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COLETÂNEA DE CRÔNICAS E CONTOS Registro 494.406 FBN 10/05/2010 Quando o homem e a mulher viverem de acordo com os princípios divinos, estaremos livres de todos os abusos e faremos apenas o que for importante para o crescimento espiritual e construção de um mundo melhor. Do autor, Mourão Lobato

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COLETÂNEA DE CRÔNICAS E CONTOS

Registro 494.406 – FBN – 10/05/2010

Quando o homem e a mulher viverem de acordo com os princípios divinos, estaremos

livres de todos os abusos e faremos apenas o que for importante para o crescimento

espiritual e construção de um mundo melhor.

Do autor,

Mourão Lobato

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O Pescador às Avessas

Dois pescadores desceram a barco com seus equipamentos de pescaria, rio abaixo, até

um poço depois do cruzamento dos rios ’Grande e das Mortes’, no município de Bom

Sucesso, MG, onde o Rio Grande, mais volumoso, segue seu destino natural ao encontro

de outras águas.

Perto de um remanso, de águas calmas, longe da correnteza pesada do rio, acomodaram-

se para a grande pescaria.

Antônio preparou os molinetes e as iscas para os anzóis, enquanto Fernando começou,

com sua filmadora, a filmar a paisagem exuberante da fauna e flora ao redor do rio – ipês,

jacarandás, cedros, garças, seriemas... –, e quanto mais filmava a paisagem mais

demonstrava sentir amor intenso por tudo tão distante da cidade.

Antônio lançou o anzol da primeira vara, fincou-a no chão, depois realizou o mesmo com as

seis outras varas. Olhou para o Fernando e percebeu em seu olhar uma distância súbita

olhando para o rio, e chamou-o por duas vezes: Fernando! Fernando! Na terceira chamada,

Fernando escutou Antônio dizer: meu amigo, as varas estão prontas; cuido das três

primeiras daquela banda à direita do rio e você das demais.

Fernando concordou e dirigiu-se às varas.

Passados trinta minutos, Fernando puxou uma das varas que tremia e em seguida

apareceu um peixe de aproximadamente cinco quilos relutando em não sair do rio.

De longe, Antônio olhou para o peixe, deu um sorriso e gritou: que beleza Fernando!

Faremos hoje uma bela peixada! Convidaremos muita gente para uma boa rodada de

cerveja, com boa música!

Mas, subitamente, Fernando começou a beijar o peixe e logo em seguida jogou-o de volta

ao rio. Antônio gritou, mas já era tarde. O peixe já tinha sumido nas águas do rio. Fernando

esperou taciturno mais um pouco, percebeu outra vara tremer, pegou-a, e fez o mesmo que

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havia feito com a primeira vara. Antônio gritou ao amigo com espanto, mas Fernando não o

escutou.

Antônio já havia pegado quatro peixes grandes, de mais de três quilos cada um e já os

havia colocado no cesto, às margens do remanso.

Fernando segurou a terceira vara que tremulava e viu subir um peixe de vinte quilos. Ficou

nervoso, pois o peixe puxava muito. De repente desequilibrou-se e a vara caiu no rio.

Gritou desesperado: o peixe não pode ficar com o anzol na boca! Pulou no rio e foi ao

alcance do peixe para retirar o anzol de sua boca. Antônio ficou desesperado, ligou para a

guarda florestal e bombeiros. Não demorou muito e o rio já estava cheio de homens à

procura de Fernando.

Passados muitos dias, começou a correr um boato, num lugarejo próximo ao

acontecimento, que pessoas viam à noite um estranho ser, com corpo de peixe e cabeça

de homem.

Ao chegar aos ouvidos de Antônio, ele foi para o rio para ver se era verdade o boato. Ficou

três dias, dia, tarde e noite, à beira do rio, para encontrar o tal peixe-homem. No quarto dia,

acreditem, o estranho ser apareceu nas águas, pulando. E confirmado pela boca do

Antônio, era o Fernando que vinha à tona e depois imergia no rio – estava louco.

Acreditem se quiserem!

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A Mula que Gostava de Cachaça

Esta estória, verídica, somente acontece no meio rural. Pode haver outras semelhantes a

esta, mas este caso aconteceu.

Mulas-sem-cabeça e assombrações são comuns em muitas estórias em nosso folclore,

mas estória de mula cachaceira nunca ouvi.

Contaram-me e escrevo a cá, que em Bom Sucesso viveu uma mula que somente

trabalhava após um bom pão molhado na cachaça. Alimentava-se de capim e água, de

milho e de outras vitaminas e proteínas que o dono dela lhe dava. Mas faltando o pão com

cachaça não saia do lugar.

Ao saber desse fato, alguns cidadãos faziam questão de guardar um pão bem novinho para

molhá-lo na cachaça e dar à bela mula antes do trabalho pesado de puxar carroça – o dono

não ligava e até concordava com as doações.

A danada da mula trabalhava o dia inteiro e folgava somente no final de semana. Nunca

adoeceu, diziam todos que a conheceram.

Somente uma vez começou a ficar triste e parar de trabalhar. Foi quando um cidadão

desconhecido denunciou o dono por maltrato a animais, por viciar um animal para fazê-lo

trabalhar além do normal. O dono teve de parar de alimentá-la com a dieta que incluía o

pão-cachaça. O caso foi parar na delegacia e o dono da mula teve de prestar depoimento.

Foi ajudado por várias testemunhas e por um tal veterinário que contestou a denúncia e fez

um laudo pericial veterinário a favor do pão-cachaça.

Estando a notícia nos ouvidos de todos os bonsucessenses, a mula começou a ficar

embriagada com tanto pão-cachaça e não mais conseguia trabalhar com destreza. Seus

passos eram mais lentos e já tropeçava ao andar e passou a representar perigo ao trânsito.

Com medo, seu dono resolveu aposentá-la. Levou-a para um sítio próximo à cidade onde

dava-lhe bom trato e descanso.

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Mas todos os dias, pela manhã, a mula estava na cidade à procura do pão-cachaça. Ficava

nos costumeiros bares que a serviam, até desfrutar o apetitoso e suculento pão-cachaça.

Comia e ficava pela cidade. O dono, com medo de um processo por abandono de animais

na rua, levava a mula de volta ao sítio – a mula não mais queria trabalhar, mas o pão-

cachaça não podia sair de sua dieta. Diziam pela cidade que tinha virado alcoólatra de

tanto comer pão-cachaça, por culpa daqueles que a alimentavam.

Um dia seu dono ficou intrigado com o fato e resolveu mudá-la de local; para uma fazenda

bem longe da cidade.

A mula, contam todos, ficou muito deprimida e começou a não comer, a não beber água e

depois de poucos meses veio a falecer.

Na cidade pagaram ao dito veterinário para saber a causa mortis da mula. Todos sabiam

que era tristeza; e uns palpites diziam que era depressão – mas bicho tem essa doença!?

O veterinário ouviu todos os relatos e concluiu que a mula morreu de tristeza e depressão,

causada principalmente pela fata do pão-cachaça.

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Meu Xará

- Alô! Boa Tarde! Falo com quem?

- Boa tarde, meu nome é Beth?

- Por favor Beth, quero falar com o Cícero!

- Cícero!?

- Sim!

- Quem deseja falar-lhe?

- Cícero!

- Sim, o senhor já falou, mas quem deseja falar-lhe?

- Cícero!

- Meu senhor, o Cícero está, mas quero saber o nome do senhor!

- Meu nome é Cícero, querida, sou primo e xará do Cícero, que trabalha ai com vocês!

- Ah! Desculpe-me, senhor. Vou chamá-lo. Um instante, por favor!

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Uma Desconhecida

Ela morava na cidade de Belo Horizonte. Não tinha casa, morava em qualquer rua; dormia

em qualquer canto de rua, mas especialmente próximo a algum ponto de comércio. Deveria

ter aproximadamente trinta anos. Era magra e alta, mas esbelta. O rosto não era muito

bonito, mas não feio. Não fosse a falta de cuidado seria bonita.

Possuía dois ofícios: catar garrafas, jornais, latas, papéis, qualquer coisa que lhe desse uns

trocados; e entrar em lojas e dependências comerciais e fazer reverências aos empregados

e clientes, dando-lhes bom dia e boa tarde e os abençoando – dizia também ser

“Conselheira do Governador”.

Será que essa desconhecida era louca!? Talvez fosse, mas antes de tudo era gente.

Destrambelhada, vivia falando sem saber, reverenciando sem ser notada, catando papel,

latas, jornais, garrafas, correndo pelas ruas, de um lado ao outro, perdida, sem cidadania,

sem respeito e sem esperança.

Triste país que não cuida de sua gente; que permite que os meios de comunicação

imponham costumes não muito salutares a seus cidadãos, banalizando a vida, o amor e

permitindo que a ganância, a luxúria, o adultério e os maus costumes tenham mais valor

que a saúde, a família e a paz.

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Disciplina e Aprendizado

Meu nome é Artemys. Conclui o primário em escola pública; o ensino fundamental e médio

em escola privada; o curso superior de física e matemática em escola pública. Sou

professor das duas disciplinas.

Entre a época que estudei o primário até o ensino fundamental e hoje, há uma diferença

básica: a disciplina escolar. Naquela época, a disciplina na sala de aula era rígida – o aluno

que não ficasse calado era posto para fora da sala e perdia pontos. E havia a repetência

escolar e expulsão por mau comportamento e rendimento escolar. Quanto a este último

critério, acho que a avaliação deveria levar em conta a potencialidade de cada aluno no

conjunto do seu histórico escolar, para decidir sua aprovação ou reprovação para o período

escolar seguinte – não mais pode, em nosso país, alunos brilhantes em matemática ou

física perderem o ano por causa de história, de inglês, de geografia... ou alunos brilhantes

em letras perderem o ano por causa de exatas.

Sempre tive e tenho uma preocupação muito grande com a qualidade do ensino. Contudo,

a forma de disciplina, instalada nas escolas do Brasil, deixam a desejar como instrumento

de ajuda na captação do ensinamento.

Para que possam ter uma ideia do que estou tentando demonstrar, percebam a seguir o

que acontece no recinto escolar público e em muitas escolas privadas – quando criança e

adolescente, havia respeito pela presença do professor; todos ficavam em silêncio.

Entrei na sala de aula, sentei-me, peguei o livro de chamada, identifiquei a presença dos

alunos, fiquei de pé e comecei a ministrar a aula – tudo sob um intenso tumulto.

Mas, meu Deus, como ministrá-la, se a Aline conversa com a Roberta, que conversa com o

Diogo, que puxa o cabelo da Mariana, que grita e logo ri; e a Judite, que faz trancinha no

cabelo da Betânia, que pinta as unhas de Júlia, que paquera o Armando, que olha para a

Andreia...

Fiquei a olhar aquele ambiente, parei de falar e gritei: Parem todos! silêncio! Isso não é

recreio! Estamos em uma sala de aula! Vocês vêm aqui para quê? Parei de gritar e todos

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continuaram a fazer o mesmo. Retirei-me da sala de aula e fui para a sala de professores

conversar com a coordenação. Essa nada fez. Não entendi o porquê da falta de rigor

disciplinar da escola e fui para casa angustiado. Vitória dos alunos! Pensei comigo. Mas

quem perde com isso? Indaguei a mim mesmo. Com toda certeza o Brasil, que perde a

chance de ter uma educação desenvolvida.

Perceberam o que acontece!?

Muito se fala na imprensa escrita e falada sobre os problemas da educação no Brasil.

Faltam, principalmente, segundo elas – e concordo com o que escrevem:

- investimentos dos governos;

- professores capacitados;

- prédios escolares de boa qualidade em muitas localidades brasileiras.

Contudo, nada se fala sobre a disciplina dentro das salas de aula – e também incluo aqui a

aplicação da lei contra o uso de cigarros e drogas no ambiente escolar, que é um espaço

público.

Convenhamos que os mestres, na ausência de disciplina austera – que deveria ser

emanada da Direção da escola – não conseguem ministrar suas aulas, contribuindo para o

insucesso de qualquer política pública de investimentos na educação.

Manter a disciplina dentro da sala de aula contribui para o sucesso do aprendizado do

aluno, pois permite ao professor, com tranquilidade, transmitir seus conhecimentos aos

alunos, e a esses, facilidade na percepção do conteúdo da disciplina.

Daí, acredito, a importância da atenção dos Governos, das Secretarias de Educação, das

Diretorias de Escolas, e dos pais, em fazer ressurgir a disciplina como fator fundamental à

melhoria da qualidade educacional.

Muitos professores, sem apoio de disciplinadores rígidos – que possam coibir a indisciplina

dos alunos e ameaças físicas ao corpo docente – perdem a condição de mestres,

permitindo aos alunos tomarem conta do espaço da aula e impedindo o aprendizado eficaz.

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É impossível querer conciliar conversa e dispersão dos alunos com assimilação de

aprendizado.

Nas empresas, por exemplo, a punição ao empregado indisciplinado é a perda do

emprego. Na escola deveria ser a punição disciplinar e em casos especiais, sua expulsão

da escola.

Acredito ser a austeridade disciplinar o único remédio para esse mal da indisciplina escolar

que, aos poucos, tomou conta da sala de aula e está inviabilizando o aprendizado – até

mesmo no ensino superior. E o remédio para isso é a volta do disciplinador, a utilização de

instrumentos eletrônicos de vigilância e o policiamento ostensivo dentro e fora das escolas,

utilizando a força da polícia estadual ou municipal. E os gastos desse policiamento

poderão, querendo as autoridades legislativas, serem incluídos, para efeito da Lei de

Responsabilidade Fiscal, nas Ações de Ensino.

Não sendo possível impor disciplina, esqueçam qualidade educacional, mesmo com

vultosos recursos aplicados na educação pública e privada.

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Criatividade

Criatividade (Ser

criativo, inventivo.) =

Fantasia

(Relacionado com a criação

da imaginação; com nossos

devaneios ou sonhos no

sentido de ideais.)

+

Concretude

(Dar consistência, forma; fazer

o imaginário tornar-se real,

material, claro, definido, com a

energia de nossa inteligência e

força de nossas ações,

apoiadas na paciência.)

Criatividade ou criar uma atividade, um movimento, um objeto, uma obra de arte, um

conceito... pressupõe uma ação de nossos músculos e inteligência para realização de

nossas fantasias: desejos, imaginação, sonhos, vontades.

Podemos dizer também que criatividade é a capacidade que possuímos de encontrar

saídas para situações inesperadas, desconhecidas; é criar, inventar novos materiais, novas

verdades, capazes de tornar o nada em algo realizável ou concreto. Necessita de nossas

emoções, de nossa imaginação, de nossas vontades, de nossos sonhos, e da ação

necessária para realizá-los com desprendimento e leveza de espírito; com coragem, com

amor às coisas, com energia, liberdade, paciência, persistência, inteligência, ação...

Antes da criatividade há quase sempre uma finalidade ou objetivo a ser atingido;

determinado pela necessidade material, emocional ou espiritual, que necessitamos

satisfazer – nossas fantasias.

O homem começou, após sua opção pela árvore do conhecimento do bem e do mal, para

sua sobrevivência, a necessitar..., imaginar..., sonhar..., trabalhar e criar. Criou, com a

energia de sua inteligência e de sua força, ferramentas para caçar, arar, limpar-se, comer,

proteger-se, cobrir-se... e continuou a criar e imaginar, a satisfazer suas necessidades para

alcançar sua felicidade.

Sonhar, imaginar, trabalhar e fazer algo diferente para atender nossas necessidades faz

parte de toda invenção, de toda nossa criatividade.

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Certo dia, a muitos anos passados, um menino com nome de Alberto Santos Dumont viu

um pássaro voando e ficou maravilhado com suas asas e corpo dançando no céu.

Imaginou que pudesse também voar e começou a estudar os movimentos dos pássaros.

Estudou em livros e livros tudo sobre seus movimentos, suas asas, troncos, órgãos e

penas. Construiu um pequeno modelo de asas abertas e jogou-o do alto da montanha para

que voasse e analisou cada passo de sua caída, pois naturalmente sabia que para

sustentar seus movimentos no ar faltava-lhe energia. Aí viu a grandeza e genialidade de

Deus. Mas não desistiu de seu sonho. Continuou a estudar, a pesquisar, a construir

engenhos e depois de muito tempo conseguiu construir o modelo 14 Bis, marco inicial para

a conquista do espaço pelo homem.

A criatividade de um jogador no campo de futebol está quase sempre associada à sua

vontade de driblar, de marcar gol, de realizar e viver suas emoções, de vencer o

adversário. Quanto mais emocionado e participativo, quanto mais livre para realizar seus

movimentos, mais criativo será.

A criatividade na empresa está relacionada com a maneira de encararmos nossa rotina,

sem medo de errar, pois o medo entorpece nossa mente; de percebermos nossas

atividades como parte de uma necessidade diária de fazermos o melhor, de vencermos os

obstáculos com simplicidade e objetividade – dizem que certa vez um grande trator

industrial ficou parado diante de um viaduto, pois seu teto passava poucos centímetros de

sua parte inferior; chamaram projetistas e técnicos altamente qualificados; a solução foi

dada por um menino que falou para esvaziar os pneus do trator o suficiente para permitir-

lhe a ultrapassagem sob o viaduto.

A criatividade em nosso dia-a-dia pode estar relacionada à capacidade de enfrentarmos

nossos problemas com realidade, procurando alternativas possíveis em grau crescente de

dificuldade, poupando nossas energias para outros problemas. Daí, devemos estar sempre

despreocupados, pois se estivermos “pré ocupados” quando formos enfrentar os problemas

estaremos cansados, sem forças e entusiasmo para ultrapassarmos as barreiras que nos

serão submetidas.

Até no amor devemos ser criativos ao utilizarmos nossas emoções, vontades, fantasias e

energias, pois nossas atitudes podem frustrar nosso objetivo de convivermos com a pessoa

que amamos. Quando tudo estiver monótono, nossa criatividade pode reforçar nossa

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percepção, cutucar nossas emoções e estas impulsionarem nossas ações para que a

chama da paixão sobreviva e submeta-nos a outras formas de convivência.

Quando não houver mais equilíbrio ou saídas para nossos problemas, nossa criatividade

deve, com inteligência, aguçar nossas vistas para escolhermos noutros campos, a ação

que satisfaça nossas emoções e sonhos e contribua para nossa felicidade e saúde.

Assim, quase sempre os motivos, desejos e sonhos levam-nos a agir com criatividade para

conseguirmos satisfazer nossas necessidades. E também, novas necessidades podem

fazer com que nossa criatividade reforce nossas emoções e sonhos anteriores e lembre-

nos de agir contra o descaso com nossas coisas, com os nossos sentimentos, com a nossa

felicidade e bem-estar.

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Decadência

Lá pelos idos anos noventa do século passado, com os novos ares da incipiente retomada

da democracia em nosso país, Maria decidiu sair do interior e trabalhar na Capital Mineira,

aproveitando o convite de uma senhora conhecida de sua família. Veio após o carnaval,

com seus ares de simplicidade, sua cor morena e seus belos traços físicos. Não conhecia

nenhuma cidade, senão a sua – parece que no Brasil o conceito de democracia é bem

diferente: Governo da minoria para a minoria; o resto da população é instrumento de voto

de papagaio para o exercício do poder por aquela.

Passado um ano, Maria já conhecia igrejas, casas de amigas, parques, discotecas... A

escola não lhe entusiasmava – sabia ler e era o bastante. E para que, comentava: tenho

comida, televisão, revistas, perfumes, cama..., não preciso mais nada, a não ser um

namorado, um belo namorado!

Certa noite, voltando de uma discoteca, Maria tagarelava com sua colega Mercês; uma

amiga vizinha de apartamento:

- Mercês, aquele moço com quem você dançava hoje, ele estava com os olhos em

mim. Estava enganando você, Mercês!

- Não, Maria. Ele é meu primo! A semana que vem iremos de novo e irei apresentá-lo a

você. José é o seu nome; Zé!

Maria conheceu Zé no outro domingo, na mesma discoteca. Após um ano de namoro,

casaram-se. Antes do casamento, faziam planos conjuntos de fazerem uma bela casa; ter

um filho doutor, outro construtor, outro jogador de futebol...; descreviam e pintavam os

futuros filhos e planejavam suas carreiras, desconsiderando as variáveis que o destino nos

impõe – talvez porque quando jovens, naturalmente somos despreocupados com o alicerce

que sustenta nossos sonhos. E com esses vendavais de constantes transformações, o

maior de nossos desafios é e será convivermos com as repentinas mudanças de rumo em

nossas vidas, deixando de lado as desilusões, os sentimentos e partindo frios em busca da

sobrevivência, até que a crueldade social nos absorva o corpo, a alma e nos sucumba de

vez ao nosso imenso e eterno destino.

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Zé trabalhava numa oficina de lanternagem e pintura. Achava o salário bom, mas após

cinco anos de exposição aos vapores de tintas começou a sentir-se incapacitado para o

trabalho. O dono da oficina, reconhecendo seu desempenho, deslocou-o para o setor de

mecânica – são atitudes boas, de respeito, que fazem o trabalhador sentir-se seguro e

melhorar seu desempenho.

Maria continuou a trabalhar na casa da mesma família, até o nascimento do segundo filho.

É que, dois meses após o nascimento de seu filho, seu patrão Naves foi despedido, por

causa de seu salário e idade acima de quarenta anos. A sua patroa disse-lhe que o patrão

dele estava fazendo uma restruturação no quadro de pessoal de sua empresa, demitindo

os velhos de casa e admitindo gente nova, mais jovem, para enfrentar a concorrência.

Lamento, dizia ela, esses ventos de egoísmo que desestruturam nossas famílias e deixam-

nos sem condições de seguir sem caídas, pois nessas ondas de miragem do lucro, os ricos

ficam mais ricos e os pobres e deserdados ficam com as privações, desesperanças e

incertezas de uma vida digna.

Com tanta gente adulta sem emprego, naquela década, estendidas até o início deste

século, o país conviveu com a falta de trabalho, de produção, de consumo, de riquezas em

circulação e ficou mais pobre, devido à falta de políticas de investimento, de mais emprego,

de mais salário, para incentivar o consumo, a produção, e gerar mais riqueza e

desenvolvimento – os EUA cresceram muito através de seu mercado interno.

Maria foi despedida, com pesar, pela patroa. Mas não passou muito tempo, começou a

lavar e passar roupas para famílias próximas à sua casa. Não querendo mais ter filhos,

decidiu ir ao posto de saúde e pedir aos médicos para operá-la; mas diziam que era nova e

o Governo não permitia tal gasto. Teve outro filho. Implorou a operação na ora do parto,

mas em vão. Ganhou outro filho (o quarto) – faltam aos governos implementação de

programas de controle de natalidade nas faixas de renda baixa nos grandes centros

urbanos.

Com a globalização neoliberal dos países ricos nos anos noventa e início deste século

(correspondeu à imposição da supremacia dos países ricos sobre os demais países, para

expandir seus mercados e mantê-los como superpotências), começaram, no Brasil, a

trocarem produtos nacionais, que geravam emprego aos seus cidadãos, por produtos do

exterior, sob a alegação de menores preços e maior qualidade. Zé, já à beira dos quarenta

anos, perdeu o emprego. Tentou outro emprego, mas os empregos escassearam,

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principalmente para pais de família de sua idade. Impossibilitado de obter renda para o

sustento de sua família, deprimiu-se e sua saúde começou a decair ainda mais e, por fim,

pegou uma asma que lhe consumiu o resto da saúde – reflexos das exposições às tintas,

da depressão, da desesperança e da pouca alimentação.

Deveria haver por parte dos governos programas de amparo às famílias nos grandes

centros urbanos, aconselhando-as e ajudando-as a procurarem novos caminhos em

cidades menores, ou em cidades com falta de mão-de-obra, onde possam encontrar um

trabalho, um pouco de sossego, onde ainda é mais fácil a criação dos filhos, onde a

violência é menor e a acolhida ainda amiga.

Certo dia, Zé, desesperado, pegou o menino mais velho e saiu à procura de uma instituição

de caridade. Lá chegando, entrou e atrapalhadamente solicitou a presença da superiora e

foi logo desabafando:

- Senhora, não mais posso ver esse menino e os demais sem o que comer. Venho aqui

pedir que o encaminhe para adoção.

- Mas senhor, não podemos recebê-lo, assim, sem a presença de sua esposa!

Zé segurou as mãos do menino e saiu pela porta que entrou. Após passar pelo jardim,

olhou o menino, beijou-o e pediu-lhe para ficar quietinho ao lado do portão, que voltaria

logo. Não voltou. Pensava consigo que a sorte do menino, assim, haveria de ser melhor do

que se estivesse em casa. Ao voltar a sua casa, disse à mulher que andara procurando

emprego, mas não conseguira nada. Maria, vendo o marido só, percebeu a ausência do

filho:

- Zé, onde está o Toninho!? Deixei-o com você! Onde o colocou, Zé!?

- Não sei, mulher! Já disse, fui procurar emprego. Deixei os meninos aqui em casa.

O menino, para dor da mãe, não mais voltou ao lar.

Com os constantes anúncios de meninos sumidos aqui e acolá no Brasil, os filhos de Maria

também foram sumindo.

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Certo dia Maria saiu de casa à procura dos filhos perdidos e não mais voltou. Dizem que

saiu pedindo e rezando alto: Maria, Virgem Santa, concedei-me a graça de rever meus

filhos! Deus Pai, todo poderoso, tirai-me este fardo de desamparo e sofrimento! Ave Maria!

Pai Nosso!

Zé, não mais tendo família, abandonou a casa e foi à procura de Maria.

Onde estarão as Marias, os Zés e seus filhos órfãos? Por certo estarão sem memórias nas

ruas, juntando-se aos miseráveis sem teto, sem escola, sem família, drogados, sem pátria.

No bairro, não mais se ouviu falar em Maria, em Zé e nos filhos. Onde estarão!?

Ninguém sabe. Sabemos apenas que Maria e os filhos estão ausentes; que o Zé está

demente; e igualmente muitos cidadãos brasileiros e de outros países. Muito por causa de

políticas restritivas de sistemas de poder político e econômico que priorizam somente o

crescimento e geração de renda a parte da população, deixando milhares de cidadãos sem

esperança de uma vida mais digna de ser vivida; de concentração exagerada de fábricas,

de indústrias e de serviços, em locais já saturados de gente e de recursos, que encarecem

os custos de infraestrutura física, de políticas de segurança, de saúde, de educação e de

lazer.

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Jabuticabas

Os frutos de jabuticabeiras podem ser pequenos, médios e grandes. São ricos em tanino;

uma espécie de substância utilizada para curtimento do couro. São muito utilizados para

fazer vinhos, licores, geleias, balas e doces. Mas o melhor é saboreá-los no pé, até não

poder mais; e apesar de às vezes dar prisão de ventre, é gostoso comê-los com casca,

caldo e caroço. Normalmente seus frutos dão nos meses chuvosos; mas existem

jabuticabeiras temporãs, que dão frutos o ano inteiro – depende mais da umidade e

temperatura do local.

As jabuticabas são muito visadas pelas maritacas, que juntam-se nas jabuticabeiras em

bandos, quando começam a ficarem maduras.

Não encontrei ainda alguém que chupasse apenas uma adocicada pretinha. Quando se

começa a chupar, chupa-se uma, duas..., dez..., cinquenta..., até o intestino dar o sinal de

cólica e a cabeça doer – vale o ditado: quando a gula é demais o corpo padece.

Quando criança, nas casas de minhas tias tinham vários pés. Uns davam jabuticabas tão

doces que não aguentávamos comer muito delas, pois davam enjoo; outros pés davam

jabuticabas doces, mas não tão doces, e comíamos muitas; mas o preferido era um pé de

jabuticabas grandes, a que chamávamos pé de “Olho-de-boi”, porque as jabuticabas eram

pretas e grandes como os olhos de um boi.

Quando chegava a época da fruta os galhos ficavam cobertos de verde e aos poucos iam

amadurecendo os frutos e os galhos ficavam pretos com tanta jabuticaba, chegando a hora

de soboreá-las – jabuticabas nascem coladas nos troncos das jabuticabeiras.

Sendo a casa de uma de minhas tias, minha prima era a porta para a comilança. Subíamos

no pé e passávamos horas saboreando-as – as adocicadas pretinhas ou pretonas. Às

vezes brincávamos ou até brigávamos ao comê-las.

No pé de Olhos-de-boi, sempre brincávamos:

- Olha que grande olho de vaca, prima!

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- É da fulana!

- Não, é da beltrana!

- Olha essa, primo, é grande como o olho do Bruno da escola! Colocava a jabuticaba

na boca, mastigava e logo cuspia.

- Por que fez isso, prima?

- Porque ele é um chato, um grosso!

- Nossa, prima! Essa aqui parece com os teus olhos!

- Chamou-me de vaca, primo!?

- Vou comê-los.

Coloquei a jabuticaba na boca, mastiguei e engoli rápido. Ela disse que aquele gesto era

estupro.

- Nossa! Mas assim, assim, sem nenhum beijo ou carinho? Não gostas de mim? Pois

se gostasses iria beijá-la, colocá-la na boca, fazer uma horinha, retirá-la, beijá-la e depois

sim, sentir a doçura de meus olhos. É assim que se faz quando gosta de alguém.

- Ah, prima, não confundas as coisas. É só uma brincadeira!

- Mas comer os meus olhos assim, sem beijos e carinho é estupro!

- Estupro! Que palavra é essa, prima?

- Minha mãe falou que é violência ao nosso direito de sentir a felicidade.

E conversa vai, conversa vem, terminávamos com a barriga cheia e um pouco de dor de

cabeça. Mas enquanto tivesse as pretinhas ou pretonas, estávamos nos pés, comendo as

adocicadas e brincando.

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Tonico, o Tricolor

Por volta de 1963 conheci um grande torcedor do Fluminense Carioca.

Morávamos em Bom Sucesso, MG, onde radiava jogos do Rio de Janeiro. Assim, os

bonsucessenses torciam apenas para os times do Rio de Janeiro: Botafogo, Vasco,

Fluminense e Flamengo, principalmente.

O Tonico era um dos poucos bonsucessenses a ter boa condição financeira; por isso um

dos poucos a ter em casa uma TV naquela época.

Íamos para sua casa – eu acompanhava meus irmãos mais velhos, amigos dele – pra

assistir aos jogos do Fluminense. Na hora do jogo, o fanático Tonico Tricolor ligava a TV,

baixava seu som e ligava o do rádio na maior altura. Era uma loucura quando o Flu

atacava; um silêncio sepulcral quando o fluminense defendia. O Tonico baixava o volume

do rádio e pedia para falar quando a bola saísse da área do Flu. Mas quando o Fluminense

estava bem no jogo, ele permitia ouvir todo o jogo.

Era o Tonico um torcedor fanático. Mas nunca brigava por futebol. No máximo, gozava toda

a turma quando o Flu estava por cima e ausentava-se quando este em decadência ou nos

casos de derrota.

Quando os colegas de sua idade estavam reunidos na praça central – ele morava bem em

frente ao meio da praça – se o Tonico aparecia, já ia logo indagando sobre o que falavam e

disparava anedotas sobre o Vasco, o Flamengo e o Botafogo. O Flu era sempre o maior,

em qualquer condição. E desde cedo, nos carnavais, no 'Clube dos Setenta', em Bom

Sucesso, MG, a fantasia do Tonico, como era chamado, era uma camisa do fluminense,

todos os dias e anos.

Um dia estava na praça acompanhando meus irmãos e seus amigos – na verdade meus

irmãos tomavam conta de mim, pois era muito pequeno em tamanho e idade – quando o

Tonico Tricolor apareceu do outro lado da praça em relação à sua casa, no passeio.

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Percebendo que discutiam sobre futebol, gritou: quem tá falando mal do Flu? E os

vascaínos, botafoguenses e flamenguistas, em coro, começavam a ironizá-lo e colocá-lo

mais exaltado. Quem vai ser o campeão seus trouxas! Quem!? O Flu! Lógico! E o coro

contra erguia a voz e o deixava calado e vermelho de raiva. Aí a discussão ia por várias

horas, até o cansaço de todos em expor os argumentos contra e a favor de seus times

favoritos. Ninguém tinha razão e ninguém estava errado – todos eram torcedores. Ao final,

todos cansados, de tanto falar e gritar iam rindo para suas casas. Nunca uma discussão

terminava em confronto físico, o que era bom, pois sabíamos que no outro dia haveria

novas discussões, o que ampliava o entendimento deles de tudo de futebol.

Certo dia reuniu em sua casa, no terreiro, muitos amigos torcedores contra e a favor do Flu

para brincadeiras: vôlei, pulo com vara (cabo de vassoura ou bambu), pelada, e ouvir e

assistir ao jogo do fluminense pelo rádio e TV.

Fatalmente, muito cedo perdeu a mãe e depois o pai. Não demorou muito, teve de mudar-

se da cidade.

Muitos anos depois ouvi falar do Tonico – eu já estava adulto. Ele não havia casado.

Aposentou-se como jornalista.

Há poucos anos atrás, o Tonico costumava ligar para antigos colegas, mas apenas

cumprimentava e colocava o hino do Flu no gancho do telefone e deixava por uma hora,

sem parar. Não ligava para o valor da conta do telefone. Queria apenas se comunicar como

torcedor fanático. No caso do meu irmão, além desse fato, era para despertá-lo de seus

afazeres, sempre atarefado, ligado “24 horas/dia” ao seu trabalho.

Não muito tempo, falaram-me que encontraram o Tonico morto em seu apartamento, vítima

de um infarto. Sua curta morada fúnebre foi coberta com a bandeira do Fluminense.

Lamentamos muito a perda desse bonsucessense, tricolor bonsucessense, que jamais

esqueceremos.

E para comemorar sua partida, agrego cá alguns trechos do hino do Fluminense,

remexidos do seu jeito tricolor:

“Sou do clube tantas vezes campeão;

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Fascinante pela sua disciplina e domínio, eu amo sua camisa tricolor.

Sou tricolor de coração!

Salve o querido pavilhão de suas cores, unidas fortemente pelo esporte, pela paz,

esperança e vigor.

Sou tricolor de coração!

Vence o Fluminense com o verde da esperança, retumbante de glórias e vitórias mil.

Vence o Fluminense com o vermelho de sangue forte, cheio de amor e de vigor...

Vence o Fluminense usando o branco da paz e da harmonia, que brilha como o sol da

manhã...

Salve! Salve! Querido tricolor!”

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Emoção e Razão

1. Emoção x Razão x Emoção:

Mãe:

Nosso filhinho quer ir à Fortaleza no fim de semana, aproveitando o feriado. Vai permiti -lo

ir?

Pai:

Este mês o orçamento não permite. Vamos ver outra época.

Mãe:

Mas todos os colegas dele irão – somente dois, na realidade iriam.

Pai:

Fora de questão. Não posso gastar mais do que ganho. Convença-o a fazer outro

programa mais barato.

Mãe:

Filhinho, teu pai não quer deixar você ir desta vez. Vamos ver outro programa por aqui,

querido. Um dia vou arranjar um emprego e darei tudo o que você pedir, meu lindo.

Filho:

Pô, mas o pai nunca deixa eu viajar com meus colegas! Por que os pais deles deixam e

ainda dão dinheiro para eles gastarem? Tô de saco cheio dessa vida de dureza! Não posso

fazer nada!

Pai:

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Filho, e os estudos, como vão? Olhe que o teu futuro melhor depende de um bom emprego

e consequentemente de teus estudos. Lembre-se disso. Não vou viver para sempre,

ouviu!?

Filho:

Mas, pai, você só pensa em estudos. A gente tem que viver também!

Pai:

Vamos ver uma coisa,..., um trato. Boas notas na escola, praia nas férias, certo!?

Filho:

Por que minha mãe não pensa assim? Ela deixa eu fazer tudo que eu quero!

Mãe:

Não adianta, filhinho, venha comigo, concordemos por ora com ele!

2. Emoção x Emoção x Emoção:

Mãe:

O nosso filhinho, quer ir à Fortaleza no fim de semana, aproveitando o feriado.

Pai:

Este feriado!? Temos de dar um jeito, meu amor! Estou apertado de grana, mas vamos ver

se fazemos um empréstimo e ajudaremos nosso filhinho. Ele merece! E a vida é curta, não

é!?

Filho:

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Eh paizão, você é o melhor do mundo. Vou aproveitar muito com meus colegas. Depois, na

volta, eu penso nos estudos – dureza ter que estudar com esse mundão maravilhoso para

divertir!

Pai – no fim do mês:

Querida, a coisa está preta. Minhas contas estouraram. Não sei o que fazer! Gastamos

mais do que nosso orçamento!

Mãe:

Mas você não fez as contas direito? Nesta casa nunca tem nada! Falta tudo!

Filho: Mas é só voltar pra casa que tudo vira inferno. Estava tão bem na praia! Tudo

tranquilo! Vocês me enchem o saco com suas brigas!

Pai:

Calado!

Mãe:

Não grita com meu filho! Quem mandou você fazer o empréstimo! Agora aguente!

Pai:

Ai meu Deus! Estou passando mal. Meu Peito dói.

Mãe:

Meu Deus! Meu filho, teu pai está morrendo! Pede socorro a alguém, por favor!

3. Razão x Razão x Emoção:

Mãe:

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Veja só! O nosso filho quer ir à Fortaleza no fim de semana, aproveitando o feriado.

Pai:

Este feriado!? Mas estou apertado de grana e parece que o comportamento dele não

permite que demos a ele prêmio algum, não achas!?

Mãe:

É, também acho isso!

Filho:

E aí pai, mãe, vou ou não vou!?

Pai e Mãe: Não irás! Estamos sem dinheiro e seu comportamento não permite que tenhas

esse prêmio; estás com notas baixas na escola e andas dizendo e fazendo muitas coisas

que não gostamos.

Filho:

Mas que inferno, é só cobrança em minha vida! Não posso ter nem fazer nada! só

obrigação!

Pai:

Calado!

Mãe:

Não grites conosco! Você vai ficar de castigo, não irás a festas, a praias, enquanto não

mudares teu comportamento aqui e na escola. Onde já se viu, filho querer dar ordens em

pais, ameaçarem pais e fazê-los reféns de seus sentimentos e manhas! Quem manda aqui

somos nós – teu pai e eu. Você tem que nos ouvir e aceitar nossas vontades até que fiques

adulto e aí sim, cuidar de tua vida como quiseres, mesmo que nos seja pesaroso aquentar

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suas decisões erradas. Agora vá e cuide de seus afazeres e de se modificar para merecer

o que queres ter.

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Além da Terra

A partir da teoria de Darwin, cientistas evolucionistas explicam que o homem foi produto da

evolução de seres na Terra, que todos os seres evoluíram de um ser para outro até o que

hoje conhecemos, e que todas as espécies vivas continuam a evoluir, apesar de nossa

capacidade de percepção não identificar tais mudanças. Contudo, desde Darwin os

cientistas ainda não explicaram quem foi criado antes: o ovo ou a galinha, ou as demais

aves; o esperma ou o óvulo, ou o ser humano e os demais mamíferos; o pólen, a semente

ou as plantas, etc. Os Darwinistas aceitam a evolução, mas não aceitam a existência de

Deus como único criador.

Acredito na seleção natural, mas não que tudo em nosso planeta surgiu de uma evolução

de seres orgânicos simples para seres orgânicos complexos como os vegetais ou os

mamíferos ou ovíparos, etc. – e isso é muito complexo e talvez ainda leve milhares de anos

para desvendar-se o milagre da vida, tal qual ela se nos apresenta sob todos os ângulos e

formas.

Por que não aceitar o milagre da existência de um criador, diante do milagre da existência

de tudo que vemos: a escuridão, a luz, os gases, a poeira cósmica, as forças gravitacionais

e magnéticas, os minérios, as rochas, as galáxias, as estrelas, os planetas, as

combinações químicas que propiciaram a existência do ar, da água, dos ácidos, dos sais

minerais e da vida orgânica?

Será que a ciência poderá algum dia desvendar o milagre da existência dos seres vivos

sem considerar a existência de um criador!?

Nos escritos religiosos aborda-se que após a criação do firmamento, Deus (o criador de

tudo que existe), criou todos os seres na Terra – há de se considerar que o tempo descrito

nesses escritos é tão pequeno em relação à cronologia do plano celeste (talvez

bilionésimos de segundos em relação à nossa existência), que provavelmente os autores

bíblicos acabaram por representá-lo apenas simbolicamente.

Assim, escrevo que o início de tudo foi o milagre do surgimento do Cosmos, solitário,

pequeno, escuro e frio. Desse milagre, depois de milhões de anos uma imensa pressão no

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centro de toda a escuridão fez surgir o milagre da luz – e Deus era parte da escuridão e da

luz. Depois de milhões de anos, a partir da luz foram gerados gases; e desses, após

milhões de anos, reações explosivas que geraram poeira de elementos químicos; e dessa

poeira surgiram rochas. E por um milagre surgiu a gravidade e o magnetismo, para tudo

ficar unido numa única fôrma no cosmos. E depois de milhares de milhões de anos

expandiu-se a luz e uma imensa massa de matéria muito quente explodiu em várias partes,

formando o milagre da existência das estrelas e dos planetas; e depois de milhares de

milhões de anos o firmamento estelar se consolidou e continuou a se expandir para manter

o equilíbrio das forças que fazem as galáxias, antigas e novas, flutuarem dentro da massa

escura do Cosmos. E após milhões de anos, nos planetas surgiram gases, vapores e

nuvens; e dessas a chuva, os rios e os mares.

Depois de milhões de anos, por um milagre, Deus fez-se corpo e espírito; e depois de

milhares de anos, sentindo-se só, criou os anjos à sua semelhança. Depois criou várias

formas de vida e, junto com seus anjos, espalhou vidas nos milhares de planetas em

condições dela se fixar e se multiplicar.

Depois de milhares de anos, Deus e seus anjos visitaram os planetas onde a vida se

multiplicou e colocaram neles sementes de plantas e vários animais aquáticos da mesma

espécie e de espécies diferentes que criara. Como as estrelas habitáveis eram em grande

número e muito distantes umas das outras, demoraram milhares de anos para retornarem à

Casa Celeste.

Milhões de anos se passaram e Deus ordenou a seus anjos que voltassem aos mesmos

planetas para verem o que havia acontecido e ordenou-lhes que levassem milhares de

animais e plantas da mesma espécie e de espécies diferentes, semelhantes a tudo que

conhecemos e não conhecemos, para que fossem colocados em seus solos e se

multiplicassem para que não perecessem. E os anjos cumpriram a vontade do Altíssimo e

de volta à casa celeste lhe relataram tudo.

Milhares de anos se passaram e Deus ordenou novamente a seus anjos que voltassem aos

planetas para verem o que havia acontecido com toda sua criação. E ordenou-lhes que

alguns grupos de anjos fizessem suas moradas nos planetas que estivessem, para cuidar

de tudo que havia colocado neles e que exterminassem toda vida que pudesse colocar em

risco as outras espécies menores, pois vários animais cresceram desproporcionalmente em

vários planetas. E os anjos cumpriram as ordens de Deus e alguns deles voltaram aos

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planetas em suas arcas voadoras, após percorrerem o firmamento por milhares de anos. E

após cumprirem as ordens de Deus, voltaram à casa celeste. Confidenciaram-lhe que os

anjos que ficaram nos planetas necessitavam de se multiplicarem como os demais seres,

para cuidarem melhor de toda a criação.

Milhares e milhares de anos se passaram e Deus, junto com seus anjos voltaram aos

planetas para verem o que havia acontecido. Juntou aos anjos que estavam na Terra

outros com capacidade de reproduzir tal qual os animais, com diversas características

diferentes, como cor da pele, sexo, cabelo, sangue, olhos e formato físico e deu-lhes o

nome de homens e mulheres, para que gerassem outros seus semelhantes mais fortes e

se adaptassem melhor às condições em que deveriam viver com o próprio trabalho e suor

de seus rostos. E proibiu a eles de se unirem aos seus filhos e que ensinassem aos seus

filhos a não se unirem com os filhos e filhas dos que lhe deram vida e nem uns com os

outros resultantes da mesma união, mas com os filhos e filhas de outros homens e

mulheres gerados a partir dos demais anjos que viraram homens e mulheres. Feito isso,

Deus disse a eles que seus dias não mais seriam eternos e os dias de seus filhos seriam

dez vezes menores, pois do contrário a Terra não comportariam tantos seres. E disse aos

homens e às mulheres que estaria com eles por todos os dias de suas vidas, dentro de

suas memórias e de seus corpos, através da força de seu espírito; e que para falar com ele

deveriam orar, serem fiéis às suas ordens e vontades e serem bons. E disse aos homens e

às mulheres quais alimentos poderiam comer e dos líquidos que poderiam beber. E assim

se fez. Depois, Deus e os demais anjos voltaram à casa celeste. E, por certo, Deus fez o

mesmo nos outros planetas que visitara.

Depois de milhares e milhares de anos Deus e seus anjos celestes retornaram à Terra e

ficaram maravilhados com os acontecimentos e a beleza de tudo e mais maravilhados com

os seus semelhantes, que se multiplicaram como os outros animais. E tudo o que tinham

visto foi o mesmo nos demais planetas. E tudo que Deus viu foi por ele aprovado e encheu-

o de júbilo; e disse aos seus anjos acompanhantes que deveriam voltar à Terra e aos

demais planetas, de tempos em tempos, e acompanhar toda a evolução dos seres vivos e

todos os acontecimentos; e depois voltarem à sua casa para reunirem-se em conselho

celeste.

Milhares e milhares de anos se passaram e os anjos celestes após visitarem a Terra

retornaram para a casa celeste e relataram ao altíssimo, que os homens e mulheres, após

a morte de seus genitores anjos-homens: não mais agiam para construir e preservar o que

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criara na Terra; e seus descendentes o esqueceram e começaram a viver de acordo com

seus pensamentos, criando símbolos e outros deuses terrenos para serem adorados; e que

após criarem a moeda em suas relações de troca uns com os outros, a Terra ficou

infestada pela praga do poder da vaidade de homens e de mulheres, que começaram a

usar o dinheiro para o mal e por ele e em nome dele, começaram a praticar o egoísmo, o

desamor, a ganância, o adultério, a prostituição, a corrupção, o entorpecimento do corpo e

a guerra para destruir tribos e nações menores e fazerem escravos seus semelhantes.

Após o relato dos anjos, Deus irou-se e enviou à Terra outros anjos para que mostrassem

aos homens que deveriam ser bons, viverem em paz e seguir sempre o bem e preservar o

que criara; e demonstrou seu poder aos homens através da destruição de muitas obras da

humanidade em toda a Terra.

Após milhares de anos, a humanidade começou novamente a pecar, e alguns homens

proclamaram-se iluminados e criaram imagens de deuses na Terra para perpetuarem-se no

poder; e fizeram muitos de seus semelhantes escravos, e pela força de seus comandantes

fizeram com que milhares de homens e de mulheres seguissem suas imaginações e

perversidades, esquecendo-se do altíssimo.

Após milhares de anos, vendo a perversidade entre os humanos na Terra, Deus fez com

que legiões de anjos, de tempos em tempos, iluminassem o nascimento de homens e de

mulheres com capacidade de preverem acontecimentos e modificarem os hábitos de todos,

através de suas inteligências e atos, para melhoria das condições de higiene, de bem-estar

e de justiça entre homens e mulheres.

Há registros religiosos que descrevem que um homem com o nome de Abraão quis se

reconciliar com Deus. Então Deus o ouviu e fez dele o patriarca de várias nações e povos,

que o seguiram e deram origem a várias religiões na Terra, pois através delas, que

continham preceitos de retidão e de leis de convivência uns com outros e com a natureza,

os homens poderiam viver em paz e serem mais justos uns com os outros e com as coisas

de Deus.

E noutros registros religiosos consta que Deus aqui retornou e entregou para Moisés

mandamentos de bem viver para os homens, escritos em fogo em uma pedra, com os

seguintes ensinamentos: “não terás outros deuses estranhos em minha presença; não

farás para ti esculturas, nem imagem alguma para adorar e nem lhes prestarás culto; não

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tomarás o meu nome em vão; guardarás o sétimo dia para descansares e orares; honrarás

teu pai e tua mãe; não matarás; não cometerás adultério; não furtarás coisa alguma; não

dirás falso testemunho contra o teu próximo; não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem

nada que lhe pertença”.

E consta também, nesses registros, que após anos passados enviou também anjos para cá

para que colocassem seu próprio sangue como testemunho entre os homens e pregar-lhes

a importância da prática do amor a tudo que há na Terra, mesmo que fosse agredido e

morto, mas provando-lhes, através da vitória sobre a morte, que Deus quer que os homens

se reconciliem com sua obra e pratiquem apenas o bem – Jesus Cristo foi teu nome. E ele

deixou-nos seus ensinamentos nos evangelhos do Novo Testamento Bíblico, escritos por

seus apóstolos, para construção da paz no mundo. De seus ensinamentos para a

construção da paz na Terra, cito: “amai ao próximo como a ti mesmo;; bem-aventurados

sejam os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus; amai os vossos inimigos, fazei

bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; sede perfeitos

como vosso Pai celestial é perfeito”. Antes de ser preso e condenado, advertiu a Pedro,

seu discípulo, que não deveria usar a espada para protegê-lo dos soldados , dizendo-lhe:

“Pedro, o reino dos céus não será construído através da espada” (por certo se referia a

armas de toda espécie que matam uns aos outros).

Essas mensagens reveladas por Jesus Cristo poderiam estar sendo seguidas por todos os

governos na Terra, banindo as armas de fogo nas relações internacionais, construindo uma

nova era de paz e prosperidade. Assim, talvez a humanidade pudesse galgar progressos

maiores na busca de novos conhecimentos e novas tecnologias a serviço da vida e

conquista do espaço, banindo da Terra as discórdias e matanças entre as nações em nome

de Deus – as religiões devem existir para construir a paz divina entre os povos e não para

a prática de genocídio e extermínio da vida.

E por certo Deus enviou outros anjos para que iluminassem outros Profetas como Buda,

Maomé e outros, para anunciarem a paz, a prática do bem-comum e fazerem perpetuar o

amor e respeito à sua criação.

Contudo, mesmo com todas as leis anunciadas pelo altíssimo, o livre arbítrio da

humanidade tem levado ela a escolher a intolerância e a guerra como pretexto da vitória do

bem contra o mal, contrariando as Leis de Deus e pecando contra sua obra. E muitos

homens e mulheres não mais louvam e agradecem ao altíssimo pelo milagre de nossa

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existência, e há muitos que já não mais acreditam em sua existência e acham que seus

interesses são maiores do que os interesses de Deus. E há lugares em nosso planeta

Terra que homens e mulheres se apropriam do poder político para proliferarem a pobreza e

ignorância de parte de suas populações, para satisfazerem suas vaidades profanas de

serem os mais abastados e os mais poderosos, usurpando de milhares de homens e de

mulheres: o direito a uma vida digna, sem moléstias evitáveis; o direito à assistência

médica, ao acesso a esgotos sanitários e água tratada, à moradia e comida para se

alimentarem; e também agridem a natureza terrena criada por Deus e matam, queimam e

exterminam a vida criada pelo altíssimo, tudo para poderem viver com luxúria e gula.

Acredito que Deus quer que cuidemos de nosso corpo, pois ele é a extensão da sua casa

aqui na Terra. Se estivermos com ele, estará sempre conosco, pois foi essa a herança que

nos foi dada quando nos criou homens e mulheres. Em momento algum, acredito, Deus e

seus anjos proibiram o homem de progredir e procurar o bem-comum comunitário, sem

distinção de qualquer um de seus semelhantes – brancos, negros, amarelos, vermelhos,

todos são filhos de anjos celestiais, criados por Deus.

E todos nós devemos ficar atentos em nossas ações, pois a qualquer bilionésimo de

segundo do plano celestial, Deus e seus anjos aparecerão a toda a humanidade e

manifestarão sua ira diante de todo o mal que nos corrompe.

Por tudo isso, acredito que anjos estão, a milhares de anos, cumprindo a vontade do Pai

Celestial a todo instante de toda nossa existência – que para Deus representa apenas

microssegundos – até que o ser humano evolua seus hábitos e venha a se tornar especial

e cumprir a vontade de seu criador: ser bom e cuidar de toda sua criação. E é provável que

tudo o que fez aqui, fez igualmente nos outros planetas visitados por ele e por seus anjos

celestes.

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Perigo ao Planeta Terra

Há muita polêmica em torno do aquecimento global. Quem está certo ou errado, somente

Deus sabe.

Em uma entrevista entre apologistas à afirmação de que o homem é o grande responsável

pelo aquecimento global e um físico pesquisador do fenômeno do aquecimento da terra,

este último afirmou que apenas quatro por cento do aquecimento da Terra é de

responsabilidade do homem, e o percentual restante é devido ao comportamento do Sol e

dos oceanos. Disse ele, que a partir de 2015, de acordo com dados estatísticos, a terra

começará a entrar em um longo período de resfriamento, embora com variação muito

pequena de ano para ano. Os demais participantes eram enfáticos na defesa do controle

da poluição causada pelo homem para diminuir o aquecimento global. Discussão à parte,

ao final o que toma corpo na mídia e nas instituições educacionais é de que o aquecimento

global é causado pelas ações do homem. Contudo, todos concordam que o homem deve

criar dispositivos institucionais para coibir ações humanas de extermínio das espécies

animais e vegetais, protegendo os ecossistemas naturais da Terra. E para reforçar essa

ideia, a Dona Cerebrina, como educadora, com certeza não fugiria à regra.

A professora Cerebrina explicava aos alunos o efeito da poluição atmosférica sobre a

camada de ozônio e esquentamento da Terra:

“O ozônio, dizia ela, simbolicamente representado por (O3), surgiu na natureza através da

combinação química do oxigênio, cujas moléculas uniram-se em forma de trinca, de forma

a prover a estabilidade atômica em seus níveis ou camadas de valência mais alta – quatro

moléculas não poderia ser, pois haveria divisão e transformar-se-iam em oxigênio, cujo

símbolo é (O2). Alguns estudiosos contestam essa visão das ligações moleculares, assunto

que omito discernir por não conhecer. Assim, a natureza permitiu a combinação de três

moléculas, determinando o surgimento do ozônio. Essa combinação é a responsável pela

proteção da vida na terra contra os raios ultravioletas emitidos pela estrela Sol – sem o

ozônio a vida na Terra não seria possível, pois o solo ficaria estéril pela intensidade dos

raios solares.

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Ao promoverem a revolução industrial, os homens começaram a poluir o ambiente e em

algumas de suas invenções utilizaram elementos químicos do grupo dos não-metais, tais

como o flúor e o cloro, dando origem aos CFC's. Esses componentes químicos possuem

inúmeras utilizações pois são relativamente pouco tóxicos, não inflamáveis e sendo muito

estáveis duram cerca de mais de um século para se decomporem. Uma vez em contato

com a natureza, segundo cientistas, sobem para a estratosfera completamente inalterados,

devido à sua estabilidade, e na faixa dos dez a cinquenta quilômetros de altitude, onde os

raios solares ultravioletas os atingem, decompõem-se, libertando seu radical, o elemento

químico cloro ou flúor. Uma vez libertos, um único átomo deles destrói milhares de

moléculas de ozonio antes de regressar à superfície terrestre, muitos anos depois.

O oxigênio, com apenas seis elétrons em seu último nível de valência, mesmo combinado

entre si para completar os oito átomos é muito suscetível a ataques de outros elementos.

Atacando o ozônio, o flúor e o cloro dão origem aos elementos monóxido de cloro (CLO) ou

monóxido de flúor (FLO), quebrando o ozônio e eliminando a proteção atmosférica da terra

contra os raios ultravioletas do sol.

Ao perceberem o fenômeno, a comunidade científica conseguiu que fossem

implementadas algumas medidas em alguns países, como a proibição de utilização de

gases contendo flúor e cloro nos processos industriais. Mas nem todos os países

industrializados adotaram medidas nesse sentido, principalmente pelo fato de não afetá-los

diretamente, embora todos os humanos sintam os reflexos dos desequilíbrios na

temperatura do globo terrestre, causada também pelo excesso de carbono na atmosfera

proveniente dos processos de queima de derivados químicos lançados diariamente na

mesma.

Além disso, temos a agir sobre o nosso planeta os gases estufa: o Dióxido de

Carbono(CO2), o Metano (CH4), o Óxido nitroso (N2O), e os próprios CFC´s, que absorvem

alguma energia da superfície da terra, e devolvem-na de volta. Como resultado, a

superfície recebe quase o dobro de energia da atmosfera do que a que recebe do Sol,

tornando-se mais quente.

Muitos cientistas sustentam que o gás Metano, vinte vezes mais potente que o Dióxido de

Carbono, são produzidos em sua grande maioria no intestino dos ovinos e dos bovinos,

fazendo a pecuária contribuir com aproximadamente 15% da poluição mundial.

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Muitos cientistas estão preocupados com esses fenômenos, principalmente com o buraco

na camada de ozônio no continente Antártico, local onde surgiu e continua sua ampliação.

Contudo, a comunidade científica não é muito ouvida pelos governos dos países

desenvolvidos (representados por seus poderes de legislar, de executar e de julgar), pois

seus cientistas somente estudam, observam e lançam teorias e prognósticos. No mundo

pragmático dos homens o único estímulo aos poderes é o poder consubstanciado no lucro

econômico – essa variável tem grande poder sobre as lideranças mundiais e poderá levar

ao colapso da Terra.

Falta à comunidade científica um canal de comunicação com os consumidores de todos os

países, sensibilizando-os para deixarem de consumir produtos com malefícios à

sobrevivência segura de todos os seres no nosso planeta, ou novos conhecimentos para

reverter o processo de esgotamento do ozônio na atmosfera, ou conter a emissão de gases

que provocam e aceleram o efeito estufa. Mas, enquanto o lucro econômico for o principal

determinante nas ações humanas, não haverá um firme empenho político global em

reverter esse processo.”

Dona Celebrina fez uma pausa, tomou um pouco de água, sentou-se e perguntou aos seus

alunos se estavam compreendendo suas explicações.

Nesse momento, a magra Isa levantou as mãos, pediu permissão para falar e disse:

professora, que tal adentrarmos no “mundo do faz de conta” do escritor Monteiro Lobato e

conseguirmos nos associarmos à mídia escrita e falada nacional e internacional, para

tentarmos resolver esse difícil problema?

A professora olhou para Isa, riu e continuou a falar.

E para encurtarmos, Isa, já farta de tanta falação sem solução, entrou “no mundo de faz de

conta” e tornou-se uma menina muito sabida e bem relacionada com todo o mundo

científico e governamental nacional e internacional. E ficou durante meses tentado

convencer os poderosos com suas falácias, mas nada conseguiu – mesmo falando que

poderia resolver o problema dos gases que soltam os ovinos e os bovinos, com a adição de

bicarbonato de sódio ou de folhas de funcho ou erva-doce na alimentação deles, ou

reduzindo o excesso de capim que comem, diminuindo a produção do gás metano.

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Perdendo as esperanças, isolou-se mais ainda “no mundo de faz de conta” e apelou para a

própria natureza, conversando com os animais terrestres, com os peixes, com as árvores,

com o mar, com as geleiras, e por fim com as nuvens e o Sol. Conclamou todos eles para

uma reunião com suas respectivas lideranças, com ela no comando. E no centro do grande

palco de convenções da Geleira do Norte, Isa começou a discursar:

- Meus caros amigos, participantes desta convenção, aqui não haverá representante

político da humanidade, pois eles não querem saber de nossa segurança. Estão todos

unidos e ligados na ciência da economia – acordam e dormem falando nela e em suas

consequências no mundo globalizado das leis da oferta e da procura de bens e serviços

produzidos por eles para o consumo geral, que possa proporcioná-los mais verbas para

seus gastos. Não lhes interessa se a dona geleira vai derreter e encher os mares ou se a

dona chuva vai alagar a terra e matar plantas e animais. Somente olham os números

econômicos e danem-se as consequências para a morada na terra. Assim, conclamo a

todos os participantes desta conferência, para que coloquem suas propostas e sua

praticidade para coibir as ações dos humanos diante da destruição deste planeta. A partir

deste instante, abro esta convenção e deixo a palavra com vocês.

O primeiro a falar foi o Dom Sol:

- Há Dona Isa, não posso fazer nada, pois minha natureza é continuar produzindo calor

para aquecer teu planeta. Desculpe-me dona geleira, mas você ficará muito prejudicada.

Por causa de minha ação e a desproteção da Terra em relação a meus raios, alimentarei

todos os ventos da terra e dos mares e farei surgir tempestades que inundarão todas as

costas dos mares e todas as regiões ribeirinhas e provocarei destruição a toda obra do

homem. Desculpem os animais terrestres e marinhos e a toda a flora terrestre e marinha,

mas será por pouco tempo, até que acordemos a humanidade para sua racionalidade

aparecer.

Isa olhou para o Sol, agradeceu meio tristonha e passou a palavra ao Dom Vento.

Dom vento olhou para o sol e com poucas palavras, disse:

- Obrigado Dom Sol, pois estarei contigo em sua empreitada.

Isa agradeceu ao Dom Vento e passou a palavra à Dona Nuvem.

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Dona Nuvem olhou para o Dom vento e para o Dom Sol e disse:

- Vocês farão com que eu me torne devastadora e provoque as tempestades, os

vendavais e as enchentes nos mares, nos rios, nos lagos e em toda a terra. Através de

vocês, infelizmente, serei implacável com todos os seres viventes.

Isa agradeceu a Dona Nuvem e passou a palavra à Dona Geleira.

Dona Geleira disse que sua curta existência após as ações do Sol, das Nuvens, do Vento e

dos homens, haveria de causar muitas enchentes aos oceanos e destruição aos litorais na

terra. Mas que não poderia fazer nada, pois somente os homens a poderiam salvar.

Restou, diante de tão desoladora revelação, os representantes dos animais e flora,

terrestres e marinhos, que não quiseram se pronunciar.

Isa olhou para todos, abaixou a cabeça e depois gritou:

- Então eu digo a todos vocês que a partir de agora minhas esperanças em salvar a

Terra estará exclusivamente nas mãos dos políticos e empresários desse planeta. E direi a

eles que seus olhares são míopes, pois não havendo condições futuras de vida na Terra, o

que adianta o lucro e o crescimento econômico? O que adianta a acumulação de riquezas

das nações e as estratégias de planejamento para crescimento econômico de longo prazo?

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Migalhas

No terreiro da casa onde moro tem um quintal com gramas e árvores – um pequeno pomar

– onde moram alguns passarinhos. À noite lá dormem os pardais, rolinhas, bem-te-vis,

bicos-de-lacre, e outros passarinhos. Pela manhã acordam cantando e saem voando em

revoada, dando lugar aos morcegos que dormem de cabeça para baixo nos galhos da

mangueira.

Resolvi certo dia acabar com o hábito que tínhamos de jogar restos de pães e arroz no lixo

e passei a jogá-los na grama. Em cinco minutos os passarinhos lá pousam e devoram tudo.

Migalhas de alimentos para mim, que eram atirados ao lixo, enchendo os já abarrotados

receptores de lixo urbano – e dizem os pesquisadores dessa área que sessenta por cento

do lixo urbano são detritos orgânicos.

Acordei de minha insensatez e percebi que essas migalhas poderiam servir de alimento

aos pássaros. Curei-me dela e passei a jogá-las aos pássaros.

Retribuindo ao meu gesto, todos os dias acordo com os cantos dos pássaros que no quintal

fizeram morada e pela manhã aproveito para ver seus encantos.

Mas com o passar dos meses percebi que os pássaros não mais comiam insetos e apenas

aquelas sobras, fáceis de conseguir no quintal; e nas árvores começaram a proliferarem

várias espécies de insetos (prejudiciais à frutificação de frutos sadios) que seriam alimento

dos pássaros. Para manter o controle biológico, corrigi minha bondade e reduzi as

migalhas lançadas aos pássaros e passei a evitar muitas sobras de alimentos em minha

casa.

Reduziram alguns pássaros preguiçosos em meu quintal, mas os que vinham tinham

alimento de sobra para comerem – insetos e poucas migalhas.

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Ações do Estado e Democracia

Pode uma nação com opção política pela democracia dar-se ao luxo de diminuir a

presença do poder do Estado no cotidiano de seus cidadãos?

Acredito que não somente a instalação de um Estado Autoritário pode cercear a liberdade

de seus cidadãos, mas também a ausência do próprio Estado, em suas ações

preventivas e efetivas de policiamento e do cumprimento das leis aprovadas pelo

Legislativo e das decisões do Judiciário, faz com que grupos de pessoas cerceiem a

liberdade dos cidadãos, propiciando atitudes autoritárias e ilegais, manchando o espírito

democrático.

Cito a seguir alguns exemplos desse tipo de cerceamento:

- Ao andarmos por locais públicos, como praias, ilhas e margens ribeirinhas, deparar-

nos-emos com nenhum tipo de presença do poder público como inibidor de abusos. Há

praias, ao longo do litoral brasileiro, por exemplo, que alguns grupos ou associações,

ocupam o que pertence ao Estado, à União – e este espaço é patrimônio de todos os

brasileiros, é bom lembrar – e simplesmente fecham o local com construções de casas de

altíssimo padrão e colocam guaritas de policiamento particular para intimidar os que

venham ali frequentar. Noutros locais, fecham o acesso ao longo de praias e cobram

pedágio ou entrada para estacionar próximo à mesma - um absurdo, compreensível à

medida em que não há Estado para resgatar o local público ao lazer de todos, sem

intimidações ou pressões psicológicas por parte de vigias, guardas particulares e

usurpadores. E por causa disso, os governos saem perdendo arrecadação, pois ao

permitirem a ocupação turística por uma minoria, deixam de incentivar o fluxo de turistas e,

por conseguinte, o fluxo de recursos financeiros que possam irrigar os locais turísticos.

Uma praia marítima, por exemplo, deve ser livre de casas em seu entorno, pelo menos a

quinhentos metros, para que além de cento e cinquenta metros, onde a onda se desfaz na

areia da praia, haja beneficiamento do poder público, como infra-estrutura de lazer, de

gastronomia, de jardins e áreas de preservação natural, de acesso e de policiamento

ostensivo, permitindo ao turista sentir-se livre e seguro para usufruir das belezas naturais

do local. O retorno virá com a geração de fluxos financeiros deixados pelos turistas aos

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municípios – e crescendo o município, tanto os governos como o comércio e a indústria

ganham;

- Nas escolas públicas vemos outro fator de cerceamento da liberdade e garantias de

crescimento e desenvolvimento intelectual e futuro profissional dos alunos, à medida em

que o Estado permite a indisciplina dentro e no entorno das escolas, tornando o

aprendizado – mesmo com vultosos recursos gastos com instalações, equipamentos e

investimento na preparação do corpo docente – difícil de assimilação pelos alunos e de

transferência de saber por parte dos professores. Nelas, falta a presença do Estado no

policiamento interno e externo, coibindo o interesse de pequenos grupos em desarticular a

ação do Estado na implementação de ações de ensino. E muitas vezes o Estado não faz

porque não há interesse de dialogar em torno da questão e por falta de recursos

financeiros, que poderiam ser resolvidos pela flexibilização da Lei de Responsabilidade

Fiscal ao se permitir incluir esses gastos de segurança nas ações de ensino;

- Outro exemplo de falta de presença do Estado é a falta de policiamento florestal nas

margens ribeirinhas, propiciando a degradação ambiental pelo aniquilamento de nascentes

d’águas e secamento de córregos, ribeirões e rios, provocados pelo desmatamento

constante dessas áreas pela ação de agricultores, carvoeiros, pecuaristas, mata-paus e

mata-rios, que sentindo a ausência do policiamento do Estado para coibir essas ações,

ignoram a lei, e poderão, a longo prazo, contribuir com a diminuição do potencial hídrico

regional e nacional, influenciando negativamente em toda a cadeia econômica – vejam a

importância de um Estado forte;

- Outra questão importante é a ausência do Estado quando a polícia prende e o

judiciário solta antes de julgar o preso e quando o preso fica no cárcere sem julgamento

rápido;

- E quando a Lei diz que é proibido transitar com veículo portando som acima de

determinado decibéis e a polícia admite o trânsito desses pelas ruas com som tão alto ao

ponto de estremecer vidraças e paredes das casas, obrigando às pessoas a ouvirem o que

não querem ouvir, o espírito democrático foi aviltado, pois não há garantias do

cumprimento das leis aprovadas pelo Legislativo e Executivo, pela ausência do poder do

Estado em coibir suas transgressões;

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- E quando alguém é ameaçado por pena de morte e denuncia à polícia e esta nada faz

para prender o ameaçador ou proteger o ameaçado e aquele cumpre a ameaça e provoca

homicídio, as garantias individuais constitucionais foram manchadas e o espírito da

democracia aviltado pela falta de ação do Estado;

- E ainda, a ausência do poder público por longas décadas, na proteção de áreas de

baixo poder aquisitivo, determinando o aparelhamento autoritário e ilegal da “lei do mais

forte e opressão do mais fraco”, de milícias agindo no interesse próprio e não

comunitário, fere o direito constitucional de ir e de vir livremente por qualquer parte do país;

Por tudo isso, quando não há a presença do Estado forte para garantir o bem-comum, há

favorecimento de uma pequena minoria, em detrimento da maioria, e ausência de garantias

dos direitos fundamentais colocados na Carta Magna, permitindo o aparecimento de focos

de autoritarismo e ausência da Democracia.

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Aprendiz de Agricultura

Todos nós que nascemos no meio rural pudemos aprender a lidar com agricultura desde

nossa infância, principalmente quando a economia regional é a agropecuária. No local

onde nasci vive-se até hoje da agricultura e da pecuária – principalmente do café, do leite e

do gado para corte.

Uma das características marcantes do meio rural brasileiro é a má distribuição de terras

para as famílias – o que não falta em nosso país é cerca proibindo as pessoas de terem

acesso à terra para produzir, para si e seus familiares, e muito menos como excedente

para vender a outras famílias. O valor da terra aqui não está diretamente ligado à sua

ocupação para gerar riquezas, mas no fato de tê-la como aparente riqueza e moeda

especulativa. Isso é o que prejudica a ocupação da terra para produção, pois propicia

poucas pessoas se tornarem donas de várias extensões de terras à espera de valorização.

Outro fator de impedimento de acesso à produção do campo é a falta de incentivos

municipais à criação de mercados locais onde os pequenos produtores possam vender sua

produção; e o encarecimento dos maquinários e insumos agrícolas.

Mas voltando às origens de meu apego à agricultura, lembro-me que em minhas aulas

escolares tinha um espaço de tempo para que pudéssemos ter contato com a terra – foi no

primeiro ano primário da escola estadual. Tínhamos um horário reservado para Ciências

que a professora nos deixava à vontade para conhecer de perto a horta de couve, de

alface, de cenoura, de beterraba, de jiló, de tomate..., coisas gostosas e fáceis de plantar.

É só ter água em abundância, adubo, sol e disposição para plantar e cuidar delas.

Em Bom sucesso, MG, em minha casa, havia um quintal onde plantávamos muitas

hortaliças – minha mãe gostava de fazer os canteiros e nos ensinar como plantar e cuidar

das hortaliças. Era muito bom lidar com a terra. E esse gosto nasce com a pessoa e as

oportunidades é que farão com que ela desenvolva o dom ou mude de perspectiva

profissional no futuro. Foi o que aconteceu comigo e com vários crianças e jovens do meio

rural, pois na década de sessenta e setenta, o Brasil experimentou o abandono do campo.

Famílias inteiras do meio rural de todo o Brasil saíram em busca de oportunidades nas

grandes cidades, principalmente ao redor das grandes capitais, aproveitando a implantação

de novas indústrias e o crescimento do comércio – o Brasil experimentava nessas décadas

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um novo surto de desenvolvimento iniciado com Juscelino e precisava de mão-de-obra e

mercado consumidor. À medida que a produção e ganhos da população cresciam, a renda

à disposição das famílias era incrementada e permitia o crescimento do comércio e

geração de riquezas.

Cresci na Capital mineira e minhas vocações para o campo somente eram manifestadas

quando cuidava de meus vasos. Depois, mais tarde, de um terreiro e depois de um pomar,

onde fui aprendendo a cuidar das plantas, dos frutos e das sementes. Comecei a aprender

a semear e cultivar mudas de vários tipos de frutíferas. Depois de dez anos comecei a

cultivar mudas de frutíferas para serem plantadas num local cinquenta vezes maior do que

meu quintal.

Em 2006 resolvi passar pela experiência de aprendiz de agricultor. Fui para Bom sucesso,

MG, onde minha mãe possui um pedaço de terra ainda embaralhado por causa de

inventário e lá, aproveitando a necessidade de uma limpeza da terra, pois o mato estava

cobrindo tudo, comecei, com ajuda de alguns irmãos, sem pensar em retorno econômico, a

alimentar minha curiosidade em geral sobre plantação. Ouvi meus primos dizerem que

terra não dava nada e a mão-de-obra era muito cara e a preparação da terra mais cara

ainda; e a adubação das plantas outro furto no bolso dos agropecuaristas. Diziam que o

bom era plantar eucalipto – a moda da época – pois café não dava nada e criar gado só

dava prejuízo. Mas minha intenção, como disse, não era plantar nada que desse dinheiro e

custasse muito, pois a terra não era minha, não possuía dinheiro e não morava na cidade.

Meus planos naquele momento era aprender a plantar sem nada esperar de retorno e

despertar a atenção de meus irmãos sobre uma possível exploração futura, nem que fosse

para lazer – era como se eu estivesse aprendendo agricultura ao ar livre, sem quadros,

sem cadernos, sem horários, com muitos professores práticos e sem nenhum desembolso

financeiro e prova mensal.

Pedi autorização à minha mãe para plantar frutas em um hectare de terra. Em 2005

comecei a cultivar mudas de várias plantas em minha horta, em Belo Horizonte – cem

mudas de frutas: abacate de quatro espécies, laranja de várias espécies, mexericas,

manga de várias espécies, acerola, pitanga, banana de várias espécies, limão, mamão,

pêssego, goiaba, amora, atemóia, araticum e lima; e comprei também mudas de azeitona

para conhecer o pé – achava bonita a árvore e diziam que na região já haviam colhido

alguma azeitona, mas ninguém confirmava tal colheita, somente minha tia.

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Preparei o terreno com trator, mandei cavar as covas e fui à Emater de Bom Sucesso

perguntar como plantar as mudas.

Tudo na cabeça e no papel, em janeiro de 2007 estava eu lá em Bom Sucesso com as

mudas prontas para o plantio; todas em sacos plásticos. Esperava apenas a chuva chegar

para não perder a plantação – e olha que foi um ano bem seco na região o de 2007.

Transportei-as para o local onde seriam plantadas ainda em janeiro de 2007 e com a ajuda

de alguns camaradas plantamos todas em um dia apenas – usei calcário, adubo

Supersimples, esterco e terra local. No final da tarde caiu uma chuva bem forte no local, o

suficiente para fixar as plantas ao solo. Sorte minha e das plantas.

De quinze em quinze dias lá estava eu a verificar a plantação. Todas pegaram bem, mas o

que tinha medo era o clima muito seco de 2007. Resolvi colocar mangueiras para irrigá-las

durante o primeiro ano até que as chuvas voltassem a si normalizar.

Após o mês de maio comecei a conhecer de perto o maior inimigo do meu tio no campo –

as formigas. Como são terríveis as danadas. Mata-se dez, nascem quinhentas. Comiam

todas as folhas das laranjeiras, limas, limão e azeitonas. Não atacavam os pés de manga,

de abacate, de amora, de pitanga, de acerola e de goiaba. Como não conseguia matá-las,

resolvi plantar o que não comiam.

O próximo inimigo revelou-se no início das chuvas, em novembro de 2007 – o mato. Meus

primos falaram que tinha de coroar as plantas – coroei todas. Que tinha que cortar o mato –

cortei; mas ele crescia mais do que as plantas. Falaram que o bom era jogar Roundap, ou

no linguajar popular, Randape, como pronunciam, a última maravilha do campo para

acabar com o mato. Conheci um camarada que disse que aplicava o produto e garantiu-me

que o mato estaria acabado em um dia – contratei-o, dei o Randape e o valor da mão-de-

obra. O resultado vi depois de quinze dias, na minha volta a Bom Sucesso. O mato ficou

em pé e na verdade o que o Randape acabou foi com parte do dinheiro que tinha no meu

bolso. Não quis mais saber de Randape e nem de cortador de mato. Deixei tudo a cargo da

natureza. Acompanhava as mudas crescerem junto ao mato e aos poucos se tornarem

familiares da mata e aprendendo a sobreviverem naturalmente.

Em setembro de 2008 as plantas estavam bem grandes, principalmente as mangueiras, as

pitangueiras, as amoreiras e os abacateiros. Mas um forte vendaval de granizo, nunca visto

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em Bom Sucesso, em meados de novembro de 2008, caiu por lá e danificou bastante a

plantação. Todas as árvores nativas foram arrancadas com os golpes do vento e do gelo. O

consolo era que meus primos olhavam para mim e diziam: não esquenta, daqui a pouco

brotam de novo e tornam a crescer. Calei-me e esperei o resultado. Depois das chuvas as

plantas tinham realmente brotado e cresciam junto com o mato. Já não sabia o que era

frutífera ou mato nativo. Não me preocupava, pois não podendo acabar com o mato passei

a gostar dele e das frutíferas que se agregava a ele.

No começo deste ano de 2009 estava indo ver a plantação e no caminho conheci um tal

cortador de mato. Perguntei o preço e animei-me com a ideia. Combinei com ele o dia e

hora para irmos ao local, mas a chuva não permitiu – quando tinha tempo, chovia, quando

não chovia não tinha tempo. O jeito então era esperar ter tempo e o tempo ajudar. Como

diziam meus primos: não esquenta, primo, uma hora tudo se ajeita. Tome uma geladinha e

enrole o tempo. Quanto menos você pensar mais tempo de sobra terá e o tempo a

qualquer momento vai ajudar a você fazer o que quiser. Aí, desde então, estou esperando

um tempo e a ajuda do tempo para continuar a olhar e cuidar da plantação. Na minha

ausência, acredito que o próprio tempo cuide delas da forma que quiser, pois não sou um

agricultor, mas um aprendiz de agricultor, por hora sem tempo.

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Convalescença Complicada

Um colega de trabalho, num órgão Público mineiro, necessitou fazer uma cirurgia com

urgência no intestino.

Pediu ao setor médico desse Órgão que colocasse um anúncio pedindo aos colegas para

doarem sangue para reposição ao banco de sangue do hospital – uma medida essencial

que salva muitas vidas, pois não permite que falte sangue para os que necessitam.

A operação foi urgente, mas não correu o colega, risco de vida. Somente haveria tal risco

se complicasse seu estado de saúde – uma barbeiragem dos médicos ou um contágio pós-

operatório por bactéria hospitalar ou ainda um acaso não previsto.

Fiquei acompanhando-o de longe e procurava por notícias com os seus familiares, desde a

internação até sua convalescença completa.

Sete dias após a operação o colega teve alta dos médicos e foi para casa, gozando de

saúde e curado da enfermidade que lhe acometera – essa enfermidade repentina que

merece cuidado especial e rápido para não virar uma tormenta ao corpo.

Fiquei deveras satisfeito com sua recuperação rápida e esperava ansioso por encontrá-lo

de novo andando pelos corredores do Órgão para felicitá-lo.

Após um mês o colega voltou ao serviço curado e bem disposto para o trabalho. Mas aos

poucos todos que o conheciam na Entidade notaram alguma coisa diferente no seu

comportamento, pois suas emoções e vontades modificavam-se um pouco a cada dia. Não

dei importância ao fato e sempre dizia aos demais colegas que aquilo fazia parte de sua

convalescença.

As mudanças notadas no colega eram muitas: seu andar era diferente, as roupas e sapatos

que vestia eram diferentes das anteriores e os hábitos alimentares eram bem diferentes –

mas isso tudo era até um pouco normal, pois quando estamos bem de saúde e algo

inesperado nos acontece, nossa cabeça e nossos hábitos mudam um pouco. Mas o que

mais me surpreendia era que tudo que fazia não era por conveniência ou prescrição

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médica, era por satisfação pessoal. A novidade era que agora gostava de outras músicas,

de sair à noite para bares e danceterias – tudo normal por enquanto. Mas não acabou. O

colega agora torcia para outros times: no Rio de Janeiro era tricolor das laranjeiras e virou

vascaíno; em São Paulo, era palmeirense e virou corintiano e em Belo Horizonte, era

cruzeirense e virou atleticano – só gostava do preto e branco. E acreditem, o colega era

cruzeirense doente, de ir a todos os jogos do cruzeiro e somente se não pudesse viajar de

nenhum jeito não ia ao campo; mas comprava cerveja e carne para festejar a partida com

os colegas. Fora isso era muito caseiro.

E continuando a relatar suas mudanças, gostava de loira e começou a adorar as mulatas e

negras. Estava até noivo de uma loira e terminou o noivado, pois segundo ele não

conseguia sentir nada ao lado da mesma – sem preconceitos, pois acho que a única

diferença entre uma loira e uma negra é a quantidade de melanina no corpo de cada uma

delas. E há tantas negras como loiras, lindas.

Indagado porque das bruscas mudanças de hábitos e desejos, comentou rindo que após a

transfusão de sangue ficou sentindo coisas estranhas e atribuiu-as ao novo sangue que

recebera – dá para acreditar!?

Aos poucos fomos ficando meio distantes, principalmente pelo fato de ter largado de torcer

para o Fluminense. Tudo era tolerável, menos trocar a camisa do tricolor pela do Vasco.

Mas tudo bem, pois o que seria do azul se não houvesse o vermelho ou das outras cores!

Pois então, viva o Botafogo, o Flamengo, o Fluminense, o Vasco, o Cruzeiro, o Galo, o

Palmeiras, o São Paulo, o Coríntians, e que cada torcedor respeite o outro em qualquer

situação, pois todos os times dependem uns dos outros para que o futebol continue

encantando gerações atuais e futuras.

Mas voltando ao colega, perguntei por curiosidade a um médico sobre o comportamento

das pessoas no pós-operatório e falei sobre o meu colega. Não obtive uma resposta

convincente, mas como foi a única, passei a encarar como verdade a mesma. O médico

disse que o sangue recebido poderia ser de um torcedor vascaíno, corintiano e atleticano, e

com certeza haveria de ser um boêmio e frequentador de rodas de samba. Fiquei pensativo

sobre a informação do médico, que no fundo era um gozador.

Um ano depois encontrei o colega no parque municipal de Belo Horizonte, com a camisa

do Fluminense, a calça do cruzeiro e uma loira muito linda vestida à palmeiras. Corri para

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abraçá-lo, pois tudo estava de volta ao normal com ele. Indaguei o que acontecera. Ele

respondeu-me que conseguiu saber que o sangue que recebera era mesmo, por

coincidência, de um sambista corintiano fanático e por isso, talvez, começara a ver o

mundo em preto e branco. Mas que tudo havia passado e agora voltara ao normal.