocorrem eleições no Brasil, e invariavelmente assistimos a dois de-bates: um sobre a influência das pesquisas eleitorais sobre o eleitor e o outro sobre os “erros” dos institutos de pesquisa. Os candidatos, os partidos, as empresas de pesquisa e a mídia travam uma batalha em torno dos dois temas, sem que se chegue a uma con-clusão. Afinal, há alguma influência das pesquisas de opinião sobre a escolha do eleitor? As pesquisas eleitorais conseguem prever os eleitos? Antes de respondermos a estas questões é importante estabelecermos alguns conceitos sobre as pesquisas eleitorais e o seu papel em uma campanha.

Nas eleições, trabalhamos com informação, ou melhor, com a possibilidade de ter as melhores informações possíveis sobre o eleitorado e a sua intenção de voto. Um partido ou candidato que conta com as melhores informações (e muito dinheiro) são aqueles que estarão mais capacitados a vencer uma eleição. Não há mágica ou sorte nos processos eleitorais. O que existe é um conjunto de ferramentas, dentre elas as pesqui-sas eleitorais, que possibilitam conhecer previamente as intensões e opiniões do elei-torado, para que o marketing e a publicidade possam apresentar o melhor produto no “mercado” eleitoral, o candidato.

As pesquisas de opinião (e as eleitorais) são esta ferramenta que permite chegar, com o maior nível de precisão possível, a conhecer a intenção de voto do eleitorado. A imprensa, os partidos e seus candidatos, mas também os eleitores querem saber “quem está à frente nas pesquisas”. O tema consome grande parte das discussões sobre as elei-ções, por isso os jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo publicaram 36 matérias sobre os resultados das pesquisas eleitorais (ver tabela 01), entre julho e outubro de 2010, período da campanha eleitoral para Presidente da República, no primeiro e no segundo turno das eleições.

Os estudos sobre a influência das pesquisas eleitorais sobre a decisão de voto não são conclusivos, embora a maioria dos autores que se debruçam sobre o tema afirme

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que, se ela existe, é muito pequena. O instituto Datafolha fez, em 2001, uma pesquisa, com eleitores, para saber a opinião deles sobre as pesquisas eleitorais e a influência que elas tinham sobre a intenção de voto dos entrevistados. Os resultados encontrados foram os seguintes:

[...] 39% dizem que as pesquisas eleitorais não são confiáveis. [...] 30% dos que não confiam em resultados de pesquisas eleitorais, acreditam que os Institutos manipulam os resultados. [...] O grau de desconfiança nas pesquisas eleitorais aumentou, em média, 40% de 1994 para 2001[...]¹

Nestes dez anos houve uma mudança na relação do brasileiro com as pesquisas de opinião e isso pode ser comprovado por um estudo apresentado no Congresso Brasilei-ro de Pesquisa de Mercado, Opinião e Mídia, por Marangoni e Silva, com uma amostra de 500 pessoas, que chegou aos seguintes resultados:

1. 78% dos entrevistados afirmou que dá atenção aos resultados de pesquisas du-rante a campanha eleitoral;

2. 70% consideram as reportagens sobre as pesquisas eleitorais interessantes por-que são importantes para o governo (86%); os resultados são próximos ao resultado final (74%); confiam que as empresas respeitam a privacidade do entrevistado (64%); gostam de comparar as suas opiniões com os resultados das pesquisas (64%) e não acreditam nos resultados (25%);

3. A percepção da pesquisa é favorável, porque dá às pessoas a oportunidade de expressar a sua opinião (89%); as pesquisas têm um propósito útil (86%) e que responder a pesquisa é uma experiência interessante (69%), entre outros resultados encontrados.

Para Lavareda (2009) o impacto da divulgação das pesquisas eleitorais sobre os eleitores seria indireto “[…] e essa influência é maior quando a mídia faz delas a espinha dorsal da cobertura do processo eleitoral.” (Lavareda, 2009:69)

O autor cita um comentário de George Gallup de que a influência indireta das pesquisas eleitorais se dá através de três Ms: money, mídia e moral. Primeiro, um can-didato que está na frente nas pesquisas eleitorais tende a receber mais contribuições financeiras (money), o que acaba fazendo com que os outros candidatos consigam me-nos recursos para as suas campanhas. Segundo, o candidato que lidera as pesquisas tem mais espaço na mídia, porque é o preferido do eleitorado, o que acaba lhe dando mais credibilidade e lembrança por parte do eleitor. Terceiro, o ânimo dos apoiadores e assessores da campanha aumenta ou diminui (moral) de acordo com o desempenho do candidato nas pesquisas eleitorais.

A influência das pesquisas eleitorais na decisão de voto

¹Pesquisa Datafolha de 2001, sobre pesquisas eleitorais. Dados retirados do site www.datafolha.com.br.

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A decisão de voto

Muitos são os estudos das ciências sociais, da psicologia, do marketing e da publicidade sobre a decisão do voto. Para Almeida (2008) existem nove variáveis que explicam as influências sobre a decisão de voto de uma pessoa. São elas:

1. Predisposições individuais: a visão de mundo de cada um – ao escolher um candidato, o indivíduo vai usar os seus valores e crenças, isto é, os fatores sociais e psicológicos que o determinam;

2. Preferência partidária – mesmo com o baixo nível de adesão dos brasileiros aos partidos (diferentemente dos Estados Unidos ou da Europa), este elemento também causa influência sobre o voto;

3. Avaliação do desempenho do governo – os eleitores tendem a votar em go-vernos bem avaliados (pela continuidade), assim como tendem a rejeitar governos mal avaliados;

4. Propostas dos candidatos e dos partidos – aqui se manifesta a influência da propaganda política e partidária sobre o eleitor. Atrairá o voto aquele partido e/ou can-didato que melhor conseguir representar os interesses e as preocupações dos eleitores em sua proposta de governo;

5. Nível de informação política – o eleitor bem informado sobre política exige mais de seus representantes e tende a ser mais crítico sobre o governo. Estes dois ele-mentos acabam influenciando o voto de forma inversa: quem tem menos informação política avalia melhor o governo e aqueles que têm mais informação política identificam melhor os candidatos e partidos que melhor representam a sua visão de mundo;

6. Pertencimento a redes sociais: a influência de parentes, amigos e colegas de trabalho – essa é uma variável que sempre aparece nas pesquisas de opinião sobre a influência do voto. No Brasil, por causa da baixa adesão aos partidos, acaba tendo peso a opinião das pessoas mais próximas ao eleitor, como seus parentes e amigos;

7. Imagem do candidato – é outro aspecto em que a propaganda eleitoral incide qualitativamente: a construção da imagem dos candidatos de acordo com sua estratégia eleitoral, para que ele seja reconhecido e o escolhido pelo eleitor. Alguns exemplos são emblemáticos: Getúlio o “pai dos pobres”, Collor “o caçador de marajás”, Lula o “homem do povo” e Dilma a “mãe do PAC”;

8. Representatividade social de partidos e candidatos e dinâmica eleitoral – o eleitor pode ser levado a escolher candidatos que representem setores aos quais ele pertença ou com que se identifique: o candidato trabalhador, a bancada evangélica ou ruralista, o candidato socialista, etc. Em relação aos partidos, Almeida afirma que “o eleitor tende a escolher as agremiações políticas já estabelecidas e que são suas velhas conhecidas.” (Almeida, 2008:112);

9. Status socioeconômico – as variáveis mais importantes nas pesquisas eleito-

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rais são segundo Almeida: renda, escolaridade, local de moradia e ocupação. No entan-to, outras variáveis podem vir a interferir no voto. Nas eleições de 2010, teve muito peso a questão religiosa e a posição dos candidatos sobre o aborto e a homossexualidade.

Estas são as variáveis estruturais e conjunturais que influenciam a escolha do elei-tor. As pesquisas eleitorais se tiverem alguma influência sobre a decisão de voto, será um fenômeno conjuntural e mesmo assim ele terá que ser provado. Almeida apresenta alguns pressupostos básicos para que uma pesquisa eleitoral de fato influencie o eleitor:

[…] Primeiro, o eleitor tem que ter acesso ao resultado das pesquisas e não duvidar de sua veracidade. Em seguida, no balanço das informações recebidas durante uma campanha eleitoral, ele tem de considerar a pesquisa mais importante do que outras informações substantivas que orientam seu julgamento de valor sobre os candidatos e os partidos. As alternativas são: considerar as pesquisas tão importantes quanto as demais informações, mas sem saber o peso relativo de cada uma; ou supor um eleitor completamente indiferente em relação a uma ou mais candidaturas, tomando a decisão orientado pelas chances depreendidas a partir de resultados de pesquisas. (Almeida, 2008:117)

Todos os pressupostos levantados por Almeida demonstram a grande dificuldade para que as pesquisas eleitorais influenciem decisivamente a escolha do eleitorado, na medida em que são muitas as variáveis que teriam que concorrer para que a influência se desse de forma qualitativa, determinando a decisão de voto. Estudos feitos nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha procuraram verificar cientificamente os efeitos das pesquisas eleitorais na decisão de voto, mas não foram conclusivas. Como exemplo, podemos citar uma pesquisa realizada na Inglaterra por McAllister e Studlar. Os dois pesquisadores introduziram três perguntas nos surveys eleitorais nos anos de 1979, 1983 e 1987: a) se o entrevistado havia tido acesso a algum resultado de pesquisa; b) em caso afirmativo, se o entrevistado sabia quem estava na frente e quem estava atrás nas pesquisas; e c) em que medida o resultado havia alterado sua intenção de voto. Os resultados foram os se-guintes: 68% (em 1979), 67% (em 1983) e 74% (em 1987) tinham tido acesso aos dados de pesquisas eleitorais. Aqueles que admitiram terem sido influenciados pelos resultados, em cada ano, foram 4%, 4% e 9%, respectivamente. (Almeida, 2008). Embora o estudo de McAllister e Studlar tenha apontado um pequeno percentual de eleitores que admitiram ter decidido ou mudado de voto por causa das pesquisas eleitorais, isto não é qualitativo frente à eleição de conjunto e a escolha da maioria dos eleitores. Uma situação como esta só teria um peso qualitativo, no caso de eleições muito disputadas, em que os candidatos estão tecnicamente empatados na preferência dos eleitores. O que se pode afirmar é que os estudos sobre a influência das pesquisas na decisão de voto não são conclusivas.

A conclusão (com o que temos de avanços científicos até o momento) é que há indícios fracos de que as pesquisas influenciam diretamente o eleitor. […] É fato que existe influência indireta, pois os principais candidatos apontados pelas pesquisas têm mais espaço na mídia, conseguem mais recursos, animam mais facilmente os seus partidários.

A influência das pesquisas eleitorais na decisão de voto

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Em geral eles são também os candidatos dos principais partidos, que provavelmente fariam isso de qualquer maneira. Mas não é fato comprovado que haja influência direta sobre o eleitor. Assim, muito do que se discute sobre as eleições baseia-se numa crença que, por enquanto, não encontra fundamentação científica sólida. (Almeida, 2008:124)

Almeida concorda com Lavareda em que a influência real que os resultados das pesquisas eleitorais exercem sobre os eleitores é indireta e se relaciona com a capacida-de de cada campanha de arrecadar dinheiro, projetar seus candidatos na mídia e animar os correligionários.

Os erros e os acertos das pesquisas eleitorais em 2010

O segundo grande debate que atravessa uma campanha eleitoral, seja ela qual for, é so-bre os erros e acertos das pesquisas eleitorais.

A primeira coisa que precisa ser dita é que toda pesquisa tem erro – a margem de erro – e isso é determinado previamente e informado ao eleitor. A Estatística preocupa-se apenas em minimizar ao máximo o erro estatístico, já que entende que eliminá-lo é impossível, na medida em que a única pesquisa sem margem de erro seria aquela que conseguisse entrevistar todos os elementos de uma população estudada. Isso é muito dif ícil, seja em populações grandes ou pequenas.

A segunda coisa que devemos afirmar é que as pesquisas erram, isto é, há resulta-dos encontrados que podem estar errados, além da margem de erro prevista e controlada pelo pesquisador. Em todo o processo que envolve a realização de uma pesquisa, podem ocorrer erros em todas as suas etapas: na escolha da população e de seus estratos, na or-ganização da amostra (margens de erro muito grandes ou amostras sem representativi-dade em relação à população), na elaboração do questionário (perguntas mal formuladas ou tendenciosas), no trabalho de campo (entrevistadores inexperientes), na análise e na interpretação dos resultados, entre outros erros que podem ocorrer, inclusive a fraude.

A história das pesquisas no Brasil é marcada por mais acertos do que erros na di-vulgação de seus resultados. As críticas que se fazem aos Institutos de Pesquisa, em geral são baseadas no senso comum e são feitas pelos políticos e seus partidos, quando os re-sultados apresentados não lhes agradam. É comum ouvir argumentos que questionam a credibilidade das pesquisas eleitorais (e outras). O exemplo mais comum é ouvirmos a seguinte afirmação: “nunca fui entrevistado e nem conheço alguém que tenha sido”, um argumento aparentemente poderoso, na medida em que é muito dif ícil encontrar um entrevistado em uma população de milhões de eleitores, quando a amostra da pesquisa eleitoral é, em geral, de cerca de 2.000 pessoas. A desconfiança e a descrença nas pesqui-sas eleitorais é no mínimo intrigante, já que este tipo de pesquisa é a única que pode ser comprovada, categoricamente, pelos resultados das eleições. Vejamos o quadro compa-

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rativo (Tabela 02) entre os resultados das pesquisas eleitorais do Ibope e do Datafolha e os resultados finais apurados pelo TSE, nas eleições presidenciais de 2010.

A metodologia usada pelo Ibope e o Datafolha para a realização de todas as pes-quisas eleitorais em 2010 foi a mesma: margem de erro de 2%, para mais ou para menos, considerando um nível de confiança de 95%. Foram usados os resultados de intenção de voto das respostas estimuladas, em cada uma das pesquisas analisadas, tanto do Da-tafolha quanto do Ibope. Os dados divulgados pelo TSE, e usados nesta pesquisa, são o percentual de votos válidos para os dois candidatos, tanto no primeiro quanto no segundo turno.

Tabela 02 - Comparação entre os votos válidos das pesquisas eleitorais e os resul-tados do TSE, nas eleições presidenciais de 2010

Fonte: Datafolha, Ibope e TSE, 2010.

A partir da avaliação dos votos válidos podemos concluir:

1. Os dois Institutos erraram nos resultados da intenção de voto de Dilma no primeiro turno: 50% para o Datafolha, 51% para o Ibope, sendo 46% o resultado oficial do TSE, porque suas previsões ficaram acima da margem de erro de 2%;

2. Os dois Institutos acertaram a intenção de voto de Serra no primeiro turno: 31% para o Datafolha, 31% para o Ibope e 33% foi o resultado oficial do TSE, porque a variação ocorrida entre os resultados das pesquisas e do TSE, de 2%, está dentro da margem de erro;

3. Os dois Institutos acertaram quanto aos resultados da intenção de voto dos dois candidatos no segundo turno: Dilma, 55% (Datafolha) e 56% (Ibope), sendo o re-sultado final, do TSE, de 56% dos votos válidos. Serra, 45% (Datafolha) e 44% (Ibope),

A influência das pesquisas eleitorais na decisão de voto

Datafolha - 1° e 2° Turnos

Ibope - 1° e 2° Turnos

TSE

02/10 30/10 02/10 30/10 1º Turno 2º Turno

Dilma 50 55 51 56 46 56

Serra 31 45 31 44 33 44

Candidato Votos Válidos - %

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sendo a sua votação final de 44% dos votos válidos, segundo o TSE;4. Os dois Institutos acertaram as duas principais tendências de intenção de voto

do eleitorado em 2010: a vitória de Dilma e a existência do segundo turno nas eleições presidenciais.

5. Os dois Institutos acertaram sobre qual dos dois candidatos ganharia as elei-ções presidenciais de 2010: Dilma.

Após a divulgação dos resultados oficiais pelo TSE, voltou-se novamente ao de-bate sobre a validade das pesquisas eleitorais e sua capacidade de prever resultados. Márcia Cavallari, CEO do Ibope Inteligência, escreveu um artigo no jornal O Estado de S. Paulo, respondendo à polêmica:

De fato, as pesquisas não são infalíveis. Mas será que aconteceram mesmo tantos erros? […] Ainda assim, existem comparações equivocadas baseadas nos números totais de intenção de voto, quando a leitura correta deveria ter o cuidado de olhar as intenções de votos válidos, ou seja, descontados brancos e nulos. […] Previmos corretamente 97% das intenções de voto apuradas nas pesquisas realizadas na véspera da eleição e na boca de urna, num conjunto de 521 candidaturas. Na eleição presidencial, o IBOPE acertou a posição dos candidatos e a possibilidade de realização do 2º turno. Houve, contudo, uma diferença fora da margem de erro no percentual obtido por Dilma, tanto na pesquisa da véspera como na da boca de urna. Entre os diversos fatores considerados, acreditamos que dois tiveram maior peso para essa diferença:- A abstenção proporcionalmente maior entre eleitores com nível socioeconômico mais baixo e que, conforme mostram todas as pesquisas anteriores, davam uma vantagem muito maior para Dilma frente aos concorrentes;- Foi uma eleição complexa, com muitos cargos para o eleitor votar, o que pode ter gerado erro dele ao registrar seu voto, anulando-o involuntariamente. [...] (Cavallari, 2010) (grifos nossos)

O primeiro argumento usado por Cavallari, para justificar os erros nos resultados das pesquisas, às vésperas do segundo turno, não nos parece correto. A pesquisadora afirma que houve uma abstenção maior entre os eleitores que mais votavam em Dilma. Sendo assim, ela deveria ter tido menos votos e não mais, como mostraram os resulta-dos finais do TSE, na comparação com as pesquisas eleitorais, do Ibope e do Datafolha. O segundo argumento parece-nos correto, e faz parte dos elementos conjunturais aos quais toda pesquisa de opinião está sujeita: o real comportamento do eleitor ou do con-sumidor, no dia da eleição ou na compra de um produto. Uma coisa é a intenção de voto (ou de ir votar) e outra bem diferente é o comparecimento às urnas e o voto real dado a cada candidato pelo eleitor.

Embora as pesquisas eleitorais sejam uma excelente ferramenta de análise da in-tenção de voto do eleitor, não podem ser vistas como um “oráculo” infalível. Como foto-grafia do momento em que foi realizada a pesquisa, seus resultados sempre devem ser

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encarados como relativos e nunca como verdades absolutas, como faz crer a divulgação da mídia e as campanhas dos candidatos e seus partidos. Almeida propõe que as pesqui-sas de opinião e eleitorais sejam avaliadas “racionalmente porque, na maioria das vezes, as avaliações são tendenciosas, emocionais e carregadas de partidarismo.” (Almeida, 2008:249). Análises carregadas de subjetividade tendem a ser negativas. Afinal, apenas um candidato vence as eleições majoritárias em qualquer país. No entanto, concorda-mos com a avaliação feita pela CEO do Ibope, Márcia Cavallari, de que as pesquisas eleitorais têm mais acertos do que erros, o que pôde ser comprovado em 2010, mesmo com os erros cometidos pelos Institutos (e reconhecidos por estes) e toda a polêmica gerada em torno disso, que voltará a acontecer nas próximas eleições, na medida em que pesquisadores, candidatos e jornalistas trabalham com lógicas diferentes e o eleitor ainda tem muita desconfiança dos resultados das pesquisas eleitorais.

Resultados da pesquisa com eleitores paulistanos

Nas eleições de 2010, estavam aptos a votar 135.804.433 eleitores, em todo o Brasil e no exterior. Os cargos em disputa totalizavam 1.789, distribuídos da seguinte forma: Presidente (1 vaga) e Vice (1 vaga), Governador (27 vagas) e Vice (27 vagas), Senadores (54 vagas) e Suplentes (108 vagas), Deputado Federal (513 vagas) e Deputado Estadual (1.058 vagas). Foram 22.554 candidatos, distribuídos em 27 partidos. (TSE, 2010)

O perfil geral do eleitor brasileiro (dados do TSE/2010) podia ser definido como uma pessoa do sexo feminino (52%), que estava na faixa etária dos 25 aos 59 anos (67%), cursou ou cursava o ensino fundamental (41%) e era solteira (65%).

O eleitor médio paulistano (dados TSE/2010) também era do sexo feminino (53,5%), estava na faixa etária dos 25 aos 59 anos (68%), cursou ou cursava o ensino médio (41%) e era solteira (63%).

O eleitor paulistano tem um grau de escolaridade superior ao restante do Brasil. Enquanto que o analfabetismo no País é de 14,5% e apenas 4% cursou ou cursa o ensi-no superior, na capital de São Paulo, 7% da população é analfabeta e 8% cursaram ou cursam o ensino superior. Em relação aos demais itens analisados não há uma diferença qualitativa entre os eleitores paulistanos e os eleitores brasileiros.

A pesquisa foi feita com os eleitores da cidade de SP, que tinham ou não definido o voto para presidente da república, de ambos os sexos, pertencentes a qualquer classe social e com idades acima de 16 anos.

A amostra usada na pesquisa foi probabilística, estratificada por sexo, com 55 participantes e composta por eleitores (as) definidos e indefinidos quanto ao voto para Presidente da República. A todos os entrevistados (as) foi aplicado um questionário pessoal, estruturado, com perguntas abertas e fechadas para medir: a) o perfil demo-gráfico do entrevistado; b) o grau de compreensão do resultado da pesquisa eleitoral;

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c) a importância que o eleitor dá ao resultado apresentado e d) a influência da pesquisa eleitoral na intenção de voto. As entrevistas foram realizadas entre os meses de agosto e setembro de 2010, durante o período oficial da campanha eleitoral para presidente da República. Os resultados encontrados foram os seguintes:

a) Quanto à idade, 46% dos entrevistados tinham entre 30 e 49 anos, 31% tinham de 16 a 29 anos e 22% tinham mais de 50 anos. Entre as mulheres, 39% tinham de 30 a 49 anos, 35% tinham de 16 a 29 anos e 23% tinham mais de 50 anos. Entre os homens, 52% tinham de 30 a 49 anos, 27% tinham de 16 a 29 anos e 12% tinham mais de 50 anos.

b) Quanto à renda familiar, 45% dos entrevistados tinham uma renda superior a cinco salários mínimos, 31% tinham renda familiar entre 2 e 5 salários mínimos e 24% ganhavam até 2 salários mínimos. Entre as mulheres, 42% tinham uma renda familiar superior a 5 salários mínimos, 31% tinham renda familiar entre 2 e 5 salários mínimos e 27% ganhavam até 2 salários mínimos. Entre os homens, 48% tinham uma renda fa-miliar superior a 5 salários mínimos, 31% tinham renda familiar entre 2 e 5 salários mínimos e 13% ganhavam até 2 salários mínimos.

c) Quanto ao grau de escolaridade, 49% dos entrevistados estudaram até o ensi-no médio, 36% possuíam curso superior, 11% estudaram da 5ª a 8ª série e 4% estudaram até a 4ª série do ensino fundamental. Entre as mulheres, 50% estudaram até o ensino médio, 35% possuíam curso superior, 12% estudaram da 5ª a 8ª série e 4% estudaram até a 4ª série do ensino fundamental. Entre os homens, 48% estudaram até o ensino médio, 38% possuía curso superior, 10% estudaram da 5ª a 8ª série e 3% estudaram até a 4ª série do ensino fundamental.

d) Quanto à definição do voto, 67% dos entrevistados haviam definido seu voto para presidente na época da realização da pesquisa e 33% não haviam definido o voto. Entre as mulheres, 69% já haviam definido o seu voto e entre os homens 66% já haviam escolhido o seu candidato a presidente.

e) As mídias mais procuradas pelos entrevistados para se informarem sobre a campanha eleitoral foram: jornal (33%), horário eleitoral gratuito - HEG, Internet e TV (com 29% cada) e as conversas com os familiares (27%). As mulheres se informaram prefe-rencialmente pelos jornais (38%), HEG e Internet (com 31% cada), conversas com amigos e familiares (23%) e pela TV (19%). Os homens entrevistados procuraram se informar pe-los jornais (18%), HEG, Internet e TV (com 16% cada) e conversas com familiares (15%).

f ) Os fatores de maior influência na escolha do candidato a Presidência da República, entre os entrevistados, foram: as propostas dos partidos políticos (62%), os debates na TV entre os candidatos (29%), as entrevistas dos candidatos (25%), os noti-ciários (18%), a opinião de lideranças políticas e o HEG (com 15% cada). As pesquisas eleitorais foram citadas por 5% do total dos entrevistados como um fator de influ-ência do voto. Para 4% das mulheres e 7% dos homens, as pesquisas eleitorais aparece-ram como um fator de influência do voto.

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g) A maioria dos entrevistados – 53%, afirmou que acompanhava os resultados das pesquisas eleitorais divulgadas na mídia. Os homens revelaram ter mais interesse na divulgação dos resultados das pesquisas eleitorais (59%) do que as mulheres (46%). Uma parcela importante do total dos entrevistados (45%) disse que não acompanha os resultados das pesquisas eleitorais, sendo que as mulheres são as que menos acompa-nham os resultados (50%), em relação aos homens (41%).

h) Os entrevistados que acompanham as pesquisas eleitorais, o fazem pelo noticiário da mídia (83%), seguidos por aqueles que acompanham os resultados das pesquisas eleitorais através dos Institutos de Pesquisa (17%), pela Internet e pelos pro-gramas eleitorais dos partidos, com 10% cada um. As mulheres acompanham os re-sultados das pesquisas eleitorais pelo noticiário da mídia (100%), pela Internet (17%), pelos Institutos de Pesquisa e pelos programas eleitorais, com 8% cada um. Os homens também acompanham os resultados pelo noticiário da mídia (71%), pelos Institutos de Pesquisa com 24%, pela Internet e pelos programas eleitorais, com 6% cada.

i) Quanto ao entendimento dos resultados das pesquisas eleitorais, 90% dis-seram que entendiam estes resultados, contra 7% que afirmaram não entender o signi-ficado dos resultados das pesquisas eleitorais. Entre as mulheres, 100% disseram que entendiam os resultados das pesquisas eleitorais, enquanto 82% dos homens disseram que entendiam estes resultados. As mulheres costumam entender os resultados das pesquisas eleitorais através da variação da opinião do público e dos resultados (34%), pelos gráficos (33%), porque os Institutos de Pesquisa são confiáveis (25%), por causa da metodologia das pesquisas (25%) e porque os dados encontrados são representati-vos (17%). Entre as entrevistadas, 8% disseram que os Institutos e a mídia manipulam os resultados das pesquisas eleitorais. Os entrevistados homens disseram entender os resultados das pesquisas eleitorais porque são feitas por amostragem (29%), têm a pro-babilidade de erro e acerto (28%), porque as pesquisas falam com a população e pela metodologia usada, com 21% cada um e porque mostram como é o candidato e as suas posições (14%). Mesmo a maioria dos homens dizendo entender as pesquisas eleitorais, 7% disse que os resultados são mentirosos e falsos e 7% disse que as pesquisas eleitorais não são representativas. Os homens que disseram não entender os resultados das pes-quisas eleitorais deram como motivos o fato de a amostra ser pequena (50%) e por causa da divulgação dos resultados (50%).

j) Quanto à confiança nos resultados das pesquisas eleitorais, 56% dos en-trevistados não confiavam nos resultados, enquanto 40% confiavam. As mulheres con-fiavam nas pesquisas eleitorais, porque os resultados são corretos com 71%, pela me-todologia da pesquisa (21%) e porque os entrevistados são sinceros (21%). Os homens confiavam nas pesquisas eleitorais, porque elas acertam os resultados (50%), os Institu-tos de Pesquisa são confiáveis (25%), mas 25% dos entrevistados disseram não confiar totalmente nos resultados das pesquisas. Para 25% dos entrevistados, embora confiem nos resultados das pesquisas eleitorais, 12,5% disseram que nunca foram entrevistados

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e 12,5% que os resultados são comprados.k) Quanto à desconfiança nos resultados das pesquisas eleitorais, entre as

mulheres se dá pela facilidade de manipulação das informações (36%), porque a mídia manipula as informações (27%), porque os Institutos mentem e manipulam os dados e porque as pessoas podem mudar de opinião (18% cada). Os motivos dos homens para desconfiarem das pesquisas eleitorais eram porque os resultados das pesquisas são comprados, mentirosos ou manipulados (70%), nunca foi entrevistado ou não conhece quem tenha sido (25%), os resultados finais das eleições é diferente dos resultados das pesquisas (20%), a amostra não representa a população (20%) e porque as pesquisas influenciam a opinião (15%).

l) Quanto ao papel das pesquisas eleitorais sobre a intenção de voto, 42% dos entrevistados disseram que as pesquisas eleitorais atrapalham o eleitor a escolher o seu candidato. Para 35%, elas ajudam o eleitor a escolher o seu candidato e, para 22%, elas nem ajudam e nem atrapalham na hora de escolher um candidato. A maior parte das mulheres (46%) achava que as pesquisas eleitorais ajudam os eleitores a escolher seu candidato, contra 35% que disseram que elas nem ajudam e nem atrapalham, enquanto 19% achavam que elas atrapalham a escolha do eleitor. A maioria dos homens (62%) disse que as pesquisas atrapalham o eleitor a escolher o seu candidato, 24% disseram que ajudam e 10% que as pesquisas eleitorais não ajudam e nem atrapalham o eleitor na sua escolha dos candidatos. Os homens entrevistados acham que as pesquisas eleitorais têm maior peso sobre a escolha dos eleitores do que as mulheres.

m) Quanto aos fatores da não influência das pesquisas eleitorais sobre o voto, para as mulheres são que elas não causam influência (42%), é uma fonte de informação (25%), mostram as tendências das eleições (17%) e ajudam na definição dos indecisos (17%). Os homens acreditam que as pesquisas eleitorais ajudam na decisão do voto, porque não influenciam o eleitor (57%). As mulheres acham que os resultados das pes-quisas eleitorais são indiferentes na decisão de voto, porque elas não influenciam o elei-tor (78%) e porque as pesquisas são uma fonte de informação (33%). Na opinião dos homens, a influência das pesquisas eleitorais é indiferente na decisão de voto, porque é apenas uma fonte de informação, os resultados dependem dos candidatos e da orga-nização dos partidos, as pesquisas apenas mostram as tendências dos candidatos e não influenciam o voto, com 33% cada.

n) Quanto aos fatores da influência das pesquisas eleitorais sobre o voto, as mulheres acreditam que as pesquisas eleitorais influenciam o voto, porque além de se-rem pagas, dão uma falsa visão sobre as eleições, influenciam os partidos e os candida-tos e tiram o direito de escolha do eleitor, com 20% cada. Os homens acreditam que as pesquisas influenciam o voto, porque induzem o eleitor a votar em alguém (89%) e são manipuladas e tendenciosas (17%).

o) Quanto à possibilidade de mudar ou não de voto por causa das pesquisas eleitorais, 89% dos entrevistados disse que as pesquisas eleitorais não o fariam mudar

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de voto. Para 11% isso poderia acontecer. Os motivos das mulheres para mudarem de voto por causa das pesquisas eleitorais seriam para eliminar um candidato e por não ter convicção no voto, com 50% cada. Os homens mudariam de voto por influência das pes-quisas eleitorais para ajudar um candidato a vencer (75%). As mulheres não mudariam de voto por causa das pesquisas eleitorais porque tem opinião própria (79%), as pesqui-sas não influenciam (34%) e acreditam nas propostas e nos candidatos (21%). Os homens não mudariam seu voto, por causa das pesquisas eleitorais, porque têm uma opinião for-mada (56%), vota em candidatos ou nos partidos (32%), a pesquisa é indiferente (20%), não acredita em pesquisas (16%) e porque as pesquisas são manipuladas (12%).

Embora os resultados aqui apresentados não sejam representativos da opinião do conjunto de eleitores paulistanos em 2010 (para que os dados fossem representativos sobre o universo estudado seria necessária uma amostra muito maior), os resultados encontrados podem ser um indicativo para pesquisas futuras.

Conclusão

Neste estudo sobre a influência das pesquisas eleitorais na decisão de voto, concluímos que as pesquisas eleitorais não são o elemento determinante na formação da in-tenção de voto do eleitor e, portanto não influenciam a sua escolha por um ou outro candidato, na medida em que a pesquisa com eleitores paulistanos demonstrou que a maioria não confia nas pesquisas eleitorais, acha que elas atrapalham na hora de decidir o voto, porque são manipuladas pela mídia e pelos Institutos de Pesquisa.

O objetivo geral da pesquisa, de analisar o papel das pesquisas eleitorais na forma-ção da intenção de voto do eleitor foi alcançado e comprovou-se que este papel é bem pequeno: apenas 5% dos eleitores paulistanos citaram as pesquisas eleitorais como um dos elementos que levam em consideração na hora de escolher um candidato e 11% dos entrevistados afirmaram que mudariam de voto por causa das pesquisas eleitorais, se quisessem derrotar ou eleger um candidato.

Os objetivos específicos foram alcançados, pela pesquisa, na medida em que:

1. Verificou-se o grau de interesse do eleitor paulistano pelas pesquisas eleitorais, porque a maioria (53%) acompanhava os resultados, principalmente pela mídia impressa.

2. Foi possível medir o grau de compreensão do eleitor paulistano sobre os resul-tados das pesquisas eleitorais, na medida em que 90% dos entrevistados afirmaram que entendiam os resultados divulgados.

3. Embora o eleitor paulistano acompanhasse os resultados das pesquisas eleito-rais, este não foi o principal motivo de influência na sua escolha de um candidato, por-que a maioria afirmou que não mudaria seu voto por causa dos resultados das pesquisas eleitorais.

A influência das pesquisas eleitorais na decisão de voto

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4. As pesquisas eleitorais tiveram erros de prognóstico quanto ao percentual de votação de cada candidato (principalmente no segundo turno), mas acertaram nas duas principais tendências gerais da eleição: a candidata vencedora – Dilma Roussef – que desde o início das pesquisas eleitorais estava na frente de seu principal concorrente – José Serra – e a realização de um segundo turno nas eleições presidenciais de 2010.

5. Os principais elementos constitutivos da formação da opinião política do elei-tor paulistano e da sua intenção de voto, nas eleições presidenciais de 2010, foram as propostas apresentadas pelos partidos, os debates e as entrevistas com os candidatos, as notícias sobre as eleições, a opinião de lideranças políticas e os programas eleitorais gratuitos de rádio e TV.

Esta pesquisa reafirma aquilo que outros estudos teóricos já demonstraram sobre as pesquisas eleitorais, isto é, de que elas não têm influência na decisão de voto, da maioria do eleitorado brasileiro, mesmo porque a maioria não confia nos resultados destas pesquisas.

Apenas uma pequena parcela dos eleitores muda sua intenção de voto com base em pesquisas eleitorais, justamente aquela parcela do eleitorado que se deixa influenciar pelos fenômenos de bandwagon (votar no candidato que tem mais chances de ganhar) ou underdog (votar em um candidato sem chances para protestar ou derrotar outro).

O fato de não ter grande influência sobre a decisão de voto, não invalida a impor-tância das pesquisas eleitorais como uma importante ferramenta de que o eleitor dispõe para se informar sobre as eleições, na medida em que podemos conhecer a tendência de voto dos eleitores, desde que não tomemos essa tendência como fato imutável, mas sim como uma referência dos possíveis resultados das eleições.

A grande influência das pesquisas eleitorais se dá de forma indireta, isto é, está na sua capacidade de fazer com que aumente a arrecadação financeira dos candidatos apontados como aqueles com maiores chances de ganhar, no maior espaço dado pela mídia a esses candidatos e no ânimo dos seus apoiadores de campanha. Os três fatores combinados acabam fazendo com que os primeiros colocados nas pesquisas sejam, em geral, os ganhadores das eleições. Nesse sentido, as pesquisas eleitorais (quantitativas e qualitativas) são uma ferramenta poderosa nas formulações estratégicas de qualquer campanha eleitoral.

Concordamos com Almeida (2008) quando afirma que os elementos constitutivos da decisão de voto do eleitor brasileiro são a sua visão de mundo, a preferência partidá-ria do eleitor e sua avaliação sobre o desempenho do governo, as propostas dos candida-tos e dos partidos, seu nível de informação política e a imagem que faz dos candidatos, a influência que os parentes, amigos e colegas exercem sobre o eleitor (potencializados pelas redes sociais e seu crescente uso na política), a representatividade social dos parti-dos e dos candidatos e seu status socio-econômico, isto é, as diferentes crenças e valores que cada um tem por pertencer a um sexo, ter determinada renda, grau de escolaridade, idade, cor, religião, local de moradia e ocupação.

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As pesquisas eleitorais nos ajudam a entender as tendências de opinião do elei-torado, que estará sempre determinada por variáveis estruturais e conjunturais, dando ao processo eleitoral um grau de previsibilidade, desde que seus resultados não sejam tomados como estáticos e imutáveis, mas sim como relativos, uma fotografia de um momento específico da realidade.

Este estudo não pretende ser conclusivo sobre o tema da influência das pesquisas eleitorais na decisão de voto, mesmo porque nenhum estudo anterior conseguiu fazê-lo. O objetivo central da pesquisa, além do já citado, é poder contribuir com os estudos sobre a importância e o papel das pesquisas eleitorais, dando ao eleitor melhores condi-ções de entendê-las, e com isso ter mais uma informação qualificada para poder decidir o seu voto e acompanhar o processo eleitoral.

Referências

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Comunicação, meios e mensagens

Los guiones de Túlio de Lemos: radio, arte y la conciencia socialTúlio de Lemos fué el autor de una importante obra en la

radio y la televisión paulistas. Basado principalmente en los

guiones archivados en la biblioteca del Museo Lasar Segall,

este artículo es una muestra de una obra mayor, que fué di-

rigida con lo objetivo de analizar el trabajo de esto notable

realizador. Palabras clave: Radio, Televisión, Historia, Brasil

Túlio de Lemos foi o autor de uma obra excepcional no rádio e na televisão paulistas. Com base, prin-cipalmente, em alguns roteiros arquivados na biblioteca do Museu Lasar Segall, este artigo é uma amostra de um trabalho mais amplo, que visou analisar a obra desse notável radialista.

Palavras-chave: Rádio, Televisão, História, Brasil

Irineu Guerrini Jr.Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo; Professor titular da Faculdade Cásper Lí[email protected]

Os roteiros de Túlio de Lemos: rádio, arte e consciência social

The scripts by Túlio de Lemos: radio, art and social consciousnessTúlio de Lemos was the author of outstanding radio and tele-

vision programs in São Paulo. Having mainly as a basis some

scripts kept at the library of the Museu Lasar Segall, this ar-

ticle is a sample of a much longer work that tried to analyze

the work of this remarkable broadcaster. Key-words: Radio,

Television, History, Brazil.

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Os roteiros de Túlio de Lemos: rádio, arte e consciência social

A descoberta de um tesouro e a ideia para uma pesquisa

A biblioteca Jenny Klabin Segall, anexa ao Museu Lasar Segall, em São Paulo, reúne material precioso e, em alguns casos, único no Brasil, sobre os mais diversos aspectos do rádio, da televisão, do teatro e do cinema. Certa vez, em busca da material para outra pesquisa, descobri algo que me fascinou, um verdadeiro tesouro que me faria voltar dezenas de vezes àquela biblioteca: milhares de páginas de roteiros de rádio, e alguns de televisão, escritos por um grande nome desses dois veículos em São Paulo – Túlio de Lemos. Segundo a bibliotecária-chefe da instituição e antiga funcionária da casa, tais roteiros haviam sido doados há dezenas de anos, e eu era a primeira pessoa que se in-teressava por esse material. Mais tarde, pude realizar uma pesquisa para o CIP – Centro Interdisciplinar de Pesquisa da Faculdade Cásper Líbero que, depois de quase dois anos de elaboração, resultou num longo trabalho, do qual este artigo é uma pequena amostra.

1.1 Quem foi Túlio de Lemos?

Numa série de programas sobre profissões, não se esperem episódios sobre médicos, engenheiros ou advogados. Mas sim bombeiros, lixeiros, condutores de bonde e gente de outras ocupações modestas, apresentadas através de comoventes histórias drama-tizadas. Em outra, os libretos de óperas conhecidas são transportados brilhantemente para a São Paulo da época – por exemplo, os personagens da ópera La Bohème, de Puc-cini, são deslocados de um sótão no Quartier Latin, da Paris de 1900, para uma kitchi-nete da Avenida São João, em 1952! E um deles, falando da sua veia de poeta, inspira-se no poema Aos que vão nascer, de Bertolt Brecht – “Que tempos são esses, em que falar de flores é quase um crime?” Quantas pessoas conheciam Brecht na São Paulo do início dos anos cinquenta? Mais adiante, um colega do poeta, que é pintor e que defendia o es-tilo do realismo social, justifica-se por ter pintado a cachorrinha de um ricaço, dizendo: “Nós não precisamos comer? Não precisamos pagar o aluguel?... Logo, precisamos ar-ranjar dinheiro em qualquer parte, de qualquer maneira, até pintando cachorrinhas de estimação. Não é possível praticar o socialismo integral dentro da sociedade capitalista.” (Guerrini, 2005:67) Pelos roteiros que deixou, percebe-se muito claramente que era al-guém que possuía uma aguda consciência dos problemas sociais e políticos da sua época e que acreditava no poder de transformação social do veículo em que trabalhava. E, ao mesmo tempo - até porque o seu repertório cultural o permitia - era um profissional que cuidava do refinamento estético das suas criações – com o uso inteligente da música e de recursos de narrativa avançados para a época. Muito culto e viajado, foi um dos poucos brasileiros, ainda nos anos cinquenta, a visitar a União Soviética e a China.

Para esta pequena biografia de Túlio de Lemos, servi-me de várias fontes: a primeira, a mais importante e que foi tomada como uma espécie de fio condutor, é uma

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entrevista que ele concedeu a Sérgio Viotti, para a série Tema Livre, da TV Cultura, em 1975. Foram importantes, também, os depoimentos de Mario Fanucchi e de Bárbara Fázio, que conviveram com Túlio, e que estão reproduzidos no trabalho extenso.

Túlio Taques de Lemos nasceu no dia 16 de dezembro de 1910, na cidade de Ponta Grossa, no Paraná. Costumava passar as férias na casa de seu avô, fazendeiro no mesmo município e já com sete ou oito anos, era requisitado pelo avô para cantar para as visitas. Tinha uma voz muito potente que, depois de adulto, se caracterizou como de “baixo profundo”. No seu depoimento para a TV Cultura, ele conta que, em 1927, durante seu serviço militar, numa cerimônia de juramento à bandeira numa praça em Curitiba, cantou o Hino Nacional Brasileiro, acompanhado de uma banda, e a banda não cobria sua voz! Um professor de canto ouviu-o e convenceu seu pai a deixá-lo estudar canto.

Já no final dos anos vinte, estava em São Paulo e frequentava o Teatro Municipal, onde conviveu com o Professor Filipo Aléssio. Nessa época, surge uma companhia lírica italiana e seu maestro ficou tão impressionado com a voz de Túlio que escreveu ao inter-ventor do Paraná, Manoel Ribas, para que o auxiliasse a ir estudar na Academia de Santa Cecília, uma prestigiada escola de música de Roma. O auxílio foi negado, e razões famili-ares e de saúde fizeram com que ficasse em São Paulo. Nesta cidade, participou por cerca de dez anos do coral da Catedral Metropolitana. Dada a sua potente voz de baixo, que combinava com os seus dois metros de altura, chegou a participar de algumas óperas em São Paulo; sua estreia foi no papel de Sparafucile, da ópera Rigoletto, de Giuseppe Verdi. Conviveu com grandes expoentes do bel canto que passavam por São Paulo, como Tito Schipa, Bydu Saião, Cláudia Muzia e Salvador Batalone, entre outros. Todos elogiavam a sua voz, mas no seu depoimento, Túlio diz que nunca se considerou um bom cantor.

Mais tarde, em 1939, toma parte em várias óperas da temporada lírica do Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, é convidado por Raimundo Magalhães Jr, diretor da revista Carioca, muito popular nessa época, a fazer parte do seu quadro de redatores. Passa a escrever sobre rádio – esta seria a sua primeira experiência profissional relacionada com o veículo para o qual iria roteirizar e dirigir centenas de programas. Ainda no Rio de Ja-neiro, Túlio é acometido por tuberculose óssea, e teve de deixar a carreira de cantor para não forçar os pulmões. De volta a São Paulo, mesmo já não podendo prosseguir numa carreira-solo, passa a fazer parte do Coral Paulistano, tendo convivido com Mário de Andrade, figura que Túlio, no programa da TV Cultura, afirma ter tido uma grande in-fluência sobre ele. Trabalha também como redator do Diário de S. Paulo. Nessa época, já ficara encantado com a linguagem do rádio, e em 1941/1942 acaba trabalhando com Oduvaldo Vianna na Rádio São Paulo, tendo participado de muitas radionovelas como roteirista e ator. Mas a sua carreira de radialista se desenvolveria na Rádio Tupi de São Paulo, emissora do grupo das Associadas, e mais tarde, na TV Tupi de São Paulo, a primeira emissora de televisão brasileira. Na Rádio Tupi, escreveria e dirigiria centenas de programas, dos quais uma amostra é o principal objeto de estudo deste trabalho. Na TV Tupi, dois programas que roteirizou se tornariam muito conhecidos: Antarctica no

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Os roteiros de Túlio de Lemos: rádio, arte e consciência social

mundo dos sons, uma superprodução musical que ia ao ar aos sábados à noite, e O céu é o limite, um programa de perguntas e respostas, baseado no programa americano The 64,000 dollar question, em que Túlio elaborava as perguntas feitas aos concorrentes. Túlio também teve uma passagem importante pela TV Excelsior, na fase mais criativa dessa emissora. Nesta última, um programa marcante que criou, juntamente com Wal-ter George Durst e Roberto Palmari, foi Teatro 63, em que pessoas do povo tinham suas vidas dramatizadas e interpretadas por atores, na presença dessas próprias pessoas. Na Rede Globo, já nos anos setenta, seria responsável pela roteirização de Casamento na TV, segundo ele “um programa popularesco mas de caráter muito humano, que foi mal compreendido”. Passaria ainda brevemente pela TV Cultura, onde um documentário que produziu, sobre o rio Tietê no início dos anos setenta, que tratava pioneiramente de poluição no rio, foi censurado e não foi ao ar.

Túlio de Lemos colecionava obras de arte, tinha uma respeitável discoteca, e guar-dava numerosas recordações de seu trabalho - como uma estatueta do prêmio Roquette Pinto, ganho por ele - e de suas viagens. Muitos desses objetos se encontram com seus sobrinhos – gravuras de Picasso e Chagal, pinturas de Aldemir Martins e Di Cavalcanti, e retratos seus feitos por artistas do quilate de Lasar Segall e Flávio de Carvalho. No programa da TV Cultura, ele explica que os quadros que comprou não valiam o que valeriam mais tarde e que contava com a amizade de muitos artistas. Sua discoteca in-clui muitos LPs de música clássica e popular brasileira, alguns deles autografados pelos intérpretes. As fotografias vão dos anos quarenta no Rio de Janeiro aos seus trabalhos em São Paulo nas décadas de quarenta e cinquenta. Das suas viagens, há fotos tiradas em várias partes do mundo, entre as quais se destacam algumas registradas na antiga União Soviética e na China, numa época – anos cinquenta – em que esses dois países eram aliados. Da União Soviética, Túlio trouxe, entre outras coisas, uma miniatura de um Sputnik e uma bandeira, como se verá mais adiante. Da China, há uma foto em que aparece ao lado de niguém menos que Mao Tse-tung, e que, pela sua textura, parece ter sido retirada de um fotograma cinematográfico – seria um achado e tanto localizar esse filme, se essa hipótese for verdadeira!

Túlio fazia parte de um grupo de artistas e intelectuais que eram simpatizantes e/ou militantes do Partido Comunista Brasileiro. Nos anos que sucederam ao golpe mili-tar de 1964, ele e seu amigo Walter George Durst por várias vezes tiveram que prestar depoimentos aos órgãos de segurança do regime. Na entrevista que me concedeu, Bár-bara Fazio, que foi esposa de Durst e, assim como seu marido, muito amiga de Túlio, conta, com algum humor, que, de volta de uma viagem que ele fez à União Soviética, Túlio houve por bem trazer uma bandeira com a foice e o martelo, mas que, depois do golpe militar, temendo que sua casa fosse revistada por alguém à procura de “subversi-vos”, ele a escondeu por algum tempo em baixo do colchão de uma casinha de cachorro! Mais tarde, a bandeira foi levada à casa de um amigo seu do qual o regime não poderia levantar nenhuma suspeita.

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Mas Túlio estava longe de ser alguém de posições inflexíveis, ao menos no seu trabalho, até por uma questão de sobrevivência. Nos roteiros abrigados no Museu La-sar Segall, ao lado de programas em que ele expressa suas convicções sobre questões sociais e políticas de maneira clara, há outros que parecem ter sido produzidos sob en-comenda de seus superiores - tarefas que ele provavelmente foi obrigado a aceitar. No programa Tema Livre da TV Cultura, essa impressão é confirmada, quando ele termina a entrevista dizendo:

Foram quarenta e cinco anos de trabalho, quase meio século de lutas. Talvez a conclusão seja mais ou menos melancólica. Eu quero dizer que, durante quarenta e cinco anos eu trabalhei como assalariado, realizando o desejo daqueles que me pagavam, e que, portanto, promoviam a minha subsistência. Talvez, se eu fosse dono da minha vontade, determinasse as minhas próprias iniciativas, eu tivesse feito as coisas que eu não pude fazer. Mas, em todo caso, fez-se o que se pode.1

Creio ter podido demonstrar ao fim da minha pesquisa que Túlio de Lemos fez muito! Túlio de Lemos faleceu no dia 28 de dezembro de 1978, em Limeira.

1.2. O objeto e a hipótese

São cerca de 8.000 páginas, conservadas em pastas suspensas nas dependências da bibli-oteca Jenny Klabin Segall. Não foi possível localizar o documento de doação, o que faz supor que foram doados há muito tempo. Os roteiros mais antigos foram criados em 1941, para a Rádio São Paulo, emisssora onde Túlio iniciou sua carreria de radialista, a convite de Otávio Gabus Mendes. Mas a sua maioria foi feita para a Rádio Tupi de São Paulo, nas décadas de quarenta e cinquenta. Há alguns que são roteiros de televisão, redigidos para a TV Tupi de São Paulo, nos primeiros anos da sua existência.

A hipótese central foi a de que o rádio paulista dos anos quarenta e cinquenta, e a televisão paulista dos anos cinquenta e sessenta, embora no seu todo fossem parte de uma indústria cultural, voltada para a grande público (especialmente o rádio) e que, em termos gerais, tendia a nivelar por baixo a sua programação, abriam brechas para que, aqui e ali, surgissem programas e personalidades que podiam, dentro de certos limites, realizar um trabalho mais crítico da sociedade, mais comprometido com transforma-ções sociais e esteticamente mais refinado. Em outras palavras, a indústria cultural não era monolítica ou sem contradições.

Com relação ao rádio paulista dos anos quarenta e cinquenta, Eduardo Vicente, professor da ECA-USP, menciona, na sua pesquisa Radiodrama em São Paulo: a história de Zé Caolho, de Dias Gomes, uma “politização da estética radiofônica”. A série que dá

1. Entrevista filmada para a TV Cultura, em 1975. (Ver referências bibliográficas)

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Os roteiros de Túlio de Lemos: rádio, arte e consciência social

título ao trabalho foi veiculada na rubrica Sonho e fantasia, da Rádio Bandeirantes de São Paulo, em 1952, série da qual o pesquisador teve acesso a gravações preservadas na própria emissora. De fato, Vicente demonstra que Dias Gomes, também ligado ao Par-tido Comunista Brasileiro, procurava imprimir, assim como Túlio de Lemos, e também nos seus trabalhos para o rádio, as suas preocupações e convicções sociais. (Vicente, 2001: passim).

1.3. Características dos roteiros

A escolha de uma amostra de roteiros não poderia deixar de ter uma dose de preferência pessoal, mas procurei selecioná-los segundo alguns critérios:

a) Uma exploração marcante e inovadora da linguagem radiofônica, que o autor dominava como poucos; b) Uma forte crítica social e de costumes – do preconceito contra os negros ao comportamento condenável da classe alta. E menções ao panorama político nacional e internacional da época. Essa característica aparece mesmo em alguns programas cujo fio condutor é uma história romântica. c) Uma tratamento inventivo dos elementos musicais - Túlio tinha uma sólida formação musical, incomum em roteiristas de rádio ou televisão até hoje, e utilizava muito bem os recursos à sua disposição: quase todos os programas tinham orquestra ao vivo, muitas vezes executando música composta especialmente para o programa. Frequentemente, as minuciosas indicações muscais de Túlio evidenciam a sua formação e deviam dar muito trabalho ao maestro... Em muitos roteiros, os personagens são músicos. d) A história de alguém muito conhecido ou, pelo contrário, de alguém totalmente desconhecido e humilde, mas que revela qualidades humanas que às vezes beiram ou mesmo atingem o heroísmo. e) Uma reflexão sobre o rádio – o próprio rádio e o trabalho dos radialistas aparecem em numerosos roteiros, às vezes em curtas menções, às vezes tomando todo o programa. “Metalinguagem” seria a expressão que pode definir esse recurso narrativo, mas vale observar que estamos tratando de programas de rádio produzidos há cinquenta, sessenta ou mais anos, quando nem essa expressão devia ser corrente. Se é um recurso de narração usado há séculos na literatura (Cervantes, Lawrence Sterne e Machado de Assis, entre muito outros, podem ser invocados), era bastante incomum no rádio da época, ou mesmo hoje. A propósito, Rabaça e Barbosa, em seu Dicionário de Comunicação, assim definem “metalinguagem”: (lg) 1. Linguagem utilizada para estudo e descrição da própria linguagem. A “linguagem com que se estuda” um determinado sistema de signos... 2. A

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metalinguagem é também um recurso de uso cada vez mais frequente na arte, quando, por exemplo, os personagens de um filme começam a avaliar os elementos do enredo, ou a se dirigir diretamente ao espectador para pedir opiniões sobre algum assunto da história, ou quando um personagem de teatro dirige-se ao público fazendo comentários sobre a montagem da peça... (Rabaça e Barbosa, 2001:487)

É exatamente a definição de número 2 que cabe em muitos dos roteiros pesquisados.

1.4 A linguagem radiofônica e os roteiros estudados

Uma característica dos roteiros da coleção arquivada no Museu Lasar Segall é a de que todos, sem nenhuma exceção, mesmo aqueles que documentam aspectos da realidade da sua época, contam com o recurso da dramatização – com falas, personagens, música e efeitos sonoros. Por quê? Seria um recurso mais frequente no rádio da época?

Uma chave para uma possível explicação é dada por Martin Esslin (1918-2002), em seu livro Anatomy of drama. Esslin trabalhou trinta e sete anos na BBC, onde foi diretor do departamento de Radio Drama de 1963 a 1976. Mais tarde, se dedicaria à carreira acadêmica, tendo publicado vários livros, sendo o mais conhecido Teatro do absurdo.2 No segundo capítulo do primeiro livro mencionado, The nature of drama, ele conta que, nos anos quarenta e cinquenta (os mesmos em que Túlio escreveu os roteiros que são objeto desta pesquisa) trabalhou como roteirista no Serviço Europeu da BBC. Os programas que tinha de escrever deveriam dar a um público estrangeiro uma ideia de como era a vida na Grã-Bretanha. Tinham, portanto, uma característica documental, uma natureza de não-ficção. Um desses programas era sobre uma agência do governo que encaminhava pessoas para possíveis empregos. Ele visitou uma dessas repartições e ficou “impressionado pela mistura de formalidades burocráticas com a cortesia e gen-tileza real por parte dos funcionários públicos.” Ele conta:

Como eu poderia passar minhas impressões da melhor maneira possível? Eu poderia escrever uma descrição puramente literária, algo assim: O funcionário pede ao candidato a um emprego para lhe fornecer dados relevantes. Ele não é inamistoso, embora mantenha certa reserva e distância, mas ao mesmo tempo é bastante evidente pelo seu tom de voz que ele está sinceramente tentando ajudar a pessoa à sua frente... E assim por diante. Tal descrição não carregaria muita convicção, pois soaria como um programa patrocinado, com uma intenção puramente propagandista. Também seria

2. Martin Esslin foi quem criou a expressão Teatro do Absurdo, comumente aplicada às obras de Samuel Becket, Eugene Ionesco, Jean Genet e Harold Pinter, entre outros.

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Os roteiros de Túlio de Lemos: rádio, arte e consciência social

extremamente longo – uma interminável análise psicológica. Assim, em vez disso, decidi dramatizar a pequena cena: Funcionário: Sente-se, sim? Candidato: Obrigado. Funcionário: Então vamos ver. Seu nome é? Candidato: John Smith. Funcionário: E seu último emprego foi? Candidato: Maquinista. Funcionário: Sei.

E assim por diante. Quando esse curto diálogo é encenado no espírito correto, o tom de voz – a atuação, a ação – revelam infinitamente mais do que as palavras que são ditas... A informação real ... está na relação, na inter-relação dos dois personagens, na maneira que reagem um ao outro. (Esslin, 1977:15-16) (tradução minha).

Ora, parece que era essa exatamente a intenção de Túlio de Lemos. Mas deve-se lembrar de uma característica do rádio da época, em que quase tudo era feito ao vivo e dentro de um estúdio ou auditório: a relativa dificuldade de um diretor/produ-tor sair do estúdio para gravar a fala de alguém, pois os aparelhos de gravação eram muito grandes, e especialmente nos anos quarenta, as poucas gravações realizadas fora do estúdio tinham que ser feitas com discos, ou precários gravadores de fio, que não permitiam edição (ainda não havia gravadores de fita nas emissoras brasileiras). Túlio chegou a realizar algumas gravações externas em discos – elas aparecem, por exemplo, na série Ora direis... ouvir estrelas (ver adiante). De qualquer modo, pode-se afirmar que há uma relação entre o estilo e a estética de um programa e a maior dificuldade ou facilidade técnica para realizá-lo. Isso não aconteceu somente no rádio: o cinéma-verité, por exemplo, só foi possível com a maior portabilidade dos equipamentos de registro de som e imagem.

Outro autor que vale a pena citar é Robert McLeish, que trabalhou na BBC du-rante trinta e três anos, ensinou produção de rádio em vários continentes, e escreveu o livro Produção de rádio: um guia abrangente da produção radiofônica. Há um capítulo nesse livro que tem por título “Documentários e programas especiais”. Com relação a estes últimos, que no original inglês são chamados de “features”, diz MacLeish:

Enquanto o documentário deve distinguir claramente entre fato e ficção e apresentar uma estrutura que separe o fato da opinião, o programa especial não tem as mesmas características. Aqui todas as formas possíveis do rádio se encontram – poesia, música, vozes, sons, o fantástico e o maravilhoso, que se combinam numa tentativa de informar, estimular, entreter ou inspirar o ouvinte. Os ingredientes podem ser a entrevista ou a enquete, a peça radiofônica ou o debate, e a soma total será o fato ou a fantasia... (MacLeish, 2001:197).

E MacLeish lembra as palavras de Laurence Gilliam, antigo diretor do Departa-mento de Programas especiais da BBC:

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Uma combinação da autenticidade da fala com a força dramática de uma peça, mas diferentemente desta última, cuja função é criar a ilusão dramática, o objetivo do especial é convencer o ouvinte da verdade do que está sendo dito, mesmo que a apresentação seja de uma forma dramática. Utilizando essa forma livre e altamente criativa é que se faz o que há de mais memorável no rádio. (MacLeish, 2001:197).

Ora, muitos dos programas criados por Túlio de Lemos podem ser definidos exa-tamente com as palavras acima, conforme se verá mais adiante. São “features”, ou “espe-ciais” produzidos no rádio paulista há sessenta anos ou mais. Mas todos ao vivo, quase sempre com música ao vivo, que ele escrevia e dirigia sozinho, e com uma frequência que deixaria os produtores da BBC boquiabertos...

Mas, nos anos quarenta e cinquenta, essa prática da dramatização no rádio se estendia por outros países. Nos Estados Unidos, por exemplo, os trabalhos radiofônicos do célebre jornalista Edward Murrow: havia programas que dramatizavam situações da Segunda Guerra Mundial, baseados em fatos reais. Ou os programas de Orson Welles para o rádio: após alguns trabalhos anônimos, em 1935 Welles integra por quatro anos a equipe de The March of Time (NBC – Rede Azul), famosa produção semanal que dramatizava fatos jornalísticos, mais tarde transformada em programa diário. (Welles e Bogdanovich, 1998: passim).

Certas afirmações de alguns autores que teorizaram sobre a linguagem radiofôni-ca também podem ser relacionadas com os programas analisados.

O primeiro deles foi o pioneiro Rudolf Arnheimm, com o seu artigo O diferencial da cegueira: estar além dos limites dos corpos. O autor defende a ideia, não adotada por outros teóricos, de que o radiodrama não deve contar com a imaginação do ouvinte, mas ser completo em si mesmo. Como ele afirma:

O artista de rádio deve desenvolver a maestria de limitar-se ao audível. O que mede o seu talento é a capacidade de produzir o efeito desejado apenas com os elementos sonoros, e não a possibilidade de inspirar os ouvintes a complementarem a falta de imagem acionando vida ou realismo. Pelo contrário: se a obra demanda tal suplementação é porque é ruim, não alcançou seus objetivos por seus próprios meios, teve um efeito incompleto. (ArnheimArnheim, 2005:62).

E mais adiante:O radiodrama, ainda que abastrato e irreal, é capaz de criar um mundo inteiro e completo em si mesmo, com o material sensorial de que dispõe – um mundo em si mesmo que não parece prejudicado ou dependente de suplementação por alguma coisa externa como o visual... O radioteatro é auto-suficiente, completo em si mesmo apenas com o auditivo... (Arnheimm, 2005:62).

Pelo uso criativo que fazia dos elementos que compõem a linguagem do rádio

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Os roteiros de Túlio de Lemos: rádio, arte e consciência social

– palavras, música e ruídos – as suas criações eram obras com alta especificidade ra-diofônica e, desse modo, procuravam explorar as possibilidades e as limitações do veí-culo sem contar, necessariamente, com uma complementação visual a ser feita pela imaginação do ouvinte. Creio que essa afirmação ficará demonstrada pela análise detida de uma amostra de seus roteiros, a ser feita mais adiante.

No mesmo texto, Arnheim recomenda que os diálogos tenham falas curtas. Como ele diz:

Num diálogo radiofônico, só existe acusticamente quem está com a palavra. Por esta razão é dif ícil que o ouvinte lembre que se trata de um diálogo quando apenas um dos participantes fala por muito tempo. O outro, que parou de falar, certamente permanece por alguns segundos na consciência do ouvinte, mas em seguida some, o que provoca um choque se ele reaparece subitamente na conversa mais adiante, como se tivesse caído do céu naquele instante. O monólogo funciona bem no rádio, mas a fala longa num diálogo funciona mal. O ideal é um diálogo rápido, fortemente entrecortado, onde a existência acústica dos participantes é assegurada continuamente, ainda que pela mais modesta interpelação. (Arnheim. 2005:75)

Ora, em praticamente todos os trabalhos de Túlio de Lemos, a recomendação de Arnheim concretiza-se em diálogos bem entrecortados, às vezes com um dos persona-gens dizendo uma ou duas palavras, como “Sim”, “Não” ou “O que?”. Arnheim escreveu esse texto nos anos trinta e, dada a formação intelectual de Túlio, poder-se-ia conjectu-rar se ele o leu. Mas, seja por tê-lo lido, seja por ter percebido essa necessidade de falas curtas num diálogo praticando a linguagem radiofônica, o fato é que essa característica aparece com muita frequência nos seus roteiros.

O mesmo se pode dizer de outro recurso que Túlio usa de vez em quando em seus roteiros, e que Arnheim considera como uma vantagem do rádio, por ser um veículo que conta apenas com o som. Lembrando um exemplo retirado de uma peça radiofônica, ele diz:

Da mesma forma, na peça Die Ilsebill, de Wolfgang Weyrauch, são os objetos do cotidiano que ganham vozes. A porta, por exemplo, diz ao pescador: Eu não fecho. Vou deixar o ladrão entrar. Você quer isto? O que vai fazer então? (Arnheim, 2005:88).

No rádio, a facilidade em fazer objetos, animais e vegetais falarem foi explorada por Túlio em alguns programas examinados. Assim, em um deles, um banco da Praça da República conversa com um pardal. Em outro, a estátua de Giuseppe Verdi, na Praça do Correio, dialoga com o prédio do Correio e com o prédio da Delegacia Fiscal. Em outro programa ainda, é um violão que fala. Um programa sobre o trabalho dos lixeiros é narrado pelos dois burros que puxavam o carroção de lixo.

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Já afirmei que Túlio de Lemos tinha uma sólida formação musical e que utilizava muto bem os recursos musicais à sua disposição, escrevendo programas que quase sem-pre contavam com música ao vivo. A respeito da música no rádio, diz o pesquisador e teórico Armand Balsebre:

A utilização da música e dos efeitos sonoros na produção de enunciados significantes, como signos substitutivos de uma determinada ideia expressiva ou narrativa, pode superar muitas vezes o próprio sentido simbólico e conotativo da palavra... A percepção das formas musicais produz uma multiplicidade de sensações e contribui para a criação de imagens auditivas... A música radiofõnica tem duas funções estéticas básicas: expressiva, quando o movimento afetivo da música cria “clima” emocional e “atmosfera” sonora, e descritiva, quando o movimento espacial que denota a música descreve uma paisagem, a cena de ação de um relato... (Balsebre, 2005:329-332).

Túlio praticamente esgotou os usos possíveis de música no rádio, ao menos nos limi-tes estéticos e técnicos do seu tempo. Num de seus programas, ele chega a fazer uma fusão de uma nota tocada por um órgão (nesse momento, a ação se passa numa igreja) com a de um apito de guarda de trânsito (aqui, o casal de personagens já está na rua) e pede ao maestro que a nota do órgão esteja na mesma afinação do som emitido pelo apito!

Cabe também lembrar uma das limitações do rádio identificadas por Mario Kaplun, em A natureza do meio – limitações e possibilidades do rádio. Entre as limitações que ele aponta no veículo rádio está a sua fugacidade, como ele explica:

A mensagem radiofônica é efêmera, inscreve-se no tempo. Não é possível, ao receptor, voltar atrás e reler o que não conseguiu apreender, como sucede na mensagem escrita. O que se diz já está dito, já passou; se não foi captado e entendido, já não há remédio; e o ouvinte se desconecta porque não pode seguir o restante da exposição. Isso impõe a necessidade de ser muito reiterativo por rádio, de repetir e insistir. (Kaplun, 2005:85).

Em seguida, Kaplun afirma que essa limitação implica duas consequências: a limi-tação da informação, isto é, no rádio, só podemos expressar umas poucas ideias de cada vez; e o risco de monotonia, se repetirmos demais.

Nos roteiros de Túlio, nota-se a preocupação com a clareza, e um dos recursos para tornar as suas histórias fáceis de serem apreendidas era exatamente a repetição, às vezes de uma única palavra, às vezes de falas maiores.

Como já foi dito, todos os roteiros estudados contêm dramatização, mesmo aqueles que são baseados em fatos e personagens reais e contemporâneos à época dos programas. No rádio brasileiro atual, programas desse tipo são muito raros, mas em outros países, onde o rádio e a televisão têm preocupações que vão além do resultado comercial, continuam sendo realizados.

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Os roteiros de Túlio de Lemos: rádio, arte e consciência social

1.5 As épocas históricas

Já foi dito que os roteiros em questão foram redigidos nos anos quarenta e cinquenta, sendo os mais antigos de 1941, criados ainda para a Rádio São Paulo, e os mais recentes de 1956, ano em que, aparentemente, Túlio deixa a Rádio Tupi e passa a trabalhar exclu-sivamente para a TV Tupi.

Durante essa trajetória, nota-se não somente uma evolução estética nos seus ro-teiros mas, também, um aproveitamento da maior liberdade de expressão que passou a prevalecer no Brasil depois da queda de Geútlio Vargas, em 1945. É a partir desse ano que vemos, nesses programas, aparecerem temas políticos e sociais que não poderiam ser tratados na época anterior. Se, durante a ditadura de Vargas, o Brasil, entre outras coisas, tinha que ser mostrado como um paraíso de convivência racial, e os partidos políticos nem existiam oficialmente, pois haviam sido abolidos pelo Estado Novo, de-pois de 1945, temas como preconceito racial, injustiças sociais, e o panorama político brasileiro e mundial aparecem com muita frequência e de modo crítico nos roteiros de Túlio de Lemos.

1.6 Os programas

As cópias de roteiros arquivados em pastas suspensas na biblioteca do Museu Lasar Se-gall foram impressas com a velha técnica do mimeógrafo a álcool, e sobre papel-jornal. De modo geral, estão bem conservados e facilmente legíveis, a não ser uma porcenta-gem muito pequena de páginas em que a impressão está bastante esmaecida. Foram examinados roteiros das seguintes séries radiofônicas:

As grandes inspiradoras – As mulheres que inspiraram grandes figuras masculi-nas da história do Brasil.

Fantasias Fátima – Série de programas com histórias variadas, feita ainda para a Rádio São Paulo.

Swing Club – As histórias, com boa dose de humor e de crítica social, se passam num clube elegante.

Ruas de São Paulo – Programas que versam sobre ruas e praças de São Paulo, com histórias que mostram a diversidade social e cultural na cidade.

Ora direis... ouvir estrelas... Série sobre poetas contemporâneos à transmissão dos programas.

Romance das quinze horas – Série transmitida à tarde, com temas variados. Romance das profissões - “radiofonizando o drama do homem que trabalha em

São Paulo”.Honra ao mérito – Série em que personalidades vivas à época da transmissão do

programa são homenageadas, tendo a sua biografia radiofonizada.

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Nos quatro cantos do Brasil – Série com músicas folclóricas de várias regiões brasileiras.

Dança das horas – Série dramatizada que apresenta “o drama ou a comédia pecu-liar a cada um dos sessenta minutos que dividem os dias e as noites” (idem).

Ópera em 1040 quilociclos – Versões brasileiras de libretos de óperas famosas, transportadas para o Brasil da época da realização dos programas.

História de São Paulo - Programas que dramatizam fatos e figuras relativas aos quatrocentos anos de história da cidade de São Paulo, realizados pouco antes do quarto centenário da cidade (1954).

Aquele vestido – Histórias baseadas em cartas enviadas pelas ouvintes, tendo como tema “um vestido” (idem).

Largo do Boticário – Dramatizações de histórias enviadas por farmacêuticos.Romance do café – A história e os problemas do café no Brasil. Romance dos municípios – Com material colhido in loco pelo roteirista, programa

que apresenta municípios do Estado de São Paulo. Choram bordões, choram primas – Programas que tratam da vida e da obra de

músicos e compositores atuantes na época em que foram realizados. Há mais algumas séries, que não foram objeto desta pesquisa, e que poderão ser-

vir para trabalhos futuros. São trabalhos de alguém que ficou “encantado com a linguagem do rádio”, como

ele mesmo diz na entrevista para a TV Cultura. E, mais tarde, provavelmente com a linguagem da televisão, também.

Um exemplo: Ora direis... ouvir estrelas...

No presente artigo, só é possível analisar uma amostra de uma única série de programas, e a série escolhida foi Ora direis... ouvir estrelas..., dedicada aos poetas. Devia estar entre os pro-gramas preferidos de Túlio, porque é um dos poucos que ele menciona na entrevista para a TV Cultura. A sua transmissão se deu em 1948, e foram preservados os seguintes roteiros:

Menotti del Pichia – 20.03.48 Guilherme de Almeida – 27.03.48 Oswald de Andrade – 10.04.48 Jamil Almansur Haddad – 01.05.48 Congresso Brasileiro de Poesia – 08.05.48 Pedro de Oliveira Ribeiro Neto – 22.05.48 Rossini Camargo Guarnieri – sem data Agnelo Rodrigues de Melo – 29.05.48 Afonso Schmidt – 05.06.48 Cid Franco – 12.06.48

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Os roteiros de Túlio de Lemos: rádio, arte e consciência social

Embora todos tenham um caráter documental, alguns deles contando inclusive com a participação dos próprios homenageados, em gravações feitas em suas residências, os pro-gramas, seguindo a característica de toda a coleção de roteiros, apresentam dramatizações.

Alguns destaques

No primeiro roteiro, sobre Menotti del Pichia, com data de transmissão de 20.03.48, há dois momentos em que está prevista uma gravação com o homenageado. Na primeira, ele explica que não nasceu em Itapira, como muitos pensavam, mas em São Paulo, e na segunda, um trecho de um dos discursos que, já deputado, pronunciara na Câmara Federal. Nessa época (1948) as emissoras de rádio não dispunham ainda de gravadores magnéticos, de fita, e as poucas gravações que se faziam eram, em geral, em discos de acetato. Neste programa, e em outros, há indicações de que a Tupi dispunha de uma gravador de discos portátil (mas bastante volumoso para os padrões de hoje em dia) pois aparentemente a gravação foi feita na casa do poeta, conforme este trecho do diálo-go (a página seguinte está faltando):

ESTÚDIO Cigarra3 Criada O que é que o senhor deseja? Túlio Falar com o doutor Menotti del Pichia. Diga-lhe que sou da Rádio Tupi.Criada (indo) Sim, senhor. Túlio Foi assim, meus amigos, que começou o programa que vocês estão ouvindo.

No programa de 27.03.48, sobre Guilherme de Almeida, não só se destacam os seus poemas românticos, que eram muito apreciados pelo público feminino, mas tam-bém a sua participação corajosa nos combates da Revolução Constitucionalista de 1932. E, em duas passagens, o programa apresenta gravações do próprio poeta dizendo suas obras. A “máquina de gravação”, como diz o roteiro, foi levada à casa do homenageado, e além da sua voz, gravou também as reações de Minnie, a cachorrinha! Um pequeno trecho desse registro aparece no programa Tema Livre, da TV Cultura.

O roteiro do dia 01.05.48 é dedicado a Jamil Almansur Haddad. A sua forma é bas-tante peculiar, pois mostra o processo de procura pelo paradeiro do poeta. Quando final-mente há o encontro, o programa termina – mais uma das obras metalinguísticas de Túlio de Lemos. Dada essa peculariedade, vamos nos deter um pouco mais neste programa. O roteiro começa com o conhecido ator e apresentador de rádio e TV, Walter Foster, di-zendo para um seu colega que precisa produzir um programa sobre o poeta, e pede sua ajuda. O colega responde que os poetas “são uma espécie de gente que não faz nada” “são uns boas-vidas” e que ele deve ser encontrado batendo papo numa das livrarias elegantes

3. Campainha.

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Volume 11 – Nº 2 – 2º Semestre de 2012 55

Irineu Guerrini Jr.

da rua Marconi. Começa um verdadeiro passeio de Walter e seu colega por alguns pontos de São Paulo, sem que o poeta seja encontrado: a Livraria Jaraguá4 (“ele não costuma vir aqui”, diz um funcionário); um bar próximo (idem); neste, Walter Foster encontra Lilico Swing, um personagem criado por Túlio que foi um dos protagonistas de outra série – Swing Club – também analisada na versão completa do trabalho. Lilico é uma caricatura de certos membros da alta sociedade paulistana, e ocorre este diálogo, com mais uma das muitas referências ao próprio rádio que aparecem nos roteiros de Túlio:

Maurício (alegremente) Alô, pessoal! Lilico Como vai você, meu filho? Maurício Como vai você? Conhece aqui o meu amigo Walter Foster? Lilico Prazer... Maurício Trata-se do famoso homem de rádio. Lilico (desprezo) Rádio? Humm... Maurício Estamos à procura do Jamil Almansur Haddad. Lilico Esplêndido poeta! Maurício Você o conhece? Lilico Muitíssimo, de nome. Maurício Não é das suas relações? Lilico Bem... menino... Você compreende... Trata-se, afinal de contas, de um poeta... Maurício Eu sei. Lilico Não me consta que a família desse rapaz seja de quatrocentos anos... Walter Informaram-me que o poeta descende de libaneses pequenos industriais. Lili Libaneses pequenos industriais! Como é possível alguém ser poeta sem ancestrais aristocráticos?Walter A poesia deve ser cega. Lilico O senhor está me cheirando a comunista...Walter Não sou, não, senhor. Lilico Ainda bem. (T) Poeta, para mim, é Gui. Walter Quem? Lilico Pelo que vejo o senhor anda totalmente divorciado do movimento literário paulistano. Refiro-me a Guilherme de Almeida. Walter Sim? Lilico Quanto a este, poderei dar-lhe todas as informações. Walter Já tive o prazer e a honra de entrevistar Guilherme de Almeida. Lilico Pelo rádio? Walter Pelo rádio.

4. A Livraria Jaraguá mantinha um salão de chá muito frequentado pela alta sociedade paulistana. Ver, por exemplo, Os granfinos de São Paulo, de Joel Silveira, passim.

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Os roteiros de Túlio de Lemos: rádio, arte e consciência social

Lilico Pobre Gui... Acabará tocando pandeiro diante de um microfone...

Em seguida, passam pela Editora José Olympio, onde são informados que o “dou-tor Jamil”, que trabalha para eles, acabou de sair. Walter fica sabendo que o tratamento se deve ao fato de o poeta ser médico. Seu colega lembra-se de onde fica o seu consultório, e dirigem-se ao endereço. Mas lá, ficam sabendo que o doutor Jamil fechou o consultório.

Maurício lembra que ele trabalha no Diário de S. Paulo, para o qual o poeta escreve uma colaboração diária, mas também aqui são informados de que “ele acabou de sair” para um Congresso de Poesia. A situação se repete, e ainda a mesma coisa na Biblioteca Municipal, na Bolsa do Livro e na Faculdade de Filosofia. Ele está na faculdade, mas depois da aula se fecha numa sala, onde mergulha em livros para uma pesquisa sobre Castro Alves e não costuma atender ninguém. Walter irrita-se com seu colega, o mesmo que disse que “poetas são uma espécie de gente que não faz nada”, despede-o, e dirige-se à casa do doutor Jamil, preocupado com fato de que o programa irá ao ar no dia seguinte. Lá, espera no carro ele chegar, e a espera se prolonga até a madrugada. Acaba cochilan-do, é interpelado por um guarda noturno, e o diálogo é um pretexto para que Walter diga trechos de alguns poemas do homenageado. Enquanto dormia, o poeta havia chegado, e ele fica sabendo que o poeta costuma recitar em voz alta, no seu quarto, e dá para ouvi-lo na rua. Já de madrugada, o doutor Jamil começa a declamar, e aqui, o roteiro prevê uma gravação com trechos de poemas ditos pelo autor. As últimas linhas do roteiro:

Walter Guarda WalterGuarda

Túlio

TÉCNICA DISCO Túlio TÉCNICA DISCO Túlio

E eu não consegui falar com o homem. O principal é que o senhor poderá dizer uma porção de coisas sobre a poesia dele.O senhor acha? Claro! Pode dizer, por exemplo, as poesias desse livro. Pode contar a conversa que tivemos... Positivamente, amigos ouvintes, os guardas-noturnos são cavalheiros providenciais. Foi ele que solucionou o nosso problema, através de um batepapo mais do que noturno. Seja dito de passagem que conseguimos do próprio Jamil Almansur Haddad duas declarações devidamente gravadas. Eis a primeira... Ela é muito importante para aqueles que um dia interpretarão a obra do Poeta.

A segunda diz respeito à sua vida. Ei-la.

Uma declaração houve, que não foi gravada. O poeta nos disse que quando não está lendo ou escrevendo está amando. Ele é um grande namorador, qualidade muito elogiável. Tem mil ocupações e não é boêmio, eis duas outras características do poeta. Terminarei esta audição com a moral do programa; é a seguinte: poeta não é sinônimo de vagabundo.

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Irineu Guerrini Jr.

5. Não foi possível obter uma explicação desse apelido do narrador. Provavelmente, mais uma das brincadeiras de Túlio com os participantes do programa.

E o programa termina assim, quando chega ao fim o processo de busca do poeta.É de se lamentar que essas gravações, que não foram transcritas no roteiro, mas

que, como é afirmado, seriam tão importantes para os estudiosos da vida e da obra do poeta, estejam desaparecidas.

Outro roteiro que deve ser mencionado é o que tem data de transmissão de 08.05.48. O programa é dedicado ao poeta paulista Pedro de Oliveira Ribeiro Neto (1908/1989), mas antes de apresentar dados biográficos do homenageado, dedica várias páginas à realização de um Congresso Brasileiro de Poesia, que estava sendo realizado na Escola Normal Caetano de Campos, na Praça da República, e que tinha como inte-grante da mesa o poeta em questão. E esta é a melhor parte do programa, que tem início apresentando uma imagem bastante idealizada do que seria um congresso de poetas:

ORQUESTRA SOBE E SOME, FUNDINDO COM SUAVE MÚSICA NOTURNA QUE FICA EM BG. Infecto5 (poeticamente) Ah, a fatalidade que preside o destino dos Poetas! Todo o

gesto deles é acompanhado pela presença da Poesia! Suas mínimas atitudes são minimizadas pela presença da Poesia! Agora mesmo, neste primeiro sábado de maio, eles estão reunidos, onde? Na praça da República, o mais poético de todos os recantos paulistanos. Realizam – os doces cantores de versos – o seu Primeiro Congresso Brasileiro de Poesia, reunidos ali no edif ício da Escola Normal Caetano de Campos, Certamente aspirando o suave perfume vegetal desta deliciosa praça da República. Nós, que desde o início desta série de programas, estamos vivendo ao lado de poetas, não podíamos deixar de comparecer ao augusto e tranquilo Congresso que congrega os grandes cantores do Brasil. Acostumamo-nos a essa excepcional convivência, desfrutando toda a superioridade que ela representa.

Mas não é exatamente esse ar de enlevo e serenidade que o narrador do programa encontra:

TÉCNICA ENTRA O DISCO DE MULTIDÃO ENFURECIDA. ORQUESTRA SOME.(espanto) Quanta gente descabelada, meu Deus! Pelo jeito, trata-se de uma reunião esportiva. As seções da Assembleia são mansos lagos azuis diante do que está acontecendo aqui...Você é um estúpido! Você é que é um energúmeno! Ah! Eu sabia!... Evidentemente, trata-se de uma reunião que não tem nada a ver com a Poesia. Aquele homem, lá no fundo, está ameaçando espancar aquela moça! (estupor) Mas... eu conheço aquele camarada! É um poeta! Sim! É Paulo Vanzolini! E a moça é uma poetisa! A Patrícia Galvão! Essa gente terá enlouquecido!

Infecto

Voz 1Voz 3Infecto

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Os roteiros de Túlio de Lemos: rádio, arte e consciência social

6. www.dicionariompb.com.br – Dicionário Cravo Albim de Música Popular Brasileira. Último acesso em 09/05/20127. Não foi possível obter dados mais precisos sobre Tavares de Miranda. 8. Wikipedia. Último acesso em 04.04.11,

Paulo Vanzolini (1924----) eminente zoólogo e doutor pela Universidade Harvard, professor emérito da Universidade de São Paulo, é também poeta (Lira, 1954, entre ou-tros) e compositor de sambas – os mais conhecidos são Ronda e Volta por cima.6 Patrícia Galvão (1910-1962), a Pagu, escritora e militante política, foi uma das companheiras de Oswald de Andrade (Campos, 1985: passim) que também é mencionado no programa e que mereceu outro só para ele (ver adiante). E o tom acalorado continua:

Voz 1Voz 3Infecto

Voz 1 Voz 3

A tua tese é um prodígio de burrice! E a tua burrice é um prodígio de tese! (esmagado) Meus amigos, eu sinto muito, mas a verdade é que estamos no interior do auditório onde se realiza uma sessão do Primeiro Congresso Brasileiro de Poesia! Infelizmente! Vejam, em pé, gesticulando, o meu amigo Oswald de Andrade! Parece-me que ele vai lutar com o poeta Tavares de Miranda! Idiota! Analfabeto!

Tavares de Miranda foi poeta e romancista, mas ficou conhecido por ter sido, por muitos anos, cronista social da Folha de S. Paulo.7

Vale a pena reproduzir as linhas seguintes do roteiro: Infecto

Voz 1 Voz 3Infecto

E nós, amigos ouvintes? E nós, que viemos esperando ouvir versos cheios de serenidade? Vá pro diabo! Vá pro inferno! Como eles se enganaram! Deviam ter se reunido no Estádio do Pacaembu! (T) Aquele camarada ali... Parece-me que é o Homem Montanha, de tal maneira é ameaçadora a sua atitude! Não! É o Geraldo Ferraz!

Geraldo Ferraz (1905-1979) foi importante escritor, jornalista e crítico literário brasileiro. Foi casado com Patrícia Galvão, e um dos fundadores do Partido Socialista Brasileiro8. Tinha um físico avantajado, daí a comparação com um praticante de luta-livre.

Mais adiante:ESTÚDIO

Infecto

(Todos) Burro! Energúmeno! Analfabeto! Incompetente! Poeta de meia pataca!Meus amigos, sinto-me impotente para descrever o que estou vendo! A minha especialidade, ao microfone, não são os torneios desta espécie! Vou

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Irineu Guerrini Jr.

9. Aurélio Campos destacou-se no rádio e na televisão como narrador e comentarista esportivo. 10. Só a partir desse momento é que ficamos sabendo que o “Infecto” (?) é Walter Forster, conhecido ator e apresentador de rádio e televisão, que participou de muitos programas de Túlio de Lemos.

E só a partir desse ponto é que é apresentado o poeta Pedro de Oliveira Ribeiro Neto, (1908-1989) ao qual é dedicado o programa! Esse trecho apresenta outra figuras e movimentos notáveis da época.

José Geraldo Vieira (1897-1977) foi escritor, médico e professor brasileiro. Traba-lhou como crítico do jornal Folha de S. Paulo e da revista Habitat. Traduziu numerosos livros do francês e do italiano. Foi curador da Bienal de São Paulo nos anos cinquenta.

pedir socorro ao Aurélio. (chamando) Aurélio Campos!9

O que é que há, Walter?10 Socorrro, Aurélio Campos! Queira irradiar este jogo, quero dizer: este Congresso! TÉCNICA – PÚBLICO DE ESTÁDIO EM BG. Pois não, Walter! Amigos ouvintes! O poeta Oswald de Andrade diz um desaforo ao poeta Miranda! Este devolve o desaforo e insulta violentamente o poeta Nazário! Nazário dá um passe para o poeta Betarello que entra com força em Domingos...O Domingos está aí? Sim! O poeta Domingos Carvalho da Silva, um dos paredros deste Congresso! Domingos ataca Rossini Camargo Guarnieri, que por sua vez ataca vigorosamente a ala de 45! O poeta Miranda continua marcando Oswald. Este passa uma rasteira em Miranda! Sururu diante do gol, quer dizer, diante da mesa da presidência! O sr. José Geraldo Vieira, juiz da pugna, digo, presidente da mesa, apita! VIOLENTOS TOQUES DE CAMPAINHADigo, toca a campainha!BERREIRO.José Geraldo Vieira suspende a partida! Digo, encerra a sessão! ENTRA EM BG DISCO DE VAIA. As arquibancadas vaiam! Os poetas de 45 afirmam que estão com a razão, mas a turma de 22 não se conforma! Reinicia-se o jogo, quero dizer, a sessão! Oswald, abusando da sua estatura, dá uma entrada violenta em Domingos! Cabotino!Desonesto!O jogo, perdão, o Congresso prossegue dentro da maior violência! Alguns assistentes, temendo que se alastre o conflito existente em campo, abandonam o Estádio Caetano de Campos! O curioso em tudo isso, senhores aficcionados, é a atitude assumida por Oliveira Neto, que, embora participante da mesa, se mantém na mais completa indiferença, contemplativamente.

AurélioInfecto

Aurélio

InfectoAurélio

ESTÚDIOAurélio

ESTÚDIOAurélio

TÉCNICAAurélio

Voz 1Voz 2Aurélio

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Os roteiros de Túlio de Lemos: rádio, arte e consciência social

11. www.josegeraldovieira.com.br – Último acesso em 09/05/2012. 12. Segundo depoimento para mim de sua filha Marilia Andrade, que aparece ainda criança no programa, a pronúncia do primeiro nome do seu pai tem a sílaba tônica na letra “a”. A pronúncia com a tônica na sílaba inicial, à inglesa, disseminou-se somente depois que se tornou conhecido o nome de Lee Oswald, que assasinou o presidente americano John Kennedy, em 1963.

Foi professor da Faculdade Cásper Líbero, cuja biblioteca leva seu nome.11 Domingos Carvalho da Silva (1915-2004) foi poeta, contista e ensaista. Lecionou

Teoria da Literatura na Universidade de Brasília. Foi ele que criou a expressão “Geração de 45”, surgida após a queda do Estado

Novo, e que tanto se preocupava com uma literatura mais intimista, de indagações psicológicas, como com um regionalismo renovador da linguagem. A “turma de 22” é, sem dúvida, o grupo que se formou em torno da Semana de Arte Moderna, realizada em 1922, em São Paulo.

Análise de um programa O roteiro escolhido tem como data de transmssão 10.04.48 e é dedicado a Oswald de Andrade.12 Moderno como o homenageado, o programa começa propondo uma via-gem ao futuro:

TalentoTÉCNICA

ORQUESTRA

TalentoVoz 1

Voz 2Voz 3Voz 4Voz 5

TÉCNICATalentoVoz 5TalentoVoz 5TalentoVoz

Vamos dar uma voltinha pelo futuro? Partamos neste avião...ENTRA FORTE E VAI PARA BG O DISCO DE AVIÃO.ENTRA FORTE E PASSA IMEDIATAMENTE PARA BG MÚSICA QUE DÊ A IMPRESSÃO DE VÔO PARA O FUTURO.Estamos assistindo ao desfilar dos anos...(CHEGANDO E FUGINDO LOGO, A FIM DE DAR A IMPRESSÃO DE COISA PASSAGEIRA.) 1970! 1980!1990!2000!(ORDENANDO) Ei, para aí, rapaz! ESTÚDIO – APITO TRÂNSITO. ORQUESTRA – PÁRA.AVIÃO PÁRA DE REPENTE.O que é que há? Quem é o senhor?Não está vendo? Eu sou o inspetor do trânsito aéreo! Ah!...E fique sabendo que é proibido voar com essa lata velha!Lata velha? É um Douglas, último tipo!Vamos deixar de piadas! Você sabe muito bem que não é permitido usar veículos antiquados e perigosos. Se quiser continuar voando, use um cinturão

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Irineu Guerrini Jr.

TÉCNICAORQUESTRA

Talento

Voz 1Voz 2Voz 3Voz 4Talento

TÉCNICAORQUESTRA

Talento

TÉCNICATalento

TÉCNICATalento

Voz fem.

TalentoTÉCNICA

Talento

Voz fem.TalentoVoz fem.

MeninoTalentoVoz 1Voz 2Voz 3Talento

a jato-propulsão destes daqui! Deixe esse trambolho!DISCO QUE ENTRA FORTE E PASSA A BG.REINICIA A MÚSICA DE VÔO.E aqui vou eu, amigos ouvintes, num veículo individual, voando a 600 por hora! Como os anos passam rapidamente! 2100!2300!2500!2700!E agora estou exatamente sobre o ano 3.000! Vamos descer!DISCOMÚSICA QUE DÊ A IMPRESSÃO DE RÁPIDA DESCIDA, SUMINDO LOGO. Que mundo mais diferente! As casas são de uma simplicidade absoluta! As roupas! Não existem mais, meus amigos! Este mundo do futuro é um caso de polícia! ENTRA EM BG VOZERIO DE MULTIDÃO.Estou mal de vida! Todo mundo me olhando, como quem olha um fenômeno!SOBE E DESCE.Devem estar estranhando minhas roupas antiquadas... (T) Antiquadas, uma ova! Foram feitas na rua Marconi, pelo último figurino de Alho-U13. Imbecis! Não suporto essa gente! Vou entrar nesta casa... O que diz aquela placa? (COM EFEITO METÁLICO, POSSIVELMENTE FALANDO ATRAVÉS DE PAPEL CELOFANE) Escola Pública! Vamos entrar!SOME.Aqui estou livre da curiosidade daqueles nudistas... Uns corredores tão claros! Que limpeza!(terceiro plano) Atenção, meninos! Atenção!Vem uma voz daquela sala. Vamos ver o que há por lá!...Atenção, meninos! Você aí, diga-me alguma coisa sobre o descobrimento do Brasil.O Brasil foi descoberto em 191..., por Oswald de Andrade.(gargalhada gostosa)Quem é aquele maluco que está perturbando a aula?Peguem esse sujeito!Vamos agarrá-lo! ORQUESTRA – MÚSICA DE FUGA EM BG.Pois sim! A mim vocês nunca mais pegarão! Vou voltar para a minha época,

13. Uma grafia curiosa e irreverente de Hollywood.

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Os roteiros de Túlio de Lemos: rádio, arte e consciência social

que este século só dá malucos!DISCO (passando rapidamente, como na primeira sequência) 2700! 2500!2100!2000!Aqui está aquilo que o maluco do inspetor de trânsito aéreo chamou de lata velha! Um Douglas, último tipo!SOME O DISCO, FUNDINDO COM AVIÃO EM BG.1990!1980!1970!1948! SOME. ORQUESTRA – SOME.

TÉCNICAVoz 1Voz 2Voz 3Voz 4Talento

TÉCNICAVoz 1Voz 2Voz 3Voz 4

TÉCNCIA

Fica clara, dessa maneira e desde o início do programa, a admiração que o rotei-rista tinha pelo homenageado. E também a procura por uma certa “modernidade” do roteiro, fazendo com que a ação se estenda ao ano 3.000! Esse estilo não é tão acentuado em programas da série que tratavam de poetas mais conservadores.

Em seguida, Túlio convida o ouvinte para uma visita à casa do próprio Oswald, que seria entrevistado e gravaria alguns de seus mais conhecidos poemas especialmente para o programa. Há uma gravação, também, em que a menina Antonieta Marília, então com dois anos e cinco meses, diz um poema, ou trecho, não identificado. Ela é filha de Oswald de Andrade e Maria Antonieta D’Alckmin, sua última companheira. Quando Túlio chega à casa de Oswald, quem atende é uma típica “preta velha”, nesta reconstitui-ção, feita por uma atriz.

TÉCNICAESTÚDIO

PretaTalentoPretaTalento

PretaTalentoPretaTalentoPreta

BRECADA DE AUTOMÓVEL. CIGARRA14

O que é que o sinhô qué?Falar com o Oswald!Dotô Oswardo não tá!Como é que não está? Ainda há pouco, quando telefonei, ele me disse que ficaria à minha espera!Ah! U sinhô trabáia no rádio? Sim!Eli disse que é pro sinhô intrá e isperá um poquinho. Eli vorta logo!Obrigado.Pode intrá, moço. Sente.

14. Campainha.

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Irineu Guerrini Jr.

TalentoPretaTalento

ESTÚDIOTalento

Não, obrigado. Vou olhar estes quadros...Cum licença...Pois não...PORTA QUE SE FECHA.(Espanto) Um quadro de Chirico, o famoso modernista italiano! É um original! Isto deve valer uma fortuna! Um original de Picasso! Este Oswald de Andrade deve ser milionário! E quanta coisa do Brasil! Na realidade, as coisas do Brasil dominam a casa de Oswald. Pintores e escultores estão presentes em suas obras. Raízes de formas estranhas, imagens fabricadas por santeiros populares, móveis – como tudo isto é deliciosamente brasileiro! Este aqui... O que é? (lendo) Poesias Reunidas, O. Andrade. Tem um prefácio de Paulo Prado. Fala sobre a vida do extraordinário poeta que é Oswald de Andrade, sobre a sua obra magnífica. Este trecho deve dizer respeito ao início da carreira literária de Oswald... A gente pode muito bem imaginar o rapazinho de 17 anos... Ei-lo que procura ouvir os poetas da época... Vai ao encontro deles...

Esse rapazinho de dezessete anos já era um espírito inquieto, à procura do ver-dadeiro Brasil nas artes e na literatura. Mas era dif ícil encontrar o Brasil verdadeiro. Oswald depara com um poeta parnasiano, e diz a ele que seus versos não eram poesia brasileira. Encontra um maestro italiano, regendo a protofonia do Guarani, e para Os-wald aquilo não era música brasileira. Arrebenta uma estátua em praça pública – uma mulher com vestes romanas e nariz grego, que supostamente representava a civilização brasileira. Vai ao Rio, encontrar-se com Olavo Bilac para pedir-lhe conselhos, e este lhe mostra o seu último poema, de tema nada brasileiro: “O incêndio de Roma”. Oswald fica desesperado:

Rapaga (esmagadíssimo) O Incêndio de Roma? Oh!... (sumindo) Não é possível! Não é possível! Eu quero Brasil, Brasil, Brasil!

Oswald encontrava o Brasil nos poetas populares, nas histórias de negras velhas... Mas, e a sua poesia? O programa agora menciona a viagem de Oswald à França. Depois de entrar em contato com as correntes artísticas e literárias mais modernas, e de estu-dar muito, ele acha a solução para a sua arte: o primitivismo. Aqui, o roteirista dá uma interessante indicação para a orquestra:

ORQUESTRA O CORO CANTA UM BATUQUE BEM AFRICANO, EM BG, COM ACOMPANHAMENTO DE PERCUSSÃO, A PALAVRA PRIMITIVISMO.

O programa reproduz em seguida duas gravações do próprio Oswald feitas para a ocasião, quando o roteirista foi visitá-lo na sua casa. Pelo contexto, essas gravações, que não estão identificadas no roteiro, devem conter o Manifesto Antropofágico e o

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Os roteiros de Túlio de Lemos: rádio, arte e consciência social

Manifesto Pau-Brasil. É esta a sequência:Talento

ORQUESTRAProfessora

TÉCNICATalento

TÉCNICA

Num dia que não era o 21 de abril, ele viu, não o Monte Pascoal, mas o Pão de Açúcar. Foi assim, meninos, que o doutor Oswald de Andrade descobriu o Brasil. SOME.E quando ele desembarcou, reuniu a bugrada e declarou...DISCO.Esse poema famoso, que vocês acabaram de ouvir numa gravação feita especialmente para esta audição pelo grande Oswald de Andrade, foi feito há 23 anos, portanto numa época em que o Brasil estava atolado no mais furioso e antibrasileiro parnasianismo. E foi mais ou menos por essa época que Oswald de Andrade, que é também negociante de imóveis, fez a declaração de princípios que repetiu ao programador...DISCO15

Em seguida, o apresentador do programa “Talento” depara com o mesmo poeta conservador que encontrara no início do programa, e como este insiste em dizer que a Antropofagia não foi mais do que uma piada de Oswald de Andrade, só encontra um recurso para calar esse poeta:

15. Muito provavelmente, Oswald lê aqui o seu Manifesto Pau–Brasil ou o Manifesto Antropofágico.

TalentoLuluTalentoLuluTalento

TÉCNICATalento

Está bom... O senhor dizia que a Antropofagia foi apenas uma piada literária. Afirmo-o!Para os males como o senhor, só há um recurso.Qual?Este.TIRO.Senhores ouvintes, acabo de ter o grato prazer de assassinar o reacionário das letras! Cumprirei gostosamente trinta anos de prisão, se os juizes tiverem coragem de me condenar por este ato de benemerência.

Depois dessa sequência, o programa viaja novamente para o futuro, continuando a cena apresentada no seu início, na escola. Mas no ano 3.000, a professora evoca o pas-sado, mais exatamente a Semana de Arte de 1922:

ProfessoraMenino

ProfessoraMenino

Atenção, meninos! Quem foi o autor da Independência do Brasil!Dom Oswald de Andrade.Muito bem. Onde?Na colina do Anhangabaú, dentro do Teatro Municipal, no ano de 1922. Dom Oswald reuniu uma porção de gente decidida a mostrar que tínhamos inteligência bastante para não dependermos dos outros.

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Irineu Guerrini Jr.

Muito bem. Pode sentar-se.É a fatalíssima voz do futuro que fala, meus amigos. Ela refletirá sempre e sempre a ação revolucionária-permanente de Oswald de Andrade. Assim como foram pintados muitos quadros reproduzindo a cena do Grito do Ipiranga, muitas obras de arte imortalizarão o grande berreiro que foi a Semana de Arte Moderna.

ProfessoraTalento

É essa a deixa para Túlio apresentar uma rápida dramatização do que foi a Se-mana de Arte Moderna no Teatro Municipal de São Paulo em fevereiro de 1922, com seus principais participantes. Algo curioso é que o narrador reencontra o “reacionário das letras”, que assassinara em 1948 (data da transmissão do programa). Mas o “rea-cionário das letras” explica para o atônito apresentador do programa que agora estavam em 1922, e que, portanto, ele ainda estava vivo! Oswald lê um trecho de seu romance Os condenados, e o roteirista aproveita para lembrar o que Roger Bastide afirmou sobre essa obra: que estava, para o Brasil, assim como Madame Bovary estava para a França.

A cena que termina o programa se passa na casa de Oswald de Andrade. Conhece-mos Maria Antonieta D’Alkmin, sua filha Antonieta Marília, e o próprio Oswald. Túlio escreve que já não sentirá desejo de ter podido conhecer José Bonifácio ou o Frei Cane-ca, pois esteve pessoalmente com ninguém menos que Oswald de Andrade

Talento

TÉCNICATalento

TÉCNICATalento

ESTÚDIOTalento

ESTÚDIOTalento

É a própria história, amigos ouvintes, que nos deixa aqui na casa de Oswald. Como nos primeiros momentos deste programa, eis-nos na residência do herói. Maria Antonieta D’Alkmin, esposa de Oswald, aproxima-se. Está em seus braços a filha do casal, Antonieta Marília, com dois anos e cinco meses. A pequena também é educada nacionalissimamente. Ouçam-na: DISCOÉ a companheira inigualável do inigualável homem que nos oferece um cafezinho. (T) Muito obrigado, dona Antonieta!... Que bolinhos gostosos! De fubá! Uma delícia! Viremos almoçar aqui, sim senhora, um dia destes. A senhora falou em virado à paulista? Gosto demais de virado à paulista! O autor deste programa vai fazer-lhe uma pergunta...DISCOEntão Dona Antonieta nos conta como começou seu romance com Oswald. Ela era sua secretária. Ele ditava, ela batia... MÁQUINA DE ESCREVER EM BG.E um dia ela passou a máquina para o escrevente de um cartório qualquer. Tratava-se de compor os proclamas de mais um casamento: Maria Antonieta d’Alckmin, prendas domésticas, e Oswald de Andrade, advogado. A felicidade mora na rua Monsenhor Passalacqua, 142.PARA.Dona Antonieta, orgulhosa do homem-universo que tem a seu lado, nos conta

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Os roteiros de Túlio de Lemos: rádio, arte e consciência social

ESTÚDIOTalento

Túlio

TÉCNICATúlio

as suas proezas. (T) Não diga, dona Antonieta! Então ele já pronunciou uma conferência na Sorbonne? Que coisa! E fez outra conferência no Sindicato dos Padeiros, Confeitarias e Anexos? E é livre-docente da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo? Muito bem. Estamos tomando nota.PORTA QUE ABRE E FECHA COM FORÇA.Quem entrou fazendo tanto barulho? Deve ter sido um furacão... É, sim. É o furacão Oswald de Andrade.Então, amigos ouvintes, nós tivemos a oportunidade de conversar com alguém que passará para a história. O fabuloso homem que descobriu o Brasil e descobriu a independência da nossa inteligência vai dar muito que fazer aos historiadores. Dentro de pouco tempo todo mundo ficará sabendo o profundo valor dessa personalidade que foi considerada apenas como um blagueur inteligente. Por mim, já não sentirei desejos delirantes de passear de bonde com José Bonifácio ou de ir a um parque de diversões com Frei Caneca, pois conversei, cara a cara, com Oswald de Andrade. Ouvi de sua própria voz e fiz gravar o mais belo de todos os seus poemas porque inspirado pela mais amada de todas as mulheres...DISCO.Um aviso: Oswald de Andrade tem telefone em casa. É bem possível que os descendentes do homem assassinado pelo nosso narrador queiram dizer mais um desaforo para o escritor de tão construtiva irreverência. Prevenimo-los, contudo, que Oswald tem um repertório de xingação verdadeiramente perigoso... Cuidado!

O programa termina com o comercial de Detefon e a música de encerramento.

Considerações Finais

Para mim foi um privilégio descobrir e trabalhar com algo tão rico de significados e tão importante para a história do rádio como os roteiros deixados por Túlio de Lemos. Creio ter podido demonstrar a validade dessa afirmação com a reprodução de uma pequena amostra desses roteiros e com a contextualização que procurei fazer desse material em termos históricos e radiofônicos.

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Irineu Guerrini Jr.

Referências Bibliográficas

a) gerais ARNHEIM, Rudolf. O diferencial da cegueira: estar além dos limites dos corpos.Tradução de Eduardo Meditsch. In MEDITSCH, Eduardo (Org.). Teorias do rádio: textos e contextos, vol. 1. Florianópolis: Editora Insular, 2005. BALSEBRE, Armand. A linguagem radiofônica. In MEDITSCH, Eduardo (Org.). Teorias do rádio: textos e contextos, vol. 1. Florianópolis: Editora Insular, 2005.ESSLIN, Martin. An anatomy of drama. New York: Hill and Wang, 1977. KAPLUN, Mário. A natureza do meio: limitações e possibilidades do Rádio. Tradução de Valci Zuculoto. In MEDITSCH, Eduardo (Org.). Teorias do rádio: textos e contextos, vol. 1. Florianópolis: Editora Insular, 2005. MACLEISH, Robert. Produção de rádio: um guia abrangente de produção radiofônica. São Paulo: Summus, 2001.SILVEIRA, Joel. A milésima segunda noite na Avenida Paulista e outras reportagens. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. VICENTE, Eduardo. Radiodrama em São Paulo: a história de Zé Caolho, de Dias Gomes. São Paulo: 2011, mimeo. WELLES, Orson e Bogdanovich, Peter. This is Orson Welles. New York: Da Capo Press, 1998.

b) obras de referência RABAÇA, Carlos Alberto e BARBOSA, Gustavo Guimarães. Dicionário de Comunicação. Rio de Janeiro: Elsiever: 2001.

c) periódicos GUERRINI JR., Irineu. De um sótão no Quartier Latin para uma kitchinete em São

Paulo: La Bohème – e outras óperas – na Rádio Tupi de São Paulo. Communicare, São Paulo, vol. 5 – nº 2 – 2º semestre 2005.

d) rede mundial de computadores www.josegeraldovieira.com.br www.dicionariompb.com.br

e) registros audiovisuais BACIC, Gregório (produtor) Tema livre. [Cópia em DVD] Programa realizado pela TV Cultura de São Paulo, que apresenta entrevista com Túlio de Lemos:1975.

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Comunicação, meios e mensagens

Este artigo resume, parcialmente, pesquisa sobre a imagem da literatura brasileira, nas versões on-line, de periódicos representativos no cenário da imprensa alemã. Analisamos as matérias jornalís-ticas selecionadas, a partir de abordagem discursivo-sócio-cognitiva da referenciação textual e de abordagem da Imagologia. Observou-se, assim, como a referenciação pode contribuir para a cons-trução argumentativa dos textos. Além disso, evidenciou-se a persistência de certos imagotipos so-bre o Brasil e nossa literatura.

Palavras-chave: Literatura brasileira; imagologia; referenciação; jornalismo; crítica.

Sonia Breitenwieser Alves dos Santos CastinoProfessora de Língua Portuguesa e Estudo de Gêneros Textuais no curso de graduação em Publicidade e Propaganda e Rádio e TV. [email protected]

A literatura brasileira vista pela imprensa Alemã

Literatura brasileña vista por la prensa alemana En este artículo se resume, en parte, la in-

vestigación sobre la imagen de la literatura brasileña en las

versiones online de revistas escenario representativo en

la prensa alemana. Se analizan las historias de las noticias

seleccionadas de enfoque discursivo-socio-cognitivo refer-

encias y imagología enfoque textual. Se observó, así como

haciendo referencia a la construcción pueden contribuir a

textos argumentativos. Por otra parte, hubo persistencia de

ciertas imagotipos sobre Brasil y nuestra literatura. Palabras

clave: Literatura brasileña; remisión; periodismo; crítica

Brasilian literature seen by the german press This article, in part, research on the image of Brazil-

ian literature in the online versions of journals representative

scenario in the German press. We analyze the news stories

selected from discursive approach-socio-cognitive referenc-

ing and textual approach Imagology. It was observed, as well

as referencing the construction can contribute to argumen-

tative texts. It was observed, as well as referencing the con-

struction can contribute to argumentative texts. Moreover,

there was persistence of certain imagotipos about Brazil and

our literature. Key-words: Brazilian literature; Imagology;

referral; journalism; review.

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A literatura brasileira vista pela imprensa Alemã

Introdução

Pesquisamos a cobertura sobre literatura brasileira, feita por periódicos da imprensa alemã, mais especificamente o jornal diário Die Welt (cuja tiragem é de cerca de 320 mil exemplares), o semanário alemão Die Zeit (com tiragem de 491 mil exemplares) e as revistas semanais alemãs Focus (com tiragem de 576.268 exemplares por semana, no segundo trimestre de 2010) e Der Spiegel (com média de 1, 046 milhão de exemplares vendidos semanalmente e distribuídos por mais de 150 países do mundo). Optamos, por uma questão de facilidade de acesso, pelas versões online desses periódicos, escolhi-dos devido à sua representatividade.

Constatamos que, no Zeit online, foram publicadas, até maio de 2012, 5848 maté-rias em que o Brasil é citado. Dessas matérias, a maior parte versa sobre futebol, política e economia, ecologia, catástrofes naturais, fatos singulares ou de interesse humano, violência e morte, ou seja, aqueles temas de alto grau de noticiabilidade, passíveis de despertar a atenção de grande número de pessoas e causar impacto, em qualquer parte do mundo. Em Der Spiegel online, de janeiro de 2007 até maio de 2012, nosso país foi citado mais de quatro mil vezes. No Welt online, entre junho de 1994 e maio de 2012, 6211 vezes.

No âmbito desta pesquisa, formulamos a seguinte pergunta: que imagem da litera-tura brasileira impõe-se nessa amostra da imprensa alemã?

Tendo em vista a necessidade de recortar a pesquisa, para este artigo, foram es-colhidas para análise sete matérias que tratam de forma genérica ou panorâmica da literatura brasileira, uma das quais data de 1954, enquanto seis foram publicadas entre 1992 e 1995:

Texto 1: “Die exoten von Berlin” (Os exóticos de Berlim), reportagem assinada por Georg Sütterlin e publicada na edição especial do Der Spiegel, de 01/10/1994, sobre a Feira do livro de Frankfurt de 1994, em que o Brasil foi o país-convidado de honra.

Texto 2: A crônica “Wir sind anders” (Somos diferentes), publicada no Zeit, nº 41 de 07/10/1994, assinada pelo escritor brasileiro João Ubaldo Ribeiro.

Texto 3: “Rundumschlag” (Batida policial), de Henry Thorau, resenha publicada no Die Zeit, nº 49, de 27/11/1992.

Texto 4: “Flüsse mit drittem Ufer - ein Panorama der brasilianischen Literatur” (Rios com terceira margem, um panorama da literatura brasileira), reportagem também da edição especial nº 10 de 01/10/1994, de Der Spiegel, sobre a feira de livros de Frankfurt, de 1994, assinado por Hugo Loetscher.

Texto 5: “Dichterland Brasilien” (Brasil, o país de poetas), publicado na Focus, nº 40 de 1994.

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Texto 6: “Ein Krieg am Ende der Welt” (Uma guerra no fim do mundo), publicado na Focus nº 11, de 13.03.1995.

Texto 7: Resenha “Aus der Welt der Sklaven” (Do mundo dos escravos), publicada no Die Zeit / Zeitonline, em 1954, assinada por Heinz Hell.

Esses textos, na escolha dos temas e no viés com que os trata, refletem o repertório, interesses e preferências estéticas do público a que se destinam. Um jornal responde a demandas, e reflete um conjunto geral de ideias que circulam entre seus leitores. Como é a imagem do Brasil e da literatura brasileira nesse contexto? Como nossa literatura e nosso país são percebidos? Como isso se reflete nas escolhas linguísticas dos jornalistas nos textos?

Tangenciamos a questão da recepção da literatura brasileira na Alemanha, já estu-dada parcialmente por Barbosa (2010), por exemplo, a partir da crítica acadêmica, que ocorre principalmente nos centros de estudos brasilianistas ligados a Universidades. Nesta pesquisa, restringimo-nos à produção textual, de jornalistas e colaboradores, e que tenha sido publicada nos periódicos mencionados, representantes da grande imprensa.

Desejamos completar o quadro descritivo com uma abordagem discursiva da questão, considerando as condições sociais de enunciação. A análise de conteúdo segue necessariamente paralela à análise de elementos textuais. Será assim possível vislum-brar a imagem da cultura brasileira por meio da análise da cobertura jornalística do tema específico – literatura - e investigar estratégias discursivas específicas escolhidas pelo jornalista e seus efeitos de sentido.

Em textos de alemães sobre o Brasil, tem ocorrido a presença de uma imagem complexa e paradoxal do país - ora como paraíso terreal – locus amenus, ora como a negação do éden, como nas visões de horrores, por exemplo, narradas por Hans Staden, de uma terra de natureza exuberante, com selvagens vivendo a barbárie de práticas primitivas, de canibalismo (Barbosa, 2010: 275).

A partir da década de 50 do século XX, ressurge a imagem do paradisíaco ligado ao Brasil, mas um paraíso transmutado em pitoresco e exotismo. Trata-se de uma varia-ção da imagem sobre o Brasil, imagem construída historicamente entre os alemães a partir dos relatos dos viajantes. Até mesmo o entusiasta pelo Brasil, Stefan Zweig, autor do estudo clássico sobre o país - Brasil: um país do futuro, de 1941, revela compar-tilhar dessa visão pré-concebida. Aliás, que persiste mesmo depois de sete décadas, tal como se vê no livro de Alexander Busch, publicado em 2010 – Brasil, país do presente: o poder econômico do “Gigante Verde”.

Interessa-nos saber se, ao tratar da literatura brasileira, os jornalistas e colabora-dores dos periódicos estudados deixam entrever ainda tal imagem. No contato entre dois povos, ambos constroem certa imagem um do outro. Discutir essas imagens do outro e a imagem que fazemos de nós mesmos é uma forma de apropriação de nossa

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A literatura brasileira vista pela imprensa Alemã

própria voz. Isso também justifica a presente pesquisa.Barbosa (2010, 269) salienta que “a prática da literatura e por extensão também

de sua crítica, abraça necessariamente o olhar do outro” (grifo nosso), e mais adiante: “a ação de olhar para o outro traz consigo sempre uma dose de estereótipos, isto é, de ima-gens das práticas culturais alheias que adquirem um significado determinado, cristali-zam-se e passam a compor o conjunto de fatores que determinam a percepção do outro.”

Recorremos, assim, a estudos no âmbito da Imagologia1 , para investigar a imagem do Brasil, e por extensão, da literatura brasileira, divulgada na imprensa alemã. (Carva-lho, 1998; Dewulfe, 2001; Sousa, 2004; 2011; Barbosa, 2010; Camargo, 2006 e Silva, 2011).

Como consta no relatório de pesquisa entregue ao CIP - Castino, 2011 -recorremos ainda, para análise de linguagem, a estudos sobre referenciação discursiva como: Mar-cuschi e Koch, 1998; Marcuschi, 2000; Schwartz, 2000; Mondada e Dubois, 2003; Les-cano Guerra, 2004; Koch, 2005; Salomão, 2005; Melo, 2008; Luft, 2008; Palumbo, 2010. Esse aspecto, no entanto, não será desenvolvido detalhadamente no presente artigo.

Para a abordagem discursivo-sócio-cognitiva, a língua é mais do que mero instru-mento que reflete uma realidade já dada, mas é heterogênea, opaca, histórica, variável e socialmente constituída. Para designar objetos do discurso, o sujeito tem a seu dispor opções, como palavras diferentes, ou até os próprios objetos, mas a significação não é algo dado, pois decorre do contexto, que, num sentido amplo, pode incluir toda a cultura dos envolvidos.

A língua não é mero espelho do mundo. Realiza-se em práticas sociais que constro-em cognitivamente o mundo como objetos discursivos, a partir da experiência e da rela-ção entre sujeitos que negociam os sentidos. Palavras não são etiquetas. O processo dis-cursivo da referenciação é que constrói os referentes e o faz negociando-os no desenrolar do discurso. Isso significa que a referenciação precisa ser vista como uma atividade dis-cursiva e não apenas textual, que acontece em situações de interação, dentro de um grupo social, inserido em uma cultura.

Flusser (1994)2 ressalta que a língua articula a essência (consciente e inconsciente) do grupo que a compartilha e constrói para comunicar-se. Entre muitas outras coisas, também materializa o espírito de tal grupo e sua visão do mundo.

Interessa-nos investigar nos textos do corpus proposto, imagens ou miragens do Brasil e sua literatura e como certos processos de referenciação podem revelar a visão

1. A Imagologia, originalmente literária - pois era parte dos estudos de Literatura Comparada, é uma área do saber que investiga imagens de nações e ou de povos ou de grupos, veiculadas em textos literários (poéticos, de história da literatura, de crítica literária e respectivas traduções). Para Camargo (2006) trata-se da investigação da maneira como se reage, na literatura de um determinado país, à literatura e à cultura de um país estrangeiro. No entanto, segundo Sousa (2011: 173), ampliou-se mais recentemente o âmbito de interesse da imagologia, que examina a imagem de países, de povos e de grupos em quaisquer textos escritos .2. Obra editada originalmente em alemão sob o título Brasilien oder die Suche nach dem neuen Menschen: Für eine Phänomenologie der Unterentwicklung (Brasil, ou a procura de um novo homem: por uma fenomenologia do subdesenvolvimento), Bollmann Verlag, 1994. Em português, tem o título de Fenomenologia do brasileiro, organizado por Gustavo Bernardo, Rio de Janeiro: EDUERJ, 1998.

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do autor do texto, sobre o Brasil e sua literatura, e pode ter efeito argumentativo – atua sobre o leitor, uma vez que o autor escolhe, dentro do que a língua oferece, as expressões capazes de efeitos de sentido, de acordo com sua intencionalidade.

1. Fata Morgana: imagotipos sobre o Brasil

“Toda decisão depende não apenas da posição das coisas, mas também da imagem que fazemos da posição das coisas”.Vilém Flusser, 1998.

Uma crônica, publicada no Zeit, nº 41 de 07/10/1994 é assinada pelo escritor brasileiro João Ubaldo Ribeiro e seu título original é “Wir sind anders” (= Somos dife-rentes). O autor comenta a atitude de certos estrangeiros face à literatura brasileira, ora negando sua existência ao incluí-la na literatura portuguesa (aliás, observei esse equívoco no site da Focusshop, onde romances de autores brasileiros são apresentados junto a autores portugueses como Saramago e Lobo Antunes), ora incluindo-a na litera-tura latino-americana, um equívoco, pois, como conclui Ubaldo, mesmo o conceito de América Latina é questionável - uma ficção que pouco tem nada a ver com nossa reali-dade cultural (daí o título de sua crônica – Wir sind anders (= Somos diferentes).

Como ponto de partida para o desenvolvimento da crônica, João Ubaldo, então morando em Berlim, usa as perguntas que sempre lhe são feitas frequentemente em entrevistas:

Existe mesmo literatura própria num país, que fica não sei onde, provavelmente habitável, e em que, como se sabe, há matas gigantescas, bons jogadores de futebol, índios perseguidos, mulatas com traseiros exuberantes, violência urbana, miséria, doenças tropicais, coqueiros e ditadores de uniformes paramentados? E, caso exista Literatura, será mesmo necessária? Esses nativos pitorescos não deveriam, de preferência, concentrar-se concretamente em melhorar as condições do país, em vez de escrever romances e poemas? (Ribeiro, 1994). [grifo e tradução nossa]3

João Ubaldo confronta-se, como se vê, com imagens prontas ou estereótipos sobre o Brasil, entre os alemães ou mesmo dos brasileiros sobre si mesmos4 . No âmbito da Imagologia, chamam-se imagotipos aos estereótipos que constroem tal imagem. Ce-

3. Original: “Gibt es wirklich Literatur in einem Land, das irgendwo liegt, wohl auch bewohnbar ist und von dem man weiß, es gibt dort riesige Wälder, gute Fußballspieler, verfolgte Indios, Mulattinnen mit üppigen Hinterteilen, Gewalt in der Stadt, Elend, tropische Krankheiten, Kokospalmen und Diktatoren, die in ordensgeschmückten Uniformen stecken? Und wenn es die Literatur gibt, ist sie dann wirklich notwendig? Sollten diese pittoresken Eingeborenen sich nicht lieber darauf konzentrieren, ganz konkret die Situation ihres Landes zu verbessern, statt Romane und Gedichte zu schreiben? (Ribeiro,“Wir sind anders”, die Zeit, 07/10/1994)

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A literatura brasileira vista pela imprensa Alemã

leste Henriques Marquês Ribeiro de Sousa (2004:158), especialista em estudos literários comparatísticos, lembra:

“Sabe-se que a primeira imagem do Brasil foi elaborada por europeus. Sabe-se que os brasileiros a aceitaram e a incorporaram durante muito tempo. Questionaram-na e ainda a questionam, mas de um salão de espelhos, onde muitos dos refletores de imagens são ainda europeus da gema, descendentes de europeus ou de outras nacionalidades”.

Sousa percebe que pode ser detectada, nas entrelinhas das obras literárias, ou brasileiras, ou alemãs, certa imagem do Brasil e, muitas vezes, é crucial estudar isso para entender as próprias obras.

De qualquer forma, é inegável o entrelaçamento entre as duas séries literárias – alemã e brasileira e as interinfluências culturais, como de Shopenhauer em Machado de Assis ou do mito fáustico no Grande Sertão Veredas de João Guimarães Rosa.

Embora não seja esse o objetivo central deste ensaio, cumpre observar a presença do Brasil entre os estudos dos germânicos, desde o século XVI, como em Hans Staden e seu livro de relatos sobre suas “Duas Viagens ao Brasil”. Goethe, já no século XVIII, usou o índio brasileiro como tema de três poemas seus: ‘’Canção de morte de um prisioneiro. Brasileiro’’, ‘’Canção de amor de um selvagem. Brasileiro’’5 e “Brasileiro”, que, segundo Huber, apud Barbosa (2010), são versificações de excertos de Montaigne, por sua vez, “traduções por ele realizadas de dois cantos indígenas oriundos do continente sul-ameri-cano e apresentam reflexões sobre a civilização europeia em comparação com o estado sel-vagem natural dos índios e seus costumes como o canibalismo. A figura do índio de Goethe plasmada por Montaigne, como nobre selvagem, é uma metamorfose do homem edênico.”

Machado de Assis (1839 - 1908), entre outros brasileiros, é considerado pelos alemães também um clássico da literatura universal, está incluído no Kindlers Liter-aturlexikon, da editora J. B. Metzler, desde a sua primeira edição de 1967. Algumas obras de Machado de Assis tiveram várias edições em alemão6, reedições e retraduções, o que é ainda mais significativo. Apesar de sua importância, o Spiegel online não oferece na sua lista de temas - Themen – um link para Machado de Assis, nem para Guimarães Rosa, embora ali figurem outros brasileiros, como Paulo Coelho.

Os critérios detalhados para escolha dos temas não são explicitados no site, mas os conteúdos são descritos como: informações fundamentais sobre pessoas proeminentes, desdobramentos atuais ou empresas importantes? Em nossas páginas de temas, você en-

4. A questão da identidade brasileira tem interessado a João Ubaldo Ribeiro, basta lembrar o romance Viva o povo brasileiro, de 1984, em que apresenta a versão da história nacional do ponto de vista dos excluídos e, ao dar voz a representantes de culturas diversas conviventes num caldo híbrido, desconstrói a ideia de uma cultura nacional homogênea, unificada, cuja identidade não está pronta, mas em constante transformação.5. Para chegar aos originais desses poemas e a suas traduções, acessar o artigo “O Brasil na obra de Goethe”, de Celeste H. M. Ribeiro de Sousa, disponível no site: http://www.apario.com.br/forumdeutsch/revistas/vol4/GOETHEFD.pdf6. Fonte: http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_lit/index.cfm?fuseaction=biografias_texto&cd_verbete=4953&cd_item=50

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contra milhares de temas que movimentam o mundo, de forma compacta e num relance.7

Essa posição de clássico é reconhecida também pelos periódicos, como na resenha Die Fotografie des Unsichtbaren, de Thomas Sträter, publicada no NZZ-online de 29 de setembro de 2008. Assim também no comentário de Benedikt Erenz8 , publicado no Die Zeit de 12/05/1999 (ano de Goethe), Camões, Machado, entre outros autores da lite-ratura universal, são chamados de “goethes”, autores canônicos, que, portanto, merecem a mesma atenção oferecida ao poeta alemão. Igualmente já reconhecia a alta categoria de Machado de Assis o crítico Heinz Hell, na introdução à resenha “Aus der Welt der Sklaven” (Do mundo dos escravos), publicada no Die Zeit / Zeitonline9, em 1954, em que comenta o romance Santa Rosa, de José Lins do Rego, então recentemente traduzido para o alemão. É verdade que Hell cita os canônicos modernos Érico Verissimo, Gracilia-no Ramos e George (sic) Amado. Aliás, Jorge Amado é o autor brasileiro mais traduzido para o alemão, que disputa com o best-seller Paulo Coelho em número de vendas.

Foi possível observar a ocorrência de certos imagotipos a respeito do Brasil, os brasileiros e sua literatura, persistentes em uma mostra da produção jornalística alemã sobre os autores brasileiros, nos periódicos estudados. Temos, assim: o Brasil é o país do samba; o Brasil é um paraíso edênico, o Brasil é exótico e a literatura brasileira também; brasileiro é ignorante; o Brasil é uma terra violenta e selvagem; a mulher brasileira é bonita e sensual; brasileiro é cordial; o Brasil é o país do carnaval X o brasileiro é resultado de três raças tristes; o Brasil é um país de contrastes; o Brasil é o país da miscigenação; o Brasil é um país gigante; Só nossa língua tem a palavra saudade; o brasileiro é muito religioso.10

A seguir, alguns exemplos.

2. Exotismo, erotismo, ignorância, violência e cordialidade

O Brasil é o país do samba Por exemplo, em nota, o Die Welt11 , edição de 24/06/2010, chama de Literatursamba

(= samba de literatura) à participação do Brasil como convidado de honra na Frankfurter Buchmesse (feira do livro de Frankfurt), em 2013.

7. Hintergrundinformationen über prominente Personen, aktuelle Entwicklungen oder wichtige Unternehmen? Auf unseren Themenseiten finden Sie zu Tausenden Themen, die die Welt bewegen, kompakt und auf einen Blick 8. Und wer hierzulande kennt Camões, Aleksis Kivi, Machado de Assis, Omar Chajjam, Basho? Alles keine Clandestina - alles Klassiker! Alles Goethes, die in ihren jeweiligen Heimatländern Schullektüre sind, Kanon, geliebt und verehr”.9. DIE ZEIT Nr. 27 - 08. Juli 1954 - Seite 6 ZEIT ONLINE: http://www.zeit.de/1954/27/aus-der-welt-der-sklaven10. Quero salientar que tal lista não pretende ser exaustiva e tem caráter provisório.11. Original, disponível em: http://www.welt.de/die-welt/kultur/article8161850/Vom-Nutzen-und-Nachteil-der-Historie-fuer-das-Leben.html Literatursamba. Der Ehrengast der Frankfurter Buchmesse 2013 heißt Brasilien. Die Absichtserklärung wurde vom brasilianischen Kulturminister Juca Ferreira und Buchmessen-Direktor Jürgen Boos in Brasilia unterzeichnet. Brasilien war bereits 1994 Ehrengast.”

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A literatura brasileira vista pela imprensa Alemã

O Brasil é exótico e a literatura brasileira tambémNão é necessário desenvolver aqui um histórico da evolução do imagotipo do exo-

tismo do Brasil, entre os alemães. Retomemos a conclusão de Barbosa (2010):Assim, a imagem que surge na Alemanha sobre o Brasil a partir do século XVI colabora para a formação e construção de uma visão caleidoscópica que reunia numa mesma imagem, o paraíso incorporado na paisagem, na Natureza e a imagem do horror representada pela figura do homem, do terrível canibal tupinambá, a imagem de uma terra distante e exótica. Esta caracterização inicial vai tomando a forma de apelo receptivo, conforme passa o tempo. Nas bases do século XVI estabelece-se uma tradição que determina em boa parte a recepção dos textos de e sobre o Brasil na Alemanha. Barbosa, 2010.

Essa imagem básica, de uma terra distante e exótica, é retomada por muitos rese-nhadores, talvez porque seja uma forma de garantir a atenção inicial dos leitores, em-bora não reflita necessariamente a linha de pensamento da crítica especializada dos brasilianistas (especialistas estrangeiros, ou não, que moram no exterior e estudam as-suntos brasileiros, ligados geralmente a instituições como universidades).

No texto Rundumschlag (“Batida policial”), de 1992, Henry Thorau considera Amazônia, de Sérgio Sant’Anna, um romance de geração. Em sua resenha, Thorau questiona o imagotipo do exotismo, se quisermos entender melhor a obra em questão. Na opinião dele, o romance escrito em 1986, em pleno processo de redemocratização do país, representaria sua geração e ele ressalta que isso torna o romance mais impor-tante ainda para o leitor alemão, “porque acrescenta uma nova faceta à imagem ainda exótica da literatura brasileira”12 (die Zeit, 27/11/1992 n. 49, grifo nosso).

Com “Amazônia”, no Brasil redemocratizado de 1986, Sérgio Sant’Anna escreveu justamente esse romance [romance de sua geração]. Para o leitor alemão, esse livro é, por isto, tão importante - porque acrescenta à imagem ainda exótica da literatura brasileira uma nova faceta: depois da reflexão sobre a história recente na obra de Antonio Callado, Ignácio de Loyola Brandão ou Ivan Ângelo, da literatura sobre os anos do silêncio, depois da literatura confessional de um Fernando Gabeira, temos aqui, em Sérgio Sant’Anna, a batida sarcástica e autoirônica de um angry old boy contra histórias que a vida escreveu. Na tipologia de personagens, ele se vincula às Crônicas da festa de horrores de Nelson Rodrigues, que já nos anos 1960 criou uma galeria de horrores de

12. Original: “(...). Mit ‘Amazone’ hat Sérgio Sant’Anna 1986 im redemokratisierten Brasilien genau diesen Roman [seiner Generation] geschrieben. Für den deutschen Leser ist dies Buch deshalb so wichtig, weil es dem immer noch exotischen Bild der brasilianischen Literatur eine neue Facette hinzufügt: nach der Widerspiegelung jüngster Geschichte im Werk Antonio Callados, Ignácio de Loyola Brandãos oder Ivan Angelos, der Literatur über die Jahre des Schweigens, nach der Bekenntnisliteratur eines Fernando Gabeira hier nun bei Sergio Sant’Anna der sarkastische und selbstironische Rundumschlag eines angry old boy gegen Geschichten, die das linke Leben schrieb. In der Typologie der Figuren knüpft er an die „Crônicas” des Partyschrecks Nelson Rodrigues an, der schon in den sechziger Jahren eine Horrorgalerie pseudoengagierter linker und rechter Kämpfer im Dunstkreis des Bürgertums schuf.”

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combatentes pseudoengajados de esquerda e de direita nos círculos da burguesia.

Observamos que os colaboradores e jornalistas admitem a existência, seja supera-da ou não, do imagotipo do exotismo e pitoresco – ainda o locus amaenus transmuda-do. Esse imagotipo reflete-se na escolha para publicação de obras literárias brasileiras ou não, que apresentam esses aspectos de interesse do leitor alemão, ou aquilo que os editores acham que é do interesse do leitor alemão médio.

Assim, a tradição estabelecida no século XVI também parece pesar bastante na re-portagem, “Die exoten von Berlin” (= Os exóticos de Berlim), assinada por Georg Sütter-lin e publicada na edição especial do Der Spiegel, de 01/10/1994, sobre a Feira do livro de Frankfurt de 1994, em que o Brasil foi o país-convidado de honra. Uma vez mais obser-vamos o imagotipo do exotismo, desde o título, em que há um jogo com a semelhança sonora entre as palavras – exoten (= excêntricos ou exóticos) e exotisch (exóticos).

Além disso, observamos, em associação com o trabalho de João Ubaldo Ribeiro, o acúmulo de palavras do campo semântico da Antropologia, associadas ao trabalho do escritor, talvez por ser brasileiro e por essas ideias estarem associadas ao Brasil: “Kon-takt mit den Eingeborenen” (= contato com os nativos, que no caso eram os berlinenses) “Sitten” (= costumes) “eigenartig” (= peculiares), “einen fast ethnologischen Blick für die Berliner Exotismen” (= um olhar quase etnológico sobre os exotismos dos berlinenses).

Note-se, no texto de Sütterlin, uma inversão, pois o escritor brasileiro João Ubaldo morou 15 meses em Berlin e escreveu sobre suas impressões de estrangeiro sobre a ci-dade e os costumes “exóticos” dos berlinenses, segundo Georg Sütterlin, com um olhar quase etnológico (einen fast ethnologischen Blick für die Berliner Exotismen). Faz ainda outra alusão a estudos em antropologia comparada feitos por antropólogos que vieram para o Brasil e não do Brasil – daí a inversão a que nos referimos. O crítico remete a esse universo no subtítulo, por exemplo, quando usa em duplo sentido a palavra Notizen (= notas, apontamentos), geralmente usada no contexto da ciência - as anotações de campo que o antropólogo faz sobre os grupos sociais que estuda. Ainda no texto, temos o verbo “berichten” (= relatar), como os relatos dos primeiros informantes sobre a Terra Brasilis e a expressão “höchst sonderbare Brauch” (= costume muitíssimo estranho/extravagante). O autor sugere a projeção metafórica - BERLINENSES = TRIBO (e, assim, objeto de pes-quisa antropológica) que se vai construindo no decorrer das recorrências do texto inteiro.

Mais adiante, no trecho seguinte do texto, temos a presença da redução do Brasil a um país de índios e de floresta tropical13:

Ribeiro é geralmente ameno e conciliador. Ele se torna mais contundente quando é tido como representante do seu país. O fato de que ele, enquanto brasileiro, pouco saiba sobre povos indígenas e a floresta tropical, o muito bem informado público alemão registra indignado ou ignora fleumaticamente. O que as pessoas exigem do autor convidado é, afinal, apenas a confirmação daquilo que elas mesmas já sabem. Mesmo que nem todos os textos sejam, na mesma medida, aguçados e precisos, as observações de Ribeiro sem

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dúvida são divertidas e instrutivas, com um teor de antropologia comparada. João Ubaldo Ribeiro: “Um brasileiro em Berlim”. Tradução do Português Brasileiro [sic] por Güde Ray. Suhrkamp Verlag, Frankfurt am Main, 103 páginas. (Der Spiegel, 01/10/1994)

É possível observarmos o interesse dos alemães por algo que é diferente deles, logo, é exótico, tais como tipos humanos diferentes que, de certa forma, fazem parte de uma paisagem diferente. Vilém Flusser, filósofo, intelectual tcheco que viveu muitos anos no Brasil, e é analista do Brasil, em seu ensaio “Fenomenologia do brasileiro”, iden-tifica a contemplação e admiração ufanista romântica da paisagem em certa produção literária brasileira como uma característica de uma literatura entre nós de uma fase pouco amadurecida, uma subliteratura ainda:

Porque o amor pelas palmeiras e pelos sabiás, pelos prados e pelas flores, e em geral pelo berço esplêndido, não passa de subliteratura (descendente tardio e defasado de um romantismo francês que, ele próprio, já é pose), de uma subliteratura que faz parte da ideologia burguesa e ameaça transformar-se em chauvinismo (a parte paisagística do chauvinismo se chama, ultimamente, “tropicalismo”). Que se trata de subliteratura, prova-o a verdadeira literatura: na maioria das vezes nem sequer contempla a natureza enquanto paisagem (Machado de Assis, por exemplo, cujos romances se passam no Rio, nem sequer contempla o mar, a não ser para transformá-lo em palco de uma morte). A aparente grande exceção, Guimarães Rosa, prova a tese aqui defendida. Não canta ele a natureza enquanto paisagem, mas descreve, pelo contrário, como homem e natureza se fundem em um todo místico, de maneira que plantas e animais passam a ser antropomorfos, e homens passam a ser animais e plantas. (Vilém Flusser, 1998).

Essas observações de Flusser ressoam reflexões de autores como Machado de As-sis e Nelson Rodrigues. Machado: “O meu sentimento nativista [...] sempre se doeu desta adoração da natureza. [...] eu não fiz, nem mandei fazer, o céu e as montanhas, as matas e os rios. Já os achei prontos”; Nelson Rodrigues: “O Brasil é uma paisagem” (apud Car-valho, 1998).

O brasileiro é ignoranteEm Die Exoten von Berlin, de Sütterlin, observações de João Ubaldo Ribeiro, durante

entrevista, foram apresentadas sob a forma de discurso relatado. Além da sua função evi-

13. Ribeiro ist im allgemeinen milde und versöhnlich. Etwas schärfer wird er, wenn er als Repräsentant seines Landes vereinnahmt wird. Daß er als Brasilianer von Indios und vom Regenwald wenig weiß, wird vom unheimlich gut informierten deutschen Publikum empört registriert oder geflissentlich übergangen. Was man vom Gast verlangt, ist ohnehin nur die Bestätigung dessen, was man selbst schon weiß. Wenn auch nicht jeder dieser Texte gleichermaßen zugespitzt und treffsicher ist, amüsant und instruktiv sind Ribeiros Notate einer vergleichenden Anthropologie allemal. Joao Ubaldo Ribeiro: “Ein Brasilianer in Berlin”. Aus dem brasilianischen Portugiesisch von Ray-Güde Mertin. Suhrkamp Verlag, Frankfurt am Main; 103 Seiten; 10,80 Mark. (grifos nossos)

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dente de produzir efeito de verdade e persuasivamente garantir credibilidade ao jornalis-ta, representa uma seleção entre as informações arroladas para a elaboração da matéria e pode revelar certa orientação argumentativa. A ocorrência seguinte chama a atenção:

Em uma série de crônicas, publicadas entre 1990 e 1991, no Frankfurter Rundschau, agora reunidas em livro com o título “Um brasileiro em Berlim”, Ribeiro relata suas vivências: a conclusão: “eles não entendem o que eu penso e não veem o que eu vejo”14. (Der Spiegel, 01/10/1994) [grifo nosso]

O discurso direto é introduzido também por um substantivo Fazit (= conclusão) e não apenas pelo verbo dicendi berichtet (= relata) e pela expressão nominal Erlebnisse (= vivências). Esta última palavra é um rótulo com função retrospectiva, pois remete à porção anterior do texto, resumindo a estadia em Berlim, o contato com os berlinen-ses e suas idiossincrasias como Erlebnisse; ao mesmo tempo, esse rótulo tem função prospectiva, pois a conclusão dessas Erlebnisse é apresentada em suas palavras citadas entre aspas: “Sie verstehen nicht, was ich meine, und sehen nicht, was ich sehe” (= eles não entendem o que eu penso e não veem o que eu vejo).

Temos outra ocorrência de discurso relatado, discurso indireto, no trecho, mais adiante:

Chama a atenção do autor o costume muito especial de leituras de poemas, para as quais, no Brasil, o público “só compareceria debaixo de metralhadora”. Parece excepcional para Ribeiro que os amantes da literatura se submetam a esse ritual de livre vontade. Ele suspeita de que são pagos para isso.15 (grifo nosso)

Em “Er vermutet, daß sie dafür bezahlt werden” (= ele suspeita de que são pagos para isso), discurso indireto, em que o verbo dicendi, “vermutet” (= suspeita), contribui para a intenção de humor do escritor entrevistado, que em verdade não “desconfia de nada“, mas quer apontar o tamanho de seu estranhamento face ao fato anteriormente relatado – que os alemães participem de uma leitura de textos poéticos de livre vontade. Aqui se revela o julgamento dos brasileiros, como renitentes à cultura, sugerido pela imagem metafórica: “no Brasil, o público só compareceria debaixo de metralhadora”. É verdade que é uma afirmação (jocosa) de João Ubaldo Ribeiro, mas a ela foi dado destaque pela matéria.

O jornalista usou ainda o substantivo “ritual” para retomar “Dichterlesungen” (=leitura de poemas), o que revela um ponto de vista positivo diante desse tipo de even-

14. In einer Reihe von Kolumnen, die 1990/91 in der Frankfurter Rundschau erschienen sind und jetzt unter dem Titel “Ein Brasilianer in Berlin” als Buch vorliegen, berichtet Ribeiro über seine Erlebnisse: Fazit: “Sie verstehen nicht, was ich meine, und sehen nicht, was ich sehe.”15. Original: Dem Schriftsteller sticht der höchst sonderbare Brauch von Dichterlesungen ins Auge, zu denen man in Brasilien das Publikum nur “mit vorgehaltenem Maschinengewehr” brächte. Es scheint Ribeiro ausgeschlossen, daß Literaturliebhaber sich einem solchen Ritual aus freien Stücken unterziehen. Er vermutet, daß sie dafür bezahlt werden.

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to e uma visão da literatura como digna de ser amada, o que reforça as tintas que reco-brem a descrição do comportamento diferente dos brasileiros.

Examinemos novamente o trecho seguinte: Ribeiro é geralmente ameno e conciliador. Ele se torna mais contundente quando é tido como representante do seu país. O fato de que ele, enquanto brasileiro, pouco saiba sobre povos indígenas e a floresta tropical, o muito bem informado público alemão registra indignado ou ignora fleumaticamente. O que as pessoas exigem do autor convidado é, afinal, apenas a confirmação daquilo que elas mesmas já sabem.16 (grifos nossos).

Aí se reforçam a imagem do brasileiro cordial, como também a imagem do brasileiro ignorante, uma vez que o escritor convidado pelo serviço cultural de inter-câmbio é apresentado como alguém que sabe menos sobre seu próprio país do que os alemães. Ironicamente, cumpre lembrar que esse “unheimlich gut informierten deutschen Publikum” (= terrivelmente bem informado público alemão), na verdade, conhece mal as dimensões do nosso país.

O texto do Spiegel acaba por reforçar imagotipos redutores sobre o Brasil como uma terra de índios e floresta tropical, sem apontar ao fato que em nosso país, apenas 0,25% são índios e aquela floresta ocupa menos da metade do território e se localiza longe das grandes megalópoles do sudeste como São Paulo e Rio de Janeiro.

O Brasil é uma terra violenta e selvagemNo trecho seguinte, do texto “Die Exoten von Berlin”:

O instinto assassino dos motoristas brasileiros de certa forma empalidece perto do perigo que representam os ciclistas de Berlim, que derivam sua brutalidade da consciência de pertencer à vanguarda ecológica. Chama a atenção do autor o costume muito especial de leituras de poemas, para as quais, no Brasil, o público “só compareceria debaixo de metralhadora”.17

Sütterlin compara ironicamente a agressividade dos motoristas brasileiros à peri-culosidade dos ciclistas ecológicos de Berlin. Temos palavras do campo semântico da violência, usadas metaforicamente, que podem reforçar a associação do Brasil com a vi-olência urbana, como “Killerinstinkt” (= instinto assassino); “Gefährlichkeit” (= perigo); “Rücksichtslosigkeit” (= brutalidade); “mit vorgehaltenem Maschinengewehr” (= sob a ameaça de metralhadora).

A mulher brasileira é bonita e sensual Encontramos esse imagotipo no texto “Jorge Amado ist tot” sobre a morte do

16. Ver nota 12.17. Original: Der Killerinstinkt der brasilianischen Autofahrer etwa verblaßt neben der Gefährlichkeit von Berlins Radfahrern, die ihre Rücksichtslosigkeit aus dem Bewußtsein schöpfen, zur ökologischen Avantgarde zu gehören. Dem Schriftsteller sticht der höchst sonderbare Brauch von Dichterlesungen ins Auge, zu denen man in Brasilien das Publikum nur “mit vorgehaltenem Maschinengewehr” brächte.

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escritor, aí chamado de Balzac brasileiro. Salienta-se que Jorge Amado foi o maior escri-tor da América Latina, muitas vezes considerado para o Nobel de Literatura, indicando sua importância. O trecho, em seguida, explica que os temas de suas obras giravam em torno do Brasil, das mulheres e a vida simples nos trópicos:

Tema de suas obras foi sempre o Brasil, as mulheres e a vida simples nos trópicos. Entre suas mais famosas obras, que foram traduzidas para o alemão, encontram-se os romances Gabriela, cravo e canela; Dona Flor e seus dois maridos e O desaparecimento de Santa Barbara.18

3. Miscigenação e contrastes

Vilém Flusser, em seu ensaio Fenomenologia do brasileiro, toma justamente o imagotipo da mestiçagem como ponto de partida para suas reflexões sobre nós:

Mas há, na famosa sentença, uma centelha de verdade que pode servir de ponto de partida. A saber: a síntese tem algo a ver com a essência brasileira. Porque síntese é mistura superada, e o Brasil é obviamente um país de misturas em todos os níveis [grifo nosso]. Na economia e na política, na arquitetura e na filosofia, e principalmente no nível humano, como tipo. A palavra “raça”, por exemplo, que ocorre na sentença citada, não significa no Brasil, como na Europa e Estados Unidos, critério para distinguir entre homens, mas critério para distinguir entre vários traços do mesmo homem. O resultado surpreendente de misturas raciais inacreditáveis (por exemplo, nórdico-negro-japonês, ou árabe-indígena-eslavo) é a beleza. Muito se tem falado da graça, da beleza e da elegância da mulher brasileira, mas nunca o suficiente. Em parte alguma (isto pode ser afirmado sem exagero), a feminilidade se apresenta em formas tão perfeitas e sedutoras. Parece que a mistura de raças conseguiu alcançar uma síntese graças à qual o especificamente racial cede ao genericamente humano em novo nível (no caso: ao genericamente feminino). Não pode haver argumento melhor para reforçar que o Brasil seja contra o racismo.”

O Brasil é o país da miscigenaçãoNo texto “Flüsse mit drittem Ufer - ein Panorama der brasilianischen Literatur”

(Rios com terceira margem, um panorama da literatura brasileira) outra reportagem da edição especial de Der Spiegel, sobre a feira de livros de Frankfurt, de 1994, o crítico apresenta-nos o que entende por “brasilidade” – ligação entre democracia étnica e mis-cigenação racial e cultural.

São paradoxos de um livro saudado como ‘Bíblia da brasilidade’. Porque em brasilidade

18. Original: Thema seiner Werke war stets Brasilien, die Frauen und das einfache Leben in den Tropen. Zu seinen berühmtesten Werken, die auch ins Deutsche übersetzt wurden, gehörten die Romane ‚Gabriela wie Zimt und Nelken‘, ‚Dona Flor und ihre zwei Ehemänner‘ und ‚Das Verschwinden der heiligen Barbara‘.

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devem combinar democracia étnica e triunfo da miscigenação racial e cultural.19

O mesmo imagotipo da miscigenação, incluindo, no entanto, elementos culturais, já aparecia no trecho seguinte, da resenha de 1954, assinada por Heinz Hell, com o tí-tulo de “Aus der Welt der Sklaven” (= Do mundo dos escravos) e publicada no periódico Die Zeit, número 27, de 08/07/1954. A resenha é do livro “Santa Rosa” que, na tradução alemã de 1953, abrange os três romances de José Lins do Rego, Menino de Engenho, Banguê e O Moleque Ricardo:

Mais uma vez, o mundo dos negros ressurge transplantado da África para o Brasil em cultos sobrepostos às doutrinas de cunho neo-russo.20

Heinz Hell salienta a distância entre a mentalidade alemã e os temas históricos dos romances brasileiros e que há neles a presença de um mundo subjetivamente irracional, ligado à natureza, como se vê na metáfora do seu enraizamento na árvore do conhe-cimento (in ihm wurzelt der Baum der Erkenntnis einer subjektiv irrationalen Welt), talvez inalcançável para quem não seja brasileiro. Percebe-se aqui uma variante mais suave do imagotipo do exotismo, nesta descrição que H. Hell faz do romance brasileiro e reforçado no decorrer do texto:

O romance brasileiro longo ainda é pouco conhecido na Alemanha. Seu enredo envolve, na maioria, temas históricos nacionais e, por isso, está, provavelmente, muito distante de nossa mentalidade e nossa empatia. Mas nele se enraíza a árvore do conhecimento de um mundo subjetivamente irracional, que ninguém de fora foi capaz de realmente compreender plasticamente.21

O crítico vê qualidade na literatura brasileira, embora a rotule de diferente, distan-te. O resenhador também revela que os autores modernos tratam de problemas atuais, por vezes sociológicos, mas perdem muito quando traduzidos em versões que não dão conta de certa atmosfera desses romances. Em seguida, Hell elogia a tradução exemplar de Elfriede Kaut, como uma exceção.

Mais adiante, no texto, iniciam-se os comentários pelo exame do espaço narra-tivo, em que se reitera a “estranheza narcotizante” e já se começa a tratar da questão da selvageria desse mundo, quando Heinz Hell usa a metáfora do sangue coagulado/

19. Das sind paradoxe Voraussetzungen für ein Buch, das als ‚Bibel der Brasilianität‘ gefeiert wurde. Denn mit Brasilianität sollte sich die Vorstellung der ethnischen Demokratie verbinden und der Triumph der rassischen und kulturellen Mischung.“20. Wieder tut sich die Welt der Neger auf mit ihren aus Afrika nach Brasilien verpflanzten Kulten, die sich hier bereits mit den Doktrinen neurussischer Prägung überschneiden.21. Original: Der brasilianische Roman großen Formats ist bisher in Deutschland noch kaum bekannt. Es gibt ihn, aber seine meist nationalhistorische Themen erfassende Handlung lag unserer Mentalität und unserem Einfühlungsvermögen wohl zu fern. Doch in ihm wurzelt der Baum der Erkenntnis einer subjektiv irrationalen Welt, die noch kein Außenstehender darstellerisch wirklich zu, erfassen vermocht hat.

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estagnado: “Eine seltsame, durch Hitze und stagnierendes Blut wie in Narkose verhar-rende Welt tut sich uns auf”. Observa-se o imagotipo, O Brasil é uma terra violenta e/ou selvagem, reiterado posteriormente.

O romance, caudaloso como o Rio Paraíba no norte (sic) do Brasil, em cujas margens a ação acontece, descreve, em escala épica, a vida nas imensas fazendas de açúcar, que formam a riqueza do país. Um mundo estranho, em narcose constante causada pelo calor e sangue estagnado, atua em nós, nele só há senhores e escravos, leis atemporais e, ao lado de muitos ídolos, um só Deus, justamente a cana de açúcar, a que todos servem. (grifo nosso)22

Observamos, no texto, o imagotipo O Brasil é um país de contrastes, no sentido de um país organizado socialmente entre senhores e escravos e dividido entre o país do litoral, mais revolucionário e o país do interior, atrasado, de espíritos mórbidos e fracos presos à tradição.

Destaca-se aqui a descrição do ambiente em uma natureza inóspita, como na referência às cheias do Rio Paraíba que colocam em perigo casas, plantações e pessoas:

Do mesmo modo que o Paraíba, nas desmesuradas enchentes da estação chuvosa, coloca em perigo casas, plantações e pessoas, como incêndios ardentes condicionam uma nova criação, assim também borbulha e fermenta a estrutura dos espíritos que enredados nas antigas tradições tornam-se mórbidos e frágeis. Lentamente, de má vontade, submetem-se àquele processo de transformação sociológica, devido às influências revolucionárias vindas de fora, já perceptíveis no litoral, nas cidades portuárias de Recife, Bahia ou Belém. (grifo nosso)23

Há, ainda, o imagotipo do erotismo, no trecho: “O autor cresceu na Casa Grande da Santa Rosa, ainda criança foi iniciado em todos os excessos eróticos de sua casta”.24

Surge também o imagotipo do país do Carnaval: “Streiks, Revolution, dunkle Geschäfte politischen Schiebertums werden abgelöst durch Szenen aus dem Carnaval, dessen ebenfalls stark in kultischer Überlieferung wurzelnde Buntheit und jäh emporflammende Glut aber im Grunde nur ein ekstatisches Sichaufbäumen sind gegen

22. No original: Der Roman schildert, in epischer Breite dahinfließend wie der Rio Paraiba im Norden Brasiliens, an dessen Ufern er spielt, das Leben auf einer der riesigen Zucker Estancien, die den Reichtum des Landes bilden. Eine seltsame, durch Hitze und stagnierendes Blut wie in Narkose verharrende Welt tut sich uns auf, in der es nur Herren und Sklaven gibt, zeitlose Gesetze und neben vielen Götzen einen Gott, eben das Zuckerrohr, dem alle dienen.23. Original: Wie aber der Paraiba in maßlosen Überschwemmungen der Regenzeiten Häuser, Pflanzungen und Menschen in Gefahr bringt, wie schwelende Brände neues Schaffen bedingen, so brodelt und gärt es auch im Gefüge der Seelen, die in der Hülle uralter Überlieferungen selber morbid und brüchig geworden sind. Nur langsam, unwillig fast unterwerfen sie sich jenem soziologischen Umwandlungsprozeß, der auf Grund revolutionärer Einflüsse von außen her schon an der Küste, in den Hafenstädten Recife, Bahia oder Belem spürbar ist.24. “Im Herrenhaus von Santa Rosa wächst der Autor auf, als Kind schon eingeweiht in alle erotischen Exzesse seiner Kaste“

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Krankheit und Hunger im Armenviertel”.

O Brasil é um país de contrastes, exótico e uma terra selvagemO sertão visto por alguns escritores brasileiros (e até pelo cinema brasileiro) é o

tema do texto, publicado em edição especial do Spiegel assinado por Hugo Loetscher25, “FLÜSSE MIT DRITTEM UFER - ein Panorama der brasilianischen Literatur” (= RIOS COM TERCEIRA MARGEM - Um panorama da literatura brasileira).

A escolha do subtítulo (Um panorama da literatura brasileira) sugere uma exaus-tividade que o texto não tem e nem poderia ter em poucas páginas e mostra apenas um recorte da nossa rica literatura. Pode ser enganoso chamar esse recorte de “panorama”, pois isso reduziria a literatura brasileira à questão do sertão. A reportagem trata princi-palmente do romance Os sertões, de Euclides da Cunha, brilhantemente traduzido para o alemão por Berthold Zilly. Comentam-se ainda obras significativas de outros grandes autores canônicos além de Euclides da Cunha, a saber: Machado de Assis, José de Alen-car, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos e Rachel de Queiroz. Os quatro últimos sob a ótica do tema do sertão, tema que num primeiro exame está ligado aos imagotipos o Brasil é exótico e a literatura brasileira também e o Brasil é uma terra violenta e selva-gem. Loetscher não menciona nenhum escritor mais recente, mas convém lembrarmos que o texto é de 1994, logo, foi escrito antes que Milton Hatoum ou Bernardo de Carva-lho viessem a ser traduzidos para o alemão.

Loetscher viveu no Brasil, está interessado em nossa cultura e até escreveu um livro sobre o país. O brasilianista é escritor, estudioso de literatura e jornalista – fala, assim, de uma posição de autoridade sobre o assunto.

Na primeira linha do texto, temos o imagotipo O Brasil é uma terra violenta e selva-gem já que o autor começa o texto mencionando a guerra de Canudos, sem dúvida tema do romance Os sertões, mas por que começar o panorama de uma literatura desse ponto?

Outro imagotipo emerge desse texto: O brasileiro é um povo muito religioso em que as pessoas procuram o misticismo como refúgio: “ihre Flucht in Mystizismus” (= sua fuga para o misticismo).

Temos de volta o imagotipo O Brasil é uma terra violenta e selvagem, como se vê no excerto que segue:

A primeira ação policial fracassou. Os crentes mantiveram-se ao lado de seu guia, o conselheiro, um fazedor de milagres e messias. O povo de Canudos sabia como usar armas, mesmo as mulheres e crianças. Também duas outras expedições não obtiveram

25. Hugo Loetscher, escritor suíço, nasceu em 1929 e morreu em 2009. Estudou filosofia, sociologia e literatura. Atuou também no jornalismo, foi correspondente na América Latina na década de 60, morou no Brasil e em Cuba. Escreveu um livro sobre o milagre econômico brasileiro. Foi professor convidado em várias universidades, como a Universidade de Munique, Universidade do Porto e na Universidade da Califórnia. Sua obra curiosamente revela a influência desse contato com o Brasil, traços que Jeroen Dewulfe (2001: 511) chama de “mulatinização” de sua obra.

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nenhum resultado. Apenas a quarta, uma verdadeira expedição bélica, levou ao objetivo: cinco mil soldados tombaram, e 25 mil crentes encontraram a morte. O ensaio de uma sociedade religiosa tinha sido arrasado.26

Como no romance resenhado, em sua resenha, o crítico também vai invertendo os papéis de vilão e mocinho, pois a ordem e o poder instituídos é que se comportam com selvageria, no caso de Canudos. Loetscher relata que o próprio E. da Cunha foi vítima de violência, pois foi morto em um duelo pelo amante de sua mulher. Destaca como a fúria reprimida dos seringueiros amazônicos extravasa-se contra o boneco de Judas no sábado de aleluia, em uma coletânea de ensaios, de Cunha – A margem da história:

Cunha descreve como os seringueiros, na época da Páscoa, queimavam simbolicamente o Judas e como eles dirigiam para esse boneco sua fúria reprimida. Vale ressaltar que Cunha aponta o momento social como motivação, com uma franqueza que não ocorreu em “Os Sertões”.

Mais adiante, na matéria, o massacre de Canudos é taxado de crime. A violência dos cangaceiros e miséria do povo são indicados como o assunto dos filmes de crítica social do Cinema Novo. A escolha por essa informações ressaltam o imagotipo da violência.

Loetscher, no entanto, ultrapassa os imagotipos. Usa-os, provavelmente como ele-mento de persuasão do interesse do leitor, mas reconhece como o relato de Euclides da Cunha foi um gatilho (Auslöser) para a construção de uma nova imagem de si do brasileiro. Essa metáfora bélica, do gatilho, pertinente num texto cujo tema é o sertão e Canudos, ressalta a importância da obra literária como uma produção que pode modi-ficar a realidade – logo com uma função social relevante:

A batalha da vingança tornou-se uma questão de consciência nacional e atuou como uma ferida na identidade brasileira. O gatilho para isso foi, sobretudo, o relato de Euclides da Cunha (1866-1909).27

Loetscher contrapõe dois brasis, como duas margens: o primeiro, representado metonimicamente por Canudos é o Brasil dos oprimidos, no interior, do sertão; o segundo é o Brasil da costa, do poder oficial estabelecido, do Estado positivista. As margens se in-terpõem e a terceira margem é a Literatura, óbvia referência ao conto de Guimarães Rosa.

Observamos, assim, o imagotipo: O Brasil é um país de contrastes a que se en-

26. Original: Die erste Polizeiaktion scheiterte. Die Gläubigen hielten zu ihrem Ratgeber, dem Conselheiro, einem Wundertäter und Messias. Die Menschen von Canudos verstanden mit Waffen umzugehen, selbst Frauen und Kinder. Auch zwei weitere Expeditionen blieben wirkungslos. Erst die vierte, ein veritabler Kriegszug, führte zum Ziel: 5000 Soldaten fielen, und 25 000 Gläubige fanden den Tod. Ein religiöses Gesellschaftsexperiment war dem Boden gleichgemacht worden. 27. Original: Der Rachefeldzug wurde zu einer nationalen Gewissensfrage und wirkte als Einschnitt im brasilianischen Selbstverständnis. Auslöser dafür war vor allem die Berichterstattung von Euclides da Cunha (1866-1909).

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A literatura brasileira vista pela imprensa Alemã

trelaça o imagotipo – no Brasil predomina a miscigenação, traço que definiria “a brasi-lidade”, segundo Loetscher:

Um sertão estéril, desolado determina a natureza fechada das pessoas, cujo anti-iluminismo e fuga para o misticismo derivam do fato de serem mestiços e mulatos: a miscigenação racial reduziria qualidades mentais.28

Em outro trecho, reproduzido em seguinda, fala-se da mestiçagem e do sertanejo como o protótipo de um povo que se gerou de três etnias – brancos, negros e índios:

Ele descobriu, nesse sertão, um mestiço, que ele valoriza mais do que o habitante da costa. (...) Desse modo, justamente o sertanejo tornou-se o protótipo de um povo que emergiu de três raças, os brancos, os negros e os índios.

Na conclusão do texto, Loetscher retoma o imagotipo da mestiçagem, mas esten-de-o, e com isso evade-se dele, ao caracterizar a linguagem estética de Guimarães Rosa como a linguagem mista, adâmica, antes da Torre de Babel.

Chama a atenção que o crítico descreve o estilo intrincado do autor como “esti-lo-cipó”, “prosa-floresta virgem” e “frases-cipó”, vinculando esse estilo à proveniência brasileira do romance, como se, por ser brasileiro, o estilo de Cunha refletisse a paisa-gem do sertão. Reitera-se o imagotipo do Brasil como terra selvagem:

Cunha escreveu um livro não ficcional e com ele contribuiu significativamente para a literatura brasileira. Aludindo ao barroquismo de sua expressão, fala-se de um estilo-cipó, de uma prosa de floresta virgem e de frases-cipó, expressão que visa salientar a proveniência brasileira.30

Sob o imagotipo o Brasil é um país de contrastes o texto apresenta Machado de Assis, como representante do Brasil litorâneo e urbano que não teria equivalente de tão alta categoria na América Latina:

Um brilhante representante do Brasil litorâneo e urbano foi Joaquim Machado de Assis (1839-1908). Nele, o Brasil tem um escritor de categoria tal, a quem os países hispano-americanos no século XIX não podem contrapor ninguém semelhante. De Machado de Assis, até o momento [1994], apenas “Dom Casmurro”, o romance de um adultério, está disponível em língua alemã, mas não, infelizmente, “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (uma autobiografia ficcional, escrita da perspectiva de além-túmulo).

28. Original: Ein karges, ödes Hinterland bedinge die verschlossene Natur der Menschen. Ihr anti-aufklärerisches Wesen und ihre Flucht in Mystizismus ergebe sich daraus, daß es sich meistens um Mestizen und Mulatten handelte: die Rassenmischung als Verminderung mentaler Qualitäten 29. Er entdeckte in diesem Hinterland einen Mischling, den er höher einschätzte als den an der Küste. (...) Damit wurde ausgerechnet der Hinterwäldler zum Prototyp eines Volkes, das aus drei Rassen hervorgegangen ist, den Weißen, den Schwarzen und den Indios.30. In Anspielung auf das Barocke seiner Ausdrucksweise sprach man vom cipo-Stil, von Urwald-Prosa und Lianensätzen, damit die brasilianische Provenienz unterstreichend.

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São mencionados, na matéria, dois outros escritores que usaram como elemento gerador de seus romances a paisagem do sertão e o flagelo da seca: Raquel de Queiroz e Graciliano Ramos. Isso reforça a associação de Brasil com ambiente inóspito, imagotipo que retorna transformado em uma referência ao clima tropical brasileiro.

Loetscher tece comentários muito pertinentes sobre a recepção, na Alemanha, de Grande Sertão Veredas e de contos de Guimarães Rosa, cujo valor parece ser pouco reconhecido lá, embora estejam traduzidas para o alemão várias obras suas. Loetscher atribui essa indiferença à recusa de Rosa de politizar a literatura, o que fugiria à expec-tativa entre os alemães de uma América Latina politicamente engajada:

„Mitgespielt hat dabei sicher auch, daß Rosa jegliche Politisierung der Literatur ablehnte; damit entsprach er nicht dem europäischen Wunschbild eines engagierten Lateinamerikaners. Dafür wartet Rosa mit großer epischer Phantasie auf.“

A resenha, publicado na Revista FOCUS nº 11 (13.03.1995), “Ein Krieg am Ende der Welt”, trata também do romance – Os sertões. Nele observamos novamente os ima-gotipos O Brasil é uma terra violenta e selvagem e O Brasil é um país gigante. Mais curto e mais superficial, comenta o romance de Euclides da Cunha, pelo viés da guerra e de seus horrores. É digno de nota, no estudo da referenciação desse texto, que a reto-mada do Brasil e da literatura brasileira ocorre diretamente somente nos três primeiros parágrafos. Há um apagamento progressivo a favor do sertão, como se o Sertão fosse metonimicamente, na construção da referenciação, tomando o lugar do País.

4. Desvio: O Brasil é um país de poetas

O texto, “Dichterland Brasilien”, publicado na revista Focus, edição 40, em 1994, e-xamina superficialmente o tema da literatura brasileira, até por suas limitações de espaço.

No título da matéria, temos uma metáfora definidora do Brasil - “Dichterland Brasilien” (= Brasil, país de poetas) – que parece furtar-se aos imagotipos, no entanto, observa-se aí um jogo de palavras entre Dichterland e Wunderland (= país das maravi-lhas). Revela-se, assim, a reiteração do imagotipo do Brasil como paraíso terreal.

Mais adiante, no olho da matéria, uma expressão nominal retoma de forma ufanis-ta Brasilien (= Brasil) ao caracterizar o país como a fünftgrößten Nation (= a 5ª maior nação). Temos aqui um exemplo do que Koch chamou de função avaliativa da referen-ciação, por meio do que o autor traz ao leitor suas opiniões. Retoma-se um imagotipo – o Brasil é um gigante.

Informações numéricas, no primeiro parágrafo da matéria, sobre as consideráveis dimensões do mercado editorial brasileiro, salientam para o leitor a importância do Brasil na área, embora também indiquem que pouco se vendem autores brasileiros na

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A literatura brasileira vista pela imprensa Alemã

Alemanha, com exceção de Jorge Amado. Mencionar esse romancista pode ter sido um recurso para que o leitor reconheça ou identifique o assunto literatura brasileira como algo já familiar desde os anos 60-70 e garantir assim seu interesse em ler a matéria. Pon-tos de vistas unilaterais que, embora pertençam ao falante, também são sociais, podem indicar que as pessoas estão fixadas naquilo que é de maior interesse no momento para elas, com vistas a certa intenção de comunicação e dentro do seu mundo específico, recorte capaz de criar possibilidades interpretativas, condicionadas a tais interesses.

Vale lembrar ainda que na antiga DDR, Alemanha Oriental, o interesse por Jorge Amado, que teve sucesso também lá, e por outros autores brasileiros, estava ligado mais à temática do realismo socialista, influência do regime da DDR, enquanto na antiga BRD (República Federal Alemã), capitalista, a temática do realismo mágico latino-americano (Barbosa, 2010: 275) despertava maior interesse.

Assim, o primeiro autor lembrado como de sucesso na Alemanha é Jorge Amado, caracterizado, na matéria, como autor de um ciclo exótico de romances. O imagotipo O Brasil é exótico e a literatura brasileira também aparece aqui e mais adiante, no se-gundo parágrafo, quando se fala em romance étnico-teológico e romance etnográfico. Num primeiro momento, o efeito dessa construção textual é, por metonímia, evocar a associação entre a literatura brasileira e a imagem de exotismo e também, via Jorge Amado, de erotismo.

Observe-se o trecho:Com o romance étnico-teológico de Antônio Callado, „Quarup“ (1967) e o romance etnográfico de Darcy Ribeiro „Maíra“ (1976), ressurgiu o interesse alemão pelo Brasil. Lygia Fagundes Telles escreveu sátiras brilhantes, como as de „Seminário de Ratos“, sobre o Brasil contemporâneo: o pesadelo das megacidades Rio e São Paulo e o atraso colonial.31

A expressão nominal “das deutsche Interesse für Brasilien” = (o interesse alemão pelo Brasil), retoma por encapsulamento o trecho que foi apresentado anteriormente: “Mit dem ethnisch-theologischen Roman von Antônio Callado “Quarup” (1967) und Darcy Ribeiros ethnographischem Roman “Maíra” (1976) (= com o romance étnico-te-ológico de Antônio Callado, ‘Quarup’ (1967) e o romance etnográfico de Darcy Ribeiro ‘Maíra’ (1976)”). Vê-se, aqui, como a escolha da expressão para o rótulo sugere identifi-cação entre interesse alemão e temas ligados a questões etnográficas e ético-teológicas. O rótulo “interesse alemão pelo Brasil” também é prospectivo e, nessa direção, pode ser classificado como anáfora indireta (Marcuschi, 1998), pois implicitamente relaciona-se à obra de Lygia Fagundes Telles também, citada só a seguir no texto.

Ainda nesse trecho, “brillante Satiren” (= sátiras brilhantes) caracteriza e anteci-

31. Mit dem ethnisch-theologischen Roman von Antônio Callado „Quarup“ (1967) und Darcy Ribeiros ethnographischem Roman „Maíra“ (1976) war das deutsche Interesse für Brasilien schon wieder vorbei. Lygia Fagundes Telles schrieb brillante Satiren wie das „Ratten Seminar“ auf das gegenwärtige Brasilien: den Alptraum der Megastädte Rio oder São Paulo und die koloniale Rückständigkeit.

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Sonia Breitenwieser Alves dos Santos Castino

pa, portanto como expressão nominal catafórica, o livro de contos “Seminário de Ratos”. Em seguida, em: “auf das gegenwärtige Brasilien: den Alptraum der Megastädte Rio oder São Paulo und die koloniale Rückständigkeit”, o objeto de discurso Brasilien é retomado com uma predicação “gegenwärtige” (= contemporâneo) e uma explicação que resume redutoramente a imagem do Brasil contemporâneo, no ponto de vista do jornalista - den Alptraum der Megastädte Rio oder São Paulo und die koloniale Rückständigkeit (= o pesadelo das megacidades Rio e São Paulo e o atraso colonial). Observo aqui, nessa dicotomia32 , o imagotipo O Brasil é um país de contrastes, no caso, uma divisão entre um Brasil exótico e atrasado e outro Brasil contemporâneo de cidades gigantes, com problemas urbanos também gigantes, expressos com a expressão nominal metafórica “Alptraum”, construindo um exemplo de recategorização lexical explícita. A metáfora, no contexto dessa matéria jornalística, associa à imagem do Brasil contemporâneo esse aspecto negativo do pesadelo. Temos um exemplo de ativação de características ou traços do objeto de discurso que o locutor procura ressaltar ou enfatizar entre os conhecimentos pressupostos pelo autor da matéria como partilhados com o leitor.

No trecho seguinte: O romance revela quais são os problemas de autores contemporâneos em relação a temas politicamente explosivos: a atualidade progride à custa da poesia.33

Temos o rótulo “Probleme” (problemas), que antecipa a metáfora “Die Aktualität geht auf Kosten der Poesie” (= a atualidade progride à custa da poesia). Parece-me que o modelo de Ingedore V. Koch não é suficiente para explicar esse caso, considerando que te-mos aqui não um encapsulamento, mas ao contrário, um desdobramento de um referen-te geral e vago. Trata-se de um rótulo resumitivo, mas em função catafórica. Tem um valor argumentativo, pois a expressão vaga e geral parece uma etiqueta de carga valorativa – um problema é sempre ruim, e isso já prepara o leitor para perceber, como disfórica, a informação desdobrada, que se segue - que a poesia tenha que ceder lugar à atualidade.

Observando o trecho seguinte, apesar do uso do qualificativo “grandiosen” (=grandiosa), há um efeito de neutralidade obtido pelo apagamento das marcas de sub-jetividade, tanto pelo uso da terceira pessoa, como por meio do uso da voz passiva em “wird in einer grandiosen Collagetechnik ein São Paulo der Vorstädte in den sechziger Jahren präsentiert”, e também pelo uso da construção pronominal “erweist sich”. Quan-to à referenciação, no trecho, “mit dem apokalyptischen Roman ‘Kein Land wie dieses. Aufzeichnungen aus der Zukunft’ erweist sich Brandão als der zeitgenössische Erzähler Brasiliens”, temos um exemplo de escolha, aparentemente neutra, do sinônimo “Er-zähler” (= narrador ou contador de histórias) para “Schriftsteller” (= autor ou escritor):

32. Como no texto, assinado por Hugo Loetscher, “FLÜSSE MIT DRITTEM UFER” (= Rios com terceira margem).33. Der Roman zeigt, welche Probleme Gegenwartsautoren mit politisch brisanten Themen haben: Die Aktualität geht auf Kosten der Poesie.

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A literatura brasileira vista pela imprensa Alemã

Em Zero (1974; al. 1979) de Inácio de Loyola Brandão, em uma grandiosa técnica de colagem, é apresentada uma cidade de São Paulo de subúrbios na década de 60. Também com o romance apocalíptico Não verás país nenhum: anotações do futuro, Brandão revela-se como o narrador contemporâneo do Brasil.34

Essas escolhas apontadas permitem-nos dizer que há uma preocupação do autor da matéria, em valorizar a literatura do país homenageado pela feira de Frankfurt.

Considerações finais

Com o objetivo de contribuir para o quadro geral do Observatório da Mídia Cásper Líbero, investigamos que imagem ou miragem da literatura brasileira tem-se desenhado na imprensa alemã. Discutir as imagens do outro e a imagem que fazemos de nós mes-mos é uma forma de apropriação de nossa própria voz.

Procuramos conciliar duas abordagens do material pesquisado. A primeira, no âmbito linguageiro, a da referenciação textual. A segunda, emprestada da Comparística, mais especificamente a Imagologia.

Uma dificuldade na realização da pesquisa residiu no recorte a ser feito, diante da quantidade de textos sobre literatura brasileira. Para este artigo relatamos resultados parciais sobre textos de cunho mais panorâmico.

Os passos relatados procuraram responder às seguintes questões:- Que imagem do Brasil, dos brasileiros e de nossa literatura o processo de referen-

ciação usado na composição dos textos e de seus sentidos ajuda a compor? - Quais são os imagotipos que se evidenciam na leitura dos textos? Quanto à primeira questão, como vimos, antes de ser mero instrumento que re-

flete uma realidade já dada, a língua é heterogênea, opaca, histórica, variável e social-mente constituída. A partir dos exemplos apresentados podemos observar como um processo de ordem linguageira contribui para a construção argumentativa dos textos.

É possível pensar que a persistência dos imagotipos, em sua antiga face ou trans-mutados, sirva de ponte, de acesso persuasivo aos temas que realmente interessavam aos jornalistas e críticos, autores dos textos de nosso corpus. Os imagotipos em relação ao Brasil e nossa literatura, assim como outros estereótipos, provavelmente constituem âncoras textuais necessárias para servir de apoio para a construção de novos sentidos que podem acabar por superar aqueles mesmos estereótipos.

Na resenha de Hell, de 1954, observamos uma insistência maior nos imagotipos

34. Original: In „Null“ (1974; dt. 1979) von Ignàcio de Loyola Brandão wird in einer grandiosen Collagetechnik ein São Paulo der Vorstädte in den sechziger Jahren präsentiert. Auch mit dem apokalyptischen Roman „Kein Land wie dieses. Aufzeichnungen aus der Zukunft“ erweist sich Brandão als der zeitgenössische Erzähler Brasiliens.

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indicados, e nota-se que a análise do romance em questão se apoia com mais intensi-dade neles do que as análises dos críticos nos textos de 1994, o que pode indicar uma transformação, depois de quatro décadas. Nos textos de 1994, é possível supor que a função dos imagotipos seja, sobretudo, persuasiva, pois chamam a atenção do público-leitor que reconhece esses elementos, se interessa por eles e deverá interessar-se pelas obras brasileiras.

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Comunicação e Mercado

Casper Libero School and Professor of the Future: study on initial teacher train-ing for graduate courses in communica-tion This paper records the results of the study “Faculdade

Cásper Líbero e o Professor do Futuro” (Cásper Líbero

College and its Professor Training course), a research on

the initial training of teachers for undergraduate courses in

Communication. The survey records the history and general

characteristics of the course, and especially the perceptions

that current and former participants have on the program.

Key-words: Communication, teaching, training, higher edu-

cation, extension program, “Professor do Futuro”

Else LemosDocente do curso de relações públicas (Faculdade Cásper Líbero e Faculdade de Comunicação e Marketing - Faap). Doutoranda pelo programa em Educação, Arte e História da Cultura (Mackenzie)[email protected]

Faculdade Cásper Líbero e o Professor do Futuro: estudo sobre a formação inicial do professor para cursos de graduação em comunicação¹

Este artigo baseia-se nos resultados da pesquisa Faculdade Cásper Líbero e o Professor do Futuro: es-tudo sobre a formação inicial do professor para cursos de graduação em comunicação, que registra a história e as características gerais do curso, e, sobretudo, as percepções que os participantes do curso – atuais professores do futuro e egressos - têm sobre as contribuições do programa para a formação de professores do ensino superior em Comunicação.

Palavras-chave: comunicação, ensino superior, formação inicial docente, saberes, extensão, Profes-sor do Futuro

Casper Libero School y Profesor del futu-ro estudio sobre la formación inicial del profesorado de los cursos de posgrado en comunicación Este artículo fue basado en los

resultados de la investigación “La escuela Casper Libero y el

profesor del futuro: estudio de la formación inicial del profe-

sorado de los cursos de licenciatura en comunicación”, que

registra las características de la historia y generales del curso,

y en especial las percepciones que los participantes del curso

- los profesores actuales y de lo futuro – tienen sobre las con-

tribuciones del programa para capacitar a los profesores de

la educación superior en Comunicación. Key-words: comu-

nicación, educación superior, la formación inicial del profe-

sorado, el conocimiento, la extensión, el profesor del Futuro

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96 Revista Communicare

Faculdade Cásper Líbero e o Professor do Futuro: estudo sobre a formação inicial do professor para cursos de graduação em comunicação

Introdução

A preocupação com seus egressos é uma característica da Faculdade Cásper Líbero, sempre atenta à inclusão de seus ex-alunos no mercado de trabalho. O Curso de exten-são Professor do Futuro é uma iniciativa pioneira e concreta para atender e preparar o egresso da graduação e, também, alunos da pós-graduação lato sensu para o exercício docente inicial, oportunizando que os participantes do projeto – professores do futuro, coordenadores, professores-tutores, professores-palestrantes e alunos regulares – pos-sam compartilhar experiências visando ao preparo de futuras gerações de professores.

O Curso de extensão Professor do futuro, oferecido pela Faculdade Cásper Líbe-ro, é tomado, aqui, como uma referência, um caso a ser estudado em suas particulari-dades. Sempre mantendo vínculos com seus egressos, a Faculdade Cásper Líbero tem, ao longo do Curso de extensão Professor do futuro, valorizado a aproximação com esse público. Também, tem ampliado as possibilidades de formação e atuação profissional desses egressos. Por sua abrangência, projetos como o Professor do futuro, da Facul-dade Cásper Líbero, podem trazer para a área de comunicação uma nova perspectiva de formação para a docência em comunicação, contribuindo não apenas com a prepa-ração de egressos para serem professores do futuro, mas, também, como referência para outras instituições de ensino superior, sendo essa a principal justificativa para o estudo.

O objeto da pesquisa realizada é o Curso de extensão Professor do futuro, da Faculdade Cásper Líbero, como experiência e espaço para a formação inicial do docente universitário em Comunicação. Nesse sentido, é fundamental conhecer sua história e, sobretudo, as percepções que os participantes do programa, os professores do futuro, têm sobre esse espaço para o exercício inicial docente em ensino superior.

O problema de pesquisa que se nos apresenta aqui é, portanto, responder à seguinte pergunta: em que aspectos/com que saberes o projeto Professor do Futuro vem efetivamente contribuindo para a formação inicial de seus participantes no que se refere ao exercício da docência em cursos de Comunicação e na inserção social no mercado profissional da área?

Tendo em vista que o projeto Professor do Futuro pretende contribuir para a for-mação inicial dos egressos da Cásper Líbero com vistas à docência universitária em Co-municação e mesmo para sua inserção social no mercado profissional da área, nossos pressupostos centrais são de que o projeto é relevante:

- pela dimensão teórica didático-pedagógica adquirida por meio de seminários ligados à formação docente (saber);- pela experiência proporcionada no convívio com professores mais experientes e

1. A pesquisa A Faculdade Cásper Líbero e o Professor do Futuro: estudo sobre a formação inicial do professor para cursos de graduação em comunicação foi desenvolvida junto ao Centro Interdisciplinar de Pesquisa (CIP) da Faculdade Cásper Líbero entre 2010 e 2011 e vincula-se à linha de pesquisa Comunicação e Mercado, cujo eixo temático é a inserção social dos profissionais formados pela Cásper Líbero.

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Else Lemos

pelas oportunidades de intervenção em momentos de ensino e compartilhamento de conhecimento (saber fazer);- pela perspectiva transicional que os participantes vivenciam como egressos alunos-professores do futuro, o que permite reflexão crítica sobre o papel que virão a desempenhar e sobre as habilidades necessárias nessa transição de papéis, contribuindo para sua atuação plena como educadores (saber ser).

Como objetivos gerais do estudo, buscamos analisar a prática proporcionada pelo projeto Professor do Futuro na formação inicial de professores com vistas à docência universitária em Comunicação e identificar os saberes que compõem o processo de formação dos participantes do projeto Professor do Futuro. Como objetivo teórico, o estudo visa contribuir para a ampliação dos estudos em docência universitária em Co-municação e, como objetivo prático, o trabalho busca sistematizar e registrar o conhe-cimento gerado pelo projeto Professor do Futuro e sua história.

Tomamos como base metodológica a noção de que os estudos sobre formação e saberes da docência devem ter como fundamento aquilo que os próprios professores manifestam e relatam com base em suas experiências, sendo, portanto, um estudo de natureza qualitativa. Nesse sentido, concordamos com Almeida (2007: 283), quando afirma que os estudos sobre o trabalho docente devem valorizar “...diferentes aspectos da história individual e profissional do docente, utilizando uma abordagem teórico-metodológica que dá voz ao professor...”.

Nossas considerações finais trazem uma reflexão sobre o Projeto e sobre os resul-tados do estudo, e oferecem uma análise geral da pesquisa e de suas contribuições para o ensino em Comunicação.

O curso de extensão do professor do futuro

Tradicional instituição de ensino superior em Comunicação, fundada em 1947 como escola pioneira no ensino de Jornalismo no Brasil, a Faculdade Cásper Líbero ofe-rece graduação em quatro habilitações – Jornalismo, Publicidade e Propaganda, Rela-ções Públicas e Rádio e TV. A Faculdade expressa como missão institucional

...o desenvolvimento de atividades de ensino, pesquisa e extensão na área da Comunicação Social, oferecendo cursos de nível superior que contribuam para a compreensão da variedade das demandas sociais e estimulem a capacidade crítica frente à complexidade do mundo contemporâneo. (...) a Instituição prioriza a formação ética e humanística e o aperfeiçoamento das habilidades e das competências profissionais, estreitando os laços da academia com o mercado de trabalho. (Faculdade Cásper Líbero, Perfil Institucional, 2009)

Referência na área da Comunicação, a Faculdade Cásper Líbero sempre procurou

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manter os vínculos com egressos. Alguns professores adotaram, ao longo dos anos, a prática informal de receber egressos da Cásper Líbero para acompanhá-los em suas ro-tinas docentes, algo equivalente a uma “monitoria pós-curso”². Assim nasceu, em 2003, a iniciativa de um projeto de preparação para professores do futuro, sendo que naquele ano aconteceram as primeiras participações informais de egressos no acompanhamen-to de aulas no curso de Relações Públicas, com dois participantes recebidos pelo então coordenador do curso. No ano seguinte, a prática se estendeu ao curso de Publicidade e Propaganda. A “fase experimental”³ ou informal do projeto teve seu encerramento em 2006, e, a partir de 2007, o programa passou a ser um curso de extensão.

Pela importância do curso, que já formou quatro turmas desde sua formalização (2008-2011), além de igual número de turmas em caráter informal, entendemos que é o momento de avaliar suas características, história e contribuições para a formação do docente de ensino superior em Comunicação. A área de comunicação carece de experiências práticas na formação inicial de docentes e o curso oferecido pela Faculdade Cásper Líbero poderá contribuir, e muito, para que novas iniciativas floresçam em outras instituições de ensino superior no Brasil.

Formação inicial docente para a graduação: contextos e saberes

O tema da formação docente para o ensino superior é amplo e muito estudado nas áreas de Educação e Didática do Ensino Superior. De maneira geral, autores desses campos de conhecimento concordam sobre a necessidade de se investir cada vez mais em formação de professores, uma vez que a notável expansão do número de postos de trabalho para professores universitários nos últimos anos é fato e requer atenção por parte das instituições de ensino superior. Enricone (2007), Grillo (2002), Izaia & Bolzan (2002), Pimenta e Anastasiou (2002), Schön (1995) e Vasconcelos (1996; 2009), entre outros autores, tratam a temática da formação de professores de ensino superior e seu reflexo sobre os processos de ensino e sobre a formação profissional no contexto contemporâneo.

Há cerca de uma década, Pimenta e Anastasiou (2002: 249) apresentavam um cenário de “expansão quantitativa” do ensino superior já bastante expressivo:

A preocupação com a formação e o desenvolvimento profissional de professores universitários e com a inovação didática cresce nos meios educativos, o que é atestado

2. O documento Projeto Professor do Futuro (2003) faz um breve histórico dessa prática, usando o termo “monitoria pós-curso” para explicar a natureza dessa relação estabelecida entre egresso, instituição e professor-tutor.3. O documento Curso do Professor do Futuro registra a informação sobre o início do curso, bem como o documento Projeto Professor do Futuro. Em ambos os documentos, o período entre o início informal das atividades de acompanhamento às aulas por parte de egressos é apresentado como “fase experimental”, “projeto” e “formação informal”.

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pelo aumento progressivo de congressos, reuniões, seminários e atividades relacionadas ao tema. Um dos fatores explicativos dessa preocupação é, sem dúvida, a expansão quantitativa da educação superior e o consequente aumento do número de docentes, ‘em sua maioria improvisados, não preparados para desenvolver a função de pesquisadores e sem formação pedagógica.’ O número de professores universitários, no período entre 1950 e 1992, saltou de 25 mil para um milhão, isto é, aumentou 40 vezes. (Conferencia Regional de Ministros de Educación, 1996).

Em 2011, as informações são ainda mais representativas. Segundo dados divul-gados pelo Ministério da Educação (MEC) em novembro, o censo revela amplo cresci-mento do acesso à educação superior entre 2001 e 2011.

O Brasil tem 6,5 milhões de universitários, sendo 6,3 milhões em cursos de graduação e 173 mil na pós-graduação. O crescimento das matrículas em 2010 foi de 7,1% em relação ao ano de 2009 (...). De acordo com o ministro da Educação, Fernando Haddad, a década 2001-2010 fecha mais do que dobrando o número de universitários no país. (...) Esses estudantes estão matriculados em 29.507 cursos de graduação presenciais e a distância, distribuídos em 2.377 instituições de ensino superior públicas e privadas. (Ministério da Educação, Censo revela, 2011).

Com um aumento tão expressivo do ingresso ao curso superior, é natural que haja crescente e urgente necessidade de formação de docentes. Como pontuam Pimenta e Anastasiou (2002), a docência universitária no Brasil está muito ligada ao processo de formação, particularmente em cursos de pós-graduação lato sensu e stricto sensu, e ainda são incipientes as experiências na formação de professores universitários.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei n. 9.394/96, em seu capítulo IV, Da Educação Superior, “não concebe a docência universitária como um processo de forma-ção, mas sim como de preparação para o exercício do magistério superior” (Pimenta e Anastasiou, 2002: 250). De maneira geral, a preparação do novo professor acontece na pós-graduação (lato ou stricto sensu), por meio de uma disciplina com carga horária de 45 a 60 horas, conhecida por diferentes nomenclaturas: Didática do Ensino Superior, Metodologia do Ensino Superior, Práticas Didáticas do Ensino Superior, entre outras.

É a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação que determina, quanto ao in-gresso na docência de ensino superior: “Serão considerados, em caráter preferencial, para o ingresso e a promoção na carreira docente do magistério superior, os títulos universitários e o teor científico dos trabalhos dos candidatos.” Ao longo do texto, não há qualquer referência à necessidade de formação didático-pedagógica para o ingresso na carreira docente do ensino superior.

É inquestionável a importância dos cursos de pós-graduação, tanto lato sensu quanto stricto sensu, para a capacitação docente, uma vez que oportunizam o aper-feiçoamento conceitual, técnico e, também, o didático-pedagógico, ainda que de ma-

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neira superficial. De toda forma, os estudos sobre formação de professores e saberes do-centes têm revelado, em larga medida, a expressiva importância da experiência docente na consolidação da prática de ensino; “a quase ausência da formação pedagógica para o professor do ensino superior vem delegar um peso muito grande ao papel da experiên-cia na constituição da prática docente do profissional que atua nesse nível de ensino” (Cunha, 2006: 4). Nesse sentido, iniciativas de formação inicial do docente universitário são bem-vindas e devem ser acompanhadas, registradas e, se prof ícuas, devem ser, tam-bém, multiplicadas.

Enricone (2007: 154) fala sobre o compromisso formativo da universidade, particularmente com relação à docência universitária. Segundo a autora, “aprender a ensinar é um processo complexo que envolve fatores cognitivos, afetivos, éticos e metodológicos”. Em seu artigo “A Universidade e a aprendizagem da docência”, Enricone (2007) menciona o trabalho de Francisco Imbernón (2000), para quem o conhecimento dos professores sobre a docência está fragmentado em momentos diversos: 1) experiência como alunos; 2) formação inicial básica (o que, no contexto brasileiro, estaria vinculado à preparação recebida nos cursos de pós-graduação); 3) vivência inicial (primeiras experiências como docente); e 4) formação permanente ou continuada (Imbernón, 2000, apud Enricone, 2007: 155).

Para os propósitos de nosso estudo, importam-nos as correlações entre dois dos momentos descritos por Imbernón, a saber, a transição entre a experiência como alunos e o momento da formação inicial básica. Embora compreendamos como fundamental a preparação recebida nos cursos de pós-graduação no tocante à qualificação técnica e quanto ao estudo das disciplinas ligada à Didática e à Metodologia do Ensino Superior, nossa principal motivação para o estudo está em outras iniciativas para a formação ini-cial de professores que estejam ligadas essencialmente à formação inicial docente como experiência prática que estabeleça a ponte entre o ser aluno e o ser professor.

Schön também fala sobre a iniciação profissional de professores e a importância das experiências de formação inicial. Para ele,

A iniciação profissional dos professores constitui uma das fases do ‘aprender a ensinar’ que tem sido sistematicamente esquecida, tanto pelas instituições universitárias como pelas instituições dedicadas à formação em serviço dos professores. (1995: 66)

Segundo o autor, a fase de iniciação profissional compreende os primeiros anos de docência e denomina-se período de iniciação ao ensino, quando se dá a transição de estudantes para professores. Em sua obra, Schön menciona o trabalho de Simon Veenan (1984), que popularizou o conceito de ‘choque de realidade’ para se referir à situação por que passam muitos professores no seu primeiro ano de docência. Schön (1995: 66) reforça que, segundo Veenam,

Os programas de indução pretendem estabelecer estratégias para reduzir o denominado ‘choque de realidade’. Este facto, bem como os resultados da investigação que estamos

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a desenvolver, levam-nos a propor que as instituições responsáveis juntamente com outras instâncias educativas, o planeamento pela formação de professores assumam, e o desenvolvimento de programas de iniciação à prática profissional.

Em seu artigo Dormi aluno (a)... acordei professor(a): interfaces da formação para o exercício do ensino superior4, Cunha, Brito & Cicillini (2006) apresentam reflexões sobre o projeto de pesquisa Desenvolvimento profissional e docência universitária: en-tre saberes e práticas, realizado no âmbito da Universidade Federal de Uberlândia5. No texto, as autoras discutem a questão do “rito de passagem”: do ser aluno ao ser professor. As pesquisadoras recorrem à reflexão de Pimenta e Anastasiou (2002), já mencionada anteriormente, e reforçam a ideia de que os novos professores se baseiam, em grande medida, na prática de professores inspiradores, ou seja, percebem a docência com um olhar de alunos:

... os professores, quando chegam à docência na Universidade, trazem consigo inúmeras e variadas experiências do que é ser professor. Experiências que lhes possibilitam dizer quais eram bons professores. Espelham-se nos professores que foram significativos em suas vidas, isto é, que contribuíram para a sua formação pessoal e profissional. Na maioria das vezes não se identificam como professores, uma vez que olham o ser professor e a Universidade do ponto de vista do ser aluno. O desafio, então, que se impõe é o de colaborar no processo de passagem de professores que se percebem como ex-alunos da Universidade para ver-se como professor nessa instituição. Isto é, o desafio de construir a sua identidade de professor universitário, para o qual os saberes da experiência não bastam. (Cunha, 2006: 4-5) [grifo nosso]

Considerando-se que grande parte dos novos docentes do ensino superior não vivencia a experiência docente num caráter formativo, tem-se que todas as possíveis iniciativas que contribuam para enriquecer a formação inicial do professor ganham relevância no processo de aperfeiçoamento profissional para a docência.

Entendemos que o professor tem um papel desafiador a desempenhar na educação que se espera para o século XXI. Nesse sentido, é fundamental perguntar: afinal, o que é necessário saber para ensinar? Que saberes devem ser aprendidos/construídos pelos

4. Disponível em: http://www.prograd.ufop.br/Downloads/Docencianoenssup/Dormi_aluno_acordei_professor.pdf. Acesso em abril de 2010.5. O projeto de pesquisa Desenvolvimento profissional e docência universitária: entre saberes e práticas foi realizado por Cunha, Brito e Cicillini entre os anos de 2003 a 2005 mediante financiamento do CNPq, para investigar o desenvolvimento profissional do docente universitário quanto a saberes e práticas que envolvem sua atuação no contexto da Universidade Federal de Uberlândia. O universo de pesquisa incluiu docentes universitários em efetivo exercício e integrantes da carreira do magistério superior. Os professores de 33 cursos de graduação oferecidos pela UFU (bacharelados e licenciaturas) foram agrupados por área doconhecimento, conforme classificação do CNPq. Para um total de professores de 889 efetivos, foram distribuídos 869 questionários, tendo sido recolhidos 368. As entrevistas, realizadas por amostragem num total de 37, foram transcritas e categorizadas em dois grandes blocos: a formação e a prática docente.

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professores em seu processo de formação inicial e continuada? Esses questionamentos nos levam a refletir sobre o saber profissional dos professores, neste caso, docentes ou candidatos à docência do ensino superior.

Para Vasconcelos (2009), o perfil do docente necessário e que responde à per-gunta anterior, sobre “que tipo de professor” deve atuar no ensino superior, é o mesmo perfil de qualquer profissional que atue em todas as áreas possíveis, e não apenas no magistério. Deve ser um profissional completo, atualizado, competente, conhecedor do ambiente que o cerca, pronto a aprender continuamente.

Ao tratar do sentido da docência, Grillo (2002: 216) afirma que... envolve o professor em sua totalidade; sua prática é resultado do saber, do fazer e principalmente do ser, significando um compromisso consigo mesmo, com o aluno, com o conhecimento e com a sociedade e sua transformação.

Almeida e Biajone (2007) falam sobre os saberes docentes, a pesquisa e a responsabilidade das instituições de ensino, reflexão com a qual concordamos e que transcrevemos integralmente:

Considerando as possibilidades e limitações dos movimentos das reformas nos cursos de formação de professores, há esperança de que, no Brasil, os centros formativos façam dessa ocasião um momento de conquistas e avanços nas práticas formativas e na profissionalização docente. (...) Desse modo, as universidades e os centros universitários têm responsabilidade social com a formação de professores e com a educação do nosso país. E mesmo em contextos adversos, é possível construir práticas de formação inicial e continuada comprometidas com um ensino de qualidade, que não perca de vista a dimensão ética e política, bem como as discussões e reflexões sobre os fins da educação. (2007: 294) [grifo nosso]

É sob essa perspectiva, de um professor reflexivo, que é sujeito do conhecimento e mobiliza seus saberes, é que compreendemos a práxis docente, e é nesse sentido que desejamos contribuir para os estudos sobre a docência superior em Comunicação. O Brasil carece, e muito, de outras iniciativas de igual importância no tocante à formação do docente de ensino superior e há um grande campo a explorar nesse sentido.

A questão do ensino em comunicação: desafios contemporâneos

Entendemos a questão da formação docente como um tema a ser debatido por todas as áreas, ou seja, por todos os profissionais envolvidos na atividade docente. Na área de comunicação, o tema “Ensino de Comunicação” tem sido alvo de discussões e estudos. Em obra organizada por Margarida M. K. Kunsch (Ensino de Comunicação: qualidade na formação acadêmico-profissional. São Paulo: ECA-USP: Intercom, 2007.

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213 p.), pesquisadores e especialistas de distintas áreas da comunicação escrevem sobre três grandes grupos temáticos nos quais se divide a obra: 1) qualidade do ensino superi-or: desafios e estratégias; 2) mercado de trabalho de comunicação: profissionais deman-dados por empresas, órgãos públicos e pelo setor terciário; 3) padrões de qualidade para o ensino de comunicação: diretrizes oficiais e propostas da comunidade acadêmica. Como afirma José Marques de Melo ao prefaciar a obra, que é resultado do I Endecom – Fórum Nacional em Defesa da Qualidade do Ensino de Comunicação, realizado em São Paulo entre os dias 11 e 13 de maio de 2006,

A intenção dos editores é recolocar a questão da qualidade do ensino na agenda pública, conscientes de que o marasmo ascendente pode ser neutralizado pelo debate responsável e inteligente. Nossa esperança é revisar os paradigmas hegemônicos, aperfeiçoando os processos de formação de novos profissionais para as indústrias midiáticas e contribuindo para a melhoria dos conteúdos que elas veiculam cotidianamente. (Melo in Kunsch, 2007: 14-15 – Prefácio)

A profissionalização do professor universitário em Comunicação é, simultaneamente, desafiadora e um grande campo a explorar, pois a qualidade do ensino em Comunicação tem influência direta sobre a formação dos novos profissionais da Comunicação. E com o crescimento da procura por cursos de Comunicação e da demanda por novos profissionais cada vez mais qualificados e preparados para o mercado de trabalho, cresce, também, o campo profissional docente.

O ensino em Comunicação enfrenta os mesmos desafios impostos a todas as de-mais áreas do conhecimento, pois que está inserida num contexto globalizado de con-tínuas e profundas transformações. Kunsch (2007) trata dessa questão ao falar sobre as perspectivas e a expansão do mercado das comunicações, mencionando a abrangência da área, cujo mercado de atuação é tão amplo quanto a própria acepção de comuni-cação – imprescindível “em todos os sentidos da vida humana e na sociedade” (p. 89), além de falar sobre a revolução tecnológica que experimentamos na contemporanei-dade e, também, a respeito do expressivo crescimento que a “indústria das comunica-ções no Brasil” tem alcançado.

Também segundo a autora, “Com o advento e expansão da internet e os avanços da comunicação digital, as perspectivas de atuação para os profissionais de todas as habilitações da comunicação social são enormes” (2007: 90). Kunsch menciona o ‘fenô-meno’ da valorização da comunicação pelas organizações e afirma:

O mercado brasileiro de comunicação organizacional/corporativa é vastíssimo se considerarmos as possibilidades existentes nos setores públicos, privados e no chamado terceiro setor, que tem tido expansão significativa nos últimos anos. Além disso, são inúmeras as oportunidades surgidas com a terceirização dos serviços de comunicação e as produtoras independentes. (...) Novas frentes de trabalho podem ser vislumbradas como grandes possibilidades no mercado profissional. (2007: 91)

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Kunsch (2007) menciona diversas possíveis frentes de trabalho para o profissional de Comunicação: gerenciamento de crises, ouvidoria, comunicação digital, comunicação intercultural, terceiro setor, entre tantas outras possibilidades. A autora dedica parte de sua reflexão a um tema cujo impacto impõe ao profissional de Comunicação um novo agir: a questão da revolução das tecnologias da informação e comunicação. De maneira geral, toda a dinâmica da ‘indústria’ da comunicação está enfrentando profundas transfor-mações e o profissional de hoje precisa compreender a nova forma de fazer comunicação.

Dois grandes temas chamam nossa atenção, pois que têm impactos muito diretos sobre o mercado de trabalho do profissional de Comunicação e, consequentemente, sobre o ensino de Comunicação, visto que exigem do docente de ensino superior em Comunicação uma postura dinâmica e reflexiva. O primeiro trata das tecnologias da in-formação e Comunicação, que demandam do docente uma nova postura diante de um cenário de incertezas, instabilidade e mudança contínua. O segundo tema, igualmente relevante, é a profunda transformação dos ambientes organizacionais nos quais atuam os profissionais de Comunicação.

Em que medida a revolução tecnológica que estamos experimentando interfere na formação dos futuros profissionais? Entendemos que o ensino em Comunicação passará por profundas e irreversíveis mudanças, uma vez que as novas gerações de alunos e professores trazem consigo novas perspectivas e modos de compreender a interação e o compartilhamento de experiências. Nesse sentido, é fundamental que pensemos sobre a docência em Comunicação e as muitas contribuições que a sistematização de práticas de formação docente inicial pode conferir às futuras gerações de docentes e, consequentemente, de discentes e futuros profissionais.

Diante de tudo isso, a preparação dos profissionais de Comunicação deve estar orientada para uma formação cada vez mais crítica e reflexiva. Portanto, o grande desafio para a formação profissional em Comunicação está hoje ligado à ética e à atuação idônea, que inspire confiança, palavra em xeque na contemporaneidade. O espaço para a atuação do profissional de Comunicação requer profissionais mais comprometidos, conscientes de seu papel como multiplicadores de crenças e valores. E nisto a docência tem grande responsabilidade: em disseminar valores e influenciar positivamente os futuros profis-sionais para uma ética do cotidiano, do dia a dia, da vida no mercado de trabalho.

Kunsch (2007: 95-100) convida-nos a uma reflexão sobre aquilo que entende como os grandes “desafios para o profissional de Comunicação”. Destacamos, a seguir, os cinco desafios pontuados pela autora, para quem o profissional deverá:

1. Inserir-se numa sociedade globalizada e saber conviver com ela2. Enfrentar um novo mundo do trabalho3. Encarar a aprendizagem como um desafio e processo constante4. Saber lidar com ambiguidades / ser ousado e inovador5. Saber selecionar a avalanche das informações disponíveis

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Uma vez que a formação superior em Comunicação é a base para a atuação pro-fissional na área, o docente de ensino superior nessa área deverá, também, trabalhar orientado para esses desafios que, entendemos, passam a ser premissas que devem permanentemente ‘incomodar’ o docente, levando-o à reflexão contínua sobre o seu próprio papel e atuação. O ensino em Comunicação deve estar alinhado à realidade que o envolve e atento à ambiência que o circunscreve, e, nesse sentido, o professor dos cursos de Comunicação precisa estar cada vez mais preparado para enfrentar o novo, o diferente, o inusitado.

Os saberes docentes em Comunicação são ainda um campo pouco explorado na literatura da área. Nosso estudo pode contribuir na medida em que identifica, pela imersão no curso de extensão universitária Professor do Futuro, da Faculdade de Comunicação Cásper Líbero, em que medida uma experiência inicial proporcionada por um projeto de extensão universitária destinado a egressos de Comunicação contribui para formação inicial docente na área, particularmente no tocante aos chamados saberes da experiência.

A Cásper Líbero e o professor do futuro: extensão para a formação inicial do docente em Comunicação

O curso de extensão Professor do Futuro, oferecido pela Faculdade Cásper Líbero, é tomado, aqui, como uma referência, um caso a ser estudado em suas particularidades.

A pesquisa sobre o curso de extensão Professor do Futuro requer um levanta-mento amplo de informações que nos permitam conhecer sua história e características gerais, bem como as percepções de participantes/alunos do curso, conhecidos como Professores do futuro. Para isso, são três os percursos definidos: pesquisa bibliográfica, análise documental e, por fim, pesquisa aplicada de natureza qualitativa.

Para conhecer o histórico do curso de extensão Professor do Futuro, documen-tos gerais que registram número total de participantes por ano, mudanças no projeto, histórico de inscritos e afins foram considerados no estudo. Com o objetivo de iden-tificar as percepções dos participantes do curso de extensão Professor do Futuro com relação à experiência proporcionada pelo programa, a pesquisa se caracteriza como qualitativa semiestruturada. A coleta de dados proposta associa grupo focal, entrevistas em profundidade e formulário semiaberto online.

O universo de pesquisa é constituído por um conjunto de pessoas que têm “características comuns e detêm algum grau de informação sobre o tema a ser explorado” (Novelli, 2008: 168). No caso do estudo proposto, o universo compõe-se prioritariamente de participantes do programa no período entre 2007-2010. Ex-participantes do Projeto Professor do Futuro (período informal) também foram convidados a participar. Uma vez que a pesquisa tem o objetivo de identificar percepções gerais sobre a proposta do curso, entendemos que todos os ex-participantes são elegíveis, embora tenhamos

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priorizado o período de formalização do curso.A seleção dos respondentes é não probabilística, ou seja, sua definição baseou-se

no julgamento da pesquisadora, e não de sorteio baseado no universo. Os respondentes são atuais participantes (ingressantes e concluintes) e egressos do curso. No caso do grupo focal e das entrevistas em profundidade, a escolha se deu por conveniência, ou seja, baseada na viabilidade de consulta e disponibilidade dos participantes.

A construção do roteiro levou em consideração o estudo bibliográfico já realizado, a análise documental prévia e os objetivos e pressupostos centrais do estudo. Para uma pesquisa mais aprofundada junto aos participantes do projeto Professor do Futuro, con-sideramos essencial resgatar os objetivos do curso:

Oferecer formação continuada aos egressos da Cásper Líbero. Fomentar a formação de novas gerações de professores, com máxima criticidade, nas áreas afins. Potencializar a melhoria do ensino da graduação, com a participação efetiva desses jovens profissionais no processo de construção do saber dentro da academia. Manter aberto o canal entre a Faculdade e seus egressos, inclusive aproximando-os dos cursos de pós-graduação e extensão oferecidos pela instituição. Estabelecer um vínculo ainda maior com o mercado de trabalho. Possibilitar a troca de experiências entre o professor e o participante do projeto, gerando maior interatividade na sala de aula. (Projeto: 2003)

Observa-se, nessa apresentação dos objetivos do curso, que as dimensões de formação (saber), experiência (saber-fazer) e reflexão (saber-ser) estão contempladas pelo programa, e, nesse sentido, cumpre-nos compreender se e de que forma os par-ticipantes do curso percebem tais dimensões. Diante disso, seguem questões do roteiro proposto, elaboradas como tópicos de discussão para o grupo focal e como temas de diálogo nas entrevistas em profundidade. Tais questões também fundamentaram o ro-teiro de coleta on-line:

Motivações para participar do curso Professor do futuroObjetivos do cursoExpectativas sobre o curso em relação a objetivos pessoaisMudanças de expectativas ao longo do tempoSer aluno e ser professor – diferenças e semelhanças percebidasDocência e vocação; docência como emprego; docência como carreiraEnsino de Comunicação e contemporaneidade – desafios percebidosConvivência com professores tutores – aspectos relevantesInterferência da interação em sala de aula na percepção sobre carreira docenteProfessor do futuro versus Faculdade Cásper Líbero – importância da instituição na escolha do cursoPretensões acadêmicas / Expectativa/vontade de ser professorAvaliação geral do projeto

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Curso de extensão Professor do Futuro: análise geral

A origem do Curso de extensão Professor do Futuro está ligada a uma prática informal e sem registros documentais que a posicionem precisamente no tempo. A data em que essa iniciativa passa a ser identificada em registros e relatos é 2003. Conforme descreve o documento Projeto Professor do Futuro (2003), que traz uma apresentação geral do então projeto, professores começaram a “receber egressos da Cásper Líbero para acompanhá-los em suas atividades docentes, como se fora uma monitoria pós- curso”.

Formalizado em âmbito institucional desde 2007, por meio das Coordenadorias de Relações Públicas e Publicidade e Propaganda, o Curso de Extensão Professor do Futuro é um programa de formação docente, sem ônus aos participantes, com processo seletivo anual e mediante acompanhamento por um docente-tutor. O “professor do futuro” deve acompanhar todas as aulas da disciplina/turma a que está vinculado. Ao professor-tutor cabe o acompanhamento do participante. A avaliação dos professores do futuro é de responsabilidade das respectivas Coordenadorias (de Relações Públicas ou de Publicidade e Propaganda). Alunos com frequência superior a 75% e bom desempenho são elegíveis para receber certificado de participação emitido pela instituição proponente.

Como está descrito no Programa de Ensino – Professor do Futuro (s/d), o Curso tem carga horária de 64h/ano, perfazendo um total de 128h ao final dos dois anos.

Quanto ao conteúdo programático, descrito em documento de igual nome (s/d), o curso prevê diversas modalidades de atividades: seminários, aulas técnicas, leituras, de-bates, produção textual, aula experimental, além de um ciclo de workshops sobre temas variados, como “Os diversos papéis do profissional do ensino”, “Metodologia do Ensino Superior”, “Retórica e oratória para o profissional de ensino”, “Cultura organizacional na universidade”, “Psicologia da Comunicação e do ensino”, entre outros.

Desde 2007 e até 2011, são estes os registros de ingressantes e concluintes do cur-so, distribuídos pelas coordenadorias de relações públicas e publicidade e propaganda:

Quadro 1: Ingressantes (2007-2011) e concluintes (2008-2011)

Ingressantes (2007-2011)

2007 TotalSubtotal

(até 2010)

RPPP

88

109

176

145

1412

6340

4928

2008 2009 2010 2011

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Concluintes (2008-2011)

2007 Total

RPPP

--

98

69

86

135

3628

2008 2009 2010 2011

Total geral

Ingressantes (até 2010)Ingressantes (até 2011)

77103

Não há registros de concluintes no primeiro ano do curso, pois o período exigido para conclusão de todas as atividades programadas é de dois anos. A relação entre in-gressantes (2007-2011) e concluintes (2008-2011) é de 83%, visto que, dos 77 ingres-santes até 2010, 64 concluíram o curso.

Concluintes (até 2011)Concluintes (até 2012 - estimativa)

6482

Os professores do futuro – reflexões sobre o curso

Considerando-se os propósitos deste estudo, a natureza qualitativa da pesquisa e todos os dados avaliados por meio de análise documental e mediante entrevistas, grupo focal e formulário on-line, propõe-se uma análise categorial dos dados coletados.

Quadro 2: Quadro geral da pesquisa – Total geral de respondentes

Grupo focal (atuais professores do futuro)Entrevistas em profundidade (egressos)Formulário on-line (atuais professores do futuro e egressos)

2003-2006 (pré-formalização)2007-2010 (turmas concluídas)2011-2012 (turmas em andamento)

Total geral de respondentes

85

338

1015

46

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A seguir, apresentaremos as categorias emergentes baseadas em temas identifica-dos ao longo da análise das falas e registros da pesquisa6.

1. Entendimento dos objetivos do programa

Com relação aos objetivos do curso, os respondentes em geral identificam o caráter formativo e reflexivo do programa. Adquirir familiaridade com as atividades práticas da rotina docente é um dos objetivos frequentemente realçados pelos respondentes.

Há, em geral, a percepção de que o curso visa oferecer experiência inicial na docência e preparar novos contingentes de professores na área de comunicação. Esse entendimento, no entanto, oscila entre a compreensão de que o projeto tem objetivos mais amplos e a noção de que o projeto forma profissionais para a própria instituição.Em geral, há a convicção de que o projeto visa dar o estímulo inicial para a docência do ensino superior, tanto para a própria instituição quanto para outras instituições. Pre-dominam verbos como “apoiar”, “formar”, “estimular” e “preparar” futuros docentes.

Percebe-se que há, também, a identificação de um caráter iniciador no curso, que seria um esforço para estimular o participante a identificar uma vocação ou o desejo de abraçar a carreira docente. Um dos respondentes afirma que o objetivo do programa é “testar a vocação dos participantes em serem professores”.

O entendimento de que o curso visa formar, preparar futuros profissionais, iden-tificar potenciais talentos como professores e facilitar o acesso ao mercado é recor-rente entre os participantes e ex-participantes. A menção à vivência acadêmica como oportunidade para checar aptidão permeia as falas de ex- e atuais participantes do programa, e os alunos.

Uma das interpretações sobre os objetivos do curso revela que os respondentes, em sua maioria, entendem que há intenção institucional de “aprimorar a dinâmica de ensino em sala de aula.” e “dar apoio ao professor”. Nesse sentido, evidencia-se a percepção de que o participante (Professor do Futuro) contribui com a aula, com o professor, e com o ambiente de aprendizado.

A noção de que o curso oferece experiência inicial docente está clara para par-ticipantes e ex-participantes, e a maioria menciona como parte do objetivo “oferecer experiência em sala de aula” e “ampliar a experiência profissional”.

Há, também, a percepção de que o participante deve estar inserido no mercado de trabalho, pois isso acrescenta à sua participação em sala de aula. Nesse sentido, há uma convergência entre a leitura feita pelos respondentes e a proposta do Curso, que busca participantes com inserção profissional comprovada e afim ao curso e à disciplina anfitriã.

6. A transcrição seletiva das falas pode ser encontrada no relatório final do estudo, disponível para consulta no Centro Interdisciplinar de Pesquisa (CIP).

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2. Valorização da dimensão institucional

Observa-se que há menções frequentes à instituição proponente, seja por meio de alusões ao nome Cásper Líbero, seja pelo uso de termos como “ex-alunos”, “egressos” e “instituição”. Embora não esteja explicitada entre os objetivos do curso a formação de quadro docente para a própria instituição, mas, sim, “oferecer formação continuada aos egressos da Cásper Líbero e fomentar a formação de novas gerações de professores, com máxima criticidade, nas áreas afins”, como consta no Projeto do Curso (2003) – sem que haja especificação de que essa formação está direcionada para a própria composição do quadro docente da instituição, muitos participantes do curso têm o entendimento de que formar docentes para a Cásper Líbero é um dos objetivos do programa. Um dos respondentes chega a mencionar que um dos objetivos do curso é a “formação do pro-fessor ambientado no ‘sistema Cásper Líbero de ensino superior’”. Vários respondentes confirmam a percepção de uma formação voltada para a própria instituição.

Um dos respondentes afirma que o objetivo do curso é “criar um banco de talentos de professores para o futuro” e outro vai além, dizendo que o curso tem o objetivo de “fortalecer a reputação da Cásper”.

A percepção de que a instituição é pioneira e contribui de forma representativa para o ensino de Comunicação no país e para a formação de professores é compartilhada por grande parte dos respondentes.

A associação entre a instituição e a vontade de lecionar é compartilhada por grande parte dos respondentes. A menção à Cásper como “casa” é recorrente. A admi-ração pelo caráter pioneiro do Curso é comum e reincidente ao longo das falas:

Está claro que a instituição é percebida como elemento de atração e razão por que os participantes decidiram fazer o Curso. Os respondentes manifestam afeto e estima pela instituição e pelos ex-professores, que foram a “primeira inspiração”.

De maneira geral, duas grandes linhas emergem quando são mencionadas partici-pação e relevância da instituição na proposição do Curso. Por um lado, os participantes valorizam a instituição proponente e demonstram grande admiração pela proposta do curso. Nesse sentido, as principais considerações dizem respeito à presença do Pro-fessor do Futuro como contributiva para “arejar o sistema” e ao caráter pioneiro do Curso como formadora de futuros docentes da área. Por outro lado, os participantes e ex-participantes revelam um olhar crítico sobre a estrutura geral do curso, e valorizam e reforçam a necessidade de práticas orientadas extraclasse, como reuniões, palestras e workshops, vistas como necessárias para confirmar as “experiências isoladas” vividas por cada participante. Termos como “padronização”, “forma estruturada”, “singular”, “in-dividual”, “flexível” e “alinhar” são correlacionados de formas distintas.

Há uma visão reflexiva sobre a experiência vivenciada junto ao professor-tutor como isolada ou ligada ao estilo de cada tutor: “... é uma experiência que a gente está tendo isoladamente (...)”.

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A importância de atividades como workshops e seminários oferecidos ao longo do curso é realçada pelos respondentes. No entanto, pela variação observada nas falas, identifica-se que há oscilação entre oferta de aulas, palestras e workshops, visto que alguns mencionam tais oportunidades como positivas e motivadoras, e outros sugerem que haja mais oferta dessas atividades, o que se justificaria pela baixa padronização – em termos de cronograma - das aulas e atividades oferecidas e que constam no Pro-grama de Ensino. De fato, o estudo documental ratifica essa informação.

Em geral, os atuais e ex-participantes reforçam que a estrutura do curso pode melhorar e potencializar os resultados de aprendizagem se houver ‘alinhamento’ en-tre os professores tutores e diretrizes claramente estabelecidas que gerem experiências mais ‘padronizadas’. Entre essas ‘experiências padronizadas’ consideradas necessárias, são mencionadas as atividades extraclasse (como aulas especiais e workshops) e tam-bém atividades de acompanhamento/avaliação. A variabilidade da autonomia conferida por cada tutor ao seu professor do futuro e a ausência de feedback em alguns casos são pontos de atenção mencionados pelos respondentes.

Embora identifiquem pontos de atenção e melhoria, a maioria dos respondentes classifica o Curso como ótimo, rico e excelente. A percepção de que a falta de ‘padroni-zação’ interfere negativamente não é unânime, e a flexibilidade é vista positivamente. Um dos respondentes valoriza esse aspecto, mas reconhece a relevância de uma estru-turação como propulsora de um desenvolvimento mais estruturado.

A dimensão institucional apresenta-se como muito relevante e fator motivador para os participantes, e o relacionamento estabelecido com a instituição e com os pro-fessores parece ser determinante nesse sentido.

3. Experiência para confirmar (ou não) opção pela docência

De maneira geral, os respondentes encaram o Curso como uma grande oportuni-dade para que reconheçam se têm ou não “vocação” para a docência. Muitos falam em “experiência”, “teste” e “estágio”. A maioria confirma a experiência como positiva e determinante para a escolha pela carreira docente.

Há, também, quem confirme a não opção pela docência, o que pode ser visto tam-bém de forma benéfica, uma vez que o respondente menciona ter tido a oportunidade de identificar ausência de “vocação” ou interesse em prosseguir nessa atividade.

A relevância da experiência inicial docente proporcionada pelo curso, pela participa-ção direta no ambiente de sala de aula, distingue-se do conhecimento proporcionado por outros cursos, como a especialização, por exemplo, que apresenta as bases da didática do ensino superior, mas sem a vivência das rotinas docentes de forma direta. Como mencio-nado por um dos respondentes, “Ajuda na questão de você ter outra postura, e é um tipo de formação que você não vai ter em uma pós. É um curso diferente. É uma oportunidade.”

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4. Perspectiva transicional

Um dos pressupostos do estudo diz respeito à perspectiva transicional, ou seja, ao reconhecimento da transição entre ‘ser aluno’ e ‘ser professor’ como uma das ex-periências mais representativas que podem emergir nesse tipo de vivência prática. Em geral, os respondentes manifestam clara percepção dessa transição, oportunizada pela presença em sala de aula, quando vivenciam um papel intermediário, não sendo mais alunos, mas não sendo ainda os professores da disciplina.

Em geral, os respondentes mencionam que os alunos se identificam com o Profes-sor do futuro em função da proximidade estabelecida pelo fato de ele não ser o profes-sor “oficial” e também por ser uma referência de sucesso mais concreta – a ideia de que o Professor do futuro já esteve ali, na posição de aluno, e chegou ao fim do curso e ao mercado, é vista como um estímulo para os alunos. Há, também, o entendimento de que entre Professores do futuro e alunos há uma “linguagem comum”.

A noção de que o papel do professor requer responsabilidade e experiência, e de que, enquanto aluno, estava alheio a essa questão, emerge como relevante. A alusão a um “momento” em que acontece o reconhecimento da “professoralidade” é mencio-nada também.

Pode-se perceber que há oscilação entre experiências de vivenciar o “papel de aluno” e o “ papel de professor”, e emerge certa autocrítica sobre os “tempos de aluno” também com a experiência de sala de aula e no relacionamento com os alunos.

Em geral, os respondentes manifestam que há um processo de mudança pessoal e aprendizado ao longo do curso. No início, há um processo de observação geral do am-biente, das práticas do tutor e dos alunos; a identificação com os alunos é mencionada como parte do processo de reconhecimento desse espaço.

Há, também, a percepção de que no segundo ano de Curso o participante está mais maduro, pois passou pela fase de identificação e passa a assumir seu espaço com mais segurança. É possível perceber nos participantes a consciência de que há um pro-cesso de evolução quanto à identificação do ambiente e dos papéis desempenhados e em relação ao tempo de Curso.

5. Identificação

A identificação com o aluno é mencionada por grande parte dos respondentes. A questão da confiança e da abertura para o diálogo é atribuída a características como idade, experiência de mercado, linguagem comum e proximidade em função de o Pro-fessor do futuro não estar posicionado como o professor “oficial”.

A identificação com o tutor é um aspecto de grande relevância para os respon-dentes, pois o tutor é visto por eles como alguém em quem se espelham e em cuja práti-

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ca buscam referências para seu desenvolvimento docente. O tutor é percebido como aquele que proporciona e até determina a experiência, dando segurança ao processo de desenvolvimento docente. A troca de experiências é a base desse relacionamento.

As principais subcategorias que emergem quando os respondentes mencionam aspectos da convivência com o professor-tutor são: diálogo como oportunidade para aprendizado, troca de experiências e reflexão; estímulo; exemplo; inspiração; paixão; dedicação; admiração e empatia; envolvimento; oportunidade para aprender a dimen-são técnica; confiança mútua.

Observe-se que essas categorias não são excludentes entre si e a separação é meramente didática, pois que muitas são claramente perceptíveis em diversos dos trechos mencionados. Diálogo, admiração, empatia, estímulo, exemplo, paixão, dedicação, inspiração e confiança são termos recorrentes que definem a natureza dos relacionamentos estabelecidos com os tutores.

A identificação com alunos e professores se dá em momentos distintos e com dife-rentes motivações, mas é percebida pelos respondentes como elemento motivador e fundamental para o autodesenvolvimento.

6. Percepção reflexiva sobre o ‘ser professor’

A percepção reflexiva sobre o ‘ser professor’ é um ponto de destaque que, cremos, representa uma das grandes contribuições do Curso para a formação de futuros do-centes do ensino superior. A consciência sobre o papel do professor, sobre as práticas docentes, sobre os desafios da profissão (em geral, e no Brasil, em particular) e sobre as exigências da transição entre aluno e professor são pontos de atenção evidenciados pelos respondentes.

O dia a dia do docente de ensino superior é percebido como desafiador e a questão da “vocação” é vista como necessária por boa parte dos respondentes. Outros, entretan-to, dizem que ser professor é ir além – é querer, é lutar por uma causa, e não apenas ter dom ou vocação. A ideia de exercício da docência também é vista como possibilidade de uma segunda carreira ou como remuneração complementar.

O desejo de ter uma “segunda carreira” é compartilhado por boa parte dos respondentes, que veem perspectivas de atuação presente/paralela ou posterior à atuação profissional que exercem no mercado.

A responsabilidade com pessoas é vista como o elemento que inspira os maiores cuidados e preparação concreta e efetiva por parte dos professores, pois seu trabalho é visto como uma “influência na vida” dos alunos.

Os novos perfis de alunos que têm ingressado no curso superior chamam a aten-ção dos respondentes, que falam em novas formas de ensinar e novos desafios para um novo momento no ensino. Esse tema também ganha destaque quando os respondentes

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são estimulados a comentar o ensino de Comunicação na contemporaneidade, razão pela qual há, mais adiante, um item específico de análise dessa questão.

Há, também, a percepção de que o ambiente e a composição do grupo determi-nam o ritmo e o sucesso da aula, e que o conteúdo não é suficiente para cativar a aten-ção dos alunos. Embora o domínio do conteúdo não seja visto como principal desafio da docência, o aprimoramento acadêmico, didático e técnico é percebido como funda-mental para a boa atuação profissional.

A questão da responsabilidade docente é uma preocupação compartilhada pelos respondentes, que reconhecem uma rotina desafiadora que não percebiam ou pouco valorizavam enquanto eram alunos.

Contribuir para a educação e para a formação de profissionais reflexivos e ex-celentes é um ideal compartilhado pelos respondentes, que veem na oportunidade de ser professores o espaço para influenciar positivamente seus alunos, o que vai além do conteúdo a ensinar.

Há, também, menções à responsabilidade que alguns dos respondentes entendem e assumem como um “retorno”, uma “devolutiva” à sociedade.

A desilusão também surge, mas em menções isoladas. Há uma percepção de que o aluno não valoriza o ensino que recebe e, em um caso, o/a Professor do Futuro mani-festa desinteresse em prosseguir na carreira docente.

7. Relevância da participação nas rotinas docentes

Com relação à participação em sala de aula, existe a percepção de que a presença do Professor do futuro promova, em certa medida, uma “desestabilização” benéfica do ambiente. Quanto à participação no preparo de aulas e atividades de ensino e na execução de tarefas de rotina, como avaliações, por exemplo, é vista como oportunidade para concretização da experiência inicial docente.

Nesse sentido, os respondentes destacam o papel do tutor para envolvê-los nas atividades, favorecendo que exerçam as atividades docentes com autonomia. Como as tutorias são vivenciadas de forma individualizada, a experiência não é a mesma para todos.

As atividades extraclasse oferecidas pelo Curso, ainda que eventualmente, são percebidas como oportunidade para amadurecimento e compartilhamento entre os participantes do Curso. Em geral, os participantes identificam as dimensões disciplinar e didática como parte dos saberes que se desenvolvem ao longo do Curso.

A experiência em salas de aulas diferentes também permite uma comparação entre turmas, dando ao participante uma noção mais clara da intervenção de cada grupo na dinâmica de aula. A participação em atividades docentes é valorizada pelos responden-tes e percebe-se que, na menção à necessidade de alinhamento entre os docentes tutores e por parte da instituição, esta é a questão mais marcante para os participantes do Curso,

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8. Reflexões e preocupações quanto ao ensino na contemporaneidade

A questão do ensino na contemporaneidade foi ponto de ampla reflexão e discussão por parte dos respondentes. Temas como perfil geracional, mudanças metodológicas e tecnologias da informação e comunicação dominaram as falas e revelam a preocupação dos respondentes com os alunos que estão chegando ao curso superior e a estrutura que os acolhe. De forma geral, prevalece uma postura crítica que reforça o despreparo das instituições e dos professores para lidar com o novo, com a mudança em curso.

A colaboração é mencionada pelos respondentes como elemento necessário para esse novo momento. Velocidade, mídias sociais e incorporação de ferramentas que en-volvam os alunos nos processos de ensino e aprendizagem são questões apontadas pe-los respondentes como relevantes. A noção de que o professor deve desempenhar um “novo papel” é recorrente, o que demanda desse profissional uma mudança em suas práticas. Manter-se atualizado e dominar as ferramentas tecnológicas estão entre as questões mais comumente mencionadas.

A dimensão crítica, a visão transdisciplinar e a formação reflexiva dos profissionais da área de Comunicação são mencionadas pelos respondentes como fundamentais para que os futuros profissionais concluintes dos cursos de graduação possam exercer a pro-fissão de forma plenamente satisfatória, ética e socialmente relevante. Para a maioria dos respondentes, o desenvolvimento tecnológico deve ser acompanhado pelos docentes e pelos profissionais da área em função do impacto que tem no campo da Comunicação.

Em geral, embora os respondentes mencionem a necessidade de atualização e de adoção das ferramentas e mídias contemporâneas de comunicação, não há uma reflexão mais aprofundada sobre as formas como isso pode se consolidar na prática. A ideia de promover a colaboração e de acompanhar os alunos nos ambientes digitais requer do docente dedicação, tempo disponível e outras necessidades que não são mencionadas pelos respondentes. Nesse sentido, observa-se que a problemática emergente se apre-senta de forma instrumental e genérica.

9. Do passado ao futuro: preparando-se para atuar na docência

Para muitos dos respondentes, a opção pela participação no Curso está ligada a uma experiência docente prévia ou à vivência familiar, esta relacionada pelos respon-

que identificam diferenças entre os níveis de autonomia e possibilidade de contribuição direta em aulas e demais atividades docentes, conforme variam os professores tutores.

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dentes a uma vocação, “obrigação” ou “disposição genética”.As principais motivações para justificar a participação no curso são o retorno ao

universo acadêmico como forma de retomar o aprendizado, desejo de voltar a ter con-tato com a instituição proponente, “testar” a vocação ou intenção deliberada de assumir a função docente.

O reconhecimento e o incentivo por parte do mercado profissional é mencionado por alguns dos respondentes: “Minha grande inspiração aconteceu em meu ambiente de trabalho.” Educação continuada e pesquisa são apontados por diversos respondentes como objetivos atuais e futuros.

Embora a questão da vocação seja considerada em alguns casos, observa-se nos participantes a preocupação com a formação e com o preparo para assumir a posição docente. O interesse pela continuidade dos estudos reforça que a experiência prática demonstra e ratifica essa necessidade.

Considerações Finais

A pesquisa Faculdade Cásper Líbero e o Professor do Futuro: estudo sobre a forma-ção inicial do professor para cursos de graduação em comunicação teve como objeto o Curso de extensão Professor do Futuro, experiência e espaço para a formação inicial do docente universitário em Comunicação. Iniciado de forma experimental em 2003 e for-malizado a partir de 2007, o programa tem contribuído efetivamente para a formação de docentes em Comunicação.

Ao analisarmos a prática proporcionada pelo projeto Professor do Futuro na formação inicial de professores com vistas à docência universitária em Comunicação, cotejando-a com os saberes que compõem o processo de formação dos participantes do projeto Professor do futuro, objetivo geral desta pesquisa, identificamos, por meio de estudo bibliográfico, análise documental e pesquisa de natureza qualitativa, o histórico geral do curso e diferentes categorias que emergem das falas de participantes e ex-par-ticipantes do curso.

A preocupação com o preparo para o exercício docente é comum aos participantes, e o Curso de extensão Professor do Futuro é visto pelos respondentes como de grande importância e relevância para a formação inicial docente, ou mesmo para confirmar o que muitos chamam de “vocação” para o ensino. Nesse sentido, todas as dimensões dos saberes – saber, saber-fazer e saber ser – são reconhecidas como relevantes, mas não igualmente aperfeiçoadas ao longo do curso.

Observa-se que a dimensão teórica (didático-pedagógica / saber) tem sido mais concretizada por meio das chamadas “experiências isoladas” proporcionadas pela convivência com os professores tutores do que propriamente por meio da oferta de atividades institucionais extraclasse. De maneira geral, os participantes valorizam a ex-

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periência vivenciada com o professor-tutor como base para seu aprendizado didático, o que também indica uma variedade de aprendizados individuais muito rica e, ao mesmo tempo, diversa.

Tal perspectiva soma-se ao fato de que as oportunidades de intervenção e de de-senvolvimento da autonomia docente (saber-fazer) também são individualizadas con-forme varia a abertura dada pelo tutor quando da distribuição e do compartilhamento de atividades docentes, como ministração de aulas ou correção de provas, por exemplo.

Quanto à perspectiva transicional, é possível perceber que os participantes do Curso reconhecem os papéis de aluno, professor e professor do futuro (papel visto como “intermediário”) e identificam o momento em que se dá a transição entre “ser aluno”, “ser professor do futuro” e “ser professor”, ou “ser percebido como professor”, o que é para eles um momento de reconhecimento da docência como carreira desejada e possível. Os respondentes relatam haver um momento específico em que se percebem e são percebidos como professores, e esse momento acontece quando os alunos os re-conhecem como professores, dirigindo-se a eles como tutores e orientadores em sala de aula e mesmo fora dela.

Os respondentes mencionam sua preocupação com questões ligadas ao novo per-fil geracional, às novas tecnologias e à formação de profissionais mais éticos e com perfil crítico e reflexivo. Embora essa seja uma questão identificada como relevante pela maio-ria dos respondentes, o debate fica limitado à dimensão ferramental, e não há aprofunda-mento quanto às maneiras pelas quais as tecnologias e mídias contemporâneas podem e devem ser adotadas em contextos como o que vivemos no Brasil, com salas de aula geralmente lotadas e muitas outras atividades já sob responsabilidade dos professores.

Sobre a importância do Curso para formação inicial docente em Comunicação, en-tendemos que todas as falas a reforçam de forma unívoca. A oportunidade de vivenciar a ex-periência docente é elemento motivador tanto para a continuidade e opção pela carreira do-cente como para deixá-la de lado, o que interpretamos como benéfico em ambos os casos.

Percebe-se que os participantes têm uma visão crítica sobre o Curso e também sobre a docência, outro ponto positivo identificado no estudo. O reconhecimento de que as experiências vivenciadas são isoladas, pois que ligadas, em grande medida e quase exclusivamente, à convivência direta com o professor-tutor, é a evidência de que os respondentes estão atentos à dinâmica oferecida e prontos a contribuir para que novas formas de se trabalhar a proposta de Curso se concretizem.

Por fim, entendemos que iniciativas como a do Curso de extensão Professor do Futuro são de grande importância para o desenvolvimento de práticas docentes no ensino superior em Comunicação e, nesse sentido, esta pode ser uma referência para futuras proposições de caráter semelhante. A avaliação predominantemente positiva do curso e o reconhecimento por parte de participantes e ex-participantes ratifica essa ideia e dá subsídios para que a Faculdade Cásper Líbero siga fazendo história.

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Faculdade Cásper Líbero e o Professor do Futuro: estudo sobre a formação inicial do professor para cursos de graduação em comunicação

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120 Revista Communicare

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Comunicação e mercado

Ethel Shiraishi PereiraMestre em Comunicação e Mercado pela Faculdade Cásper Líbero. Docente e pesquisadora da Faculdade Cásper Líbero [email protected]

Megaeventos esportivos no Brasil e seu comprometimento com a sustentabilidade

A promessa de realização de uma Copa do Mundo sustentável no Brasil é o tema central deste estudo que se propõe a evidenciar o compromisso dos organizadores desse megaevento com a questão da sustentabilidade. Para compreensão do assunto, foi realizada pesquisa bibliográfica sobre desenvol-vimento sustentável e sua comunicação, relações públicas excelentes e eventos. Informações sobre a Copa do Mundo de 2014 e atuação do Ministério do Turismo, Ministério do Esporte e do Comitê Organizador Local foram levantadas para a análise.Palavras-chave: Relações públicas, eventos sustentáveis, eventos esportivos, Copa do Mundo de 2014, sustentabilidade.

Mega sporting events in Brazil and its commitment to sustainability The promise

of holding a sustainable World Cup in Brazil is the central

theme of this study that purports to show the commitment

of the organizers of the mega event with the issue of sus-

tainability. To understand the issue, we searched the litera-

ture on sustainable development and its communication,

excellent public relations and events. Information about the

World cup in 2014 and operation of de Ministry of Tourism,

Ministry of Sport and the Local Organizing Committee were

raised for the analysis. Keywords: Public relations, sustain-

able events, sporting events, World Cup 2014, sustainability.

Mega eventos deportivos en Brasil y su compromiso con la sostenibilidad La pro-

mesa de celebrar una Copa del Mundo en Brasil sostenible

es el tema central de este estudio que pretende demostrar el

compromiso de los organizadores de este mega evento con

el tema de la sostenibilidad. Para entender el problema, la

investigación bibliográfica sobre el desarrollo sostenible y

su comunicación, excelentes relaciones públicas y eventos.

Información sobre la Copa del Mundo de 2014 y el desem-

peño de la Secretaría de Turismo, Ministerio de Deportes y

el Comité Organizador Local se han planteado para el análi-

sis. Palabras clave: Relaciones públicas, eventos sostenibles,

eventos deportivos, Mundial de Fútbol 2014, sostenibilidad.

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124 Revista Communicare

Megaeventos esportivos no Brasil e seu comprometimento com a sustentabilidade

Introdução

Os megaeventos esportivos, tais como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, são ca-pazes de agregar valor simbólico às cidades-sedes, promovem o fluxo turístico interna-cional, geram a criação de novos postos de trabalho, estimulam a captação de recursos para investimentos em infraestrutura, entre outros benef ícios econômicos.

Pela paixão que desperta e pelos atributos positivos que possui, o esporte contri-bui para promoção de marcas e os eventos esportivos são tratados como negócio pelas entidades promotoras, bem como para as empresas patrocinadoras e apoiadoras destas iniciativas. Os grupos de mídia dão ampla cobertura, aos eventos que se tornam con-teúdos de sua programação, e o torcedor, transforma-se em consumidor. No entanto, ao assumir o compromisso de sediar os dois principais eventos esportivos no mundo, o Brasil assume inúmeros desafios e a população brasileira deverá assumir um papel que vai além do “torcedor-consumidor”.

Nos próximos anos, o brasileiro deverá assumir o seu papel de cidadão, capaz de estabelecer mecanismos de fiscalização e de pressão, para que o poder público, em conjunto com o Comitê Organizador, gerencie os recursos de forma ética e transparen-te e promovam megaeventos realmente sustentáveis, capazes de estimular, também, o desenvolvimento social e econômico.

A promessa de realização de uma Copa Sustentável, no Brasil em 2014, e os investi-mentos governamentais para captação dos Jogos Olímpicos de 2016, na cidade do Rio de Janeiro, fundamentados na possibilidade de benefícios econômicos e sociais proporciona-dos por eventos desse porte, despertaram o interesse pelo desenvolvimento desta pesquisa.

De maneira geral, os veículos de comunicação noticiam os eventos com enfoques positivos, que estimulam a receptividade e o apoio dos brasileiros aos eventos e, desde já, criam uma grande expectativa em relação aos diversos benef ícios que serão gerados, além do legado positivo às cidades após a realização dos eventos.

A realização de eventos calcados nos princípios da sustentabilidade torna-se, cada vez mais, uma preocupação por parte dos profissionais que atuam nos processos de pla-nejamento e organização de eventos. Seja por exigência dos diversos grupos de pressão, do mercado ou das empresas patrocinadoras; seja para legitimar a adoção de discursos positivos e favoráveis à construção de uma imagem positiva aos promotores, as ações com apelos ambientais passam a ser destaque na divulgação dos eventos. Desta forma, a compreensão dos princípios da sustentabilidade e a análise crítica acerca das iniciativas organizacionais são necessárias para a melhor formação e atuação do profissional de relações públicas, num mercado em que os eventos são amplamente utilizados como ferramenta estratégica de comunicação e marketing.

Este estudo tem o objetivo de evidenciar o compromisso do Comitê Organizador da Copa do Mundo de 2014 com a questão da sustentabilidade e discuti-lo sob a ótica das Relações Públicas Excelentes. Para isso, parte do pressuposto de que a utilização do

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discurso da sustentabilidade contribui para construção de uma imagem positiva dos eventos e permite a percepção de que seus promotores e organizadores estão compro-metidos com as questões relacionadas com a sustentabilidade. Outro pressuposto con-sidera que o discurso apresentado pelos comitês organizadores dos eventos e seus res-pectivos apoiadores é organizado apenas em torno das questões de caráter ambiental. Desta forma, foi possível estabelecer um terceiro pressuposto: os membros dos comitês organizadores dos eventos não estão efetivamente interessados em contribuir para o desenvolvimento sustentável, especialmente em relação aos aspectos sociais das comu-nidades afetadas pelos eventos.

Sustentabilidade e sua Comunicação

Assim como nos demais setores da sociedade, a questão da sustentabilidade ganhou destaque no universo da comunicação. À medida que as organizações passaram a ado-tar modelos de governança corporativa, cujos princípios básicos são a responsabilidade corporativa, a equidade, a transparência e a prestação de contas, a sustentabilidade e sua adequada comunicação tornaram-se exigências para que os diversos públicos pu-dessem compreender o novo comportamento dessas organizações. Visando tornar o conceito cada vez mais tangível, observa-se que as estratégias e as ferramentas comuni-cacionais também passaram a adotar os conceitos de sustentabilidade.

O termo “desenvolvimento sustentável” passou, nesta última década, a fazer par-te das conversas mais corriqueiras do nosso dia a dia. Seja numa roda de amigos, em palestras sobre o tema, nos ambientes corporativos e, especialmente na mídia, o tema ganhou destaque por seu aspecto ambiental. Quando os efeitos do aquecimento global passaram a fazer parte da pauta dos principais veículos jornalísticos, cadernos especia-lizados sobre meio ambiente foram criados, assim como diversas produções cinema-tográficas e mega-shows foram promovidos, visando mobilizar a sociedade em defesa da sobrevivência do planeta. A sociedade passou a prestar mais atenção às ações das grandes corporações, pois são elas que acabam sob os holofotes da mídia seja para ações positivas ou danos ambientais que elas provocam. Políticos e gestores empresariais compraram a ideia de defender o meio ambiente e passaram a trabalhar no sentido de desenvolver uma consciência ambiental que hoje pode ser traduzida pelo crescimento do consumo verde, ou consumo consciente.

Trata-se, aparentemente, de um tema recente, mas a preocupação com o meio ambiente e as consequências negativas que a sua utilização descontrolada pode causar à nossa sociedade surge no início do século XX. De acordo com Gilberto Dupas, Walter Benjamin, na década de 1940, faz uma crítica à exploração capitalista da natureza, em sua tese XI em Sobre o Conceito de História: “Benjamim opõe-se à ideologia “progres-sista” de um certo socialismo “científico” que reduz a natureza a uma matéria-prima

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da indústria e uma mercadoria “gratuita”, a um objeto de dominação e de exploração ilimitada” (Dupas, 2006:253).

Na década de 1970, Guy Debord, ao criticar o discurso do desenvolvimento sus-tentável e seus mecanismos de mercado, em seu texto Planeta Enfermo, torna evidente o quanto a sociedade capitalista faz uso dos recursos naturais em busca do crescimento econômico sem, no entanto, se preocupar com as questões qualitativas, tidas como a “dimensão mais decisiva do desenvolvimento real”.

Os senhores da sociedade se veem agora obrigados a falar da poluição, tanto para combatê-la (pois eles vivem, no fim das contas, no mesmo planeta que nós: eis aqui o único sentido em que se pode admitir que o desenvolvimento do capitalismo tenha realizado efetivamente uma certa fusão das classes) como para dissimulá-la: pois a simples verdade das "nocividades" e dos riscos atuais é suficiente para constituir um imenso fator de revolta, uma exigência materialista dos explorados, tão vital quanto foi no século XIX a luta dos proletários pela possibilidade de comer. Após o fracasso fundamental de todos os reformismos do passado - todos os quais aspiravam à solução definitiva do problema das classes -, um novo reformismo se desenha, que obedece às mesmas necessidades que os precedentes: engraxar a maquinaria e abrir novas possibilidades de lucro para as empresas de ponta. O setor mais moderno da indústria se lança sobre os diversos paliativos da poluição como sobre um novo mercado, tanto mais rentável pelo fato de que poderá usar e manejar grande parte do capital monopolizado pelo Estado. Mas se esse novo reformismo tem de antemão a garantia de seu fracasso, exatamente pelas mesmas razões que os reformismos do passado, ele guarde em relação àqueles, esta diferença radical de que este já não tem tempo diante de si. (Debord, 2009:154-155)

De acordo com Burckart (apud Pinto, 2006:113), o objetivo do desenvolvimento sustentável é satisfazer as necessidades dos mais pobres, além de ter como princípios a melhoria da inter-relação entre economia, tecido social e ambiente, embora ainda haja muita ênfase nas questões ambientais. Possui como estratégias a construção de um es-quema teórico de referência, de políticas internacionais, nacionais e regionais, além de estabelecer novos padrões de produção e de consumo.

Desde a publicação do Relatório Brundtland (relatório da Organização das Na-ções Unidas – ONU, chamado Nosso Futuro Comum, publicado em 1987), diversas ações têm sido promovidas com o intuito de debater a questão da sustentabilidade: a Conferência Eco 92 promovida pela ONU, que gerou o documento Agenda 21; o Proto-colo de Kyoto, que previa a redução na emissão de gases que provocam o efeito estufa; o Relatório Stern, que trata dos efeitos das alterações climáticas na economia, divulgado em 2006 pelo governo britânico, entre outros. No entanto, os acordos e as ações que pretendem reverter a situação ambiental demoram a surtir efeitos concretos.

As empresas fazem uso intenso do conceito de desenvolvimento sustentável para promover ações muitas vezes calcadas em estratégias de marketing e de relações pú-

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Ethel Shiraishi Pereira

blicas, apenas visando à promoção de sua imagem junto à sociedade, cada vez mais exigente de seus direitos como consumidores e cidadãos. Trata-se de um processo de legitimação do discurso organizacional.

A Comunicação da Sustentabilidade

Os grupos de pressão forçam as empresas a adotar novas práticas, assim como a cons-truir um novo mecanismo de relacionamento com seus públicos e a proteção ao meio ambiente passa a ser um fator estratégico de negócio. Com isso, os projetos de susten-tabilidade das organizações passam a ser reconhecidos e valorizados pelos públicos a partir de uma boa comunicação acerca de suas propostas. Além disso, precisam ser plenamente compreendidos para que possam sensibilizar e muitas vezes, provocar mu-dança nos hábitos para que, de fato, as ações possam concretizar o conceito de susten-tabilidade. Tais projetos, quando comunicados corretamente, agregam valor à imagem e à reputação das organizações que os promovem e trazem benef ícios econômicos, por meio da redução de custos ou incremento de receitas. De acordo com Claro (2009),

Os ganhos estratégicos advêm da melhoria da imagem institucional, da renovação da carteira de produtos, do aumento da produtividade, do comprometimento consciente dos colaboradores, do aprimoramento das relações de trabalho, do estímulo à criatividade diante dos novos desafios e do aperfeiçoamento das relações com os órgãos governamentais, a comunidade e grupos ambientalistas. (Claro et all, 2009:221)

Porém a comunicação deste tipo de projeto torna-se um risco, quando não está coerente com os princípios organizacionais e com as atitudes organizacionais. Comu-nicar uma proposta apenas para participar de uma moda empresarial ou por exigência dos grupos de pressão pode levar as organizações à prática do greenwashing, tornando-as muito frágeis perante um mercado extremamente competitivo e que conta com con-sumidores exigentes e bem preparados para evitar esse tipo de situação.

Greenwashing é a apropriação indevida do valor ambiental por empresas, indústrias, governos, políticos ou mesmo organizações não governamentais com a finalidade de criar uma imagem positiva, vender um produto ou uma política, ou para tentar recuperar a posição diante do público e de legisladores, após terem sido envolvidos em uma polêmica. (Burton, 2000 in Santos, 2009:150)

Os desafios da comunicação na gestão da sustentabilidade são, portanto, de cará-ter estratégico para as organizações que terão de estar preparadas para estabelecer bons relacionamentos, ouvir e manter o diálogo com os diversos públicos, adequar os veícu-los de comunicação, assim como ajustar as abordagens de seus conteúdos para que as mensagens sejam plenamente compreendidas pelos diversos perfis de públicos. Pablo

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128 Revista Communicare

Megaeventos esportivos no Brasil e seu comprometimento com a sustentabilidade

Barros Santos (2009), coordenador de comunicação do CEBEDS – Conselho Empresa-rial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, apresenta as principais intenções presentes nas estratégias de comunicação e marketing ligadas à sustentabilidade:

(...) ser prioritariamente promocional, ou seja, as mensagens procuram vender produtos “verdes” de empresas que os veem como oportunidades de negócio. (...) as mensagens podem também ter a intenção de evitar excessos ou advertir o consumidor quanto ao uso de determinados produtos ou serviços. (...) Um outro caso é do marketing social ou marketing de causas, no qual as mensagens tendem a preocupar-se com a conscientização individual, pondo o foco na mudança de comportamento e na tomada de atitudes mais sustentáveis. (...) Por fim, faça-se alusão às campanhas institucionais de fortalecimento da imagem das empresas. Além de eventualmente utilizarem mensagens dos três tipos anteriores, elas se valem, sobretudo, de um conjunto de relatos sobre como conduzem suas estratégias de sustentabilidade. (Santos, 2009:150-151)

O autor defende o constante aperfeiçoamento do profissional de comunicação para atuar com os novos mecanismos de governança corporativa e os conceitos da sustentabilidade por acreditar na sua capacidade de influenciar atitudes e promover mudanças. Desta forma, postura ética e comportamento transparente também devem fazer parte do dia a dia do profissional de comunicação, aliados a uma visão crítica sobre os mecanismos de estímulo ao consumo. Para enfrentar os dilemas do capitalismo é preciso reflexão e busca por alternativas que favoreçam o cidadão.

Entre os diversos exemplos de veículos que auxiliam a comunicação de projetos de sustentabilidade estão os relatórios de gestão de responsabilidade ambiental, consi-derados instrumentos de transparência e divulgação dos investimentos realizados pelas organizações na preservação do meio ambiente. Além dos relatórios, a obtenção de cer-tificações de neutralização da emissão de gases que provocam o efeito estufa; a adoção de políticas de correta destinação de resíduos; a utilização de materiais reciclados, entre outras ações, são exemplos do quanto as organizações estão preocupadas em demons-trar à opinião pública que estão conscientes dos prejuízos causados à natureza e de sua responsabilidade perante a sociedade. Embora os discursos sejam envolventes e muitas vezes inspiradores, não devemos esquecer que:

O que está por trás desse surto de bondade corporativa, obviamente, é o retorno, tanto na forma de moedas financeiras – incremento na receita, lucratividade etc. –, como de moedas não financeiras – conquista e encantamentos dos stakeholders, melhoria na imagem institucional, posicionamento estratégico da marca etc. (Yanaze & Augusto, 2008:129)

Observa-se que o mercado possui diversos instrumentos para a comunicação da sustentabilidade, mas a prática das relações públicas excelentes para a comunicação da sustentabilidade pode, também, contribuir para um posicionamento estratégico que

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Ethel Shiraishi Pereira

proporcione sentido às ações organizacionais e que, de fato, possa agregar valor aos negócios das organizações.

Eventos: ferramenta de relações públicas excelentes

Os eventos assumem papel estratégico quando estão alinhados aos objetivos de comu-nicação de uma organização e são concebidos e planejados dentro dos preceitos éticos da atividade de Relações Públicas, além de contribuir para os objetivos de negócios das organizações e dos públicos com os quais ela se relaciona. Ao fazer uso das relações públicas excelentes, as organizações podem utilizar os eventos como canais de mão du-pla, tão necessários para harmonizar os interesses entre as organizações e seus diversos públicos de relacionamento.

Por seu caráter abrangente, os eventos são considerados, pelos relações-públicas, instrumentos capazes de viabilizar e estimular o diálogo de maneira simétrica, e colaboram para a obtenção de objetivos diversos dentro das organizações que, nas últimas décadas, foram pressionadas a investir em ações de relacionamento com seus públicos de interesse, além de promover suas marcas, produtos e serviços em busca de maior competitividade. (Pereira, 2010:140)

Os eventos devem ser compreendidos como ações previamente planejadas, com gestão de objetivos que estejam orientados para os resultados da organização, sempre em busca da construção de relacionamentos duradouros e confiáveis. A análise das ques-tões macro e micro-ambientais, além da cultura organizacional, tornam-se imprescin-díveis para o estudo do cenário em que o evento se integra e assume papel estratégico.

Para Ivone de Lourdes Oliveira (2003:5), a comunicação estratégica é, por excelên-cia, processual, no sentido em que busca estabelecer canais de conversação contínuos entre a organização e seus interlocutores. Oliveira conclui que “a dimensão estratégica acontece no momento em que os espaços de mediação, negociação, integração e diálo-go são abertos, deixando no passado o caráter instrumental e mecânico da comunica-ção organizacional” (Oliveira, 2003:8). O evento é, portanto, uma adequada ferramenta para que o profissional de relações públicas possa criar o ambiente propício para que a dimensão estratégica da comunicação se manifeste.

Os eventos também são formadores de opinião e contribuem para a construção da imagem e legitimação das práticas institucionais de uma organização. O trabalho de construção e de monitoramento de imagem, desenvolvido pelos profissionais de comunicação é uma função estratégica tendo em vista que, manter a imagem pública favorável, implica em organizar e inserir fatos e discursos na esfera pública e os eventos podem contribuir para este processo.

A legitimação é construída através da linguagem, principal depositária das experiências

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Megaeventos esportivos no Brasil e seu comprometimento com a sustentabilidade

coletivas. Tanto a vivência da instituição, através das práticas características a sua comunidade, quanto às representações que a definem, formam a identidade da mesma, tornam a instituição presente e legítima na experiência do indivíduo na sociedade (Barichello, 2003:15).

O uso dos eventos, como ferramenta estratégica de relações públicas, faz-se im-prescindível para colaborar com a implementação das ações de comunicação integrada nas organizações, devendo, no entanto, estar de acordo com os preceitos que tornam as relações públicas excelentes. Nas últimas décadas, as relações públicas ganharam status nas organizações ao assumir um posicionamento estratégico em suas ações, principal-mente por contribuir para atingir os objetivos de negócios. Parte desse resultado pode ser obtida por meio da abertura de diálogo com os públicos: postura positiva, pró-ativa, capaz de gerar compreensão mútua entre as partes, pois, ouvir e atender às expectativas dos públicos de interesse é, certamente, uma atitude de respeito e que permite a trans-parência nas relações.

Por sua complexidade, os eventos podem transitar por todas as esferas que contri-buem para busca da excelência na prática das relações públicas. Ao serem compreendi-dos como ação estratégica, os eventos transformam-se em mídias cujas mensagens são transmitidas aos públicos de interesse da organização, sejam eles por meio de uma comu-nicação dirigida ou por uma comunicação de massa. Esta, uma nova dimensão dos even-tos, além de contribuir para a legitimação dos conceitos institucionais de uma organiza-ção e fortalecer a sua imagem, passam a agregar objetivos mercadológicos que trazem ao universo dos eventos contornos promocionais e os transformam num poderoso instru-mento de sustentação e geração de negócios. Além disso, as mensagens contribuem para que os conceitos institucionais e mercadológicos tornem-se tangíveis e compreendidos pelo público-alvo do evento, muitas vezes compostos por formadores de opinião.

Eventos Sustentáveis

Os eventos são ferramentas que colaboram para que um conceito seja comunicado aos públicos organizacionais. Se uma organização utiliza a sustentabilidade como estratégia de negócio, seus eventos devem ser concebidos e planejados sob esta perspectiva. Ao dar visibilidade às organizações, os eventos podem, também, contribuir para que os diversos públicos de uma organização compreendam o seu comprometimento com a temática.

Duas formas de utilização dos eventos dentro da lógica espetacular são identificadas: a primeira, quando são promovidos eventos de encontros, momentos ideais para troca de informações e formulações de ações que mobilizam a imprensa e os demais públicos em busca de soluções aos problemas provocados pelo mau uso dos recursos naturais, tais como a Conferência Eco 92 e a Conferência Internacional das Mudanças Climáticas,

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Ethel Shiraishi Pereira

realizada no final de 2009 na Dinamarca, a COP 15. Nesses casos, a “sustentabilidade” é o conteúdo e está inserida na programação dos eventos. Num segundo momento, o espetáculo se concretiza e o conceito de sustentabilidade extrapola os limites do conteúdo do evento e passa a permear todas as suas ações. Na medida em que os desastres ambientais já não podem ser mantidos em segredo e diante das perspectivas de que não podemos “congelar as sociedades em estado de subdesenvolvimento”, as corporações percebem a necessidade de modificar sua postura. Entre diversas ações de comunicação e de marketing, os eventos passam a ser utilizados, também, como mecanismos de exposição do discurso das empresas, que precisam alinhar a missão organizacional a este tipo de ação para tornar tangível a proposta de organizações comprometidas com o desenvolvimento sustentável. Desta forma, surgem os chamados “eventos sustentáveis”, ou seja, eventos capazes de transformar em prática os princípios e as estratégias da sustentabilidade, aplicados no processo de seu planejamento e organização. Assim, obtém-se o alinhamento entre a missão organizacional, seu discurso e esse tipo de ação comunicacional. (Pereira, 2011: 98)

Para realização desses eventos, surgem “guias” de organização de eventos susten-táveis, que apresentam dicas e orientações sobre como os eventos podem incorporar ações de caráter ambiental, tais como:

a) a utilização de materiais reciclados e reutilizáveis; b) a coleta e destinação correta dos resíduos gerados pelo evento;c) a utilização de madeira certificada;d) a neutralização das emissões de gás carbônico (certificada por consultorias es-

pecializadas que calculam a quantidade de poluentes gerados com o processo de organi-zação do evento, como por exemplo, os gerados pelo transporte dos organizadores e dos participantes dos eventos, para posterior compensação por meio do plantio de árvores);

e) racionalização do uso da água e de energia elétrica; f ) utilização de alimentos orgânicos; g) utilização de “brindes verdes”;h) campanhas de incentivo à preservação ambiental. Assim como nos demais segmentos da sociedade, sustentabilidade em eventos

tornou-se sinônimo de evento verde ou de ações que contribuem para minimizar o im-pacto ambiental provocado pela organização e realização dos eventos. Mas, em alguns casos, observam-se ações que vão além da questão ambiental e que propõem:

a) o incentivo ao uso de transporte coletivo; b) cuidados com a acessibilidade do local; c) incentivo ao comércio justo; d) utilização de brindes produzidos por comunidades carentes; e) promoção de ações sociais, culturais e de campanhas educativas.Para evitar este tipo de distorção, torna-se necessário alinhar o processo de pla-

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Megaeventos esportivos no Brasil e seu comprometimento com a sustentabilidade

nejamento dos eventos ao conceito triple botton line, criado por John Elkington, para a sustentabilidade das organizações, visando garantir o equilíbrio entre prosperidade econômica, qualidade ambiental e, especialmente, justiça social, muitas vezes deixada em segundo plano quando se trata de obter resultados por meio de eventos.

O pilar social tem como base as questões voltadas para o bem-estar das pessoas e dos públicos de uma organização. Compreende no conjunto o real significado de desenvolvimento social, envolvendo aspectos éticos, culturais, qualidade de vida etc. Elkington destaca nesse contexto a importância de as empresas considerarem no projeto de sustentabilidade o capital social e os princípios éticos. “Como uma empresa supostamente sustentável pensaria no capital social?”, pergunta ele. E responde: “Em parte, ela considera o capital humano, na forma de saúde, habilidades e educação, mas também deve abranger medidas mais amplas de saúde da sociedade e do potencial de criação de riqueza” (Elkington, 2001:89 apud Kunsch, 2009:67)

Megaeventos Esportivos

O esporte possui um poder inegável de mobilização das pessoas por conta da paixão e emoção que provoca no esportista, no torcedor e até mesmo naquelas pessoas que ape-nas apreciam o esporte pela televisão ou como plateia nos estádios, ginásios entre outros “palcos” em que se realizam as competições. Devido a essa força, é capaz de influenciar a formação da cultura de um povo, assim como despertar e o sentimento de civismo e nacionalidade. Sua prática promove o bem-estar das pessoas e, com isso, contribui para diminuição de investimentos em saúde, gerando benef ícios à sociedade. Possui papel social, uma vez que colabora para a diminuição de índices de criminalidade, exclusão de crianças e jovens do universo das drogas, entre outros capazes de lançar a atividade como merecedora de políticas públicas e investimentos por parte da iniciativa privada.

Por outro lado, sendo uma atividade submetida à lógica de mercado, algumas mo-dalidades esportivas contam com o apoio da mídia, especialmente a televisiva e desen-volvem suas estratégias inseridas na indústria do entretenimento.

O entretenimento engloba dois aspectos: é ao mesmo tempo um setor relevante da economia, composto de organizações esportivas, culturais, de mídia e de turismo; e também uma vigorosa manifestação da cultura de um país, na medida em que as práticas culturais e lúdicas são transmitidas, aprendidas e renovadas ao longo do tempo, a cada nova geração. (Limeira in Cobra, 2008:34)

O esporte é um negócio bastante lucrativo e globalizado que tem no evento (com-petições, amistosos e os espetáculos de abertura e encerramento dos grandes eventos, coletivas de imprensa e eventos de relacionamentos com patrocinadores, clientes entre outros públicos) um mecanismo de estímulo ao consumo de seus produtos, ou seja, a

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prática do esporte em si, mas principalmente os aspectos que giram ao seu redor como, por exemplo, a vida pessoal de seus ídolos, a exposição das marcas patrocinadoras, os bastidores das negociações, entre outros, que fazem do marketing esportivo uma ferra-menta poderosa nas mãos das grandes organizações.

Megaeventos esportivos como os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo são os principais eventos realizados no mundo dos esportes e se tornam alvos de grandes dis-putas por parte de países que lutam para obter o direito de sediar suas competições. Fruto de um trabalho exaustivo, coordenado por um grupo de especialistas, a conquista da cidade do Rio de Janeiro para sediar os Jogos Olímpicos de 2016 contou com uma grande estrutura de marketing, estimada em 140 milhões de reais. Tudo isso para con-vencer um grupo de 97 personalidades, de que o Brasil contava com a melhor proposta para o evento. Quando, finalmente, a imprensa noticiou que o Rio de Janeiro seria a sede de um evento dessa magnitude, observou-se uma explosão de alegria e euforia por parte dos dirigentes esportivos, políticos, governantes que contagiou os cidadãos brasileiros.

O Rio de Janeiro foi escolhido pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) em 2/10/2009, em Copenhague, Dinamarca, como sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Essa conquista, é necessário dizer, deve-se em grande parte ao trabalho superprofissional de relações públicas desenvolvido há mais de dois anos pelas autoridades brasileiras, especialmente aquelas ligadas ao esporte (Ministério do Esporte, Comitê Olímpico Brasileiro e Itamaraty), com o presidente Lula à frente, juntamente com o governo do estado e da capital. (Bernasconi, 2009)

Entre os diversos benef ícios econômicos que podem ser obtidos a partir de uma boa gestão das competições, temos a projeção da imagem dos países e cidades-sedes, fomentando o desejo de turistas do mundo todo em conhecer e consumir nas respecti-vas localidades; investimentos nas diversas obras de infraestrutura (saneamento básico – água, esgoto, gestão de resíduos; mobilidade urbana; energia; telecomunicações; segu-rança; portos e aeroportos; rede hoteleira; estádios e estruturas de apoio e financiamen-tos), sempre necessárias para a preparação das cidades e colaborando especialmente com o setor da construção civil; por meio da geração de empregos nos diversos setores (os Jogos Olímpicos devem gerar a criação de dois milhões de empregos nos próximos dezoito anos, de acordo com estudo encomendado pelo Ministério do Esporte); com a capacitação da mão de obra de prestadores de serviços, arrecadação de tributos etc.

Além dessas vantagens, que podem ser atribuídas em geral a qualquer tipo de evento, os desafios e as expectativas de especialistas em relação à Copa de 2014, pautados nas experiências internacionais anteriores, são de que logremos alavancar melhorias e modernização arquitetônica em equipamentos não só esportivos, como construções histórico-culturais; estruturação adequada de uma infraestrutura de apoio ao receptivo turístico em cada destino (segurança, logística de venda e distribuição de ingressos, sinalização etc.); mobilização da população, instaurando uma atmosfera de união,

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Megaeventos esportivos no Brasil e seu comprometimento com a sustentabilidade

engajamento e espírito esportivo; qualificação de recursos humanos especializados e aprimoramento dos serviços direcionados ao atendimento do turista internacional; e fomento dos atrativos por meio de programas de marketing turístico, não apenas nas cidades-sedes, mas em todo o entorno, tornando-as mais competitivas. Agrega-se a isto que eventos desta magnitude têm o poder de acelerar os projetos e as políticas de desenvolvimento já em curso no país. (Santovito, 2010)

Observam-se, também, outros legados de caráter intangível, como os declarados pelo presidente da África do Sul, Jacob Zuma, “os principais legados deixados pelo even-to foram o sentimento de unidade e orgulho nacional e a cultura futebolística, necessá-ria para evitar o desuso dos equipamentos após a realização da competição”. No Brasil, o caráter simbólico do futebol não pode ser desprezado e deve contribuir para o legado a ser deixado pela Copa.

Diante de tantas vantagens, é natural o clima de comemoração que pode ser pre-senciado com o anúncio da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016 no Brasil. Mas, mesmo diante de tantos benef ícios proporcionados por tais eventos, a preocupação com uma série de questões relacionadas com a sua organização não pode ser deixada de lado.

O legado a ser deixado pelo evento, tanto para a imagem do Brasil no resto do mundo quanto para a infraestrutura nacional, vai depender, portanto, da competência com que seja projetado, modelado e executado o megaevento em todas as suas implicações. (Garrido, 2009:8)

O planejamento passa a ser fator determinante para o sucesso de eventos tão com-plexos e que envolvem interesses de diferentes esferas governamentais, entidades pro-motoras, patrocinadores, veículos de comunicação e a sociedade em geral.

A Copa do Mundo de 2014

A Copa do Mundo é o maior dos eventos esportivos entre as diversas competições pro-movidas pela FIFA – Federação Internacional de Futebol Associado, instituição inter-nacional criada em 1904 e que congrega representantes de mais de 208 países, entre eles a CBF – Confederação Brasileira de Futebol. Realizado a cada quatro anos, a primeira edição aconteceu em 1930 no Uruguai com 13 seleções. Em 2014, o Brasil será sede da vigésima edição da competição que contará, após uma série de jogos classificatórios, com a participação de 32 países. O torneio tem duração de aproximadamente 30 dias e vai além da competição esportiva, pois envolve diversos eventos preliminares e as sole-nidades de abertura e de encerramento da competição.

A organização deste megaevento conta com uma grande parceria entre a CBF e o

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governo brasileiro. Durante a gestão do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi criado o Comitê Gestor da Copa – CGCOPA, que posteriormente, na gestão da Presidente Dilma Rousseff, ganhou novos atores em sua estrutura: 25 ministérios e secretarias com status de ministério integram o CGCOPA, cujo objetivo é coordenar e consolidar as ações, estabelecer metas e monitorar os resultados de implementação e execução do Plano Estratégico Integrado para a Copa do Mundo de 2014. De acordo com o site man-tido pelo governo brasileiro,

essa união e empenho do Governo Federal leva em consideração o fato de que, além de uma grande festa, que o país pretende organizar de forma inesquecível, o Mundial trará importantes melhorias para a população, sobretudo nas cidades-sedes. (...) Essas estruturas dialogam, interagem e estabelecem instrumentos de formalização de responsabilidades com o Comitê Organizador Local da Copa FIFA 2014 (COL) e com as 12 cidades-sedes. http://www.copa2014.gov.br/sobre-a-copa/estrutura-de-governanca

A CBF, atualmente presidida por José Maria Marin, é a executora das diretrizes estabelecidas pela FIFA. Na ocasião em que foi criado o Comitê Organizador Local (COL), Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF, também acumulava o cargo de presi-dente desse comitê. No entanto, após muito desgaste em sua imagem, provocado por denúncias de corrupção e uso indevido de recursos, anunciou em 01 de dezembro de 2011 que o ex-jogador Ronaldo Nazário passaria a compor o Conselho Administrativo do Comitê. Durante a coletiva de imprensa, Ronaldo informou que trabalharia de forma voluntária e, embora não tenha declarado, teve a missão de utilizar seu carisma para melhorar a imagem do COL.

Escolhidas pelo Comitê Organizador Local, as doze cidades brasileiras que serão sede da Copa do Mundo de 2014: Belo Horizonte, Brasília, Cuiabá, Curitiba, Fortale-za, Manaus, Natal, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo, podem se beneficiar com o legado do desenvolvimento, porém, têm um grande desafio pela frente. Os três níveis governamentais possuem projetos prioritários para solucionar os problemas de infraestrutura, no entanto, raros são os casos em que se observa o início das obras necessárias para que o Brasil possa receber, com qualidade, os mais de 500 mil de turistas estrangeiros estimados e milhões de brasileiros que vão movimentar a economia, impactando positivamente o turismo brasileiro.

A oportunidade de modernização do Brasil, oferecida pelo maior evento esportivo do planeta, depende da capacidade de mobilização dos organizadores em captar inves-timentos para obras no setor de transportes, especialmente nos portos e aeroportos, claramente ultrapassados e sem capacidade para atender o fluxo turístico esperado, e transporte público, corredores de ônibus, trens e metrôs, para facilitar a mobilidade urbana para acesso aos estádios. Energia e telecomunicações precisam de atenção e investimentos em tecnologia para garantir o uso intensivo da internet e a qualidade na transmissão dos jogos realizada por emissoras de TV de mais de 240 países, e uma audi-

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ência acumulada de mais de 30 bilhões de espectadores, sem contar com problemas de segurança, capacidade hoteleira e formação de mão de obra qualificada.

Benefícios econômicos

Estudos produzidos pela Fundação Getúlio Vargas, pela Value Partners Brasil Ltda e pela BRAZTOA – Associação Brasileira das Operadoras de Turismo, encomendados pelo Ministério do Esporte e pelo Ministério do Turismo, projetam os benef ícios eco-nômicos que a competição pode proporcionar ao Brasil. Os números positivos, gerados por esses estudos, foram utilizados como argumentos para a defesa dos investimentos que o Governo fará para honrar o compromisso de organizar um evento de acordo com os padrões estabelecidos pela FIFA.

O Ministério do Turismo compreende que um megaevento como a Copa do Mun-do é um mecanismo de promoção do Brasil, como destino turístico, mais eficiente do que as campanhas publicitárias. Por meio do evento, pretende apresentar as belezas naturais, a cultura, as cidades e o povo brasileiro, sempre alegre e receptivo. No entanto, para que a imagem seja positiva, é preciso criar uma infraestrutura adequada nos destinos, com qualidade do receptivo e nos demais serviços, para que o turista vivencie a experiência de um evento produzido em um Brasil moderno e organizado (FGV, Caderno de propostas estratégicas de organização turística das cidades-sedes da Copa do Mundo de Futebol de 2014, 2009). Os eixos de atuação do Ministério do Turismo para a Copa de 2014 são:

1) estruturação e preparação das cidades-sedes, executando o aperfeiçoamento da infraestrutura básica necessária à atividade turística, como revitalização de áreas consideradas de alto potencial turístico, aperfeiçoamento da sinalização turística e viabilização do aproveitamento turístico do entorno;2) atratividade e satisfação do turista por meio da qualificação profissional de serviços como receptivos de aeroportos, estações, hotéis, funcionários de restaurantes, motoristas de taxi e outros serviços; 3) promoção do país por meio do planejamento de marketing, gerando com isso o aumento da exposição internacional e nacional do destino Brasil;4) crescimento sustentável de novos investimentos em diversas áreas, como a da atividade hoteleira, por meio da oferta de mecanismos de fomento.As ações acima descritas visam proporcionar um melhor acolhimento aos visitantes e melhorar a competitividade dos destinos turísticos brasileiros, mas vão principalmente proporcionar desenvolvimento econômico e social, deixando um legado à população brasileira que aqui vive, trabalha e tem direito a um lazer de qualidade. A organização de um megaevento como esse só tem sentido se, no final, servir para deixar um Brasil melhor para todos os brasileiros. (FGV, Caderno de propostas estratégicas de organização turística das cidades-sedes da Copa do Mundo de Futebol de 2014:2009)

Megaeventos esportivos no Brasil e seu comprometimento com a sustentabilidade

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Questões ambientais

Os organizadores da Copa do Mundo no Brasil iniciam os trabalhos com a promessa de realização de uma Copa Sustentável. De acordo com o então ministro dos Esportes, Orlando Silva,

Uma lista de metas para tornar a Copa um evento sustentável começou a tomar corpo na Alemanha, em 2006, e vai continuar na África, no ano que vem. Mas, de acordo com os organizadores, será no Brasil, em 2014, que acontecerá a grande aplicação deste projeto, que eles chamam de green goals. (...) A Copa de 2014 no Brasil apresentará ao mundo diversos exemplos de sustentabilidade ambiental. Será uma de nossas marcas. (Silva, 2009:7)

Inspirado nas ações desenvolvidas na Copa da Alemanha em 2006 e, mais recente-mente, na Copa da África do Sul, o Brasil discute aspectos relacionados com a gestão de resíduos, visando reduzir o impacto ambiental, gestão de resíduos, produção de energia limpa, saneamento básico, despoluição de rios e do ar, uso racional da água, entre outros.

Com isso, o conceito de Copa Verde ganha destaque na imprensa, especialmente quando a pauta gira em torno das obras de infraestrutura e de reforma ou constru-ção dos estádios. Um acordo de cooperação entre os Ministérios do Esporte e do Meio Ambiente foi assinado em abril deste ano para garantir a realização de um trabalho conjunto para viabilizar ações de sustentabilidade da Copa de 2014, a partir de políticas e parcerias. Surgem, por exemplo, propostas para normatização das obras sustentáveis, como as sugeridas pela Comissão de Meio Ambiente, que contemplam linhas de finan-ciamento para fomentar a produção de energia elétrica e térmica a partir da energia solar e da energia eólica.

O ministro Orlando Silva explicou que entre as ações previstas no termo de cooperação estão: a exigência de certificação ambiental dos projetos de reformas de estádios para tomar empréstimos com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a preocupação com meios de transporte mais limpos e a utilização de produtos orgânicos. (Mousinho, 2010)

Ian Mackee e Vicente de Castro Mello vislumbraram na Copa de 2014 um exce-lente negócio verde e criaram o Projeto Copa Verde, que inclui EcoArenas e planos que envolvem serviços a serem prestados aos brasileiros e visitantes durante a Copa, tentam disseminar o conceito e apresentam os principais conceitos que devem ser adotados nas EcoArenas:

1 - Design: A sustentabilidade começa no design mais favorável buscando, ao máximo, a ventilação e a iluminação natural dos ambientes para reduzir o custo de manutenção, consumo de energia e recursos naturais; 2 - Água: Um recurso é a captação da água da chuva, pela cobertura, campo e entorno do estádio. Outro recurso é a utilização de torneiras com controle de vazão e sanitários

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Megaeventos esportivos no Brasil e seu comprometimento com a sustentabilidade

waterless (sem água) que permitem a redução drástica do uso de água potável. Um terceiro recurso diz respeito aos sistemas de tratamento de água tipo wetlands, no qual as raízes de plantas aquáticas fazem o trabalho; 3 - Energia: A adoção do painel fotovoltaico para transformar a energia solar em energia térmica e elétrica. Estes painéis podem ser aplicados na cobertura e nas fachadas do estádio para torná-lo auto-suficiente em energia. O lixo orgânico e o esgoto podem ser aproveitados em um biodigestor para produzir gás metano, abastecendo cozinhas ou gerando mais energia. Mais: um sistema inteligente de automação pode contribuir muito para a redução do consumo de energia, controlando o acionamento de lâmpadas e máquinas de ar condicionado somente quando necessário. E ainda o uso de um sistema de resfriamento de ar e água no subterrâneo, para garantir um sistema de ar-condicionado mais econômico; 4 - Materiais: Utilizar, ao máximo, materiais reciclados e recicláveis, produzidos próximo ao local onde o estádio for construído, para evitar o consumo de combustível fóssil no transporte. Utilizar somente madeiras com certificado de origem. Evitar o uso de matérias químicas nos revestimentos internos dos ambientes, a fim de evitar alergias e doenças respiratórias. Elaborar um sistema de coleta seletiva e reciclagem de lixo e um programa de redução de lixo. (Menai, Planeta Sustentável, agosto de 2009)

Em setembro de 2011, foi realizado em Manaus o “Seminário Internacional Copa 2014: Sustentabilidade e Legado”, um encontro promovido pelo Ministério do Esporte, Ministério do Meio Ambiente e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), pelo Governo do Estado do Amazonas e pela cidade de Manaus. Para a FIFA, as questões ambientais fazem parte de seu programa de Responsabilidade Social Corporativa e, por causa disso, o evento contou com a participação de Federico Addiechi, chefe de Respon-sabilidade Social da Entidade. Em sua passagem pelo Brasil, Addiechi disse que o Brasil já apresenta ações que servirão de referência para os organizadores das próximas Copas como, por exemplo, os certificados ambientais para os estádios.

Questões sociais

O site oficial da FIFA apresenta informações sobre responsabilidade social, utilizada pela Entidade como forma de cumprir sua missão de “construir um futuro melhor”. A FIFA compreende que tem o poder de influenciar e direcionar a força do futebol para promo-ver mudanças positivas na sociedade e no meio ambiente. Como estratégia, utiliza-se de cinco áreas centrais: as pessoas, o esporte, os eventos, a sociedade e o planeta, conforme segue:

As pessoas - As federações afiliadas e os membros da nossa equipe são o nosso maior patrimônio. Oferecer um ambiente de trabalho seguro e saudável para todos é uma

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responsabilidade básica e primordial para o sucesso da FIFA.O esporte - O futebol é praticado ativamente por milhões de pessoas no mundo todo e acompanhado por bilhões de torcedores. Fazer com que o futebol seja um reflexo dos mais altos valores da sociedade é essencial para a FIFA. Através dos seus regulamentos e das medidas que toma dentro e fora de campo, a entidade combate as influências negativas que ameaçam o esporte e assegura o respeito aos seus valores fundamentais.Os eventos - Os torneios organizados regularmente pela FIFA ao redor do globo estão no núcleo da missão de desenvolver o esporte e sensibilizar o mundo. As competições são essenciais para a estratégia de responsabilidade social corporativa da FIFA por proporcionarem excelentes plataformas para despertar a consciência do público, debater questões específicas e implementar projetos e campanhas.A sociedade - O futebol se transformou em ferramenta fundamental de centenas de programas conduzidos por organizações não-governamentais e organismos comunitários no mundo inteiro. Tais programas proporcionam a crianças e jovens os instrumentos de que necessitam para realizarem mudanças positivas em suas vidas. Apoiando essas iniciativas, a FIFA disponibiliza recursos e estimula federações, parceiros comerciais, agências de desenvolvimento e outros organismos a investirem dinheiro e conhecimento nas categorias de base.O planeta - A FIFA encara a sua responsabilidade ambiental de forma muito séria. Problemas como o aquecimento global, a preservação do meio ambiente e a sustentabilidade são preocupações da FIFA não apenas no que tange às suas Copas do Mundo, mas também à sua existência institucional. É por essa razão que a entidade vem se associando a parceiros e outros organismos para encontrar maneiras de enfrentar tais questões e reduzir os impactos ambientais negativos ligados às suas atividades. Disponível em http://pt.fifa.com/aboutfifa/socialresponsibility/about.html acesso em 08.12.11

O ex-jogador Sócrates, falecido em 04 de dezembro de 2011, ao criticar a postura dos dirigentes brasileiros e da mídia, parecia não acreditar que a CBF pudesse atuar conforme diretrizes da FIFA e comentou em sua coluna na Revista Carta Capital, sobre o que poderia ser o verdadeiro papel da Copa do Mundo no Brasil:

O que interessadamente ignoram, e querem que ignoremos, é o potencial mobilizador e transformador social desse fenômeno jogado com os pés. Essa é a legítima função do futebol, e que, se aflorasse, não encontraria limite para transformar realidades, integrar culturas e pessoas, formar cidadãos e consciências, enfim, servir de vetor do desenvolvimento e igualdade. Este é o entendimento fundamental que nos falta, a essência que daria sentido a uma Copa do Mundo no Brasil, e que, com esses valores, por beneficiar a todos (benef ício verdadeiro, não apenas a felicidade fugaz por assistir a alguns jogos), nos faria, com muito orgulho, merecer tal evento. (Sócrates, 2010)

Por outro lado, o Ministério do Turismo apresenta como uma de suas diretrizes

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para a Copa, a realização de campanhas para sensibilização e prevenção à exploração sexual infanto-juvenil. Propõe, também, a qualificação da mão de obra para que a po-pulação local possa ocupar as vagas temporárias e permanentes que serão geradas pelo evento. No Estado do Mato Grosso, por exemplo, 25 trabalhadores que atuavam em condições análogas à escravidão, serão alfabetizados e capacitados para trabalhar na construção da Arena Pantanal, receberão alimentação e moradia até o final da obra.

O presidente da Agência de Execução dos Projetos da Copa do Pantanal (Agecopa), Eder Moraes, considera que, entre os principais legados da Copa do Mundo para os mato-grossenses, estão as capacitações que geram melhorias na qualidade de vida da população. "A herança do Mundial não se limitará às obras", disse. Disponível em http://g1.globo.com/mato-grosso/noticia/2011/05/resgatados-do-trabalho-escravo-vao-trabalhar-em-obra-da-copa-em-mt.html acesso em 26.05.2011

Entre algumas ações positivas com reflexo social, temos a iniciativa do presidente do Conselho Nacional de Justiça, Gilmar Mendes Ferreira, que propõe um acordo de cooperação técnica com o Comitê Organizador da Copa do Mundo de 2014, visando a ressocialização de ex-detentos, ao oferecer vagas de trabalho nas obras realizadas para a competição (CANAZART, 2010).

Diversos estudos e autoridades apresentam os benef ícios proporcionados com a realização da Copa do Mundo no Brasil em 2014. Os principais temas emergentes, iden-tificados neste estudo, são sempre positivos e podem ser agrupados em torno de três grandes objetivos: os econômicos, os ambientais e os sociais, conforme gráfico:

Gráfico 01 – Benef ícios Copa do Mundo de 2014

Megaeventos esportivos no Brasil e seu comprometimento com a sustentabilidade

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Tabela 01 – Temas Emergentes – Benef ícios da Copa do Mundo 2014

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Melhorias em infraestrutura: saneamento básico, mobilidade urbana, energia, telecomu-nicações, segurança, portos e aeroportos, rede hoteleira, estádios e estruturas de apoio

Projeção da imagem do país e das cidades-sedes

Melhorias e modernização arquitetônica em construções histórico-culturais

Estímulo ao consumo nas localidades

Arrecadação de tributos

Revitalização de áreas consideradas de alto potencial turístico

Sentimento de unidade e orgulho nacional

Fortalecimento da cultura futebolística

Produção de energia limpa

Certificados ambientais para estádios

Gestão de resíduos

Despoluição de rios e do ar

Uso racional da água

Geração de emprego para ex-detentos - ressocialização

Prevenção à exploração sexual infanto-juvenil

Geração de empregos

Capacitação de mão de obra e alfabetização

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Pouco se discute sobre os impactos negativos provocados por megaeventos como a Copa do Mundo. Em 2010, a pesquisadora brasileira e relatora da Organização das Na-ções Unidas para o Direito à Moradia, Raquel Rolnick, realizou levantamento e constatou os prejuízos sociais provocados pela expulsão de milhares de pessoas que são forçadas a sair de suas casas, localizadas em áreas utilizadas para as competições, e que são deslo-cadas para regiões periféricas tendo em vista a impossibilidade de pagar o valor dos imó-veis que se valorizam neste processo de revitalização dos espaços urbanos. Na ocasião, a ONU tentou contato para discutir o resultado do estudo, mas não foi recebida pela FIFA.

As relações públicas excelentes

A questão da sustentabilidade tem sido objeto de preocupação dos profissionais de rela-ções públicas, especialmente por se relacionar com a gestão e os valores organizacionais e pela necessidade de ser corretamente comunicada aos públicos, visando estabelecer uma percepção correta sobre as atitudes organizacionais e a imagem que se pretende projetar, ao investir em projetos de sustentabilidade. Conforme apresentado anterior-mente, para o desenvolvimento deste estudo, foram considerados os seguintes pressu-postos: a utilização do discurso da sustentabilidade contribui para construção de uma imagem positiva dos eventos e permite a percepção de que seus promotores e organiza-dores estão comprometidos com as questões relacionadas com a sustentabilidade. Por outro lado, o discurso apresentado pelo comitê organizador da Copa do Mundo e seus respectivos apoiadores é organizado apenas em torno das questões de caráter ambiental.

Desta forma, foi realizada uma pesquisa de opinião, de natureza qualitativa com o objetivo de conhecer a opinião dos estudantes de relações públicas sobre as ações de sus-tentabilidade para a Copa do Mundo de 2014, sob a ótica das Relações Públicas Excelen-tes. Outros objetivos específicos foram traçados, entre os quais se destacam: identificar que tipo de legado os estudantes esperam que seja proporcionado pela Copa e identificar como as Relações Públicas podem contribuir para o legado social da Copa de 2014.

Os entrevistados (14 estudantes de relações públicas do Centro Universitário Belas Artes, da Faculdade Cásper Líbero e da Faculdade de Comunicação e Marketing da Fun-dação Armando Alvares Penteado – FAAP, localizadas na cidade de São Paulo) mostra-ram-se otimistas sobre a realização da Copa de 2014 no Brasil. A geração de empregos e a movimentação da economia, foram aspectos apresentados como positivos e que serão alavancados com a realização do evento. Embora preocupados com a falta de infraes-trutura para realização do evento, demonstraram-se confiantes de que o Brasil poderá realizar uma boa competição e melhorar a imagem do País no exterior. Mesmo os que se declararam contrários à sua realização, o fizeram por considerar que o Brasil ainda não está preparado para receber um evento tão complexo, sem recursos e infraestrutura, mas reconhecem que, em outras condições, o evento poderia ser positivo para o País.

Megaeventos esportivos no Brasil e seu comprometimento com a sustentabilidade

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“Somos o País do futebol, queira ou não, vai gerar empregos, oportunidades de trabalho, movimentação de recursos, nessa parte, em termos de estrutura vai ser bacana. Uma coisa que vejo de negativo é o tempo para execução de todo esse projeto, que é um big projeto”.

A maioria dos estudantes não tinha opinião formada sobre os organizadores da Copa de 2014. Desconhecia o processo de organização e reclamou da falta de divul-gação dos trabalhos e de transparência. A FIFA é mencionada, mas poucos estudantes conseguiram apresentar com clareza a relação entre os diversos órgãos envolvidos na organização do evento. Os aspectos positivos são atribuídos à FIFA e os negativos, ao governo brasileiro, visto como incompetente para realização das obras de infraestru-tura. Os gastos desnecessários por conta dos atrasos nas obras são atribuídos à “poli-ticagem” embora não saibam explicar exatamente o que está por trás do processo de organização. Os jovens se ressentem do preço dos ingressos e sabem que não poderão participar dos jogos como espectadores nos estádios. Com exceção de dois entrevis-tados, os demais percebem a Copa como uma excelente oportunidade de trabalho e acreditam que a área de comunicação será muito demandada a partir de 2012.

Quando questionados sobre a expectativa do brasileiro em relação à Copa, os es-tudantes perceberam a oportunidade para citar a influência da mídia para mobilizar e engajar as pessoas em torno de um evento. Acreditam que somente as empresas estão se preocupando com a Copa e que o brasileiro, que deixa tudo para a última hora, ainda não está preocupado com a Copa.

A imagem do Brasil e a infraestrutura a ser proporcionada a partir das obras em transporte, segurança e estádios são os itens mais apontados como legados que a Copa deixará para o Brasil. O turismo também é citado como o grande beneficiado com a rea-lização dos megaeventos esportivos no Brasil. De uma maneira geral, os jovens possuem consciência dos benef ícios que a Copa do Mundo pode vir a proporcionar para a nossa economia e para a imagem do País.

“Se o Governo for esperto, utilizará todo esse capital social que a Copa traz para mostrar o Brasil que o estrangeiro não conhece, fugindo da tríade da mulher bonita, samba e futebol”.

Alguns entrevistados mencionaram a importância da sustentabilidade para a cons-trução de uma imagem positiva para o Brasil. Mas o grupo de entrevistados teve muita dificuldade para conceituar o termo sustentabilidade. A preocupação ambiental e seus desdobramentos foram citados como aspectos relacionados com a sustentabilidade.

“Sustentabilidade é a capacidade de equilibrar o lucro em relação ao bem-estar das pessoas e o bem-estar da natureza. Questão de equilibrar: vou lucrar, mas é importante não degradar a natureza e não desrespeitar o ser humano”.

Ao serem questionados sobre uma possível relação entre o esporte e a sustenta-bilidade, itens relacionados com questões sociais e econômicas foram comentados. Os principais elementos de relação apresentados estão vinculados aos objetivos sociais,

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tais como:a) Qualidade de vida e os aspectos relacionados com saúde das pessoas;b) Esporte utilizado para afastar crianças de baixa renda das ruas e das drogas;c) Ídolos esportivos que se engajam em campanhas sociais;d) Esporte proporcionando a união entre as pessoas.Copa Verde ou Copa Sustentável são expressões pouco conhecidas dos estudan-

tes. Alguns estabeleceram a conexão entre a realização da Copa e a divulgação de obras dos estádios relacionadas com questões ambientais. Outros comentaram que o Brasil, não sendo um país sustentável, não terá condições de realizar uma Copa Sustentável, embora reconheçam a importância deste conceito para a imagem do Brasil.

Quando questionados sobre de que maneira a atividade de relações públicas po-deria contribuir para a realização da Copa do Mundo no Brasil, foi possível perceber o quanto os alunos admiram a profissão de relações públicas e percebem a atividade como relevante para o planejamento tanto das ações relacionadas com a organização do evento em si, como também para que haja uma boa gestão da imagem da competição e, consequentemente, uma boa imagem do Brasil.

Como anteriormente mencionado, os entrevistados consideram que as ações de planejamento e comunicação do evento são mal divulgadas. Compreendem que as re-lações públicas podem colaborar para um melhor relacionamento dos organizadores e governo com as comunidades diretamente afetadas pelas diversas obras de infraestru-tura que estão em andamento e que certamente afetam diretamente a vida das comuni-dades do entorno, além de uma comunicação mais efetiva com a população brasileira. Durante o evento, o relacionamento com o turista é, para uma parcela dos entrevista-dos, algo relevante para garantir a boa imagem do Brasil.

Além da visão mais estratégica, relacionada com a função de planejamento das re-lações públicas, capaz de agregar valor à imagem e reputação das organizações e órgãos governamentais, os entrevistados apontaram funções específicas e que podem estar di-retamente relacionadas com a realização de uma Copa do Mundo e que são utilizadas, também, pelas empresas interessadas em promover suas marcas por meio dos atributos positivos que o esporte proporciona, além da visibilidade midiática que o evento possui. São elas:

a) Gestão de Crises;b) Assessoria de Imprensa;c) Cerimonial e Protocolo;d) Operacionalização das diversas competições e eventos paralelos.Apesar da dificuldade em conceituar e apresentar ações de sustentabilidade pre-

vistas para a Copa de 2014, e com isso, não possuir uma visão mais crítica sobre o dis-curso do Comitê Organizador da Copa do Mundo, alguns entrevistados conseguiram vislumbrar contribuições de relações públicas alinhadas com a filosofia das relações públicas excelentes.

Megaeventos esportivos no Brasil e seu comprometimento com a sustentabilidade

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Volume 11 – Nº 2 – 2º Semestre de 2012 145

Considerações Finais

A grandiosidade e a complexidade de uma Copa do Mundo, somadas aos diversos in-teresses políticos e econômicos envolvidos nesta competição, deixam a certeza de que este estudo, desenvolvido nos anos de 2010 e 2011, é uma etapa inicial do processo de compreensão e análise das atividades preparatórias e de organização deste megaevento.

A proposta de realização de uma Copa do Mundo Sustentável é uma das diretrizes estabelecidas pela FIFA ao Comitê Organizador Local, coordenado pela CBF ao Gover-no Brasileiro. Nesta fase preparatória, as questões relacionadas com a infraestrutura, foram colocadas em pauta pela imprensa que, muitas vezes, questionou a capacidade do Governo em atender às exigências relacionadas com a modernização dos aeroportos, com a construção dos estádios, com a criação de condições de transporte para mobili-dade do turista no período de realização do evento, além de questões relacionadas com segurança pública, recursos tecnológicos, entre outros.

A lentidão nos processos, os atrasos no cronograma de obras e alguns escândalos pelo mau uso do dinheiro público, somados à denúncia de suposta irregularidade nas relações do brasileiro João Havelange (ex-presidente da FIFA) com a ISL, empresa que foi agência de marketing da FIFA e protestos contra a gestão de Ricardo Teixeira na presidência da CBF, fragilizaram a promessa de realização de uma Copa Sustentável e tiraram o tema da pauta.

O pressuposto de que o discurso apresentado pelo comitê organizador do evento e seus respectivos apoiadores é organizado apenas em torno das questões de caráter ambiental se confirmou. Na maioria das vezes em que o conceito de Copa Sustentável é mencionado, o que surge como exemplo são as obras de infraestrutura das cidades e dos estádios que vão sediar os jogos.

Os benef ícios ambientais não são apresentados como prioridade, mas como con-sequência dos atuais investimentos realizados para a melhoria da infraestrutura, ou seja, o uso de energia limpa, a correta gestão dos resíduos gerados durante as obras ou durante a realização do evento, bem como a despoluição do ar e dos rios, se viabilizam por conta da realização do evento. Trata-se de um retrocesso em relação ao trabalho que se iniciou em 2006, com a realização da Copa do Mundo na Alemanha, e que pode-ria ser aprimorado na edição brasileira. Fica a percepção de que sem a Copa tais ganhos ambientais não seriam promovidos pelo poder público.

O levantamento de dados durante o estudo exploratório permitiu identificar que os setores da construção civil e do turismo são os principais favorecidos pela realização desse evento no Brasil. Nesta fase inicial, as questões estruturais permitem identificar que os benef ícios econômicos prevalecem em relação aos proporcionados no campo ambiental e no campo social, confirmando-se o pressuposto de que os membros do Comitê Organizador do evento não estão efetivamente interessados em contribuir para o desenvolvimento sustentável brasileiro, especialmente em relação aos aspectos sociais

Ethel Shiraishi Pereira

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das comunidades afetadas pelos eventos.Os benef ícios sociais proporcionados pelo evento, nesta fase preparatória, estão

exclusivamente relacionados com a preparação da mão de obra para que a população das cidades-sedes possa ocupar os cargos de trabalho que estão sendo gerados pela construção civil e, mais adiante, pelo turismo, visando ampliação e melhoria na quali-dade dos serviços que serão gerados no trans e pós-evento.

De acordo com estudo realizado pelo Ministério do Turismo, a realização de cam-panhas para sensibilizar a comunidade sobre os impactos do turismo e programas de conscientização voltados aos turistas, que abordem a importância do respeito ao des-tino turístico, são pontos relevantes para a boa imagem do Brasil. Para muitos espe-cialistas, a Copa do Mundo é uma excelente oportunidade para o Brasil renovar sua imagem, uma vez que no período de realização do evento, a imprensa estará com suas atenções voltadas para o País. Certamente, a iniciativa privada e o setor público, deverão comunicar aspectos relacionados com a Copa e a cultura brasileira, visando promover a imagem do País e das cidades-sedes como destinos turísticos.

No início de dezembro de 2012, a Prefeitura de Salvador, por meio do Escritório Municipal da Copa (ECOPA) e o Conselho Federal de Relações Públicas, celebraram acordo de parceria para elaboração de um Plano de Relações Públicas para a cidade.

Salvador será pioneira na mobilização dos profissionais de Relações Públicas para a construção coletiva do Plano, que é uma das recomendações da FIFA para as cidades-sedes. A elaboração será coordenada pela Delegacia de Relações Públicas de Salvador e a conclusão do Plano está prevista para o final de 2012. Esta parceria resultará em um importante legado institucional para a cidade, possibilitando aos Profissionais de Relações Públicas da região uma participação efetiva nas ações de preparação de Salvador, não só para a Copa do Mundo, mas para todos os megaeventos esportivos que acontecerão no Brasil até 2016. http://www.conferp.org.br/?p=2884 acesso em 02.12.11

Se as relações públicas excelentes devem estabelecer metas que busquem o equi-líbrio do bem-estar social, mediante a melhoria da qualidade de vida e do trabalho e a construção de relações mais democráticas e justas que agreguem outros valores como a maximização do retorno, da competitividade e da eficiência organizacional, pode-se concluir que a atividade tem condições de alinhar-se com os conceitos da sustenta-bilidade e contribuir para que, independente dos resultados da Seleção Brasileira nos gramados, a população possa ser a grande vencedora dessa competição.

Megaeventos esportivos no Brasil e seu comprometimento com a sustentabilidade

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Volume 11 – Nº 2 – 2º Semestre de 2012 147

Ethel Shiraishi Pereira

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148 Revista Communicare

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Volume 11 – Nº 2 – 2º Semestre de 2012 149

Ethel Shiraishi Pereira

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Cláudio Novaes Pinto CoelhoMestre em Antropologia Social (Unicamp), Doutor em Sociologia (USP), Docente da Pós-Graduação da Faculdade Cásper Líbero. [email protected].

Torcedores e consumidores: o futebol como produto da indústria cultural na sociedade contemporânea

Comunicação e mercado

Rafael de Oliveira LourençoJornalista graduado pela Universidade São Judas Tadeu e Mestre em Comunicação pela Faculdade Cásper Lí[email protected]

Fans and Consumers: The football as a Cultural Industry product in contempo-rary society This paper aims to discuss the relationship

between football, culture industry and modern capitalism

characteristics in modernity to illustrate the football mer-

cantilization process by means of some texts from Frankfurt

School to show this sport as the main item of cultural, sym-

bolic, social and economic consumption. The universe that

spins around the football ball is, nowadays, one of the main

elements of the culture industry and it develops according

to the capitalist society characteristics. Key-words: Culture

Industry; Football; Consumption; Communication.

O objetivo deste artigo é levantar questões sobre a relação entre o futebol e as características da in-dústria cultural e do capitalismo na contemporaneidade. O intuito aqui é ilustrar a mercantilização do futebol por meio, principalmente, de alguns textos da Escola de Frankfurt, na intenção de mostrar esse esporte como principal vedete do consumo cultural, simbólico, social e econômico da sociedade contemporânea. O universo que gira em torno da bola de futebol é, hoje, um dos principais elemen-tos da indústria cultural e evolui de acordo com as características da sociedade capitalista.Palavras-chave: indústria cultural, futebol, consumo, comunicação.

Los aficionados y consumidores: el fút-bol como un producto de la industria cultural en la sociedad contemporánea El propósito de este artículo es plantear preguntas acerca de

la relación entre el fútbol y las características de la industria,

de la cultura y el capitalismo en la época contemporánea. El

propósito es ilustrar la mercantilización del fútbol a través

principalmente de algunos textos de la Escuela de Frankfurt,

con el objetivo de presentar este deporte como la estrella

principal de consumo cultural, el desarrollo simbólico, social

y económico de la sociedad contemporánea. El universo que

gira en torno al fútbol es hoy en día uno de los elementos

principales de la industria de la cultura y evoluciona de acu-

erdo a las características de la sociedad capitalista. Palabras

clave: Industria Cultural, Fútbol, el consumo; Comunicación.

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Torcedores e consumidores: o futebol como produto da indústria cultural na sociedade contemporânea

Introdução

Futebol, sociedade, política e cultura são temas cada vez mais próximos no Brasil. Por motivos diferentes, ao longo das últimas décadas, esse esporte sempre esteve en-volvido de uma forma ou de outra com questões de Estado. Para Gastaldo (2009:353) “o futebol no Brasil é hoje (e tem sido nos últimos cinquenta anos) uma atividade de enorme importância social, cujas consequências transcendem as linhas do campo de jogo, tornando-se mesmo questões de Estado”. Com essa forte relação entre esporte e sociedade, cresce também o interesse de pesquisadores em ciências sociais pelo futebol (Guerra, 2002:7) e até de revistas que normalmente não dedicam espaço ao tema, como foi o caso da revista “Sociologia” da editora Escala, que, em sua primeira edição de 2011 publicou matéria sobre a “Sociologia do Esporte” e, a partir da afirmação “o esporte está em alta no Brasil”, levantou questionamento sobre como a sociologia trata um tema que tem despertado tanto a nossa atenção.

Partindo dessa inquietação, este artigo tem como objetivo olhar para o futebol enquanto produto da indústria cultural, pensado e representado para o consumo social e cultural. No Brasil, esse esporte representa uma saudável atividade f ísica e lazer para milhões de brasileiros que o praticam nos finais de semana ou vibram com os amigos as vitórias de seus clubes. É meio para inclusão e ascensão social, diversão, trabalho e, principalmente, na contemporaneidade, produto comercializado pela mídia e pelas empresas privadas.

O futebol já faz parte da cultura nacional e é praticado ou assistido como espetá-culo. A forma de torcer, os hinos, bandeiras e uniformes, permitem ao esporte uma forte associação entre sua representação e as identidades culturais da nação. Tal lado cultural e lúdico despertado pelo futebol, porém, o transforma em elemento privilegiado dentro das características atuais do capitalismo e o alavanca como produto valioso da indústria cultural. A partir de textos de Adorno, Horkheimer e Benjamin, este trabalho tem como objetivo realizar uma reflexão crítica a respeito da representação e mercantilização do futebol. Para isso, segue uma breve reflexão sobre o conceito de indústria cultural.

A Indústria Cultural

Do time de pesquisadores que atuaram pela chamada Escola de Frankfurt, foram Theodor Adorno e Max Horkheimer que, em 1947, desenvolveram o conceito de “indústria cultural”, no livro “Dialética do Esclarecimento”. Nos textos que escreveram sobre o tema, os pesquisadores chamam atenção principalmente para as novas formas de produção e distribuição cultural permitidas pelas novas técnicas e pelo desenvolvimento dos meios de comunicação de massa, e suas consequências para as

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Cláudio Novaes Pinto Coelho e Rafael de Oliveira Lourenço

relações entre cultura e sociedade capitalista.Além da imprensa, já em desenvolvimento desde o século 17, a reflexão voltada

para a existência de uma indústria cultural, direcionava-se para a investigação das rela-ções entre os diferentes veículos de comunicação: o rádio e o cinema, em um primeiro momento, e a televisão, alguns anos depois.

Os autores, que trabalharam um pensamento crítico a respeito do desenvolvimento tecnológico, foram precursores de uma visão que questionava a ciência enquanto domínio da natureza, vendo de maneira problemática a ideia de progresso em voga.

Uma rápida referência a alguns elementos da experiência dos autores, ajuda a en-tender o motivo da crítica, que anos depois seria classificada em debates como apocalíptica.

Assim como a maior parte dos integrantes da Escola de Frankfurt, Adorno e Horkheimer eram pesquisadores marxistas de origem judaica fazendo pesquisas sociais no local e período em que Hitler, auxiliado, dentre outros, pelo seu ministro das comunicações, Joseph Goebbels, realizou um dos maiores genocídios da história da humanidade, que contou com a conivência de parte da população alemã, influenciada por um dos mais significativos usos do cinema e do rádio como veículos de massa com cunho ideológico.

Sobre a origem dessa escola, Martín-Barbero (2008:71), lembra que, “a experiên-cia radical que foi o nazismo, está sem dúvida na base da radicalidade com que [se] pensa a Escola de Frankfurt. Com o nazismo, o capitalismo deixa de ser unicamente economia e explicita sua textura política e cultural: sua tendência à totalização”.

É verdade que a obra clássica desses autores, provavelmente a mais conhecida da escola de Frankfurt, a “Dialética do Esclarecimento”, foi escrita e fortemente marcada pela vivência da democracia de massas dos EUA, local onde viveram refugiados do re-gime nazista, durante dez anos. Porém, é inegável a influência da realidade produzida pelo nazismo na criação dos conceitos expostos no texto.

Acostumados com um continente às voltas com guerras de dimensões mundiais e que mantinha hábitos de consumo cultural e de subsistência moderados, a chegada na América foi um choque para eles. Presenciar de perto a pujança econômica e a força da indústria de entretenimento norte-americana, serviu para os autores verem, muito an-tes do que pensavam, um estágio bem avançado da indústria cultural. Por isso, os anos que passaram na América propiciaram experiências essenciais para as suas teorias, que permanecem atuais até hoje, quando a indústria cultural agrega para si novos produ-tos como, por exemplo, a bola de futebol, grande vedete do consumo contemporâneo, como veremos agora.

A industrialização da bola

No dia 17 de julho de 2011, após a seleção brasileira de futebol empatar sem gols com o Paraguai e ser eliminada da Copa América com direito a desperdiçar quatro cobranças

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Torcedores e consumidores: o futebol como produto da indústria cultural na sociedade contemporânea

de pênaltis seguidas, o comentarista da Rede Globo, Walter Casagrande, afirmou que os jogadores brasileiros estavam muito preocupados em aparecer na mídia e trabalhar suas imagens e que talvez por isso estivessem deixando a bola de lado. Um dia antes, a Argentina, considerada favorita por jogar em casa, também foi eliminada precocemente da competição após derrota nos pênaltis para o Uruguai. Conclusão, Brasil e Argentina, os dois times mais badalados do torneio, ambos eliminados nas quartas de final.

Na Copa do Mundo 2010, coincidentemente, as duas seleções também foram eliminadas da competição na fase de quartas de final, apesar de contarem com alguns dos melhores jogadores do mundo em seus elencos, como Messi, Kaká e companhia. Em comum, Brasil e Argentina possuem, além de suas localizações geográficas, seleções altamente globalizadas, com a maioria de seus atletas espalhados por alguns dos melhores times do mundo. Com isso, os jogadores acostumam-se com escolas e culturas diferentes do seu país de origem. Para Martino (2010:108), a dimensão paradoxal disto, é que, “a seleção brasileira [por exemplo] representa a nação, mas seu vínculo contratual é com a Nike; parcela considerável dos jogadores convocados, incluindo os principais craques, atua fora do Brasil”.

Em contrapartida, na seleção espanhola campeã do mundo em 2010, os onze joga-dores que derrotaram a Holanda na final atuavam em times espanhóis, (7 no Barcelona, 3 no Real Madri e 1 no Villarreal). Também a Itália, campeã do mundo em 2006, em-pregava em seu país todos os titulares que jogaram a final contra a França. Acima de considerar isso uma coincidência, é válido perceber como a manutenção do estilo de jogo nacional, além do entrosamento facilitado, faz a diferença.

Atualmente, a Espanha, no entanto, é uma rara exceção a essa lógica de exporta-ção de jogadores. Isso porque tamanho é o sucesso mercantil dos dois principais clubes do país (Real Madri e Barcelona), que conseguem segurar seus jogadores com salários acima da média de mercado e ainda importar grandes jogadores estrangeiros.

Já para os países que não conseguem alimentar tais valores, os efeitos da industrialização do futebol se tornam mais prejudiciais e evidentes. É como se algumas seleções não tivessem mais uma identidade nacional, pois, seus jogadores, estão espalhados por diferentes países por conta de contratos milionários. Nos dias de hoje, é muito dif ícil, se não impossível, assistir a uma partida de futebol que reúna um elemento lúdico e artístico como na época de Pelé e Garrincha por exemplo. Prova é que a partida entre Santos e Flamengo, disputada no dia 27 de julho de 2011 pelo campeonato brasileiro, foi comentada durante dias como algo “espetacular” e “fora do comum” devido às atuações de Ronaldinho Gaúcho e Neymar. Após o jogo, vários programas começaram a repercutir o belo futebol e questionar a falta de dribles nos outros jogos – na Copa América 2011, por exemplo, isso quase não existiu. A industrialização da bola, ajudou, enfim, a transformar o futebol em um meio eficiente de se conseguir atenção e consumo, mesmo com o ‘esvaziamento’ de conteúdos lúdicos básicos a este esporte como os dribles e o amor à camisa.

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Cláudio Novaes Pinto Coelho e Rafael de Oliveira Lourenço

Para Helal (1997:38), “a transformação do futebol em um “espetáculo” das multidões é responsável pelo declínio do elemento lúdico e [...] a erosão deste é acompanhada e até mes-mo causada pelo advento da comercialização do esporte, transformando-o em um negócio”.

Ou seja, se no início do século XX, os frankfurtianos pensaram o termo indústria cultural baseados na produção e comercialização em massa de obras de arte, música erudita e cinema, atualmente, o esporte, e em especial no Brasil, o futebol, também compartilha dessa lógica. Sobre isso, Helal (1997:36) afirma que o esporte moderno é, sem dúvida, um dos produtos da indústria cultural. Se a lógica da Indústria Cultural, como explica Girardi Jr (2007:51), consiste em tornar a mercantilização o sentido de sua existência, passando a visar à administração de todos os momentos de sua produção, circulação e consumo, colocando em movimento certas forças que procuram retirar da arte tudo o que lhe restaria de autonomia, não seria o futebol hoje um elemento privilegiado dessa indústria? Não estariam hoje os torcedores, que outrora presenciavam atletas jogando pela arte da bola e amor à camisa, assistindo a espetáculos semelhantes aos de Hollywood, ou as músicas produzidas apenas com vias de lucratividade?

Neste sentido, é possível uma apropriação do texto de Walter Benjamin sobre a obra de arte e as novas técnicas de reprodução. Se por um lado, um evento esportivo está longe de representar o conceito clássico de arte definido por Benjamin, por outro, as condições de produção e os meios de reprodução explicados pelo filósofo para contextualizar aquele momento, quando a cultura e a política estavam mudando, seguem a mesma lógica que proporcionou a popularização e mercantilização do futebol enquanto espetáculo.

Afinal, assim como para ver um quadro, escultura ou assistir a uma ópera era ne-cessário o deslocamento do espectador até o museu ou teatro em questão, a única forma de ver um jogo de futebol, era ir até o estádio onde a partida seria realizada. Portanto, as transmissões das partidas pela televisão são um componente essencial da massifica-ção/mercantilização do futebol. No entanto, essas transmissões não são senão o ponto culminante de um processo iniciado com as narrativas das partidas feitas pelo rádio e os comentários publicados pelos jornais, além das imagens mostradas pelo cinema.Segundo o antropólogo Hugo Lovisolo (2001:77),

É bem possível que o esporte moderno não existisse se os jornais e os jornalistas o tivessem ignorado. As notícias e as matérias dos jornalistas sobre os esportes foram e são elementos constitutivos do jornalismo e do esporte moderno. Jornais, rádio, noticiários para cinemas, televisão e o próprio cinema, com rosários de filmes que focalizam os esportes, os esportistas e os torcedores, foram parceiros dos esportes, ao longo dos últimos cem anos.

O texto de Benjamin que trata do assunto, publicado originalmente na Revista de Pesquisa Social do Instituto, em um primeiro momento foi considerado por Adorno, então editor da revista, como “pouco crítico a respeito das transformações causadas na

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Torcedores e consumidores: o futebol como produto da indústria cultural na sociedade contemporânea

arte pela técnica” (Martino, 2009:54) e, por isso, passou por várias revisões até chegar ao texto que temos disponível hoje.

Ingrediente principal do famoso debate proposto por Umberto Eco (1998) en-tre “Apocalípticos e Integrados”, o maior ou menor tom crítico a respeito da produção cultural na modernidade, serve para refletir a questão do acesso versus a qualidade, do esvaziamento versus o consumo e do entretenimento versus a informação.

Afinal, ao discutir a arte e a forma de produção e reprodução cultural, há uma clara preocupação política por trás desse debate como um todo, e dos integrantes da Escola de Frankfurt em particular.

No contexto alemão, por exemplo, como bem ilustra o filme “Arquitetura da Destruição” de Peter Cohen, as técnicas de reprodução propiciadas pela indústria cul-tural, facilitaram ao regime nazista, dentre outras coisas, a produção e popularização de filmes altamente ideológicos e preconceituosos que mostravam os judeus como cria-turas “subumanas” e prejudiciais para o desenvolvimento da sociedade ariana. Neste sentido, ao ver o uso ideológico da indústria cultural e suas consequências catastróficas para a humanidade, fica mais fácil tender para o lado crítico.

Nos EUA, outro local de grande influência na confecção desse conceito, por se tratar de uma democracia de massas, o desenvolvimento da indústria cultural teve como principal objetivo um ritmo alucinante de produção e consumo de mercadorias, alta-mente contrastante com a realidade sócio-econômica de diversos países, inclusive da Europa, que ainda se recuperavam das guerras. Essa faceta da indústria cultural ilustra melhor o que o futebol representa hoje no Brasil, como veremos no próximo tópico.

Futebol, mídia e capitalismo no Brasil

Enquanto importante elemento da indústria cultural, o futebol no Brasil tem papel de destaque na ideologia e manutenção do sistema capitalista.

Ao falar sobre a degradação da cultura em indústria da diversão, Martín-Barbero destaca a importante articulação no pensamento de Adorno e Horkheimer entre os dispositivos do ócio e do trabalho no novo funcionamento social que constitui a “outra face do trabalho mecanizado”. Para ele, isso é resultado da organização do trabalho em cadeia, que funciona como uma operação ideológica de realimentação. O autor explica ainda que, a consequência disso, é ver

a diversão tornando suportável uma vida inumana, uma exploração intolerável, inoculando, dia a dia e semana após semana, “a capacidade de cada um se encaixar e conformar”, banalizando até o sofrimento numa lenta “morte do trágico”, isto é, da capacidade de estremecimento e rebelião (Martín-Barbero, 2008:74/5).

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Volume 11 – Nº 2 – 2º Semestre de 2012 157

Cláudio Novaes Pinto Coelho e Rafael de Oliveira Lourenço

Nas palavras de Adorno e Horkheimer (1985), “a vida no capitalismo tardio é um contínuo rito de iniciação, onde, todos têm que mostrar que se identificam integralmente com o poder de quem não cessam de receber pancadas”. Porém, o mesmo sistema, capaz de ser tão cruel com considerável parte da população, faz acreditar que todos gozam das mesmas oportunidades e podem ter o que quiserem, bastando trabalhar bastante. Sobre a relação entre a possibilidade de ascensão social e o futebol, Helal (1997:30) lembra que,

Via de regra, os esportes celebram o espírito de competição, enfatizam os méritos dos vencedores e estimulam os perdedores a serem os vencedores de amanhã. Assim, a ideologia do esporte, em muito se assemelha com os ideais da doutrina do capitalismo liberal (“todos têm as mesmas oportunidades e o sucesso está ao alcance de todos sem distinção de raça, credo ou classe social”).

Este desejo contínuo de ascender socialmente, no capitalismo tardio, foge às regras de subsistência. Nas últimas décadas, a necessidade de manter o ritmo de produção da sociedade, fator inerente ao capitalismo, contribuiu para o desenvolvimento das forças de produção e propiciou o aumento da oferta de produtos e possibilidades disponíveis para consumo. É o que Debord chamou de sobrevivência ampliada. Em suas palavras,

O crescimento econômico liberta as sociedades da pressão natural que exigia a sua luta imediata pela sobrevivência; mas, agora, é do libertador que elas não conseguem se liberar [...] A abundância das mercadorias, isto é, da relação mercantil, já não pode ser senão a sobrevivência ampliada. (Debord, 1997: 29-30).

A lógica atual do capitalismo e da sobrevivência ampliada nada mais é do que a representação de uma pseudonecessidade no consumo de produtos com valor de uso nulo ou questionável. No Brasil, país onde milhares de pessoas ainda não conseguem se-quer satisfazer suas necessidades básicas, como alimentação e moradia, e passam longe das oportunidades profissionais de crescimento, o futebol, muitas vezes é representado como uma das únicas formas de ascensão social. Sobre isso, Soares (2001:40) lembra que, por volta dos anos de 1950, o futebol já havia se tornado um meio de mobilidade social e econômica para aqueles que pertenciam à metade inferior da sociedade. Para Martín-Barbero (2008:234) o fato de o Estado ter cedido aos interesses privados a tarefa de dirigir a educação e a cultura, contribuiu para que a ideologia se tornasse formadora de um discurso de massa, que, em suas palavras, “tem como função fazer os pobres sonharem os mesmos sonhos que os ricos”.

Por trás disso, o esporte, enquanto ideologia de vida, desejo de consumo ou alívio das preocupações e impotências humanas, tem como grande aliado e facilitador de seu sucesso, os grandes conglomerados de mídia, elemento fundamental para a existência da indústria cultural e principal meio de formação de um segmento social de “torce-dores-consumidores”, como veremos agora.

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158 Revista Communicare

Torcedores e consumidores: o futebol como produto da indústria cultural na sociedade contemporânea

Futebol e consumo

A questão do consumo enquanto fator determinante da saturação do futebol nos meios de comunicação – ver tabela – é relevante porém de dif ícil medição. Afinal, o fato de uma pessoa acompanhar as partidas ou a sua repercussão na mídia, não significa, necessariamente, que ele irá consumir o produto oferecido pela publicidade embutida no espetáculo.

Tabela 1 - % do tempo total útil dos telejornais (Jornal Nacional e Jornal da Record) dedicados a cobertura do Mundial

Porém, se tempo de exposição na mídia pode ser proporcionalmente comparado à intensidade de consumo, temos então uma pista a respeito da saturação do tema Copa do Mundo nos telejornais. De acordo com Gurgel (2004:2), “no mundo dos esportes, a atuação das mídias vai muito além da transmissão de eventos. Muitas vezes, as em-presas jornalísticas também atuam como geradoras de conteúdo ou, por interesses econômicos, agregam valores aos espetáculos”.

Neste caso, a confusão entre torcer e consumir, pode ser pensada dentro do que Barros Filho chama de “recepção midiática como consumo cultural”, ideia que surge justamente por conta das críticas à “cultura de massa” e a seus mecanismos de difusão. Segundo o autor, isso

diz respeito à percepção cada vez mais imediata de produtos da mídia, únicos capazes de difundir bens culturais em drágeas consumíveis pelo maior número de pessoas. Quanto mais imediata a percepção, mais fácil a reconstrução mental da mensagem e menor o número de referenciais cognitivos exigidos (Barros Filho, 1995:160).

Barros Filho segue o raciocínio explicando ainda que o consumo cultural midiático marca socialmente o receptor, classificando-o em grupos de consumidores (por exemplo, com maior ou menor capital cultural), o que o diferencia de outros consumidores. Para ele, “o fato de comentar sobre o produto midiático consumido, participa dessa estratégia de fazer-se ver, conhecer e reconhecer como consumidor deste ou daquele produto e, portanto, existir socialmente de uma forma ou de outra (Barros Filho, 1995:161)”.

Isso não quer dizer, porém, que os meios de comunicação de massa são veículos

11/6 Abertura

15/06 Bra x Cor

25/06Bra x Por

28/06Bra x Chi

02/06Bra x Hol

JN - 69% JN - 82% JN - 67% JN - 62% JN - 78%

JR - 25% JR - 51% JR - 52% JR - 50% JR - 48%

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Volume 11 – Nº 2 – 2º Semestre de 2012 159

Cláudio Novaes Pinto Coelho e Rafael de Oliveira Lourenço

superpoderosos atuando contra receptores indefesos que, ao ver TV, se lançam irrefletidamente sobre os bens. Ao refutar aqueles que justificam a pobreza alheia, alegando que os pobres compram televisores e carros enquanto lhes falta moradia, Canclini (2006:59) questiona se os adeptos da comunicação de massa não se dão conta de que os noticiários mentem e as telenovelas distorcem a vida real. Com essa provocação é possível pensar na forma como a mídia, por vezes, representa o consumo excessivo como algo natural e necessário, na intenção de despertar desejos oníricos em seus telespectadores.

Na representação do futebol, enquanto produto da indústria cultural, há sempre um forte vínculo entre torcer e consumir. Afinal, a cobertura do futebol nos meios de co-municação, vai muito além das notícias esportivas. Somado ao jogo, há produtos e hábi-tos “sugeridos” pelo estilo de vida do “futeboleiro”, que é o cidadão que faz sucesso com as mulheres porque tem o carro x, bebe a cerveja y e é um autêntico brasileiro. Sobre esse interesse além do esporte nas coberturas, Guerra (2011:58) lembra que, as transmissões,

[...] decolaram ainda mais na direção do marketing [...] quando os estádios ganharam placas comerciais ao redor do gramado fazendo com que o trajeto do jogador que marcava o gol também levasse em consideração o melhor ângulo para agradar a um patrocinador ou fazendo gestos como o dedo levantado (Romário) lembrando “a número 1” (cerveja). Quantos dirigentes e assessores não passaram a orientar que o técnico, nos treinos, fizesse a preleção perto da placa tal por conta de contrato perto de vencer? Quantas atividades f ísicas foram “programadas” para determinada parte do campo não como mero acaso, mas por outros interesses, que não o esportivo?

Nesta relação, exercida entre a necessidade dos meios de comunicação em vender seus espaços e o interesse das empresas em associar suas imagens ao futebol, em espe-cial em eventos como a Copa do Mundo, fica clara a relação de interesses por trás do esporte e a pressão e influência que um campo exerce sobre o outro.

Tomando emprestada a noção de campos sociais de Bourdieu, é possível verificar a relação que o campo jornalístico exerce com os outros campos aos quais está submeti-do, em especial o campo econômico. Afinal, despertar interesse do público em algo que reúne para si grande oferta de patrocinadores é uma forma de aumentar a visibilidade dos anunciantes e do valor dos espaços publicitários. Para Lovisolo (2001:85), atualmente, “o útil para o futebol espetáculo é o que gera lucros, e para isso é necessário ter estádios cheios e telespectadores, assim os espaços publicitários se vendem a melhor preço.”

Por conta desta relação, os altos índices de audiência trazidos pela Copa do Mun-do colocam o campo de futebol no topo da relação entre os campos, pois traz grandes lucros para a economia e para as empresas de comunicação, que vendem seus espaços a preço de ouro. Para Bourdieu (1997:77),

O universo do jornalismo é um campo, mas que está sob a pressão do campo econômico por intermédio do índice de audiência. E esse campo muito heterônomo, muito

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160 Revista Communicare

Torcedores e consumidores: o futebol como produto da indústria cultural na sociedade contemporânea

fortemente sujeito às pressões comerciais, exerce, ele próprio, uma pressão sobre todos os outros campos, enquanto estrutura.

Verificar essa relação entre os campos é algo extremamente complexo, e, para isso, como o próprio Bourdieu (1997:124-5) sugere,

seria preciso [...] analisar a produção da imagem televisiva desse espetáculo, que, enquanto suporte de spots publicitários, torna-se um produto comercial que obedece a lógica do mercado e, portanto, deve ser concebido de maneira a atingir e prender o mais duradouramente possível o público mais amplo possível.

Ao pesquisar a saturação do tema futebol na publicidade, Gastaldo (2009), anali-sou a cobertura dada ao Mundial pelos principais telejornais e também seus intervalos comerciais. Apesar de, a princípio o foco ser a publicidade, Gastaldo verificou que, no Mundial de 1998, se no telejornalismo, no dia em que jogaram Brasil e Holanda, dos 41min30s de matérias do Jornal Nacional, 39min (94%) foram dedicados à Copa, nos reclames, a saturação foi bem menor do que ele esperava. Em seu trabalho, Gastaldo justifica esse fenômeno como consequência do imediatismo do jornalismo, que pauta seus programas instantaneamente de acordo com os acontecimentos, ao contrário do meio publicitário, que precisa de tempo para desenvolver suas peças e, a princípio, não tem garantias de “até onde a seleção chegará na Copa”.

Considerações finais

Pensando essa relação entre a saturação no campo da publicidade estruturada como “intervalo comercial” e a embutida na cobertura jornalística do espetáculo, é pos-sível afirmar que a própria bola é o produto. Em entrevista coletiva na Copa de 2010, o técnico Dunga chegou a chamar a seleção brasileira de “principal mercadoria do país”. Faz sentido. Afinal, a própria força da seleção e tudo o que isso implica no estilo de vida dos jogadores e na alegria dos torcedores, pode ser considerada como o maior incen-tivo possível ao consumo cultural, social e econômico de tudo aquilo que representa o sucesso do futebol.

Na contemporaneidade, o consumo cultural adapta-se às necessidades e deman-das da sobrevivência do sistema capitalista. Os responsáveis por isso, nem sempre têm nome ou rosto. Afinal, quem é o tal do “mercado”, invariavelmente acusado de ser o cul-pado de tudo? O capitalismo sempre se gabou de ser a melhor opção por proporcionar liberdade e um consumo democrático, ambos pautados na política dos direitos iguais e possibilidade de ascensão para todos. Apesar de essa tese ser facilmente refutável, bas-tando ver os números da miséria e o contraste social, a indução a sua veracidade pelos

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Cláudio Novaes Pinto Coelho e Rafael de Oliveira Lourenço

meios de comunicação não é dif ícil, e, passa inclusive, pela criação de narrativas que mostram a ascensão social de alguns jogadores de futebol oriundos de comunidades pobres como a solução para a pobreza dos cidadãos. É a bola no lugar da educação.

Que um menino pobre possa se tornar um atleta milionário é inegável. Que um operário se torne Presidente da República, também. Porém, quantos garotos já devem ter surgido como grandes craques nas favelas e não tiveram a oportunidade de ir para um grande clube? Ou quantos foram os líderes sindicais que brigaram nas greves para que um se destacasse e viesse a se tornar Presidente da República?

Na realidade atual, a bola de futebol é um dos principais elementos da indústria cultural e possibilita a formação de um segmento social de torcedores – consumidores que contribuem de maneira decisiva, quer do ponto de vista material, quer do ponto de vista ideológico, para a reprodução da sociedade capitalista. Chamar atenção para esta realidade não significa uma condenação do futebol, mas alertar que a sua subordinação à lógica mercantil capitalista, num país dependente como o Brasil, está esvaziando o seu conteúdo lúdico, que foi durante muito tempo um símbolo positivo da identidade brasileira. Isto já aconteceu na última Copa do Mundo, com a associação entre jogadores de futebol e guerreiros. Paradoxalmente, a total mercantilização do futebol brasileiro, com o esvaziamento do seu traço cultural nacional, pode inviabilizar a sua dimensão comercial, pelo menos como produto consumido mundialmente. Como argumentaram Adorno e Horkheimer, o consumo de um produto cultural , mesmo que industrializado, possui uma peculiaridade: o consumidor precisa acreditar que consome algo que não é padronizado, que não é igual a qualquer produto, sendo algo individualizado. Se o futebol brasileiro, totalmente envolvido pela mentalidade competitiva do “futebol de resultados”, se tornar igual ao futebol de qualquer país, qual a razão de se consumi-lo como produto?

Referências

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BARROS FILHO, C. Ética na comunicação. São Paulo: Ed Moderna, 1995.BENJAMIN, W. A obra de arte na época das suas técnicas de reprodução. In: Tetos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, Col. Os Pensadores vol. XLVIII, 1975.BOURDIEU, Pierre, Sobre a Televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.CANCLINI, N.G. Consumidores e cidadãos. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2006.DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.ECO, Umberto. Apocalípticos e Integrados. São Paulo: Perspectiva, 2006.FRANCO Jr. H. A dança dos Deuses: Futebol, Sociedade, Cultura. São Paulo: Cia das

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Torcedores e consumidores: o futebol como produto da indústria cultural na sociedade contemporânea

GASTALDO, É. Luis. “O país do futebol” mediatizado: mídia e Copa do Mundo no Brasil. In: Sociologias. Porto Alegre: ano 11, nº 22, jul./dez. 2009, p. 352-369.

GIRARDI JR. L. Pierre Bourdieu: Questões de Sociologia e Comunicação. São Paulo: Annablume; FAPESP, 2007.

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GURGEL, A. O futebol no campo econômico: Construção jornalística da Copa de 2002 como negócio. 2004, 144p. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Semiótica) PUC/SP.

HELAL, R. Passes e impasses: Futebol e cultura de massa no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1997.

JAMESON, F. Pós-modernismo. São Paulo: Editora Ática, 1996.LOURENÇO, R. O. A evolução da Sociedade do Espetáculo e as dimensões da

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LOURENÇO, R. O. Copa do Mundo 2010 no Telejornalismo Brasileiro. In: KÜNSCH, D.A.; MARTINO, L.M.S. (Orgs). Comunicação, Jornalismo e Com-preensão. São Paulo: Plêiade, 2010.

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FilmeArquitetura da Destruição. Peter Cohen, Versátil

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Volume 11 – Nº 2 – 2º Semestre de 2012 165

Normas para o envio de originais

A Revista Communicare, do Centro Interdisciplinar de Pesquisa da Facul-dade Cásper Líbero, tem por objetivos promover a reflexão acadêmica, difundir a pesquisa e ampliar o intercâmbio científico com pesquisadores das diversas insti-tuições de pesquisa.

Os autores podem enviar artigos cujos temas estejam relacionados às seguintes linhas de pesquisa desenvolvidas no Centro: Comunicação: Tecnologia e Política, Comunicação, Meios e Mensagens e Comunicação e Mercado, como também de acordo com a temática do dossiê divulgada no Call for paper.

Linhas de pesquisa:

Linha de Pesquisa 1: Comunicação: Tecnologia e PolíticaEmenta: Estuda os processos de comunicação no contexto das modificações tec-nológicas e culturais proporcionadas pelas redes da sociedade contemporânea, os novos formatos de rádio e televisão, a participação dos meios de comunicação na constituição do espaço público e as políticas institucionais e/ou públicas de comuni-cação. Eixos temáticos: Políticas de comunicação; Tecnologia e cultura de rede; Rádio e Televisão no universo das redes; Comunidades virtuais e processos colaborativos.

Linha de Pesquisa 2: Comunicação: Meios e MensagensEmenta: Estuda os conteúdos e/ou produtos veiculados pelos meios de comuni-cação, a comunicação nos meios tradicionais e nas novas mídias, as relações entre informação e entretenimento/espetáculo, o imaginário e a cultura da imagem, bem como as formas de interação dos receptores/usuários com os meios e suas men-sagens. Eixos temáticos: Comunicação e cultura visual; Jornalismo e espetáculo; Narrativas da contemporaneidade; Comunicação e Recepção.

Linha de Pesquisa 3: Comunicação e MercadoEmenta: Estuda e/ou propõe respostas às demandas institucionais e mercadológicas contemporâneas nos campos de atuação da Publicidade, da Propaganda e Marketing, das Relações Públicas e do Turismo; investiga o processo de inserção dos profissionais formados pela Cásper Líbero nos mais diversos setores da sociedade.Eixos temáticos: Cultura e Mercado Publicitário; Ética e Comunicação Organizacional; Pesquisa Aplicada em Turismo; A inserção social dos profissionais formados pela Cásper Líbero.

Normas

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166 Revista Communicare

A publicação destina-se à divulgação de trabalhos inéditos de pesquisadores e docentes da Faculdade Cásper Líbero e de outras instituições, na qualidade de au-tores e coautores, com a titulação mínima de mestre, exceto artigos escritos em coau-toria orientador e orientando. As colaborações poderão ser apresentadas em forma de artigos, resenhas, levantamentos bibliográficos ou informações gerais, e estarão condicionadas à aprovação prévia da Comissão Editorial e do Conselho Consultivo.

Os trabalhos publicados serão considerados colaborações não remuneradas, uma vez que a Revista tem caráter de divulgação científica e não comercial. Tanto o conteúdo quanto o compromisso com o ineditismo dos textos são de total respon-sabilidade de seus autores. O envio de artigo para a Revista Communicare implica automaticamente autorização para publicação. Os direitos autorais de desenhos, ilustrações, fotografias, tabelas e gráficos que acompanhem os textos serão de ex-clusiva responsabilidade do colaborador.

Artigos

1. Os artigos devem ser encaminhados para o email [email protected] ou [email protected] com a identificação do autor – local onde lecio-na, maior titulação e instituição pela qual obteve o título;

2. Recomenda-se que os textos sejam escritos em Word 2003, fonte Arial, tamanho 12, espaço de entrelinha 1.5 pt, e tenham de 20 mil a 35 mil caracteres, incluindo espaços;

3. Sugere-se que o autor faça uma rigorosa revisão do texto antes de enviá-lo;

4. Os textos devem ser enviados obedecendo à reforma ortográfica;

5. A estrutura do texto deve obedecer à seguinte ordem: Título, Resumo (em 600 caracteres no máximo), Palavras-Chave; Corpo do Texto e Referências, sendo que o Título e o Resumo (Abstract) deverão ser acompanhados de versões para o Inglês e Espanhol;

6. Ilustrações e/ou fotografias deverão ser enviadas no formato TIFF ou JPEG (ar-quivos .tif e .jpg), com tamanho mínimos de 2000 pixels de altura e largura. A reso-lução não deve ser menor que 300 dpi;

7. Tabelas e gráficos devem ser numerados e encabeçados pelo seu título;8. Desenhos, ilustrações e fotografias devem ser identificados por suas respectivas

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Volume 11 – Nº 2 – 2º Semestre de 2012 167

legendas e pelo nome de seus respectivos autores;

9. Citações e comentários no corpo do artigo deverão ser inseridos ao longo do tex-to. As citações devem seguir o padrão: (Sobrenome em caixa baixa, ano da publi-cação: número da página); Exemplo: (Zanini, 2000:45)

10. As referências deverão estar dispostas no final do artigo. A lista de referências segue a ordem alfabética, sendo que as normas para cada referência variam de acordo com a autoria e natureza das obras utilizadas no trabalho. A Communicare adota como padrão o destaque em negrito.

No caso de obras com um único autor, é este o padrão: AUTOR (SOBRENOME EM CAIXA ALTA, Inicial nome.). Título em

Negrito (bold). Edição. Cidade: Editora, Data da publicação.

Exemplo: URANI, A. Constituição de uma matriz de contabilidade social para o Brasil. Brasília, DF: Ipea, 1994

11. Publicações em meio eletrônico devem conter o endereço eletrônico e data de acesso no padrão: 01/01/2001. Exemplo: ALVES, C. Navio negreiro. [S.l.]: Virtual Books, 2000. Disponível em: http://www.terra.com.br/virtualbooks/freebook/port/Lport/navione greiro.htm. Acesso em: 10/01/2002, 16:30:30.

12. Publicações periódicas deve conter dados como volume(v), número (n), páginas(p), mês e ano, sendo que apenas o nome da publicação vem em negrito.

Exemplo: BENNETTON, M. J. Terapia ocupacional e reabilitação psicossocial: uma relação possível. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 4, n. 3, p. 11-16, mar. 1993.

13. Cada autor receberá cinco exemplares da edição.

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168 Revista Communicare

Resenhas

1. Recomenda-se que os textos sejam escritos em Word 2003, fonte Arial, tamanho 12, espaço de entrelinha 1.5 pt, e tenham de 2800 a 5600 caracteres, incluindo espaços;

2. A resenha deve vir acompanhada das referências bibliográficas completas da obra em pauta (Autor, Obra, Cidade, Editora, Data, ISBN, número de páginas);

3. Solicita-se que a resenha seja acompanhada de um exemplar da obra ou de ima-gem digitalizada da capa em formato tif, para publicação, de acordo com as pos-sibilidades de editoração;

4. Cada autor receberá cinco exemplares da edição.

Endereço

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