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2261 COLONIALIDADE DO SER E SUSTENTAÇÃO DO RACISMO: ENTENDIMENTO À LUZ DE NÉLSON MALDONADO-TORRES Cristina Borges Universidade Estadual de Montes Claros;[email protected] RESUMO O conceito de colonialidade do sociólogo Anibal Quijano ganhou amplitude no pensamento de Walter Mignolo. Colonialidade do Poder e Colonialidade Epistémica fornecem às refle- xões de intelectuais subalternos como Quijano, Mignolo e Nelson Maldonado-Torres chaves para entendimento sobre a manutenção de relações coloniais na pós-modernidade . Nélson Maldonado-Torres desenvolveu o conceito de Colonialidade do Ser para abordar os efeitos da colonialidade na experiência vivida dos sujeitos subalternos. Um desses efeitos é o racismo. A presente comunicação objetiva, à luz desse filósofo, refletir sobre a colonialidade do ser en- quanto sustentadora do racismo religioso na pós-modernidade. Racismo que tem como vítimas as religiões marginais. Toma como base teórica Frantz Fanon e Nélson Maldonado-Torres, ativistas da descolonização. O último, intelectual do colectivo Modernidad/Colonialidad. En- quanto expressão da colonialidade do ser o racismo, bem como a racialização da fé ,é colocado além da cultura e visto como parte constitutiva do homem pós-moderno. Palavras-Chave: Racismo, Colonialidade do Ser, religião. A presente comunicação, trata da articulação entre racismo e colonialidade empreendi- da pelo filósofo porto-riquenho Nelson Maldonado-Torres 1 (2007) em seu ensaio: “Sobre la colonialidad del ser: contribuiciones al desarrollo de un concepto”. Resultante de conferência proferida em 2004 sobre “Teoria crítica y descolonización” em várias universidades nos EUA 2 . Enquanto uma pretensão de conhecer o pensamento desse filósofo sobre os fundamentos da co- lonialidade do ser - pensamento que o mesmo desenvolve a partir do aprofundamento à crítica Lévinasiana à ontologia do filósofo Martin Heidegger –, nossa reflexão se restringe à introdu- ção e primeira parte da referida conferência, quando Maldonado-Torres relaciona sua trajetória enquanto pensador da descolonialidade e apresenta seu conceito de colonialidade. Isso, para preparação e entendimento da permanência do racismo na sociedade atual. Nelson Maldonado-Torres é bacharel em filosofia pela Universidad del Puerto Rico, doutorou-se em Estudos da Religião da Universidade de Brown em Rhode Island, Estados Unidos. Foi introduzido no pensamento de Martim Heidegger pelas mãos de uma de suas tra- dutoras, a professora Joan Stambaugh, que durante anos havia trabalhado com esse filósofo. Após, se interessou pela tradição fenomenológica particularmente Sartre, Husserl e Derrida. 1 Integrante do Grupo Modernidade/Colonialidade 2 Entre as universidades que receberam las charlas desse pensador destacamos a Universidade de Duke onde atua o pensador Walter Mignolo e a Universidade de Chapeel Hill onde atua o antropólogo Arturo Escobar, outros dois integrantes do Grupo Modernidade/Colonialidade.

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COLONIALIDADE DO SER E SUSTENTAÇÃO DO RACISMO: ENTENDIMENTO À LUZ DE NÉLSON MALDONADO-TORRES

Cristina BorgesUniversidade Estadual de Montes Claros;[email protected]

RESUMO

O conceito de colonialidade do sociólogo Anibal Quijano ganhou amplitude no pensamento de Walter Mignolo. Colonialidade do Poder e Colonialidade Epistémica fornecem às refl e-xões de intelectuais subalternos como Quijano, Mignolo e Nelson Maldonado-Torres chaves para entendimento sobre a manutenção de relações coloniais na pós-modernidade . Nélson Maldonado-Torres desenvolveu o conceito de Colonialidade do Ser para abordar os efeitos da colonialidade na experiência vivida dos sujeitos subalternos. Um desses efeitos é o racismo. A presente comunicação objetiva, à luz desse fi lósofo, refl etir sobre a colonialidade do ser en-quanto sustentadora do racismo religioso na pós-modernidade. Racismo que tem como vítimas as religiões marginais. Toma como base teórica Frantz Fanon e Nélson Maldonado-Torres, ativistas da descolonização. O último, intelectual do colectivo Modernidad/Colonialidad. En-quanto expressão da colonialidade do ser o racismo, bem como a racialização da fé ,é colocado além da cultura e visto como parte constitutiva do homem pós-moderno.Palavras-Chave: Racismo, Colonialidade do Ser, religião.

A presente comunicação, trata da articulação entre racismo e colonialidade empreendi-da pelo fi lósofo porto-riquenho Nelson Maldonado-Torres1(2007) em seu ensaio: “Sobre la colonialidad del ser: contribuiciones al desarrollo de un concepto”. Resultante de conferência proferida em 2004 sobre “Teoria crítica y descolonización” em várias universidades nos EUA2. Enquanto uma pretensão de conhecer o pensamento desse fi lósofo sobre os fundamentos da co-lonialidade do ser - pensamento que o mesmo desenvolve a partir do aprofundamento à crítica Lévinasiana à ontologia do fi lósofo Martin Heidegger –, nossa refl exão se restringe à introdu-ção e primeira parte da referida conferência, quando Maldonado-Torres relaciona sua trajetória enquanto pensador da descolonialidade e apresenta seu conceito de colonialidade. Isso, para preparação e entendimento da permanência do racismo na sociedade atual.

Nelson Maldonado-Torres é bacharel em fi losofi a pela Universidad del Puerto Rico, doutorou-se em Estudos da Religião da Universidade de Brown em Rhode Island, Estados Unidos. Foi introduzido no pensamento de Martim Heidegger pelas mãos de uma de suas tra-dutoras, a professora Joan Stambaugh, que durante anos havia trabalhado com esse fi lósofo. Após, se interessou pela tradição fenomenológica particularmente Sartre, Husserl e Derrida. 1 Integrante do Grupo Modernidade/Colonialidade2 Entre as universidades que receberam las charlas desse pensador destacamos a Universidade de Duke onde atua o pensador Walter Mignolo e a Universidade de Chapeel Hill onde atua o antropólogo Arturo Escobar, outros dois integrantes do Grupo Modernidade/Colonialidade.

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Maldonado-Torres acredita que o que lhe despertou do sono ontológico3 foi o trabalho do fi ló-sofo Emanuel Lévinas onde encontrou o que ele denomina de “subversión radical de la fi losofi a occidental”, uma vez que Lévinas empreende suas refl exões a partir de fontes judias e não somente gregas.

Essa subversão permitiu a Lévinas apresentar uma ideia de fi losofi a singular: a ideia do começo do fi losofar encontrar-se na relação Eu-Outro e não no encontro S-O. A relação Eu-Outro, uma elação ética, é vocação do ser humano. Esse entendimento de Lévinas permitiu a Maldonado-Torres perceber que questões como trabalho, ambição pelo poder ou o inconsciente não poderiam ser tratadas na fi losofi a apenas como variações ou inovações, mas precisariam ser tratadas como questões fundamentais. O fi lósofo pretendia compreender como Lévinas havia chegado à conclusão de que a relação S-O estava além de ser cognitiva porquanto seria uma relação ética. Outro aspecto em Lévinas que chama a atenção de Maldonado-Torres era o fato de ser um sobrevivente do holocausto judeu, vivência que marcou a sua refl exão fi losófi ca. Um giro então ocorre no interesse e estudos do pensador porto-riquenho: de Heidegger, apoiador do regime nazista a Lévinas vítima do regime nazista. Tal giro tem concedido a Nelson Mal-donado-Torres (2007) legitimidade enquanto fi lósofo e pensador reconhecido nas academias estadunidenses e europeias.

COLONIALIDADE DO SER E RACISMO EM NÉLSON MALDONADO-TORRES: CONSIDERAÇÕES SOBRE RELIGIÕES MARGINAIS NO BRASIL

O termo colonialidade do ser foi usado inicialmente por Walter Mignolo (2003, 2014,) mas, é Maldonado-Torres quem busca fundamentá-lo colocando inicialmente a seguinte per-gunta: ¿qué es la colonialidad? Sua resposta parte da distinção entre colonialismo e coloniali-dade. O primeiro, enquanto uma relação política e econômica na qual a soberania de um povo está em poder de outro povo, relação que pode transformar o último em um império ou não. Já a colonialidade se refere a um padrão de poder mundial resultante do colonialismo e que não se restringe a uma relação formal ou institucional de poder, pois se refere à forma como trabalho, conhecimento, autoridade e intersubjetividade articulam-se através do mercado, do capital e da ideia de raça. Padrão de poder que está presente em livros didáticos, nos critérios dos trabalhos acadêmicos, na cultura, na autoimagem dos povos, nas aspirações humanas, nas relações entre homens e mulheres, entre mulheres brancas e mulheres negras e em tantas outras hierarquias da vida moderna.

Não se pode vislumbrar a colonialidade como um resíduo cultural desconsiderando o contexto social e histórico em que foi gestada: a conquista e invenção da América. Nesse perí-odo histórico, o capitalismo inicial conjugou-se com as formas de dominação e subalternização usadas pelos europeus para manter sujeitos dominados , bem como para justifi car tal domina-ção.

Considerando o século XVI colonialidade se refere aos dois principais eixos do poder

3 Ele se refere ao longo tempo que se dedica a estuda profundamente o pensamento de Martin Heidegger.

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que se operou no inicio da construção da América e inauguração da modernidade europeia: a codifi cação das diferenças entre conquistadores e conquistados na ideia de raça e a nova es-trutura de controle do trabalho e seus recursos. Estrutura que associou a raça ao trabalho e aos papeis sociais. Segundo Maldonado-Torres (2007, p.131),

El proyecto de coloniar a América no tenía solamente signifi cado local. Muy al contario, este proveyó el modelo de poder, o la base misma sobre la cual se iba a montar la identidade moderna, la que quedaría, entonces, ineludiblemente ligada al capitalismo mundial y a un sistema de dominación, estructurado alredor de la idea de raza. El modelo de poder está n corazon mismo de la experiência moderna. La modernida-de, usualmente considerada como el produto, ya sea del Renascimiento europeo o de la Ilustración, tiene un lado oscuro que le es constitutivo. La modernidade como discurso y práctica no seria posible sin la co-lonialidad, y la colonialidad constituye una dimensión inescapable de discursos modernos.

Mas, como surgiu a colonialidade do poder? Nelson Maldonado-Torres recorre a Aníbal Quijano que identifi ca a origem da colonialidade do poder nas discussões sobre se os índios teriam alma ou não. Discussão que estabelece uma relação vertical – nos diz o fi lósofo - entre dominadores e dominados, verticalidade impregnada da suspeita dos últimos não possuírem totalmente humanidade. A superioridade então passa a ser justifi cada em relação aos graus de humanidade atribuídos às identidades raciais. Quanto mais clara a cor da pele mais humano se é.

Em 1537, o Papa Paulo III declarou que os ameríndios eram humanos. Tal declaração, longe de ser um avanço para relações éticas entre os povos, deixou a suspeita de que nem todos os homens possuíam humanidade. Quijano (1992, p.437) nos diz:

Desde entonces, en la relaciones intersubjetivas y en las prácticas so-cialies del poder, quedó formada, de una parte la idea de que los no-europeus tienen una estrutura biológica, no solamente diferente de la de los europeus, sino, sobre todo, perteneciente a un tipo o a un nivel “inferior”.

Modernidade, portanto, torna-se uma autonarrativa europeia que exalta a cultura branca afi rmada, durante todo o colonialismo, como superior às demais culturas do planeta. A narrativa ganha amplitude com a supremacia técnica dos europeus e desenvolvimento de processos de se-dução das outras culturas. Mesmo diante de culturas com técnicas equiparadas às suas, a cultura europeia ganha notoriedade enquanto cultura ideal na medida em que os europeus se tornam os gestores do capital mundial. Esse fruto da exploração da América e África: exploração de recursos naturais, da força de trabalho humana, da subalternização e opressão de seus saberes e conhecimentos, bem como inibição de seus padrões de expressão. Isso mediante violência físi-

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ca e simbólica, aspectos que somados à exploração constituem a colonialidade, a face antiética da Modernidade. Entre Modernidade e colonialidade estabelece-se a diferença colonial, ou seja, a di-ferença racial - com seus desdobramentos - entre colonizadores e colonizados, diferença que também, segundo Mignolo (2003) é imperial e caracteriza-se pela heterogeneidade colonial: as múltiplas formas de sub-alterización articuladas e que tem como base a ideia de raça. Isso signifi ca que se desenvolveram formas de desumanização baseada na ideia raça.

Nelson Maldonado-Torres alerta para as mudanças nas maneiras de desumanizar o ou-tro segundo o tempo e o lugar. Entretanto, uma característica permanece: o negro e o índio são categorias preferenciais de desumanização, mais uma sugestão da permanência da concepção de graus de humanidade.

Idealizar graus de humanidade segundo a raça concede à colonialidade do poder uma dimensão ontológica: a colonialidade do ser que se refere, segundo Maldonado-Torres (2007), à experiência vivida de ser tomado como inferior. Para aclarar sobre isso o fi lósofo lança mão do texto de Frantz Fanon Pele Negra, Máscaras Brancas (2008). Obra que chama a atenção para o impacto do racismo na psique dos negros. O racismo, para Fanon, despersonaliza o negro que persegue o embranquecimento estético e cultural. A busca pela pele branca é resultante da alienação gerada pelo colonialismo e seu modus operandi, que rebaixava o negro em sua subje-tividade tornando-o sub-humano, convencendo-o de que seus saberes e costumes são inferiores e, demonstrando que os valores brancos/europeus devem ser o seu ideal. Afi rma Fanon (2008, p.132):

Subjetivamente, intelectualmente, o antilhano se comporta como um branco. Ora, ele é um preto. E só o perceberá quando estiver na Europa; e quando por lá alguém falar de preto, ele saberá que está se referindo tanto a ele quanto ao senegalês.

Enquanto ideologia transmitida em livros, manuais didáticos e através das mais variadas ex-pressões artísticas o racismo atinge o próprio negro que acolhe os valores brancos. Esses lhe parecem evoluídos com a promessa de ascensão a um grau mais alto de humanidade.

Inconformado com a máscara branca assumida pelo negro, enquanto negação da sua cor de pele, Fanon alerta para as ideologias que ignoram a cor. Essas reforçam o racismo e “embranquecem” o negro. O embranquecimento é desvio existencial que promove no negro um deslocamento racial, pois busca aniquilar sua presença negra assumindo comportamentos e costumes brancos. O auto racismo, estimulado pelos padrões de expressão europeus, reduz em nível e grau a humanidade negra, principalmente quando comparada ao branco europeu visto como expressão do ser humano universal. Como nos afi ança Fanon (2008, p.28): [...] eu começo a sofrer por não ser branco no mesmo grau que o homem branco impõe a discriminação em mim, faz de mim um nativo colonizado, rouba-me todo valor, toda individualidade, diz-me que sou um parasita no mundo[...]”. As diversas situações de auto racismo trazidas por Frantz Fanon4 demonstram a violência simbólica da modernidade europeia que promove nos povos

4 Vide seu livro “Pele Negra. Máscaras Brancas”.

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negros inferiorizados a não aceitação da cor de sua pele. A não aceitação de si mesmo, a insa-tisfação de ser negro. Recorrer à Fanon (2008) foi um recurso de Maldonado-Torres para contextualizar uma das formas de expressões da colonialidade do ser: a experiência vivida de ser negro e condena-do à inferioridade pela modernidade. A perseguição ao embranquecimento expressa a dimensão ontológica da colonialidade.

Mira ,un negro! (Fanon, 2008,) a frase marca o encontro entre sujeito imperial e sujeito racializado e, a condição social e existencial do sujeito produzido pela colonialidade do ser. Nesse encontro, não existe a frase: mira, un hombre! Ou mira, una mujer! Acrescenta Fanon (2008, p.26):

Que quer o homem? Que quer o negro? Mesmo expondo-me ao ressen-timento de meus irmãos de cor, direi eu o negro não é um homem. Há uma zona de não-ser, uma região extraordinariamente estéril e árida, uma rampa essencialmente despojada, onde um autêntico ressurgimen-to pode acontecer. A maioria dos negros não desfruta do benefício de realizar esta descida aos verdadeiros Infernos.

A colonialidade do ser, portanto, denuncia que relações raciais são relações permeadas pela ideia de existência de diferentes níveis de humanidade. Muito provavelmente, a certeza de graus de humanidade explica as mais variadas tentativas históricas de demonstrar sua existência tanto pela história quanto pela biologia, ou mesmo pela genética.

É verdade, adverte Maldonado–Torres (2007, p.127), que o racismo mudou, mas,

Sin embargo, se puede hablar de una semejanza entre el racismo del siglo XIX y la actitud de los colonizadores con respecto a la idea de grados de humanidade. De algún modo, puede decirse que el racismo científi co y la idea misma de raza fueron las expresiones explícitas de una actitud más general y difundida sobre la humanidade de sujetos co-lonizados y esclavizados em las Américas y en África, a fi nales del si-glo XV y en siglo XVI. Yo sugeriria que lo que nació entonces fue algo más sutil, pero a la vez más penetrante que lo que transpira a primera instancia en el concepto de raza: se trata de una actitud caracterizada por una sospecha permanente.

Direcionando a questão da colonialidade do ser à temática da religião, entendemos a hierarquia social entre seres religiosos cristãos e seres religiosos não cristãos, em particular, neste texto, aqueles que cultuam divindades do panteão religioso das raças inferiorizadas pela modernidade europeia a partir do século XVI.

Como vimos, a colonialidade do poder é fomentada pelo padrão de poder global onde as relações de dominação, exploração e confl ito são geradas em torno da raça, do trabalho, da subjetividade, da autoridade e também do sexo. Em outras palavras, é a hierarquia entre brancos

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e negros, brancos e índios, brancos e outras raças, hierarquia entre os trabalhos desses e hie-rarquia entre seus sistemas de crenças. As religiões afro-brasileiras, por exemplo, são religiões periféricas. Alocam-se na periferia das cidades onde encontram maior adesão aos seus rituais. Apesar da tendência em atrair pessoas da classe média – em geral artistas, poetas, professores e intelectuais – é hegemônica a quantidade de pessoas de nível sócio-econômico baixo. São pessoas que sofrem em sua existência a colonialidade do poder.

No que se refere à colonialidade do saber , dimensão epistémica da colonialidade do poder expressa na hierarquização de conhecimentos e formas de produzi-los, os conhecimentos que são aplicadas em rituais religiosos indígenas e afro-brasileiros são considerados ilegítimos porquanto não científi cos. A visão de mundo presente nas religiões indígenas e afro-brasileiras, mesmo quando estudadas, são desconsideradas ou vislumbradas como folclóricas. Seus conhe-cimentos religiosos são tomados como inferiores frente às teologias cristãs.

No caso das religiões afro-brasileiras, percebe-se o embranquecimento dos conheci-mentos e, consequentemente, o embranquecimento dos seus sujeitos. Tem crescido, nessas tra-dições, a adesão pelo não sacrifício de animais em rituais. Cada vez mais surgem umbandistas e candomblecistas que criticam os terreiros que realizam o sacrifício/sacralização. Reafi rmam a moral judaico-cristã colocando o sacrifício como prática africana primitiva. Estabelece-se, portanto, no próprio campo religioso uma hierarquia racial e epistémica que denota a colonia-lidade do saber.

À luz de Nelson Maldonado-Torres (2007), percebemos que a colonialidade do poder tem sua face mais violenta na colonialidade do ser enquanto suspeita permanente que a so-ciedade moderna dirige ao negro, ao índio e suas religiosidades. A dimensão ontológica da colonialidade é a experiência vivida neste sistema de proporções mundiais. É a naturalização da violência simbólica e física.

Pela intersubjetividade, os saberes afro-brasileiros e indígenas são demonizados. Sabe-res herdados pela oralidade e adquiridos na lida diária nos terreiros através de ritos, interpreta-ção de símbolos, tradução da linguagem dos antepassados acabam sendo desqualifi cados pela sociedade moderna via escola, mídia, redes sociais, livros didáticos e discursos religiosos. Pela intersubjetividade a resistência às religiões afro-brasileiras é marcada por uma permanente ati-tude de suspeita em relação aos especialistas e adeptos dessas religiões. Suspeita dirigida à sua capacidade intelectual, aos seus valores morais e éticos, etc. Tal suspeita impede o acesso à uma vasta gama de saberes herdados pelos antepassados e que se encontram no intelecto, nos gestos, na danças, nas cantigas , na manipulação das ervas, nos mi-tos e ritos dos sujeitos afro-brasileiros. Seus sacerdotes e sacerdotisas são verdadeiros arquivos, memória e bibliotecas de conhecimentos milenares.

Finalizamos o presente artigo pontuando que o pensamento de Nelson Maldonado-Tor-res segue o curso do pensamento descolonial, ao se colocar enquanto critica às epistemologias ocidentais que omitem a colonialidade. Promove o que de fato os pensadores da critica descolo-nial afi rmam fazer: o giro epistemológico, uma vez que coloca em primeiro plano a experiência vivida dos silenciados pela colonialidade do poder.

Na diferença imperial, Nelson Maldonado-Torres se inscreve na tradição fi losófi ca não apenas por discutir autores como Heidegger, Lévinas e Dussel, mas, sobretudo, por empreender

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crítica ao racismo do primeiro – acompanhando Lévinas que associa a ontologia heideggeriana ao poder imperial5 - ; ao segundo pela omissão da colonialidade e, por assumir como o terceiro a militância que deve caracterizar o intelectual nativo e subalterno.

Mas, ao recorrer ao pensamento do intelectual caribenho Frantz Fanon, Maldonado-Torres demonstra não se prender apenas às especulações fi losófi cas. Pragmático, confi rma a colonialidade do ser enquanto experiência vivida do negro que sofre o racismo e por tabela a colonialidade do ser na experiência vivida daquele que infl ige o racismo. Seu pensamento é desobediência epistémica - como apregoa Walter Mignolo (2010) - frente às epistemologias ocidentais. Seu pensamento é marginal e como tal integra a epistemologia marginal latino-ame-ricana, pois comprova a capacidade epistémica do subalterno em enunciar. Capacidade negada pelas colonialidades do poder, do saber e do ser.

REFERÊNCIAS

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5 Questão que não abordamos com a profundidade necessária neste texto, uma vez que não é sua temáti ca.

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_______________. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: A colo-nialidade do saber, Eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas Latino-americanas. Buenos Aires: GLACSO, 2005..