comentário ao lutador

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Manhumirim, 02 de dezembro de 2013 Aos sacramentinos do Jornal O Lutador Assunto: Comentário à edição nº 2819 Postulantado e noviciado. Três anos em um, oito meses no outro. A minha linha de tempo tem essa marca sacramentina forte, significativa. Vem daí o carinho e respeito que cultivo por esta congregação e pelos que fazem parte dela, muitos dos quais conviveram comigo também como professor de Língua Portuguesa, nos anos 80 e 90, depois que desisti do sacerdócio. Poderia me apresentar apenas como leitor do jornal O Lutador, mas dadas as minhas intenções com esse texto, prefiro mostrar que minhas afinidades com tudo o que diz respeito à obra julimariana vão além disso. Atualmente, não sou assinante de O Lutador, Mas já fui. E quando o recebia, embora muito bem escrito e coerente, eu o criticava. Sim, achava-o distante do povo, combativo contra as teses de esquerda, e defensor de valores capitalistas como, por exemplo, a educação privada. Entretanto, é preciso que eu diga: minhas críticas eram baseadas em ideias superficiais de quem olhava tudo com lentes de cor ideológica, que é sempre a forma mais rasa e inconsequente de se fazer a leitura dos fatos e de tudo que está a nossa volta. Pois bem, estive em visita a uma casa ontem, e me deparei lá com a edição nº 3819 de O Lutador, aquela dos novos conselheiros na capa. Minha curiosidade e interesse me rederam o exemplar como brinde. Li-o hoje. Estou aturdido. São notáveis as mudanças sofridas por esse jornal. Eu preferiria ficar indiferente e não precisar me dar ao trabalho de fazer a análise, da qual tudo o que disse até aqui é apenas a introdução. Preferiria, mas não consigo. E lamento que ela não possa 1

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Manhumirim, 02 de dezembro de 2013

Aos sacramentinos do Jornal O Lutador

Assunto: Comentrio edio n 2819

Postulantado e noviciado. Trs anos em um, oito meses no outro. A minha linha de tempo tem essa marca sacramentina forte, significativa. Vem da o carinho e respeito que cultivo por esta congregao e pelos que fazem parte dela, muitos dos quais conviveram comigo tambm como professor de Lngua Portuguesa, nos anos 80 e 90, depois que desisti do sacerdcio. Poderia me apresentar apenas como leitor do jornal O Lutador, mas dadas as minhas intenes com esse texto, prefiro mostrar que minhas afinidades com tudo o que diz respeito obra julimariana vo alm disso.Atualmente, no sou assinante de O Lutador, Mas j fui. E quando o recebia, embora muito bem escrito e coerente, eu o criticava. Sim, achava-o distante do povo, combativo contra as teses de esquerda, e defensor de valores capitalistas como, por exemplo, a educao privada. Entretanto, preciso que eu diga: minhas crticas eram baseadas em ideias superficiais de quem olhava tudo com lentes de cor ideolgica, que sempre a forma mais rasa e inconsequente de se fazer a leitura dos fatos e de tudo que est a nossa volta.Pois bem, estive em visita a uma casa ontem, e me deparei l com a edio n 3819 de O Lutador, aquela dos novos conselheiros na capa. Minha curiosidade e interesse me rederam o exemplar como brinde. Li-o hoje.Estou aturdido. So notveis as mudanas sofridas por esse jornal. Eu preferiria ficar indiferente e no precisar me dar ao trabalho de fazer a anlise, da qual tudo o que disse at aqui apenas a introduo. Preferiria, mas no consigo. E lamento que ela no possa ser apenas laudatria e lisonjeira. Ao contrrio, bastante controversa e provocativa o que ser, embora, claro, com a inteno de ser respeitosa e construtiva.Comeo pelo artigo da ltima pgina sobre obsolescncia planejada. Essa matria tem lado, tem vis. Ela parece ter a inteno simples de demonizar o tema e no a de explicar o que , em que casos ou situaes acontece e suas consequncias, as boas e as ruins. A obsolescncia apresentada como um mal em si. Uma armadilha inescapvel, ante a qual as pessoas so presas ingnuas e incapazes de reagir, como que agarradas pelas mos de um monstro gigante. Acho que possvel dizer que a obsolescncia planejada ou pelo menos esperada em quase tudo que consumimos. assim com o arroz, o feijo, com todos os alimentos, e com tantas coisas perecveis, que alis requerem nossa ateno data de validade ao serem adquiridas. assim com os pneus dos carros, com as roupas, mesmo porque a moda hoje no tem fora, dada a imensa variedade de produtos disposio de nossas escolhas. Quem usa microcomputador a mais tempo se lembra do DOS, e em seguida do primeiro Windows, do Windows 95, 98, Millenium, XP, Vista, Seven e usa agora o 8.1. O mesmo acontece com o Photoshop que j est na verso 15, tambm com o Microsoft Office, o CorelDraw e outros. E a? No consigo imaginar algum preferindo uma verso mais antiga de qualquer um desses softwares s para contrariar a obsolescncia planejada. E o que dizer dos carros com 3 anos de garantia de fbrica ou as TVs com garantia de 5 anos? Isso no parece refutar os argumentos do texto? Sabe-se que a concorrncia entre as empresas intensa na busca de mercado, de consumidores, no caso. Seriam as pessoas to simplrias a ponto de escolher entre tantos produtos similares os menos durveis? Certamente que no. E se o fazem, s vezes, o fazem com conscincia, movidos pelo preo menor ou outra comodidade. Certo que as empresas que optem pela obsolescncia planejada como estratgia de mercado correm srio risco de ficarem em desvantagem na busca pela preferncia dos consumidores. O texto toma a obsolescncia planejada como se fosse muito mais ampla e abrangente do que a lgica pode aceitar que seja possvel. Afinal, quantos so os tipos de produto que permitem constante renovao de design ou permanentes acrscimos de novas funcionalidades capazes de imprimir a objetos j em uso a sensao de que so obsoletos? No so tantos. E pensar que o consumidor vtima dessa situao o cmulo do paternalismo. Mais que isso: ter, como intelectual ou como mdia, a arrogncia de achar que as pessoas comuns no sabem se virar sozinhas e precisam de guias dotados de mais conhecimento e mais sagacidade para apontar-lhes os melhores caminhos. Por que no considerar a obsolescncia das coisas como algo natural? Pois ainda que aps o crack da Bolsa de Nova York em 1929 se tenha pensado na obsolescncia programada como uma estratgia de mercado, no significa que tal iniciativa ainda seja predominante atualmente. E por falar nisso, o que dizer da substituio do to propalado termo aquecimento global pelo termo mudanas climticas? Que tipo de obsolescncia ter ocorrido a?Concluindo esse ponto, ao que parece, o longo texto em letras midas, cujo ttulo traz a palavra capitalismo, tem na verdade a clara pretenso de doutrinar marxismo. Toda a lenga-lenga quer mesmo repassar dogmas como mais-valia, acumulao de capital privado, substituio do homem pelas mquinas e coisas tais. No cogita mencionar que o consumo gera mais produo, e que mais produo gera mais trabalho, e que trabalho gera riqueza e o poder de comprar produtos que a cada dia tornam a condio humana mais confortvel, mais segura ante as adversidades e com maior expectativa de vida. Houve tempo que a vida humana se tornava obsoleta aos 40 anos, hoje, no entanto, s no Brasil, j h mais de dez mil pessoas centenrias. Mquinas produzindo arroz, feijo, milho, soja, e outros vveres permitem alimentos to mais baratos e abundantes que fizeram de Malthus, o economista e demgrafo, um profeta fracassado, e agora at quem mora na roa, e no bobo, v vantagem em buscar no supermercado a comida da famlia.Passo agora ao Editorial. O tema a questo do negro no Brasil. Nada contra, muito razovel e digno por sinal, alm de oportuno, uma vez que essa edio do jornal coincidiu com o 20 de novembro, Dia da Conscincia Negra. A abordagem, entretanto, que tambm tem vis, tem lado, manifestamente ideolgica. Brasil 52% negro, destaca-se no olho do texto. Fico imaginando um estrangeiro, desses que acham que a capital do Brasil Buenos Aires, recebendo est informao. Bom, se for um gringo dotado de um mnimo de lgica, poder at imaginar-se em nosso pas em alguma praa ou praia, em meio a uma multido, e ento vai olhar para os lados e vai encontrar um preto para cada branco que avistar. Mas o Brasil assim? No, no . Ento, por que essa aritmtica torta? Por que os que se declararam pardos na Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (45%) foram juntados, revelia, ao grupo dos que se disseram negros de fato (7,9%)? Que ttica de enganao essa e qual o seu objetivo? sabido que certo jornalismo pago, assim como certo jornalismo cooptado praticam essa e outras distores para agradar a mecenas polticos e partidrios em troca de benesses, que no creio ser o caso aqui Contudo, ver um desvirtuamento desses num jornal com a histria de O Lutador profundamente decepcionante. Mais ainda se se considerar que um jornal catlico, estando por isso, por ser um jornal e por ser catlico, duplamente comprometido com a responsabilidade de manter ntegra a honestidade intelectual. Parece incrvel at que uma falcia como a desses nmeros passe batido ao crivo de padres, por natureza do ofcio, homens curtidos na filosofia clssica.O Lutador j ocupou em muitas edies, pginas e pginas para analisar as teses e prticas da Teologia da Libertao. E fazia isso com a autoridade intelectual e moral de um Pe. Pascoal Rangel. Eu, que poca era militante em certo partido poltico, no gostava da abordagem crtica, pois as CEBs eram o terreno mais propcio que se podia imaginar para o fomento de nossas teses de esquerda e nossa busca de adeptos. O ex-padre Leonardo Boff, com seu livro Igreja, Carisma e Poder era nosso dolo. Bem, nessa edio 3819, Dom Roberto, bispo de Campos, revisita o tema da Teologia da Libertao. Apesar de seu artigo ser sereno, moderado, cauteloso e fundamentado nas Instrues da Congregao da Doutrina da F, o tema em si, ao lado dos outros dois tratados acima, pode ser mais um indicativo do novo rumo do jornal que tanto me incomoda. Dom Roberto reconhece: Para alguns a Teologia da Libertao beira a heresia, uma corrente teolgica refm da ideologia marxista e inocente til do comunismo. E ainda que ele ressalve: No entanto, no assim que a v a Igreja, negar esses predicados dela tentar camuflar os fatos. Teologia da Libertao outra dessas escolhas poltico-ideolgicas com lado e vis claros.Homenagear o grande garimpeiro de vocacionados, contando a histria da vocao dele prprio foi interessante, mais ainda por revelar detalhes to pouco conhecidos. Homenagem merecida. O Pe. Demerval completou 90 anos de uma vida muito digna, honrada e produtiva. Parabns a ele.Corrupo e educao moral, o texto de Dom Odilo Scherer, esse no tem lado ou vis, no sentido em que venho usando aqui esses termos. Ou talvez at se possa dizer que tem lado sim, j que de certa forma, a neutralidade absoluta seja impossvel e sempre ter de haver um lado e uma posio a ser defendida. Mas qual seria ento o lado do artigo de D. Odilo? Creio que seja o lado da defesa de valores. Valores universais depurados pela humanidade ao longo dos sculos, e que se diga, com a gigantesca e imprescindvel colaborao da Igreja Catlica desde os seus primrdios. Valores como a educao moral de que fala o bispo, e outros como solidariedade, busca do bem comum, justia por vias democrticas, a democracia em si, a liberdade, a fraternidade, o respeito vida e tantos outros, por serem universais, pertencem a todos. Quando alcanados, beneficiam a todos, diferentemente das teses ideolgicas em busca da afirmao e do poder almejados por certos grupos, que so capazes de tudo para se tornar hegemnicos, at mesmo cometer crimes em nome da causa a que se dedicam.Senti falta nesta edio de uma cobertura um pouco mais completa sobre a eleio do novo Conselho Geral da congregao. O que pensam os novos conselheiros, como eles veem a dinmica da congregao no contexto atual da Igreja e do pas, e como pensam conduzir o grupo, ampliar o grupo e continuar a misso do Pe. Jlio Maria? Uma entrevista com o novo Superior Geral teria feito muito bem aos leitores.Enfim, resumindo, o que me causou muita estranheza na edio de O Lutador foi encontrar um texto como esse da obsolescncia planejada e aquele da questo do negro, no editorial. O primeiro por se tratar de catequese marxista, o segundo por conter falcias que os representantes de certos grupos no hesitam em criar, confiantes de que haver muitos inocentes teis, pessoas de boa vontade, para replicar e divulgar os seus mantras. O texto sobre a obsolescncia, por exemplo, foi cedido pelas autoras tambm a alguns sites, entre eles, o site Vermelho, do partido poltico PCdoB (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=223798 &id_secao=2). E tomo esse fato em favor do seguinte argumento: se um texto compatvel e apropriado para figurar na homepage de um partido poltico, no pode caber tambm de modo natural nas pginas de um jornal como O Lutador.Mas pode um partido ter uma posio partidria? Pelo que sei, embora a iseno seja a melhor postura, nada impede. Um jornal, emissora de TV ou rdio at pode declarar-se favorvel a um partido, como ocorre com o Republicano e o Democrata nos Estados Unidos. O que no convm e direcionar suas pautas, linha editorial e texto para esse ou aquele. Creio que no se podem subestimar os leitores. Ao contrrio, deve-se respeit-lo. No jornal O Lutador coerente e esperado sim que haja proselitismo, mas claro, em prol da Igreja Catlica, de sua doutrina, de seus princpios e valores. Afinal quem o adquire sabe que se trata de uma publicao confessional que a mesma sua, ainda que esse leitor possa ser de esquerda, direita ou centro, que tenha preferncia por essa ou aquela denominao partidria. J a adeso editorial a governos ou a vieses ideolgicos, a mim parece algo incabvel. Em minha opinio, o que cabe melhor ao jornal O Lutador continuar sendo independente, dono e protagonista da prpria histria. No lhe ficaria bem o papel de aclito de figuras ou ideias de fora do prprio grupo sacramentino. Curioso como eu e esse jornal sacramentino temos caminhado um na contramo do outro. Na minha juventude, tempo em que O Lutador procurava se preservar das influncias esquerdistas e de sua gritaria nas ruas e at na porta da editora, tentando parar os grficos em greves inconsequentes, eu era um idealizador de mundos novos com a cabea cheia de utopias socialistas. Hoje, mais maduro, no sou mais filiado a nenhum partido, li e refleti muito sobre essas coisas de poltica e estou convencido do perigo que representa a chegada de certos grupos ao poder. Cuba, Venezuela, Bolvia, Equador e agora a Argentina so exemplos do caminho para onde possam estar levando o Brasil. Esses j so pases onde, em maior ou menor grau, fundamentos da civilidade moderna como direito de ir e vir, direito propriedade particular, liberdade de imprensa e de pensamento, separao clara entre os poderes da repblica e outros j no so respeitados. Nesse pases, em maior ou menor grau, eleies so usadas para solapar a prpria democracia. E encontro agora, na direo oposta, pginas de O Lutador flertando com o catecismo marxista. Por isso fiquei chocado, escandalizado e preocupado, pois descubro que aquilo que discutamos no ncleos do partido sobre comer a sopa pela beirada j aconteceu. Todas as reparties pblicas, todos os setores da sociedade j foram tomados, aparelhados, no caso. Assim, com a fraca oposio partidria que h no pas, logo no haver mais resistncia, e cairemos todos sob o jugo do partido nico, e talvez tambm de um mandatrio nico e vitalcio. A democracia verdadeira e a pluralidade que a acompanha para mim o melhor dos mundos, no desejo nada diferente para os meus filhos e para os filhos dos meus filhos. Ser pena se O Lutador tiver tambm cedido a alguma tentao.Por ltimo, observo que o jornal est menor e talvez menos bem diagramado do que j foi. pena. Lamento, especialmente, se penso no imenso rol de recursos disposio nesse que um dos maiores e melhores parques grficos do Estado de Minas, que eu, alis, conheci de perto. Morei e trabalhei na Editora durante todo o ms de janeiro do ano de 1990, ao lado da jornalista Maria Aparecida Campos. Tive muitas conversa com o Cesrio, e lembro que ele ainda resistia ideia de informatizar a produo e aposentar as mquinas composer IBM.Peo desculpas, se com minhas palavras parecer abelhudo. Desejo o melhor Congregao Sacramentina e a todos que fazem parte dela. Tenho carinho, orgulho e saudades por tudo e de tudo que vivi nesta instituio.Um abrao.

Paulo Csar Mendes Vieira2