coluna do senador aécio neves da folha - fernando lyra

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Fernando Lyra Coluna do senador Aécio Neves na Folha de São Paulo, em 18 de fevereiro de 2013 Fernando Lyra foi um dos melhores homens públicos do Brasil contemporâneo. Conheci-o nos primeiros dias do governo de Tancredo, em Minas, quando ficamos amigos. Testemunhei sua dedicação à causa nacional naquele trecho de história, que nos devolveu a soberania sobre o Estado brasileiro. Tancredo tinha amigos e correligionários. Mas também alguns poucos correligionários a quem ele dedicava afetuosa amizade. Lyra era um deles. Lembro-me de como gostava da sonora gargalhada de Fernando e como se divertia com as interjeições próprias do sertanejo que ele era, quando uma notícia o espantava. Qualquer que fosse a dificuldade do momento, o seu otimismo intransigente amenizava a conjuntura negativa. Ele teve papel fundamental no processo político que garantiu a reconquista da democracia no país. Com a derrota da emenda Dante de Oliveira, foi preciso mudar o campo de batalha, para que nos mantivéssemos fiéis à causa da reconstrução democrática. Lyra dedicou horas a fio em conversas com membros do Colégio Eleitoral, procurando convencê-los de que o Brasil vivia uma nova hora. Enquanto as ruas gritavam o nome de Tancredo, Fernando o sussurrava, nos corredores do Congresso e nos encontros que varavam noites. Assim, foi construindo uma sólida base para que se cumprisse o que ele antevia o fim da longa noite do regime de exceção e o amanhecer de um novo tempo. Alguns dias antes da posse incumbiu-me o presidente eleito de convocar os que seriam convidados para compor o ministério para um encontro reservado na Granja do Riacho Fundo, em Brasília. Nunca me esquecerei da grande emoção com que Fernando Lyra recebeu o convite para a pasta da Justiça. Tancredo lhe disse: “Olha, Fernando, o tamanho de sua responsabilidade. Você vai assumir o meu ministério!” O presidente se referia à circunstância histórica que o levara a assumir, praticamente com a mesma idade de Fernando, o Ministério da Justiça no governo Vargas. Tancredo sabia que não faltavam juristas consagrados para o cargo, mas carregava consigo a plena consciência de que, nas circunstâncias difíceis da transição, precisava ter ao seu lado homens leais ao país, providos de coragem e conscientes da sua responsabilidade histórica. Com profundo compromisso com o Brasil, Lyra acabou com a censura e emprestou seu talento para aplacar ensaios de crises que poderiam colocar em risco os rumos da novíssima República fundada. Ponderava e defendia os avanços que estavam sendo gestados sem jamais transigir no principal nos valores que uniram os brasileiros e líderes de diferentes tendências em torno da causa da liberdade. O Brasil perdeu um dos artífices de sua história.

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Fernando Lyra foi um dos melhores homens públicos do Brasil contemporâneo. Conheci-o nos primeiros dias do governo de Tancredo, em Minas, quando ficamos amigos. Testemunhei sua dedicação à causa nacional naquele trecho de história, que nos devolveu a soberania sobre o Estado brasileiro.

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Page 1: Coluna do Senador Aécio Neves da Folha - Fernando Lyra

Fernando Lyra

Coluna do senador Aécio Neves na Folha de São Paulo, em 18 de fevereiro de 2013

Fernando Lyra foi um dos melhores homens públicos do Brasil contemporâneo.

Conheci-o nos primeiros dias do governo de Tancredo, em Minas, quando ficamos amigos.

Testemunhei sua dedicação à causa nacional naquele trecho de história, que nos devolveu a

soberania sobre o Estado brasileiro.

Tancredo tinha amigos e correligionários. Mas também alguns poucos correligionários a quem

ele dedicava afetuosa amizade. Lyra era um deles. Lembro-me de como gostava da sonora

gargalhada de Fernando e como se divertia com as interjeições próprias do sertanejo que ele

era, quando uma notícia o espantava. Qualquer que fosse a dificuldade do momento, o seu

otimismo intransigente amenizava a conjuntura negativa.

Ele teve papel fundamental no processo político que garantiu a reconquista da democracia no

país. Com a derrota da emenda Dante de Oliveira, foi preciso mudar o campo de batalha, para

que nos mantivéssemos fiéis à causa da reconstrução democrática.

Lyra dedicou horas a fio em conversas com membros do Colégio Eleitoral, procurando

convencê-los de que o Brasil vivia uma nova hora. Enquanto as ruas gritavam o nome de

Tancredo, Fernando o sussurrava, nos corredores do Congresso e nos encontros que varavam

noites. Assim, foi construindo uma sólida base para que se cumprisse o que ele antevia –o fim

da longa noite do regime de exceção e o amanhecer de um novo tempo.

Alguns dias antes da posse incumbiu-me o presidente eleito de convocar os que seriam

convidados para compor o ministério para um encontro reservado na Granja do Riacho Fundo,

em Brasília. Nunca me esquecerei da grande emoção com que Fernando Lyra recebeu o

convite para a pasta da Justiça. Tancredo lhe disse: “Olha, Fernando, o tamanho de sua

responsabilidade. Você vai assumir o meu ministério!”

O presidente se referia à circunstância histórica que o levara a assumir, praticamente com a

mesma idade de Fernando, o Ministério da Justiça no governo Vargas. Tancredo sabia que não

faltavam juristas consagrados para o cargo, mas carregava consigo a plena consciência de que,

nas circunstâncias difíceis da transição, precisava ter ao seu lado homens leais ao país,

providos de coragem e conscientes da sua responsabilidade histórica.

Com profundo compromisso com o Brasil, Lyra acabou com a censura e emprestou seu talento

para aplacar ensaios de crises que poderiam colocar em risco os rumos da novíssima República

fundada. Ponderava e defendia os avanços que estavam sendo gestados sem jamais transigir

no principal –nos valores que uniram os brasileiros e líderes de diferentes tendências em torno

da causa da liberdade.

O Brasil perdeu um dos artífices de sua história.