2011-guzman-colonialidade, interculturalidade e educação povo mapuche chile - otimo

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    Colonialidade,Intercu

    lturalidadeeEducao

    BorisRamrezGuzmn

    rsidade Federal de

    Catarina

    ama de Ps-

    ao em Cincia

    ucao

    ppge.ufsc.brl

    us Universitrio

    ade

    npolis- SC

    Universidade Federal de Santa Catarina

    Programa de Ps-Graduao em

    Educao

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    graduao em Educao, do Centro de

    Cincias da Educao da Universidade

    Federal de Santa Catarina, como requisito

    para obteno do Ttulo de Mestre em

    Educao.

    Orientador: Cristiana Tramonte

    2011

    Florianpolis, 2011

    Colonialidade, Interculturalidade e Educao:

    Desdobramentos na relao do povo Mapuche e

    o Estado do Chile

    Boris Ramrez Guzmn

    Este estudo busca

    desde uma

    abordagem

    Decolonial, a partir da

    anlise dos marcos

    jurdicos, educativos e

    histricos na relao

    Estado e povo

    Mapuche, construir

    uma compreenso de

    como se estabelece o

    modelo intercultural

    chileno.

    Orientadora:

    Cristiana Tramonte

    Dissertao de Mestrado

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINAUFSCCENTRO DE CINCIAS DA EDUCAOCED

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO PPGE

    Boris Alfonso Ramrez Guzmn

    COLONIALIDADE, INTERCULTURALIDADE E EDUCAO:DESDOBRAMENTO NA RELAO DO POVO MAPUCHE E O

    ESTADO DO CHILE.

    Dissertao submetida ao Programa dePs-graduao em Educao daUniversidade Federal de SantaCatarina para a obteno do Grau deMestre em Educao.Orientador: Prof. Dr. Cristiana deAzevedo Tramonte.

    Florianpolis2011

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    Catalogao na fonte elaborada pela biblioteca daUniversidade Federal de Santa Catarina

    R173c Ramrez Guzmn, Boris AlfonsoColonialidade, interculturalidade e educao [dissertao]

    : desdobramento na relao do povo Mapuche e o Estado doChile / Boris Alfonso Ramrez Guzmn ; orientadora, CristianaTramonte. - Florianpolis, SC, 2011.

    174 p.: il., tabs.

    Dissertao (mestrado) - Universidade Federal de SantaCatarina, Centro de Cincias da Educao. Programa de Ps-Graduao em Educao.

    Inclui referncias

    1. Educao. 2. ndios Araucano - Chile. 3. Chile -

    Colnias. 4. Chile - Relaes culturais. I. Tramonte,Cristiana de Azevedo. II. Universidade Federal de SantaCatarina. Programa de Ps-Graduao em Educao. III. Ttulo.

    CDU 37

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    Boris Alfonso Ramrez Guzmn

    COLONIALIDADE, INTERCULTURALIDADE E EDUCAO:DESDOBRAMENTO NA RELAO DO POVO MAPUCHE E O

    ESTADO DO CHILE.

    Esta Dissertao foi julgada adequada para obteno do Ttulo deMestre e aprovada em sua forma final pelo Programa Ps-graduaoem Educao da Universidade Federal de Santa Catarina.

    Florianpolis, 27 de novembro de 2011.

    ________________________Prof. Dr Celia Regina Vendramini

    Coordenadora do Curso

    Banca Examinadora:

    _____________________________________Prof., Dr. Cristiana de Azevedo Tramonte

    OrientadoraUniversidade Federal de Santa Catarina

    ____________________________________Prof., Dr. Beleni Salete Grando,

    Universidade Estadual do Mato Grosso

    __________________________________Prof., Dr. Reinaldo Matias Fleuri,Universidade Federal de Santa Catarina

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    Para mis padres, Gloria Guzmn yLuis Ramrez, mis principalescmplices.

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    AGRADECIMENTOS

    No agradecer no reconhecer o carter coletivo deste trabalho,os pontos de reflexo e inflexo, de idias, de contenes, de ajuda, derisos, de amizades que lhe deram corpo e movimento, misturando-se nadana deste texto.

    por isso que em primeiro lugar quero agradecer ao principalculpvel por este percurso, companheiro e parceiro, Roger MiguelSulis, pela sua pacincia, cumplicidade e parceria neste trabalho.

    Quero tambm agradecer Professora Cristiana Tramonte e aoProfessor Reinaldo Fleuri, por confiarem desde sempre, e permitiremMOVER-me nesta dana.

    Agradeo aos dois parceiros Mapuches Elisa Locon e EnriqueAntileo, que com seus depoimentos conseguiram colocar a letra nestamsica.

    Agradeo a minhas duas grandes amigas Brasileiras,embaixadoras do amor, Ana Baiana e Claudia Annies Lima, pelos seustempos, carinhos, amor dedicado, e por me ensinarem a vivenciar o que a saudade.

    Agradeo aos ncleos de pesquisa MOVER e NUVIC por meacolherem nestes grandes espaos de aprendizagem.

    Outro agradecimento mais que especial grande galeramulticultural que deu o ritmo e o compasso neste processo: Ana LuisaBorrayo, Jonatan Rodas, Jorge Lanzabal, Maria Fernanda Paz, MarieChery, Irta Araujo, Diogo Campos da Silva, Ricardo Felix, KatarinaGrubisic, Gabriel Bueno, Andrea Jaramillo, Viviane Ferreira, MariaEugenia Zuiga e em especial ao povo da biodana.

    La compaa, la contencin, la amistad, el amor y el cario quefueron dndose a la distancia, pero sin que eso signifique que haya sidomenos importante, dada a su constancia y sinceridad, fueron nutriendoenormemente este trabajo. Esto, sin duda, se grafica en laincondicionalidad de mi familia, pero tambin en la de grandes amigos:Francisca Fernndez, Marco Sayen, Ximena Rozas, Cecilia Godoy,Cristin Parra y Jany Bustamante.

    S resta dizer-lhes Muito Obrigado/ Slo me queda decirlesMuchas Gracias.

    Boris Ramrez Guzmn.

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    Grupo de longko mapuches com manta e trarlongko, ca. 18901

    Desde o ano mil quatrocentos que o ndio aflitoest, sombra de sua Ruca podem v-lochoramingar, totora de cinco sculos nunca haverse secar.Levanta-te Callupan!.

    (Violeta Parra)

    1 Milet Ramrez, Gustavo, 18601917

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    RESUMO

    Durante as ltimas dcadas o conceito de interculturalidade se instaloucomo uma prtica e demanda poltica por toda a regio, interpelando

    povos indgenas, Estados Nacionais e grandes instituies do poderglobal. As formas de perspectivar a interculturalidade apresentamgrandes diferenas dependendo dos sujeitos polticos e instituies que atrabalham. Assim ela se encontra constantemente na disputa como umaconcepo valorativa apontando ao respeito, reconhecimento dadiversidade e multiculturalismo. Mas tambm como uma forma deconfrontao das estruturas de subalternizao dos Estados nacionais e

    do modelo econmico, como causa de relaes de assimetria. NaAmrica Latina, diferentemente da Europa, a interculturalidade possui oelemento indgena, o que nos leva necessariamente a mirar como seestabeleceram e perduram as relaes de colonialidade. Dentro docontexto chileno, historicamente o povo Mapuche, um dos principais

    povos indgenas do pas, lutou e confrontou o domnio tanto da coroaespanhola como do Estado Chileno. As relaes do Estado Chileno ePovo Mapuche estiveram marcadas por polticas de assimilao,negao e despojo destes ltimos. A interculturalidade neste sentido se

    levanta hoje como uma importante ferramenta para realizar umamediao e constituir-se como uma poltica de reparao para com o

    povo Mapuche. A forma como o Estado Chileno perspectiva aInterculturalidade est dada atravs da educao. Este estudo buscadesde uma abordagem decolonial, a partir da anlise dos marcos

    jurdicos, educativos e histricos na relao Estado e povo Mapuche,construir uma compreenso de como se estabelece o modelointercultural chileno.

    Palavras-chave: Colonialidade, Estado do Chile, Mapuche, Interculturalidade,Educao.

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    ABSTRACT

    During the last decades the concept of interculturalism is installed as apraxis and political demand throughout the region, challengingindigenous people, nation states and large global power institutions. Theforms to put interculturality into perspective differ widely depending onthe political subjetcts and institutions that work on it. So it is constantlyin dispute as an evaluation concept pointing to respect, diversityrecognition and multiculturalism. But also as a form to reproachsubordination structures of the national States and economic model, asthe cause of asymmetric relations. In Latin America, unlike Europe,interculturality has the indigenous element, which leads us necessarily to

    look at how the coloniality relations settled and endured. Within thecontext of Chile, the Mapuche people, one of the main indigenouspeople of the country, historically fought and reproached the rule of boththe Spanish crown and the Chilean State. The relations between theChilean State and the Mapuche people have been marked by policies ofassimilation, dispossession and denial of the latter. Interculturality, inthis sense, stands today as an important tool to carry out a mediation andestablish itself as a reparation policy toward the Mapuche people. Theway the Chilean State faces interculturalily is given through education.

    This study aims, from a decolonial approach, from the analysis of legal,educational and historical landmarks in the relationship between theState and the Mapuche people, to build an understanding of how theChilean intercultural model is established.

    Keywords: Colonialism, State of Chile, Mapuche, Interculturalism,Education.

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    RESUMEN

    Durante las ltimas dcadas el concepto de interculturalidad se hainstalado como una prctica y demanda poltica por toda la regin,interpelando pueblos indgenas, Estados Nacionales y grandesinstituciones del poder global. Las formas de perspectivar lainterculturalidad presentan grandes diferencias dependiendo de lossujetos polticos e instituciones que la trabajan, es as como ella seencuentra constantemente en la disputa como una concepcin valorativaapuntando al respeto, reconocimiento de la diversidad y elmulticulturalismo, mas tambin como una forma de increpacin de lasestructuras de subalternizacin que los Estados nacionales y el modelo

    econmico, como causa de relaciones de asimetra. En Amrica Latina adiferencia de Europa la interculturalidad posee el elemento indgena loque nos lleva necesariamente a mirar cmo se establecieron y perduranlas relaciones de colonialidad. Dentro del Contexto chilenohistricamente el pueblo Mapuche, uno de los principales pueblosindgenas del pas, ha luchado e increpado el dominio tanto de la coronaespaola como del Estado Chileno. Las relaciones del Estado Chileno yel pueblo Mapuche han estado marcadas por polticas de asimilacin,negacin y despojo de estos ltimos. La interculturidad en este sentido

    hoy, se levanta como una importante herramienta para realizar unamediacin y constituirse como una poltica de reparacin para con el

    pueblo Mapuche. La forma como el Estado Chileno perspectiva laInterculturalidad est dada a travs de la educacin. Este estudio buscadesde una abordaje decolonial, a partir del anlisis de los marcos

    jurdicos, educativos e histrico en la relacin Estado y puebloMapuche, construir una comprensin de como se establece el modelointercultural chileno.

    Palabras Claves: Colonialidad, Estado de Chile, Mapuche,Interculturalidad, Educacin.

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    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1Distribuio da populao Mapuche no Chile......................33Figura 2Amrica do Sul na primeira metade do sculo XIX ............71Figura 3Chile Tricontinental..............................................................73

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    LISTA DE SIGLAS

    MINEDUCMinistrio de educao do ChileOITOrganizao Internacional do Trabalho.ONUOrganizao das Naes Unidas.CONADICorporao Nacional de Desenvolvimento Indgena.CMOContedo Mnimo ObrigatrioOFObjetivo Fundamental.OFTObjetivo Fundamental Transversal.EIBEducao Intercultural Bilnge.PEIBPrograma Educao Intercultural Bilnge

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    SUMRIO

    1 INTRODUO.................................................................................27

    1.1 DEPOIMENTO E CONSIDERAES INICIAIS DE UMALGUM COLONIZADO...................................................................271.2 PROBLEMATIZAO...................................................................281.2.1 Antecedentes gerais.....................................................................281.2.2 Contextualizao do problema...................................................291.2.3 Apresentao do problema.........................................................371.3 METODOLOGIA.............................................................................382 CONSTRUO DA OPO DECOLONIAL..............................412.1 MATRIZ DA COLONIALIDADE, AS IMBRICAES DO

    PODER, SER E SABER........................................................................432.2 INTERCULTURALIDADE E SEUS DESDOBRAMENTOSNECESSRIOS.....................................................................................522.2.1 Superando o cerco semntico da interculturalidade................533 A (DES)ALTERIDADE DESDE A DIPLOMACIA DAFRONTEIRA........................................................................................633.1. A ALTERIDADE COLONIAL.......................................................633.2 COLONIALIDADE DE ESTADO..................................................703.3 HOMOGENEIZAO DA(S) IDENTIDADE(S) CHILENA(S)..79

    3.3.1 Hegemonizao do poder............................................................813.3.2 Homogeneizao do ser...............................................................843.3.3 Homogeneizao do saber...........................................................883.3.4 Homogeneizao Cosmognica..................................................964 ESTADO, EDUCAO E INTERCULTURALIDADE: VISES,CONSIDERAES E DEPOIMENTOS NA CONSTRUO DASRELAES DA INTERCULTURALIDADE NO CHILE............1014.1 EDUCAO, INTERCULTURALIDADE E SEU MARCO

    JURDICO NO CHILE ATUAL..........................................................1024.2 INTERCULTURALIDADE E EDUCAO PBLICA NOCHILE.................................................................................................1164.2.1 Histria e Currculo...................................................................1184.2.2 Lngua e Currculo....................................................................1304.2.3 Filosofia, Religio e Currculo.................................................1334.3 O CURRCULO E SUA REALIDADE INTERCULTURALIDADEBONSAI............................................................................................1364.4 EDUCAO INTERCULTURAL BILNGE NO CHILE........138

    4.4.1 PIEB e sua viso de interculturalidade....................................1404.4.2 Subsdio terico do PEIB..........................................................142

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    4.5 EDUCAO INTERCULTURAL OU EDUCAOINDGENA?.........................................................................................1535 CONSIDERAES FINAIS..........................................................159

    6 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS..........................................165

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    1. INTRODUO.

    1.1 DEPOIMENTO E CONSIDERAES INICIAIS DE UMALGUM COLONIZADO.

    Recordo de uma visita, h um par de anos atrs, a umacomunidade indgena Mapuche, na localidade de Malalhue, na regiocentro-sul do Chile. O Lonco, uma de suas principais autoridades,comentou-me que o Winca, forma como eles denominam as pessoas noMapuches, est sempre preocupado em buscar o conhecimento atravsdo avano e do progresso, do desenvolvimento tecnolgico, enganando-

    se que atravs da evoluo de um conhecimento prtico e aplicado buscamelhorar a qualidade de vida da humanidade, sendo que realmente ele oest destruindo lentamente e no possibilita outras formas de saber. Overdadeiro conhecimento para ele era dado atravs de um processo deinvoluo que o homem pudesse fazer e que o levasse ao reencontrocom a Natureza e com aquele equilbrio que esqueceu h muitos anos.

    Desde esse momento percebi que havia algo importante por(des)construir. Havia algo que estava nos diferenciando, ele e eu. Uma

    percepo, uma construo e uma forma de viver no mundo que nos

    constitua de forma diferente, mas que a sua vez que nos convidava adescobrir-nos e dialogar.

    Desde o encontro de dois mundos acontecido a fins do sculo XVna Amrica Latina tanto espanhola quanto portuguesa, comeou um

    processo de interculturalidade, sem dvida de forma assimtrica,violenta e forada, mas que comeou a forjar a identidade prpria destecontinente. A colonizao e evangelizao por parte de ambas as coroasreais e da Igreja Catlica, foram confrontando a forma e compreenso deser e estar no mundo dos povos indgenas, instalando as novas diretrizesdo ocidente. Depois com a consolidao dos Estados Nacionais, nos

    princpios do sculo XX, se impe uma ordem hegemnica crioula,atravs de uma educao homogeneizante que desconhece as diversasculturas existentes, mediante a implementao de escolas pblicas paraas populaes indgenas. Esta postura assimiladora estabelece umarelao assimtrica entre o uso das lnguas indgenas, do espanhol e do

    portugus, razo pela qual as lnguas indgenas se reduziramexclusivamente a um uso em contextos informais e ntimos, frente

    imposio do espanhol como o idioma formal e institucional dessespovos. O contexto educativo de hispanizao da educao gira em torno reproduo da ordem hegemnica crioula como uma forma de

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    uniformizao lingstica e cultural implementada atravs daconformao dos Estados Nacionais (Caulef, 1998).

    Por outro lado, uma idia de assepsia e pulcritude social eontolgica (Kuch 1986), foi se constituindo como a ferramenta desolapar nossas identidades que desagradam e importunam, havia coisasque incomodavam, que foram e que so ainda importantes de esconder,que denotam barbrie e inferioridade. A modernidade com sua idia de

    progresso e esse cheiro a ar de velho mundo, ficaram muito presentesem nossas prticas culturais, sociais e escolares, instalando-se quasecomo forma normativa de estabelecer o bom e correto, dentro doimaginrio deste continente.

    Atravs desta pesquisa queremos dar conta de (re)pensar o que

    estamos entendendo por interculturalidade e quais so as especificidadesque se apresentam no contexto Chileno a partir da questo Mapuche.Para isso no captulo I caminharemos pelos desdobramentos pertinentes

    para abordar esse assunto, examinando as heranas deixadas pelacolnia em uma discusso terica a partir de diferentes tericos Latinoamericanos para articular o que nomearemos como Colonialidade,visando com isto, que alm de ser um reflexo de nossas prticasculturais e polticas, so imbricaes que no percorrer do tempo

    perpetuam mecanismos de subalternizao. A partir dessa questo

    definiremos o que entendemos por interculturalidade.No captulo II considerando as definies de colonialidade,

    buscaremos entender como no Chile se estabeleceram as relaes dealteridade com o povo Mapuche, dando um olhar historiografia edesdobrando os elementos do poder, ser, saber e cosmogonia que seinstalam a partir da emergncia do Estado como mecanismos desubalternizao.

    Com tudo isso no Capitulo III veremos como a interculturalidadeemerge como poltica de estado que se desdobra nos pressupostos

    jurdicos e educativos, procurando perspectivar as possibilidades econtradies nas quais se incorrem, e os modelos societrios que

    procuram construir, tensionando sempre a partir do Mapuche.

    1.2 PROBLEMATIZAO.

    1.2.1 Antecedentes gerais:

    Durante as ltimas dcadas comeou a gerar-se uma forteemergncia das mltiples identidades que albergou por sculos nossaAmrica Latina e estiveram solapadas sob esta idia de assepsia.

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    assim que termos e conceitos como interculturalidade,multiculturalidade e pluriculturalidade, comearam a desenvolver-secomo projetos polticos por toda a regio, reivindicando direitosterritoriais, culturais, lingsticos, filosficos, cosmolgicos, etc.

    Porm, uma das principais apostas deste novo projeto polticoesteve, sem dvida, centrada na educao, como uma das ferramentasque sustenta e socializa esta nova re-apropriao do mundo. Nestesentido, a educao intercultural tem tomado uma importante relevncia

    para os povos indgenas, que nela viram os mecanismos de recuperaode suas tradies culturais, lingsticas e cosmolgicas, bem como umadas formas de fazer valer seu direito autodeterminao como etnia,

    povo e/ou cultura (Caulef, 1998).

    Por outro lado os Estados Nacionais, atravs das demandas demovimentos sociais, das suas populaes e atravs de diretrizes econvnios internacionais assinados (tais como a ONU e a OIT) quesocializam linhas de trabalhos entre os diferentes estados, hoje em dia

    planteiam novas polticas de incluso para diferentes grupos sociais etnicos que por sculos vm se constituindo margem do devir de suassociedades. Razo pela qual os Estados Nacionais ao desenvolver suas

    polticas pblicas tambm vm implementando diferentes programas deeducao indgena, onde se busca dar posse a suas formas ancestrais de

    conhecer e viver, em um conceito de harmonia, porm, muitas vezes,sempre de uma mirada de ordem e de domnio, desde ainstitucionalidade estatal.

    1.2.2

    Contextualizao do problema:

    O Chile, dentro de sua longa e estreita faixa de terra, albergoudezenas de povos, alguns j extintos depois de anos de Pacificao,

    como o Estado chamou a poltica de perseguio, extermnio e reduode povos indgenas durante o sculo XIX e XX. Hoje em diajuridicamente s se reconhecem nove etnias existentes segundo a LeiIndgena: mapuche, aymara, diaguita, rapanui, atacameo, kawesqar,kolla, quechua e yagn2. Nesta lei o estado consagra seu cuidado,

    proteo e promoo destes povos. importante dar conta que esta leideixa fora da qualidade de etnia a outras minorias, fazendodesconhecimento total, da mnima, mas no por isso inexistente,

    populao Afro-descendente. Neste sentido interessante a anlise que

    faz Tricot (2007) quando diz:2Artigo 1 da lei 19,253, mais conhecida como lei indgena.

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    Efetivamente, em 1993 se promulga uma nova lei,que reconhece uma srie de direitos econmicos,culturais, terra e gua, ao desenvolvimento,

    mas, o fundamental se pode argumentar- anegao de seu carter de povo. Mais ainda aqualidade de Indgena, se sinala explicitamenteque s se considerar indgena para efeito destalei, a todas as pessoas de nacionalidade chilenaque se encontrem nos seguintes casos... em outras

    palavras, se lhe nega sua identidade, subsumindoo componente identitrio indgena no conceito e

    prxis da nao Chilena. (Tricot, 2007, p. 36) 3

    Segundo o ltimo censo de populao realizado no Chile no anode 2002, do total nacional, 4,6 por cento das pessoas se reconhece

    pertencer a uma etnia, ou seja, 692.192 pessoas so indgenas no Chile,repartidos da seguinte forma:

    Tabela n 1: Populao indgena no Chile

    Populao indgena no Chile (2002)4

    Aymara 48.501 0,32% Mapuche 604.349 4,00%

    Atacameo 21.015 0,14% Quechua 6.175 0,04%

    Kawsqar 2.622 0,02% Rapanui 4.647 0,03%

    Kolla 3.198 0,02% Yagn 1.685 0,01%

    Cabe destacar que dentro da metodologia usada durante o ltimocenso, a pergunta utilizada para receber informao foi indagar

    populao se se sentiam parte de alguma etnia indgena e de qual.

    3

    Todas as citaes utilizadas em lngua estrangeira foram traduzidas para o portugus parafacilitar a leitura.4 Dados Obtidos a partir do Censo do ano de 2002 INE Chile, data s se reconheciam 8etnias indgenas.

    http://es.wikipedia.org/wiki/Aimarahttp://es.wikipedia.org/wiki/Mapuchehttp://es.wikipedia.org/wiki/Atacame%C3%B1ohttp://es.wikipedia.org/wiki/Quechuahttp://es.wikipedia.org/wiki/Alacalufehttp://es.wikipedia.org/wiki/Rapa_Nuihttp://es.wikipedia.org/wiki/Kollahttp://es.wikipedia.org/wiki/Y%C3%A1manahttp://es.wikipedia.org/wiki/Y%C3%A1manahttp://es.wikipedia.org/wiki/Kollahttp://es.wikipedia.org/wiki/Rapa_Nuihttp://es.wikipedia.org/wiki/Alacalufehttp://es.wikipedia.org/wiki/Quechuahttp://es.wikipedia.org/wiki/Atacame%C3%B1ohttp://es.wikipedia.org/wiki/Mapuchehttp://es.wikipedia.org/wiki/Aimara
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    simples vista se pode observar que o povo com maiordensidade corresponde etnia mapuche, mapuche que em sua lngua,mapuzungun, significa gente da terra (Mapu: Terra- Che: Gente) secaracterizou por ser um dos povos que combateram o domnio ocidental

    por mais tempo.Durante a Colnia opuseram uma prolongada resistncia coroa

    espanhola. Este enfrentamento ficou conhecido como a guerra deArauco. Este feito obrigou a administrao real a reconhecer-lhes certaautonomia, estabelecendo fortificaes ao longo da fronteira e mantendoum exrcito profissional, caso nico na histria das colnias. O longo

    perodo da Guerra de Arauco significou ademais de um conflito blico,um intenso intercmbio cultural econmico e um processo de

    mestiagem. A Guerra de Arauco termina recm durante a Repblicacom o processo denominado de pacificao da Araucania que concluiem 1891. A partir deste momento comea a usurpao de terras eisolamento dos mapuches em pequenos assentamentos que o estado deChile chamou Redues (Bengoa 2006).

    Este processo talvez corresponda ao que de melhor formaexpressa a adoo ou reproduo de uma ideologia colonial, moderna eliberal. Nos albores da pacificao da Araucania, um dos jornais maisantigos, e ainda existente no Chile, fala sobre este momento,

    comentando que mais importante que a unificao de um territrio ou demanter uma soberania nominal, a possibilidade de abrir novosmercados e sanear em prol da civilizao uma terra cheia de grandes

    potencialidades econmicas, pois no se trata:

    S da aquisio de algum retalho insignificante deterreno, pois no lhe faltam terrenos ao Chile; nose trata da soberania nominal sobre uma horda de

    brbaros, pois esta sempre se tem pretendido ter:

    se trata de formar das duas partes separadas denossa Repblica um complexo ligado; se trata deabrir um manancial inesgotvel de novos recursosem agricultura e minerao; novos caminhos parao comrcio em rios navegveis e passosfacilmente acessveis sobre as cordilheiras dosAndes....Enfim, se trata do triunfo da civilizaosobre a barbrie, da humanidade sobre a

    bestialidade. (Jornal El Mercurio, 5 de Julio1859, citado em Pinto Jorge, La formacin delestado y la nacin, y el pueblo mapuche, de lainclusin a la exclusin, Centro de

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    Investigaciones Diego Barros Arana, Chile, 2003,p. 154.)

    Esta humanidade a que buscou estabelecer uma nova ordem

    colonial, pois no foi somente conformar-se como Repblica dentro doterritrio continental. Em 1888 o Chile vai pela conquista de territriosultramarinos, anexando a Ilha de Pscoa, uma pequena ilha da polinsia,submetendo o povo Rapanui, com a promessa de desenvolvimento,

    progresso e educao, assumindo um papel tutelar. (Comisin deVerdad Histrica y de Nuevo Trato, 2001)

    O povo Mapuche antes da chegada dos espanhis estavadistribudo pelas costas, vales e cordilheiras da zona central do Chile,

    depois do despojo das suas terras ancestrais, sofreu um considervelempobrecimento e marginalizao. Em decorrncia disso, a fins dosculo XIX e princpio do sculo XX, comea um importante xodo doscampos s cidades, concentrado nas principais cidades da zona centro-sul (Antileo, 2006). Hoje em dia a partir do ltimo censo de populao,a conformao da dispora Mapuche no Chile, fica representada daseguinte forma5:

    Tabela n 2: Populao Mapuche no Chile

    Populao %

    Santiago 182.963 Mapuches 30,37%

    Regio do Bo Bo 53. 061 Mapuches 8, 78%

    Regio da Araucana 203.221 Mapuches 33,62%

    Regio dos Lagos 96.695 Mapuches 16.60%

    5Dados Obtidos a partir do Censo do ano de 2002 INE Chile.

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    Figura n 1:Distribuio da populao Mapuche no Chile6

    6 Figura de elaborao prpria

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    Como podemos ver no mapa, um tero da populao Mapuchemora hoje em Santiago, dado que no deixa de ser importante se

    pensamos na quantidade de mapuches que hoje vivem em contextosurbanos, e como se estabelecem as relaes interculturais e as prticas

    polticas neste meio, por exemplo.Por quase dois sculos a invisibilizao do mundo indgena, foi a

    constante da poltica nacional chilena. Sob o discurso unificador de umasociedade mestia, se buscou solapar as particularidades existentes. Masdentro da histria da Amrica Latina a partir dos anos 80, com as quedasdas ditaduras, comea um processo reivindicativo que toma grande forana celebrao do quinto centenrio do descobrimento de Amrica,claramente d conta Bengoa (p.152) quando diz:

    A fins da dcada de 1980, e em particular da de1990, produziu-se na Amrica Latina umaefervescncia indgena mobilizaes,organizaes e demandas que denominamos aemergncia indgena na Amrica Latina. Estaenorme mobilizao alcanou seu ponto mais altoao redor das festividades e comemoraes doquinto centenrio da chegada de CristvoColombo Amrica. Para os europeus era umacelebrao do descobrimento, e para os indgenasse transformou em quinhentos anos de resistncia.Ocorreram, pois, mobilizaes muito fortes noEquador, Guatemala, Chile, Bolvia, e em 1994 sedesatou a insurgncia indgena nos Altos deChiapas, no Mxico.

    Este processo decanta no Chile com dois fatos importantes adestacar, o primeiro a promulgao da lei Indgena, nomeada

    anteriormente, no ano 1993; e a constituio da comisso de verdadehistrica e de novo trato em 2001, que corresponde a uma pesquisainterdisciplinar que o estado do Chile fez com a finalidade de avaliar:

    (...) a histria da relao que tem existido entre ospovos indgenas e o estado, e sugeriria propostas erecomendaes para uma nova poltica de Estadoque permita avanar em direo a um novo tratoentre o Estado, povos indgenas e a sociedade

    chilena toda. O mesmo decreto estabelecia queditas recomendaes de novo trato deveriam estarreferidas a mecanismos institucionais, jurdicos e

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    polticos para uma plena participao,reconhecimento e gozo dos direitos dos povosindgenas em um sistema democrtico, sobre as

    bases de um consenso social e de reconstruo da

    confiana histrica. (Comisin verdad histrica ynuevo trato 2008)

    Deste informe se d a conhecer problemticas, que hoje se fazemde carter estrutural para entender a situao indgena no Chile, questescomo propriedades coletivas de terras, autodeterminao, educao, soentre vrias coisas que continuam presentes como dvida histrica,apesar deste novo trato por parte do estado do Chile.

    Sob este contexto que atualmente se faz patente uma nova

    rearticulao da luta Mapuche. Levanta-se como bandeira de luta arecuperao de terras coletivas agrcolas usurpadas progressivamentedurante os sculos XIX y XX, apoiada pela reivindicao de suaidentidade como povo e etnia, atravs da ocupao de terras e criandonovas formas de autodeterminao atravs de suas formas de autoridadeancestral, e muitos tambm se reivindicando como uma nao Mapuche.O estado do Chile por outro lado os tacha como terroristas, comeandouma nova militarizao dos campos, sob uma poltica etnocida. Cabedestacar que no ano de 2003, o Chile passou a integrar a lista de pases aserem inspecionados pelo Relator especial das Naes Unidas para osDireitos Humanos e Liberdades Fundamentais dos Indgenas, deixandoem evidncia este conflito de forma mais internacional, depois dagrande invisibilizao que se produziu durante a ditadura (1973-1990)(Toledo Llancaqueo 2006).

    No ano passado (2010), o Chile se encontrava celebrando seuBicentenrio e preparou importantes festividades a nvel nacional, masna sombra desta festa os povos indgenas do Chile manifestaram os 200

    anos de opresso e extermnio de suas culturas ancestrais. assim comoa Organizao Mapuche Meli Wixan Mapu na comemorao do 12 deoutubro acontecida no ano de 2009 abre a problematizao destafestividade por meio de um comunicado que diz:

    (...) A classe poltica Chilena tem estadocelebrando com bumbos e pratos a chegada doBicentenrio. Fizeram-se comisses, abunda a

    publicidade e jorra o dinheiro por todos os lados.

    Mas... Que so estes 200 anos para a naoMapuche? Que so estes 200 anos para osdistintos povos originrios que habitamos este

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    territrio faz milnios? O que ns temos quefestejar? O que temos que comemorar? NADA...So dois sculos de poltica genocida, de matana,de humilhao, de racismo... So dois sculos de

    despojo do lugar que habitvamos com liberdade.So dois sculos de COLONIZAO... Pode um

    povo e uma sociedade como a chilena ser livre ecelebrar enquanto ainda se oprime a nossa naodepois de 200 anos? (Organizacin Mapuche MeliWixan Mapu, Octubre 2009)

    Este comunicado se inserta hoje em dia, dentro de dois processosque esto acontecendo no Chile paralelamente. Por um lado dezenas de

    Mapuches continuam sendo encarcerados por uma lei Antiterrorista, eatravs de greves de fome dos presos Mapuches, se est discutindofortemente a injusta criminalizao do movimento Mapuche e amudana da lei militar contra o terrorismo, pela qual o estado do Chileest combatendo seus povos indgenas7. E por outro lado o levantamentodo povo Rapanui, na exigncia da restituio de terras e suaindependncia do Chile. O parlamento de autoridades ancestrais bemclaro quando se refere venda que o estado Chileno fez de vastosterrenos da ilha, manifestando que:

    O que tem que fazer o Estado chileno, lhe deixara terra aos Rapanui, que se devolva o dinheirodessas pessoas que vieram a comprar propriedades

    porque os nicos donos somos ns, nossos avsnos deixaram esta terra, ns no aceitamos avenda, nem o aluguel que usa o estado chileno, emnossa propriedade. (Em prensa8, 13 de setembro2010)

    Atravs da criao da lei indgena, da nova poltica do novo trato,da entrada em vigncia do convenio 169 da OIT no dia 15 setembro de2009, da celebrao do bicentenrio, a criminalizao do movimentoMapuche e o levantamento do povo Rapanui, necessariamente noslevam a pensar e nos perguntar em que termos se est articulando adimenso intercultural no Chile, e quais so os desafios que temos pordiante.

    7Para maior informao podem consultar os sites: meli.mapuches.org e www.mapuexpress.net8 http://www.terra.cl/actualidad/index.cfm?id_cat=302&id_reg=1496832&XjWpZ=PqZ23

    http://www.mapuexpress.net/http://www.terra.cl/actualidad/index.cfm?id_cat=302&id_reg=1496832&XjWpZ=PqZ23http://www.terra.cl/actualidad/index.cfm?id_cat=302&id_reg=1496832&XjWpZ=PqZ23http://www.terra.cl/actualidad/index.cfm?id_cat=302&id_reg=1496832&XjWpZ=PqZ23http://www.mapuexpress.net/
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    1.2.3 Apresentao do Problema:

    Frente a este contexto, perguntar-se pela interculturalidade fundamental, pois o estado adquire um papel preponderante atravs deum marco jurdico desafiador, que procura dar conta dos povosindgenas do Chile, perspectivando como entender as relaesinterculturais. Neste sentido a educao tambm tem um papel

    preponderante na articulao deste novo cenrio. A arma que o ocidentepor sculos utilizou para a dominao e civilizao de nossos povosoriginrios, hoje em dia se apresenta como um mecanismo desocializao e recuperao de sua cultura, bem como de seu acionar

    poltico por parte de muitos grupos indgenas. Enquanto os estados

    nacionais e as grandes instituies do mundo global como a ONU, aOIT o BID, levantam e do apoio a grandes projetos para trabalhar aquesto intercultural, hoje se faz necessrio olhar como mudaram eesto se redefinindo os diferentes mecanismos de dominao esubalternizao, sob os conceitos de justia social histrica, bem comotambm a pertinncia segundo seus contextos especficos.

    A partir do exposto importante comear a guiar e delimitarnosso trabalho, que alberga o desejo de talhar esta nova histria, peloque cabe perguntar-se:

    Quanto interculturalidade, como se articulam os dilogos dopovo Mapuche com a lgica poltico-jurdica implementada pelo estadodo Chile

    Esta investigao se centra em uma anlise crtica e compreensivaentre as diferentes posturas e enfoques em torno Interculturalidade,

    para elucidar as convergncias e divergncias que se tem a respeito, quepossibilite a elaborao de uma compreenso e interpretao doprocesso chileno no desenvolvimento histrico das relaesinterculturais entre o Mapuche e o Estado, considerando osdesdobramentos que isto apresenta na implementao de um modelo deeducao intercultural.

    Diante disto, estabelecemos como nosso objetivo geral a intenode:

    Analisar desde uma abordagem decolonial9 como seconcebe e estabelece a inflexo da interculturalidade noChile perspectivando-a a partir da relao Estado e povo

    9Decolonialidade uma nova linha de estudo, desenvolvida por tericos latino-americanos, nosegundo capitulo faremos uma contextualizao e sua abrangncia para nosso estudo.

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    Mapuche, visando construir uma compreenso critica doatual modelo intercultural chileno.

    Este objetivo geral ser desenvolvido atravs de trs dimensesespecficas que dem conta de e norteiem nossa investigao:

    Descrever e contextualizar os aspectos scio-histricos epolticos na relao Estado do Chile e povo Mapuchedesde um enfoque decolonial.

    Discutir e analisar desde os marcos jurdicos eeducativos, como se estabelecem as relaesinterculturais no Chile.

    Compreender e interpretar as imbricaes polticas e

    educativas para o povo Mapuche no atual modelointercultural do Chile.

    1.3 METODOLOGIA:

    Para levar a cabo esta construo, nosso enquadramento estdentro de um enfoque metodolgico qualitativo (Taylor & Bodgam1996). O que interessa interpretar e compreender as interfaces polticase sociais de como o Estado perspectiva a Interculturalidade no Chile e oimpacto que esta tem dentro do mundo Mapuche.

    Para tanto se trabalhou na anlise de elementos tericos eepistemolgicos que nos deram o subsdio para ter uma compreensodas dimenses de colonialidade e interculturalidade, de modo a

    perspectivar como se inserta a abordagem decolonial no nosso caso deestudo.

    Tambm se realizou uma anlise de contedos e de discurso domarco jurdico de como se apresenta a interculturalidade no contexto do

    Chile, no marco curricular nacional de educao, e programas de estudona implementao da Educao Intercultural no Chile. Isto de maneira aconstatar e analisar as disposies e projees que busca comosociedade e projeto educativo, o qual resulta de suma importncia dentrode nosso processo de investigao. Como dizem Bodgan & Biklen, noestudo de documentos oficiais, a verdade no o objetivo da pesquisa,mas sim ter um olhar da perspectiva institucional, que nos ajude a

    problematizar, como seria neste caso, o entendimento de educao einterculturalidade, e das dimenses associadas que possam desprender

    delas, e que so de grande interesse para nossa pesquisa.

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    2. CONSTRUO DA OPO DECOLONIAL.1.

    Creio em meus deuses, creio em minhas huacas

    Creio na vida e na bondade de WiracochaCreio em Inti e Pachacamac.

    Como meu charque, tomo minha chichaTenho minha coya, meu cumbi,

    Choro meus Mallquis, fao meu chunoE nesta pacha quero viver.

    Tu me apresentas Runa ValverdeJunto a Pizarro um novo deus

    me ds um livro que chamas de Biblia

    com o qual dizes que fala teu deus.Nada se escuta, por mais que eu tente,Teu deus no me fala, quer calar.

    Por que me matas se no compreendoTeu livro no fala, no quer falar.

    Encontro em Cajamarcas10-Victor Heredia

    Quando se recorda o dia 12 de outubro de 1492, paradoxalmentese tende a falar do Des-cobrimento da Amrica, faanha de umnavegante genovs que com a ajuda da rainha Isabel de Castela deu

    passo a um dos projetos mais exitosos de expanso do mundo ocidental.Projeto que em conjunto com a modernidade esculpiu a nova cara de umcontinente, que ser desde ento netamente funcional e instrumental ambio mercantil e liberal do velho mundo.

    Quando recordamos, o que a era crist chamou de 12 de outubrode 1492, muitos povos o recordam como o En-cobrimento de abya yala,

    projeto coercitivo sustentado atravs da suplantao, subalternizao edominao da forma de vida deste continente, cobrindo-o atravs de um

    projeto colonial e relaes de colonialidade.Durante o sculo XIX muitos pensaram que atravs das idiasilustradas, se comeava a pr um fim no processo de colonialismo naAmrica, que se desenvolveu por todo o continente deste o norte ao sul,atravs dos processos polticos emancipatrios, at os princpios do

    10O encontro de Catamarca constitui um dos fatos histricos mais emblemticos da conquistaespanhola na Amrica, pois corresponde ao primeiro encontro que teve Pizarro (o conquistadordo Peru) e o Frei espanhol Vicente Valverde, com Atahualpa, a cabea do imprio Inca. Ahistria conta que neste encontro Valverde chega com uma cruz e uma bblia em cada mo,frente ao no entendimento suscitado neste encontro, Valverde joga ao cho os smbolos

    evanglicos, comeando a guerra que terminaria por destruir o povo Inca.

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    um olhar diferente que escapa daquilo que a cincia e as categoriasmodernas e ocidentais so capazes de definir (Mignolo, 2007).

    Catherine Walsh definiu o emprego do termo de-colonial, em vezde des-colonial (seja com ou sem hfen), como uma proposta dedistino do projeto do grupo de estudo da modernidade/colonialidade.Ou seja, como uma forma de estabelecer a diferena com o conceito dedescolonizao no uso que se lhe outorgou durante a Guerra Fria, e,dos usos do conceito de ps-colonialidade, posto que Des-colonial um conceito que se articula dentro de outra genealogia de pensamento,do pensamento moderno de dissenso na Europa. O projeto des-colonialdifere tambm do projeto ps-colonial, embora com o primeiromantenha boas relaes de vizinhana. A teoria ps-colonial ou os

    estudos ps-coloniais esto a cavalo entre a teoria crtica na Europa(Foucault, Lacan e Derrida), sobre cujo pensamento se construiu a teoriaps-colonial e/ou estudos ps-coloniais, e as experincias da eliteintelectual nas ex-colnias inglesas da sia e frica do Norte. Estas soas palavras que utiliza Mignolo (2008) no rodap de um artigo paradefinir a opo pelo de-colonial.

    Em sntese, o de-colonial buscaria insertar-se como insurgnciapoltica, ontolgica e epistmica que se articularia sob a idia que:

    Ainda necessitamos desenvolver uma novalinguagem que d conta dos complexos processosdo sistema-mundo capitalista/patriarcalmoderno/colonial sem depender da velhalinguagem herdada das cincias sociais do sculoXIX. (Castro-Gomez & Grosfoguel, 2007, p. 17)

    2.1 MATRIZ DA COLONIALIDADE, AS IMBRICAES DOPODER, SER E SABER.

    Falar de colonialismo para Walsh (2005, 2008) e Grosfoguel(2006) representa uma relao de carter poltico e econmico, queatenta contra a soberania de um povo ou nao, por parte de outro que seencontra em qualquer parte do mundo, dos quais temos muitos exemplosatravs do projeto expansivo europeu em todos os continentes (Amrica,frica, sia e Oceania). Ou seja, faz referncia ao que pode desprender-se desde uma Administrao colonial. Por sua vez, Colonialidade seerige como um padro de poder que emerge, que se faz patente dentro

    do contexto da colonizao europia nas Amricas (por Espanha,Portugal, Inglaterra, Holanda, Frana) que esculpiram (e esculpem) a

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    cara do continente a partir do capitalismo mundial, buscando estabelecero controle, dominao e subordinao da populao atravs da idia deraa, conceito que atravs da naturalizao na Amrica Latina, bemcomo no resto do mundo, se articula como modelo e/ou mecanismo de

    perpetuao do poder moderno.A partir desta conceitualizao o filsofo peruano Anbal Quijano

    levanta a definio da Colonialidade do Poder (Quijano, 2006), que fazreferncia a como a articulao do poder se desprende atravs daelaborao de um discurso, com imbricaes histricas a partir daelaborao do conceito da raa, e se prope uma ordem dada mediante aclassificao e a ordem social.

    Para Quijano (2007) esta idia de raa parte da constituio do

    Eurocentrismo, pois sua construo aponta ao que um projetoeurocntrico, a partir de uma Racializao das relaes de poder nomundo. Esta Racializao do poder relativamente nova dentro do devirda histria humana, pois nasce com o descobrimento e conquista daAmrica, nomenclatura de conceitos que pressupe o encontro de algoque no existia Descobrimento e a coisificao disso atravs da

    possesso Conquista padro de relao social que comea naAmrica e logo se mundializa sob o padro de poder capitalista. Istoimplica uma nova ordem de identidades sociais e geoculturais, a qual se

    hierarquizou em funo das necessidades do padro eurocentrista.Segundo Quijano (2007) esta diferenciao comeou com

    classificaes de identidades raciais, que se forjaram a partir do modelodos dominantes-superiores Europeus e dos dominados-inferioresNo-Europeus. Depois se complementaria com o desenvolvimento dedefinies externas, sustentadas nas diferenciaes fenotpicas, que emum primeiro momento estariam dadas por formas cromticas, ou seja,atravs da cor da pele, da cor dos olhos e da cor do cabelo e que, a partirdo sculo XIX e XX se daria tambm atravs do carter mrfico, aforma do rosto, do crnio, do nariz, etc. Dentro destas categoriasdefinidas, a marca externa diferenciadora mais significativa foi dada a

    partir da pele, ou cor da pele.

    A escala de gradao entre o branco da raabranca e cada uma das outras cores da pele, foiassumida como uma gradao entre o superior e oinferior na classificao social racial. (Quijano,2007, p. 120)

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    A partir disto nasce a nomenclatura de cores para assumir a raa,estabelecendo o superior a partir do Branco e o inferior como raas decores, onde se estabeleceu as peles amarelas, vermelhas, marrons enegras, a partir de uma ordem fotocromtica que vai deste o mais claroao mais escuro, que parafraseando a Quijano (2000, 2007) se estabelececomo uma Classificao social Racial do mundo.

    interessante ver como esta linguagem est dentro do discursoocidental e se distorce atravs do tempo. Durante o mundo clssico naAntiga Grcia, Aristteles apresentou a filosofia pitagrica a partir danoo dos dez princpios de pares opostos, estabeleceu que dentro deuma relao dual estavam luz/escurido, bem como o bom/mau. Estarelao dual dentro do imaginrio Ocidental Judaico Cristo adquire

    importantes adjetivos, quando no livro da Gnesis Deus tira a terra dastrevas irradiando-a de luz. Desde este ponto toda a bblia se estabelece apartir desta metfora, adjetivando o bom impregnado de luz, declaridade; deus est no cu. Enquanto o negro, o escuro, d conta domau, do perverso, do castigo; o diabo reside nas trevas. Contemplando o

    processo de metamorfose fotocromtico que sofre Lcifer at converter-se em Sat, se retrata o melhor exemplo desta degradao. A idia deraa sustentada em seu carter fenotpico se inscreve dentro destamesma degradao, o branco sempre ser sinal de mais luz e

    proximidade a Deus, Deus o superior, a perfeio.Frente ao estabelecimento desta classificao social racial foi que

    se erigiram os estados nacionais, formaram-se como estados coloniaisem primeiro lugar e como estados dependentes depois, conservando estadeferncia de raa. por isso que os estados que mantiveram relaescoloniais mais profundas hoje em dia reproduzem esses conflitos tnico-sociais que lhes impede erguerem-se no ou em um centro como aEuropa conseguiu, mantendo-se em suas periferias coloniais. Isto umaclara contraposio do que acontece em pases como Estados Unidos,Canad, Nova Zelndia e Austrlia, onde a populao indgena e/ouoriginria foi varrida, e a populao negra no foi importante durantesua fundao, e os pases onde o processo de colonialidade no foi toextenso e/ou profundo com relao identidade local como Japo,China e Taiwan, que so pases que conseguiram acercar-se ao centro oucriar seus prprios centros (Quijano, 2000, 2007).

    Disso se desprende, de novo, que a colonialidade

    do poder implica nas relaes internacionais depoder e nas relaes internas dentro dos pases, oque na Amrica Latina tem sido denominado

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    como dependncia histrico-estrutural. (Quijano2007, p 121)

    Pois funcional a esta classificao de racializao e periferiascoloniais foi que se estabeleceu a distribuio nacional e mundial dotrabalho, como parte da lgica de um capitalismo eurocentradomoderno/colonial, que construiu uma idia de economia-mundo.

    Silva (2008) sintetiza muito bem quando expe que acolonialidade do poder prope uma estrutura hegemnica global de

    poder e dominao que articula raa, trabalho, espaos e pessoas, demaneira funcional s necessidades do capital e para o benefcio da raasuperior.

    Dentro da lgica de superioridade colonial, necessariamente serequer uma inferioridade colonial, que sustente esta forma de poderfenotpico, e a perpetuao dela no tempo. assim que dentro destacolonialidade emergem outras duas imbricaes que daro sustento aesta matriz, que estaro dadas uma desde um carter mais ontolgico, a

    partir da colonialidade do ser e outra de carter mais epistemolgicoatravs da colonialidade do saber.

    A colonialidade do ser uma conceitualizao fortementedesenvolvida por Maldonado-Torres (2007), e est estreitamente ligada

    com a sustentao do que anteriormente definimos como colonialidadedo poder. Mas essa colonialidade do ser corresponde a umquestionamento de carter mais ontolgico (do ser) como exerccio deinferiorizao, subalternizao e desumanizao racial na modernidade,a falta de humanidade nos sujeitos colonizados que os distancia damodernidade, da razo e de faculdades cognitivas.

    Esta articulao est construda com base nos fundamentos datradio fenomenolgica, conforme Maldonado-Torres (2007) que dconta de seu interesse pelo pensamento e desenvolvimento da ontologiafundamental ou existencial na obra de Martin Heidegger, ondereconhece que a partir da anlise da figura do Dasein, da configuraoda razo ocidental e do pensamento moderno, encontra a chave paraarticular as reflexes sobre a experincia vivida por sujeitos racializadose colonizados, de maneira a comear a levantar um pensamentodecolonial. Isto por sua vez se entrelaa com os projetos que iniciou nosanos setenta com outros grupos de jovens latino americanos, em pensaratravs da teoria da libertao, outras formas de alcanar a

    descolonizao intelectual que deram conta do processo que se estavavivendo. Comeam ento a madurar com as leituras feitas das obras deEmmanuel Lvinas de onde lhe faz muito sentido sua conceitualizao

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    constituindo o que ser Europeu, sendo assim um dos grandes sustentosda lgica e dos argumentos da colonialidade, que tambm se far

    presente, de outras formas, dentro dos grandes conflitos da modernidade(Liberalismo-Capitalismo).

    A idia de ser, sob esta lgica est intimamente sujeitada a minhainstrumentalidade ou funcionalidade frente ao outro, que a base sobrea qual desenvolveu a modernidade, questionando quem mais humanoque os outros. A conquista deste status dar conta, a sua vez, do papelque desempenhar o ser frente a sua racionalidade de centro-periferia, oque alm de uma metfora geopoltica e econmica, tambm se articulacomo uma degradao do status ontolgico, herdado e ainda conjugado,atravs das relaes de subalternidade deixadas pelo ocidente.

    Dentro de um exerccio de-colonial para Maldonado-Torres(2007) a emergncia da reivindicao de identidades negadas deve seruma prtica fundamental na descolonizao do ser, pois se trata doreencontro do sentido do ser humano e do ser em geral, por partedaqueles que foram considerados na modernidade como meroshumanos. a liberao de grandes imaginrios arbitrrios. oestabelecimento de no-diferenas, a ao responsvel frente ao outro.

    Mignolo, na colonialidade do saber (2007), prope uma relaode carter colonial a partir do saber, articulando-se sob uma geopoltica

    do conhecimento que levanta uma hegemonia epistmica. Surge dopoder conceitualizar e legitimar o mundo, estabelecendo fronteiras,decidindo arbitrariamente quais conhecimentos e comportamentos soou no vlidos. a forma de estabelecer uma viso de mundodominante. Uma concepo que imposta aos colonizados parasubalternizar suas culturas e suas lnguas, que violncia epistmica

    para invadir e destruir seu imaginrio.Neste sentido a colonialidade do saber a imposio da razo

    como eixo ordenador do posicionamento de eurocentrismo,conhecimento e pensamento, a que descarta e desqualifica a existncia eviabilidade de outras racionalidades epistmicas e outros conhecimentosque no sejam os dos homens brancos europeus ou europeizados. Se

    para a colonialidade do ser o Ego Conquiro foi o princpio motor daconquista do ser, a colonialidade do saber conjugar o Ego Cogito.Descartes neste sentido articula uma grande mudana, pois substitui aDeus como a base do conhecimento durante idade mdia, de onde seconstrua uma teopoltica do conhecimento, posicionando ao homem, ao

    homem europeu, ou seja, ocidental, com todos aqueles atributos que umdia teve deus, o homem comear a ostentar tambm a capacidade decriar conhecimento e teoria. (Grosfeguel 2006)

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    Castro-Gmez (2007) reconhece que em parte o princpio docolonialismo no foi somente um fenmeno de dominao poltica eeconmica, que para seu desenvolvimento tambm requereu umasupremacia do conhecimento europeu, do homem ocidental, sobre amultitude de formas de conhecer das populaes colonizadas. Baseia-seinicialmente na obra de Edward Said, que inaugura a teoria ps-colonial,atravs da qual mostra que o controle imperial ingls se baseou elegitimou por meio de imaginrios nos quais foram construdas comoinferiores as pessoas, as culturas, as sociedades e os conhecimentos dos

    povos subalternizados nas colnias. Depois da independncia (poltica)os imaginrios instaurados no desapareceram, perpetuando-se atravsdas cincias sociais universitrias, nas artes e nos meios de comunicao

    no Norte e nas ex-colnias, agora constitudas em pases independentes.A construo do Terceiro Mundo no aconteceu somente no aspectoeconmico, mas tambm no campo cultural e epistmico.

    A colonialidade do saber se articulou no sentido de que opensamento moderno foi possvel graas a seu poder para subalternizaro pensamento localizado fora de seus parmetros, excluindo, omitindo,silenciando, invisibilizando, subvalorizando e ignorando osconhecimentos subalternos para erigir a razo como construo domundo a partir desta viso europeizante do conhecimento:

    O posicionamento do eurocentrismo como aperspectiva nica do conhecimento, a que descartaa existncia e viabilidade de outras racionalidadesepistmicas e outros conhecimentos que nosejam os dos homens brancos europeus oueuropeizados. (Walsh, 2008, p. 137)

    Esta colonizao do saber ou conhecimento tambm foi possvel

    atravs do estabelecimento de uma hierarquia lingstica entre as lnguaseuropias e as no europias, dando um melhor status comunicao, produo terica e de conhecimento da razo ocidental, subalternizandoao outro como produtor de folclore ou cultura somente, mas no deconhecimento nem teoria (Mignolo, 2000). assim como todo o mundocosmognico e cosmolgico de outras culturas fica subjugado ao que ascategorias ocidentais e antropolgicas ostentem brindar-lhes.

    Dentro das discusses em desenvolvimento na nossa regio halgumas reflexes que dialogam com esta idia de colonialismo

    cognitivo que nos limita pode olhar mais alm. Zemelman & Quintar(2005, 2006) realizam uma leitura de como esta colonialidade foi levada

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    a cabo atravs de um dispositivo de dominao cognitiva que eleschamam como Estruturas parametrais, que definida em breves palavrascomo:

    Estruturas que de alguma maneira se expressam apartir das inrcias, das preguias mentais, daconformidade, da idia de que o pensamento umato puramente cognitivo. (Diaz, 2005, p. 123)

    Neste sentido o pensamento no um ato meramente cognitivo,mas um ato de resistncia cultural. O legado colonial est dado a

    partir da delimitao ou parametrizao da realidade e nossaspossibilidades dentro desta realidade. As estruturas no parametrais soaquelas que nascem de pensar mais alm das estruturas impostas,aquelas que rompem com a concepo de limites, preconceitos eesteretipos, que conduzem o ser humano a acomodar-se a suascircunstncias. As estruturas parametrais fazem referncia muito

    prxima ao que Mignolo (2007) definiu como colonialidade do saber,que ambos definem como alguns dos dispositivos de dominao que oocidente instalou na Amrica, dos quais nos custa desprender-nos para

    poder olhar mais alm, articulando-se como um horizonte de olhar,pensar, conhecer e fazer. Zemelman (2005) entende que este processo

    pde se sustentar atravs do tempo a partir de uma metfora definida porele como a Pedagogia do Bonsai, ou seja, como um trato sistemtico quesob o pretexto do cuidado manipula as razes, e assim, o que eu destineia ser um arbusto no ser uma grande rvore que transborde os limites

    prefixados desde fora. Para Zemelman:

    Pedagogia do Bonsai consiste em fazer sereshumanos muito harmoniosos, mas pequeninos,sem fora, sem capacidade de imaginao, nem de

    projetos, e portanto sem capacidade de construirnada, capazes somente de obedecer eficientementeinstrues. (Diaz, 2005, p128).

    O parametral possvel na medida em que inconsciente, searticula como horizonte, atua como uma inrcia, de dar nomes velhos scoisas, de explicar mundos com categorias j estabelecidas, pois afuno do parmetro essa, pr limites a nossos ramos que buscamalcanar outros entendimentos, cortar nossas razes para que no dem o

    vigor de uma grande rvore.Finalmente, dentro da linha de estudo daModernidade/Colonialidade, comea a emergir uma quarta forma de

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    colonialidade, que teve at o momento pouca reflexo, no foiincorporada dentro da trade interrelacional da Matriz da Colonialidade(Poder, Ser, Saber). Catherine Walsh (2008, 2009a, 2009b), porm, areivindica como outra dimenso da colonialidade, a qual estaria dada

    por uma Colonialidade cosmognica da me natureza e da prpria vida.Esta colonialidade cosmognica diz respeito s imbricaes de

    uma fora que se articula desde o vital-mgico-espiritual da existncia,prpria das comunidades tanto afro-descendentes como indgenas, quedesborda da razo e da idia binria cartesiana em sua forma de abordaro mundo, definido a partir do homem/natureza:

    () Descartando o mgico-espiritual-social, a

    relao milenria entre mundos biofsicos,humanos e espirituais, incluindo o dos ancestrais,que d sustento aos sistemas integrais de vida e

    prpria humanidade (Walsh, 2008 p 138)

    Uma dimenso que da mesma forma que a colonialidade do ser esaber, se articula atravs de uma inferiorizao e coisificao que oocidente outorgou atravs de conceitos como Primitivos, Pagos eFolclricos, que se estabelecem como mecanismos ou categorizaes

    coercitivas e cosmo(a)gnicas, em uma arbitrariedade de estabelecer oque o ocidente entende como realidade e/ou realidades. Esta relao sd conta de uma pobre abstrao mgica e espiritual alcanada peloocidente, que s foi capaz de estabelecer-se sob princpios binominaistais como Homem/Natureza e Cu/Inferno. Desacredita essnciascosmolgicas que regem os princpios de equilbrio do homem,desacredita o mgico que dentro do conhecimento do Amauta, do Xam,da Machi, do Yatiri, dos Orixs, nossos antepassados, etc. nos conectasob as harmonias e cumplicidades de outros cosmos-entendimentos e

    cosmos-relacionamentos.Em sntese, quando falamos de colonialidade, falamos de uma

    relao constante de subalternizao que se estabelece como umarelao de Poder, que se sustenta sob as formas de violncia Raciais,Ontolgicas, Epistemolgicas e Cosmognicas, dentro de uma maneiraarbitrria e parametral na busca de sua perpetuao.

    Neste sentido, o central parece ser que o grande desafio, asgrandes perguntas, as futuras construes ou involues que possamosgerar, esto dados desde a forma em que sejamos capazes de rompercom as grandes panacias e matrizes que at o momento nosgovernaram; erguer a idia, o desafio e a necessidade de uma prtica

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    aperfeioando elementos que estabelecem uma srie de relaesassimtricas.

    No contexto do Chile em particular, estas relaes assimtricas sefazem patentes em muitos aspectos tal como nos deixa claro a entrevistacitada. Entra em tenso o constante atuar poltico e reivindicativo quealam os povos indgenas, o mais patente nos quase 300 anos de colniae 200 de repblica foi a luta do povo Mapuche.

    Desde a emergncia do conceito de interculturalidade, muitasforam as pesquisas e intervenes que se fizeram no Chile neste campo,especialmente a partir do fim da ditadura de Pinochet13 nos anos 90.Talvez a ao mais significativa em termos institucionais e jurdicos dosltimos anos foi a entrada em vigncia (mais tardia em comparao com

    o resto dos pases da Amrica Latina) do convnio 169 da OIT. Pormtambm houve durante a ltima dcada, um recrudescimento dademanda Mapuche em aes polticas concretas, como por exemplo, emrecuperaes de terras ancestrais margem do que dispe a lei chilena.Entender as relaes e sobretudo os pressupostos interculturais quedivergem e convergem na relao Estado do Chile e Povo Mapuche sero esprito deste captulo.

    2.2.1 Superando o cerco semntico da interculturalidade

    (...) quando queres tentar um novo discurso outeoria intercultural, enfrentas um problema: h

    aspiraes nos oprimidos que no sopronunciveis, porque foram consideradas

    impronunciveis depois de sculos de opresso.No possvel o dilogo simplesmente porque aspessoas no sabem dizer, no porque no tenham

    o que dizer, mas porque suas aspiraes so

    impronunciveis. E o dilema como fazer falar osilncio atravs de linguagens, de racionalidadesque no so as mesmas que produziram o silncio

    no primeiro momento. Esse um dos desafiosmais fortes que temos: como fazer falar o silncio

    de uma maneira que produza autonomia e no areproduo do silenciamento

    (Santos, Boaventura, 2006, p 47).

    13Augusto Pinochet Ugarte, ex general do exercito do Chile, ditador entre os anos 1973 e 1990aps derrocamento do presidente Salvador Allende em setembro de 1973.

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    Para comear a falar de interculturalidade, nem sempre podemospartir desde sua definio raiz ou campo semntico como atestam muitaspesquisas e livros. Isto se d por duas razes, seu campo semnticointer e cultura mais aprisionam do que ajudam em seuentendimento, por supor que um ponto de encontro, de dilogo,convergncia entre culturas. Hoje em dia so to ou mais

    preponderantes outros aspectos que buscam constituir ou instaurar estedilogo, como os pressupostos polticos, sociais, econmicos,epistemolgicos e ontolgicos. A segunda razo est sustentada em que,ao tentar cair em jogos de definio, estamos negando um olhar desde acomplexidade do termo, situando-o como uma conceitualizao fixa e

    por conseguinte no dinmica, obviando os contextos histricos,

    polticos, sociais e culturais onde a situamos. Sob esta lgica queoptaremos por construir e no definir o que interculturalidade.Para comear esta construo, precisamos situar-nos

    geopoliticamente na Amrica Latina para erguer os primeiros pilares,isto porque olhar o solo (contexto histrico, poltico, econmico) nossitua em uma perspectiva mais particular para olhar a interculturalidade.Diferentemente do contexto europeu, africano, asitico ou do orientemdio, por exemplo, isto se d basicamente pela questo indgena quenos remete a articular heranas coloniais (poder-ser-saber),

    normatividade dos estados nacionais e complexidades scio-culturaisque nos diferenciam. Neste sentido a interculturalidade na AmricaLatina tem sido dada a partir de demandas e reivindicaes de minoriastnicas (Lpez, 2001), minorias no sentido de representatividade e peso

    poltico, e no necessariamente em densidade populacional.14Neste sentido, como primeiro princpio, a interculturalidade se

    perspectiva como uma prtica constante que encara anos de histria desubordinao, homogeneizao e invisibilizao por parte da culturadominante na busca do respeito, igualdade e legitimidade entre asdiferentes comunidades tnico-culturais e frente ao Estado (Walsh,2005; Santos, Boaventura. 2010).

    Esta emergncia do intercultural se ergue como proposta aomonocultural, no no sentido de oposio dicotmica, mas como fonte

    possibilitadora de novos entendimentos e relaes nos diferentes planosque estabelece a sociedade. Neste sentido a institucionalizao desta

    14

    Para maior profundidade consulte-se: A publicao da CEPAL, lvaro Bello (2004)Etnicidad y ciudadana en Amrica Latina: La accin colectiva de los indgenas e apublicao da UNESCO, Luis Enrique Lpez (2001) La cuestin de la Interculturalidad y laeducacin Latinoamericana.)

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    estados uni-nacionais e, por conseguinte, propiciados atravs de umaeducao homogeneizante.

    Barbosa (2001) realiza uma colocao importante desde o cenriodo direito, ao falar da importncia desta monoculturalidade naconstituio dos estados modernos, ponderando que esta se constri a

    partir das idias frutos da racionalidade, da idia de liberdade construdaa partir da revoluo francesa e da declarao dos direitos individuais,que foram integradas ideologia estatal e aperfeioadas durante otempo, consagrando jurdica e constitucionalmente um cenrio propcio

    para os diferentes mecanismos de aculturao. Isto afetou diretamente osdireitos tradicionais, ancestrais e coletivos de ser e estar no mundo,

    prprio dos povos indgenas, em prol do desenvolvimento e progresso,

    onde o preo destes foi a integrao e a assimilao, como um processohomogeneizante do que o estado moderno entendeu por Nao.Neste sentido, quando falamos de interculturalidade, a partir da

    questo indgena, no podemos nos remeter somente ao plano docultural, pois quando falamos de processos de aculturao, assimilao ehomogeneizao, estes atravessam toda a trama cultural, poltica, social,econmica, epistmica, ontolgica e cosmognica que constitui acomplexidade da sociedade. por isso que propomos um entendimentode interculturalidade que articule todas estas dimenses, desde suas

    limitaes, possibilidades e contradies, em vista de processos deaperfeioamento de relaes de alteridade e de democracia, comomecanismos de superao ou de desconstruo da matriz dacolonialidade ainda presente em nossas relaes inter-tnicas (poder-ser-saber) e amparadas pelos estados nacionais. De forma a no cair na idiasimplista que a interculturalidade somente o reflexo de uma tentativaromntica de atualizar o passado e a tradio de nossos antepassados,como diria lvaro Bello (Bello, 2004, p 17).

    Uma segunda coisa importante a ponderar nesta construoconceitual no dissociar a interculturalidade de uma problemticaampla, de carter estrutural, que remete ao acionar do Estado, errocomum no qual incorremos educadores e pedagogos, pens-la de formasimplista s como Educao Intercultural sendo que esta ltima deveser o reflexo, o produto, o fruto (tanto em contedo como em inteno

    pedaggica) de um dilogo intercultural com outras esferas dos poderespolticos, sociais e econmicos que interagem na sociedade. O peruanoFidel Turbinos nos situa muito bem neste sentido quando diz:

    A interculturalidade no percebida como umproblema de Estado por dois motivos. Primeiro,

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    porque justamente coloca em tela de juzo omodelo de Estado-nao que temos. por issoque um tema importante no plano discursivo,mas insignificante no plano da ao estatal.

    Segundo, porque a interculturalidade comoproposta tico-poltica, um assunto que competea todos os poderes do estado, e no s ao setorEducao. (Turbinos, 2005, p 84)

    Hoje dentro do contexto da Amrica Latina, desenvolvem-sediferentes conceitualizaes para abordar a questo indgena tanto a

    partir das relaes com a institucionalidade do estado, quanto tambmao interior das relaes entabuladas dentro da prpria sociedade. Assim

    temos projetos governamentais, redes internacionais tais como a ONU,UNESCO, BID, FMI, e a OIT, comunidades e organizaes indgenas,

    bem como ONGs e organizaes da sociedade civil noinstitucionalizadas atravs de propostas alternativas para trabalhar aquesto intercultural desde diferentes arestas e ticas de ao. assimque neste caminhar vem emergindo e socializando-se conceitos taiscomo Interculturalidade, Multiculturalidade e Pluriculturalidade, quemuitas vezes so utilizados como sinnimos, mas que em seu seio

    perspectivam formas diferentes para abordar esta problemtica.Catherine Walsh (2005, 2006, 2008), em diferentes textos realiza

    uma sistematizao bastante assertiva para dar conta destamultifocalidade em abordar a interculturalidade, dando bastante nfaseao esprito poltico, limitaes e possibilidades de cada uma das

    propostas. Neste sentido o Multicultural e o Pluricultural se configuramcomo nomenclaturas descritivas que denotam a existncia de diferentesculturas, e que advogam por um estado de reconhecimento, tolerncia erespeito, mas que em sua gnese se referem a realidades diferentes e,

    portanto, perspectivam o fim de seu trabalho de forma igualmentediferenciada.O Multicultural uma denominao que nasce dentro dos pases

    ocidentais, especificamente para dar conta dos fenmenos socioculturaisque aconteceram na Europa e nos Estados Unidos no transcurso dosculo XX, e que, terminolgica e politicamente, foi socializada etomada por outras regies do mundo (Amrica do sul, frica, OrienteMdio, sia, etc.) para dar conta dos conflitos tnicos e/ou culturais queaconteciam (e acontecem) ao interior dos Estados Nacionais. O

    multicultural, tal como descreve Fleuri (2003), se instaura na realidadeeuropia para dar conta de uma srie de fenmenos migratrios,

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    imperativos econmicos do modelo(neoliberalizado) de acumulao capitalista, agorafazendo incluir os grupos historicamenteexcludos ao seu interior. Sem dvida a onda de

    reformas educativas e constitucionais dos 90 asque reconhecem o carter multitnico e

    plurilingstico dos pases e introduzem polticasespecficas para os povos indgenas eafrodescendentes so parte desta lgicamulticulturalista e funcional, simplesmenteadicionam a diferena ao sistema e modeloexistentes. (Walsh, 2009, p.6)

    A idia de multiculturalismos neste sentido tambm se apresentacomo uma estratgia de controle social, pois que a proposta est dadadesde as cpulas de poder, como o so o aparato do estado eorganizaes prprias do poder liberal global, que sob a concepoinstaurada da globalizao, propem e projetam polticas para adiversidade, que alienam a particularidade, atravs de estratgias deincluso que silenciam as especificidades da diferena, professandovalores de respeito e tolerncia. Boaventura de Sousa Santos (2006)assertivamente questiona isto quando nos diz que: Temos o direito a

    ser iguais, sempre que a diferena nos inferioriza, temos o direito de serdiferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza, o que nos leva atencionar e refletir mais alm da simples necessidade de incluso,vislumbrando o imperativo de conseguir mirar transformaes maisestruturais que garantam a complexidade de uma poltica intercultural,superando seu paradigma exclusivamente atitudinal e funcional smatrizes j estabelecidas.

    Dentro desta multifocalidade da interculturalidade, Walsh (2009)reconhece outra perspectiva fortemente desenvolvida na AmricaLatina, que denomina Interculturalidade Relacional, a qual umaforma de substantivar a interculturalidade como uma ao que est dada,que remete com sua natureza mais semntica ao contato entreculturas, entendendo cultura como substantivo e no como processodinmico. Assim entende-se interculturalidade como uma prticaconsumada e que se vivencia em cada momento, independente dasrelaes de desigualdades nas quais se desenvolve, assumindo que esteentre culturas algo que historicamente existe, e que se materializa

    evidentemente na mestiagem, no sincretismo, na hibridao e natransculturao que supe este contato.

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    Olhar este enfoque relacional da interculturalidadenecessariamente nos leva a olhar as estratgias com que os estadosnacionais construram os nacionalismos de suas comunidadesimaginrias. Temos muitos exemplos disso na Amrica Latina. Pormtalvez uma das reflexes que mais nos pode fazer sentido, o exemplode como o estado chileno constri atravs do tempo a idia de Chile,um povo guerreiro a partir do esteretipo e da herana do Mapuche,como fora tenaz que foi capaz de resistir ao domnio da coroaespanhola, e que foi transmitido para ns, os chilenos, atravs dosangue.

    A dimenso relacional, bem como a funcionalidade domulticulturalismo, tem seu grande calcanhar de Aquiles a partir da

    inexistncia de conflitos. A relao algo que se d por antonomsia,pelo fato de existir um contato, onde no se fazem visveis a formas dealteridade e nem as diferenas, relaes onde se invisibilizam e/ou nose questionam as relaes de poder, assim como nenhuma forma desubalternizao cultural, social, econmica e epistmica (Walsh 2006,2009). A conciliao e o valor intercultural se constituem emimaginrios e meta-relatos societais idealizados e comumentefolclorizados.

    A partir do exposto, nossa construo de interculturalidade que d

    conta da questo indgena necessariamente tem que reparar nestesaspectos que operam como obstaculizadores ao momento de tentarconstruir a interculturalidade como uma prtica poltica. Estesobstaculizadores esto dados como j mencionamos a partir de Estadosuni-nacionais (homogeneizao, invisibilizao) de relaes de poder(polticas de racializao e de subordinao econmica), relaes edeterminaes ontolgicas e de alteridade assimtricas, e universalidadeepistmica e cosmognica. Neste sentido precisamos erguer umentendimento de interculturalidade que seja questionador, propositivo etransformador destas prticas de subalternizao evidenciadas, que se

    perspectivem como uma forma de Interculturalidade crtica comopropem Santos (2010) e Walsh (2005, 2009).

    Pensar uma Interculturalidade Crtica nos desafia a desenvolveruma obra de engenharia importante, porque necessita questionar ereformular supostos naturalizados, que se assumem como normais,mas que imperativamente devemos desconstruir e proporconstantemente novos cimentos que sustentem novas formas de

    alteridade e de dilogos, Santos (2010) v neste caminho dois aspectosimportantes a superar:

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    A interculturalidade um caminho que se fazcaminhando. um processo histrico duplamentecomplexo porque: 1) trata-se de transformarrelaes verticais entre culturas em relaes

    horizontais, ou seja, submeter um largo passado auma aposta de futuro diferente; e 2) no podeconduzir ao relativismo uma vez que atransformao ocorre em um marco constitucionaldeterminado. (Santos, 2010 p 102).

    Esta mudana compromete uma mudana de paradigma, o qualdeve no s localizar-se em termos discursivos, mas tambm emmudanas estruturais do estado em termos jurdico-constitucionais que

    dem conta de superar os estados de subalternizao. Neste sentidoWalsh ainda mais enftica ao propor que:

    A interculturalidade entendida criticamente aindano existe, algo por construir. Ali seuentendimento, construo e posicionamento como

    projeto poltico, social, tico e tambm epistmico de saberes e conhecimentos projeto queafiana para a transformao das estruturas,

    condies e dispositivos de poder que mantm adesigualdade, racializao, subalternizao einferiorizao de seres, saberes e modos, lgicas eracionalidades de vida. Desta maneira, ainterculturalidade crtica pretende intervir em eatuar sobre a matriz da colonialidade, sendo estainterveno e transformao passos essenciais enecessrios na construo mesma dainterculturalidade. (Walsh, 2009, p 8)

    A partir disto podemos talvez vislumbrar o desafio maisimportante de uma Interculturalidade Crtica que um caminho

    permanente (verbo), onde suas aprendizagens e transformaes estodadas a partir da ao de caminhar, de um caminhar coletivo (dilogo)constante, e no precisamente materializado no pavimento do caminho(substantivo), porque o pavimento solidifica e prende os dilogos, asidentidades, as alteridades, correndo o risco de cair em novosessencialismos supra-valorados, levantando novas lgicas desubalternizao reacionrias, atravs do estabelecimento de falsos-

    positivos sociais.

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    3. A (DES)ALTERIDADE DESDE A DIPLOMACIA DAFRONTEIRA.

    3. 1 A ALTERIDADE COLONIAL.

    Essa raa de heris que inspiraram aos poetas eque foi cantada como os sublimes acentos daepopia; que prodigou seu sangue com entusiasmo

    pela defesa de sua amada ptria, conseguiu enfimalar sua frente erguida e triunfante do jugoespanhol, orlada com mil lauris colhidos comhonra nos campos de batalha: eles souberamconservar a custo de seu sangue seu territrio, sua

    independncia e sua liberdade. (Fragmentopublicado na Revista Catlica. Peridico relijioso,histrico, filosfico i literario. Ao XVII, Numero588, del 4 de junio de 1859 Pgina 89, Santiagode Chile)

    Construir uma anlise das relaes interculturais entre o PovoMapuche e o estado do Chile, necessariamente nos leva a olhar a gneseem que estas se estabeleceram, pois a partir das relaes, acordos e

    reconhecimentos que se desenvolveram com o Chile pr-republicano, que hoje em dia se contextualizam e justificam vrias das demandas queesto em questo no presente. No extravagante querer olhar asrelaes de alteridade no Chile colnia, pois um dos elementosdeterminantes na figura da construo das relaes deinterculturalidade est determinado principalmente pela emergnciada figura do Estado, e uma poltica colonial estatal que se desdobra emmecanismos de dominao com fortes rebarbas de colonialidade.

    Existe a construo de um Chile colonial, que foi bem registrado

    pela historiografia, que reflete sua relao de dependncia com a coroaespanhola at os princpios do sculo XIX. Mas tambm existe um Chilecolonialista legitimado como poltica de Estado, sobre o qual ainda secarece de uma importante reflexo tanto a nvel historiogrfico comosocial e poltico. Fazer esta diferena no busca entrar a olhar a histriado Chile desde uma tica de oposio, mas sim assumir suacomplexidade e comear a ponderar sobre aquilo que a histria oficialomitiu e tergiversou em suas pginas, silenciando outras histrias, outrasrealidades e outras formas de viver um mesmo processo histrico.

    Aps o descobrimento do Chile por Diego de Almagro em1536, proveniente desde o vice-reinado do Peru e o incio do processo

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    de conquista por parte de Pedro de Valdivia a partir de 1540, o processode anexao soberano do territrio chileno se viu obstaculizado noencontro com o povo Mapuche na zona Central do Chile atual. Ahistoriografia tradicional chama a este encontro como a Guerra deArauco. Sem dvida aqui se marca uma das leituras mais obscuras ounebulosas que ostenta a histria chilena. aqui onde temos o ponto de

    partida para comear a ponderar sobre como se estabeleceram asrelaes de interculturalidade, no calor da tenso de uma disputa blica.

    A matriz da colonialidade na Amrica tampouco pode serentendida como um processo linear e implementada igualmente em todaa regio. Existem pontos de resistncias que colocaram em umverdadeiro estado de xeque o domnio colonial espanhol, subjetivizando

    o que entendemos como colonialidade do poder. Um claro exemplodisso a histria que se traa quando olhamos o povo Mapuche,modificando a geopoltica de aspiraes que pretendia o impriohispnico, colocando as terras mais austrais do continente americano amerc de piratas, corsrios e s principais potncias europias, produtoda escassa soberania do reino hispnico. Isto potenciava a cobia deestabelecer novas colnias, obrigando a Capitania do Reino do Chile aidear outras formas de relacionar-se com o povo Mapuche, de maneira ano expor o territrio conquistado at o momento (Pinto, 2003).

    Entender as relaes de alteridade no Chile colonial nos obriga asair da linearidade da histria, realizando um exerccio maisinterpretativo e compreensivo. Embora o processo de conquista daAmrica significou a submisso e o genocdio de muitos povos, o

    processo da Guerra de Arauco em particular se constituiu com outrosmatizes que complexificam ainda mais este processo.

    Durante muito tempo se falou que a Guerra de Arauco seconstituiu em um dos conflitos blicos mais extensos da Amrica, pelosseus quase 300 anos. Mas hoje em dia existe um grande consenso, tanto

    por investigadores, antroplogos e historiadores tradicionais comoSergio Villalobos e outros de uma vertente scio-histrica e crtica comoJorge Pinto, Jos Bengoa ou Rolf Foerster, para entender que este

    processo decantou mais em relaes de alta diplomacia, tanto de carterpoltico, econmico e cultural, que Villalobos define como RelaesFronteirias. Atualmente os intelectuais Mapuches reivindicam estasrelaes como as primeiras evidncias de que o mundo ocidental lhesreconheceu como povo-nao.

    Mas para chegar a isto, precederam importantes 91 anos deguerra, onde, aps o extermnio e a escravizao de todos os indgenasPincunches da zona central como expe Jos Bengoa, a primeira batalha

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    foi realizada no ano de 1546. Nessa batalha 60 homens espanhis quesaam de Santiago para explorar as terras austrais da Capitania do Chile,foram interceptados e vencidos pelos Mapuches. O exrcito espanholdemoraria mais quatro anos para organizar uma nova hoste paraconquistar os territrios do sul. assim que em 1550 Pedro de Valdiviacomanda um novo contingente de 200 homens cruzando o rio Bo-Bo, afronteira natural que separava espanhis e Mapuches. As tropas deValdivia ganham a Batalha de Andalin e aproveitam de internar-sena Araucania, comeando a fundar as cidades de Tucapel, Puren, Angol,Imperial, Villarica, Valdivia e Osorno.Aps isto, e uma srie de reuniesdas autoridades Mapuches, se soma a chegada de Lautaro, Mapucheescravizado pelos espanhis que havia aprendido sua dinmica de guerra

    e a usar sua maior arma, o Cavalo, dando uma nova configurao ao queseria a ofensiva Mapuche, destruindo todas as cidades hispnicas noterritrio.

    Posteriormente, no ano de 1555 chega ao comando da capitaniado Chile o filho do Vice-rei do Peru, Garca Hurtado de Mendoza.Comea uma segunda fase do conflito, cruzando novamente o Bo-Bo evencendo os Mapuches na Batalha de Lagunillas. Posterior a isto oexrcito Ma