coletânea de mensagens ii
TRANSCRIPT
COLETÂNEA
de MENSAGENS
II
Este é um trabalho de tradução e adaptação
feito pelo Pr Silvio Dutra, de obras publicadas
nos séculos XVI a XIX, por um processo de
eximia seleção de arquivos em domínio
público de homens santos de Deus que
tiveram uma vida piedosa e real, que é tão
raramente vista em nossos dias. Estas
mensagens estão sendo traduzidas
pioneiramente para a língua portuguesa,
dando assim oportunidade de serem lidas e
conhecidas em países da citada língua.
2
Sumário
O vale de acor..........................03
O vale de baca...........................44
O poder e a forma...................74
O ramo de oliveira e a c.......104
O trabalho de todas as coisas
para o bem................................167
3
O Vale de Acor
Título original: The Valley of Achor
Por J. C. Philpot (1802-1869)
Traduzido, Adaptado e
Editado por Silvio Dutra
4
“Portanto, eis que eu a atrairei, e a levarei para o deserto, e lhe falarei ao coração. E lhe darei as suas vinhas dali, e o vale de Acor, por porta de esperança; e ali cantará, como nos dias de sua mocidade, e como no dia em que subiu da terra do Egito." (Oseias 2:14,15)
Os livros proféticos do Antigo Testamento
contêm, armazenados neles, uma rica mina de instrução e edificação para a Igreja de Deus.
Mas, embora a mina seja tão rica, é proporcionalmente profunda; embora o
minério seja tão precioso, está trancado em seus recessos mais escuros. Assim podemos dizer
desta mina, como Jó fala de outra não menos profunda e valiosa: "As pedras dela são o lugar de
safiras - e tem poeira de ouro". Mas podemos acrescentar, com ele: "Há um caminho que
nenhuma ave conhece, e que o olho do abutre não viu, pois está escondido dos olhos de toda a
humanidade, mesmo os pássaros de olhos afiados no céu não podem descobri-lo." (Jó 28: 6,
7, 21)
Mas, além dessas dificuldades inerentes às escrituras proféticas, surge um obstáculo
adicional à correta compreensão delas a partir dessa circunstância - que as pessoas não sabem
ou não têm suficientemente em mente - que
5
estão abertas a vários tipos de interpretação. Para explicar melhor o meu significado, deixe-
me observar que a interpretação dos livros proféticos do Antigo Testamento é
frequentemente, se não universalmente, de uma natureza tríplice:
Primeiro, há a interpretação literal e histórica, que era adequada ao tempo, lugar e
circunstâncias sob as quais a profecia foi primeiramente e originalmente entregue.
Em segundo lugar, há a interpretação espiritual e experimental, que o Espírito Santo escreveu
na carta para a edificação da Igreja de Deus em todos os tempos.
E, em terceiro lugar, há a interpretação futura ou profética, quando essas profecias serão
cumpridas em seu pleno significado, e todo jota e til delas receberão um completo
cumprimento. Até que, portanto, esse período chegue, muito das escrituras proféticas devem
estar enterradas na obscuridade. Esta realização plena ocorrerá naqueles tempos de que o
apóstolo Pedro fala nos Atos dos Apóstolos, como: "Os tempos de restauração de todas as
coisas que Deus tem falado pela boca de todos os seus santos profetas desde o início do mundo. "
(Atos 3:21)
6
Como é a interpretação espiritual e experimental que se refere principalmente à
Igreja de Deus, e aquela da qual devemos arranjar nossas provisões de instrução e
consolo, me limito principalmente a essa significação; e, ao fazê-lo, com a ajuda e a bênção
de Deus, trarei diante de vocês as palavras do Senhor em nosso texto e, assim, as dividirei mostrando-lhes:
Primeiro, a maneira pela qual Deus atrai seu povo – pela influência de sua graça.
Em segundo lugar, onde ele os traz por meio desses atrativos - "para o deserto."
Em terceiro lugar, o que ele faz a eles quando os conduz para lá - ele lhes fala confortavelmente; dá-lhes as suas vinhas dali; e abre no vale de
Acor, uma porta de esperança.
Em quarto lugar, qual é o fruto e efeito abençoado destes tratos graciosos de Deus com
eles no deserto - que "cantam ali como nos dias da sua mocidade, e como no dia em que subiram
da terra do Egito."
Não podemos, no entanto, entender bem essas relações de Deus com as almas do seu povo, a
menos que primeiro olhemos para a parte anterior do capítulo. O Senhor lá abre os
pecados que uma alma, mesmo uma alma
7
graciosa, é capaz de cometer; o que ela faz e sempre fará quando não for contida pela sua
poderosa graça - "Porque sua mãe é uma prostituta sem vergonha e ficou grávida de uma
maneira vergonhosa. Eu vou correr atrás de meus amantes e me vender para eles por
comida e por roupa de lã e de linho, e por azeite."
Eis aqui a abertura do que somos por natureza, para o que nossa mente carnal está sempre
inclinada, o que fazemos ou somos capazes de fazer, a não ser que seja retido pela providência
vigilante, pela graça e bondade incessante do Senhor. Estes nossos "amantes", são os nossos
velhos pecados e desejos antigos que ainda anseiam por gratificação. Às vezes, a mente
carnal olha para trás e diz: "Onde estão os meus amantes que me deram a minha comida e
bebida, onde estão os prazeres anteriores que tanto agradavam as minhas vis paixões e que
tanto satisfaziam os meus desejos baixos?" Esses amantes são, então, a concupiscência da carne,
a luxúria dos olhos e o orgulho da vida - tudo o que, a menos que seja subjugado pela graça
soberana, ainda trabalha na nossa natureza depravada e procura recuperar o seu domínio
anterior.
Mas o Senhor aqui, em sua maior parte, intercede misericordiosamente, nem normalmente deixará que seus filhos façam o
que de bom grado fariam, ou sejam o que
8
gostariam de ser. Ele diz: "Por isso bloquearei o teu caminho com espinheiros, e te cercarei para
que não encontres as tuas veredas". (Oseias 2: 6). O Senhor, em sua providência ou em sua graça,
impede que a mente carnal realize seus desejos baixos; cerca o caminho com espinhos, por meio
dos quais podemos entender espiritualmente as pontadas da consciência, as pontadas do remorso, as dores de penitência, que são como
sebes espinhosas que cercam o caminho da transgressão e assim impedem a mente carnal
de irromper em seus antigos caminhos, e indo atrás desses ex-amantes para renovar sua
aliança ímpia com eles.
Com uma cerca viva de espinhos sendo montada pela graça de Deus, a alma é incapaz de romper esta cerca forte, porque no momento
em que ela procura atravessá-la ou subir nela, cada parte dela apresenta um espinho forte, que
ferirá e perfurará a consciência. Que misericórdia infinita, que graça vencedora,
manifesta-se aqui! Se a consciência não fosse feita sensível para sentir a picada, dificilmente
podemos dizer qual poderia ser a terrível consequência, ou em que abismo miserável de
pecado e transgressão a alma não cairia.
Mas esses brejos lacerantes produzem remorsos de alma diante de Deus; para suceder, como o Senhor fala, que "quando ela correr atrás
de seus amantes, ela não será capaz de alcançá-
9
los. Ela vai procurá-los, mas não vai encontrá-los", e terá um desejo em sua mente para os
prazeres mais puros e deleites mais santos do que seus amantes adúlteros poderiam dar a ela;
e assim uma mudança em seus sentimentos é produzida, uma revolução em seus desejos.
"Então ela vai dizer, eu vou voltar para o meu marido como no início, porque então eu estava melhor do que agora."
A ideia é de uma esposa adúltera contrastando os prazeres inocentes de seu primeiro amor
conjugal com o estado de miséria em que ela tinha sido traída por sedutores ímpios; e assim a
alma contrasta espiritualmente o seu anterior gozo da presença e do poder do Senhor, com seu
estado atual de escuridão e deserção. "Onde", ela diria, "estão as minhas primeiras delícias,
minhas primeiras alegrias, e a doçura que eu tinha nos dias que agora são passados, em
conhecer, servir e adorar o Senhor? Ah! Ele era um marido terno e amoroso para mim naqueles
dias. Eu voltarei para ele, se ele graciosamente me permitir, porque era melhor para mim,
quando eu podia andar à luz do seu rosto, do que desde que eu tenho estado procurando por
meus amantes e não colhendo senão a culpa, a morte, e condenação."
O Senhor prossegue dizendo: "E agora descobrirei a sua vileza diante dos olhos dos
seus amantes, e ninguém a livrará da minha
10
mão. Também farei cessar todo o seu gozo, as suas festas, as suas luas novas, e os seus sábados,
e todas as suas assembleias solenes. E devastarei a sua vide e a sua figueira, de que ela diz: É esta a
paga que me deram os meus amantes; eu, pois, farei delas um bosque, e as feras do campo as
devorarão. Castigá-la-ei pelos dias dos baalins, nos quais elas lhes queimava incenso, e se adornava com as suas arrecadas e as suas joias,
e, indo atrás dos seus amantes, se esquecia de mim, diz o Senhor. Portanto, eis que eu a
atrairei, e a levarei para o deserto, e lhe falarei ao coração. E lhe darei as suas vinhas dali, e o
vale de Acor por porta de esperança; e ali responderá, como nos dias da sua mocidade, e
como no dia em que subiu da terra do Egito. E naquele dia, diz o Senhor, ela me chamará meu
marido; e não me chamará mais meu Baal." (Oseias 2: 10-16)
Por isto é intimado a mão de castigo do Senhor; que, como literalmente ele castigou a recusa de
Israel, enviando-a para o cativeiro, assim ele colocará em escravidão seu povo rebelde, e fará
cessar sua alegria, suas festas, suas novas luas e seus sábados; significando assim que ele os
privará do gozo de sua presença e de seu favor manifesto.
Porém, para não nos determos muito tempo na introdução de nosso assunto, este trabalho que
tenho apresentado tão rapidamente é todo ele
11
preparatório para aqueles tratos graciosos que são mais especial e particularmente
desenvolvidos nas palavras do nosso texto.
I. A maneira pela qual Deus atrai seu povo – pela
influência de sua graça. Portanto, chegamos ao primeiro ponto: "Eis que eu a atrairei". Há uma
palavra graciosa no profeta Jeremias, cuja aplicação foi abençoada por muitas pessoas que realmente temem a Deus. "Eu te amei com um
amor eterno, por isso com bondade te tenho atraído." (Jeremias 31: 3) Não precisamos apenas
ser conduzidos pela lei, mas ser atraídos pelo evangelho; precisamos não só dos trovões do
Monte Sinai, mas do orvalho e da chuva que caem sobre o monte Sião; para desfrutar do
sorriso do amor de Deus, bem como experimentar o franzir de sua ira; porque há as
"cordas de um homem e os laços de amor" pelos quais o Senhor atrai a alma para si mesmo,
assim como os terrores do Senhor, por meio dos quais isto é conduzido. (Oseias 11: 4, Salmo 88:15)
Mas como Deus cumprirá esta palavra na feliz experiência da alma? - "Eis que a atrairei."
1. Primeiro, ele frequentemente se coloca diante dos olhos do entendimento, e revela com graça
e poder ao coração, o Filho de seu amor, Jesus, o Cristo de Deus. Mas onde quer que haja uma
visão de Jesus pela fé, há uma influência atraente que atende à visão, de acordo com as
palavras do nosso bendito Senhor, "E eu, quando
12
for levantado da terra, atrairei todos os homens para mim". Onde quer que, então, Jesus é
graciosa e experimentalmente manifestado à alma, e revelado por qualquer doce revelação de
sua gloriosa Pessoa, sangue expiatório e obra consumada, um poder secreto, porém sagrado,
é apresentado, segundo o qual somos atraídos a ele, e toda graça do Espírito flui para ele como para seu centro atraente. Assim Jeremias fala
dos santos de Deus como vindo e cantando no auge de Sião, e fluindo juntos para a bondade do
Senhor (Jeremias 31:12). E assim Isaías fala à igreja de Deus: "Então o verás, e estarás radiante,
e o teu coração estremecerá e se alegrará; porque a abundância do mar se tornará a ti, e as
riquezas das nações a ti virão." (Isaías 60: 5)
Esta visão de Cristo pela fé é o que o apóstolo fala aos Gálatas, como Jesus sendo evidentemente
apresentado diante de seus olhos (Gálatas 3: 1). Assim como diante de nossos olhos, ele se torna
o objeto de nossa fé pelo olhar "Olhai para mim e sereis salvos, todos os confins da terra" - para
"o totalmente Desejável", para Quem o amor flui; e o Intercessor dentro do véu em quem a
esperança efetivamente ancora. Assim, então, o bendito Senhor é revelado à alma pelo poder de
Deus, sua gloriosa Pessoa levantada diante dos olhos do entendimento espiritual, seu sangue e
justiça descobertos à consciência e sua adequação a todos os nossos desejos e aflições
experimentalmente Manifestado, o Espírito
13
bendito levanta uma fé viva pela qual Jesus é contemplado e exaltado, e assim se torna
precioso para todos os que creem em seu nome. Não está tudo isso em estrita conformidade com
as Escrituras? Porque o Senhor diz: "Está escrito nos profetas, e todos serão ensinados por Deus."
Portanto, todo homem que ouviu e aprendeu do Pai, vem a mim" (João 6:45). E quão verdadeiro é que sem este ensinamento celestial e este
esquema divino ninguém pode realmente e eficazmente vir a Jesus; porque ele mesmo diz:
"Ninguém pode vir a mim a menos que o Pai que me enviou o atraia." (João 6:41)
2. Mas, além disso - porque nem todos são favorecidos e abençoados com manifestações muito claras do Filho de Deus para suas almas -
às vezes o Senhor atrai ao enviar sua palavra com poder ao coração. Assim, o apóstolo fala de
seu evangelho chegando aos Tessalonicenses: "Não somente em palavras, mas também em
poder, e no Espírito Santo, e em muita certeza." (1 Tessalonicenses 1: 5). Paulo veio e lhes pregou
o evangelho; ele estabeleceu a salvação pelo sangue do Cordeiro; o Espírito Santo atendeu a
palavra com poder; chegou ao seu coração com muita certeza de que era a própria verdade de
Deus; e eles o receberam como a própria voz de Deus falando-lhes através dos lábios do
apóstolo. Qual foi o efeito? "Eles se voltaram para Deus - dos ídolos para servir ao Deus vivo e
verdadeiro". Não foi este o fruto da sua graça tão
14
vitoriosa, e não foram assim atraídos a seu serviço pelo poder de Deus?
3. Mais uma vez - às vezes, o Senhor, sem aplicar sua palavra com qualquer poder grande e
distintivo ao coração, faz com que sua verdade caia com uma dose de doçura na alma. Isto é
como a chuva ou o orvalho, de acordo com sua própria declaração graciosa, "Minha doutrina cairá como a chuva, meu discurso destilará
como o orvalho" (Deuteronômio 32: 2). Assim, o precioso unguento sobre a cabeça de Arão é
comparado ao "orvalho de Hermom e ao orvalho que desceu sobre os montes de Sião, porque ali
o Senhor ordenou a bênção, a vida eterna." A queda de sua doutrina, ou, como a palavra
significa, o seu "ensinamento", como a chuva, e a destilação de seu discurso gracioso como o
orvalho, acendem na alma um amor (Salmo 133: 2, 3) pela verdade, e onde quer que isso seja
sentido há salvação, pois lemos sobre os que perecem - que "perecem porque não receberam
o amor da verdade, para serem salvos." (2 Ts 2,10).
Há uma recepção da "verdade", e uma recepção do "amor da, ou pela verdade". Estas duas coisas
diferem amplamente. Receber a verdade não salvará necessariamente; pois muitos recebem
a verdade que nunca recebe o amor da verdade. Professantes aos milhares recebem a verdade
em seu julgamento, e adotam o plano de
15
salvação como seu credo; mas não são nem salvos nem santificados por isso. Mas receber o
amor da verdade (amor pela verdade), como está em Jesus, ser feito doce e precioso para a
alma, é receber a própria salvação. É desta maneira que o evangelho é feito o poder de Deus
para a salvação; e, portanto, o apóstolo, falando da "pregação da cruz", diz que "é para aqueles que perecem loucura, mas para nós que somos
salvos é o poder de Deus". Agora é impossível que esse poder seja sentido sem que ele tenha
um efeito sedutor sobre a alma, pelo qual ela abandona todo mal e se une ao Senhor com
propósito de coração.
4. Mas, às vezes, o Senhor atrai, aplicando uma promessa, um convite, um encorajamento doce,
um desdobramento por um momento de seu rosto adorável, e dando um vislumbre
passageiro de sua graça e glória. Sempre que ele se apresenta, esse poder sagrado tem uma
influência para nos atrair. Isso fez o cônjuge dizer: "Leve-me tu, correremos após ti." (Cant
1.4), sentindo sua necessidade desse poder de atração que Deus propõe pelas operações de seu
Espírito e graça sobre um coração disposto. Portanto, lemos que o povo de Deus foi "feito
disposto no dia do seu poder" (Salmo 110: 3); e a isso se refere a antiga promessa feita a Jafé.
"Deus ampliará (ou, como está à margem da versão de nossa Bíblia), "persuadirá Jafé" (Gn
9:27). A palavra "ampliar" significa literalmente
16
"abrir", e assim persuadir ou atrair, ou, como é traduzido em nosso texto, "atrair", pois é a
mesma palavra no original, tanto em Gênesis, quanto em Oseias.
Nestas, então, e de várias outras maneiras o Senhor atrai seu povo, dando-lhes um gosto de
sua beleza e bem-aventurança, com algum senso de Sua morte por amor, os atrai para o deserto, de acordo com suas próprias palavras
pelo profeta Jeremias "Vai, e clama aos ouvidos de Jerusalém, dizendo: Assim diz o Senhor:
Lembro-me, a favor de ti, da devoção da tua mocidade, do amor dos teus desposórios, de
como me seguiste no deserto, numa terra não semeada." (Jeremias 2: 2)
II. Mas, para chegar ao nosso segundo ponto, ONDE traz o Senhor o seu povo, por esses tratos
com as suas consciências? – porque essas atrações são para levá-los a um certo ponto. "Ao
deserto." Eles não iriam lá voluntariamente - é um lugar muito estéril para eles entrarem,
exceto por serem atraídos de uma maneira especial pela graça e guiados pelo poder de
Deus. Nem eles, em sua maioria, sabem para onde o Senhor os está levando. Seguem seus
chamados; eles são guiados por seus atrativos; eles ouvem a sua voz persuasiva, confiando-lhe
como a um guia infalível. Mas eles não conhecem o "lugar de esterilidade" em que ele
está lhes trazendo - o Senhor geralmente oculta
17
isto de seus olhos. Ele atrai e eles seguem, mas ele não lhes diz o que ele vai fazer com eles, ou
onde ele pretende levá-los. Ele esconde seus propósitos graciosos, para depois trazê-los mais
claramente à luz.
Isso não era verdade no sentido literal dos filhos de Israel ao saírem do Egito? Não foram eles, de
certo modo, atraídos para o deserto, comendo o cordeiro pascal, passando pelo Mar Vermelho,
sendo batizados na nuvem e no mar, e especialmente pela coluna de nuvem que os
precedia e os conduziu ao deserto. Assim, o Israel literal era um tipo e figura do Israel
espiritual.
Mas olhe para o lugar onde ele traz o seu povo -
o DESERTO. Este é um tipo e uma figura muito usados pelo Espírito Santo, e nos transmite uma
instrução profunda e profícua. Vejamos se conseguimos penetrar, com a ajuda e a bênção de Deus, no significado do emblema.
1. Primeiro, então, o deserto é um lugar isolado e solitário, distante, longe de cidades, e de
outros lugares ocupados por homens; uma morada remota e muitas vezes aborrecedora,
onde não há olho intruso para marcar os passos do andarilho, onde não há ouvido para ouvir
seus suspiros e gritos. Adotando esta ideia, podemos ver como o Senhor, quando coloca o
seu sagrado poder sobre o coração para atrair o
18
seu povo para o deserto, leva-os a um lugar onde, em solidão e silêncio, podem ser
separados de todos, senão de si mesmo.
A igreja é mencionada neste capítulo como
"seguindo seus amantes", mas "ela não poderia alcançá-los"; como ela não poderia encontrá-los,
eles não iriam procurar por ela. Eles não têm nenhuma inclinação para segui-la no deserto - se atraídos por seus encantos eles a
procurariam novamente para envolvê-la em seu abraço, eles imediatamente a deixariam no
limite do deserto. Nenhum amante terrenal a segue até o deserto - o tal não pode suportar sua
solidão. A verdadeira religião é um trabalho maçante para a mente carnal; estar sozinha a
deixa muito aberta às picadas da consciência.
O deserto, portanto, entendemos como um emblema de estarmos a sós com Deus - saindo do mundo, longe do pecado e da companhia
mundana, de tudo que é carnal, sensual e terreno, e sendo trazidos para aquele lugar
solene onde há secretos, sagrados e solitários tratos com Deus. Assim, nosso bendito Senhor
ficou no deserto quarenta dias, e estava com animais selvagens (Marcos 1:13). Longe dos
homens, tentado por Satanás, ministrado por anjos, no deserto, nosso adorável Mediador
mantinha santa comunhão com seu Pai celestial. Então João Batista, seu precursor,
estava no deserto com sua "roupa de pelo de
19
camelo, e um cinto de couro ao redor de sua cintura - e sua comida era gafanhotos e mel
selvagem.” (Mateus 3: 4). Tudo isso era indicativo da separação do mundo, e um viver
na solidão, não tendo comunhão com ninguém, senão com Deus. Até que então sejamos levados
para o deserto, não temos nenhuma retirada da criatura, nenhum trato solitário com o coração que procura a Jeová; nem estamos separados em
coração e espírito do mundo exterior, ou do mundo interior, de modo a ter qualquer
comunhão espiritual real com o Deus do céu.
2. Mas olhe para o deserto sob outro ângulo - ele é representado por toda a palavra de Deus como um lugar de provação e aflição. Era assim de
modo especial para os filhos de Israel de antigamente. Logo que entraram no deserto,
começaram as provações - não tinham água para beber, nem comida para comer - um sol
ardente acima, uma areia ressequida embaixo - como se queixavam, em sua alma. Lembraram-
se do peixe que comeram no Egito: os pepinos, os melões, os alhos, as cebolas e o alho - mas
agora, disseram eles, nossa alma está seca, não há nada além desse maná diante dos nossos
olhos. (Números 11: 5, 6)
Assim é na graça. O deserto é um lugar de provação e aflição; mas quando o Senhor está atraindo a alma para ele por seus ensinamentos
e manifestações, pouco pensa nas provações e
20
aflições que o Senhor está trazendo. No caso dos filhos de Israel, vemos como a sua fé foi provada
pelos perigos e dificuldades do deserto; nós também vemos que rebelião e murmuração e
irritabilidade foram manifestadas por eles sob o deserto. Eles não eram em si piores do que os
outros; mas o deserto trouxe à luz os pecados do seu coração. Assim é com o povo de Deus; suas "provas de deserto" trazem à luz a rebelião, a
incredulidade e a inquietação da mente carnal; e é esta "descoberta dos males do coração sob
aflição" que faz do deserto um lugar de tão profunda e contínua provação.
3. Mas tome outra ideia - o deserto é um lugar de tentação. Foi assim com os filhos de Israel. O
deserto revelou as concupiscências do seu coração - e, por isso, lemos que "cobiçaram
excessivamente no deserto e testaram a paciência de Deus no deserto" (Salmo 106: 14).
Deus os testou e eles testaram a Deus - isto é, Deus provou a sua fé e obediência, e eles
tentaram a fidelidade e a paciência de Deus. Às vezes eram tentados pela fome; então eles foram
tentados pela sede; ventos quentes; serpentes ardentes; árabes errantes; perseguindo-os
como inimigos, como Amaleque e Edom; uma multidão mista sempre desejando voltar ao
Egito; e enfim a ira de Deus os desgastou, até que os seus cadáveres caíram no deserto; todas estas
coisas os tentaram à incredulidade e à rebelião.
21
E ainda mais - a maldição de uma lei ardente; os juízos de Deus contra os transgressores; a
severidade das ordenanças legais, a condenação e escravidão da aliança sob a qual estavam,
tornaram o deserto um lugar de tentação, de modo que ninguém saísse ileso, senão aqueles
que foram preservados por Deus. De maneira semelhante, o deserto é um lugar de tentação para todos os que nele são trazidos. O nosso
bendito Senhor foi levado pelo Espírito ao deserto, para suportar a tentação, para
encontrar-se com Satanás cara a cara, e para passar por aquelas provações ardentes pelas
quais ele próprio "tendo sofrido, sendo tentado, pode socorrer aqueles que são tentados."
4. Mas tome outra ideia, igualmente bíblica, que é, que o deserto é um lugar em que não há moradias. É chamado "uma terra não semeada"
(Jeremias 2: 2); isto é, não cultivado como outras terras; em que, portanto, não há fazenda ou
herdade, nem campo verde nem trigo acenando, mas um lugar em si mesmo tão
destituído de alimento que o viajante deve perecer, a menos que seja fornecido por alguma
outra fonte. Nesse sentido, o deserto pode representar espiritualmente aqueles pontos na
experiência da alma, onde não há ajuda, força ou refúgio na criatura; em que, a não ser por algum
suprimento - eu poderia dizer algum "suprimento milagroso" do céu - devemos
perecer. Que vantagem isso deu às queixas dos
22
filhos de Israel: "Vocês nos levaram para este deserto para matar toda a assembleia com
fome!" (Êxodo 16: 3). Eles não estavam naturalmente em um lugar lamentável quando
eles vieram assim primeiro ao deserto? Mas mesmo depois não havia água para eles senão a
que veio da rocha, nenhum alimento senão o maná que caiu do céu - de modo que, mesmo em meio à sua própria oferta, eles sempre foram
lembrados de que eles dependiam de Deus todos os dias.
Assim, quando somos levados ao deserto, aprendemos através de suas provações e
tentações, que não temos força nem sabedoria nem justiça - de fato, que não temos nada e não
somos nada e somos assim feitos espiritualmente e experimentalmente os mais
necessitados de todos os pobres – e os mais dependentes da recompensa soberana de Deus.
Você pensou pouco, quando o Senhor estava gentilmente lidando com sua alma e dando-lhe
para provar algo da doçura da misericórdia manifestada, e as bênçãos de sua graça, que
tudo isso tinha a intenção de atraí-lo no deserto onde Deus poderia falar com você cara a cara, e
lá ensinar-lhe lições que não podem ser aprendidas em nenhum outro local. É lá que
aprendemos os males do coração; as trevas do nosso entendimento; a alienação de nossas
afeições; a infelicidade, a infidelidade, o
23
murmúrio e a irritação de nossa natureza caída - e também aprendemos a maravilhosa
longanimidade, paciência e tolerância de Deus.
III. O que Deus faz ao seu povo quando os traz ao deserto - ele lhes fala confortavelmente; dá-lhes
as suas vinhas dali; e abre no vale de Acor, uma porta de esperança. Quando chegamos ao
deserto sob estes atrativos de Deus, então o Senhor leva a cabo uma determinada obra, da
qual ele falou no texto como tripla, e que eu, portanto, adotando essa divisão, agora
apresentarei diante de vocês.
A. A primeira promessa é que ele "falará
confortavelmente com ela". Está na margem da Palavra, "para seu coração"; e adotarei essa
leitura como minha primeira explicação do significado da palavra "confortavelmente". Deus
fala ao coração - essa é a característica especial de sua voz. Os homens podem falar ao ouvido, e não podem fazer mais; mas Deus fala ao coração,
pois é ali que somente a sua voz é ouvida. Toda religião verdadeira, do começo ao fim, está no
coração de um homem. Ele pode ter a cabeça bem decorada com noções, mas um coração
destituído de graça.
Mas não é assim com os vasos da misericórdia, porque "creem de coração para a justiça"; e é pela voz de Deus ouvida no coração que uma fé
salvadora é ressuscitada na alma. Lá Deus deve
24
falar se deve haver qualquer religião do coração, qualquer experiência de salvação, qualquer
conhecimento da verdade para ser abençoado e salvo por isso.
Mas no deserto aprendemos a profunda necessidade que há, que Deus deve falar ao
nosso coração. Precisamos que o próprio Senhor fale - e somente o Senhor; e falar palavras que chegarão ao nosso coração e
entrarão com um poder divino em nossa consciência. Quando você está no deserto, você
não tem nenhum amigo, nenhuma ajuda da criatura, nenhum conforto mundano - estes
todos o abandonaram. Deus te levou ao deserto para privar-lhe desses laços terrestres, desses
"refúgios de criaturas" e "vãs esperanças", para que ele mesmo possa falar à sua alma. Se, então,
você está separado do mundo por ser trazido para o deserto - se você está passando por
provações e aflições - se você é exercitado com uma variedade de tentações - e é trazido para
aquele lugar onde a criatura não tem ajuda nem esperança, então você está sendo levado para
ver e sentir que nada, senão a voz de Deus falando com poder à sua alma, pode lhe dar
qualquer base sólida de descanso ou paz.
Assim, no deserto aprendemos não só as lições mais dolorosas, mas as mais proveitosas que Deus pode nos ensinar. Lá somos despojados de
toda a nossa própria justiça - lá vemos o fim de
25
toda a nossa própria sabedoria - e lá toda a nossa força natural e confiança da criatura falham e
cedem - e dão em nada. Mas como estes falham, eles nos ensinam a necessidade indispensável
de olhar para o Senhor para que ele possa ser o nosso tudo em tudo.
A sede no deserto ensinou aos filhos de Israel a necessidade e a bênção da "água da rocha" - a fome do deserto ensinou-lhes a necessidade e a
bênção do maná do céu. Assim, então, no deserto, por cada provação e tentação, nosso
coração está mais aberto à nossa visão; assim pelas provações mais profundamente
perplexantes, pelas aflições que pressionam mais fortemente, e pelas tentações mais
continuamente incomodadoras - chegamos a este ponto em nossa própria consciência - "Deus
mesmo deve ser meu tudo em tudo - é ele e ele sozinho que deve me salvar - dele, minha
esperança deve vir - dele todas as minhas forças, felicidade e consolo - não tenho nada além do
que ele dá e não sou nada senão o que ele faz. Não é esta a linguagem do peregrino no
caminho no deserto?
Assim, com estes ensinamentos e operações do Espírito de Deus em seu coração, você chegou a este ponto - que o próprio Deus deve falar ao seu
coração, ou você não tem nada sobre o qual você possa se firmar - nada a que possa olhar. Não é
isto rentável? Pode ser doloroso; é doloroso; mas
26
é proveitoso, porque por este meio aprendemos a olhar somente para o Senhor - e esta deve ser
sempre uma lição abençoada para ser aprendida por cada filho de Deus.
Tomem, porém, as palavras que estão destacadas, "Eu falarei confortavelmente com ela". Temos quase as mesmas palavras em Isaías
40: 1,2 "Consolai, consolai o meu povo, diz o vosso Deus. Falai benignamente a Jerusalém."
Está na margem, como também está em nosso texto, "Fale ao coração de Jerusalém". Mas quais
são essas boas notícias que lhes serão anunciadas, faladas ao seu coração? Quais são
as coisas que sozinhas podem lhe dar seu verdadeiro conforto?
1. "Diga-lhe que a sua guerra é terminada" - isto é, que a paz é agora a sua porção feliz, porque sua
guerra foi interrompida, seus inimigos derrotados, suas batalhas ganhas, seu longo, duro e pesado "tempo designado" de serviço
militar foi cumprido, e que agora ela pode, pelo menos por uma temporada, descansar no
Senhor como o capitão de toda a vitória de sua salvação. Mas não há outra mensagem
confortável para ela? Sim!
2. Diga-lhe em segundo lugar, diz o Senhor, "que a sua iniquidade é perdoada." Esta é a melhor de todas as notícias possíveis, a mais abençoada
como a mais adequada de todas as boas novas. O
27
perdão manifestado ao pecado é o melhor dom da graça de Deus que pode alcançar o coração de
um pecador - e sem ele, não há verdadeiro conforto. Mas não há outra mensagem para o
coração de Sião? Sim!
3. O Senhor, em terceiro lugar, assegura-lhe que
"ela recebeu da mão do Senhor o dobro por todos os seus pecados". O que significa esse "duplo"? Eu entendo por ele as riquezas
superabundantes da graça sobre as abundâncias do pecado; ou seja, o Senhor não se
contentará com o perdão, simplesmente para abençoar com misericórdia e paz, mas para dar-
lhes tão superabundantemente que elas serão o dobro de toda a sua culpa passada e tristeza.
Mas, novamente, o Senhor fala confortavelmente, quando garante à alma o seu
interesse no sangue expiatório e na obediência justificadora de seu querido Filho. Muitos dos
queridos santos de Deus muitas vezes são muito provados quanto ao seu interesse salvador
nestas preciosas realidades. Eles não podem desistir de sua esperança; eles não podem negar
totalmente o que Deus tem feito por suas almas; e ainda assim muitas dúvidas e medos ansiosos
angustiam sua mente quanto ao seu interesse real no sangue expiatório e na obra consumada
do Filho de Deus. Satanás muitas vezes tira grande proveito deste estado de dúvida e
incerteza para assediar e deixar perplexa a sua
28
mente, e são assim levados a este ponto que só o Senhor que realmente morreu por eles, pode
socorrê-los. Quando, então, ele fala confortavelmente a eles, ele deixa uma doce
promessa ou uma palavra graciosa em seu coração, e assim faz retornar a sua confiança no
sangue expiatório e no amor demonstrado em sua morte na cruz, de modo a acharem paz para a sua consciência e coração.
Isso pode parecer ser um pouco de falha de uma manifestação completa de amor perdoador,
pois não vem exatamente dessa maneira; e, ainda assim, é de fato o mesmo, pois onde há
uma clara descoberta do interesse na salvação pelo sangue expiatório, o perdão se manifesta
claramente, pois se eles têm um lugar no coração de Jesus e um interesse pela salvação na
obra de Jesus, "não há condenação", como se manifesta "nele" (Romanos 8: 1); e se não há
condenação, deve haver justificação e, se há justificação, há perdão e paz. (Romanos 5: 1)
Mas como os do povo do Senhor, depois de terem recebido a misericórdia manifestada, são
levados ao deserto e, de fato, atraídos pelas cordas do amor eterno, e como suas provações e
aflições são geralmente muito grandes, eles querem palavras da própria boca de Deus para
sustentá-los e confortá-los sob suas diversas e severas aflições. Já vimos que o Senhor os leva ao
deserto, para que, naquele lugar isolado e
29
solitário, ele possa falar aos seus corações. Pouco foi dito pelo Senhor ao seu povo quando
estava no Egito, exceto para matar e comer o cordeiro pascal. Reservou sua voz até que os
tivesse levado ao deserto, e pudesse falar com eles cara a cara, às vezes "o Senhor falou-lhes
cara a cara do coração do fogo na montanha" (Dt 5,4), e às vezes "na coluna de nuvem." (Salmo 99: 7). Assim também ele fala em Ezequiel 20.35,36:
" e vos levarei ao deserto dos povos; e ali face a face entrarei em juízo convosco; como entrei
em juízo com vossos pais, no deserto da terra do Egito, assim entrarei em juízo convosco, diz o
Senhor Deus.”
Quando, então, o Senhor se agrada de aplicar alguma palavra graciosa ou promessa doce em sua mente, ou trazer para casa uma preciosa
porção de sua verdade, ele lhes fala confortavelmente e, assim, assegurando-lhes
seu interesse pela salvação em Seu amor e misericórdia, ele levanta seu espírito caído e
lhes dá poder e força para suportar o peso de cada cruz colocada sobre seus ombros.
Mas, novamente, como outro exemplo de conversar com eles, o Senhor de tempos em
tempos abre suas relações passadas com seu povo, lança um raio de luz no caminho que ele
conduziu no deserto, renova e ratifica seu trabalho anterior em suas almas, e assim lhes dá
um doce testemunho de que o que eles
30
experimentaram nos tempos passados foi realmente operado por sua mão graciosa no
fundo de sua consciência.
B. Mas para passar para uma segunda bênção no
deserto, ele acrescenta: "Darei a ela as suas vinhas dali". O que é que faz com que muitos
membros da família do Senhor andem pesadamente, estando sobrecarregados? Sua falta de fruto - que eles não podem viver como
eles sinceramente desejam, para a glória de Deus. Eles desejam andar no temor do Senhor
todo o dia; para serem frutíferos no coração, nos lábios e na vida; de serem espíritos, que sabem o
que é vida e paz; que eles estarão sempre desfrutando a presença do Senhor; e que o
glorificassem em tudo quanto dissessem e fizessem. Mas, infelizmente! Eles não podem ser
o que eles desejam - porque eles encontram o mal continuamente trabalhando em seu
coração. As profundas corrupções de sua natureza caída contaminam e poluem tudo o
que pensam, dizem e fazem - e esse sentimento de sua depravação inata, e de sua total
contrariedade a toda a pureza e santidade que desejariam possuir como seguidores de Cristo
os lança às vezes em grande dificuldade e angústia, assim como em escravidão e confusão
mental.
Mas, o Senhor ainda quer fazê-los frutificar em toda boa palavra e obra - conceder-lhes os
31
desejos de seu coração - e capacitá-los a viver para o seu louvor. Como, então, ele faz isso? Ele
os atrai para o deserto - assim ele os afasta de tudo o que confunde sua mente e cativa suas
afeições - os leva a esse lugar secreto onde tudo fora e dentro é um desperdício estéril - mostra-
lhes o mundo em suas cores verdadeiras cheias de espinhos e sarças - e que a vaidade e o desgosto de espírito são tudo o que ele pode dar.
A experiência dessas coisas os faz sofrer e chorar sob a ação do pecado em si mesmos, e
como tocados com afeições simpatizantes, sob a vista das misérias pelas quais são cercados, com
a mesma sorte todos os filhos de Deus. Este é, portanto, o lugar apropriado onde o Senhor se
alegra em falar ao coração de seus enlutados em Sião - e revelar palavras reconfortantes à sua
alma. E como é sob os sentimentos graciosos assim produzidos, que esse fruto é levado ao
louvor e à glória de Deus, pode-se dizer verdadeiramente que lhes dá as suas vinhas dali.
Mas isso não é uma contradição, ou se não é uma contradição, um milagre? Uma contradição não é, pois está em plena harmonia
com a palavra e obra de Deus. Mas é um milagre, pois, de fato, tal é a natureza de todos os tratos
de Deus com seu povo. São todos milagres de misericórdia e graça. Pode-se justamente
perguntar: podemos esperar encontrar vinhas num deserto? A videira cresce lá naturalmente,
ou pode crescer lá por cultivo artificial? Não é
32
este o próprio caráter de um deserto que não tem, nem videira, nem figueira, nem campo,
nem pasto? Como, então, os vinhedos podem ser encontrados no deserto rochoso? Pelo
mesmo milagre que a água foi trazida da rocha. Não menos um milagre é aquele lugar onde o
fruto é encontrado, sendo o último lugar onde o fruto natural pode crescer. E ainda como isso aumenta a graça de Deus, e mostra a grandeza
de seu poder.
Mas vejamos agora o Senhor dando a Sião suas "vinhas no deserto". É fazendo com que os "frutos
do seu Espírito" brotem em seu coração, pois esse é o deserto para o qual o nosso texto aponta.
Olhe para Judá, então, no deserto, curvada pelo sofrimento e pelo aborrecimento. A paciência é-
lhe dada para suportar suas aflições com submissão à vontade de Deus. Não é isto um
fruto do evangelho? A tristeza de Deus por causa de seus pecados e rebeliões é graciosamente
comunicada - há outro cacho de uvas neste ramo frutífero. A gratidão ao Senhor por sua
paciência, longanimidade e terna paciência - não é este outro grupo de frutos ricos e maduros
nesta vinha no deserto? Entregar tudo à Sua graciosa disposição com um sincero e sério
desejo de cumprir todos os seus sábios propósitos, em perfeita harmonia com Sua
própria vontade soberana - este é outro cacho de uvas sobre esta videira do deserto. Bendizer e
louvar a Deus, mesmo pela sua mão afligidora,
33
agradecendo-lhe pela fornalha, pelas provações e tentações que foram tão misericordiosamente
e sabiamente anuladas para o benefício espiritual da alma. Levantai a folha que a
escondeu da vista, e vede se não podereis encontrar este rico e maduro ramo pendurado
sobre a videira no deserto.
A separação do mundo – a morte para as coisas do tempo e do sentido – a espiritualidade da
mente – a santidade e afeições celestiais fixadas sobre as coisas do Alto - aqui estão mais uvas que
crescem nesta videira, plantada pela mão de Deus no rude deserto. Caminhar com piedade,
abstendo-se da aparência do mal, colocando o Senhor diante de nossos olhos, vivendo para ele
e não para nós mesmos, fazendo a sua vontade do coração e caminhando diante dele à luz do
seu semblante. Olhe sob as folhas verdes de uma profissão consistente e veja como estas uvas
maduras crescem no deserto em que Deus atrai seu povo, para que ele lhes dê vinhas daí.
Quão diferente é a natureza da graça! Na NATUREZA a videira cresce sobre o banco
ensolarado, ou em nosso clima na rica fronteira, e precisa de muito cuidado e cultivo de mãos
humanas para levar o fruto à perfeição. Mas, na GRAÇA, não conseguimos ter a videira
produzindo uvas quando esta se encontra no solo rico, nem no campo, nem arando e
adubando o solo nativo de nosso próprio
34
coração, mas pela atração do Senhor por seu Espírito e graça para o deserto, onde a natureza
seca e morre para que a videira espiritual cresça e dê fruto, bem como todas as vinhas de sua
plantação exclusiva - as igrejas de sua verdade experimental, para que floresçam e abundem
na frutificação, pois esta é a vontade de Deus conforme vemos nas Palavras de Jesus em João 15, em relação à videira verdadeira e os ramos.
Você não desejou viver mais frequentemente na glória de Deus - andar mais no seu temor - para
ser mais espiritual - ter as Escrituras mais profunda e experimentalmente abertas a você -
e desfrutar de mais comunhão celestial com o Pai e seu querido Filho? Estou certo de minha
própria experiência, que tal é o desejo de um coração gracioso. Mas você pouco pensou como
o Senhor trabalharia em você para desejar e fazer a Sua boa vontade, e para torná-lo fecundo
em toda boa palavra e obra. Você não pensou que seria por atraí-lo ao deserto de provação e
aflição, tentação e tristeza - e que ali faria com que a videira de sua graça formasse raízes mais
profundas em seu peito e fizesse com que os frutos da justiça ansiassem tanto crescer sobre
o ramo - inclinado e arrastado de fraqueza e ainda correndo sobre o muro, como foi dito de
José em Gênesis 49:22.
Mas você não pode agora ver a sabedoria e a misericórdia de Deus nisto? Se não tivéssemos
35
sido trazidos anteriormente ao deserto, estaríamos atribuindo o fruto aos nossos
próprios esforços - à bondade natural do solo - ou à nossa habilidade no cultivo. Mas sendo tão
puramente, e posso dizer milagrosamente, o dom e a graça especiais de Deus, devemos
reconhecê-lo como o único autor e confessar diante de Deus e do homem: "De ti e de ti somente é o nosso fruto encontrado."
C. Uma terceira "bênção do deserto" que o Senhor promete fazer por sua igreja no deserto, é que dará a ela "no vale de Acor, uma porta de
esperança". Isso nos leva de volta aos dias antigos, quando ocorreu uma cena muito solene
no vale de Acor. Lembramos de que, antes de ser tomada Jericó, Deus pronunciou uma maldição
solene sobre qualquer homem que tomasse o "anátema" - o despojo de Jericó, que estava
"devotado" à destruição (Josué 6:17), pela maldição de Deus; e lembramos que um homem
chamado Acã, desprezando o mandamento de Deus e atraído por um espírito de cobiça
avarenta, tomou uma roupa babilônica, duzentos siclos de prata e uma cunha de ouro de
50 siclos de peso, e os escondeu na sua tenda. Você também lembra como o olho de Deus
marcou tudo - como quando a sorte foi lançada caiu sobre o culpado; como ele foi levado ao vale
de Acor com tudo o que tinha, e como "todo o Israel o apedrejou com pedras, e os queimaram
com fogo, por isso o nome daquele lugar se
36
chamava vale de Acor até o dia de hoje" (Josué 7:26).
Portanto, para esta solene transação, o Espírito Santo faz alusão nas palavras de nosso texto,
onde ele fala de "vale de Acor" como uma "porta de esperança". Acor significa "confusão", e como
Acã foi apedrejado até a morte por tomar a coisa amaldiçoada, também pode significar "destruição". "O vale de Acor", então, é
espiritualmente o mesmo lugar que o deserto – porque para um filho de Deus muitas vezes é o
vale da confusão, onde sua boca é fechada por culpa e vergonha, como foi Acã quando a sorte
caiu sobre ele, e foi obrigado a confessar seus pecados diante de Deus e do homem. É também
frequentemente para o santo de Deus o vale da "destruição"; pois quando a coisa maldita, o
despojo deste mundo condenado, é achada em sua possessão sendo amada e acariciada, um
sentimento da ira de Deus cai sobre ele, e por isso toda a sua esperança legal e justiça carnal
são destruídas - apedrejadas e queimadas com fogo, como um julgamento justo de Deus por
amar o mundo, que é inimigo de Deus.
Porventura vocês não temem às vezes que os juízos de Deus caiam abertamente sobre vocês, como tendo pecado contra ele tão
cobiçosamente e tão perversamente quanto Acã pecou tomando o anátema, e que a sua sorte
pudesse ser a mesma - ser um monumento da
37
ira de Deus, mesmo diante da face do homem? Não temem que o povo de Deus se levante
contra vocês por causa dos seus pecados e recusas, e, num sentido espiritual, sejam
apedrejados com as pedras do campo, ou queimados com o fogo da justa condenação?
Creio que o vale de Acor é, por vezes, um local de necessidades como o deserto para um filho de Deus - pois, como todos devem ser levados ao
deserto para terem as suas vinhas, devem descer também para o vale de Acor- o lugar de
fechar as bocas, de ficar quieto e aguardando com temor os juízos do Senhor - o ponto baixo e
humilde de confusão e angústia - para que a porta da esperança possa ser aberta com uma
mão divina em sua alma.
Como não há fruto para ser encontrado no coração, no lábio ou na vida, até que Deus o dê no deserto - assim, até chegarmos ao vale, o
baixo e humilde vale da confusão e da destruição - não há boa esperança através da
graça comunicada. Aqui, então, há outro milagre - pois é neste vale que Deus abre uma
porta de esperança! Quando o filho de Deus está às vezes quase desesperado pela pressão do
pecado, pela maldição da lei e pela condenação de uma consciência acusadora - o Senhor neste
vale, onde toda a esperança legal afunda e morre - abre uma porta de esperança em seu
coração desanimado.
38
Mas como ele faz isso? Ele envia um raio de misericórdia, um feixe de graça, dá uma visão do
sangue expiatório e do amor de Jesus por sua morte, ou concede uma graciosa manifestação
de seu querido Filho - e assim revelando o Senhor da vida e glória como o caminho, a
verdade e a vida - abre uma porta de esperança, pela qual a alma entra em sua graciosa presença pelo poder da ressurreição de Jesus dentre os
mortos. Como João "olhou, e eis que uma porta se abriu no céu", assim há uma porta de
esperança aberta para a alma mesmo quando esperando o destino de Acã no sombrio vale de
Acor. Como isso é abençoado! Como alguém diz de si mesmo: "Eu olhei para o inferno - mas ele
me trouxe ao céu!"
Quando você esperava a ira - então achou misericórdia; quando temia o juízo - obteve perdão; temendo a punição, recebeu a
declaração: "Eu te amei com um amor eterno." Não é esta uma abertura no vale de Acor de uma
porta de esperança?
IV. Mas deixe-me chegar agora ao nosso último ponto - o EFEITO desses tratos graciosos de Deus no deserto - o fruto gracioso de louvor e
agradecimento por seu falar confortavelmente com o coração, dando as vinhas e abrindo uma
porta de esperança neste triste vale. "Ela cantará ali, como nos dias de sua mocidade, e como no
dia em que ela subiu da terra do Egito."
39
Daremos o sentido espiritual e experimental como agora cumprido nos corações dos santos
de Deus. Já mostrei como Deus os atrai para o deserto. Através dessas seduções, ele os adota
para si mesmo. Quando, então, ele lhes fala confortavelmente no deserto, lhes dá frutos
graciosos e abre uma porta de esperança, ele revive e renova aqueles dias de "amor puro e virginal". Nos dias de hoje, o próprio Deus se
lembra, pois diz: "Vai, e clama aos ouvidos de Jerusalém, dizendo: Assim diz o Senhor:
Lembro-me, a favor de ti, da devoção da tua mocidade, do amor dos teus desposórios, de
como me seguiste no deserto, numa terra não semeada." (Jeremias 2: 2)
Vocês não tiveram uma vez um "dia de esponsais" quando o Senhor revelou pela
primeira vez uma sensação de sua misericórdia e bondade para a sua alma, e, assim, lhe abraçou
como uma casta virgem para o Filho do seu amor? Aqueles foram os dias de "amor jovem",
quando experimentamos que o Senhor era gracioso, e tendo uma visão de sua beleza e bem-
aventurança, ficamos profundamente apaixonados por aquele que é "completamente
desejável".
Mas, depois dos dias de nossas promessas, tínhamos que ir para o deserto - para aprender lá o que somos por natureza - para ter os
profundos segredos do coração abertos - para
40
ter uma longa sucessão de provações e tentações, aflições e tristezas - para que
possamos aprender experimentalmente o que este mundo é - e o que somos como pecadores
nele. Todavia, o Senhor é misericordioso ainda no deserto, e traz o seu povo ali, para comunicar-
lhes as bênçãos de que falei. Sob o gozo delas, Sião começa a cantar; e qual é a sua canção? Uma canção nova, de acordo com essas
palavras, "Cantai ao Senhor um cântico novo" (Salmo 96: 1); e ainda não nova, pois é a mesma
canção que ela cantou "nos dias de sua juventude".
Cantar, nas Escrituras, está sempre ligado com alegria, e especialmente depois de uma libertação do cativeiro; porque cantar em Seu
louvor é o sentimento instintivo da alma quando experimenta ser abençoada. Mas "Sião no
deserto" tinha esquecido sua antiga canção, e não poderia cantá-la novamente até que o
Senhor falasse confortavelmente com seu coração. Ela podia suspirar e gemer, chorar e
lamentar, mas não cantava alegremente, porque sua harpa estava pendurada nos
salgueiros e naquela terra estranha ela não podia cantar a canção do Senhor (Salmo 137: 2,
4). Mas, logo que o Senhor começar a falar-lhe confortavelmente no deserto, dar-lhe-á as suas
vinhas e abrirá a porta da esperança no vale de Acor, e porá em sua boca uma nova canção, um
cântico de louvor e de gratidão ao seu Deus.
41
Porventura, você não tem sido levado às vezes a irromper numa canção de louvor ao Deus de
todas as suas misericórdias por uma visita inesperada da Sua graciosa presença, ou por
alguma descoberta da Sua bondade, misericórdia e amor? Isto é cantar como nos
dias da sua juventude - aqueles dias de juventude não só na natureza, mas também na graça, quando o Senhor se fez muito próximo,
querido e precioso para a sua alma – e o mundo e o pecado foram postos debaixo dos seus pés.
Muitas mudanças podemos ter visto desde então; muitos desejos e corrupções podem ter
sido trazidos à luz; muita incredulidade descoberta; muitos afastamentos do Senhor
foram cometidos, sobre a dolorosa lembrança, nós temos ainda que suspirar e chorar. Mas o
Senhor, que começou sua obra graciosa no coração do pecador, nunca deixa ou abandona a
operação de suas próprias mãos; porque quem ele ama, ele ama até o fim - e desse amor não
poderão nos separar, nem "as coisas presentes nem as que estão por vir, nem a altura, nem a
profundidade, nem qualquer outra criatura."
"Eu vos verei outra vez", foi a graciosa promessa de nosso Senhor aos seus discípulos, "e o vosso
coração se alegrará, e ninguém tirará vossa alegria." Quando, então, o Senhor volta em
misericórdia e amor, ele habilita a alma a cantar uma vez mais o cântico de Moisés e do Cordeiro,
"como nos dias de sua juventude e como no dia
42
em que ela saiu do mundo da terra do Egito.". É como se fosse um avivamento e mais do que um
reavivamento dos dias abençoados de antigamente. Sob esta influência doce, a alma
pode dizer: "O que tenho eu a fazer mais com os ídolos?" Então pode deixar o mundo profano,
sendo separado tanto pelas provas do deserto quanto pelas misericórdias do deserto.
Esses tratos do Senhor causam uma profunda e duradoura impressão na mente - pois seus ensinamentos são proveitosos - e o fruto deles é
para ser visto - em uma separação mais clara e completa de todo mal e todo erro - com maior
simplicidade de espírito - numa convicção mais profunda da excessiva pecaminosidade do
pecado - na crescente ternura da consciência - e em uma caminhada diante de Deus e do homem
em maior coerência com os preceitos do Evangelho e o exemplo do Filho de Deus quando
tabernaculou aqui embaixo.
Você pode encontrar alguma coisa em seu coração e consciência que tenha alguma semelhança com esses "tratos graciosos", com
esses "ensinamentos divinos"? Você está em alguma parte do caminho que eu mostrei? O
Senhor está atraindo você - ou você está no deserto - ou o Senhor está falando ao seu
coração - ou ele está abrindo no vale de Acor, uma porta de esperança - ou está colocando um
novo cântico na sua boca? Compare o que você
43
espera e acredita que o Senhor tem feito em sua alma com estas marcas do ensinamento divino
traçadas pela caneta do Espírito Santo na passagem diante de nós - e se você puder
encontrar qualquer uma dessas evidências graciosas, bendiga o Senhor por sua soberana
misericórdia.
44
O Vale de Baca
Título original: The Valley of Baca
Por J. C. Philpot (1802-1869)
Traduzido, Adaptado e
Editado por Silvio Dutra
45
“Bem-aventurado o homem cuja força está em ti, em cujo coração estão os caminhos aplanados. Que, passando pelo vale de Baca, faz dele uma fonte; a chuva também enche os poços. Vão indo de força em força; cada um deles em Sião aparece perante Deus.” (Salmo 84.5-7)
O tempo e as circunstâncias sob as quais este
Salmo foi escrito podem ser inferidos das evidências internas do próprio Salmo. Primeiro,
então, este Salmo foi composto enquanto "a arca de Deus habitava dentro de cortinas", portanto
enquanto o tabernáculo ainda estava de pé, antes do templo de Salomão ser erguido. Isto
nós retiramos do verso 1 - "Quão amáveis são os teus tabernáculos," (ou tendas) "Oh Senhor
Todo-poderoso!"
Em segundo lugar, foi escrito depois que a arca de Deus fora trazida ao monte Sião, a cidade de
Davi, da qual temos um relato completo dado em 2 Samuel 6; isto nós extraímos do verso 7,
"Eles vão de força em força, cada um deles em Sião aparece diante de Deus".
Em terceiro lugar, o Salmo foi composto
durante o tempo da fuga de Davi de Jerusalém, pois é a linguagem de alguém que suspirava
pelos tribunais do Senhor, e ainda estava impedido de se aproximar deles. Por esta
evidência interna o tempo é estritamente fixado
46
para a fuga e exílio de Davi, de Jerusalém por causa da rebelião de Absalão.
Davi, no seu exílio, estava de luto pelas bênçãos
e privilégios daqueles verdadeiros crentes que subiam à casa do Senhor, segundo seu
mandamento, para adorar em Jerusalém. Não podemos entrar nos sentimentos de um
verdadeiro israelita nessas ocasiões. O Senhor ordenou que três vezes no ano todas as pessoas do sexo masculino deveriam aparecer diante
dele. Eles vinham de diferentes partes da terra, de acordo com este mandamento; e ali, de
tempos em tempos, o Senhor encontrou e abençoou suas almas. Lá, eles tinham um
vislumbre da glória do Senhor habitando entre os querubins; lá eles tiveram suas orações
respondidas e suas almas revigoradas; e lá contemplaram, tipicamente e figurado, "o
verdadeiro tabernáculo", a natureza humana do Senhor Jesus Cristo, “que Deus erigiu, e não o
homem".
Mas, Davi foi impedido de subir à casa do Senhor. Ele estava sentado solitário e de luto,
não só por causa da profunda mortificação de ser expulso do seu trono, mas também por não
poder vir diante do Senhor, como nos tempos antigos. Ele invejava, portanto o próprio pardal e
a andorinha que podiam voar pelo ar e faziam sua feliz morada sob os altares que sua alma
tanto desejava abordar. E, sem dúvida, houve um sentimento que pressionou muito a alma de
Davi; que seus pecados o tinham levado ao exílio.
47
O dedo de desprezo em todo Israel foi apontado para ele como um adúltero aberto, e assassino
de Urias. Assim, ele não tinha apenas o sentimento melancólico de ser impedido de se
aproximar do santuário de Deus, porém esse sentimento foi profundamente aumentado pela
culpa e vergonha que tinha trazido sobre sua própria cabeça.
Agora, enquanto meditava solitariamente sobre esses peregrinos que subiam a Jerusalém para
adorar o Senhor nos seus átrios em Sião, sua alma parece ter caído em uma meditação santa
e espiritual. Esta peregrinação terrena lhe anunciou a peregrinação de um santo para o
céu; e assim, vendo todas as circunstâncias de sua viagem, seus pensamentos se voltaram para
o que esta peregrinação tipificava espiritualmente, e ele explode nesta adoração
abençoadora sobre o povo de Deus: "Bem-aventurados os que habitam em tua casa,
louvar-te-ão continuamente."
Mas, estas são as únicas pessoas abençoadas? Não. Ele acrescenta: "Bem-aventurado o homem
cuja força está em ti"; que tem algo mais do que o mero privilégio exterior de aproximar-se
desses tribunais, cuja força interior está em Deus, e que tira seus bens de Sua plenitude de
graça e misericórdia. "Bem-aventurado o homem", acrescenta ele, "em cujo coração", isto
é, em cuja experiência através do ensinamento e do testemunho divino, "estão os caminhos
aplanados e que, passando pelo vale de Baca, faz
48
dele uma fonte; a chuva também enche os poços. "
Ao considerar as palavras do texto, vou vê-las como o Espírito Santo nos deu a pista espiritual
para a sua compreensão.
Há uma verdadeira espiritualização da palavra
de Deus, e há uma falsa espiritualização dela. Alguns homens podem ver mistérios profundos nas "vinte e nove facas" que vieram da Babilônia,
no carvalho sob o qual Debora foi sepultada, e eu ouso dizer; alguns encontrariam profundidades
insondáveis em a "praça de Ápio e as Três Vendas" (Atos 28:15). Mas, não podemos
construir uma interpretação espiritual a não ser que o Espírito Santo tenha lançado um
fundamento, nem rastrear um caminho, a menos que Ele nos tenha dado uma pista. Mas,
como o Espírito Santo, pela boca e caneta de Davi nos deu uma pista espiritual, podemos
seguir esses peregrinos em sua jornada até a Jerusalém terrena e ver nela uma representação
viva dos verdadeiros peregrinos que viajam para o céu; a sua casa feliz.
Nós então, como o Senhor possa nos capacitar, nos empenharemos para desdobrar as frases
distintas do nosso texto. Observe, então,
I. A BÊNÇÃO que Davi pronuncia sobre o homem cuja força está em Deus. "Bem-
aventurado o homem cuja força está em ti". Mas, onde encontraremos esse homem? Onde
devemos procurá-lo? Em que esquina ele mora?
49
Tenho coragem de dizer que nenhum homem teve sua força em Deus até que perdeu todas as
suas. Sou corajoso para dizer, a partir da Escritura e da experiência, que nenhum homem
jamais sentiu ou conheceu, espiritualmente e experimentalmente, o que era depositar sua
confiança em Deus, que não tivesse sido completamente desmamado e esvaziado de colocar toda a confiança em si mesmo. Portanto,
quando Davi pronuncia esta bênção espiritual "Bem-aventurado o homem cuja força está em
ti", seu olho estava fixado em certo caráter gracioso; alguém que tinha sido profundamente
esvaziado, cuja força se tornara em fraqueza, sua sabedoria em loucura, e sua beleza em
corrupção.
Como você está, como eu estou para colocar nossa confiança em um Deus invisível? Posso
vê-lo? E posso colocar minha confiança em um ser invisível?
É impossível, a menos que eu tenha fé para ver
Deus, que é invisível.
Duas coisas distintas devem, portanto, reunir-se em meu coração sob as operações secretas do
Espírito, antes que eu possa vir para qualquer parte desta bênção. Devo, primeiro, por uma
obra de graça sobre a minha alma, tê-la enfraquecida, como lemos "Ele enfraqueceu
minha força no caminho". "Abaixou o seu coração com o trabalho, eles caíram, e não havia
ninguém para ajudar."
50
Devo ser enfraquecido por ser ensinado experimentalmente que toda a minha força
natural nas coisas divinas é apenas impotência e desamparo. E como posso aprender isso, senão
através de uma série de provações?
Devo ter tentações e encontrar minha força
contra estas tentações, totalmente impotente. Devo ter provações e encontrar estas provas tão
grandes, que minha própria força é insuficiente para suportá-las. Devo ter uma descoberta da
majestade, pureza e santidade de Deus para que todas as minhas forças possam murchar sob o
olhar de Deus em minha consciência.
Eu devo afundar na ruína da velha criatura, em desesperança e desamparo, antes que eu possa
desistir da ideia de ter força em mim. O homem nasce uma criatura independente; é o próprio
alento de um homem natural. "Independência" era uma vez o meu alardeado lema. Convém que
o coração orgulhoso descanse sobre si mesmo. E nossa natureza rebelde sempre descansará sobre si mesma, até que o “eu” tenha recebido
seu golpe de morte da arma que o homem vestido de linho leva na mão (Ezequiel 9).
Agora, na maioria dos casos isso necessitará de
uma série de provas para ser produzido. Nós não somos despojados em um dia; não somos
esvaziados em um dia; não somos arruinados e trazidos para mendigar em trapos espirituais
em um dia. Muitos do povo do Senhor estão há anos aprendendo que não têm nada e não são
nada. Eles têm que passar por provação após
51
provação, tentação após tentação, aflição após aflição, antes que aprendam o segredo da
fraqueza da criatura, o desamparo da criatura e a desesperança da criatura.
Mas, há outro requisito. Não me basta conhecer minha miséria; devo ter algo mais do que isso
revelado em meu coração. Devo ter outra lição revelada à minha alma pelo poder de Deus, o Espírito. Eu devo aprender esta verdade sagrada,
"eu tenho buscado ajuda somente nAquele que é poderoso."
Devo ser ensinado a dizer "Deus é a força do meu coração, e a minha porção para sempre." Devo
conhecer o que o Senhor Jesus tão gentilmente ensinou ao apóstolo Paulo; "A minha graça te
basta, porque a minha força se aperfeiçoa na fraqueza." (2 Cor. 12: 9).
Você já descobriu essas duas coisas em seu coração? Há quantos anos alguns aqui fizeram
uma profissão, vieram ouvir a verdade pregada, aprovaram o testemunho dos servos de Deus, e
leram os escritos de homens graciosos! Mas, você já aprendeu essas duas lições?
Primeiro, a fraqueza da criatura, impotência e desesperança para mergulhar em seu “eu”
miserável, estar cheio de confusão, não ter nada em si senão trapos e ruína?
E então, o Espírito foi trazido em seu coração, e abriu à sua alma aquele precioso Mediador
entre Deus e o homem, "a Esperança de Israel", o bendito Jesus, cuja força se aperfeiçoa na
fraqueza, que sobre Ele podes inclinar-te, e em
52
quem podes confiar para te trazer com segurança através de tudo?
Se você aprendeu experimentalmente em sua consciência aquelas duas lições - a fraqueza da
criatura e a força do Criador - a impotência do homem e o poder de Deus - então você entra na
bênção "Bem-aventurado o homem cuja força está em ti."
II. "Em cujo coração estão os caminhos
aplanados. Que, passando pelo vale de Baca, faz dele uma fonte."
Aqui, Davi lança um vislumbre naqueles
peregrinos que estavam viajando sua jornada ascendente para adorar a Deus em Sião. Ele
marca seu caminho e toma ocasião para espiritualizá-lo, porque diz "em cujo coração",
em cuja experiência, em cuja alma, "estão os caminhos aplanados" destes peregrinos de Sião.
Quais são esses "caminhos"? É isto, que "passando pelo vale de Baca, eles fazem dele
uma fonte." Este vale de Baca parece ter sido uma passagem muito perigosa, através da qual
os peregrinos viajavam em direção a Jerusalém, e por causa das dificuldades, perigos e
sofrimentos em que se encontravam foi nomeado "o vale de Baca", ou "o vale de choro",
ou “vale de lágrimas”.
E isso não é muito emblemático e figurativo do
vale de lágrimas através do qual o povo de Deus anda em seu caminho para o céu? Há muitas
circunstâncias que arrancam lágrimas de seus
53
olhos chorosos. Se, no curso de sua profissão, você nunca soube qualquer coisa deste vale de
Baca, você confundiu a estrada; você não está viajando pelo verdadeiro vale para chegar a Sião;
você está tomando outro caminho que não leva para o céu, mas para a destruição eterna.
Muitas são as circunstâncias da Providência que
arrancam lágrimas dos olhos e fazem sentir tristeza pungente no coração do verdadeiro filho de Deus. Os homens naturalmente têm
muitos sofrimentos em seu curso através da vida, mas, o povo do Senhor parece ter uma
dupla porção atribuída a eles. Eles têm os cuidados da vida como seus companheiros
mortais, e têm fontes de tristeza temporal em comum com seus companheiros pecadores.
Mas, além destas aflições providenciais, eles têm o que é peculiar a si mesmos; dor espiritual,
fardos e tristezas. Alguns do povo do Senhor estão profundamente afundados na pobreza;
outros, têm uma cruz quase diária de um sofrido e fraco tabernáculo; outros, têm de suportar
perseguições, e receber muitos golpes duros dos ímpios e severidade da parte de santos;
outros, têm aflições familiares; outros estão de luto por seus planos arruinados e a decepção de
todas as suas expectativas temporais.
Mas, somado a essas provações temporais que o povo do Senhor tem que passar em comum com
seus semelhantes, eles têm provações espirituais que superam em muito qualquer
uma de natureza temporal. Tentações agudas e
54
cortantes; as obras de um coração enganoso acima de todas as coisas e desesperadamente
perverso; as ocultações do semblante do Senhor; as dúvidas e alarmes que trabalham em
suas mentes, se seus pés estão sobre a rocha; o medo da morte e a perspectiva da eternidade; os
dardos assediadores do ímpio; os dardos inflamados do maligno; a culpa e o sofrimento interior por causa de uma natureza idólatra e
adúltera. Essas são apenas pequenas porções daquelas tristezas que arrancam lágrimas do
olho de um verdadeiro peregrino. É realmente um vale de lágrimas para a família do Senhor,
um "vale de Baca", que eles têm que passar para alcançar a Sião celestial.
Mas, o salmista diz: "Bem-aventurado o homem
em cujo coração estão os caminhos aplanados, que passando pelo vale de Baca faz dele uma
fonte."
Aqui está o caráter distintivo do verdadeiro peregrino. Não que ele esteja viajando apenas
pelo "vale de Baca"; não que seus olhos se afogaram em lágrimas; não que seu coração
esteja cheio de tristezas; não que sua alma seja cortada com tentações; não que sua mente é
experimentada pelo sofrimento, mas esta é a sua característica distintiva; ele "faz uma fonte".
Disso os ímpios nada sabem; isso o mundo professante, na maior parte, é inteiramente
inabilitado para tal, mas este é o "segredo que nenhuma galinha sabe, e que o olho do abutre
não viu".
55
Uma característica do "vale de Baca" era que o sol ardente acima e o solo ressequido abaixo, na
época do ano em que os peregrinos viajavam, faziam todo o vale árido e seco. Mas, os
peregrinos "fizeram um poço". Havia poços cavados neste vale de Baca para que os
peregrinos pudessem dessedentar-se. E Davi, olhando para estes poços cavados para os peregrinos, aplica-os espiritualmente ao
refrigério que o povo do Senhor encontra em seu caminho para a Sião Celestial.
"Faz uma fonte", ou seja, há de vez em quando
doces refrigérios neste vale de lágrimas; há gotas de consolação divina; há fontes de águas
vivas, rios de prazeres celestiais. E quando os peregrinos queimados de sol, cansados e
ressecados, estão viajando por este vale, e suas línguas se apegam ao céu de suas bocas com
sede, o Senhor de tempos em tempos abre neste vale um poço, como lemos em Isa. 41:17, 18, "Os
pobres e necessitados buscam água, e não há, e a sua língua se seca de sede; mas eu o Senhor os
ouvirei, eu o Deus de Israel não os desampararei. Abrirei rios nos altos
desnudados, e fontes no meio dos vales; tornarei o deserto num lago de água, e a terra seca em
mananciais."
Alguma manifestação de sua graciosa presença, alguma promessa que vem com poder à alma,
algum testemunho de interesse salvador no amor e sangue de Jesus, alguns sorrisos de Seu
semblante, alguma palavra de Seus lábios,
56
algum testemunho encorajador de que os pés estão sobre a Rocha, é dado. Este é um poço em
que sua sede é saciada, sua língua seca já não se apega ao seu palato; ele bebe da água que
borbulha do solo sedento para refrescar o peregrino cansado.
Por isto você pode saber se é um peregrino a caminho de Sião. Todos vocês encontram neste
mundo caído um vale de lágrimas, pois têm fardos, tristezas e aflições de vários tipos. Mas,
você não tem nada mais? Se não há nada mais, você é um peregrino?
Este é o seu traço distintivo; eles "fazem um
poço". O que! Nenhum refrigério da presença divina? Sem incentivos doces de vez em quando
em oração? Nenhuma bênção sob a palavra pregada? Nenhum derretimento de coração no
sentido da bondade do Senhor para sua alma? Nem vislumbres e olhares de um Jesus
precioso? Nem gotas de vida e sentimento para suavizar um coração duro?
Não se trata de chamar-se um peregrino, apenas
porque você tem provações e está viajando através de um vale de lágrimas. Devemos ter
algo mais do que isso para provar que somos peregrinos; devemos ter poços - "uma fonte de
água", como diz o Senhor, "que salta para a vida eterna" - divinas bebidas, manifestações
graciosas, testemunhos celestiais; algo de Deus que conforta, abençoa, que rega a alma e faz dela
um jardim regado.
57
E não é o vale das lágrimas - o seco, o ressecado, o árido, o vale queimado pelo sol - que torna o
poço tão aceitável?
Lembro-me de um amigo que me disse que, uma vez que viajava através de um dos desertos
na Ásia, eles chegaram a um poço e o desapontamento da caravana quando
descobriram que o poço estava seco, disse ele, nenhuma língua poderia descrever sua dor e dificuldade quando, depois de horas de viagem,
eles vieram à noite para acampar junto ao poço, e descobriram que o sol o tinha secado. Como,
portanto ninguém, senão os peregrinos através do vale seco e ressequido poderiam sentir
adequadamente a doçura do poço natural, de igual forma somente os peregrinos espirituais
afligidos, provados e assediados podem sentir a doçura da "água pura da vida" com que o Senhor
refrigera a alma.
Quando, pois Davi abençoa os peregrinos, não os abençoa por sua viagem pelo "vale de Baca"; não
os abençoa pelas lágrimas que caem de seus olhos, pelos sofrimentos que enchem seus
corações, pelas aflições e perplexidades com que são tentados, mas porque eles fazem um
poço. Porque nem tudo é escuridão, mas às vezes há um raio de luz; nem tudo é desânimo,
mas às vezes há feixes de esperança; nem tudo é incredulidade, mas às vezes há as ações da fé;
porque nem tudo é tentação, provações e aflições, mas às vezes há os refrigérios e
renovações da presença graciosa de Deus.
58
III. A chuva também enche os poços.
Parece que havia "poços", ou tanques que foram
construídos para o uso dos peregrinos enquanto viajavam através deste vale. Os poços de água
nascente não eram seu único recurso para que não falhassem; havia tanques ou poços
construídos, e estes deram seus suprimentos de água da chuva que caiu neles. E não podemos
dar a isso uma interpretação espiritual?
Penso que podemos justamente, sem violar a
mente e o significado do Espírito. Esses poços parecem representar o que se chama ‘o meio da
graça, as ordenanças da casa do Senhor e as várias ajudas que o próprio Deus designou’, mas
que estão em si mesmos como desolados e secos tal qual o poço ou tanque, e precisam da chuva
do céu para enchê-los com água doce e refrescante para o uso dos peregrinos cansados.
1. Por exemplo, oração e súplica, esperando no
Senhor, indo ao seu escabelo, rogando-lhe que apareça em nosso favor - este é um tanque que o
Senhor designou. "Chamai-me, eu vos responderei". "Pedi, e recebereis, buscai e
achareis, batei e abrir-se-vos-á". "Por todas estas coisas me será pedido pela casa de Israel, para
que eu possa fazê-lo." "Se alguém tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que dá liberalmente e não censura, e lhe será dado".
Aqui estão poços; mas não precisamos da chuva
para enchê-los? O que é oração, a menos que o Senhor inspire a petição? O que é oração, a
menos que o Senhor dê uma resposta?
59
Eu me lembro, há muitos anos atrás, vendo na Catedral de Canterbury o santuário de Thomas
a Beckett; e você acredita? - o pavimento é realmente usado em cavidades pelos peregrinos
que se ajoelharam lá, nos dias supersticiosos do Papado. Quantas orações verdadeiras foram
oferecidas naquele santuário idólatra?
Orações! Abominações à vista de um Deus santo! No entanto, eles poderiam usar o
pavimento oco com seus joelhos. Mas, vocês e eu não oferecemos orações igualmente
inaceitáveis ao Senhor Deus dos exércitos como as orações que foram oferecidas no santuário de
Thomas a Beckett?
Sim, milhares. Mas, quando "a chuva enche os
poços", é diferente. Quando o Senhor se manifesta, a alma corre; quando o Senhor
inspira, a alma respira; quando o Senhor sorri, a alma se derrete; quando o Senhor convida, a
alma segue; quando Ele diz: "Chamem-me", nós vimos, imploramos e oramos.
Quando "a chuva enche os poços", somos como Ana, quando derramou seu coração diante do
Senhor e obteve a resposta da paz, da boca de Eli, seguiu seu caminho e não ficou mais triste,
porque tinha bebido da água do poço que o Senhor encheu com a Sua graça.
2. As promessas de Deus não são poços?
Como elas estão espalhadas para cima e para
baixo na Palavra de Deus, como as poços ou tanques no "vale de Baca!" Mas, porventura,
você não veio às vezes, às promessas e achou-as
60
tão secas como os ribeiros mencionados no capítulo 6 de Jó, que tanto desiludiram as
companhias de Seba? Eu li as promessas - elas podem refrescar minha alma? Posso vir ao poço,
mas se estiver seco, ele poderia refrescar meu palato ressecado?
Não. A chuva deve enchê-lo. Quando a chuva encher o poço, então eu posso curvar-me e
saciar minha sede. A chuva da graça de Deus e o orvalho do céu devem cair na promessa e
encher o poço para que você e eu possamos vir a ele, sentir uma doçura nele e ter nossas almas
renovadas e fortalecidas por ele.
3. E não está um poço pregando? Deus não
designou "pela loucura da pregação salvar aqueles que creem?" Mas você e eu não
encontramos um poço seco? Quantos sermões você ouviu durante o ano passado que
realmente abençoou, confortou e fortaleceu sua alma? Um em cada dez, um em vinte, um em
cada cem, realmente trouxe uma bênção em seu coração pelo poder de Deus?
Quantas vezes esses poços estão secos! Eu os
acho assim; você os encontra assim, que sabe a diferença entre a letra e o Espírito, entre o
"exercício físico que para pouco é proveitoso," e o poder da piedade vital que é lucrativa para todas as coisas.
O Senhor ensinará isso ao seu povo, como
também ensinará aos seus ministros. Eles podem construir um poço - em seus salões ou
em casa, eles podem construir um tanque muito
61
bonito, que pode ser dividido e subdividido; uma cela aqui, e um compartimento acolá - e podem
vir com seus poços para o templo, mas, a menos que a chuva de cima os encha, toda a sua
ingenuidade será jogada fora, e é melhor deixá-la seca em casa.
4. As ordenanças da casa de Deus não estão pingando como a chuva? E nós não tivemos
experiência contínua de quão estéreis e secos esses poços estão às vezes? Não nos sentamos às
vezes à mesa do Senhor, e pensamentos blasfemos, imaginações sujas, horríveis
enchiam nossas mentes? Não sentimos carnalidade, morte, escravidão, escuridão, sem
chuva enchendo o poço? E nós não olhamos para o tanque batismal, que embora enchido
com a chuva do telhado, nunca lucrou a menos que a chuva do céu – a da graça- enchesse a
ordenança espiritual, assim como a chuva do céu encheu o batistério natural.
Assim, podemos percorrer os vários meios de graça de que Deus falou em sua Palavra e os
encontraríamos iguais em tudo, pois a menos que Deus encha os poços, eles não podem matar
nossa sede espiritual.
Mas, esta é a bem-aventurança dos peregrinos, que a chuva, às vezes enche as poços. Nem tudo
está morto na oração, ou frio na leitura, ou escuro na audição da Palavra. Às vezes, há
manifestações celestiais, refrigérios que mergulham rompendo a presença e o favor do
Senhor; esta é a chuva enchendo os poços. E,
62
quando a chuva enche os poços, então, é só então, que eles proporcionam qualquer vida ou
sentimento para nossa alma.
IV. "Eles vão de força em força." Prefiro pensar que o significado implícito é "eles vão de um
lugar de repouso para outro lugar de repouso". Havia certos pontos fixos onde toda a companhia descansava à noite; como lemos,
quando o menino Jesus se demorou em Jerusalém e seus pais não o sabiam - eles
supunham que ele estava "na companhia", isto é, tinha continuado com os peregrinos viajantes,
mas quando a noite chegou, e o procuraram, Ele não estava lá. (Lucas 2:44).
Estes lugares de repouso eram certos pontos onde a caravana dos peregrinos viajando
descansava à noite. E por essas paragens sucessivas sua força era restaurada, e eram
capazes de suportar a longa jornada, levantando-se pela manhã renovados com o
descanso da noite.
O salmista vê isto espiritualmente, e diz: "Eles
vão de força em força". Em cada lugar de repouso receberam nova força para prosseguir
sua jornada adiante. E isso não é verdade em relação à graça?
Há lugares de repouso na vida divina, oásis de descanso, onde os verdadeiros peregrinos
renovam suas forças. Por exemplo, cada manifestação do Senhor é uma comunicação da
força divina, um lugar de recrutamento, onde a
63
alma renova sua força para viajar adiante. Cada promessa que vem com poder doce é outro
lugar de parada onde o viajante pode descansar. Toda descoberta de interesse salvador em
Cristo, cada vislumbre da graça e glória de Jesus, cada palavra dos lábios do Senhor, cada sorriso
do rosto do Senhor, cada símbolo para o bem; tudo o que encoraja, supre, abençoa e conforta a alma, permitindo-lhe prosseguir em direção à
sua casa celestial é um lugar de repouso, onde o peregrino descansa e renova seus membros
cansados.
E onde podemos descansar, exceto onde Deus descansa? Mas Deus não "descansa em seu
amor?" E podemos descansar em qualquer lugar a menos que o amor de Deus seja derramado no
nosso coração? Deus não descansa em seu querido Filho? Não veio esta voz da glória
excelente, "Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo?"
Toda a satisfação de Deus se centra em Jesus; todo o prazer do Pai repousa no Filho do seu
amor. "Eis o meu servo, a quem sustento, o meu eleito, em quem se deleita a minha alma" (Isaías
42: 1).
Podemos então descansar em qualquer lugar, senão onde Deus repousa? Não é espiritualmente conosco como com os israelitas
de outrora?
Quando a nuvem parava, eles paravam; quando a nuvem partia, eles partiam; quando a nuvem
se moveu para diante seguiram-na; e quando a
64
nuvem parou, eles pararam, e descansaram sob a sua sombra.
Que descanso posso ter em meus problemas, aflições, provações e tentações? Posso
descansar neles? Eu poderia muito bem pensar em tentar descansar no fundo do Tâmisa; eu
poderia muito bem tentar me deitar em algum pântano profundo, e lá reclinar meus ossos
cansados.
Quanto ao descanso em dúvidas e medos, provações e tentações, sofrimentos e tristezas,
provações e perplexidades, o agitado seio do mar é tanto uma cama para o marinheiro na
tempestade, como as provações e dificuldades são para o cansado peregrino. Eu não posso, e
não devo ficar aquém do descanso que "permanece para o povo de Deus". O que é isso?
Cristo; o verdadeiro Sabath. Eu só posso descansar em sua obra acabada, em seu sangue
expiatório, em seu amor moribundo, em sua justiça imputada. Ele, e somente Ele pode ser o descanso da minha alma inquieta. Quando
posso fazer isso, eu sou como a caravana cansada de peregrinos que viaja em Sião; eles
pararam à noite e dormiam docemente, porque a sombra do amor eterno de Deus estava sobre
eles, e assim recuperaram suas forças para a jornada do dia seguinte.
Mas, note isto, nem sempre estavam
descansando. Eles tinham viajado alternadamente de dia, e descansado de noite;
os espinhos do vale muitas vezes laceravam seus
65
pés; o sol ardente batia em suas cabeças doloridas; as feras do vale uivavam e gritavam
através dos arbustos; bandidos talvez pairavam sobre as rochas, esperando para ferir um
peregrino; o deserto sem trilhas estava atrás, o deserto selvagem adiante, e Sião para eles a uma
distância ilimitada. No entanto, eles viajaram e nunca mais voltaram. Eles tinham um determinado objetivo em vista - Sião, Sião, seus
olhos estavam fixos - e a ideia de alcançá-la animava-os enquanto prosseguiam.
Não é assim com os peregrinos espirituais? É
sempre descanso com você? Você está sempre satisfeito de ser filho de Deus? Você está sempre
certo de que o céu é o seu lar? Você pode sempre descansar no amor de Deus para sua alma? Você
pode sempre achar Cristo precioso para seu coração?
Se você puder, eu não posso. Nós temos que
viajar adiante; outro dia de tristeza, outro dia de provação, outro dia de tentação, outro dia de
lutas - cada dia trazendo uma nova tribulação. Contudo, nós viajamos adiante; não expulsos da
verdade, não expulsos de Sião, não expulsos de Deus, não expulsos de Jesus. Adiante e para a
frente seguimos; nossos rostos se fixam em Sião, nossas costas para o mundo. Esses pobres
e cansados peregrinos costumavam marchar cambaleantes e desmaiados sob seus fardos,
queimados pelos raios do sol, dificilmente podiam mover um pé diante do outro, mas o
lugar de repouso é alcançado, o sinal é dado;
66
mais uma vez descansam e sua força é restaurada.
É assim espiritualmente. Deus dá um pouco de
descanso à alma; alguma manifestação, alguma evidência, algum testemunho, uma palavra, um
olhar, um sorriso, um vislumbre. "Eles vão de força em força."
Não há outra. "Bem-aventurado o homem cuja força está em ti". Portanto, é "de força em força".
Deve ser na força de Deus que ele vai adiante, não na sua própria. Se fosse a sua, ele não ficaria
sob a bênção "Cuja força está em ti." Se pudesse descansar, comer, ou beber quando quisesse,
não precisaria do Senhor para ser a "força de seu coração e sua porção para sempre". Isso coloca a
doçura na peregrinação - "eles vão de força em força", de parada em parada, de refrigério em
refrigério, pois foi nesses lugares de repouso que os poços foram cavados; junto a esses poços
eles ficavam à noite, e às vezes os encontravam cheios da chuva do céu. Assim, não só
descansaram seus membros cansados no deserto, mas saciaram sua sede no poço, ou
tanque.
E não é assim espiritualmente? Onde descansamos, encontramos água, refrigério e
força. Não encontramos o poço quando estamos caminhando em frente, mas, quando estamos
cansados, exaustos e desmaiados, o Senhor abre rios no deserto, e quando chegarmos ali
seremos autorizados a passar uma noite, como
67
os filhos de Israel acamparam junto às águas de Elim.
V. E então, o que vem como a consequência
gloriosa?
Ó doce liquidação deste assunto celestial! Ó
coroa abençoada que o Senhor põe sobre tudo! "Cada um deles em Sião aparece diante de Deus". Ninguém morreu pelo caminho, nenhum deles
foi devorado pelos animais selvagens, nenhum ferido pelo bandido errante, nenhum desmaiou
na estrada; alguns talvez, chegando tarde e atrasados. Mas, quando a companhia é contada,
ninguém está faltando; moços, velhos e crianças pequenas, mulheres, moças, e toda a
companhia da caravana de peregrinos - quando são contados, um por um, todos respondem aos
seus nomes. "Cada um deles em Sião aparece diante de Deus".
E isso não é verdadeiramente espiritual em relação à própria família de Deus? O que o
Senhor disse? "Os que me deste, eu os guardei, e nenhum deles se perdeu, senão o filho da
perdição".
Assim, quando Ele apresentar a sua multidão
inumerável de almas redimidas diante do trono do Todo Poderoso, não será esta a linguagem
dos seus lábios para o seu Pai? "Eis-me aqui, e aos filhos que me deste." "Eram teus, porque
todos os meus são teus, e os teus são meus, e eu sou glorificado neles." E não será este o lema de
todo peregrino espiritual?
68
"Guardado pelo poder de Deus, pela fé para a salvação, pronta para ser revelada no último
dia." Como o Senhor é verdadeiro, nenhum peregrino espiritual jamais cairá e morrerá no
vale de Baca.
Alguns podem temer que através da tentação,
suas fortes paixões ferventes um dia irão explodir e destruí-los. Não, não se são
peregrinos. "Cada um deles em Sião aparece diante de Deus". Outros podem pensar que
nunca terão um testemunho, nunca lerão seu nome claramente no Livro da Vida, o Senhor
nunca aparecerá em seu coração ou abençoará sua alma, e nunca poderão dizer "Aba, Pai". Mas,
se Jesus é deles, eles poderão.
Mas, são peregrinos espirituais? Acham que é
um vale de lágrimas? Seus rostos estão voltados para Sião? Eles vieram do mundo? Acham às
vezes, um poço no vale de Baca? E a chuva enche os poços? E alguma vez tiveram forças
aperfeiçoadas na fraqueza? Então cada um deles aparecerá diante de Deus em Sião.
Bendito final! Doce realização das esperanças,
desejos e expectativas do peregrino! A bênção de coroação de tudo o que Deus tem que
conceder! "Cada um deles aparece diante de Deus", lavado no sangue do Salvador, revestido da justiça do Redentor, adornado com todas as
graças do Espírito e feito apto para a herança dos santos na luz.
Nenhum choro, então! O vale de Baca é passado,
e as lágrimas são enxugadas de todas as faces.
69
Nenhum espinho para lacerar os pés cansados lá, nem animais selvagens rondando para
agarrar o viajante imprudente; não há bandidos para surpreender os retardatários lá; sem
dúvidas, medos e tristezas para afligir, perplexidades, ou sobrecargas lá. Seguros em
Sião, seguros no seio do Redentor, seguros nos braços de seu esposo celestial, seguros diante do trono, cada um deles aparece diante de Deus
em glória.
Peregrino de Sião, dê uma olhada em sua vida espiritual. Veja se você pode encontrar as
características da peregrinação espiritual nela. Como começa? "Bem-aventurado o homem cuja
força está em ti". Sua força está em Deus? Você aprendeu sua fraqueza, impotência,
desesperança, e foi capaz de lançar a âncora dentro do véu, e inclinar sua alma cansada sobre
a força de Jesus? Você é um homem abençoado; você colocou seus pés em Sião; seus pés estão na
estrada que leva à glória.
Como você encontrou a estrada? Muito fácil
para seus pés? Um jardim verde, gramado, florido? Uma pradaria lisa, com prímulas e
violetas nas sebes, e de vez em quando você sentava com estilo, inalando o sopro da manhã
de maio? Ou às vezes reclinado na grama, ouvindo o rouxinol?
Este não é o caminho para o céu; você confundiu
a estrada. O caminho para o céu é através do "vale de Baca!" O vale de lágrimas; um vale
ressequido e queimado com espinhos lacerando
70
os pés do viajante, os animais selvagens espreitando nas covas, e Satanás com seu
exército, como espreitadores armados, procurando destruir. Dependa disso, se
acharmos o caminho muito suave, muito fácil e muito agradável, cometemos um grande erro, e
ainda não chegamos à estrada certa. Deus traga aqueles que estão na estrada, que são seu povo, e atualmente a confundiram!
Mas você, viajante e peregrino de Sião, não o
achou um vale de lágrimas, você não sofreu coisas da Providência: pesadas provações,
tentações assustadoras, dardos ardentes, perseguições, sofrimentos de homens e acima
de tudo em vocês mesmos?
Mas, você não encontrou às vezes, um BEM aberto? Porventura não achou o Senhor como
Ele é, o que diz ser "fonte de águas vivas?" E não veio às vezes, todo ressecado, todo lânguido, e
todo afundado ao bem-aventurado Jesus, e encontrou alguns vislumbres, olhares e
testemunhos?
Estes têm refrigerado, fortalecido, confortado e abençoado você. Então você é um peregrino!
Embora tenha encontrado um vale de lágrimas no caminho que conduz a Sião; mas de vez em
quando você também tem encontrado naquele vale choroso, um poço. Então você é um
peregrino! Deixe o diabo, deixe a incredulidade, deixe os homens, deixe os perseguidores, deixe
o mundo, deixe seu coração dizer o contrário,
71
Deus o abençoou em sua palavra como um peregrino espiritual.
E você não encontrou também a CHUVA que
encheu os poços? Não foi sempre seco com você, não foi sempre uma terra estéril, mas
houve um derretimento, um abrandamento, uma quebra, algo que regou o seu coração. Você
se sentiu abençoado de vez em quando sob a pregação da verdade, na leitura da palavra, na
oração secreta, no derramamento de sua alma diante de Deus. Você é um peregrino! Uma
outra marca para você!
E você às vezes, não encontrou força? Você teve tentações, mas teve força para suportá-las; teve
provações, mas você tem tido a graça para suportá-las; você teve perseguições, mas teve o
apoio debaixo delas; você teve aflições dolorosas, mas o Senhor não permitiu que você fosse destruído por elas. Houve alguma força
secreta comunicada à sua alma; você se inclinou sobre um braço invisível e encontrou apoio em
realidades invisíveis. Outra marca que você é um peregrino!
E então, mais doce, coroando a misericórdia, "cada um deles aparece em Sião diante de Deus."
De modo que, quando o Redentor contar suas
ovelhas, e passarem de novo sob a mão daquele que as conta, nenhum dos resgatados faltará,
mas todos estarão presentes para cantar para sempre a glória e louvor de Deus!
72
SALMO 84
1 Quão amáveis são os teus tabernáculos, SENHOR dos Exércitos! 2 A minha alma está desejosa, e desfalece pelos átrios do Senhor; o meu
coração e a minha carne clamam pelo Deus vivo. 3 Até o pardal encontrou casa, e a andorinha ninho para si, onde ponha seus filhos, até mesmo nos teus altares, Senhor dos Exércitos, Rei meu e Deus meu. 4 Bem-aventurados os que habitam em tua casa; louvar-te-ão continuamente.
(Selá.) 5 Bem-aventurado o homem cuja força está em ti, em cujo coração estão os caminhos aplanados. 6 Que, passando pelo vale de Baca, faz dele uma fonte; a chuva também enche os tanques. 7 Vão indo de força em força; cada um deles em Sião aparece perante Deus. 8 Senhor Deus dos Exércitos, escuta a minha oração; inclina os ouvidos, ó Deus de Jacó! (Selá.)
73
9 Olha, ó Deus, escudo nosso, e contempla o rosto do teu ungido. 10 Porque vale mais um dia nos teus átrios do que mil. Preferiria estar à porta da casa do meu Deus, a habitar nas tendas dos ímpios. 11 Porque o Senhor Deus é um sol e escudo; o Senhor dará graça e glória; não negará bem algum aos que andam na retidão. 12 Senhor dos Exércitos, bem-aventurado o homem que em ti põe a sua confiança.
J. C. Philpot
74
O Poder e a Forma
Título original: The Power and the Form
Por J. C. Philpot (1802-1869)
Traduzido, Adaptado e
Editado por Silvio Dutra
75
"Tendo a forma de piedade, mas negando o poder dela. Destes afasta-te." (2 Timóteo 3: 5)
screvendo a seu filho amado, Timóteo, Paulo
nesta Epístola lhe diz que "nos últimos dias virão tempos perigosos". Mas por que os "últimos dias"
seriam particularmente "perigosos"? Ele diz: "Porque os homens serão amantes de si
mesmos, avarentos, fanfarrões, orgulhosos, blasfemos, desobedientes aos pais, ingratos,
ímpios", e assim por diante. Mas, os homens não foram sempre assim? Houve alguma vez um
tempo conhecido quando os homens não foram "amantes de si mesmos, cobiçosos, fanfarrões,
orgulhosos, blasfemos?" A raiz desses males está tão profundamente assentada no homem
caído, que esses frutos devem aparecer continuamente.
Por que, então, o apóstolo deve apontar os "últimos dias" como particularmente
"perigosos", quando os homens foram sempre como ele os descreve aqui? A razão é, "tendo
uma forma de piedade, mas negando o poder dela". Foi o que tornou os últimos dias
"perigosos"; porque os homens já não seriam como ele os descreve neste catálogo tenebroso
aberta e profanamente como antes, mas seria coberto pela máscara da profissão. Foi isso que
os tornou perigosos, isto é, perigosos para o povo de Deus, para que não fossem enredados e
enganados por isso.
76
Com a bênção de Deus, com a intenção de comunicar meus pensamentos e sentimentos
nessas palavras com mais clareza e inteligibilidade, adotarei cinco divisões
principais do assunto.
Só Deus, eu bem sei, pode dar a bênção. Tentarei mostrar-
I. O que é a piedade.
II. Qual é o poder da piedade.
III. Qual é a forma.
IV. O que é negar o poder.
V. A exortação, " Destes afasta-te."
I. O que é a piedade.
A piedade nas Escrituras do Novo Testamento parece ter dois significados distintos. Às vezes, significa toda a obra da graça sobre o coração;
tudo o que faz um homem manifestar ser um filho de Deus; em uma palavra, o que chamamos
de "religião experimental", com todos os frutos que a acompanham. Por exemplo, "a piedade
com contentamento é grande ganho" (1Tm 6: 6). "A piedade é proveitosa para todas as coisas,
tendo a promessa da vida que agora é e da que
77
há de vir" (1 Tm 4: 8). "Exercita-te na piedade" (1 Tm 4: 7). "De acordo com o seu divino poder nos
deu todas as coisas que pertencem à vida e à piedade" (2 Pe 1: 3). "Sim, e todos os que viverem
piedosamente em Cristo Jesus, sofrerão perseguição" (2 Tm 3:12).
Mas, há outras passagens nas quais a palavra piedade parece ter um significado mais limitado. Por exemplo, quando o apóstolo exorta
Timóteo a perseguir certas graças cristãs - "Segue a justiça, a piedade, a fé, o amor, a
paciência, a mansidão" (1Tm 6:11); a piedade não significa a totalidade da religião experimental,
mas um ramo particular dela, ou seja, a devoção de coração ao Senhor. Assim também
encontramos o apóstolo Pedro dizendo: "Com toda a diligência, acrescentai à vossa fé a
virtude, e à virtude, o conhecimento, e ao conhecimento, a temperança, à temperança, a
paciência, à paciência, a piedade, à piedade, bondade" (2 Pe 1: 5-7). A piedade é aqui
mencionada como um fruto distinto da obra do Espírito sobre o coração. Usada neste sentido, eu
entendo isso como significando, essa devoção de coração ao Senhor que é o efeito do ensino
divino na alma.
Pode-se perguntar, então: "Em que sentido você entende o termo piedade no texto?" Respondo-lhe que entendo toda a obra do Espírito sobre a
alma, os ensinamentos de Deus no coração,
78
tudo o que é geralmente transmitido pela expressão, religião experimental, com todos os
frutos e consequências que brotam daquele divino trabalho. Assim, a piedade neste sentido
tem uma significação muito abrangente. Abrange toda a religião experimental; inclui
toda a obra da graça do primeiro ao último, desde os primeiros ensinamentos do Espírito no coração do novo convertido, até os últimos
aleluias do santo expirante. E não só isso, mas compreende todos os frutos e manifestações
externas da obra da graça sobre a alma. Assim, neste sentido, a piedade tem uma significação
muito extensa; e, portanto, muitos ramos espirituais serão encontrados crescendo a
partir deste profundo e amplo caule.
1. "Piedade", portanto, compreende, em primeiro lugar, aquela obra divina, que é chamada nas Escrituras de arrependimento.
Quais eram as principais características do ministério de Paulo? Ele nos diz, que ele pregou
"arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus Cristo" (Atos 20:21). Estes foram os
dois pontos principais que ele pregou. Onde quer que haja piedade no coração de um
homem, em outras palavras, onde quer que haja uma obra de graça na alma, deve haver
arrependimento.
O que é arrependimento? A convicção do pecado produzida pela operação do Espírito
79
sobre a consciência, penetrando a alma com a culpa da transgressão, e criando autoaversão e
autoaborrecimento por causa dos males manifestados de nossos corações, lábios e vidas.
Honestas confissões de nossos pecados no escabelo da misericórdia; um coração
quebrantado e um espírito contrito; uma alma verdadeiramente penitente, derretida, dissolvida e depositada em lágrimas de tristeza
piedosa aos pés de Cristo, acompanhará sempre esse arrependimento para a vida, que é o dom de
Jesus.
2. Ainda - se a "piedade" compreende toda a obra da graça sobre o coração, ela também deve incluir a fé em Cristo. De onde brota a fé em
Cristo? É o dom de Deus; como lemos: "Porque pela graça sois salvos, por meio da fé, e isso não
vem de vós, é dom de Deus, não de obras, para que ninguém se glorie" (Ef 2: 8,9).
Mas, quando começamos a crer em Cristo? Quando há primeiro alguma fé real em nosso
coração em direção ao seu precioso nome. Quando há alguma revelação espiritual dele
para a alma; quando há alguma descoberta divina de sua Pessoa, seu sangue, sua justiça,
seu amor, sua graça, sua glória - quando estes são trazidos com um divino testemunho pela
unção celestial do Espírito no coração, então a fé brota. Logo que Jesus mostra seu rosto adorável
e se manifesta na alma, a fé brota para recebê-
80
lo, abraçá-lo e trazê-lo ao coração em seu sangue expiatório, amor moribundo e graça
justificadora.
3. O amor aos irmãos é também outra
característica da "piedade". Pois por isto "sabemos que passamos da morte para a vida,
porque amamos os irmãos" (1 Jo 3:14). Se há fé em Cristo, deve haver amor a Cristo; um não pode existir sem o outro. E se houver amor para
aquele que gerou, deve haver amor para aqueles que são gerados por ele. Se, pois, vimos Cristo
pelos olhos da fé, e essa visão tem atraído para si as afeições do nosso coração, devemos amar a
sua imagem onde quer que a vejamos; e o amor, o amor puro, precisa fluir do nosso coração para
essa imagem, embora as circunstâncias externas possam diferir, ou o que quer que
possa ser desagradável para o olho natural. Amamos a Cristo, embora o vejamos debaixo
dos trapos de um mendigo. As características de Cristo são sempre adoráveis para aqueles que
conhecem Cristo, por mais desfigurados e degradados que possam ser aos olhos do
mundo; e não podemos deixar de amá-las, onde quer que as vejamos, visivelmente manifestadas
no coração e na vida daqueles que são dele.
4. Se a "piedade" significa a obra do Espírito sobre a alma, também deve compreender o espírito de oração, que é o ramo principal do
ensino divino. Adorar, portanto, a Deus "em
81
espírito e em verdade", aquele fluir de desejo no coração, pleiteando com ele no escabelo da
misericórdia, implorando a ele que seja gracioso, com a fome, a sede, a respiração da
alma, procurando sua abençoada presença e poder manifestado, que brotam das operações
secretas do Espírito sobre o coração – tudo isto faz parte dessa "piedade" que é "proveitosa para todas as coisas".
5. Também deve compreender, o significado da piedade, o temor do Senhor, que é "o princípio
da sabedoria". Pois, se "piedade" significa toda a obra do Espírito sobre o coração, abraçará o
princípio, assim como o fim; incluirá em seus braços espaçosos toda a família vivificada de
Deus; e, portanto, precisa compreender os primeiros ensinamentos do Espírito ao suscitar
o temor divino, ao tornar a consciência viva e terna, ao imprimir à alma uma piedosa
reverência ao santo nome de Jeová e a imprimir sobre o coração um sentimento de suas
temíveis perfeições e temível Majestade.
6. Também compreenderá tudo o que brota da obra do Espírito sobre a alma; abnegação, mortificação do pecado, crucificação da carne,
separação do mundo, morte para as coisas do tempo e do sentido, vida de devoção ao Filho de
Deus. Ela compreenderá ainda os frutos da obra do Espírito sobre o coração, tais como bondade,
liberalidade aos irmãos, coração aberto e mão
82
aberta; andando consistente e devotadamente com nossa profissão, evitando a própria
aparência do mal; não dando lugar aos adversários de Cristo para que não tragamos um
opróbrio sobre a causa, mas vivendo como na presença do Senhor e com um sentido do seu
olhar continuamente sobre nós.
Em uma palavra, como a "piedade" abrange toda a obra do Espírito sobre o coração, desde seus
primeiros ensinamentos e vivificantes até que a alma finalmente sai em paz, com todos os frutos
e graças que fluem dela, ela deve ser uma expressão mais abrangente.
II. Qual é o PODER da piedade. Mas, você vai observar, que o texto fala do poder da piedade. A
divindade, e o poder dela, então, são duas coisas distintas. Por exemplo, o Senhor tem em
misericórdia vivificado sua alma, e fez Cristo precioso para o seu coração; ele tem em
misericórdia feito isso para você, que o salvará com uma salvação eterna. Mas, você está
sempre sob o "poder" desta piedade? Não devemos confessar, se falarmos honestamente,
que as épocas e ocasiões em que o poder é sentido em nossos corações são
comparativamente muito raras? Se Deus realmente implantou o Espírito abençoado em
seus corações; se seus corpos são os templos do Espírito Santo; se Jesus habita em vocês, e é em
vocês "a esperança da glória", nunca estão
83
destituídos de piedade. Mas, muitas vezes você está destituído do "poder da piedade". Por
exemplo -
1. Você não está muitas vezes destituído do
poder de se arrepender e confessar seu pecado diante de Deus? A consciência não leva muitas
vezes à vista uma retrospectiva melancólica dos pensamentos carnais, dos desejos maus, das imaginações vãs, das palavras tolas, dos
discursos frívolos e de todo esse catálogo de males, aquela conta enorme que o temor
piedoso arquiva às vezes no nosso interior, e que é visto em todos os nossos afastamentos da vida
de Deus? Mas, você é capaz de se arrepender? Você consegue se sentir cortado até o coração?
Você é capaz de chorar e suspirar porque a consciência traz contra você essa longa
acusação? Você pode sempre sentir sua alma derretida com tristeza por causa disso? Vocês
são sempre capazes de sentir contrição porque são orgulhosos, mundanos, cobiçosos, por tudo
o que é mau, tudo o que é odioso aos olhos de Deus?
Mas, então, há momentos e épocas em que o Senhor se agrada de trabalhar sobre a
consciência, mover e mexer a alma, tocar o coração com seu dedo gracioso - então o
arrependimento e a tristeza divina fluem. É conosco como com a rocha que Moisés atingiu.
Havia água na rocha; mas precisava ser batida
84
com a vara antes que as águas fluíssem para fora. Assim, possamos ter a graça do
arrependimento em nossas almas; mas exige que a mão divina golpeie a rocha, para fazer
brotar as águas da tristeza divina.
2. Assim, com relação à fé em Jesus. Se o Senhor sempre nos abençoou com fé no Senhor Jesus
Cristo, nunca deixamos de crer nele. Mas, muitas vezes há uma aparente suspensão dessa
fé. E precisa do mesmo poder todo-poderoso que primeiro o criou para extraí-lo em ação e exercício vivos. Aquele que possui fé possui
"piedade"; mas é somente quando a fé é atraída para olhar e viver do Senhor Jesus Cristo, que
temos o "poder da piedade".
3. Ainda, se alguma vez amou a Jesus com um afeto puro; se alguma vez o sentiu próximo,
querido e precioso para sua alma, esse amor nunca pode ser perdido de seu coração. Ele pode
permanecer adormecido; pode não ser doce no exercício; mas lá está. "Se alguém não ama o
Senhor Jesus Cristo, seja anátema" (1 Cor 16:22). Você estaria sob esta maldição se o amor do
Senhor Jesus Cristo morresse em seu coração.
Mas, este amor está muitas vezes dormindo.
Quando a mãe, às vezes, vigia o berço e olha para seu bebê dormindo com indizível afeição, a
criança não sabe que a mãe está observando seu sono; mas quando acorda, é capaz de sentir e
devolver as carícias de sua mãe. É assim com a
85
alma, às vezes, quando o amor no coração é como um bebê dormindo no berço. Mas, o bebê
abre os olhos, e vê a mãe sorrindo sobre ele, ele retorna os sorrisos, ela estende seus braços para
abraçá-lo. Assim, quando vemos o rosto de Jesus se inclinar para imprimir um beijo de amor, ou
deixar cair alguma doce palavra no coração - há um fluxo para ele de amor e afeto - este é o poder do amor a Cristo.
4. Não é assim com o amor aos irmãos? Não somos muitas vezes frios e mortos para com
eles, senão muito pior, mesmo para sentir inimizade contra eles? Talvez quando os vimos
descendo uma rua, fomos para o outro lado, para evitar encontrá-los. Tal é a aversão da nossa
mente carnal, às vezes até mesmo para com o mais altamente favorecido do povo de Deus.
Mas, sejamos trazidos à sua companhia; deixe a conversa girar sobre as coisas espirituais; que
falem dos sentimentos de sua alma; digam um pouco do que sabem e sentem das coisas
divinas; e temos experimentado uma medida do mesmo, de uma só vez toda a frieza, reserva,
suspeita e inimizade fogem como as montanhas diante da presença do Senhor – e o amor, a
união, a bondade, a ternura e a simpatia cristã são doce e abençoadamente experimentadas.
Este é o poder do amor cristão.
5. Assim é com a oração. Eu não sei como é com você; mas sei que a verdadeira oração não está
sob o meu comando. Não posso, Deus me livre,
86
deixar de dobrar os joelhos diante do trono da divina Majestade. Mas, posso ordenar desejos
espirituais e celestiais? Posso criar sentimentos de anseios e suspiros pela sua presença
manifestada? Posso produzir uma mente fixada em coisas eternas? Posso despertar fome e sede
pelo seu amor manifestado? Posso comandar essa fé em Jesus, com a qual somente posso me aproximar dele? Posso me dar acesso à presença
do Rei dos reis e ter uma doce manifestação na minha alma que ele está me ouvindo e me
respondendo? Posso abrir uma porta para expressar meus desejos, ou levantar uma
confiança segura de que o Senhor os cumprirá? Eu não posso.
Mas, há épocas e ocasiões em que o Senhor, o Espírito, tem prazer em respirar sobre o coração do crente. A graça da oração não está mais
morta em sua alma do que a graça do arrependimento, ou a graça da fé, ou a graça do
amor. Porém, as coisas vivas, os atos espirituais e os derramamentos da alma, muitas vezes
ficam dormentes no seio do santo. Mas, quando o Senhor se agrada de nos dar um espírito de
oração; quando ele tem o prazer de nos ofuscar em alguma medida com sua presença sentida e
atrair os desejos de nossas almas para si mesmo, então orar é de fato um doce prazer para a alma.
E oramos, não porque seja nosso dever, nem porque seja nosso privilégio; mas porque flui
livremente no seio de uma oração em que temos
87
um Deus que ouve e que responde à oração. Este é o poder da oração.
6. Assim, no que diz respeito aos diferentes frutos pelos quais a "piedade" é sempre acompanhada. Eu posso sair do mundo; eu
posso me separar de todo mal exterior; eu não posso ser enredado com os prazeres e
divertimentos com os quais os filhos dos homens agradam suas mentes vãs, Não mais
posso fazer muitas coisas que parecem ser o resultado e o fruto da obra do Espírito sobre o
meu coração; e, no entanto, nenhum poder divino, de onde somente eles brotam
corretamente, pode ter sido comunicado ao meu coração.
Mas, quando, por outro lado, pelo poder de Deus descansando sobre mim, aplicando uma parte de sua palavra, como "separa-me e serei
separado", posso sair do mundo; quando eu sou capaz de odiar cada pecado pelo funcionamento
de uma consciência terna; quando eu sou capaz de vencer as tentações pelo temor de Deus como
uma fonte de vida para afastar-me das armadilhas da morte; quando eu sou habilitado
assim pela graça de Deus e ensino, e sob a operação especial do Espírito de Deus sobre o
meu coração e consciência para andar como convém ao cristão, então eu tenho o poder da
piedade.
88
Assim, há uma distinção sempre a ter em mente entre a "piedade" e o "poder da piedade". Vocês
que nascem de Deus, que têm os ensinamentos de Deus em sua alma, nunca são destituídos de
"piedade". Se você fosse, você seria um povo ímpio. Mas, muitas vezes você está destituído do
"poder da piedade", e das doces manifestações, abençoadas vivificações e preciosas descobertas do Espírito.
III. Qual é a FORMA. Mas, há também uma coisa como a forma. Aqui chegamos à distinção entre
o povo de Deus e meros professantes vazios, que não têm nada da vida e ensinamentos de Deus
em suas almas. Vocês que são o povo de Deus muitas vezes podem escrever coisas amargas
contra si mesmos porque não sentem o poder da piedade; mas, isso não prova que vocês não
sejam pessoas piedosas. Se alguma vez você teve arrependimento para a vida; se alguma vez creu
no Senhor Jesus Cristo; se alguma vez o sentiu precioso para a sua alma; se alguma vez amou os
irmãos com coração puro fervorosamente; se alguma vez orou com um coração sincero e
espiritualmente ensinado, você é um do povo piedoso, embora não sinta frequentemente o
poder das abençoadas operações e comunicações celestiais do Espírito vital e
divino no seu interior.
Mas, então, há aqueles que não têm "piedade", nem "o poder" dela. Eles têm apenas a "forma". E
89
qual é a forma? Ora, uma forma é uma aparência exterior, apenas a pretensão da coisa sem a
realidade. E é isso que torna os últimos dias tão "perigosos" - porque deve haver uma profissão
tão ampla; que haverá muitos que se aproximam da verdade, e que ainda não sejam participantes
da verdade; que se aproximam tão perto dos limites da piedade, que nunca foram trazidos sobre a linha da piedade vital. É porque há tantos
que têm a forma sem o poder, que torna os últimos dias tempos perigosos para o povo de
Deus, para que não sejam enredados no mesmo laço e enganados por falsas pretensões.
Se este for o caso, então, esta forma de piedade deve chegar muito perto da genuína. Não é
perigoso para o filho de Deus ver uma pessoa adorando ídolos. Não é perigoso para o filho de
Deus ver milhares se aglomerando em uma casa de reunião de mera adoração mística; nem
perigoso ver centenas aprovando uma mistura heterogênea de livre arbítrio e graça livre; nem
perigoso ouvir um homem pregando as doutrinas da graça, e zombando da experiência
sentida delas. Estes vários graus de erro e ilusão não são perigosos para o povo de Deus, porque
geralmente eles não são enganados por eles.
Mas, quando duas coisas quase se assemelham, há o perigo; para que o veneno não seja confundido com o remédio. Assim, o perigo
reside na profissão amplamente difundida da
90
verdade experimental, pois é a única que merece o nome de "piedade", para que na ampla
profissão de verdade experimental não nos enganemos, ou outros nos enganem, pela forma
sem o poder.
Parece-me que, neste dia, temos uma ampla
disseminação da verdade experimental. Esse livro muito lido que vejo sobre a mesa, e sua ampla extensão em todas as direções, quero
dizer o "Padrão do Evangelho", traz consigo um grau de perigo, por causa de sua ampla difusão,
pode suscitar uma variedade de professantes que têm toda a forma e pretensão da piedade
experimental, mas nada sabem do poder interior, dos ensinamentos e das operações do
Espírito sobre o coração. Assim, observei, nos últimos anos, o surgimento de pequenas causas
da verdade experimental e a abertura de púlpitos em muitas partes. Acredito que,
quando chegar em casa, ocuparei vinte e sete púlpitos dentro dessas treze semanas. E isto é
perigoso para o povo de Deus, para que eles não sejam enredados pela ampla profissão da
verdade experimental e o mero exterior da piedade vital, sem a possessão sentida pelo
coração de conhecimento espiritual e gozo dele.
Não que eu esteja falando, Deus me livre, contra a extensão de obras experimentais; não que eu esteja falando, Deus me livre, contra a abertura
de novos lugares onde a verdade é pregada. Não,
91
eu me regozijo com isso, e diria com Moisés: "O Senhor Deus ... faça-os mil vezes mais do que
são, e abençoe-os como prometeu" (Deu 1:11). Deus trabalha por esses meios. Mas, há um
perigo que atende a eles, para que Satanás não entre por esta porta para enganar muitos para
sua própria queda, e até mesmo enredar o povo de Deus em uma profissão além do que eles conhecem do poder vital e experimental.
Mas, qual é a "forma"? Uma forma é algo que chega muito perto, e contudo não é a coisa
propriamente dita. É algo como o que os pintores chamam de "figura leiga"; que eles
usam quando não têm um sujeito vivo para copiar. A figura leiga representa um homem
com todos os membros, tendões e músculos; mas a vida, a respiração e o movimento estão
faltando. Por exemplo:
1. Existe a forma de arrependimento. Uma pessoa pode professar ser muito pesarosa, e ter grande convicção do pecado, sentir culpa por
causa de suas transgressões; e ainda não ter aquele poder vivificante do Espírito sobre a sua
alma produzindo verdadeira contrição e verdadeiro arrependimento. Pode ser apenas o
funcionamento da consciência natural, e não esse ensinamento peculiar de Deus, o Espírito
no coração de um pecador, pelo qual ele é quebrantado em dor piedosa e profunda
penitência de coração perante o Senhor.
92
2. Assim, com respeito à fé no Senhor Jesus Cristo. Há uma fé natural em Cristo, bem como
uma fé espiritual. Um homem pode ter ouvido falar tanto de Jesus Cristo sob ministros que o
exaltam muito, falar de sua Pessoa, proclamar seu sangue, e sobre sua justiça justificadora, que
ela pensa que tem fé em Cristo, porque ouviu tanto sobre Ele; e ainda estar todo o tempo sem fé viva, genuína. Este dom especial e obra de
Deus sobre a alma pode ainda estar faltando fatalmente.
3. Assim, no que diz respeito ao amor ao Senhor Jesus Cristo. Pode haver um amor natural por
ele. Um homem pode ter ouvido e lido tanto de sua bondade aos pecadores, e tais descrições
brilhantes da beleza de sua Pessoa, que ele pode ter se apaixonado por ele. Assim como muitos
têm seus crucifixos e imagens de Cristo, e os adorando sentem o amor natural porque
supõem que ele está representado neles; assim o homem pode ter ouvido tanto sobre o amor de
Cristo, para que ele possa ter seus afetos carnais despertados, e confundi-los com o amor puro
que é derramado no coração pelo Espírito Santo.
4. Portanto, podemos ter algo que nos atrai para o povo do Senhor. Podemos sentir que há uma amabilidade em relação a eles; podemos
acreditar que eles são a família viva do Senhor, e desejamos ser como eles; para falar como falam;
e isto podemos confundir por amor aos irmãos;
93
enquanto todo o tempo o nosso coração pode estar completamente destituído daquele
verdadeiro amor aos irmãos, o fruto e o efeito da obra do Espírito sobre a alma.
5. Assim, com relação ao dom da oração. Podemos parecer a nós mesmos, e àqueles que nos ouvem, tão simples, tão fervorosos, tão
sérios, tão humildes, que certamente deve ser uma oração espiritual. E, no entanto, muitas
vezes podemos confundir um mero dom natural com a graça especial de Deus, através da qual
somos capazes de derramar nosso coração diante dele.
6. Portanto, podemos ser capazes, pelo que sentimos sob as convicções da consciência
natural, de viver uma vida de separação do mundo, de vencer o pecado quando não for
muito forte, de andar em conformidade com os mandamentos e as ordenanças de Deus; e ainda estar destituídos do poder vital dos
ensinamentos e operações do Espírito, sem o qual todas essas coisas não passam de
convulsões de um cadáver sob a ação de uma bateria elétrica. Como Herodes, um homem
pode fazer muitas coisas, e ainda estar absolutamente desprovido do poder vital da
piedade trazido ao coração pelo Espírito de Deus.
IV. O que é negar o Poder. "Bem", alguns podem dizer, "se for esse o caso, como posso saber que
94
não estou completamente enganado?" "Se um homem pode ir tão perto, e ainda não ser um
caráter real, que provas tenho eu", diz algum pobre tentado filho de Deus, "que eu não estou
enganado?” Agora o que é dito dessas pessoas? Eles negam o poder. Você fez isso?
Mas, o que é "negar o poder?" O poder pode ser negado de várias maneiras.
1. É negado por alguns publicamente e abertamente. Há alguns pregadores que professam as doutrinas da verdade, que
reduzem toda a experiência, e dizem: "não são senão sentimentos". Isso é negar o poder da
piedade. Se não temos sentimentos, estou muito certo de que o Espírito de Deus não fez de nossos
corpos seu templo. Se nunca tivemos uma meditação doce, uma fé viva, um amor divino,
uma espiritualidade, e afeições celestiais, tenho certeza de que o Espírito de Deus nunca
abençoou nossa alma. E ainda, se eu estiver sem sentimentos - um sentimento de tristeza pelo
pecado, um sentimento de fé em relação a Jesus, um sentimento de amor pelo seu nome, um
sentimento de amor para com os irmãos; se estamos sem esses sentimentos graciosos,
estamos mortos como pedras sem qualquer possessão da vida de Deus. De modo que, reduzir
a experiência e dizer, "não é nada além de uma parcela de sentimentos", isto é negar o "poder da
piedade".
95
Vocês observarão que esses homens não negam a piedade; eles não ousam fazer isso; mas eles
negam o poder dela no coração de um santo, sob a operação do Espírito. Cada zombaria e
sarcasmo, cada discurso provocante lançado contra devoções e sentimentos apenas
manifesta o que é o coração de um homem; ele está abrindo uma porta através da qual você pode olhar de fato para os segredos de seu peito,
e lá vê a serpente enrolada e sibilando inimizade contra a verdade de Deus e contra seu povo vivo.
2. Outros o negam por sua vida e conversação. Se um homem anda nos desejos da carne; se ele se
envolver em imundícia ou embriaguez; se ele é totalmente entregue ao poder do orgulho e da
cobiça, nega o poder da piedade por suas ações, tanto quanto o anterior o nega por suas palavras.
Ambos negam o poder da piedade, um exteriormente em palavra, o outro em ação.
3. Outros, tendo mais respeito à consciência, não podem ir tão longe de inimizade externa; contudo eles também o negam internamente.
Por exemplo, não há aqueles que secretamente pensam que não há necessidade absoluta de que
a alma seja esvaziada e despojada e de ter uma revelação de Cristo; e que eles podem ser salvos
sem tal experiência do amargo e do doce, das tristezas e das alegrias das quais o povo do
Senhor fala? E esses pensamentos secretos não
96
são muito fortalecidos e fomentados por aqueles ministros que professam pregar a
Cristo como distintos e muito superiores à experiência? O que é mais comum do que uma
linguagem como esta do púlpito - "Não posso suportar ouvir as pessoas falarem do seu cair e
levantar, eles olham para si mesmos; por que não saem de si mesmos e olham para um Jesus precioso?”
Eu quero saber se isso não está negando interiormente o poder? Eles não ousam dizer
que não existe tal coisa; mas falam de olhar para fora de si para Cristo, como se não houvesse
experiência interior de Cristo, nenhuma visitação de sua presença e amor; e como se toda
religião consistisse em um conhecimento seco e especulativo, sem um grão interior de vida e
sentimento. Sua conversa de olhar para Cristo é muito plausível e sutil; mas seu objetivo real é
negar o poder da piedade vital no coração de um santo.
(Nota do tradutor: Há muito disto ocorrendo em nossos dias, porque, como profetizado nas Escrituras são os dias difíceis sobre os quais o
autor discorre. Então, é comum de ser visto por toda parte a pregação deste evangelho que
aponta somente para a mística de se olhar para Cristo para se obter coisas e posições
mundanas, e pouco ou nada daquela vida
97
santificada que é mediante a prática da Palavra de Deus).
4. Mas, há outros que negam virtualmente e na verdade pela não-posse da piedade. Por
exemplo, há muitos que dizem que aprovam, e que não há nada como a pregação experimental;
eles se aglomeram e lotam uma capela para ouvir a experiência do povo de Deus; e ainda assim eles praticamente e na verdade negam o
poder da piedade pela não-posse dela em seus corações. Eles têm se imbuído de tal
conhecimento do plano de experiência de constantemente ouvir isso pregado, e eles estão
tão certos de que é a verdade, que eles não ouvirão nada mais, e ainda assim o poder vital
nunca chegou à sua consciência.
V. A exortação, "destes afasta-te." Mas, como nos afastamos deles? Nós nos afastamos deles quando não sentimos nenhuma união com eles.
Pensei, às vezes, que poderíamos dividir a família vivificada de Deus em três classes. Há
aqueles cuja religião é recomendada ao nosso julgamento; há aqueles cuja religião é
recomendada à nossa consciência; e há aqueles cuja religião é recomendada ao nosso
julgamento, consciência e afeições. Você não consentiu em conversar com pessoas que
professam piedade e que há alguns cuja religião você recebe em seu julgamento? Vocês não
ousam dizer que não têm temor de Deus - nem
98
que o que eles lhes disseram sobre as transigências de Deus sobre sua alma não é
genuíno. Mas, ainda o que dizem não entra muito em sua consciência.
Mais uma vez; há outros que falam dos negócios de Deus em sua alma tão claramente, tão
distintamente e inegavelmente, que o que eles dizem é ao mesmo tempo recomendado à nossa consciência; mas ainda há algo faltando; não
acende uma chama secreta de amor interior, nem se apodera de nossas afeições. E depois há
outros cuja religião não é meramente recomendada ao nosso juízo e consciência, mas
ao nosso próprio coração e alma. Estes imediatamente saltam em nossas afeições; nós
os amamos, e nos unimos a eles, e sentimos uma união vital da alma com eles.
Agora, se conseguimos apoderar-nos das pessoas desta forma tríplice, ou em qualquer
delas, não devemos nos "desviar" delas. Nenhum deles nega o poder da piedade. Se podemos
recebê-los em nosso julgamento, não é tão bom como recebê-los em nossa consciência; e
recebê-los em nossa consciência, não é tão bom como recebê-los em nossas afeições. Mas, se
podemos levá-los ao nosso julgamento, não devemos "nos afastar deles”. Mas há aqueles que
não podemos nem mesmo entrar em nosso julgamento; sua religião parece ser nada além
de engano e ilusão. Não podemos observar a
99
mão de Deus neles; não podemos ver quaisquer marcas distintas do Espírito sobre eles. Destes,
somos chamados a "desviar-nos".
Mas, "nos desviamos" daqueles que negam o
poder da piedade de várias maneiras.
1. Primeiro, "nos desviamos" deles em relação à conversa com eles. Se as pessoas nos falam
sobre religião, e falamos em tom de aprovação para elas, enquanto há algo em nosso coração
que não acredita que elas são vitalmente participantes da graça, nós somos apenas
hipócritas; estamos sancionando o que sabemos em nossa consciência que não aprovamos. Se,
por isso, qualquer pessoa falar com você sobre as coisas divinas, e você não pode recebê-lo em
seu julgamento - se você deixar cair qualquer palavra que pareça sancionar a religião do
homem, você está rebocando com argamassa não temperada. A palavra da verdade nos
ordena "afasta-te"; isto é, não tenha tal conversa com ele; não lhe dê falsa esperança; não reforce
suas expectativas vãs.
2. Em segundo lugar, o preceito implica que você deve "se afastar" de recebê-lo como um membro da igreja. Se um homem ou uma
mulher vier diante de você e desejar ser recebido em sua igreja - e você não pode em sua
consciência acreditar que a obra de Deus com
100
toda a sua profissão é iniciada sobre ele, você deve "se afastar" de recebê-lo como membro.
3. Mas você também é ordenado a se "desviar" daqueles que negam o poder da piedade em
relação à sua companhia. A menos que você esteja persuadido em seu julgamento, ou em
sua consciência, ou em suas afeições, de que eles são pessoas vivas de Deus, você deve "afastar-se" deles para não andar com eles em
aparente comunhão e união. Você não pode, de fato, como o apóstolo diz 1 Cor 5:10 sair
completamente do mundo; nem desejamos ser de outra maneira do que corteses para com
aqueles que se dirigem a nós em termos de civilidade e cortesia. Mas, é outra coisa endossar
sua religião, e selá-la com nossa aprovação, por livre ou frequente associação com eles. Para
mim, se eu disser uma palavra por meio da qual exprimo a união àqueles que não recebo no meu
coração, sinto que estou dizendo a Deus e ao homem uma mentira deliberada, indo contra a
convicção da minha consciência, e fazendo o que eu espero que Deus possa sempre me
impedir de fazer.
Mas, então, por outro lado, cortesia, bondade e civilidade são devidas a todos. E se nos "afastamos" de qualquer um porque não somos
capazes de tomá-los em nosso seio e não podemos, consistentemente com uma boa
consciência, fomentar suas esperanças vãs e
101
reforçar suas expectativas ilusórias, isto não é razão para que devamos tratá-los com desprezo.
A palavra da verdade nos ordena a "honrar a todos os homens", e ao povo de Deus "a revestir-
se de afeições de misericórdia, bondade, humildade de espírito, mansidão e paciência".
Agora, que testemunho temos nós que desejamos temer o nome de Deus, e que temos algo mais do que uma "forma de piedade"?
Temos uma forma; isso é muito claro. Mas, temos algum testemunho vivo na nossa
consciência de que temos algo mais do que a forma? Alguma vez sentimos o poder? Não
temos testemunho de que somos possuidores de piedade, a menos que tenhamos sentido o
seu poder.
Mas, há filhos de Deus, pode haver alguns aqui presentes este dia que estão agora, e têm estado por semanas, ou mesmo meses, sem o poder de
sentimento; e talvez eles estejam escrevendo coisas amargas contra si mesmos, porque não
estão sob os sentimentos vivos que antes desfrutavam. Mas, desde que você o sentiu uma
vez, você negou sempre o poder, ou com toda sua escuridão, você o nega agora? Não é isso o
sentimento de sua alma? "Como eu era como nos meses passados, como nos dias em que Deus
me preservou, quando a sua vela brilhou sobre a minha cabeça, e quando pela sua luz eu andava
pelas trevas" (Jó 29: 2,3). Não é esta a linguagem
102
do seu coração? “Que o Senhor me abençoasse! Revivesse seu trabalho em meu coração, e me
desse vida e poder, para me permitir acreditar em seu nome! Que ele visitasse minha alma
com alguma descoberta de seu amor e me tirasse desse estado sombrio em que estou tão
tristemente afundado!”
Estes são os sentimentos de uma alma viva. Mas, aqueles que têm apenas a "forma de piedade",
negam todos esses exercícios. Eles não querem avivamentos; eles não estão procurando
qualquer manifestação; eles nunca imploram ao Senhor para olhar para baixo sobre eles e
abençoá-los; eles estão satisfeitos com uma religião externa; eles estão satisfeitos com a
mera forma. Se eles podem enganar a si mesmos e uns aos outros, é suficiente. Mas, a
alma vivente, que tem o temor do Deus vivo em seu coração, não está tão satisfeita; ele quer
manifestações vivas da presença de Deus, comunicações doces da misericórdia de Deus e
as abençoadoras operações do Espírito sobre o seu coração. Se não os tem, sente que nada tem.
Assim, enquanto este texto corta em mil pedaços aqueles que têm apenas a forma, não
fere o pobre filho enlutado de Deus que está suspirando e chorando pelo poder. Cada
suspiro, grito e gemido que ele tem por causa de seu estado sombrio e morto são as muitas
evidências vivas desse poder. De onde surgiram
103
seus suspiros? O que faz você chorar em sua cama? De onde brotam aqueles sopros em sua
alma enquanto você se senta ao lado da lareira esperando pela presença do Senhor – para que
ele fale à sua alma e se manifeste a você? Porque, eles brotam desta convicção
profundamente forjada em seu coração, que nada, senão o poder de Deus pode alcançar sua alma.
Agora estas são as pessoas que devemos receber no nosso seio, aqueles que têm piedade, e aqueles que têm o poder da piedade. Mas,
aqueles que o negam, seja em palavra, seja em ação; seja virtualmente por sua vida e conversa,
ou interiormente e secretamente - dos tais nós devemos nos "desviar". Isso pode nos trazer um
mau nome; isso pode nos carregar com ódio e opróbrio; isso muitas vezes pode ser muito
prejudicial para os nossos sentimentos; mas nós, no final, colheremos o benefício disso,
tendo o testemunho secreto de uma consciência honesta e os sorrisos de um Deus
que a aprova.
104
O Ramo de Oliveira e a Cruz
Título original: The olive branch and the cross
Por John Angell James (1785-1859)
Traduzido, Adaptado e
Editado por Silvio Dutra
105
Em sua autobiografia, Spurgeon escreveu:
"Em uma primeira parte de meu ministério,
enquanto era apenas um menino, fui tomado
por um intenso desejo de ouvir o Sr. John
Angell James, e, apesar de minhas finanças
serem um pouco escassas, realizei uma
peregrinação a Birmingham apenas com esse
objetivo em vista. Eu o ouvi proferir uma
palestra à noite, em sua grande sacristia, sobre
aquele precioso texto, "Estais perfeitos nEle." O
aroma daquele sermão muito doce permanece
comigo até hoje, e nunca vou ler a passagem
sem associar com ela os enunciados tranquilos
e sinceros daquele eminente homem de Deus ."
106
O ramo de oliveira e a cruz
Ou, contendas e transgressões resolvidas.
Perdoado de acordo com a lei de Cristo.
Uma palavra de conselho afetuoso aos cristãos professos.
Primeiro, reconcilie-se com seu irmão.
DEDICATÓRIA:
Meu amado rebanho,
Tem sido minha prática, não raro, entregar
alguns conselhos pela imprensa no início do
novo ano. Eu agora repito este trabalho de amor.
Pela seleção de um assunto atual eu não teria,
nem você, nem o público, imaginado que há
algo em sua natureza peculiarmente aplicável
ao seu estado como uma comunidade cristã. Em
comum, entretanto, com cada ministro cristão
de cada denominação religiosa, eu tenho
ocasionalmente minha surpresa excitada e meu
107
conforto perturbado por divisões e
animosidades; e como outros, viram a
tranquilidade e paz da igreja em algum grau
comprometida pelas discussões de alguns de
seus membros. Ambas as partes deste tratado
foram consideradas em um curso regular de
exposição de púlpito, e agora é submetido a você
nesta forma por causa de sua grande
importância, e a negligência demasiado geral
com que é tratado por aqueles que fazem uma
profissão de religião .
A igreja de Deus, em geral, ainda não conseguiu
exibir em qualquer proeminência considerável
e atraente, esse espírito de amor santo, que foi
pretendido para ela por seu Divino Fundador. O
espinheiro, a roseira brava e a urtiga, em vez do
abeto e da murta, crescem demasiado
luxuriantemente nos recintos da igreja; e o "lobo
e a serpente" são muitas vezes vistos, onde
somente o "cordeiro e a pomba" devem ser
encontrados. O cristianismo ainda não deixou a
impressão de sua grandeza excessiva tão
profundamente carimbada como deveria ser
sobre os caracteres de seus professantes e de
todas as suas graças, ninguém é tão vagamente
e imperfeitamente traçado como o que é o
assunto deste tratado. Foi mais fácil, pelo menos
mais comum, subjugar a disposição luxuriosa
do que a irascível, e, no entanto, é tanto a
108
intenção de Cristo que o Seu povo seja
distinguido pela mansidão e gentileza como
pela pureza, veracidade e justiça. O amor é
preeminentemente a graça cristã. A equidade, a
castidade e a veracidade foram encontradas na
lista das virtudes pagãs, mas não no amor, às
vezes "derramam sua fragrância no ar do
deserto" do paganismo, mas onde o amor foi
encontrado, exceto no jardim do Senhor?
Infelizmente, mesmo lá esta planta do Paraíso,
este exotismo celestial, deve tão
frequentemente parecer enrugada e devastada;
e assim deixar de adquirir para seu Divino
cultivador todo o louvor que deveria lhe
tributar, e em sua condição mais florescente.
Minha preocupação de que o amor cristão deve
ser cultivado com mais cuidado e ser visto com
admiração em vigor saudável e em beleza, me
levou a enviar este tratado que agora é oferecido
em primeiro lugar a você e, em seguida, às
igrejas em geral, com a esperança de que este
esforço de fidelidade pastoral possa impedir em
muitos casos a ruptura e promover em outros a
restauração da amizade cristã e assim trazer ao
seu autor, através de muitos corações
reconciliados, a bênção do pacificador.
Nós lhes encomendamos a Deus e à palavra da
Sua graça, e oramos para que Aquele que "fez a
paz pelo sangue de Sua cruz, para por ela
109
reconciliar todas as coisas com Ele mesmo",
derrame Seu próprio Espírito em seus corações
para uni-los ainda mais próximos um do outro,
Eu permaneço, seu pastor afetuoso,
John Angell James
RECONCILIAÇÃO
"Ora, se teu irmão pecar, vai, e repreende-o
entre ti e ele só; se te ouvir, terás ganho teu
irmão;
16 mas se não te ouvir, leva ainda contigo um ou
dois, para que pela boca de duas ou três
testemunhas toda palavra seja confirmada.
17 Se recusar ouvi-los, dize-o à igreja; e, se
também recusar ouvir a igreja, considera-o
como gentio e publicano.
18 Em verdade vos digo: Tudo quanto ligardes na
terra será ligado no céu; e tudo quanto
desligardes na terra será desligado no céu."
(Mateus 18: 15-18)
Contendas entre cristãos! Não há uma
contradição aqui? Os cristãos brigam uns com
110
os outros? O Cristianismo, onde realmente é
possuído e sentido em sua própria influência,
implica tudo o que é amoroso, gentil e pacífico?
Certamente! E se cada professante dele vivesse
realmente sob sua influência, não haveria esta
coisa de irmão que injuria irmão. O cristianismo
é, em todos os seus aspectos, uma religião de
amor. "Deus é amor." Cristo é amor. A lei é amor.
O evangelho é amor. O céu é amor. Essa palavra
"amor", compreende tudo. O amor perfeito não
só elimina o medo, mas a malícia. No céu não
haverá brigas, porque cada um de seus
habitantes é perfeito em amor. O desígnio do
cristianismo não é somente conduzir-nos ao
céu, mas nos ajustar para ele, e o fará dando-nos
o espírito do amor. O verdadeiro espírito do
cristianismo é o que o apóstolo tem, com uma
beleza tão requintada, descrito no capítulo 13º
da primeira epístola aos Coríntios.
Suponhamos que todos estivessem
perfeitamente sob a influência deste espírito de
amor, que espaço haveria para disputas? Mas,
nem todos não são assim, ninguém é assim.
Aqueles que fizeram os maiores avanços em
santidade têm alguns restos de corrupção, dos
quais surgem às vezes guerras e lutas. "Deve ser
necessário, diz nosso Senhor, que venham as
ofensas." Ou seja, considerando o que é a
natureza humana, elas devem ser encontradas.
111
Onde quer que haja pecado haverá inimizade
em alguma ocasião ou outra. Isto não é para
desculpar as brigas dos cristãos, mas
meramente para explicá-las.
Sim, os cristãos discutem. Todos os pastores
sabem o que fazem, para o sofrimento de seus
corações. Todas as denominações e todas as
congregações de cristãos professantes sabem
disso para sua inquietude. Todas as pessoas que
se opõem à religião sabem disso, e ficam de pé e
dizem: "Aha, nós já sabíamos!" O Espírito de Deus
sabe disso, e se aflige com isso; e as
consequências de suas brigas são muito tristes;
triste para as próprias partes, na interrupção de
sua paz, o prejuízo de sua religião, o descrédito
de sua profissão. Pouquíssimos homens saem
ilesos de uma briga, sejam eles os agressores ou
os agravados. As consequências de tais
desacordos estendem-se a outros, aos amigos
dos partidos, e às vezes à igreja de que são
membros. Igrejas inteiras foram levadas à
contenda e divisão de conflitos, por uma
violação da paz cometida por dois de seus
membros. Salomão diz: "Começar uma
discussão é como abrir uma válvula de escape,
então pare antes que a discussão saia de
controle!"
112
O Novo Testamento diz muito sobre ofensas, e a
maneira de tratá-las. Aqui devo distinguir entre
os diferentes tipos de delitos aludidos. Na
passagem já citada, "Ai do mundo por causa de
ofensas, deve ser necessário que venham
ofensas"; e em outras, como: "Não é bom comer
carne, nem beber vinho, nem nada pelo qual o
teu irmão tropece, ou se ofenda, ou se torne
fraco". A palavra significa, como o contexto
mostra, não o que no discurso comum
entendemos por ofensa, mas por se tentar um
irmão ao pecado por nossa conduta, fazendo o
que o levaria à transgressão, lançando uma
pedra de tropeço no seu caminho, ou o que
Apóstolo chama, "fazendo com que nosso irmão
peque." E é muito verdade que devemos estar
muito preocupados, orando e vigilantes, para
que nenhuma parte de nossa conduta possa
levar alguém a pecar, para que por meio de nós
nosso irmão fraco "pereça, por quem Cristo
morreu".
Mas, eu não me refiro agora a ofensas desta
natureza, mas à classe de ações significativas,
quando um homem diz de outro, "Ele me
ofendeu muito!" E que são citadas por nosso
Senhor na passagem que eu coloquei à cabeça
deste trecho em que ele diz: "Se o seu irmão
pecar contra você". Refere-se a algum dano real
ou supostamente infligido por um cristão sobre
outro, em sua pessoa, bens, reputação ou paz de
113
espírito, a algum pecado de que o queixoso é o
objeto direto e pelo qual de alguma forma ele se
torna um sofredor. Não se refere a pecados nos
quais nós mesmos não temos nenhum interesse
pessoal; mas àqueles que nos afetam
particularmente. Um homem pode ter nos
prejudicado por alguma transação de dinheiro,
pode ter feito alguma agressão sobre nossa
propriedade, pode ter nos tratado mal, pode ter
falado de nós com desprezo, ou falsamente de
nós, e pode assim ter ferido nossos sentimentos;
em cada um destes tem havido uma ofensa
contra nós. Somos feridos; e é a esses casos que
a lei de Cristo se aplica. É verdade que pode
haver outras ofensas às quais a regra pode ser
estendida. Se víssemos um irmão que vive em
pecado, devemos, embora seu pecado não tenha
nenhuma referência direta aos nossos próprios
interesses, ir a ele sozinho, e com um espírito de
amor adverti-lo, mas isso se acha muito
lindamente expressado na Lei do Antigo
Testamento: "Não odiarás a teu irmão no teu
coração; não deixarás de repreender o teu
próximo, e não levarás sobre ti pecado por causa
dele." (Lev 19.17)
Suponho que você recebeu uma ofensa, real ou
imaginária, de algum irmão cristão; e como
você vai agir?
114
Em primeiro lugar, pergunte se vale a pena
notar, se não é um dos casos em que você pode
ter se enganado quanto à intenção do ofensor; e
mesmo se não, é uma das dez mil pequenas
ocorrências que acontecem perpetuamente na
comunhão da sociedade, das quais um homem
sábio não faria caso, e que um homem santo não
permitiria que habitasse em sua mente, para
interromper sua boa vontade ou bom
sentimento para com o agressor. "É um homem
muito miserável", diz Jeremy Taylor, "aquele
que fica inquieto quando um rato passa por cima
de seu sapato, ou uma mosca beija seu rosto".
"Tudo o que é pequeno e tolerável deve ser
deixado sozinho", disse Aristides. No momento
em que a ofensa foi dada, devemos
imediatamente nos proteger contra a
disposição de magnificá-la, e convocar toda a
nossa sabedoria para olhar para ela como ela
realmente é. Tal estado de espírito nos
prepararia para dizer: "Bem, é verdade que ele
não me tratou muito gentilmente, mas não foi,
eu ouso dizer, o efeito de um desígnio, e muito
menos de premeditação, mas de pressa e
desconsideração; e, afinal de contas, não era
assunto muito sério, não duvido que muitas
vezes eu tenha sido tão imprudente, deixando
passar, me intrometer, só pioraria as coisas, e
não permitirei que ela permaneça em minha
mente , nem que em menor grau afete minha
115
boa opinião, ou meu sentimento bom para com
o agressor." De tal maneira, muitas das ofensas
deveriam ter sido tratadas, as quais, por uma
manipulação menos considerável e razoável,
seriam ampliadas em grandes quantidades e se
tornariam ocasião de outras muito maiores. Há
grande sabedoria, assim como grande
humildade em dizer, a muitas causas
incipientes de perturbação, "Ó, deixe passar!"
Mas, ainda assim, se a matéria e o fundamento
da ofensa tiverem maior consequência do que
se supõe aqui, ou se ela produziu uma impressão
na mente hostil ao nosso próprio conforto, ou se
é obstrutiva da nossa agradável comunhão com
o ofensor, então devemos ir à lei de Cristo para
estabelecê-lo. O que deve ser feito?
I. Eu exporei a lei de Cristo NEGATIVAMENTE.
Não devemos pensar sobre o assunto em
silêncio. Isso é proibido, pelo menos por
implicação, no mandamento de nosso Senhor.
Se não podemos descartá-lo de nossos corações,
não devemos deixá-lo repousar lá, mas deve ser
dito a alguém. Muitas pessoas, em vez de se
dirigirem de uma vez por todas com franqueza
ao ofensor, fogem de sua companhia, pensam
em todos os tipos de pensamentos duros sobre
ele e apreciam todos os tipos de sentimentos
malignos para com ele, e nunca, nem pela
116
escrita nem pela fala, expressam uma única
sílaba para ele. Não há nada mais provável que
agrave a nossa estimativa de uma ofensa que
este estado de espírito. Aquele que medita em
silêncio sobre uma ofensa, sente-se seguro, por
tal espécie de incubação, uma chocadeira de um
ovo minúsculo, para uma lesão monstruosa. Sua
imaginação é levada ao entusiasmo por suas
paixões, até que seu julgamento é pervertido e
por fim se considera o homem mais ferido do
mundo; e depois resolve não ter mais nada a ver
com o ofensor. É isso que o apóstolo chama de
dar "lugar ao diabo". "Quão difícil e desagradável
foi", diz este autoatormentador, "quem poderia
ter esperado um tratamento tão imerecido?
Bem, acabei com ele, não falarei mais com ele".
Ele encontra o suposto culpado, mas evita o
reconhecimento, e sente seu ressentimento
influenciado pela própria visão dele; enquanto
talvez o objeto desta conduta se pergunte o que
tudo isso pode significar?
E então, como não devemos pensar em uma
ofensa em silêncio sombrio, tampouco devemos
dizer a outro, mas ao próprio ofensor, "diga isso
a ele sozinho". Assim que algumas pessoas
recebem uma ofensa, geralmente vão
comunicá-la a qualquer pessoa e a todos, ao
invés de para a única pessoa que deve ser
informada sobre isso. Aqueles que a ouviram
117
contam-na a outros, esses por sua vez a outras
pessoas, até que o relatório, exagerado em cada
repetição, chegue ao longo do tempo, ao
agressor de tal forma ampliada e distorcida, que
agora ele é a pessoa agravada, por estar sendo
acusado de ter infligido ofensas das quais na
verdade ele nunca foi culpado. Então a questão
se torna complicada, e é difícil dizer qual é a
maior culpa, de quem fez a ofensa ou de quem a
denunciou. Não devemos contar a ninguém,
quase não, eu ia dizer, a Deus em oração, ou a
nós mesmos, até que o digamos ao nosso irmão
ofensor. Não devemos acusá-lo diante de Deus,
até que lhe demos uma oportunidade de
explicar a si mesmo. Nossa visão de sua conduta
pode ter sido equivocada.
Isso impediria essa propensão para denunciar
uma transgressão, se todos nós decididamente
confrontássemos o repórter com esta pergunta:
"Vocês obedeceram ao mandamento de nosso
Senhor e disseram isso ao próprio ofensor e
sozinhos, senão não posso ouvir". Mas,
infelizmente, a disposição para receber maus
relatos é tão comum à natureza corrupta dos
homens, que seus ouvidos são gananciosos de
informações para o descrédito de seus
próximos.
118
II. Mas, agora, vou explicar a lei de Cristo
POSITIVAMENTE. Ao supor que uma
transgressão foi cometida, Cristo ordena três
passos sucessivos, os quais, se realmente o
reconhecemos como nosso Senhor e Mestre,
todos devem ser tomados para o propósito de
reconciliação e devem ser feito em
conformidade com a ordem que ele
estabeleceu.
1. O ofendido deve primeiro ir sozinho ao
ofensor, e dizer-lhe sobre a transgressão. Agora,
a razão disso é óbvia. Um homem é muito mais
provável que seja levado a uma visão correta de
sua conduta por tal plano do que sendo dirigido
diante de outros. É mais provável que escute
desapaixonadamente e que esteja aberto à
convicção; e seja convencido, e é muito mais
provável que confesse sua culpa, do que na
presença de espectadores. Neste último caso,
seu orgulho é chamado a ser provado, e ele se
revolta em humilhar-se diante dos outros. Se ele
for sempre "ganho", é mais provável que seja
assim.
Mas, então tudo dependerá da maneira como
este dever mais delicado e difícil é executado.
Uma maneira errada de fazer uma coisa certa
pode ser um erro, e é melhor não fazer nada. Isto
é estrita e enfaticamente aplicável ao presente
119
caso. Uma disputa pode tornar-se mais difícil de
solução final por uma maneira imprudente de
tentar resolvê-la em primeiro lugar de acordo
com o mandamento de nosso Senhor. Tome
então as seguintes direções.
Antes de irmos a um irmão ofensor para lhe
expor a culpa dele, façamos questão de uma
sincera e fervorosa oração, para que possamos
ter uma visão correta do assunto, e não estar sob
qualquer ilusão, supondo que um mal foi feito,
onde nenhum foi pretendido. Peçamos a graça
para subjugar e controlar nossos sentimentos,
para que não possamos estar sob a influência da
paixão, mas sermos capazes, de uma maneira
muito peculiar, de exercer a mansidão com o
um reflexo da mansidão de Cristo. Peçamos a
Deus que possamos selecionar essa linguagem e
exibir tal espírito em nossa entrevista com o
ofensor, pois terá a tendência mais direta para
suavizá-lo e subjugá-lo. Nada exige maior
sabedoria e graça para fazê-lo bem, do que o
dever que agora estou expondo, e dificilmente
podemos esperar obtê-los sem oração. Mas,
devemos também orar especialmente para que
toda a malícia e o mau sentimento em relação ao
ofensor possam ser extintos, e que possamos
ainda valorizar em relação a ele um espírito de
amor. Tampouco devemos esquecer de orar por
ele para que seja levado a ver seu erro, a
120
confessá-lo e humilhar-se perante Deus por
causa dele.
Ao conduzir os assuntos de tal entrevista, deve
haver o próprio espírito de amor em nossa
conduta. Devemos ir, não no caráter, ou com o
espírito, de um acusador, mas como um irmão a
um irmão. Devemos ser capazes de dizer-lhe a
verdade que não dissemos a qualquer outra
pessoa sobre a terra; devemos dizer-lhe que
realmente não o acusamos de ofensa, mas em
primeiro lugar meramente estamos lhe
pedindo explicação, já que estamos todos
sujeitos a erro; e para que não venhamos a
extorquir qualquer concessão irracional, mas se
o erro foi cometido, fazer o seu
reconhecimento, e permanecer amigos e
irmãos como antes. Deveríamos então abrir os
nossos fundamentos de ofensa sem quaisquer
circunstâncias agravantes, estando mais
inclinados a extenuar do que a magnificar.
Especial cuidado deve ser tomado em
referência a esta última questão, para qualquer
tentativa de fazer a ofensa maior do que
realmente é, pois isto fará mal. As duas partes
olham para a mesma coisa com olhos
diferentes, e o que parece ser uma montanha
para um pode ser apenas um montículo para o
outro. No começo, o ofensor, como é muito
provável que seja o caso, pode ser um pouco
121
resistente, petulante e irritável; isso não
devemos considerar, ou virar abruptamente
sobre nosso calcanhar e nos afastarmos; mas
devemos continuar a raciocinar com ele com
toda a mansidão de sabedoria, recebendo
qualquer concessão que possa ser feita, e
reconhecendo-a amorosamente, encorajando
outras admissões, até que seja obtido o que é
buscado. E que seja especialmente lembrado
que nossas exigências de confissão não devem
ser exorbitantes, nem deve haver de nossa parte
um desejo aparente de vencer e humilhar o
ofensor. Deveria ser claramente visto por ele,
que não buscamos nada, senão tal admissão de
erro como é necessário para a continuação da
amizade e da fraternidade, em atendimento à
ordenança do Senhor, com vistas à preservação
do amor entre os irmãos.
Há também uma ilustração bonita deste método
de parar ofensas solicitando explicação, na vida
desse ministro eminentemente santo de Jesus
Cristo, Samuel Pearce, de Birmingham. Numa
reunião de ministros em uma ocasião, "uma
palavra foi deixada cair", diz o Sr. Fuller, em suas
memórias desse excelente homem, "por um de
seus irmãos, que ele tomou como um reflexo,
embora nada estava mais longe da intenção de
do orador. Permanecia em sua mente, e em
poucos dias depois ele escreveu o seguinte:
122
"Você se lembra o que se passou em Bedworth?
Se eu não estivesse acostumado a receber
simples comentários amigáveis de você, eu
deveria ter pensado que você pretendia insinuar
algo. Se você o fez, diga-me claramente, e, está
tudo acabado, você não vai me considerar
malicioso, embora eu deva estar enganado, pois
são necessárias explicações carinhosas quando
surgem suspeitas, para a preservação de
amizade, e eu não preciso dizer que eu
mantenho a preservação de sua amizade em
nenhuma pequena conta." “Este relato", diz o
biógrafo," é copiado não somente para expor o
espírito e a conduta de Pearce, em um caso em
que ele se sentiu agravado, mas para mostrar
em quão fácil e amável maneira milhares de
erros poderiam ser corrigidos e diferenças
impedidas por uma explicação franca e
oportuna.
Sim, e isso mostra outra coisa, e isto é, quão fácil
é receber uma falsa impressão, e pensar mal de
outro, onde nenhum mal foi pretendido. Como
muitos, menos abençoados com o amor que
tinha o Sr. Pearce, agiriam? Eles teriam
meditado sobre a suposta ofensa em silêncio,
deixando-a ficar furiosa em suas mentes e
gerando todo tipo de má vontade para com o
autor inocente da ofensa; ou então eles teriam
falado com outras pessoas sobre o caso, sem
123
dizer uma palavra ao próprio indivíduo que fez a
observação. Em vez disso, ele escreveu na
mansidão de sabedoria ao irmão por quem
imaginou ter sido atingido, e recebeu uma
resposta que colocou seu coração em repouso.
Que todos os cristãos busquem graça para
copiar este belo modelo! Que resultado
deleitável; e quão simplesmente ainda tão
impressionantemente declarado por nosso
Senhor, "Você ganhou seu irmão!" Perder um
irmão é ou deve ser considerado uma grande
perda para nós. Mas mais do que isso está
implícito, pois nosso irmão, se não for
arrebatado para nós, pode ter seu coração
endurecido em relação a Deus e incorrer na
terrível catástrofe descrita por Nosso Senhor,
onde ele diz: "O que um homem lucraria se
ganhasse o mundo inteiro e perdesse sua
própria alma." Pois aquele pecado não
arrependido, pode ser o início de seu caminho
descendente para a perdição. Por outro lado, se
o levarmos ao arrependimento, poderemos
conquistá-lo não somente para nós mesmos,
mas para Cristo, para a igreja e para o céu.
As transgressões contra o homem são ofensas
contra Deus, e o dano causado por elas é, em
muitos casos, muito maior para aqueles que as
cometem do que para aqueles contra quem são
124
cometidas. Portanto, quanto ao bem-estar de
um irmão, que deve sempre estar em nossos
corações nestes assuntos, assim como em nossa
própria paz, requer que lhe digamos a ofensa e
que a digamos da maneira mais sábia e amável.
Em muitos, talvez eu possa dizer, na maioria dos
casos, que essa conduta atingiria seu fim, o
agressor seria vencido. Por mais ruim que seja a
natureza humana, e imperfeita como é a própria
natureza humana renovada, poucos são os que
poderiam se destacar contra este cerco de amor.
Que os homens sejam tratados de uma forma de
amor, e em geral se falando, eles seriam ouvidos
para dizer: "Conquistai, ó amor!" "As cordas do
amor são os laços de um homem." No caso dos
cristãos, eles certamente não devem considerar
o assunto bem estabelecido a menos que haja
uma restauração do amor e uma renovação da
comunhão. Nosso objetivo em ir a um irmão
ofensor não deve ser apenas para obter uma
concessão, e terminar a nossa irmandade, mas
para restaurar a amizade quebrada das partes.
Não é preciso dizer: "Bem, eu tenho a sua
confissão, é tudo que me importa, e agora não
desejo nem tenho a intenção de ter mais
companheirismo com você." Isso é tudo menos
cumprir a lei de Cristo. Nosso objetivo não deve
ser apenas conquistar nossos direitos, mas
ganhar nosso irmão.
125
Deve-se também lembrar que se uma concessão
for feita pelo ofensor, todo o assunto é, a partir
desse momento, para ser enterrado no
esquecimento. Como ninguém foi informado do
assunto antes da entrevista privada, então
ninguém deve ouvi-la depois. Mencionar uma
falha que a penitência confessou e a
misericórdia perdoou é uma ofensa básica
contra a lei do amor, e igualmente contra o
ofensor perdoado.
Passo agora a observar que, afinal, há mentes
tão pouco sensíveis aos apelos da razão e da
religião, porque possuindo tão pouco em si
mesmo, que as tentativas mais judiciosas e
afetuosas de resolver uma disputa particular de
maneira privada falhou. Há professantes de
religião tão orgulhosos, tão obstinados, tão
inflexíveis, que nenhuma exposição os induzirá
a dizer que fizeram algo errado. Quando este for
o caso, a parte lesada deve passar para a segunda
etapa,
2. "Mas se não te ouvir, leva ainda contigo um ou
dois, para que pela boca de duas ou três
testemunhas toda palavra seja confirmada."
Devo observar que isso também é imperativo.
Nós não estamos em casos de natureza agravada
para deixar o assunto descansar, mas devemos
esforçar-nos por novas medidas para levar o
126
nosso irmão transgressor ao arrependimento.
Ainda assim, podemos supor que, em muitos
casos, resta à parte prejudicada um poder
discricionário para deixar a questão cair,
mesmo que ele não tenha sucesso na entrevista
privada. Ele pode ter adquirido mais luz e pode
ser levado a ter uma visão mais mitigada da
transgressão; ou ele pode ver razões para
acreditar que o tempo seria susceptível de
suavizar a mente do ofensor; ou que resultaria
de um maior prejuízo ao persegui-lo do que
deixá-lo de lado, e pode portanto sabiamente e
religiosamente optar por não prosseguir mais.
Se este for o caminho adotado, não devemos
deixar que um espírito de maldade seja
acarinhado em nosso coração para com o
ofensor, ou qualquer manifestação exterior de
ressentimento seja manifestada em nossa
conduta; muito menos devemos dizer a
qualquer outro. Se, no entanto, o caso for tal que
rompe a comunhão e evita o amor, é melhor
irmos para o segundo passo e levar conosco uma
ou duas pessoas mais. É de notar que não
devemos enviar essas testemunhas, mas
devemos levá-las conosco, pelo menos na
maioria dos casos.
As razões do segundo passo são
suficientemente óbvias. Destina-se a nos ajudar.
Talvez tenhamos formado uma opinião errada
127
ou exagerada sobre o assunto, e precisamos, em
alguns detalhes, ser ajustados a nós mesmos.
Ou, se tivermos razão, esses dois ou três irmãos
podem dizer alguma coisa ao ofensor que dará
peso aos nossos apelos. Suas representações
podem ser mais convincentes e persuasivas do
que as nossas; e assim eles serão mais
propensos a influenciá-lo; eles aumentam o
número que lidam com ele, e eles são, ou
deveriam ser, pessoas imparciais; e, além disso,
estarão preparados para dar testemunho à
igreja, se for necessário levar o assunto a este
último e mais alto tribunal.
Deve ser evidente que muito, muito, depende da
seleção das pessoas para acompanhar o
queixoso. Eles podem tornar as coisas dez vezes
piores, se não forem adequados para o negócio
da reconciliação, ou ir sobre ela de uma maneira
imprópria. Eles devem ser irmãos cristãos, pois
o que nós temos em tais casos "para fazer com
aqueles que são de fora?" Devem ser homens de
longanimidade e mansidão de palavras, não
facilmente ofendidos, e de grande domínio de
temperamento. Eles devem ser homens de peso
e firmes na igreja. Eles devem ser homens
imparciais, não partidários da parte lesada; e a
fim de que seria melhor para eles não ouvir do
assunto até que seja declarado a eles na
presença do ofensor. Seria também muito
128
desejável que fossem pessoas em quem ele tem
confiança, e contra quem seria impossível ele
levantar qualquer objeção.
Como o Senhor mencionou um ou dois, talvez
seja mais seguro tomar o primeiro número e
solicitar a ajuda de algum amigo
eminentemente santo e judicioso para nos
acompanhar. A maioria das pessoas está
disposta a encolher-se de tal trabalho de amor,
pois é um dever delicado e difícil, e exige grande
graça para sua correta e apropriada aplicação, e
aqueles a quem é confiado devem cuidar muito
bem de seus próprios espíritos.
No curso do meu pastorado, resolvi muitas
disputas privadas assim. Um membro veio até
mim para queixar-se dos maus tratos de outro, e
desejou que o seu caso fosse apresentado ao
nosso Comité de Disciplina. Imediatamente o
interrompi, antes mesmo de saber qual era a
queixa, e depois de concluírem que não podiam
resolver a questão entre si, disse a um deles:
"você vai submeter este assunto a algum
homem sábio e bom para julgar entre vocês
dois?" Tendo obtido o seu assentimento, fiz a
mesma proposta ao outro. O árbitro foi
acordado, o assunto foi ouvido, a decisão foi
dada, as concessões foram feitas, as partes
foram reconciliadas, e eu nunca soube qual era
129
o assunto. Apenas um dia antes de eu escrever
essas linhas, recebi um documento, do qual o
seguinte é uma cópia, assinada por duas partes,
a quem eu tinha recomendado este plano, e eu
não sei qual foi a causa da ofensa entre eles.
"O abaixo-assinado, JA e TS, desejando que a
animosidade que há algum tempo existiu entre
eles deve diminuir ao mesmo tempo,
concordam o seguinte. TS verdadeira e
sinceramente reconhece que ele usou
linguagem imprópria para JA e JA, embora
inconsciente de ter provocou intencionalmente
TS, lamenta profundamente que qualquer coisa
que tenha feito ou dito tenha produzido tal
impressão em sua mente, e em sinal de
reconciliação mútua, eles mais cordialmente
oferecem uns aos outros a mão direita da
amizade cristã ". (Assinado)
Se houver poucos que poderiam se destacar
contra a exposição de um homem, ainda há
menos que poderiam resistir às súplicas de dois
ou três; e assim muitos pecadores se
converteriam do erro de seus caminhos.
Contudo, nosso Senhor supõe que há alguns que
são tão cegos por Satanás, e tão endurecidos
pelo engano do pecado, como para resistir até
isso; e agora nada resta senão o último recurso.
130
3. O terceiro passo; "Se ele não os ouvir, diga-o à
igreja", isto é, a congregação dos crentes, as
pessoas associadas para o culto social. A igreja é
assim constituída o apelo final na terra. Isto foi
dito por Cristo enquanto o Judaísmo ainda
estava em vigor. Em um sentido judaico, então,
a igreja deve significar o povo reunido para
adoração na sinagoga; e é bem conhecido por ter
sido o costume dos judeus, assim como o meio
final, para resolver disputas privadas por um
apelo à sinagoga; onde, após uma admoestação
pública sem qualquer resultado benéfico, uma
marca de infâmia foi estabelecida sobre os
infratores. Nosso Senhor, por uma tácita alusão
às práticas conhecidas dos judeus, estabelece
aqui, por meio de antecipação, a lei de Sua
futura igreja.
* Esta injunção não lança alguma luz sobre a
agitada questão da natureza de uma igreja e da
forma e modo de seu governo? É muito explícito
que a ofensa em seu último caso de apelo, deve
ser colocada diante da igreja, então tudo o que a
igreja significa, ele deve ser capaz de ouvi-la, e
deve pronunciar a sentença final. Agora não se
entenda por igreja o clero. O clero não é a igreja,
e não é onde se chama assim no Novo
Testamento. A igreja às vezes se distingue dos
seus ministros, mas eles nunca são chamados
de igreja. Se, então, a igreja aqui significa uma
131
companhia de cristãos, deve ser uma
companhia que possa ouvir, receber e decidir
sobre o caso, e isso nos leva ao modo
Congregacional de governo da igreja. Os
expositores episcopais ficam perplexos com
essa passagem. O excelente Sr. Scott diz
corretamente: "Diga aos professantes do
evangelho que seria absurdo restringir essas
regras a qualquer forma de governo ou
disciplina da igreja". É verdade, mas essa forma
de governo da igreja pode ser bíblica, para a qual
essas regras não podem ser aplicadas pela
possibilidade? Bloomfield, outro comentarista
episcopal, diz, em seu "Critical Digest", nesta
passagem: "Esta admoestação é local e
temporária, e como não acomodada aos nossos
tempos, não precisa ser observada. Porque esta
admoestação pública pode ter lugar apenas em
um Congregação muito pequena, sem a menor
aparência de autoridade civil, e governando-se
inteiramente pelos princípios de Cristo. Para o
estado atual da igreja esta disciplina cristã é
pouco adaptada". Mas, por que não é tão
adaptado, senão porque a igreja não está
adaptada a ela? Não é uma afirmação perigosa
que os próprios preceitos de Cristo não
precisam ser observados porque não estão
adaptados ao nosso tempo? Que lei de Cristo não
poderia ser eliminada por um método como
este? E que confissão e concessão também, que
132
esta injunção pode ser realizada apenas por
aquelas igrejas onde não há "aparência de
autoridade civil", e que "governam-se
inteiramente pelos princípios de Cristo". Nessas
igrejas não só pode ser realizado, mas é. Não
devem ser verdadeiramente as igrejas de Cristo,
somente aquelas em que as leis de Cristo podem
ser cumpridas?
O assunto tendo, de uma maneira adequada,
sido colocado diante da igreja, certamente deve
sobre a investigação pronunciar sua sentença.
Mas, se for sábio, toda igreja grande designará
um número de seus irmãos para investigar o
assunto, e para fazer seu relatório, e sobre esse
relatório elaborar sua decisão. A essa decisão, o
ofensor deve se curvar. A voz da igreja é a voz de
Deus. Assim diz nosso Senhor no próximo
versículo para aqueles que formam o assunto
deste tratado: "Em verdade vos digo que tudo o
que ligares na terra será ligado no céu". As
mesmas palavras tinham sido dirigidas, em uma
ocasião anterior, a Pedro, Mat. 16:19; e grandes
prerrogativas e poderes, alegou-se, são assim
concedidos a esse apóstolo; mas aqui as mesmas
prerrogativas e poderes são concedidos a cada
igreja, por menor que seja. O significado desta
passagem é que tudo o que for feito
corretamente na disciplina da igreja será
aprovado e confirmado por Deus no céu. No
133
entanto, supõe-se que o Senhor, como dizem as
palavras seguintes, conduza todos os seus atos,
especialmente os de disciplina, com espírito de
oração e de fé em Sua presença. "Outra vez vos
digo que, se dois de vós concordarem sobre a
terra quanto a qualquer coisa que pedirem, isso
será feito por meu Pai que está nos céus, pois
onde dois ou três estão reunidos em meu nome,
ali estou eu no meio deles. "
É evidente de tudo isto quanta importância é
atribuída pelo nosso Senhor à manutenção da
disciplina em Sua igreja, e com que admiração e
solenidade peculiares esses atos de disciplina
devem ser mantidos. O ato de uma comunidade
cristã que investiga o caráter ou a conduta de
qualquer de seus membros em um caso de
alegada delinquência é o procedimento mais
solene sobre a terra, na medida em que está
tentando um acusado por um delito cometido
contra as leis, não meramente de homens, mas
de Deus; e está visitando-o com uma sentença,
se for considerado culpado, que não tem
nenhuma relação com as dores ou penalidades
civis, mas com os julgamentos espirituais. Se
isto é verdade, quão lenta e solenemente a igreja
deve, em todos os casos, tomar esta terrível
espada, que é cortar um ofensor do reino de
Cristo e entregá-lo ao reino de Satanás!
134
No entanto, deve ser feito, se no caso diante de
nós o intruso não vai ouvir a voz da igreja,
chamando-o ao arrependimento. Ele deve então
ser considerado como um pagão e um
publicano; isto é, ele não deve mais ser
reconhecido e tratado como um cristão, mas
como aquele que não tem parte nem sorte na
igreja, ou seus privilégios. "No entanto," diz
Matthew Henry, "ele não diz: seja ele para você
como um demônio ou um maldito espírito,
como aquele cujo caso é desesperado, mas
como um pagão ou um publicano, como alguém
com uma capacidade de ser restaurado e
recebido novamente." "Não o considerem um
inimigo", diz o apóstolo, "mas admoestai-o como
um irmão".
Tal é, portanto, uma explicação da regra
estabelecida por Cristo para o assentamento
dessas numerosas disputas privadas que se
levantam mesmo entre os membros da família
redimida.
Gostaria aqui de enfaticamente, bem como
explicitamente observar, que esta lei de Cristo
deve necessariamente ser tomada com algumas
limitações, e algo sem dúvida deve ser deixado à
discrição da parte lesada, até onde seguir para
exigir satisfação e quando seria prudente parar
ou ir adiante em dar-lhe publicidade. Todos os
135
assuntos deste tipo são dirigidos não só à nossa
consciência, mas ao nosso bom senso. As
ofensas podem ser cometidas, e os erros podem
ser infligidos, de uma natureza tão
peculiarmente difícil e delicada, que se não
puderem ser ajustados entre os próprios
litigantes, é melhor que o assunto seja
enterrado em silêncio e a parte ofendida deve se
contentar com em expelir do seu coração toda a
malícia e vingança, e ainda estar pronto para
retornar do mal para o bem, embora ele possa
entender que não seja adequado receber o
ofensor de volta a seu favor.
As mesmas observações podem ser feitas em
referência a outros assuntos que, (como sempre
apropriado pode ser para levá-los para o
segundo passo), seria imprudente para avançar
para o terceiro. O caso pode ser tão complicado
com dúvidas e dificuldades, que nada menos
que a severa peneiração de um tribunal de
justiça pode chegar a todos os fatos ou pontos
minuciosos que podem decidir o assunto e
mostrar onde a culpa reside, e que
circunstâncias atenuantes devem ser
consideradas. Ou o caso pode ser de uma
natureza tão peculiarmente delicada,
envolvendo tantos partes, e tal exposição de
segredos não desejáveis de serem conhecidos, e
arriscando até certo ponto a paz de toda uma
136
igreja, que a parte lesada, onde o assunto não
equivale a imoralidade e não compromete nem
o crédito da religião nem a pureza da igreja, deve
se contentar com a opinião expressa das
testemunhas que ele considerou necessário se
associarem a ele no apelo ao ofensor. Uma igreja
não deve ser transformada em um Tribunal de
Civil de Julgamento. Nunca estaria em paz se o
fosse. A ânsia de arrastar cada pequena matéria
em publicidade, é uma disposição contrária à lei
de Cristo tanto quanto um descuido em infligir
uma ofensa. Uma gradação de sabedoria e
prudência deve ser estabelecida e mantida
através de cada caso; devemos ser muito
longânimos para receber ofensa em pequenas
questões, ou mesmo para notá-las; igualmente
cautelosos de pensar sobre o próximo passo
necessário, e ainda mais de levá-lo para o
terceiro. A misericórdia voa em asas ansiosas
para executar seus ofícios, mas a justiça
caminha com passo lento e comedido.
Se a pergunta aqui for feita, como é provável que
seja, se, caso todos os outros meios não
obtiverem reparação de quem nos ofendeu, é
lícito ao cristão recorrer ao tribunal da justiça
nacional e convidar o auxílio da lei; eu respondo
por uma referência ao Novo Testamento. O
apóstolo respondeu a esta pergunta em sua
primeira epístola à igreja de Corinto, sexto
137
capítulo. Nesse capítulo ele proíbe clara e
positivamente que o irmão vá para a lei com o
irmão, e ordena a solução das diferenças pela
arbitragem dos irmãos, que está praticamente
cumprindo a lei de Cristo. A uma ou duas
testemunhas de quem nosso Senhor fala,
constituem este tribunal; de modo que, até que
este seja julgado, é manifestamente ilegal; e
quando até mesmo isso é ineficaz, todo o apelo à
lei deve ser suspenso até que a igreja tenha dado
sua decisão sobre a conduta do ofensor, se,
então, ele não pode ser levado à razão, e deve
como resultado de sua contumácia ser expulso,
nada mais é deixado para a parte lesada, senão
trazer o intruso diante de um tribunal que ele
deve obedecer. Neste caso, ele não é mais um
irmão, mas é condenado a ser tratado como um
pagão e um publicano. Há homens tão
injuriosos e tão obstinados que nada além do
braço da lei é forte o suficiente para alcançá-los
ou restringi-los, e é bom para a sociedade que
haja algo para tais caracteres mais forte do que
o poder moral.
Ainda assim, é evidente pelas palavras de nosso
Senhor que um cristão deve ser muito tardio
para recorrer a tais meios, mesmo em
referência a alguém que não é um irmão. "Se o
teu inimigo tomar o teu casaco, dá-lhe também
o teu manto, e se ele te ferir na face direita,
138
volta-lhe também a tua esquerda". Essas
palavras não devem, naturalmente, ser
entendidas literalmente, de modo a proibir
todas as formas de precaução quanto aos males
futuros; porque Cristo não agiu assim quando
um servo mau o feriu; nem Paulo, quando o
Sumo Sacerdote ordenou-lhe que fosse ferido
na face, nenhum deles o recebeu em silêncio,
nem virou a outra face. É claro, portanto, que
estas palavras são apenas uma forma
impressionante de proibir-nos de devolver a
violência com violência; e igualmente de proibir
uma precipitação de ir à lei para reparar nossos
erros e obter nossos direitos. Podemos
facilmente ver de tudo isso nosso dever. Um
homem sábio não vai para a lei sobre pequenas
coisas, e um homem de Deus não vai sobre os
grandes, até que todos os outros métodos de
resolver a diferença tenham fracassado. Dois
membros da mesma igreja, embora ainda em
comunhão, envolvidos em um processo hostil
em um tribunal de justiça, é um espetáculo que
raramente ocorre, e que nunca deveria ocorrer,
e nunca faria se a igreja cumprisse seu dever, e
onde eles são membros de duas igrejas
diferentes, ambas as comunidades devem
interferir com o exercício da disciplina
adequada para impedi-lo. Não se opõe a tudo isto
dizer que o argumento do apóstolo não se aplica
a esta era e país, uma vez que os magistrados em
139
seu tempo eram pagãos, enquanto que eles são
agora, pelo menos nominalmente, cristãos,
porque o fundamento do argumento se aplica
claramente agora como fez então, que é o
crédito da religião.
Passo agora a fazer algumas observações sobre
esta regra abençoada de Cristo.
I. Isto é lei, não mero conselho; e é obrigatório
como tal sobre a nossa consciência, e não
meramente sugerido para a nossa opção. É a
linguagem do Senhor. "O Mestre diz", e ele
pretendia que fosse obedecido. Nós não temos
mais direito, e não devemos ter mais inclinação
a deixar de lado este preceito, do que qualquer
outro que ele dá por sua autoridade. É
verdadeiramente nosso dever fazer isto, como é
orar, ler as escrituras, ou abster-se de quebrar o
domingo. Não importa quão difícil ou
desagradável possa ser, deve ser feito. Muitas
outras coisas são difíceis e desagradáveis, mas
isso não é desculpa para a sua negligência.
Não é só uma lei, pois está muito explícito, não
há ambiguidade de linguagem, nem mistério ou
profundidade de pensamento, portanto,
nenhuma possibilidade de erro. É de nível para
a compreensão mais simples. Nenhum homem
pode alegar ignorância de seu significado como
140
uma desculpa para desviar sua obrigação. É uma
lei muito racional. Está cheia de sabedoria. O
entendimento de ninguém se revolta contra
isso, mas o bom senso de cada homem deve
aprová-lo. É uma lei que cumpre muitas outras,
e a obediência que é essencial para a obediência
a elas. Não podemos cumprir a lei do amor se a
negligenciarmos; não podemos promover o
bem-estar da igreja sem ela; não podemos
mortificar nossos membros que estão sobre a
terra sem ela. É uma lei que como as outros
implica muito mais infelicidade na violação do
que na observância. Seja como for, que custa
algum desconforto pessoal para se submeter a
ela, quanto mais resultará de um modo
diferente de tratar ofensas!
Quanto embarcarem em um mar tempestuoso
por seguirem seu próprio modo de tratar
ofensas, em vez de Cristo! É uma lei que seria
considerada eficiente na maioria dos casos para
a realização de seu propósito. Todas as leis de
Cristo são sábias e boas, e são adaptadas para
realizar seus próprios fins. Esta regra, embora
realizada em toda a mansidão da sabedoria, e
todo o fervor e humildade da verdadeira
caridade, não impedirá, naturalmente, as
discussões privadas, mas resolverá
amigavelmente a maior parte que ocorrer sem
trazê-las à igreja .
141
Consequentemente, é necessário evitar este
último recurso. Privilégios privados são mais
perigosos, em alguns casos, para a tranquilidade
de uma congregação do que assuntos de
escândalo público. O vício não tem partido e o
homem que não o cometeu nenhum patrono,
mas o ofensor em uma discussão particular
pode ter ou fazer tanto um patrono como um
partido na igreja. Ao puxar tal joio, o que, é claro,
deve ser feito, algum trigo pode ser arrastado
para cima com ele, ou para mudar a alusão,
como o espírito maligno está sendo expulso, ele
pode em sua luta convulsionar e rasgar o corpo.
O homem cujo orgulho, paixão e obstinação
resiste a este último apelo; que tem tão pouco
respeito à paz não só do irmão que feriu, mas da
igreja, produz uma forte evidência presuntiva,
não somente de sua culpa na única transgressão
em questão, mas de seu mau humor geral, de
seu comportamento não cristão, e de sua
inaptidão para a comunhão.
II. Esta lei de Cristo requer, sem dúvida, e supõe
para o seu cumprimento um elevado estado de
religião pessoal. Todas as leis da igreja cristã
fazem isso, mais ou menos. A comunhão dos
crentes, e todo o intercâmbio de bondade e
caridade fraternal fazem isso. Em suma, toda a
vida divina em todos os seus exercícios é uma
realização muito elevada. A igreja de Cristo
142
pretende ser um oásis num mundo desértico,
uma terra de Gósen no meio da escuridão
egípcia, uma testemunha de seu Divino Senhor
testificando por ele como o Redentor de um
povo eleito. E como isso pode ser realizado,
senão por um espírito e temperamento, não só
diverso do mundo, mas oposto ao mundo? Os
membros da igreja não entendem, ou esquecem
estranhamente sua vocação. Eles não
consideram que seu chamado é mostrar ao
mundo o que os cristãos são diferentes para
eles; o que uma graça de transformação efetuou
quando ela os converteu e santificou.
Especialmente eles são chamados a exibir o
poder, a beleza e a operação do amor. "Vós sois
chamados", diz o apóstolo, "à santidade", mas a
santidade é amor.
Disto o mundo não sabe nada, "odioso, e odiando
um ao outro", é a sua descrição. A igreja deve ser
totalmente oposta a isso, como sendo amável e
amar uns aos outros. O espírito do mundo é
vingança, satisfação, ajuste legal; em suma, o
pleno jogo das paixões vingativas. Mas a dos
súditos de Cristo, quando na verdade são
realmente e plenamente tais, é tolerância,
perdão, concessão recíproca, reconciliação, paz.
A menos que seja esse o caso, o que mais
gostamos que outros? Onde está a diferença
entre nós e eles? Nossa profissão cristã envolve
143
muito mais do que um credo ortodoxo, uma
frequência regular às ordenanças religiosas e
uma abstinência da grossa imoralidade. Envolve
a imagem de Jesus, sim a sua própria mente e
espírito. A mansidão e a mansidão de Cristo
devem ser nosso emblema de distinção, o sinal
de nossa submissão à sua autoridade e a
evidência de nossa sinceridade. Se não
obedecermos, e sentirmos que não podemos
cumprir com suas leis, e isto entre os demais, o
que fazemos em seu reino?
Seja assim, então, que esta lei exige um elevado
estado de religião; que é de sujeição à
autoridade de Cristo; isso não é desculpa para a
negligência dela, pois se fosse, a desobediência
a qualquer lei poderia ser desculpada. Não há
nada exigido de nós neste assunto que ele não
nos dará mais graciosamente ajuda para realizar
se estivermos dispostos a recebê-lo, e orar por
isso na fé. Difícil é, mas pode ser feito; e em vez
de deixá-lo desfeito por causa de sua
dificuldade, devemos exercitar-nos nisso.
Devemos mortificar nosso orgulho, conter
nossa impetuosidade, acalmar o calor da paixão,
extinguir o ressentimento. Talvez esta casta não
saia, senão pelo jejum e pela oração. Então deve
haver jejum e oração. O fato é que queremos ser
cristãos em termos muito fáceis e possuir uma
religião que é toda mera excitação prazerosa.
144
Nós evitamos a cruz, e nos desculpamos do
processo de mortificação.
III. No entanto, é uma lei que, lamento dizer, é
quase universalmente negligenciada. Este é um
fato melancólico, uma regra reconhecida de
Cristo, abandonada por um consentimento
quase geral da prática de sua igreja. Uma lei
sábia, boa e pacífica, virtualmente expurgada
por seus súditos de seu livro de estatutos! Isso é
duvidado? Eu desafio o testemunho de todos,
especialmente o dos ministros de religião de
todas as denominações, para este fato. Será que
eles não sabem a sua tristeza e vergonha de quão
aptos seus membros estão para entrarem em
desacordo, e como é difícil reconciliá-los? Não
vemos continuamente a verdade das palavras de
Salomão: "Um irmão [não um inimigo] ofendido
é mais difícil de ser conquistado do que uma
cidade forte, e suas contendas são como as
barras de um castelo". Que comentário sobre a
depravação humana! Como se quanto mais
próxima a relação, mais ampla a brecha. Quem
pensa em adotar isso como regra de sua
conduta? Quem tenta assim parar uma
discussão, e esmagar uma serpente no ovo? Os
homens quase sorriem de nossa simplicidade ao
propor isso, e consideram-no uma lei
apropriada apenas para os habitantes de alguma
utopia espiritual. Ai, infelizmente, é então que
145
os cristãos, homens verdadeiramente
renovados, homens perdoados por Deus das
suas dez mil transgressões contra ele, alegando
ser a descendência espiritual daquele de quem
se diz: "Deus é amor", "O Deus da paz", diz-nos
gravemente que esta lei de Cristo é muito
refinada, e requer muita mansidão e paciência,
para que se submetam? O que! Deus, o Deus
infinito, ofendido pela transgressão do homem,
e com um poder ilimitado de retribuição no
mandamento, descer e bater à porta do pecador,
e "implorar-lhe para ser reconciliado", e
oferecer-lhe o perdão! E, no entanto, um
homem, um cristão, achar que é muito para ele
ir para seu próprio irmão, e pedir uma
explicação, e dizer-nos que é muito para ser
esperado dele? A religião é então uma realidade,
ou algo mais do que uma profissão?
Mas por que é esta lei tão geralmente
negligenciada?
1. Pode-se supor que sua obrigação é por alguns
mal admitida; eles podem se livrar dela, ou
tentar fazê-lo, sob a ideia de que era uma
promulgação local e temporária, que não tinha
a intenção de ser de obrigação universal e
permanente. Mas, isso não lhes servirá; pois não
há absolutamente nada na natureza do preceito,
ou nas circunstâncias de sua entrega, que
146
carimba qualquer caráter restritivo sobre ele. O
homem que desta forma pode se livrar desta lei,
pode se livrar de qualquer uma. É lei, lei para
nós; e não há evasão, mas por resistir à
autoridade que decretou. Que eles tentem como
quiserem, os objetores não podem satisfazer os
outros; não, nem se satisfazem, que esta era
uma regra para a sinagoga judaica, mas não para
a igreja cristã.
2. O desuso geral em que a lei caiu é para cada
indivíduo uma razão e uma desculpa para a sua
negligência. Assim, a negligência geral é a causa
da desobediência individual, e a desobediência
individual perpetua a negligência geral. Há uma
triste propensão em nós a seguir a multidão
para fazer o mal, e na ideia de que estamos
seguindo uma multidão para encontrar uma
desculpa para segui-los. Requer a pressão de um
sentido de obrigação subjugador, e algum grau
de coragem moral para ser singular no
desempenho do dever. Infelizmente, a condição
espiritual da igreja em geral, é tal que seus
membros individuais devem se contentar em
possuir um baixo grau de piedade pessoal.
Grande mal é infligido por nós em nossas
próprias almas, se em vez de compararmos a
nós mesmos com a palavra de Deus,
comparamo-nos uns com os outros. Não é
defesa, nem desculpa, nem mesmo paliação por
147
uma falha, dizer: "Meus irmãos cristãos fazem
isso, e por que não posso?" Se o raciocínio é
válido em um caso, é em outro; e se quanto a um
pequeno pecado, como a um grande. A igreja
nunca poderá ser melhorada, se suas
imperfeições gerais forem assim permitidas
pela sua prevalência, para se perpetuarem. Que
todo homem, então, cujo olho percorra essas
páginas, diga: "Começarei a agir segundo esta
regra." Na próxima vez que me ofender, irei
sozinho ao meu irmão e, com a mansidão da
sabedoria, digo-lhe a culpa dele. É hora de
alguém começar, e quem quer que possa ou não
seguir, desejo me dirigir. Que todo aquele que
tenha sido ofendido e que, em súbito ou em
sentimento ferido, esteja agora meditando em
silêncio sobre qualquer ferimento, resolva
imediatamente desprezar essa conformidade
com o costume geral e ir até o ofensor. Alguns
exemplos reviverão em breve esta lei e dar-lhe-
ão força.
3. A força dos sentimentos ressentidos, ou pode
ser apenas o profundo sentimento de lesão
recebida, impede que muitos homens cumpram
esta lei. Sua mente está irritada, e suas
perturbações são tão violentas que não
permitem o exercício frio da razão e a influência
do princípio religioso. Surpresa, raiva,
ressentimento, têm posse de sua alma, e
148
afastam o exercício da reflexão e do cultivo da
mansidão. Talvez haja alguns agravamentos
peculiares na ofensa; pode conter uma exibição
de ingratidão, e um insulto intencional, assim
como injustiça e erro real. A parte ofendida diz
com Jonas: "Faço bem em ficar com raiva", por
isso ele está muito ocupado com seu próprio
senso do mal feito, para pensar em ter alguma
comunhão com o malfeitor. A própria ideia de
vê-lo, encontrá-lo, conversar com ele, é
revoltante., Encontre-o, grita a mente
indignada, eu preferiria ir cem milhas de outra
maneira... Encontre-o! Vá até ele! Eu não me
atrevo a confiar em mim, na presença dele;
porque eu mal poderia manter minhas mãos
afastadas dele, muito menos minha língua. Não,
se eu me encontrar com ele, será diante da
igreja, ou em um tribunal de justiça."
Fique calmo, homem, fique calmo! Que a voz
daquele que no lago de Genesaré disse aos
ventos tempestuosos: "Paz, aquietai-vos", seja
ouvida por você. Nesse estado de espírito é
melhor você não ir. Você está em chamas, e
também o incendiará. Mas esfrie a temperatura
de sua alma. Você foi ferido; gravemente ferido;
que isto é concedido a você, pois se você não
tivesse sido, não haveria necessidade do
exercício da paciência e do perdão cristãos.
149
Mas, isso não desculpa a indulgência com tais
paixões tempestuosas. Você não fez algo pior,
não de fato para o homem, mas para Deus? É
para você aproveitar toda essa paixão e
ressentimento? Siga-me até o Calvário. Olhe
para aquela cruz. Considere quem está
sangrando lá, e para quem. Pode você, com esse
objeto diante de você, recusar acalmar suas
paixões, e ir a seu irmão ofensor?
4. O orgulho é outra causa da negligência desta
lei. Nós temos tudo mais dessa disposição odiosa
do que nós ou sabemos ou suspeitamos. O
orgulho é o pecado dos pais; o pecado original,
tanto no céu como na terra; o pecado do diabo e
aquele pelo qual nossos primeiros pais caíram.
O orgulho é, em muitos casos, a causa principal
de nossa sensibilidade exata ao mal feito, o
homem facilmente ofendido deve ser um
homem orgulhoso, e é o orgulho que fez de seu
coração uma caixa muito leve, na qual a menor
centelha de ofensa encontra os meios de
combustão. Esta mesma disposição impede que
ele deseje a reconciliação, ou tomar quaisquer
medidas para realizá-la. "Eu não vou ao meu
irmão, porque é dever dele vir a mim, ele me
insultou, me feriu, e seria degradante ir a ele,
como se eu tivesse necessidade de pedir o seu
perdão, em vez dele pedir o meu. " Pare, você é
cristão? Você professa ter recebido o perdão de
150
Deus? Você deve e possui lealdade a Cristo? E
falar desta maneira! Degradar-se! Não, você se
exalta. Você se torna por esta conduta o imitador
de Deus. Você se eleva em dignidade moral
incomensuravelmente acima do ofensor. O que
diz Salomão? "Aquele que é tardio para a ira é
melhor do que o poderoso, e aquele que governa
o seu espírito do que aquele que toma uma
cidade." "Entre todas as minhas conquistas",
disse o moribundo imperador Valentiniano, "há
apenas uma que me conforta agora, eu já vi meu
pior inimigo, meu próprio coração mau". E Cato,
um pagão, poderia dizer: "O melhor e mais
louvável general é aquele que governou sobre
suas próprias paixões". No entanto, este controle
de nossas paixões, de modo a ir para o nosso
irmão ofensor e pedir explicação de uma ofensa
é degradação? Os pagãos, como vimos, podem
ensinar a tais cristãos inconsistentes melhores
princípios.
5. "Não servirá de nada ir a ele, eu o conheço, e
isso só o exasperará e piorará as coisas", é uma
desculpa frequentemente alegada pela
negligência deste dever. Como somente
conhecerá isto quanto tiver tentado fazê-lo. Será
inútil, se for feito de maneira imprópria, fará
mal. O ofensor será exasperado em troca, se
você ir para ele em exasperação. As paixões são
contagiosas, as más são fortemente. Tem sido
151
usual em muitos casos, e pode ser no seu. Não
adianta! Mas, se não for útil para o ofensor, pode
ser útil para você. Se ele não for melhorado com
isso, você será. Se você não pode convencê-lo,
você honrará a Cristo. Se você não for bem
sucedido, você irá definir um exemplo que pode
ser mais bem sucedido no caso de outros, que
serão incentivados por você.
6. "É problemático, e por que devemos nos
sobrecarregar com tal questão!" Sim, é preciso
um pouco de sacrifício de tempo e de
sentimento, isso exigirá muito cuidado, para
não agravarmos o mal, e digo novamente, a
menos que tenhamos cuidado de não acender
carvões e ventilar a chama da discórdia, é
melhor não tocar no assunto. Mas, não são
muitos outros deveres da religião incômodos?
Podemos viver como cristãos sem problemas?
Podemos chegar ao céu sem problemas? E não
vale a pena tentarmos resolver todos os
problemas que somos obrigados a enfrentar?
Não é uma coisa boa trazer o nosso irmão errado
para uma mente correta? Não é uma coisa boa
manter nossa própria mente em paz?
7. É frequentemente apresentada como
desculpa para o não cumprimento desta regra,
que é dever do ofensor fazer o primeiro
movimento para a reconciliação, e em vez de
152
irmos a ele, ele deve vir até nós; porque nosso
Senhor diz: "Se trouxeres a tua oferta ao altar, e
ali te lembrares de que o teu irmão tem alguma
coisa contra ti, deixa lá a tua oferta diante do
altar, e segue o teu caminho, reconcilia-te
primeiro com o teu irmão, e depois apresenta a
tua oferta." É muito claro, por estas palavras,
bem como pela natureza das coisas, que aquele
que comete a transgressão deve, pela confissão,
antecipar a expiação contra quem é cometida.
Mas, suponha que ele não o faça, então passa a
ser o nosso dever ser o primeiro a se mover.
Se os outros começam a discutir, você começa a
paz, disse Sêneca. Por vezes, o ofensor merece
perdão, mas não ousa perguntar; ele implora
por interpretação e desejo tácito; consulte,
portanto, com sua modéstia, sua fraqueza e com
sua vergonha. Ele é mais obrigado a fazê-lo do
que você; mas você pode fazer melhor do que ele
pode. Nem sempre é seguro para ele; nunca é
inseguro para você. Pode ser uma vergonha
extrema para ele; é sempre honrado para você.
Pode ser às vezes a sua perda; é sempre para o
seu ganho. Fazendo isso, imitamos a Deus, que,
embora tenhamos tantas vezes, tão
infinitamente ofendido, pensou em paz e nos
enviou embaixadores da paz e ministros da
reconciliação. Nós não podemos querer
melhores argumentos de paz, não é vergonha
153
para você oferecer paz ao seu irmão ofensor,
quando o seu Deus o fez, que foi tão provocado
por você, e poderia muito bem ter sido vingador,
e não é um menosprezo que você deva desejar a
reconciliação daquele para quem Cristo se
tornou um sacrifício. Você está ligado, digo eu,
em amor à alma de seu irmão, cujo
arrependimento você pode facilmente convidar
por sua oferta bondosa; e você faz o seu retorno
fácil; você tira sua objeção e tentação; você
mantém melhor o seu próprio direito, e está
investido na maior glória da humanidade; você
faz o trabalho de Deus, e de sua própria alma;
você leva perdão, e facilidade, e misericórdia
com você; e quem não iria correr e se esforçar
para ser o primeiro em levar um perdão, e trazer
mensagens de paz e alegria.
"Considere, portanto, que a morte divide com
você a cada momento que você briga pela
manhã, e pode ser que você morrerá antes da
noite vir – corra então rapidamente e reconcilie-
se, pelo temor de sua raiva durar mais tempo do
que sua vida Foi uma vitória que Euclides teve
sobre seu irmão enfurecido, que estava muito
desgostoso, gritando: "Permitam-me perecer se
não me vingar", mas ele respondeu: "E deixe-me
perecer se eu não fizer você amável e
rapidamente esquecer sua raiva". Essa resposta
gentil o fez, e eles foram amigos presentemente
154
e para sempre. É uma vergonha se nós somos
superados por pagãos, e especialmente naquela
graça que é o ornamento e joia da nossa religião,
que é perdoar nossos inimigos, em apaziguar
iras, em fazer o bem pelo mal, em fazer orações
por maldições, e usos gentis para o tratamento
bruto. Esta é a glória do cristianismo, como o
cristianismo é a glória do mundo.
Em todas estas maneiras podemos explicar a
negligência demasiado geral desta admirável
provisão para a paz de Sião; à qual deve ser dada
especial atenção por todos os que a amam, e
oram pela sua prosperidade, e que, na verdade,
desejam a sua própria tranquilidade, santidade
e segurança.
Mas, como a prevenção não é apenas melhor,
mas mais fácil, do que remediar, pode ser bom
apontar uma ou duas coisas que poderiam
tornar tal interferência, tal como ela é aqui
chamada, senão raramente necessária.
Que todos os cristãos professos sejam
cautelosos para não ofender. Aquele que entra
na sociedade, seja civil ou sagrada, deve
lembrar-se de que tem deveres a cumprir com
aqueles com quem ele se associa, e que é
obrigado a respeitar e consultar sua paz, bem
como a sua própria. O homem que está andando
155
na multidão deve ser mais circunspecto, mais
cauteloso, e mais temeroso de causar
aborrecimento do que aquele que tem a estrada
ou o campo para si mesmo. Ele deve ter cuidado
para não pisotear os dedos dos outros, ou
acotovelar seus lados. Ele deve considerar e
consultar o conforto daqueles que o rodeiam.
Mas, infelizmente, isso é esquecido por muitos,
eles são grosseiros, dogmáticos, indiscretos,
precipitados, exagerados e tirânicos; nunca
consultando os sentimentos dos outros ao seu
redor, e igualmente descuidados quanto a
quando eles dão prazer, ou quando infligem dor.
São como um indivíduo que dificilmente tem
escrúpulo, que se agrada em disparar um
mosquete carregado com bala em uma rua. Esse
não é o "amor que é bondoso".
Um cristão deve estar mais ansioso para evitar
tudo o que daria dor mesmo a um inseto
esmagando uma de suas pernas; especialmente
a de um irmão em Cristo ferindo seus
sentimentos. A paz de seus irmãos jamais lhe
seria mais sagrada que a sua. Ele deve ser
discreto, gentil e cortês, em toda sua linguagem
e sua conduta, pesando a importância das
palavras antes de pronunciá-las e calculando as
consequências das ações antes de executá-las.
156
Conectado a isso, como um adjunto necessário,
é uma disposição, sim uma prontidão, para
reconhecer um erro, quando por acidente ou
intenção ele infligiu um. Mas, um dos deveres
mais difíceis que os nossos corações orgulhosos
têm de realizar em todo o curso de sua provação
moral é dizer: "Eu agi errado, me perdoe".
Mesmo dizer isso a Deus foi encontrado, em
alguns casos, não sendo fácil; e o pobre pecador,
no próprio tribunal da Onisciência, em vez de
confessar ingenuamente suas transgressões,
procurou por todos os tipos de desculpas e
justificativas de defesa. Quanto mais pode ser
esperado que isso aconteça quando ele é
conduzido apenas perante o tribunal de um
irmão. Quantas vezes temos ouvido a
observação feita de algum indivíduo perverso e
obstinado, "esse homem, por mais claramente
que ele seja condenado por uma falta, nunca
pode ser levado a dizer que ele tem agido
errado." Muitos são tão cegos pelo engano do
pecado, que eles não verão a sua ofensa, por
mais claramente que possa ser colocada diante
deles, e outros, mesmo que eles vejam, não
confessarão. O orgulho e a obstinação selam
seus lábios em silêncio, e impedem que eles
digam: "Eu pequei".
Vamos todos ter cuidado com isso. Sejamos
abertos à convicção; e quando convencidos,
157
vamos confessar. Há algo nobre e digno em um
homem ingenuamente reconhecendo-se ser
culpado. É uma visão desprezível, e nunca deve
ser exibida por um cristão, ver um homem
apanhar cada fragmento de verdade ou
falsidade, para construir uma cobertura e uma
defesa; lutando com cada pedaço de míssil que
ele possa colocar a mão sobre, e correndo para a
proteção em cada buraco e canto, em vez de se
render ao mesmo tempo, e lançando-se sobre a
misericórdia de um adversário generoso e
indulgente. Não sei o que tem mais direito à
admiração, o homem que franca e
ingenuamente diz: "Eu agi mal", ou aquele que
prontamente e afetuosamente responde: "Eu
inteiramente perdoo você". Infelizmente essa
excelência deve ser tão raramente
testemunhada, e que parece exigir a perfeita
santidade daquele mundo onde ela nunca será
necessária!
Observou-se em todos os casos de avivamentos
genuínos e poderosos da religião, que uma das
indicações e características de tal estado de
coisas tem sido geralmente um produto
extraordinário e muito abundante nas árvores
da justiça dos "frutos do Espírito, que são amor,
alegria, paz, longanimidade, mansidão,
bondade, fé, mansidão, temperança ". As antigas
disputas foram removidas, os amigos alienados
158
foram reconciliados, as lesões foram perdoadas
e esquecidas; aqueles que viveram a uma
distância um do outro fizeram o avanço, e cada
um, sem esperar o outro, estava ansioso para
fazer o primeiro movimento. Parecia como se a
inimizade não pudesse viver em tal atmosfera
de amor. Já testemunhei algo assim, e conheci
pessoas que disseram: "Não podemos aguentar
mais, estamos quebrantados, devemos ser
amigos". Agora, à proporção em que a igreja
recaiu em um estado morno, e o poder da
piedade afundou-se e enfraqueceu-se, o velho
estado das coisas retornou, e as raízes da
amargura começaram novamente a brotar e a
dar seus frutos nocivos.
Mas, vou supor ainda que é difícil para um
indivíduo que de alguma maneira ofendeu um
irmão, ir a ele e reconhecer a ofensa, e ainda
assim ele não só vai para o mesmo local de culto,
mas para a mesma mesa da santa ceia, então a
tal transgressor abordo agora com as palavras
de Cristo já citadas: "Se trouxeres a tua oferta ao
altar, e ali te lembrares de que o teu irmão tem
alguma coisa contra ti, deixa lá a tua oferta
diante do altar, e segue o teu caminho,
reconcilia-te primeiro com o teu irmão, e então
venha e ofereça a tua oferta." Isto é admitido
referido em primeiro lugar aos sacrifícios
judeus; mas aplica-se não só com igual, senão
159
com maior força à ordenança cristã, pois se um
coração fraternal fosse exigido mesmo de um
judeu para sua vinda ao sacrifício de um novilho
ou cordeiro, o que deveria ser o amor de um
Cristão em vir para comemorar o sacrifício do
Filho de Deus? E isto é confirmado pela
linguagem do apóstolo, onde diz: "Guardemos a
festa não com o fermento velho, nem com o
fermento da malícia e da maldade". Nenhum
homem é bem-vindo à mesa de Cristo que traz
uma alma tão orgulhosa para pedir perdão por
uma injúria que ele infligiu, ou muito
implacável para perdoar uma ofensa que
recebeu. Uma religião cuja principal bênção é o
perdão, e cujo principal dever é o amor, não
pode permitir que, ao pé do seu altar, alguém
que não tome medidas para obter reconciliação
com um irmão alienado. Por que é uma visão
rara e indecente para duas pessoas em uma
discussão comer pão juntos na mesa de um
amigo comum, quanto mais à mesa do Senhor!
E, no entanto, quão comum é este, comer do
mesmo pão, beber do mesmo cálice, em estado
de inimizade! Para levar consigo a ofensa e
apreciá-la mesmo lá! Sim, e para levá-la de volta
também! Para ir ao próximo local e cena para a
própria cruz, e ainda não reconciliado! O que é
isso, senão ser culpado do corpo e do sangue do
Senhor, para comer e beber indignamente, e
para comer e beber juízo para si mesmos!
160
"O que, pois, há que se fazer? Não devo vir à
comunhão?" Não, não nesse estado; porque
Deus não aceitará a tua oferta., Então devo me
afastar? Não; mas vá imediatamente para o seu
irmão e reconheça sua culpa; ou se nenhuma
ofensa foi pretendida, vá explicar-lhe as coisas,
e tendo se reconciliado, então vem oferecer a
tua oferta. Se a porta da casa de Deus fosse
realmente fechada contra todos os que se
recusassem a seguir essa direção, muitos
sentiriam que a porta da misericórdia ou
aceitação divina está fechada, o que é muito
mais importante. Cirilo, um dos primeiros Pais,
nos diz que os antigos cristãos estavam
acostumados, antes da comunhão, a beijar-se
uns aos outros, como símbolo de mentes
reconciliadas e lesões esquecidas, e em
confirmação dessa prática traz o preceito de
nosso Senhor apenas citado. Digo, portanto, a
todos que estão conscientes de que ofenderam
seu irmão e, no entanto, é demasiado orgulhoso
ou demasiado obstinado para dizer: "Agi mal, me
perdoe", da próxima vez que se apresentar na
festa do amor, ouça, em imaginação, a voz de
Jesus falando pelo pão e pelo cálice, falando por
cada migalha de pão e cada gota de vinho, e
dizendo: "Vai, homem orgulhoso, porque veja o
estado de mente em que estás aqui! Vá primeiro
no seu caminho e se reconcilie com seu irmão".
161
Mas, se quisermos ser cautelosos contra
ofensas, deveríamos ser igualmente tardios
para recebê-las. As discussões começam com
frequência por falta da cautela que acabei de
recomendar, e são então continuadas por falta
de lentidão para o que agora estou aplicando.
Entre a pedra que não sente nada, nem o golpe
mais duro; e o olho que sente tudo, mesmo o
mais leve toque da asa de um inseto, há um
meio, e assim há entre o estoicismo maçante de
uma mente totalmente insensível e as
suscetíveis demais de uma sensível. Não há
dúvida de uma grande diferença na constituição
mental, o que torna muito mais difícil para um
homem praticar uma virtude cristã do que outro
homem. Sem dúvida há mais princípio religioso,
mais da graça divina, nas meias-virtudes de um
homem do que no todo do outro, em um caso
toda a aparente excelência é mera organização
física, mera quietude constitucional, que é o
resultado de temperamento, e não de princípio;
enquanto tudo o que é excelente no outro é o
efeito do princípio e da graça. Por isso,
certamente custará a um homem muito mais
trabalho e esforço de santidade, do que para um
outro parecer assim. Admito tudo isso, mas não
admito que a obrigação deste trabalho e esforço
seja superada pela dificuldade.
162
Ora, nada é mais comum do que os cristãos
professos desculparem a irritabilidade e a
susceptibilidade à ofensa, com base na sua
sensibilidade. "Oh", eles dizem, "nossos
sentimentos são tão ternos, nosso sistema
emocional é tão requintadamente e
delicadamente construído, que não devemos
ser julgados por regras comuns, nós, como as
cordas de uma harpa eólica, somos movidos a
suspiros e notas suaves, mesmo com a menor
brisa passando por cima de nós." Além da poesia
da comparação, isso significa, em prosa simples,
que eles são muito rancorosos e facilmente
ofendidos; que não são senão uma planta
sensível à moral, um arbusto pouco sensível,
que não só cai prostrado por um golpe, mas
treme, e encolhe ao toque de um dedo. Vigiemos
contra essa sensibilidade, que se ofende não só
por uma ação, mas por uma palavra; não só por
uma palavra, mas por um tom; não só por um
tom, mas por um olhar.
Há muitos que se sentem ofendidos não só pela
lesão real, mas pela falta do que eles consideram
respeito devido. "Há nessas pessoas, diz o bispo
Jeremy Taylor, que se queixam de cada pequena
ofensa, de um estoque de raiva e irritação, e de
um espírito de fogo dentro de si, que cada
respiração e cada movimento do exterior pode
incendiá-los, e o diabo nunca vai desperdiçar a
163
ocasião em tais materiais preparados." Há casos
tão claros que não se confundem; apenas uma
construção pode ser colocada sobre eles; eles
são destinados a ser, transgressores reais; e
devem ser tratados como tal, pois a condição e o
motivo estão patenteados na ação. Mas, há
muitas outras, que, não obstante as aparências
possam ser contra elas, que não são e nunca
foram destinadas a ser ofensas. Mentes
sensíveis sempre são capazes de se enganar
nesses assuntos; eles estão, por assim dizer,
sempre procurando por delitos, e vigiando
contra os infratores. Eles são como guardas de
caça observando reservas à noite, que estão
prontos a suspeitar que cada homem é um
caçador furtivo, e que, com a arma na mão, estão
sempre prontos para a ação. Um pouco do "amor
que não pensa mal" os levaria a imputar um bom
motivo até que um mau fosse provado. Eles
nunca são ensinados pela experiência, pois
embora em muitos casos tenham descoberto
que haviam julgado injustamente um irmão, e
imputado a ele a intenção de ultrapassar quando
estava mais distante de sua mente, eles ainda
continuam concluindo que todos os homens
estão combinados para lhes fazer dano.
Olhando para as cenas turbulentas que neste
mundo inquieto se apresentam nas nações e nas
igrejas, nas famílias e entre amigos, e
164
observando todas as invejas e ciúmes, as
guerras e os partidos, que baniam a paz da terra,
para a confusão e para toda a obra má, é
doloroso considerar por que um exercício
pequeno e fácil da caridade cristã na maneira da
cautela e da concessão, da tolerância e do
perdão, toda esta maldade e miséria poderiam
ter sido impedidos; e no entanto essa medida de
amor foi negada com ressentimento. E a nossa
surpresa e a nossa tristeza aumentam ao
recordar que, no meio desta cena de paixões
tumultuadas e amargas contenções, está a
Bíblia, a lei e o representante do Deus do amor,
que, como um mensageiro da paz do mundo e do
repouso tranquilo, chegou a reconciliar todos os
partidos alienados uns com os outros, primeiro
reconciliando-os com Deus, e assim
harmonizou todos esses elementos
discordantes; e expulsando-lhes as
propriedades repelentes, para lhes dar a coesão
de uma atração moral que os preparará para se
unirem uns aos outros e para se consolidarem
em torno de um centro comum.
Oh, quão doloroso parece que a Bíblia, por
tantos séculos, tenha estado meditando sobre o
caos moral de nosso mundo, e enviando a sua
voz de paz sobre o tumulto selvagem, e que
ainda os elementos estão em guerra! Mas, nem
isso é tão espantoso nem meio tão afetuoso
165
quanto aquele outro espetáculo, o resultado das
contendas e divisões, as invejas e os ciúmes, a
malícia e os ressentimentos, até mesmo entre
os membros da família redimida, o ministério
da palavra flutuando sobre as igrejas de santos,
o próprio eco da canção do anjo e das próprias
palavras do Salvador: "Paz seja contigo",
enviando continuamente as notas do amor
redentor e fazendo com que as sinfonias
distantes do coro celestial sejam ouvidas; que a
mesa sacramental, com seu arranjo simples e
ainda mais impressionante, esses emblemas do
corpo e sangue do crucificado, aquela festa do
amor; que a comunhão dos santos, fundada
sobre a sétima unidade tão sublimemente
estabelecida pelo apóstolo inspirado; que todas
as sensações sagradas e ternas simpatia da
natureza espiritual comum; que a perspectiva e
a esperança de amizades eternas cimentadas
por um amor divino, e indulgentes ao redor do
trono do Cordeiro, que estes, digo, todos estes,
não deveriam ter mais poder para fazer os
homens que professam acreditar em todos eles,
mansos, gentis e perdoadores, não há mais
poder para prevenir ou curar suas disputas, não
há mais poder para transformá-los todos em
filhos da paz! Oh, meu Deus, quando, com um
espírito atônito e ferido, contemplo esta triste
inconsistência, concede-me, peço-te, por tua
166
graça, que permaneça na minha fé e me salve da
infidelidade!
167
O Trabalho de Todas as Coisas
para o Bem
Título original: The Working of All Things
Together for Good
Por J. C. Philpot (1802-1869)
Traduzido, Adaptado e
Editado por Silvio Dutra
168
“E sabemos que todas as coisas
contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito.” (Romanos 8.28)
O filho de Deus parece-me muitas vezes
assemelhar-se a um viajante errante. Ele deixou sua casa, e está caminhando e lutando em
direção a um determinado destino. Ele está cercado por todos os lados com névoas e trevas;
ainda assim ele se esforça para avançar em sua caminhada. Mas, olhando para o céu, ele vê uma
estrela brilhar através das nuvens – vez por outra uma aparece, e mais outra, até que por fim
toda a neblina se dispersa, e as estrelas brilham em toda a sua beleza e glória. Assim ocorre
frequentemente com o filho de Deus. Ele deixou o mundo; ele está lutando para chegar à sua casa
celestial; mas ele muitas vezes anda nas trevas e não tem luz; apenas névoas se encontram no
caminho que ele está pisando. Neste estado, talvez ele abra a Palavra de Deus; e, como ele
está meditando sobre suas muitas provações, um texto, uma promessa vêm à sua mente, e
mostra-lhe que a névoa e a neblina estão se dissipando; por uma e outra parte da Palavra de
Deus; outra doce promessa chega à sua alma; e isso o encoraja ainda mais, até que a Bíblia
pareça cheia de promessas, brilhando nas
169
páginas do volume sagrado mais gloriosamente do que as estrelas que enchem o céu da meia-
noite.
Entre essas estrelas brilhantes que cintilam nos
céus da Escritura, não há uma mais resplandecente que a do nosso texto. Vamos
percorrer as promessas registradas, e dificilmente podemos achar algo mais doce ou
adequado a um filho de Deus do que isso: "Sabemos que todas as coisas cooperam
juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados de acordo com seu propósito."
Ao olhar para estas palavras, eu, por uma
questão de maior clareza, inverterei um pouco a ordem e mostrarei:
Primeiro, quem são as pessoas a quem pertence a promessa.
Em segundo lugar, a própria promessa.
Em terceiro lugar, o conhecimento da promessa, e sobre o nosso interesse pessoal nela. O Senhor conceda a sua presença; e
permitia-me falar essas coisas de modo que ele abençoe a nossa alma.
I. As pessoas a quem pertence a promessa. Agora é necessário estabelecer um bom
fundamento aqui; pois se errarmos aqui,
170
erraremos por toda parte. Deixe-me ilustrar isso por um ou dois exemplos retirados das coisas da
vida comum. Um homem faz um testamento; quando ele morre, e a sua vontade é aberta e
lida, a primeira coisa a ser resolvida é a pessoa em favor de quem a vontade é feita. Até que isso
seja resolvido, não há como ir um passo adiante.
Ou, há uma sociedade fundada para o alívio de certos pobres. Esta sociedade tem certos
objetivos em vista, certas pessoas às quais ela confere sua liberalidade. Existem limites
prescritos; como idade e grau de pobreza, e se essas qualificações não estão no indivíduo, ele
não pode ser um candidato.
Assim é espiritualmente. A menos que nós
façamos o terreno bom em primeiro lugar, chegando a uma decisão clara de quem são as
pessoas a quem a promessa pertence, ficamos todos em confusão; não fazemos caminhos retos para os nossos pés; nossos olhos não olham para
diante de nós. É absolutamente necessário, portanto, para tornar o terreno bom, esclarecer
quem são as pessoas em favor de quem esta promessa é feita.
Se olharmos para essas pessoas, as acharemos descritas como tendo duas marcas distintas, a
saber, que elas "amam a Deus"; que elas são "os chamados de acordo com o propósito de Deus".
Se um homem, então, não ama a Deus, e não é
171
chamado de acordo com o propósito de Deus, ele não tem interesse manifesto nesta
promessa. E se, por outro lado, ele carrega estas duas marcas, que ele ama a Deus, e que ele é
chamado de acordo com o propósito de Deus, a promessa é para ele, e está pronto para receber
o seu pleno conteúdo em seu coração.
1. Primeiro, então, vamos olhar um pouco mais de perto o caráter apresentado como um
amante de Deus. Estamos muito certos de que isso nunca pode ser verdade para qualquer
homem em estado de natureza, pois "a mente carnal é inimizade contra Deus"; e se assim for,
não pode haver amor a Deus em seu coração. Ele é, portanto, excluído do benefício da promessa;
pois seu nome não está na vontade de Deus.
Mas, a fim de tornar este assunto de peso mais claro e preciso, vamos ver o que as Escrituras dizem de quem ama a Deus. Eu acho que vamos
encontrar na primeira epístola de João três marcas que nos são dadas para aqueles que o
amam; e por estas três marcas podemos provar o nosso estado. Vamos, então, trazer nossos
corações e consciências à prova da palavra infalível de Deus, e ver se podemos encontrar
essas três marcas dos que amam a Deus em nossa alma. Lemos: "Deus é amor, e todo aquele
que ama é nascido de Deus e conhece a Deus" (1 João 4: 7). Aqui estão, pois, duas marcas que o
Espírito Santo deu ao que ama a Deus - que ele
172
nasceu de Deus e que conhece a Deus. E se olharmos um pouco mais abaixo,
encontraremos uma terceira marca, "Este é o amor de Deus que guardemos os seus
mandamentos" (1 João 5: 3).
Estas, então, são as três marcas de um homem que ama a Deus:
a. que nasceu de Deus;
b. que conhece a Deus;
c. que guarda os mandamentos de Deus.
1. Mas o que é nascer de Deus? Lemos daqueles que eram seguidores do Senhor Jesus Cristo,
que "não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de
Deus" (João 1:13). Um nascimento celestial é contrastado aqui com o nascimento da carne;
um é posto de lado, e o outro configurado. Nascer de Deus é ser vivificado na vida espiritual
pelo Espírito Santo; para passar da morte para a vida; ter a fé, a esperança e o amor produzidos
em nossos corações pela operação do Espírito Santo; para ser feito novas criaturas em Cristo;
para ter o reino do céu estabelecido, e o poder de Deus sentido em nossas almas. Se, então, um
homem pode sentir que ele nasceu de Deus; que uma poderosa revolução teve lugar em sua
alma; que ele é uma nova criatura em Cristo; que
173
as coisas velhas são passadas e todas as coisas se tornaram novas - se ele tem o testemunho de
Deus em sua consciência de que essa mudança divina ocorreu nele, e que uma medida do amor
de Deus foi derramada em seu coração pelo Espírito Santo - então ele tem uma evidência de
que ele é alguém que ama a Deus e, portanto, tem interesse na promessa diante de nós.
2. A segunda marca de alguém que ama a Deus é que ele conhece a Deus. Isso não podemos saber
por natureza, pois há um véu de incredulidade sobre nosso coração. Nascemos nas trevas e na
sombra da morte - mas quando Deus tem o prazer de brilhar em nossas almas e nos dá "a luz
do conhecimento da glória de Deus na face de Jesus Cristo"; para tirar o véu da incredulidade e
dar-nos esse conhecimento de si mesmo como o único Deus verdadeiro, e de Jesus Cristo, a
quem ele enviou, que é a vida eterna - então conhecemos a Deus; nós sabemos quem ele é, e
tememos o seu grande Nome.
3. A terceira marca é que guardamos os seus mandamentos, que saímos do mundo, e
estamos separados dele; que desejamos fazer a sua vontade, servi-lo e andar diante dele em
simplicidade, humildade e sinceridade divina; que seu temor está vivo em nós; que lhe
obedecemos, e fazemos o que lhe agrada.
174
Mas, por que eu menciono essas marcas? Por esta razão: porque os filhos de Deus são muitas
vezes julgados e provados se eles o amam. Há muitas coisas em seus corações para se oporem
ao amor de Deus. Existe o mundo; uma busca em sua mente carnal das coisas do tempo e do
sentido; o pecado operando neles, trazendo-os continuamente à escravidão; à escuridão da mente, de modo a serem incapazes de verem os
seus sinais; há a morte de alma, de modo que o amor de Deus parece reduzido à última
centelha. Todas essas coisas são tão opostas ao amor de Deus que, às vezes, parecem não terem
um só grão deste amor em seus corações. E quando de bom grado olham para certos pontos,
e épocas, quando sentiam o amor de Deus derramado em seus corações, quando podiam
se deleitar no Todo-Poderoso, quando sua Palavra era mais doce do que o mel, e eles
poderiam andar diante dele em santa obediência e amor, eu digo, quando de bom
grado buscam voltar a estes tempos abençoados, sentem que não podem. Tal é a
escuridão de suas mentes que mal podem ver a colina Mizar, ou se lembrarem da terra do
Jordão e do Monte Hermom.
Portanto, é necessário olhar para certas marcas da palavra de Deus. Os marcos em nossa
experiência às vezes são varridos, ou nuvens de escuridão os cobrem. Portanto, devemos olhar
para os marcos infalíveis da Palavra de Deus,
175
que, ao contrário dos marcos da experiência, nunca são varridos, mas permanecem
firmemente fixados pela pena do Espírito Santo. Se, por conseguinte, com todas as nossas
dúvidas e medos e receios, nossa dureza de coração, nossa incredulidade, escuridão de
mente e incoerência, podemos encontrar essas três marcas em nossas almas, que nascemos de Deus, que sabemos que estamos guardando os
seus mandamentos e desejando fazer a sua vontade, temos o testemunho das Escrituras de
que somos daqueles que amam a Deus e, que portanto, temos interesse nesta promessa.
2. Nossa segunda marca é que tais pessoas são os "chamados de acordo com o propósito de Deus".
Isto parece ser acrescentado como uma espécie de suplemento para esclarecer a primeira
marca. Primeiro, para excluir todos os homens em estado de natureza. Um homem, num estado
de natureza, poderia dizer: "Amo a Deus; adoro meditar no mistério, e marcar sua glória nas
belezas da criação. Olho para cima à noite, e quando vejo as estrelas no céu reconheço nelas
um Arquiteto celestial. Tenho certeza de que amo a Deus.” Um homem em estado de natureza
pode fazer isso. Agora essa frase do apóstolo parece ter sido acrescentada para cortar isto,
pois diz que nem todos os que amam a Deus são chamados segundo o seu propósito. Um homem
deve ser chamado; deve haver uma obra de
176
graça sobre sua alma antes que ele possa ser um verdadeiro amante espiritual de Deus.
Mas, há outro propósito também. O filho de
Deus pode dizer: Eu amo a Deus? Se sim, que amor sinto agora? As minhas afeições estão
agora no céu? Sinto minha alma agora desejando ao Senhor mais do que milhares de
ouro e prata? Meu coração agora está amolecido e derretido pelas doces operações de sua graça,
misericórdia e amor? Não; o pobre filho de Deus diz: "Eu sinto muito o contrário - dureza, escuridão, carnalidade - talvez inimizade,
rebelião - como posso, então, esperar que eu seja a pessoa para quem essa promessa é feita?
No entanto, se eu não for um amante de Deus, não tenho nenhum interesse salvador nisto.
Para esclarecer este caminho escuro, parece acrescentado por meio de suplemento: "chamado de acordo com o propósito de Deus."
Seu propósito não é afetado pelo que somos ou pelo que temos. Seu propósito ainda está
acontecendo. Podemos estar nas trevas e na morte; mas a nossa escuridão não altera o
propósito de Deus; nossa morte não muda seu decreto. Podemos não ter o doce gozo de seu
amor em nossos corações; mas ainda seu "propósito" permanece inalterado e imutável,
como seu Autor divino.
Mas, como podemos provar que somos
chamados de acordo com o propósito de Deus?
177
O amor pode sinalizar; evidências podem desaparecer; a esperança pode cair; o gozo pode
cessar; mas o chamado ainda permanece. Podemos, então, olhar para trás para qualquer
hora ou local, quando o Senhor nos chamou? Podemos olhar para o caminho que temos
pisado nos caminhos da graça e dizer que ninguém, a não ser o Senhor, poderia ter nos separado dos pecados nos quais estávamos
enredados, da companhia com a qual estávamos misturados, do curso que estávamos seguindo?
Podemos nos lembrar que existiam naquela época certos sentimentos que ninguém além de
Deus poderia inspirar? Certas operações em nossos corações que ninguém além de Deus
poderia realizar? Certos efeitos que nada mais do que uma mão celeste movendo sobre a alma
poderia criar? Se não podemos agora traçar distintamente que somos os que amam a Deus;
se não pudermos agora sentir o amor de Deus derramado em nossos corações, contudo
podemos comparar-nos com as três marcas que eu dei, e tomar algum consolo delas; ou mesmo
se estas três marcas forem enterradas na obscuridade, poderemos ainda lançar um olho
ao longo da vista de onde nós pisamos, e ver a mão de Deus esticada em uma maneira
manifesta de nos chamar para fora das trevas da natureza em sua luz maravilhosa.
Tenho assim me estendido um pouco sobre esta parte do texto, porque eu amo ter certeza. Deixe-
nos fazer uma boa base - então nós podemos
178
pisar com segurança sobre ela; mas se o solo é arenoso, se o fundamento é incerto, estamos
defeituosos no início. Não há como avançar um único passo até que a terra seja feita boa.
Suponho, então, que o terreno está assim bem feito, e que há nessa congregação aqueles que
têm algum testemunho interno de que amam a Deus e que são "chamados de acordo com o propósito de Deus".
II. Mas, eu passo à substância da promessa, "que todas as coisas trabalham juntas para o bem" para tais pessoas. Cada palavra aqui está grávida
de ricas bênçãos - não poderíamos nos separar de uma única sílaba. E, que visão exaltada nos dá
da sabedoria, da providência e do poder de Deus! Olhe para esta cena complicada. Aqui está o
povo de Deus, cercado por mil circunstâncias misteriosas, viajando nos vários caminhos da
vida - época, idade, sexo, circunstâncias, todos muito diferentes. Aqui está o mundo deitado em
perversidade em torno deles - um adversário astuto sempre à espreita para seduzi-los ou
incomodá-los - um coração cheio de pecado para transbordar, exceto quando mantido pelo
poderoso poder de Deus! Olhe para todas as nossas variadas circunstâncias; e então acredite
que se amamos a Deus, todas as coisas que experimentamos estão trabalhando juntas para
nosso bem espiritual - que visão isto nos dá da sabedoria, da graça e do poder de um Deus que
opera maravilhas! Vamos nos debruçar com
179
todo o nosso peso sobre o texto - ele vai suportar toda a tensão que possamos colocar sobre ele.
1. "Todas as coisas!" Olhe isso! Tudo o que diz respeito ao nosso corpo e alma; tudo na
providência, tudo na graça; tudo o que você passou, tudo que você está passando, tudo o que
você deve passar. Cada um de vocês que amam a Deus e temem o seu nome nesta congregação, tomem tudo o que lhes pertence e coloquem-no
neste texto, como se pudessem colocar livros de hinos e Bíblias sobre a mesa diante de mim. Não
há uma única coisa na providência ou graça que diga respeito a qualquer pessoa desta
congregação que ama a Deus, que a promessa não possa carregar.
"Todas as coisas, todas as coisas!" O que! Não há uma única coisa, por mais minuciosa que seja,
comparativamente sem importância, que não é para o meu bem se eu amo a Deus? Não,
nenhuma. Se houvesse uma única coisa, este texto não seria verdadeiro; Deus falaria uma
mentira. Se houvesse uma única coisa que me aconteça, seja na providência, ou seja na graça,
que não está trabalhando em conjunto para meu bem, se eu sou filho de Deus, digo com
reverência, que isso seria uma mentira No livro de Deus. E ainda, quando consideramos a
variedade de coisas que nos afetam - acreditem que todas elas estão trabalhando juntamente
para o nosso bem - assim devemos admirar a
180
maravilhosa sabedoria, poder e governo de Deus.
Mas, vamos pelo caminho para lançar uma luz
mais clara sobre as palavras, "todas as coisas", olhá-las mais minuciosamente. Todas as coisas
que acontecem são de acordo com a nomeação decretada de Deus, ou de acordo com sua
indicação permissiva. Muitas coisas que tentam sua mente, e exercitam suas almas, estão de acordo com o compromisso do decreto de Deus.
Tudo com o que o pecado ou Satanás não se entremetam, podemos dizer, vem do decreto de
Deus; e se amamos a Deus, estas coisas estão trabalhando juntamente para o nosso bem.
Somos provados em nossas circunstâncias? Isto está de acordo com o compromisso do decreto
de Deus. É a vontade e o prazer do Senhor trazer-nos para baixo no mundo, por tristezas e
adversidades na providência? Isso ainda está de acordo com a nomeação decretada de Deus.
Temos aflições na família? Ainda está de acordo com a nomeação decretada de Deus. Isto vem
dele. Nada pode acontecer no corpo, na propriedade, na família, que não brote da
nomeação decretada de Deus. As crianças são levadas para o céu? Elas são tomadas pela mão
de Deus. "O Senhor dá, e o Senhor tira." A esposa ou o marido estão aflitos? A mão de Deus está
nisto. O corpo é derrubado com a doença? Ela vem de Deus. A mente é tentada com mil
perplexidades, ansiedades e preocupações?
181
Ainda é a mão de Deus. Todas essas questões brotam de sua nomeação, segundo o seu
decreto!
Mas, a Satanás é permitido assediar e angustiar
nossas mentes? Isto é somente pela indicação permissiva de Deus. Ele não podia fazer nada
contra Jó até que Deus lhe desse permissão. Temos inimigos na igreja ou no mundo? Teremos de suportar a perseguição por amor de
Cristo? Difamação, calúnia e oposição? Simei foi autorizado a amaldiçoar Davi; e Jeroboão foi
levantado em consequência da idolatria de Salomão. Tudo ainda está de acordo com a
indicação permissiva de Deus. Somos julgados pelos males da nossa natureza caída? É ainda de
acordo com a indicação permissiva de Deus; pois nada pode acontecer, nem na providência,
nem na graça, a não ser que Deus, em sua infinita sabedoria, tenha decretado para
realizar, ou decretado para permitir.
2. Mas, todas estas coisas, por mais que tentem nossas mentes, por mais difíceis de suportar, por mais dolorosas que sejam para nossa carne,
são decretadas para "trabalhar em conjunto". Elas não trabalham individualmente, mas
trabalham juntamente com outras coisas. É como o meu relógio. A engrenagem que gira a
maneta não é a mesma que é movida pela mola; mas uma engrenagem trabalha dentro de outra
engrenagem, até que a hora do dia é mostrada
182
nos ponteiros. Assim, no que diz respeito às nossas aflições, às provações das nossas
mentes, às várias decepções e perplexidades que temos que suportar; eles não trabalham
individualmente, mas juntos com outra coisa; e é por este trabalho conjunto com outra coisa
que eles produzem um resultado divino e abençoado.
Mas, com o que eles trabalham? A graça de Deus na alma. A engrenagem da providência trabalha
com a engrenagem da graça; e a engrenagem da graça opera com a da providência; e juntas o
resultado é uma bênção. Por exemplo. Alguma aflição acontece ao seu corpo; você é colocado
em cima de uma cama doente. Essa aflição não lhe fará bem em si mesma; mas trabalha junto
com a graça de Deus em sua alma; e por seu trabalho junto com a graça de Deus em sua
alma, uma bênção é o resultado. Ou, você é derrubado em circunstâncias - você tem um
caminho muito difícil para pisar na providência. Isso não lhe fará bem em si mesmo; há milhares
de pessoas em más condições que não obtêm nenhum bem delas. Mas isto trabalha em
conjunto com a vida e o poder de Deus em sua alma; e assim produz uma bênção. Ou, você
pode perder uma esposa, ou um filho, ou ter uma doença em sua família; em si mesmos,
nenhum bem é produzido por estas coisas; mas elas trabalham em conjunto com a vida e o
poder de Deus em sua alma; e isso traz a bênção.
183
Nesta palavra reside o mistério - elas trabalham juntas.
3. Mas para que elas trabalham juntas? "Para o bem." Mas o que chamamos de bem? Não devemos tomar nossa ideia do bem, mas a ideia
de Deus sobre o assunto. Nós não devemos classificar o que nós gostamos de bem, mas o
que é real e verdadeiramente assim aos olhos de Deus. Por exemplo: um homem pode dizer, que
é muito bom ter saúde; pode ser assim a seus olhos, mas não aos de Deus. Outro pode dizer,
que é uma coisa muito boa entrar no mundo dos negócios e ter um comércio florescente e
próspero; isto pode ser bem aos seus olhos, mas não aos de Deus. Outro pode dizer: é bom para
mim ter uma família crescendo em saúde e força, e bem provida - pode ser assim a seus
olhos; mas não se segue que seja bom para o Senhor. Outro pode dizer, é bom não ter
problemas, nem tentações, nem coração perverso, nem diabo para seduzir ou assediar;
pode parecer muito bom a seus olhos, mas não aos olhos de Deus. Ele é o Juiz nesses assuntos.
O que, então, devemos dizer que é "bem?" Tudo o que produz lucros espirituais e uma bênção; o que é realmente bom aos olhos de um Deus que
busca o coração.
Agora, veja se todas essas coisas não funcionam em conjunto para o bem daqueles que amam a
184
Deus, e que são chamados de acordo com seu propósito. Você teve um corpo aflito. Bem, isso
em si não fez nada de bom; pois isso te incapacitou para o trabalho, perturbou sua
mente, fez de você um fardo para si mesmo e um fardo para todos ao seu redor. Não havia nada de
bom nisso. Mas suponhamos que o desmamou do mundo; suponhamos que isto colocou a morte diante dos seus olhos, e lhe fez parecer
morrer todos os dias, suscitou um espírito de oração e súplica no seu coração; suponha que
abriu as promessas de Deus que são apropriadas para sua família afligida; suponha que foi o meio
de abençoar sua alma com alguma doce manifestação de seu interesse no amor do
Salvador e no sangue do Cordeiro - então você deve dizer que sua doença, sua aflição não foi
para o bem, quando ela trabalhou em conjunto com a graça de Deus em sua alma para produzir
uma verdadeira bênção?
Ou, você teve reversões no mundo, perdeu dinheiro no comércio, e está agora em
circunstâncias aflitivas. Não há nenhum bem nestas coisas consideradas abstratamente; mas
suscitam a vida e o poder de Deus em sua alma? Elas lhe dão um recado do trono da graça? Elas
lhe mostram o que está em seu coração? Elas invocam a confissão diante de Deus? Fazem
Jesus próximo e querido à sua alma? Elas o desmamam do mundo? Então elas trabalharam
juntas para o seu bem.
185
Você perdeu um filho, ou tem uma esposa aflita, e uma família problemática; não há nada de bom
nisso; pois "a tristeza do mundo opera a morte". Mas suponha que esta esposa ou filho tenha se
tornado seu ídolo; que os adorou em vez de adorar a Deus - então, esta aflição trabalha em
conjunto para o bem, se por meio dela os afetos de seu coração estão agora fixados somente no Senhor Jesus.
Assim, devemos medir esse bem, não pelo que a criatura pensa, mas pelo que o próprio Deus declarou ser bom em sua palavra e o que
sentimos como sendo bom na experiência de nossa alma. Suas provações o humilharam,
fizeram você manso e humilde? Elas lhe fizeram bem. Elas suscitaram um espírito de oração em
seu peito, fizeram você suspirar, chorar e gemer para que o Senhor aparecesse, visitasse ou
abençoasse sua alma? Elas lhe fizeram bem. Elas abriram as partes da Palavra de Deus que são
cheias de misericórdia e conforto para o seu povo aflito? Elas lhe fizeram bem. Elas lhe
fizeram mais sincero, mais sério, mais espiritual, mais celestial, mais convencido de
que o Senhor Jesus pode sozinho abençoar e confortar sua alma? Elas lhe fizeram bem. Elas
foram os meios, na mão de Deus, de lhe elevar ao ouvir a Palavra pregada, de abrir os seus
ouvidos para ouvir apenas os verdadeiros servos de Deus, os que entram num caminho
experimentado e descrevem uma experiência
186
graciosa? Elas lhe fizeram bem. Elas fizeram a Bíblia mais preciosa para você, as promessas
mais doces, o trato de Deus com sua alma mais valorizado? Elas lhe fizeram bem.
Agora este é o caminho, que "todas as coisas cooperam para o bem". Não enchendo-lhe de orgulho, mas enchendo o seu coração de
humildade; não encorajando a presunção, mas elevando os seus afetos para onde Jesus está
sentado à direita de Deus; não nos levando ao mundo, mas tirando-nos dele; não cobrindo-nos
com um véu de ignorância e arrogância, mas tirando este véu e trazendo luz, vida e poder para
a alma. Desta maneira, "todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a
Deus, e que são chamados de acordo com seu propósito."
III. O conhecimento da promessa, e do nosso interesse pessoal nela. "Sabemos que todas as coisas funcionam juntas para o bem." Como nós
sabemos disso? Nós o conhecemos de duas maneiras. Sabemos disso, primeiro, pelo
testemunho da Palavra de Deus - e nós o sabemos em segundo lugar, pelo testemunho
de Deus em nossa própria consciência.
1. Vejamos o registro da Palavra de Deus. Veja os santos de outrora; quão aflitos eram! Mas todas as coisas não trabalharam juntas para o bem
para eles? Olhe para Jacó! Que tristezas,
187
tribulações e aflições o velho patriarca passou! Toda a sua vida foi uma cena contínua de
angústia e tristeza. Mas tudo não trabalhou junto para o seu bem? Havia uma demais, ou
uma muito pesada? Não pôde, no fim, colocar a cabeça sobre o travesseiro moribundo e
abençoar e agradecer a Deus por todos elas?
Olhe para José! Todas as coisas não trabalharam juntas para seu bem? A inimizade de seus
irmãos; sendo vendido no Egito; a conduta perversa da esposa de seu mestre - sendo jogado
na prisão - sua interpretação dos sonhos do mordomo e do padeiro. Como todas estas coisas
trabalharam juntas para o seu bem, e o levaram para ocupar o lugar mais próximo do próprio
Faraó, para ser o meio na mão de Deus de manter vivo o povo de Israel.
Olhe para Davi! Caçado nas montanhas como uma perdiz; continuamente exposto à lança de Saul; em todas as mãos nada além de
perseguição e angústia - em todos os lados aflição e tristeza. No entanto, todas as coisas
cooperaram para o seu bem. Que abençoados Salmos temos em consequência disso! Que doce
tesouro de consolo para o povo de Deus por meio de Davi sendo caçado sobre as montanhas
e no deserto! Como eles são adequados para a pobre e tentada família de Deus! Se Davi não
tivesse tido todas essas perseguições e aflições,
188
nunca poderia ter escrito os Salmos, nem haveria neles tesouros de consolação.
Veja os problemas e aflições de Jó! Filhos tirados; propriedade arruinada em um momento; seu corpo atormentado com
furúnculos; seus amigos se voltaram para serem os seus inimigos; e o próprio Deus parecia estar
contra ele. No entanto, como todas as coisas funcionaram juntas para o bem em seu caso!
2. Nós o sabemos pelo testemunho de Deus em nossa própria consciência. E nós, na nossa
medida, não provamos o mesmo? Quando as provações vieram, não podíamos ver que elas
estavam trabalhando juntamente para o bem. Não - talvez você tenha sido às vezes, como eu
me senti, num estado tal que acreditei que nunca veria o dia em que provaria para o meu
bem. Eles eram tão sombrios em si mesmos, tão misteriosos, tão dolorosos, tão tentadores, tão desconcertantes, que na incredulidade de
minha mente, mal poderia acreditar que o próprio Deus jamais me convenceria de que
tudo estava trabalhando juntamente para o meu bem espiritual.
Mas, tem havido qualquer tentação, qualquer provação, qualquer aflição, qualquer tristeza,
que de alguma maneira não trabalhou juntamente para o nosso bem espiritual - em
humilhar-nos, mostrando-nos mais aquilo que
189
realmente somos, abrindo a Escrituras para nós, despertando um espírito de oração, fazendo
Jesus precioso, lançando luz sobre a verdade de Deus, ou aplicando essa verdade com uma
medida de doçura e conforto para nossas almas? Assim, sabemos por nossa própria experiência,
bem como pelas Escrituras, que "todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus e são chamados de acordo com seu
propósito".
Mas, você pode dizer: "Eu não vejo isto agora." Não; há a hora certa para a provação. “Não o
sinto neste momento.” Não! Você viu suas provações passadas no exato momento - que
elas estavam trabalhando juntas para o seu bem? Quando o Senhor afligiu seu corpo; o
trouxe para baixo em circunstâncias; enviou doença à sua família; permitiu que sua mente
fosse provada com os dardos ardentes do diabo, e mil tentações e perplexidades - eu quero saber
se no momento você poderia falar com confiança: "Sei que o que agora estou passando
por um trabalho em conjunto pelo meu bem espiritual." Se você pudesse dizer isso, então eu
vou acrescentar isso - não foi metade de uma provação. Se você está passando por qualquer
provação, tristeza ou tentação; e pode olhar para Deus, e dizer: “Eu sei e estou convencido de que
esta coisa está trabalhando juntamente para o meu bem espiritual” - se você pode dizer isso,
você já passou por mais da metade da provação.
190
É isso que agrava as provações e tentações do povo de Deus na maior parte - que quando eles
estão nelas eles não têm esta confiança abençoada.
Quando podemos olhar para trás e dizer, "não houve uma única prova que não tenha
funcionado em alguma medida para o meu bem" - essa experiência nos encoraja a olhar para a frente e a acreditar que as provações
atuais terão o mesmo resultado - e que todas as coisas estão trabalhando juntas para o bem para
nós, tanto quanto nós amamos a Deus, e somos os chamados de acordo com seu propósito.
Assim, podemos resolver tudo. Não há homem que possa dizer: "Eu posso fazer minhas
provações trabalharem juntas para o bem". Ele não consegue. Ele deve tê-las; e é uma
misericórdia tê-las. É uma misericórdia quando somos capacitados a suportar nossas provações,
e nossas tentações aos pés do Senhor, e dizer: “Senhor, aqui estou eu, com todas as minhas
provações e problemas; eu não consigo controlá-los; eles são demais para mim; você
deve assumir para mim; você deve me trazer como mais do que um vencedor; você deve
aparecer para mim; você deve me abençoar; você deve fazer com que todas as minhas
provações e tentações trabalhem juntas para o meu bem espiritual; ainda que a tribulação seja
dura, que não haja nela nada mais do que o mais
191
doloroso e penoso, porém, Senhor, se eu posso acreditar que elas estão trabalhando juntas para
o meu bem espiritual, então posso suportá-las todas com a Sua graça!”
Se descobrimos que este foi o resultado de tudo o que passou, isto pode nos permitir crer nisso
por tudo o que há de vir, e olhar com confiança que nada pode nos acontecer, seja na providência ou na graça – senão que podem e
vão "trabalhar juntos para o bem daqueles que amam a Deus, e são chamados segundo o seu
propósito".