colóquio de história medieval leme-ufmg - anais (2012-2013).pdf

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

    FACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS

    DEPARTAMENTO DE HISTRIA

    LABORATRIO DE ESTUDOS MEDIEVAIS

    COLQUIO DE HISTRIA MEDIEVAL LEME/UFMG

    Anais do colquio realizado entre os dias 8 e

    11 de outubro de 2012, na Faculdade de

    Filosofia e Cincias Humanas da Universidade

    Federal de Minas Gerais.

    Belo Horizonte

    2013

  • C718a Coloquio de Histria Medieval Anais do colquio realizado entre os dias 8 e 11 de outubro de 2012 [recurso eletrnico] / Laboratrio de Estudos Medievais/UFMG.- Belo Horizonte :LEME/UFMG, 2013. Inclui bibliografias. ISBN: 978-85-62707-43-8.

    1. Histria Medieval . 2. Idade Mdia. 3.Cultura I. Laboratrio de Estudos Medievais. II. Universidade Federal de Minas Gerais. III.Ttulo.

    CDD:940.1

    CDU:930.9(08)

  • 1

    FICHA TCNICA

    Reitor da UFMG

    Prof. Dr. Cllio Campolina Diniz

    Diretor da FAFICH

    Prof. Dr. Jorge Alexandre Barbosa Neves

    Chefe do Departamento de Histria

    Prof. Dr. Cristina Campolina

    Coordenador de Curso de Ps-

    Graduao em Histria

    Prof. Dr. Jos Newton Coelho Meneses

    Comisso organizadora do colquio

    Coordenao

    Dr. Andr Lus Pereira Miatello

    Monitores

    Alssio Alonso Alves

    Felipe Augusto Ribeiro

    Francisco de Paula Souza Mendona Jr.

    Letcia Dias Schirm

    Olga Pisnitchenko

    Stella Ferreira Gontijo

    Comisso editorial dos anais

    Avaliao cientfica

    Dr. Andr Lus Pereira Miatello

    Editorao e montagem

    Alssio Alonso Alves

    Felipe Augusto Ribeiro

    Capa:

    Ludmila Andrade Renn

  • 2

    AGRADECIMENTOS

    O Laboratrio de Estudos Medievais ncleo UFMG agrade imensamente a todos

    aqueles que contriburam para que o nosso Colquio se realizasse e fosse coroado com mais esta

    coletnea das mais recentes produes de estudantes e professores de Histria Medieval de todo o

    Brasil.

    Primeiramente, agradecemos ao Departamento de Histria e ao Programa de Ps-

    Graduao em Histria da Universidade Federal de Minas Gerais nas pessoas da Prof. Dr.

    Cristina Campolina de S e do Prof. Dr. Jos Newton Coelho de Meneses, chefe do departamento

    e coordenador do programa, respectivamente , por todo o suporte na concretizao de nossa

    iniciativa.

    Em segundo lugar, agradecemos a todos aqueles que participaram de nosso evento,

    sobretudo queles que nos agraciaram com as comunicaes de seus trabalhos. Nos sentimos

    orgulhosos tambm pela presena do pblico ouvinte, que prestigiou atento os quatro dias de

    nosso evento.

    Meno especial fazemos a todos os autores presentes neste volume, pela disponibilidade

    em divulgar o seu trabalho e torna-los o rico fruto de nosso Colquio.

    Finalmente, agradecemos a toda a equipe da biblioteca da Faculdade de Filosofia e

    Cincias Humanas da UFMG, pela catalogao e registro destes anais, bem como a toda a equipe

    de promoo do evento: Francisco de Paula Souza Mendona Jr., Letcia Dias Schirm, Olga

    Pisnitchenko, Stella Ferreira Gontijo e Ludmila Andrade Renn.

  • 3

    SUMRIO

    Caderno de resumos ........................................................................................................................ 6

    Apresentao

    Prof. Andr Lus Pereira Miatello ................................................................................................ 20

    CONFERNCIA: Sobre o fundamento voluntarista da poltica em Agostinho

    Prof. Luiz Marcos da Silva Filho .............................................................................................. 23

    Um capitel sem coluna: a ruptura entre monges e intelectuais medievais luz das

    construes historiogrficas e testemunhos de poca (sculos XI e XII)

    Carlile Lanzieri Junior .............................................................................................................. 29

    O dzimo nos sculos XII e XIII: uma abordagem de direito cannico

    Carolina Gual Silva ...................................................................................................................... 43

    Nuntius, Legatus, Procurator et Ambaxiator: o vocabulrio das embaixadas na Cronica de

    Salimbene de Adam e nos estatutos comunais de Piacenza, Verona e Milo

    Edward Dettmam Loss ................................................................................................................. 52

    Sobre a tirania e o tiranicdio na obra de Coluccio Salutati: apontamentos

    Letcia Dias Schirm ...................................................................................................................... 63

    O episcopado monrquico na sia Menor entre os sculos I e II d.C.: um debate

    Pedro Lus de Toledo Piza ............................................................................................................ 73

    Contra as Heresias de Irineu de Lyon: a formao da ortodoxia crist atravs da refutao

    da doutrina gnstica

    Lays Silva Stanziani ..................................................................................................................... 84

  • 4

    O testamento de Cesrio de Arles: as transmisses de bens entre os bispos no perodo

    merovngio (sculos VI-VII)

    Karen Torres da Rosa ................................................................................................................. . 91

    A Idade Mdia nos livros didticos

    Marcelo da Silva Murilo ............................................................................................................. 111

    Diego Gelmrez e a poltica de fortalecimento da S de Compostela

    Jordano Viose ........................................................................................................................... 128

    Intermediadores do sagrado

    Felipe Augusto de Bernardi Silveira .......................................................................................... 137

    Noes de Governo na Guerra das Rosas: Sir John Fortescue e o Parlamento

    Wesley Corra ............................................................................................................................ 148

    A autoridade do bispo na Glia Romana do sculo V

    Felipe Alberto Dantas ................................................................................................................. 161

    Reconquista? Restaurao? Reflexes historiogrficas sobre a Guerra Gtica, de Procpio

    de Cesareia (sculo VI)

    Renato Viana Boy ....................................................................................................................... 170

    A teologia poltica do Imprio Cristo e a legitimao imperial de Constantino: reflexes

    acerca do Louvor a Constantino de Eusbio de Cesaria

    Robson Murilo Grando Della Torre ........................................................................................... 182

    De cavaleiros a cavalheiros: a consolidao do Estado Absolutista e seu impacto sobre a

    aristocracia guerreira feudal, sob a tica dos contos de cavalaria

    Carolina Minardi de Carvalho .................................................................................................... 200

  • 5

    O Juramento de Estrasburgo: O Primeiro Texto em Lngua Romnica (sculo IX)

    Henrique Martins de Morais ....... 210

    O Parlamento na Irlanda e as Relaes Anglo-Irlandesas (Sculos XIII-XV)

    Vincius Marino Carvalho ...... 219

    Humanitas e Divinatae: a dimenso poltica do riso em Franois Rabelais

    Thiago Lara Rodrigues Pereira ... 229

    Agobardo de Lyon e os escritos sobre os juzos de Deus (sculo IX)

    Marcelo Moreira Ferrasin ... 250

    Da Reforma Gregoriana revoluo que no sabia de si: para uma crtica arendtiana ao

    conceito de Revoluo Papal

    Philippe Oliveira de Almeida ..................................................... 265

    Os cnones conciliares merovngios (sculos VI e VII): codificao, transmisso e recepo

    Thiago Juarez Ribeiro da Silva ................................................... 282

    Os francos e os romanos nas atas dos conclios merovngios dos sculos VI e VII

    Vernica da Costa Silveira .......................................................... 289

    Mediao poltica e construo de redes sociais a partir do caso da Condessa Matilda de

    Canossa (sculos XI-XII)

    Bruna Giovana Bengozi .............................................................. 303

    Affectus: o movimento de amor rgio em Gilberto de Tournai (sculo XIII)

    Wanderson Henrique Pereira ...................................................... 313

  • 6

    CADERNO DE RESUMOS

    SOBRE O FUNDAMENTO VOLUNTARISTA DA POLTICA EM AGOSTINHO

    Luiz Marcos da Silva Filho

    Trata-se de elucidar que logo no prlogo da obra De ciuitate dei, Agostinho apresenta concepo

    de poltica e de histria com fundamento voluntarista, que, no decorrer da obra, revela-se em

    contraposio concepo naturalista e intelectualista de Ccero, em sua obra De re publica. Para

    tanto, investigaremos de que modo o autor estrema poltica e moral a partir da discusso em torno

    da definio de populus, bem como por que o exame da libido ocasio para a fundamentao da

    coero, na medida em que se trata de figura da vontade que expressa de maneira exemplar o

    divrcio entre querer e poder.

    PALAVRAS-CHAVE: Poltica. Moral. Vontade.

    UM CAPITEL SEM COLUNA: A RUPTURA ENTRE MONGES E INTELECTUAIS

    MEDIEVAIS LUZ DAS CONSTRUES HISTORIOGRFICAS E TESTEMUNHOS DE

    POCA (SCULOS XI E XII)

    Carlile Lanzieri Jnior

    O ensaio analisa como a historiografia da segunda metade do sculo XX descreveu o papel do

    monaquismo para formao intelectual da Europa medieval. Pelas obras analisadas e

    confrontadas s fontes primrias dos sculos XI e XII, percebemos que existiu uma forte

    tendncia historiogrfica em diminuir (ou mesmo negligenciar) as contribuies monsticas em

    favor dos mestres intelectuais ligados ao meio urbano e s futuras universidades. O fator

    econmico foi apresentado como principal elemento que pavimentou os caminhos do saber e do

    ensino que surgiram a partir do sculo XII. Ao longo do perodo abordado, percebemos que as

    diversas trocas entre ambientes e personagens dedicados formao discente demonstram mais

    contribuies e permanncias que rupturas.

    PALAVRAS-CHAVE: Historiografia. Intelectuais. Monaquismo.

  • 7

    O DZIMO NOS SCULOS XII E XIII: UMA ABORDAGEM DE DIREITO CANNICO

    Carolina Gual da Silva

    Apesar da grande extenso e longevidade da instituio do dzimo no Ocidente medieval, os

    estudos gerais e aprofundados sobre o assunto ainda so pequenos em nmero. As grandes obras

    de referncia continuam sendo os dois volumes escritos por Paul Viard entre 1909 e 1912. Nos

    ltimos cinco anos, no entanto, um esforo vem sido feito por um grupo de historiadores para

    compreender melhor os processos envolvidos no pagamento, cobrana e utilizao desse tipo de

    imposto, aparentemente bem estabelecido a partir da poca carolngia e abolido na Frana, por

    exemplo, apenas com a Revoluo de 1789. Novas coletneas tm trazido abordagens diferentes

    para os problemas histricos que esse tema complicado nos traz. O presente trabalho pretende

    fazer um balano da historiografia mais recente sobre o tema alm de propor alguns elementos

    para a anlise do dzimo a partir do direito cannico, com particular ateno s decretais de

    Alexandre III presentes no ttulo XXX do livro III do Liber Extra e aos comentadores dessas

    decretais, particularmente Hostiensis. O objetivo entender quais eram algumas das principais

    discusses levantadas no campo do direito cannico a partir dos casos apresentados e s solues

    propostas pelo papado.

    PALAVRAS-CHAVE: Dzimo. Direito cannico. Decretais.

    NUNTIUS, LEGATUS, PROCURATOR ET AMBAXATOR: O VOCABULRIO DAS

    EMBAIXADAS NA CRONICA DE SALIMBENE DE ADAM E NOS ESTATUTOS

    COMUNAIS DE PIACENZA, VERONA E MILO

    Edward Dettmam Loss

    O presente trabalho tem por objetivo explorar as menes dos diferentes tipos de envios e

    embaixadas realizadas no sculo XII e XIII feitas pelo franciscano Salimbene de Adam em sua

    obra Cronica. Acreditamos que a escolha dos termos utilizados pelo autor no seja to aleatria

    quanto o carter catico de sua obra leva a crer e nem que se trate de uma mera alternncia entre

    vocbulos de mesmo significado. Nossa hiptese que a sua opo terminolgica estabelecia

    uma relao com as questes polticas nas quais as comunas do norte da Itlia estavam inseridas

    no momento, algo que buscaremos demonstrar atravs da comparao dessas menes com a

    legislao estatutria das cidades de Piacenza, Verona e Milo, produzidas em contexto

    semelhante ao trabalho de Salimbene de Adam.

    PALAVRAS CHAVES: Embaixadas. Salimbene de Adam. Estatutos.

  • 8

    SOBRE A TIRANIA E O TIRANICDIO NA OBRA DE COLUCCIO SALUTATI:

    APONTAMENTOS

    Letcia Dias Schirm

    A tirania foi um dos temas recorrentes nos estudos produzidos desde a antiguidade grega. No

    sculo XIV, homens de saber como o chanceler florentino Coluccio Salutati, tambm se

    dedicaram ao assunto. Para alm de sua obra intitulada De Tyranno, de 1400, que prope uma

    abordagem que considera a produo literria escrita sobre a tirania e o tiranicdio, Salutati

    tambm escreveu uma srie de missivas sobre a mesma questo, entre 1375 e 1378, nas quais

    expe suas teorias sobre o estado tirnico e as bases da vida civil. O objetivo da presente

    comunicao realizar uma anlise, ainda que breve, da teorizao construda pelo chanceler,

    especialmente em seu tratado, a fim de relacion-lo ao momento histrico no qual foi produzido.

    A proposta tentar compreender quem seria esse tirano apresentado pelo literato e qual o

    posicionamento do chanceler em relao ao tiranicdio, tema que no foi to explorado durante os

    sculos anteriores.

    PALAVRAS-CHAVE: Tirania. Coluccio Salutati. Tiranicdio.

    O EPISCOPADO MONRQUICO NA SIA MENOR ENTRE OS SCULOS I E II D.C.: UM

    DEBATE

    Pedro Lus de Toledo Piza

    Esta comunicao pretende discutir o surgimento do episcopado de tipo monrquico nas Igrejas

    crists na virada do sculo I para o sculo II d.C., tendo por foco a sia Menor, umas das regies

    mais prolficas em documentao relativa ao cristianismo neste perodo. A discusso ter por

    base e principal objeto de anlise obras de especialistas na rea de Histria do cristianismo

    primitivo, obras estas que, embora abordem o tema das transformaes no apascentamento das

    comunidades no perodo referido, pouco se aprofundam na questo.

    PALAVRAS-CHAVE: Episcopado Monrquico. sia Menor. Igrejas.

  • 9

    CONTRA AS HERESIAS, DE IRINEU DE LYON: A FORMAO DA ORTODOXIA CRIST

    ATRAVS DA REFUTAO DA DOUTRINA GNSTICA

    Lays Silva Stanziani

    Na presente comunicao pretendemos analisar a construo da ortodoxia crist no sculo II d.C.

    Iremos nos focar na obra de Irineu de Lyon Contra as heresias: denncia e refutao da falsa

    gnose. Suas implicaes e a repercusso da obra no desenvolvimento dessa ortodoxia sero

    importantes para a presente comunicao. Tambm iremos apresentar os meios pelos quais o

    bispo lidou com a doutrina gnstica, sendo esses os pontos principais para a sua anlise do que

    seria uma doutrina verdadeiramente crist. Irineu foi bispo da Diocese de Lyon, sendo assim,

    possua papel importante na comunidade da qual participava.

    PALAVRA-CHAVE: Irineu de Lyon. Ortodoxia Crist. Controvrsia Doutrinria.

    O TESTAMENTO DE CESRIO DE ARLES E AS TRANSMISSES DE BENS EPISCOPAIS

    NO PERODO MEROVNGIO (SCULOS VI-VII)

    Karen Torres da Rosa

    Devido ao aumento do interesse da historiografia a partir da segunda metade do sculo XX

    questes que envolviam bens na Idade Mdia, h, consequentemente, um maior interesse pelos

    testamentos merovngios. Esta apresentao ter por objetivo discutir como os testamentos, em

    especial os episcopais, eram utilizados para essas transmisses de bens para notar, assim, quais

    eram as relaes do bispo com esses bens. Para isso, ser analisado o testamento do bispo Cesrio

    de Arles, de meados do sculo VII. Neste podemos notar certa ambiguidade nas relaes do

    testador com os bens discriminados no documento, uma vez que no so explicitadas essas

    relaes ou mesmo se esses bens pertenciam ao bispo ou Igreja. Sendo esta anlise a base desta

    apresentao, procuraremos desenvolver reflexes sobre as prticas hereditrias encontradas no

    perodo e como as sucesses hereditrias eram desenvolvidas na documentao. Entretanto, uma

    vez que os conclios merovngios influenciam a atuao do bispo, ser necessrio, em paralelo,

    dialogar com os cnones de tais conclios procurando identificar qual a relao do bispo Cesrio

    de Arles com os bens e de que maneira ele os transmite. Verificamos que os conclios

    merovngios so fundamentais na elaborao deste testamento episcopal, pois h a presena das

    ideias de seus cnones na redao deste. Espera-se, assim, notar como o bispo Cesrio zela pelos

    bens eclesisticos sem perder de vista as suas ltimas vontades na escolha de um sucessor

    hereditrio. Essas duas preocupaes, presentes nos cnones conciliares e no testamento,

    apresentam um conflito por aqueles bens que o testador procura resolver.

  • 10

    PALAVRAS-CHAVE: Cesrio de Arles. Testamentos. Cnones Conciliares.

    A IDADE MDIA NOS LIVROS DIDTICOS

    Marcelo da Silva Murilo

    Se nas universidades, estudantes, professores e pesquisadores dedicam-se a leitura de obras

    acadmicas de relevncia terica e metodolgica para fins de seus estudos, nas escolas o livro

    didtico que cumpre esse papel, o de subsidiar estudantes na formao do conhecimento crtico.

    O trabalho pretende expor alguns elementos que integram o projeto de pesquisa em curso e onde

    me ocupo em discutir as relaes que poderiam existir entre aquilo que os autores escolares

    apresentam como modelo explicativo para o que denominam de grande crise do sculo XIV e as interpretaes historiogrficas, dedicadas ao estudo do perodo. Na proposta, situamos o livro

    didtico como documento. O manuseio das fontes ser restrito s obras utilizadas no ensino

    mdio. O livro didtico e tem sido por muito tempo um dos poucos mecanismos de insero dos

    estudos medievais na escola. Mas ainda preciso problematizar e relativizar a sua produo, pois

    no se sabe em que medida, as conquistas mais recentes, anunciadas pela historiografia tem, de

    fato, reverberado na formao de crianas e jovens. Este estudo apenas o ponto de partida para

    reviso e discusso do lugar do ensino da Idade Mdia na educao bsica e da necessidade de

    atualizao da produo terica da escrita escolar da histria.

    PALAVRAS-CHAVE: Idade Mdia. Livro Didtico. Crise do sculo XIV.

    DIEGO GELMREZ E A POLTICA DE FORTALECIMENTO DA S DE COMPOSTELA

    Jordano Viose

    Neste estudo apresentamos um dos temas abordados na pesquisa O sagrado como instrumento de

    poder na Historia Compostelana. Trata-se de um projeto de Iniciao Cientfica, desenvolvido

    com bolsa da FAPEMIG na Universidade Federal de Alfenas UNIFAL-MG, sob a orientao do

    professor Dr. Adailson Jos Rui. A Historia Compostelana foi elaborada no sculo XII e possui

    por objetivo central relatar os feitos de dom Diego Gelmrez (1101-1140) em benefcio da Igreja

    de Santiago de Compostela. Dentre as informaes presentes nesta obra, apresentamos um estudo

    referente narrativa que nos informa sobre o roubo de relquias da S de Braga realizado por

    Gelmrez, no ano 1102. Esse relato nos oferece pistas para adentrarmos no contexto poltico de

    rivalidades e interesses nos quais estavam envolvidas as Ss de Braga e Compostela. Por meio de

    tal relato podemos tambm compreender a importncia que as relquias possuam naquele

    momento. Para o que furtou, engrandecimento do seu poder e para o lesado, o enfraquecimento.

  • 11

    A descrio do furto das relquias nos permite vislumbrar a importncia concedida pelos cristos

    ibricos aos santos e as relquias no incio do sculo XII.

    PALAVRAS CHAVE: Diego Gelmrez. Compostela. Relquias.

    INTERMEDIADORES DO SAGRADO

    Felipe Augusto de Bernardi Silveira

    Este ensaio uma breve anlise da apropriao das imagens sacras como elementos condutores

    ao sagrado na cultura popular. Pinturas, esculturas, emblemas e estampas tiveram sua funo

    primeira como lgos da evangelizao dos povos. No entanto, as mltiplas apropriaes

    acabaram por levar interpretao das formas mais independentes e ao desajuste do programa

    institucional. As solues conciliares e as duras crticas conduzidas por membros da Igreja, como

    Cludio de Turim, colorem todo o processo, indicando a transio de um universo imagtico em

    busca de purificao, o que s seria possvel por meio da correta interpretao dos dogmas e da sagrada escritura.

    PALAVRAS-CHAVE: Imagem. Sagrado. Igreja Catlica.

    NOES DE GOVERNO NA GUERRA DAS ROSAS: SIR JOHN FORTESCUE E O

    PARLAMENTO (C. 1461- 1478)

    Wesley Corra

    O objetivo deste texto apresentar os resultados mais relevantes de nosso trabalho monogrfico

    de concluso de curso finalizado em 2011 e originado de um estudo de iniciao cientfica no

    qual investigamos a noo de governo polissmica presente no texto The Governance of England

    de Sir John Fortescue (c. 1396 c. 1476) oferecido ao rei Eduardo IV (rei de 1461-1470 e de 1471-1483) por volta de 1471 como parte de sua reconciliao com a Coroa. Em seguida tratou-

    se de verificar em que medida a noo de governo de Fortescue era praticada no Parlamento

    ingls, em que medida seu texto apenas um artifcio materializado em tratado poltico e como

    ele possivelmente foi apropriado por Eduardo IV. Para tanto analisamos a frequncia e a variao

    de noes-chave no texto de Fortescue que nos permitiu articular com os processos vigentes, com

    a cultura poltica inglesa desse perodo, com as prticas parlamentares e com o debate

    historiogrfico. Acreditamos que a partir desta pesquisa foi possvel melhor compreender, do

    ponto de vista da cultura poltica, esse perodo conturbado da histria inglesa tanto no que diz respeito aos acontecimentos e estruturas daquela sociedade quanto ao debate historiogrfico que a

    circunda.

  • 12

    PALAVRAS CHAVES: Inglaterra Medieval. Histria e Cultura Poltica. Representao de

    Governo.

    A AUTORIDADE DO BISPO NA GLIA ROMANA DO SCULO V: O CASO DE SO

    GERMANO DE AUXERRE

    Felipe Alberto Dantas

    O presente texto apresenta as possibilidades de pesquisa sobre autoridade episcopal abertas por

    um importante documento do sculo V, a Vita de So Germano de Auxerre, de Constncio de

    Lyon. Para tanto, faremos uma exposio luz do contexto scio-poltico e religioso ao qual

    estava inserido o mundo romano do sculo V. Focalizaremos, principalmente, o papel da atuao

    e autoridade exercidas pelo bispo Germano, bem como das pessoas responsveis pela produo

    de uma Vita a ele, num momento de reorganizao poltica pela qual passava o territrio da

    Glia, onde assistimos a passagem do poder laico romano para outro, cristo e germnico. Essa

    contextualizao deve-se ao intuito de vincular a obra em questo com o crescimento gradual

    dessa autoridade episcopal e a funo social ocupada pelos bispos, bem como com as ideias

    professadas pelos monges-bispos formados no monastrio de Lrins, que talvez dessem

    justificativas atuao daqueles, face aos novos momentos vividos pelo Imprio e aos seus novos

    habitantes.

    PALAVRAS-CHAVE: Autoridade. Episcopado. Ascetismo.

    RECONQUISTA? RESTAURAO? REFLEXES HISTORIOGRFICAS SOBRE A

    GUERRA GTICA, DE PROCPIO DE CESAREIA (SCULO VI)

    Renato Viana Boy

    Em meados do sculo VI, o historiador Procpio de Cesareia se props, na obra Histria das

    Guerras, a narrar as campanhas militares enviadas pelo Imperador bizantino Justiniano (527-565)

    contra os persas nas fronteiras orientais, os vndalos no norte da frica e os godos na Pennsula

    Itlica. Essa obra, formada por oito livros, constitui hoje um documento indispensvel para o

    estudo dessas guerras a partir das quais o Imprio Bizantino visava recuperar o controle poltico

    sobre suas antigas possesses. Grande parte dos trabalhos publicados sobre essas guerras,

    utilizando-se de Procpio como fonte, classificaram tais conflitos como uma guerra pela

    Restaurao ou Reconquista das antigas fronteiras romanas. Entretanto, propomos aqui uma relativizao dessa ideia. Nos trs livros dedicados Guerra Gtica, Procpio descreve, de fato,

    um contexto de crise nas relaes entre os godos e o governo imperial. Entretanto, em nenhum

  • 13

    momento Procpio classifica esses conflitos como tendo o objetivo de restaurar ou reconquistar as antigas fronteiras imperiais. Nesse sentido, a questo central : a partir de uma anlise da Guerra Gtica, qual o sentido que podemos perceber, em Procpio de Cesareia, para

    tais conflitos? Para tanto, analisaremos os trs livros dedicados Guerra Gtica como

    documentos principais desse trabalho, alm de uma bibliografia especializada no estudo do

    governo de Justiniano e na produo historiogrfica de Procpio.

    PALAVRAS-CHAVE: Restaurao. Reconquista. Procpio de Cesareia.

    A TEOLOGIA POLTICA DO IMPRIO CRISTO E A LEGITIMAO IMPERIAL DE

    CONSTANTINO: REFLEXES ACERCA DO LOUVOR A CONSTANTINO DE EUSBIO DE

    CESARIA

    Robson Murilo Grando Della Torre

    Esta comunicao se detm sobre dois discursos pronunciados pelo bispo Eusbio de Cesaria na

    dcada de 330 e que so conhecidos atualmente como parte de uma obra chamada Louvor a

    Constantino. Nosso objetivo , por um lado, mostrar como a historiografia tem interpretado esses

    documentos como parte ou como reflexo da ideologia imperial constantiniana em voga no

    perodo e, por outro, propor alternativas de leitura com base nas recentes descobertas sobre a vida

    de Eusbio e sobre seu carter como escritor. Sugerimos aqui que esses discursos, embora se

    vinculem a elementos da propaganda constantiniana e se valham deles em sua argumentao,

    apontam para outros tipos de preocupao, que eram a polmica de seu autor com pagos que se opunham s polticas de favorecimento imperial ao cristianismo e seu esforo apologtico para

    defender a superioridade da religio crist frente s demais religies existentes no Imprio. Nesse

    sentido, propomos que o Louvor a Constantino seja interpretado como veculo de uma ideologia

    eclesistica que, ao mesmo tempo em que legitimava sua aproximao dos poderes seculares

    constitudos, se contrapunha a seus crticos pagos. Alm disso, procuraremos mostrar a importncia da anlise da tradio manuscrita dessa obra e de sua fortuna crtica na Antiguidade

    para a compreenso do prprio texto. Acreditamos que esses dois eixos analticos nos apontam

    certas intenes do autor na publicao de seu texto, bem como o uso que foi feito dele nos

    sculos imediatamente seguintes, que muito contribuem para uma melhor apreciao desses

    textos.

    PALAVRAS-CHAVE: Eusbio de Cesaria (c. 260-339). Constantino I, imperador romano (306-

    337). Louvor a Constantino.

  • 14

    DE CAVALEIROS A CAVALHEIROS: A CONSOLIDAO DO ESTADO ABSOLUTISTA

    E SEU IMPACTO SOBRE A ARISTOCRAICA GUERREIRA FEUDAL, SOB A TICA DOS

    CONTOS DE CAVALARIA

    Carolina Minardi de Carvalho

    A guerra medieval, em algumas regies praticada por seletos membros da aristocracia, tornou-se

    fator de distino social e elevou o cavaleiro a uma categoria superior. Entretanto, ao longo de

    sculos, o papel guerreiro dos cavaleiros perdeu gradativamente sua importncia. Objetivando

    compreender o que aconteceu com os membros da cavalaria aps o desaparecimento de seu papel

    guerreiro na sociedade, o trabalho que originou o presente artigo se baseou, a princpio, em

    concepes muito questionveis que, ao longo do processo de investigao, foram alteradas de

    maneira bastante significativa. Ao final do processo, as anlises se concentraram sobre o Amadis

    de Gaula e a cavalaria aristocrtica presente na Pennsula Ibrica.

    PALAVRAS-CHAVE: Cavalaria. Pennsula Ibrica. Processo Civilizador.

    O JURAMENTO DE ESTRASBURGO: O PRIMEIRO TEXTO EM LNGUA ROMNICA

    Henrique Martins de Morais

    O presente trabalho se prope a ser uma pequena introduo e estudo sobre o documento

    conhecido como Juramento de Estrasburgo (Les Serments de Strasbourg). Esse texto um

    fragmento de uma obra maior e apresenta, em sua forma escrita, o primeiro relato documental de

    uma lngua romnica, o franciano. No meu estudo eu fao uma breve introduo histrica poca

    conturbada que esse relato foi produzido dentro do Imprio Carolngio, explicando a complicada

    sucesso dinstica que se deu, bem como as guerras entre os descendentes de Carlos Magno.

    Sobre o Juramento em si, eu exponho e traduzo uma pequena passagem explicando certas

    caractersticas fonticas e sintticas da lngua franciana fazendo, quando possvel, uma ponte com

    o francs, que tido como o estgio atual dessa lngua. Finalmente, lano uma breve pincelada

    sobre certas questes de cunho tnico que cercam o documento, como uma possvel afirmao de

    uma identidade latina frente a uma identidade germnica que se rivalizaria com ela.

    PALAVRAS-CHAVE: Imprio Carolngio. Lngua Francesa. Serments de Strasbourg.

  • 15

    O PARLAMENTO NA IRLANDA E AS RELAES ANGLO-IRLANDESAS (SCULOS

    XIII-XV)

    Vinicius Marino Carvalho

    Esse trabalho se prope a delinear uma metodologia para um futuro estudo sobre os registros do

    parlamento da Irlanda, entre os sculos XIII e XV. Parte-se do delineamento de um vis

    tradicionalmente recorrente na historiografia sobre a Irlanda medieval: a interpretao de certos

    estatutos e ordenanas como reaes a um percebido processo de aculturao de ingleses por

    irlandeses, ou gaelicizao, como veio a ser chamado. Busca-se problematizar os pressupostos dessa acepo e levantar uma reflexo sobre a pertinncia da mobilizao dos registros do

    parlamento sob essa chave interpretativa. Os objetivos so dois: em primeiro lugar, analisar as

    menes a irlandeses na documentao, de forma a averiguar que critrios de alteridade (ou

    identidade) so invocados para se referir a eles. Em segundo lugar, espera-se usar esse problema

    como vis de reflexo sobre o prprio parlamento dentro da sociedade na qual estava inserido.

    PALAVRAS-CHAVE: Irlanda. Parlamento. Norma.

    HUMANITAS E DIVINATAE: A DIMENSO DO RISO EM FRANOIS RABELAIS

    Thiago Lara Rodrigues Pereira

    A pesquisa versa sobre a dimenso poltica do riso. Toma por objeto de anlise o livro Gargntua

    de Franois Rabelais, publicada na conjuntura da Reforma e Renascimento europeus, e suas

    implicaes poltico-ideolgicas sobre o contexto de produo da obra, a Frana quinhentista.

    Para tal, torna imperativa a compreenso da historicidade do riso, ou seja, a multiplicidade de

    significados atribudos ao gesto desde a Idade Mdia. Com base na produo existente sobre o

    sentido do riso rabelaisiano, articula a obra vida do prprio autor, enquanto sujeito de seu

    tempo. Embora ainda em curso, procura demonstrar a intencionalidade poltica das provocaes

    explcitas que compe o texto-fonte, e associa, portanto, o ato de rir e provocar o riso, por meio

    da literatura, a uma definio de postura diante das questes sociais pelos quais passava a Frana.

    PALAVRAS-CHAVE: Riso. Franois Rabelais. Idade Mdia.

  • 16

    AGOBARDO DE LYON E OS ESCRITOS SOBRE OS JUZOS DE DEUS

    Marcelo Moreira Ferrasin

    Os ordlios e os duelos medievais, compreendidos como juzos de Deus, desempenharam um importante papel no domnio da resoluo de conflitos. Esses mtodos atuaram na ausncia ou no

    insucesso das provas por testemunhas, atos escritos e juramentos purgatrios. Os textos

    legislativos, em especial as leges barbarorum (sculos VI-IX), destacam os juzos de Deus como um ltimo recurso para pr fim s questes duvidosas. Por muito tempo, os historiadores

    conceberam os juzos de Deus como prticas irracionais, pags e brbaras. H pelo menos cinquenta anos, a historiografia sublinha que os historiadores mais antigos caracterizaram os

    ordlios e os duelos pelas referidas qualificaes, porque pensaram as prticas de uma maneira

    muito geral, negligenciando a diversidade dos procedimentos e sua aplicao como um ltimo

    recurso. No sculo IX, o arcebispo Agobardo de Lyon escreveu uma obra endereada ao

    imperador Lus, o Piedoso, requerendo fundamentalmente a revogao da lei burgndia, pois esta

    lei trazia os duelos como prova. A crtica do bispo se baseava no fato de que essas provas

    pervertiam a caridade, a justia e paz crists, enfraquecendo a unidade do imprio. Historiadores

    modernos construram a imagem de Agobardo, como um bispo muito avanado para o seu tempo,

    pois projetaram suas qualificaes sobre os juzos de Deus na obra do prelado. Nesta comunicao, pretendo demonstrar como as consideraes de Agobardo se referiram a uma

    reflexo sobre os elementos de prova e sobre o ideal de unidade crist. Assim, mostrar-se- que

    as designaes dos juzos de Deus como irracionais, pagos ou brbaros, no fazem parte do texto do arcebispo.

    PALAVRAS-CHAVE: Agobardo. Juzos de Deus. Carolngios.

    DA REFORMA GREGORIANA REVOLUO QUE NO SABIA DE SI: PARA UMA

    CRTICA ARENDTIANA AO CONCEITO DE REVOLUO PAPAL

    Philippe Oliveira de Almeida

    O objetivo deste trabalho descontruir o conceito de Revoluo Papal, tal como desenvolvido por Harold Berman. Procurando solucionar aporias inerentes ao conceito de Reforma Gregoriana, Berman enfatiza o carter de ruptura poltica do movimento gregoriano, que teria dado incio tradio jurdica ocidental moderna. Para o autor, o rearranjo institucional

    promovido pela Santa S representaria a primeira grande revoluo, qual se seguiriam a

    Revoluo Alem (Reforma Protestante), a Revoluo Inglesa (Revoluo Gloriosa), a

    Revoluo Americana, a Revoluo Francesa e a Revoluo Russa (que, a seu juzo, encerraria o

    ciclo revolucionrio e comprometeria a trajetria da civilizao ocidental). Partindo da definio

    desenvolvida por Hannah Arendt para o conceito de revoluo, pretendemos mostrar que a

  • 17

    exposio de Berman anacrnica, pois projeta, na Idade Mdia Central, uma conscincia

    revolucionria surgida to-somente no curso da modernidade.

    PALAVRAS-CHAVE: Revoluo Papal. Reforma Gregoriana. Histria poltica medieval

    OS CNONES CONCILIARES MEROVNGIOS: CODIFICAO, TRANSMISSO E

    RECEPO

    Thiago Juarez Ribeiro da Silva

    Esta comunicao tem por objetivo desenvolver uma reflexo a respeito dos cnones conciliares

    merovngios e seus usos no mbito legislativo dos sculos VI e VII. Dada a preocupao recente

    dos historiadores com a especificidade dos gneros documentais medievais como obras dotadas

    de regras particulares de composio, a problematizao da tradio manuscrita torna-se

    exerccio imprescindvel para uma abordagem histrica satisfatria das fontes medievais. Com

    esta premissa, apresentaremos o gnero documental conciliar: textos decorrentes das decises

    tomadas nas assembleias episcopais, com foco daquelas originrias da Glia merovngia entre os

    anos de 511 e 674. Para isto, a comunicao tratar de uma definio do gnero conciliar (o que

    so conclios, quais as regras de sua composio, a quais interesses respondem como foco em seu

    vocabulrio e sua categorizao pela historiografia); do processo de codificao dos cnones

    conciliares merovngios (o problema dos manuscritos, os conclios descritos somente em fontes

    narrativas como os Dez Livros de Histria de Gregrio de Tours e os variados tipos de colees

    cannicas); o problema da transmisso das colees cannicas (evidenciado pelas reparties

    destas colees ao longo dos sculos); a recuperao interna (o problema da recuperao de

    cnones conciliares anteriores); por fim a possibilidade de se pensar a validade das colees

    cannicas como cdice legal funcional na Glia merovngia.

    PALAVRAS-CHAVE: Conclios. Merovngio. Tradio Manuscrita.

    APONTAMENTOS SOBRE OS TERMOS TNICOS NAS ATAS DOS CONCLIOS

    MEROVNGIOS

    Vernica da Costa Silveira

    O problema das identidades tnicas e seu possvel impacto no desenrolar dos eventos que se

    seguiram tomada de Roma pelo rei visigodo Alarico uma das questes mais polmicas que

    foram levantadas pela historiografia dos ltimos anos. possvel falar da existncia ou

    emergncia de identidades tnicas que encerravam os brbaros em unidades sociais bem

    definidas? Essas identidades tiveram papel preponderante na organizao social dos reinos

  • 18

    brbaro-romanos que eram forjados no sculo VI? Acreditamos que essas perguntas devem ser

    contempladas luz de uma anlise que coteje fontes de diversas naturezas produzidas no perodo

    de interesse, assim como que leve em conta a maneira como a identidade romana era apresentada

    nos documentos. Desta maneira, os objetivos de nossa interveno so: investigar como as atas

    conciliares podem se inserir no contexto mais amplo das fontes legais merovngias; num segundo

    momento intentamos apresentar um quadro geral das formas como os termos tnicos aparecem

    nessas atas e, finalmente, discutir sobre a existncia de uma definio uniforme dos termos nesses

    textos produzidos em diversos lugares, perodos e momentos do Reino dos Francos no perodo

    merovngio.

    PALAVRAS-CHAVE: Identidades tnicas. Atas Conciliares. Reino Franco.

    MEDIAO POLTICA E CONSTRUO DE REDES SOCIAIS A PARTIR DO CASO DA

    CONDESSA MATILDA DE CANOSSA (SCULOS XI-XII)

    Bruna Giovana Bengozi

    A figura da Condessa Matilda de Canossa (1046-1115) j foi explorada de diversas formas e

    tambm foi alvo de vrias mitificaes, especialmente, como exemplo de liderana militar

    feminina na Idade Mdia. Apesar da grande bibliografia sobre a Condessa e da sua atuao nos

    campos de batalhas, poucos trabalhos foram produzidos no Brasil sobre a mesma. Tal questo

    refere-se, principalmente, ausncia de reflexes mais detalhadas sobre a sua participao

    enquanto mediadora poltica nas disputas entre o Papa Gregrio VII e o Imperador Henrique IV

    durante a Querela das Investiduras. Dessa forma, pretendemos analisar a ativa atuao

    diplomtica da Condessa Matilda de Canossa nos conflitos entre a Igreja e o Imprio ao longo

    dos sculos XI e XII, por meio das cartas trocadas entre a Condessa e outros importantes

    personagens. Atentaremos, tambm, para a posio ocupada pela mesma nas complexas redes

    sociais formadas a partir dos conflitos entre Igreja e Imprio e das relaes de poder durante o

    perodo da Querela das Investiduras. Buscaremos, portanto, compreender a figura da Condessa

    no luz do mito da mulher guerreira, e sim a partir da sua importante e ativa posio na poltica

    papal e imperial.

    PALAVRAS-CHAVE: Matilda de Canossa. Mediao poltica. Redes sociais

  • 19

    O CONCEITO DE AFFECTUS EM GILBERTO DE TOURNAI E SUA APLICAO NA

    POLTICA RGIA CAPETNGIA (SCULO XIII)

    Wanderson Henrique Pereira

    Nesse texto pretendemos analisar o funcionamento das relaes de afeto (affectus) entre o rei e os

    sditos em Gilberto de Tournai, importante telogo da universidade de Paris do sculo XIII e

    membro da ordem dos minoritas. Para isso, Deteremos em sua obra: O Eruditio Regum et

    principum, inserida dentro do gnero conhecido como Espelhos de prncipe, escritos que podem

    se entendidos como verdadeiros manuais de ensinamentos morais dirigidos aos reis e prncipes.

    Nessa obra, o termo affectus freqentemente usado, o que nos faz pensar na importncia das

    relaes de afetos dentro das concepes polticas no reino Francs do sculo XIII. Assim, os reis

    so orientados a amar seus sditos, por meio do amor fraterno (caritas) garantindo a unidade do

    reino. O amor o vnculo de unio da Ecclesia e a forma de demonstrao desse amor por meio

    dos affectus, definido como movimento amoroso da alma dirigido ao prximo.

    PALAVRAS- CHAVE: Affectus. Caritas. Rei ideal.

  • 20

    APRESENTAO

    Tenho a grata satisfao de prefaciar mais um importante contributo dos programas de

    Ps-graduao e dos cursos de graduao em Histria das universidades brasileiras que, nos

    ltimos dez anos, triplicaram os esforos para consolidar o estudo da histria medieval como

    prtica profissional e campo de pesquisa e incentivaram, talvez como nunca, a investigao de

    jovens estudantes que, em todos os nveis da vida acadmica, tm descoberto, no perodo

    medieval, estimulantes objetos de estudo. Fruto deste esforo coletivo e das melhorias

    econmicas do Estado brasileiro, que aumentou as condies de trabalho das agncias de

    fomento em pesquisa, podemos, hoje, contar com um bom nmero de publicaes, seminrios,

    congressos, laboratrios e bibliotecas que materialmente contribuem de maneira inequvoca para

    que os estudos medievais no Brasil tenham consistncia, maturidade e capacidade de dialogar

    com os pesquisadores de outras partes, contribuindo com eles e no apenas reproduzindo suas

    conquistas.

    A Universidade Federal de Minas Gerais, por meio do Programa de Ps-graduao em

    Histria da Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas, possibilitou que fosse dado mais um

    passo nessa trajetria de dilogo, encontro e compromisso com o desenvolvimento acadmico ao

    investir e incentivar a realizao do I Colquio de Histria Medieval da UFMG, de 2012. Durante

    quatro dias, reunimos professores de Histria Medieval de sete universidades federais (UNIFESP,

    UFRGS, UFMT, UNIFAL, UFLA, UFMG, UFG), e duas universidades estaduais (USP, UEG)1,

    profissionais do sul, sudeste e centro-oeste brasileiros, membros de diversos laboratrios e grupos

    de pesquisa. Participaram tambm pesquisadores de ps-graduao em nvel de doutorado e

    mestrado e estudantes de iniciao cientfica de universidades federais, estaduais e, inclusive, da

    Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais.

    A obra que agora publicamos manifesta as contribuies que recolhemos de vrios

    participantes e que esperamos seja de proveito para os estudos de outros colegas que enfrentam,

    como ns, a difcil sina de estudar histria medieval no Brasil. Penso, sobretudo, nos jovens

    talentos que entram para os diversos cursos de graduao nas reas de Humanidades e que nutrem

    especial preferncia pelo medievo. Penso tambm nos profissionais de educao que lidam com o

    1 Com exceo da conferncia do Prof. Dr. Luiz Marcos da Silva Filho (Departamento de Filosofia da

    Universidade Federal de Lavras), as demais contribuies dos professores no constam destes Anais.

  • 21

    ensino de histria medieval em sala de aula e, s vezes, no dispem de subsdios que ajudem a

    incrementar o ensino; penso inclusive num pblico geral que, em meio a tantos apelos

    sensacionalistas, no conseguem encontrar bons trabalhos sobre o nosso perodo de estudo. O

    Laboratrio de Estudos Medievais, ncleo UFMG, reafirma seu compromisso com a produo, a

    qualidade e a divulgao das pesquisas relativas ao medievo em mbito regional e nacional.

    Esperamos, de fato, contribuir para o debate mais amplo de nossas temticas.

    Cronolgica e tematicamente, os Anais do Colquio esto bastante completos: temos

    trabalhos relativos aos primeiros sculos do cristianismo, que tratam do episcopado e da

    fundamentao doutrinria de grupos cristos; temos tambm trabalhos sobre consideraes mais

    especficas do perodo da oficializao do cristianismo e suas consequncias para a cultura

    poltica romana; os sculos iniciais do medievo esto igualmente contemplados: so seis

    trabalhos que empreendem discusso em mbito da realeza franca e visigoda, questes poltico-

    eclesiais do espao romano-oriental, ou bizantino, e romano-ocidental, nos sculos V-VI; peo

    permisso para fazer uma constatao elogiosa: o nmero dos trabalhos dedicados aos sculos

    mais recuados da Alta Idade Mdia j um bom indcio daquele incremento que h pouco

    mencionei; as dificuldades de acesso ao material documental e o menor ndice de publicaes

    acadmicas disponveis j no so obstculos para os pesquisadores de Alta Idade Mdia que, em

    nossas universidades, s vezes com graves carncias estruturais, ousam tratar de assuntos

    bastante delicados e o fazem com coragem e criatividade. Mas, o leitor poder encontrar tambm

    vrios trabalhos sobre os sculos VIII-IX, perodo frtil da afirmao de instituies, como o

    imprio carolngio, de procedimentos judicirios, como os juzos de Deus, ou de expresses de

    cultura, como as lnguas romnicas. Monarquia, papado, cavalaria, cotidiano, religiosidade e arte,

    temas clssicos da chamada Baixa Idade Mdia (alguns distinguiriam uma terceira Idade Mdia,

    a Idade Mdia Central), esto tambm considerados entre os trabalhos que ora apresentamos.

    Destaco a contribuio do professor Marcelo da Silva Murilo que se dedica a pesquisar o modo

    como os livros didticos discutem a Idade Mdia, assunto que traz tona um aspecto, s vezes,

    pouco discutido pelos medievalistas, aquele da contribuio epistemolgica e social de nossa rea

    nas salas de aula das escolas fundamentais e mdias. Ora, embora o Colquio que realizamos no

    tenha tido por objeto esta discusso, considero de suma importncia tentar inserir os resultados

    presentes nos Anais deste evento no mbito maior da divulgao acadmica tentando contribuir

    com a melhoria do ensino de histria medieval nas escolas brasileiras. Obviamente que no

  • 22

    suponho que o material atinja os professores da rede pblica de maneira massiva, mas no custa

    sonhar que estamos procurando sanar a distncia entre a pesquisa universitria e o trabalho rduo

    e acadmico dos colegas professores do ensino fundamental e mdio, a comear aqui em Belo

    Horizonte e Minas Gerais, mas igualmente, quem sabe, em outros lugares em que este texto

    chegar gratuitamente.

    Agradeo a todos os participantes da comisso tcnica que viabilizaram esta publicao e

    aos comunicadores que enviaram seus textos. Agradeo, mais uma vez, ao Programa de Ps-

    graduao em Histria da UFMG que investiu no evento e garantiu a participao de vrios

    professores e tornou possvel a abrangncia nacional do Colquio.

    Belo Horizonte, 11 de setembro de 2013

    Andr Luis Pereira Miatello

    Professor de Histria Medieval da UFMG

  • 23

    SOBRE O FUNDAMENTO VOLUNTARISTA DA POLTICA EM AGOSTINHO

    Luiz Marcos da Silva Filho1

    Logo nas primeiras linhas da obra A cidade de Deus, isto , logo em seu prlogo, o

    projeto de Agostinho de refletir sobre a poltica e a histria em chave voluntarista explicitado.

    Inicialmente, destaco o segundo e ltimo pargrafo do prlogo, em que juntamente com um

    voluntarismo poltico, Agostinho apresenta trao de contrariedade da cidade terrena.

    por isso que tambm a respeito da cidade terrena no deverei passar em silncio tudo aquilo que o plano desta obra exigir e a minha capacidade permitir dizer, cidade que com o desejo de dominar, e no obstante povos sejam seus escravos, domina a si mesma pela

    libido de dominao2.

    Ora, a cidade terrena no realiza o que projeta e, mais do que isso, realiza o contrrio do

    que projeta, na medida em que se torna escrava de certa figura da vontade, a libido de dominao.

    De todo modo, em se tratando de uma ciuitas ou res publica, ela guarda estatuto poltico, ainda

    que moralmente desorientada e com trao de contradio, o que significa que seu fundamento no

    nem a natureza, nem a razo. Por que seu fundamento no nem a natureza, nem a

    razo? Porque para Agostinho s h natureza e razo onde h identidade, e, como vimos,

    a cidade terrena se define pela negao da identidade, pois est em contradio consigo mesma,

    realiza o contrrio do que projeta. Isso nos permite dizer que tambm logo nas primeiras linhas

    do prlogo dA cidade de Deus vislumbramos que o projeto de reflexo voluntarista sobre a

    poltica coincide com um projeto de desnaturalizao da poltica. Note-se, ainda, a concesso de

    estatuto poltico para uma cidade ou repblica na ausncia de qualquer critrio moral, pois, tanto

    a ordenada repblica celeste, quanto a desordenada repblica terrena, so repblicas. A

    ausncia, porm, de critrio moral para conceder estatuto poltico para um conjunto de homens

    no significa em Agostinho divrcio necessrio entre poltica e moral, muito menos

    pretenso de conceder positividade para uma autonomia da poltica. Mas se Agostinho no

    1 Professor de Histria da Filosofia Medieval, da Universidade Federal de Lavras (UFLA).

    2 Unde etiam de terrena civitate, quae cum dominari adpetit, etsi populi serviant, ipsa ei dominandi libido

    dominatur, non est praetereundum silentio quidquid dicere suscepti huius operis ratio postulat si facultas datur. AUGUSTINUS. De ciuitate dei, praefatio. Na ausncia de meno, todas as tradues so de nossa

    responsabilidade.

  • 24

    pretende estabelecer as jurisdies prprias da poltica e da moral, deparamos com o

    problema de entender por que conferir estatuto poltico para um conjunto de homens moralmente

    desorientados. Agostinho poderia proceder como Ccero, que em sua obra Da repblica no

    concede estatuto poltico para toda e qualquer multitudo, mas somente para um conjunto de

    inumerveis homens que estabeleam entre si duas condies, a saber, o consensus iuris e a

    utilitatis communio. Povo no a unio de todos os homens de qualquer modo congregados,

    mas a unio de inumerveis homens associados por assentimento de direito e utilidade comum3.

    A definio ciceroniana de povo se d logo no livro I da obra, mas s no livro III o

    leitor tem notcias de que o ius presente na primeira condio, em consensus iuris, o ius

    naturale, cujo cumprimento exige a observncia da virtude da justia e a adequao do homem

    com a natureza. Desse modo, a definio ciceroniana de povo no confere estatuto poltico para

    um conjunto de homens moralmente desorientados, porque se trata de uma definio com

    fundamento naturalista: aqueles que no cumprem a natureza de homem no so capazes de

    inaugurar um modo de vida pblico, no podem adquirir estatuto de povo. No toa, nA

    cidade de Deus, II, xxi, Agostinho diz que no momento oportuno, que ser somente no livro XIX,

    mostrar por que segundo a definio ciceroniana de povo os romanos nunca foram um

    povo, nem constituram uma repblica. Para mostrar isso e, ento, apresentar nova definio

    de povo, Agostinho progressivamente, ao longo de toda A cidade de Deus, explicitar traos de

    conflito e contradio, de modo particular, nos romanos (at o livro X), e, de modo universal, em

    todo o gnero humano (XI-XXII). Tal explicitao de traos de conflito e contradio permite a

    refutao da definio ciceroniana naturalista de povo. Com efeito, o que Agostinho pretende

    ao longo de sua vagarosa exposio provar que o modo de existncia contraditrio dos romanos

    e do ser humano em geral um modo de existncia em processo de afastamento da essncia, ou

    da natureza, do homem.

    3 [...] populus [autem] non omnis hominum coetus quoquo modo congregatus, coetum multitudinis iuris consensu

    et utilitatis communione sociatum. CICERO, De re publica, I, xxv, 39, grifo nosso. As tradues de iuris consensus e utilitatis communio procuraram preservar mais o significado do que a proximidade de signos entre o latim e o portugus. A traduo de consensus por assentimento, e no por consenso ou consentimento, parece-nos mais rigorosa na medida em que remete adeso a um direito que o homem reconhece em sua prpria natureza a partir de processo intelectivo da alma e no por meio de acordo ou contrato

    institudo a posteriori. J a traduo de utilitatis communio por utilidade comum, e no por comunidade interesses, parece-nos mais rigorosa na medida em que no projeta na Antiguidade a reflexo moderna sobre interesses.

  • 25

    Mas quais so os traos de conflito e contradio do homem consigo mesmo? Um dos

    momentos centrais para a transio da anlise histrica da contradio dos romanos, em

    particular, para a contradio do ser humano, em geral, encontra-se nA cidade de Deus, XI, xxvi,

    onde se d uma das aparies do chamado cogito agostiniano. Em uma discusso que tem como

    alvo os cticos acadmicos, Agostinho nos diz que tem a certeza (que, mais precisamente, uma

    phantasia kataleptik) de que existe, de que conhece e de que ama, ou deseja (amor, desejo,

    querer, vontade, dileo em Agostinho so termos sinnimos). Em linhas gerais, o homem tem a

    certeza de que existe porque ainda que ele se engane, ou ainda que ele duvide, para enganar-se ou

    duvidar, ele precisa existir, se ele tem a certeza de que existe, ele tem o conhecimento de sua

    existncia, de forma que tambm tem a certeza de que conhece, assim como tem certeza de que

    deseja porque deseja continuar existindo e conhecendo, e mesmo que no deseje continuar

    existindo e conhecendo, ainda assim se trata de um desejo de no existir e no conhecer.

    Se Jean-Luc Marion tiver razo, a principal diferena do cogito agostiniano para o cogito

    cartesiano que, para Agostinho, a certeza de minha existncia no se confunde com a certeza da

    posse efetiva de minha essncia (Cf. MARION, 2008, p. 138-9). Se para Descartes, o

    conhecimento de minha existncia se d juntamente com o de minha essncia, para Agostinho, ao

    contrrio, a certeza de minha existncia , a um s tempo, certeza de que estou em processo de

    destituio de essncia e identidade. em funo dessa dupla certeza que os captulos e os livros

    subsequentes ao XI dizem que o homem por si mesmo, no mbito do ser, est condenado ao no-

    ser, disperso, morte, no mbito do conhecer, ao erro, e no mbito do querer, ao

    desregramento, ao descompasso entre querer e poder.

    Para os nossos propsitos, ns nos concentraremos nos traos de contradio do homem

    consigo mesmo no mbito do querer, da vontade, precisamente porque a cidade terrena, l no

    prlogo, era contraditoriamente definida por meio de uma figura da vontade, a dominandi libido.

    Assim, realizaremos anlise da vontade por intermdio da investigao agostiniana da primeira

    contradio que sucedeu ao homem aps a falta original de Ado e Eva. Ao analisarmos a

    exegese agostiniana do relato da queda, tambm pretendemos problematizar a suspeita de

    Senellart de que na dramaturgia do pecado original, e na grandiosa encenao agostiniana da

    seduo, do sexo e da morte, que devemos buscar os fundamentos de sua teologia poltica

    (SENELLART, 2006: 73).

  • 26

    No temos certeza se Agostinho empreende uma grandiosa encenao [...] da seduo,

    do sexo e da morte. De todo modo, a reflexo a que o comentador se refere encontra-se nos

    livros XIII e XIV dA cidade de Deus, que definem a libido como desejo sexual e originrio de

    todos os outros desejos, de todas as outras libidos, notadamente da libido de dominao.

    To logo se levou a efeito a transgresso do preceito, desamparados da graa de Deus, [os primeiros homens] se envergonharam da nudez de seus corpos. Por isso cobriram suas vergonhas com folhas de figueira, as primeiras, talvez, que se lhes depararam em meio de sua perturbao. Tais membros j os tinham antes, mas no eram vergonhosos. Sentiram, pois, novo movimento em sua carne desobediente, como castigo devido sua desobedincia. Comprazida no uso desordenado da prpria liberdade e desdenhando servir a Deus, a alma viu-se despojada da primeira sujeio de seu corpo e, por haver livremente abandonado o Senhor superior, no mantinha submisso o servo inferior nem mantinha submissa a si mesma a carne, como teria podido manter sempre, se houvesse permanecido submissa a Deus. A carne comeou, ento, a desejar contra o esprito. Nesse combate nascemos, arrastando o grmen de morte e trazendo em nossos membros

    e em nossa viciada natureza a alternativa de luta e vitria da primeira prevaricao4.

    Em sua exegese, Agostinho d especial ateno para a passagem do Gnesis em que a

    vergonha apresentada como efeito da transgresso. Trata-se da vergonha em relao nudez,

    no em relao nudez em si mesma, mas em relao ao que a nudez revela para o outro. E o que

    a nudez revela para o outro e do que que o homem se envergonha? O que a nudez revela e que

    motivo de vergonha um novo movimento desordenado da carne, uma ao em descompasso

    com a inteno, com o querer, , rigorosamente, a libido, que inexistia nos homens antes do

    pecado, juntamente com a inexistncia da vergonha. Isso significa que antes do pecado, com a

    natureza ntegra, os rgos genitais eram submissos, apenas se movimentavam se o homem

    quisesse que se movimentassem, como qualquer outra parte do corpo, mas aps o pecado, com a

    transgresso da natureza, a primeira exteriorizao da contradio do homem consigo mesmo o

    movimento carnal.

    4 Nam postea quam praecepti facta trasgressio est, confestim gratia deserente divina de corporum suorum

    nuditate confusi sunt. Unde etiam foliis ficulneis, quae forte a perturbatis prima comperta sunt, pudenda

    texerunt; quae prius eadem membra erant, sed pudenda non erant. Senserunt ergo novum motum inoboedientis

    carnis suae, tamquam reciprocam poenam inoboedientiae suae. Iam quippe anima libertate in perversum propria

    delectata et Deo dedignata servire pristino corporis servitio destituebatur, et quia superiorem dominum suo

    arbitrio deseruerat, inferiorem famulum ad suum arbitrium non tenebat, nec omni modo habebat subditam

    carnem, sicut semper habere potuisset, si Deo subdita ipsa mansisset. Tunc ergo coepit caro concupiscere

    adversus spiritum, cum qua controversia nati sumus, trahentes originem mortis et in membris nostris vitiataque

    natura contentionem eius sive victoriam de prima praevaricatione gestantes. AUGUSTINUS. De ciuitate dei, XIII, xiii.

  • 27

    A libido como contravontade expressa, por consequncia, o divrcio entre o querer e o

    poder. Mas por que da libido sexual decorre a libido, por assim dizer, poltica, a libido de

    dominao? Ora, a libido, para Agostinho, consiste no desejo de desfrutar, de gozar, de outra

    criatura nela mesma, consiste, assim, no desejo de posse, de dominao, do outro, no desejo do

    homem de ser Deus, o que, politicamente, expressa-se no desejo de dominar, de governar, toda a

    criao. Como Pagels, citado por Senellart, nos diz, a tentativa orgulhos de Ado (foi a) de

    estabelecer seu prprio governo autnomo (SENELLART, 2006: 73).

    Queremos dizer, com isso, que a anlise do desejo de autonomia do homem condio,

    nA cidade de Deus, para a compreenso da razo pela qual Agostinho concede a possibilidade de

    divrcio entre a poltica e a moral, ou, em outras palavras, da razo pela qual Agostinho concede

    que um conjunto de inumerveis homens guarde estatuto poltico, ainda que moralmente

    desorientados. Mas de que forma e por que Agostinho concede estatuto poltico mesmo para um

    conjunto de homens danado? A forma com que Agostinho concede a possibilidade de uma

    poltica independente da moral se encontra em sua redefinio de povo elaborada contra a

    ciceroniana. Povo o conjunto de inumerveis seres racionais associado pela concorde

    comunho de coisas que amam5

    .

    Nesta definio, o amor, isto , a vontade, no a natura, nem a ratio, que desempenha

    funo de fundamento da poltica. Seja qual for o amor, seja amor a Deus, seja amor dominao

    imperial, se se tratar de amor socialmente partilhado, o suficiente para que um conjunto de

    homens adquira estatuto poltico de povo. Mas por que todo esse empenho de Agostinho para

    conferir estatuto poltico para povos moralmente depravados? Como j dissemos, no para

    conceder positividade para uma autonomia da poltica. Ao contrrio, Agostinho confere estatuto

    poltico inclusive para uma repblica moralmente desorientada para demarcar a negatividade da

    autonomia da poltica. Toda a anlise, por exemplo, da Histria de Roma que Agostinho realiza

    nos cinco primeiros livros dA cidade de Deus est a servio da moral.

    Isso quer dizer que todo o empenho de Agostinho para conceder estatuto poltico para

    povos imorais tem a finalidade de criticar uma poltica estremada da moral, uma poltica com fim

    em si mesma, e legitimar a poltica apenas como meio, como instrumento, moral. Mais

    precisamente, e agora estabelecendo relao entre A cidade de Deus e algumas Cartas e Sermes,

    5 Populus est coetus multitudinis rationalis rerum quas diligit concordi communione sociatus. AUGUSTINUS.

    De ciuitate dei, XIX, xxiv.

  • 28

    o desapreo agostiniano por uma poltica estremada da moral guarda tambm o propsito de

    legitimar uma estrutura de poder, no caso, a estrutura de poder imperial de Roma, que esteja a

    servio da orientao moral da Igreja, para estabelecer, se necessrio, de forma coercitiva, a

    coeso de desejos ordenados na sociedade. Assim, a represso exteriorizao de desejos

    desordenados , para Agostinho, coero teraputica necessria para cidados destitudos, da

    identidade entre querer e poder.

    O poder no mais a consequncia de uma vontade que obedece, mas o meio de coagi-la a obedecer. Se bastava a Ado querer o bem para exercer seu poder, preciso que os homens submetam-se a um poder para serem capazes de bem querer. Desse modo Agostinho apaga o limite [...] entre a autoridade espiritual e a coero secular (SENELLART, 2006: 88).

    REFERNCIAS

    AUGUSTINUS. De civitate Dei contra paganos libri viginti duo. Patrologia Latina Tomus 41. Turnhout: Brepols, 1983.

    ______. De civitate Dei (Libri I-X). Corpus Christianorum Series Latina XLVII. Turnhout: Brepols, 1955.

    ______. De civitate Dei (Libri XI-XXII). Corpus Christianorum Series Latina XLVIII. Turnhout: Brepols, 1955.

    ______. De excidio urbis Romae tractatus unus. Patrologia Latina Tomus 40. Turnhout:

    Brepols, 1982.

    ______. Epistolae. Patrologia Latina Tomus 33. Turnhout: Brepols, 1982.

    ______. Sermones. Patrologia Latina Tomus 38. Turnhout: Brepols, 1987.

    ______. A cidade de Deus. (contra os pagos). 2 volumes. Trad. Leme, O. P. Petrpolis: Vozes, 2002.

    CICERO. De re publica. Leipzig: Bibliotheca scriptorum Graecorum et Romanorum

    Teubneriana, 1964.

    MARION, J-L. Au lieu de soi: lapproche de Saint Augustin. Paris: PUF, 2008.

    SENELLART, M. As artes de governar: do regimen medieval ao conceito de governo. So

    Paulo: Ed. 34, 2006.

  • 29

    UM CAPITEL SEM COLUNA: A RUPTURA ENTRE MONGES E INTELECTUAIS

    MEDIEVAIS LUZ DAS CONSTRUES HISTORIOGRFICAS E TESTEMUNHOS DE

    POCA (SCULOS XI E XII)

    Carlile Lanzieri Jnior1

    1 Introduo

    Na mitologia grega, rion foi um gigante que perdeu a viso pela ira alheia. Cego e

    desorientado, rion vagou a esmo antes de encontrar a misericrdia do deus Vulcano que o

    presenteou com um guia. Quedalio era seu nome. Sentado sobre os ombros de rion, Quedalio

    o conduziu at a morada do Sol, onde o gigante enfim recuperou a viso h tempos perdida. O

    fiel guia permaneceu firme at o trmino da misso para a qual fora designado (BULFINCH,

    2002: 248).

    Sobre os ombros de gigantes, ia-se ao longe, pois se enxergava mais e melhor. As

    contribuies mtuas permitiam que caminhos longos fossem percorridos com eficcia. Tudo

    isso os gregos ensinaram as civilizaes que os sucederam. Tal orientao mitolgica foi

    retomada no medievo e se fez presente nas pginas memorialistas de Joo de Salisbury (c. 1120 -

    1180) ao se referir a uma das mximas pedaggicas do mestre Bernardo de Chartres ( c. 1124)

    em Policraticus (c. 1175):

    Bernardo de Chartres costumava nos comparar a insignificantes anes empoleirados

    sobre os ombros de gigantes. Ele nos mostrou que vamos melhor e mais alm do que

    nossos predecessores, no porque tnhamos viso aguda ou altura elevada, mas porque

    ramos erguidos por essas gigantescas estaturas (JOHN OF SALISBURY, 1990: 167)2.

    Por longo tempo, imaginou-se que esse belo ensinamento fora cunhado pelo cientista

    ingls Isaac Newton (1643-1727). Fruto do preconceito iluminista que nutriu numerosas

    inverdades a respeito da Idade Mdia (AMALVI, 2002: 537-550; PERNOUD, 1994), tal

    equvoco perdurou. Mas a verdade uma s: essa frase foi proferida e eternizada por dois

    1 Doutorando em Histria pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Orientador: Professor Dr. Roberto

    Godofredo Fabri Ferreira. Bolsista pelo CNPq. Professor de Histria Medieval do Departamento de Histria das

    Faculdades Integradas de Cataguases Grupo UNIS. E-mail: [email protected]. 2 Todas as tradues de obras em lngua estrangeira so de nossa autoria e inteira responsabilidade.

  • 30

    importantes mestres do sculo XII medieval Bernardo de Chartres e Joo de Salisbury. Doutos

    que trabalharam pela formao de diversos discpulos, resgate e estudo dos clssicos da

    Antiguidade.

    Essa diretriz conduziu os humanistas dos sculos XI e XII, homens que, antes do

    Renascimento Italiano, interessavam-se pelo saber que por sculos os precedeu. Esse interesse

    permitiu que diversos clssicos da cultura greco-romana fossem salvos do esquecimento e da

    destruio. E um passo adiante foi dado: com base nessa herana, discentes foram educados e

    novas obras compostas.

    Um desdobramento da assertiva do mestre Bernardo de Chartres observada em outros de

    seus ensinamentos igualmente rememorados por Joo de Salisbury, desta vez no primeiro livro de

    Metalogicon, obra feita para elogiar as artes do Trivium (Gramtica, Retrica e Dialtica) e

    criticar nscios detratores deste formato de ensino.

    Para promover a aquisio da eloquncia e a obteno de conhecimento, nada melhor

    que tais conferncias, que tambm tm uma salutar influncia na conduta prtica, desde

    que a caridade modere o entusiasmo, e que a humildade no se perca durante o processo

    de aprendizagem. Um homem no pode ser servo do saber e dos vcios carnais.

    De cada estudante era requerida recitao diria de parte do que ouviu no dia anterior.

    Alguns recitavam mais, outros menos. Assim, cada dia subsequente se tornava discpulo

    de seu predecessor (JOHN OF SALISBURY, 1971: 68 e 70).

    Segundo Joo de Salisbury, essas conferncias (collationibus) compunham o mtodo de

    ensino de Bernardo de Chartres, que exigia que seus discpulos escrevessem diariamente prosas e

    versos e expusessem os resultados alcanados, uma maneira de fixar os conhecimentos e refletir

    acerca do que fora ensinado. Era evidente a valorizao do passado e do que se aprendeu antes. E

    praticar sempre para que os conhecimentos no se perdessem e se solidificassem por experincias

    anteriores (LANZIERI JNIOR, 2011).

    Dialogar com os pares e o passado, valorizar e aprender com os sbios de outras pocas.

    Preocupaes cultivadas pelos mestres medievais e que ajudaram na confeco de obras que

    versaram sobre os mais variados temas (COSTA, 2012). Porm, como demonstraremos nas

    pginas subsequentes deste ensaio, tal premissa se perdeu no horizonte terico de numerosos

    medievalistas que, equilibrados sobre estaturas menos elevadas, no enxergaram para alm da

    prpria autoridade (RUST, 2011: 64).

  • 31

    2 O capitel

    Em linhas gerais, a historiografia produzida durante boa parte do sculo XX sobre a

    educao na Idade Mdia deu pouca ateno ao ensino desenvolvido em ambiente monstico

    (RUBENSTEIN & VAUGHN, 2006: 1). O amplo favorecimento dado ao que aconteceu a partir

    do Renascimento do Sculo XII evidencia essa negligncia. Em quase todos os manuais, o

    monaquismo dos sculos X e XI emergiu como um plido contraponto, mera preparao de

    terreno para os episdios grandiosos que o sucederam (entre outros, BROOKE, 1972 e

    SWANSON, 1999).

    Mas quando essa fratura se formou? Em 1957, com a publicao de Os intelectuais da

    Idade Mdia de Jacques Le Goff (1995). Extremamente influente e arraigado nas geraes de

    medievalistas das dcadas posteriores, o livro de Le Goff fechou as fronteiras: de um lado

    ficaram os monges, do outro os mestres das escolas das catedrais urbanas e os primeiros

    intelectuais profissionais ligados s razes das primeiras universidades do sculo XIII.

    O momento decisivo do texto do professor francs deu-se na interpretao do embate

    entre Bernardo de Claraval (1090-1153) e Pedro Abelardo (1079-1142). O primeiro foi pintado

    com as cores turvas do arcasmo, um precoce inquisidor, enquanto o segundo recebeu as

    tonalidades vvidas de um apaixonado revolucionrio frente de seu tempo. As afirmaes de

    Jacques Le Goff ganharam feies cannicas (COSTA, 2010).

    Os intelectuais da Idade Mdia atravessou as dcadas e se perpetuou atravs de novas

    tradues, edies e revises. Porm, sua essncia continuou intacta. O que mais chamou nossa

    ateno no texto de Jacques Le Goff e em todos que seguiram seu postulado foi a valorizao de

    uma suposta laicizao da sociedade em decorrncia da ampliao das atividades econmicas e

    urbanas, pedras de toque que romperam com o atraso de passado feudal e religioso e

    purificaram a educao medieval, alando-a a patamares, enfim, aceitveis, ou mais prximos do

    que se praticou em perodos mais recentes (ou modernos). Em outras palavras, na luta de

    classes entre a sociedade feudal e a sociedade urbana, os louros da vitria foram entregues

    ltima (LE GOFF, 2005: 296-298).

    E se esse incremento econmico e urbano dos sculos XII e XIII permitiu a diviso do

    trabalho em reas especficas, a educao no poderia escapar do alcance dessas transformaes.

    Como resultado, as especialidades inerentes nova sociedade que se formava indicavam que o

  • 32

    intelectual seria aquele que se dedicava exclusivamente ao ensino e recebia dinheiro em troca de

    seus servios docentes. Esse foi ponto comum na historiografia que se sedimentou em torno do

    livro de Jacques Le Goff. Vejamos alguns representantes dela.

    Nos final dos anos oitenta do sculo XX, ao escrever sob a sombra do carvalho

    legoffiano, Mariateresa Fumagalli Beonio Brocchieri (1989: 125-141) igualmente analisou a

    intelectualidade do sculo XII. Em suas assertivas, Brocchieri cunhou dois conceitos distintos:

    intelectual fraco (ou incompleto) e intelectual forte (e outras variaes complementares,

    como intelectual a tempo inteiro e intelectual de raa). O que os diferenciava era a inteno

    profissional de transmitir seus conhecimentos, desejo visto com clareza apenas entre os ltimos.

    Ao ir alm do que outrora afirmou Jacques Le Goff, Brocchieri definiu o intelectual

    medieval a partir da ruptura entre aqueles que se dedicaram em tempo integral ao ensino e

    aqueles que, depois de anos dedicados ao estudo, assumiram algum compromisso administrativo

    na poltica de alguma corte medieval. Pela tica interpretativa de Brocchieri, apenas os primeiros

    seriam intelectuais propriamente ditos, uma vez que retransmitiam o saber possudo e talhavam

    outros como eles.

    Entre Jacques Le Goff e Mariateresa Fumagalli Beonio Brocchieri, ainda h mais um

    elemento em comum: a definio do intelectual medieval com base no fator econmico. Para

    ambos, o comrcio e urbanizao crescentes nos sculos XI e XII foram decisivos para a

    existncia desse profissional, que ganhava a vida ao comercializar os conhecimentos que detinha.

    Assim como Jacques Le Goff, Mariateresa Fumagalli Beonio Brocchieri fez de Pedro Abelardo

    seu ponto de partida e o descreveu com os rtulos evolucionistas de intelectual forte,

    intelectual o tempo inteiro e intelectual de raa.

    Pelo que se percebe, Jacques Le Goff e seus asseclas definiram um modelo unificado e

    analisaram diversos personagens a partir deste. Quem no se encaixava no era descrito como

    intelectual. Mas trabalhar a partir de uma premissa to hermtica e excludente no daria feies

    sincrnicas ao que por si s era diacrnico? Em outros termos, definir um modelo nico no seria

    retirar do perodo as vrias manifestaes de ensino que nele foram observadas e laurear uma

    nica forma de saber e transmisso de conhecimentos?

    O estilo legoffiano de conceber a viso medieval sobre o tempo (RUST, 2011: 54-64)

    pode ser transplantado para este ensaio. Para Le Goff, em seus estudos sobre a Civilizao do

    Ocidente Medieval, constitui-se entre os sculos XI e XII uma diviso do tempo, tempo da

  • 33

    Igreja e tempo dos mercadores, o ltimo responsvel por definir os novos rumos da

    Cristandade. Para trs ficava um mundo feudal rural e dominado pelo religioso, adiante, seguia o

    mundo urbano, marcado pelo racionalismo e uma suposta identidade laica.

    Se Jacques Le Goff agiu assim ao analisar o tempo medieval, afirmamos que ele fez algo

    semelhante ao descrever a intelectualidade de ento. Como conseqncia direta do dinamismo

    urbano e econmico, novas formas de ensino e saber se constituram jogando para segundo plano

    o pensamento de feies religiosas conduzido por membros do clero, sobretudo os monges. Mas

    sustentar esse tipo de anlise no seria construir historiograficamente uma ruptura que no existiu

    segundo o que nos dizem os testemunhos da poca?

    3 A coluna

    Conforme antes mencionado, o ncleo sobre o qual gravitou a historiografia que pouco se

    atentou ao monaquismo encontra-se na exaltao figura de Pedro Abelardo e sua vitria sobre

    o mtodo de ensino conduzido por Anselmo de Laon. Todavia, essa longeva premissa

    historiogrfica no se sustenta quando os testemunhos de Joo de Salisbury e Guiberto de Nogent

    (c. 1055 - c. 1125) so aferidos. Ainda que concisos, ambos foram respeitosos ao se referirem a

    Anselmo. Primeiro, Joo: Eles [os cornificianos] [embora s escondidas, porque no ousariam

    fazer isso abertamente] presumem extinguir aquelas mais brilhantes luzes de Gaul, os irmos

    telogos Anselmo e Raul, que deram brilho a Laon, e cuja memria feliz e abenoada (JOHN

    OF SALISBURY, 1971: 22); agora, Guiberto: Quando todos os homens assentiram a eleio de

    Gaudri, a nica suspeio veio de mestre Anselmo, cujo conhecimento das disciplinas liberais e

    tranqilidade moral o tornaram um farol para todos na Frana na verdade, em todo o mundo

    latino (GUIBERTO DE NOGENT, 1993: 284).

    Ao contrrio das apressadas certezas retricas que a historiografia moderna imps ao

    passado, personagens do medievo trataram Anselmo de Laon positivamente. Em Metalogicon,

    Joo de Salisbury fez duras crticas a estudantes que desejavam simplificaes nos programas de

    estudos os cornificianos , e que se vangloriavam pelos parcos conhecimentos adquiridos. Para

    demonstrar o quanto eram tolos, ele exaltou a memria de Anselmo e de seu irmo, Raul ( c.

    1133), antteses perfeitas para expor as insanidades de estudantes preguiosos e incapazes de

  • 34

    compreender uma pedagogia baseada na reflexo e prtica permanentes (LANZIERI JNIOR,

    2011).

    Algumas dcadas antes de Joo de Salisbury, o abade Guiberto de Nogent, em Monodiae

    (c. 1115), descreveu Anselmo no episdio em que se deu a escolha de um homem chamado

    Gaudri para ocupar a cadeira episcopal da cidade de Laon. Se para Joo, Anselmo era uma luz

    brilhante, para Guiberto ele era um farol cujo saber iluminava as pessoas. Portanto, mais que

    pensar a (ou sobre a) Idade Mdia, deve-se pensar na Idade Mdia, pela alteridade encontrada

    nas palavras de seus protagonistas. Sobre os ombros largos e firmes desses verdadeiros gigantes,

    enxergamos melhor aquela poca.

    Assim, diferente de um homem de conhecimentos limitados incapaz de enfrentar debates,

    Anselmo foi igualmente lembrado e reverenciado como um mestre respeitado e influente. Com

    efeito, acreditamos que o depoimento isolado de Pedro Abelardo tomado por Jacques Le Goff

    deve ser confrontado ao que outras pessoas escreveram. E a comparao demonstra que, acima de

    uma ruptura revolucionria ou superao de ideias declinantes, existiu um processo de trocas,

    uma simultaneidade de opinies que evidencia a diversidade do perodo em questo e no

    contradies que o levaram derrocada. Pensar de maneira diferente seria compreender a

    realidade humana dividida em blocos distintos que, de tempos em tempos, sobrepunham-se uns

    aos outros sem permitir manifestaes do que antes existiu.

    Embora as teorias de Jacques Le Goff h dcadas apresentem pontos que no se

    confirmam no contato com as fontes primrias, elas ainda perduram. Assim, as premissas deste

    medievalista ressurgiram nos anos noventa do sculo XX com os estudos de R. W. Swanson

    (1999) sobre o Renascimento do Sculo XII e suas bases polticas, sociais e, sobretudo,

    econmicas. Ao seguir sem questionar os passos da historiografia que o precedeu, Swanson

    corroborou as teses economicistas e praticamente negligenciou o trabalho com testemunhos de

    poca.

    Em um texto disposto como um leque sequencial, R. W. Swanson limitou-se a tpicos

    meramente institucionais e apresentou nomes de mestres e centros de estudo mais conhecidos do

    sculo XII. Nos raros momentos nos quais Swanson abordou os testemunhos deixados pelos

    protagonistas de ento, tomou-os para referendar suas afirmaes. Ademais, entendemos que sua

    narrativa aceitou desde o incio a existncia de um horizonte para o qual caminhava-se

    progressivamente.

  • 35

    Antes de prosseguir, um parntese: em quem acreditar? Nos testemunhos de poca ou na

    historiografia? No se trata de optar por um caminho ou outro. Julgamos que os bons

    historiadores (pelo menos os que compreendem os pilares sobre os quais o ofcio de historiador

    se ergue) nem deveriam pensar algo diferente da primeira opo. Contudo, os escritos at aqui

    inventariados apontam o contrrio e a sobreposio das fontes secundrias sobre as primrias.

    Em 1994, C. Stephen Jaeger fez consideraes semelhantes s de Jacques Le Goff e

    Mariateresa Fumagalli Beonio Brocchieri. Ao longo de uma minuciosa narrativa, Jaeger lanou

    mo de uma terminologia diferente, velha aprendizagem (old learning), que se referia aos

    mtodos de estudo praticados at o sculo XII, e nova aprendizagem (new learning), que

    sintetizava a metodologia que se tornou dominante a partir do sculo XII. Com palavras

    diferentes, o livro de Jaeger trazia implcita a mesma diviso scio-temporal proposta por Le

    Goff e desenvolvida por Brocchieri.

    Como Le Goff e Brocchieri fizeram, C. Stephen Jaeger (1994: 229-233) descreveu

    Abelardo como smbolo da ruptura entre velha e nova aprendizagem. Os monges eram os

    representantes da primeira, os mestres das escolas urbanas aninharam-se sob a segunda. Jaeger

    tambm afirmou que o proposto por sculos pelo monaquismo continuou a existir, mas em outro

    universo: as cortes cavaleirescas. Por fim, mas no menos importante: o divisor de guas

    apontado por este autor estava no uso da autoridade pessoal por parte dos mestres antigos como

    maneira derradeira de sustentar as bases dos ensinamentos oferecidos.

    Como anteriormente demonstrado, a primeira parte do argumento de C. Stephen Jaeger,

    baseada nos enfrentamentos de Abelardo no faz sentido, pois se limitou a seguir o que foi

    referendado pela historiografia impelida por Jacques Le Goff. A segunda, apoiada na autoridade

    pessoal dos mestres antigos, igualmente perde sentido quando confrontada s fontes primrias.

    Ao que tudo indica, Jaeger no considerou algo defendido por Anselmo de Aosta (ou Bec) (c.

    1033 - 1109) em O gramtico:

    [...] no quero que te apegues de tal modo s coisas que dissemos que as sustente

    teimosamente, se algum conseguisse destru-las com argumentos mais fortes e

    estabelecer coisas contrrias. Se isso acontecer, pelo menos no negars que estas

    afirmaes nos serviram de exerccios para discusses (SANTO ANSELMO, 1979:

    197).

  • 36

    Essas so as frases de um mestre medieval do sculo XI. Homem ligado ao universo

    monstico e responsvel pela formao de diversos outros mestres do sculo XII (VAUGHN,

    2006: 99-127). Sem meias-verdades e jogos retricos, Anselmo foi taxativo: o conhecimento

    formava-se pelo debate constante, e no se resumia autoridade de quem dizia ou escrevia algo.

    Uma boa argumentao destituiria verdades estabelecidas. O ensinamento anselmiano ecoou no

    stimo livro do Policraticus (1159) de Joo de Salisbury:

    Se essas investigaes parecem se aproximar mais da filosofia formal, o esprito de

    investigao deve corresponder mais s prticas acadmicas no lugar do plano de um

    resoluto combatente, de modo que, no exame da verdade, cada pessoa reserva a si a

    liberdade de julgar e a autoridade dos escritos deve ser considerada intil se subjugada

    por um argumento melhor (JOHN OF SALISBURY, 1990: 147-148).

    O estudante investiga, busca a verdade, no fim, julga. Se corretas e fundamentadas, as

    consideraes desenvolvidas tomam o lugar do que ps prova. Este era o ciclo do conhecimento

    definido por esses mestres Idade Mdia. Ao considerarmos o apreo dos medievais pelos

    clssicos da Antiguidade, possvel afirmar que ambos, sobretudo o autor de Policraticus

    (McGARRY, 1971: xxiii-xxiv), foram tributrios dos ensinamentos de Lcio Aneu Sneca (4

    a.C - 65 d.C): Mesmo que seja visvel em ti a semelhana com algum autor cuja admirao se

    gravou mais profundamente em ti, que essa semelhana seja a de um filho, no a de uma esttua:

    a esttua um objeto morto (LCIO ANEU SNECA, 2009: 381-382).

    Trs autores distintos, de formao e pocas diferentes, e um ponto convergente: pelas

    ticas antiga e medieval, em confronto com o que C. Stephen Jaeger asseverou, o conhecimento

    baseado puramente na autoridade pessoal era insuficiente, era preciso investigar, questionar as

    verdades. Se preciso, super-las. Uma vez mais, a anlise isolada dos depoimentos de Pedro

    Abelardo sobre Anselmo de Laon turvou a viso sobre a poca abordada. Pelo que escreveram

    Anselmo de Aosta e Joo de Salisbury, luz do epistolrio senequiano, no mnimo, devemos

    considerar que o apelo autoridade pessoal no era um cnone fossilizado na pedagogia

    medieval dos sculos XI e XII, mais propensa ao dilogo que a imposio pura e simples.

    Na primeira dcada deste sculo, Jay Rubenstein e Sally Vaughn (2006) organizaram uma

    coletnea de estudos que reuniu autores com um tema nico: o impacto do ensino desenvolvido

    nas escolas monsticas na Idade Mdia central (sculos XI-XIII), assim como o trabalho de seus

    mestres, quase todos responsveis pela formao das geraes que conduziram o Renascimento

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    do Sculo XII. A partir dessa coletnea, novamente retomamos a orientao que nos trouxe at

    aqui: existiu uma ruptura entre o ensino monstico e o ensino das escolas das catedrais urbanas

    ou estamos diante de um produto desenvolvido nos laboratrios da historiografia?

    Um fato intrigante que, bem antes de Jacques Le Goff, Charles Homer Haskins (1927:

    16), em livro quase centenrio, no foi to radical e dicotmico quanto seus sucessores. Para

    Haskins, embora assaz descritivo em suas investigaes, o suposto renascimento ocorrido no

    sculo XII possua razes intelectuais profundas, algumas delas ligadas ao monaquismo. Alm

    disso, este autor, ainda que sucinto, entendeu os acontecimentos dos sculos XI e XII no como

    uma criao indita, mas como a intensificao de um processo anterior, algo que se estendeu do

    sculo IX (Renascimento Carolngio) ao XII.

    Em publicao de meados dos anos oitenta, Marjorie Chibnall (1984: 99) retomou e

    aprofundou o que Charles Homer Haskins apenas sugeriu. Referncia para Rubenstein e Vaughn

    (2006: 4), Chibnall mostrou-se menos propensa a se render aos modelos economicistas fechados

    que a historiografia tradicional lhe ofereceu. Para essa autora, necessrio entender os homens

    ligados ao saber dos sculos XI e XII inseridos em um processo de trocas constantes, e estas se

    mostraram mais freqentes que os conflitos. Em nossas anlises, percebemos que o que Chibnall

    apontou torna-se mais ntido quando as prticas pedaggicas comuns entre mosteiros e escolas

    das catedrais urbanas so observadas em conjunto.

    E no dilogo com Charles Homer Haskins, Marjorie Chibnall, Jay Rubenstein e Sally

    Vaughn, com os ps firmes na anlise das fontes primrias, que defendemos a necessidade de se

    entender o que ocorreu no sculo XII como um processo multifacetado. Este no se deu em

    blocos hermticos que deixavam para trs um passado supostamente religioso e arcaico. Em

    suma, um processo amplo e que por bom tempo amalgamou realidades distintas, no uma

    evoluo manifesta e ininterrupta sustentada por pilares estritamente laicos e econmicos.

    A partir de nossas anlises do medievo, deparamo-nos com a aplicao de castigos,

    prtica pedaggica que se disseminou por mosteiros e escolas pertencentes s catedrais urbanas.

    Nem mesmo professores particulares remunerados abriram mo de tal recurso. Longe de serem

    aes meramente violentas, os castigos intentavam corrigir estud