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A revista Cidadania & Meio Ambienteé uma publicação da Câmara de Cultura

Telefaxes (21)2432-8961• (21)2487-4128

[email protected]

Editado e impresso no Brasil.

A Revista Cidadania & Meio Ambiente nãose responsabiliza pelos conceitos e opiniõesemitidos em matérias e artigos assinados.

E D I T O R I A L

Caros Amigos,

As reuniões internacionais para tratar da urgentíssima questão daágua alertam para os impasses que há muito deveriam ter sido equa-cionados. No entanto, a agenda arrasta-se sem a afirmação inequí-voca do status da água: bem da humanidade ou commodity?

Vejamos os dois primeiros artigos da Declaração Universal dos

Direitos da Água:

Art. 1º - A água faz parte do patrimônio do planeta. Cada continente,

cada povo, cada nação, cada região, cada cidade, cada cidadão é plena-

mente responsável aos olhos de todos.

Art. 2º - A água é a seiva do nosso planeta. Ela é a condição essencial de

vida de todo ser vegetal, animal ou humano. Sem ela não poderíamos

conceber como são a atmosfera, o clima, a vegetação, a cultura ou a agricul-

tura. O direito à água é um dos direitos fundamentais do ser humano: o

direito à vida, tal qual é estipulado do Art. 3 º da Declaração dos Direi-

tos do Homem.

Por nossa negligência e descaso, o citado direito fundamental à águadeixou de ser reconhecido pelo predatório modelo de desenvolvi-mento econômico, vigente em escala mundial. Como apontam osartigos sobre água selecionados nessa edição, a realidade aponta nadireção oposta: em poucas décadas, apenas as elites da Terra pode-rão pagar pela seiva vital. E a multidão de eternos deserdados quenão perecer de fome/inanição, não resistirá às torneiras secas.

A perseverar a tendência atual da gestão hídrica, até mesmo os ricosdeixarão de ter água farta e barata. A corrupção nos setores de capta-ção, de tratamento, de fornecimento e de sanitarismo básico tornamo que um dia foi uma “dádiva dos céus” em ouro líquido. Uma situa-ção agravada pelo desperdício, pelo uso insustentável, pela poluição epelo envenenamento dos lençóis freáticos. E intensificada pelo esgo-tamento dos mananciais pela sobreexploração, pela destruição dasflorestas e pelas cada dia mais sensíveis mudanças climáticas.

O presente é sombrio e o futuro se anuncia trágico. Não há opção:ou nos engajamos já na salvação do planeta ou teremos de dar àTerra um “adeus para nunca mais”.

Hélio CarneiroEditor

Colaboraram nesta edição

Henrique CortezTransparência Internacional

Ana EchevenguáJoão Abner Guimarães Jr.

Mario PonzoFrancisco Peregil

Jean-Pierre TuquoiGeophysical Research Letters

Octávio Luiz Motta FerrazGeorge Monbiot

Union of Concerned ScientistsMovimento Mundial

pelas Florestas Tropicais

Visite o portal EcoDebate[Cidadania & Meio Ambiente]

www.ecodebate.com.brUma ferramenta de incentivo ao

conhecimento e à reflexão através denotícias, informações, artigos de opinião

e artigos técnicos, sempre discutindocidadania e meio ambiente,

de forma transversal e analítica.

Diretora

Editor

Subeditor

Projeto Gráfico

Regina [email protected]

Hélio [email protected]

Henrique [email protected]

Lucia H. [email protected]

UMA HIDRELÉTRICATEM QUE CONVIVEREM HARMONIACOM TUDO QUEESTÁ EM VOLTA.

AQUI NESTE ANÚNCIOE NO MEIO AMBIENTE.

www.eletrobras.comFoto aérea da hidrelétrica de Tucuruí, Pará, a maior hidrelétrica 100% brasileira.

Por um lado, a Eletrobrás gera cada vez mais desenvolvimento para o Brasil.

Por outro, cada vez menos impacto para a natureza.

Além de energia, a Eletrobrás faz

questão de gerar um futuro melhor.

Os projetos dos complexos

de Tapajós e de Belo Monte são

provas disso. Afinal, estamos falando

de construções desenvolvidas

para causar o mínimo de impacto

ambiental. Em Tapajós, por exemplo,

está prevista a preservação de uma

área verde do tamanho da Suíça,

da Bélgica, da Dinamarca e da

Holanda juntas. Não é à toa que todo

mundo percebe os investimentos da

Eletrobrás. Menos a natureza.

Nº 19 – 2009

Capa: corais na Jordânia por Copepodo

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Água: não à corrupção!O Relatório Corrupção no Setor de Água revela como a desonestidade na gestão da “seiva davida” alimenta as mudanças climáticas, a escassez de alimento, o desenvolvimento econômicoe a sustentabilidade do planeta. Por Transparência Internacional

A água da cobiçaA abundância de recursos hídricos de Santo Amaro da Imperatriz – capital das águas termaisde Santa Catarina – corre o risco de desaparecer sob o impacto da exploração comercialinsustentável, de acordos espúrios e de licenciamentos ilegais. Por Ana Echevenguá

O nascimento da indústria das secasEm tempo de projetos de transposição de rios e de bacias hidrográficas, o autor lembra queEuclides da Cunha já denunciava, no século 19, em sua obra Os Sertões, a custosa e inútilgrandiosidade dos projetos de irrigação para o Nordeste. Por João Abner Guimarães Jr.

A crise econômica e a segurança alimentarA comunidade internacional – capaz de encontrar trilhões de dólares para equilibrar asituação financeira mundial – não consegue destinar nem um fragmento dessa soma para umplano que permita a bilhões de famintos o acesso ao alimento. Por Nancy Roman

Indígenas: no limite da sobrevivênciaAs prospecções petrolíferas, as empresas madeireiras e as plantações do agronegóciodesvitalizam o modo de vida dos povos indígenas. Hoje, populações inteiras de nativos sãoobrigadas a viver de migalhas e exiladas de suas terras de origem. Por Francisco Peregil

Agronegócio, assentamentos e desflorestamentoSegundo dados apresentados neste artigo, a política governamental de reforma agrária e deassentamento agrícola é responsável, direta e indiretamente, pela devastação da florestaamazônica pelo agronegócio. Por Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais

Recifes de coral: a morte anunciadaO aumento dos níveis de CO

2 na atmosfera somados à poluição já repercutem na vida

marinha. Caso a concentração de carbono dobre em relação aos níveis pré-industriais, oscorais dissolver-se-ão ao redor do planeta. Por Geophysical Research Letters

O consumo verde não salvará a TerraA adesão individual ao consumo ecologicamente correto e sustentável corre o risco de tornar-senada mais que modismo ou símbolo de status social, caso não sejam atacadas as questõespolítico-ambientais que estão desestabilizando o planeta. Por George Monbiot

Açaí: o fruto da globalizaçãoDe prato popular das ruas de Belém, Pará, o açaí converteu-se em elixir da longevidade e dajuventude. Após conquistar as metrópoles brasileiras, ele agora é disputado no PrimeiroMundo por consumidores ávidos por energéticos e antioxidantes. Por Jean-Pierre Tuquoi

O papel das florestas na mudança climáticaO estudo sobre seqüestro e estocagem de CO

2 pelas florestas permite compreender o papel

crítico da vegetação na regulação climática, e indica os caminhos para conciliar preservaçãoflorestal e desenvolvimento sustentável. Por Union of Concerned Scientists

H2O

Mais do que o desperdício, a cor-rupção é a causa motriz ecatalisadora da atual crise

global de água que ameaça bilhões devidas e exacerba a degradação ambien-tal. “Água é um recurso sem substitu-to. Ela é vital para a saúde, a segu-rança alimentar, o futuro energético e

por Transparência Internacional

O último relatório da organização Transparência Internacional (TI) –

Corrupção Global - Relatório 2008: Corrupção no Setor de Água – revela

como as práticas desonestas em todos os setores que gerenciam a “seiva da

vida” invalidam as tentativas de resposta planetária às mudanças climáticas,

à escassez de alimento, ao desenvolvimento e à sustentabilidade do planeta.

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Água

Não à corrupção!

o ecossistema. Mas, a praga da cor-rupção na gestão desse bem naturalinfelizmente ainda é negligenciada emtodo o mundo. O impacto da corrupçãona água é fundamentalmente um pro-blema de governança. E isso tem demudar”, alerta Huguette Labelle, dire-tora da Transparência Internacional.

O relatório – o primeiro a dissecar o impac-to e a extensão da corrupção nos diferen-tes segmentos do setor da água – identifi-ca vasta gama de problemas: do subornoinsignificante no sistema de abastecimen-to doméstico à rapinagem desregrada nosgrandes projetos de irrigação e de cons-trução de hidrelétricas, além das manobras

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para encobrir a poluição industrial e paramanipular as políticas públicas nos proje-tos de distribuição e de tratamento do lí-quido em nível regional ou nacional.

A crise da água é inegável e o desafio re-presentado pela corrupção é urgentíssimo.Afinal, mais de 1 bilhão de cidadãos domundo não têm qualquer acesso garanti-do à água e mais de 2 bilhões não contamcom serviços de saneamento básico ade-quados, fato de conseqüências devasta-doras ao desenvolvimento e à redução dapobreza em escala planetária.

A CORRUPÇÃO REDUZ A RESPOSTA GLO-BAL ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS E À ES-CASSEZ DE ALIMENTOS

“A mudança climática exige que o mundoproponha o que certamente é o mais gravee complexo problema de governança glo-bal de longo alcance até hoje enfrentado.Caso os riscos atrelados à corrupção nãosejam enfrentados com coragem, qualquerplanejamento para o setor não terá sus-tentação”, afirma com acerto Labelle. Afi-nal, o potencial da corrupção tem capacida-de de obstruir a execução de políticas efica-zes de compartilhamento de águasfronteiriças e de acordos de fornecimento,ambos elementos-chave para enfrentar-seos desafios das mudanças climáticas.

A terra irrigada ajuda a produzir 40% doalimento mundial. Também nesse setorprioritário, a corrupção excessiva é dealtíssimo risco, impossibilitando o aumen-to da produção e agudizando a crise glo-bal de alimento. “Novos e maciços inves-timentos em irrigação em escala mundialtêm sido anunciados para ajudar a con-tornar a crise alimentar. No entanto, aescassez de água significa escassez decomida, e caso a corrupção no setor deirrigação não for enfrentada, todos osesforços e projetos de grande magnitudenão chegarão a concretizar-se”, reforçaLabelle.

No caso das Filipinas, por exemplo, que alocouperto de US$1 bilhão para irrigação e melhori-as no setor agrícola, o relatório apresenta evi-dências de como a corrupção impediu a cons-trução e o desempenho de sistemas derepresamento destinados à irrigação. Na Ín-dia – país no olho da crise de água –, estima-se que 25% dos contratos de irrigação e deserviços correlatos ajuda a manter o esquemapolítico de corrupção e de omissão. No fim

das contas, os custos dos investimentos semultiplicam, os sistemas de irrigação tornam-se ineficientes e os pequenos agricultoresacabam vulneráveis à escassez de água.

ÁGUA POTÁVEL E SAÚDE PÚBLICA: OPOBRE CARREGA O FARDO MAIS PESADOQuando a corrupção se estabelece, o cus-to de conexão de uma moradia à rede deabastecimento de água aumenta em até30%. Segundo estimativas do relatório daTI, esse adicional de corrupção eleva emU$48 bilhões o orçamento previsto pelaONU para que sejam atingidas as Metasde Desenvolvimento do Milênio, no tocan-te à universalização do fornecimento deágua tratada e de saneamento básico.

A corrupção nos setores de abastecimento ede tratamento de água emerge ao longo dacadeia de fornecimento hídrico: da etapa deprojeto e de alocação de fundos à constru-ção, manutenção e operação das redes deágua. O mal drena os investimentos do se-tor, aumenta os custos e reduz o volume deserviços fornecidos. O resultado é que asfamílias pobres de Jacarta (Indonésia), Lima(Peru), Nairóbi (Quênia) ou Manila (Filipinas)gastam mais para receber água do que osresidentes de Nova Iorque, Londres ou Roma.

Nem os países industrializados são imu-nes ao problema. A corrupção infestou oscontratos de fornecimento de água em ci-dades como Grenoble (França), Milão (Itá-lia), Nova Orleans e Atlanta (EUA). Tam-bém ocorreram casos de acordo entre con-

correntes e fixação de preços no forneci-mento da infra-estrutura na Suécia, en-quanto em Chicago os orçamentos de pro-jetos hídricos foram alvo de usos escusosem campanhas políticas.

RISCOS PARA A SEGURANÇA AMBIENTAL

E ENERGÉTICA A corrupção na administração dos servi-ços hídricos vitima a sustentabilidade dasfontes de água e alimenta a desigualdadede sua distribuição, fatos que podem gerarconflitos políticos e acelerar a degradaçãode ecossistemas vitais. Na China, por exem-plo, a corrupção debilitou o cumprimentode normas ambientais, acelerou a poluiçãodos aqüíferos em 90% das cidades e tornoumais de 75% das águas dos rios urbanosimpróprias para o consumo e a pesca.

A corrupção nas hidrelétricas incha o custode represas e de projetos relacionados. Tam-bém transforma em grande desafio a realoca-ção das populações atingidas pelos proje-tos, via rapina dos fundos de compensaçãoe das ações voltadas à ajuda das comunida-des deslocadas. O butim é altíssimo em fun-ção da escala econômica: o setor hidrelétri-co responde por um sexto da eletricidadeproduzida no mundo, e o volume de investi-mentos projetado para o setor é de US$60bilhões/ano para os próximos 20 anos.

TEMPO DE AGIR: AS SOLUÇÕES PARA“LIMPAR” O SETOR HÍDRICOAs condições para a corrupção no setor hí-drico persistem porque seu maior impacto

Inaugaração de uma unidade de higienização das mãos para crianças, na Guatemala.

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A Transparência Internacional juntamente coma International Water and Sanitation Centre, oStockholm International Water Institute, oSwedish Water House e o Water and SanitationProgram-Africa fundaram a Water IntegrityNetwork (WIN), em 2006. Hoje, a WIN é cons-tituída por uma rede crescente de organisaçõese indivíduos que combatem a corrupção emtodos os quadrantes do mundo. O estudo Cor-rupção Global 2008 recebeu apoio logístico efinanceiro do WIN. O relatório pode ser baixa-do em www.transparency.org/news_room/latest_news/press_releases/2008

5O FÓRUM MUNDIAL DA ÁGUAMais de 20 mil ambientalistas, cientistas e especialistas em questões hídricas ehumanitárias discutiram com ministros de 120 países, em março de 2009, emIstambul, Turquia, as questões relativas à água, à mudança climática e aodesenvolvimento. Vejamos algumas conclusões alarmantes:

❚ A crise financeira global pode retardar em pelo menos uma década o desen-volvimento do abastecimento de água no mundo, porque faltarão investimen-tos ,e cada vez será maior o contingente humano sem condições de pagar ascontas de água. “Com a redução das verbas, pode ser retomado o círculovicioso de serviços ruins, alta inadimplência e poucos investimentos”, informouJamal Saghir, diretor de Energia, Água e Transporte do Banco Mundial.

❚ Saghir confirmou que as empresas de abastecimento hídrico em escala mun-dial devem implementar sua eficiência de modo a convencer os governos deque vale a pena investir nesse serviço. Enquanto isso, novos empreendimentosdevem ser cancelados, e os projetos atuais de infra-estrutura hídrica podemsofrer pressões de custos.

❚ A conferência foi criticada por alguns grupos de ativistas por não salientarsuficientemente o fato de que a água potável é um direito humano básico.

❚ Angel Gurria, secretário-geral da Organização para a Cooperação e o Desen-volvimento Econômicos (OCDE), disse à conferência que os governos devemrever o financiamento dado aos serviços hídricos – normalmente um misto detarifas dos usuários, arrecadação fiscal e, em alguns países, subsídios. ParaGurria, caso a crise dificulte a obtenção de crédito, os países devem buscarformas de adotar gradualmente sistemas baseados em tarifas, fato queprotegerim os indivíduos com menor capacidade de arcar com o custo da água.

❚ Em relatório divulgado na conferência, a OCDE afirmou que a crise financeirarepresenta uma oportunidade de tornar a infraestrutura hídrica mais eficiente,o que naturalmente atrairia mais investimentos.

Fonte: Agência Reuters

SEMANA MUNDIAL DA ÁGUARealizada desde 1991, a edição 2008 da World Water Week, em Estocolmo,reuniu mais de 2,5 mil especialistas para discutir o futuro da água. Centradana temática “Progressos e perspectivas sobre a Água: para um mundo limpoe saudável”, a conferência discutiu os impactos da falta de abastecimentohídrico no saneamento, na saúde e no meio ambiente.

❚ “Nos últimos 25 anos, experimentamos um luxuoso estilo de vida e não nospreocupamos emcuidar do meio ambiente. É necessário mudar a forma deconsumir, comprar, comer”, disse o professor britânico John Anthony Allan,vencedor do Prêmio da Água 2008 Estocolmo .

❚ Quase metade da população do mundo carece de boas instalações sanitárias,uma situação que repercute na saúde pública e que representa um enormedesafio a ser resolvido, uma vez que a água é um recurso cada vez mais escasso.

❚ As mudanças climáticas, o crescimento da população mundial e o rápidodesenvolvimento econômico da Ásia e da África são fatores que influenciamos debates mundiais sobre o abastecimento de água.

❚ 20% da população do planeta enfrenta escassez hídrica crônica, percentualque deve chegar a 30% em 2025, segundo projetção da Organização dasNações Unidas em 2008, Ano Internacional do Saneamento.

❚ 7,5 mil pessoas morrem diariamente devido à falta de saneamento básico,situação que perdura há sete anos. Desse total, cinco mil são crianças, vitima-das pela diarréia.

❚ Hoje, a quantidade de água disponível por pessoa, na Ásia, é de 15 a 30%da disponível na década de 1950.

Por Henrique Cortez, do portal EcoDebate (19/08/2008).

recai sobre os indivíduos com menos opor-tunidades, afetando desproporcionalmenteas mulheres, os pobres e os sem-voz ativa:as futuras gerações e o meio ambiente.

Como revela o Relatório da CorrupçãoGlobal, iniciar ações para desmantelar acorrupção no setor é mais do que oportu-no e possível. Para esse fim, o relatório fazas seguintes recomendações:

■ ESTABELECER A TRANSPARÊNCIA E A PARTICI-PAÇÃO COMO PRINCÍPIOS BÁSICOS DE

GOVERNANÇA DE TODOS OS SETORES RELACI-ONADOS À ÁGUA – Da transparência no or-çamento participativo ao mapeamento pú-blico da poluição da água; auditorias pú-blicas dos projetos e acesso aos termos,condições e relatórios de desempenho doscontratos. A transparência e a participa-ção fortalecem a integridade dagovernança do setor, desde que adotadasglobalmente.

■ FORTALECER A SUPERVISÃO REGULADORA –O governo e o setor público continuam adesempenhar o papel mais proeminente nagovernança do setor hídrico. Por isso, am-bos devem estabelecer efetiva supervisãoreguladora, quer para o meio ambiente, paraa água e para os serviços de saúde pública,de agricultura ou de energia. Reforma insti-tucional e capacitação na fiscalização sãoessenciais para implementar os padrões decontrole já alcançados em outros setores.

■ GARANTIR COMPETIÇÃO JUSTA E IMPLEMEN-TAÇÃO CONTABILMENTE RESPONSÁVEL DOS

PROJETOS – Todos os participantes do pro-jeto são co-responsáveis, e os contratosdevem incorporar medidas anticorrupção.Os governos e os contratantes devemacordar para que a compra de produtos ede serviços destinados ao projeto sejatransparente e justa. Os financiadores edoadores devem fazer constar nas cláusu-las de seus contratos providências anti-suborno severas.

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Santo Amaro

por Ana Echevenguá

Atualmente, várias cidades brasileiras são invadidas por investidores que vêem nos recursos natu-

rais uma ótima oportunidade de fazer di-nheiro. E precisam explorá-los antes quese extingam. Doa a quem doer!

E esses oportunistas recebem os aplausose as bênçãos de outros oportunistas – osgovernantes –, que estão mais preocupa-dos com o próprio bolso do que com osinteresses coletivos. Aí, tudo pode aconte-cer: licenciamentos ilegais, acordos espú-rios e um total desrespeito aos preceitosconstitucionais e legais que deveriam re-ger o Brasil.

Santo Amaro da Imperatriz – SC está nasmãos desses oportunistas. O município per-tence à Grande Florianópolis e é a capitalcatarinense das águas termais. Possui, semdúvida, a melhor água mineral do mundo. Épequena, com menos de 50 mil habitantes.72% de sua área territorial são considera-das APP – Área de Preservação Permanen-te. Embora sua economia esteja centradana agricultura, a abundância de seus recur-sos hídricos e de seu relevo privilegiado éatrativo ao turismo de lazer e de aventura.

Ah! A água. A revista Fortune denominou-a como o “petróleo do século XXI”. Porquê? Porque quem controla este recursotem nas mãos poder econômico e político.Ou seja, oportunidade de lucro certo. Porisso, a água é, hoje, questão de segurançae de defesa do Estado. Há tempos, esse re-curso deveria integrar o planejamento es-

tratégico estatal. Sem alimento, o ser hu-mano resiste até 40 dias; sem água, morreem três.

E devido à abundância e à qualidade deseus recursos hídricos, a pequena SantoAmaro entrou na mira dos ‘adoradores dolucro certo’. Nesse momento, os habitan-tes de Santo Amaro da Imperatriz lutamcontra a implantação de seis PCHs (Peque-nas Centrais Hidrelétricas), que já ganha-ram o licenciamento ambiental.

Bom, todos sabem que Santa Catarina con-ta com um órgão licenciador e fiscalizador(FATMA) que não cumpre suas obriga-ções. É um show de licenças facilitadas efiscalização zero aos amigos do rei…

No caso das PCHs, devido ao fortaleci-mento do repúdio da população ao empre-endimento e, também, de um certo apoioda mídia, a FATMA declarou a suspensãotemporária dos processos de licenciamen-to das PCHs “para que a comunidade, emconjunto com o Comitê Gestor da BaciaHidrográfica, apresente suas avaliações arespeito dos projetos”. Traduzindo: elaquer que a comunidade faça o que ela jádeveria ter feito. E suspensão temporária éapenas um paliativo para o problema.

Outro empreendimento em Santo Amaro –também já licenciado – preocupa! Trata-seda construção de uma estância hidromine-ral, cujo projeto orçado em R$ 90 milhõesprevê um hotel cinco estrelas (200 aparta-mentos e 8 suítes presidenciais com mais de

400 metros quadrados) e um condomíniohorizontal (com 70 casas que terão entre 200e 250 metros quadrados). Tudo isso nas en-costas da maior reserva florestal de SantaCatarina – o Parque da Serra do Tabuleiro.

Uma pergunta: com todos os crimes já pra-ticados pela FATMA, dá pra acreditar queesta área está fora dos limites da Serra doTabuleiro? (Afinal, não se pode esquecer aconfusão gerada em torno dos limites da-quele parque no caso da Praia da Pinheira!)

A estância será abastecida com água mi-neral termal de uma fonte que jorra 60 millitros por hora. Ter-se-á, assim, água mine-ral nas torneiras, nas banheiras de hidro-massagens, nas cascatas, nas piscinas, nocentro de estética, no spa… Será que apopulação local está ciente dos impactosnegativos que um empreendimento desseporte vai provocar na sua cidade?

Sem a atuação legal dos órgãos compe-tentes, especialmente dos Comitês de Ge-renciamento de Bacias Hidrográficas (que,no caso de Santo Amaro, é completamenteomisso), vislumbro um futuro negro paraesta cidade e para outras tantas cujos go-vernantes são cúmplices da exploraçãopredatória dos recursos naturais que de-veriam preservar. ■

Ana Echevenguá é advogada ambientalista,coordenadora do programa Eco&Ação, pre-sidente da ONG Ambiental Acqua Bios. E-mail:[email protected] Publicado originalmen-te em www.ecodebate.com.br (3/10/ 08)

da Imperatriz:

a águada cobiça

Serra do Tabuleiro. Foto:Edugreen

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A memória dói

e ensina: os recursos

naturais não renováveis

vão sem dizer adeus

e jamais voltam.

Eduardo Galeano

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A Transposição do Rio São Francisco – apresentada como umapolítica de governo voltada para

solucionar a problemática da seca em nos-so país e que remonta à época do Império– é apropriada para resgatar-se o grande hu-manista Euclides da Cunha. Há 100 anos, emsua extraordinária obra Os Sertões, na parteinicial que trata da Terra, o autor discutiu comprofundidade a problemática do Semi-áridobrasileiro, segundo aspectos do relevo, dosolo, da fauna e flora e do clima da regiãonordestina. Fez, inclusive, uma abordagempropositiva com relação à seca, desenvolven-do o tema “como se extingue um deserto”.

Euclides reportou a experiência do norteda África, relembrando o queos romanos fizeram após ven-cerem Cartago, atual Tunísia:construíram numa região semi-desértica uma nova civilizaçãocom base na água.

“Quem atravessa as planícieselevadas da Tunísia, entre Bejae Biserta, à ourela do Saara, encontra ain-da, no desembocar dos vales, atravessan-do normalmente o curso caprichoso e emtorcicolos dos oueds, restos de antigasconstruções romanas. Velhos muradaisderruídos, embrechados de silhares e blo-cos rolados, cobertos em parte pelos de-tritos de enxurros de vinte séculos, aque-les legados dos grandes colonizadores de-latam a um tempo a sua atividade inteli-gente e o desleixo bárbaro dos árabes queos substituíram. Os romanos depois da ta-refa da destruição de Cartago tinham pos-

por João Abner Guimarães Jr.

Euclides da Cunha

denunciava no século 19

a inútil grandiosidade dos

projetos de irrigação

para o Nordeste.

O nascimento da indústria das secasto ombros à empresa incomparavelmentemais séria de vencer a natureza antago-nista. E ali deixaram belíssimo traço desua expansão histórica.”

Os romanos transformaram Cartago numgrande celeiro de produção de alimentos.Por mais de 700 anos, Cartago produziu ali-mentos para Roma com base num sistemaintegrado de armazenamento de água empequenos e médios açudes, com distribui-ção às áreas de irrigação via canais laterais.

Essa experiência, que Euclides da Cunhadeve ter conhecido, porque foi retomadapelos franceses no século 19, foi apresen-tada como exemplo que poderia ter sido re-

produzido no Semi-árido brasilei-ro. Ao contrário do projeto “gran-dioso” que começava naquelaépoca a ser desenvolvido no Bra-sil, e cujo exemplo mais marcante éo açude do Cedro, em QuixadáCeará, citado por Euclides como“único, monumental e inútil”.

Mal projetado, as obras do Cedro iniciadasno império só terminariam no início do sé-culo 20, durante o qual sangrou poucasvezes e apresentou baixíssima eficiência deutilização das suas águas.

O senso crítico de Euclides da Cunha aflo-ra ao reportar um acontecimento ocorridoem 1877, no Rio de Janeiro, época de umagrande seca na região Nordeste. O Go-verno Imperial promoveu na Escola Poli-técnica do Rio de Janeiro um evento paradiscutir a questão, trazendo um consul-

tor francês para discorrer sobre a experi-ência da França na Tunísia.

Antevendo o nascimento da indústria dassecas no Brasil, Euclides grafou:

“Idearam-se, naquela ocasião, luxuosascisternas de alvenarias, miríades de poçosartesianos perfurando as chapadas, depó-sitos colossais, armazéns desmedidos paraas reservas acumuladas, açudes vastos, fei-tos Cáspios artificiais e, por fim, como paracaracterizar bem o desbarate completo daengenharia ante a enormidade dos proble-mas, estupendos alambiques para a desti-lação das águas do Atlântico!…”

E a experiência da Tunísia, obra bem mais prá-tica e mais modesta, que poderia ter sido ado-tada no Nordeste brasileiro, infelizmente não ofoi naquela ocasião nem nos últimos 100 anos.Prevaleceu a política hidráulica como um fimem si mesma. Uma obra descolada do projetode desenvolvimento regional, que resultou nomaior programa de açudagem do mundo e numaextraordinária infra-estrutura ociosa de proje-tos hídricos inconclusos, e em grande parteinviáveis em todos os estados da região.

A propósito: em nenhuma das páginas deseu Os Sertões Euclides da Cunha citou aobra de transposição do rio São Francisco,apesar de atualmente ser a mesma decanta-da pelo governo como uma obra em evi-dência desde a época do Império. ■

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Açude do Cedro, Quixadá/CE. Foto: FábioBarros

João Abner Guimarães Jr. - Engenheiro Ci-vil – Professor da UFRN, colaborador e arti-culista do portal EcoDebate.

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e a segurança alimentar

“A crise mundial que vivemos irá agravar ainda mais adramáticatica situação alimentar, que arrisca tornar-se sempremais incontrolável”. Quem está convencida disso é Nancy Roman,diretora de comunicações e de políticas da informação do ProgramaAlimentar Mundial das Nações Unidas (WFP), que alinhava nessaentrevista as possíveis soluções para o grave problema da inanição.

MARIO PONZO – OS DADOS PUBLICADOS RECENTEMENTE PELO WFP

SÃO DRAMÁTICOS. COMO INTERPRETÁ-LOS NA ÓTICA DA POLÍTICA DA

GLOBALIZAÇÃO?

Nancy Roman – Um bilhão de pessoas que passa fome é umnúmero desconcertante, alcançado também pelo efeito da crisemundial que criou 115 milhões de novos pobres só no último ano.Porém, é importante contextualizar essa cifra. No curso das últi-mas quatro décadas, a proporção do número de famintos reduziu-se notavelmente, passando de 37%, nos anos 60, aos atuais 15%.A população mundial cresceu muito – passando dos três bilhõesnos anos 60 aos 6,7 bilhões de hoje –, mas o número de famintospermanece muito alto, e estamos trabalhando sobre isso. É impor-tante ressaltar que, pelo menos em termos percentuais, o númerode famintos caiu. Um resultado que deve ser protegido se quiser-mos evitar retroceder também em níveis percentuais, frente a umapopulação mundial que, na metade do século, será de nove bi-lhões de indivíduos.

Entrevista concedida a Mario Ponzo por Nancy RomanA comunidade internacional – capaz

de encontrar, em pouquíssimos dias,

trilhões de dólares para equilibrar a

situação financeira mundial – não

consegue destinar nem um

fragmento dessa soma para

um plano que permitiria a bilhões

de famintos o acesso ao alimento.

Não ao supérfluo,

mas ao essencial para viver.

A “crise”CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO MUNDIAL 2008-2050

Ver legenda no rodapé

Legenda do Gráfico

Segundo a Organização Mundial de Saúde, a população mundial é■ 1/3 bem nutrida■ 1/3 subnutrida■ 1/3 passa fome

Em 2050, a Terra deverá ter 9 bilhões de indivíduos e a segurançaalimentar poderá ficar crítica na África do Norte e no Oriente Médio,as regiões mais secas e de maior crescimento demográfico do planeta.

Gráfico por Lauren A. T Clemson

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Mário Pozo – Jornalista do L’Osservatore Romano. Entrevista publicadano IHU On-line, 06/03/2009, tradução de Moisés Sbardelotto [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universi-dade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.] e noportal www.ecodebate.com.br .

M.P. – A CRISE ECONÔMICA TAMBÉM ENVOLVEU PESADAMENTE

O SETOR ALIMENTAR, COM A PERSPECTIVA DE UMA PIORA DAS JÁ

TRÁGICAS CONDIÇÕES DE UMA PARTE CONSISTENTE DA POPU-

LAÇÃO MUNDIAL. COMO ENFRENTAR ESSA CRISE POSTERIOR?

N.R. – A crise econômica está tendo um impacto muitosensível sobre a crise alimentar. Já vemos as conseqü-ências da queda das remessas de fundos de imigrantesem países que, do Haiti ao Tadjiquistão, dependem for-temente delas. A queda dos investimentos estrangei-ros, o aumento do desemprego e as novas barreirascomerciais que estão sendo erguidas fazem prever umanova onda de dificuldades. Não se deve esquecer queo bilhão de deserdados gasta quase tudo o que possuicom alimentos. Não há dúvida, portanto, de que a crisefinanceira criará um número maior de famintos.

Na WFP, estamos analisando atentamente a situaçãopara prever que países serão mais atingidos pela crise e, conse-qüentemente, refinar programas de intervenção nas nações ondea fome será sentida com mais força. Somos financiados inteira-mente em base voluntária. Conseguimos trabalhar e levar comidana medida em que os nossos doadores – os cidadãos, as empre-sas e os governos – o permitirem.

M.P. – O WFP VEM AFIRMANDO QUE HÁ NO MUNDO ALIMENTO SUFICI-

ENTE PARA SACIAR A TODOS. PORÉM, NÃO SE CONSEGUE EVITAR QUE TAN-

TA GENTE MORRA DE INANIÇÃO. DE QUEM É A RESPONSABILIDADE?

N.R. – Sobre isso, as estatísticas discordam. Algumas indicamque estamos entrando em uma fase de menor responsabilidadealimentar. Outras sugerem que há alimento o suficiente. Comoocorre freqüentemente, ambas as afirmações são verdadeiras.Tecnicamente, há alimento suficiente no mundo para que cadapessoa possa dispor das calorias diárias suficientes. Mas issoimplicaria a redistribuição de todo o resto alimentar produzidono mundo desenvolvido. Obviamente, isso não é possível.Porém, sementes e cereais são úteis, possivelmente lá onde aspessoas vivem e trabalham.

A distribuição é um fator chave. Uma das coisas que estamosprocurando fazer é interessar-nos pela gestão dos estoques decereais globais, para avaliar como melhor posicionar o alimento.Muitos estão se ocupando também de como aumentar a produçãonos países em via de desenvolvimento. Em 2008, o WFP gastouum bilhão de dólares na aquisição de alimento nos países em viade desenvolvimento. Mas são apenas respostas parciais. Aindahá muito caminho a se percorrer.

M.P. – O PAPA PEDIU À COMUNIDADE INTERNACIONAL PARA NÃO ESQUE-

CER OS POBRES E RESTITUIR-LHES UMA ESPERANÇA DE VIDA. COMO CADA UM

DE NÓS PODE FAZER ALGUMA COISA PARA RESPONDER A ESSE CONVITE?

N.R. – Estamos muito agradecidos ao Papa por esse apelo. É im-portante que todos os que o ouviram entendam que é verdadeira-mente fácil mudar as coisas. Basta um euro para assegurar o ali-mento a uma criança na escola por uma semana, e apenas 20 cen-tavos por dia para encher o seu prato de alimento. Até quem nãovive na abundância pode mudar a vida de uma criança garantindo-lhe, com apenas 35 euros, um ano de alimentação escolar. Todasas informações se encontram no nosso sítio www.wfp.org. Obvia-mente, quem dispõe de mais meios pode fazer mais.

M.P. – SEGUNDO A SENHORA, OS GOVERNOS DO MUNDO, QUE DESTI-

NAM TRILHÕES DE DÓLARES PARA O RESTABELECIMENTO FINANCEIRO, NÃO

PENSAM EM UM PLANO DE SALVAÇÃO PARA A HUMANIDADE FAMINTA.

N.R. – É exatamente o que nós, do WFP pedimos. O mesmo mun-do que pôde encontrar, em poucas semanas, trilhões de dólarespara o resgate de bancos e instituições de investimento financei-ro, ainda não conseguiu encontrar meios de destinar 1% dessasoma às necessidades dos famintos. Com apenas três bilhões dedólares pode-se fornecer merenda escolar às crianças que têmfome. Cinco bilhões de dólares ajudariam a financiar as interven-ções de emergência do WFP no nordeste africano e nos outros 70países onde atuamos. Acredito que seja importante colocar ospolíticos frente aos valores implícitos nas suas escolhas.

M.P. – PODE-SE SAIR DESSE ESTADO DE COISAS?

N.R. – Acredito que seja possível aliviar a fome no mundo. Apesarde tantos problemas, a fome não requer novas tecnologias. Sabe-mos como resolvê-la. Sabemos como cultivar, como distribuir oalimento, como ajudar os governos a estabilizar as condições paraa segurança alimentar. Se isso não acontece não é por falta decapacidade, mas de vontade política: individual e coletiva. ■

Basta um euro para assegurar

o alimento a uma criança na

escola durante uma semana.

E apenas 20 centavos por dia

para encher seu prato

de alimento.

Foto: Zoriah

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Eles sobreviveram à chegada de Colombo, às doenças da Europa,

aos ditadores, a United Fruit Company e à febre da borracha.

Mas as prospecções petrolíferas, as empresas madeireiras e as

plantações de soja não só espantaram sua caça como a eles

próprios. Hoje, populações inteiras de nativos são obrigadas a

viver cada vez mais longe de suas terras de origem.

por Francisco Peregil

AMÉRICA LATINA:

INDÍGENAS EM RISCO

Ainda restam na América Latina cerca de500 povos indígenas (para eles, a palavra“tribos” soa pejorativa), com 43 milhõesde membros que representam 7,6% da po-pulação do continente. Várias dezenasdesses grupos nunca ouviram falar de Cris-to, nem de Mozart, nem da penicilina, nemdas Torres Gêmeas… A ONG Survival [So-brevivência] calcula que existam 40 des-ses grupos com os quais ninguém fez con-tato no Brasil, perto de 15 no Peru e um no

no limite da sobrevivência

Paraguai. Nessas comunidades de escas-sa ou nenhuma relação com o resto da so-ciedade é que se podem apreciar de formamais crua os estragos do consumismo dis-farçado de progresso.

Para ajudar os indígenas em uma batalhaem que eles têm toda a probabilidade deperder, pesquisadores como AlmudenaHernando, arqueóloga da UniversidadeComplutense de Madri, conviveu na Ama-zônia brasileira com povos como os Awás,também conhecidos como Guajás.

“Quando os funcionários brasileiros daFundação Nacional do Índio (Funai) de-tectam um awá perdido na selva, o trans-ferem para uma área legalmente demar-cada para indígenas, onde ninguém podeentrar. Mas os madeireiros acabam en-trando. Fazem um desmatamento muito se-letivo, que não pode ser detectado por fo-tos aéreas, porque cortam as árvores maisvelhas e deixam as jovens, que não têmvalor de mercado. E atrás deles vêm umexército de agricultores sem terra, que tam-bém não têm nada para subsistir. A forma

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INDÍGENAS:INDÍGENAS:

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Francisco Peregil – Editor do suplemento do-minical do jornal El Pais. Publicado no El Paíse em www.ecodebate.com.br (3/03/2009). Tra-dução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.Enviada pelo Fórum Carajás (http://www.rts.org.br)

que temos no Ocidente de combater essesabusos é pedir certificados de origem damadeira que se compra.”

“No último verão, os madeireiros seaproximaram a apenas três quilômetrosda área protegida. E quando chegar atemporada seca, em agosto, certamen-te se aproximarão cada vez mais. Quan-do caçávamos junto com os Awás, eles,que têm um ouvido muito apurado, pa-ravam ao escutar as serras mecânicas.Elas espantam a caça, sua única fontede subsistênica. Em 2006, a Funai le-vou para lá o exército e expulsou osmadeireiros; mas no ano seguinte, elesvoltaram.”

“A teoria no Brasil é muito boa. A leiprotege os grupos isolados, mas as inva-sões são constantes e não se faz nada paradetê-las. Por um lado, o governo cria umorganismo como a Funai para protegê-los e, por outro, implementa o Plano deCrescimento Acelerado, que projeta en-trar na Amazônia e construir estradas ecentrais elétricas. Além disso, o presidenteLula da Silva visitará Barack Obama emabril com o objetivo de vender mais bio-combustíveis aos EUA. Já tem em projetoa criação de mais usinas em terras rei-vindicadas pelos Guaranis. Além disso,o Congresso brasileiro está discutindoum projeto de lei que permitiria explorarem grande escala a mineração nos terri-tórios indígenas”, explica Fiona Watson,diretora da ONG Survival.

A Survival trabalha há vários anos com 35mil guaranis do Brasil.

“Esse foi um dos primeiros grupos queentraram em contato com os coloniza-dores brancos, há quase 500 anos, esobreviveu. Mas nos últimos 50 anos,por causa da expansão agrícola emMato Grosso, eles perderam quase to-das as suas terras e vivem em reservas,cercados pelas plantações de soja e decana-de-açúcar usada para fabricar bi-ocombustíveis [especialmente etanol”,indica Fiona Watson.

Teresa Aguilar Larrucea – que trabalha hávários anos com o fotógrafo Carlos DíezPolanco em diversos projetos junto a deze-nas de povos indígenas na América Latina– afirma que todos os indígenas com quemlidou sempre saíram perdendo em sua rela-ção com o homem branco.

“Quase não lhes é concedida a catego-ria humana. Os povos indígenas podemficar muito bonitos como cartaz turísti-co, mas ninguém quer tê-los por perto.Além disso, a sociedade branca expro-pria suas terras, sob a alegação de quenão são cultivadas e, portanto, impro-dutivas. Mas qual é o conceito de produ-tividade? O indígena tem nelas sua lojae sua farmácia, e delas tira benefício. Hámilhares de anos eles convivem em har-monia com a natureza. Deveríamosaprender com eles.”

Apesar do pessimismo com que AguilarLarrucea vê o futuro dos povos indíge-nas, ainda encontra sinais de esperança:

“A Venezuela é um claro exemplo do piore do melhor. Os índios Caracas viviamno centro do país e, agora, no centronão resta nenhum: todos se deslocarampara a Amazônia e para a fronteira. Noentanto, a Venezuela foi um país pionei-ro na luta pelos direitos dos nativos aocriar o Ministério dos Povos Indígenase colocá-lo nas mãos de Nicia Maldo-nado, que é indígena Yecuana. Por quea Funai do Brasil não tem dirigentes in-dígenas?”, questiona Larrucea.

“Com Hugo Chávez – pondera Larrucea– os indígenas adquiriram mais consci-ência de raça e de dignidade. Não escon-dem mais suas origens e cada vez maisos censos registram maior número de in-dígenas. Mas, por ser um novo ministé-rio, ele não alcança todos os povos indí-genas aos quais deveria chegar.”

Para Aguilar Larrucea, por trás dessa aver-são da sociedade branca ao aborígine es-conde-se um complexo racial e cultural.

“Os brancos querem afirmar sua pureza re-negando o mestiço, e o mestiço renega o

indígena. Vi, em alguns povoados, indiví-duos que negavam seus irmãos mais mo-renos porque deles se envergonhavam.”

UMA LÍNGUA PARA DOIS HOMENS

Procurando na Wikipédia “línguas tupis-gua-ranis”, a primeira que aparece em uma listade 53 chama-se Aura. Sua cobertura geográ-fica é o estado brasileiro do Maranhão. Onúmero de falantes é reduzido – apenas dois,ambos conhecidos da arqueóloga Almude-na Hernando, que assim relata o triste desti-no dos derradeiros Aura:

“A Funai forneceu a esses dois umacabana junto a um posto indígena ondevivem índios Awás. Por falarem uma lín-gua que ninguém conhece, a dupla re-cebeu os nomes de Auré e Aurá. Pare-cem ser os últimos representantes de umgrupo que deve ter sido massacrado.”

“A Funai os contatou quando estavamperdidos e sós. Nenhum lingüista conhe-ce a língua que falam. Os dois remanes-centes foram transferiram para longe daterra onde foram encontrados. Quando al-guém deles se aproxima, eles contam mui-tas coisas que não se consegue entender.E quando se adentra a cabana dos dois,fica-se completamente chocado: as vigasque sustentam o teto de palha servem desuporte para centenas de flechas compontas envoltas em folhas e amarradas emraízes”, continua Hernando.

“Auré e Aurá passam os anos de exílio edeslocamento fazendo flechas e mais fle-chas. Um exercício inútil do ponto de vis-ta funcional, pois já não as usam mais.Mas, imagino que isso lhes sirva de tera-pia para neutralizar o trauma de teremsido arrancados de sua terra e de seumodo de vida. Talvez façam flechas comomecanismo de segurança. Quando tudoafunda sob pés, o indivíduo introduz amenor quantidade de mudança em suavida para manter sua integridade, parasaber quem é. É isso que esses dois ho-mens fazem. É impressionante ver a ca-bana neuroticamente organizada. Per-cebe-se o horror em que devem viver mui-tos desses grupos no momento do conta-to com o branco.”

Povo Baré, Comunidade Nova Esperança,rio Cuieiras, Amazonas. Foto: Zanini H.

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por Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais

O desmatamento da Amazônia – que constitui a maior fonte de emissões de

CO2 de nosso país – envolve uma complexa cadeia de responsáveis. Segundo

dados apresentados neste artigo, a política governamental de reforma agrária

e de assentamento agrícola é responsável direta e indiretamente pela

devastação florestal pelo agronegócio.

DESMATAMENTO E ALTERAÇÃO CLIMÁTICA

O padrão de desenvolvimento atual vem seaprofundando em função de modelos de pro-dução, comercialização e consumo em largaescala sustentados por atividades em largaescala e fundamentalmente intensivas. Sãotais atividades que têm acarretado o maiorproblema que paira sobre a humanidade de-savisada: o aumento das concentrações degases de efeito estufa na atmosfera, respon-sáveis pela mudança climática.

Uma dessas atividades econômicas indus-triais é o desflorestamento – geralmentepara obter madeira e/ou ganhar terras paraa criação industrial de gado ou para a plan-tação industrial de monoculturas (comes-tíveis, combustíveis ou árvores).

Toda vez que a vegetação se queima ou sedecompõe, ela libera o carbono contido nassuas folhas e caules, emitindo-o na formade dióxido de carbono – um dos gases que

provocam o efeito estufa. Quando a quei-mada advém de um processo natural, o re-brote equilibra a emissão neta de carbono.Mas, quando se desmata uma floresta e seproduz uma mudança no uso da terra, háum aumento enorme na concentração at-mosférica de dióxido de carbono.

O desmatamento implica a eliminação totalda biomassa da terra das florestas, incluídosos troncos das árvores, os tocos e as raízes.

Amazônia devastada. Foto: Sam Beebe

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desflorestamento

Agronegócio, assentamentos e

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Cidadania&MeioAmbiente 15

REFERÊNCIAS:1 – “Cropland expansion changes deforestationdynamics in the southern Brazilian Amazon”,em www.pnas.org2 – Texto extraído e adaptado de: “A Amazôniae a reforma agrária de novo no banco dos réus”,w w w. a d i t a l . c o m . b r / s i t e / n o t i c i a . a s p ?lang=PT&cod=35400

Fonte: Artigo publicado no Boletim número136 do Movimento Mundial pelas FlorestasTropicais – www.wrm.org.uy/boletim e emwww.ecodebate.com.br (20/09/2008).

A conversão das terras de floresta em culti-vo agrícola industrial as deixa menos eficien-tes para absorverem carbono do ar.

REFORMA AGRÁRIA E AGRONEGÓCIO

Atualmente, a maioria das emissões ne-tas do desflorestamento acontece nasregiões tropicais, e a expansão da agri-cultura mecanizada em larga escala é umdos fatores mais importantes da perdade floresta. Segundo dados da PNAS1,nos nove estados da Amazônia brasilei-ra, a agricultura industrial aumentou em36.000 km2 e o desflorestamento totali-zou 93.700 km2 no período 2001–2004. Orelatório revela que a intensificação daagricultura industrial para a produção deculturas comerciais em larga escala –como a soja – se fez às expensas do des-florestamento da Amazônia, que atual-mente constitui a maior fonte de emis-sões de CO

2 do Brasil.

Por outro lado, o desmatamento é geral-mente resultado direto ou indireto de polí-ticas governamentais. Assim surge – em-bora não à primeira vista – a informaçãofornecida no Brasil a respeito do aumentodo desflorestamento da Amazônia em agos-to de 2008: 75.600 hectares contra 32.300de julho. O Ministério do Meio Ambienteapresentou uma lista dos “100 maiores des-florestadores entre 2005 e 2008, em que osseis primeiros colocados são assentamen-tos do Instituto Nacional de Colonizaçãoe Reforma Agrária (INCRA) – dado que foirecebido com um grande sorriso amarelopelo agronegócio.

O professor brasileiro Arivaldo Umbelinode Oliveira, da Universidade de São Paulo,expõe de um jeito muito revelador as ra-zões que se escondem trás desses núme-ros, e afirma que a política agrária oficialestá no banco dos réus. Abaixo, as ponde-rações de Oliveira.

■ Por decisão política de não enfrentar osintegrantes do agronegócio que fazem partede sua base de apoio parlamentar, o governonão tem feito a reforma agrária nas áreas ondeestão concentrados os acampamentos,preferindo concentrá-la na Amazônia.

■ Um total de 307 mil famílias teriam sidoassentadas na Amazônia Legal entre 2003e 2007. Aqui reside a primeira razão paraseparar a defesa da reforma agrária da de-fesa da política implementada pelo INCRA.

A reforma agrária deve continuar sendodefendida, pois é o caminho para se che-gar à soberania alimentar. Porém, a políticado INCRA, esta não. Ela deve ser severa-mente criticada pelo equívoco que contém,em não assumir a necessidade da reformaagrária em todo o país.

■ A política de reforma agrária do INCRA

está marcada por dois princípios: não fazê-la nas áreas de domínio direto do agrone-gócio e fazê-la nas áreas onde ela possa“ajudar” na expansão do agronegócio. Ouseja, a política de reforma agrária do go-verno atual está definitivamente acopladaà expansão do agronegócio no país. Aquiestá a segunda razão para separar a defesada reforma agrária da defesa da políticaadotada pelo Incra.

■ Os assentamentos dos seis municípiosdo estado de Mato Grosso, campeão ab-soluto do desmatamento na Amazônia,estão localizados exatamente em uma dasfrentes de expansão territorial da pecuá-ria de corte de bovinos. O INCRA, portan-to, tem culpa sim, pois não tem política deacompanhamento destes assentamentos.Neles, é comum os assentados “vende-rem” ilegalmente seus lotes para o agro-negócio, que, para “comprá-los”, os que-rem totalmente desmatados. Agem assim,

porque, dessa forma, a responsabilidadedo desmatamento é do assentado e doINCRA. Ou, então, usam de outro expedi-ente: cedem cabeças de gado para seremcriadas em parceria com os assentados.Em qualquer um dos casos, a floresta éposta abaixo para dar lugar às pastagense à pecuária.

■ O mesmo processo ocorre nos assenta-mentos implantados no município de Co-triguaçu. Eles ocupam uma área total de141 mil hectares. Segundo o Ministério doMeio Ambiente, mais de 46 mil hectares deflorestas foram derrubados para dar lugaràs pastagens e à pecuária bovina de corte.No assentamento Bordolândia o quadro éidêntico.

■ Já no município de Querência estão as-sentamentos que somam uma área de 101mil hectares, e no município de Nova Ubi-ratã os assentamentos ocupam 48 mil hec-tares. Estes dois municípios estão nas fren-tes de expansão territorial da pecuária decorte e da soja. Neles, o desmatamento demais de 30 mil hectares ocorreu em funçãoda pressão do agronegócio do boi e dasoja em regiões onde o desmatamento épraticamente total. É óbvio que este pro-cesso não se deu sem a participação ouomissão do Incra.

■ Cabe também, neste contexto, criticar aforma de divulgação dos dados que o Mi-nistério do Meio Ambiente fez, pois, nalista, junto com proprietários individuais,estão assentamentos integrais, o que criauma ilusão de que a responsabilidade é dareforma agrária, o que não é verdade. Quan-do se divide o total desmatado pelo núme-ro de famílias assentadas, verifica-se queele é em média menos de 70 hectares. Por-tanto, os maiores desmatadores da Ama-zônia Legal continuam sendo os grandespecuaristas e produtores de soja, grileirosde terra ou não.”2. ■

Foto: World Bank Collection

A política de

reforma agrária do

governo atual está

definitivamente

acoplada à

expansão do

agronegócio

no país.

Cidadania&MeioAmbiente 15

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O aumento dos níveis de CO2 na atmosfera e seus impactos nos

oceanos já estão branqueando os recifes de coral e podem,efetivamente, ameaçá-los de extinção.

Pesquisadores do Carnegie Institution e da Hebrew University of Jerusalem alertam que se a concen-

tração de CO2 dobrar em relação aos ní-

veis pré-industriais, os recifes de coral nãoapenas irão parar de crescer, como podementrar em extinção.

O aquecimento global e os níveis de CO2 na

atmosfera impactam os recifes de coral emrazão da acidificação os oceanos (pelo CO

2) e

do aumento na temperatura da água (peloaquecimento global). Estudos anteriores jáhaviam demonstrado que a acidificação e oaumento da temperatura da água inibem ocrescimento dos recifes. Mas a presentepesquisa é a primeira que avalia a possibili-dade de os corais iniciarem um processo irre-versível de dissolução em poucas décadas,se os níveis de CO

2 na atmosfera não forem

reduzidos rapidamente.

Os resultados do estudo foram apresen-tados, no dia 25/02/2009, pelo pesquisa-dor Ken Caldeira, do CarnegieInstitution’s Department of Global Eco-logy, em audiência na Câmara de Repre-sentantes (Câmara dos Deputados) noCongresso norte-americano (U.S. Houseof Representatives Subcommittee on In-sular Affairs, Oceans and Wildlife , theCommittee on Natural Resources)2.

RECIFES de CORAL

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por Geophysical Research Letters

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Cidadania&MeioAmbiente 19

BAHIA: BRANQUEAMENTO DESDE 1993

A partir de 1993, foram registrados vários eventos de branque-amento de coral na Bahia, com recuperação total dos coraisafetados. O primeiro registro ocorreu em Abrolhos, no verãode 1993/1994, quando o percentual de colônias branqueadasvariou entre 50 e 90 por cento. No verão de 1997/1998, ocor-reu no Litoral Norte da Bahia uma anomalia térmica de 1 ºC,com temperaturas medidas no campo de 29 a 30,5 ºC, o quecausou branqueamento em 60 por cento dos corais.

De 1998 a 2005, foi observado que nos recifes costeiros,localizados muito próximos (<5 km) ou adjacentes à costa, apermanência de anomalias térmicas de 0,25 ºC por mais deduas semanas causou branqueamento em mais de 10 porcento dos corais. Porém para os recifes de Abrolhos, locali-zados a mais de 10 km da costa, apenas anomalias acimade 0,50 ºC, com duração de mais de duas semanas, causa-ram branqueamento em mais de 10 por cento dos corais.

As espécies mais freqüentes nos recifes costeiros – Mussis-milia hispida, Siderastrea spp., Montastraea cavernosa, Aga-ricia agaricites e Porites astreoides – foram as mais afeta-das pelo branqueamento. Todas as espécies apresentaramdiferentes graus de branqueamento (“fraco” ou “forte”).

Nos recifes da Bahia há forte relação entre o branqueamentode corais e os eventos de anomalias da temperatura da su-perfície do mar (TSM) Os recifes costeiros foram os mais afe-tados pelo branqueamento, já que estão mais expostos aosefeitos dos impactos provenientes de processos que ocorremno litoral. Tal fato sugere que, muito provavelmente, os co-rais mais expostos a níveis elevados de nutriente e sedimentoe a variações sazonais mais altas da TSM podem estar maisresistentes aos efeitos pós-branqueamento como, por exem-plo, doenças infecciosas e mortalidade em massa.

Fonte: Branqueamento de corais nos recifes da Bahia e sua relação comeventos de anomalias térmicas nas águas superficiais do oceano. Auto-res: Leão, Zelinda Margarida Andrade Nery; Kikuchi, Ruy Kenji Papa de;Oliveira, Marília de Dirceu Machado de. Em: Biota neotrop. (Online, Ed.port.); 8(3):69-82, jul.-set. 2008. ilus, graf, map, tab.

Os pesquisadores trabalharamem diversos modelos climáticos– que simularam os efeitos datemperatura e da química da águados oceanos – para avaliar os im-pactos nos recifes de coral. Osvalores de CO

2 na atmosfera, para

fins de simulação, utilizaram con-centrações de 280 ppm (da fasepré-industrial) até 750 ppm, dopior cenário possível.

Em 2008 foi estimado que a atu-al concentração de CO

2 na at-

mosfera já supera 380 ppm econtinua subindo.

Com base no modelo desenvolvi-do, foram avaliados os impactosem 9.000 recifes. Na maior con-centração estudada (750 ppm), aacidificação da água do mar redu-ziria a calcificação de três quartosdos recifes globais a menos de20% da concentração pré-indus-triais. Esta taxa seria insuficientepara os recifes poderem compen-sar a dissolução natural e outrosprocessos degenerativos.

Os pesquisadores, no entanto,acreditam que a situação podeser ainda pior se os efeitos debranqueamento dos corais fo-rem considerados no modelo

NOTAS DO EDITOR:1 – Estudo publicado na edição de 13/03/09 da Geophysical Research Letters(http://www.agu.org/journals/gl/).2 – Acesse o depoimento no originalem http://resourcescommittee.house .gov/ index .php?opt ion=c o m _ j c a l p r o & I t e m i d =51&extmode=view&extid=224

estudado. O branqueamento docoral (bleaching) se refere àperda de algas simbióticas es-senciais ao crescimento saudá-vel dos recifes de corais. O bran-queamento já é um problemageneralizado e o aumento datemperatura é um dos principaisfatores conhecidos.

Segundo o modelo de simula-ção utilizado, os pesquisadoresestimam que, nas atuais condi-ções, cerca de 30% dos recifesjá sofrem o branqueamento eque, em níveis de CO

2 de 560

ppm (o dobro dos níveis pré-industriais) os efeitos combina-dos da acidificação e do bran-queamento irão reduzir as taxasde calcificação dos corais detodo do mundo em 80% oumais. Esta taxa de calcificaçãotornará todos os recifes vulne-ráveis à dissolução, mesmo semconsiderar outras ameaçascomo a poluição. ■

Cidadania&MeioAmbiente 19

O gráfico apresenta as regiõesoceânicas com temperaturas aci-ma do normal, onde ocorrerá oprocesso de branqueamento decoral pela projeção SRES A2 (ten-dência corrente atual), atravésdos modelos PCM (aumento de1,7°C em 100 anos) e HadCM3(aumento de 3°C em 100 anos),em torno do ano 2035 (esquerda)e do ano 2055 (direita).Os dois modelos projetampara 2080 severo branquea-mento anual em mais de 80%dos recifes de coral tropicais.

Climate change and tropical coral reefs, scenariosfor bleaching events. (Fevereiro de 2008). EmUNEP/GRID-Arendal Maps and Graphics Library(http://maps.grida.no/go/graphic/climate-change-and-tropical-coral-reefs-scenarios-for-bleaching-events). Cartógrafo/designer: Hugo Ahlenius,UNEP/GRID-Arendal. Fontes: Donner, S.D.,Skirving, W.J., Little, C.M., Hoegh-Guldberg, O.,Oppenheimer, M. 2005. Global assessment ofcoral bleaching and required rates of adaptationunder climate change. Global Change Biologyvol, 11, 2251-2265.

MUDANÇA CLIMÁTICA E REFLEXOS NOS RECIFES DE CORAL TROPICAISCENÁRIOS PARA O FENÔMENO DO BRANQUEAMENTO

Estresse termal nos recifes de coral

Freqüência anual do grau de aquecimento mensal > 10,1-0,3 0,3-0,7 0,7-1,0

2030 - 2039

2030 - 2039

2050 - 2059

2050 - 2059Modelo HadCM3, cenário SRES A2a

Modelo PCM-PCM, cenário SRES A2a

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“consumo verde”

Não deveria ter acontecido dessaforma, embora os climatologistasjá tivessem nos alertado para o

fato de que os invernos europeus ficariammais úmidos e os verões mais secos. Porisso, não posso culpar a mudança climáticapelas inundações que tivemos na Europa,nem mesmo que elas sejam consistentescom os modelos matemáticos de simulação.Ainda assim, as enxurradas deixam vislum-brar o possível cenário de dificuldades queo futuro nos reserva, a menos que coloque-mos as coisas no seu devido lugar.

Com níveis do mar ascendentes e maiorprecipitação no inverno (lembremo-nos deque quando as árvores estão dormentes eo solo saturado há menos espaço para achuva escoar) tudo de que não precisa-mos é de uma inundação coincidir com umamaré alta primaveril para chegarmos à fór-mula do desastre total. Já vimos como asinundações localizadas podem paralisarserviços essenciais e sobrecarregar os deemergência. Mas os eventos ocorridos emjulho de 2008 sequer foram antecipados,não obstante as previsões avançadas emdoutas publicações (1). Neste momento, o

NÃO

embate político primordial é evitar o des-pedaçamento das capas de gelo da Groen-lândia e da Antártida Ocidental. A únicapergunta que deve ser feita neste momen-to sobre a mudança climática é o que fazer.

Dúzias de novos livros surgem para proveruma resposta: podemos salvar o mundo aoadotar estilos de vida melhores e mais eco-lógicos. Semana passada, por exemplo, o jor-nal The Guardian publicou um excerto donovo livro de Sheherazade Goldsmith, casa-da com o riquíssimo ambientalista Zac, e noqual ela nos ensina a viver dentro dos limitesda natureza (2). A receita é fácil: faça seuspróprios pão, manteiga, queijo, presunto,molhos e conservas; mantenha ao alcanceda mão uma vaca leiteira, alguns porcos, ca-bras, gansos, patos, galinhas, colméias, jar-dins e pomares. E então... o que você estáesperando para entrar nessa onda?

O livro de Sheherazade também é recheadode conselhos úteis, que a autora apresentade forma contida, sincera e bem informada.Mas não há uma única referência a açõesde mudança política para a questão. A idéiaé que pode-se salvar o planeta em sua pró-

pria cozinha – caso se tenha tempo e solocultivável disponível. Enquanto lia o artigono metrô, outro passageiro pediu para daruma olhada. Ele passou os olhos pelo textoe resumiu sua observação em poucas pala-vras: “Isso é para quem não trabalha.”

Nada disso importaria se o The Guardiannão tivesse dado destaque à foto da auto-ra uma semana antes, com a promessa queela iria nos ensinar a ser “verdes”. A ob-sessão da mídia com a beleza, a riqueza e afama banaliza os assuntos que aborda, masno tópico “política verde” a leveza atingeo ápice. Há um conflito de base entre ojornalismo de estilo de vida, que leva osleitores a sentirem-se bem consigo mes-mos (e que vende de tudo), e o ponto focaldo ambientalismo, que prega a moderaçãodo consumo. “Nenhuma das mudanças decomportamento aconselhadas represen-ta um sacrifício – nos ensina Sheheraza-de. “Ser consciencioso não significa abrirmão das coisas.” Ora, significa sim se,como ela, você tiver mais de uma casa,enquanto outros não têm nenhuma.

Por mais incômodo que essa atitude possa

mar o ambientalismo em capricho da elite.”

salvará a Terra

A adesão individual ao consumo

ecologicamente correto e

sustentável corre o risco de se

tornar nada mais que modismo

ou símbolo de status social, caso

não sejam atacadas as questões

político-ambientais cruciais que

estão desestabilizando o planeta.

O

por George Monbiot

Foto

: Kim

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Cidadania&MeioAmbiente 21

REFERÊNCIAS:1. Eg James Hansen et al, 2007. Climate Changeand Trace Gases. Philosophical Transactions ofthe Royal Society - A. Vol 365, pp 1925-1954.d o i : 1 0 . 1 0 9 8 / r s t a . 2 0 0 7 . 2 0 5 2 .http:pubs.giss.nasa.gov/docs/20072007_Hansen_etal_2.pdf2. Sheherazade Goldsmith (Editor in chief), 2007.A Slice of Organic Life. Dorling Kindersley, London.3. Sarah Lonsdale, 19th July 2007. Take the onlinetest to find out your footprint. Daily Telegraph.4 . h t t p : / / s h o p . t a n g o g r o u p . n e t / P D F / H -Racer%20002.pdf5.Ver http://www.lawsonfairbank.co.uk/pony-paddocks.asp

ser para a mídia e para os anunciantes, “abrirmão das coisas” é um componente essencialpara ser “ecológico”. A seção do livro deGoldsmith que aborda a compra ética acon-selha a opção alimentos orgânicos – apenasos produzidos na estação e obtidos de forne-cedores locais, que praticam a agricultura sus-tentável e a reciclagem. Mas não diz uma pala-vra sobre comprar menos.

O consumo verde está se tornando, à seme-lhante da varíola, numa epidemia planetá-ria. Se ao menos fôssemos estimulados atrocar as quinquilharias que compramos porcoisas menos prejudiciais, eu daria meuaval. Mas, na realidade, dois mercados pa-ralelos estão em desenvolvimento: um paraprodutos pouco éticos e, outro, para pro-dutos éticos. Só que a expansão do setorético pouco faz para impedir o crescimentoda contrapartida não ético. Por isso esta-mos nos afogando num mar de eco-lixo.Nos últimos seis meses, meus armários têmsido entupidos com sacolas de algodão or-gânico – recheadas de pacotes de chá deginseng, de sais de banho de jojoba... –,agora presentes obrigatórios em todo even-to ambiental. Eu mesmo já tenho, para o res-to de minha existência, um estoque de esfe-rográficas feitas de papel reciclado e meiadúzia de carregadores solares para energizargadgets que não possuo.

Na semana passada, o jornal The Telegraphexortou seus leitores a não abandonar a lutapela salvação do planeta. “Ainda há espe-rança, e as classes médias, com seus com-postadores e suas eco-coisas, liderarão acruzada”.(3) O jornal lançou algumas suges-tões úteis, como “um carro de corrida movi-do a hidrogênio”, o qual, por mais £74.99,chega dotado de painel solar, eletrolisador ebateria seca(4). Só Deus sabe os metais rarose os processos altamente devoradores deenergia que foram usados para fabricar aqui-lo. Em nome da consciência ambiental, sim-plesmente estamos criando novas oportu-nidades para o acúmulo de capital.

A compra ética corre o risco de tornar-se ou-tro símbolo de status social. Conheço pesso-as que compraram painéis solares e miniturbi-nas eólicas antes mesmo de providenciar oisolamento térmico de seus telhados. E assimagem porque, por um lado, adoram gadgets e,por outro, suspeito eu, porque seus seme-lhantes podem atestar o quanto eles são cons-cienciosos (e ricos). É-nos dito com freqüên-cia que ao comprarmos tais produtos somos

encorajados a pensar mais amplamen-te nos desafios ambientais. No entan-to, esse discurso é semelhante ao quenos despolitiza. O consumismo verdeé outra forma de atomização – um subs-tituto para ação coletiva. Nenhum de-safio político pode ser confrontadoatravés do ato de comprar.

As classes médias pespegam novosrótulos às suas vidas, felicitam-sepor assumirem uma atitude verde, econtinuam comprando e viajando deavião... como sempre.

É muito fácil criar-se uma situação emque todos compram religiosamenteprodutos verdes... mas, continuam au-mentando suas pegadas de carbono.

O consumo verde está

se tornando uma epidemia

planetária semelhante

à varíola.

”Alegam os consumistas verdes que a mai-oria das pessoas julga mais atraente omodo de vida verde do que o puro purita-nismo ecológico. Só que tal estilo tambémpode ser alienante. Conheço muitosinterioranos que aspira, gerir sua própriafazendola, mas que são excluídos do ne-gócio pelo que denominam “culturaequina”. Tradução: os pequenos lotes deterra que almejam e que seriam ideais paraa agricultura acabam transformados empaddocks de criação de pônei e em fazen-das de lazer. Quando os “novos fazendei-ros” se fantasiam de camponeses e pas-sam a ensinar os excluídos como fazer man-teiga, corre-se o risco de transformar o am-bientalismo em capricho da elite.

Ouse desafiar o novo consumismo verde evocê vira um estraga festa, o chato de plan-tão. Contra o novo e brilhante mundo deaspirações orgânicas é-se forçado a justa-por desagradáveis reflexões como, porexemplo: pegada de carbono, controle emitigação de emissões de CO

2, eliminação

de passivos ambientais, sustentabilidade,leis mais rígidas... Ora, nenhum suplemen-to dominical a cores publicará um artigosobre tais coisas. E também nenhuma es-trela do rock poderia viver confortavelmen-te somente com sua “ração de carbono”.

Mas as ações e o árduo longo embate po-lítico para trazer à discussão as “questõesdesagradáveis” vitais para evitar-se a ca-tástrofe que as inundações prenunciamvão muito além do brincar de ser verde.Somente quando as ações políticas ambi-entais forem implementadas é que o con-

sumismo verde tornar-se-á um substitutopara os gastos atuais, e não um suplemen-to. As “questões desagradáveis” são maisdifíceis de serem “vendidas” por não se-rem adquiríveis em catálogos de venda porcorreio. Teremos de fazer duras escolhaspolíticas e desafiar a elite econômica e seushábitos perdulários, e não paparicar-lhes.Então, quem sabe os multimilionários quecompraram a “agenda verde” não descu-bram, repentinamente, outra “urgente cau-sa para abraçar”? ■

George Monbiot – Autor dos best-sellers Heat:how to stop the planet burning; The Age ofConsent: a manifesto for a new world order eCaptive State: the corporate takeover of Britain,entre outros. Mantém uma coluna semanal nojornal inglês Guardian, e é professor conferen-cista e visitante das universidades de Oxford(filosofia), Keele (política), Oxford Brookes (pla-nejamento) e East London (ciência ambiental).É doutor horário pelas universidade de Essex, StAndrews e Cardiff. Artigo publicado noGuardian (24/7/2007) e em www.monbiot.com

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22

DA AMAZÔNIA PARA O MUNDO

É preciso chegar às 3 da manhã. A noite estáescura, a temperatura é agradável e o portode Belém fervilha. A cidade ainda dorme, mastudo que essa parte da Amazônia brasileirarecebe de riquezas desembarca aqui, no cais,em uma agitação confusa e colorida. Há de-zenas de variedades de frutas exóticas, legu-mes com formatos estranhos, peixes de águadoce de um tamanho desconcertante. E, aci-ma de tudo, há o açaí.

O açaí é o fruto de uma variedade de palmei-ra que prolifera na bacia amazônica. Ele écolhido em cachos bem no alto da árvore.Vermelho arroxeado puxando para o viole-ta, ele lembra o mirtilo ou o cassis pela suaaparência e seu tamanho, e o chocolate pORseu gosto. Mas, o mais surpreendente é queesse fruto, recentemente glorificado porsuas virtudes medicinais e nutritivas – al-gumas bem reais, outras imaginárias –, lan-çou-se à conquista dos países ricos. Servi-do sob forma de mingau por toda a Belém, oaçaí transformou-se ao emancipar-se da flo-resta amazonense. Ganhou forma de bebi-da, sorvete, biscoito, cápsula, bala e atémesmo bebida alcoólica. As grandes mar-cas de refrigerantes e as de cosméticos tam-bém se interessaram por ele.

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De prato popular das

ruas de Belém, Pará,

o açaí conquistou

as metrópoles brasileiras

e converteu-se em novo

nutracêutico disputado

no primeiro mundo

pelos consumidores

ávidos por energéticos

e antioxidantes.

por Jean-Pierre Tuquoi

o fruto da

AÇAÍ

globalizaçãoAntes, só era vendido em Belém. Hoje, podeser encontrado na Califórnia, no Japão, naAustrália, amanhã na Europa… Na Inter-net, os sites que propõem o novo elixir semultiplicam. “O açaí é o fruto da globali-zação”, resume a governadora do Estadodo Pará, Ana Júlia Carepa. “Amanhã, vocêpoderá encontrá-lo nas prateleiras do su-permercado, ao lado de garrafas de sucode abacaxi ou de maçã”, afirma o secretá-rio estadual da Agricultura, Cássio Pereira.Isso seria um pouco precipitado. Por en-quanto, o mercado é local, acima de tudo.

Todas as noites, no porto de Belém, sãoarrancados dos porões dos barcos milha-res de cestos, todos idênticos, cheios atéa borda de açaí colhidos na floresta. Elesse amontoam na plataforma esperando porcompradores. À medida que chegam, elesmergulham as mãos nos cestos, apalpamos frutos, provam as bagas, oferecem umpreço e negociam duro antes de fechar acompra. Às 9 horas, maços de notas dereais mudaram de mãos, e não há mais ne-nhum grão de palmeira para vender.

AS VIRTUDES TERAPÊUTICAS DO AÇAÍ

Em Belém, o açaí é o alimento básico ofereci-do por centenas de barracas, sinalizadas por

um minúsculo letreiro vermelho. A receita ésimples e econômica. Descascado e mistura-do com água em máquinas simples, ele virauma polpa que é misturada com mandioca oupeixe frito. “O açaí é um prato popular quemata a fome”, diz Reginaldo, dono de umminúsculo restaurante ao ar livre, no porto.“É bom para a saúde. Aqueles que colhemos frutos na floresta, longe de tudo, nuncaficam doentes”. Ainda que cause sonolên-cia, acredita-se que o fruto da “palmeira pi-not” seja um remédio contra a anemia, melho-re o desempenho sexual e esportivo, comba-ta certos tipos de câncer e favoreça a lutacontra o envelhecimento das células…

Os médicos recomendam dá-lo às crianças apartir dos seis meses. “Na verdade, quandoos bebês têm dois meses, os pais já o colo-cam na mamadeira”, garante o comercianteMario Maves, que abriu recentemente nocentro da cidade a primeira butique de luxoonde produz uma série de preparações.

Os benefícios do açaí são verdadeiros,mas a pequena baga não é a panacéiadescrita por alguns. Ana Vânia de Car-valho sabe bem disso. Cientista de for-mação, a jovem dirige um departamentode pesquisa na Embrapa.

Cidadania&MeioAmbiente 23

Jean-Pierre Tuquoi – Jornalista do Le Mon-de. Artigo publicado (06/03/2009) e no UOLNotícias (tradução de Lana Lim).

“Os estudos científicossobre o açaí são recen-tes, e os resultados ain-da fragmentares. Aspesquisas foram reali-zadas em laboratório,com animais, mas ain-da não com humanos.Os primeiros resulta-dos mostram que o açaífaz parte dos frutos comforte concentrqação deantioxidantes, quecombatem o envelheci-mento precoce. Tam-bém é rico em fibras, eé alimento muito ener-gético, recomendadopara desportistas. Asoutras vantagens quelhe são atribuídas nãose baseiam em dados ci-entíficos sérios. O açaíestá na moda. Em gran-de parte, é um produtode marketing”, senten-cia Ana Paula.

FRUTO DÍNAMO

DA ECONOMIA PARAENSE

No entanto, seu sucesso é um caso típi-co. Há três anos, o açaí era um produtocuja fama não ultrapassava o nordeste doBrasil. Em seguida, ele tornou-se a bebi-da fetiche dos desportistas do Rio de Ja-neiro, e conquistou, sob forma de sorbet,as praias de Copacabana e de Ipanema.Desde então, a moda chegou à Califórniae à Flórida. Puro ou misturado a outrasfrutas exóticas, o açaí é mais freqüente-mente vendido em garrafas – pelo mesmopreço que um vinho Bordeaux de grandesafra! – ou em saquinhos. O exportadopela empresa Belizza e comercializado naCalifórnia resume bem as vantagens atri-buídas ao açaí. A embalagem de plásticoevoca uma bebida “recheada de antioxi-dantes, lotada de vitaminas e que forne-ce às pessoas ativas energia durante ho-ras, e não minutos”.

Esse sucesso nos mercados estrangeiros éótimo para os industriais locais. Ex-funcio-nário do Incra (Instituto Nacional de Colo-nização e Reforma Agrária), enviado ao Paráà época da construção da rodovia Transa-mazônica, Ben-Hur Borges, hoje voltadopara os negócios, é um deles. Há cerca de

dez anos, ele criou uma pequena empresade produção de açaí, a meia hora de barcodos grandes bancos instalados no centrode Belém. Conta Ben-Hur:

“Eu mal tinha 35 hectares para explo-rar, e vendia por todo o Brasil. Depois,os americanos chegaram e comparamtoda minha produção. Fui o primeiroexportador da região. Hoje, envio maisde 100 mil toneladas de açaí por anopara toda parte. Vendo para os Esta-dos Unidos, a Nova Zelândia, qual-quer país do norte da Europa, a Suíçae a Grã-Bretanha há dois anos. Pormeio de Portugal, nosso antigo colo-nizador, vou chegar no sul da Europa.O mercado está em plena expansão”.

A empresa do ex-funcionário, a AmazonFruit, emprega centenas de agricultores.No auge da estação, entre novembro emarço, ela emprega quase 50 pessoas nausina de produção em Murutuku, uma pe-quena ilha no delta do Amazonas. Ao mes-mo tempo ultramoderna e antiquada, aempresa vale ser visitada, com sua rede detrilhos de ferro – ou melhor, trilhos de ma-deira – para transportar a matéria-prima.Em suas instalações de uma limpeza exem-plar, a polpa da fruta é congelada em gran-des tonéis antes de ser exportada. E umamáquina a vapor, de idade canônica, des-coberta toda enferrujada em uma antigaserraria, foi restaurada e voltou a traba-lhar. Queimando os caroços de açaí, elafornece energia à usina, à comunidade lo-cal e à escola vizinha.

O açaí revolucionou o mercado da regiãode Murutuku, como conta Conta Ben-Hur:

“Não há mais nenhum caso de desnu-trição. A região era pobre. A produ-ção do açaí permitiu seu crescimentoeconômico.”

É o mesmo que diz o secretário estadualda Agricultura, que sonha em desenvol-ver o setor que emprega quase um habi-tante em cada dez no Estado, e representa10% das exportações agrícolas do Pará.Informa Cássio Pereira:

“A prioridade é aumentar a produção.Das 500 mil toneladas colhidas a cadaano, pode-se passar a 700 mil tonela-das com a exploração de palmeiras si-tuadas em zonas recuadas. Quase todaa produção vem da floresta. Mas pode-mos fazer plantações de açaí e melho-rar as mudas com a genética”.

A governadora do Pará – estado com 2,5vezes a superfície da França – também pensanisso, no contexto de um programa de re-florestamento dessa parte da Amazônia (pro-jeto criticado por associações de defesa domeio ambiente, que temem a monocultura).A política socialista explica o projeto:

“Ao longo dos próximos cinco anos,prevemos plantar 1 bilhão de árvoresno Pará. Parte delas serão palmeirasque dão o açaí.”

Um futuro promissor… Mas a mania dosconsumidores dos países ricos pela peque-na baga roxa pode muito bem despertar oapetite de uma concorrência aindainexistente. Belém já viveu uma decepçãoparecida. Foi no fim do século 19. A cidade,como sua rival Manaus, vivia do monopó-lio da extração da borracha. A seringueirade onde ela é retirada não crescia em ne-nhum outro lugar. Até o dia em que os bri-tânicos conseguiram, com exemplares le-vados da Amazônia, aclimatar a árvore emsuas colônias na Ásia. O fim do monopóliohavia chegado e, com ele, o declínio deBelém. Será que a história se repetirá?

Outros estados do Brasil já começam acultivar a famosa palmeira. E delegaçõesda Colômbia, Suriname eBolívia se dirigemao Pará para aprender a tirar proveito daárvore mágica. Será que a Ásia não segui-rá esse caminho? A perspectiva não preo-cupa os dirigentes do estado, como reve-la o secretário estadual da Agricultura:

“A concorrência é uma coisa boa. Elanão nos assusta. Somos os melhores,mais competitivos. Sempre teremos umadistância de vantagem.”

A síndrome da borracha está distante. ■

A indústria do açaí

emprega quase um

habitante em cada dez

no estado e representa

10% das exportações

agrícolas do Pará.

”Açaizeiro em Marajó. Foto: Foodfreak

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24

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A presente reflexão sobre as

complexas relações entre

seqüestro e estocagem de

carbono pelas florestas e a

mitigação das mudanças

climáticas transcende as

particularidades geográficas dos

EUA, país espelho para esta

análise. Ao considerar dados

ambientais, políticos, sociais e

econômicos, o estudo abre

perspectivas à compreensão do

papel crítico da floresta na

regulação climática e indica

caminhos para conciliar a

preservação florestal às políticas

de desenvolvimento sustentável.

As florestas do mundo provêem importantes benefícios, tais como:■ Abrigar mais da metade de todas as espécies terrestres.■ Ajudar a mitigar o efeito estufa através do seqüestro e doarmazenando de carbono.■ Ser fonte de madeira para um sem número de produtos.■ Ser co-agente regulador do regime de chuva regional e/ou local.■ Constituir fontes vitais de alimento e de fármacos, além depurificar a água e de proporcionar benefícios de lazer, estéticos eespirituais a milhões de indivíduos.

Na função de importantes armazéns de estocagem global de car-bono, as florestas desempenham papel crítico no clima da Terra.As plantas e o solo regulam o ciclo de carbono global ao seqües-trar dióxido de carbono por fotossíntese. Embora a captação decarbono através de fotossíntese eventualmente decline com oenvelhecimento das árvores, muitas florestas maduras continuamseqüestrando carbono em seus solos.1,2,3

Mesmo com tantos atributos, em muitas regiões do planeta asflorestas estão sendo dizimadas rapidamente para a implantação

de agricultura ou de pastagem; destruídas pela mineração e de-gradadas por incêndios produzidos pela mão humana. Quando asflorestas são degradadas ou cortadas, o carbono nelas armazena-do é liberado novamente à atmosfera. O desmatamento tropical éresponsável por aproximadamente 20% de total de emissões degás carbono produzido pelo homem a cada ano, sendo o móbileprimário da extinção de espécies florestais4.

As florestas americanas são “reservatórios de carbono”, já queseqüestram mais carbono do que emitem. A razão fundamentalpara isso é que as florestas do nordeste americano, antes dizi-madas para a prática da agricultura, estão agora renascendo nasterras abandonadas. Outras razões para isso incluem a elimina-ção dos incêndios descontrolados, as mudanças das técnicasde corte de madeira e o forte crescimento das árvores nutridaspelas elevadas concentrações atmosféricas de CO

2. Embora in-

certo, acredita-se que o poder de seqüestro de carbono pelasflorestas da América do Norte tenha aumentado dos anos 1980para os 1990. Porém, a magnitude do seqüestro atual não podeser considerada uma salvaguarda para o futuro, já que muitos

por Union of Concerned Scientists

O Papel

nas MudançasClimáticas

das Florestas

24

Cidadania&MeioAmbiente 25

SEQÜESTRO DE CO2 PELAS FLORESTAS

Medidas de proteção, de revitalização e de manejo sustentável de florestas oferecem significativo potencial de mitiga-ção do clima. Além disso, as medidas de proteção das florestas podem constituir complemento efetivo às opções deemissão de combustível fóssil. A mitigação do efeito estufa baseada em florestas pode ocorrer através de três esratégias:

❚ Conservação das florestas existentes – Evitam-se as emissões de CO2 associadas à degradação ou abate florestal.

❚ Seqüestro via aumento da capacidade de absorção de CO2

– O que se dá primariamente pelo plantio deárvores; pela facilitação da regeneração natural das florestas, especialmente em terras marginais; e através de mu-danças na gestão dos recursos florestais com vistas a aumentar a biomassa.10

❚ Implementação de produtos sustentáveis – A substituição de produtos de madeira oriundos de exploração preda-tória por sucedâneos produzidos em manejo sustentável, e a substituição de biomassa vegetal por combustíveismenos agressivos ao meio ambiente como fonte de energia.11

Corretamente projetadas e implementadas, as diretrizes de utilização de florestas e do solo em prol da mitigação dosefeitos das mudanças climáticas também geram benefícios sociais e ambientais (por exemplo, a proteção da biodiver-sidade e das bacias hidrográficas; a promoção do emprego rural). No entanto, diretrizes pobremente projetadaspodem resultar, por exemplo, em efeitos sociais significativamente negativos e ambientalmente impactantes.12

dos processos fundamentais paratal objetivo podem minimizar oumesmo mudar.5

Nos trópicos, uma recente pesqui-sa científica revelou um fluxo de car-bono de aproximadamente zero.Isto é, as áreas tropicais estão emequilíbrio com respeito à troca decarbono. Tal fato sugere que nasflorestas tropicais o seqüestro decarbono ainda é suficientementegrande para compensar as emissõesde carbono associadas ao desma-tamento. No entanto, devido a da-dos atmosféricos e ecológicos es-cassos para as regiões tropicais, aincerteza acerca das informações ésignificativa.6

Sabe-se que ações pontuais para ouso das florestas e do solo têm po-tencial para garantir a redução em10-20% das emissões de carbonopor combustíveis fósseis projeta-das para 2050. Os esforços para au-mentar o armazenamento de carbo-no nas florestas norte-americanaspoderão resultar no seqüestro de40 a 80 milhões de toneladas métri-cas anuais adicionais de carbono,7

o equivalente a 3-5% de emissõesanuais por combustíveis fósseisnos EUA.8 No mundo, o maior po-tencial de seqüestro de carbono viaflorestas situa-se nas regiões tro-pical e subtropical.9

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: Kei

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Cidadania&MeioAmbiente 25

26

O PAPEL DOS MERCADOS NA MITIGAÇÃO

DO CLIMA COM BASE NA FLORESTAUm dos maiores obstáculos para a redu-ção da perda florestal advém do fato de osmercados não entenderem os valores debiodiversidade, seqüestro e armazena-mento de CO

2, de purificação da água e

de outros serviços ecossistêmicos ofereci-dos pelas florestas. As abordagens efici-entes para mudar a concepção negativado mercado em relação às benesses e ser-viços oferecidos pelas florestas advém dofato de os incentivos financeiros para der-rubar ou destruir as florestas serem, via deregra, mais alentadores do que os destina-dos à sua conservação, revitalização e usosustentável. Entidades como a UCS (Unionof Concerned Scientists: Citizens and Sci-entists for Environmental Solutions) apói-am as ações de mitigação do clima combase na floresta quando as empresas secomprometem a:

1. Assegurar a redução duradoura e verifi-cável da emissão de gases de efeito estu-fa, via desenho de ações que apresentemrespostas à potencial reversibilidade detais emissões. Por exemplo, uma mudançana gestão do uso do solo ou um evento deordem natural que possa liberar na atmos-fera o carbono armazenado no programaoriginal de seqüestro e estocagem.13

2. Criar incentivos para atividades benéfi-cas, tanto ambiental quanto socialmente.Florestas naturais não devem, por exem-plo, ser desmatadas para cultivo agrícola;nem os processos de “incêndios natu-rais” devem ser modificados para promo-ver a acumulação de biomassa. As políti-cas para conservar ou aumentar as flores-tas em prol do armazenamento de carbonotambém têm de considerar outros benefí-cios oferecidos pelas florestas. Em geral, omanejo para seqüestro e estocagem decarbono – via aumento da área florestal, da idade de floresta e dotamanho das árvores – pode gerar efeitos benéficos na biodiver-sidade e no funcionamento do ecossistema florestal.

3. Complementar, ao invés de substituir, as atividades que reduzememissões de combustível fóssil, pois ambas são essenciais à prote-ção do clima a longo prazo. O tempo, a magnitude e a extensão dasações implementadas para enfrentar as alterações climáticas viaprojetos de silvicultura devem levar em consideração fatores comocusto-efetividade relativo, quantidade e permanência de carbono,benefícios adicionais de ordem ambiental, social e econômica. Tudoisso deve figurar na decisão acerca das melhores políticas a seremimplementadas para reduzir as emissões dos gases de efeito estufa.Tendo em mente as vantagens e as limitações das decisões base-

adas no mercado, a UCS endossa o conjunto de ações e medidasespecíficas para que se alcance a mitigação da mudança climáticacom base na floresta.

DESMATAMENTO INTERNACIONAL VIA MECANISMO DE DESEN-VOLVIMENTO LIMPO (CDM) E OUTROS INVESTIMENTOS INTER-NACIONAIS DE PRESERVAÇÃO FLORESTALO Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (CDM / Clean Deve-lopment Mechanism), parte integrante do Protocolo de Kyoto,permite que os países industrializados invistam em projetos deredução de emissão de CO

2 em países em desenvolvimento, nos

quais a redução de emissões é, via de regra, a opção econômicamais eficiente. Sob a égide do CDM, os países desenvolvidospodem “comprar” as reduções de emissão certificadas de tais

Carbono emmadeira derrubada

Carbono da biomassa Carbono em dejetos e no solo

CARBONO ARMAZENADO PELAS FLORESTAS

Carbono armazenado na biomassa(árvores e plantas)

Bilhões de toneladas

Maiores emissores de CO2 via uso do solo,

alteração do uso do solo e floresta

91000 bilhões de toneladas

Inventário de Distribuição de Carbono

Percentual médio do inventário de carbono

26

Cidadania&MeioAmbiente 27

projetos (inclusive os de silvicultura) para alcançar seus própriosobjetivos de redução de emissões.

Em junho de 2001, na mesa de negociações sobre clima realiza-das em Bonn, Alemanha, os governos decidiram conceder cré-ditos de CDM a projetos de cultivo de árvores em países emdesenvolvimento, mas não aos que protegem as florestas exis-tentes contra as derrubadas e a degradação. A decisão aplica-se somente ao “primeiro período de compromisso” do Proto-colo de Kyoto (2008-2012). Desse modo, o acordo corrente dei-xa em aberto a decisão sobre a elegibilidade de outros projetosde uso de solo e de florestas (inclusive os desenhados parareduzir a velocidade do desmatamento) para créditos de CDM,a partir de 2012.

A decisão para limitar os créditos de CDM em projetos deplantio e reflorestamento elimina de modo perverso o financi-amento CDM para a ação mais importante que os países emdesenvolvimento e ricos em florestas poderiam efetivar parareduzir a velocidade das emissões e proteger a biodiversida-de, ou seja, proteger e conservar as florestas naturais amea-çadas. Os créditos para conservação de floresta do CDM(Mecanismo de Desenvolvimento Limpo) proveriam novos esignificativos fundos para o projeto de mitigação do clima epara as atividades conservacionistas naqueles países. A UCScolabora com cientistas, ONGs e gestores de políticas públi-cas para assegurar que ações efetivas de proteção das flores-tas ameaçadas tornem-se elegíveis no escopo de futuros fi-nanciamentos do CDM.

Os benefícios

diretos e indiretos

oferecidos pelas

florestas são

ofuscados

pelos incentivos

financeiros auferidos

com a derrubada

e a destruição

das florestas que,

via de regra,

são mais rentáveis

do que os destinados

à conservação,

à revitalização

e ao uso sustentável

das coberturas

florestais

do planeta.

“As projeções indicam que no futuro próximo, por volta de 2050,a capacidade de a vegetação absorver carbono terá sidoalcançada. O estresse provocado pelo aquecimento global e aproliferação de parasitas poderão, a partir daquela data, levar asflorestas mundiais a trocar de função: de armazenadoras de car-bono elas converter-se-ão em emissoras de carbono.” FrédéricDurand, Atlas Environnement du Monde Diplomatique, 2007.

Esta é uma das maiores críticas dirigidas aos projetos de desenvolvi-mento de seqüestro de carbono patrocinados pelo Protocolo de Kyoto

Bilhões de toneladas

Carvão estocado pela vegetação

Inventário de carbono até 2100

P r e v i s ã o

Carvão estocado pelo solo

Fonte: Carbon inventory. (2008). Em UNEP/GRID-Arendal Maps and Graphics Library – http://maps.grida.no/go/graphic/carbon-inventory -Cartógrafo/designer: Emmanuelle Bournay, UNEP/GRID-Arendal.

“As florestas desempenham papel vital no ciclo do carbono global ao estocar quasemetade do CO2 terrestre do planeta (Millenium Ecosystem Asessment, 2005).Quan-do as florestas crescem, elas subtraem dióxido de carbono da atmosfera e o arma-zenam nas árvores e no solo. Quando as florestas são destruídas, boa parte daquelecarbono estocado é liberado, quer imediatamente se as árvores são queimadas ou,mais lentamente, no caso da matéria orgânica decair naturalmente.”Earth Trends Update, Abril de 2008.

INVENTÁRIO DE CARBONO

Fontes: Atlas Environnement du Monde Diplomatique, 2007; Global Forest Resources Asses-sment 2005; Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO); Hadleyclimate research unit, 2007; World Resources Institute (WRI), Earth Trends EnvironmentalInformation Portal,2008; World Resources Institute, Climate Analysis Indicators Tool, 2008.

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Está em estudo no Congres-so norte-americano uma legis-lação que permita às empre-sas nacionais com créditos tri-butários investir em projetosinternacionais em mitigação damudança climática baseadosem florestas, e que objetivema proteção da biodiversida-de.14 A aprovação de tal legis-lação poderia gerar projetosque avalizariam experiências econfiança às ações de mitiga-ção climática nos países emdesenvolvimento.

ESTABELECIMENTO DE UM MER-CADO DE CARBONO QUE RE-CONHEÇA OS VALORES DOCO

2 FLORESTAL DOMÉSTICO E

QUE CRIE FORTES INCENTIVOSPARA A REDUÇÃO DAS EMISSÕESNOS EUA ATRAVÉS DA PROTE-ÇÃO E DO RESTABELECIMENTODAS FLORESTAS NATURAIS.

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Quer o governo dos EUA ratifiquem ou não o Protocolo de Kyoto,ele deveria implementar os limites obrigatórios às emissões decarbono e criar um amplo mercado de carbono doméstico equiva-lente ao estipulado pelo Protocolo. Tal disposição permitiria aomercado maior flexibilidade para desenvolver meios eficientes einovadores de adequação aos limites de emissão obrigatórios.

Ações voluntárias recompensadas por créditos tributários ououtros incentivos governamentais podem servir como medida in-terina para os créditos comercializáveis de redução de emissõesem base florestal. Semelhante a outros programas federais queremuneram projetos de conservação privados (como o Conserva-tion Reserve Program15), várias propostas legislativas em análiseprevêem incentivos para o seqüestro de CO

2 voluntário ou para

projetos de redução de emissão em terras particulares.16 As açõespotenciais incluem reflorestamento e mudanças das práticas agrí-colas que levem ao aumento da estocagem de carbono no solo.Infelizmente, a elegibilidade dos projetos de redução das emis-sões de carbono que protegeriam as florestas norte-americanasdas práticas destrutivas do corte ainda é incerta.

Medidas para promover o seqüestro de carbono voluntário emflorestas privadas e em terras agrícolas poderiam ser um meioeficiente para aumentar a participação de agentes e ensinar aosfazendeiros e proprietários de floresta a mitigar as mudançasclimáticas. Além disso, medidas voluntárias servirão para galva-nizar um maior reconhecimento do papel do uso do solo no cli-ma. A sedimentação da confiança em relação a essa perspectivarequer regras rigorosas para assegurar que as ações voluntáriasresultem em reduções mensuráveis do CO

2 atmosférico e em ou-

tros benefícios ambientais. Sem um verdadeiro “guarda-chuvaeconômico para as emissões de carbono”, as medidas voluntá-rias interinas correm o risco de fracassar no mercado de produ-tos e serviços florestais.

ADMINISTRAÇÃO DAS FLO-RESTAS DE CORTE EM FUN-ÇÃO DO CO

2 E DE OUTROS

VALORES AMBIENTAIS.As florestas originalmente ex-ploradas para madeira de cortetambém podem voltar a ser ge-ridas em função da mitigaçãoclimática e de outros valoresambientais. Expandir a área flo-restal pela regeneração das es-pécies nativas; deixar que asárvores cresçam mais; empregarmétodos que reduzam os danose os desperdícios; e manter áre-as de conservação dentro dasflorestas produtivas: tais açõespodem garantir, a longo prazo,a quantidade de carbono arma-zenado. Essas opções de ges-tão florestal estendem seus efei-tos benéficos à biodiversidadee a outros ecossistemas funda-mentais, como a manutenção debacias hidrográficas.

A restauração das florestas também tendem a melhorar a qualida-de do habitat, especialmente para pássaros e mamíferos. Ao sepermitir que as árvores atinjam a maturidade, antes de serem co-mercialmente aproveitadas, aumenta-se a diversidade estruturalsilvestre e garante-se o habitat para vasta gama de espécies ve-getais. As florestas saudáveis que retêm suas diversidade e com-plexidade naturais em idade e estrutura de habitat apresentammaior estabilidade e vitalidade para resistir às perturbações asso-ciadas às mudanças climáticas.17

As árvores crescem depressa quando são jovens; mas, seu cres-cimento perde velocidade com o amadurecimento. Para aumentaro armazenamento de carbono ao longo dos anos, o abate deveocorrer quando a taxa de crescimento anual cair abaixo da taxa decrescimento usual. Devido ao fato de as madeireiras sofrerem oforte incentivo econômico de corte das árvores quando a cotaçãoda madeira está em alta, muitas florestas são abatidas antes deatingirem sua idade ótima. Espaçar o tempo entre os cortes oupreservar as árvores mais velhas para cortes posteriores podeaumentar significativamente os estoques de carbono.17 A criaçãode um mercado de carbono e de normas reguladoras estritas po-deria prover incentivo financeiro para alongar os ciclos do abateflorestal. A redução de danos às árvores não cortadas e a nãoperturbação do solo florestal durante as operações também po-dem reduzir substancialmente as emissões de CO

2.18. As vanta-

gens da silvicultura de baixo impacto ambiental garantem imedia-tos benefícios em termos de carbono, com custo modesto e me-nor risco de incêndios.19

CARBONO FLORESTAL: CRESCIMENTO, CORTE, DECAIMENTO,PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DE FLORESTAS MADURAS VIAADMINISTRAÇÃO DO CORTE E DA BIOMASSA.Há uma crença difundida e inexata de que o abate de florestas

A gestão da florestra de corte segundo osparâmetros de sequestro e de armazenamento

de CO2

garante a integridade da biodiversidadelocal e a manutenção de bacias hidrográficas.

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maduras e sua substituiçãopor árvores de crescimentomais rápido beneficiarão o cli-ma ao seqüestrar CO

2 atmos-

férico. Enquanto as árvoresmais jovens crescem e se-qüestram carbono mais rapi-damente, o destino do carbo-no estocado quando árvoresmaduras são cortadas nãodeve ser desconsiderado.Quando uma floresta é corta-da, parte de seu carbono per-manece armazenado duranteanos ou décadas nos produ-tos fabricados com sua ma-deira. Mas também são libe-radas grandes quantidadesde CO

2 na atmosfera – de for-

ma imediata pela perturbaçãodo solo florestal e, com o pas-sar do tempo, pela decompo-sição de folhas, galhos e dosrestos da produção de madei-ra. Um estudo mostrou queaté mesmo quando a estocagem de carbono em produtos de ma-deira é considerado, a conversão nos últimos 100 anos de 5 mi-lhões de hectares de floresta madura em área agricultável, na re-gião do Noroeste do Pacífico americano, resultou no aumento demais de 1,5 bilhão de toneladas de carbono na atmosfera.20

O uso de produtos florestais como fonte de energia de biomassapode representar um conflito entre mitigação climática e outrosobjetivos ambientais. Isso se deve ao fato de haver uma relaçãoentre deixar-se o carbono na floresta em pé e produzir-se um fluxosustentável de biomassa lenhosa renovável, que pode ser usadapara produzir energia (em vez de combustíveis fósseis) ou materi-ais de construção (em vez do aço e do alumínio, altamente consu-midores de energia). Enquanto a estocagem de carbono florestalrende benefícios climáticos, uma maior mitigação pode ser conse-guida com o passar do tempo através da gestão florestal para aprodução e o uso a longo prazo de biocombustíveis. A exploraçãoflorestal para biomassa somente deve ser uma opção quando po-dem ser evitados os efeitos danosos à biodiversidade.

Florestas maduras e áreas florestais de reconhecido valor paraconservação devem ser totalmente protegidas. Até mesmo caute-losas ações de silvicultura comercial em florestas de alto valor deconservação impõem custos significativos a outros elementos deseu ecossistema no tocante à conservação de biodiversidade, àmanutenção das bacias hidrográficas, ao lazer e a outras amenida-des oferecidas pela floresta. Tais florestas não deveriam ser ex-ploradas para corte ou produção de biomassa.

MANUTENÇÃO DOS REGIMES DE INCÊNDIO NATURAISOs regimes de incêndio naturais não devem ser alterados para aumen-tar o armazenamento de carbono. Os incêndios florestais liberam enor-mes quantidades de CO

2 na atmosfera. Estima-se que eles contribuem

com 10-20% das emissões globais anuais de metano e óxido de nitro-

gênio, ambos potentes gases deefeito estufa. Não se deve es-quecer que o fogo constitui fa-tor de perturbação natural doqual dependem muitos proces-sos florestais. A supressão deincêndios em nome da proteçãodo carbono estocado, dos re-cursos madeireiros ou da pro-priedade privada conduz à acu-mulação de material combustí-vel, fato que exacerba o riscode futuros incêndios selvagenscatastróficos associados a ci-clos imprevisíveis de armazena-mento e liberação de carbono.

A maioria das florestas (e desuas características biológicas)desenvolveu-se em equilíbriocom o regime de incêndios na-turais. Portanto, esses padrõesnaturais são vitais ao ecossis-tema florestal. O fogo é, comfreqüência, um determinante

primário na composição das espécies de uma dada floresta. Em regi-ões propensas a incêndios, por exemplo, dominam as espécies quesão tolerantes ao fogo. Para essas espécies, os incêndios são impor-tantes para a germinação das sementes e para a supressão das se-mentes de rápida germinação das espécies suscetíveis ao fogo. Aosuprimirem-se os incêndios naturais, as espécies tolerantes ao fogotornam-se competitivamente prejudicadas.

As florestas ocidentais são especialmente vulneráveis ao fogocatastrófico devido à supressão dos incêndios naturais e às des-trutivas práticas do derrubada: tais intervenções são responsá-veis por uma colonização não natural do solo por árvores jovens.Recentemente, o Serviço Florestal dos EUA divulgou que aproxi-madamente 17 milhões de hectares das Florestas Nacionais nooeste do país estão “… sob alto risco de incêndio catastrófico,uma fragilidade advinda de anos de esforços para suprimirem-se os incêndios naturais” 21. Um incêndio catastrófico não ape-nas pode dar cabo de todo o estoque vegetal, como também dani-ficar o solo, provocar o esgotamento de nutrientes e agravar asituação das bacias hidrográficas. Além disso, tais incêndios ca-tastróficos podem provocar tal degradação no sítio original que arecuperação da floresta pode ser demasiadamente longa ou mes-mo favorecer o surgimento de novo ecossistema muito diferente(como campina) em substituição à cobertura original 22.

MANUTENÇÃO DE SALVAGUARDAS AMBIENTAIS NAS FLORESTASPÚBLICAS DOS EUAQuarenta e dois por cento de todas as florestas norte-americanase a vasta maioria das florestas maduras situam-se em terras públi-cas 23. Inúmeras legislações federais e estaduais afetam a conser-vação e o uso dessas florestas. Tais políticas ambientais – e asmudanças propostas para alterá-las – devem considerar toda agama de possíveis impactos ambientais e sociais, inclusive a in-fluência climática das florestas em função das emissões de CO

2.

Os incêndios naturais são vitais para aauto-sustentação florestal. Sua supressão acabagerando o incêndio catastrófico, que coloca em

risco a sobrevivência da floresta original.

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REFERÊNCIAS

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4. Schimel, D.S. et al. 2001. Recent patterns and mechanisms of carbonexchange by terrestrial ecosystems. Nature 414: 169-172.

5. Schimel D. S. et al. 2001. Recent patterns and mechanisms of carbonexchange by terrestrial ecosystems. Nature 414: 169-172.

6. Nelson, R. 1999. “Carbon Sequestration: A Better Alternative.” [online]http://www.puaf.umd.edu/faculty/nelson/carbseq/pdf/toc.pdf

7. Vasievich, J.M., Alig, R.J. 1996. “Opportunities to Increase Timber Growthand Carbon Storage on Timberlands in the Contiguous United States.” In: Sampson,R.N., Hair, D. (eds.) Forests and Global Change, Vol. II; American Forests.

8. Em 1999, as emissões de carbono provenientes do consumo de combustívelfóssil totalizaram 1.487 MMT de carbono (5.453 MMT de CO

2). Para dados

da U.S. Environmental Protection Agency sobre as emissões de gases de efeitoestufa nos EUA, consultar http://yosemite.epa.gov/OAR/globalwarming.nsf/content/EmissionsNational.html

9. IPCC. 2001. Technical Summary. In Climate Change 2001: Mitigation.Contribution of Working Group III to the Third Assessment Report of theIntergovernmental Panel on Climate Change, Cambridge University Press:Cambridge, United Kingdom and New York, NY, USA.

10. Houghton, R.A., J. L. Hackler, and K. T. Lawrence. 2000. The U.S.Carbon Budget: Contributions from Land-Use Change. Science 285: 574.

11. IPCC. 2001. Technical Summary. In Climate Change 2001: Mitigation.Contribution of Working Group III to the Third Assessment Report of theIntergovernmental Panel on Climate Change, Cambridge University Press:Cambridge, United Kingdom and New York, NY, USA.

12. IPCC. 2001. Summary for Policy Makers. In Climate Change 2001:Mitigation. Contribution of Working Group III to the Third AssessmentReport of the Intergovernmental Panel on Climate Change, CambridgeUniversity Press: Cambridge, United Kingdom and New York, NY, USA.

13. IPCC. 2000. Land use, Land-use change, and Forestry -Intergovernmental Panel on Climate Change Special Report (eds. WatsonR.T., Noble I.R., Bolin B., Ravindranath N.H., Verardo D.J., Dokken D.J.)Cambridge University Press, Cambridge.

14. Ver, por exemplo, o International Carbon Conservation Act(S. 769)e o Carbon Sequestration Investment Tax Credit Act (S. 765), apresentadospelo Senador Brownback (R-KA), Abril 2001.

15. http://www.fsa.usda.gov/dafp/cepd/crp.htm

16. Por exemplo, o Carbon Sequestration and Reporting Act, apresentadopelo Sen. Wyden (D-OR) Julho 2001; o Carbon Conservation IncentiveAct, introduzido pelo Sen. Brownback (R-KA) Abril 2001.

17. Wayburn, L.A, F.J. Franklin, J.C.Gordon, C.S. Binkley, D.J. Mlandenoff,and N.L. Christian, Jr. 2000. Forest Carbon in the United States: Opportunities& Options for Private Lands. The Pacific Forest Trust, Inc., Santa Rosa, CA.

18. Noss, R.F. 2001. Beyond Kyoto: Forest Management in a Time ofRapid Climate Change. Conservation Biology. 15(3): 578-590.

19. Pinard, M.A. and F. E. Putz. 1993. Reduced impact Logging as aCarbon Offset Method. Conservation Biology 7(4): 755-757.

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21. Kloor, K. 2000. Restoration Ecology: Returning America’s Forests toTheir ‘Natural’ Roots. Science 287: 573-575.

22. Kurz, W.A., S. J. Beukema, and A. J. Apps. 1997-1998. Carbon budgetimplications of the transition from natural to managed disturbance regimesin forest landscapes. Mitigation and Adaptation Strategies for Global Change2: 405-421.

23. United States Department of Agriculture - Forest Service. (2004).U.S. Forest Facts and Historical Trends. Online at http://fia.fs.fed.us/library/briefings-summaries-overviews/docs/2002_ForestStats_%20FS801.pdf

24. Online at http://www.roadless.fs.fed.us/

Texto original publicado em www.rainforestcoalition.org documents/UCSRecognizingForestsRoleinClimateChange.pdfe em www.ucsusa.org/global_warming/solutions/forest_solutions/recognizing-forests-role-in.html

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Em janeiro de 2001, a Regulamentação das Áreas de Conserva-ção sem Rodovias (Roadless Area Conservation Rule) esboçadapelo Serviço Florestal dos EUA provocou acalorado debate pú-blico. Essa regulamentação clama pelo encerramento de quasetodo corte de árvores, da abertura de estradas e para novasconcessões de exploração de carvão, gás, petróleo e outros mi-nérios nos 58,5 milhões de acres remanescentes de Floresta Na-cional nativa 24. Os esforços da administração Bush para debili-tar a Regulamentação representaram uma ameaça à terra queserve de habitat a espécies ameaçadas e em extinção; que ofere-ce oportunidades recreativas e que protege contra a invasão deespécies não-nativas; que protege as bacias hidrográficas e es-toca quantidades significativas de carbono.

Verifica-se, portanto, um significativo descompasso entre as pro-postas do Congresso para prover incentivos de seqüestro decarbono aos proprietários de terras privadas (via, por exemplo,créditos tributários) e as medidas que em rota de colisão podemaumentar as emissões de carbono das terras públicas (como oenfraquecimento da citada Roadless Area Conservation Rule) 24.

Medidas e atitudes para beneficiar a questão climática exigemações significativas e consistentes de proteção, restabelecimentoe gestão sustentável das florestas na implantação de políticasde seqüestro e de armazenamento de carbono nas terras públi-cas e privadas. ■

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restauração

das florestas

também

tende

a melhorar

a qualidade

do habitat,

especialmente

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pássaros e

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Art. 1º - A água faz parte do patrimônio do planeta. Cada continente, cada povo, cada nação, cada região,cada cidade, cada cidadão é plenamente responsável aos olhos de todos.

Art. 2º - A água é a seiva do nosso planeta.Ela é a condição essencial de vida de todo ser vegetal, animal ouhumano. Sem ela não poderíamos conceber como são a atmosfera, o clima, a vegetação, a cultura ou aagricultura. O direito à água é um dos direitos fundamentais do ser humano: o direito à vida, tal qual éestipulado do Art. 3 º da Declaração dos Direitos do Homem.

Art. 3º - Os recursos naturais de transformação da água em água potável são lentos, frágeis e muitolimitados. Assim sendo, a água deve ser manipulada com racionalidade, precaução e parcimônia.

Art.4º - O equilíbrio e o futuro do nosso planeta dependem da preservação da água e de seus ciclos. Estesdevem permanecer intactos e funcionando normalmente para garantir a continuidade da vida sobre a Terra.Este equilíbrio depende, em particular, da preservação dos mares e oceanos, por onde os ciclos começam.

Art. 5º - A água não é somente uma herança dos nossos predecessores; ela é, sobretudo, um empréstimoaos nossos sucessores. Sua proteção constitui uma necessidade vital, assim como uma obrigação moral dohomem para com as gerações presentes e futuras.

Art. 6º - A água não é uma doação gratuita da natureza; ela tem um valor econômico: precisa-se saber queela é, algumas vezes, rara e dispendiosa e que pode muito bem escassear em qualquer região do mundo.

Art. 7º - A água não deve ser desperdiçada, nem poluída, nem envenenada. De maneira geral, sua utilizaçãodeve ser feita com consciência e discernimento para que não se chegue a uma situação de esgotamento oude deterioração da qualidade das reservas atualmente disponíveis.

Art. 8º - A utilização da água implica no respeito à lei. Sua proteção constitui uma obrigação jurídica para todohomem ou grupo social que a utiliza. Esta questão não deve ser ignorada nem pelo homem nem pelo Estado.

Art. 9º - A gestão da água impõe um equilíbrio entre os imperativos de sua proteção e as necessidades deordem econômica, sanitária e social.

Art. 10º - O planejamento da gestão da água deve levar em conta a solidariedade e o consenso em razão desua distribuição desigual sobre a Terra.

DECLARAÇÃO UNIVERSALDOS DIREITOS DA ÁGUA

32www.infraero.gov.br ouvidoria: 0800.727.1234