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COLETÂNEA 5

NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE

EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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Coordenadores

VIVIANE COÊLHO DE SÉLLOS-KNOERR

ELOETE CAMILLI OLIVEIRA

Organizadores

JOSÉ MARIO TAFURI

SANDRO MANSUR GIBRAN

COLETÂNEA 5

NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE

EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

ISBN 978-85-87875-11-2

AENA

2013 | Curitiba

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Campus Milton Vianna Filho: Rua Chile, 1.678 - Rebouças - CEP 80220-181

Telefone: +55 41 3213-8700

Site: www.unicuritiba.edu.br

Facebook: www.facebook.com/unicuritiba

Twitter: www.twitter.com/unicuritiba

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................................11

ANÁLISE DE DECISÕES RECENTES DOS PRINCIPAIS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA

NOS CASOS QUE ENVOLVERAM CIRURGIA PLÁSTICA ESTÉTICA E DANO

MORAL

AFRÂNIO BENEDITO SILVA BERNARDES E JOSE MÁRIO TAFURI...............................................15

ALIENAÇÃO PARENTAL: LEI 12.318/2010

ANA PAULA SANTOS E ADRIANA MARTINS SILVA.........................................................................49

CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E A IMPORTÂNCIA DO

PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA NAS RELAÇÕES PRÉ-CONTRATUAIS

CAMILA CHRISTIANE ROCHA NICOLAU E ADRIANA MARTINS SILVA..........................................71

A TUTELA DO CONSUMIDOR SUPERENDIVIDADO

CAMILE BOSTELMANN E EROS BELIN DE MOURA CORDEIRO.................................................93

O TRABALHO DA MULHER, O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E O INTERVALO DO

ART. 384 DA CLT

CAROLINE MARIA RUDEK WOJTECKI E MARCIA KAZENOH BRUGINSKI..................................123

AS ESPÉCIES DE REMUNERAÇÃO DO CONTRATO ESPECIAL DE TRABALHO

DESPORTIVO

GUILHERME HELLER DE PAULI E ERIKA PAULA DE CAMPOS...................................................153

A RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO EMPREGADOR EM FACE DA

DISPENSA ARBITRÁRIA DA GESTANTE NOS CONTRATOS FIRMADOS POR

PRAZO INDETERMINADO

HELENA CAVALLARI GRITTEN E ERIKA PAULA DE CAMPOS.....................................................175

OS EFEITOS DA PUBLICIDADE DIRIGIDA AO PÚBLICO INFANTIL

HELOISA FRANÇA ANDRIOLI E SANDRO MANSUR GIBRAN.......................................................199

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A NECESSIDADE DE FLEXIBILIZAÇÃO DAS NORMAS TRABALHISTAS E A

REALIDADE LABORAL

JOSUÉ SILVA TEMPERLY E MARCIA KAZENOH BRUGINSKI......................................................235

ADOÇÃO À BRASILEIRA E A PATERNIDADE SOCIOAFETIVA

MARIANA GUEDES OLIVEIRA E TATIANA DENCZUK...................................................................269

O IMPACTO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 72/2013 AO MERCADO DE

TRABALHO DOS EMPREGADOS DOMÉSTICOS

MARILISE HARUMI MORIYA E ALAISIS FERREIRA LOPES..........................................................305

A QUANTIFICAÇÃO DO DANO MORAL NO DIREITO DO TRABALHO

MARINA ZAMATARO E MIRIAM CIPRIANI GOMES........................................................................341

ANÁLISE CRÍTICA DA PRISÃO CIVIL POR DÍVIDA DERIVADA DA PENSÃO

ALIMENTÍCIA

NATASHA JUNQUEIRA GOUVEA E EROS BELIN DE MOURA CORDEIRO..................................371

A POSSIBILIDADE DE LEGITIMAÇÃO DA ADOÇÃO INTUITU PERSONAE NO

DIREITO BRASILEIRO

NINA GUERCIO MARQUES E CAMILA GIL MARQUEZ BRESOLIN BRESSANELLI......................393

O ABANDONO AFETIVO E SEUS REFLEXOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO

BRASILEIRO

POLLYANA LAÍS HUF CARDOSO BESS DE SOUZA E ADRIANA MARTINS SILVA.....................423

A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA MATERIAL CIVIL NOS CASOS DE

INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E SUAS CONSEQUÊNCIAS QUANTO À

RESPONSABILIDADE OBJETIVA ESTATAL POR ERROS JUDICIÁRIOS

MODIFICATIVOS DA SUCESSÃO

RODRIGO CIOTTA E ROOSEVELT ARRAES..................................................................................453

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RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE: SUA EVOLUÇÃO

E APLICAÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO

THIAGO CARELLI DE AGUIAR E EROS BELIN DE MOURA CORDEIRO......................................483

A RELAÇÃO DE EMPREGO NO TELETRABALHO

YURI RAMOS SCHEIDT E ERIKA PAULA DE CAMPOS.................................................................509

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

11

INTRODUÇÃO

“A Coletânea ““ Novos Direitos e Atividade Empresarial no Estado Solidário”

contém artigos científicos resultantes de pesquisa conjunta de alunos e professores-

orientadores do Curso de Graduação em Direito do Centro Universitário Curitiba –

UNICURITIBA. Abordando temas atuais e de relevante interesse jurídico-social, os

artigos resultam de Trabalhos de Curso – Monografias, apresentadas e indicados

para publicação, por comissão examinadora composta por docentes da Instituição

de Ensino.

A publicação tem início com o estudo comparativo das decisões proferidas

nos Tribunais do Rio Grande do Sul, do Paraná, de São Paulo, de Minas Gerais, do

Rio de Janeiro e no Superior Tribunal de Justiça, consubstanciado no artigo

denominado Análise de Decisões Recentes dos Principais Tribunais de Justiça nos

Casos que Envolveram Cirurgia Plástica Estética e Dano Moral elaborado por

Afrânio Benedito Silva Bernardes e José Mário Tafuri ,com o objetivo de analisar os

índices de procedência do pedido de dano moral, os valores concedidos, definindo

os valores mínimos, máximos, médios, desvio padrão, assim como, o coeficiente de

variação percentual da média.

A partir dos princípios constitucionais inerentes ao direito de família busca-se

verificar na sua aplicabilidade às situações que envolvem o menor, bem como sua

aplicabilidade nos diversos formatos das famílias no artigo elaborado por Ana Paula

Santos e Adriana Martins Silva, sob o título Alienação Parental: Lei 12318/2010.

A importância do princípio da boa-fé objetiva nas relações pré-negociais, bem

como a Constitucionalização do Direito Civil advindo com a Constituição Federal de

1988, cujos princípios foram incorporados posteriormente com o Código Civil de

2002 são estudados no artigo elaborado por Camila Christiane Rocha Nicolau e

Adriana Martins Silva.

A análise as formas de prevenção e proteção ao superendividamento do

consumidor é analisada por Camile Bostelmann e Eros Belin de Moura Cordeiro, sob

a ótica da boa fé e princípio da dignidade humana. Em estudo sobre as formas de

combate e, tratamento da condição de superendividamento abordam que a revisão

contratual reequilibra o contrato; embora insuficiente para reincluir o consumidor no

mercado econômico e reestabelecer a dignidade do consumidor.

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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Em artigo intitulado “ O Trabalho da Mulher, o Principio da Igualdade e o

Intervalo e o Intervalo do artigo 384 da CLT” escrito por Caroline Maria Rudek

Wojtecki e Marcia Kazenoh Bruginski demonstra a necessidade da intervenção

estatal nas relações trabalhistas e a criação de leis protetivas em face do trabalho

feminino, em especial na concessão de intervalo de 15 minutos entre a jornada

normal de trabalho e o início da extraordinária. Tal dispositivo, gerou inúmeras

discussões a respeito da constitucionalidade do mesmo.

Guilherme Heller de Pauli e Erika Paula de Campos, objetivam com o artigo

apresentado discorrer sobre as diversas formas de remunerações encontradas nos

contratos especiais de trabalho desportivo, envolvendo a Consolidação das Leis do

Trabalho, bem como legislações específicas. As diferentes espécies de

remunerações no direito desportivo são decorrentes de salário e ainda, direito de

imagem, direito de arena, luvas, premiações, bicho e acréscimos remuneratórios.

Trataram ainda, acerca da espécie de remuneração que é denominada como bônus,

a mala branca e a mala preta, suas diferenças e penalidades.

As consequências jurídicas e normativas da problemática relacionada à

estabilidade provisória da gestante são analisadas por Helena Cavallari Gritten e

Erika Paula de Campos, relacionando a aplicação da teoria da responsabilidade

objetiva do empregador em face à dispensa arbitrária da empregada gestante.

A publicidade enganosa ou que se aproveita da deficiência de julgamento e

experiência da criança fere o direito à sua integral proteção, assegurado pela

Constituição Federal foi demonstrado em artigo escrito por Heloisa França Andrioli e

Sandro Mansur Gibran.

A revisão das normas positivadas por meio de negociação entre as partes

integrantes da relação de trabalho, objetivando adequação das mesmas à realidade

laboral foi o objeto de estudos de Josué Silva Temperly e Marcia Kazenoh Bruginski

para a elaboração do artigo que compõem esta coletânea.

Mariana Guedes Oliveira e Tatiana Denczuk buscam demonstrar as

importantes mudanças ocorridas no Direito de Família, com a finalidade de adequar

a realidade jurídica à realidade social, implicando, deste modo, na utilização de

novos critérios para a caracterização do vínculo filial.

Os direitos trabalhistas assegurados para os trabalhadores domésticos,

constitucional e infra- constitucionalmente, são analisados Marilise Harumi Moriya e

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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Alaisis Ferreira Lopes sob a ótica do impacto no mercado de trabalho e da realidade

vivenciada pela sociedade.

A quantificação do dano moral no Direito do Tabalho foi o objeto da pesquisa

de Marina Zamataro e Miriam Cipriani Gomes trazendo suas conclusões em artigo

que expõe o seu caráter dúplice, adotado por parte da doutrina, bem como a sua

forma de reparação.

Os alimentos são de grande importância para a subsistência e dignidade do

ser humano, e são devidos sempre que um dos genitores não detêm a guarda do

filho, a fim de prestar-lhe assistência ou auxiliar o detentor da guarda nos gastos

com a criança ou adolescente, também é devido aos pais quando estes não

possuem condições de se manterem sozinhos ou ainda prestados aos cônjuges ou

companheiros em casos de separação ou divórcio. O descumprimento deste dever,

gera diversas sanções, dentre elas a prisão civil. Natasha Junqueira Gouvea e Eros

Belini de Moura Cordeiro em artigo constante da presente coletânea fazem uma

análise sobre a eficácia ou não deste instrumento.

As chamadas adoções informais de crianças e adolescentes, aquelas que se

dão de forma diversa da estipulada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente é

abordada por Nina Guercio Marques e Camila Gil Marquez Bresolin Bressanelli.

A discussão sobre o cabimento do pedido de indenização a título de danos

morais por abandono afetivo nas relações paterno-filiais é objeto de reflexão por

Pollyana Laís Huf Cardoso Bess de Souza e Adriana Martins Silva, a fim de

possibilitar a identificação da responsabilidade civil dos pais pela ausência de afeto e

verificar o cabimento da indenização por abandono afetivo.

Com o objetivo de demonstrar como a doutrina referente à área do Direito

Processual Civil busca novos horizontes, aproximando-se dos limites do Direito

Processual Penal, com a disseminação da possibilidade de se relativizar a coisa

julgada material civil nos casos de investigação de paternidade, ao mesmo passo

que busca expor a necessidade de haver responsabilização do Estado pelos erros

judiciários modificadores da sucessão, Rodrigo Ciotta e Roosevelt Arraes escrevem

artigo abordando temas relativos ao surgimento da ideia de legitimação da violência

estatal, bem como dos limites impostos para que os poderes outorgados à

Administração Pública não viessem a ser deturpados por seus agentes, concluindo

com o fortalecimento das instituições democráticas.

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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A responsabilidade civil pela perda de uma chance, abordado por Thiago

Carelli de Aguiar e Eros Belin de Moura Cordeiro analisa a sua evolução e aplicação

no direito brasileiro. Com o advento desta teoria, a indenização passa a ser

extremamente proporcional ao dano, reparando-se o prejuízo; evitando-se o

enriquecimento sem causa.

O reconhecimento do vínculo empregatício no âmbito do teletrabalho, tendo

em vista o novo teor do artigo 6º Consolidação das Leis do Trabalho dada pela Lei

nº. 12.551/11 está relatado no artigo escrito por Yuri Ramos Scheidt e Erika Paula

de Campos abordando a questão sobre o que realmente consiste no teletrabalho,

suas características e as vantagens e desvantagens que proporciona aos tomadores

de serviço, trabalhadores e para a sociedade.

Desejamos que a leitura dos temas abordados, envolvendo os “Novos Direitos

e Atividade Empresarial no Estado Solidário”, reforcem os ideais de cidadania e

justiça, indispensáveis para a sociedade atual.

ELOETE CAMILLI OLIVEIRA

Doutora pela UFPR. Mestre pela PUCPR. Professora adjunta nível III da Pontifícia

Universidade Católica do Paraná, representante dos docentes no CEPE -

UNICURITIBA, professor titular – UNICURITIBA, Supervisora do setor de Registro

dos Trabalhos de Conclusão de Curso do UNICURITIBA.

JOSÉ MARIO TAFURI

Mestre e Especialista pela PUCPR. Professor Adjunto do UNICURITIBA,

Representante dos Coordenadores no CONSEPE- UNICURITIBA, Coordenador do

Curso de Direito – UNICURITIBA

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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ANÁLISE DE DECISÕES RECENTES DOS PRINCIPAIS TRIBUNAIS

DE JUSTIÇA NOS CASOS QUE ENVOLVERAM CIRURGIA

PLÁSTICA ESTÉTICA E DANO MORAL

ANALYSIS OF RECENT DECISIONS OF THE COURTS OF JUSTICE

MAJOR IN CASES INVOLVING COSMETIC SURGERY AND MORAL

DAMAGES

Afrânio Benedito Silva Bernardes1

José Mário Tafuri2

1 Aluno de Graduação do Curso de Direito da Faculdade de Direito de Curitiba – Centro Universitário Curitiba. 2 Possui graduação em Direito pela Universidade São Francisco (1986), especialização em Direito Tributário e Processual Tributário pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (1997) e mestrado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2003). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Civil

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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SUMÁRIO

1 – Introdução: 2 – Da responsabilidade jurídica: 2.1 – Da responsabilidade civil do

cirurgião plástico: 2.2 – Do dano moral: 3 – Metodologia de pesquisa: 3.1 – Dos

resultados: 3.1.1 – Das decisões do Superior Tribunal de Justiça: 3.1.2 – Das

decisões do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul: 3.1.3 – Das

decisões do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná: 3.1.4 – Das decisões do

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: 3.1.5 – Das decisões do Tribunal de

Justiça do Estado de Minas Gerais: 3.1.6 – Das decisões do Tribunal de Justiça do

Estado do Rio de Janeiro: 3.2 – Da comparação: 3.2.1 – Dos dados entre os

Tribunais e o Superior Tribunal de Justiça: 3.2.2 – Das médias de procedência e os

valores médios de dano moral concedidos: 3.2.3 – Dos percentuais das motivações

entre os Tribunais: 3.2.4 – Dos percentuais das motivações entre a média dos

Tribunais e o Superior Tribunal de Justiça: 3.2.5 – Entre os percentuais da

motivação culpa e os valores médios de dano moral: 3.2.6 – Entre os percentuais da

motivação falta de informação e os valores médios de dano moral: 3.2.7 – Entre os

percentuais da motivação culpa e falta de informação e os valores médios de dano

moral: 4 – Discussão: 5 – Conclusão: Referências.

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RESUMO

O presente estudo pretendeu analisar as decisões mais recentes – no período de

2002 a 2013 – que envolveram dano moral nos litígios de cirurgia estética. Para tal

pesquisou-se nos Tribunais do Rio Grande do Sul, do Paraná, de São Paulo, de

Minas Gerais, do Rio de Janeiro e no Superior Tribunal de Justiça. Comparou-se os

dados dos Tribunais, assim como, estabeleceu-se a Média destes e relacionou-se

aos dados obtidos do Superior Tribunal de Justiça. Pesquisou-se os índices de

procedência do pedido de dano moral pelos autores, os valores concedidos,

definindo os valores mínimos, máximos, médios, desvio padrão, assim como, o

coeficiente de variação percentual da média. Analisou-se, ainda, o tipo de

responsabilidade sentenciada – objetiva ou subjetiva –, assim como, a motivação:

agrupada em culpa; falta de informação ou associação de culpa e falta de

informação. Averiguou-se, também, os valores médios das condenações respectivos

a cada tipo de motivação.

Palavras-chave: dano moral e cirurgia estética.

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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ABSTRACT

The present study aimed to analyze the most recent decisions - in the period from

2002 to 2013 - which involved moral damages in cases of cosmetic surgery. To this

was investigated in the Courts of Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Minas

Gerais, the Rio de Janeiro and the Superior Court of Justice. We compared the data

of the Courts, as well as set up the Mean and those related to data obtained from the

Superior Court of Justice. We searched indexes merits of the application of moral

damages by the authors, the values given by setting the minimum, maximum,

average, standard deviation, and the coefficient of variation percentage average. We

analyzed also the kind of responsibility sentenced - objective or subjective - as well

as the motivation: grouped into guilt, lack of information or association of guilt and

lack of information. It was found, also, the average values of their convictions to each

type of motivation.

Keywords: damage and cosmetic surgery

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1 INTRODUÇÃO

Os procedimentos de cirurgia plástica dividem-se em procedimentos

reparadores – situados num extremo – e no outro, os procedimentos estéticos.

Aqueles, buscam restabelecer, em parte ou totalmente, uma função orgânica do

corpo humano, geralmente, disfunções situadas nos tecidos cutâneo (pele),

subcutâneo (gordura), muscular e ósseo. No outro extremo situam-se os

procedimentos que não têm qualquer influência na função orgânica, pois esta se

encontra preservada, e, sim atender um desejo de melhora da aparência estética do

corpo. O comprometimento do contorno corporal pode ser amenizado, melhorado ou

recuperado pela cirurgia plástica estética.

A importância dessas definições e a consequente separação em

procedimento estético e reparador, situa-se no fato de que o Judiciário trata-os

diferentemente quando se trata da responsabilidade civil. Nos procedimentos

reparadores o profissional tem a obrigação de meio – deve agir conforme os

preceitos ético-profissionais – não podendo garantir o resultado, enquanto que nos

procedimentos estéticos a obrigação é de resultado, devendo atingi-lo conforme o

prometido pelo profissional ou esperado pelo paciente. A Condenação visa

amenização do sofrimento pelo que passa o paciente ao perceber que não obteve o

imaginado.

Quando os Autores pedem o ressarcimento dos danos pelo insucesso do

procedimento, invariavelmente o fazem incluindo os danos morais. Estes visam a

reparação extrapatrimonial quando o ato lesivo afetar a personalidade do indivíduo,

a integridade psíquica, o bem-estar íntimo e a virtude.

O presente estudo, para tanto, pesquisou no Capítulo I a definição da

Responsabilidade Civil e a sua evolução histórica, principalmente no Brasil.

No Capítulo II, os aspectos gerais da Responsabilidade Civil e de seus

pressupostos, os tipos de responsabilidade, os mais variados tipos de danos

ressarcidos pelo Direito e como a Doutrina entende que deve ser tratada a

Responsabilidade Civil do Cirurgião Plástico Estético.

E, por fim, no Capítulo III, as decisões dos Tribunais mais importantes da

Região Sul e Sudeste e do Superior Tribunal de Justiça, quando julgam o pedido de

dano moral nos litígios que envolvam procedimentos cirúrgicos estéticos. Investigou-

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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se os índices de procedência na concessão do pedido de dano moral, seus valores e

a motivação para tal. Uma vez obtidos esses dados, junto aos Tribunais do Rio

Grande do Sul, do Paraná, de São Paulo, de Minas Gerais, do Rio de Janeiro e do

Superior Tribunal de Justiça, comparou-se os resultados.

2 DA RESPONSABILIDADE JURÍDICA

2.1 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO PLÁSTICO

Os pacientes de cirurgia plástica estética são, na sua absoluta maioria,

saudáveis fisicamente, mas pretendem corrigir um defeito, um problema de ordem

estética. Buscam um resultado de melhora da sua aparência, não se alcançando,

cabe-lhe o direito a pretensão indenizatória.

Stoco, ao tratar da nomenclatura, define os extremos da cirurgia plástica,

separando em cirurgia reparadora e cirurgia estética. “A cirurgia reparadora é

considerada tão necessária e imprescindível quanto qualquer outra intervenção

cirúrgica, pois tem finalidade terapêutica. ” Assim sendo, é tratada – no campo da

responsabilidade – como qualquer área da medicina curativa, submete-se aos

fundamentos da responsabilidade subjetiva com obrigação de meios. A outra

vertente – a cirurgia estética – é tratada com mais rigor pela maioria da Doutrina e

Jurisprudência ao se analisar a responsabilidade do profissional.

Complementa, ainda o autor, que o profissional promete um determinado

resultado, uma nova aparência estética procurada, “estabelece-se, sem dúvida,

entre médico e paciente relação contratual de resultado que deve ser honrada.

Portanto, pacta sunt servanda. ” (Grifo do autor)

O autor propõe uma distinção entre cirurgia que não atingiu o resultado; e

cirurgia que, além de não ter atingido o resultado, causou um agravamento, ou uma

lesão estética na vítima. No primeiro caso, caberia ao médico apenas restituir o que

a vítima pagou pelo serviço. No segundo, além de restituir o que recebeu ou deixar

de receber, o médico deve submeter o paciente a nova cirurgia para corrigir o defeito

causado. Se houver quebra de confiança na relação médico-paciente, à vítima

faculta escolher outro profissional para a reparação, às custas do profissional

causador do mau resultado.

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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Se este defeito, no entanto, não for passível de correção, deverá o causador

indenizar a vítima pelo dano material e moral, relevando os efeitos psicológicos,

morais, sociais e profissionais, com o intuito de determinar o quantum indenizatório.

(STOCO, 2011. pp. 643-644).

2.2 DO DANO MORAL

Dano Moral é o que atinge a pessoa do ofendido, não integra a lesão do

patrimônio. Gonçalves busca na Constituição Federal subsídios para demonstrar

que danos morais estão relacionados aos direitos fundamentais, e o seu desrespeito

acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação.

No que trata da configuração do dano moral, o mesmo autor lembra que as

hipóteses previstas na Constituição Federal, embora exemplificativas, não permitem

que o julgador se afaste das diretrizes por elas traçadas. Desconsiderando, como

dano moral pequenos incômodos e desprazeres que todos devem suportar para que

se viva em sociedade. A fim de se evitarem excessos e abusos cita Sérgio Cavalieri,

que preconiza se entender como dano moral “a dor, vexame, sofrimento ou

humilhação” que fuja à normalidade e interfira sobremaneira o comportamento

psicológico do afetado, gerando “aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-

estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada

estão fora da órbita do dano moral”, pois fazem parte da habitualidade do cotidiano,

no convívio com os outros, não são situações intensas e duradouras capazes “de

romper o equilíbrio psicológico do indivíduo”. Assim, a definição de dano moral se

afasta da definição de dano material, patrimonial, por ser fundamentado na

imaterialidade, dentro do sujeito, no psicológico, no afetivo, de uma forma

inquestionável e particular (GONÇALVES, 2012. pp.379-381).

O padrão moral das pessoas leva em conta valores individuais e variáveis, o

nível intelectual, social e econômico, lembra Clayton Reis, “estabelecem padrões de

comportamento que influem na construção de suas regras de moralidade pessoal e

social”.

Embora não haja regra concreta para aplicação do quantum do dano moral,

os magistrados têm se esforçado para definir parâmetros relacionados à sua

aplicabilidade. No site do STJ (www.stj.gov.br), no dia 13.09.2009, a Coordenadoria

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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de Editoria e Imprensa do Tribunal estampou texto com seguinte título: STJ busca

parâmetros para uniformizar valores de danos morais.

No mesmo texto o presidente de Terceira Turma do STJ, Ministro Sidnei

Beneti, afirma que “essa é uma das questões mais difíceis do Direito brasileiro

atual”, tratando da necessidade de analisar a situação com certo subjetivismo.

Clayton Reis afirma que “não se justifica a dificuldade de avaliação do dano

imaterial para negar indenização a quem foi aviltado em seus valores”.

Pode-se concluir que no STJ, onde há a moderação final das ações

indenizatórias no Brasil, os critérios utilizados são as condições pessoais e

econômicas das partes, com razoabilidade para que não seja um meio de

enriquecimento indevido do ofendido, mas uma forma de desestimular a repetição

do ato pelo ofensor (REIS, 2010. p. 191-192).

3 METODOLOGIA DE PESQUISA

O processo de escolha dos Tribunais de Justiça do Rio Grande do Sul

(TJRS); do Paraná (TJPR); de São Paulo (TJSP); de Minas Gerais (TJMG), do Rio

de Janeiro (TJRJ) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), valeu-se de critérios

como: importância econômica e política, número de casos, acessibilidade aos dados

dos processos, entre outros.

Frente ao estudo de decisões destes Tribunais acima descritos resgata-se

que a análise foi pautada no cruzamento dos termos “danos morais” e “cirurgia

estética”, consultando a jurisprudência de cada Tribunal; ou seja, as ações que

envolvessem as pretensões de danos morais nos litígios de cirurgia estética.

O período abordado foi de 2002 até 2013. No Superior Tribunal de Justiça

(STJ), 24 decisões consultadas; no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

(TJRS), 17; no Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), 11; no Tribunal de Justiça de

São Paulo (TJSP), 24; no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), 24 e no

Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), 25.

Embora as decisões nos tribunais tratem de provimento e de desprovimento

dos recursos, no presente estudo usaram-se os termos procedência e

improcedência do pedido inicial de danos morais respectivamente. Procedência ou

improcedência do pedido do autor quanto aos danos morais nos litígios em que há

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insatisfação com o resultado do procedimento cirúrgico estético. Estabeleceram-se,

assim, índices percentuais para cada um – individualizado por Tribunal –, ora fruto

de decisões monocráticas, ora fruto de acórdãos.

As afirmações seguintes embasaram-se nas fundamentações das decisões

dos Tribunais e do Superior Tribunal de Justiça, as quais se encontram nos anexos

grifadas.

Os danos morais concedidos visaram amenizar o comprometimento dos bens

extrapatrimoniais, definidos por critérios da proporcionalidade, punição,

razoabilidade e intimidação, considerando-se, ainda, a condição econômica das

partes, o grau de culpa do médico e as consequências de seu ato. Os danos morais

foram tratados, no presente estudo, isoladamente dos outros danos mais comuns,

tais como danos materiais e danos estéticos. Tal referência se encontra no Anexo

01.

Os procedimentos de cirurgia estética – não reparadores de qualquer função

orgânica prejudicada ou suprimida – “embelezadora” – termo corriqueiramente

utilizado pelos julgadores – foram, invariavelmente, tratados como uma relação

contratual de consumo com a obrigação de resultado, previsto na Lei 8.078/90,

também denominada de Código de Defesa do Consumidor (CDC) em conformidade

com o artigo 14, §4.º – que trata das atividades do profissional liberal – “a

responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a

verificação de culpa”. Material pertinente aos artigos nos Anexos 01 e 06.

Tanto na doutrina quanto na jurisprudência analisada, salvo raras exceções, a

atividade do cirurgião plástico estético é tratada como uma obrigação de resultado.

Objetiva-se um resultado previsto, antecipado e anunciado. As proposições obrigam

o profissional a um determinado resultado e será presumidamente culpado se não

atingi-lo.

O que se concluiu da pesquisa de jurisprudência procedida é que a

responsabilidade – seja por ação ou omissão – em relação ao dano decorrente de

cirurgia estética é subjetiva, porém, com culpa presumida. Para afastar a

responsabilidade necessário se faz que o profissional comprove que não agiu

mediante qualquer das modalidades de culpa (negligência, imprudência ou

imperícia). O ônus da prova se inverte na obrigação de resultado. Ao autor basta

provar o dano e o nexo de causalidade, cabendo ao demandado a comprovação da

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24

ausência de culpa – responsabilidade subjetiva com culpa presumida – ou, por

evidente, alguma das causas excludentes da responsabilidade – força maior, caso

fortuito ou culpa exclusiva da vitima –. Comprovação no Anexo 01.

Os valores dos danos morais foram apreciados tanto em relação à amplitude,

quanto em relação à variação, determinando seus extremos mínimos e máximos,

assim como definidos os valores médios de cada Tribunal.

Outro aspecto avaliado foi no que é pertinente a motivação na concessão dos

danos morais e, para tal, procurou-se sintetizá-los em culpa e em falta de

informação – não obstante esta se trate de uma das modalidades de culpa na forma

omissiva. O que se fez foi diferenciá-los para fins puramente didáticos. O primeiro

engloba os casos de erro médico propriamente dito, frutos de uma ação – erro na

execução ou na escolha do procedimento –, ensejando um não atingimento ou

insatisfação do paciente quanto ao resultado contratado, enquanto que o segundo,

os casos em que os julgadores entenderam que o paciente não foi suficientemente

informado – omissão de informação – sobre o procedimento e os possíveis riscos,

incluindo, ainda, a infrutífera prova de tê-lo feito documentalmente no pré-operatório.

Este fato decorre de um ilícito contratual previsto no Título IV do Código Civil sob o

tópico do Inadimplemento das Obrigações. Separaram-se os casos em que a

motivação deu-se por culpa isolada, dos casos motivados exclusivamente por falta

de informação e daqueles em que se valeram os julgadores da associação de

ambos – culpa e falta de informação – para a procedência do pedido de danos

morais. O material em que se baseia a constatação encontra-se nos Anexos

01,03,04 e 06.

3.1 DOS RESUSLTADOS

3.1.1 Das decisões do Superior Tribunal de Justiça

Das 24 decisões, desde 2002 a 2013, consultadas no Superior Tribunal de

Justiça, 17 (71%) foram julgadas procedentes e 7 (29%) improcedentes.

Os valores dos danos morais variaram de R$ 8.000,00 até R$ 330.000,00,

concedendo valor médio de R$ 50.000,00.

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Quanto à motivação, 13 (76%) decisões fundamentaram-se na culpa, 3 (18%)

na falta de informação e 1 (6%) associou-se culpa e falta de informação. Anexo – 07:

Tabela 1.

3.1.2 Das decisões do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

No período de 2007 a 2013, analisaram-se 17 decisões. Destas 13 (77%)

procedentes e 4 (24%) improcedentes.

A variação dos valores de dano moral foi de R$ 6.000,00 a R$ 40.000,00,

demonstrando um valor médio de R$ 19.300,00.

A motivação por culpa deu-se em 5 (38%), por falta de informação em 1

(7,7%) e pela associação em 7 (54%). Anexo – 08: Tabela 2.

3.1.3 Das decisões do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná

Avaliaram-se 11 decisões no período de 2005 a 2012, dentre as quais 10

(90%) foram julgadas procedentes e 1 (10%) improcedente.

Os montantes variaram de R$ 10.000,00 a R$ 50.000,00, resultando em um

valor médio de R$ 21.200,00.

As decisões foram motivadas por culpa em 4 (40%), por falta de informação

em 3 (30%) e por ambos em 3 (30%). Anexo – 09: Tabela 3.

3.1.4 Das decisões do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

O período avaliado iniciou-se em 2009 e encerrou-se em 2013. Das 24

decisões analisadas 18 (75%) foram julgadas procedentes e 6 (25%),

improcedentes.

A variação dos valores concedidos deu-se de R$ 10.000,00 a R$ 400.000,00

com valor médio de R$ 71.100,00.

A culpa foi a motivação das decisões em 10 (56%) dos casos, a falta de

informação em 4 (22%) e ambos em 4 (22%). Anexo – 10: Tabela 4.

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26

3.1.5 Das decisões do Estado de Minas Gerais

Entre 2009 e 2013 analisaram-se 24 litígios, dos quais 12 (50%) procedentes

e 12 improcedentes (50%).

Os montantes pecuniários variaram de R$ 5.000,00 a R$ 150.000,00, aferindo

um valor médio de R$ 26.600,00.

Basearam-se os julgadores na culpa em 10 (83%) e na falta de informação

em 2 (17%). Anexo – 11: Tabela 5

3.1.6 Das decisões do Tribunal do Estado do Rio de Janeiro

Analisaram-se 25 decisões no período de 2009 a 2013, sendo julgadas

procedentes 19 (76%) e improcedentes 6 (24%).

As condenações por danos morais variaram de R$ 5.000,00 a 50.000,00,

resultando no valor médio de R$ 19.000,00.

A fundamentação por culpa em 15 (79%) das decisões e associação de culpa

e falta de informação em 4 (21%). Anexo – 12: Tabela 6.

3.2 DA COMPARAÇÃO

3.2.1 Dos dados entre os Tribunais e o Superior Tribunal de Justiça

Ao considerar os resultados dos Tribunais e comparando-os entre eles,

obteve-se a média geral – média dos Tribunais de Justiça. Encontram-se, ainda,

presentes os dados do Superior Tribunal de Justiça o que permite uma análise

comparativa geral dos dados. Demonstrado na Tabela 7.

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27

TABELA 7

STJ Média TJs TJRS TJPR TJSP TJMG TJRJ

Total (R$) 850.000,00 2.424.800,00 251.000,00 212.000,00 1.280.300,00 319.500,00 362.000,00

Média(R$) 50.000,00 33.678,00 19.308,00 21.200,00 71.128,00 26.625,00 19.053,00

Valor

Máximo(R$) 330.000,00 400.000,00 40.000,00 50.000,00 400.000,00 150.000,00 50.000,00

Valor

Mínimo(R$) 8.000,00 5.000,00 6.000,00 10.000,00 10.000,00 5.000,00 5.000,00

Desvio

Padrão(R$) 73.146,00 54.518,00 12.566,00 11.830,00 91.814,00 39.215,00 13.434,00

Coeficiente de

Variação 146% 162% 65% 56% 129% 147% 71%

Improcedência 29% 29% 24% 9% 25% 50% 24%

Procedência 71% 71% 76% 91% 75% 50% 76%

Culpa 76% 61% 38% 40% 56% 83% 79%

Falta

Informação 18% 14% 8% 30% 22% 17% 0%

Culpa + Falta

Informação 6% 25% 54% 30% 22% 0% 21%

3.2.2 Dos índices de procedência e os valores médios de dano moral concedidos

O gráfico 1 demonstra a situação de cada Tribunal, da média dos Tribunais e

do STJ, quanto aos percentuais de procedência na concessão dos pedidos e aos

valores médios do dano moral sentenciados.

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28

GRÁFICO 1

3.2.3 Dos percentuais das motivações entre os Tribunais

O gráfico 2 demonstra o comparativo entre os Tribunais quanto à motivação –

culpa, falta de informação ou culpa associado com falta de informação – das

decisões.

GRÁFICO 2

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29

3.2.4 Dos percentuais das motivações entre a média dos Tribunais e o Superior

Tribunal de Justiça

O gráfico 3 mostra a comparação entre o STJ e a Média dos tribunais quanto

à motivação – culpa, falta de informação ou culpa associado com falta de informação

– das decisões.

GRÁFICO 3

3.2.5 Entre os percentuais da motivação culpa e os valores médios de dano moral

O gráfico 4 compara todos os Tribunais analisados com a sua Média e com o

STJ quando analisado a motivação culpa em relação à média dos valores de dano

moral concedido para este tipo.

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30

GRÁFICO 4

3.2.6 Entre os percentuais da motivação falta de informação e os valores médios de

dano moral

O gráfico 5 compara todos os Tribunais analisados com a sua Média e com o

STJ quando analisado a motivação falta de informação em relação à média dos

valores de dano moral concedido para este tipo.

GRÁFICO 5

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3.2.7 Entre os percentuais da motivação culpa e falta de informação e os valores de

dano moral

O gráfico 6 compara todos os Tribunais analisados com a sua Média e com o

STJ quando analisado a motivação culpa em associação com falta de informação

em relação à média dos valores de dano moral concedido para este tipo.

GRÁFICO 6

4 DISCUSSÃO

A amostragem de casos – compatível com as populações dos Estados –

evidenciou a preponderância de julgamentos procedentes do pedido inicial.

Verificou-se certa uniformidade; porém, nos extremos o Paraná se destaca como o

estado que mais dá provimento aos litígios desta natureza, e o estado de Minas

Gerias, o mais conservador em razão do maior número de julgamentos

improcedentes. Demonstrado na Tabela 7 e no Gráfico 1.

Quanto aos valores mínimos dos danos morais concedidos, não se verificou

variação significativa, demonstrando certa uniformidade entre os estados,

diferentemente da análise dos valores máximos aferidos. No estado de São Paulo,

observaram-se as condenações mais altas, seguidos por Minas Gerais e, na

sequência, os outros, com certa similitude. Os valores médios comportaram-se do

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32

mesmo modo. Comprovado quando se analisa esses valores, assim como, o desvio

padrão e o percentual de variação da média dos valores dado pelo coeficiente de

variação. Todos na Tabela 7.

No que concerne à motivação – culpa, falta de informação ou associação de

culpa e falta de informação –, os estados mais ao Sul – Rio Grande do Sul, Paraná e

São Paulo – apresentaram certo padrão de fundamentação, eis que motivaram as

decisões, na grande maioria, pautados à falta de informação – dentre estes, o

Paraná o que mais assim o faz. Já os estados de Minas Gerais e do Rio de Janeiro

se pautam, via de regra, na culpa comissiva do demandado.

Ao proceder-se a comparação da média das análises das decisões dos

Tribunais de Justiça (vide Tabela 7) frente às decisões do Superior Tribunal de

Justiça observou-se similaridade quanto aos índices de procedência e aos valores

mínimos concedidos. O STJ indenizou com valor mais elevado quando analisou-se o

valor médio, porém apresentou um coeficiente de variação abaixo da média dos

Tribunais, não obstante ambos mostraram-se bastante elevados.

O Superior Tribunal de Justiça decidiu, na grande maioria das vezes, com

base na motivação: culpa ou falta de informação. Pautou-se preferencialmente por

uma ou por outra, enquanto que a média dos Tribunais tendeu a associá-las com

maior frequência, demonstrado no gráfico 3.

5 CONCLUSÃO

O presente estudo demonstrou consenso entre os julgadores, no sentido de

que os procedimentos estéticos na cirurgia plástica devem ser tratados como fruto

de um contrato entre o médico e o paciente, regido pelas normas do Código de

Defesa do Consumidor – artigo 14, § 4.º –, tal qual uma relação consumerista, em

que o primeiro seria o fornecedor e o segundo, o consumidor.

Desta relação surge uma obrigação de se chegar a um resultado e este dever

assume o médico quando trata com o paciente o objetivo a ser atingido. Para

alcançar o resultado deve o profissional informar detalhadamente a outra parte, visto

que esta é desprovida do conhecimento técnico que aquele detém. Deve, ainda,

realizar o procedimento corretamente, afastando-se de qualquer modalidade de

culpa – imperícia, imprudência e negligência – durante o cumprimento da avença.

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33

Isenta-se desta responsabilidade se provar que o fato deu-se por caso fortuito, por

força maior ou por culpa exclusiva do paciente. Evidenciou-se, portanto, que esta

área da Medicina é tratada pelo Direito como uma obrigação de resultado e não de

meio.

O que se apurou na pesquisa jurisprudencial, objeto deste estudo, foi nítida

preponderância do entendimento de que, não obstante se trate de obrigação de

resultado, a responsabilidade é, de regra, subjetiva, porém com culpa presumida

destes profissionais. Nesse caso, o ônus da prova se inverte.

Muitos procedimentos em cirurgia plástica, em contrapartida, têm a finalidade

de reparar alguma função comprometida ou perdida, e estes são considerados, de

forma uníssona, como obrigações de meio. Entre um extremo e outro, entretanto, há

uma zona de mesclagem, não muito clara, entre o reparador e o estético. Os casos

que aí se encontrarem poderão ser conduzidos ora como obrigação de resultado,

ora como de meio, finalizando em decisões antagônicas e, por vezes, até injustas –

fruto da inexatidão da ciência do Direito.

Incontroversa, também, é a condenação por danos morais quando não se

atinge o resultado esperado pelo paciente ou prometido pelo profissional. A

definição destes valores tem forte juízo de subjetividade do julgador, não obstante

valha-se, via de regra, dos critérios de prudência, punição, razoabilidade,

intimidação, condição econômica das partes, grau de culpa do médico,

consequências do seu ato, além dos hábitos culturais e morais da sociedade – como

no caso de São Paulo, estado onde as condenações alcançaram os maiores

valores, provavelmente por se tratar do estado mais rico da União. Em contrapartida,

o estado de Minas Gerais, o mais conservador na não concessão dos pedidos,

certamente influenciado por cultura protecionista em relação à classe médica.

Notou-se, também, que nos estados onde se predomina a colonização

europeia, como no caso do Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo, há forte

determinação de que o dever de informar é um fator fundamental e norteador da

relação cirurgião plástico e paciente, inclusive nos procedimentos reparadores –

tendência esta confirmada pelos altos índices de decisões fundamentadas na falta

de informação.

O Superior Tribunal de Justiça atua no sentido de harmonizar, padronizar,

frear os excessos e equilibrar as diferenças regionais – culturais e morais -– que

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influenciam as decisões nos tribunais de origem. Trata-se, pois, do grande balizador

da jurisprudência. Esta conclusão ratifica-se pelos dados oriundos da análise das

decisões – dados esses muito próximos da média geral dos Tribunais.

ANEXOS

ANEXO – 01

Número: 70051647840

Tribunal: Tribunal de Justiça do RS

Seção: CIVEL

Tipo de Processo: Apelação Cível

Órgão Julgador: Décima Câmara Cível

Decisão: Acórdão

Relator: Paulo Roberto Lessa Franz

Comarca de Origem: Comarca de Porto Alegre

Ementa: APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. CIRURGIA

ESTÉTICA. COLOCAÇÃO DE PRÓTESES MAMÁRIAS. OBRIGAÇÃO DE

RESULTADO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. CULPA PRESUMIDA.

NULIDADE DA SENTENÇA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA.

Ausente mínimo indício probatório de que o réu tenha protocolado documentos

juntamente com a contestação, os quais não teriam sido juntados aos autos, por erro

cartorário, não há falar em cerceamento de defesa. Hipótese em que, ademais, a

juntada tardia dos documentos não trouxe prejuízo à parte, não havendo razão para

decretar a nulidade. Preliminar rejeitada. RESULTADO INSATISFATÓRIO. DEVER

DE INDENIZAR. A obrigação assumida pelo cirurgião plástico na cirurgia

estética embelezadora é de resultado, e sua responsabilidade é subjetiva, com

culpa presumida, sendo do profissional o ônus de comprovar que não agiu

com culpa em qualquer das modalidades: negligência, imprudência ou

imperícia. Aplicação do art. 14, § 4º do CDC. Hipótese em que restou

demonstrado nos autos a conduta culposa do réu, presumida pela não obtenção do

resultado estético legitimamente esperado pela paciente ao submeter-se à cirurgia

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plástica de aumento de mamas, ensejando o dever de indenizar do médico. DANO

MATERIAL. O dano material a que faz jus à autora deve corresponder às despesas

decorrentes da realização de novo procedimento cirúrgico para correção do

resultado, cujo montante deve ser apurado em liquidação de sentença. Reforma da

sentença, no ponto. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. São evidentes os

infortúnios decorrentes da submissão à cirurgia plástica embelezadora com

resultado manifestamente insatisfatório, diante do presumível sofrimento,

frustração de expectativas e impotência, capazes de retirar a pessoa de seu

equilíbrio psíquico, colorindo-se, assim, a figura do dano moral in re ipsa.

Condenação mantida. QUANTUM INDENIZATÓRIO. MAJORAÇÃO. Na fixação da

reparação por dano extrapatrimonial, incluindo, in casu, o dano estético, incumbe ao

julgador, atentando, sobretudo, para as condições do ofensor, do ofendido e do bem

jurídico lesado, e aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, arbitrar

quantum que se preste à suficiente recomposição dos prejuízos, sem importar,

contudo, enriquecimento sem causa da vítima. A análise de tais critérios, aliada às

demais particularidades do caso concreto, conduz à majoração do montante

indenizatório em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), corrigidos monetariamente, conforme

determinado no ato sentencial. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. Em se tratando

de responsabilidade civil contratual, os juros de mora incidem a contar da citação,

nos termos do art. 405 do Código Civil, sendo inaplicável a Súmula 54 do STJ.

Manutenção da sentença, no tópico. APELAÇÃO DA AUTORA PARCIALMENTE

PROVIDA. APELAÇÃO DO RÉU DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70051647840,

Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Roberto Lessa

Franz, Julgado em 29/11/2012)

Data de Julgamento: 29/11/2012

Publicação: Diário da Justiça do dia 24/01/2013

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ANEXO – 02

Número: 70021217856

Tribunal: Tribunal de Justiça do RS

Seção: CIVEL

Tipo de Processo: Apelação Cível

Órgão Julgador: Décima Câmara Cível

Decisão: Acórdão

Relator: Luiz Ary Vessini de Lima

Comarca de Origem: Comarca de Novo Hamburgo

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL

CIRURGIA ESTÉTICA. CORREÇÃO DOS SEIOS. 1-Situação em que não tem

aplicabilidade o art. 27 do CDC. Por outro lado, diversamente do sustentado pelo

demandado não é de ser aplicada a regra de transição, porquanto a ação foi

ajuizada em 14 de dezembro de 2000, portanto, antes da entrada em vigor do NCC.

2. Em se tratando de cirurgia estética a informação prévia ao paciente acerca

de todos os riscos, constitui dever inarredável do médico. A ausência destas

informações acarreta a responsabilidade em indenizar os danos advindos com

a intervenção cirúrgica, independentemente de terem sido adotadas técnicas

corretas. 3. De considerar, ainda, que a cirurgia plástica de natureza estética

não caracteriza obrigação de meio, mas de resultado. 4. Cicatrizes que a

paciente não possuía antes da cirurgia estética, e disparidade entre o tamanho dos

seios, consoante se pode constatar nas fotos acostadas, causam sem dúvidas

constrangimentos e sofrimentos ensejadores de dano moral. 5. Considerando a

dupla finalidade a que se presta a reparação por danos morais, bem como atentando

para as peculiaridades do caso concreto, estou em majorar o valor arbitrado a título

de danos morais para R$ 20.000,00. 6. O pedido de pagamento de nova cirurgia

plástica fora concedido nos termos postulados na inicial. 7. Deve o réu arcar com a

integralidade dos ônus sucumbenciais, pois a autora fora vencedora de todos os

pedidos formulados na inicial, ainda que tenha estimado o valor referente aos danos

morais em patamar superior ao deferido. Aplicação da Súmula 326 do STJ. APELO

IMPROVIDO. PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO ADESIVO. PRELIMINAR

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REJEITADA. (Apelação Cível Nº 70021217856, Décima Câmara Cível, Tribunal de

Justiça do RS, Relator: Luiz Ary Vessini de Lima, Julgado em 28/08/2008)

Data de Julgamento: 28/08/2008

Publicação: Diário da Justiça do dia 19/09/2008

ANEXO – 03

TJPR n:8977866 (Acórdão)

Relator: Renato Braga Bettega

Processo: 897786-6

Acórdão: 33646

Fonte: DJ: 943

Data Publicação: 06/09/2012

Órgão Julgador: 9ª Câmara Cível

Data Julgamento: 23/08/2012

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO DE INDENIZAÇÃO CIRURGIA MAMÁRIA

PARA REDUÇÃO DE ASSIMETRIA BEM SUCEDIDA NEGLIGÊNCIA,

IMPRUDÊNCIA E IMPERÍCIA NÃO CARACTERIZADAS INDICAÇÃO DE

TRATAMENTO E DA TÉCNICA ESCOLHIDA ADEQUADAS - AUSÊNCIA DE

PROVA DO CONSENTIMENTO INFORMADO NECESSIDADE DO TERMO ÔNUS

DO PROFISSIONAL LIBERAL - INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DEVIDA

REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA READEQUAÇÃO DA DISTRIBUIÇÃO DOS

ÔNUS SUCUMBENCIAIS - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

ANEXO – 04

TJSP, número: 9100763-75.2008.8.26.0000 Apelação

Relator(a): Marcia Regina Dalla Déa Barone

Comarca: Jaú

Órgão julgador: 10ª Câmara de Direito Privado

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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Data do julgamento: 25/09/2012

Data de registro: 03/10/2012

Outros números: 994080315483

Ementa: Ação ordinária de indenização por danos morais - Responsabilidade civil

por erro médico - Paciente que alega danos causados por cirurgia com fins estéticos

para a retirada de gordura e eliminação de cicatriz - Abdominoplastia - Cicatriz

extensa e deformidade nos flancos - Responsabilidade do cirurgião plástico afastada

pelo perito - Dever do médico de informar as possíveis complicações da

operação - Réu que se propôs a eliminar a cicatriz da autora, tendo, no entanto,

piorado a sua aparência - Omissão de informações no atendimento pré- operatório -

Danos materiais e morais - Configuração Sentença de improcedência reformada -

Fixação de indenização por danos morais em R$ 10.000,00 - Recurso parcialmente

provido.

ANEXO – 05

TJMG número: 7095085-09.2005.8.13.0024 (1)

Processo: Apelação Cível 1.0024.05.709508-5/001

Relator(a): Des.(a) José Antônio Braga

Data de Julgamento: 13/01/2009

Data da publicação da súmula: 16/02/2009

Ementa: CIRURGIA ESTÉTICA - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS,

ESTÉTICOS E MATERIAIS - QUELÓIDES - RESPONSABILIDADE CIVIL - CULPA -

CASO FORTUITO.A cirurgia plástica é uma obrigação de resultado; por isso, deve o

médico-cirurgião zelar por garantir a obtenção do resultado prometido ao paciente,

salvo a ocorrência de caso fortuito.Atua com cautela e segurança o cirurgião plástico

que informa à paciente os riscos da intervenção estética e dela colhe o ""ciente"" por

escrito, dando a conhecer à pessoa as consequências ou decorrências do

procedimento que será efetuado. Considera-se caso fortuito ou força maior o

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acontecimento, previsível ou não, que causa danos e cujas consequências são

inevitáveis.

ANEXO – 06

Jurisprudência/STJ - Decisões Monocráticas

Processo AREsp 094060

Relator(a) Ministro SIDNEI BENETI

Data da Publicação DJe 01/02/2012

Decisão AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL No 94.060 - RS (2011/0219744-0)

RELATOR: MINISTRO SIDNEI BENETIAGRAVANTE: DAVID

SPILKIADVOGADO: SAMANTA CARDOSO BERTEI E OUTRO (S) AGRAVADO:

VALDIRENE LUCENA LIPPERT ADVOGADO: ELISA DE OLIVEIRA SANDI E

OUTRO (S)DECISÃO1.- DAVID SPILKI interpõe Agravo contra Decisão que, na

origem, negou seguimento a Recurso Especial fundamentado na alínea "c" do

permissivo constitucional, manifestado contra Acórdão do Tribunal deJustiça do

Estado do Rio Grande do Sul (Rela. Desa. MARILENEBONZANINI BERNARDI),

assim ementado:APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CIRURGIA

PLÁSTICA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. DEVER DE INFORMAÇÃO SOBRE

POSSÍVEIS RISCOS E RESULTADOS. AUSÊNCIA DE DOCUMENTAÇÃO IDÔNEA

DO PROCEDIMENTO E DO AJUSTE. DANOS MORAIS E ESTÉTICOS. GASTOS

COM O PROCEDIMENTO. AUSÊNCIA DE PROVA DOS PAGAMENTOS.A

responsabilidade civil decorre do contrato de prestação de serviços pactuado entre

as partes, onde restou avençado procedimento cirúrgico de ordem estética, sendo

uníssono na jurisprudência que, nesta situação, a responsabilidade do médico é de

resultado. A obrigação de resultado encerra outra acessória consistente no

dever de informar (artigos 30 e 31 do CDC), tendo por fundamento o princípio

da boa-fé, que se traduz na honestidade e lealdade da relação jurídica. O

paciente deve ter exata compreensão das vantagens e desvantagens que a

intervenção cirúrgica estética envolve, para poder decidir-se sobre a

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submissão ao tratamento. O descumprimento desse dever dá lugar à

indenização, sopesando-se as condições particulares da paciente e fatores

alheios ao atuar do profissional.Reembolso dos valores pagos inviabilizado,

estando ausente prova dos pagamentos e do efetivo valor desses. Danos morais

como compensação à frustração sofrida, fixados moderadamente em vista das

particularidades do caso concreto.APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.2.-

Nas razões do Apelo Especial, sustenta o Recorrente dissídio jurisprudencial,

trazendo julgados em que a ausência de culpa do médico, corroborada por laudo

pericial conclusivo, excluiu o dever de indenizar.É o relatório.3.- O recurso não

merece prosperar.4.- Lendo-se os fundamentos do Acórdão recorrido, constata-se

que o Colegiado estadual concluiu a respeito da falha na prestação do serviço

(inobservância do dever de informação ao paciente) com base nos seguintes

fundamentos:Tenho, contudo, que o demandado seja responsável em parte pela

insatisfação gerada na autora com relação aos procedimentos a que se

submeteu.Das fotografias acostadas, ao menos das que acompanharam a inicial,

ao leigo fica a impressão de um excessivo esticamento de pele, condição que, no

dizer do expert, se deve à deficiência de colágeno de que padece a autora,

contribuindo para que sua cicatrização seja hipotrófica. Tal situação se mostra

compatível com a reclamação de estrias prévias, e outras que certamente surgiram

posteriormente, visíveis nas fotografias de fls. 166 (pernas), e não retratadas ao

início da demanda.Idêntica falha de informação existiu quando à técnica e material

empregado nos seios, constatado que o material utilizado não se tratou de silicone,

e que intercorrências poderiam surgir quanto a isso. Não há se olvidar, no entanto,

que já se passaram mais de dez anos desde o procedimento e até a perícia, e ao

tempo dessa a autora já havia engravidado por duas vezes, em que pese apenas

uma gravidez tenha ido a termo.Quanto a isso, no mínimo o demandado falhou no

dever de informar, e nisso o expert deixou claro da obrigação profissional de

esclarecer, quando afirmou (fl. 160):A cirurgia plástica tem limites, por vezes

conflitantes com a vontade ou as fantasias de alguns pacientes. Cabe a nós,

profissionais. Não pode ser afastada a responsabilidade do profissional médico

em face do descumprimento do dever de informar, pois, quando da relação

contratual, estabeleceu-se um acordo para da área, esclarecê-los, além de

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tentar compatibilizar o imaginário com o possível. A prestação de serviços,

mediante o pagamento do preço ajustado, de onde adviriam obrigações tais como

de informação, cuidados terapêuticos e de abstenção de abuso ou desvio de poder,

e notadamente, em se tratando de cirurgia estética, de resultado.Conquanto

presumida, a culpa do cirurgião não é absoluta e pode ser elidida se comprovado

que, em que pese a utilização da melhor técnica, sobrevieram fatos alheios à sua

vontade ou diligência capazes de alterar ou impedir o resultado pretendido, como no

caso problemas com a cicatrização da ferida cirúrgica, sujeitos a fatores biológicos e

genéticos, e características peculiares de cada organismo.

O fato é que, considerando as particularidades de cada organismo, inclusive reação

da pele, que varia de pessoa para pessoa, e sabido que isso pode comprometer o

processo de cicatrização e interferir no resultado final, exacerba-se o dever de

informação por parte do médico, a fim de que o paciente seja advertido dos

riscos e possíveis complicações em cada caso.

O art. 147 do Código Civil é claro quando preceitua que:Nos atos bilaterais, o

silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra

parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela não se teria

celebrado o contrato.(...)Assim, a obtenção de consentimento, sem que o paciente

tenha sido plenamente esclarecido, acarretará a responsabilidade do profissional,

salvo em situação emergencial.No caso dos autos, nenhuma evidência de que

resultados possíveis e não queridos tenham sido informados, o que faz com que

haja a responsabilidade do demandado.5.- Diante disso, verifica-se que os

julgamentos paradigmas colacionados aos autos (sendo um deles decisão

monocrática), não apresentam similitude fática ao Acórdão recorrido, uma vez que

não excluíram o dever de indenização mesmo diante do reconhecimento de falha na

prestação de serviço médico, consubstanciada no dever de indenizar.6.- Ante o

exposto, com apoio no art. 544, § 4o, II, b, do CPC, conhece-se do Agravo e nega-

se seguimento ao Recurso Especial. Intimem-se. Brasília (DF), 15 de dezembro de

2011. Ministro SIDNEI BENETI, Relator

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ANEXO – 7

TABELA 1

STJ

NÚMERO DE CASOS: 24

MOTIVAÇÃO

CULPA (1) FALTA DE

INFORMAÇÃO (2)

CULPA + FALTA DE

INFORMAÇÃO (3) DATA VALORES

15/10/12 25.000,00 1

05/10/12 8.000,0

2

03/10/12 20.000,00 1

14/02/12 30.000,00 1

01/02/12 15.000,00

2

13/12/11 20.000,00 1

24/11/11 330.000,00 1

20/09/11 30.000,00 1

22/02/11 25.000,00 1

18/02/11 40.000,00

3

26/10/10 60.000,00 1

08/09/10 20.000,00 1

25/08/10 35.000,00 1

09/09/09 42.000,00 1

13/08/09 8.000,00 1

02/06/09 100.000,00 1

05/12/06 42.000,00

2

Fonte:

http://www.stj.jus.br/SCON/decisoes/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=%22dano+moral%22+e+%22

cirurgia+est%E9tica%22&b=DTXT. Acesso em: 04/04/2013 às 21:46:58.

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ANEXO – 8

TABELA 2

TJRS

NUMERO DE CASOS: 17

MOTIVAÇÃO

CULPA (1) FALTA DE

INFORMAÇÃO (2)

CULPA + FALTA

DE INFORMAÇÃO

(3) DATA VALORES

24/01/13 20.000,00 1

26/09/12 10.000,00 1

29/11/11 10.000,00 3

29/11/11 10.000,00 3

26/06/11 25.000,00 3

15/06/11 40.000,00 1

16/12/10 40.000,00 1

22/09/10 15.000,00 3

09/06/09 40.000,00 3

16/03/09 8.000,00 1

19/09/08 20.000,00 3

20/06/07 6.000,00 3

26/02/07 7.000,00 2

Fonte:

http://www.tjrs.jus.br/busca/?q=%22dano+moral%22+e+%22cirurgia+est%E9tica%22&tb=jurisnova&p

artialfields=tribunal%3ATribunal%2520de%2520Justi%25C3%25A7a%2520do%2520RS.%28TipoDec

isao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%7CTipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica%7CTipo

Decisao%3Anull%29&requiredfields=&as_q. Acesso em: 04/04/2013 às 21:49:34

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ANEXO – 9

TABELA 3

TJPR

NUMERO DE CASOS: 11

MOTIVAÇÃO

CULPA (1) FALTA DE

INFORMAÇÃO (2)

CULPA + FALTA DE

INFORMAÇÃO (3) DATA VALORES

06/09/12 10.000,00 2

02/08/11 10.000,00 3

28/05/10 50.000,00 1

26/05/10 15.000,00 3

12/04/10 15.000,00 1

12/09/08 20.000,00 3

15/02/08 30.000,00 2

07/12/07 12.000,00 2

24/08/07 30.000,00 1

16/02/05 20.000,00 1

Fonte: http://portal.tjpr.jus.br/jurisprudencia/publico/pesquisa.do?actionType=pesquisar. Acesso em:

06/04/2013

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ANEXO – 10

TABELA 4

TJSP

NUMERO DE CASOS: 24

MOTIVAÇÃO

CULPA (1) FALTA DE

INFORMAÇÃO (2)

CULPA + FALTA DE

INFORMAÇÃO (3)

DATA VALORES

13/03/13 15.000,00 1

14/11/12 15.000,00

3

03/10/12 10.000,00

2

19/09/12 100.000,00

3

15/08/12 75.000,00 1

18/04/12 100.000,00

3

30/03/12 24.300,00

2

14/03/12 20.000,00 1

16/01/12 60.000,00 1

09/12/11 200.000,00 1

23/11/11 15.000,00

3

22/09/11 30.000,00 1

16/02/11 67.000,00 1

07/10/10 30.000,00

2

08/09/10 60.000,00

2

14/08/09 400.000,00 1

30/03/09 20.000,00 1

19/01/09 39.000,00 1

Fonte: http://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do. Acesso em: 06/04/2013

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ANEXO – 11

TABELA 5

TJMG

NUMERO DE CASOS: 24

MOTIVAÇÃO

CULPA (1) FALTA DE

INFORMAÇÃO (2)

CULPA + FALTA DE

INFORMAÇÃO (3)

DATA VALORES

08/02/13 15.000,00 1

07/07/12 15.000,00 1

31/01/12 30.000,00 1

29/09/11 5.000,00

2

29/08/11 8.000,00 1

01/08/81 15.000,00 1

14/09/10 50.000,00 1

07/06/10 5.000,00

2

22/03/10 150.000,00 1

01/03/10 5.000,00 1

01/12/09 8.000,00 1

05/06/09 13.500,00 1

Fonte:

http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavrasEspelhoAcordao.do?palavras=%22dano%20

moral%22%20e%20%22cirurgia%20est%E9tica%22&pesquisarPor=ementa&pesquisaTesauro=true&

orderByData=1&referenciaLegislativa=Clique%20na%20lupa%20para%20pesquisar%20as%20refer

%EAncias%20cadastradas...&pesquisaPalavras=Pesquisar&&linhasPorPagina=10&linhasPorPagina=

10&paginaNumero=5. Acesso em: 06/04/2013

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47

ANEXO – 12

TABELA 06

TJRJ

NUMERO DE CASOS: 25

MOTIVAÇÃO

CULPA (1) FALTA DE

INFORMAÇÃO (2)

CULPA + FALTA DE

INFORMAÇÃO (3)

DATA VALORES

05/03/13 40.000,00

3

23/01/13 5.000,00 1

09/10/12 10.000,00 1

29/08/12 25.000,00 1

31/07/12 12.000,00 1

25/07/12 15.000,00 1

03/07/12 15.000,00 1

27/06/12 20.000,00

3

16/05/12 50.000,00 1

13/03/12 16.000,00 1

09/09/11 6.000,00 1

27/07/11 36.000,00 1

18/05/11 5.000,00

3

26/04/11 5.000,00 1

17/11/10 30.000,00 1

20/04/10 10.000,00 1

23/03/10 12.000,00 1

15/12/09 10.000,00 1

25/11/09 40.000,00

3

Fonte: http://www.tjrj.jus.br/scripts/weblink.mgw. Acesso em: 06/04/2013

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48

REFERÊNCIAS

AGUIAR DIAS, José de. Da Responsabilidade Civil. 12.ª ed. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2011

BARROS MONTEIRO, Washington de. Curso de Direito Civil. 29.ª ed. V 5. São

Paulo: Saraiva. 1992

CRETELLA JUNIOR, José. O Estado e a obrigação de indenizar. São Paulo:

Saraiva, 1980.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 19.ª

ed. v.7 São Paulo: Saraiva, 2005

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 7.ª

ed. v. 4. São Paulo: Saraiva, 2012

LÓPEZ DE MAGALHÃES, Teresa Ancona. O Dano Estético. 1.ª ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1980

REIS, Clayton. Dano moral. 5.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, v. 4. Responsabilidade Civil. 20.ª. ed. São

Paulo: Saraiva, 2008.

STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 8.ª ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2011

VENOSA, Silvio da Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 7.ª ed. São Paulo:

Atlas, 2007; v 4

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ALIENAÇÃO PARENTAL: LEI 12.318/2010

PARENTAL ALIENATION: LAW 12.318/2010

Ana Paula Santos1

Adriana Martins Silva2

1 Acadêmica do 8º período do curso de Direito do Centro Universitário Curitiba – Unicuritiba, [email protected] 2 Mestre em Direito Empresarial. Especialista em Direito Processual Civil. Advogada nas áreas cível e empresarial. Atualmente é professora de Direito Civil, Família e Empresarial no Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA. Professora na graduação de direito de Família e Sucessões e pós-graduação. Orientadora do Grupo de Pesquisa Direito da Personalidade no âmbito Global no Centro Universitário UNINTER.

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50

SUMÁRIO

RESUMO 1 INTRODUÇÃO 2 PRINCÍPIOS NA ESFERA DO DIREITO DE FAMÍLIA

2.1 DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA 2.2 DA PROTEÇÃO INTEGRAL A

CRIANÇA E ADOLESCENTE 2.3 DA AFETIVIDADE 3 GUARDA 3.1 UNILATERAL

3.2 COMPARTILHADA 3.3 ALTERNADA 4 ALIENAÇÃO PARENTAL 4.1

CONCEITO 4.2 A LEI Nº 12.318/2010 4.3 COMENTÁRIOS A LEI Nº 12.318/2010 5

CONCLUSÃO REFERÊNCIAS

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51

RESUMO

No presente trabalho estuda-se a Alienação Parental, em especial a Lei 12318/2010.

Inicia-se a pesquisa a partir dos princípios constitucionais inerentes ao direito de

família, quais sejam: da dignidade da pessoa humana, da solidariedade familiar, da

igualdade, da proteção integral a crianças e adolescente e, por fim, da afetividade.

Dos princípios, em especial, busca-se verificar na sua aplicabilidade às situações

que envolvem o menor, bem como sua aplicabilidade nos diversos formatos das

famílias. Observa-se, em seguida, os tipos de guarda (unilateral, compartilhada e

alternada). Analisa-se, na continuidade, o conceito de alienação parental, bem como

a entrada em vigor da Lei 12318/2010 e os respectivos comentários a ela.

Palavras-chave: Direito de família. Princípios do Direito de Família. Guarda.

Alienação Parental. Lei 12318/2010.

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52

ABSTRACT

In this work we study the Parental Alienation, in particular the Law 12318/2010. The

search begins with the constitutional principles inherent in family law, which are the

dignity of the human person, the family solidarity, equality, full protection to children

and adolescents and, finally, the affectivity. In particular, the principles seek to check

on its applicability to situations that involve the under age, as well as their

applicability in various types of families.Then, there are the types of custody

(unilateral, shared custody and alternating). It analyzes, in continuity, the concept of

parental alienation, as well as the entry into force of Law 12318/2010.

Keywords: family Law. Principles of Family Law. Custody. Parental Alienation. Law

12318/2010.

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1 INTRODUÇÃO

Constante é a abordagem da mídia acerca da Alienação Parental, seus

efeitos e agentes motivadores. Não obstante a sociedade ter ganho um importante

instrumento de combate ao tema supra, por meio do advento da Lei nº 12.318/2010,

ainda há muito que se fazer para inibir a pratica da alienação. Embora a Lei traga

em seu corpo dispositivos que visam punir os alienadores, nem sempre é possível

adentrar no núcleo familiar e combater esse mal.

Nesse sentido, o estudo da alienação tem como escopo os princípios do

direito de família, bem como a Lei nº 12.318/2010 e comentários acerca de tal

instituto. Impende destacar que entender o contexto atual da família, como ela se

organiza e reorganiza de acordo com o contexto social, é imprescindível para que se

possa entender o que leva não raras vezes o surgimento da alienação e como

buscar caminhos para evita-la.

Inegável que o fim de relacionamentos é um processo doloroso e

desgastante, todavia é dever não só do genitor, mas da sociedade e do Estado,

proteger a criança e do adolescente, ou seja, o fim do vínculo conjugal não é

sinônimo de rompimento do laço entre pais e filhos.

Há que se destacar no presente artigo que o rompimento do laço conjugal não

é sinônimo do rompimento dos laços entre pais e filhos, logo não há que se anuir

com a prática da alienação, ainda mais com fundamento no fim do relacionamento.

Ora, o que está em debate são os direitos do menor e não as confusões amorosas

dos genitores. É preciso maturidade psicológica para saber colocar as desavenças

de lado em prol do melhor interesse da criança e do adolescente.

Por derradeiro, o presente Artigo analisará a alienação parental, abordando

pontos que dizem respeito a sua origem, conceito, tipos de guarda, princípios do

direito de família e comentários acerca da Lei 12.318/2010.

2 PRINCÍPIOS NA ESFERA DO DIREITO DE FAMÍLIA

Ao se falar dos princípios na esfera do Direito de Família impende destacar

que com o advento do código de 2002, à luz dos princípios e normas constitucionais,

o direito de família sofreu mudanças grandes mudanças (GONÇALVES, 2012, p.

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05). A família deixa de ser patriarcal, deixa de ser tão somente biológica e passa a

ser pluralizada. O que se protege aqui são os laços de afeto e não apenas os

consanguíneos.

Em razão da constante evolução da sociedade, o ordenamento jurídico

precisa se adequar de modo a proteger e amparar novas situações que surgem

diuturnamente. Dentro desse contexto de constantes mudanças e adaptações, está

inserida a família, que é um exemplo claro dessa constante transformação, devendo

o direito dar amparo a essas mudanças a fim de resguardar os direitos desses

indivíduos face as novas instituições familiares que hoje existem.

Nesse sentido é preciso essa constante adequação haja vista que a

sociedade não é estagnada, sendo que os conceitos, as formas de pensar e agir

mudam no decorrer dos anos e cabe ao direito acompanhar essas mudanças, se

adequar de modo a proteger e amparar novas situações que surgem diuturnamente.

Dentro desse contexto de constantes mudanças e adaptações, está inserida a

família, que é um exemplo claro dessa constante transformação, devendo o direito

dar amparo a essas mudanças a fim de resguardar os direitos desses indivíduos

face as novas instituições familiares que hoje existem.

Impende destacar que a percepção de família como fenômeno cultural

pode ser vista com a evolução dos paradigmas da família do Código Civil de 1916,

em que nele a família era casamentária e matrimonializada, sendo constituída

necessariamente pelo casamento.

Além disso, essa família era patriarcal, hierarquizada, heteroparental e

biológica. Exemplo claro dessa situação era a adoção, em que no código de 1916 o

filho adotivo não tinha direito a herança, pois a morte do pai adotivo dissolvia a

adoção, impedindo o direito à sucessão. A família era institucional, tendo como

maior prova disso a questão do casamento, que nesse momento histórico era

indissolúvel.

Esta nova concepção de família trazida pela Constituição de 1988 deixa de

ser patriarcal e passa a ser democrática, podendo exemplificar o que é afirmado por

meio da representação da mulher nesse contexto, que passa a assumir um papel

semelhante ao do homem, passando a ser igualitária (igualdade substancial)

tratando desigualmente quem esta em posição desigual. Essa igualdade justifica o

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estatuto da criança e do adolescente e do estatuto do idoso. A família passa a ser

hetero ou homoparental.

Nesse diapasão se entende que os princípios revestem-se de grande

relevância, pois envolvem todo o ordenamento jurídico. Bem verdade que os

princípios são as bases sobre as quais se constrói todo o sistema jurídico (FARIAS,

2010, p. 33) incluindo os núcleos familiares, que são a base para o desenvolvimento

da personalidade.

O ordenamento jurídico é composto por princípios e regras. E são os

princípios que dão sentido ao sistema jurídico. Os princípios são norteadores para

que o cientista do direito possa se debruçar no texto legal e decidir pelo melhor

caminho diante do caso concreto.

Para Maria Berenice Dias (2011, p. 59-60):

Os princípios são normas jurídicas que se distinguem das regras não só porque tem alto grau de generalidade, mas também por serem mandatos de otimização. Possuem um colorido axiológico mais acentuado do que as regras, desvelando mais nitidamente os valores jurídicos e políticos que condensam. Devem ter conteúdo de validade universal. Consagram valores generalizantes e servem para balizar todas as regras, as quais não podem afrontar as diretrizes contidas nos princípios.

Da leitura do excerto acima é possível verificar a importância dos princípios e

o que os diferencia das regras. Por fim, verifica-se um chamado a pensar sobre o

real significado dos princípios. Fica claro que não são meros registros na Carta

Magna, eis que por meio deles é que se ramificam as demais normas às quais a

sociedade está sujeita. Os princípios são ferramentas de suma importância para que

se torne efetiva a busca do Estado pela integral proteção dos direitos dos cidadãos.

2.1 DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A dignidade humana é que se verifica nos olhos da pessoa, na sua conduta e

interação com o meio que o cerca. No modo como ela se refere ao tratamento dado

não só pela máquina estatal, mas também pela sociedade e pelo próprio núcleo

familiar (TARTUCE, 2004, p. 24).

Entende-se que é o maior dos princípios, e que foi ele o fundador do Estado

Democrático de Direito, sendo balizado logo no 1º artigo da Constituição Federal de

1988, como já mencionado anteriormente. Para ela, o que levou o constituinte a

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considerar esse princípio como valor nuclear de toda ordem constitucional foi o

cuidado com os direitos humanos e com a justiça social. É um princípio carregado

de emoções e sentimentos e que por essa razão é de difícil definição (BERENICE

DIAS, 2011, p. 62-64).

Nesse sentido entende Maria Berenice Dias (2011, p. 64):

O princípio da dignidade da pessoa humana é o mais universal de todos os princípios. É um macroprincípio do qual se irradiam todos os demais: liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade e solidariedade, uma coleção de princípios éticos.

Entende-se com a análise do trecho acima, que o princípio da dignidade da

pessoa humana é o direcionador de todos os demais princípios, é um

macroprincípio, dele nascem tantos outros que visam proteger o individuo e a

sociedade como um todo.

O princípio da dignidade da pessoa humana é o norteador de todo

ordenamento jurídico e por essa razão é de suma importância o seu entendimento e

análise, haja vista que sua aplicação de modo equivocada pode causar danos por

vezes irreparáveis.

Fica claro a preocupação que se tem em regular todas as formas de família,

de modo a conferir respeito à autonomia de cada um, suas escolhas pessoais, por

mais “diferentes” que sejam e desde que não invadam ou afrontem o espaço do

outro, merecem proteção e respeito.

Por derradeiro nota-se que o direito de família tem forte ligação com os

direitos humanos, que tem como escopo o princípio da dignidade da pessoa

humana. Em suma, este princípio significa uma igual dignidade para todos os tipos

de núcleos familiares, ou seja, é preciso respeitar todos os tipos de famílias que

estão presentes em nossa sociedade, quebrando assim velhos preconceitos,

derrubando tabus e ampliando o entendimento do que realmente é a família.

2.2 DA PROTEÇÃO INTEGRAL A CRIANÇA E ADOLESCENTE

A vulnerabilidade que circunda os menores os faz merecedores de um

tratamento especial por parte do ordenamento jurídico, de modo a salvaguardar

seus direitos e garantias da melhor forma possível.

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E diante dessa busca de proteção veio o Estatuto da Criança e do

Adolescente, microssistema dotado de normas de conteúdo material e processual,

de natureza civil e penal, reconhecendo o menor como sujeito de direitos,

merecedores de tutela jurídica. Este Estatuto tem como diretrizes os princípios do

melhor interesse, da paternidade responsável e proteção integral (BERENICE DIAS,

2011, p. 64).

Há um forte interesse em face da garantia à convivência familiar, buscando

sempre o fortalecimento dos vínculos familiares, porém há situações que em

atenção ao direito à dignidade e ao desenvolvimento integral do menor é necessário

a destituição do poder familiar (BERENICE DIAS, 2011, p. 69).

Para que se rompa o liame natural existente entre pais e filhos é preciso que

se faça presente motivos graves que autorizem a destituição do poder familiar,

observando o que é de maior vantagem aos filhos. Ademais, também se verifica

essa preocupação nos processos de separação, inclusive nas situações que é

possível se identificar a alienação parental, prevendo a lei punições ao agente

alienador (GONÇALVES, 2012, p. 292).

O princípio da proteção integral busca assegurar que os direitos da criança e

do adolescente sejam tratados com prioridade, não só pelo Estado, mas também

pela família e pela sociedade. Impende destacar que nos casos de conflitos de

normas ou princípios deve-se sempre optar por aquela que assegurar o melhor

interesse da criança, em razão da sua vulnerabilidade ante os demais entes do

núcleo familiar, da sociedade e do Estado.

Diante do que foi apresentado, vale destacar a importância destes princípios

em prol da proteção da criança e do adolescente, tendo em vista que estes

compreendem uma fatia do núcleo familiar que é vulnerável, exigindo do nosso

ordenamento jurídico uma maior proteção e cuidado a fim de garantir uma efetiva

tutela jurídica, levando em consideração o contexto em que estas crianças e

adolescentes estão inseridos, buscando por meio dos princípios já mencionados

assegurar direitos e proporcionar a estes, dentro do possível, aquilo que melhor

caber a criança e ao adolescente, utilizando, por exemplo, do princípio do melhor

interesse para motivar decisões jurídicas aplicadas na resolução de problemas

decorrentes de conflitos familiares.

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2.3 DA AFETIVIDADE

O princípio da afetividade vem como uma bússola que confere um norte às

relações familiares, tendo sempre como escopo o princípio da dignidade da pessoa

humana e o da solidariedade familiar.

Os princípios constitucionais estruturam o ordenamento jurídico, tendo como

resultado dessa estruturação consequências concretas que vão muito além do

mundo fenomênico. Impende destacar que o afeto não é sinônimo de amor. Afeto

nada mais é que interação entre pessoas, que pode ter cunho negativo ou positivo,

ódio ou amor. Todavia, o princípio da afetividade extrapola essa definição.

Este princípio veio para transformar o direito de família, permitir que o

ordenamento amplie seu leque de proteção, ampare questões que antes não tinham

espaço e eram carentes de respaldo legal, fadadas a recriminação por parte da

sociedade, que por vezes é preconceituosa e de pensamento retrógado.

Ele permitiu o reconhecimento da união homoafetiva, admitiu a reparação por

danos em decorrência do abandono afetivo, reconhecimento da parentalidade

socioafetiva, bem como o reconhecimento da multiparentalidade.

O Estado como forma de garantir a dignidade da sociedade elenca na Carta

Magna um rol de direitos individuais e sociais, consagrando o compromisso de

assegurar o afeto (BERENICE DIAS, 2011, p. 70).

Aponta-se da análise deste princípio a mudança no papel da família, sua volta

à origem mais remota no sentido de pensamento de grupo, de comunhão de vida, de

divisão de tarefas, de solidariedade recíproca e de igualdade. Coloca-se de lado, por

ora, os interesses patrimoniais para então se resguardar a essência da família e seu

real significado.

3 GUARDA

Apresentado os princípios pertinentes ao direito de família e a alienação

parental, é necessária uma explanação dos tipos de guarda dos filhos. Haja vista o

seu não raro impacto na vida do menor, devendo, portanto, o juiz ao determinar a

guarda a ser estabelecida, tomar a devida cautela, de modo a garantir o melhor

interesse da criança e do adolescente. Não obstante o fato de que nem sempre o

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desejo manifestado pelo menor é o que deve ser considerado, pois às vezes está

alienado ou simplesmente não possui maturidade suficiente para julgar o que é

melhor para si, devendo ter o amparo de psicólogos que ajudarão a detectar o que é

mais adequado ou o que causará menos impacto na vida e no cotidiano do menor.

A alienação parental surge principalmente nos processos de dissolução do

vínculo conjugal que envolve a guarda de filhos menores. Entretanto, é sabido que

não rara às vezes o processo de alienação ocorre ainda na vigência do casamento

ou da união estável, podendo perdurar por anos, sem que o outro genitor perceba.

Bem como a alienação pode ter sua origem por parte de pessoas próximas a família,

não se restringindo tão somente aos genitores.

Destaca-se na ausência de consenso, é necessária a intervenção do juiz, que

dependendo a tensão entre os ex-cônjuges só potencializará a instalação da

alienação, por conta da tentativa do genitor guardião em deturpar a imagem do outro

genitor.

Frisa-se, ainda, que nas separações consensuais são raros os conflitos em

relação à guarda dos filhos menores, eis que as partes estão em comum acordo

tanto em relação à divisão dos bens pertencentes ao casal, como da guarda dos

filhos menores.

Por fim, cabe ressaltar que a separação dos pais não põe fim aos direitos

parentais, não cessa o direito e o dever dos pais para com seus filhos, o que se põe

fim é tão somente ao vínculo conjugal. Em prol do melhor interesse da criança se faz

necessário busca pela manutenção da convivência familiar da criança com seus

genitores e é para essa questão que o juiz deverá se atentar ao proferir suas

decisões referentes à guarda e direito de visitação.

Destaca-se que a legislação vigente regula dois tipos de guarda (unilateral e

compartilhada), contudo, isso não impede que outros tipos de guarda se

estabeleçam, atendendo o interesse e o bem-estar do menor. A matéria encontra

respaldo legal no artigo 1583 e seguintes do Código Civil.

Ante o exposto, é possível concluir que a alienação parental tem origem no

desarranjo e no conflito existente no âmago da família, mesmo que ainda não tenha

ocorrido a dissolução do vinculo conjugal, que resulta na desagregação familiar.

Frisa-se também que a alienação, embora o índice de ocorrência dessa conduta

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equivocada ocorra mais entre os genitores, se dá também por pessoas próximas ao

dia-a-dia do menor, avós, tios, e assim por diante.

3.1 UNILATERAL

Também chamada de guarda exclusiva, é aquela em que o menor passa a

residir com o genitor guardião por meio de decisão judicial, ou também aquela

atribuída a terceiro quando nenhum dos pais preencherem as condições para tal

(LOBO, 2011, p. 192).

Embora a possibilidade da guarda unilateral ser regulada pelo ordenamento

jurídico, a lei dá preferência à guarda compartilhada (BERENICE DIAS, 2011, p.

446).

Destaca-se que a escolha por essa guarda não é baseada tão somente no

poder econômico dos genitores e sim na qualidade que estes são auferidos ao

menor, qualidade está que vai além da financeira, mas também, e com maior peso,

a afetiva. O cientista do direito busca o genitor que apresenta melhor aptidão e o

compromisso para colocar em prática de forma efetiva esses critérios.

Nesse sentido, Maria Berenice Dias assevera que (2011, p. 447):

A guarda unilateral afasta, sem dúvida, o laço de paternidade da criança com o pai não guardião, pois a este é estipulado o dia de visita, sendo que nem sempre esse dia é um bom dia; isso porque é previamente marcado, e o guardião normalmente impõe regras.

Ante a exposição do entendimento da Douta doutrinadora fica claro como a

escolha da guarda unilateral pode resultar em situações nada agradáveis, que

ensejariam desavenças ainda maiores, não obstante o fato de existirem situações

específicas que não se aplicam a crítica em questão.

3.2 COMPARTILHADA

Das espécies de guarda, bem verdade que esta é a que mais beneficia os

genitores e o menor, haja vista forte preocupação em não romper com o vinculo

afetivo e a convivência com ambos os genitores em todas as fases do menor.

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Busca-se aqui a proteção psicológica da prole, em maior proporção que nas outras

guardas.

Impende destacar que a partir da Lei n. 11.698/08, a guarda compartilhada

passou a ser a modalidade preferível em nosso ordenamento, cabendo aos

magistrados o incentivo a sua escolha (GAGLIANO, 2013, p. 606).

A escolha pela guarda compartilhada só deve ser afastada quando o

interesse dos filhos estiver voltado para a guarda unilateral.

Por derradeiro, não se pode confundir a referida guarda com a, em suas

palavras, inconveniente guarda alternada, através da qual se busca muito mais os

interesses dos genitores e não dos filhos em questão, haja vista que há uma

“divisão” da criança.

3.3 ALTERNADA

A guarda alternada é comumente confundida com a compartilhada, mas na

verdade tem características distintas. Nessa espécie de guarda o magistrado fixa

períodos exclusivos de guarda aos pais, restando ao outro o direito de visitas.

Há uma crítica da doutrina com relação a adoção desse tipo de guarda, haja

vista a preocupação em atender tão somente as vontades dos genitores e não o que

é melhor para o menor.

Pablo Stolze traz uma interessante situação para exemplificar a guarda em

questão (2013, p. 605):

De 1º de janeiro a 30 de abril a mãe exercerá com exclusividade a guarda, cabendo ao pai direito de visitas, incluindo o de ter o filho em finais de semanas alternados; de 1º de mais a 31 de agosto, inverte-se, e assim

segue sucessivamente.

Impende destacar a crítica que o autor supra faz acerca da adoção desse tipo

de guarda, eis que a preocupação em jogo é tão somente os interesses inerentes

aos pais, e não a quem deveria ser protegida e prestigiada, a criança.

Há uma divisão da criança, gerando ansiedade, transtornos e tendo remota

probabilidade de sucesso (BERENICE DIAS, 2011, p. 446).

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4 ALIENAÇÃO PARENTAL

4.1 CONCEITO

A síndrome da alienação parental (SAP) foi uma expressão apresentada por

Richard Gardner, professor do Departamento de Psiquiatria Infantil da Faculdade de

Columbia, em Nova York, EUA, em 1985, ao se referir às ações de guarda nos

tribunais norte-americanos, quando identificado que um dos genitores induzia o

infanto a romper laços afetivos com o outro genitor. O vocábulo inglês alienation

significa “criar antipatia”, e parental quer dizer “paterna” (GONÇALVES, 2012, p.

305).

Impende destacar que as situações que a prática da alienação parental é

mais comum, são as que decorrem do término da vida conjugal, quando um dos

genitores, com sentimentos negativos em relação ao outro, passa a desconstruir a

imagem deste para o infante.

O genitor que detêm a guarda exclui o outro genitor da vida do menor,

interferindo nas visitas, desconstruindo sua imagem, atacando a relação existente

com o filho. Assim, a criança alienada passa a apresentar sentimentos de raiva em

relação ao outro genitor. Se recusando, assim, a encontrá-lo nos dias das visitas,

evitando conversas, demonstração de afeto, guardando sentimentos deturpados,

crenças irreais, exageradas ou inverossímeis com a realidade.

Com o fim dos vínculos afetivos, os filhos tornam-se instrumentos de

vingança, sendo impedidos de conviver com quem se afastou do lar. São

programados para rejeitar e odiar o outro genitor. Com o rompimento do casal, o

filho fica fragilizado, passando a sofrer uma orfandade psicológica. Assim, cria-se

um terreno fértil para semear a ideia de que o outro genitor deixou de lhe amar. Por

fim, passa a acreditar em situações que sequer existiram. Tudo isso com o intuito de

distanciá-lo do pai.

Cabe destacar que as manifestações do agente alienador são as mais

diversas, as mais comuns são: campanhas para denegrir o outro genitor, a ausência

de ambivalência na criança e animosidade contra aqueles relacionados ao genitor

alienado. Condutas que objetivam a desconstrução da imagem do outro genitor, de

modo a quebrar o vínculo afetivo ainda existente.

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Outro ponto interessante é que a alienação parental pode acontecer no curso

do casamento, ou até mesmo por pessoas próximas a criança, como avós, tios,

pessoas que fazem parte daquele núcleo familiar.

Nem sempre a alienação é praticada de forma consciente, o alienador pode

agir acreditando que está protegendo a criança, justificando assim sua conduta

dúbia. Porém, existem situações que o agente alienador tem plena consciência dos

seus atos, e egoisticamente, em decorrência ao conflito da separação e sua não

superação, passa a alienar, a usar como um objeto de disputa aquele que necessita

de proteção e afeto.

Trata-se de um distúrbio que assola crianças e adolescentes vítimas da

interferência psicológica indevida realizada por um dos genitores com o triste

propósito em desconstituir a imagem do outro genitor. Lamentável tal atitude haja

vista as profundas feridas causadas na alma do menor, vítima dessa síndrome

(GAGLIANO, 2013, p. 610).

Ante o exposto não restam dúvidas que a alienação é uma forma de maus-

tratos, para a qual a sociedade, família e principalmente os operadores do direito

devem se atentar e tomar as providências cabidas.

4.2 A Lei nº 12.318/2010

Passa-se agora a análise da Lei 12.318, de 26 de agosto de 2010, que veio

como instrumento para que o cientista do direito possa se debruçar sobre ela e

encontrar soluções para coibir e punir os alienadores, preservando assim os direitos

do infante.

Nesse sentido, dispõe o artigo 2º da Lei 12.318/2010:

Art. 2o Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros: I - Realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; II - Dificultar o exercício da autoridade parental; III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; IV - Dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;

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V - Omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; VI - Apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente; VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com

familiares deste ou com avós.

O referido diploma legal traz uma série de situações que se enquadram na

prática de alienação parental, porém, não se trata de um rol taxativo. As condutas

acima descritas podem ser praticadas não só pelos pais, mas também pelos avós,

tios, pessoas próximas do infante. A lei apresenta meios para o Judiciário agir e

reverter à situação (GONÇALVES, 2012, p. 306).

A referida lei enaltece em seu corpo o direito fundamental à convivência

familiar, o artigo 4º do diploma legal traça o rito a ser obedecido, como abaixo se vê:

Art. 4o Declarado indício de ato de alienação parental, a requerimento ou de ofício, em qualquer momento processual, em ação autônoma ou incidentalmente, o processo terá tramitação prioritária, e o juiz determinará, com urgência, ouvido o Ministério Público, as medidas provisórias necessárias para preservação da integridade psicológica da criança ou do adolescente, inclusive para assegurar sua convivência com genitor ou viabilizar a efetiva reaproximação entre ambos, se for o caso. Parágrafo único. Assegurar-se-á à criança ou adolescente e ao genitor garantia mínima de visitação assistida, ressalvados os casos em que há iminente risco de prejuízo à integridade física ou psicológica da criança ou do adolescente, atestado por profissional eventualmente designado pelo juiz para acompanhamento das visitas.

O juiz, ao ser informado acerca de indício de alienação, deverá determinar

que uma equipe multidisciplinar realize e conclua uma perícia sobre a situação em

até noventa dias. Ainda, após regular o procedimento de apuração da alienação, a

lei, mais precisamente na altura do artigo 6º, pontua as sanções aplicáveis ao

alienador (GONÇALVES, 2012, p. 307).

Art. 6o Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso: I - Declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador; II - Ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado; III - estipular multa ao alienador; IV - Determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial;

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V - Determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão; VI - Determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente; VII - declarar a suspensão da autoridade parental. Parágrafo único. Caracterizado mudança abusiva de endereço, inviabilização ou obstrução à convivência familiar, o juiz também poderá inverter a obrigação de levar para ou retirar a criança ou adolescente da residência do genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos de convivência familiar.

A Lei 12.318/2010 é dotada de caráter educativo, com o intuito de

conscientizar os genitores dos malefícios da prática da alienação, bem como alertá-

los de que em caso de inobservância dos dispositivos da referida lei, caberá

medidas punitivas, objetivando a proteção ao menor (GAGLIANO, 2013, p. 316).

4.3 COMENTÁRIOS À LEI Nº 12.318/2010

A referida lei busca combater a prática da alienação parental. Bem como ao

dispor sobre a síndrome, fortalece o direito fundamental à convivência familiar,

regulamentado no Capítulo III do Estatuto da Criança e do Adolescente e que diz

respeito ao direito do menor ao convívio com os genitores (GONÇALVES, 2012, p.

306).

A demanda social, que repete fenômeno internacional, encontra notória

resistência entre os operadores do Direito. Por exemplo, a jurisprudência ainda é

farta de decisões que negam a aplicação da guarda compartilhada, fundamentadas

em mitos ou argumentos inconsistentes sobre o bem-estar psíquico das crianças. Há

tendência de se tomar o conflito entre os genitores trazido ao Poder Judiciário como

algo necessariamente nocivo, sem considerar que pode ter origem justamente em

resistência ao adequado exercício dos deveres inerentes à autoridade parental.

Sob o pretexto da busca do melhor interesse da criança, dá-se ênfase a

soluções que propõem silenciar o conflito em detrimento de exame cuidadoso de

suas circunstâncias e da busca de condições para que se resolva de forma mais

saudável (BERENICE DIAS, 2013, p.41).

A crítica se dá ao fato do Poder Judiciário optar por decisões que silenciam o

conflito, deixando de adentrar na questão de fato, buscando solucionar a origem do

problema. Ainda nessa esteia, assevera a douta doutrinadora que são raras as

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decisões judiciais que reconhecem atos de alienação parental (BERENICE DIAS,

2013, p. 41).

A ausência de proteção judicial, nas situações de separação e conflito

familiar, é representada por decisões que negam a prática da alienação, como se

fosse simples desentendimentos familiares, sem tanta importância (BERENICE

DIAS, 2013, p. 43).

Ora, não se espera da lei revoluções milagrosas no núcleo familiar,

transformando condutas nocivas em sadias. Mas sim, a aplicação da lei como

instrumento de combate, uma ferramenta para assegurar os direitos do menor. Uma

forma de induzir a família a uma dinâmica de vida mais saudável, coerente e

harmoniosa.

5 CONCLUSÃO

Na busca de respostas para a origem da alienação fica claro que, na maioria

das vezes, se dá com o fim dos relacionamentos conjugais, mas existem outras

situações além dessas, como o ódio de uma sogra por sua nora, etc. Verifica-se que

às vezes a alienação é motivada pela pura maldade, pela desarmonia que devasta

os ambientes familiares, pela falta de estrutura psicológica dos alienadores, que,

importante frisar, nem sempre alienam com consciência da potencialidade do dano

que essa prática pode causar na vida daquele que deveria ser protegido.

Porém, há situações em que o alienador está tão envolto aos seus problemas

pessoais que não se dá conta que suas atitudes nada mais são do que a prática da

alienação parental, e muito menos tem ideia do reflexo disso na vida de seu filho.

Aqui há um chamado a pensar sobre a necessidade de intervenção psicológica não

só para a criança, como também para todo o núcleo familiar afetado.

Nessa esteia, é possível concluir que a alienação parental, nada mais é do

que o descumprimento do dever de proteção que é conferido aos genitores e precisa

de identificada haja vista o direito da criança em ser protegida com absoluta

prioridade. Importante abrir os olhos para tal prática, não obstante o problema se

encontrar em outro núcleo familiar é preciso denunciar, pois não compete tão

somente aos pais o dever de assegurar proteção integral a crianças e adolescentes,

mas também a toda sociedade e ao Estado.

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Desse modo, o combate à prática da alienação parental, como se viu, ainda

encontra dificuldades haja vista a difícil identificação da mesma pelo juiz, porém,

com o advento da Lei 12.318/2012, o cientista do direito ganhou instrumentos mais

eficazes para não só combater tal prática como também orientar os genitores dos

malefícios que esta pode causar.

O que se espera é que, com o advento da Lei de Alienação Parental, o

operador do Direito passe a ter instrumentos mais eficazes de modo a coibir com

mais firmeza essas graves condutas de alienação, pois além de desencadearem

dano social, ferem quem mais deve ser protegido, as crianças e os adolescentes.

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CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E A IMPORTÂNCIA

DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA NAS RELAÇÕES PRÉ-

CONTRATUAIS

CONSTITUTIONALIZATION OF THE CIVIL LAW AND THE

IMPORTANCE OF THE PRINCIPLE OF OBJECTIVE GOOD FAITH IN

THE PRE-CONTRACTUAL RELATIONS

Camila Christiane Rocha Nicolau1

Adriana Martins Silva2

1Camila Christiane Rocha Nicolau é graduanda em Direito pelo Centro Universitário Curitiba. 2Mestre em Direito Empresarial. Especialista em Direito Processual Civil. Advogada nas áreas cível e empresarial. Atualmente é professora de Direito Civil, Família e Empresarial no Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA. Professora na graduação de direito de Família e Sucessões e pós-graduação. Orientadora do Grupo de Pesquisa Direito da Personalidade no âmbito Global no Centro Universitário UNINTER.

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SUMÁRIO

1. Introdução. 2. Função social do contrato. 2.1. Dignidade da Pessoa Humana. 2.2.

Autonomia da Vontade e Autonomia Privada. 3. Boa-fé Objetiva. 3.1. Dever de

Lealdade. 4. Responsabilidade pré-contratual e seu rompimento. 5. Conclusão.

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RESUMO

O presente trabalho busca demonstrar a importância do princípio da boa-fé objetiva

nas relações pré-negociais, bem como a Constitucionalização do Direito Civil

advindo com a Constituição Federal de 1988, cujos princípios foram incorporados

posteriormente com o Código Civil de 2002. Princípios como o da Dignidade da

Pessoa Humana norteiam as relações jurídicas diárias e impõem limites que servem

como base para a autonomia privada, por meio da qual somente a vontade de

contratar não mais basta como antigamente, sendo imprescindível, nos moldes

contratuais modernos, que o respeito aos princípios constitucionais, bem como aos

deveres anexos de conduta sejam atendidos, sob pena de dar ensejo a indenização

devido à sua inobservância. A expectativa legítima de que a relação seria firmada e

não o foi fere, muitas vezes, a boa-fé objetiva de uma das partes, acarretando

desequilíbrio entre elas e prejudicando a justiça contratual. O instituto da segurança

jurídica é protegido pelo Direito, a fim de que haja respeito e cooperação mútua,

bem como sejam atendimentos os diplomas jurídicos maiores, quais sejam,

Constituição Federal e Código Civil.

Palavras-chave: princípios constitucionais, Dignidade da Pessoa Humana, boa-fé

objetiva, autonomia privada, relações pré-negociais.

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ABSTRACT

In the present paper we aim to demonstrate the importance of the principle of

objective good faith in the pre-negotiation phase, as well as the Constitutionalization

of the Civil Law resulting from the 1988 Federal Constitution of Brazil, the principles

of which being subsequently added to the Civil Code of 2002. Principles such as of

Dignity of Human Person guide the everyday legal relations and set limits that serve

as a basis to the private autonomy, through which the will itself is not enough to

contract, as it used to be. It is imperative, in the current contractual patterns, that the

constitutional principles, as well as the duties of conduct attached, be respected,

otherwise parties can face indemnity actions. By violating the legitimate expectations

that arise out of the express contract, one of the parties has not performed in good

faith, causing an imbalance between them and harming the contract law. The

principle of legal certainty is protected by Law, in order to guarantee respect and

mutual cooperation, as well as to be in compliance with Brazilian’s Constitution and

the Civil Code.

Keywords: constitutional principles, Dignity of the Human Person, objective good

faith, private autonomy, pre-negotiation phase.

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1 INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 trouxe, em todos os ramos do Direito,

avanços no ordenamento jurídico que permitiram um substancial progresso na vida

coletiva.

Na esfera Civil, por exemplo, com o Código de 2002, o destaque foi percebido

no campo contratual. Isto porque, juntamente com a inovação dos artigos de lei,

vieram agregados a eles princípios constitucionais que buscam uma solução justa e

adequada aos casos concretos.

Princípios como a autonomia privada e a boa-fé objetiva passam a ser,

juntamente com o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, a base dessa nova

roupagem do Direito Contratual.

Trata-se, portanto, da “Constitucionalização do Direito Civil”, que veio no

mundo jurídico a fim de entrelaçar o estabelecido em nossa Carta Magna e no

Código Civil.

Ainda, a liberdade de contratar sofre limites impostos não só pela lei, mas

também pelos princípios trazidos na inovação, a fim de proporcionar aos contraentes

uma igualdade linear contratual.

O contrato, por si só, pode ser considerado um meio de desenvolvimento

social, sem o qual a sociedade estaria estagnada. Para que tal desenvolvimento seja

de maneira correta, deve ele ser também racionalizado e equilibrado, fazendo-se

necessária a aplicação de tais princípios acima citados.

Vale lembrar que esse cenário que estamos tratando no ramo contratual veio

de garantias constitucionais trazidas após a edição de nossa Constituição Federal

de 1988, sendo que esta trouxe uma irrefutável “democratização jurídica”, com

princípios protetores às pessoas humanas, sobretudo a dignidade, e às relações

entre elas, como exemplo disso pode-se citar o princípio da boa-fé objetiva.

Outro aspecto importante a ser destacado é no caso de quebra injustificada

da responsabilidade pré-contratual. Sabe-se que, primeiramente, antes de o contrato

vir a ser firmado de fato, as partes adentram no campo das tratativas contratuais. E

é nele que pode incidir a responsabilidade pré-contratual, sendo que, caso isso

ocorra e desde que tenham sido atendidos os requisitos trazidos pela lei e pela

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doutrina, pode a parte lesada pleitear indenização a fim de ter seu prejuízo

ressarcido por aquele que o prejudicou.

Isto porque, como ressaltado acima, a boa-fé objetiva veio com o escopo de

nortear as relações jurídicas não só na execução do contrato, mas também antes

mesmo de ele ser firmado e após seu término.

Portanto, existindo a ruptura injustificada da boa-fé objetiva, com a quebra da

confiança legítima, a parte lesada pode, e deve pleitear indenização, sob pena de o

Direito não proteger aqueles que precisam, não colocando em prática a Justiça

Contratual.

O presente trabalho buscará estabelecer uma visão sobre essa nova

perspectiva trazida a partir de 1988 e reafirmada em 2002.

2 FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO

O contrato, para que se concretize de maneira harmoniosa, deve guardar

simetria com os princípios da boa-fé objetiva e da autonomia privada, sendo que

este confere às partes liberdade de contratar da maneira que entenderem

conveniente e adequada.

Para isso, necessário se faz também o atendimento ao princípio elencado no

artigo 170, da Constituição Federal e trazido novamente no artigo 420, do Código

Civil, qual seja, o da função social do contrato.

A função social pode ser entendida como um princípio moderno que deve ser

observado pelo intérprete na aplicação dos contratos que veio também para limitar a

autonomia da vontade quando em choque com o interesse social, que sempre deve

prevalecer.

Tal princípio, por sua vez, põe à prova a concepção clássica de que os

contratantes tudo podem fazer porque estão exercendo sua livre manifestação de

vontade. Há, neste caso, uma condicionante para o princípio da liberdade contratual.

Oportuno destacar que até então o que se considerava válido no

ordenamento jurídico era tão-somente a vontade das partes, sem qualquer limitação

e/ou interferência do interesse coletivo na esfera privada.

Muitas foram as causas que modificaram a noção de contrato ao longo do

tempo. A suposta igualdade formal da qual todos os indivíduos deveriam gozar no

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momento da relação contratual foi revelada como falsa quando trazida à realidade.

Isto porque, o desequilíbrio tornando-se constante nas relações obrigacionais trouxe

uma insatisfação àqueles que eram injustamente preteridos.

O que importava na relação contratual era a simples manifestação de vontade

pelas partes. Porém, no momento atual com a globalização e o crescente acesso à

informação, foi preciso uma mudança no Direito Contratual que teve que se adaptar

às novas necessidades humanas.

Desta forma, não restou opção ao Estado a não ser intervir nas relações

contratuais a fim de diminuir a disparidade ocorrida por tantos anos. Dessa forma,

nos ensina Orlando Gomes:

[...] A interferência do Estado na vida econômica implicou, por sua vez, a limitação legal da liberdade de contratar e o encolhimento da esfera de autonomia privada, passando a sofrer crescentes cortes, sobre todos, a liberdade de determinar o conteúdo da relação contratual. A crescente complexidade da vida social exigiu, para amplos setores, nova técnica de contratação, simplificando-se o processo de formação, como sucedeu visivelmente nos contratos em massa, e se acentuado o fenômeno da despersonalização. Tais modificações repercutiram no regime legal e na interpretação do contrato. 3

Percebe-se pela passagem acima a necessidade de intervenção estatal nas

relações privadas, qual seja, nas relações contratuais, justamente pela nova

perspectiva crescente na vida da sociedade, a fim de permitir uma correta e justa

execução contratual.

O autor Zigmunt Bauman4 nos traz o ensinamento que tal conhecimento

informativo permitiu com que as pessoas consumissem mais, caracterizando a

produção em massa e o consumo em massa, o que acarretou forte influência na

matéria contratual. Com essa nova fase da vida humana, percebe-se que os limites

de liberdade de comprar e contratar, por exemplo, vão muito além de fronteiras

físicas e geográficas.

Um exemplo clássico que retrata justamente essa mudança social é a

existência de contratos de adesão, chamados também de “contratos em massa”.

Através deles percebem-se limitações ao princípio da autonomia da vontade,

fazendo com que o Estado interfira na esfera privada com o fim de evitar possíveis

3 GOMES, Orlando. Contratos. 24. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 7. 4 BAUMAN, Zygmunt. Globalização – As consequências humanas. 1. Ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.

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desequilíbrios contratuais, justamente por existir uma facilidade entre contratar e ser

contratado, decorrente da grande demanda social.

2.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Por ser um princípio fundamental e estar inserido no art. 1º, III, da

Constituição Federal, o princípio da Dignidade da Pessoa Humana está implícito em

todos os direitos relativos ao homem e ao cidadão, devendo assegurar e nortear as

relações humanas, sendo o responsável por garantir o direito à vida, à saúde, à

integridade física, à honra, etc.

Nas lições do Professor Ingo Wolfgang Sarlet, por exemplo, “a dignidade vem

sendo considerada (pelo menos para muitos e mesmo que exclusivamente)

qualidade intrínseca e indissociável de todo e qualquer ser humano” 5.

É de suma importância no presente trabalho, pois servirá para embasar

também as relações contratuais e seus eventuais abusos. O respeito ao ser

humano, ensina Carlyle Popp em seu livro referência do presente trabalho, torna-se

cada vez mais norteador não só no Direito Civil, mas em todo o ordenamento

jurídico. Além do mais, ensina o Professor, trata-se de um “princípio fonte”.

Ainda, cumpre salientar que o ser humano não pode dispor, vender, alienar,

emprestar sua dignidade, tendo em vista a qualidade de integração e

irrenunciabilidade desse princípio.

Importante passagem do Professor Sarlet quando nos diz:

[...] Vale lembrar que a dignidade evidentemente não existe apenas onde é reconhecida pelo Direito e na medida em que este a reconhece, já que constitui dado prévio, não esquecendo, todavia, que o Direito poderá exercer papel crucial na sua proteção e promoção, não sendo, portanto, completamente sem razão que se sustentou até mesmo a desnecessidade de uma definição jurídica da dignidade da pessoa humana, na medida em que, em última análise, se cuida do valor próprio, da natureza do ser humano como tal. 6

Percebe-se, portanto, que estabelecer uma definição própria e acertada

desse princípio não é tarefa fácil. Porém, nota-se também que a violação, quando

ocorre, é clara e perceptível.

5 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 27. 6 SARLET, 2001, p. 41/42.

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Ainda, por existir tal proteção em relação à pessoa humana, destaca-se

ensinamento de Marcos Ehrhardt Júnior, quando nos explica:

[...] A perspectiva que privilegia situações subjetivas existenciais do ser humano, estabelecida pelo direito civil constitucional, coloca-se em nível superior no ordenamento, com o escopo de proteger a pessoa, qualquer que seja a sua participação em uma relação jurídica. Cite-se como exemplo a esfera contratual: onde antes havia apenas concorrência e se pensava no contrato como resultado do equilíbrio momentâneo de forças antagônicas, a noção de pessoa passou a substituir a de indivíduo para permitir que a colaboração se desenvolva, com importantes reflexos no campo da responsabilidade civil decorrente de ilícito relativo. 7

Com os breves comentários acima trazidos, há que se ressaltar a importância

desse princípio não só no Direito Civil, mas em todas as áreas do Direito, já que o

mesmo vem elencado na Carta Magna e deve ser sempre atendido, respeitado e

tutelado pelo Direito, sob pena de ocorrer violação grave e de difícil reparação ao

ofendido.

2.2 AUTONOMIA DA VONTADE E AUTONOMIA PRIVADA

Conforme acima exposto, nesse novo cenário jurídico, portanto, a autonomia

da vontade é vista sob uma nova roupagem. Para Claudio Luiz Bueno de Godoy, o

princípio clássico da autonomia da vontade cede espaço para o princípio da

autonomia privada.

Desta vez este é norteado pela ordem pública, para que o próprio Estado

garanta uma superioridade jurídica àquela parte mais fraca na relação contratual,

como forma de compensar o desequilíbrio econômico. Daí também pode extrair-se

sua relação com o princípio da função social do contrato.

O exemplo disso vem abaixo com a exposição do autor acima referido sobre o

tema:

[...] Com efeito, essa liberdade de contratar, esteio da autonomia da vontade, classicamente concebida, cedeu a valores dispostos no ordenamento e mesmo diante de novas formas de contratação. Por exemplo, conhecidos são os contratos de massa, em que há uma oferta pública e permanente a um universo indistinto e indeterminado de pessoas, cujo acesso ao consumo não pode ser recusado senão a mercê de justificada reserva de não contratar. Pense-se ainda nas hipóteses dos chamados contratos obrigatórios, não só aqueles de consumação exigida

7 EHRHARDT JÚNIOR, 2012, p. 110.

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pela existência de ajuste preliminar, ou de prorrogação determinada por lei, como em algumas hipóteses de locação, mas, ainda, aqueles concernentes ao desempenho de atividade monopolística ou de prestação de serviços essenciais. São hipóteses de evidente golpe no conceito absoluto da liberdade de contratar e de com quem contratar. 8

Pela passagem percebe-se que a liberdade de contratar dos indivíduos foi

sendo e é limitada pelo predomínio das economias de massa, em que um grande

número de pessoas é ao mesmo tempo atingido já que necessita de um mesmo

serviço, sendo que também há um limite à liberdade de contratar de cada indivíduo.

Outro exemplo nítido que retrata a limitação da autonomia da vontade vem

expresso no artigo 421, do Código Civil que tem a seguinte redação: “A liberdade de

contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.

Porém, cumpre atentar ao fato de que não se trata de um ‘engessamento’ na

liberdade de contratar, e sim um emolduramento. Isto porque a palavra ‘engessar’

por si só traz a ideia de rigidez, o que não ocorre no atual Direito Contratual. A

autonomia privada deve conter a vontade do indivíduo - sua liberdade de contratar,

mas também deve guardar similitude com os princípios constantes em nossa Carta

Magna, motivo pelo qual se entende que a palavra ‘emolduramento’ se encaixa

melhor.

Diante da nova realidade, o ordenamento jurídico preocupa-se mais em

colocar os contratantes em um patamar de igualdade quando contratam, havendo,

portanto, com o decorrer dos anos um avanço no campo contratual e uma crescente

intervenção estatal nas relações privadas, sempre com o escopo de deixar os

contraentes em um patamar de igualdade, a fim de que não ocorra uma carga

excessivamente onerosa a uma das partes envolvidas.

Percebe-se, portanto, a forte conexão dos princípios constitucionais com os

princípios contratuais. Há uma forte ligação entre eles. Conclui-se daí que os valores

constitucionais são aplicáveis não somente no campo contratual, mas em todo

ordenamento jurídico.

Isto porque existe grande violação dos princípios da Dignidade e da

Personalidade Humana em todos os campos do Direito, inclusive no Direito Privado,

sendo que cabe não só ao direito público, mas também ao direito privado proteger

tais valores que são amplamente assegurados no Sistema Constitucional Brasileiro.

8GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Função Social do Contrato. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 17/18.

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3 BOA-FÉ OBJETIVA

Outro aspecto importante e relevante na matéria em questão que merece

destaque é o princípio da boa-fé objetiva que consiste em uma regra

comportamental, de fundo ético e exigibilidade jurídica.

Oportuno destacar a diferença entre a boa-fé objetiva e a subjetiva. Esta

última versa sobre a situação psicológica do agente. Ou seja, ela diz respeito ao

estado de ânimo pessoal quando o indivíduo realiza certo ato ou vivencia alguma

situação, sem que tenha dimensão do vício que está atrelada a ela.

Ainda, diz-se ‘boa-fé subjetiva’, pois que a análise feita pelo intérprete deve

considerar a intenção do sujeito da relação jurídica quando estipulado o contrato. A

análise deve ser, portanto, interna ao sujeito.

Já a boa-fé objetiva é uma consequência direta do princípio da Dignidade da

Pessoa Humana. Isto porque no próprio núcleo da boa-fé objetiva vê-se a

necessidade de respeito tanto para com a dignidade quanto para com a

personalidade do parceiro na relação contratual.

Segundo entendimento da professora Judith Martins-Costa, “A boa fé objetiva

qualifica, pois, uma norma de comportamento leal” (2000, p. 412).

Compilando a ideia trazida pelos autores Gagliano e Pamplona Filho, é de se

destacar que o contrato não se satisfaz apenas com o cumprimento da obrigação

principal.

O princípio da boa-fé objetiva traz em seu âmbito a importância de serem

observados os deveres jurídicos anexos da relação contratual, porém, não menos

relevantes. Como exemplo deles há o dever de confiança, assistência, informação

etc.

Ainda, sob o ensinamento de Gagliano e Pamplona Filho acima mencionados,

o princípio em questão é norma reguladora desses deveres e estes não podem ser

considerados taxativos. Diferente não é o ensinamento da professora Judith Martins-

Costa que traz em sua doutrina exemplificações dos deveres derivados do princípio

da boa-fé objetiva:

[...] Entre os deveres com tais características encontram-se, exemplificativamente: a) os deveres de cuidado, previdência e segurança, como o dever do depositário de não apenas guardar a coisa, mas também de bem acondicionar o objeto deixado em depósito; b) os deveres de aviso

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e esclarecimento, como o do advogado, de aconselhar o seu cliente acerca das melhores possibilidades de cada via judicial passível de escolha para a satisfação de seu desideratum, o do consultor financeiro, de avisar a contraparte sobre os riscos que corre, ou o do médico, de esclarecer ao paciente sobre a relação custo/benefício do tratamento escolhido, ou dos efeitos colaterais do medicamento indicado, ou ainda, na fase pré-contratual, o do sujeito que entra em negociações, de avisar o futuro contratante sobre os fatos que podem ter relevo na formação da declaração negocial; c) os deveres de informação, de exponencial relevância no âmbito das relações jurídicas de consumo, seja por expressa disposição leal (CDC, arts. 12, in fine, 14, 18, 20, 30 e 31, entre outros), seja em atenção ao mandamento da boa-fé objetiva; d) o dever de prestar contas, que incumbe aos gestores e mandatários, em sentido amplo; e) os deveres de colaboração e cooperação, como o de colaborar para o correto adimplemento da prestação principal, ao qual se liga, pela negativa, o de não dificultar o pagamento, por parte do devedor; f) os deveres de proteção e cuidado com a pessoa e o patrimônio da contraparte, como, v.g., o dever do proprietário de uma sala de espetáculos ou de um estabelecimento comercial de planejar arquitetonicamente o prédio, a fim de diminuir os riscos de acidentes; g) os deveres de omissão e de segredo, como o dever de guardar sigilo sobre atos ou fatos dos quais se teve conhecimento em razão do contrato ou de negociações preliminares, pagamento, por parte do devedor etc.9

Importante destacar que esses deveres não criam vínculo a um determinado

tipo contratual, ou seja, eles são variáveis e podem aparecer em todos os tipos de

relação obrigacional.

Não menos importante é a ideia de que os deveres secundários não podem

ser antecipados a obrigação principal, portanto, para que haja dever de indenização

deve existir anteriormente uma violação desses deveres, sendo que estes

comportam diversos graus de intensidade.

Ainda, tais deveres existem a fim de nortear a vigência do contrato e sua

correta execução, pois é um meio de proporcionar às partes certa segurança

jurídica, tendo em vista que tanto o contratante como o contratado devem ter como

referência não só as obrigações principais estipuladas no contrato, mas também, as

acessórias.

Como nada em matéria de Direito é absoluto, atenta-se ao fato de que cada

relação contratual exige um tipo de contraprestação, sendo, desta forma, tais

comportamentos acessórios variáveis conforme a situação concreta. Diz, portanto,

que os deveres secundários não são enquadrados e também não têm conteúdo fixo.

9COSTA, Judith Martins. A boa-fé no Direito Privado. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 439.

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Um exemplo clássico, trazido pela doutrina, sobre tudo pelo Professor Carlyle

Popp10, é o dever de lealdade. Vejamos a seguinte passagem:

[...] Após iniciada a vinculação preliminar, a outra parte não pode, salvo se o motivo for objetivável, ainda que de caráter subjetivo, resolver o vínculo. Percebe-se que a ruptura não pode ser surpreendente e, desde que as partes ajam com boa-fé e probidade, a ruptura poderá ocorrer sem que, inclusive, sejam informados os motivos para tanto. A outra parte, não sabendo os motivos efetivos do rompimento poderá questionar se a lealdade foi adimplida. Neste caso, mais complexa será a demonstração futura da legitimidade do rompimento. O que gera a infração à lealdade é o desrespeito à confiança e não a necessária comunicação dos efetivos motivos do rompimento.

Desta maneira, mostrou-se que o instituto da confiança é amplamente

protegido nas relações pré-contratuais. Cumpre salientar, porém, que a doutrina e a

jurisprudência reconhecem tal instituto tanto nas relações pós-contratuais, como

também durante a execução do contrato.

3.1 DEVER DE LEALDADE

Como já exposto acima, o princípio da boa-fé objetiva tem relação direta com

os limites impostos quando da formação contratual, inclusive nas tratativas pré-

contratuais.

Importante salientar que tal princípio é norteador das relações civis e por isso

está atrelado a uma série de deveres que, junto a ele, completam e delimitam ainda

mais tais relações.

Um exemplo desse dever é o dever de lealdade, que vem subentendido

dentro do princípio da boa-fé objetiva. Isto porque a lealdade é presumida para um

encerramento correto das tratativas pré-contratuais, contratuais. Explico.

Quando as partes estão acordando sobre o contrato existe nelas uma

expectativa que a outra parte cumpra com o que está sendo preestabelecido. Sendo

assim, quando um parceiro age de forma desleal com outro, não somente o pré-

contrato é afetado, mas também o é a dignidade do outro contratante.

10POPP, Carlyle. Responsabilidade civil pré-negocial: o rompimento das tratativas. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2001. p. 210 (grifei).

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O professor Carlyle Popp traz o ensinamento de que para haver uma real

violação ao dever de lealdade dois requisitos são necessários, quais sejam: devem

estar presentes as efetivas negociações, ou seja, pelo menos uma das partes deve

ter criado expectativa de que o contrato seria de fato construído; e, a ruptura deve

ser sem motivação, ou seja, pela simples desistência da parte de cumprir o

preestabelecido.

Ainda, sobre o tema o autor destaca em seu livro:

[...] Após iniciada a vinculação preliminar, a outra parte não pode, salvo se o motivo for objetivável, ainda que de caráter subjetivo, resolver o vínculo. Percebe-se que a ruptura não pode ser surpreendente e, desde que as partes ajam com boa-fé e probidade, a ruptura poderá ocorrer sem que, inclusive, sejam informados os motivos para tanto. A outra parte, não sabendo os motivos efetivos do rompimento poderá questionar se a lealdade foi adimplida. Neste caso, mais complexa será a demonstração futura da legitimidade do rompimento. O que gera a infração à lealdade é o desrespeito à confiança e não a necessária comunicação dos efetivos motivos do rompimento. 11

Sendo assim, percebe-se que a confiança é instituto protegido pelo direito

contratual. A simples ‘mudança de ânimo’ de contratar de uma das partes não tem

razão de ser justamente para não ferir o sentimento do outro. Dessa forma, criar

expectativa que uma situação se concretizará sem ter qualquer ânimo de vontade e

condição para concluí-la, acarretará responsabilidade pré-negocial.

4 RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL E SEU ROMPIMENTO

A fase formativa dos contratos é de suma importância, pois nela situa-se a

responsabilidade pré-negocial, sendo ela que delimita o contrato em si, posto que na

formação dos contratos as partes apresentam propostas e contrapropostas até

chegarem num acordo mútuo daquilo que pretendem contratar.

Sabe-se que o contrato é composto pela vontade das partes, as quais

estabelecem entre si um vínculo jurídico para executar o cumprimento de uma

obrigação.

Bem delimita Judith Martins-Costa o campo de atuação que trataremos:

11 POPP, 2001. p. 210.

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[...] Qual é o espaço onde se move a figura da responsabilidade pré-negocial? O seu espaço é o do “ainda-não-contrato”, o da inexistência, ainda, de vinculação contratual, o espaço do “trato”. Por isso não ocorre vinculação contratual, mas pode haver – se reunidas certas condições – vinculação obrigacional. Para delimitá-lo é necessário ter presentes as categorias jurídicas da proposta e da aceitação. 12

Sendo assim, trataremos aqui do momento anterior ao contrato, ou seja,

daquela fase que antecede a celebração do contrato.

Nessa fase sabe-se que os atos pretendidos pelas partes são dotados de

eficácia negocial típica, ou simplesmente de eficácia obrigacional, ou ainda, de

nenhuma eficácia jurídica.

É importante, porém, destacar que nem todos os atos praticados na fase pré-

contratual geram responsabilidade civil. Para que esta ocorra devem ser levados em

conta, além do caso concreto, os elementos objetivos e subjetivos pertinentes a

esse. Deve haver, portanto, um nexo de causalidade entre o dano ocorrido e o ato

praticado por um dos sujeitos da relação.

No caso concreto o que será analisado pelo jurista é justamente a liberdade

de contratar que o agente teve quando esta conflitar e for contra o princípio da boa-

fé objetiva, da maneira que, se houver um rompimento injustificado na fase das

tratativas contratuais por uma das partes, prejudicando assim a confiança esperada

da outra, possa esta – a prejudicada – ser ressarcida por seus danos.

Para a doutrina, existem dois elementos que devem ser analisados quando

ocorre a quebra das negociações pré-contratuais. São eles: a ruptura injustificada e

a confiança legítima afetada pela ruptura.

Por ruptura injustificada, entende-se que é aquela destituída de causa

legítima, ou seja, aquela arbitrária, que compõe o âmbito da deslealdade. É também

a violação do dever recíproco que embasa as tratativas.

Já por confiança legítima infere-se a expectativa gerada pela parte de que a

negociação prosperasse da forma correta, ou seja, de que o contrato seria

concluído. Porém, Judith Martins-Costa nos alerta que para a confiança ser

qualificada, ou seja, para que ela seja legítima deve basear-se em dados concretos

e inequívocos que possam ser avaliados por critérios objetivos e racionais.

12 COSTA, 2002, p. 481.

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No que tange à confiança, é ela um pressuposto a ser avaliado se o

rompimento das tratativas foi legítimo ou não. Ou seja, a legitimidade depende do

grau da confiança que o prejudicado, por exemplo, dispôs em relação à outra parte.

A ruptura deve ser baseada em fatos novos, e nunca em fatos anteriores. Por

exemplo, num acordo parcial as partes já discutiram sobre vários assuntos, e estes,

salvo por motivo superveniente e de estranho conhecimento das partes, não podem

servir como justificativa no rompimento das tratativas. Caso isso aconteça, aquela

parte que rompeu injustificadamente o pré-negócio, ficará obrigado a ressarcir os

danos causados à parte vítima.

No que diz respeito às tratativas, importante salientar que, quando do início

das tratativas, ambas as partes têm a obrigação de respeitar os ditames da boa-fé e,

ainda, não violar a confiança depositada em si pela outra parte.

Portanto, para que o contrato chegue à sua formação completa, conclui-se a

grande importância das negociações preliminares, pois são elas que introduzem o

contrato. Vale lembrar que o princípio da boa-fé objetiva é um norteador do Direito

como um todo e não nasce com as tratativas, a boa-fé objetiva precede-as.

Imaginemos agora a situação hipotética de um bioquímico ser

temporariamente contratado para prestar serviços a uma empresa de cosméticos,

sendo que ele tem acesso a todas as fórmulas por ela produzida. Quando findo o

contrato, o bioquímico revela tais fórmulas à empresa adversária. Seria isto justo?

Obviamente não. Motivo pelo qual tal conduta é passível de punição.

E vem sendo esse o posicionamento dos Tribunais superiores, a boa-fé

objetiva e a função social do contrato devem ser atendidas não somente antes e

durante o contrato, mas também depois do seu término. É o que caracteriza a

responsabilidade pós-contratual.

Com isso, percebe-se que o princípio da boa-fé está fortemente embutido

nesse instituto de responsabilidade, devendo o contratante sempre tê-lo por base, a

fim de agir sempre com honestidade perante a outra parte, sob pena de arcar com

os danos sofridos pela parte lesada, mesmo após a execução contratual.

Não diferente é a responsabilidade pré-negocial, também conhecida como

culpa in contrahendo.

Oportuno destacar que no Código Civil de 1916 o Brasil não reconhecia o

instituto da responsabilidade pré-contratual, e também não tratava com seriedade a

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boa-fé objetiva, que veio, porém, fortemente elencada na Constituição Federal de

1988 e no Código Civil de 2002.

Sabe-se que a doutrina da culpa in contrahendo foi formulada por Jhering e

esta traz a ideia de que cabe a responsabilidade pré-negocial sempre que uma parte

gerar na outra a certeza de que o contrato seria formado e, injustificadamente,

romper as negociações, ferindo os legítimos interesses da parte lesada, e gerando

assim, o dever de indenizar àquele causador do dano.

Bem delineado é o conceito trazido por Almiro do Couto e Silva, e citado pela

professora Judith Martins-Costa:

[...] Há responsabilidade pré-negocial sempre que “o comportamento de uma das partes na fase das tratativas, induzindo a confiança da outra de que tal procedimento seria adotado, ou omitindo informações de importância capital para que a outra parte possa decidir em relação ao negócio jurídico a ser realizado, ou ainda deixando de mencionar circunstâncias que acabariam forçosamente por produzir a invalidade do contrato”, gerando assim o “dever de indenizar”. 13

Sendo assim, percebe-se que, para haver o dever de indenizar, basta que

uma das partes seja desleal para com a outra, ou seja, rompa com os deveres

anexos de conduta inerente aos contratos, incidindo no caso, portanto, a

responsabilização pré-contratual.

É importante esclarecer que na responsabilidade pré-negocial os deveres

violados não são as obrigações principais, e sim aqueles deveres acessórios, ou

também secundários, que são esperados reciprocamente não só na fase das

tratativas, como também na execução contratual e no término do contrato, e

resultam do princípio regente dos contratos, qual seja o da boa-fé objetiva.

São exemplos de alguns desses deveres a lealdade, a cooperação, o sigilo, a

correção, a informação e o esclarecimento, entre outros. Ainda, esses deveres estão

intimamente ligados ao caso concreto, sendo, portanto, variáveis.

Sendo assim, aquele que rompe sem justificar as negociações preliminares

que estão se desenvolvendo na fase de negociação contratual, fica obrigado a

reparar o dano que causou. Sobretudo, para incidir tal responsabilidade, basta que

um dos agentes suponha razoavelmente que o negócio se concluiria, tendo sua

expectativa gerada frustrada.

13COSTA apud SILVA, Almiro do Couto e, 2002, p. 486.

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As tratativas contratuais estão sob o respaldo dos princípios constitucionais

anteriormente citados. Quais sejam o princípio da boa-fé objetiva e também o

princípio da liberdade de contratar que, como já explicado, tem o intuito de proteger

e amparar a parte prejudicada na relação contratual. Sendo assim, a parte que nas

tratativas pré-contratuais age deslealmente perante a outra, viola deveres

decorrentes da boa-fé objetiva.

Tal violação, muitas vezes, impede que o negócio seja realizado, outras

vezes, justifica sua invalidação. Porém, em ambos os casos, deve-se entender que

se uma das partes criou a expectativa de que o negócio iria ocorrer, sem dúvidas,

cabe à outra indenizá-la.

Dentro desse contexto, distingue-se, portanto, a antiga autonomia da vontade

da autonomia privada.

Até então, sabia-se que a presença da autonomia da vontade trazia a simples

manifestação da vontade externada no contrato e fazia leis entre as partes, sendo

que estas regulavam, através de suas próprias vontades, todas as condições e

também os ajustes do contrato, sem qualquer restrição ou limitação legal.

Porém, atualmente, com o art. 421 do Código Civil, essa ampla vontade veio

sendo atacada pela doutrina, no sentido de que, segundo o entendimento de

Venosa, a liberdade contratual nunca foi ilimitada, pois o contrato sempre guardou

relação com os princípios da ordem pública, devendo ter como limitação os

costumes e a própria ordem pública.

Esse princípio conferia aos particulares uma espécie de autorregulação de

seus interesses na esfera jurídica, pois dava ao titular desse direito a faculdade de

contratar ou não contratar. O agente age somente por sua vontade.

Ainda, sabe-se que o contrato deve ir além do que está escrito no papel,

sendo preciso um embasamento nos princípios constitucionais para que seja justo e

assim, evite o desequilíbrio contratual.

Embora anteriormente os princípios constitucionais já fossem amplamente

conhecidos, abre-se, a partir desse momento, uma nova perspectiva no âmbito

contratual.

Diante da nova realidade, o ordenamento jurídico preocupa-se mais em

colocar os contratantes em um patamar de igualdade quando contratam. Há,

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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portanto, uma crescente intervenção estatal no campo contratual, caracterizando o

princípio geral do Direito Contratual.

Sendo assim, nesse cenário jurídico vem, portanto, a autonomia da vontade

sob uma nova roupagem. Para Claudio Luiz Bueno de Godoy, o princípio clássico da

autonomia da vontade cede espaço para o princípio da autonomia privada. Desta

vez este é norteado pela ordem pública, para que o próprio Estado garanta uma

superioridade jurídica àquela parte mais fraca na relação contratual, como forma de

compensar o desequilíbrio econômico. Daí também pode extrair-se sua relação com

o princípio da função social do contrato.

Percebe-se que a liberdade de contratar dos indivíduos foi sendo e é limitada

pelo predomínio das economias de massa, em que um grande número de pessoas é

ao mesmo tempo atingido já que necessita de um mesmo serviço, sendo que

também há um limite à liberdade de contratar de cada indivíduo.

Cumpre salientar que a intervenção estatal na esfera privada dos indivíduos

vem com o escopo de garantir às partes uma real liberdade de ação. O que não

acontecia antigamente, pois no século XIX existia uma igualdade formal entre as

partes, sendo que esta muitas vezes não correspondia à realidade, deixando um

contratante melhor amparado que outro.

5 CONCLUSÃO

Diante do exposto acima, conclui-se a importância advinda da Constituição

Federal de 1988 que trouxe inovações não só no Direito Civil, mas em todo o

ordenamento jurídico, com a introdução da principiologia constitucional.

Posteriormente, com a inovação do Código Civil de 2002 cuidou-se do tema

com cautela, a fim de prestigiar a Carta Magna e proporcionar uma melhor relação

jurídica contratual entre as partes, atentando para os princípios da Dignidade da

Pessoa Humana, da boa-fé objetiva, da autonomia privada e da justiça contratual.

O primeiro princípio, base de todo o ordenamento jurídico, traz a ideia de

conservação do próprio ser humano perante outro. Tal princípio é considerado um

“princípio fonte” de todo o ordenamento jurídico, sendo que o seu titular não poderá

dispor, vender, alienar ou emprestar sua dignidade por ser ela irrenunciável e com

qualidade de integração.

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Ainda, o princípio em questão não é apenas reconhecido onde existe o

Direito, mas na vida social em geral, cabendo ao Direito protegê-lo e promovê-lo.

No tocante ao princípio da boa-fé objetiva, cumpre reafirmar que é ele a base

dos contratos, sendo consequência direta do princípio da Dignidade da Pessoa

Humana. Ainda, tal princípio obriga as partes a terem entre si lealdade e respeito,

sendo que tais características básicas são esperadas nas relações sociais.

Desta forma é a boa-fé vista como norma de limitação ao exercício de direitos

subjetivos para haja justamente um controle a tais direitos. O princípio protege,

desta forma, contratante e contratado conjuntamente.

Com relação à autonomia privada percebeu-se que a antiga premissa de que

‘o contrato faz lei entre as partes’ foi posta de lado, sendo necessário que os

contraentes encontrem uma forma de compilar suas necessidades e vontades, com

a função social do contrato, e, por óbvio, com a boa-fé objetiva, a fim de caracterizar

esse novo modelo contratual também chamado de ‘Constitucionalização do Direito

Civil’.

Diante do novo meio jurídico trazido com a Constituição Federal de 1988 e o

Código Civil de 2002, o mundo contratual foi renovado, sendo necessário o

atendimento da principiologia constitucional cumulada com a vontade das partes, a

fim de que ambos os contraentes saiam satisfeitos com o contrato, buscando,

quando necessário auxílio no Poder Judiciário.

Por fim, depreende-se que o Direito Contratual precisou buscar inovações na

principiologia constitucional para atender a nova ordem jurídica, sendo

imprescindível nos dias de hoje que o contrato e também as tratativas contratuais

guardem similitude e compatibilidade com a vontade do agente, a lei e os princípios

constitucionais.

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REFERÊNCIAS

BAUMAN, Zygmunt. Globalização – As consequências humanas. 1. ed. Rio de

Janeiro: Zahar, 1999.

BRASIL. Código Civil. Vade Mecum Compacto. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

COSTA, Judith Martins. A Boa-Fé no Direito Privado. 1. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2000.

GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil –

volume IV: contratos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Função Social do Contrato. 3. ed. São Paulo:

Saraiva, 2009.

GOMES, Orlando. Contratos. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

POPP, Carlyle. Responsabilidade Civil Pré-Contratual: o rompimento das tratativas.

Curitiba: Juruá, 2001.

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A TUTELA DO CONSUMIDOR SUPERENDIVIDADO

THE PROTECTION OF OVER-INDEBTEDNESS CONSUMER

Camile Bostelmann1

Eros Belin de Moura Cordeiro2

1 Graduanda em Bacharelado Direito na Unicuritiba 2 Possui graduação em Bacharelado em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba (1999) e mestrado em Direito pela Universidade Federal do Paraná (2005). Atualmente é professor do Centro Universitário Curitiba - Unicuritiba nas áreas de direito civil (contratual) e direitos internacional privado. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Civil, atuando principalmente nos seguintes temas: responsabilidade civil, contratos, direito civil, defesa do consumidor, direito contratual e contratos internacionais.

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RESUMO

O presente trabalho tem como objeto de analise as formas de prevenção e proteção

ao superendividamento do consumidor. Apresentamos estudo sobre: boa fé e

princípio da dignidade humana; formas de combate e, por fim tratamento da

condição de superendividamento. Concluiu-se que a revisão contratual reequilibra o

contrato; embora insuficiente para reincluir o consumidor no mercado econômico e

reestabelecer a dignidade do consumidor. Objetivou-se estudar as formas existentes

para tutelar consumidor superendividado.

Palavras-Chaves: Boa-fé, Superendividamento, consumidor, crédito.

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ABSTRACT

The following paper as at its main topic the analysis the forms of prevention and

protection over-indebtedness consumer. Present study about: Minimum objective

Good faith a and human dignity principle forms of combat and, lastly, how to treat de

over-indebtedness consumer. It was concluded the contract review rebalances the

contract. But, isn't enough for reinclude the consumer in Market and restore your

dignity. The objective was to study the way is possible protector the over-

indebtedness consumer.

Keyword: Good-faith; over-indebtedness; consumer; credit;

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1 INTRODUÇÃO

A condição de excessivo endividamento de alguns consumidores se dá

graças às ilusórias facilidades do consumo imediato e pagamento postergado. A

situação ganha real importância à comparação dos mandamentos Constitucionais de

proteção ao consumidor e à dignidade humana com as práticas de mercado tais

como o “crédito fácil”, incentivo exagerado ao consumo e ausência de legislação

específica para tratamento do consumidor insolvente. Essas condições levam a

questionamentos: quais as formas que o judiciário poderia utilizar para combater e

prevenir o superendividamento do consumidor.

A vasta oferta de crédito fácil é muito tentadora para famílias que pretendam

adquirir produtos e serviços com possibilidade de pagamento postergado. Alerta

para o fato que o crédito não é o causador do endividamento excessivo; pois, usado

com parcimônia, possibilita inclusão social, desenvolvimento econômico do país e

melhora à qualidade de vida familiar. Não obstante, assim como gera vantagens, se

usado adequadamente, pode ocasionar prejuízos, se desrespeitadas as regras e

princípios; um destes, por exemplo, é o fenômeno do superendividamento do

consumidor.

É papel inerente aos fornecedores de crédito educar e instruir o consumidor

sobre vantagens à aquisição dessa modalidade de empréstimo e quais as

consequências em caso de inadimplência. Porém, na prática, há funcionários

atendentes, no afã desatinado de vender crédito imediato – mais é padrão de

excelência -, despreocupados com o consumidor.

O cidadão endividado sofre com retaliações sociais e, penalizado com

altíssimos juros praticados no mercado, vê, mês-a-mês, aumentar a dívida e

também a impossibilidade de honrar compromisso assumido no contrato. O

consumidor, ao tentar quitar seu débito, não raras vezes se vê incapaz de suprir as

próprias necessidades básicas, o que afronta o princípio da dignidade humana.

Ao consumidor superendividado é indispensável tratamento diferenciado para

alcançar capacidade de ver-se excluído do banco de dados positivos e recuperar a

dignidade pessoal, aliás, condição que não significa remissão da dívida e prejuízo da

instituição financeira.

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Convém um trabalho de educação financeira, de disponibilização de crédito

responsável e conscientização dos malefícios da inadimplência cujo fulcro repousa

sempre nos princípios norteadores do direito do consumidor - princípio da dignidade

humana, princípio da boa-fé e deste todos os decorrentes.

2 PREMISSAS TEÓRICAS

A concessão de crédito ao consumo diminuiu a distância entre sonhar e

conquistar determinado produto. Não raras vezes, os brasileiros, em especial

classes menos favorecidas, recorrem às financeiras para adquirirem produtos, tidos

como ‘básicos’ em toda residência familiar - geladeira, fogão, televisor ...

Dessa forma, o crédito tem importante papel na economia, uma vez que o

estímulo ao consumo aumenta a demanda por produtos e serviços e esse aumento

gera mais empregos. É força propulsora da economia. Apesar disso, quando o

trabalhador compromete grande parcela da renda com pagamentos dos mais

diversos débitos e, a partir daí, uma série de desordens sociais surgem. 3(LIMA,

2010, 210).

Evitar esse tipo de situação é possível, observando os ditames e princípios da

Constituição Federal e do Código de Defesa do Consumidor em todos os contratos

de consumo. Dentre esses princípios, destaca-se a boa-fé.

2.1 A BOA FÉ

O consumidor superendividado é aquele que, de boa-fé, se vê impossibilitado

de fazer face ao conjunto de dívidas não profissional exigíveis e a vencer. (COSTA,

2006). Portanto, para o consumidor superendividado ser tutelado pelo judiciário, é

indispensável conduta de boa-fé. Essa primeira condição não é problema, visto que

a maioria dos consumidores a possuem; porém, o contrato de consumo é composto

por dois sujeitos: o consumidor e o fornecedor. E este também deve agir conforme o

princípio basilar do Código de Defesa do Consumidor. Destarte, é preciso uma

análise mais profunda sobre a boa-fé.

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O princípio da boa-fé é o “[...] princípio máximo orientador do CDC (sic) [...]”.

(MARQUES, 2011, p. 826) e esse princípio é como um “[...] elemento base do

próprio sistema jurídico constitucional [...].”(NUNES, 2012, p.184). Portanto, dada a

importância basilar do tema, analisa-se o conteúdo desse princípio, sem pretensão

de o exaurir, mas com o propósito de interpretá-lo de modo a ser possível,

juntamente com os outros conceitos, apresentados ao longo deste artigo, verificar

como o consumidor superendividado pode ser tutelado.

No Código de Defesa do Consumidor, referência à boa-fé consta nos artigos:

artigo 4.º, inciso III, e artigo 51, inciso IV (BRASIL. 1995)

Contudo, a expressão ‘boa-fé’ não é inovação trazida pelo Código de Defesa

do Consumidor – CDC, em várias passagens do ordenamento jurídico utilizava-se o

termo, para exemplificar, artigo 131 do Código Comercial já constava essa

expressão. (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 31)

A diferença é que, com o advento do Código de Defesa do Consumidor, a

boa-fé passou da condição subjetiva (estado pessoal, individual) para objetiva, com

status de princípio (o boa-fé objetiva).

2.2.3 Boa-Fé Objetiva

A boa-fé objetiva é o princípio mais importante do Código de Defesa do

Consumidor cuja função é “[...] viabilizar os ditames constitucionais da ordem

econômica, compatibilizando interesses aparentemente contraditórios como a

proteção do consumidor e o desenvolvimento econômico [...]” (NUNES, 2012.

p.181). A boa-fé objetiva é “[...] o dever das partes de agir conforme certos

parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de se estabelecer o equilíbrio nas

relações de consumo. ” (NUNES, 2012. p.181). É o equilíbrio das posições

contratuais, não o econômico, que deve ser buscado, quando trata-se de matéria

consumerista, “[...] como regra, há um desequilíbrio de forças. (...). Daí para chegar

ao equilíbrio real, o intérprete deve fazer uma análise global do contrato, de uma

cláusula em relação às demais. ” (NUNES, 2012. p.180).

Também a boa-fé objetiva é padrão jurídico no qual cada pessoa deve

conduzir-se - com lealdade, honestidade, probidade. Por este modelo objetivo de

conduta consideram-se os fatores concretos do caso, tais como o status pessoal e o

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cultural dos envolvidos, não se admitindo aplicação mecânica do padrão, de tipo

meramente subsuntivo. (MARTINS-COSTA, 2000, p. 411).

o Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/1990, traz a positivação do

princípio da boa-fé objetiva, no art. 4.º, III e no art. 51 IV, além de positivar os

deveres anexos às relações contratuais. Esse princípio tem três funções básicas:

integrativa, interpretativa e a de controle. A primeira, refere todas as obrigações

inerentes ao contrato, e não apenas à prestação da obrigação principal. Ou seja,

desde o momento pré-contratual até após a prestação principal, os contratantes têm

o dever de agir conforme os mandamos da boa-fé. A segunda impede a aplicação e

interpretação de cláusulas contratuais obscuras, ambíguas e maliciosas, pois as

relações de consumo devem ser pautadas por transparência e confiança entre as

partes. A terceira função, por sua vez, refere que todos os contratantes devem agir

com lealdade e confiança. (MARQUES, 2011, p. 219).

Quando necessária a intervenção judicial nos contratos, busca-se sempre não

o desfazimento de alguma vontade defeituosa, mas, sim, restaurar o equilíbrio

econômico. É por isso que a boa-fé, na sua função interpretativa, busca reestruturar

a fórmula contratual desproporcional. (THEODORO JÚNIOR, 2009, p. 25).

A função interpretativa da boa-fé, muito mais que tentar interpretar o plano

psicológico e íntimo dos envolvidos, busca um significado normativo, juridicamente

objetivo e, principalmente, transparente do contrato e, com isso, uma interpretação

justa sobre o conflito de interesses instaurado. (MARTINS, 2009. p. 342).

Mas, aos contratantes a boa-fé impõe, além desse objetivo de interpretação,

o mútuo dever de auxílio que inicia na fase pré-contratual e se extingue apenas junto

com o contrato. A boa-fé busca que, de forma transparente, os contratos cumpram

com função social e, por consequência, aconteça a efetivação da justiça social.

(DINIZ, 2005, 43).

A boa-fé objetiva, portanto, é um modelo jurídico com diversas formas. Não é

possível elencar quais contratos a possui e quais não, desde que trata-se de norma

não-fixa, dependendo sempre do juiz no caso concreto. Porém, é certo que os

envolvidos em uma relação jurídica devem possuir boa-fé, como uma espécie de

pré-requisito para que a relação se concretize. (GONÇALVES, 2011. p. 57). Ela

impõe que a exegese das leis e dos contratos não seja feita, invariavelmente in

concreto. “Isto é, em função de sua função social” (REALE, 2012).

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101

O princípio da boa-fé faz com que o contrato seja transparente e leal.

Condição que dá ao consumidor o direito de solicitar revisão contratual, não por

causa dos vícios de consentimentos (erro, dolo, coação, etc.) e, sim, porque o

contrato não está equilibrado e vai de encontro aos ditames da boa-fé. (THEODORO

JUNIOR, 2009, p. 27).

A boa-fé objetiva, ao contrário da subjetiva, cria deveres também positivos,

além dos negativos. Assim, o dever de abstenção de prejudicar dá lugar ao dever de

cooperar, de agir com transparência e lealdade. Ou seja, mais que simplesmente

alcançar o objetivo próprio, o contratante deve se esforçar para que o outro também

atinja o resultado procurado. (PEREIRA, 2007, p. 20).

A boa-fé traz com ela um dever de colaboração mútua, de reciprocidade; pois

todos os contratos têm uma finalidade maior que a sua função social. Daí o porquê

de a boa-fé não admitir condutas que firam o princípio de agir com lealdade,

transparência e com o padrão médio esperado. (COSTA, 2000, p. 457). A boa-fé

precisa estar presente para que o consumidor possa incidir o instituto do

superendividamento num eventual litígio revisional. Porém, dada a vulnerabilidade

do consumidor, a boa-fé deve ser presumida, de modo a permitir prova em contrário

aos credores do consumidor endividado. De acordo com Brunno Pandori Giancoli

(2008, p. 102), “[...] não é vista só como um vetor principiológio, mas como um

requisito comportamental essencial do consumidor para permitir a incidência do

instituto [...]”.

A boa-fé e os outros princípios contratuais, em última instância, decorrem do

próprio princípio constitucional da dignidade da pessoa humana que é, nas palavras

de Rizzato Nunes (2012, p, 184) “[...] princípio maior para interpretação de todos os

direitos e garantias conferidos às pessoas no texto constitucional [...]”.

O princípio da dignidade da pessoa humana será analisado a seguir; porém, o

que se propõe é tão-somente fornecer instrumentos para interpretá-lo nas relações

bancárias e no fenômeno do superendividamento.

2.3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA E MÍNIMO EXISTENCIAL

O princípio da dignidade humana é o principal direito fundamental no atual

Diploma Constitucional, pois embasa todos os demais direitos fundamentais

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102

(inclusive a isonomia). Esse princípio está expresso no art. 1.º˚ da Constituição

Federal de 1988. Dada a sua importância (muitos o consideram como um

supraprincípio constitucional), os aplicadores e operadores do Direito devem aplicá-

lo em todos os atos, seja na interpretação forense, criação legislativa, ou até mesmo

aplicação do direito. (NUNES, 2010, p. 60, 65).

No âmbito privado, deve-se interpretar a legislação conforme os princípios e

valores constitucionais, pois essa interpretação civil-constitucional “[...] permite que

institutos tradicionais do direito civil sejam repensados numa ótica que sobreleva os

valores e princípios positivados na Constituição [...].” (TEPEDINO, 2001, p. 281).

Rizzato Nunes (2010, p. 65) lembra que, apesar de o princípio da dignidade humana

ser um dos fundamentos do Estado Brasileiro, existem muitos juristas que não o

aplicam por entenderem que esse é um princípio de abstrato de difícil captação.

O Código de Defesa do Consumidor veio para assegurar maior proteção aos

consumidores; ou seja, garantir a dignidade da pessoa humana e ajudar na

construção de uma sociedade livre, justa e solidária. E é sob esse enfoque que

todos os contratos consumeristas devem ser interpretados e inscritos. Assegurar a

dignidade da pessoa humana implica diretamente respeitar seus direitos

fundamentais, e dentre os quais destaca-se o direito do Consumidor. (MALUCELLI,

2008).

O consumidor/trabalhador superendividado perde o interesse pelo trabalho,

não consegue proporcionar o mínimo necessário à sobrevivência da família, e uma

série de desordens sociais surgem.

No Japão, por exemplo, com a entrada do cartão de crédito, à década de

1980, dobrou o número de pessoas inadimplentes e, por consequência, causou

inúmeros suicídios: estima-se que 7% das pessoas endividadas tiveram a morte

ligada à insolvabilidade. A situação foi tão preocupante que o governo passou a

controlar o uso desmedido do cartão de crédito e a ministrar cursos de finanças

pessoais nas escolas. Durante o mesmo período, na Rússia, o endividamento foi

causa de aumento de criminalidade. De um lado, o Estado que não oferecia

praticamente nenhuma garantia judicial; e, do outro, um país minado por práticas

mafiosas com bases democráticas ainda incertas. Resultado, mais fácil e barato foi

assassinar os banqueiros em detrimento da quitação de suas dívidas. Vinte e seis

banqueiros foram assassinados em três anos. (LIMA, 2010, p. 210).

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103

Esses e outros acontecimentos comprovam que o superendividamento

impacta diretamente na qualidade de vida das pessoas. E por essas razões que o

principal princípio que embasa a possibilidade de revisão contratual para os

consumidores superendividados é a dignidade humana.

O efeito, buscado pelo princípio da dignidade humana, é a vida digna do

consumidor superendividado que só será possível quando o conjunto de prestações

assumidas não degradar a pessoa.

A violação do princípio da dignidade da pessoa humana, nas relações de

consumo, tem dois efeitos: a) o consumidor se obriga a cumprir prestação

consistente em ato suscetível de acarretar-lhe uma situação de risco, ou capaz de

impor séria ofensa à saúde, inclusive psíquica; e b) centra nas contratações em que

o consumidor, durante a execução do seu objeto, submete-se a uma situação de

degradação social. (GIANCOLI, 2008, p. 110).

A lei protege alguns patrimônios do consumidor como forma de garantir e

proteger a dignidade da vida humana do consumidor. O conjunto dos patrimônios,

chamados essenciais, é conhecido como mínimo existencial.

A seguir, algumas formas de prevenir e tratar o superendividamento do

consumidor, com base nos princípios do direito consumerista e princípios

constitucionais.

3 FORMAS DE PREVENIR O SUPERENDIVIDAMENTO

O crédito e consumo são “[...] face de uma mesma moeda [...]”. (MARQUES,

2011, p. 1.304), e essa analogia vale tanto para os países desenvolvidos quanto aos

emergentes, como o Brasil. Houve, na última década, massificação do acesso ao

crédito, com investimentos altíssimos em publicidades agressivas para oferecimento

de crédito popular; e, esse excesso de ofertas, somado ao desconhecimento do

consumidor médio brasileiro leva à tendência de abuso impensado do crédito e

consequente endividamento do consumidor e família. (MARQUES, 2011).

O crédito se, por um lado é importante ferramenta para melhorar a qualidade

de vida das famílias e possibilitar a antecipação do acesso a determinados bens e

confortos que antes seriam possíveis apenas após meses de contínua economia,

por outro lado pode levar ao endividamento, quando utilizado em momento

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inadequado. (MARQUES, 2012, p. 1)

Claudia L. Marques (2011, 1.303) conceitua superendividamento como: “[...] a

impossibilidade global do devedor-pessoa física, consumidor, leigo e de boa-fé, de

pagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo (excluídas as dívidas com

o Fisco, as oriundas de delitos e as de alimentos). ”

No Código do Consumidor da legislação francesa, no art. L. 330-1 consta

definido o superendividamento: “A situação de superendividamento das pessoas

físicas se caracteriza pela impossibilidade manifesta para o devedor de boa fé de

honrar o conjunto de suas dívidas não profissionais, exigíveis e vincendas”4

(tradução do autor). A doutrina brasileira claramente se baseou na francesa para

definir e nomear o instituto. Até mesmo o termo superendividamento vem da

tradução da lei francesa e não há nem quantia certa da dívida e nem um perfil

definido para considerar o devedor como superendividado. (SCHMIT NETO, 2012, p.

243).

Para Maria Manuel Leitão Marques (2012, p. 1), o superendividamento (ou

Sobreendividamento para a autora) acontece quando o consumidor não consegue

mais pagar suas próprias dívidas, não por um fato eventual, mas, sim, por algum

motivo duradouro e estrutural que o impeça de honrar com seus compromissos.

A doutrina designou as três formas mais comuns para combater fenômeno do

superendividamento: observação, prevenção e tratamento. (KIRCNHER, 2008 p.

65). Por observação, entende-se o processo de diagnóstico, avaliação e prospectiva

do perfil do consumidor endividado. (GIANCOLI, 2008, p.132.). Trata-se, na

realidade, de coleta de dados para acompanhar o fenômeno de superendividamento

e traçar tendências para evitar que o consumidor assuma mais compromissos do

que pode honrar.

O foco aqui é analisar a segunda forma de combate ao superendividamento:

a prevenção. E, mais abaixo, ocupa-se das formas de tratamento existentes.

Existem diversas técnicas de combate ao superendividamento; o dever de

informar uma forma de proteção preventiva. O superendividamento é um problema

que ultrapassa o âmbito jurídico e atinge toda a sociedade; sendo assim, os

envolvidos devem se esforçar para evitá-lo. A concessão de crédito deve seguir os

4 Tradução Livre. Texto original: La situation de surendettement des personnes physiques est caractérisée par l’impossibilité manifeste pour le débiteur de bonne foi de faire face à I’ensemble de ses dettes non professionnellles exigibles et à échoir (…) Code de La Consommation art. L 330-1

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105

ditames dos princípios, anteriormente analisados aqui neste artigo. Para que o

contrato de crédito respeite esses princípios, é indispensável que o consumidor

tenha pleno conhecimento sobre as condições e custos do crédito. Esse dever de

informação deve estar presente em todas as fases da relação contratual, desde a

publicidade do crédito até à fase de adimplemento. (LIMA, 2010, 52).

A publicidade do crédito, a despeito da missão de convencimento, deverá

desempenhar principalmente a função de informar as condições e características do

crédito ofertado. O código consumerista não faz nenhuma menção específica sobre

a publicidade do crédito além das regras gerais sobre publicidade enganosa e

abusiva.

Todavia e apesar da ausência de legislação específica, entende-se que a

publicidade não deve ser livre. Para combater o endividamento excessivo do

consumidor, é indispensável que todo conteúdo publicitário tenha um conteúdo

mínimo de informações, com dados essenciais como a taxa de juros e demais

custos do crédito. (LIMA & BERTONCELLO, 2012, p.55).

Em um segundo momento, quando o profissional oferece de forma

individualizada a proposta de concessão de crédito para o cliente, a informação

deverá ser ainda mais específica e precisa. Essa conduta é conveniente para que o

consumidor tenha a oportunidade de avaliar e comparar quais as diferentes opções

do mercado. (LIMA & BERTONCELLO, 2012, p. 55).

Vencidas as etapas anteriores de publicidade e oferta, há a fase contratual,

momento em que esse dever de informar ganha ainda mais força e relevância. O

consumidor, no momento de captação de crédito, tem o dever de ser informado pelo

fornecedor de crédito, além dos critérios objetivos do negócio, as vantagens e

perigos de contratar naquelas condições. No art. 52 do CDC arrolam-se as

informações obrigatórias concernentes ao custo do crédito.

A jurisprudência brasileira define o dever de informação como tendo diversas

características que abrangem a veracidade da informação, a forma como ela foi

repassada, as características e os custos inerentes ao produto/serviço.

O dever de informar obriga o fornecedor de crédito a prestar todas as

informações sobre o serviço ofertado; ou sejam, as vantagens, qualidades, riscos,

preço e condições de maneira clara, precisa, sem omissões ou falhas. Porém, o

mero fornecimento de informações neutras e objetivas não exime o profissional de

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cumprir com dever de informação: é preciso analisar as condições do cliente e emitir

a opção mais adequada, de forma personalizada, garantido que aquele

produto/serviço seja a melhor opção para a situação do consumidor. (NUNES, 2012,

p. 673). Entretanto, de nada adianta informar sem que o consumidor

compreenda o que lhe foi dito. O dever de informação se alia à clareza e à

inteligibilidade, pois as informações devem ser compreendidas para que o

consumidor tenha certeza de quanto deverá ser seu comprometimento e com qual

custo arcará. (LIMA & BERTONCELLO, 2012, p. 52). É verdade que exigir a

inteligibilidade do contato revela-se complicada, pois cada consumidor tem sua

individualidade.

Nesse aspecto de compreensão do que foi dito, os consumidores

hipervulneráveis merecem especial atenção, principalmente nos procedimentos de

telemarketing.

Desse modo, a informação perfeita é fundamental para escolha racional do

crédito e consequente proteção do consumidor. A preocupação em informar de

forma clara deve acontecer desde a publicidade do crédito e passar por todas as

fases do negócio jurídico para que seja considerado efetivamente cumprido o dever

de informar.

Apesar de a legislação brasileira não distinguir o dever de informação do

dever de aconselhamento, a doutrina entende que o simples provimento de

informações imparciais e objetivas são incapazes de desonerar o profissional em

sua função de auxiliar o consumidor a escolher a melhor opção de crédito. É

necessário que, além da informação integral, seja oferecido o aconselhamento.

(LIMA & BERTONCELLO, op. cit., p. 73).

Portanto, cabe ao profissional fornecer todos os esclarecimentos necessários

para subsidiar o cliente à tomada de decisão. Esse dever de aconselhar apresenta

íntima relação com a adequação do crédito e capacidade de reembolso. Com isso

não se pretende tirar do consumidor a escolha sobre a decisão de contratar ou não:

o dever de aconselhar traz a obrigação de convencer o cliente a escolher a melhor

opção e não de escolher pelo cliente. (LIMA & BERTONCELLO, 2012, p. 79).

Os consumidores, não raras vezes, são incapazes e compreender as

informações que recebem, ou por serem muito técnicas e em linguagens

complicadas, ou por desconhecimento do real impacto daquilo que está sendo

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informado. Eis a razão de além de informar os profissionais do ramo bancário devem

aconselhar ao consumidor sobre o serviço a ser contrato, bem como os risco que o

envolvem no caso de inadimplemento. (LIMA, 2010, p. 213). A informação,

pois, é o único meio de reduzir os riscos e incertezas inerentes à decisão de

contratar um crédito, desde que permite ao consumidor tomar decisão com pleno

conhecimento de causa - uma escolha racional. (LIMA, 2010, p. 215).

Do dever de informar decorre, para além de aconselhar, o de advertência.

Esses dois últimos têm conceitos diferentes. Enquanto o primeiro visa à tomada de

decisão do consumidor de contratar ou não com pleno conhecimento de causa, o

dever de advertir consiste em avisar o cliente sobre os perigos da obrigação

assumida. (LIMA & BERTONCELLO, 2012. p. 83).

No código consumerista nacional, apesar de não haver distinção expressa

entre dever de informar, de aconselhar e de advertir, conforme art. 54, §4.º; ou seja,

o dever de advertir pode ser executado, quando há destaque expresso para as

cláusulas que limitem o direito do consumidor. A advertência “[...] consiste na

obrigação de chamar atenção aos perigos oferecidos pelo caso concreto, percebidos

pelo fornecedor, com conhecimentos técnicos, mas não pelo consumidor [...]”

(SCHMIDT NETO, 2012, p. 304).

Dessa forma, mais importante que informar de forma clara, precisa e

inteligível, o profissional deve se certificar de que a informação foi absorvida pelo

consumidor e que tal consumidor levará em consideração no momento de aceitar ou

não o contrato proposto. Se o fornecedor verificar que o consumidor terá

dificuldades em arcar com o custo do crédito, não basta que informe sobre as taxas,

juros e demais custos do contrato, é preciso que o desencoraje à compra daquele

crédito, apresentando um modo menos oneroso ou mesmo não oferecer o crédito,

dado o risco de inadimplemento. (SCHMIDT NETO, 2012, p. 306)

Percebe-se que os deveres de informar, de aconselhar e de advertir, além de

servirem como proteção ao consumidor, já que evita-se a compra por

desconhecimento, é uma forma de garantir aos fornecedores de crédito o retorno

econômico esperado. Portanto, mesmo que a lei não obrigue expressamente a

cumprir os deveres de aconselhar e advertir (deveres derivados do dever de

informar), é prudente que eles sejam cumpridos para evitar futuros inadimplementos.

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Outra maneira eficaz de combater o superendividamento é através dos

programas de educação financeira. Todos os dias se é bombardeado de

informações pelas mais belas campanhas publicitárias estimulantes a consumir de

forma desenfreada e ... consumir já faz parte do cotidiano. Aprender a consumir de

forma responsável, sem excessos e gastos desnecessários é atitude que deve ser

ensinada ao consumidor. Portanto, é importante a educação do consumidor para

que este consiga, racionalmente, optar por adquirir ou não determinado produto.

Ao contrário do ocorrido nos EUA, onde o crédito foi ampliado gradativamente

(MARQUES, 2013), no Brasil, a penetração do crédito iniciou-se massificadamente

no período Plano Real e se expande, devido ao período de estabilidade econômica,

vivido desde à época. (LIMA, 2010, p. 275). Cenário que proporcionou acesso a

crédito para as classes sociais C e D, fatias de mercado até então esquecidas pelo

sistema bancário brasileiro.

Quando o acesso ao crédito, processa-se de forma muito rápida e

massificada, como aconteceu no Brasil, os consumidores, que não estavam

acostumados a tanto crédito rápido e fácil acabam desaprendendo sobre as

diretrizes básicas de finança pessoal. (MARQUES, 2013. p. 2).

Eis a razão de surgir a importância dos projetos para educação financeira: a

oferta de crédito aumentou muito rapidamente e os consumidores não foram

ensinados a utilizar o crédito de forma consciente. A educação do consumidor para o

crédito envolve aprendizado sobre as consequências, custos e responsabilidades

em assumir dívidas em demasia.

Dentre os programas de educação para o crédito no Brasil, vale citar o projeto

lançado pelo poder judiciário do Rio Grande do Sul. Inciativa composta na cartilha do

superendividado, em linguagem acessível e didática e por oficinas de orçamento

familiar, que objetivaram abordar temas interdisciplinares. Interessante essa maneira

de abordar, pois, além de identificar e auxiliar os consumidores superendividados,

apresenta formas de prevenir e disseminar a cultura de crédito consciente.

A educação financeira, além da importante forma de ensinar ao consumidor

como assumir dívidas de forma responsável, também pode criar a cultura da

poupança, evitando outra forma de superendividamento: aqueles causados por

fatores alheios à vontade do consumidor (perda de emprego, doença grave na

família etc.). (SCHMIDT NETO, 2012, 326).

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É significativa a importância dos programas de educação financeira como

forma de prevenir que o consumidor se superendivide. As ações educativas de

conscientização sobre quais são os riscos de assumir dívidas irresponsáveis podem

ser grandes aliadas ao combate a esse fenômeno cada vez mais comum e

reincidente no Brasil.

Além das formas de prevenção já mencionadas, há outra maneira de evitar o

superendividamento do consumidor: o dever de as instituições financeiras verificar a

real capacidade de pagamento/reembolso. A verificação de capacidade de

pagamento há de ser caso a caso com a cautela e acuidade de um profissional

parcimonioso. Para tanto, devem as instituições financeiras verificar o montante de

crédito solicitado, os possíveis incidentes de pagamento, a renda e a porção do

salário já comprometidos com outras despesas bem como qualquer outro

interveniente relevante para verificação do risco de inadimplemento. (LIMA &

BERTONCELLO, 2012, p. 102). Sendo assim, verifica-se que deve ser protegido o

mínimo vital para a sobrevivência digna do consumidor e familiares.

Apesar de na Constituição não constar referência expressa à proteção desse

“mínimo legal”, percebe-se que há uma tutela ao consagrar a dignidade da pessoa

humana para fundamento da República (Art. 1.º, III, da Constituição Federal) e o

salário mínimo para todos os trabalhadores (art. 7.º, IV, da Constituição Federal).

No âmbito dos contratos de crédito também deve ser protegida parcela do

salário do consumidor, para garantir o mínimo existencial próprio e de sua família.

Outro aspecto a ser analisado é o dever de o fornecedor de crédito mitigar o

próprio risco. Esse dever, apesar de não vir expresso na legislação consumerista,

pode ser entendido como desdobramento do princípio da boa-fé objetiva.

(KIRCHNER, 2008, p. 93)

André Perin Schmidt Neto (2012, p. 310), em uma concepção mais radical

sobre essa obrigação do fornecedor de crédito de verificar a capacidade de

retribuição do consumidor, afirma existir uma possibilidade de se aplicar a “[...]

sanção civil da perda dos juros remuneratórios todo aquele que desrespeitar este

dever e conceder crédito que ultrapassem a capacidade de reembolso do

consumidor, prejudicando seu mínimo existencial [...]”.A verificação de capacidade

de reembolso pode ser feita por meio de formulário preenchido pelo solicitante e

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através da exigência de documentos que comprovem a real situação econômica do

consumidor.

O fornecimento de crédito consciente, que tem como objetivo evitar que o

consumidor torne-se inadimplente e endividado, abrange duas práticas

complementares: o dever de informação/aconselhamento e a verificação da

solvabilidade do consumidor. A primeira ação abrange a comunicação prévia ao

consumidor sobre todas as informações acerca do produto ofertado para que ele

consumidor tenha como determinar o custo real; e a segunda refere-se à

obrigatoriedade, por parte das instituições financeira, de analisar o crédito, a

operação e o cliente para avaliar a solvabilidade do tomador (cliente). (LIMA, 2010,

p. 215).

Após essa breve análise das formas de se prevenir o superendividamento do

consumidor, pretende-se, a seguir, verificar quais são as alternativas do judiciário e

operadores do direito para reequilibrar os contratos causadores do endividamento

excessivo, visto que há carência de legislação específica sobre o assunto.

4 FORMAS DE ATENUAR AS CONSEQUÊNCIAS DO SUPERENDIVIDAMENTO

A última ação possível de combate ao superendividamento é o tratamento.

Aqui, o judiciário encontra certa dificuldade de efetivação da dos princípios de

proteção ao consumidor, pois A única forma prevista em lei para o tratamento do

superendividamento está no Código de Processo Civil com ação de insolvência civil.

Porém, essa é uma medida que vai de encontro com todos os princípios basilares do

direito privado, em especial o da dignidade humana, vez que todos os bens

disponíveis do devedor serão arrecadados para pagamento da dívida. É medida

drástica, muito pouco utilizada, que não traz benefício para as partes envolvidas.

Destarte, a ação de insolvência civil não é forma de tutelar o consumidor. Portanto,

dada a falta de legislação específica, a única maneira de enfrentar e minorar os

efeitos do superendividamento através do tratamento é caso a caso perante os

tribunais. (SCHMITD NETO, 2012, p. 296).

Enzo Roppo (2009, 298) ensina que quando o contrato nasce com algum

problema (vício de vontade e/ou coação) surge a possibilidade de rescisão ou de

anulação contratual. Por outro lado, quando o desequilíbrio aparece em fase

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posterior à conclusão do contrato – durante a execução - o remédio previsto pela lei

é a resolução do contrato.

É importante saber a diferença entre esses dois institutos – rescisão e

resolução. A primeira, frise-se, é a “[...] ruptura do contrato em que houve lesão [...]”.

(DONINI, 2001 p. 191), enquanto que a resolução é forma de extinção do contrato

por motivo superveniente à sua formação. Enzo Roppo (op. cit., p. 251) refere os

motivos ensejadores desse tipo de extinção contratual: “[...] quando a prestação

devida por uma parte se torna impossível, quando a prestação devida por uma parte

se torna excessivamente onerosa e quando a prestação devida por um dos

contraentes não foi (exatamente) cumprida”.

O Código de Defesa do Consumidor, buscando igualdade contratual entre as

partes, no art. 6.º, V, inovou com as regras de rescisão e resolução do contrato ao

estabelecer que são direitos do consumidor a “[...] modificação das cláusulas

contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão

de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas [...]”.

Dessa forma, o Código do Consumidor trouxe dupla inovação: primeiro, ao

incluir a excessiva onerosidade no rol de hipóteses de resolução contratual; e,

segunda, autorizar que se modifique ou revise as cláusulas desproporcionais em

intenção clara para resguardar o contrato, alterando apenas aquilo que estiver

inadequado. São duas hipóteses previstas no art. 6.º, V, do CDC, a modificação de

cláusulas e a revisão contratual em caso de onerosidade excessiva. Aquela, o

judiciário tentará estabelecer o equilíbrio contratual, que nunca existiu, alterando a

cláusula abusiva. Enquanto que nesta, irá avaliar se houve algum motivo

superveniente que desequilibrou o contrato. Ambas as hipóteses de revisão

contratual têm em comum a necessidade de recorrer ao judiciário para devolver o

equilíbrio contratual. A diferença está em que, em uma, o contrato nunca foi

isonômico; e, noutra, o contrato nasce adequado, mas, por motivo superveniente,

torna-se excessivamente oneroso ao consumidor. Ao contrário do Código Civil, em

nenhum momento o dispositivo consumerista faz referência à teoria da imprevisão.

(NUNES, 2012, p. 190)

Explica-se. A teoria da imprevisão, prevista apenas para contratos entre

particulares, tem como intenção proteger as situações de excessiva onerosidade

que não poderiam ser previstas pelas partes contraentes. Essa necessidade de

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imprevisão de fatos supervenientes vem autorizado pelos art. 478 e 479, ambos do

Código Civil:

Desse modo, os contratos realizados entre particulares serão regidos pela

teoria da imprevisão, e a revisão contratual só será admitida quando ficarem

provadas “[...] circunstâncias especiais, como na ocorrência de acontecimentos

extraordinários e imprevistos, que torne a prestação de uma das partes

sumariamente onerosa [...]”. (RIZZARDO, 2009. p. 137).

No CDC não há exigência da prova da imprevisão. Para que o contrato seja

revisto basta provado que surgiram circunstâncias as quais o tornaram

excessivamente oneroso com impossibilidade relativa.

Portanto, se o contrato se tornar excessivamente oneroso a uma das partes,

corrompendo o equilíbrio inicial, caberá revisão contratual pelo judiciário. Entretanto,

resta saber sobre a possibilidade de considerar o superendividamento do

consumidor como motivo ensejador da onerosidade excessiva. Para fazer essa

análise é preciso, antes, saber a diferença entre o superendividado ativo e passivo

para, depois, verificar em quais hipóteses é cabível (ou não) a revisão contratual.

Apesar de não existir um perfil do sobrendividado, a doutrina os classifica em

dois grandes grupos: aqueles que se endividaram voluntariamente; e os que foram

levados à solvência por circunstâncias alheias à sua vontade (CARPENA &

CAVALLAZZI, 2005. p. 136). No primeiro grupo, chamado superendividado ativo,

estão aqueles que acumulam inconscientemente dívida, o quê gera endividamento

compulsório (OLIBONI, apud CAVALLAZZI, 2006, p. 347). Já o segundo caso,

conhecido por superendividamento passivo, surge em virtude de alguma situação

inesperada da vida – desemprego, doença, divórcio – que impede o pagamento das

dívidas. De acordo com um estudo pioneiro, realizado no Rio Grande do Sul, sob a

coordenação de Claudia Lima Marques, a maioria dos superendividados são

consumidores nessa segunda situação descrita.

Voltando às possibilidades de revisão contratual, quando o

superendividamento for causado por “fatos da vida”, ou, em outras palavras, quando

tratar-se de endividado passivo, fica evidente que houve alteração fática

superveniente que pode dar motivo suficiente à revisão contratual. (SCHMITD

NETO, 2012, p. 348)

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A dificuldade está em saber se o endividado ativo inconsciente (aquele que se

encontra nessa situação por imperícia) pode ter seu contrato legitimado à revisão

contratual, visto que não há nenhum aparente “fato superveniente” que a justifique.

Convém leitura sistêmica do CDC, que sempre visou à proteção do consumidor. No

art. 6.º, a intenção é sempre que o consumidor passar por fatos que dificultem ou

impeçam o pagamento a lei o socorrerá, desde que tal consumidor não tenha agido

de má fé.

Quanto ao superendividamento ativo consciente – nos casos em que o

consumidor se colocou nessa situação de forma proposital para obter lucro – resta

evidente a impossibilidade de revisão contratual, vez que quebrou o princípio basilar

do direito do consumidor, tal seja a boa-fé. Dessa forma, entende-se cabível a

revisão contratual nos casos de superendividamento do consumidor.

4 CONCLUSÃO

Mais uma vez o judiciário precisa se amoldar as novas características dos

contratos de consumo oriundos da massificação do crédito.

O Código de Defesa do Consumidor veio para garantir maior proteção aos

consumidores, ou seja, assegurar a dignidade humana e todos os demais direitos

fundamentais do consumidor. E é sob essa ótica que todos os contratos deveriam

ser interpretados e escritos. Porém, o CDC dedicou poucos artigos aos poucos

artigos aos contratos de crédito, o que é insuficiente para proteger o consumidor

perante oferta de crédito a grande escala, principalmente para as classes menos

favorecidas e hipervulneráveis. O desconhecimento acerca do negócio contratado, a

falta de observância ao princípio da boa-fé e a ausência de legislação específica,

juntos, formam a receita perfeita para levar ao consumidor ao Superendividamento.

Conforme estudado, esse fenômeno ultrapassa o âmbito da relação jurídica

entre credor e devedor, causa a exclusão social do indivíduo, prejudica todo o

núcleo familiar e, muitas vezes, afeta diretamente a dignidade humana do

insolvente.

Diante de tal realidade adveio a importância dos operadores do direito

tutelarem o consumidor para, de um lado evitar que o consumidor assuma mais

obrigações que pode cumprir e, de outro lado, tratar os consumidores que já estão

superendividados.

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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Como técnica de prevenção ao superendividamento, cuja adoção é

fundamental para evitar que consumidor se torne vítima do “crédito fácil” podemos

elencar as 10 seguintes:

1) Proibição de publicidade que incitem o consumidor a tomar crédito

de forma descontrolada.

2) Proibição de publicidade que faça alusão ao “crédito gratuito”.

3) A obrigatoriedade, em toda a publicidade, de ter um conteúdo

mínimo, tais quais: taxa de juros efetiva, duração do contrato, taxas

“embutidas” etc.

4) Necessidade de informar, já na oferta, o custo total do crédito, bem

como as consequências e caso de inadimplemento.

5) Obrigatoriedade de conferência da capacidade de reembolso, pela

instituição financeira e proibição de oferecer crédito em caso que o

consumidor esta, comprovadamente, com uma parcela alta do

rendimento comprometida.

6) Imposição de informar, de forma clara e inteligível, todas as

características do contrato de crédito.

7) O profissional deve se certificar que o consumidor entendeu as

cláusulas do contrato.

8) A imposição do dever de advertência, sob quais os riscos do

inadimplemento.

9) A imposição de um dever de aconselhamento, o que envolve, além

de ser oferecida sempre a melhor opção de contrato, se abster de

contratar em casos em que o crédito não é a melhor alternativa ao

consumidor.

10) A criação de programas de educação para o crédito.

Como forma de tratar superendividamento, cabe ao Poder Judiciário agir em

defesa dos consumidores através do instituto da revisão contratual. A possibilidade

de rever o negócio é importante forma de garantir que o contrato seja, em última

análise, objeto de equidade e justiça social. Resta comprovado que existe tal

possibilidade por meio da aplicação da teoria da onerosidade excessiva,

independente da causa do superendividamento (seja ativo ou passivo). A única

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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exceção a essa regra está no caso em que o consumidor deixou de agir de boa-fé e

assumiu dívidas em excesso sem nunca ter tido a intenção de quita-las.

Apesar de a revisão contratual ser instrumento hábil para (re) equilibrar as

forças contratuais, não permite que o consumidor reestabeleça a normalidade de

sua vida financeira pois, na maioria dos casos, é devedor de diversas instituições

financeiras, com inúmeros contratos inadimplidos. O problema surge, pois, a ação

revisional restringe a tutela legal a individualidade do contrato, e o consumidor

deverá custear o acesso ao judiciário, pleitear a revisão caso a caso até conseguir

renegociar todas as dívidas.

A melhor solução, sem dúvidas, estaria na publicação de legislação

específica para o tratamento e defesa do consumidor superendividado. Essa lei,

seguindo o bem-sucedido direito francês, permitiria ao consumidor insolvente

renegociar todas suas dívidas, perante todos os credores em uma única reunião

conciliatória e, assim garantir sua existência de forma digna e efetivar todos os

direitos fundamentais previstos no código de defesa do consumidor e na

Constituição Federal.

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O TRABALHO DA MULHER, O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E O

INTERVALO DO ART. 384 DA CLT

THE WOMEN’S LABOR, THE PRINCIPLE OF EQUALITY AND THE INTERVAL OF ARTICLE 384 OF THE CONSOLIDATED LABOR

LAWS

Caroline Maria Rudek Wojtecki1 Márcia Kazenoh Bruginski2

1 Graduanda do curso de Direito do Centro Universitário Curitiba- UNICURITIBA. 2 Formada em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba, 1999, com pós-graduação em Ciências Jurídicas pela Universidade Católica Portuguesa e mestrado em Ciências Jurídicas, com ênfase em Direito do Trabalho pela Faculdade Direito de Lisboa (2006). Atuação profissional como advogada em Direito do Trabalho desde 1999. Professora das Disciplinas de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho no UNICURITIBA - Centro Universitário Curitiba. Autora das seguintes obras: . O novo conceito de subordinação em face da atual sociedade pós-industrial trabalho vencedor do concurso de monografias promovido pela Academia Nacional de Direito do Trabalho conferido o Prêmio José Martins Catharino - 2006 . Reflexões sobre a subordinação jurídica na sociedade pós-industrial / Márcia Kazenoh Bruginski , Dissertação de Mestrado, 2006 T-4321 (disponível na Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa) . Trabalho suplementar : estudo em face das legislações portuguesa e brasileira e o tratamento da matéria pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, que aprova o Código de Trabalho Português / Marcia Kazenoh Bruginski Cota T-3627 (disponível na Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa) . Fiança solidária : estudo em face dos ordenamentos jurídicos brasileiro e português / Marcia Kazenoh Bruginski Cota T-3628 (disponível na Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa) . Migrações internacionais : um novo desafio para a ordem mundial / Marcia Kazenoh Bruginski Cota T 3626. (disponível na Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa)

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SUMÁRIO

1 – INTRODUÇÃO. 2 – A MULHER E O DIREITO DO TRABALHO. 2.1 -

HISTÓRICO E REGULAMENTAÇÃO DO TRABALHO FEMININO. 2.2 - PRINCÍPIO

DA IGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES E O DIREITO DO TRABALHO.

2.3 - POSICIONAMENTO DA DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA SOBRE O ART.

384 DA CLT. 3 - CONCLUSÃO, REFERÊNCIAS.

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125

RESUMO

O presente trabalho objetiva demonstrar como as transformações sociais implicaram

na necessidade de intervenção estatal nas relações trabalhistas, bem como na

criação de leis protetivas em face ao trabalho feminino. Ademais, se busca o estudo

do princípio da isonomia entre homens e mulheres, insculpido em nossa

Constituição Federal, o qual, com seu advento, pode ter revogado inúmeras normas

infraconstitucionais, como exemplo o artigo 384 da CLT. Este dispositivo determina

que em caso de prorrogação da jornada laboral, seja concedido à mulher o

descanso de quinze minutos antes da jornada extraordinária. Assim, por ser

estabelecido apenas ao sexo feminino, o artigo celetista gera inúmeras discussões a

respeito da sua constitucionalidade. Também, nossos jurisprudenciais não

consolidaram uma opinião definitiva a respeito, muito embora o próprio Superior

Tribunal Federal já tenha se manifestado acerca da constitucionalidade do artigo em

comento. Deste modo, serão analisadas as diversas opiniões a respeito dispositivo

infraconstitucional e os argumentos de cada vertente.

Palavras-chave: trabalho da mulher, princípio da igualdade, artigo 384 da CLT.

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126

ABSTRACT

This paper aims to demonstrate how the social changes resulted in the need for state

intervention in labor relations, as well as the creation of protective laws in the face of

female labor. Moreover, this research is based in the study of the principle of equality

between men and women, brought by our Federal Constitution of 1988, which may

be revoked numerous infra-constitutional norms, such as Article 384 of the

Consolidated Labor Laws. This device determines that in case of extension of the

workday, is granted to women the interval of fifteen minutes before extraordinary

journey. So, this article generates numerous discussions about its constitutionality,

because its protection is only established for women. Also, our case law doesn’t

consolidated a definite opinion about it, even though the Supreme Court itself has

already opined on the constitutionality of the article under discussion. Thus, this

paper is analyzing the various opinions regarding device and arguments of each

strand.

Keywords: women’s work, principle of equality, article 384 of Consalidated Labor

Laws.

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1 INTRODUÇÃO

Primeiramente salienta-se que a história aponta uma dificuldade para a

mulher de inserção no mercado de trabalho, uma vez que, mesmo tendo sido

utilizada sua mão-de-obra em larga escala com o início da industrialização, a

trabalhadora sofreu preconceitos e humilhações públicas, pois o papel principal da

mulher era o de cuidar da casa e da prole.

Assim, o trabalho feminino foi regulado lentamente, surgindo leis esparsas,

fruto de reinvindicações. Em 1943, surge a CLT, a qual dedicou um capítulo

exclusivo para as trabalhadoras, intitulado como “da proteção ao trabalho da

mulher”. Pode-se dizer que o legislador ao realizar isto teve como objetivo a

proteção da mulher, quanto a sua saúde, moral e capacidade reprodutiva.

No capítulo já citado, que trata da proteção ao trabalho da mulher, na seção

III, relativo ao período de descanso, está o artigo 384, o qual estabelece que: “Em

caso de prorrogação do horário normal, será obrigatório um descanso de 15 minutos

no mínimo, antes do período extraordinário de trabalho. ” (BRASIL, Consolidação

das Leis do Trabalho, 1943.)

Assim, discute-se acerca da constitucionalidade do dispositivo celetista, uma

vez que conceder o intervalo apenas ao sexo feminino seria na verdade uma afronta

do art. 384 da CLT à Constituição Federal.

Destarte, a análise das teses adotadas quanto à recepção ou revogação do

artigo infraconstitucional é o objetivo do trabalho. Ademais, imperioso também é o

estudo para a verificação da possível extensão aos homens.

A divergência existente quanto a aplicação do art. 384 da CLT é notória até

mesmo na máxima Corte trabalhista – TST, o qual possui julgados com diferentes

posicionamentos. Será, portanto, analisado as dispares jurisprudências em relação

ao intervalo em questão.

Também, imprescindível é o exame dos entendimentos internacionais em

relação a igualdade e não discriminação por virtude do sexo, já que o Brasil é

signatário, e, portanto, ratifica inúmeros normativos internacionais em relação a

isonomia e a promoção do trabalho da mulher.

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2 A MULHER E O DIREITO DO TRABALHO

2.1 HISTÓRICO E REGULAMENTAÇÃO DO TRABALHO FEMININO

A Consolidação das Leis do Trabalho- CLT, em vigor desde 1943, possui um

capítulo próprio no que tange ao trabalho das mulheres, que vai do artigo 372 ao

artigo 401; e para se compreender como se deu a inserção das mulheres em tal

diploma legal, faz-se necessário um estudo sobre a história do trabalho no Brasil e o

advento da CLT.

Inicialmente registra-se no início da industrialização do país, a mão-de-obra

feminina era usada em larga escala, conforme dados de 1894:

Na indústria têxtil, encontravam-se 569 mulheres, o que equivalia a 67,62% da mão-de-obra feminina empregada nesses estabelecimentos fabris. Nas confecções, havia aproximadamente 137 mulheres. Já em 1901, um dos primeiros levantamentos sobre a situação da indústria no estado de São Paulo constata que as mulheres representavam cerca de 49,95% do operariado têxtil, enquanto as crianças respondiam por 22,79%. Em outras palavras, 72,74% dos trabalhadores têxteis eram mulheres e crianças. (CALIL, 2000, p.26.)

A proteção estatal em relação ao trabalho feminino não era ainda muito

significativa, e, para estas trabalharem na indústria significava além de salários

baixos e funções pouco qualificadas, preconceito e humilhação pública.

Mesmo havendo algumas leis trabalhistas esparsas, o que regiam as relações

laborais eram os regulamentos internos das empresas podendo se intuir que

tendiam totalmente para o empregador e desconsideravam qualquer possível direito

dos empregados.

A Lei Estadual nº 1596, de 1917, de São Paulo, foi a primeira lei protecionista

ao trabalho ao sexo feminino uma vez que, proibiu o trabalho de mulheres em

estabelecimentos bancários no último mês de gestação e no primeiro após o

nascimento do bebê. Trata-se de marco importante na história dos direitos

trabalhistas da mulher!

O Decreto nº 21.417-A de 1932 foi muito importante para regulamentar o

labor feminino nos estabelecimentos comerciais e industriais, pois proibiu o trabalho

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noturno nas minerações em subsolos, nas pedreiras, em obras públicas ou ainda

qualquer tipo de atividade que lhes causassem riscos.

Observa-se que o Estado, devido às muitas lutas operárias, teve de intervir,

atuando também na chamada questão social. Portanto, pode-se dizer que esse é o

início do período que é tido como a fase da oficialização do Direito do Trabalho, uma

vez que decorreram inúmeras legislações, através de decretos regulando relações

de trabalho, tanto individuais como coletivas, fruto do Estado intervencionista.

Sobre a égide da Constituição de 1937, entrou em vigor em 1943 a

Consolidação das Leis do Trabalho. Nas palavras de Vólia Bomfim Cassar:

A sistematização e a consolidação das leis num único texto (CLT) integraram os trabalhadores no círculo de direitos mínimos e fundamentais para uma sobrevivência digna. Além disso, proporcionou o conhecimento global dos direitos trabalhistas por todos os interessados, principalmente

empregados e empregadores. (CASSAR, 2012, p.20.)

Assim, com o advento da CLT, houve uma preocupação do legislador em

relação ao labor feminino, originando o capítulo III do Título Das Normas Especiais

de Tutela do Trabalho da CLT, o qual foi intitulado “Da proteção do trabalho da

mulher”. De acordo com Léa Elisa Silingowschi Calil, o legislador ao realizar a

compilação teve como objetivo “a proteção à mulher quanto à sua saúde, sua moral

e sua capacidade reprodutiva”. (CALIL, 2000, p.41.)

O papel da mulher na sociedade volta a crescer a partir da década de 1950,

nesse momento a casa fica de lado, para haver o ingresso destas no mercado de

trabalho. O preconceito continua a existir, mas o trabalho feminino se tornava cada

vez mais corriqueiro, e a busca por seus direitos também.

Desta forma, se observa uma revolução nas relações familiares em relação

ao trabalho feminino. A mulher agora é mais do que uma simples dona de casa, é

parte significativa no mercado de trabalho.

Com o fim da ditadura, promulga-se a Constituição de 1988, a qual primou

pela igualdade entre os sexos, fazendo disso um de seus basilares, apenas

diferenciando os sexos onde a desigualdade se faz nítida.

Pode-se concluir, portanto, que as mulheres sofreram inúmeros preconceitos

ao ingressar no mercado de trabalho, e também, várias dificuldades em relação aos

seus aspectos físicos e biológicos para conquistar a tão sonhada igualdade material.

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O caráter protecionista da CLT, em relação à mulher, justifica-se mediante

tentativa de estancamento da discriminação sempre presente na realidade laboral

feminina. E se por um lado, a igualdade entre homens e mulheres é garantia

constitucional, por outro, denota-se certa justificativa nos direitos trabalhistas

previstos apenas para o sexo feminino, já que oprimido ao longo da história.

Nos termos já abordados, o Direito do Trabalho da mulher surgiu como

medida de proteção ao sexo feminino de possíveis discriminações, decorrentes

principalmente das peculiaridades fisiológicas, como a gravidez, e também das

sociais, já que o histórico aponta ao preconceito em relação à mulher.

Segundo Sérgio Pinto Martins, (2007, p.587.), o motivo real para a proteção

ao trabalho da mulher diz respeito à fragilidade física da mesma. E que as proteções

paternalistas só se justificam “em relação ao período de gravidez e após o parto, de

amamentação e a certas situações peculiares à mulher, como de sua

impossibilidade física de levantar pesos excessivos”. Conforme o autor, essas

condições são específicas ao sexo feminino, e qualquer outra forma de

discriminação em relação ao trabalho da mulher deveria ser extinta.

Já na visão de Alice Monteiro de Barros, (apud KLOSS, 2010, p.16.) os

fundamentos para que ocorra a diferenciação entre o trabalho dos homens e

mulheres são os motivos fisiológicos e biológicos, além dos ligados às razões

espirituais, morais e familiares. Os dois primeiros são tidos como características

inerentes à mulher, como a função reprodutora, aleitamento materno e força física.

Os últimos são objetivos, que buscam o resguardo da mulher no lar.

Com a participação das mulheres em postos de trabalho cada vez maior,

algumas normas protetivas tornaram-se dispensáveis e até indesejáveis por

concederem vantagens que não são estendidas aos homens, gerando desse modo

a chamada discriminação inversa (OLIVEIRA, 2011, p.65.)

Tanto a Constituição, como a legislação infraconstitucional, veda práticas

discriminatórias, além de estabelecerem medidas de proteção e promoção visando à

igualdade de oportunidade entre os sexos. Assim, na opinião de Maurício Godinho

Delgado, (2009, p.725.):

A Constituição de 1988, entretanto, firmemente, eliminou do Direito brasileiro qualquer prática discriminatória contra a mulher no contexto empregatício – ou que lhe pudesse restringir o mercado -, ainda que

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justificada a prática jurídica pelo fundamento da proteção e da tutela. Nesse quadro revogou inclusive alguns dispositivos da CLT, que sob o aparentemente generoso manto tutelar, produziam efeito claramente discriminatório com relação à mulher obreira.

Destarte, leis que inicialmente tinham um caráter protetor, acabaram por se

tornar restritivas e discriminatórias pelas razões acima expostas, sobretudo, porque

ficaram estagnadas e não seguiram o fluxo de mudanças nas condições de trabalho

ocorridas ao longo dos anos.

A proteção ao trabalho feminino, bem como a busca pela igualdade de

direitos e oportunidades entre homens e mulheres também ganharam atenção

especial no âmbito internacional, sendo que o Brasil participa de acordos

internacionais objetivando a cooperação entre outros Estados para um

desenvolvimento compartilhado.

Um dos organismos internacionais que o Brasil faz parte é a Organização

Internacional do Trabalho - OIT, a qual tem como meta à promoção da justiça social,

com condições de liberdade e dignidade dos seres humanos, através de segurança

econômica e igualdade em oportunidades.

A abordagem sobre igualdade entre homens e mulheres perante a

Organização é apresentada em duas fases. A primeira, desde a sua criação até

1950, cujo escopo era a proteção da mulher trabalhadora, sobretudo em relação à

saúde e maternidade. Já a segunda, se dá a partir de 1951, através dos

instrumentos normativos que focaram na igualdade de oportunidades e tratamento

no acesso ao emprego e à formação profissional, e na progressão funcional.

Reflexo dessa abordagem, a Convenção nº 100, (ratificada pelo Brasil em

1957) e, também, a Recomendação nº 90, dispõem acerca da igualdade de

remuneração entre homens e mulheres por um trabalho de reconhecido valor igual,

sem que esta se dê em virtude do sexo do trabalhador. (OIT, 2013)

Também aprovada pela OIT, a Convenção nº 111, com vigência nacional a

partir de 1966, elucidou as primeiras normas específicas a respeito da discriminação

no aspecto de emprego e profissão. (OIT, 2013.)

Segundo art.1º da Convenção acima, discriminar significa levar em

consideração a raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou

origem social para distinguir, excluir ou preterir alguém, impossibilitando a igualdade

de tratamento.

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Importante mencionar que a Convenção de nº 111, não considera como

discriminatórias distinções, exclusões ou preferências baseadas em exigências para

se ocupar determinado emprego. O mesmo acontece com medidas especiais

adotadas para assistência especial em razões de sexo, idade, invalidez, encargos

de família ou nível social ou cultural. (NOVAIS, 2005. p.67.)

Por sua vez, a Convenção nº 156 contém importantes orientações para a

realização de políticas nacionais que colaborem para a ocorrência de uma

compatibilização aceitável dos trabalhos remunerados e não-remunerados, os quais

podem gerar o compartilhamento de responsabilidades entre homens e mulheres,

assim como a igualdade de oportunidades e não discriminação de trabalhadores

com encargos familiares. (OIT Brasil, 2013.).

Ao se instituir o preceito acima, reconheceu-se que as responsabilidades

familiares, atribuídas quase sempre à mulher, são motivos para discriminação contra

a mesma, de modo que ao se adotar a igualdade entre os sexos, necessariamente

parte-se do pressuposto que haverá uma revisão dos papéis atribuídos socialmente

aos homens e às mulheres.

Já a Recomendação nº 165 tem por objetivo a promoção da conciliação entre

as responsabilidades profissionais e familiares. (OIT, 2013.)

Em relação a outros normativos internacionais, a Convenção relativa à

eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, foi aprovada em

1974, e em seu art. 11 determinou que deveriam ser assegurados em condições de

igualdade entre homens e mulheres, direitos relativos ao emprego. Também,

estabeleceu que medidas destinadas a proteger a maternidade não seriam

discriminatórias (art. 4º, §2º).

Também a Declaração Universal dos Direitos do Homem, (1948) em seu art.

2º prevê “a igualdade de direitos e liberdades, dentre elas a de livre escolha do

trabalho, sem distinção de raça, cor, sexo [...]”

Da mesma forma, a Carta Internacional Americana de Garantias Sociais

estatui em seu art. 2º o princípio: “para trabalho igual deve corresponder igual

remuneração, qualquer que seja o sexo, a raça, o credo ou a nacionalidade do

trabalhador”. (BARROS, 1995, p.136.)

No tocante ao Mercosul, não existem normas que prevejam a igualdade de

gênero, apenas há resoluções que indicam a necessidade de melhores estudos

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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sobre a problemática. Assim, a Declaração Laboral do Mercosul, em seu art. 1º

estabelece a não discriminação como princípio, e tem como escopo a efetiva

igualdade de direitos, de tratamento e oportunidades laborais.

Observa-se que mesmo havendo a previsão de igualdade mediante tantos

preceitos oriundos de Organismos Internacionais, os quais foram ratificados pelo

Brasil, bem como, pela presença de direitos fundamentais na própria Constituição

Federal, estes não trazem como consequência lógica o tratamento igualitário, ao

contrário, ainda continuam existindo inúmeras formas de discriminação sendo razão,

portanto, para haver uma proteção especial com o objetivo de erradicar tratamentos

diferentes decorrentes do sexo.

2.2 PRINCÍPIO DA IGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES E O DIREITO DO

TRABALHO

Como já visto, as mulheres ao longo da história, foram sempre prejudicadas

em seus direitos, sendo que estes foram aos poucos positivados, e, apenas com a

promulgação da Constituição cidadã, é que se obteve o tão almejado tratamento

paritário em relação ao sexo masculino.

Assim dispõe o artigo 5º, inciso I:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos

desta Constituição; (BRASIL, 1988.)

O artigo acima mencionado vem em condição de princípio, com o objetivo de

atenuar a desigualdade existente na realidade social. Ou seja, possui um caráter

extremamente protetivo. (KLOSS, 2010, p.3.)

O princípio da igualdade (ou isonomia) representa um ideal na sociedade,

pois ao ser instituído fora reconhecida a existência de desigualdades de fato entre

os indivíduos e objetivou a igualdade entre seres desiguais. (HELVESLEY, 2004,

p.154.)

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A principal função inerente ao princípio da isonomia é de trazer equidade às

relações sociais. Partindo dessa premissa, evita-se que a lei seja fonte de privilégios

ou discriminações, e por ter status de princípio constitucional, o seu conteúdo emana

para todo o sistema normativo.

Segundo Maria da Glória Malta Rodrigues Neiva de Lima (2011, p.81-82.), o

legislador ao elaborar tal igualdade teve por escopo:

(...) assegurar o princípio da igualdade desenvolvendo sua amplitude com o objetivo de proteger os cidadãos contra práticas discriminatórias em relação ao gênero. O propósito é resguardar direitos consagrados na Carta Magna, em especial o da dignidade da pessoa humana e o da igualdade de direitos.

Hans Kelsen (apud MELLO, 2010, p.11.) aduz como deve ser empregado o

princípio isonômico:

A igualdade dos sujeitos na ordenação jurídica, garantida pela Constituição, não significa que estes devam ser tratados de maneira idêntica nas normas e em particular nas leis expedidas com base na Constituição. A igualdade assim entendida não é concebível: seria absurdo impor a todos os indivíduos exatamente as mesmas obrigações ou lhes conferir exatamente os mesmos direitos sem fazer distinção alguma entre eles, como, por exemplo, entre crianças e adultos, indivíduos mentalmente sadios e alienados, homens e mulheres.

A Constituição Federal, portanto, coíbe qualquer tratamento desuniforme

entre as pessoas, porquanto sua função reside em dispensar o tratamento desigual,

nos casos em que este for reconhecidamente ilegítimo.

Quando a discriminação for legítima, haverá um vínculo de correlação lógica

entre a peculiaridade elegida para desacatar o princípio isonômico, e a disparidade

de tratamento decorrente dela, desde que de acordo os interesses elencados na Lei

Maior. (MELLO, 2010, p.17.)

Em análise ao disposto no artigo 5º, inciso I, o qual veda qualquer tipo de

discriminação em razão do sexo, José Afonso da Silva (2002, p. 216.), salienta:

Importa mesmo é notar que é uma regra que resume décadas de luta das mulheres contra discriminações. Mais relevante ainda é que não se trata aí de mera isonomia formal. Não é igualdade perante a lei, mas igualdade em direitos e obrigações. Significa que existem dois termos concretos de

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comparação: homens de um lado e mulheres de outro. Onde houver um homem e uma mulher, qualquer tratamento desigual entre eles, a propósito de situações pertinentes a ambos os sexos, constituirá uma infringência constitucional.

Assim sendo, uma vez estando em situações idênticas, homens e mulheres

não poderão ser tratados de forma diferenciada, sob pena de violar a Carta Magna.

Entretanto, quando o objetivo da discriminação for atenuar as diferenças existentes

em relação ao sexo, a norma terá respaldo na própria Constituição brasileira, pois

assim estará dando tratamento diferenciado aos desiguais.

Destarte, como enfatiza Emmanuel Teófilo Furtado (2004, p.181.), sobre o

princípio da isonomia em relação aos sexos:

Pela escorreita interpretação do dispositivo constitucional supramencionado, inaceitável se torna qualquer forma de discrimen entre os sexos, mormente quando o propósito da distinção for o de desnivelar materialmente homem e mulher. Ao reverso, quando a discriminação for para atenuar os desníveis existentes entre ambos, receptividade terá, uma vez que se aplicará a máxima de que há que se tratar desigualmente os desiguais. Desta forma, não só a Constituição Federal estabeleceu tratamentos diferenciados entre homem e mulher para minimizar as diferenças, como poderá fazê-lo, e de fato em normas várias já o faz, o legislador infraconstitucional

Além de promover a igualdade contida no artigo 5º, inciso I, a Constituição

Federal também instituiu como objetivo, a “proteção do mercado de trabalho da

mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei” (art. 7º, XX).

Desse modo, a Carta Magna promove o trabalho da mulher ao coibir práticas

discriminatórias, reconhecendo assim, a importância do labor feminino no mercado

de trabalho.

Destarte, é imprescindível a investigação daquilo que é tido como fundamento

discriminatório, e ainda, se há uma justificativa racional para que se possa adotar o

tratamento específico fruto da distinção proclamada.

2.3 POSICIONAMENTO DA DOUTRINA E DA JURISPRUDÊNCIA SOBRE O ART.

384 DA CLT

Inserido no Capítulo III da Consolidação das Leis do Trabalho, que trata da

proteção ao trabalho da mulher, na Seção III, relativo ao período de descanso, o art.

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384 estabelece que caso ocorra elastecimento de jornada, deverá ser concedido à

mulher um descanso 15 (quinze) minutos no mínimo, antes do início do período

extraordinário do trabalho.

O intervalo em estudo é restrito apenas as trabalhadoras, também chamado

de especial, pois leva em consideração a condição excepcional da pessoa que

labora.

Em análise ao artigo em comento, Amauri Mascaro Nascimento (apud

OLIVEIRA, 2013.), se pronunciou: “Se da mulher forem exigidas horas

extraordinárias, para compreensão ou em se tratando de força maior, será

obrigatório o intervalo de 15 minutos entre o fim da jornada normal e o início das

horas suplementares (CLT, art. 384).”

Em análise ao referido artigo, Luiz Eduardo Gunther e Cristina Maria Navarro

Zornig, (2004. p.77.), expressam a necessidade de interpretar corretamente o art.

384, considerando que:

I. ou que o intervalo de quinze minutos antes do início do período extraordinário não seria exigível na ocorrência de força maior, mas apenas na hipótese de prorrogação de jornada mediante compensação; II. ou que é devido, como extra, o tempo de intervalo nele previsto e porventura não usufruído antes do início de labor suplementar; III. ou que a proteção do art. 384 da CLT, genérica, após 04.10.88, com a Constituição Federal, que deu tratamento igualitário ao homem, restringe-se apenas às gestantes. IV. ou que o art. 384 não foi recepcionado pela nova ordem constitucional, que assegurou igualdade de direitos e obrigações entre os sexos (art. 5º, I, CF/88); V. ou, por fim, em interpretação sistemática e analógica, que o art. 384 da CLT poderia ser confrontado, sucessivamente, com os arts. 59, 61 e 71, § 1º, da CLT, no sentido de o intervalo para descanso ser devido em todos os casos de prorrogação de serviço, de qualquer trabalhador, tanto homem quanto mulher, sempre que tal prorrogação determinar sua permanência em atividade por mais de quatro horas consecutivas.

Entretanto muito discutida é sua interpretação à luz do Princípio da Igualdade

estabelecido na Carta Magna, em seu art. 5º, inciso I, o qual pronuncia que homens

e mulheres são iguais em direitos e obrigações, conforme acima abordado.

Logo, discute-se a sua constitucionalidade, uma vez que ao aplicar o

dispositivo celetista, na realidade estaria havendo uma concreta discriminação em

razão do sexo, importando em verdadeira afronta os preceitos igualitários

estabelecidos pela nossa Lei Maior.

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Caso o empregador não conceda a trabalhadora o intervalo entre a jornada

normal e a extraordinária que esta possui direito, será penalizado no importe do

tempo correspondente, acrescidos de, no mínimo, 50%, como demonstra a notícia

abaixo:

Ainda é grande e acalorada a discussão no mundo jurídico sobre se o artigo 384 da CLT violaria ou não o princípio constitucional da isonomia, segundo o qual homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. É que esse dispositivo estabelece que a mulher tem direito a um intervalo de 15 minutos antes de dar início à jornada extraordinária. O objetivo do legislador ordinário aí foi o de proteger a saúde e a higidez física da mulher. Assim, se o empregador deixar de conceder a pausa prevista em lei, ficará obrigado a remunerar o período suprimido com acréscimo de 50%. (BANCO do Brasil deverá pagar horas extras por suprimir intervalo da mulher, 2013.)3

Assim, em razão do estabelecido pelo dispositivo celetista, são identificadas a

existência de três correntes acerca da validade e alcance do mesmo. A primeira diz

respeito à recepção pela Constituição Federal da norma da CLT. A outra preceitua

que houve a revogação tácita, uma vez que clara é sua incompatibilidade com os

ditames do art. 5º, I, e art. 7º, XXX, da CF. E, por fim, a terceira estabelece que além

de ser constitucional, o art. 384 da CLT deveria ser interpretado de maneira

abrangente, sendo estendido aos homens, perpetuando a não discriminação.

Desse modo, imprescindível se faz o estudo dos diferentes posicionamentos

acerca do artigo celetista em comento, conforme se seguirá.

Para os que defendem a aplicação do dispositivo celetista em questão, as

peculiaridades biológicas e fisiológicas das mulheres, acarretam em menor

resistência física a jornadas que extrapolam a jornada pactuada, e, dessa forma, é

plenamente aplicável o art. 384 da CLT, pelo que inexiste ofensa ao princípio da

igualdade constitucionalmente previsto.

Esse posicionamento encontra respaldo no princípio do não retrocesso social,

ou seja, as conquistas sociais não podem ser suprimidas, sob pena de

inconstitucionalidade.

Ainda, segundo o princípio acima citado, há um impedimento de que as

garantias dadas a certos trabalhadores decorrentes de lutas e conquistas por seus

3In:<http://as1.trt3.jus.br/noticias/no_noticias.Exibe_Noticia?p_cod_noticia=9434&p_cod_area_noticia=ACS&p_cod_tipo_noticia=1>. Acesso em: 20 set. 2013.

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direitos, não sejam ofuscadas por alterações outorgadas mediante a necessidade de

conformação a novos tempos e contextos. Sendo assim, o art. 384 da CLT deve ser

tido como plenamente vigente no nosso ordenamento jurídico. (GUNTHER;

GUNTHER, 2010, p. 25.)

José Cairo Júnior (2009, p.384.), elucida que o empregador deverá conceder

a empregada um repouso de 15 (quinze) minutos, no mínimo, entre a jornada normal

e a extraordinária, confirmando o que prevê o disposto no art. 384 da CLT.

Na mesma linha de raciocínio, Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de

Quadros Pessoa Cavalcanti (2009, p.334.), também defendem ser devido o intervalo

em questão caso haja prorrogação de jornada.

O Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral da

questão constitucional suscitada, uma vez que a matéria é passível de repercussão

em vários processos, sendo de interesse de várias pessoas. Eis a ementa da

Repercussão Geral nº 658.312/SC do Ministro Dias Toffoli:

DIREITO DO TRABALHO E CONSTITUCIONAL. RECEPÇÃO DO ARTIGO 384 DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. DISCUSSÃO ACERCA DA CONSTITUCIONALIDADE DO INTERVALO DE 15 MINUTOS PARA MULHERES ANTES DA JORNADA EXTRAORDINÁRIA. MATÉRIA PASSÍVEL DE REPETIÇÃO EM INÚMEROS PROCESSOS, A REPERCUTIR NA ESFERA DE INTERESSE DE MILHARES DE PESSOAS. PRESENÇA DE REPERCUSSÃO GERAL.[...]

Assim, o Supremo veio por reafirmar a validade do artigo 384 da CLT, bem

como ressaltar sua conformidade com a Constituição brasileira.

Na 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho,

encerrada em 23.11.2007, sob a promoção conjunta do TST, da ANAMATRA e da

Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento dos Magistrados do Trabalho

(ENAMAT), foram aprovadas 79 ementas, as quais não possuem um caráter

jurisdicional, muito embora representem o pensamento intelectual dos participantes

do evento. Dentre elas, está a de número 22, a qual dispõe:

Enunciado n.22 - “Art. 384 da CLT. Norma de ordem pública. Recepção pela CF de 1988. Constitui norma de ordem pública que prestigia a prevenção de acidentes de trabalho (CF, 7º, XXII) e que foi recepcionada

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pela Constituição Federal, em interpretação conforme (art.5º, I, e 7º, XXX), para os trabalhadores de ambos os sexos”. (SAAD; BRANCO, 2008. p.362.)

Nessa esteira, o Tribunal do Superior do Trabalho, tem mantido a orientação

de modo a preservar as proteções direcionadas ao trabalho feminino, rechaçando os

argumentos que insistem em apontar o ferimento do princípio da igualdade

insculpido na Carta Magna, afirmando que este suporta exceções, de modo que a

mulher merece tratamento diferenciado. Ilustra-se o posicionamento adotado pela

Colenda Corte em notícia publicada sobre incidente de inconstitucionalidade em

recurso de revista em 19/11/2008 (FEIJÓ, 2013.) (IIN-RR - 1540/2005-046-12-00.5):

O Pleno do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou ontem (17) incidente de inconstitucionalidade em recurso de revista do artigo 384 da CLT, que trata do intervalo de 15 minutos garantido às mulheres trabalhadoras que tenham que prestar horas extras. Por maioria de votos, em votação apertada (14 votos a 12), o TST entendeu que a concessão de condições especiais à mulher não fere o princípio da igualdade entre homens e mulheres contido no artigo 5º da Constituição Federal. O assunto vinha, até então, dividindo os julgamentos nas Turmas do Tribunal e na Seção Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1). De um lado, a corrente vencedora no julgamento de ontem, que não considera discriminatória a concessão do intervalo apenas para as mulheres. De outro, os ministros que consideram que a norma, além de discriminatória, prejudica a inserção da mulher no mercado de trabalho. O processo foi encaminhado pela Sétima Turma quando, no julgamento do recurso de revista, dois ministros sinalizaram no sentido da inconstitucionalidade do artigo 384 da CLT. Nesses casos, quando se trata de matéria que não tenha sido decidida pelo Tribunal Pleno ou pelo Supremo Tribunal Federal, o Regimento Interno do TST prevê a suspensão da votação e a remessa do caso ao Pleno. O relator do incidente, ministro Ives Gandra Martins Filho, destacou que “a igualdade jurídica entre homens e mulheres não afasta a natural diferenciação fisiológica e psicológica dos sexos”, e que “não escapa ao senso comum a patente diferença de compleição física de homens e mulheres”. O artigo 384 da CLT se insere no capítulo que trata da proteção do trabalho da mulher e, ressalta o relator, “possui natureza de norma afeta à medicina e segurança do trabalho, infensa à negociação coletiva, dada a sua indisponibilidade”. Em sua linha de argumentação, o ministro Ives Gandra Filho observou que o maior desgaste natural da mulher trabalhadora, em comparação com o homem, em função das diferenças de compleição física, não foi desconsiderado na Constituição Federal, que garantiu diferentes limites de idade para a aposentadoria – 65 anos para o homem e 60 anos para a mulher. “A diferenciação é tão patente que, em matéria de concursos para policial militar, a admissão da mulher é feita em percentual mais reduzido (20% das vagas) e com exigências menores nos testes físicos”, afirmou. “Se não houvesse essa diferenciação natural, seria inconstitucional a redução dos requisitos e das vagas”, ponderou. “Não é demais lembrar que as mulheres que trabalham fora estão sujeitas à dupla jornada de trabalho. Por mais que se dividam as tarefas domésticas entre o casal na atualidade, o peso maior da administração da casa e da educação dos filhos acaba recaindo sobre a mulher. ”

Em recente decisão, na qual figura a Caixa Econômica Federal como parte

reclamada, a Alta Corte Trabalhista utilizou do incidente de inconstitucionalidade

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acima mencionado para deferir à obreira da empresa o pagamento do intervalo em

voga. O TST reformou a decisão do TRT da 13ª Região, a qual tinha decido pela

inconstitucionalidade do verbete celetista. Entretanto, o ministro relator da 7ª Turma,

Ives Gandra Martins Filho, discordou do posicionamento adotado pelo Tribunal a

quo, concluindo pela recepção do art. 384, pois a razão de ser do dispositivo é "a

proteção da trabalhadora mulher, fisicamente mais frágil que o homem e submetida

a um maior desgaste natural em face da sua dupla jornada de trabalho".

(FONTENELE, 2013.)

Importante neste sentido também, a Resolução nº 12/2012 do TRT 12ª

Região, a qual preceitua o verbete sumular com a seguinte redação:

SÚMULA Nº 19: “INTERVALO DO ART. 384 DA CLT. CONSTITUCIONALIDADE. CONCESSÃO DEVIDA. Não sendo concedido o intervalo de que trata o art. 384 da CLT, devido à empregada o respectivo pagamento. Inexistente inconstitucionalidade de tal dispositivo conforme decisão do Pleno do TST. ”

Francisco José Monteiro Júnior (2009, p.166.), dispõe em relação ao art. 384:

[...] não há razão para deixar de aplicá-lo, primeiro, porque está, expressamente, previsto em lei. Segundo, porque, em obediência ao princípio da norma mais benéfica, não há como excluir a sua aplicação. Terceiro, porque ele está de acordo, também, com o objetivo do Direito do Trabalho de oferecer condições melhores para os trabalhadores. E, quarto, porque atende ao postulado constitucional da redução dos riscos inerentes ao trabalho.

Assim, considera-se que o artigo 384 da CLT ingressou no sistema jurídico

com o objetivo de proteger a situação desigual da mulher, no universo do trabalho

que é extremamente masculino. A norma em apreço, busca na verdade a proteção

da saúde e segurança do trabalhador.

Existente, também, a corrente denominada negativista, pois entende que o

art. 384 da CLT desapareceu do ordenamento jurídico com o advento da

Constituição de 1988.

Assim, para os que entendem como revogado o art. 384, a tese de que a

mulher seria frágil e não suportaria a jornada extraordinária resta completamente

refutada, pois ao longo da história viu-se que estas sempre laboravam em jornadas

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ilimitadas e em condições insalubres, demonstrando assim, que é completamente

infundada a alegação da menor resistência física.

Também, o intervalo especial afronta o art. 5º, I, da Constituição Federal, uma

vez que não existe tal descanso para o homem.

Na visão de José Eduardo Duarte Saad e Ana Maria Saad Castello Branco, o

estatuído no art. 384 da CLT, é contrário à Constituição, que estabelece que homens

e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Ainda salientam que “Na

prorrogação do trabalho do empregado do sexo masculino não se exige um

descanso de 15 minutos”. (SAAD; BRANCO, 2008, p.362.)

Nesta seara é o pensamento de Sérgio Pinto Martins, (apud NOVAIS, 2005,

p.84.), o qual defende que pode ocorrer discriminação perante a mulher, pois o

empregador pode preterir o sexo masculino na hora da contratação, visto que não

precisará conceder o intervalo de quinze minutos para prorrogar a jornada ao sexo

em questão; Para o autor, o dispositivo celetista também implica em conflito com o

princípio da igualdade, pois inexiste previsão de tal descanso para homens.

Alice Monteiro de Barros também é manifestamente uma das que acreditam

que o art. 384 da CLT não fora recepcionado pela Constituição Federal, pois, sem

dúvida, conflita com seu art. 5º, I. A autora segue afirmando:

Não foi recepcionado o art. 384 da CLT pelo preceito constitucional. A diferença entre homens e mulheres não traduz fundamentos, para tratamento diferenciado, salvo em condições especiais, como a maternidade. O intervalo do art. 384 só seria possível à mulher se houvesse idêntica disposição para os trabalhadores do sexo masculino. A pretensão almejada pelo art. 384 da CLT poderia caracterizar um obstáculo à contratação de mulheres, na medida em que o empregador deveria certamente admitir homens, pois não teria a obrigação de conceder aquele descanso. Logo, o que seria uma norma protetiva acabaria por se tornar um motivo para preterição. (BARROS, 2010. p.1090.)

Muito embora o C. Tribunal Superior do Trabalho já tenha se posicionado

várias vezes a favor da recepção do artigo 384 da CLT pela Carta Magna, conforme

no item anterior visto, ainda é divergente em relação ao tema, como se verifica no

caso a seguir, em que a Corte reconhece a inconstitucionalidade do dispositivo

mencionado:

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RECURSO DE EMBARGOS. TRABALHO DA MULHER. INTERVALO PARA DESCANSO EM CASO DE PRORROGAÇÃO DO HORÁRIO NORMAL. ARTIGO 384 DA CLT. NÃO RECEPÇÃO COM O PRINCÍPIO DA IGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES. VIOLAÇÃO DO ART. 896 DA CLT RECONHECIDA. O art. 384 da CLT está inserido no capítulo que se destina à proteção do trabalho da mulher e contempla a concessão de quinze minutos de intervalo à mulher, no caso de prorrogação da jornada, antes de iniciar o trabalho extraordinário. O tratamento especial, previsto na legislação infraconstitucional não foi recepcionado pela Constituição Federal ao consagrar no inciso I do art. 5º, que homens e mulheres -são iguais em direitos e obrigações-. A história da humanidade, e mesmo a do Brasil, é suficiente para reconhecer que a mulher foi expropriada de garantias que apenas eram dirigidas aos homens e é esse o contexto constitucional em que é inserida a regra. Os direitos e obrigações a que se igualam homens e mulheres apenas viabilizam a estipulação de jornada diferenciada quando houver necessidade da distinção, não podendo ser admitida a diferenciação apenas em razão do sexo, sob pena de se estimular discriminação no trabalho entre iguais, que apenas se viabiliza em razão de ordem biológica. As únicas normas que possibilitam dar tratamento diferenciado à mulher dizem respeito àquelas traduzidas na proteção à maternidade, dando à mulher garantias desde a concepção, o que não é o caso, quando se examina apenas o intervalo previsto no art. 384 da CLT, para ser aplicado apenas à jornada de trabalho da mulher intervalo este em prorrogação de jornada, que não encontra distinção entre homem e mulher. Embargos

conhecidos e providos. (BRASIL, 2009.)

A 3ª Turma do TRT 9ª Região, na OJ nº 080, a qual diz respeito a intervalos

especiais, no seu item III, expressou o entendimento de que o art. 384 da CLT não

foi recepcionado pela Lei Maior, fundamentando este da seguinte maneira: “III - o

intervalo especial para mulheres a que refere o art. 384 da CLT, de 15 minutos

antecedentes à jornada extraordinária, não foi recepcionado pela Constituição

Federal de 1988 (vencido Desembargador Altino) ”

Maurício Godinho Delgado (apud FRANCO FILHO, 2013.), assinala de forma

enfática que é impossível de se reconhecer a desigualdade entre homens e

mulheres, pois, certo é que a Constituição Federal de 1988 eliminou do direito

brasileiro qualquer prática discriminatória no âmbito empregatício contra a mulher, e

que também pudesse restringir o mercado de trabalho, ainda que embasada no

fundamento da proteção e da tutela.

Assim sendo, para essa corrente, o artigo 384 da CLT não foi recepcionado

pela Constituição por haver afronta expressa ao princípio constitucional da

igualdade, estabelecendo discriminação que não se justifica. Só se viabilizam

diferenciações entre os sexos decorrentes das especificidades da mulher, como na

maternidade.

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Além de que reconhecer como merecedor apenas o sexo feminino do

descanso antecedente a sobrejornada, nos casos em que há igual labor, nas

mesmas condições, implica em odiosa distinção entre gêneros, bem como, em

limitação ao já restrito mercado de trabalho da mulher.

Defendendo a ideia de que o artigo 384 celetário deveria ser aplicado aos

trabalhadores em geral, sem alguma distinção, Luiz Eduardo Gunther e Cristina

Maria Navarro Zornig (apud LIMA, 2013.), preceituam:

O artigo 384 da CLT tem escopo conscientizar o empregador na concessão de intervalo ao trabalhador, antes de adentrar em jornadas extraordinárias, de molde a recuperar suas forças laborais, mormente naquelas que exigem maior desempenho físico, prevenindo desgastes maiores. Na verdade, a norma deveria ser aplicada indistintamente, com vistas ao bem-estar físico e psíquico do empregado, sem exigir-lhe trabalho contínuo além de suas forças, o que, em ocorrendo, pode implicar maior ocorrência de acidentes de trabalho, menor desempenho e produtividade.

Para muitos, a concessão a todos os trabalhadores, indistintamente,

acarretaria na igualdade de oportunidades de emprego para os obreiros.

Fernanda Valadares de Oliveira (2013, p.67.), defende que:

Sendo assim, o art. 384 da CLT seria a chance perfeita para a doutrina trabalhista continuar evoluindo e, em vez de considerá-lo inconstitucional, ou específico para a trabalhadora mulher, ampliar sua abrangência para conceder o tempo de descanso para o trabalhador homem que deseje realizar horas extras.

Um dos exemplos utilizados para fundamentar essa posição é que o artigo 71,

§1º da CLT, o qual estabelece intervalos intrajornadas a qualquer empregado,

independentemente do sexo do mesmo. O dispositivo tem como alvo a

recomposição física do trabalhador, depois de um longo período de atividades

exercidas.

Igualmente invocado para sustentar a tese favorável da aplicação do art. 384

da CLT ao homem, é o pensamento de que, se há controversas sobre a suposta

desigualdade de tratamento comportada pelo artigo 384 da CLT, nada mais lógico

que lutar pela ampliação da norma para todos os trabalhadores. Não se devendo

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cogitar na revogação do dispositivo pela ideia de que este só se direciona a mulher.

(OLIVEIRA, 2011, p.5.)

Os autores Luiz Eduardo Gunther e Cristina Maria Navarro Zornig (2004,

p.78.), afirmam que a aplicação da norma de forma indistinta, converge para o bem-

estar físico e psíquico do trabalhador, de modo que sejam afastadas as

extrapolações além de suas forças, contribuindo para afastar a ocorrência de

acidentes, menos desempenho e produtividade.

Entretanto, pode-se questionar o posicionamento adotado a favor da

extensão, pelo argumento de que O artigo 384 da CLT encontra-se inserido no

capítulo das normas de proteção do trabalho da mulher, e desse modo, não há

justificativa para o tratamento que estaria prestes a conferir aos obreiros homens.

Ao mesmo tempo, se fora criado o artigo com base nas peculiaridades da

mulher obreira, devido ao desgaste físico maior que esta possui do que ao do

homem nas ocorrências de horas extras, não se pode, sob o argumento de

inconstitucionalidade, estender o descanso ao gênero masculino.

Também, há que se mencionar que a interpretação de expansão ao sexo

masculino não pode perdurar, pois assim estaria colidindo inegavelmente com o

artigo 5º, inciso II, da Lei Maior, a qual preceitua que “ninguém será obrigado a fazer

ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Neste sentido, ganha destaque a OJT 042, da 4ª Turma do TRT da 9ª

Região (Paraná) que dispõe: “OJT 042 – ARTIGO 384 DA CLT - APLICAÇÃO –

Aplicável somente para a mulher. ” (grifos originais).

Curioso também é o raciocínio explanado no acórdão 147064/2013, oriundo

do TRT 5ª Região, conforme abaixo transcrito:

[...] Inicialmente, destaco que o art. 384 da CLT foi recepcionado pela Constituição Federal. Ele impõe intervalo de 15 minutos antes de se começar a prestação de horas extras pela trabalhadora mulher. A igualdade jurídica e intelectual entre homens e mulheres não afasta a natural diferenciação fisiológica e psicológica dos sexos, não escapando ao senso comum a patente diferença de compleição física entre homens e mulheres. Analisando o art. 384 da CLT em seu contexto, verifica-se que se trata de norma legal inserida no capítulo que cuida da proteção do trabalho da mulher e que, versando sobre intervalo intrajornada, possui natureza de norma afeta à medicina e segurança do trabalho. Não se pode perder de vista que, diante do maior desgaste natural da mulher trabalhadora, o Texto Constitucional assegurou diferentes condições para a obtenção da aposentadoria, com menos idade e tempo de

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contribuição previdenciária (art. 201, § 7º, I e II). A própria diferenciação temporal da licença-maternidade e paternidade (art. 7º, XVIII e XIX; ADCT, art. 10, § 1º) deixa claro que o desgaste físico efetivo é da maternidade. Não é demais lembrar que as mulheres estão sujeitas a dupla jornada de trabalho, pois ainda realizam as atividades domésticas quando retornam à casa. Por mais que se dividam as tarefas domésticas entre o casal, o peso maior da administração da casa e da educação dos filhos acaba recaindo sobre a mulher. Nessa linha, levando-se em consideração a máxima albergada pelo princípio da isonomia, de tratar desigualmente os desiguais na medida das suas desigualdades, ao ônus da dupla missão, familiar e profissional, que desempenha a mulher trabalhadora corresponde o bônus da jubilação antecipada e da concessão de vantagens específicas, em função de suas circunstâncias próprias, como é o caso do intervalo de 15 minutos antes de iniciar uma jornada extraordinária, o que afasta a alegada inconstitucionalidade do art. 384 da CLT [...] (BRASIL, 2013.)

Por tal corrente, depois do advento da Constituição, somente são justificáveis

as normas de proteção que levem em consideração a efetiva fragilidade física da

mulher, objetivando o tratamento diferenciado em relação ao trabalho masculino,

como é o caso da distinção do emprego da força muscular.4

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pela evolução histórica do Direito do Trabalho da mulher, mostrou-se

justificável a criação de leis que regulassem os trabalhos das trabalhadoras, tanto é

assim que com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) houve uma proteção

especial ao gênero, uma vez que fora criado um capítulo em especial para as

obreiras.

Com o advento da Constituição Federal, a questão dos gêneros e as

desigualdades dela oriundas foram colocadas em amplo debate uma vez que foi

preconizado a igualdade entre homens e mulheres em direitos e obrigações.

Entretanto, a própria Lei Maior instituiu em seus ditames uma preocupação especial

em relação ao trabalho feminino, tanto é que é evidente a proibição da discriminação

em decorrência do sexo.

4 A diferenciação existente entre os sexos em caso de emprego de força muscular está presente na CLT, no seguinte artigo: “Art. 390 - Ao empregador é vedado empregar a mulher em serviço que demande o emprego de força muscular superior a 20 (vinte) quilos para o trabalho continuo, ou 25 (vinte e cinco) quilos para o trabalho ocasional. ”

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Neste novo contexto, após a promulgação da Carta Magna, muito se

questionou acerca da validade de normas infraconstitucionais, pois estas se

mostraram incompatíveis com os preceitos constitucionalmente expostos.

Assim, nessa linha de raciocínio, encontra-se o artigo 384 da CLT, o qual

preceitua um intervalo de quinze minutos antes do início da jornada extraordinária

apenas ao sexo feminino.

Desse modo, surgiram várias vertentes sobre a análise do dispositivo celetista

citado.

A primeira é de que o artigo foi recepcionado pela Constituição, de modo que

deve ser concedido à mulher pelas suas peculiaridades fisiológicas, e que não se

estaria causando discriminação, pois, restaria aplicado o tratamento desigual aos

desiguais.

Existente também a tese de que o dispositivo causa discriminação, uma vez

que o empregador pode preferir a contratação de mão-de-obra masculina, pois,

assim, não teria que conceder aos obreiros o intervalo em questão. Portanto, não foi

recepcionado pela Lei Maior.

Verifica-se que há o entendimento de que o artigo infraconstitucional deveria

ser estendido aos homens, pois assim se estaria realmente aplicando o que foi

estabelecido pela nossa Constituição, ou seja, de igualdade de homens e mulheres.

Entretanto, se sabe que não há norma que estabeleça o intervalo aos trabalhadores,

havendo afronta ao princípio da legalidade qual seja, ninguém será obrigado a fazer

algo senão em virtude de lei.

De tal modo, não há consenso doutrinário e jurisprudencial sobre o tema,

existindo, em verdade, várias justificativas pela aplicação ou não do art. 384 da CLT.

Assim, o estudo do tema direciona para a conclusão de uma urgente necessidade

de uniformização de entendimentos, a fim de que, em especial os Tribunais

trabalhistas não incorram em injustiças, ora aplicando o intervalo do art. 384 da CLT,

ora afastando tal previsão por afronta ao princípio da igualdade.

Ademais, como há expressa menção legal à concessão do intervalo ao sexo

feminino, além de haver Repercussão Geral do STF sobre a constitucionalidade do

art. 384 da CLT, este deve ser entendido como válido, e concedido ao sexo

feminino, importando desse modo, ao não retrocesso social, o que é vedado pelo

ordenamento.

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Entretanto, para ser fiel aos preceitos igualitários instituídos por nossa

Suprema Constituição, o intervalo deveria ser estendido aos homens, para que não

haja a possível discriminação para a contratação de mulheres, decorrentes da

concessão do intervalo apenas a estas.

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AS ESPÉCIES DE REMUNERAÇÃO DO CONTRATO ESPECIAL DE

TRABALHO DESPORTIVO

THE FORMS OF REMUNERATION OF THE SPECIAL CONTRACT OF

SPORTS WORK

Guilherme Heller de Pauli1

Erika Paula de Campos2

1Acadêmico de Direito do Centro Universitário Curitiba, ex-estagiário de graduação do escritório Oliveira Franco, Ribeiro, Küster, Rosa Advogados Associados e atual membro do Departamento Jurídico do Coritiba Foot Ball Club. 2 Formada em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba em 1990. Possui mestrado(2000) e doutorado (2005), em Direito, na área de relações sociais, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente é professora de Direito do Trabalho e Responsabilidade Civil e orientadora na graduação e pós-graduação de Direito do Trabalho no Centro Universitário Curitiba e na pós-graduação na Pontifícia Universidade Católica de Curitiba/PR. Professora convidada de várias instituições de ensino. Advogada. tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito do Trabalho e Civil. Membro da Comissão de Estudos à Violência de Gênero (CEVIGE) , OAB/PR, desde maio/2013.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO. 2ESPÉCIES DE REMUNERAÇÃO.2.1 Remuneração e Salário.

2.1.1Distinção entre remuneração e salário. 2.2Direito de Imagem. 2.3Direito de

Arena. 2.4Luvas. 2.5Premiações. 2.6 Bicho. 2.6.1 Mala preta e mala branca. 2.6.1.1

Da competência para julgar e processar as práticas de mala branca e preta. 2.7

Acréscimos remuneratórios. 2.8 Das outras remunerações3 CONCLUSÃO.

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RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo demonstrar as diversas formas remunerações

encontradas nos contratos especiais de trabalho desportivo. Tendo em vista que o

salário é parte integrante da remuneração percebida, o qual demonstraremos neste

trabalho, a distinção entre remuneração e salário e ainda, como isso é aplicado nos

contratos especiais de trabalho no direito desportivo. Essa problemática envolve as

Consolidações das Leis do Trabalho, bem como legislações específicas. As

diferentes espécies de remunerações no direito desportivo são decorrentes de

salário e ainda, direito de imagem, direito de arena, luvas, premiações, bicho e

acréscimos remuneratórios. Constataremos ainda, acerca da espécie de

remuneração que é denominada como bônus, a mala branca e a mala preta, o qual

veremos suas diferenças e penalidades.

Palavras-chave: Remuneração. Contrato de trabalho. Atleta. Legislação Desportiva.

Salário.

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ABSTRACT

This research aims to demonstrate the various forms found in the remuneration of

sports special contracts for work. Given that wages are an integral part of

remuneration received, which we demonstrate in this paper, the distinction between

compensation and salary and how it is applied in special contracts for work in sports

law. This problem involves the Consolidation of Labor Laws, as well as specific

legislation. Different species of remuneration in sports law are due to salary and still

image rights, arena rights, gloves, awards inside the contract, match bonus and

accrued compensatory. We note also about the kind of remuneration that is named

as a bonus, the white bag and black bag, which will see their differences and

penalties.

Key words: Remuneration. Work Contract. Player. Sports Legislation. Salary.

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1 INTRODUÇÃO

Com este estudo, iremos abordar o ponto mais controverso do contrato

especial de trabalho desportivo que é a remuneração. Isto em razão da constante

confusão que se faz entre remuneração e salário.

Primeiramente, iremos definir remuneração e salário, para que possamos

então, distinguir um do outro, permitindo uma melhor interpretação das espécies de

remuneração encontradas nos contratos especiais de trabalho desportivo.

A partir daí, iremos analisar as diversas formas de remuneração de um atleta

profissional. A primeira espécie que estudaremos, será o direito de imagem, logo em

seguida o direito de arena. Estes dois institutos, também geram uma certa confusão

ao leigo no assunto, e até mesmo aos especialistas na área.

Na sequência, verificaremos as luvas, premiações, e o “bicho”. Neste último

instituto em especial, iremos analisar as diversas formas de seu pagamento, como

as já conhecidas no mundo do futebol Mala Branca e Mala Preta, bem como a

competência para julgar casos envolvendo o pagamento destas “malas”.

E por fim, os acréscimos remuneratórios, e demais formas de remuneração.

2 ESPÉCIES DE REMUNERAÇÃO

As espécies de remuneração que iremos abordar neste estudo, decorre do

Contrato Especial de Trabalho Desportivo, o qual é regido pela Consolidação das

Leis do Trabalho, e principalmente pela lei específica nº 9.615/98, popularmente

conhecida como a “Lei Pelé. ”

Este contrato tem como sujeitos e principais protagonistas, as equipes e os

atletas, sendo estes equiparados à empregados, e aqueles equiparados à

empregador.

Embora a lei não especifique a forma deste contrato, fica implícito na leitura

da lei que, a forma deve ser escrita, pois, deve ser levado à registro na entidade que

administra o desporto. O contrato especial de trabalho desportivo, deve ter um prazo

determinado, e o artigo 30 da Lei Pelé, cita que o contrato deve ser de no mínimo 3

meses e no máximo 5 anos.

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Tem como requisitos, ou seja, deve constar no contrato: a remuneração,

prazo, cláusula indenizatória desportiva (nacional ou internacional), cláusula

compensatória desportiva. O contrato deve ainda prever as disposições do artigo 28,

§4° da Lei específica, que versam acerca da concentração, acréscimos

remuneratórios, repouso semanal remunerado, férias anuais e abono de férias.

Assim, tendo em vista sua natureza especial, verificamos certa peculiaridade

quanto à forma de sua remuneração. Diferentemente do trabalhador comum, o

atleta, através das atuais negociações de seu contrato de trabalho, acaba por fazer

jus a diversas formas de remuneração.

A remuneração trata-se do “conjunto de prestações recebidas habitualmente

pelo empregado pela prestação de serviços, seja em dinheiro ou em utilidades,

provenientes do empregador ou de terceiros, mas decorrentes do contrato de

trabalho, de modo a satisfazer suas necessidades básicas e de sua família”

(MARTINS, Sérgio Pinto, 2008, p. 205).

Portanto, a remuneração engloba toda a prestação recebida pelo empregado,

neste caso o atleta, em razão de seu trabalho, e que no caso do contrato especial de

trabalho desportivo, podem ser por meio do salário, direito de imagem, direito de

arena, luvas, premiações, bicho, mala preta e mala branca, acréscimos

remuneratórios e outras formas que veremos.

2.1 REMUNERAÇÃO E SALÁRIO

É comum chamarmos remuneração de salário, mas como referido

anteriormente, “a remuneração é toda a retribuição legal e habitualmente auferida

pelo empregado em virtude do contrato de trabalho, sendo paga pelo empregador ou

por terceiro” (Francisco Ferreira Jorge Neto; Jouberto de Quadros Pessoa

Cavalcante, 2009, p. 128).

Assim, valendo-se do entendimento de Jorge Neto e de Cavalcanti,

“remuneração é o conjunto de todas as vantagens auferidas pelo empregado, de

natureza salarial ou não, pecuniárias ou não, decorrentes do contrato de trabalho.

Salário é parte integrante da remuneração e que se relaciona com as parcelas

auferidas como contraprestação do serviço disponibilizado ao empregador”

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((Francisco Ferreira Jorge Neto; Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante, 2009, p.

129).

Por outro lado, temos como conceito de salário estabelecido pela Academia

Brasileira de Letras em seu Dicionário Jurídico que: “salário é a remuneração paga

ao empregado pelo empregador, em contraprestação pelo trabalho” (Academia

Brasileira de Letras, 1995).

Tal definição para a doutrina, encontra-se equivocada, uma vez que, refere-se

“na verdade a definição de remuneração” (Oliveira, Jean Marcel Mariano, 2009, p.

62.), entendendo a doutrina majoritária que a remuneração é gênero, e o salário

uma espécie.

Por esta razão, devemos primeiramente distinguir a salário de remuneração,

para que não cometermos o erro de classificar salário como remuneração.

2.1.1 Distinção entre Remuneração e Salário

Para podermos distinguir remuneração e salário basearemos nos

ensinamentos dos doutrinadores Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de

Quadros Pessoa Calvacante, que nos apresentam três posições para distinguir

remuneração e salário:

“A primeira identifica remuneração com salário, representando o conjunto das parcelas recebidas pelo empregado em função do contrato de trabalho, como contraprestação da força de trabalho entregue ao empregador, denunciando o caráter oneroso do contrato individual de trabalho. A segunda faz uma diferenciação entre as duas palavras. Para os adeptos dessa posição doutrinaria, remuneração é o gênero que engloba todas as parcelas devidas e pagas ao empregado em decorrência do contrato de trabalho, enquanto salário é uma dessas parcelas. Logo, a remuneração é o gênero; salário é uma espécie da remuneração. Na terceira vertente doutrinaria, a análise parte da combinação exegética dos arts. 457 e 76 da CLT, havendo duas variantes interpretativas”. (Francisco Ferreira Jorge Neto; Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante, 2009, p. 129)

Tais variante citadas pela doutrina dizem:

“Para a primeira variante, salário representa o conjunto das parcelas pagas diretamente pelo empregador, enquanto remuneração envolve o salário mais a gorjeta. Para a segunda variante, remuneração é a retribuição paga ao trabalhador por terceiro, em decorrência do contrato de trabalho, enquanto salário representa os ganhos auferidos pelo empregado, os quais são pagos pelo

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empregador, como forma de contraprestação dos serviços disponibilizados pelo primeiro ao segundo, em função do contrato individual de trabalho” (Francisco Ferreira Jorge Neto; Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante, 2009, p. 129)

Assim, com base nesta análise, para que se possa distinguir salário e

remuneração, devemos observar a vinculação ou não da parcela auferida pelo

empregado em razão da disponibilização de sua força de trabalho.

Ainda, em relação a distinção de remuneração e salário, Arnaldo Süssekind e

João de Lima Teixeira Filho, definem:

[...] como se infere, salario é a retribuição dos serviços prestados pelo empregado, por força do contrato de trabalho, sendo devido e pago diretamente pelo empregador que dele se utiliza para a realização dos fins colimados pela empresa; remuneração é a resultante da soma do salario percebido em virtude do contrato de trabalho e dos proventos auferidos de terceiros, habitualmente, pelos serviços executados por força do mesmo contrato (SÜSSEKIND, Arnaldo; TEIXEIRA FILHO, João de Lima, 2003, p. 343).

Portanto, a remuneração, é o conjunto de todas as vantagens auferidas pelo

empregado, seja de natureza salarial ou não, de cunho pecuniário ou não,

decorrente do contrato de trabalho.

Por outro lado, o salário é parte integrante da remuneração relacionado com

as parcelas percebidas como contraprestação do serviço prestado ao empregador, o

qual é pago diretamente ao trabalhador (MARTINS, Sergio Pinto, 2008, p. 206).

2.2 DIREITO DE IMAGEM

O direito de imagem refere-se especificamente a um direito da personalidade

do homem, que atualmente vem ganhando força no meio do esporte.

Cada vez mais as entidades de prática desportiva se aproveitam da fama de

seus atletas para lucrar, ou seja, vender produtos tanto com os símbolos do clube,

quanto com a imagem do atleta.

A parcela do direito de imagem é também uma espécie do gênero da

remuneração, já que o empregado-atleta faz jus ao seu recebimento, em razão dos

serviços prestados, por meio do uso pelo clube de sua imagem.

Para tanto, no momento da contratação, as partes (clube e o atleta) devem

firmar um contrato para a cessão da imagem deste atleta, o qual deverá ser feito por

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escrito, sendo acessório ao contrato especial de trabalho desportivo e ainda, deve

possuir prazo determinado, não podendo ser superior ao prazo do contrato de

trabalho.

Os nossos Tribunais vêm entendendo que as parcelas do direito de imagem

referem-se à uma complementação da remuneração dos atletas. O que não deixa de

ser correto, mas, devemos analisar com mais atenção.

Isto porque, o salário trata de uma espécie de remuneração (MARTINS,

Sergio Pinto, 2008, p. 206), o direito de imagem também, e assim, tanto o salário,

como a imagem, estão unidas no gênero da remuneração.

Como anteriormente citado, a remuneração do empregado nada mais é do

que a união de todos os valores devidos pelo empregador, em razão da prestação

de um serviço.

Muitas vezes o empregador, ou seja, os clubes em conjunto com os atletas,

pactuam suas obrigações laborais, prevendo o pagamento de uma parcela salarial

menor e, consequentemente, uma parcela de imagem mais elevada. Isso ocorre em

razão da tributação incidente na remuneração, uma vez que em sua grande maioria,

a imagem do atleta é cedida por uma pessoa jurídica de direito privado e, portanto,

não incidirá o imposto de renda de pessoa física.

O direito de imagem possui natureza civil, uma vez que é desnecessário o

registro na entidade de administração desportiva, sem, portanto, qualquer

repercussão na relação laboral-desportiva (MELO FILHO, Álvaro, 2011, p. 128).

Assim, a lei 12.395/2011 que alterou a Lei Pelé, decidiu por legislar sobre a

natureza do direito de imagem, entendendo ser de natureza civil nos termos do

artigo 87-A.

Desta forma, nada mais deve ser discutido acerca do direito de imagem no

âmbito da justiça do trabalho uma vez que, não tendo natureza trabalhista, o direito

de imagem não se refere à parcela remuneratória em razão da prestação de serviço

de atleta profissional.

Ou seja, é uma parcela remuneratória do atleta, mas sem a contraprestação

laborativa.

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2.3 DIREITO DE ARENA

O direito de arena, previsto no art. 42 da Lei nº. 9.615/98 consiste na

prerrogativa exclusiva dos clubes em negociar, autorizar ou proibir a captação, a

fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens,

através de qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo que a entidade de

prática desportiva participe.

O parágrafo primeiro do artigo 42 da referida Lei estipula que, salvo

convenção coletiva de trabalho, deve ser destinado aos atletas profissionais 5% da

receita proveniente da exploração de direitos audiovisuais, os quais deverão ser

repassados ao sindicato de atletas profissionais, e estes por sua vez, deverão

distribuir em partes iguais aos atletas que participaram do espetáculo, sendo uma

parcela de natureza civil.

Até a alteração da Lei Pelé em 2011, era a lei mais obscura quando se referia

da parcela de direito de arena, já que apenas previa, o percentual de 20% do preço

total do contrato de transmissão seria distribuído aos atletas.

A lei por sua vez, não estipulava quem deveria pagar este percentual, se era

diretamente o clube aos seus atletas profissionais, ou se era por meio de sindicato.

Assim como, também não classificava o direito de arena como parcela de natureza

civil ou de trabalho, gerando dúvida, já que o entendimento jurisprudencial vinha

entendendo como parcela de natureza trabalhista.

Ocorre que, embora a lei Pelé quando alterada passou a determina ser o

direito de arena de natureza civil, não tem sido este o entendimento jurisprudencial

atual.

Desta forma, a jurisprudência atual precisa ser atualizada, uma vez que a

legislação vigente dispõe que o direito de arena tem natureza civil, e o entendimento

dos tribunais o tem classificado como sendo de natureza trabalhista.

2.4 LUVAS

O termo luvas trata-se de uma metáfora, já que se refere a um pagamento

feito ao atleta em razão de sua capacidade técnica, e, portanto, remunerando-o na

medida exata de sua capacidade. (ZAINAGHI, Domingos Sávio, 1998, p. 75)

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As luvas demonstram a importância paga ao atleta pelo seu empregador na

forma convencionada pela assinatura do contrato, compondo-se assim a

remuneração deste atleta para todos os fins legais, nos termos do art. 12 da Lei nº.

6.354/76, a qual foi revogada pela Lei nº. 12.395/11, que por sua vez promoveu a

Lei 9615/98e, artigo 31, § 1º da própria Lei Pelé. (BARROS, Alice de Barros, 2010,

p. 112)

As luvas ainda podem ser pagas por meio de dinheiro, títulos ou bens, sendo

fixadas de acordo com a eficiência do atleta antes de ser contratado por

determinada equipe. (BARROS, Alice de Barros, 2010, p. 113)

Assim, conforme o seu desempenho demonstrado no curso de sua carreira

profissional tem natureza retributiva, não podendo ser confundida com prêmios e

gratificações. (BARROS, Alice de Barros, 2003, p. 175)

Ainda, Alice de Barros (p. 175) entende que as luvas têm natureza salarial

pagas com antecedência, não sendo confundidas com indenização já que, nelas não

se encontra o caráter ressarcitório advindo da perda.

Desta forma, a doutrina tem entendido que as luvas tratam de parcela com

natureza remuneratória e obrigatória, caso prevista em contrato, e assim deve refletir

em todas as verbas trabalhistas (FGTS, férias e 13º Salário). (ZAINAGHI, Domingos

Sávio, 1998, p. 75)

Este é o mesmo entendimento jurisprudencial, conforme se vê abaixo, os

tribunais têm se manifestado no sentido de que as luvas têm um caráter salarial,

devendo incidir as obrigações trabalhistas. (OLIVEIRA, Jean Marcel Mariano de, p.

64).

“Atleta profissional – ‘Luvas’ – caráter salarial – As ‘luvas’ revestem-se de caráter nitidamente salarial e devem integrar o décimo terceiro salário e as férias proporcionais. ” (TRT – 4ª região – RO 2.199/88 – 2ª Turma – Relator Fernando Gabriel Ferreira – j. 20.04.1989). “As ‘luvas’ são pagas antecipadamente ou divididas em parcelas, o que caracteriza pagamentos por conta do trabalho a ser realizado pelo atleta durante o tempo fixado no seu contrato. Em virtude de seu caráter eminentemente salarial, deverão ser integradas nas férias e gratificações natalinas. ” (TST – RR 266807/1996 – 3ª Turma – Relator Ministro José Zito Calasãs Rodrigues – j. 21.02.1997).

Portanto, as luvas pagas pelas equipes aos atletas no momento de sua

contratação, por terem caráter salarial, deverão sofrer a incidência de toda e

qualquer obrigação trabalhista.

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2.5 PREMIAÇÕES

Os prêmios são valores pagos pelo empregador ao empregado em

decorrência de um evento ou circunstancia de relevância importância, tendendo a

ser favorável ao empregador (DELGADO, Mauricio Godinho, 2008, p. 750).

Essas premiações são devidas também no contrato do atleta, referindo-se a

valores a serem favoráveis ao empregador, o qual fica vinculado a conduta do

trabalhador ou grupo (DELGADO, Mauricio Godinho, 2008, p. 750) e isso também

fica vinculado ao atleta no momento do alcance de determinadas metas e objetivos.

São meios encontrados pelos clubes de incentivar os seus atletas a alcançarem

determinados objetivos traçados.

Na visão do professor Godinho delgado, os prêmios são pagos como

contraprestação do empregador ao empregado:

O prêmio, na qualidade de contraprestação paga pelo empregador ao empregado, tem nítida feição salarial. Nesta linha, sendo habitual, integra o salário obreiro, repercutindo em FGTS, aviso prévio, 13º salário, férias com 1/3, etc. (Súmula 209, STF), compondo também o correspondente salário-de-contribuição. (DELGADO, Mauricio Godinho, 2008, p. 750)

Desta forma, prêmio é diferente da gratificação, trata-se de uma figura atípica,

denominada de salário-condição o qual decorre de parcela contra prestativa, o qual

pode ser encerrada em caso de ausência de motivos para tanto (DELGADO,

Mauricio Godinho, 2008, p. 750).

2.6 BICHO

O termo bicho surgiu na época do amadorismo do futebol, momento no qual

os atletas ganhavam sua remuneração sobre as vitórias alcançadas, e quando

questionados sobre a origem do dinheiro, afirmavam ser provenientes do jogo do

bicho, jargão popularizado no meio do futebol (ZAINAGHI, Domingos Sávio, 1998, p.

74).

Seguindo, a importância intitulada “bicho” pela linguagem futebolística é paga

ao atleta, em geral, por ocasião das vitórias ou empates, possuindo natureza de

prêmio individual, resultante do trabalho coletivo, pois visa não só compensar os

atletas, mas também a estimulá-los; essa verba funda-se em uma valorização

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objetiva, consequentemente, dado ao seu pagamento habitual e periódico, tem

feição retributiva (inteligência do art. 31, § 1º, da Lei n. 9.615, de 24 de março de

1998).

Os “bichos” são fixos e variáveis, podendo, excepcionalmente, ser pagos ate

mesmo em caso de derrotas, quando verificado o bom desempenho da equipe

(BARROS, Alice Monteiro de, 2010, p. 113).

O bicho é definido para alguns como um prêmio pago ao atleta-empregado

pela entidade-empregadora, podendo estar previsto ou não no contrato de trabalho.

Este prêmio tem sempre a singularidade de ser individual, embora resulte de um

trabalho coletivo. É, além disso, em geral e aleatório, no sentido de estar

condicionado ao êxito alcançado em campo e, portanto, sujeito a sorte ou azar.

(CATHARINO, José Martins, 1969, p. 32)

Portanto, o bicho é um instrumento que tem por finalidade promover a

motivação dos atletas antes de determinados jogos/competições, o qual por sua vez

tem eficiência, principalmente no meio do futebol, o qual é prática mais recorrente,

pois assim, beneficia grande parte dos atletas profissionais que possuem muitas

vezes, uma remuneração fixa equivalente ao salário mínimo. (OLIVEIRA, Jean

Marcel Mariano de, p. 65)

Por esta razão, o artigo 24 da Lei nº. 6.354/76dispunha acerca da

impossibilidade do clube pagar como bicho, um valor superior à remuneração do

atleta, dificultando-se assim, as práticas discriminatórias em favor de atletas mais

conhecidos, embora seja muito difícil a sua fiscalização, vez que, os prêmios por

diversas vezes, acabam por ter valores superiores aos salários recebidos por atletas

recém profissionalizados. (ZAINAGHI, Domingos Sávio, 1998, p. 74)

Por isso, a Lei 9.615/98revogou tal dispositivo, não existindo mais nenhum

impedimento para o recebimento deste incentivo, mesmo que, exceda o valor do

salário do atleta.

Além disso, “o “bicho”acaba sendo pago inclusive por entidade desportiva

diversa da empregadora do atleta”, acabando por incentivar o atleta para que vença

algo, sendo partida ou competição que lhe interesse. (OLIVEIRA, Jean Marcel

Mariano de, 2009, p. 66)

Ocorre que esta prática, em sua grande maioria é interpretada por estes

atletas como antiética e imoral, devendo o infrator ser punido administrativamente,

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equiparando esta conduta mesmo que diversa, daquela conhecida como “mala preta

e mala branca”, que trata de quantia paga por um terceiro clube que tenha interesse

no resultado de uma partida, com a finalidade de que o atleta ou um clube facilite

sua derrota ou vitória, existindo neste caso, uma conduta ilícita, antiética e imoral.

(OLIVEIRA, Jean Marcel Mariano de, 2009, p. 66)

2.6.1 Mala Preta e Mala Branca

Atualmente vem acontecendo no futebol brasileiro, de forma constante, a

prática de pagamento de um incentivo financeiro a determinados atletas de uma

equipe por uma entidade de prática desportiva diversa daquela em que o atleta

encontra-se vinculado. Esta prática tem como objetivo o alcance de alguma meta

dentro de uma determinada competição, podendo ser para seu próprio benefício ou

não.

Em relação a isso, Carolina Nogueira entende que: “No esporte de hoje,

existe uma preocupação com a ética e com a honestidade que deve nortear as

atividades que servirão de modelo e base para crianças de todo mundo. Por conta

disso, e visando uma moralização, o Estado passou a regular mais de perto as

entidades que protagonizam o espetáculo esportivo. Varias leis foram criadas com o

intuito de proteger os atletas, as agremiações, os torcedores e todos os demais que,

de alguma forma, são atingidos por este fenômeno”. (NOGUEIRA, Caroline, 2011, p.

70)

Ou seja, de acordo com o ensinamento acima, entende-se que os eventos

esportivos não têm apenas a função de entreter as pessoas que nele participam ou

assistem, mas que também há valores e responsabilidades agregados a estes

eventos e a todos que nele participem, seja como praticante ou como telespectador.

Em decorrência destas responsabilidades, há uma preocupação para que

seja coibida a prática destes incentivos conhecidos, no jargão popular, como a mala

preta e a mala branca. Ambas as práticas são consideradas por muitos como

imorais, antiéticos, e prejudiciais à competitividade do evento, mas que infelizmente

vem ocorrendo de forma constante.

Com relação à mala preta, esta prática é o inverso da mala branca, sendo que

essa será visto a seguir. A mala preta é utilizada nos casos em que há incentivo

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financeiro pago geralmente em dinheiro, o qual é dado por uma determinada equipe

para atletas de outra equipe, para que esses jogadores venham a perder uma

determinada partida, beneficiando assim, uma terceira equipe. (NOGUEIRA,

Caroline, 2011, p. 70)

Contudo, como já mencionado acima, a mala branca é o contrário da mala

preta, já que diz ser: “[...] A vantagem prometida a um atleta ou equipe é para que

ele vença a partida, ou seja, para que haja um esforço extra para aquele que já é o

objetivo de toda competição [...]”(NOGUEIRA, Caroline, 2011, p. 71)

O que difere a mala branca da preta é o incentivo que se tem através de

pagamento de dinheiro ou benefícios para se vencer determinada partida ou

competição, o qual um terceiro clube também se beneficiaria com um possível

resultado positivo. Ou seja, assim como na mala preta, aqui também tem-se

polêmica em torno da utilização desta ferramenta. (NOGUEIRA, Caroline, 2011, p.

71)

Outra polêmica que envolve a mala branca é a exploração de jogadores e

agremiações, pois prejudica o andamento das competições desportivas e a sua

credibilidade, em virtude de ser apenas um estimulo para os atletas, não sendo o

bastante para se alterar um resultado. (NOGUEIRA, Caroline, 2011, p. 71)

2.6.1.1 Da Competência para Julgar e Processar as Práticas de Mala Branca e Mala

Preta

Em decorrência da prática de mala preta e mala branca, como já explicado

anteriormente, pode haver um conflito de competências no que diz respeito a

aplicação de penas aos responsáveis pelo fornecimento e recebimento destas

malas, em virtude do artigo 217, § 1º da Constituição Federal de 1988, que diz:

Art. 217 – É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados:

[...]

Paragrafo 1º -- O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as estancias da justiça desportiva, regulada em lei.

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Ou seja, a Carta Magna cita que o Poder Judiciário só obterá legitimidade

para julgar determinados casos, o que poderia gerar um certo conflito em relação ao

julgamento e processamento de casos oriundos da Justiça Desportiva pois, segundo

a Constituição Federal, o Poder Judiciário Comum só poderia ser acionado caso

todas as instancias da Justiça Desportiva fossem esgotados.

A Justiça Desportiva é competente para processar e julgar questões que

decorrem de normas sociais e regras do esporte, o qual teve inicio no ano de 1941

com o Decreto-Lei nº 3199, que criou ainda o Conselho Nacional de Desportos

(CND), que tinha como função nortear esportes e legislar sobre matérias e

julgamentos em grau recursal e final3.

Por sua vez, a Lei 12.299/2010 incluiu e alterou diversos dispositivos da Lei

10.671/2003, o qual regulamenta o Estatuto do Torcedor. A partir destas inclusões,

principalmente dos artigos 41-C; 41-D; 41-E é que possivelmente surgiram dúvidas

em razão de um conflito de competências para o julgamento destas referidas

responsabilidades de entregas e recebimentos de vantagens, o qual podem ainda

gerar pena criminal cumulada com multa. Os referidos artigos dizem:

Art. 41-C. Solicitar ou aceitar, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para qualquer ato ou omissão destinado a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva: Pena - reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa.

Art. 41-D. Dar ou prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim de alterar ou falsear o resultado de uma competição desportiva: Pena - reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa.

Art. 41-E. Fraudar, por qualquer meio, ou contribuir para que se fraude, de qualquer forma, o resultado de competição esportiva: Pena - reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa4.

3 DESPORTIVA, Justiça. Histórico. Disponível em http://justicadesportiva.uol.com.br/jdlegislacao_historico.asp. Acesso em 14 de Abril de 2013. 4Brasil. Lei n. 10.671 de 15 de Maio de 2003. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.671.htm. Acesso em 14 de Abril de 2013.

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Por fim, de acordo resta claro que a Justiça Desportiva não é competente

para processar e julgar os casos relativos às infrações penais das malas brancas e

pretas e que, neste caso, devem ser levadas ao Poder Judiciário Comum para

serem aplicadas as devidas sanções penais.

2.7 ACRÉSCIMOS REMUNERATÓRIOS

Com a alteração da Lei Pelé, por meio da Lei nº.12.395/2011, foi

implementada uma novidade ä esta legislação específica, a qual regulamenta os

contratos especiais de trabalho desportivo. Tal novidade, refere-se ao disposto no

art. 28, § 4º, inciso III da lei Pelé.

Esse dispositivo prevê que as entidades de prática desportiva, paguem a

seus atletas, uma quantia em razão dos períodos de concentração, viagens, pré-

temporada e participação em partidas, prova ou equivalente.

Ressalta-se que, o mesmo dispositivo legal, é omisso quanto a

obrigatoriedade deste pagamento. Isto porque, apenas devem estar previstos no

contrato, e assim, caso seja acordado pelas partes, a entidade de prática desportiva

poderá isentar-se deste pagamento.

2.8 DAS OUTRAS REMUNERAÇÕES

Além das espécies remuneratórias já mencionadas, podem ser consideradas

ainda como uma espécie de remuneração dos atletas o salário in natura, previsto no

art. 458 da CLT.

De acordo com a CLT, o seguro de vida e acidentes pessoais, não poderiam

ser considerados como salário in natura, entretanto, a Lei 9.615/98, em seu artigo

45, obriga as entidades de prática desportiva, a contratar seguro de vida e acidentes

pessoais aos seus atletas.

Desta forma, o seguro de vida deve ser considerado como salário in natura, e

refere-se a uma espécie de remuneração, pois a EPD paga este benefício ao atleta.

Os atletas fazem jus ainda, ao recebimento das remunerações previstas na

Constituição Federal, como as férias remuneradas e o 13º salário.

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O artigo 7º, XVII da CF/88 garante a qualquer trabalhador o direito de gozo de

férias anuais remuneradas, com no mínimo 1/3 a mais do que o salário regular.

As férias remuneradas são previstas ainda na lei 9615/98, no art. 28, § 4º, V,

na qual deve ser concedida durante o recesso das atividades desportivas.

Por fim, o atleta como qualquer outro trabalhador, faz jus ao recebimento do

13º salário, também previsto na Constituição Federal, quando trata dos direitos

sociais, conforme artigo 6º, inciso VIII:

Assim, os atletas por também serem trabalhadores comuns, embora com

legislação especifica, também tem direito as remunerações complementares como

férias, 13º salário, e ainda o seguro de vida, mesmo que este último, embora não

esteja previsto na CLT, é assegurado pela Lei Pelé.

3 CONCLUSÃO

Portanto, diante de tudo o que foi abordado neste estudo conclui-se que, as

modificações feitas na legislação desportiva, com a entrada em vigor da Lei Pelé

(Lei nº. 9.615/98) e seguintes alterações desta lei, possibilitaram aos atletas uma

maior garantia com relação aos seus direitos trabalhistas, em razão de sua

equiparação ao empregado, bem como, a existência de uma relação de emprego

com a entidade de prática desportiva.

Viu-se ainda, as principais espécies de remuneração que podem ser

encontradas nos contratos especiais de trabalho desportivo. Diferenciamos

remuneração de salário, apresentando suas definições, para que seja possível

compreender o que de fato refere-se cada instituto, sendo que a remuneração

engloba todas as quantias recebidas pelo atleta em razão da relação de emprego,

sendo o salário uma destas espécies.

Estudamos ainda as diversas espécies de remunerações encontradas nos

contratos de trabalho desportivo como o direito de imagem, que se refere ao valor

pago ao atleta pela utilização de sua imagem, devendo ser em contrato acessório ao

contrato especial de trabalho desportivo, já que decorre da relação de trabalho.

O direito de arena, quantia recebida pelo atleta em razão dos contratos de

transmissão e captação de imagens das competições firmadas entre as EPD´s e as

emissoras de televisão. As luvas, que trata de um pagamento realizado ao atleta em

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decorrência de sua capacidade técnica, na qual como demonstrado pela doutrina

majoritária trata-se de um adiantamento salarial, devendo refletir em todas as verbas

trabalhistas.

Temos ainda como espécie de remuneração, os prêmios, o qual se refere a

parcelas pagas em decorrência de evento ou circunstancia favorável ao empregador

no curso do contrato, bem como o popular “bicho” que são parcelas pagas em geral

em razão de vitórias ou empates, sendo individual mesmo que alcançado de forma

coletiva.

Estudamos ainda, outra modalidade de “bicho” paga aos atletas por uma

terceira EPD, conhecidas como Mala Preta e Mala Branca, apresentando suas

diferenças e ainda demonstrando que pode ser por muitos como uma prática imoral

e antiética podendo ainda, ocasionar sanções em decorrência da legislação

desportiva.

Por fim, estudamos ainda as demais espécies de remuneração, como férias e

13º salário, os quais são direitos adquiridos por qualquer trabalhador envolvido em

uma relação de emprego, por força constitucional.

E assim, podemos concluir que salário trata-se de uma espécie de

remuneração, englobando tão somente as luvas, já que este instituto trata de um

adiantamento salarial e, portanto, deve incidir todas as verbas trabalhistas, ou seja,

reflexos de férias e 13º salário. E ainda, que com base na análise da legislação

brasileira, mesmo que decorrente de uma relação de emprego, as parcelas pagas

como direito de imagem e direito de arena, têm natureza civil, embora

complementem a remuneração percebida pelo atleta e seja o entendimento dos

tribunais, ao julgarem que estas parcelas complementam o salário do atleta.

Entretanto, este entendimento jurisprudencial está direção totalmente

contrária à letra de lei, e assim, a jurisprudência dos tribunais do trabalho deve ser

modificada, para que esteja em consonância com a evolução encontrada no

desporto, e ainda, com as modificações legislativas.

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A RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO EMPREGADOR EM FACE

DA DISPENSA ARBITRÁRIA DA GESTANTE NOS CONTRATOS

FIRMADOS POR PRAZO INDETERMINADO

THE EMPLOYER’S STRCIT LIABILITY IN ARBITRARY DISMISSALS OF PREGNANT EMPLOYEES IN UNDETERMINED TERM

CONTRACTS

Helena Cavallari Gritten1

Erika Paula de Campos2

1 Acadêmica do 10º período do curso de Direito, pelo Centro Universitário Curitiba. 2 Formada em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba em 1990. Possui mestrado(2000) e doutorado (2005), em Direito, na área de relações sociais, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente é professora de Direito do Trabalho e Responsabilidade Civil e orientadora na graduação e pós-graduação de Direito do Trabalho no Centro Universitário Curitiba e na pós-graduação na Pontifícia Universidade Católica de Curitiba/PR. Professora convidada de várias instituições de ensino. Advogada. tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito do Trabalho e Civil. Membro da Comissão de Estudos à Violência de Gênero (CEVIGE) , OAB/PR, desde maio/2013.

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RESUMO

O presente artigo pretende abordar a questão das consequências jurídicas e

normativas da problemática relacionada à estabilidade provisória da gestante. A

inserção da mulher ao mercado de trabalho foi uma conquista das mulheres,

ocasionando uma mudança em seu papel perante a sociedade. Deste modo, o

Direito precisou acompanhar os passos pela sociedade, vislumbrando a

necessidade de regulamentar o instituto. Assim, faz-se menção a evolução histórica

da mulher no mercado de trabalho, do conceito de estabilidade provisória, bem

como, demonstra as problemáticas com relação a aplicação da teoria da

responsabilidade objetiva do empregador em face à dispensa arbitrária da

empregada gestante.

Palavras-chave: estabilidade provisória da gestante, mercado de trabalho, mulher

no mercado de trabalho, responsabilidade objetiva do empregador.

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ABSTRACT

This paper intents to assay about the legal consequences of temporary stability of

the pregnant employee. The insertion of the women in the labor market was certainly

an achievement of women, and caused a change in their role in the society. Thus,

the Law had to follow this change, seeking the need to regulate the legal institution.

Thus, the paper makes a brief mention about the historical evolution of women’s role

in the labor market, about the concept of temporary stability, and shows the matters

related to application of the employer’s strict liability in arbitrary dismissals of

pregnant employees.

Keywords: pregnant employees temporary stability, labor market, women’s role in

labor market, employer’s strict liability.

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1 INTRODUÇÃO

O presente artigo apresenta um estudo sobre a estabilidade provisória da

gestante no ordenamento jurídico brasileiro. Partindo-se da premissa de que apesar

de muitos direitos pelas mulheres já terem sido conquistados, ainda haverá

situações em que o Direito será acionado para que tutele suas garantias

fundamentais para que não nos deparemos mais com violações. Esta violação, por

sua vez, fere o princípio da dignidade da pessoa humana e revela total

discriminação com a maternidade.

Assim, em razão de sua participação ativa para o desenvolvimento do

mercado de trabalho, eis que contribui para o impulsionamento da economia

brasileira, não há dúvida de que as mulheres devem ter seus direitos trabalhistas

respeitados. Como exemplo, pode-se mencionar a concessão da licença

maternidade à gestante e o direito à amamentação. Diante disto, tem-se como

necessária a observância de sua importância social, tendo em vista que, a

estabilidade provisória tem como um de seus pilares, não somente a permanência

no respectivo emprego, mas também, a proteção ao nascituro, pois a aproximação

da mãe com o seu bebê é fundamental para que o ser humano seja objeto de tutela

de ordem constitucional brasileira. Neste sentido, Constituição da República

Federativa de 1988, principalmente no tocante ao Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias em seu artigo 10, inciso II, alínea “b”, e a Consolidação

das Leis Trabalhistas estão em conformidade com as atuais demandas trabalhistas,

tanto em aplicação de normas de Direito material quanto em questões

principiológicas.

Por fim, observa-se que, é imprescindível que o empregador/empresa

atuando de forma arbitrária, dispensando sua empregada gestante sem justa causa,

seja responsabilizado (da), mesmo não estando a gestante obrigada a fazer prova,

ou seja, não há necessidade de apresentação do laudo médico para que se

comprove sua estabilidade provisória no respectivo emprego. Por essa razão, está

fundamentada em jurisprudências a responsabilidade objetiva do

empregador/empresa, consequentemente, está se limitando o Poder Diretivo do

Empregador. Ante essa questão da responsabilização, analisa-se ponderações

acerca da reintegração da gestante ao ambiente de trabalho, implicando na

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interrupção do contrato, bem como, a possibilidade de sua concessão de forma

antecipada, visando assegurar o objeto da demanda. Além da reintegração, a

gestante também poderá fazer jus à indenização equivalente aos danos materiais e

possivelmente morais que tenha sofrido com sua dispensa arbitrária.

2 BREVE HISTÓRICO DA INSERÇÃO DA MULHER NO MERCADO DE

TRABALHO E A ESTABILIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

2.1 A MULHER NO MERCADO DE TRABALHO

Inicialmente as mulheres não estavam inseridas no mercado de trabalho, pois

predominava o poder patriarcal em que o homem trabalhava para sustentar a

família. Dessa forma, fica evidenciado que ela apenas desenvolvia o papel dos

afazeres domésticos, sem qualquer participação perante a sociedade da época. A

sociedade a moldava para ser de uma forma e assim ela seria, até mesmo, devido à

falta de oportunidades. O mestre em Sociologia, Orson Camargo aborda sobre o

início da inserção da mulher no mercado de trabalho

Nas últimas décadas do século XX, presenciamos um dos fatos mais marcantes na sociedade brasileira, que foi a inserção, cada vez mais crescente, da mulher no campo do trabalho, fato este explicado pela combinação de fatores econômicos, culturais e sociais. Em razão do avanço e crescimento da industrialização no Brasil, ocorreram a transformação da estrutura produtiva, o contínuo processo de urbanização e a redução das taxas de fecundidade nas famílias, proporcionando a inclusão das mulheres no mercado de trabalho (BRASIL ESCOLA, 2013)

O texto acima demonstra que a industrialização e o surgimento do capitalismo

propiciaram a inserção da mulher no mercado de trabalho.

2.1.1 Contexto Global do Trabalho da Mulher

Sob um contexto global, Elisiana Renata Probst e seu orientador Ms. Paulo

Ramos elaboraram um artigo cujo tema é A Evolução da Mulher no Mercado de

Trabalho, informando sobre uma nova função das mulheres em suas próprias

famílias.

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Isso começou de fato com as I e II Guerras Mundiais (1914 – 1918 e 1939 – 1945,

respectivamente), quando os homens iam para as frentes de batalha e as mulheres

passavam a assumir os negócios da família e a posição dos homens no mercado de

trabalho. Mas a guerra acabou. E com ela a vida de muitos homens que lutaram pelo

país. Alguns dos que sobreviveram ao conflito foram mutilados e impossibilitados de

voltar ao trabalho. Foi nesse momento que as mulheres sentiram-se na obrigação de

deixar a casa e os filhos para levar adiante os projetos e o trabalho que eram

realizados pelos seus maridos. No século XIX, com a consolidação do sistema

capitalista inúmera mudanças ocorreram na produção e na organização do trabalho

feminino. Com o desenvolvimento tecnológico e o intenso crescimento da

maquinaria, boa parte da mão-de-obra feminina foi transferida para as fábricas

(PROBST, 2013).

Com a análise desses dois contextos históricos, o primeiro sob a visão da

sociedade brasileira e outro sob enfoque global em que se mencionam as I e II

Guerras Mundiais, verifica-se que, o avanço da população frente à tecnologia e

consequentemente as mudanças sofridas, política, na cultural, e, principalmente, na

economia global possibilitaram o acesso das mulheres ao mercado de trabalho.

2.2 HISTÓRICO DA ESTABILIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO

No ordenamento jurídico brasileiro, tem-se como primeira característica da

estabilidade provisória a sua questão decenal, conforme aborda Alice Monteiro de

Barros:

A estabilidade no emprego surgiu no Brasil em 1923, com a lei Elói Chaves, que a instituiu para os trabalhadores ferroviários que completassem 10 anos de serviço junto ao mesmo empregador. A CLT disciplina essa matéria do

art. 492 ao 500 (BARROS, 2010, p. 172)

Por isso, verifica-se que, no Brasil, inicialmente, a estabilidade era prevista

pela Lei nº 2.921, de 1915, a estabilidade decenal.

Em um segundo momento, surgiu a possibilidade de um regime alternativo

que consistia na questão do empregado optar pela estabilidade provisória ou do

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FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço). Neste sentido, Cláudia José Abud

e Fabíola Marques explicam:

Interessante observar que, até 1966, quando entrou em vigor o regime do FGTS (Lei nº 5.107/66), o empregado poderia optar pelo regime da estabilidade decenal ou pelo do FGTS. Dessa forma, o empregado não optante do FGTS tinha o direito a receber a título de indenização, em caso de dispensa em justa causa, um salário por ano trabalhado, ou, no caso de trabalhar há mais de dez anos e, consequentemente, contar com a estabilidade decenal, dois salários por ano trabalhado (ABUD; MARQUES, 2011, p. 130).

Por fim, essa alternatividade de estabilidades foi extinta com a Constituição

Federal de 1988. Martins explica:

A Constituição de 1988 alterou o sistema que até então vinha sendo seguido, pois extinguiu a estabilidade e a alternatividade que existiam com o fundo de garantia, eliminando-as ao estabelecer, no inciso I do art. 7º: “relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos da lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos” (MARTINS, 2008, p. 390).

Assim, com o advento da Constituição Federal de 1988 passou a existir a

estabilidade provisória.

2.2.1 Conceito de Estabilidade

O conceito de estabilidade é abordado tanto nos dicionários atuais quanto na

própria doutrina brasileira.

Assim, o conceito doutrinário é apresentado por Sérgio Pinto Martins:

A estabilidade é o direito do empregado de continuar no emprego, mesmo contra a vontade do empregador, desde que inexista uma causa objetiva a determinar sua despedida. Tem, assim, o empregado o direito ao emprego, de não ser despedido, salvo determinação de lei em sentido contrário (MARTINS, 2008, p. 391).

Desse modo, do conceito doutrinário exposto pode-se concluir que, a

estabilidade é uma garantia de emprego concedida ao empregado, que não poderá

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ser despedido salvo quando exista a lei que determine sua despedida, ou, como já

mencionada, no caso da gestante, somente apurando a falta grave.

2.2.2 Estabilidade Conferida à Empregada Gestante

Verifica-se que a estabilidade provisória, pautada na vedação à dispensa

arbitrária, ou seja, uma garantia, que com o passar do tempo passou a ser

temporária.

A estabilidade da gestante é considera relativa, de acordo com o ensinamento

de Arnaldo Sussekind:

Trata-se de uma hipótese de estabilidade relativa, que se diferencia da estabilidade absoluta, porque nesta última a resolução do contrato de trabalho depende de autorização da Justiça do Trabalho à luz do inquérito judicial comprovador da prática da falta grave, enquanto naquela a despedida pode dar-se por ato unilateral do empregador, desde que não seja arbitrária. (SÜSSEKIND, 2010, p. 290).

Em síntese, a empregada gestante somente poderá ser dispensada com a

apuração do inquérito judicial em razão de falta grave, caso contrário, permanecerá

com a estabilidade provisória, considerada, atualmente, uma garantia.

3 PRINCÍPIOS QUE NORTEIAM A RELAÇÃO DA GESTANTE NO AMBIENTE DE

TRABALHO

3.1 PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO

O princípio da proteção é considerado o princípio basilar no campo do Direito

do Trabalho.

De início faz-se necessário a abordagem de uma definição desse princípio e,

desse modo, Luiz de Pinho Pedreira da Silva em sua obra Principiologia do Direito

do Trabalho nos apresenta sua definição.

Podemos definir o princípio da proteção como aquele em virtude do qual o Direito do Trabalho, reconhecendo a desigualdade de fato entre os sujeitos da relação jurídica de trabalho, promove a atenuação da inferioridade econômica, hierárquica e intelectual dos trabalhadores (SILVA, 1999, p. 29).

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Por este princípio, fica demonstrado que a gestante que firmou com o seu

empregador um contrato por prazo indeterminado, faz jus a estabilidade, uma vez

que a doutrina, jurisprudência, e principalmente, a legislação vigente atual, visa

averiguar a proteção à maternidade e ao nascituro.

3.2 PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DA RELAÇÃO DE EMPREGO

O Princípio da Continuidade da Relação de Emprego é esboçado pelos

doutrinadores Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa

Cavalcante.

Em face do princípio da continuidade, as relações para o Direito do Trabalho

são vinculações que se desenvolvem, não se permitindo a sua rescisão a não ser

em casos justificados e de relevante motivo social, dado que o empregado é

necessário para a subsistência do ser humano (JORGE NETO; CAVALCANTE,

2004, p. 103).

Desta maneira, fica evidente que os autores acima mencionados fizeram a

interligação social e econômica do princípio com a relação de emprego, eis que fica

evidente pelo conceito a finalidade da subsistência do empregado, permanecendo

como regra a sua manutenção no ambiente de trabalho. Esta visão ampla do

princípio estendendo o conceito para poder aplicá-lo não somente as partes que

firmaram o contrato, mas também, a sociedade, enfatizando a questão econômica.

Além disso, quando ocorre a violação ao Princípio da Continuidade da

Relação de Empregado, em termos normativos, a Súmula 212 do TST aborda que o

ônus da prova é do empregador, uma vez que tal situação está prejudicando o

empregado.

3.3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O princípio da Dignidade da Pessoa Humana tem origem constitucional, ou

seja, está disciplinado na Carta Magna de 1988, no título Dos Princípios

Fundamentais da República Federativa do Brasil. Este princípio é primordial a

manutenção da ordem do sistema jurídico brasileiro, tendo em vista o Estado

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Democrático de Direito em que vivemos. Neste, sentido o artigo 1º. Inciso II da

Constituição da República Federativa de 1988 é primordial.

A conceituação da palavra dignidade está irrigada de valores subjetivos,

entretanto, que devem ser respeitados, pois sendo violados, afeta a moral e os bons

costumes.

Este princípio deve observado também nas relações trabalhistas. Assim,

Arnaldo Süssekind desenvolveu uma explanação:

Destarte, os instrumentos normativos que incidem sobre as relações de trabalho devem visar, sempre que pertinente, a prevalência dos valores sociais do trabalho. E a dignidade do trabalhador, como ser humano, deve ter profunda ressonância na interpretação e aplicação das normas legais e das condições contratuais de trabalho (SÜSSEKIND, 2010, p. 72).

Percebe-se que referente à empregada gestante há muito que ser abordado

com relação ao princípio quando ela não tem seus direitos respeitados, colocando-

se em voga a questão da proteção à maternidade e do nascituro, sua despedida

arbitrária, e por fim, a responsabilidade objetiva do empregador.

3.4 PRINCÍPIO DA NÃO DISCRIMINAÇÃO NO AMBIENTE DE TRABALHO

O conceito do princípio ora abordado é apresentado por Maurício Godinho

Delgado em sua obra Princípio de Direito Individual e Coletivo do Trabalho:

O princípio da não-discriminação é a diretriz geral vedatória de tratamento

diferenciado à pessoa em virtude de fator injustamente desqualificante.

Discriminação é a conduta pela qual nega-se a alguém, em função de fator

injustamente desqualificante, tratamento compatível com o padrão jurídico

assentado para a situação concreta vivenciada. O referido princípio nega

qualidade a essa conduta discriminatória (DELGADO, 2004, p. 46).

Tal tema merece importância em razão da relevância quanto aos direitos das

mulheres. Elas merecem tratamento diferenciado em razão de sua condição pessoal

de mulher no que diz respeito à maternidade.

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4 FUNDAMENTOS DA ESTABILIDADE PROVISÓRIA DA GESTANTE

A estabilidade provisória da gestante está intimamente interligada com a

proteção à maternidade. Nesse sentido, a estabilidade provisória da gestante é

pautada em caráter pessoal, uma vez que, não se relaciona com a função que a

gestante exerce, o que a diferencia de outras estabilidades provisórias adotadas

pelo ordenamento jurídico brasileiro, mas sim, a situação em que se encontra a

trabalhadora gestante.

Os direitos que a gestante tem no ambiente de trabalho, inclusive, o de

manter-se estável provisoriamente, diz respeito à proteção à maternidade, pois visa

manter uma condição de vida digna a gestante e ampliar seus direitos como

trabalhadora propiciando uma participação ativa no mercado de trabalho, incentivar

a segurança materno-infantil e reduzir a queda da discriminação da mulher no

ambiente de trabalho, além do mais, garantir que o nascituro e futura criança venha

a ter um desenvolvimento pleno de sua capacidade perante a sociedade, garantindo

assim, uma infância saudável.

Assim, também elucida Maurício Godinho Delgado em seu livro Curso de

Direito do Trabalho:

É evidente que a Constituição Federal não inviabiliza tratamento diferenciado à mulher enquanto mãe. A maternidade recebe normatização especial e privilegiada pela Carta de 1988, autorizando condutas e vantagens superiores ao padrão deferido ao homem – e mesmo à mulher que não esteja vivenciando a situação de gestação e recente parto. É o que resulta da leitura combinada de diversos dispositivos, como o art. 7º, XVIII (licença a gestante de 120 dias), art. 226 (preceito valorizador da família) e das inúmeras normas que buscam assegurar um padrão moral e educacional minimamente razoável à criança e adolescente (contidos no art. 227, CF/88, por exemplo) (DELGADO, 2010, p. 733).

Neste panorama sob o enfoque da proteção à maternidade, faz-se de estrema

importância estudar as principais formas de garantias que possibilitam à

manutenção da trabalhadora gestante no ambiente de trabalho, pois incentiva a

mulher. Algumas dessas garantias são: a licença maternidade, amamentação,

estabilidade, entre outras formas de evitar a discriminação, como por exemplo, a

vedação à exigência do exame de gravidez pelo empregador, e, até mesmo, ao

aborto considerado um ilícito penal.

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Ademais, visando ressaltar todos esses mecanismos e fundamentos aqui

descritos, também asseguram à mãe adotiva uma proteção, muito embora não

pertinente à estabilidade, mas sim ao direito de um repouso.

Compreende-se que, os fundamentos da proteção à maternidade da mãe

adotiva são os de igualar os filhos adotivos aos naturais, gerando dessa forma,

direitos e obrigações igualitárias.

Além disso, vale ressaltar a garantia para a trabalhadora gestante que celebra

contrato por prazo determinado, portanto, modalidades de contratos firmados a

termo, conforme demonstrado pelo Súmula 244, item III do TST, que sofreu

alteração recente referente a essa questão mediante a Resolução nº 185 de 14 de

setembro de 2012, e, também, pela leitura do artigo 10º, inciso II, alínea “b” dos Atos

das Disposições Transitórias da Constituição Federal de 1988.

Por fim, não se pode deixar oculto o interesse subjetivo da empregada,

sobretudo, o lado psicológico que essa garantia de emprego fornece. Eneida Melo

Correia de Araújo em sua obra As Relações de Trabalho: Uma Perspectiva

Democrática afirma:

É uma constatação, com razoável índice de certeza científica, a de que a segurança, quanto à permanência no emprego, opera sensível acréscimo na produção do empregado. Ademais, cria laços de natureza psicológica impulsionadores do registro de melhores metas. Em suma, integram o trabalhador na atividade econômica (ARAUJO, 2003, p. 198).

Conclui-se que, garantindo a proteção à maternidade se está garantindo uma

segurança jurídica a todos os trabalhadores, em razão de que possibilita uma série

de melhorias de uma forma genérica, pois pauta-se no alicerce de um direito social,

ou seja, a proteção à maternidade tanto em face ao nascituro e desenvolvimento da

futura criança, quanto à proteção ao mercado de trabalho da mulher brasileira, além

disso, outro fundamento encontra-se no risco da atividade econômica que o

empregador exerce e também na questão psicológica da empregada.

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5 RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO EMPREGADOR FACE DA DISPENSA

ARBITRÁRIA DA GESTANTE E AS CONSEQUÊNCIAS DA DISPENSA

ARBITRÁRIA

5.1 CONFIGURAÇÃO DA DISPENSA ARBITRÁRIA

Antes de adentrar ao estudo principal, é essencial abordar brevemente sobre

a causa que impulsiona a iniciativa de diversas demandas trabalhista, qual seja, a

dispensa arbitrária. A dispensa arbitrária, portanto, enquadra-se nas modalidades de

despedidas existentes em que o empregador rescinde o contrato de trabalho sem

indicar um fundamento para tal. Nesse sentido, compreende-se que ao dispensar o

empregado que é assegurado pela estabilidade provisória, o empregado tem o seu

poder diretivo limitado.

Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante

diferenciam:

Dispensa arbitrária é sinônima de dispensa imotivada. Dispensa não arbitrária é a que envolve um fator objetivo a legalizar ou legitimar a atuação do empregador quanto ao término do contrato de trabalho. Seria a dispensa motivada. Nos termos da Consolidação das Leis trabalhistas, com base na garantia dada ao representante do empregado na CIPA – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, dispensa arbitrária é aquela que não se funda em motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro (art. 165, CLT) (JORGE NETO; CAVALCANTE, 2004, p. 632).

Conforme elucidam os doutrinadores acima ao explicarem a diversidade entre

a dispensa arbitrária e a dispensa não arbitrária, percebe-se que, a dispensa

arbitrária do empregado que detém estabilidade provisória não tem fator legitimador

para que o empregador rescinda o contrato de forma unilateral, eis que, não há

respaldo em lei devendo sempre ser observada pelos operadores do Direito e

evitada pelas empresas, salvo quando fundada em causas que legitimem a justa

causa. Tem-se, então, a limitação do empregador. A própria lei está fazendo

vedação à rescisão contratual.

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5.2 INÍCIO DA ESTABILIDADE PROVISÓRIA CONFERIDA À GESTANTE

O início da estabilidade provisória da gestante é uma questão que sucinta

inúmeras dúvidas pelos operadores do direito, principalmente, para saber

exatamente qual o marco inicial da estabilidade garantida à gestante, mas também,

entender as implicações disso quando há ajuizamento da empregada pleiteando a

estabilidade provisória, bem como, quais são as consequências da extinção do

contrato de trabalho.

Por isso, indaga-se, qual o termo inicial para que a empregada adquira a

estabilidade provisória?

O artigo 10, II, b da ADCT remete-nos justamente a palavra “confirmação” e,

então, as incertezas surgem.

Para responder tal indagação, apresenta-se decisão proferida pela 5ª Turma

do Tribunal Superior do Trabalho no Recurso de Revista nº 4460676-

69.1998.5.02.5555, dia 03/04/2002 e publicada no Diário de Justiça em 10/05/2002,

tendo como Relator Walmir Oliveira da Costa

PROC. Nº TST-RR-446.067/1998.4 ESTABILIDADE GESTANTE - DESCONHECIMENTO DO ESTADO GRAVÍDICO. O direito à estabilidade provisória da gestante pressupõe, tão-somente, o estado gravídico da empregada, prescindindo da ciência da gravidez pelo empregador, porquanto inexiste essa exigência na lei. Esclareça-se, ainda, que a garantia de emprego não tem como marco inicial a data do exame médico em que se comprova a gravidez. A estabilidade surge com o início da gestação. Portanto, se o teste médico confirma que a concepção se deu na vigência do contrato de trabalho, a empregada faz jus ao benefício ora discutido. Trata-se de uma responsabilidade objetiva atribuída ao empregador, que assume o ônus respectivo pela despedida sem justa causa de uma empregada gestante, ainda que disto não saiba (Orientação Jurisprudencial nº 88 da SBDI-1). Recurso de Revista conhecido e provido.

A decisão proferida desenvolve muito bem a resposta para a indagação acima

formulada, uma vez que, aponta que, o marco de início da estabilidade provisória da

gestante, dá-se desde o início da gravidez, portanto, não há que se falar em

confirmação, bastando para tanto, seu estado gestacional, desde que na vigência do

contrato

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5.3 A RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO EMPREGADOR/EMPRESA

A responsabilidade é um instituto condizente à obrigação jurídica e que existe

já existe há muitos anos no ordenamento jurídico brasileiro. Sabe-se que a

responsabilidade objetiva ganhou força no ordenamento jurídico brasileiro. No

Direito e Processo do Trabalho tem sido suficientemente aplicada devido ao cunho

social, tendo em vista tratar-se de uma relação de emprego que envolve dois

sujeitos dotados de direitos e obrigações.

Verifica-se que, quando há configuração de elementos, como a conduta

praticada pelo empregador que ocasiona um dano ao seu empregado, surgindo

assim, uma obrigação de reparação daquele para com este. Esta obrigação tem por

objetivo fazer com que se retorne ao status quo. Referente à dispensa arbitrária da

empregada gestante, esse dano ou abuso de direito deve ser ressarcido mediante o

pagamento de uma indenização ou através da obrigação de reintegração ao

ambiente de trabalho. Essa ideia apresentada baseia-se na reparação de um dano

em razão de uma atividade exercida e quem pratica o dano deve reparar a vítima,

pois essa se encontra em desigualdade, ou seja, não há imparcialidade ou

neutralidade entre os dois sujeitos.

5.3.1 Reintegração Da Gestante No Ambiente De Trabalho E Suas Implicações Ao

Contrato De Trabalho

5.3.1.1 Conceito de reintegração

De acordo com o Dicionário Aurélio da língua portuguesa, a palavra

“reintegrar” significa “1. tornar a integrar; restabelecer na posse de. 2. Ser

novamente investido num cargo, dignidade ou título. 3. Repor na situação anterior.”

(FERREIRA, 1999, p. 1276).

O conceito apresentado pelo Dicionário está intimamente ligado com a

questão de posse.

Já um conceito doutrinária é apresentado por Renato Saraiva.

Reintegração é o retorno do empregado estável ao emprego na mesma função que exercia, em face da dispensa patronal arbitrária ou sem justa

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causa. A reintegração se fará com o ressarcimento e garantia de todas as vantagens e direitos que o obreiro deveria ter percebido durante o período de inexecução contratual, como se a relação de emprego não tivesse sido paralisada (SARAIVA, 2009, p. 310).

O estudo do instituto da reintegração no campo do Direito do Trabalho é

fundamental para o desenvolver do trabalho elaborado, eis que possui extrema

relevância com o assunto da dispensa arbitrária da gestante, pois, é uma das

consequências da atitude do empregador/empresa gerando reflexos no contrato de

trabalho.

5.3.1.2 Reclamatória trabalhista de reintegração da empregada gestante

Primeiramente, vale informar que a medida cabível para a empregada

gestante que deseja ser reintegrada é a reclamatória trabalhista de reintegração de

emprego. Pressupõe, portanto, a participação do Judiciário. Ademais, sobre esse

tema, sempre que possível, a empregada poderá fazer jus a reintegração se assim

desejar em detrimento da indenização, e se não for óbice ao empregador.

Considerando que é um direito da empregada gestante pleitear a sua

reintegração ao ambiente de trabalho, devem ser feitas algumas observações

referentes o período correspondente para tal finalidade, ou seja, para a concessão

do pedido. Faz-se necessário essa breve menção pertinente ao prazo prescricional,

pois nem sempre a estabilidade provisória garante à empregada a reintegração.

Quanto a esse aspecto, a Súmula nº 244, em seu inciso II do TST aborda:

GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA (redação do item III alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012 I - O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, "b" do ADCT). II - A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade. III - A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado

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Estabelece a redação do II da referida Súmula do TST que, tem cabimento a

reintegração quando se der no período da estabilidade, ou seja, desde a

“confirmação” da gravidez até cinco meses após o parto.

5.3.1.3 Reintegração antecipada da gestante

A questão de reintegração da empregada de forma liminar é na prática

processual trabalhista uma situação polêmica que apresenta diversidades de

posicionamentos. Para a explanação do tema, faz-se primordial a exposição através

de jurisprudências.

Sendo assim, É possível notar tal entendimento na decisão do TRT 2ª

Região/SP que julgou Mandado de Segurança, MS 12317200400002000 SP 12317-

2004-000-02-00-0, como órgão Julgador SDI e relator Delvino Buffulin:

MANDADO DE SEGURANÇA. TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA EM SENTENÇA PARA REINTEGRAR EMPREGADA GESTANTE ANTES MESMO DO TRÂNSITO EM JULGADO. ENTENDIMENTO DO ARTIGO 461 DO CPC. ORIENTAÇAO JURISPRUDENCIAL Nº 51 DA SDI-II DO C. TST. AUSÊNCIA DE VIOLAÇAO A DIREITO LÍQUIDO E CERTO DA IMPETRANTE. DENEGADA A SEGURANÇA. A d. Autoridade impetrada, em conformidade com o mandamento do artigo 461 do CPC, considerou necessária a reintegração imediata da reclamante, antes mesmo do trânsito em julgado da r. sentença, tendo em vista ampla comprovação de seu direito existente nos autos, além do fato de que o perigo na demora, aferido pelo estado gestacional e pela provisoriedade da estabilidade, acarretar-lhe-ia a privação de fonte de sustento e sérias consequências para o feto. Assim, não há que se falar em abuso ou ilegalidade da decisão atacada, a violar direito líquido e certo da impetrante, até porque não sofrerá qualquer prejuízo pois, em contrapartida ao salário pago, estará sendo beneficiada com a prestação de trabalho da reintegrada. Segurança denegada.

Outra decisão que reintegrou a gestante mediante a concessão da

antecipação de tutela fica evidenciada no julgamento do Mandado de Segurança em

Recurso Ordinário número ROMS 158002820065040000 15800-28.2006.5.04.0000,

no órgão julgador Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, e Relator

Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira:

RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. REINTEGRAÇÃO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. GESTANTE. EMPREGADA PROTEGIDA POR GARANTIA PROVISÓRIA DE EMPREGO PREVISTA NA CARTA

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MAGNA. Segundo o acórdão recorrido, ao tempo da dissolução contratual, a Recorrida estava grávida. A confirmação posterior do estado gravídico não impede o reconhecimento da garantia provisória de emprego à gestante, ainda que o empregador o desconheça. Não compromete essa conclusão a previsão, em norma coletiva, de prazo de até trinta dias do término do aviso prévio para comunicação da gravidez ao empregador, por se tratar de disposição que fere a garantia ao nascituro prevista no art. 10, II, b, do ADCT da Constituição Federal. Esta é a diretriz da Súmula 244, I e II, desta Corte. Diante desse quadro, a concessão de tutela antecipada, para fim de reintegração da Empregada, não fere direito líquido e certo da Recorrente, eis que a garantia provisória de emprego à gestante encontre lastro em norma constitucional. Inteligência da Orientação Jurisprudencial nº 64 da SBDI-2 desta Corte. Recurso ordinário em mandado de segurança conhecido e desprovido.

Verifica-se que a impetração do Mandado de Segurança foi fundamental para

garantir a concessão da tutela antecipada antes de ser proferida a sentença. Nota-

se que a tutela antecipada regula-se através dos preceitos da segurança jurídica,

uma vez que, é pautada na satisfação do direito. Essa prestação jurisdicional do

caso concreto não pode ser postergada, ou seja, não pode ocorrer uma espera, sob

pena de prejudicar alguma das partes, devendo, consequentemente ser mais célere.

Portanto, devem estar presentes os requisitos gerais para sua concessão, que são:

fumus boni juris e periculum in mora.

5.3.1.4 Sanções pertinentes ao descumprimento da determinação de reintegração

da empregada

Por fim, é mister tecer breve comentário sobre as sanções aplicáveis aos

empregadores/ empresas que descumprem a determinação judicial de reintegração

de empregadas que fazem jus a garantia de estabilidade provisória.

Tais sanções estão previstas no artigo 729 da Consolidação das Leis

Trabalhistas da seguinte forma:

Art. 729. O empregador que deixar de cumprir decisão passada em julgado sobre a readmissão ou reintegração de empregado, além do pagamento dos salários deste, incorrerá na multa de 3/5 (três quintos) a 3 (três) valores

de referência por dia, até que seja cumprida a decisão.

Portanto, essa sanção consiste em uma prestação de cunho pecuniário

condizente ao valor dos salários e uma multa.

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5.4 INDENIZAÇÃO À GESTANTE

Verificando as hipóteses de reintegração da gestante ao seu anterior

ambiente de trabalho e feitas as ponderações relativas a sua importância social e

econômica, faz-se necessário a apresentação breve de situações que não permitem

que a empregada seja reintegrada, e, consequentemente, será concedida a ela uma

indenização. Conforme preceitua o artigo 496 da Consolidação das Leis

Trabalhistas, a reintegração torna-se desaconselhável por diversos motivos fáticos,

pautando-se na incompatibilidade que, na maioria das vezes, é concernente ao

empregador e o empregado, possivelmente, uma situação desamigável. Não

obstante, ocorrer situações em que não será possível a aplicação da reintegração

tendo em vista a cessação do período de estabilidade, ou, até mesmo, uma recusa

injustificada com relação a possibilidade de reintegração por parte da gestante,

porém, nesta hipótese a jurisprudência e doutrinas modernas tem elaborado

diversas críticas. E, o referido artigo, por si só, já caracteriza a indenização como

uma consequência jurídica à relação existente entre empregada e empregador de

forma subsidiária. Entretanto, deverá ser assim entendida, pois poderá o juiz

analisando cada caso concreto verificar a possibilidade de reintegração ou a

concessão da indenização.

Na prática trabalhista, a indenização conferida à gestante ocorre, na maioria das

vezes, quando exaurido o prazo de estabilidade provisória. Assim, também

compreende a Súmula 396 do TST:

Súmula nº 396 - TST - Res. 129/2005 - DJ 20, 22 e 25.04.2005 -Conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 106 e 116 da SDI-1 Estabilidade Provisória - Pedido de Reintegração - Concessão do Salário Relativo ao Período de Estabilidade já Exaurido - Inexistência de Julgamento "Extra Petita" I - Exaurido o período de estabilidade, são devidos ao empregado apenas os salários do período compreendido entre a data da despedida e o final do período de estabilidade, não lhe sendo assegurada a reintegração no emprego. (ex-OJ nº 116 - Inserida em 01.10.1997) II - Não há nulidade por julgamento "extra petita" da decisão que deferir salário quando o pedido for de reintegração, dados os termos do art. 496 da CLT. (ex-OJ nº 106 - Inserida em 20.11.1997

Entretanto, não deve ser conferida apenas quando exaurido o prazo da

estabilidade provisória, pois, tendo em vista a situação de animosidade que ficou

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entre a empregada e sua empregadora, mostra-se claramente a legitimidade da

fundamentação da gestante até mesmo em face de uma recusa, devendo ser

tutelada e reconhecidos o seu direito à indenização, tendo em vista também, a

proteção ao nascituro que não deve ficar desamparado.

6 CONCLUSÃO

Ao cabo de uma análise exígua de um tema tão complexo, espera-se ao

menos ter abordado de maneira minimamente condizente com a importância que o

tema exige as linhas gerais do instituto da tutela jurídico-trabalhista do trabalho da

mulher. A sucessiva conquista dos direitos trabalhistas por parte das mulheres é, de

fato recente – a história aponta para um grande lapso temporal no qual o trabalho

era completamente afastado do âmbito e do escopo de atuação da mulher. No

entanto, com o avanço da sociedade e de suas instituições políticas e jurídicas, a

mulher acabou conquistando espaço no exercício das atribuições laborais – e tal

fenômeno atingiu proporções jamais antes vistas, principalmente em nossa época,

na qual a percentagem de mulheres que acabam desempenhando a função de

chefes de família é substancial. De todo modo, fato é que essas conquistas

históricas serviram como propulsoras para que os direitos e garantias das mulheres

fossem mais observados e efetivados na prática, mesmo porque o Direito, como fato

e instituto social que é, deve acompanhar as mudanças da sociedade e o caminhar

histórico do povo ao qual se refere.

Deste modo, o presente trabalho pretendeu analisar, sob a ótica da

pragmática e da doutrina trabalhistas, a questão do trabalho da mulher, suas

garantias e especificidades – especialmente no que tange às questões controversas

referentes à sua efetivação na prática real do mercado de trabalho. É evidente que,

dada a necessária limitação de espaço e tempo, e a incomensurável importância do

tema (mormente quando se tem em mente a atual situação da estruturação social do

trabalho feminino, no qual séculos de uma história eminentemente patriarcal

deságuam), a análise não pôde abordar de modo detalhado os pormenores da

questão – mas se crê que a intenção geral do trabalho foi cumprida, de certa forma.

A conclusão geral a que se chegou foi no sentido de que a tutela jurídica do

trabalho da mulher, em especial na situação-limite da gestação aqui indicadas,

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caminhou muito nos últimos cinquenta anos – no entanto, vê-se ser ainda

necessário um caminhar mais sólido em termos de efetivação dos direitos

conquistados, mormente porque os direitos trabalhistas que são agregados ao

patrimônio jurídico das mulheres, principalmente quando ligados às especificidades

de gênero, constitui-se em um direito social, reconhecido como tal pela própria

Constituição, e com estreita relação com a dignidade da pessoa humana. Assim,

apesar da evolução jurídica a que as mulheres presenciaram e protagonizaram em

termos de direitos sociais trabalhistas, é necessário que haja uma atuação

comprometida com a efetivação de tais direitos, justamente para que a tutela jurídica

possa se transformar em uma tutela de fato, realmente preocupada com sua eficácia

na sociedade.

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

197

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OS EFEITOS DA PUBLICIDADE DIRIGIDA AO PÚBLICO INFANTIL

THE EFFECTS OF ADVERTISING TO CHILDREN

Heloisa França Andrioli Estudante de Direito do Unicuritiba - Faculdade de Direito de Curitiba

Sandro Mansur Gibran1

1 Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba (1996), Mestre em Direito Social e Econômico pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2003) e é Doutor em Direito Econômico e Socioambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2009). Atualmente é professor do Programa de Mestrado em Direito do Centro Universitário Curitiba - UniCuritiba, também de Direito Empresarial e de Direito do Consumidor da Faculdade de Direito do Centro Universitário Curitiba - UniCuritiba -, de Direito Empresarial junto ao Centro de Estudos Jurídicos do Paraná e junto à Escola da Magistratura Federal do Paraná, além de coordenador do Curso de Pós-Graduação em Direito Empresarial do Centro Universitário Curitiba - UniCuritiba - e advogado. Tem experiência na área de Direito Empresarial.

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RESUMO

A publicidade que tem por objetivo enganar ou se aproveitar da deficiência de

julgamento e experiência da criança fere o direito que garante sua integral proteção,

direito esse fundamental assegurado pela Constituição Federal bem como sua

condição de hipervulnerabilidade perante o Código de Defesa do Consumidor. O

presente artigo tem por objetivo apontar quais são os principais efeitos negativos

causados nas crianças em razão da publicidade que é dirigida a elas, principalmente

a publicidade abusiva que se aproveita da deficiência de julgamento e experiência

da criança, tema objeto de muita discussão já que no Brasil há um ordenamento

legal que proíbe qualquer tipo de publicidade voltada a criança, porém o que não se

verifica, ainda, é uma aplicação eficaz a fim de garantir sua integral proteção.

Primeiramente, pretende-se demonstrar por que a criança deve ser protegida, os

recursos utilizados na publicidade e principalmente quais os males causados. Por

fim, fez-se breve análise da legislação existente no Brasil e em alguns países que

regulamentam a publicidade dirigida ao público infantil. Para tanto fez-se o uso de

doutrinas, artigos, dados estatísticos e ciências como a psicologia e sociologia,

obtendo assim, a confirmação dos efeitos negativos provocados nas crianças, no

que tange a saúde, condição e ambiente.

Palavras-chave: efeitos negativos, publicidade abusiva e enganosa, proteção

integral da criança, mecanismos legais pátrios ineficazes.

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ABSTRACT

Advertising aimed at deceiving and taking advantage of the lack of judgment and

inexperience of children violates their right to full protection, a basic right assured by

the Brazilian Federal Constitution. It also offends their vulnerable condition before the

Brazilian Consumer Protection Code. The present article aims to indicate the main

negative effects of advertising to children on children, mainly the abusive advertising

that takes advantage of the lack of judgment and inexperience of children. The topic

of this work has already been the subject of various discussions for Brazilian

legislation prohibits any type of advertising to children. However, effective

enforcement of the legislation intended to guarantee full protection of children has yet

to be verified. At first, the article demonstrates the reasons children must be

protected, the resources used in advertising and, mainly, the damages they cause on

children. At last, a brief analysis of the existing laws in Brazil and in some countries

that regulate advertising to children is presented. In the elaboration of this article,

literature, articles, statistics and sciences such as psychology and sociology were

studied in order to confirm the existence of negative effects of advertising to children

on children’s health, condition and environment.

Keywords: negative effects, abusive and misleading advertising, full protection of

children, ineffective domestic legal mechanisms.

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1 INTRODUÇÃO

As crianças, consideradas pelo ECA até os 12 anos de idade, têm direito à

proteção integral com previsão constitucional, ou seja, seu direito à vida, à saúde, a

ter uma alimentação e condição saudável, por exemplo, são direitos fundamentais

que necessitam ser praticados constantemente, pois são essenciais para seu bom

desenvolvimento. É dever do Estado, da família e da sociedade zelar por tais. Por

isso a defesa desses direitos se faz tão necessária e também por isso a presente

pesquisa preocupou-se em abranger essa questão.

Nesse contexto, o presente artigo tem o escopo principal de analisar quais

são os principais efeitos causados nas crianças decorrentes de uma publicidade que

é projetada especificamente para seduzi-las, o que inclui a utilização de táticas que

nem sempre obedecem ao ordenamento legal existente, que tem por finalidade

proibir esse tipo de publicidade.

Ou seja, apesar da regulamentação legal pátria proibir essas práticas

publicitárias tanto na Constituição Federal, quanto no Código de Defesa do

Consumidor, no ECA ou até mesmo através do CONAR, o que infelizmente não

se verifica é uma aplicação capaz de garantir a ideal proteção integral à criança.

Isso se torna mais evidente quando se compara o ordenamento legal já existente

com outros países, tais como: Estados Unidos, Portugal e Suécia. Pode-se dizer

que são normas mais específicas no que tange a restrição da publicidade dirigida

ao público infantil.

A aplicação ineficaz dessas normas faz com que sejam provocados nas

crianças diversos efeitos negativos, principalmente no que diz respeito à saúde, ao

ambiente e à condição da criança, o que será detalhadamente comprovado no

presente artigo. Os principais são: Alcoolismo, Erotização Precoce, Estresse

Familiar, Obesidade e por fim, a Violência e Delinquência.

Primeiramente, então, será abordado o porquê da criança ser tratada como

consumidor hipervulnerável diante da publicidade enganosa e, principalmente,

abusiva. Após irá ser demonstrado quais são os recursos utilizados para atrair o

público infantil e como foco do presente artigo, já mencionado, serão explicados os

efeitos negativos decorrentes desses tipos de publicidade. Por fim, os aspectos da

legislação existente comparando-a com alguns países.

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Em verdade o que se pretende é conscientizar que uma forma de fazer cessar

em definitivo a publicidade enganosa ou abusiva dirigida à criança é realizar uma

fiscalização mais incisiva a partir do ordenamento que já existe e se isso não for

possível, que o Poder Público se conscientize para criar normas mais específicas. A

conscientização do Estado, da sociedade e da família de que esse tipo de

publicidade é prejudicial às crianças é também um meio de buscar sua redução.

2 HIPERVULNERABILIDADE INFANTIL

Todos os sujeitos são vulneráveis para o CDC. Porém há determinadas

pessoas que necessitam de uma proteção ainda maior do que a já estabelecida no

Código.

As crianças, por exemplo, como objeto de estudo do presente artigo são

consideradas hipervulneráveis.

Isso se dá em razão da extrema fragilidade que as mesmas possuem diante

da massa industrial. Assim como os idosos, enfermos e deficientes também obtém.

Mas por que deve haver uma maior preocupação com as crianças?

Para Miragem (2008, p. 65):

[...] estes se encontram em estágio da vida em que não apenas permite que se deixem convencer com maior facilidade, em razão de uma formação intelectual incompleta, como também não possuem, em geral, o controle sobre aspectos práticos da contratação, como os valores financeiros envolvidos, os riscos e benefícios do negócio. Daí resulta que estejam em posição de maior debilidade com relação à vulnerabilidade que se reconhece a um consumidor standard.

Isto é, a criança por não ter capacidade e desenvolvimento suficiente para

identificar os malefícios que o ato de consumo pode lhe acarretar e também por não

ter reais conhecimentos acerca do produto ou serviço que são expostos a ela,

principalmente pela indústria publicitária, que merece uma proteção mais abrangente

e incisiva.

Justamente por isso que o CDC estendeu a proteção, principalmente no que

tange a publicidade.

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3 CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS RECURSOS UTILIZADOS NA PUBLICIDADE

Para atrair o consumidor, são diversas as formas utilizadas. São recursos que

nem sempre obedecem ao ordenamento legal existente e que por isso tende a

enganar ou principalmente, quando se trata do público infantil, se aproveitar da

deficiência de julgamento e experiência da criança.

Pois bem, alguns desses recursos utilizam-se de palavras, frases e imagens

de efeito. Esse efeito, portanto, deve despertar a emoção e a vontade de consumir.

Para atrair os mais variados públicos, os publicitários utilizam de técnicas que

são premeditadas e elaboradas, com um único fim, qual seja: de convencimento.

Sendo assim, cabe expor algumas delas. O uso do sufixo- INHO, por

exemplo, pode dar ênfase para alcançar aquilo que se deseja expressar.

Logo, nas palavras de Ceccato (2001, p. 23):

Embora outros sufixos façam parte do processo de formação de palavras no diminutivo, o emprego do sufixo – inho em adjetivos e substantivos é o que melhor atende às necessidades expresso-afetivas dos falantes de língua portuguesa, pela variedade de conotações que permite sugerir por reportar-se ao discurso materno onde há o uso frequente de palavras carinhosas no diminutivo, portanto, de um campo lexical bem próprio do público-alvo.

Pode-se dizer então que o emprego desse sufixo é uma forma de tornar a

frase mais afetiva, mais próxima do destinatário. Com isso a persuasão da

publicidade torna-se mais eficaz e facilitada.

Outra forma utilizada para atrair o consumidor é a colocação do sufixo-

SUPER.

Novamente de acordo com Ceccato (2001, p.27) “tudo o que é oferecido ao

receptor passa a ter uma dimensão maior do que a real”. Por isso, que os

publicitários dão tamanha importância quando da utilização desse sufixo.

Muitas pessoas não notam o quanto esse recurso pode influenciar no

momento do consumo. O exagero, a ênfase, a exacerbação que esse sufixo pode

gerar é nítido quando melhor observado. É uma forma de elevar as características

de determinado produto ou serviço.

Ainda, em análise principalmente quando dirigida as crianças, Ceccato

(2001, p.27) explica que:

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[...] a prefixação intensa nos vocábulos da publicidade acontece em maior escala nas mensagens dirigidas às crianças, visto que a forma de elaboração das mensagens dirigidas aos jovens são distintas pelo uso preferencial de frases com sentido conotativo (metafórico) ou ambíguo, apelando para maior capacidade de interpretação desta faixa etária.

Como ocorre com o sufixo- INHO, pode-se dizer que são maneiras

utilizadas para evidenciar o quão bom aquele produto ou serviço é; além de

persuadir milhares de pessoas, principalmente crianças e jovens, ao consumo.

É nítida a forte influência que a utilização desses recursos pode exercer

nas pessoas, além de ser uma maneira de aproximar o público- destinatário do

exposto.

Por fim, cabe expor ainda que a língua portuguesa contém inúmeras formas

de expressão. Uma delas é o uso da palavra. A palavra é utilizada na formação de

frases, expressões, textos, fala e etc. Porém não cabe só a definição de “palavra”

nos aspectos da gramática. O que importa é como são empregadas em estratégias

publicitárias a fim de persuadir o futuro consumidor a comprar.

Nesse sentido Carvalho (2001, p.19) assevera que:

A função persuasiva na linguagem publicitária consiste em tentar mudar a atitude do receptor. Para isso, ao elaborar o texto publicitário leva em conta o receptor ideal da mensagem, ou seja, o público para o qual a mensagem está sendo criada. O vocabulário é escolhido no registro referente a seus usos. Tomando por base o vazio interior de cada ser humano, a mensagem faz ver que falta algo para complementar a pessoa: prestígio, amor, sucesso, lazer, vitória. Para complementar esse vazio, utiliza palavras adequadas, que despertam o desejo de ser feliz, natural de cada ser. Por meio das palavras, o receptor “descobre” o que lhe faltava, embora logo após a compra sinta a frustração de permanecer insatisfeito.

A palavra por ser uma maneira de comunicação, influencia o destinatário

conforme é entendida. Nem todas as pessoas têm a mesma compreensão no

momento da recepção e assim, o motivo fim do uso de determinada palavra pode

ser nítido quanto também oculto.

É certo que os publicitários usufruem do vasto vocabulário que a língua

portuguesa tem para persuadir, seduzir ou até mesmo interagir com o público para o

qual é destinado determinado produto ou serviço.

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De certa forma, as palavras podem trazer diversos sentidos conforme sua

utilização. Nesses termos Carvalho (1995, p. 16), em artigo publicado com o título “O

Léxico da Publicidade”, menciona a seleção vocabular e explica:

A seleção é o recurso através do qual se estabelecem as oposições, os jogos de palavras, as metáforas e os paralelismos rítmicos. Há palavras que, colocadas estrategicamente no texto, trazem consigo uma poderosa carga de implícitos. 2

Portanto, muitos são os recursos utilizados a fim de “ganhar” o consumidor,

como por exemplo, as palavras, que podem ser persuasivas de acordo com a

maneira que é colocada. Gera, também, expectativas de compra e vontade acerca

daquele produto ou serviço anunciado. E ainda, os publicitários utilizam palavras

determinantes para atingir a imaginação de acordo com a faixa etária do

consumidor.

4 EFEITOS DECORRENTES DA PUBLICIDADE INFANTIL

Primeiramente, cabe expor que ao se aproveitar da deficiência de julgamento

e experiência da criança a publicidade que tem por foco o público infantil, pode

causar vários efeitos negativos na criança. Um deles leva em consideração os

sintomas psicológicos, os quais podem abalar com a estrutura mental da criança.

Henriques (2006, p. 147) considera que:

Os maiores efeitos adversos da publicidade abusiva dirigida à criança dizem respeito à formação de sua personalidade, seu caráter e seus valores éticos, sociais, culturais e morais. Publicidades, geram no final das contas, tristezas, decepções e frustrações por motivos fúteis e banais – tais como o de não possuir determinado produto ou o de não usufruir determinado serviço – que nunca seriam dessa forma vivenciados pela criança. Ou, quanto pior, geram inveja, ganância, gula e um consumismo despropositado.

2 Disponível em:

<http://portcom.intercom.org.br/revistas/index.php/revistaintercom/article/view/877/781>.

Acesso em: 30 out. 2012.

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Nesse sentido, percebe-se que a publicidade insere na criança o desejo

desesperado de consumir cada vez mais, com isso, atrai para a criança: sentimentos

bons e ruins, uma personalidade construída a partir da influência publicitária bem

como mudanças comportamentais. Pode-se dizer também que a vontade de

consumir é atiçada e a compreensão da realidade é distorcida.

Isso acontece com as crianças, pois os instintos psicológicos começam a ser

descobertos na primeira fase da vida, qual seja: a infância. É nela que a criança

constrói sua noção de mundo, sua identidade, sua personalidade. Pode-se dizer que

o seu bom crescimento e desenvolvimento saudável depende da sua aprendizagem

inicial.

Assim, entende-se que é o primeiro contato com o mundo, não sendo

perceptível ainda a divisão entre a realidade e o imaginário. É o início da construção

de pensamentos. Por isso é tão fácil convencer uma criança.

O CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (2008, p. 20), também apontou

essa questão:

Não tendo as crianças de até 12 anos construído ainda todas as ferramentas intelectuais que lhes permitiriam compreender o real, notadamente quando esse é apresentado por meio de representações simbólicas (fala, imagens), a publicidade tem maior possibilidade de induzir ao erro e à ilusão. Isso não se aplica a adolescentes. As vontades infantis costumam ser ainda passageiras e não relacionadas entre si de modo a configurarem verdadeiros objetivos. Logo, as crianças são mais suscetíveis do que os adolescentes e adultos de serem seduzidas pela perspectiva de adquirem objetos e serviços a elas apresentados pela publicidade. 3

Passando as considerações psicológicas, deve-se mencionar que são vários

os meios de divulgação de produtos e serviços voltados a crianças. Entretanto há

um meio de divulgação que é mais devastador. Esse meio publicitário é a

televisão.

A televisão é o meio mais fácil e eficiente para se anunciar um produto, já que

todos os dias milhares de pessoas e até mesmo crianças, assistem a uma

programação variada.

3 Disponível em: <http://biblioteca.alana.org.br/banco_arquivos/Arquivos/downloads/ebooks/cartilha_publicidade_infantil.pdf>. Acesso em: 25 fev.2013.

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A temática é preocupante, pois de acordo com a última pesquisa realizada

sobre o assunto pelo IBGE (2008) mostrou que “em 2008 cerca de 75,1 milhões

de pessoas assistiam TV por mais de três horas diárias. ”4

No que tange ao público infantil, o INSTITUTO ALANA (2010), aponta que “a

criança brasileira passa, em média, quatro horas, 50 minutos e 11 segundos por dia

assistindo TV.”5 Constata-se então, que as crianças brasileiras são as mais

influenciadas e prejudicadas pela publicidade televisiva.

Mas como? Pelo fato da televisão estar presente todos os dias na vida das

pessoas, acaba sendo vista pelos publicitários como o meio mais fácil de divulgar

seus produtos ou serviços. Em razão disso, a criança acaba sendo seduzida pelas

diversas estratégias publicitárias e desde pequena é bombardeada pelos anúncios

publicitários expostos na televisão.

A criança ainda é prejudicada por estar exposta a todo o momento e a todo

tipo de assunto. A programação e os anúncios publicitários televisivos apesar de

serem voltados para adultos contribuem para afetar o desenvolvimento saudável da

criança, além de que as quase 5 horas por dia que passam em frente à televisão,

são suficientes para prejudicá-la, principalmente em sua alfabetização.

Sabe-se que o Brasil é um país onde prevalecem os baixos níveis de

escolaridade e que não há o costume da leitura. A televisão, então, acaba

influenciando as pessoas desde muito novas. Essa questão também é percebida por

Henriques (2008, p. 3-4):

Toda essa publicidade veiculada na TV não é feita pensada na criança de forma a contribuir com seu desenvolvimento, educação e valores, mas tem o único intuito de vender e, para isso, formar o convencimento do público infanto-juvenil, a qualquer custo. E é aí que está um dos grandes problemas da sociedade dos dias atuais: o custo tem sido muito alto. Ainda maior em um país como o Brasil, onde se conseguiu, de certa forma, assegurar escola para todos, mas onde a qualidade da educação é muito baixa [...] País onde diariamente as manchetes jornalísticas informam crimes cada vez mais assustadores e com um componente de agressividade que causa espanto aos mais insensíveis e que, por isso, faz com que as crianças e os adolescentes das camadas menos privilegiadas da população, sem

4 Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1580&>. Acesso em: 28 fev.2013. 5 Disponível em:

<http://www.institutoalana.com.br/CriancaConsumo/NoticiaIntegra.aspx?id=7469&origem=23>. Acesso em: 28 fev.2013.

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alternativas, passem seus dias fechados em casa, na frente da TV, em razão do medo de seus pais de que saiam às ruas e sejam vítimas desde balas perdidas a sabe-se lá que outras formas de agressão.6

Pereira (2009), Coordenadora de Educação e Pesquisa do Projeto Criança e

Consumo do Instituto Alana e mestre em Psicologia Clínica pela PUC-RIO observa

ainda que:

Os pais e a escola parecem ter sido desautorizados do seu saber. A mídia ocupou o lugar de ditar os caminhos da infância, mas não assumiu esse papel pensando no bem-estar das crianças e sim porque ela tornou-se a engrenagem principal para manter a sociedade de consumo insustentável.7

Com isso, verifica-se um dos efeitos negativos da publicidade televisiva que

atinge a criança, principalmente em seu ambiente social e familiar, pois além de

“roubar” o papel dos pais de ensinar seus filhos no que diz respeito a todas as

lições, ou seja, desde a alfabetização até as noções de convivência e experiências

de vida, a publicidade televisiva, acaba por influenciar famílias a manterem uma

distância de seus vínculos afetuosos.

Além desses efeitos negativos na criança, a publicidade televisiva também

pode causar outros problemas de saúde, sociais e psicológicos, tais como: epilepsia,

pela criança ficar exposta muito tempo às luzes da televisão, obesidade,

passividade, pela criança se tornar menos criativa bem como dificuldades de

aprendizagem, isolamento social entre outros. (CONHEÇA...2003)8

Nota-se que as consequências trazidas pela publicidade televisa são

diversas. Por isso não basta só as normas que estão sendo aplicadas atualmente. O

que é preciso para que não haja mais a publicidade voltada ao público infantil, é uma

fiscalização mais eficaz por parte da administração pública bem como leis mais

específicas que imponham sanções mais pesadas, se isso não acontecer o mundo

6 Disponível em: <http://www.institutoalana.com.br/banco_arquivos/arquivos/docs/biblioteca/artigos/Problematica%20da%20TV.pdf>. Acesso em: 28 fev.2013. 7 Disponível em: <http://www.sesctv.org.br/revista.cfm?materia_id=54&search=yes>. Acesso em: 28

fev.2013.

8 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/equilibrio/noticias/ult263u2833.shtml>. Acesso em: 2 mar.2013.

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estará cheio de crianças e futuros adultos repletos de problemas de saúde,

psicológicos e sociais.

Após essas considerações, cabe apontar agora quais são os principais efeitos

negativos decorrentes dessa publicidade que tem por objetivo seduzir a criança e

que para isso utiliza-se de técnicas infalíveis, conforme já foi exposto.

4.1 ALCOOLISMO

O alcoolismo é um dos efeitos negativos, pois pode atingir o público infantil pela

mensagem que transmite, ou seja, observa-se que sempre há pessoas se

divertindo, felizes, cheias de pessoas ao redor e, analisando esse aspecto, é fato

que tal publicidade vende a imagem de um produto completo, onde a pessoa que

consumir terá a garantia de sensações agradáveis.

Se para um adulto essa mensagem já é persuasiva, em relação à criança a

mensagem será muito mais ilusória, devido a sua hipervulnerabilidade e também por

estar em fase desenvolvimento. O que acaba incentivando-a ao consumo de

bebidas alcoólicas cada vez mais cedo.

Outro aspecto relevante é no sentido da regulamentação da publicidade de

bebidas alcoólicas ser falha, pois apesar de ter restrições, é comum observarmos

a publicidade de bebidas alcoólicas, principalmente de cervejas. Tocando nesse

ponto, cabe ressaltar que a cerveja, uma das bebidas mais consumidas no Brasil,

não é considerada bebida alcoólica para fins publicitários, e com isso dá abertura

para os abusos desse tipo de publicidade, como por exemplo, a associação com

esportes.

Conforme o INSTITUTO ALANA, em notícia publicada sob o título

“Enquadrem as cervejas na lei!”:

[...] a cerveja, assim como alguns tipos de vinho, não é considerada bebida alcoólica para fins publicitários, e pode, portanto, ter seus anúncios veiculados das 6h às 21h. Ao contrário das outras bebidas, também pode associar o produto ao esporte, inclusive modalidades olímpicas, ao desempenho saudável de qualquer atividade, à condução de veículos e a imagens ou ideias de maior êxito ou sexualidade das pessoas.9

9 Disponível em: <http://defesa.alana.org.br/post/35205033489/enquadrem-as-cervejas-na-lei>. Acesso em: 26 fev.2013.

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Pois bem. O ordenamento jurídico brasileiro veda qualquer publicidade de

bebida alcoólica que seja direcionada ao público infantil. A título de exemplo, o

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu art. 81, traz a proibição da

venda de bebidas alcoólicas para menores de 18 anos.

Por sua vez, a Constituição Federal (1988), base de todo o ordenamento

jurídico, dispõe em seu art. 220, § 4º:

Art. 220: (...) (...) § 4º - A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.10

O inciso II do parágrafo 3º, mencionado no texto legal acima, destaca a

competência de Lei Federal para tratar de tais publicidades, inclusive a publicidade

de bebidas alcoólicas. Nesse sentido, o Código de Defesa do Consumidor por se

tratar de lei federal é responsável pela aplicabilidade correta das informações que

são transmitidas ao consumidor e também tem competência para restringir e

assegurar os direitos do consumidor. Um desses direitos é o direito à informação, o

qual é essencial para que não haja engano e lesão ao consumidor, quando o mesmo

está aderindo a uma relação de consumo.

Porém ao observar um comercial televiso de cerveja, por exemplo, repara-se

que a primeira mensagem que o produto passa é de felicidade, relaxamento,

sedução, distração e diversão e somente ao final, rapidamente, é que vem as frases

de advertência, como por exemplo, “se dirigir, não beba” ou “beba com moderação”.

Acontece que isso não é suficiente para alertar os sérios danos que a bebida

alcoólica pode trazer.

Os mecanismos legais pátrios necessitam ser eficazes a fim de diminuir o

consumo excessivo e acabar com as estratégias ilusórias pertinentes as bebidas

alcoólicas, pois de alguma forma acaba atingindo o público infantil, principalmente

no que diz respeito à saúde das crianças.

10 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 26 fev.2013.

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213

Desse modo, são diversos os transtornos causados na saúde de um individuo

que consome o álcool e por óbvio quando se trata do público infantil os problemas

se agravam, são eles:

[...] câncer da mama, câncer oral, doenças cardíacas, derrames e cirrose hepática, entre outras [...] o consumo excessivo, especialmente a longo prazo, pode resultar em pressão alta, cardiomiopatia alcoólica, falência cardíaca e derrames, além de aumentar a circulação de gorduras no organismo. (ROXBY, BBC Brasil, 2011) 11

Nota-se a quantidade de doenças que decorrem do consumo do álcool. Por

isso a preocupação com as crianças tem que ser desde agora, pois no futuro se

tornarão adultos doentes. A preocupação tem que ser principalmente no que tange a

mensagem que é transmitida pela publicidade, pois além de contribuir para o

aumento do consumo, expõe as crianças ao risco, pois são seres frágeis e indefesos

diante do excesso de exposição de bebidas alcóolicas, especialmente a cerveja.

A coordenadora de um estudo realizado sob o título “Publicidade de Bebidas

Alcóolicas e os Jovens” salienta que:

[...] há um importante corpo de evidências relacionando o consumo de álcool em faixa etária mais precoce com uma série de problemas futuros, desde uma maior probabilidade de uso abusivo de bebidas alcoólicas até consumo de outras substâncias psicotrópicas e alguns problemas de saúde. Em vista disso, devem ser estabelecidas políticas públicas relacionadas ao adiamento da idade de início do consumo de bebidas alcoólicas entre os adolescentes brasileiros, ao mesmo tempo que levantamentos futuros. (PINSKY, 2009, p. 14)12

Nesse sentido, é verificável a falta de preocupação por parte do poder

público. Não há dúvidas que o alcoolismo vem acarretando uma série de problemas

para a população, motivo pelo qual o mesmo já se tornou problema de saúde

pública. A questão é que há o consumo precoce de bebidas alcoólicas, fato que se

verifica a necessidade de uma legislação mais rígida, de caráter emergencial.

11 Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/10/111003_alcool_saude_mv.shtml>. Acesso em: 28 fev.2013. 12 Disponível em: <http://biblioteca.alana.org.br/banco_arquivos/Arquivos/downloads/ebooks/publicidade-de-bebidas-aclcoolicas-e-os-jovens.pdf>. Acesso em: 28 fev.2013.

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4.2 EROTIZAÇÃO PRECOCE

Não é difícil notar que o apelo sexual está em todo lugar. O fato preocupante

é que a publicidade que vem acompanhada da sexualidade pode trazer

consequências irreparáveis e lesivas às crianças. São consequências que

prejudicarão o desenvolvimento físico e mental delas, além de apressar a fase da

infância. São problemas que afetarão os relacionamentos pessoal, familiar e

profissional e que se estenderão ao longo da vida.

Tudo isso acaba por influenciar a criança de forma negativa, pois são

produtos que não são necessários à sua faixa etária e fazem com que a criança

“pule” a fase da infância.

Enfim, são diversas as consequências causadas por uma publicidade que é

carregada de táticas insinuantes e que levam a erotização precoce.

É uma publicidade que passa por cima de valores sociais, atrapalha na

educação dos pais, prejudica a formação física e mental bem como traz um

desenvolvimento prematuro para a criança e de acordo com o estudo realizado pelo

Projeto Criança e Consumo do INSTITUTO ALANA (2009, p. 209):

[...] ao ingressar prematuramente no mundo adulto, como corpo e a mente ainda em formação, a criança, ou mesmo o pré-adolescente, não tem estrutura física e psicológica formada para defender seus direitos, controlar seus impulsos, reivindicar respeito e, muito menos, identificar em si um desejo genuíno de relacionar-se sexualmente. Portanto, ao induzir as crianças a desejarem o que nem sabem se desejariam e a adotarem valores distorcidos e artificiais, a publicidade atropela a infância, contribuindo para mudanças no curso natural do desenvolvimento infantil.13

Ao observar esses aspectos, verifica-se que a erotização precoce, não é

somente voltada a sexualidade, mas também para o desenvolvimento prematuro da

criança no que tange seus pensamentos, atitudes, relacionamentos, personalidade e

características físicas.

Além disso, salienta-se que a criança está em fase de aprendizagem, o que

faz com que a mesma aja de acordo com o que lhe é ensinado, por isso o assunto

13 Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/62689390/Por-Que-a-Publicidade-Faz-Mal-Para-as-Criancas>. Acesso em: 25 fev.2013.

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sexualidade, deve ser tratado com cautela e não de maneira explícita, para que não

traga consequências irreparáveis à criança.

Para Santos (2010, p.7-8):

[...] a estimulação para a sexualidade de maneira antecipada, também pode trazer sérios problemas psicológicos a médio e longo prazo nas crianças como: antecipação da menstruação nas meninas, gravidez precoce, doenças sexualmente transmissíveis, distúrbios alimentares, depressão, baixo desempenho escolar, banalização da sexualidade, pois o acúmulo de cenas sexuais na cabeça delas faz com que aprendam a ver o sexo de maneira banal, como uma prática que deve fazer porque todos fazem, e não pelo significado pessoal que se possa ter, entre outras graves consequências como o aumento da pedofilia no mundo adulto.14

Por isso é necessário que a criança viva sua infância, tenha um crescimento e

desenvolvimento saudável, para que futuramente não preencha os altos índices de

uma população adulta repleta de problemas psicológicos e sociais.

Para tanto é imprescindível que haja maior restrição e fiscalização do poder

público conjuntamente com os pais e a sociedade quanto ao uso abusivo da

publicidade.

4.3 ESTRESSE FAMILIAR

O estresse familiar também é um efeito negativo da publicidade dirigida ao público

infantil. O que se vê atualmente é um cenário familiar que tem pais com um perfil

intimidado, pois não sabem se dizem “sim” ou “não” para seus filhos.

Ao analisar esse aspecto, percebe-se o quanto um apelo publicitário dirigido à

criança pode influenciar uma família inteira. A verdade é que os pais acabam

ficando sem saber o que fazer e dizer aos seus filhos e com isso gera o estresse

familiar, já que a palavra “não” pode trazer frustrações às crianças.

Ademais, a publicidade pode retirar dos pais a competência para educar. Sobre

isso, um estudo do INSTITUTO ALANA (2009, p. 41) diz que “as mensagens

publicitárias tentam incutir na criança a ideia do que elas devem gostar possuir,

14 Disponível em: <http://www.usp.br/celacc/ojs/index.php/extraprensa/article/view/epx4-a2/epx4-a2>. Acesso em: 27 fev.2013.

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usufruir ou de como devem se comportar. Assim, insinuam que a presença dos

pais na vida da criança pode ser dispensável.”15

Com isso, a publicidade transforma a autoridade dos pais em algo descartável e

torna o ambiente familiar desagradável e cheio de conflitos. O vínculo familiar não

é mais afetivo o que acaba gerando problemas futuros as crianças.

Para constatar o quanto a publicidade dirigida ao público infantil afeta o ambiente

familiar da criança, é preciso mencionar que a ideia de família perfeita é inserida a

todo o momento na criança. Com isso, se a família da criança não é igual àquela

do anúncio, pode acarretar o estresse familiar, já que não condiz com a sua

realidade.

Novamente de acordo com o INSTITUTO ALANA (2009, p. 37):

[...] essa dissociação da realidade tende a causar na criança um desdém pelos pais ou responsáveis devido à incapacidade deles em suprir todo o status proposto pelas mensagens que estimulam o consumo desenfreado. Pela natural necessidade de autoafirmação, muitas vezes os pequenos entram em atrito com os pais exigindo deles produtos de marca invariavelmente caríssimos. Tudo para serem aceitos nos grupos, uma vez que, nos dias de hoje, os objetos funcionam como ingresso social.

Sendo assim, nota-se a dificuldade dos pais em adotar regras e impor

valores que não condizem com a realidade atual, já que foram educados dentro

dos antigos padrões da sociedade e em uma época que não havia tantas

facilidades de acesso ao consumo. Nota-se também que presença de estímulos

de consumo na vida das crianças todos os dias, gera um ambiente familiar

prejudicial a ela.

Sabe-se que um ambiente familiar saudável é a base de um bom

desenvolvimento, aprendizagem e crescimento da criança. Para que isso ocorra é

necessário instaurar maior fiscalização e regulamentação no que tange a

divulgação de anúncios publicitários, já que esses, comprovadamente, atrapalham

na forma com que os pais educam seus filhos bem como extinguem valores

familiares e sociais.

15 Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/62689390/Por-Que-a-Publicidade-Faz-Mal-Para-as-Criancas>. Acesso em: 25 fev.2013.

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4.4 OBESIDADE

O cenário atual é preocupante. Há milhares de crianças obesas espalhadas

pelo Brasil e pelo mundo. Isso se deve ao fato de que a saúde das crianças é

principalmente afetada pelo consumo excessivo de alimentos não saudáveis e

industriais estimulado pela publicidade.

Extrai-se então a conclusão de que há uma epidemia de crianças obesas e

repletas de doenças graves. O problema não é somente estético, pois seus reflexos

vão muito mais além, conforme estudo publicado pelo INSTITUTO ALANA (2009, p.

27):

[...] acima do peso e geralmente vítima de crítica dos coleguinhas – e muitas vezes até dos próprios familiares –, ela tende a retrair-se nos relacionamentos, procurando satisfação nas atividades mais reclusas, individuais e sedentárias. Nesse ponto, ela compõe o público-alvo ideal para a indústria do fast-food, que alimenta sua solidão com toda gama de produtos industrializados, as famosas ‘tranqueiras’. Formam-se assim o ciclo literalmente vicioso da obesidade infantil e o cenário propício para muitos casos de depressão.

Portanto, é certo que a publicidade de alimentos não saudáveis causa sérios

danos à saúde física e mental da criança, ocasionando transtornos emocionais e

gerando futuros adultos complexados, sem convívio social.

Além disso, há uma série de doenças que são consequências da obesidade,

tais como hipertensão, problemas cardíacos, diabetes e até mesmo câncer além de

distúrbios como a apneia do sono, intolerância à glicose, dentre outros.

(CZEPIELEWSKI, ABC da Saúde)16

Infelizmente, verifica-se que o consumo de alimentos não saudáveis é

rotineiro e excessivo, como mostra a pesquisa realizada pelo IBGE (2009, p. 30),

que avaliou os hábitos alimentares de 60 mil estudantes do 9º ano em diversas

capitais brasileiras:

[...] com relação aos marcadores de alimentação não saudável, a proporção de escolares que consumiram guloseimas em cinco dias ou mais nos últimos sete dias antes da coleta de dados foi de 50,9 % para o total das capitais estudadas e Distrito Federal, variando de 41,8%, em São Luís, a 56,8%, em Goiânia. Já a frequência de escolares que consumiram

16 Disponível em: <http://www.abcdasaude.com.br/artigo.php?303>. Acesso em: 20 fev. 2013.

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refrigerantes variou de 25,3%, em São Luís, a 47,0%, em Cuiabá. Nota-se que o consumo de guloseimas superou o consumo de frutas frescas em todas as capitais estudadas e no Distrito Federal, o mesmo ocorreu com o consumo de refrigerante, exceto em São Luís, Natal e Florianópolis.17

Tal pesquisa destacou a realidade do consumismo infantil voltado para

alimentos não saudáveis e pode-se concluir que são produtos que atraem facilmente

a criança, pois são saborosos e agradáveis por conterem altos teores de gordura,

sódio e açúcar. Nesse caso, se houvesse a conjugação de estímulos a atividades

físicas, alimentos mais saudáveis, a mudança de foco publicitário e a diminuição

dessa publicidade excessiva, reduziria a quantidade de crianças obesas.

Ressalta-se novamente que as crianças consomem determinados produtos

com a ilusão de serem saudáveis e que trazem a sensação de saciamento e prazer.

A Coca-Cola é um exemplo desse tipo de publicidade, conforme matéria publicada

no site UOL:

“A Coca-Cola Brasil, pela primeira vez, informa em publicidade que uma garrafa de Coca-Cola (290 ml) tem 123 calorias e ensina os consumidores do refrigerante a queimá-las com "75 segundos de gargalhadas", "14 abraços de urso" ou "20 minutos de passeio com o cachorro". (CHEREM, UOL, 2013)18

Dessa forma, é nítido o quanto a publicidade de alimentos não saudáveis

pode ser persuasiva e prejudicial à criança, pois publicidades como essa

mencionada acima, iludem e “vendem” a imagem do produto com baixo teor

nutricional como se fosse a melhor opção para saciar a sede sem engordar e ao

mesmo tempo trazer a total felicidade.

No que tange a restrição da publicidade de alimentos não saudáveis, houve

recentemente o veto do projeto de Lei 193/2008 do deputado Rui Falcão, que visava

especificamente coibir tal publicidade entre 6 horas e 21 horas tanto nas escolas

17 Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/pense/pense.pdf>. Acesso em: 20 fev.2013. 18 Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-

noticias/redacao/2013/01/18/propaganda-da-coca-cola-ensina-como-queimar-as-123-

calorias-do-refrigerante.htm>. Acesso em 21 fev.2013.

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quanto no rádio e televisão, no Estado de São Paulo. O projeto chegou a ser

aprovado pela Assembleia, mas foi vetado pelo governador de São Paulo, Geraldo

Alckmin, pelo motivo de inconstitucionalidade, ou seja, a matéria que envolve o

projeto, não é de competência do Estado e sim da União. O projeto também proibiria

a combinação de alimentos com brindes, brinquedos e prêmios além da exposição

de personagens ou celebridades, o que, comprovadamente, influencia a criança na

hora da escolha.(VERSOLATO, Folha Online, 2013)19

O fato é que a questão é polêmica, pois de um lado envolve empresários que

querem vender seus produtos visando obter lucro e o movimento da economia

comercial e do outro lado há milhares de crianças obesas, repletas de doenças

graves sendo “bombardeadas” a todo o momento pela publicidade abusiva.

Com tal projeto de Lei a publicidade de alimentos não saudáveis voltada para

o público infantil não iria acabar de vez, porém haveria uma regulamentação mais

severa que incidiria na diminuição de crianças obesas.

Nesse aspecto cabe ressaltar que a preocupação com esse tipo de

publicidade não é acabar com a liberdade de expressão e sim incentivar e expor aos

publicitários que o que deve mudar é o foco, ou seja, são os pais que efetuam a

compra e decidem o que é certo ou errado para seus filhos e não os seus filhos que

devem ser influenciados e estimulados a compra.

Por falta de regulamentação específica e punições mais severas que

prevalece o desrespeito à saúde, à vida e bem estar das crianças. As

consequências advindas desse consumo excessivo são fatais e ferem o

ordenamento jurídico constitucional e infra legal brasileiro. Em virtude de tais fatos

que deve haver mecanismos estatais mais eficientes e rígidos.

4.4 VIOLÊNCIA E DELINQUÊNCIA

A publicidade pode influenciar uma criança a cometer atos e comportamentos

criminosos. Essa afirmação pode ser comprovada através das pesquisas realizadas

até o ano de 2006 as quais apontaram que os crimes de roubo e furto eram os mais

19 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/1222604-governo-mantem-publicidade-infantil-de-junk-food.shtml>. Acesso em: 21 fev.2013.

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praticados por jovens. A pesquisa foi realizada com jovens internados na Fundação

Casa. (BERNARDES, Agência USP de Notícias, 2006).20

A prática de delitos pode ser ainda maior quando se trata de crianças de

baixa renda, já que as mesmas não possuem condições financeiras para adquirir um

determinado produto. A ditadura do consumismo, elevada pela publicidade, obriga

crianças e jovens a serem inseridos em um mundo que não condiz com suas

realidades e para participarem do cenário ilusório criado pelo consumismo, tentam

achar todos os meios possíveis para adquirir aquela “roupa”, “acessório” ou qualquer

outro produto da “moda”. Um estudo realizado com jovens da periferia de Porto

Alegre mostra exatamente isso:

O maior problema do consumo é quando alguém não possui condições financeiras para consumir: podemos analisar o depoimento do menor, referindo-se à quando não possui condições financeiras para comprar as coisas que almeja: “Por exemplo assim, se eu gosto de um tênis, se eu vejo aquele tênis que está na loja e eu quero aquele tênis ali, ou eu posso trabalhar, tentar juntar um dinheiro para comprar ou pedir para o meu pai comprar. Não precisa está roubando.”. O garoto pede para o pai, que é carroceiro, certamente ele não tem dinheiro para comprar um tênis da Nike, por exemplo, então, ele diz que vai buscar um emprego, para não roubar. Então, o depoente diz “Se eu não tenho dinheiro eu pego e trabalho de carroça”, os outros desmentem e caem na gargalhada, o que prova que essas opções não estão dentro das reais opções dele. O fato é que até ele trabalhar honestamente e suficiente, como carroceiro, para poder adquirir o dinheiro para comprar o tênis, o desejo já passou ou foi substituído por outro. (LEONARD, 2007, p. 16)21

Ao analisar o depoimento do jovem da periferia, citado acima, comprova-se

que realmente há a incidência de violência e delinquência entre os jovens,

principalmente entre os menos favorecidos economicamente.

Constata-se que a criança ou o jovem é induzido a procurar todos os meios,

sejam eles viáveis ou não, para obter aquilo que almeja, no caso, o produto que foi

anunciado ou está sendo utilizado entre as demais pessoas da sociedade.

O desejo do consumo é estimulado, também, através dos anúncios

publicitários que fazem com que a criança se sinta frustrada até que ela obtenha de

vez aquele produto divulgado.

20 Disponível em: <http://www.usp.br/agen/repgs/2006/pags/139.htm>. Acesso em: 27 fev.2013. 21 Disponível em: <http://www.institutoalana.com.br/banco_arquivos/arquivos/docs/biblioteca/artigos/artigo_GUILENE_Proj%20Crianca%20e%20Consumo.pdf>. Acesso em 27 fev.2013.

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Por todo o exposto, comprova-se mais uma vez que a publicidade direcionada

ao público infantil pode trazer consequências irreparáveis às crianças.

5 REGULAMENTAÇÃO PÁTRIA E COMPARADA

Ao analisar a legislação brasileira, constata-se que já existe proibição da

publicidade dirigida ao público infantil. Porém, o que falta é uma fiscalização mais

eficaz por parte do poder público bem como uma legislação que seja mais específica

para tratar dessa temática, em razão de causar nas crianças prejuízos irreparáveis,

conforme exposto na presente pesquisa.

Essa conclusão é obtida através da apreciação de normas vigentes até o

momento. São normas da Constituição Federal, do Código de Defesa do

Consumidor, do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Conar.

Quando da comparação com outros três países: Estados Unidos, Suécia e

Portugal, verifica-se o quão ineficaz são as normas mencionadas acima, vigentes

no atual ordenamento legal brasileiro.

Primeiramente quando se trata dos direitos assegurados à criança, a

Constituição Federal, por ser a base de todo o ordenamento jurídico, zela pelos

direitos fundamentais da criança. São direitos que garantem sua integral proteção,

evitando assim, qualquer prejuízo.

Assim prevê a Constituição Federal (1988) em seu artigo 227:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 22

Nesse sentido, nota-se que os direitos inerentes à criança são fundamentais a

qualquer outra pessoa. O que se destaca é o seu tratamento, que deve ser sempre

dado com “absoluta prioridade”, seja pela família, pelo Estado ou pela sociedade.

22 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 26 fev.2013.

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222

Apesar da tutela à criança na Carta Magna, verifica-se, na prática e

rotineiramente, a falta de observância dos direitos e garantias que deveriam ser

assegurados a elas de acordo com o artigo supramencionado.

Conforme demonstrado até o momento, publicitários utilizam-se de táticas

que violam o direito à liberdade, à alimentação saudável, à saúde, dentre outros

direitos que garantem a integral proteção da criança.

Sob essa égide é que a Constituição construiu a tutela da criança, antes

mesmo dela tornar-se vítima da publicidade. É o que se verifica na Constituição

Federal (1988) em seu art. 220, II, §§3º e 4º, que tem a seguinte redação:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. (...) § 3º - Compete à lei federal: I - regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada;

II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.

§ 4º - A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.23

Essa previsão constitucional está também contida na Lei 9.294/1996 (lei que

estabelece restrições do uso da publicidade do §4º acima) bem como no CDC e no

ECA.

Tais previsões constitucionais preveem o direito de proteção integral da

criança contra o uso inadequado da publicidade, quando dirigida a ela. Porém

comenta-se, também, que a CF (1988) limita o Direito à Liberdade de Expressão.

Para tanto, o artigo 5º, incisos IV e IX da CF assim dispõe:

23 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 26 fev.2013.

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Art. 5º (...) (...) IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; (...) IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.24

Nesse sentido, vem à tona a seguinte questão: Direito à Liberdade de

Expressão X Proteção Integral da Criança, já que ambos são assegurados na

Constituição Federal.

Para Moraes (2011, p. 56):

O texto constitucional repele frontalmente a possibilidade de censura prévia. Essa previsão, porém, não significa que a liberdade de imprensa é absoluta, não encontrando restrições nos demais direitos fundamentais, pois a responsabilização posterior do autor e/ou responsável pelas notícias injuriosas, difamantes, mentirosas sempre será cabível em relação a eventuais danos materiais e morais.

Verifica-se, portanto, que a Liberdade de Expressão não é absoluta, conforme

o comentário do autor, ou seja, no Estado de Direito Democrático não há lugar para

a censura e ainda tal direito encontra restrições na própria CF e deve atender alguns

requisitos impostos por ela mesma, mas isso não significa que a Liberdade de

Expressão é violada ou vice- versa. O legislador apenas se preocupou em assegurar

os dois direitos elencando algumas diretivas para serem seguidas com o objetivo de

que fossem exercidos com cautela.

Para Lopes (2010, p. 12):

[...] as regras sobre a publicidade destinada a crianças não representam, em tese, uma restrição à liberdade de expressão, mas tão somente mecanismos para a contenção de abusos e para a proteção de um grupo sabidamente vulnerável. São regras que emanam da própria Constituição, para contornar eventuais conflitos e para garantir que o interesse público seja preservado.25

24 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 26 fev.2013. 25 Disponível em: <http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/3849/legislacao_publicidade_lopes.pdf?sequence=1>. Acesso em: 5.mar. 2013.

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224

Sendo assim, não há qualquer restrição quanto ao direito à liberdade de

expressão. Importante trazer essa questão, pelo fato de muitos publicitários

utilizarem tal argumento quando indagados sobre o uso excessivo da publicidade

dirigida ao público infantil.

Ademais, apesar de a Constituição trazer tais previsões, no que tange ao uso

da publicidade e o direito de proteção integral da criança, ainda constata-se que não

é o bastante para acabar com os efeitos negativos que a mesma pode causar nas

crianças. Além de existir poucas previsões legais, não há nada de específico no que

tange a proibição da mudança de foco dos publicitários, que no caso são as

crianças.

Já o Código de Defesa do Consumidor (1990), traz em seu artigo 37 a

seguinte redação:

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. (...) §2º É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeite valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.26

Nota-se, no referido artigo que há sim uma menção no que tange a proteção

da criança quando exposta a publicidade, porém, o artigo se mostra genérico, já que

define outros aspectos como abusivo, e menciona apenas a seguinte frase: “se

aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança”.

Por ser o CDC lei dedicada a proteger integralmente todos os consumidores,

deveria ao menos constar como, quando e onde poderia ser veiculada a publicidade

para criança. Mais uma vez a lei se torna genérica.

Segundo Henriques (2011, p.119):

O Código, contudo, não detalha em quais casos será considerado que a publicidade estará se aproveitando dessa deficiência de julgamento e experiência da criança, traz apenas esse conceito genérico e de certa forma carregado de subjetividade, que acaba permitindo, de alguma maneira, o

26 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 5 mar.2013.

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entendimento por parte do mercado publicitário de que seria possível divulgar publicidade para menores de 12 anos.27

Além disso, o termo “deficiência” foi usado de maneira infeliz. De acordo com

o CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (2008, p. 17):

Pelo menos em Psicologia, não existe, em absoluto, referência a essa suposta deficiência. Além disso, de que o intelecto infantil é menos sofisticado que o do adulto, sabe-se muito bem. Contudo, que isso seja descrito como deficiência pode levar a negar toda a riqueza do pensamento das crianças.28 Ou seja, a questão não é a “deficiência” da criança, e sim a sua hipervulnerabilidade, sendo essa conceituada pelo próprio CDC. Portanto, deve haver melhorias no ordenamento jurídico a respeito dessa temática, principalmente no CDC, já que é a Lei protetiva das relações de consumo. O CDC traz uma proibição, porém é muito genérica. Diante disso, deve haver uma fiscalização mais eficaz e leis mais específicas que previnam os abusos publicitários dirigidos ao público infantil.

Quando se trata do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) logo vem a

tona que é uma lei que garante com base nos princípios basilares da Constituição,

proteção integral a criança. LOPES (2010, p. 11) destaca que “o ECA, por sua vez,

define a proteção integral também com o amparo físico, material e psicológico à

criança e designa a negligência como qualquer forma de desatenção, descuido ou

desleixo”.

Porém, nota-se que apesar de total proteção a criança, o ECA não tem força

para proibir de vez a publicidade infantil, em razão da ausência de um ordenamento

jurídico mais específico pertinente à matéria ou mesmo que se utilize a

regulamentação legal que o Brasil já tem, então que seja essa mais eficaz. Essa

questão também é observada por Henriques (2006, p.165):

[...] como se nota, especificamente com relação à publicidade dirigida ao público infantil, não há em todo o ordenamento qualquer regulamentação. São utilizadas, para tanto, as normas existentes para regular a atividade de

27 Disponível em: <http://www.institutoalana.com.br/banco_arquivos/arquivos/docs/biblioteca/artigos/artigo_ibdfam.pdf>. Acesso em: 5 mar.213. 28 Disponível em: <http://biblioteca.alana.org.br/banco_arquivos/Arquivos/downloads/ebooks/cartilha_publicidade_infantil.pdf>. Acesso em: 6 mar.2013.

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maneira geral, combinadas com as disposições legais que visam à proteção da criança, o que é um problema porque, apesar de o ordenamento, interpretado conjuntamente, possuir todos os elementos necessários para coibir os excessos publicitários relativos aos anúncios voltados ao público infantil, muitas vezes não consegue reprimir tais abusos de forma contundente como poderia acontecer se houvesse regulamentação mais específica.

Assim, novamente vem a problemática que apesar de existir ordenamentos

como o ECA, por exemplo, voltado somente à proteção da criança, ainda

percebe-se a propagação desse tipo de publicidade diariamente, o que gera nas

crianças efeitos negativos com traços definitivos. Verifica-se então, que a falta de

leis mais específicas voltadas para o assunto faz com que haja lacunas no

momento de aplicação das leis já existentes.

Por fim, o CONAR intitulado como Conselho Nacional de Auto-

regulamentação Publicitária, que tem por função impedir que essas práticas

publicitárias abusivas ou enganosas se propaguem, também não é suficiente, já

que suas regras não são válidas como Lei.

Isso se dá pelo fato do CONAR ser um órgão não governamental e criado

por publicitários. Nesse sentido Pasqualotto (1997, p.68) salienta que:

[...] o problema é que as decisões do CONAR são de cumprimento espontâneo. Os estatutos da entidade não lhe outorgam nenhum poder coativo – e, de qualquer modo, esse poder sempre seria limitado, por se tratar de sociedade privada.

Por essas razões, verifica-se mais uma vez, que no Brasil há um

ordenamento jurídico para regulamentar a publicidade infantil, porém são normas

que não são eficazes já que a ilegalidade é vista rotineiramente. Ademais, apesar

da existência de órgãos, como o CONAR, constata-se que não é suficiente para

acabar com esse tipo de publicidade, haja vista que o mesmo não tem eficácia de

lei apesar de dispor de normas específicas.

Diante de todo o exposto, a problemática da falta de regulamentação legal

eficaz a fim de garantir a integral proteção da criança é comprovada ainda mais

quando da comparação com outros países que possuem normas bem mais

específicas no que se refere essa temática.

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Nos Estados Unidos, por exemplo, segundo o INSTITUTO ALANA (2009,

p. 65), existem regras como:

Limite de 10 minutos e 30 segundos de publicidade por hora nos finais de semana. Limite de 12 minutos de publicidade por hora nos dias de semana. É proibida a exibição de programas comerciais. É proibida a publicidade de sites com propósitos comerciais na programação de TV direcionada a menores de 12 anos. É proibido o merchandising testemunhal. É proibida a vinculação de personagens infantis à venda de produtos nos intervalos de atrações com os mesmos personagens.29

Já Portugal, se preocupou com os ambientes escolares. Novamente, o

estudo realizado pelo INSTITUTO ALANA (2009, p. 67) demonstrou que o país

em questão já proibiu “qualquer tipo de publicidade nas escolas”.30

Diferentemente do Brasil que não restringe de forma específica à

publicidade voltada às crianças nos ambientes escolares. Exemplo a ser seguido,

já que nas escolas há grande proliferação de crianças.

Por sua vez, a Suécia é vista como um dos maiores exemplos da União

Europeia, pois realmente se atentou ao detalhe da idade da criança, ou seja,

preocupou-se em definir horários e proibições acerca da publicidade infantil, sob o

fundamento de que as crianças são hipervulneráveis a determinada publicidade,

principalmente por estarem em fase de desenvolvimento. (BRITTO, 2010) 31

Mais uma vez o INSTITUTO ALANA (2009, p. 64), em análise a legislação

da Suécia, apresentou que:

É proibida a publicidade na TV dirigida à criança menor de 12 anos, em horário anterior às 21h.

29 Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/62689390/Por-Que-a-Publicidade-Faz-Mal-Para-

as-Criancas>. Acesso em: 25 fev.2013.

30 Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/62689390/Por-Que-a-Publicidade-Faz-Mal-Para-

as-Criancas>. Acesso em: 25 fev.2013.

31 Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/17961>. Acesso em: 6 mar. 2013.

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É proibido qualquer tipo de comercial que seja veiculado durante, imediatamente antes ou depois dos programas infantis – seja de produtos destinados ao público infantil ou adulto. É proibido o uso de pessoas ou personagens em comerciais de TV, principalmente se desempenham papel proeminente em programas infantis.32

Da análise comparada entre a legislação de cada país mencionado acima e a

legislação existente no Brasil, verificou-se que o ordenamento jurídico brasileiro é

realmente insuficiente para assegurar às crianças sua devida proteção integral.

Essa comparação serve para identificar as principais falhas na legislação brasileira

bem como para notar o quanto países com altos índices de consumo, como os

Estados Unidos, por exemplo, são capazes de ao menos diminuir a incidência da

publicidade infantil através da criação de leis mais específicas para abarcar o

assunto em questão.

O estudo do direito comparado no que tange essa temática pode servir de

base para as políticas públicas no momento da criação de leis ou até mesmo no

momento da fiscalização de leis já existentes, pois somente no momento da

aplicação é que nota-se a eficácia da lei.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo do presente artigo, enfatizou-se que a publicidade atualmente é

utilizada para convencer o público infantil ao consumo. Demonstrou-se também que

para alcançar esse objetivo, os publicitários utilizam-se de técnicas planejadas para

aproximar as crianças que acabam sendo o público mais afetado, justamente pela

condição de hipervulnerabilidade diante do Código de Defesa do Consumidor.

Os efeitos negativos decorrentes da publicidade ilícita, principalmente a

abusiva que se aproveita de deficiência de julgamento e experiência da criança,

prejudicam as crianças pois estão em fase de desenvolvimento físico e psicológico.

Isso significa que elas não têm conhecimento total sobre as coisas.

32 Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/62689390/Por-Que-a-Publicidade-Faz-Mal-Para-

as-Criancas>. Acesso em: 25 fev.2013.

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A publicidade ao se aproveitar da deficiência de julgamento e experiência da

criança, pode causar vários efeitos negativos. Os principais são: alcoolismo,

erotização precoce, estresse familiar, obesidade, violência e delinquência bem como

problemas psicológicos. São problemas que se arrastam ao longo da vida. São

problemas que elevam os índices mundiais de pessoas com depressão, problemas

cardíacos, enfim, com transtornos sejam eles fisiológicos ou psicológicos.

No Brasil, grande parte da publicidade gira em torno da televisão. As crianças,

principalmente, estão expostas às mensagens persuasivas e ilusórias transmitidas

na televisão, seja porque a mesma é considerada uma “baba eletrônica” ou porque

os brasileiros a veem como uma distração momentânea. A cultura brasileira

infelizmente gera possibilidades para que os publicitários adentrem seus ambientes

domésticos. E isso repercute de forma negativa, principalmente no que diz respeito à

saúde das crianças.

A legislação brasileira apesar de prever em seu ordenamento legal a total

proibição de qualquer tipo de publicidade direcionada ao público infantil,

especialmente na CF, CDC e ECA não pode ser considerada eficaz. E por quê?

Porque não há fiscalização capaz de garantir as crianças sua devida proteção

integral, direito esse fundamental e constitucional.

Outra questão é que o Brasil não estabelece métodos eficazes, comparado a

outros países para combater a publicidade abusiva e enganosa dirigida ao público

infantil. Observou-se que países como a Suécia, Estados Unidos e Portugal

possuem um ordenamento legal mais eficaz e específico. São modelos a serem

seguidos.

Não se pode negar que a previsão contida no ordenamento legal brasileiro

preocupou-se em dar a devida proteção integral da criança, todavia, como se

mencionou anteriormente, o que falta é a eficácia dessas leis em casos concretos.

Não há fiscalização capaz de proteger a criança como ela merece e necessita.

Em verdade, o real objetivo desse artigo é chamar a atenção de que se

houver a conscientização do Estado, da família e da sociedade e uma reformulação

no ordenamento legal já existente no que tange essa problemática, não haverá mais

os abusos publicitários, o estímulo ao consumo excessivo bem como se verificará

que a integral proteção, descrita no artigo 227 da CF, prevalecerá.

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A NECESSIDADE DE FLEXIBILIZAÇÃO DAS NORMAS

TRABALHISTAS E A REALIDADE LABORAL

THE NEED FOR LABOR LAWS FLEXIBILIZATION AND THE LABOR

REALITY

Josué Silva Temperly1

Márcia Kazenoh Bruginski2

1 Graduando do curso de Direito do Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA 2 Formada em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba, 1999, com pós-graduação em Ciências Jurídicas pela Universidade Católica Portuguesa e mestrado em Ciências Jurídicas, com ênfase em Direito do Trabalho pela Faculdade Direito de Lisboa (2006). Atuação profissional como advogada em Direito do Trabalho desde 1999. Professora das Disciplinas de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho no UNICURITIBA - Centro Universitário Curitiba. Autora das seguintes obras: . O novo conceito de subordinação em face da atual sociedade pós-industrial trabalho vencedor do concurso de monografias promovido pela Academia Nacional de Direito do Trabalho conferido o Prêmio José Martins Catharino - 2006 . Reflexões sobre a subordinação jurídica na sociedade pós-industrial / Márcia Kazenoh Bruginski , Dissertação de Mestrado, 2006 T-4321 (disponível na Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa) . Trabalho suplementar : estudo em face das legislações portuguesa e brasileira e o tratamento da matéria pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, que aprova o Código de Trabalho Português / Marcia Kazenoh Bruginski Cota T-3627 (disponível na Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa) . Fiança solidária : estudo em face dos ordenamentos jurídicos brasileiro e português / Marcia Kazenoh Bruginski Cota T-3628 (disponível na Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa) . Migrações internacionais : um novo desafio para a ordem mundial / Marcia Kazenoh Bruginski Cota T 3626. (disponível na Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa)

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SUMÁRIO

1 – INTRODUÇÃO. 2 – FLEXIBILIZAÇÃO DAS NORMAS TRABALHISTAS E A

REALIDADE LABORAL. 2.1 - EVOLUÇÃO HISTÓRICA – JUSTIFICATIVA PARA O

CARÁTER PROTETIVO INERENTE AO DIREITO DO TRABALHO. 2.2 - O

IMPACTO DA GLOBALIZAÇÃO NA REALIDADE LABORAL – NECESSIDADE DE

FLEXIBILIZAÇÃO. 2.3 – ASPECTOS ACERCA DA FLEXIBILIZAÇÃO DAS

NORMAS TRABALHISTAS - CUIDADOS NA SUA APLICAÇÃO E FORMAS

PREVISTAS NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA. 2.4 – LIMITES À FLEXIBILIZAÇÃO. 3

- CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.

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237

RESUMO

O presente trabalho objetiva demonstrar como as evoluções sociais e econômicas

contemporâneas justificam a necessidade de flexibilização das normas trabalhistas,

instituto este que consiste na revisão das normas positivadas por meio de

negociação entre as partes integrantes da relação de trabalho, objetivando

adequação das mesmas à realidade laboral. A flexibilização deve ser sempre

baseada na convergência de interesses entre o empregado e empregador, sendo

que na maioria dos casos só é autorizada por negociação coletiva. Pretende-se

demonstrar que lugar tomam os princípios protetivos ao empregado mediante o

contexto da flexibilização, visto que toda forma de flexibilização deve conter uma

maneira de ainda garantir o mínimo dos direitos trabalhistas conferidos aos

empregados, arriscando transformar-se em desregulamentação se não o fizer.

Serão apontadas as vantagens da aplicação da flexibilização na realidade atual,

bem como os perigos que envolvem a mesma, como os abusos por parte do

empregador, fazendo a delineação dos limites legais e constitucionais para a

flexibilização das normas trabalhistas.

Palavras-chave: evoluções sociais, flexibilização, realidade laboral, limites legais

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ABSTRACT

This paper aims to demonstrate how the contemporary social and economic

developments justify the need for labor laws flexibilization, this institute consists in

the review of the strict standards fixated by law, by negotiation between the parties

members of the working relationship, aiming for the best adequacy of this standards

to the labor reality. The flexibilization should always be based on the convergence of

interests between the employee and employer, in most cases it is only authorized for

collective negotiation. This work has the intent to demonstrate the role that take the

protective principles of the employee by the context of flexibility , since all forms of

flexibility should also contain a way to ensure minimum labor rights assured by law to

the employees , always considering the great danger that involves the relativization

of this minimal rights. It will be pointed out the advantages of flexibilization in the

application of the current reality, but also the dangers that can come of the

irresponsible application of this institute, like the abuses by the employer. In this

research also will be delineated the extension of the legal support for flexibilization

and the constitutional limits to the lowering of labor standards.

Keywords: social changes, flexibilization, labor reality, legal limits, danger.

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1 INTRODUÇÃO

Uma função muito importante do Direito contemporâneo é o trabalho de

interpretação das normas positivadas visando possibilitar a melhor aplicação

possível das mesmas à realidade vigente, fazendo com que seja levada em conta a

real vontade do legislador que criou tais normas.

O instituto a ser analisado no presente trabalho se refere justamente a esta

função, uma vez que a flexibilização das normas trabalhistas parte da premissa de

busca pela melhor adequação das normas à realidade laboral.

As normas trabalhistas surgiram da quebra do modelo de Estado Liberal nas

relações de trabalho e a intervenção estatal veio para buscar o equilíbrio entre o

empregado vulnerável e o empregador, por isso tais normas tomaram o caráter

rígido e protetor ao empregado.

Com o processo de globalização, a rigidez das normas e a sua

impossibilidade de adequação ao novo contexto social e econômico, acabam por

gerar a falta de competitividade das empresas no mercado mundial e os altos custos

relacionados aos direitos trabalhistas levam ao desemprego e a outros problemas

sociais.

Do contexto socioeconômico mundial apresentado, nasce a ideia e

necessidade de flexibilização das normas trabalhistas para se adaptarem a esta

nova realidade laboral.

A partir da disseminação maior da ideia de flexibilização, surge a problemática

existente entre a necessidade de se flexibilizar normas para combater os males

trazidos pelas mudanças sociais atuais e a necessidade de manutenção da essência

do Direito do Trabalho como instituto que provê proteção ao trabalhador e traz

equilíbrio à relação empregatícia.

A flexibilização pode ser uma ferramenta muito importante para a adaptação

das relações trabalhistas à realidade laboral atual, mas ao mesmo tempo pode ser

muito perigosa. O presente trabalho tem o objetivo de, por meio do estudo dos

contornos da flexibilização, constatar a sua real natureza e o porquê da sua

necessidade, bem como os limites para a sua aplicação.

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

240

2 FLEXIBILIZAÇÃO DAS NORMAS TRABALHISTAS E A REALIDADE LABORAL

2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA – JUSTIFICATIVA PARA O CARÁTER PROTETIVO

INERENTE AO DIREITO DO TRABALHO

Para entendermos os motivos para a adoção do caráter protecionista do

Direito do Trabalho, bem como a sua importância, é necessário fazermos uma breve

síntese da evolução histórica que levou à concepção da ideia de relação de

emprego, justificando-se o ponto de vista adotado pelo sistema jurídico atual acerca

do indivíduo trabalhador.

Depois de superados os modelos da escravidão, servidão e o corporativista,

no séc. XVIII também teve início a Revolução Industrial, conhecida por ser o que

gerou o início da criação do Direito do Trabalho a partir da formação da ideia de

relação de emprego. (MARTINS, 2007, p.4-5)

Denota-se que neste período histórico, o modelo social vigente era o estatal

liberal. O liberalismo pregava a não intervenção do Estado na área econômica,

dando suprema importância à competitividade no mercado, o que geraria seu

crescimento e evolução por si próprio.

Como será exposto adiante, um dos principais fatores que desencadeiam o

surgimento do Direito do Trabalho é a quebra deste paradigma social de não

abstenção estatal e a adoção de medidas intervencionistas para regulação da

relação laboral.

A primeira grande característica denotada da Revolução Industrial foi a

adoção do uso de máquinas nas linhas de produção. Neste período, ocorre a

passagem do trabalhador artesão, que trabalhava em sua oficina, para as grandes

indústrias manufatureiras (MARTINS, 2007, p.5). Desta forma, o trabalhador deixou

de laborar por conta própria e passou a ser subordinado e assalariado, levando ao

surgimento de uma Estrutura Piramidal do Poder.

Na nova dinâmica de trabalho inaugurada, na qual se procurava

constantemente o aumento da produção nos complexos industriais, desenvolveu-se

um rígido controle disciplinar da chefia. A partir deste momento ocorre a legitimação

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do poder disciplinar do empregador, mesmo antes de o conceito de relação de

emprego ser completamente difundido. (DORNELES, 2002, p.26-27)

Enquanto foi vigente o modelo de Estado completamente liberal após o

surgimento das relações trabalhistas, era dada a liberdade para que os

empregadores estipulassem livremente as condições de trabalho dos operários.

Esta liberdade acabou resultando na criação de condições de trabalho

extremamente abusivas e até mesmo desumanas, como, por exemplo, jornadas de

trabalho de 14/15 horas, bem como a contratação de mulheres e crianças que

laboravam sob as mesmas condições abusivas dos homens e ganhavam muito

menos. Porém, as grandes taxas de desemprego presentes na época acabavam por

tirar a faculdade de escolha dos trabalhadores, deixando como sua única opção se

submeter às condições de trabalho estipuladas pelos empregadores que só visavam

a maior produção. (MARTINS, 2007, p.6-7)

Buscando o aumento de produção e qualidade dos produtos, começaram a

ser utilizados os conceitos de organização racional do trabalho. A ideia de

organização das linhas de produção incluía juntar um determinado número de

trabalhadores em cada fase da confecção do produto. Desta forma, com cada grupo

se especializando em uma parte da confecção, aumentava-se substancialmente a

velocidade de produção das fábricas.

Portanto, começaram a surgir grupos isolados de trabalhadores que exerciam

a mesma função dentro de uma determinada indústria. Estes sujeitos, por sua vez,

quando submetidos aos mesmos abusos por parte do seu empregador, começam a

criar os movimentos sindicais, buscando a proteção dos direitos relativos

especificamente para a sua classe. (DELGADO, 2009, p.90-91)

Tais movimentos começaram a ganhar força entre os trabalhadores e, por

não possuírem qualquer forma de regulamentação, passaram a causar um grande

impacto social. A expressiva diferença de poder existente entre as duas partes da

relação de emprego começou a gerar conflitos que passaram a atrair a atenção do

Estado, principalmente por causa da revolta gerada pelos abusos que vinham sendo

cometidos pelos empregadores, tanto em relação às longas jornadas de trabalho,

quanto aos ínfimos salários pagos aos empregados.

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Mauricio Godinho Delgado explica a origem do Direito do Trabalho,

destacando o aspecto da necessidade de regulamentação das relações trabalhistas

existentes na época, nos termos:

O Direito do Trabalho é produto do capitalismo, atado à evolução histórica desse sistema, retificando-lhe distorções econômico-sociais e civilizando a importante relação de poder que sua dinâmica econômica cria no âmbito da sociedade civil, em especial no estabelecimento e na empresa. [...]

Porém o Direito do Trabalho não apenas serviu ao sistema econômico deflagrado com a Revolução Industrial, no século XVIII, na Inglaterra; na verdade, ele fixou controles para esse sistema, conferiu-lhe certa medida de civilidade, inclusive buscando eliminar as formas mais perversas de utilização da força de trabalho pela economia. (DELGADO, 2009, p.78)

Um dos primeiros direitos trabalhistas reconhecidos pelo Estado então

Neoliberal foi o de união dos trabalhadores, gerando o sindicalismo para a defesa

dos direitos comuns desta classe. A partir deste momento, começaram a surgir

demandas por normas trabalhistas que lidassem com a vulnerabilidade do

empregado frente ao poderio do empregador, limitando os abusos que sofriam.

Logo, depois de legitimado o direito a greve, a classe trabalhadora adquiriu o

meio para exigir seus outros direitos perante o empregador. A luta desta classe

cresceu rapidamente, levando à formação de um direito voltado aos interesses dos

operários.

Portanto, como fruto das reivindicações dos operários e do Estado que agora

adotava um regime intervencionista, as relações de trabalho deixaram de ser

reguladas por contratos ordinários, passando a ter um regime próprio de contratos

de trabalho. Tais contratos revelaram-se, segundo Dorneles, como “uma nova forma

de regulação que tem como lógica a proteção e a melhoria da condição do

trabalhador” (DORNELES, 2002, p. 31).

Antes de aprofundar a análise do desenvolvimento do Direito do Trabalho, é

importante destacar que o pensamento que embasa a relação de emprego surge a

partir do modelo capitalista de sociedade, fazendo com que a dispersão da ideia

pelo mundo se dê gradativamente, segundo a situação de cada país.

Como exemplo, denotamos que a evolução em sentido de direitos trabalhistas

no Brasil foi bem presente principalmente no século XX, mas se deu lentamente. Por

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fim, esta trajetória histórica culminou em 1988, quando foi promulgada a

Constituição atual, a qual trata dos direitos trabalhistas no art. 7º a 11º, mesmo que

já existisse a Consolidação das Leis de Trabalho. Para alguns autores, o art. 7º da

CF/88 veio a ser como uma verdadeira CLT, visto que deu força constitucional às

garantias dos trabalhadores, juntando grande parte dos direitos trabalhistas

albergados pela legislação atual (MARTINS, 2007, p.4).

Superada a explanação da evolução e surgimento do Direito do Trabalho,

observamos que o mesmo foi concebido a partir da adoção de uma política mais

intervencionista por parte do Estado a fim de coibir os abusos sofridos pela classe

operária. Tais excessos levaram à necessidade da criação de uma regulamentação

específica que protegesse os trabalhadores em meio às condições absurdas de

trabalho estabelecidas pelos seus respectivos empregadores.

Uma das características pertencentes ao núcleo de formação do Direito do

Trabalho é a sua função de equilíbrio entre o empregado e o empregador, por isso

que o princípio protetor ganha ênfase. Assim, em face do grande abismo existente

entre o poder de um empregado em singular e o empregador, gerou-se a

necessidade de criar institutos que de fato protegeriam o elo mais fraco desta

relação, dirigindo todo o ordenamento trabalhista para a proteção do empregado.

A partir deste raciocínio, justifica-se o fato de que um dos primeiros direitos

garantidos ao trabalhador foi o sindicalismo. Desta forma, um sindicato

representante da classe de determinados trabalhadores deteria poder suficiente para

pleitear seus direitos, em detrimento do empregador.

Como detentor dos meios de produção, a legitimidade do poder diretivo

pertencente ao empregador é fácil de constatar e, por sua vez, inegável. Porém, os

direitos que devem ser concedidos à outra ponta da relação de emprego, aos

empregados, não são tão facilmente perceptíveis e necessitam de uma

regulamentação por parte do ente estatal.

Por isso, a regulamentação das relações empregatícias tomou principalmente

o caráter de direito subjetivo ao empregado, fornecendo proteção ao mesmo pela

limitação deste poder diretivo já automaticamente instituído. Perante o forte poder

exercido pelo empregador, também se tornou necessário que as normas

regulamentadoras das relações de emprego fossem rígidas, diminuindo a

possibilidade de o empregador as descumprir.

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As normas trabalhistas, por surgirem a partir da quebra do modelo liberalista e

individualista, adquirem um forte caráter de direito social. Quanto o lugar tomado

pelo Direito do Trabalho frente os direitos individuais ou sociais, Ana Virginia Moreira

Gomes explica o seguinte:

Os direitos trabalhistas destacam-se dos demais direitos sociais e aproximam-se dos direitos individuais por constituírem direitos subjetivos do trabalhador, que é parte em um contrato. No caminho inverso, diferenciam-se dos direitos individuais por possuírem como fundamento um princípio social, o princípio protetor, que determina a interferência do Estado nessa relação privada entre empregado e empregador. (GOMES, 2001, p.78)

Nestes termos, é recorrente a defesa do caráter preservacionista inerente ao

Direito do Trabalho, ou seja, este sempre deve ser mantido, sob pena de causar um

inegável retrocesso neste campo. Deve-se ter sempre em mente que a principal

função desta caracterização tão forte de proteção ao empregado é guiar a

interpretação da lei para seguir a intenção real do legislador, ou seja, o equilíbrio na

relação de emprego. (BONNA, 2008, p.62)

Todavia, como será explicado adiante, os novos paradigmas sociais que

tendem à flexibilização das normas trabalhistas afetam diretamente a forma de se

interpretar tais normas, ameaçando algumas garantias laborais.

Deste modo, cabe agora analisarmos como e porquê ocorreram tais

mudanças sociais que podem por em risco a proteção ao trabalhador, bem como

que real colocação toma o princípio da proteção na sociedade contemporânea.

2.2 O IMPACTO DA GLOBALIZAÇÃO NA REALIDADE LABORAL – NECESSIDADE

DE FLEXIBILIZAÇÃO

A globalização, apesar de ser entendida principalmente como um fenômeno

moderno, é na verdade o fruto de um longo processo de integração mundial que

começou a ser feito com as grandes navegações, as quais romperam as barreiras

existentes entre o “Velho” e o “Novo Mundo”.

Apesar de o processo de globalização existir desde este primeiro contato

entre diferentes partes do globo, foi na época da Revolução Industrial que o mundo

começou a sentir mais impacto deste fenômeno. Isso se dá com o advento das

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mudanças trazidas no século XIX, visto que nesta época a integração mundial se

tornou muito mais presente no âmbito social, bem como no próprio mercado de

trabalho.

Nesta época, as inovações tecnológicas geraram uma nova dinâmica de

competitividade no mercado de trabalho dos países que aderiram ao modelo

industrial de produção. Como a política que vigorava na época era de abstenção

estatal quando se tratava das relações de trabalho, a maior concorrência levou à

precariedade das condições de trabalho dos operários, resultando na criação de

sindicatos para defender condições laborais mínimas para os mesmos. (CREPALDI,

2003, p.62)

Dessa forma, nota-se que a globalização levou à provocação do Estado para

intervir nas relações de trabalho, começando a criação do Direito do Trabalho como

conhecemos.

O processo de globalização não parou por aí, notamos que esta ainda está

crescendo e seu pico se dá na atualidade. Com a revolução da informática e

evolução da internet, nos tempos contemporâneos, verifica-se uma integração

mundial como nunca vista antes. Com o acesso popularizado das pessoas ao

ambiente virtual, surge uma nova forma de relação social, tanto em sentido pessoal

quanto negocial e comercial.

Apesar da evolução espantosa deste novo paradigma virtual, o Direito não

evoluiu com a mesma velocidade, sempre apresentando a necessidade de novas

leis que se adequem a esta nova realidade. O avanço tecnológico atual permite a

criação de novas dinâmicas de relação de emprego, introduzindo a realidade laboral

um novo ambiente de trabalho para o qual o próprio Direito do Trabalho ainda não

está preparado.

Ao apresentar as problemáticas que circundam a globalização, Crepaldi faz

uma brilhante delineação de como os aspectos positivos que envolvem este

fenômeno podem se transformar em métodos de marginalização da mão-de-obra

menos qualificada. Nos termos:

O avanço da tecnologia de comunicações e redes modernas têm permitido que muitas pessoas trabalhem em suas próprias casas, ligados ao mundo exterior por telefone, fax, e-mail e Internet. Neste caso, a tecnologia pode restaurar uma parte da integridade da integração de vida, tirada pela era industrial.

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Dessa forma, o Direito do Trabalho vem passando por uma metamorfose, resultado da intervenção das máquinas cibernéticas. A nova realidade tem forçado os trabalhadores a adaptarem-se à inserção de tecnologias avançadas no ambiente de trabalho. A globalização é fruto, de um lado, do crescimento das transnacionais e das profundas mudanças na economia, nem sempre sensíveis aos reclamos da sociedade, preocupada, muitas vezes, com o outro lado, o de garantir o lucro do investidor à custa da exploração da mão-de-obra barata e não-qualificada dos trabalhadores dos países periféricos, terceirizados como abastecedores de matéria-prima e de produtos manufaturados exportados para os países onde as transnacionais possuem suas controladoras, com a prática condenável do dumping social. A consequência da globalização, então, pode ser o empobrecimento do trabalhador do terceiro mundo. (CREPALDI, 2003, p. 63)

Dessa forma, nota-se que a globalização, por estimular a competitividade,

bem como a tecnologia, por estimular a constante qualificação da mão-de-obra,

podem tomar o caráter negativo de instigar o dumping social. Tal técnica abominável

de mercado consiste na marginalização da mão-de-obra não qualificada e alienada

nas evoluções tecnológicas, negando a tais trabalhadores as condições mínimas de

trabalho e pagando-lhes quantias irrisórias em troca do seu labor.

Ainda, Carlos Roberto Cunha mostra outra consequência devastadora que o

processo de globalização trouxe consigo:

A automação fabril racionaliza os custos do trabalho, acelera a produtividade, mas gera um grandiosíssimo excedente de mão-de-obra: uma imensidão de trabalhadores são lançados ás portas da rua. O sistema, nesta lógica, gera não-somente “marginalização, mas propriamente exclusão social – e exclusão que é estrutural. Neste caso, a redução do trabalho necessário não libera tempo para a vida. Libera para a exclusão e a miséria de um contingente cada vez maior de trabalhadores.” Sob o império do capital, o volumosíssimo acréscimo de produtividade não é revertido para a sociedade, mas tão-somente para uma elite de detentores do poder econômico. [...]

O trabalhador da pós-modernidade se vê numa verdadeira encruzilhada: os não qualificados são expulsos do mercado de trabalho e os que se qualificarem não tem a mínima garantia assegurada de ingressar neste comprimido espaço. Neste panorama, a medida em que a exclusão converte-se em “norma para a grande maioria da população potencialmente trabalhadora, a exploração do trabalho passa a ser ‘privilégio’” para aqueles que conseguem alguma colocação. (CUNHA, 2004, p. 61-62)

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Conforme o autor acima citado, um dos principais problemas ligados ao

processo de globalização e integração mundial do mercado de trabalho é o aumento

exponencial do desemprego.

A competitividade, qualidade e eficiência são preocupantes para as

empresas, pois se ficarem para trás em relação às evoluções tecnológicas do

mundo moderno, sofrerão as consequências de ficar à parte do mercado em geral,

provocando crises econômicas e o desemprego. (CREPALDI, 2003, p. 65)

Portanto, se adequar às evoluções modernas envolve adotar novos meios de

produção, fazendo uso de novas tecnologias e, por sua vez, de mão-de-obra mais

qualificada para operá-las. Infelizmente, a evolução social não acompanha a

tecnológica, fazendo com que as novas exigências do mercado competitivo não

sejam atendidas pela massa de trabalhadores disponíveis, gerando o desemprego.

Assim, nota-se que o desemprego não é causado só pela substituição da

força de trabalho pelas máquinas e novas tecnologias, mas também pela falta de

qualificação de mão-de-obra presente no âmbito social.

Conforme já estudado, no surgimento das normas reguladoras das relações

laborais, havia a necessidade de que tais normas fossem rígidas para haver a

efetiva garantia da proteção ao trabalhador. Atualmente, devido às transformações

já relatadas que acabam por trazer o desemprego, necessita-se da criação de novas

dinâmicas que possibilitem a existência de novas relações de trabalho, bem como

da manutenção das relações ameaçadas pela nova era.

Desta forma, a rigidez que tomam as normas trabalhistas acaba por engessar

a capacidade de negociação entre os entes empregadores e os trabalhadores,

sendo que a capacidade de flexibilização é apontada como crucial para a

subsistência destas relações laborais.

Depois de ilustrar muito bem as consequências trágicas de pobreza e

desemprego que são trazidas com a globalização, Georgenor de Sousa Franco Filho

aponta a flexibilização das normas existentes como uma ferramenta para o combate

a tais problemas. In verbis:

Haverá, todavia, que se processar a uma adaptabilidade das relações de trabalho. Nesse particular, como já ressaltei em outras oportunidades, não sou favorável a que se eliminem todas as proteções dadas aos que trabalham ou aos que buscam trabalhar, numa desregulamentação exacerbada e irreal, porque creio seja necessário garantir um standard

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minimum de direitos, para que se proteja o homem, e lhe seja dada uma ocupação que lhe permita uma subsistência digna. De outro lado, o problema da cibernética, com as novas tecnológicas gerando o desemprego estrutural e modificando as relações de trabalho. Mas o desemprego tecnológico não deve apavorar porque desde o século XIX, como já acentuei, o mundo das relações de trabalho tem mudado e tem sido encontrados meios alternativos a adaptação do trabalhador ao novo estado. (FRANCO FILHO, 2001, p.50)

Logo, a flexibilização se mostra como um mecanismo de amenização de

problemas sociais, por diminuir a taxa de desemprego e ampliar o mercado de

trabalho. Porém, a mesma também pode ser usada como forma de burlar a

organização jurídica construída para proteger o empregado, arriscando retornar a

relação de trabalho para as suas raízes, promovendo abusos por parte do

empregador.

E neste diapasão, o princípio constitucional da proteção ao trabalhador deve

ser utilizado como limite para a incidência da flexibilização, evitando que haja desvio

da finalidade da mesma, assegurando a legalidade da sua aplicação.

2.3 ASPECTOS ACERCA DA FLEXIBILIZAÇÃO DAS NORMAS TRABALHISTAS -

CUIDADOS NA SUA APLICAÇÃO E FORMAS PREVISTAS NA LEGISLAÇÃO

BRASILEIRA.

Conforme o já estudado até agora, nota-se que através do processo de

globalização o mercado mundial internacional chegou num estado no qual o Direito

do Trabalho adquire um caráter mais complicado do que a simples proteção do

empregado na relação laboral, tendo que pensar mais também no lado do

empregador, a fim de possibilitar a manutenção das relações de emprego existentes.

Por sua natureza, o Direito do Trabalho é logicamente um ramo do direito

muito afetado por crises econômicas, visto que as mesmas claramente envolvem o

mercado de trabalho, nos termos já antes referidos. Por isso, a flexibilização das

normas trabalhistas se torna imprescindível como forma de combate ao

desemprego, fazendo com que, mesmo que passem por sérias mudanças, as

empresas consigam manter o vínculo de emprego com seus respectivos

empregados.

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Portanto, o estudo de tal instituto se torna essencial para a compreensão das

mudanças mundiais da atualidade, bem como para a criação de novas soluções

para os problemas trazidos por essas mudanças.

A origem da flexibilização se deu na Europa, no início dos anos 80, época da

recessão. Porém, tal ideia se sedimentou mais a partir da apresentação dos ideais

da Revolução Francesa de liberalismo estatal, pregando contra a intervenção do

Estado na vida econômica e social. Foi como meio termo entre este pensamento e

as críticas dos comunistas existentes na época que surgiu o conceito de

flexibilização. (CREPALDI, 2003, p. 67)

Antes de qualquer análise mais aprofundada a respeito do tema, cabe

destacar o brilhante e refinado conceito de flexibilização apresentado por Orlando

Teixeira da Costa. In verbis:

A flexibilidade laboral é o instrumento ideológico neoliberal e pragmático de que se vêm servindo os países de economia de mercado, para que as empresas possam contar com os mecanismos jurídicos capazes de compatibilizar seus interesses e os dos seus trabalhadores, tendo em vista a conjuntura econômica mundial, caracterizada pelas rápidas e contínuas flutuações do sistema econômico, pelo aparecimento de novas tecnologias e outros fatores que exigem ajustes rápidos inadiáveis. (COSTA, 1992, p.779-780)

Do conceito apresentado extrai-se que a flexibilização é o instituto que visa

adequar os preceitos legais à realidade laboral que anda em constante mudança,

sempre observando a manutenção do equilíbrio entre os interesses dos entes

empregadores e as garantias conferidas aos trabalhadores.

Crepaldi diz que a flexibilização pode se dar de várias formas, “modernizando

a legislação, suprimindo ou acrescentando-lhe dispositivos” e “oferecendo

alternativas para a solução dos problemas existentes e incentivando a negociação”

(CREPALDI, 2003, p.67). Sob o mesmo tópico o autor ainda destaca:

Juridicamente, a flexibilização das relações de trabalho pode ser entendida, ainda, pelo o estudo da teoria da imprevisão e a revisão dos contratos, que se opõe à clássica “pacta sunt servanda” dos romanos e se constitui na tese moderna da cláusula “rebus sic standibus”, já que a norma jurídica deve ser uma ferramenta de ajuste do direito aos fatos, numa sociedade e constante transformação. (CREPALDI, 2003, p.69)

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Conforme apontado pelo autor citado, a flexibilização busca formas opcionais

de ajustar as condições de trabalho à realidade laboral de determinada sociedade,

por meio das negociações coletivas e dos contratos individuais de trabalho.

Seguindo este raciocínio, flexibilizar é dar prioridade à vontade das partes no

ato da contratação, mas sem esquecer-se de garantir o mínimo fundamental ao

empregado.

Ainda, é muito importante denotar que mesmo que a flexibilização tenha sua

necessidade de aplicação justificada pelas mudanças nos paradigmas mundiais, a

sua adoção se dá de maneira distinta em cada país, visto que seu nível de

interferência nas relações laborais existentes depende muito do desenvolvimento

social e econômico daquele determinado local. (CUNHA, 2004, p.116)

Em relação ao Brasil, as principais formas flexibilização prescritas na nossa

legislação encontram-se no art. 7º, incisos VI, XIII e XIV, da Constituição Federal de

1988 como se verá posteriormente de maneira pormenorizada. Em tais incisos é

permitida, respectivamente, a redutibilidade de salários, a compensação ou redução

da jornada de trabalho e o aumento da jornada de trabalho por turnos ininterruptos

de revezamento para mais de 6 horas. Todas as hipóteses tem a ressalva de só

poderem ser concretizadas por meio de negociação coletiva.

Como a própria ideia de flexibilização já coloca em destaque a vontade das

partes na relação empregatícia, o principal instrumento pelo qual se dará a

flexibilização é a negociação coletiva.

Os sindicatos, por serem eleitos representantes dos interesses da sua classe

trabalhadora e por não deterem a vulnerabilidade que o empregado individual

detém, são os entes que tem a maior capacidade de negociação perante o

empregador, negociação esta que pode gerar a flexibilização das normas para

adequação à vontade das respectivas partes.

Lygia Maria de Godoy Batista Cavalcanti destaca o importante papel da

autonomia coletiva na flexibilização das normas trabalhistas, nos termos:

Coteja-se ora a flexibilização promovida pelos sindicatos, denominada autônoma ou de adaptação, a qual é realizada por meio da negociação coletiva, com a flexibilização heterônoma promovida unilateralmente pelo Estado, observando-se suas variantes em função do objeto a ser perseguido nessa dissertação.

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A flexibilização autônoma tem por princípio a adequação da lei às necessidades de cada categoria para quebrar a rigidez da norma estatal; pode ser considerada uma flexibilidade autêntica, uma vez que é delegada à autonomia coletiva. Logo, o resultado emergente dessa adaptação da norma legal reflete a conciliação dos pontos de vista dos sujeitos coletivos, não deixando de existir a regulação heterônoma. Essa forma de adaptação da norma a uma contingência social não agride os fins e a razão histórica do Direito do Trabalho; é uma forma de flexibilização inerente à regulação normativa. Na prática, a negociação coletiva, de um modo geral, trata aspectos relacionados à flexibilização interna de proteção e adaptação. Ou seja, significa a preexistência de uma relação de trabalho e o que se flexibiliza são questões concernentes à jornada de trabalho, à remuneração, ao descanso e, ainda, às mobilidades geográficas ou funcionais. (CAVALCANTI, 2008, p.147)

Dito isso, verifica-se que os sindicatos, como representantes dos interesses

dos trabalhadores, são essenciais para que se ocorra a flexibilização das normas

trabalhistas. Seu papel é importante tanto para instigar a adaptação das normas à

realidade vivida pelo trabalhador, quanto para limitar esta flexibilização, protegendo

os direitos e garantias mínimos dos empregados. Também este é o entendimento

demonstrado pela jurisprudência (BRASIL[a], 2005), nos seguintes termos:

REAJUSTE SALARIAL DIFERENCIADO PREVISTO EM ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. IMPOSSIBILIDADE DE EXTENSÃO À FUNÇÃO GRATIFICADA INCORPORADA. Decorrem as negociações coletivas de concessões recíprocas, em que observada a autonomia das partes convenentes, sedimentada na Carta Magna, as quais podem abrir mão, inclusive, de uma vantagem em prol de condições que lhes tragam maiores benefícios. Tal flexibilização, ajustada, patenteia-se, a exemplificar, nas disposições do art. 7º, incisos VI, XIII e XIV da Constituição Federal. Há, pois, que prevalecer o Acordo Coletivo do Trabalho, que determina índices de reajuste diferenciados para as diferentes rubricas salariais, estabelecendo que o reajuste de 25% tem pertinência, tão-somente, à tabela de empregos permanentes da Reclamada - EP, não se estendendo à gratificação de função incorporada." 3

Apesar de ser um instituto muito útil nos tempos modernos, a flexibilização

também pode ser muito perigosa. Dependendo da interpretação dada à mesma,

bem como sua aplicação na realidade, pode-se por em risco todas as proteções e

3 BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho. (10.Região). Reajuste salarial diferenciado previsto em acordo coletivo de trabalho. Impossibilidade de extensão à função gratificada incorporada. Recurso Ordinário nº 00704-2004-011-10-00-3. Recorrente: Companhia Imobiliária de Brasília – TERRACAP. Recorrido: Maria das Graças Santos Baggi. Relator: Juiz Alexandre Nery de Oliveira. Brasília, 14 de janeiro de 2005.

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garantias que os trabalhadores levaram tanto tempo para conquistar. Assim, para o

estudo cabal da necessidade de flexibilização, impõe-se a análise das diferenças

entre este fenômeno e outro ponto que ameaça a proteção ao trabalhador, a

desregulamentação.

Não há que se confundir desregulamentação com flexibilização. Isso porque,

o conceito de flexibilização, conforme já apresentado, envolve em sua essência a

possibilidade de negociação entre os entes participantes da relação laboral para

efetiva adaptação das normas positivadas para a realidade presente, sempre

visando manter as garantias mínimas do trabalhador, bem como o equilíbrio na

relação empregatícia.

Já o conceito de desregulamentação envolve a ideia absurda de se retirar do

Direito do Trabalho todas as formas de proteção concedidas ao empregado,

trazendo novamente a política de total abstenção estatal nas relações laborais,

política esta que foi superada com séculos de lutas em nome da classe operária.

(CREPALDI, 2003, p. 59)

A flexibilização é feita devido às mudanças trazidas por novos paradigmas da

atualidade, é movida pelo pensamento no presente e no futuro do mercado de

trabalho. A desregulamentação seria o contrário, o retrocesso do Estado para

autorização da total liberalidade contratual, ferindo os ideais defendidos pelo Direito

do Trabalho. Esta última fere frontalmente e absolutamente os direitos provindos dos

princípios trabalhistas, principalmente o princípio da proteção.

Para alguns doutrinadores, a flexibilização é uma forma de

desregulamentação, suspendendo os direitos e garantias dos empregados firmados

pela legislação trabalhista. Porém, através da análise dos conceitos explanados,

nota-se que ambos são institutos muito diferentes. (CUNHA, 2004, p.182)

Importante denotar também que a desregulamentação propõe a livre

negociação individual dos contratos de trabalho por parte dos empregadores e dos

trabalhadores. Porém, como se torna óbvio pelo estudo da história que circunda o

direito laboral, esta autonomia da vontade do trabalhador não existiria caso fosse

permitida livre negociação, o que aconteceria seria a volta aos abusos gerados por

empregadores que só se preocupam com o lucro rápido e menor custo de mão-de-

obra.

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

253

A partir da análise do ordenamento jurídico brasileiro, conclui-se que o

legislador embarca a ideia de flexibilização em vários institutos, mas sempre

tomando o devido cuidado para que sua aplicação não dê margem para

desregulamentação.

Foram previstas muitas formas de flexibilização ao longo da história da

legislação laboral em nosso país. Já em 1965, com a promulgação da Lei nº

4.923/65, foi permitida a redução salarial em até 25% através de negociação coletiva

feita pelo sindicato da categoria, contendo a ressalva de só se utilizar deste recurso

quando a empresa estiver em situação emergencial provinda de caso fortuito no

mercado econômico. (CREPALDI, 2003, p. 70)

Outra forma exemplar de flexibilização prevista na legislação brasileira é a Lei

do FGTS, nº 5.107/66, revogada pela Lei nº 7.839, de 1989.

Antes da promulgação desta lei, a CLT previa estabilidade ao empregado que

trabalhasse na mesma empresa por mais de 10 anos, obstando a possibilidade de

demissão pelo empregador, a não ser em casos de falta grave ou motivo de força

maior. Tal dispositivo acabou por incentivar algumas distorções, tais como o acordo

fraudulento entre empregador e empregado que gerava o pedido de demissão pelo

último, bem como a demissão antecipada de um empregado para não decorrer o

prazo que configurava estabilidade.

Com a vinda da Lei do FGTS, conferiu-se ao empregador o poder de

dispensar o empregado no tempo que for necessário, assegurando mais um aspecto

do jus variandi do mesmo. Ao mesmo tempo, foi garantido o direito de estabilidade

do empregado, criando os depósitos fundiários como forma de manter esta garantia.

Nota-se, por essa razão, a criação da Lei nº 5.107/66 (Lei do FGTS) como

uma exemplar forma de flexibilização, visto que foi feita a revisão de um dispositivo

de lei que já não estava tendo o efeito desejado na sua aplicação na realidade

laboral. Pelo que, foram atendidos os interesses da classe empregadora e ao

mesmo tempo assegurados os direitos dos trabalhadores.

Uma das maiores formas de flexibilização reguladas pela legislação

infraconstitucional é a Participação nos Lucros e Resultados, direito este previsto

inicialmente no art. 7º, XI, da CF/88.

No art. 2º da Lei nº 10.101/00 (BRASIL[b], Lei 10.101, 2000) é estabelecido

que a Participação nos Lucros e Resultados será objeto de negociação entre a

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

254

empresa e seus empregados. A fixação dos critérios para percebimento desta verba,

bem como para seu cálculo são feitos por meio de uma comissão formada por

representantes dos empregados e do empregador, ou por meio de negociação

coletiva, conforme consta nos incisos I e II do art. 2º, da Lei da Participação nos

Lucros e Resultados, nos termos:

Art. 2o A participação nos lucros ou resultados será objeto de negociação entre a empresa e seus empregados, mediante um dos procedimentos a seguir descritos, escolhidos pelas partes de comum acordo: I - comissão escolhida pelas partes, integrada, também, por um representante indicado pelo sindicato da respectiva categoria; I - comissão paritária escolhida pelas partes, integrada, também, por um representante indicado pelo sindicato da respectiva categoria; (Redação dada pela Lei nº 12.832, de 2013) (Produção de efeito) II - convenção ou acordo coletivo.

Portanto, a previsão legal para a formação da verba de Participação nos

Lucros e Resultados é tida como uma verdadeira flexibilização, pois tem em seu

núcleo a valorização da vontade das partes no processo de fixação desta forma de

remuneração.

Pelo fato de a legislação prever a possibilidade de formação de uma

comissão para discussão acerca desta verba, bem como prever alternativamente

que tal negociação pode ser feita por meio do sindicato, revela-se fulgente a vontade

do legislador de dar prioridade à realidade laboral no cumprimento dos contratos de

trabalho, favorecendo a melhor aplicação das normas trabalhistas.

Além das formas já apresentadas, pode-se observar a presença da

flexibilização em outros institutos do direito do trabalho, tais como a terceirização da

mão-de-obra, o trabalho temporário, o estágio e o contrato por tempo determinado.

(CREPALDI, 2003, p.70-73)

Nada obstante os relevantes exemplos de flexibilização contidas no nosso

ordenamento, merecem especial destaque as tratadas como normas constitucionais.

Estas possibilidades específicas de flexibilização estão prescritas no art. 7º, incisos

VI, XIII e XIV, da CF/88 como se abordará a seguir.

Primeiramente, tem-se a flexibilização em relação ao salário. Pela análise das

formas de obtenção de salário (MARTINS, 2007, p.213-214), nota-se claramente

que apesar de serem permitidas várias destas formas, a legislação trabalhista

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sempre assegura que o empregador nunca poderá prejudicar o mínimo que deve ser

auferido pelo trabalhador. Seguindo este raciocínio, a Constituição de 1988 já

assegura o salário mínimo ao empregado no seu art. 7º, inciso IV.

O art. 7º, inciso VI, da CF/88, estabelece a garantia presente no princípio da

irredutibilidade salarial. Porém, ao final de tal inciso, é apresentada a possibilidade

de mitigação de tal princípio, ressalvando que esta só deve se dar por meio de

negociação coletiva.

A justificativa para a inclusão de tal ressalva no artigo que garante a

irredutibilidade salarial é de permitir que por meio de acordo ou convenção coletiva

os sindicatos possam negociar a redução dos salários para facilitar a recuperação

de empresas que passam por crises.

Portanto, esta mitigação não deve ser entendida como uma lesão a um direito

dado ao empregado, mas como uma forma de lhe garantir o percebimento do

salário, mesmo que reduzido por um tempo, diante da iminência do desemprego.

Ao analisarmos este dispositivo constitucional, notamos que a possibilidade

de redução salarial é uma das maiores formas de flexibilização permitidas, visto que

a mesma autoriza que se realizem negociações coletivas que relativizem uma

garantia muito importante pertencente ao empregado.

Tem-se também a flexibilização em relação à jornada de trabalho. O art. 7º,

inciso XIII, da CF/88, estabelece o teto máximo de jornada de trabalho de 8 horas

diárias, sendo 40 horas semanais. O objetivo principal inerente a tal dispositivo é a

proteção da saúde do trabalhador, evitando as explorações e abusos provindos de

uma jornada mais extensa. Porém, este inciso contém a mesma ressalva do

dispositivo anteriormente mencionado, abrindo-se a oportunidade por meio de

negociação coletiva de se compensar ou reduzir a jornada dos empregados.

Primeiramente, há de se considerar a redução de jornada. Esta possibilidade

aberta pelo legislador tem o mesmo escopo da autorização para redução de salários

já considerada, ou seja, é usada para situações emergenciais pelas quais a empresa

passa por alguma crise, vítima de fato fortuito provindo o mercado econômico.

(CUNHA, 2004, p.267-268)

Interessante denotar que especialmente em relação à jornada de trabalho, a

redação da ressalva contida no inciso XIII, do art. 7º, da CF/88, deixa obscuro se a

exceção pode ser feita por acordo coletivo ou individual. Porém, conforme ensina

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Martins, a “interpretação sistemática leva o intérprete a entender que se trata de

acordo individual” (MARTINS, 2007, p.508). Portanto, a flexibilização deste inciso

poderia ser feita por meio de negociação coletiva ou acordo individual.

Tal entendimento é corroborado pela Súmula nº 85, do TST (BRASIL[c],

Súmula 85, 2011), que estabelece claramente as possibilidades de fixação de

compensação de jornada de trabalho, nos termos:

SÚMULA Nº 85 DO TST

COMPENSAÇÃO DE JORNADA (inserido o item V) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011 I. A compensação de jornada de trabalho deve ser ajustada por acordo individual escrito, acordo coletivo ou convenção coletiva. (ex-Súmula nº 85 - primeira parte - alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003) II. O acordo individual para compensação de horas é válido, salvo se houver norma coletiva em sentido contrário. (ex-OJ nº 182 da SBDI-1 - inserida em 08.11.2000) III. O mero não atendimento das exigências legais para a compensação de jornada, inclusive quando encetada mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária, se não dilatada a jornada máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional. (ex-Súmula nº 85 - segunda parte - alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003) IV. A prestação de horas extras habituais descaracteriza o acordo de compensação de jornada. Nesta hipótese, as horas que ultrapassarem a jornada semanal normal deverão ser pagas como horas extraordinárias e, quanto àquelas destinadas à compensação, deverá ser pago a mais apenas o adicional por trabalho extraordinário. (ex-OJ nº 220 da SBDI-1 - inserida em 20.06.2001) V. As disposições contidas nesta súmula não se aplicam ao regime compensatório na modalidade “banco de horas”, que somente pode ser instituído por negociação coletiva.

Portanto, nota-se que a flexibilização em relação à jornada de trabalho pode

ser estabelecida de diversas formas, não se exigindo estritamente a forma de

negociação coletiva para promovê-la.

Como um segundo aspecto importante, o inciso XIII, do art. 7º, da CF/88,

encontra-se o instituto da compensação de jornada. De fato, a compensação de

jornada é um grande exemplo de flexibilização, visto que gera a otimização do uso

da mão-de-obra, permitindo que as horas trabalhadas além da jornada prevista em

um dia sejam compensadas no outros, e vice versa.

Por fim, a forma de trabalho da qual se trata o art. 7º, inciso XIV, da CF/88, é

a realizada com turnos ininterruptos de revezamento. Esta é aplicada a empresas

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257

que funcionam 24 horas por dia, compreendendo quatro turnos de 6 horas,

revezando-se um grupo de funcionários atrás do outro.

O fundamento adotado para a redução da jornada laboral para 6 horas neste

tipo de trabalho é o fato de estes empregados não possuírem o intervalo intrajornada

para alimentação e descanso, logo, o período de labor é muito mais exaustivo.

Segundo a redação do inciso XIV, do art. 7º, da CF/88, é possível que por

meio de negociação coletiva seja flexibilizada esta jornada, mesmo que para

aumenta-la. Lembrando-se que este aumento não poderia se realizar apenas para

atender aos interesses do empregador, por isso que é feito estritamente sob acordo

sindical.

Da análise dos dispositivos mencionados verifica-se que a flexibilização é um

instituto claramente abarcado pela legislação brasileira, sendo que para garantir a

sua maior efetividade, o legislador fixa claros limites para sua aplicação. Logo, a

análise dos limites à flexibilização é de suma importância para o estudo deste

instituto.

2.4 LIMITES À FLEXIBILIZAÇÃO

Para alguns doutrinadores, a flexibilização das normas trabalhistas é tratada

como a resposta para problemas como o desemprego, acabando com todos os

males que giram em torno da relação trabalhista (CUNHA, 2004, p.175). Para

outros, este mesmo instituto é visto como um atentado aos direitos trabalhistas

conquistados pela classe operária, usado como uma forma de burlar as proteções

impostas pela lei, retornando aos abusos nas relações laborais, abusos estes que

foram o motivo para a própria criação do Direito do Trabalho (CUNHA, 2004, p.182).

Tal divergência doutrinária revela o núcleo da problemática analisada no

presente estudo. Conforme já foi demonstrado, é comprovada a necessidade de

flexibilização das normas trabalhistas mediante os novos paradigmas sociais e

econômicos que se formam no mundo contemporâneo. Porém, quando atentamos à

necessidade de flexibilização, imperativamente devemos estabelecer limites claros

para a sua aplicação, impedindo o surgimento de abusos ao exercê-la.

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258

O primeiro aspecto a ser considerado em relação aos limites da flexibilização

é que a mesma não deve de forma alguma contrariar a ordem jurídica, muito menos

ferir os direitos e garantias fundamentais do trabalhador.

Desta forma, mesmo com a flexibilização dos institutos legais, ainda devem

ser respeitados os motivos adotados para a criação de tais institutos, mantendo-se a

essência da proteção ao trabalhador constante no Direito do Trabalho.

Outro aspecto a ser observado é de que, apesar de ser dada especial

importância à vontade das partes quando se trata de flexibilização, um aspecto que

se revela como verdadeiro limite para a aplicação da mesma é notar que a finalidade

do Direito do Trabalho nunca deve ser desviada, independente do acordado entre as

partes. Finalidade esta muito bem delineada por Sérgio Pinto Martins, nos termos:

A finalidade do Direito do Trabalho é assegurar melhores condições de trabalho, porém não só essas situações, mas também condições sociais ao trabalhador. Assim, o Direito do Trabalho tem por fundamento melhorar as condições de trabalho dos obreiros e também suas situações sociais, assegurando que o trabalhador possa prestar seus serviços num ambiente salubre , podendo, por meio de seu salário, ter uma vida digna para que possa desempenhar seu papel na sociedade. O direito do Trabalho pretende corrigir as deficiências encontradas no âmbito da empresa, não só no que diz respeito às condições de trabalho, mas também para assegurar uma remuneração condigna a fim de que o operário possa suprir as necessidades de sua família na sociedade. Visa o Direito do Trabalho melhorar essas condições do trabalhador. A melhoria das condições de trabalho e sociais do trabalhador vai ser feita por meio da legislação que, antes de tudo, tem por objetivo proteger o trabalhador, que é considerado o polo mais fraco da relação com seu patrão. Esse é normalmente mais forte economicamente, suportando os riscos de sua atividade econômica. No Direito do Trabalho a lei estabelece um mínimo, mas as partes podem convencionar direitos superiores a esse mínimo. (MARTINS, 2007, p.17)

Assim, resta claro que qualquer pensamento que vise flexibilizar as relações

de trabalho a ponto de desconsiderar a intervenção estatal nas mesmas encontra-se

flagrantemente errado. É importante preservar o espírito do sistema jurídico do

nosso país no que se trata das relações laborais, espírito este de proteção à parte

mais fraca da relação empregatícia.

Um exemplo quanto ao perigo de desvio da finalidade do Direito do Trabalho

na aplicação da flexibilização é tratá-la como a solução para erradicar problemas

como o desemprego. Ora, seguindo este raciocínio se flexibilizaria sem limites as

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normas trabalhistas, procurando gerar cada vez mais empregos. Em relação a esta

problemática, critica Siqueira Neto:

Estamos discutindo a flexibilização como se o papel do Direito do Trabalho fosse o de gerar empregos e ele é fundamentalmente a primeira grande manifestação da sociedade contemporânea de limite ao poder econômico. Ele não surgiu para regular o emprego, mas para controlar o abuso do poder econômico. Quem gera emprego é a dinâmica econômica com todas as suas variáveis. (SIQUEIRA NETO, 1994, p. 236)

Portanto, por qualquer motivo que seja aplicada a flexibilização, a mesma só

será considerada como um real fator de desenvolvimento econômico e social se for

feita dentro dos parâmetros estabelecidos pela lei trabalhista.

Outro ponto limitador da flexibilização das normas trabalhistas é a vedação ao

retrocesso social, caracterizada por Ana Paula de Barcellos como a possibilidade de

“invalidação da revogação de normas que, regulamentando um princípio, concedam

ou ampliem direitos fundamentais, sem que a revogação em questão seja

acompanhada de uma política substitutiva equivalente” (BARCELLOS, 2002, p. 69).

Assim, pode-se entender a vedação ao retrocesso social como um

pressuposto negativo que impede que o legislador ou aplicador do direito ponham

em prática alguma norma que restrinja ou extingue algum direito social sem que seja

criada uma contramedida compensatória por tal ato.

Ora, tal impedimento é completamente justificado, visto que a procura pela

evolução social é inerente ao direito como um todo e também tem uma forte

influência no Direito do Trabalho, impedindo que a adaptação a novos fatores

pertencentes à realidade laboral interfira com esta progressão social. (MURADAS,

2007, p.2-3)

Desta forma, devemos levar em conta a grande força da qual é dotada a

vedação ao retrocesso social, visto que a mesma é um próprio limitador do poder

estatal que pretenda criar alguma norma que prejudique direitos sociais garantidos a

qualquer indivíduo.

Trazendo novamente o foco para a flexibilização das normas trabalhistas,

notamos que a proibição ao retrocesso social é outro aspecto que limita a aplicação

da própria flexibilização. O conceito de vedar qualquer alteração que suprima um

direito sem estabelecer uma contramedida equivalente em retorno é o núcleo da

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

260

ideia de equilíbrio presente na flexibilização. Como também destaca Aline Paula

Bonna ao falar de tal equilíbrio:

A segunda observação, não menos importante que a primeira, é a de que não se olvida da necessidade de evolução do direito do trabalho, como, de resto, do direito como um todo, nem se pretende impedir a adequação das normas trabalhistas às novas realidades das relações laborais. Absolutamente. O que se repugna são as alterações legislativas e políticas públicas que pretendam exclusivamente, reduzir o custo do trabalho, na esteira do discurso neoliberal de “contenção do desemprego”. (BONNA, 2008, p.62)

Especificamente no Direito do Trabalho podemos ver um reflexo da vedação

ao retrocesso social no próprio princípio da norma mais favorável, o qual permite a

aplicação da lei mais favorável ao trabalhador, não importando os critérios de

antiguidade, hierarquia ou especificidade, bastando que tal lei ainda seja válida e

vigente. Através da aplicação deste princípio fica mais uma vez assegurada a

garantia ao trabalhador de que nenhuma nova norma ou qualquer forma de

flexibilização poderá suprimir algum de seus direitos sem fornecer a medida

adequada como compensação.

Portanto, resta justificada a importância dada ao estudo dos limites que

devem ser impostos à flexibilização das normas trabalhistas, face aos seus perigos

quando aplicada na realidade laboral.

Logo, parte-se para a análise de como estas restrições tem tratamento na

legislação trabalhista vigente, tanto seus limites legais quanto constitucionais.

Em relação às limitações previstas na legislação para a flexibilização,

primeiramente devemos destacar o fato de que as convenções coletivas são

reconhecidas na Constituição Federal, em seu art. 7º, inciso XXVI, obtendo a partir

de então força maior do que lei ordinária. Porém, apesar de ter uma posição elevada

a hierarquia legislativa, se a esta ferir o sistema jurídico será sem dúvida declarada

inconstitucional.

Também, como limitador às alterações nos contratos de trabalho,

encontramos a previsão do art. 468, da CLT. Tal artigo, baseado no princípio da

irrenunciabilidade de direitos, veda a possibilidade de alterações na relação de

trabalho que gerem prejuízo ao empregado, alterações estas que deem vantagem

indevida para o empregador.

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

261

Logo, a flexibilização a ponto de relativizar certos direitos fundamentais aos

trabalhadores, mesmo que por via de negociação coletiva, é completamente

inválida. Conforme entendimento adotado por diversos tribunais, conforme ilustra

jurisprudência, in verbis:

NEGOCIAÇÃO COLETIVA. FLEXIBILIZAÇÃO. DIREITOS TRABALHISTAS. Há direitos dos trabalhadores, de disponibilidade relativa, que admitem certa flexibilização, mediante transação, em que a parte cede de um lado para obter vantagem em outro. Os direitos indisponíveis, contudo, não se flexibilizam em razão de documento coletivo. Não se trata de negar validade aos instrumentos coletivos firmados pelas partes, mas de não se reconhecer ou dar eficácia às cláusulas cujo objeto são direitos imantados de indisponibilidade absoluta por força, também, da Constituição da República. Noutro falar, quando o foco é direito trabalhista revestido de indisponibilidade absoluta, impossível a transação, ainda que pela via coletiva. Isso porque as negociações encontram limites nas garantias, direitos e princípios instituídos pela mesma Lei Maior e que são intangíveis à autonomia coletiva, tais como as normas de proteção à saúde e segurança do trabalhador, que tutelam a vida e a saúde do empregado (artigo 7o, XXII, da CRF), constituindo direito fundamental da pessoa do trabalhador e, portanto, norma cogente, da qual o sindicato não pode dispor, transacionando direitos individuais dos trabalhadores da categoria que representa, sob pena de ofensa à ordem jurídica. 4 (BRASIL[d], 2013)

INTERVALO INTRAJORNADA. REDUÇÃO POR NORMA COLETIVA. IMPOSSIBILIDADE. Aos instrumentos coletivos não é permitida a flexibilização de questões de ordem pública atreladas à higiene, saúde e segurança dos trabalhadores, garantidas pelo artigo 7º, XXII da Constituição da República. A redução do intervalo intrajornada somente é tolerada, excepcionalmente, mediante autorização do Ministério do Trabalho e emprego, desde que o estabelecimento tenha refeitório adequado e os trabalhadores não estejam sujeitos a labor suplementar, bem como nos casos de condutores de veículos rodoviários. Ausente autorização específica do referido órgão para a redução do intervalo intrajornada nas dependências do empregador, nos moldes do artigo 71, §3º da CLT, é inválida a norma coletiva que o suprimiu parcialmente. Recurso da reclamada a que se nega provimento. Intervalo intrajornada. Supressão parcial. Pagamento integral. Após a edição da Lei n. 8.923/94, que acrescentou o § 4º ao artigo 71 da CLT, a falta de concessão ou concessão parcial de intervalo para repouso e alimentação impõe a obrigação de pagamento do período correspondente ao intervalo não concedido, não havendo que falar em limitação da condenação apenas ao tempo remanescente para integralizar o mínimo fixado em Lei. Recurso da reclamada a que se nega provimento. Honorários advocatícios. Justiça do trabalho. Nesta justiça especializada, tratando-se de ação que envolva relação de emprego ainda prevalecem as disposições contidas no artigo 14 da Lei n. 5.584/70, interpretadas pelas Súmulas n. 219 e 329 do e. TST. Não preenchidos tais requisitos na presente hipótese, pois o reclamante litiga sem a necessária assistência sindical, não há falar em pagamento da

4 BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho. (3.Região). Negociação Coletiva. Flexibilização. Direitos Trabalhistas. Recurso Ordinário nº 01279-2012-094-09-00-5. Recorrentes: Mineração Serras do Oeste Ltda. e Robson Alves da Rocha. Recorridos: os mesmos. Relator: Des. Paulo Roberto de Castro. Minas Gerais, 7 de maio de 2013.

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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verba honorária. Recurso da reclamada ao qual se dá provimento.5 (BRASIL[e], 2013)

Portanto, conforme demonstrado no entendimento citado, por mais importante

que seja considerada a intervenção dos sindicatos por meio de negociação coletiva,

até mesmo esta negociação deve ser feita de forma a não violar as garantias de

proteção à saúde e integridade do trabalhador por meio da relativização de direitos

indisponíveis.

Podemos notar outra forma de limitação ao poder de flexibilização conferido à

negociação coletiva na Orientação Jurisprudencial SDI-1 nº 372, do C. TST, a qual

estabelece o seguinte:

OJ 372. MINUTOS QUE ANTECEDEM E SUCEDEM A JORNADA DE TRABALHO. LEI Nº 10.243, DE 19.06.2001. NORMA COLETIVA. FLEXIBILIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. (DEJT divulgado em 03, 04 e 05.12.2008) A partir da vigência da Lei nº 10.243, de 19.06.2001, que acrescentou o § 1º ao art. 58 da CLT, não mais prevalece cláusula prevista em convenção ou acordo coletivo que elastece o limite de 5 minutos que antecedem e sucedem a jornada de trabalho para fins de apuração das horas extras. (BRASIL[f], 2008)

Vólia Bomfim Cassar, ao explanar a respeito da posição da jurisprudência e

do conjunto normativo legal a respeito das limitações impostas à flexibilização –

mesmo que esta se dê por negociação coletiva – aponta a Orientação

Jurisprudencial apresentada como uma flagrante manifestação legislativa que visa

estabelecer os limites aqui discutidos. In verbis:

A OJ nº 372 da SDI-I também limita a flexibilização por norma coletiva, considerando nula a cláusula prevista em convenção ou acordo coletivo que elastece o limite de 5 minutos que antecedem e sucedem a jornada de trabalho para fins de apuração de horas extras. Há, ainda, a posição de alguns ministros do TST no sentido de aceitar a flexibilização de qualquer direito. Argumentam que se o constituinte autorizou o mais, isto é, se a Constituição autorizou a redução do maior de todos os direitos (salário), mediante convenção ou acordo coletivo, logo, o

5 BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho. (15.Região). Intervalo Intrajornada. Redução por Norma Coletiva. Impossibilidade. Recurso Ordinário nº 0001603-93.2010.5.15.0106. Recorrente: Dynamic Technologies Automotiva do Brasil Ltda. Recorrido: André Carlos de Souza. Relator: Des. José Otávio de Souza Ferreira. São Paulo, 17 de maio de 2013.

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menos também é permitido. Neste sentido, tudo que não seja o próprio salário-base do empregado é menos. (CASSAR, 2012, p. 38)

Conclui-se da analise do caso apresentado na Orientação Jurisprudencial

acima que a negociação coletiva poderia chegar a prejudicar o direito do trabalhador

ao recebimento de horas extras, desta forma, foi vedada a utilização da flexibilização

para elastecimento dos aos minutos que antecedem e sucedem a jornada de

trabalho.

Seguindo a mesma premissa de limitação à livre alteração das condições

inerentes às relações de emprego, encontramos o art. 9º da CLT que declara nulo

qualquer ato que vise desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação de preceitos

garantistas do direito do trabalho.

Assim, nota-se que estão espalhadas pela legislação infraconstitucional várias

formas de limitação à flexibilização de direitos trabalhistas. Assim, a posição

apresentada pela autora citada, a qual considera que se o legislador permite o mais

também permite o menos, claramente não deve prosperar, uma vez que estão em

jogo os direitos e proteções garantidos ao trabalhador.

Portanto, pela análise dos citados artigos, nota-se que a legislação trabalhista

já toma o cuidado de limitar até a capacidade de negociação coletiva conferida aos

sindicados, procurando proteger os trabalhadores. Ocorre que, para dar suporte a

estas normas limitadoras, ainda existem claros pressupostos constitucionais que

também limitam as flexibilizações.

Como bem destacado por Crepaldi, “os direitos sociais previstos no art. 7º da

Constituição Federal são liberdades positivas obrigatórias em um Estado Social de

Direito que objetivam a melhora de condições de vida aos hipossuficientes”

(CREPALDI, 2003, p.74). Logo, encontra-se a primeira limitação constitucional à

flexibilização já na análise dos direitos trabalhistas elencados no art. 7º, da CF/88.

A maioria da doutrina entende que a flexibilização dos direitos descritos no

art. 7º, da CF/88, poderá ser feita estritamente nas hipóteses nas quais o próprio

texto constitucional permita, visto que são garantias mínimas ao empregado.

Cabe aqui destacar os aspectos referentes à limitação constitucional da

flexibilização, trazidos por Crepaldi:

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Finalmente, quanto às limitações constitucionais, deve-se observar o que reza o inciso VI do art. 8º da Lei Magna, que exige a presença do sindicato nas negociações coletivas. Porém, a participação obrigatória é do sindicato da categoria dos trabalhadores, pois nos acordos coletivos só participam o sindicato da categoria profissional e uma ou mais empresas. A atual Carta Magna ampliou o exercício do poder normativo, e apenas exigindo que sejam “respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho”. Portanto, existem limites impostos à Justiça do Trabalho, quando da elaboração de suas sentenças normativas. (CREPALDI,2003, p.74)

Interessante também destacar o art. 114, da CF/88, citado pelo autor, que

estabelece a competência da Justiça do Trabalho. No seu parágrafo 2º, o texto

constitucional prevê que na falta de acordo entre as partes, a Justiça do Trabalho

julgará o caso, sempre respeitando as disposições legais mínimas de proteção ao

trabalho.

A partir da análise dos dispositivos constitucionais acerca da flexibilização das

normas trabalhistas, conclui-se que a CF/88 toma o cuidado de proteger as relações

de emprego (prevendo casos de flexibilização no seu art. 7º), mas ao mesmo tempo

se preocupa em deixar claro a importante colocação das garantias conferidas aos

trabalhadores no sistema legal.

Portanto, Pedro Vidal Neto faz uma brilhante observação quando diz que a

norma constitucional “revela-se versátil, sábia, realista e pragmática, conjugando

ideais com exigências práticas, tradições com o progresso e interesses setoriais com

o interesse social” (VIDAL NETO, 1983, p.266).

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

É a evolução histórica do Direito do Trabalho que justifica a criação de

normas trabalhistas rígidas e com o claro escopo de proteger o trabalhador de

abusos por parte do empregador. Porém, pelas razões expostas, depois de um certo

tempo esta rigidez excessiva acabou por gerar problemas para a aplicação de tais

normas na realidade laboral.

Com o fenômeno da globalização, houve a substituição do trabalho humano

por máquinas e a mudança na dinâmica empregatícia, necessitando-se de mão-de-

obra mais qualificada para suprir as necessidades do mercado de trabalho. Contudo,

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a evolução social não acompanhou as mudanças tecnológicas e econômicas,

gerando altas taxas de desemprego, bem como outros problemas sociais.

Neste novo contexto, a rigidez das normas trabalhistas acaba por engessar a

capacidade de negociação dos entes empregadores para adaptar os contratos de

trabalho à realidade laboral atual. Assim, desta problemática surgiu a ideia de

flexibilização como combate a esta rigidez, sendo pensada como instituto que

possibilitaria a expansão da capacidade de negociação das formas de trabalho, bem

como das condições sob as quais se realizaria o mesmo.

A flexibilização das normas trabalhistas pode ser uma ferramenta muito

interessante e útil para o combate aos males trazidos pela nova realidade laboral,

mas também pode ser muito perigosa, gerando abusos por parte do empregador.

Por isso, mostra-se muito sábio o legislador brasileiro ao reconhecer a

necessidade de flexibilização, incluindo na legislação normas que permitem a

ocorrência da mesma, mas ao mesmo tempo cuidar de limitar esta flexibilização,

estabelecendo requisitos para a sua aplicação.

A título de exemplo tem-se a redução salarial, prescrita no art. 7º, VI, da

CF/88, a qual só é permitida no caso de a empresa estar passando por uma

emergência causada por caso fortuito provindo do mercado econômico. Tal forma de

flexibilização, que mitiga o princípio da irredutibilidade salarial, só pode ser

temporária e reduzir até um certo limite o salário dos empregados.

Assim, como no exemplo citado, verifica-se que a legislação trabalhista

brasileira permite a ocorrência da flexibilização das suas normas, porém, o Estado

nunca se abstém de assegurar os direitos e garantias que a classe trabalhadora

tanto lutou para conquistar.

Outro aspecto a ser considerado, por ser de extrema importância, é o fato de

que um requisito essencial para certas formas de flexibilização é que a mesma

ocorra por meio de negociação coletiva. Assim, é mantido o equilíbrio entre a classe

empregadora e a classe trabalhadora na negociação das cláusulas do contrato de

trabalho, garantindo que o sindicato zelará pela defesa dos direitos inerentes à

categoria que representa.

Quando bem aplicada, a flexibilização mostra-se como a ferramenta ideal

para trazer novamente equilíbrio às relações laborais atribuladas pelas mudanças

sociais relatadas. Desta forma, tal instituto tem efetividade para atender à

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continuidade da relação de emprego, adaptando-se os contratos de trabalho

existentes, e ao mesmo tempo não perder de foco a proteção ao trabalhador.

Outrossim, deve-se ser realista quando se trata de flexibilizar as normas

trabalhistas. Apesar de ser um instituto muito interessante no combate a alguns

problemas sociais, a flexibilização não é a resposta definitiva para tais problemas. É

um equívoco pensar que a mesma seria a solução para o desemprego, visto que ela

não visa principalmente criar novas relações de emprego, mas tem como objetivo ao

menos evitar que as existentes sejam extintas.

Logo, a ideia principal que circunda a flexibilização é o equilíbrio, tanto no

sentido de se possibilitar a negociação equilibrada entre as partes da relação de

emprego, quanto por necessitar de equilíbrio na sua própria aplicação.

Se for levada ao extremo, a flexibilização transforma-se em

desregulamentação, que é a abstenção do Estado de assegurar a proteção ao

trabalhador garantida na legislação. A desregulamentação é um fenômeno que deve

ser evitado a qualquer custo, visto que implicaria no inevitável retrocesso social.

Diante do abordado, constata-se que a flexibilização das normas trabalhistas

para adaptação à realidade laboral, se feita de maneira correta e equilibrada, pode

trazer inúmeros benefícios para o âmbito trabalhista, melhorando tanto o

desempenho geral das empresas quanto as relações de trabalho existentes.

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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ADOÇÃO À BRASILEIRA E A PATERNIDADE SOCIOAFETIVA

BRAZILLIAN ADOPTION AND THE SOCIOAFFECTIVE FILIATION

Mariana Guedes Oliveira6 Tatiana Denczuk7

6 Acadêmica do curso de Direito do Centro Universitário Curitiba. 7 Mestranda em Direito pelo UNICURITIBA (Centro Universitário Curitiba), especialista em Contratos Empresariais pela UFPR e graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professora no curso de graduação e pós-graduação em Direito no UNICURITIBA desde 2002, na disciplina de Processo Civil. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa intitulado Administração Pública e Atividade Empresarial, vinculado ao Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania, do Centro Universitário Curitiba. É também advogada, prestando assessoria consultiva e contenciosa nas áreas de Direito Empresarial e Direito Civil.

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SUMÁRIO

1. Introdução. 2. Família. 3. Filiação. 3.1. Adoção no Brasil. 4. Adoção à Brasileira e

a Paternidade Socioafetiva. 4.1. Paternidade Socioafetiva. 4.2. Adoção à Brasileira.

4.3. Reconhecimento da Paternidade Socioafetiva na Adoção à Brasileira.

Referências.

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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RESUMO

O presente trabalho objetiva demonstrar as diversas e importantes mudanças

ocorridas no Direito de Família nos últimos anos, com a finalidade de adequar a

realidade jurídica à realidade social, implicando, deste modo, na utilização de novos

critérios para a caracterização do vínculo filial. Assim, recorre-se a outros meios de

reconhecimento de paternidade, sendo o objeto desta pesquisa o critério

socioafetivo, relevante por poder caracterizar a posse de estado de filho afetivo em

casos em que a paternidade biológica não coincide com a realidade vivida na

ambiência familiar. Pretende-se, ainda, destacar a realidade e atualidade do que a

doutrina tem denominado como adoção à brasileira, caracterizada pelo registro de

filho alheio em nome próprio, prática recorrente e ilegal, mas que tem sido

reconhecida pela jurisprudência dominante como filiação socioafetiva,

demonstrando, assim, a prevalência desse critério em relação à filiação biológica, ao

observar o melhor interesse da criança e todos os critérios objetivos (como o dever

da educação e da alimentação) e subjetivos (amor, cuidado e preocupação com a

criança) que devem estar presentes para se considerar a filiação.

Palavras-chave: Direito de família, adoção à brasileira, paternidade socioafetiva,

posse de estado de filho afetivo.

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ABSTRACT

The present paper objectify to demonstrate the various and important changes that

have occurred in the Family Law in the last years, with the purpose to adjust the legal

reality to the social reality, by this way giving raise to the utilization of new standards

for the filial entail characterization. Therefore, other fatherhood recognition means

are used, being the object of this research the socioaffective criterion, that is relevant

by his possibility to characterize the ownership of the affective son/daughter status, in

cases where the biological parenthood doesn’t coincide with the reality experienced

in the family ambience. It is also intended to put in relief the reality and the

currentness of what the doctrine has been denominating Brazillian Adoption , which

is characterized by the register of another’s son/daughter in one own name, a

practice that is recurring and illegal but that has been recognized by the dominant

jurisprudence as socioaffective filiation, by this way demonstrating the prevalence of

this criterion over the biological filiation, by observing the best interest of the child

and all the objective criterions ( as the education an feeding duties) and all the

subjective criterions (love, care and concern about the child) that have to be present

to consider the filiation.

Keywords: Family Law, Brazilian adoption, affective paternity, possession of child

affective state.

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1 INTRODUÇÃO

É notório que a sociedade em que vivemos se encontra em constante

transformação, fazendo com que o Direito, consequentemente, tenha que se

adequar às novas realidades e demandas sociais. Não seria diferente no ramo do

Direito de Família, regulador do que a Constituição Federal de 1988 traz como a

base da sociedade.

Ocorre, contudo, que nem sempre o preceito legislativo corresponde à

realidade vivenciada pela sociedade. Exemplo disso é o registro de filho alheio em

nome próprio, prática recorrente e denominada pela doutrina e jurisprudência como

“adoção à brasileira”.

Assim, para que se possa analisar com propriedade tal prática contrária ao

ordenamento atualmente vigente, é preciso que se faça um delineamento histórico

da família na sociedade brasileira e suas diversas facetas, bem como os motivos

culturais e sociais que formularam o conceito atualmente aceito como família.

Para tanto, serão analisadas as mudanças sociais ocorridas nos últimos anos,

que trouxeram à luz a mulher e a criança como sujeitos de direito, impondo a

igualdade nas relações familiares. Da mesma forma, pretende-se evidenciar a

importância gradativa dada ao afeto dentro do círculo familiar, proporcionando o

pluralismo de tais relações.

Através da apreciação da filiação sob os prismas jurídico, biológico e

socioafetivo, pretende-se abordar os princípios trazidos pelo Estatuto da Criança e

do Adolescente, com a prevalência do melhor interesse da criança e o princípio da

afetividade.

Desta forma, pretende-se chegar ao cerne da presente pesquisa científica,

qual seja: a possibilidade, ou não, do reconhecimento do vínculo afetivo como

suficiente para que se reconheça a adoção à brasileira como forma de filiação.

2 FAMÍLIA

É notório que o grupo social do qual participamos se encontra em constante

transformação, sendo influenciado por diversos movimentos culturais, sociais e

políticos. O mesmo ocorre com a família e, consequentemente, com o Direito de

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Família. Por conta disso Sílvio de Salvo Venosa (2007, p. 2) afirma que “entre os

vários organismos sociais e jurídicos, o conceito, a compreensão e a extensão de

família são os que mais se alteraram no curso dos tempos. ”

Dada a importância do núcleo familiar, a sua existência está intimamente

ligada à história da humanidade, verificando-se no decorrer do tempo diferentes

formas de composição e organização familiar. Por conta disso, é difícil precisar o

momento de surgimento da família como a conhecemos, apesar das diversas

pesquisas existentes.

Seja como for, no entanto, fato é que o perfil da família foi se alterando no

decorrer da história até culminar na concepção que se têm hoje. Foram diversos os

movimentos sociais que contribuíram para o desenvolvimento familiar, no entanto,

se faz necessário sublinhar um momento em particular: a revolução industrial, que

pela necessidade de mão de obra, inseriu a mulher no mercado de trabalho.

Observa-se a partir daí a mudança do caráter familiar e o enquadramento social da

mulher.

A mudança progressiva na forma de pensamento, a inserção da mulher no

campo de trabalho e a mudança da família para as áreas mais urbanizadas foram de

fundamental importância para o estabelecimento do vínculo afetivo e posicional de

cada membro dentro desta instituição. Assim sendo, a partir desse momento

A valorização do afeto nas relações familiares não se cinge apenas ao momento de celebração do casamento, devendo perdurar por toda a relação. Disso resulta que, cessado o afeto, está ruída a base de sustentação da família, e a dissolução do vínculo é o único modo de garantir a dignidade da pessoa. (DIAS, 2011, p.28).

Surge daí a necessidade de intervenção estatal no que diz respeito à família.

Assim, a prestação jurisdicional se faz necessária para assegurar o funcionamento

harmônico da família na sociedade, oferecendo garantias e atribuindo deveres aos

seus integrantes, já que o Estado detém a primazia no regulamento dessa relação.

Faz-se necessário sublinhar, ainda, que o Estado, na figura de seu legislador,

apenas regula situações já existentes no âmbito familiar, não promovendo

mudanças nas relações sociais na família. Assim sendo, é possível afirmar que o

Direito de Família exige dos operadores do Direito uma maior adaptabilidade e

sensibilidade quanto ao que ocorre no país.

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Nas palavras de Paulo Luiz Neto Lôbo (1989 apud NOGUEIRA, 2001, p.37),

“as constituições brasileiras reproduzem as fases históricas que o país viveu, em

relação à família, no trânsito do Estado liberal para o Estado social. ” Maria Berenice

Dias ainda complementa dizendo que a constitucionalização de situações sociais

juridicamente relevantes caracterizam o “[…] chamado Estado social, que intervém

em setores da vida privada como forma de proteger o cidadão […]” (DIAS, 2011, p.

22). Esse foi o processo que culminou na ainda vigente Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988.

A afirmativa de Paulo Luiz Neto Lôbo é fruto da análise das Constituições já

vigentes no Brasil. É possível observar, por exemplo, o forte caráter liberal das

constituições anteriores ao Código Civil de 1916, que não se preocuparam com a

regulamentação da família na sociedade. A Constituição de 1824 foi a primeira do

Brasil, tendo sido outorgada pelo Imperador D. Pedro I. Neste texto legal, a única

menção à família é quanto à família real, demonstrando a falta de interesse do

legislador em regulamentar esse instituto na sociedade brasileira da época. A

Constituição seguinte, de 1891 (a primeira da República) já se preocupou com os

problemas sociais e patrimoniais gerados através das uniões afetivas. Dessa forma,

fazia menção ao casamento civil, que era de celebração gratuita – art. 72, § 4º

(WALD, 2004, p. 22).

As Constituições seguintes, consideradas já pertencentes ao Estado Social

brasileiro, ainda que fossem de momentos de autoritarismo à democracia,

mencionaram expressamente a família. A primeira delas foi a de 1934, que embora

apenas reconhecesse a família legítima, dedicou um capítulo a essa temática, A

Constituição de 1937, na mesma linha da anterior, fez referência apenas à família

legítima, ou seja, aquela constituída pelo casamento indissolúvel, no entanto inovou

o ordenamento ao colocar sob tutela do Estado a criança ou adolescente vítimas de

abandono dos pais (NOGUEIRA, 2001, p. 38).

A Constituição posterior, de 1946, apresentou novamente a figura do Estado

como tutor e assistente, estimulando ainda o aumento familiar através da prole ao

promover iniciativas de assistência à maternidade, à infância e à adolescência. A

Carta Legal de 1967 não apresentou nenhuma inovação, mantendo o que até ali já

havia sido conquistado, e o mesmo teria ocorrido com a Constituição de 1969 se

essa não tivesse sido Emendada em 1977 (Emenda Constitucional nº 9/77),

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tornando o casamento dissolúvel através da instituição do divórcio. A próxima e

última Constituição é a de 1988, que “[…] consagrou o fim da longa caminhada em

busca da igualdade da filiação, mudando radicalmente o direito de família”

(NOGUEIRA, 2001, p. 39).

Para Maria Berenice Dias (2011, p.30), a Carta Magna

Instaurou a igualdade entre o homem e a mulher e esgarçou o conceito de família, passando a proteger de forma igualitária todos os seus membros. Estendeu igual proteção à família constituída pelo casamento, bem como à união estável entre o homem e a mulher e à comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, que recebeu o nome de família monoparental. Consagrou a igualdade dos filhos, havidos ou não do casamento, ou por adoção, garantindo-lhes os mesmo direitos e qualificações.

Percebe-se assim a mudança da visão da entidade familiar. Com a nova

Carta Constitucional, a família passou a ser observada como consequência natural

da vida em sociedade. Ela passa a ter sua origem no Direito Natural, devendo ser

analisada de forma ampla. Assim, considerando-se ainda a família como base do

Estado brasileiro, a proteção a ela atribuída independe do modo pelo qual tenha se

originado. Diferentemente do que até ali se encontrava, a família como ajuntamento

de pessoas unidas para um mesmo fim não é dependente do reconhecimento

jurídico para existir. Como construção social, a família antes de ser um fato jurídico,

é um fato natural

Assim, conclui-se que a Constituição Federal de 1988 se identifica com o

Estado do bem-estar social, demonstrando de várias formas uma grande

preocupação com as questões sociais e elastecendo as situações tuteladas pelo

Estado. O fato de a Constituição ser fonte suprema do sistema jurídico só reforça a

valorização da família e o respeito à sua dignidade, demonstrada através do

tratamento igualitário de seus participantes (VENCELAU, 2004, p. 38).

Como consequência de tantas mudanças, houve a necessidade de diversas

alterações particulares quanto ao Código Civil de 1916, ainda vigente em 1988, o

que tornou esse sistema incoerente e desorganizado. Surge assim o projeto que

veio a se tornar o novo Código Civil brasileiro, dispositivo este que, ao incorporar as

mudanças legislativas que haviam ocorrido através de leis esparsas e que ainda se

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encontravam em conformidade com a Constituição Federal, rumou à atualização.

Para Maria Berenice Dias (2011, p. 36)

O direito civil constitucionalizou-se, afastando-se da concepção individualista, tradicional e conservadora-elitista da época das codificações do século passado. Agora, qualquer norma jurídica de direito das famílias exige a presença de fundamento de validade constitucional.

Apesar das diversas mudanças, entretanto, é indiscutível que o padrão de

família estabelecido durante anos prospera ainda hoje como símbolo de uma plena

relação familiar, ditando – ainda que inconscientemente – sua composição e modo

de funcionamento; no entanto, com o passar do tempo e com as mudanças sociais é

possível observar que tal utopia tem cada vez mais se distanciado da realidade.

Ademais, não apenas as mudanças ocorreram como também já nos adaptamos a

muitas delas. Surge assim a oportunidade de reavaliar e renomear tais instituições

familiares de forma a entender o fundamento da regulação jurídica. Para Maria

Berenice Dias a dilatação conceitual das relações interpessoais interferiu de tal

forma na família a ponto desta não ter mais um significado singular, mas plural,

reconhecendo, assim, “[…] extrema mobilidade das configurações familiares […]”

(DIAS, 2011, p. 40).

Passando pelas famílias matrimoniais (formadas através da celebração do

casamento), monoparentais (compostas por apenas um dos genitores), anaparentais

(constituídas através da convivência entre parentes ou entre pessoas, ainda que não

parentes, em uma estrutura com finalidade familiar) e pluriparentais (assim tratada

aquela que surge com a pluralidade de relações familiares), chega-se à família

sociológica, considerada aquela em que há a prevalência dos laços afetivos.

Independendo do vínculo jurídico ou biológico entre cada membro, tal

instituição tem como base os fatores subjetivos e esperados de um laço familiar,

qual sejam a proteção, a integração e o desenvolvimento de cada membro de forma

a possibilitar uma vida saudável e digna. Como bem aponta Julie Cristine Delinski

(1997, p. 34), “nessa concepção, a família extrapola sua composição meramente

biológica, deparando-se com outros valores, afetivos, emotivos e até psicológicos. ”

Importante ainda ressaltar que para a sociedade, o entendimento de

paternidade não é restrito à filiação biológica. A exemplo disso o bordão “pai é quem

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cria”, reflexo de uma realidade em que o laço sanguíneo não é relevante se não é o

pai biológico quem cuida, protege, educa e assume todas as responsabilidades

inerentes a um pai. Nesse diapasão, afirma Jacqueline Filgueiras Nogueira

A filiação, nesse caso, é verificada por uma manifestação espontânea dos pais sociológicos, que, por pura opção, efetivamente mantêm um vínculo de filiação, ao desempenhar um papel protetor, educador e emocional de pais, devendo estes ser considerados como os verdadeiros pais em caso de conflito de filiação. Deve ser considerada como mais relevante a família sociológica, pois é a paternidade determinada por um construído diário e não por um mero fator de sangue; haverá de ser levada em conta a

realidade sociológica vivenciada pela criança. (2001, p. 56)

Ainda quanto à filiação, cabe ressaltar que a adoção é a maior prova de que a

família nasce da convivência, se construindo aos poucos em amor e cuidado. O fato

dos pais adotivos serem pais por opção demonstra a relativização da família

provinda apenas das relações sanguíneas. Sabendo disso, a própria legislação

brasileira, na figura do art. 28, §3º do Estatuto da Criança e do Adolescente, dispõe

de forma expressa a questão do laço afetivo como critério de escolha no momento

da colocação da criança em uma família substituta.

Assim, diante de todo o exposto, é possível observar que o legislador

procurou favorecer um tipo de união familiar, no entanto abriu diversas outras

possibilidades de agregação justamente por entender que “[…] a forma de

convivência familiar ideal é a que aquela família particular conseguiu construir, de

acordo com as suas necessidades” (NOGUEIRA, 2001, p. 61). Dessa forma, é

importante que o Estado garanta a constituição familiar, regulando todos os direitos

e deveres de seus integrantes, mas sem interferir na liberdade de administração e

existência da família.

3 FILIAÇÃO

Uma vez analisada a família, faz-se necessária ainda a observância de outro

aspecto desse instituto: a filiação. É sabido que os direitos hoje adquiridos aos

diversos tipos de filiação foram decorrentes de várias mudanças culturais e jurídicas

importantes, tornando-se oportuna a identificação dos principais pontos que nos

levaram à realidade na qual estamos inseridos.

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Através da história, são várias as fontes que influenciaram o pensamento

jurídico mundial, no entanto, uma que serviu de base para o modelo adotado,

sobretudo no acidente, foi o romano, recebendo destaque na área do Direito Civil, na

qual se encontra o direito de família e, mais especificamente, a filiação (WELTER,

2003, p. 65). Verifica-se que nessa tradição a presunção de paternidade era nos

termos do preceito latino “pater is est quem nuptiae demonstrant”, que em outras

palavras significa dizer que presume-se ser o pai aquele que está inserido no núcleo

familiar pelo casamento.

Nas palavras de Eduardo de Oliveira Leite (1994, p. 120)

Toda a estrutura do parentesco do mundo ocidental, de tradição romana, sempre se encontrou edificado na presunção de paternidade – pater is est quem justae nuptias demonstrat – (é pai quem demonstra justas núpcias) que consagrou, a partir de 1804 (Código Napoleônico) uma paternidade calcada na legitimidade decorrente do casamento. Ali onde há núpcias, há marido e mulher e, necessariamente, este marido é o pai das crianças

oriundas desta relação conjugal.

Assim, é possível ver reflexo da tradição romana e francesa no direito

brasileiro. Ao defender a constituição da família pelo casamento, o Código Civil

brasileiro de 1916 consequentemente também adotou a presunção pater is est,

desconsiderando os filhos advindos de relacionamentos extramatrimoniais ao fazer

diferenciação entre os chamados filhos legítimos e ilegítimos.

Observa-se, portanto, que o modelo de filiação apresentado pelo Código Civil

de 1916 tutelava apenas a prole advinda de casamento regular ou de decisão

judicial (através da adoção), se fechando à possibilidade de reconhecimento de

paternidade de relações extramatrimoniais, ou condicionando o reconhecimento a

posterior casamento entre os envolvidos. Assim, os filhos advindos dessas relações

estavam à margem da família e da sociedade.

Diante desse quadro, que não contemplava a realidade social do país, houve

a necessidade de mudança. Mais uma vez é importante ressaltar o caráter inovador

da Constituição Federal brasileira, que por ter sido pautada nos princípios legais da

dignidade da pessoa humana e da não discriminação, transformou o Direito de

Família, de forma a assegurar direitos a parcelas da população outrora esquecidas.

Desta forma, no que tange à filiação, apenas em 1988 foi considerado ilegal todo e

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qualquer tipo de distinção entre os filhos, inutilizando-se assim, através do art. 277,

§6º, as expressões de filiação legítima ou ilegítima (NOGUEIRA, 2001, p. 39).

Nas palavras de Maria Berenice Dias (2011, p. 357)

A nova ordem jurídica consagrou como fundamental o direito à convivência familiar, adotando a doutrina da proteção integral. Transformou crianças e adolescentes em sujeitos de direito. Deu prioridade à dignidade da pessoa humana, abandonando a feição patrimonialista da família. Proibiu quaisquer designações discriminatórias à filiação, assegurando os mesmo direitos e qualificações aos filhos nascidos ou não da relação de casamento e aos filhos havidos por adoção.

Por todo o exposto, é possível dizer que a identificação dos vínculos de

parentalidade se modificou, levando ao surgimento de novos conceitos e a

necessidade de utilização de uma nova linguagem, qual seja a da filiação social,

também chamada de filiação socioafetiva, que nada mais é do que a consagração

de valores do direito de família no ramo da filiação. Ao se privilegiar o vínculo afetivo

existente entre pai e filho amplia-se o conceito de paternidade, afastando a filiação

biológica e considerando a posse de estado de filho. Nas palavras de Paulo Lôbo

(2006, apud DIAS, 2011, P. 358)

O ponto essencial é que a relação de paternidade não depende mais da exclusiva relação biológica entre pai e filho. Toda paternidade é necessariamente socioafetiva, podendo ter origem biológica ou não. Em outras palavras, a paternidade socioafetiva é gênero do qual são espécies a paternidade biológica e a paternidade não biológica.

Não mais interessa a origem da filiação, mas sim o vínculo existente entre os

pais e a criança, isso porque com toda a modernização e avanço tecnológico, a

reprodução deixou de ser um fato puramente natural, estando já sujeito à vontade

humana, sob a forma das inúmeras técnicas de manipulação genética.

Não se descarta, porém, a busca pela verdade genética real em substituição

à verdade jurídica. Possibilitada pelos exames de DNA e pautada no direito de

personalidade e de identidade, o direito de conhecer os pais biológicos é

assegurado, não obstante a paternidade tenha deixou de ser um ato físico para ser

uma opção, “[…] extrapolando os aspectos meramente biológicos, ou

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presumidamente biológicos, para adentrar com força e veemência na área afetiva”

(DELISNKI, 1997, p.12).

Quanto ao estabelecimento do vínculo parental, Maria Berenice Dias

apresenta três critérios: o jurídico, que estabelece a paternidade por presunção,

prevista no Código Civil; o biológico, que se tornou popular após os avanços

tecnológicos e facilidade de acesso ao exame de DNA; e por último, o critério

socioafetivo, fundado, segundo a autora, “[…] no melhor interesse da criança e na

dignidade da pessoa humana, segundo o qual pai é o que exerce tal função, mesmo

que não haja vínculo de sangue” (2011, p. 359).

O critério jurídico, fundado na presunção da paternidade, possui relevância

visto que todos os direitos e deveres decorrentes da filiação, amparando o filho e

responsabilizando os pais decorre de tal ficção jurídica (DIAS, 2001, p. 360). Ocorre,

entretanto que, ainda que nossa atual codificação apresente a presunção de

paternidade como centro do reconhecimento da filiação, tal fato tem cada vez mais

se distanciado da realidade, visto que, diante de tantas mudanças, avanços

tecnológicos e facilidade de acesso a meios de se verificar a origem biológica,

muitos tribunais e doutrinadores têm considerado essa a fonte preferível à

presunção, o que nos leva ao próximo critério: o biológico.

É preciso observar que o direito de conhecer a origem genética é princípio

fundamental e personalíssimo. É direito de personalidade ter conhecimento e

reconhecimento da filiação, o que não significa, necessariamente, sua inserção no

seio familiar, pois, como afirma Paulo Lôbo “[…] uma coisa é vindicar a origem

genética, outra é investigar a paternidade. A paternidade deriva do estado de

filiação, independentemente da origem biológica” (2003, p. 133-156).

Como resultado dessa paridade entre as filiações biológicas e afetivas têm-se

o aumento da complexidade nas ações relacionadas à paternidade, isso porque,

apesar da verdade genética ser considerada, ela sozinha não é suficiente para o

estabelecimento do vínculo. É preciso que se demonstre a existência ou não da

afetividade. Nas palavras de Maria Berenice Dias

Nunca foi tão fácil descobrir a verdade biológica, mas essa verdade passou a ter pouca valia frente à verdade afetiva. Tanto é assim que se estabeleceu a diferença entre pai e genitor. Pai é o que cria, o que dá amor, e genitor é somente o que gera. Se, durante muito tempo – por presunção legal ou por falta de conhecimentos científicos –, confundiam-se essas duas figuras, hoje possível é identificá-las em pessoas distintas (2011, p. 365)

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Tal afirmativa nos leva ao vínculo de filiação estabelecido pelo critério

socioafetivo. Para esse critério, a necessidade da existência entre um vínculo maior

que o fisiológico se encontra no fato de que a criança não se vincula,

necessariamente, aos pais biológicos, se não forem estes que atendem a todas as

suas necessidades, dentre elas o cuidado, carinho e amparo sentimental. Assim, faz

a doutrina distinção entre dois momentos da filiação: o fisiológico, em que se

assenta a verdade biológica, e o psicológico, pelo qual se determina a filiação

afetiva.

Em uma análise psicanalítica, o que importa no seio familiar é a disposição e

papel de cada membro dentro da estrutura interna e funcional que deve ser a

família. O modelo ideal seria a coexistência dos critérios biológico, jurídico e

socioafetivo, mas caso essa não seja a realidade, deve o Estado dar especial

atenção a esse último, uma vez que ele salvaguarda o melhor interesse da criança.

Como observa Rose Melo Vencelau (2004, p. 11), “[…] em algumas situações onde

há eventual dissonância entre a filiação juridicamente estabelecida e o dado

genético, é de grande valia o critério socioafetivo […].”

3.1 ADOÇÃO NO BRASIL

Criado com a finalidade de dar filhos a quem não podia tê-los, o instituto da

adoção é encontrado no sistema jurídico e cultural de diversos e antigos povos.

Traduzido do latim, tal termo significa “tomar alguém como filho”. Assim, diante de

toda a complexidade existente para sua concretização, são várias as definições

dadas pela doutrina para a adoção. Para Arnoldo Wald, por exemplo, adoção é “um

ato jurídico bilateral que gera laços de paternidade e filiação entre pessoas para as

quais tal relação inexiste naturalmente” (1991, p. 183). Sílvio de Salvo Venosa

também a destaca como “[…] modalidade artificial de filiação que busca imitar a

filiação natural” (2007, p. 253). Apesar de serem várias as conceituações dadas pela

doutrina pátria, todas se encaminham para um mesmo ponto, que pode ser

observado nas falas dos autores supracitados. Extrai-se daqui o motivo de ser

também chamada de filiação civil, uma vez que o laço que liga pais e filhos não é o

biológico, mas sim a manifestação de vontade somada à sentença judicial. Assim, a

adoção é uma filiação exclusivamente jurídica, fazendo com que “[…] uma pessoa

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passe a gozar do estado de filho de outra pessoa, independentemente do vínculo

biológico” (VENOSA, 2007, p. 253).

Importante destacar que o atual enfoque da adoção é o de salvaguardar os

interesses e o bem estar do adotado antes dos interesses dos adotantes, isso por se

entender a flagrante disparidade e a já difícil situação em que se encontra a criança.

Com o advento da Constituição Federal de 1988 o direito de família passou a

ter nova roupagem, baseada em princípios diferentes dos até então adotados.

Buscou-se, portanto, a aplicação de um Direito Civil constitucionalizado, uma vez

que as normas de regulação da vida social privada deixaram de ser exclusividade do

Código Civil (DIAS, 2011, p. 32). Assim, surgiu a Lei 8.069 de 13 de julho de 1990,

hoje conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente.

Importante observar a ressalva da Andréa Rodrigues Amin (2010, p. 9) de que

“[…] o Estatuto da Criança e do Adolescente resultou da articulação de três

vertentes: o movimento social, os agentes do campo jurídico e as políticas públicas.

” Assim, coube à primeira vertente, a do movimento social, reivindicar uma melhor

regulamentação às necessidades da época. Aos agentes jurídicos, por sua vez,

coube a tradução técnica desses anseios, de forma a possibilitar a terceira vertente,

o poder público, que por estar em um momento propício, efetivou o anseio social

através de uma regulamentação legislativa. Desta forma, “crianças e adolescentes

deixam de ser objeto de proteção assistencial e passam a titulares de direitos

subjetivos” (AMIN, 2010, p.9).

Diante dessa nova realidade, algumas foram as conquistas expressamente

dispostas pelo legislador no momento da construção da Lei 8.069/1990. Dentre

todas, no entanto, ressalta-se a que se encontra no art. 41, caput8, relevante para a

discussão a que se propõe este trabalho por estabelecer a igualdade entre as

filiações biológica e sociológica. Por consequência, o adotado – advindo de um laço

afetivo, mas não consanguíneo – passa a gozar da condição de filho para todos os

efeitos jurídicos, desligando-se de sua família biológica para ser inserido em outro

ambiente familiar. Assim, uma vez estabelecido o novo vínculo filial, “[…] o vínculo

8 Art. 41. A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais. BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Legislação Federal. Sítio eletrônico internet – planalto.gov.br

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de consanguinidade não resulta qualquer outro efeito jurídico, pessoal ou

patrimonial” (DIAS, 2011, p. 484).

É preciso observar, entretanto, que a adoção é medida excepcional, devendo

ser usada somente quando se esgotarem todas as possibilidades de vivência da

criança com seus pais biológicos ou família extensa, resguardando a lei, ainda, em

caso de adoção, o direito do adotado de ter conhecimento de sua origem biológica

bem como o acesso aos documentos que integraram o processo de adoção (art. 48,

ECA).

Tal cuidado do legislador evidencia a aplicação do princípio geral e fundante

do Estado de Direito Democrático: o princípio da dignidade da pessoa humana,

reconhecido também como direito fundamental.

Posto isso, há de se falar ainda, em dois princípios basilares no ramo da

adoção, o do melhor interesse da criança e o da afetividade. Quanto ao primeiro,

que antes mesmo de ser adotado no Brasil, foi recepcionado pela comunidade

jurídica internacional através da Declaração dos Direitos da Criança de 1959,

Andréa Rodrigues Amin (2010, p. 27) explica que sua incorporação se deu através

do artigo 227 da Constituição Federal. A jurista ainda complementa

Trata-se de um princípio orientador tanto para o legislador quanto para o aplicador, determinando a primazia das necessidades da criança e do adolescente como critério de interpretação da lei, deslinde de conflitos, ou mesmo para elaboração de novas regras. Assim, na análise do caso concreto, acima de todas as circunstâncias fáticas e jurídicas, deve pairar o princípio do melhor interesse, como garantidor do respeito aos direitos fundamentais titularizados por crianças e jovens.

Diante disso, é possível observar que o Estado impôs a si mesmo

determinadas obrigações para com seus cidadãos, dispondo expressamente em sua

Carta Magna diversos direitos que têm por objetivo garantir a dignidade. Para Maria

Berenice Dias, ao fundamentar sua tese quanto ao princípio da afetividade, mesmo

que a palavra ‘afeto’ não se encontre no texto constitucional, ela está presente no

compromisso firmado pelo Estado para com seus cidadãos no momento do pacto

social.

Apesar de não constituir um princípio positivado, há o entendimento

doutrinário de que a afetividade tem guiado o legislador e o aplicador do direito em

momentos em que a própria lei se mostra em desconexão com a realidade

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vivenciada na sociedade. Belmiro Pedro Welter (2004, p. 64) expõe que, “com a

consagração do afeto a direito fundamental, resta enfraquecida a resistência dos

juristas que não admitem a igualdade entre a filiação biológica e a socioafetiva.” No

mesmo sentido aponta Sérgio Resende de Barros (2003, p. 149), quando afirma que

“[…] a posse do estado de filho nada mais é do que o reconhecimento jurídico do

afeto, com claro objetivo de garantir a felicidade, como um direito a ser alcançado.”

Por fim, Maria Berenice Dias (2011, p. 71) complementa ao afirmar que, em meio à

evolução social “[…] o direito das famílias instalou uma nova ordem jurídica para a

família, atribuindo valor jurídico ao afeto”, justificando, assim, a existência de um

princípio da afetividade.

Infelizmente a prática nem sempre corresponde à intenção legal, no entanto,

como princípios, o melhor interesse e a afetividade devem ser considerados em

medidas judiciais, para que o direito à dignidade da pessoa humana referente às

crianças e adolescentes não seja violado.

4. ADOÇÃO À BRASILEIRA E A PATERNIDADE SOCIOAFETIVA

4.1 PATERNIDADE SOCIOAFETIVA

A redação do art. 226 da Constituição Federal de 1988 traz em seu caput a

realidade existente nos demais textos legais atualmente vigentes: que “a família,

base da sociedade, tem especial proteção do Estado. ” Tal fato demonstra a

preocupação do legislador de assegurar ambiente propício à vivência e crescimento

do ser humano em estrutura que acaba se tornando seu primeiro ponto de

identificação social (DIAS, p. 357).

A partir dessa premissa, e levando em conta ainda os novos modelos de

família, é possível observar que as diversas mudanças sociais e jurídicas ao longo

dos anos levaram a uma nova interpretação das relações familiares. Não obstante

os avanços tecnológicos, que proporcionam a certeza da filiação biológica, outros

aspectos passaram a ser considerados, dentre eles o caráter afetivo existente para a

criação de um vínculo parental. Daí justifica Maria Berenice Dias (2011, p. 357) o

surgimento de “[…] novos conceitos e de uma nova linguagem que melhor retrata a

realidade atual: filiação social, filiação socioafetiva, estado de filho socioafetivo etc.”

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Luiz Edson Fachin (1996, p. 33), ao discorrer sobre a atualidade desse novo

entendimento ainda afirma que

A verdadeira paternidade pode não se explicar apenas na autoria genética da descendência. Pai também é aquele que se revela no comportamento cotidiano, de forma sólida e duradoura, capaz de estreitar os laços da paternidade numa relação pscicoafetiva; aquele, enfim, que, além de poder lhe emprestar seu nome de família, trata-o como sendo verdadeiramente seu filho perante o ambiente social.

De semelhante forma Rodrigo da Cunha Pereira (1997, p. 134) se posiciona

quando ensina que, apesar da responsabilidade civil recair principalmente quanto ao

que detém o vínculo biológico, “[…] a verdadeira paternidade só se torna possível a

partir de um ato de vontade ou de um desejo, podendo, ou não, coincidir com o

elemento biológico”.

Nas palavras de Luiz Edson Fachin (1992, p. 23), “[…] a paternidade se

constrói; não é apenas um dado: ela se faz.” Assim, fica evidenciado o entendimento

doutrinário de que o laço biológico, apesar de dever ser considerado, é insuficiente

para que se determine a paternidade, uma vez que esta última envolve elementos

não tão palpáveis quanto os dados genéticos (VENCELAU, 2004, p. 113). Afirma-se,

portanto, a paternidade socioafetiva, traduzida juridicamente no que se denomina

posse de estado de filho (FACHIN, 1996, p. 36).

Nas palavras de Maria Berenice Dias (2011, p. 371), “quando as pessoas

desfrutam de situação jurídica que não corresponde à verdade, detêm o que se

chama de posse de estado.” No caso da posse de estado de filho afetivo, é possível

dizer que esta nasce com a exteriorização da paternidade, com o parecer e se portar

como pai.

Apesar da atualidade do termo, é preciso observar, no entanto, que a posse

de estado de filho é construção antiga, advinda dos tempos em que não se havia

sistema de registro de nascimento. Assim, como forma de regulamentação da

filiação, utilizava-se como critério para a vinculação de paternidade a realidade fática

de conexão e dispensa de cuidado do pai para com a criança. Após se verificar a

existência de relações baseadas exclusivamente no afeto, a posse de estado de

filho foi resgatada, como forma de embasar a paternidade socioafetiva (NOGUEIRA,

2001, p. 111).

Apesar disso, no entanto, é preciso frisar que não há no Código Civil brasileiro

disposição expressa acerca da posse de estado de filho, contudo, como observa

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Luiz Edson Fachin, a jurisprudência tem revelado elementos que coincidiriam com o

que se tem entendido sobre posse de estado de filho e, “mesmo sem tê-la

explicitamente assumido, essa ideia se faz presente em inúmeros acórdãos” (1996,

p. 63).

Assim, por falta de regulação legal, coube à doutrina conceituar esse instituto.

Nas palavras de Orlando Gomes (1994, p. 331), a posse de estado de filho é “[…] ter

de fato o título correspondente, desfrutar as vantagens a ele ligadas e suportar seus

encargos. É passar a ser tratado como filho.” Julie Cristine Delinski (1997, p. 55)

complementa quando afirma que “a ‘posse de estado’ é o exercício de fato

representado pela aparência de um estado, donde se presume sua existência, de tal

forma que ela permite provar a filiação de afeto. ”

José Bernardo Ramos Boeira (1996, p. 54) ainda ensina que

A posse do estado de filho revela a constância social da relação entre pais e filhos, caracterizando uma paternidade que existe, não pelo simples fato biológico ou por força de presunção legal, mas em decorrência de

elementos que somente estão presentes, frutos de uma convivência afetiva.

Assim, é possível observar que a maior parte dos autores confere grande

importância à posse de estado de filho por acreditarem que tal instituto representa a

realidade na qual se insere a criança. Ao entenderem a insuficiência do laço

biológico, adotam a teoria da aparência, através da qual são analisados os

elementos nomen, tractatus e reputatio (pertencentes à trilogia clássica).

Por nomen se entende a utilização do nome de família; por tractatus, o

tratamento dos supostos pais, ao assegurarem a educação, instrução e

manutenção; por fim, a reputatio (também conhecida como fama) se dá pela

notoriedade social da filiação, pelo reconhecimento de terceiros da existência de

vínculo filial (FACHIN, 1996, p. 69).

Deste modo, para que se possa conferir a posse de estado de filho a alguém,

é preciso que se observe a utilização do nome, o tratamento dispensado e o

reconhecimento do vínculo pela sociedade. Dentre esses três critérios, contudo, o

tratamento tem sido considerado o item mais importante, já que através dele se

analisa o cuidado despendido à criança.

Seja como for, é possível afirmar que a conjugação desses três elementos

não é taxativa, dependendo da análise casuística para que se configure ou não a

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posse de estado de filho afetivo. Ocorre, contudo, a existência de um quarto fator a

ser analisado, além dos elementos já elencados: o tempo. Por se considerar que o

vínculo afetivo é uma construção diária, não há como se caracterizar a posse de

estado de filho se ela não perdurar no tempo. Ela não precisa necessariamente ser

atual, mas precisa ser habitual, para que se caracterize a estabilidade do vínculo

criado. Sobre isso explica Luiz Edson Fachin (1996, p. 70)

Em regra, as qualidades que se exigem estejam presentes na posse de estado são: publicidade, continuidade e ausência de equívoco. A notoriedade se mostra na objetiva visibilidade da posse de estado no ambiente social; esse fato contínuo, e essa continuidade, que nem sempre exige atualidade, deve apresentar certa duração que revele estabilidade. Os fatos, enfim, dos quais se extrai a existência da posse de estado não devem

causar dúvida ou equívoco.

O mesmo autor ainda ensina

Não há, com efeito, definição segura da posse de estado de filho nem enumeração exaustiva de tais elementos e, ao certo, nem pode haver, pois parece ser da sua essência constituir uma noção flutuante, diante da heterogeneidade de fatos e circunstâncias que a ceram (FACHIN, 1996, p.

67).

Assim, pelo fato do cabimento da posse de estado de filho não se dar

prioritariamente em relação à filiação biológica, mas sim às baseadas no afeto, com

a valorização da paternidade socioafetiva, cabe agora analisar as diversas formas

de caracterização desses tipos de filiação.

Apesar da omissão do legislador quanto à posse de estado de filho afetivo, é

possível que se enquadre a filiação advinda do afeto como de “outra modalidade”,

como permite o texto legal (1.5939 do Código Civil).

Importante observar, ainda, que a jurisprudência, atenta às necessidades da

sociedade (NOGUEIRA, 2001, p. 180), tem reconhecido a posse de estado de filho

“[…] com o objetivo prioritário de garantir à criança todos os direitos a ela

9 Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Legislação Federal. Sítio eletrônico internet – planalto.gov.br

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resguardados, na busca de permitir o seu bem-estar e a sua felicidade”, como

ensina Jacqueline Filgueiras Nogueira (2001, p. 180).

Posto isso, alguns doutrinadores apresentam espécies de filiação

socioafetiva. Ou seja, situações, reguladas ou não pelo direito, mas reais na

sociedade, em que, em atendimento ao melhor interesse da criança, a verdade

afetiva deve ser levada em consideração.

A primeira espécie de filiação afetiva apresentada é a advinda da adoção,

isso por se tratar de manifestação de vontade espontânea, concretizada através de

vínculo jurídico com o qual se oportuna à criança a vivência em núcleo familiar

equilibrado. Para Jacqueline Filgueiras Nogueira

Por certo que é a adoção o instituto jurídico mais importante para acabar com qualquer dúvida que possa existir, acerca da relevância do afeto nas relações familiares, justamente porque esse vínculo jurídico é estabelecido de forma voluntária, com o intuito de formar uma família, onde o afeto deve configurar de forma recíproca entre os componentes que a integram. Dessa forma, recebem os laços afetivos inequívoca tutela jurídica (2001, p. 91).

A razão de ser de tal afirmativa está no fato de que, com a declaração de

paternidade baseada em ato judicial, a realidade biológica deixa de ser a única

vertente analisada. Antônio Chaves (1995 apud WELTER, 2003, P. 148) ainda

declara que o vínculo biológico existente entre pai e filho é tão real quanto o vínculo

afetivo que une o pai e filho advindos de relação de adoção.

A realidade brasileira do filho de criação é a segunda espécie de filiação

socioafetiva apontada pela doutrina. Tal modalidade ocorre quando, mesmo sem

qualquer vínculo biológico ou jurídico, determinada família “adota” a criança ou

adolescente por opção e denomina-o de filho de criação, nome que representa todo

o cuidado e afeto a ele demonstrado. Apesar disso, no entanto, os tribunais têm se

dividido quanto ao entendimento de equiparação dos filhos de criação, fazendo uma

análise puramente casuística.

ADMINISTRATIVO. PENSÃO MILITAR. REVERSÃO À FILHA DE CRIAÇÃO. EQUIPARAÇÃO À FILHA ADOTIVA. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. DATA DO ÓBITO. LEI Nº3.765/60. 1. A jurisprudência vem afirmando que a norma aplicável para a concessão de pensão militar é aquela vigente à época do óbito de seu instituidor, tornando-se irrelevante a data do requerimento administrativo ou do falecimento de sua mãe.

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2. Aplicam-se ao caso a Súmula 116 do TCU, Lei nº 3.765/60, bem como o art. 227, § 6ºda CF/88, para fins de equiparação da filha de criação à filha adotiva.10

Como se depreende da análise de tal julgado, o Tribunal Regional Federal da 4ª

Região, em Apelação Cível, equiparou a filha de criação à filha adotiva. Em

contraponto, o julgado proferido pelo Tribunal Regional da 2ª Região negou a

equiparação por falta de previsão legal.

EMENTA ADMINISTRATIVO - MILITAR - PENSÃO POR MORTE –FILHA DE CRIAÇÃO - MAIOR DE IDADE - PENSÃO - LEI Nº 3765/60 - SÚMULA Nº116/TCU - PRECEDENTES. -Objetivando habilitar-se à pensão militar; aduzindo a qualidade de filha de criação de ex-militar falecido em 1985 e de sua obituada esposa, beneficiária de indicado benefício, ante o fato de ter sido entregue aos 3 (três) meses de idade aos mesmos, e desde então por eles criada como filha, ajuizou a ora apelante o presente feito, julgado improcedente, entendendo o Magistrado de piso pela inexistência de previsão na norma de regência art.7º, Lei 3765/60, de enquadramento de filha de criação como beneficiária da pensão militar. -Em que pese a orientação firmada pelo Tribunal de Contas da União Súmula nº116, certo é que o deferimento da pensão em epígrafe, nos moldes em que postulada, não prescinde da constatação da condição de filho, nos termos da Lei Civil, à época do óbito do instituidor 1985 . -O art.7º, II da Lei nº3765/60 elenca como beneficiários da pensão militar, dentre outros, os filhos de qualquer condição, exclusive os maiores do sexo masculino, que não sejam interditos ou inválido, estando ligada tal nomenclatura à antiga classificação de filiação (legítimos, ilegítimos e adotivos), não se estendendo aos chamados filhos de criação pelo que, inexiste previsão legal de enquadramento da filha de criação como beneficiária da pensão militar. - De toda sorte, sequer se poderia cogitar do pensionamento a título de beneficiário instituído, dada a impossibilidade de reversão em favor deste, como se observa do art. 24, parágrafo único, da Lei nº 3.765/60. -Destarte, A lei acima descrita não faz das chamadas filhas de criação beneficiárias da pensão e, sim, coíbe a discriminação em relação aos filhos, fazendo prevalecer o tratamento igualitário e estendendo o direito ao pensionato aos filhos legítimos, ilegítimos e adotivos. (TRF2, AC 2006.5101.009225-0/RJ, DJ03/09/08), sendo certo que, A condição de filho não admite elastério. A filha de criação ou agregada não pode ser equiparada a filhos de qualquer condição.(mutatis TRF4, MAS 970423059-1/RS, DJ 09/08/00) -Fixadas estas premissas, correta, portanto a decisão objurgada, restando justificado o não pagamento do benefício perseguido, posto que, Não há amparo legal à concessão da pensão militar para "filha de criação”, com base exclusivamente no argumento de que a menor vivia sob a guarda do falecido (TRF2, AC1996.5101.0051239/RJ, DJ06/03/03; mutatis, TRF2, AC 2003.5101.017544-0/RJ, DJ 12/06/07; mutatis, TRF2, AC 2003.5101.025130-2/RJ, DJ02/12/05, mutatis TRF4, AC 20010401032582-

10 BRASIL. Tribunal Regional Federal. (4.Região). Administrativo. Pensão Militar. Reversão à Filha de Criação. Equiparação à Filha Adotiva. Legislação Aplicável. Data do Óbito. Lei nº 3.765/60. Apelação Cível nº 45730 – RS (2001.04.01.045730-0). Apelante: Edy Olga Monteiro Horn. Apelada: União Federal (Ministério do Exército). Relator: Desembargadora Federal Marga Inge Barth Tessler. Porto Alegre, 17 de setembro de 2007. Disponível em: < http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1258611/apelacao-civel-ac-45730-rs-20010401045730-0-trf4> Acesso em: 10 abril 2013.

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0/RS, DJ 14/11/01), e, sobretudo por cuidar-se de pessoa maior, presumidamente válida, sem provas de dependência econômica, o que

deságua na sua manutenção. -Precedentes. -Recurso desprovido.11

Daí a dificuldade em se falar de paternidade socioafetiva quanto ao filho de

criação, visto que este nem sempre é equiparado, em todos os direitos e deveres,

aos filhos adotivos ou biológicos.

A próxima figura apontada pela doutrina é a filiação socioafetiva advinda de

procriação artificial, campo relativamente novo na área jurídica. Com o domínio de

técnicas que possibilitaram a concepção de forma artificial e programada, a ciência

trouxe à luz também a relativização da paternidade genética, uma vez que protege a

identidade dos doadores de material genético (vencelau, 2004, p. 124).

Aqui mais uma vez se apresenta o fato de que o ideal seria que a paternidade

jurídica, biológica e afetiva se concentrasse em uma única pessoa, mas como essa

não é a realidade, cabe ao jurista resguardar os interesses da criança, de forma a

conferir força à paternidade que melhor lhe atender. No campo das reproduções

artificiais, assim como na adoção, fica evidenciado que o que melhor atende à

criança é aquele que lhe proporciona o afeto e o sustento. Assim, novamente há a

relativização e desconsideração da paternidade biológica por se considerar o vínculo

socioafetivo formado no núcleo familiar.

Por fim, a última modalidade, apresentada por Belmiro Pedro Welter, é a

filiação socioafetiva na adoção à brasileira, tema do presente trabalho e objeto de

estudo do próximo tópico.

11 BRASIL. Tribunal Regional Federal. (2.Região). EMENTA ADMINISTRATIVO - MILITAR - PENSÃO POR MORTE –FILHA DE CRIAÇÃO - MAIOR DE IDADE - PENSÃO - LEI Nº 3765/60 - SÚMULA Nº116/TCU - PRECEDENTES. Apelação Cível nº 571840 – RJ (2011.51.01.008686-5). Apelante: Leila Maria Cordeiro de Lima. Apelada: União Federal. Relator: Desembargador Federal Poul Erik Dyrlund. Rio de Janeiro, 5 de março de 2013. Disponível em: <http://jurisprudencia.trf2.jus.br/v1/search?q=cache:TDFxES92U3oJ:www.trf2.com.br/idx/trf2/ementas/%3Fprocesso%3D201151010086865%26CodDoc%3D274971+filha+de+cria%C3%A7%C3%A3o+&client=jurisprudencia&output=xml_no_dtd&proxystylesheet=jurisprudencia&lr=lang_pt&ie=UTF-8&site=ementas&access=p&oe=UTF-8 >. Acesso em: 10 de abril 2013.

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4.2 ADOÇÃO À BRASILEIRA

Seja pela vocação da paternidade ou pela vontade de ter uma descendência,

os filhos são aguardados no seio familiar. Entretanto, tal processo nem sempre é tão

simples, uma vez que não é determinado apenas pela vontade do casal, mas

também por uma série de fatores genéticos.

Diante disso, e pensando o legislador na possibilidade de dar família a quem

não a tem, criou-se o sistema de adoção, através do qual pode uma pessoa, desde

que habilitada judicialmente, inserir em sua vida uma criança, com o fim de dar a ela

todo o cuidado, zelo e amor que esta merece. Ocorre, contudo, que por diversos

fatores que serão analisados na sequência, a escolha do casal nem sempre é a da

adoção legalmente autorizada, mas de costume diverso deste: a adoção à brasileira.

Conhecida também como registro de filho alheio em nome próprio, essa prática se

consagrou como “Adoção à Brasileira” através da jurisprudência, uma vez que se

trata de ato disseminado no Brasil através do tão famoso “jeitinho brasileiro”. Valdir

Sznick ensina que “convencionou-se chamar de adoção à brasileira um sistema de

adoção ‘à galega’, ou seja, uma adoção feita sem o apoio da lei; adoção feita,

apenas, de acordo com a vontade do interessado” (SZNICK, 1999, P. 451). Galdino

Augusto Bordallo ainda acrescenta que

Esta figura não pode ser classificada como uma modalidade do instituto da adoção, pois trata-se na verdade, do registro de filho alheio como próprio. Vem recebendo esta denominação pela doutrina e pela jurisprudência pelo fato de configurar a paternidade socioafetiva, cujo grande exemplo é a

adoção e a ela se assemelhar neste ponto (2010, p, 255).

Assim, é possível afirmar que a adoção à brasileira traduz-se pelo registro de

filho de outrem como se fosse seu. Seria um tipo de adoção informal, não tutelada

pelo ordenamento jurídico por desobedecer às regras existentes no processo de

adoção regular. Para que a análise a esse costume seja acertada, é preciso verificar

os fatores e motivações que levam tantas famílias brasileiras a recorrerem a esse

método para terem consigo uma criança.

Apesar do que muito se ouve falar sobre a quantidade de crianças em abrigos, é

preciso verificar primeiramente quantas delas estão, de fato, disponíveis para a

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adoção. Essa é a realidade exposta por Tatiana Wagner Lauand de Paula (2007, p.

67).

Assim, em atendimento à preferência constitucional de manter a criança tanto

quanto o possível com sua família biológica, as crianças que acabam por estar

efetivamente à disposição para a adoção são as que têm pais desconhecidos (isso

depois de esgotadas as vias possíveis para encontra-los), e aquelas em que o poder

familiar foi destituído da família biológica. Independente do modo, no entanto, na

prática, por conta do tempo que ambas as opções levam para ser processadas, as

crianças já não se encontram na faixa etária de preferência da maioria dos

candidatos, o que implica em sua vivência em abrigos.

Há de se observar, ainda, que os candidatos à adoção, para estarem

habilitados, precisam passar por uma série de etapas impostas pela lei, com o fim de

se assegurar que há não somente a vontade de se criar uma criança, mas também a

estrutura física, material e emocional para atender todas as demandas do adotado.

Diante do exposto alguns são os motivos principais apontados pela doutrina como

encorajadores da prática da adoção à brasileira. O primeiro deles, já observado aqui,

é que, uma vez na posse da criança, a tentativa de regularização da situação pode

acarretar a perda do já considerado filho. Assim, optam por registrá-lo como natural.

O segundo motivo apresentado advém de herança histórica com a consideração da

adoção como categoria inferior de filho. Assim, muitos praticam a adoção à brasileira

com o objetivo de jamais dizer à criança que ela é adotada (SZNICK, 1999, p. 451).

Há ainda aqueles que assim procedem por medo de não conseguirem a habilitação.

Há a necessidade de análise, ainda, das situações em que a gestante, em

combinação prévia com os futuros pais, dá a criança à adoção. Por esse lado, são

diversas as motivações que a levam a dispor da criança, destacando-se, contudo, a

gravidez indesejada (na sua maioria no período da adolescência) e a falta de

condição financeira para a criação. Claudia Fonseca (Acesso em Ago/2012) ainda

explica o que as leva a optar pelo meio ilegal de desconsideração da paternidade

biológica

Ainda que a adoção à brasileira apague a mãe biológica do registro oficial, ela lhe confere uma margem de manobra muito mais ampla: não apenas ela desempenha um papel ativo na escolha dos pais adotivos, como também pode acompanhar, de longe, o desenrolar de sua vida.

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Depreende-se dos fatos apresentados, portanto, que a adoção à brasileira

surge como forma de suprir as demandas sociais, sendo benéfica tanto para quem

está dispondo da criança, uma vez que pode escolher a família que acredita estar

mais preparada para acolher seu filho, quanto para a família que manifesta o desejo

de adotar, uma vez que constitui laços afetivos com a criança desde cedo, não tendo

que passar por qualquer caminho burocrático estabelecido pela lei.

O fato da ilegalidade da prática, como comprovado, não desencoraja a

maioria dos pais potenciais. Importante frisar, contudo, que o casal que comete a

adoção à brasileira, independente de ação judicial, já sofre a pressão da

possibilidade de descoberta. Apesar das motivações esclarecerem a realidade da

adoção no Brasil, elas pouco importam no ramo das possíveis consequências

jurídicas advindas desse ato, visto se tratar de atitude que afronta diretamente o

texto legal. As sanções são de duas naturezas: a civil e a penal.

Quanto à natureza civil, são duas as maiores consequências. A primeira delas

é a anulação do registro. Sobre isso explica Valdir Sznick (1999, p. 453) que

Na “adoção à brasileira”, registra-se o filho como se fosse próprio, ou seja, nascido daqueles pais. Não se trata, como pensam alguns, de uma ficção, mas sim de pura e simples simulação. Descoberta essa “adoção”, a consequência é, desde logo, a anulação do Registro Civil. Não se trata de cancelamento, mas sim de anulação, pois o ato sequer existiu. Com essa anulação, extingue-se todo o ato simulado.

Disso decorre a segunda sanção civil: a perda da criança. Uma vez declarado

como “falso” o ato que atribui determinada paternidade à criança, essa deverá, na

teoria, ser afastada dos “pais”. A aplicabilidade de ambas as consequências, vale

frisar, tem sido cada vez menor, isso por conta do laço afetivo criado entre o menor

e aqueles que este entende serem seus pais.

Quanto à sanção penal, a exemplo da civil, também não tem sido aplicada

quando se comprova vínculo socioafetivo estabelecido entre o “adotado” e os que

praticaram a adoção à brasileira. Isso não quer dizer que o disposto no artigo 242,

do Código Penal12, deixa de ser aplicado, principalmente após a promulgação da Lei

12 Art. 242 - Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil: Pena - reclusão, de dois a seis anos.

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6.898/1981, que possibilitou ao juiz a isenção de pena caso o ato praticado seja de

reconhecida nobreza, como tem sido considerada a adoção à brasileira. Mais uma

vez, contudo, a sanção recairá da análise casuística dos autos e da efetiva

comprovação de vínculo socioafetivo.

4.3 RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA NA ADOÇÃO À

BRASILEIRA

Através de todo o exposto, é possível afirmar que, apesar da ilegalidade do

ato, a força do vínculo afetivo tem sido encarada por grande parte dos tribunais

brasileiros como suficiente para afastar a ilicitude e considerar a paternidade

socioafetiva através da posse do estado de filho. Não há, contudo, nenhuma

disposição vinculante para que os julgadores assim procedam. Daí a existência de

divergência nas decisões.

A exemplo disso o Superior Tribunal de Justiça, em julgado de 2009,

desconsiderou a paternidade socioafetiva advinda da adoção à brasileira por conta

do pedido da “adotada”, a saber:

DIREITO DE FAMÍLIA. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INVESTIGATÓRIA DE PATERNIDADE E MATERNIDADE AJUIZADA PELA FILHA. OCORRÊNCIA DA CHAMADA "ADOÇÃO À BRASILEIRA". ROMPIMENTO DOS VÍNCULOS CIVIS DECORRENTES DA FILIAÇÃO BIOLÓGICA. NÃO OCORRÊNCIA. PATERNIDADE E MATERNIDADE RECONHECIDOS. 1. A tese segundo a qual a paternidade socioafetiva sempre prevalece sobre a biológica deve ser analisada com bastante ponderação, e depende sempre do exame do caso concreto. É que, em diversos precedentes desta Corte, a prevalência da paternidade socioafetiva sobre a biológica foi proclamada em um contexto de ação negatória de paternidade ajuizada pelo pai registral (ou por terceiros), situação bem diversa da que ocorre quando o filho registral é quem busca sua paternidade biológica, sobretudo no cenário da chamada "adoção à brasileira". 2. De fato, é de prevalecer a paternidade socioafetiva sobre a biológica para garantir direitos aos filhos, na esteira do princípio do melhor interesse da prole, sem que, necessariamente, a assertiva seja verdadeira quando é o filho que busca a paternidade biológica em detrimento da socioafetiva. No caso de ser o filho - o maior interessado na manutenção do vínculo civil resultante do liame socioafetivo - quem vindica estado contrário ao que consta no registro civil, socorre-lhe a existência de "erro ou falsidade" (art.

Parágrafo único - Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza: Pena - detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena. BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Legislação Federal. Sítio eletrônico internet – planalto.gov.br

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1.604 do CC/02) para os quais não contribuiu. Afastar a possibilidade de o filho pleitear o reconhecimento da paternidade biológica, no caso de "adoção à brasileira", significa impor-lhe que se conforme com essa situação criada à sua revelia e à margem da lei. 3. A paternidade biológica gera, necessariamente, uma responsabilidade não evanescente e que não se desfaz com a prática ilícita da chamada "adoção à brasileira", independentemente da nobreza dos desígnios que a motivaram. E, do mesmo modo, a filiação socioafetiva desenvolvida com os pais registrais não afasta os direitos da filha resultantes da filiação biológica, não podendo, no caso, haver equiparação entre a adoção regular e a chamada "adoção à brasileira". 4. Recurso especial provido para julgar procedente o pedido deduzido pela autora relativamente ao reconhecimento da paternidade e maternidade, com todos os consectários legais, determinando-se também a anulação do registro de nascimento para que figurem os réus como pais da requerente.13

Ou seja, é possível afirmar que, independente do caso, a análise primordial

dos Tribunais será no sentido de assegurar os interesses daquele que foi alvo da

adoção à brasileira, posto que à época não teve a oportunidade de se manifestar.

Há a aplicação, portanto, dos já mencionados princípios da Dignidade da Pessoa

Humana e do Melhor Interesse do Adotado. A exemplo disso o excerto de decisão

proferida também pelo Superior Tribunal de Justiça:

É possível o ajuizamento de ação de investigação de paternidade mesmo na hipótese de existência de vínculo socioafetivo oriundo da

denominada adoção à brasileira, haja vista que o reconhecimento do

estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, assentado no princípio da dignidade da pessoa humana, podendo ser exercitado sem qualquer restrição em face dos pais ou de seus herdeiros, não se havendo falar que a existência de paternidade socioafetiva tenha o condão de obstar a busca pela verdade biológica da pessoa.14

13 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. DIREITO DE FAMÍLIA. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INVESTIGATÓRIA DE PATERNIDADE E MATERNIDADE AJUIZADA PELA FILHA. OCORRÊNCIA DA CHAMADA "ADOÇÃO À BRASILEIRA". ROMPIMENTO DOS VÍNCULOS CIVIS DECORRENTES DA FILIAÇÃO BIOLÓGICA. NÃO OCORRÊNCIA. PATERNIDADE E MATERNIDADE RECONHECIDOS. Recurso Especial nº 1.167.993 - RS (2009/0220972-2). Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Brasília, 15 de março de 2013. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=ado%E7%E3o+brasileira&b=ACOR >. Acesso em: 16 de abril 2013. 14 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA Nº 211/STJ. RECUSA AO EXAME DE DNA. SÚMULA Nº 301/STJ. PRESUNÇÃO RELATIVA. PROVA INDICIÁRIA CONSIDERADA SUFICIENTE PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. REEXAME DE PROVAS. INVIABILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. Recurso Especial nº 1.312.972 - RJ (2011/0170771-4). Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Brasília, 1º de outubro de 2012. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=ado%E7%E3o+brasileira&b=ACOR >. Acesso em: 16 de abril 2013.

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Em sentido contrário, contudo, também é possível encontrar julgados que

caracterizam a paternidade socioafetiva por conta do tempo do vínculo, como

demonstrado abaixo:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE FILIAÇÃO. INTERESSE. EXISTÊNCIA. I. O pedido deduzido por irmão, que visa alterar o registro de nascimento de sua irmã, atualmente com mais de 60 anos de idade, para dele excluir o pai comum, deve ser apreciado à luz da verdade socioafetiva, mormente quando decorridos mais de 40 anos do ato inquinado de falso, que foi praticado pelo pai registral sem a concorrência da filha. II. Mesmo na ausência de ascendência genética, o registro da recorrida como filha, realizado de forma consciente, consolidou a filiação socioafetiva, devendo essa relação de fato ser reconhecida e amparada juridicamente. Isso porque a parentalidade que nasce de uma decisão espontânea, deve ter guarida no Direito de Família. III. O exercício de direito potestativo daquele que estabelece uma filiação socioafetiva, pela sua própria natureza, não pode ser questionado por seu filho biológico, mesmo na hipótese de indevida declaração no assento de nascimento da recorrida. IV.A falta de interesse de agir que determina a carência de ação, é extraída, tão só, das afirmações daquele que ajuíza a demanda – in status assertionis-, em exercício de abstração que não engloba as provas produzidas no processo, porquanto a incursão em seara probatória determinará a resolução de mérito, nos precisos termos do art. 269, I, do CPC. Recurso não provido.15

Por fim, importante mencionar o julgado abaixo, igualmente do Superior

Tribunal de Justiça, no sentido de que há de se preponderar, consideradas as

especificidades de cada caso, a preservação da estabilidade familiar, em situação

consolidada e amplamente reconhecida no meio social, sem identificação de vício de

consentimento ou má-fé:

DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO. AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. MATERNIDADE SOCIOAFETIVA. SITUAÇÃO CONSOLIDADA. PREPONDERÂNCIA DA PRESERVAÇÃO DA ESTABILIDADE FAMILIAR. - A peculiaridade da lide centra-se no pleito formulado por uma irmã em face da outra, por meio do qual se busca anular o assento de nascimento. Para isso, fundamenta seu pedido em alegação de falsidade ideológica perpetrada pela falecida mãe que, nos termos em que foram descritos os

15 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. POSSE DO ESTADO DE FILHO, ADOÇÃO À BRASILEIRA, PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA, VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM, PROIBIÇÃO DE COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO, PATERNIDADE AFETIVA. Recurso Especial nº 1.259.460 - SP (2011/0063323-0). Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Brasília, 29 de junho 2012. Disponível em:<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=ado%E7%E3o+brasileira&b=ACOR >. Acesso em: 16 de abril 2013.

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fatos no acórdão recorrido considerada a sua imutabilidade nesta via recursal, registrou filha recém-nascida de outrem como sua. - A par de eventual sofisma na interpretação conferida pelo TJ/SP acerca do disposto no art. 348 do CC/16, em que tanto a falsidade quanto o erro do registro são suficientes para permitir ao investigante vindicar estado contrário ao que resulta do assento de nascimento, subjaz, do cenário fático descrito no acórdão impugnado, a ausência de qualquer vício de consentimento na livre vontade manifestada pela mãe que, mesmo ciente de que a menor não era a ela ligada por vínculo de sangue, reconheceu-a como filha, em decorrência dos laços de afeto que as uniram. Com o foco nessa premissa a da existência da socioafetividade, é que a lide deve ser solucionada. - Vê-se no acórdão recorrido que houve o reconhecimento espontâneo da maternidade, cuja anulação do assento de nascimento da criança somente poderia ocorrer com a presença de prova robusta de que a mãe teria sido induzida a erro, no sentido de desconhecer a origem genética da criança, ou, então, valendo-se de conduta reprovável e mediante má-fé, declarar como verdadeiro vínculo familiar inexistente. Inexiste meio de desfazer um ato levado a efeito com perfeita demonstração da vontade daquela que um dia declarou perante a sociedade, em ato solene e de reconhecimento público, ser mãe da criança, valendo-se, para tanto, da verdade socialmente construída com base no afeto, demonstrando, dessa forma, a efetiva existência de vínculo familiar. - O descompasso do registro de nascimento com a realidade biológica, em razão de conduta que desconsidera o aspecto genético, somente pode ser vindicado por aquele que teve sua filiação falsamente atribuída e os efeitos daí decorrentes apenas podem se operar contra aquele que realizou o ato de reconhecimento familiar, sondando-se, sobretudo, em sua plenitude, a manifestação volitiva, a fim de aferir a existência de vínculo socioafetivo de filiação. Nessa hipótese, descabe imposição de sanção estatal, em consideração ao princípio do maior interesse da criança, sobre quem jamais poderá recair prejuízo derivado de ato praticado por pessoa que lhe ofereceu a segurança de ser identificada como filha. - Some-se a esse raciocínio que, no processo julgado, a peculiaridade do fato jurídico morte impede, de qualquer forma, a sanção do Estado sobre a mãe que reconheceu a filha em razão de vínculo que não nasceu do sangue, mas do afeto. - Nesse contexto, a filiação socioafetiva, que encontra alicerce no art. 227, § 6º, da CF/88, envolve não apenas a adoção, como também parentescos de outra origem, conforme introduzido pelo art. 1.593 do CC/02, além daqueles decorrentes da consanguinidade oriunda da ordem natural, de modo a contemplar a socioafetividade surgida como elemento de ordem cultural. - Assim, ainda que despida de ascendência genética, a filiação socioafetiva constitui uma relação de fato que deve ser reconhecida e amparada juridicamente. Isso porque a maternidade que nasce de uma decisão espontânea deve ter guarida no Direito de Família, assim como os demais vínculos advindos da filiação. - Como fundamento maior a consolidar a acolhida da filiação socioafetiva no sistema jurídico vigente, erige-se a cláusula geral de tutela da personalidade humana, que salvaguarda a filiação como elemento fundamental na formação da identidade do ser humano. Permitir a desconstituição de reconhecimento de maternidade amparado em relação de afeto teria o condão de extirpar da criança hoje pessoa adulta, tendo em vista os 17 anos de tramitação do processo preponderante fator de construção de sua identidade e de definição de sua personalidade. E a identidade dessa pessoa, resgatada pelo afeto, não pode ficar à deriva em face das incertezas, instabilidades ou até mesmo interesses meramente patrimoniais de terceiros submersos em conflitos familiares. - Dessa forma, tendo em mente as vicissitudes e elementos fáticos constantes do processo, na peculiar versão conferida pelo TJ/SP, em que

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se identificou a configuração de verdadeira adoção à brasileira, a caracterizar vínculo de filiação construído por meio da convivência e do afeto, acompanhado por tratamento materno-filial, deve ser assegurada judicialmente a perenidade da relação vivida entre mãe e filha. Configurados os elementos componentes do suporte fático da filiação socioafetiva, não se pode questionar sob o argumento da diversidade de origem genética o ato de registro de nascimento da outrora menor estribado na afetividade, tudo com base na doutrina de proteção integral à criança. - Conquanto a adoção à brasileira não se revista da validade própria daquela realizada nos moldes legais, escapando à disciplina estabelecida nos arts. 39 usque 52-D e 165 usque 170 do ECA, há de preponderar-se em hipóteses como a julgada consideradas as especificidades de cada caso a preservação da estabilidade familiar, em situação consolidada e amplamente reconhecida no meio social, sem identificação de vício de consentimento ou de má-fé, em que, movida pelos mais nobres sentimentos de humanidade, A. F. V. manifestou a verdadeira intenção de acolher como filha C. F. V., destinando-lhe afeto e cuidados inerentes à maternidade construída e plenamente exercida. - A garantia de busca da verdade biológica deve ser interpretada de forma correlata às circunstâncias inerentes às investigatórias de paternidade; jamais às negatórias, sob o perigo de se subverter a ordem e a segurança que se quis conferir àquele que investiga sua real identidade. - Mantém-se o acórdão impugnado, impondo-se a irrevogabilidade do reconhecimento voluntário da maternidade, por força da ausência de vício na manifestação da vontade, ainda que procedida em descompasso com a verdade biológica. Isso porque prevalece, na hipótese, a ligação socioafetiva construída e consolidada entre mãe e filha, que tem proteção indelével conferida à personalidade humana, por meio da cláusula geral que a tutela e encontra respaldo na preservação da estabilidade familiar. Recurso especial não provido.16

Resta, assim, comprovado que a adoção à brasileira, inserida no contexto da

paternidade socioafetiva, perfaz-se no reconhecimento voluntário da filiação. Nem

sempre, contudo, essa é a vontade daquele que é criado como filho. Cabe, portanto,

aos julgadores a sensibilidade de, no caso concreto, verificar o interesse do filho

afetivo bem como as consequências cabíveis aos envolvidos.

Ressalta-se, contudo, que, como analisado, por falta de previsão legal e de

entendimento sumulado, as decisões são diversas – apesar de penderem para o

reconhecimento do vínculo afetivo. Daí a necessidade de melhor regulamentação

quanto aos critérios caracterizadores para a posse do estado de filho afetivo e

filiação socioafetiva.

16 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO. AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. MATERNIDADE SOCIOAFETIVA. SITUAÇÃO CONSOLIDADA. PREPONDERÂNCIA DA PRESERVAÇÃO DA ESTABILIDADE FAMILIAR. Recurso Especial nº 1.000.356 - SP (2007/0252697-5). Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Brasília, 7 de junho de 2010. Disponível em:< http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=ado%E7%E3o+brasileira&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=11 >. Acesso em: 16 de abril de 2013.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através de todo o exposto, é possível afirmar que, ainda que o ordenamento jurídico

brasileiro tenha avançado muito nos últimos anos, tais avanços se mostram

insuficientes se comparados a todas circunstâncias enfrentadas pela sociedade.

Seja pelas constantes mudanças sociais, seja pela rigidez a que se submetem

nossas regulamentações jurídicas, fato é que nem sempre há correspondência entre

o fato social e o jurídico.

No que tange à família, alvo da presente pesquisa, foi possível observar que, apesar

de muitas vezes a observarmos através de olhos conservadores, as mudanças são

visíveis. Passando pelo caráter patrimonial existente nos vínculos que ligavam seus

membros, atualmente a concepção de família abarca não apenas os direitos

patrimoniais, mais uma série mais complexa e igualitária de direitos e

correspondentes deveres.

Através das diversas pesquisas realizadas tornou-se possível verificar a existência

do que atualmente se conhece por paternidade socioafetiva. Ou seja, a paternidade

advinda dos laços de amor, cuidado e respeito que ligam o pai ao filho. Não que o

vínculo biológico não deva estar presente, mas levando em conta as realidades em

que não há correspondência entre a genética e o afeto, este último tem sido

observado de forma mais cuidadosa, com o objetivo de garantir à criança um

crescimento saudável, de forma a lhe proporcionar vivência social adequada.

Em virtude do que foi mencionado, passou-se a explorar a ideia de posse de estado

de filho, instituto que, apesar de não ter respaldo legal específico, tem sido

considerado pela doutrina como caracterizador da paternidade socioafetiva. Com a

conjugação do cuidado, do reconhecimento pela sociedade e pelo uso do nome da

família, somando-se a isso ainda o tempo considerável para o estabelecimento de

vínculo afetivo, têm-se a possibilidade de estabelecimento do vínculo filial, com base

exclusiva no fato de que, para todos os efeitos, apesar da não correspondência

jurídica e biológica, a família estaria constituída.

Posto isso, passou-se a analisar o que a doutrina tem chamado de adoção à

brasileira, assim conhecida pelo famoso “jeitinho brasileiro”. Caracterizada pelo

registro de filho alheio em nome próprio, verificou-se que, apesar de ser chamada de

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adoção, tal prática é ilegal, sendo comparada ao modelo jurídico de filiação por

conta da constituição de vínculo afetivo em ambas.

Várias são as motivações que levam muitos ao exercício de tal ato ilegal,

destacando-se, sobretudo, o tempo de espera em filas de adoção regular, a

possibilidade de rejeição do pedido de habilitação e o desejo de não revelar ao filho

sua origem biológica. Soma-se a isso, ainda, a possibilidade de construir a vida da

criança desde cedo. Por todos esses motivos, tal costume se mostra uma forma

prática, rápida e eficaz de inserir no seio familiar criança indesejada pelos pais

biológicos.

Tal análise oportunizou a discussão principal do presente trabalho: a possibilidade

ou não da caracterização do vínculo afetivo em casos de adoção à brasileira.

Através da análise estritamente legal, por conta da caracterização do ato

recriminado pelo legislador, o reconhecimento da paternidade em caso de adoção à

brasileira seria impossível. Ocorre, contudo, que, como forma de suprir uma

necessidade social, coube aos doutrinadores e operadores do direito construção

diversa da estabelecida pelo ordenamento jurídico brasileiro. Passou-se, assim, a se

fazer uma análise casuística das questões envolvendo a adoção à brasileira e o

respectivo vínculo afetivo concretizado.

São muitas as divergências existentes nos julgados quanto a essa questão. Não

obstante, destaca-se um ponto convergente: a análise do princípio da dignidade da

pessoa humana e do melhor interesse daquele que foi alvo da “adoção”.

Diante do exposto, é possível ressaltar a necessidade de regulamentação adequada

quanto à posse do estado de filho e ao reconhecimento de uma paternidade

construída através dos laços afetivos. Só assim o aplicador do Direito poderá, de

forma segura e eficaz, conferir ao filho socioafetivo os mesmo direitos do filho

biológico ou jurídico.

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O IMPACTO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 72/2013 AO

MERCADO DE TRABALHO DOS EMPREGADOS DOMÉSTICOS

THE IMPACT OF CONSTITUCIONAL AMENDMENT Nº 72/2013 TO

THE JOB MARKET OF HOUSEHOLD STAFF

Marilise Harumi Moriya1

Alaisis Ferreira Lopes2

1 Acadêmica do curso de Direito do 8º período do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA. 2 Possui graduação em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba (1984). É advogada com escritório próprio desde 1990, atuando com exclusividade em Direito do Trabalho, abrangendo as áreas de Direito Sindical e Direito Coletivo. É professora titular da disciplina de Direito Civil e Direito Processual do Trabalho no Centro Universitário Curitiba. Foi Conselheira da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção do Paraná.

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RESUMO

O presente artigo objetiva demonstrar os possíveis impactos que a aprovação da

Emenda Constitucional 72/2013 causaria ao mercado de trabalho dos empregados

domésticos e analisar os novos direitos trabalhistas assegurados para a categoria,

com a aprovação desta Emenda. Pretende-se ainda elencar os direitos trabalhistas

já assegurados com a Constituição Federal de 1988, assim como analisar o Projeto

de Lei Complementar 302/2013, em tramitação no Senado, o qual regulamenta as

novas condições impostas pela Emenda Constitucional à realidade vivenciada pela

sociedade.

Palavras-chave: empregados domésticos, emenda constitucional 72/2013

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ABSTRACT

The present article is meant to demonstrate the possible impacts the approval of the

constitutional amendment nº 72/2013 would cause to the job market of household

staff and analyze the new labor rights secured to this category. Furthermore, this

article intends to list the rights already guaranteed by the Federal Constitution from

1988, as well as study the Supplementary Law Project n° 302/2013, pending on

Senate, which regulates the new condition imposed by the Constitutional amendment

to the reality lived by this society.

Keywords: household staff; constitutional amendment 72/2013

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1 INTRODUÇÃO

Vivemos em uma sociedade pós-moderna, capitalista, em que as pessoas

não disponibilizam mais de tempo livre nem mesmo para suas próprias relações

afetivas em função da necessidade de se trabalhar e prover o sustento de suas

casas. Tal ritmo acelerado de vida fez com quem as pessoas não tivessem tempo

inclusive para os afazeres domésticos de seus lares. É neste contexto em que o

mundo do trabalho se encontra com vida familiar, que o papel dos empregados

domésticos é evidenciado e demonstra sua importância.

Verifica-se que, ao longo do tempo, a profissão de empregado doméstico

quase sempre foi e ainda é exercida por pessoas com baixo nível de instrução, e

assim sendo, não possuindo qualificação para exercer profissões diversas desta.

Ainda, verifica-se também que em muitas das vezes, o trabalho doméstico é

realizado por pessoas do sexo feminino, até mesmo por questões culturais. Desde

os tempos antigos, essa responsabilidade pela administração e limpeza do lar

sempre foi atribuída à mulher.

Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho, em 2010, havia

no Brasil 52,6 milhões de empregados domésticos no mundo. O Brasil ocupa o 1º

lugar da lista dos países em que há mais empregados domésticos (7 milhões),

seguido pela Índia (4,2 milhões) e Indonésia (2,4 milhões). Apesar desse

contingente, verificou-se também que apenas 30% dos trabalhadores domésticos no

Brasil possuíam registro na carteira de trabalho. Ou seja, em pleno século XXI,

percebe-se que há ainda muita informalidade nessa profissão.

Em 1º de maio deste ano a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)

comemorou 70 anos de promulgação, e apenas um mês antes do septuagésimo

“aniversário” da CLT, é que os empregados domésticos conquistaram alguns dos

direitos sociais e trabalhistas, os quais são assegurados aos outros trabalhadores.

A relação de emprego entre o patrão e seu empregado doméstico é de

tamanha particularidade que esta não se verifica em nenhuma outra relação de

trabalho. Há na relação de emprego doméstica uma convivência baseada na fidúcia,

com pressupostos característicos e específicos desta relação, como a finalidade

não lucrativa dos serviços prestados; serviços prestados à pessoa ou família e ainda

o fato de serem prestados em função do âmbito residencial do empregador.

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Dessa forma, este artigo visa analisar os direitos conquistados com a

Constituição Federal de 1988. Ademais, busca elencar quais são os direitos

trabalhistas concedidos à categoria, com a promulgação da Emenda Constitucional

nº 72, de 02 de abril de 2013, analisar o Projeto de Lei nº 302, de 17 de julho de

2013, e quais as possíveis consequências que a aquisição de tais direitos

trabalhistas poderá acarretar ao mercado de trabalho dos empregados domésticos

2 O CONTRATO DE TRABALHO DO EMPREGADO DOMÉSTICO

2.1. Direitos trabalhistas de acordo com a Constituição de 1988

Com a promulgação da CLT em 1943, os empregados domésticos foram

expressamente excluídos do seu âmbito de proteção, devido ao conteúdo do artigo

7º, alínea “a”. Na década de 70, a Lei 5.859/72 concedeu à categoria apenas três

direitos: férias renumeradas de 20 dias úteis após cada 12 meses de trabalho;

anotação de CTPS e inscrição obrigatório na Previdência Social.

Apenas com a Constituição Federal promulgada em 1988 é que os

empregados domésticos tiveram alguns de seus direitos trabalhistas

substancialmente ampliados. O rol constitucional compreende os seguintes direitos:

Salário mínimo fixado em lei; irredutibilidade salarial; 13º salário; repouso

semanal remunerado, preferencialmente aos domingos; férias anuais

remuneradas com pelo menos um terço a mais do que o salário normal;

licença-gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com duração de

120 dias; licença-paternidade; aviso-prévio proporcional ao tempo de

serviço, sendo no mínimo de 30 dias e aposentadoria. (BRASIL.

Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, Art. 7º)

2.1.1. Salário mínimo

Garantia constitucional prevista no artigo 7º, IV da Constituição de 1988.

Prevê que o salário mínimo, nacionalmente unificado, seja capaz de atender às

necessidades vitais básicas do empregado e de sua família, referentes à moradia,

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alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência

social.

O piso salarial para o empregado doméstico no estado do Paraná até 2012

era equivalente ao valor de R$ 811,80. Em 1º de maio de 2013, o governo do estado

fixou, através do Decreto 8.088/2013, novo piso salarial, qual seja, R$ 914,82.

Deve-se lembrar que tal garantia não impede que sejam realizados descontos

nesta remuneração, como por exemplo, previdência social e vale-transporte.

2.1.2. Irredutibilidade salarial

Assim como o salário mínimo, a irredutibilidade salarial é também

“assegurada ao empregado doméstico, o qual não pode ter seu salário diminuído

unilateralmente pelo empregador, salvo por acordo ou convenção coletiva”

(VILLATORE, Marco Antônio, 2009, p. 78) , conforme dispõe a Constituição Federal

no seu artigo 7º, IV.

2.1.3. Repouso semanal remunerado

Previsto no artigo 7º, XV, “visa o direito à proteção da capacidade física e vida

social do trabalhador doméstico.” (VILLATORE, Marco Antônio, 2001, p. 84) Tal

repouso é determinado preferencialmente aos domingos, pois se trata do dia de

descanso e lazer dos povos ocidentais.

O texto constitucional não mencionou expressamente a respeito os feriados

civis e religiosos. A Lei Ordinária 605 de 1949 que os previa, havia excluído os

empregados domésticos desta esfera normativa. “Ocorre que o artigo 9º da Lei

11.324 de 2006 revogou o art. 5º da Lei 605 de 1949.” (BARROS, Alice Monteiro,

2012, p.285). Assim, o doméstico passa a fazer jus, por força de lei ordinária, ao

repouso semanal também nos dias santos e feriados.

Jurisprudência do Tribunal do Trabalho da 3ª Região a respeito do tema:

Os empregados domésticos devem receber, em dobro, pelo trabalho

realizado aos domingos, em feriados e dias santificados, embora a Carta de

1988 não se refira de modo expresso a estes últimos. O objetivo do

legislador constituinte foi estender-lhes também o descanso em feriados.

TRT 3ª REGIÃO – RO 3159/95 – 2ª TURMA, 18/04/95, REL. JUÍZA ALICE

MONTEIRO DE BARROS. (SANTOS, Reinaldo, 1998, p.103)

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2.1.4. Férias

Estabeleceu a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com a modificação

através do Decreto-Lei 1.535/77, de que os trabalhadores têm direito a 30 (trinta)

dias de férias corridas. Inicialmente a Lei 5.859/72 previa apenas 20 (vinte) dias de

férias aos empregados domésticos.

Contudo, a partir da redação dada pela Lei 11.324/06, estabeleceu-se em seu artigo 3º que “o empregado doméstico terá direito a férias anuais remuneradas de 30 (trinta) dias úteis, após cada período de 12 (doze) meses de trabalho, prestado à mesma pessoa ou família.” (Art. 3º da Lei 5.859/72) Além disso, a remuneração destas férias deve ser paga ao empregado doméstico com o acréscimo de 1/3 (um terço), por imposição constitucional (artigo 7º, XVII).

Nesse sentido tem decidido os tribunais regional e superior:

TRT-PR-28-05-2004 EMPREGADO DOMÉSTICO. DIREITO A FÉRIAS DE TRINTA DIAS APÓS A VIGÊNCIA DA CONSTITUIÇAO FEDERAL DE 1988. A par da previsão contida nos artigos 3º, da Lei 5.859-72 e 2º, do Decreto 71.885-73, que a regulamentou, o texto constitucional assegura ao empregado doméstico "o gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal" (art. 5º, inciso XVII e parágrafo único), sobressaindo clara a intenção do legislador constituinte em dispensar tratamento isonômico em relação aos demais trabalhadores, urbanos e rurais, diante do que estabelece o inciso XXX, do mesmo dispositivo. Assim, após a vigência da Constituição de 1988 não mais se justifica o tratamento desigual que até então vinha sendo dispensado ao empregado doméstico pela Lei 5.859-72, sendo devidas férias de trinta dias, acrescidas de um terço, com base nos artigos 7º, inciso XVII, da Constituição Federal e 130, da Consolidação das Leis do Trabalho. Recurso da reclamante a que se dá provimento. TRT-PR-01672-2003-661-09-00-3-ACO-10269-2004. RELATOR: ROSEMARIE DIEDRICHS PIMPAO. Publicado no DJPR em 28-05-2004. (Grifo nosso). (TRT9 – Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região.)

2.1.5. Licença-gestante

Assegurada no artigo 7º, XVIII da Constituição Federal, o benefício da licença-

gestante sem prejuízo do emprego e salário da empregada doméstica, por 120

(cento e vinte) dias.

Tal benefício é garantido pela legislação infraconstitucional previdenciária, no

artigo 71 da Lei 8.213/91, a qual dispõe:

O salário maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante

120 dias, com início no período entre 28 dias antes do parto e a data de

ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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legislação no que concerne à proteção da maternidade.( Artigo 71 da Lei

8.213/91 que dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social e

dá outras providências)

Ainda, segundo inciso II do artigo 11 da referida lei infraconstitucional

considera empregado doméstico como segurado obrigatório da Previdência Social:

São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas

físicas: II - como empregado doméstico: aquele que presta serviço de

natureza contínua a pessoa ou família, no Âmbito residencial desta, em

atividades sem fins lucrativos.( Inciso II do artigo 11 da Lei 8.213/91)

O que causava divergências doutrinárias e jurisprudenciais é o fato de a

empregada doméstica gestante estar amparada ou não pela estabilidade, prevista

no artigo 10, inciso II, letra b do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

(ADCT). No entanto, os entendimentos do Tribunal Superior do Trabalho foram no

sentido de decidir pelo amparo da empregada doméstica à tal estabilidade:

RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO

NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 11.496/2007. DOMÉSTICA. ESTABILIDADE

GESTANTE. Discute-se nos autos o direito à estabilidade de gestante a

empregada doméstica, que foi despedida antes do advento da Lei nº

11.234/2006, que pacificou a matéria. No artigo 7º, parágrafo único, a

Constituição Federal estendeu ao trabalhador doméstico os direitos

previstos aos demais empregados quais sejam, o salário mínimo (inciso IV),

a irredutibilidade salarial (inciso VI), o 13o salário (inciso VIII), o repouso

semanal remunerado (inciso XV), as férias anuais acrescidas de pelo

menos um terço do salário)(inciso XVII), a licença de 120 dias à gestante

(inciso XVIII), a licença-paternidade (inciso XIX), o aviso prévio (inciso XXI)

e, por fim a aposentadoria (inciso XXIV). O artigo 10, inciso II, alínea "b", do

ADCT também protege o emprego da gestante desde a confirmação da

gravidez até cinco meses depois do parto, contra dispensa sem justa causa

ou arbitrária, tratando-se de uma modalidade de estabilidade provisória.

Não parece razoável entender que a condição de doméstica seja óbice à

obtenção desta proteção à mãe e ao nascituro, conferida pela Constituição

Federal para a empregada gestante em geral, uma vez que o objetivo da

norma é dar àqueles alguma segurança material, durante algum tempo,

amparando-os financeiramente desde a confirmação da gravidez até cinco

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314

meses após o parto. O fato de a empregada doméstica não ter direito à

estabilidade genérica do artigo 7o, inciso I, da Constituição Federal não

pode afastar a sua pretensão de obter a garantia provisória concedida

às demais empregadas gestantes, uma vez que ela se encontra na

mesma situação que qualquer outra trabalhadora quando grávida, não

havendo motivo juridicamente aceitável para que se compreenda que

não deva gozar das mesmas garantias concedidas pela Constituição

Federal às demais empregadas gestantes. Para corroborar tal

entendimento, dando amplitude à norma constitucional, em 20 de julho de

2006 foi publicada, no Diário Oficial da União, a Lei nº 11.324, que

acrescentou à Lei nº 5859, de 11 de dezembro de 1972, Lei do Trabalhador

Doméstico, o art. 4º A, com a seguinte redação - É vedada a dispensa

arbitrária ou sem justa causa da empregada doméstica gestante desde a

confirmação da gravidez até 5 (cinco) meses após o parto.- Nesse contexto,

deve ser mantida a v. decisão recorrida que reconheceu a estabilidade

gestante à empregada doméstica, com base na Constituição Federal e na

Jurisprudência esboçada por inúmeros julgados. Recurso de Embargos

conhecido e não provido. Processo: E-ED-RR-5112200-31.2002.5.02.0900.

Data de julgamento: 13/12/2012, relator Ministro: Horácio Raymundo de

Senna Pires, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais. Data de

Publicação: DEJT 19/04/2013. (grifo nosso). (TST – Tribunal Superior do

Trabalho.)

2.1.6. Licença-paternidade

Prevista no inciso XIX do artigo 7º da Constituição Federal, o empregado

doméstico tem o direito de se ausentar do serviço quando do nascimento de seu

filho, nos termos fixados em lei.

Não foi criada lei específica para o assunto, prevalecendo assim o §1º do

artigo 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a qual dispõe que “até

que a Lei venha a disciplinar o disposto no artigo 7º, XIX da Constituição Federal, o

prazo da licença-paternidade a que se refere o inciso é de 05 (cinco) dias.”

(VILLATORE, Marco Antônio, 2006, p.94)

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315

2.1.7. Aviso prévio proporcional

Aviso prévio trata-se de uma notificação que uma parte faz à outra, no intuito

de não mais continuar com o contrato de trabalho. É uma garantia que passou a ser

assegurada apenas com a Constituição Federal de 1988, pois as leis anteriores,

inclusive a Lei Ordinária 5.859/72 foram silentes neste aspecto.

Trata-se de direito recíproco, pois tanto o empregador deve concedê-lo, no

caso de dispensa por sua vontade, quanto o empregado, na hipótese de demissão

por sua livre escolha. (VILLATORE, Marco Antônio, 2011, p. 91.)

2.1.8. Aposentadoria

Previsto no inciso XXIV do artigo 7º da Constituição Federal, tal direito

também foi englobado em 1972 pela Lei 5.859/72, em seus 4º e 5º parágrafos.

Em função da sua natureza, o empregado doméstico não tem direito à

aposentadoria especial, a qual é concedida ao segurado que tenha trabalhado em

condições prejudiciais à saúde ou à sua integridade física. Em contrapartida, todos

os demais dispositivos como a aposentadoria por invalidez, por idade e por tempo

de serviço são aplicáveis aos empregados domésticos.

A invalidez pode ser definitiva ou provisória, e é devida quando há

incapacidade para o trabalho ou impossibilidade de reabilitação para a volta ao

labor, garantindo assim a sua subsistência e de seus dependentes. A aposentadoria

por idade é devida quando o empregado completa 65 (sessenta e cinto) anos de

idade se for do sexo masculino e 60 (sessenta) anos se feminino, atrelado ao

número de meses de contribuição à Previdência Social. Por fim, a aposentadoria por

tempo de serviço é aquela que é concedida ao empregado doméstico quando houve

contribuição por 35 (trinta e cinco) anos se for do sexo masculino, e por 30 (trinta)

anos se do sexo feminino.

3 EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 72/2013

A Cartilha intitulada “Trabalhador Doméstico”, disponibilizada pelo Ministério

do Trabalho e Emprego em 2013, após a promulgação da emenda constitucional

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objeto deste trabalho, dispõe que os direitos garantidos pela emenda não são

retroativos, e sim, que entraram em vigor na data da publicação da Emenda

Constitucional nº 72, em 03 de abril de 2013, exceto aqueles que ainda dependam

de regulamentação. (Cartilha do Trabalhador Doméstico – Brasilia/DF – 2013, p.9)

3.1. DIREITOS AMPLIADOS COM A EMENDA CONSTITUCIONAL

3.1.1. Garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem

remuneração variável (VII)

Para a proteção do empregado doméstico, não é permitido que perceba

remuneração com valor inferior ao salário mínimo. Com tal inciso, procurou-se

impedir que o empregador se utilizasse de meios ardis para que com isso, fizesse o

pagamento aos seus empregados de valores inferiores ao salário mínimo.

Nesse sentido, já se posicionou o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª

Região:

TRT-PR-02-04-2013 EMPREGADO DOMÉSTICO. REMUNERAÇÃO

INFERIOR AO SALÁRIO MÍNIMO REGIONAL. DIFERENÇAS DEVIDAS. A

LC 103/2000 autorizou os Estados a fixarem pisos salariais diferenciados,

conforme prevê o inciso V, do art. 7º, da Constituição Federal. Havendo no

Estado do Paraná legislação específica que instituiu patamar remuneratório

diferenciado aos empregados domésticos, necessário reconhecer o direito à

percepção de diferenças salariais decorrentes da não observância do piso

regional. Recurso ordinário do reclamado a que se nega provimento. (TRT-

PR - 00977-2012-017-09-00-1-ACO-11281-2013 - 4A. TURMA. Relator:

Cássio Colombo Filho. Publicado no DEJT em 02/04/2013)

Ainda segundo FRANCO, Georgenor de Souza:

Esse tipo de empregado não recebe, no geral, remuneração variável, do tipo comissões sobre vendas ou prêmios por produção. Trata-se de um dispositivo de difícil aplicação à relação de trabalho doméstico, e a única coisa que pode gerar é dificuldade de interpretação e de compreensão para

os interessados. (FRANCO, Georgenor de Souza, 2013, p.14)

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317

3.1.2. Décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da

aposentadoria (VIII)

Também denominado de “gratificação natalina” pela doutrina, estende-se a

todos os trabalhadores, inclusive aos empregados domésticos.

3.1.3. Proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa

(X)

A regra geral da intangibilidade dos salários deve ser entendida de forma não

extensiva, “devendo-se compreender a ideia de retenção do salário stricto sensu.

Excluem-se dessa noção de salário retido as parcelas salariais acessórias e as

verbas controvertidas.” (DELGADO, Mauricio, 2008, p. 770)

No entanto, podem ocorrer descontos no salário do empregado quando há

por exemplo, “adiantamentos salariais; o valor de até 6% do salário contratado”.

(Ministério do Trabalho e Emprego, 2007, p.18), limitado à quantidade de vales-

transportes recebidos; contribuições previdenciárias e descontos relativos a danos

causados pelo empregado quando houver a ocorrência de dolo.

Assim como os demais trabalhadores, o empregado doméstico também está

sob o risco de não ter o salário pago no dia correto. Tal medida por parte do

empregador, constitui em retenção dolosa do salário.

3.1.4. Duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e

quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada,

mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho (XIII)

A incidência desse dispositivo, aplicado a todos os trabalhadores, procurou

eliminar a diferença que existia entre os trabalhadores regidos pela CLT e os

empregados domésticos.

Uma questão importante a ser observada nesse inciso é como será feito o

controle dessa jornada por parte dos empregadores. Também outra questão a ser

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definida é a possibilidade de redução de jornada, por meio dos acordos e

convenções coletivas, assegurados por esta emenda constitucional.

3.1.5. Remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta

por cento à do normal (XVI)

Serviço extraordinário, jornada extraordinária, jornada suplementar, horas

extras e sobretempo são expressões comumente utilizadas, possuem a mesma

semântica e estão vinculadas à noção de serviço realizado além do período

delimitado da jornada de trabalho. Além disso, tais termos tem os mesmos efeitos

jurídicos perante à Constituição Federal de 1988.

Tais horas extras recebidas pelo trabalhador “integram seu salário para todos

os fins, refletindo-se em parcelas trabalhistas (como décimo terceiro salário; férias

com um terço; FGTS) e parcelas previdenciárias.” (DELGADO, Mauricio, 2008, p.

907)

3.1.6. Redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde,

higiene e segurança (XXII)

Os empregados domésticos, em razão da atividade que realizam no âmbito

da residência dos seus empregadores, diariamente estão expostos aos perigos

nocivos à sua saúde, higiene e segurança. Atividades nocivas ou perigosas tais

como: limpeza de janelas em locais altos com uso de instrumentos como escadas;

utilização de produtos químicos de cheiro forte e com facilidade a corrosão se em

contato com a pele; e outras tantas atividades que são desempenhadas por esses

profissionais.

Para que se assegure a saúde desses empregados domésticos, foi

concedido, com a emenda constitucional, o direito a redução destes riscos. Verifica-

se entretanto, que é necessário que sejam editadas tais normas regulamentares

para o trabalho doméstico.

3.1.7. Reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho (XXVI)

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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Importante lembrar que as cláusulas constantes nas convenções coletivas de

trabalho geram efeitos para todos os empregados pertencentes àquela categoria

profissional, mesmo aqueles que não sejam filiados a nenhum sindicato; enquanto

que nos acordos coletivos de trabalho, somente aqueles trabalhadores que

assinaram o acordo é que são atingidos pelas decisões constantes nesse acordo.

Anteriormente à aprovação da emenda constitucional, a Constituição Federal

de 1988 não previa expressamente o reconhecimento dos acordos ou convenções

coletivas de trabalho para os empregados domésticos e assim também se

posicionava o Tribunal Superior do Trabalho, sustentando a impossibilidade de

negociação coletiva.

Com a promulgação da emenda, verificou-se que:

[...] houve movimentação e convocação para a criação de sindicatos do setor, como o que ocorreu por um grupo em São Paulo, no região do ABC, a qual convocou os trabalhadores a comparecerem no dia 29 de abril de 2013 na reunião, para a deliberação de pautas como a fundação do sindicato [...] aprovação de estatuto [...] e eleição da diretoria. (G1 – O portal de notícias da Globo, 2013)

Outro fato constatado pelo Ministério do Trabalho e Emprego foi “pedidos de

registro formal de dois sindicatos, a saber: Sindicato dos Trabalhadores e

Trabalhadoras Domésticas do Estado de Sergipe (Sindomésticos) e o Sindicato

Patronal das Empregadas Domésticas do Estado de Minas Gerais (Sinped-MG).”

(G1 – O portal de notícias da Globo, 2013)

3.1.8. Proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de

admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (XXX)

3.1.9. Proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de

admissão do trabalhador portador de deficiência (XXXI)

Os dois itens acima podem ser analisados em conjunto, pois ambos tratam do

princípio da não-discriminação. Segundo Américo Plá Rodriguez, por tal princípio,

“proíbe-se introduzir diferenciações por razões não admissíveis”. (RODRIGUEZ,

Américo Plá, 2000, p.442) Assim, “excluem-se todas aquelas diferenciações que

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põem um trabalhador numa situação de inferioridade ou mais desfavorável que o

conjunto, e sem razão válida nem legítima.” (RODRIGUEZ, Américo Plá, 2000, p.

442)

No caso dos empregados domésticos, aduz ainda Georgenor de Souza

Franco:

Trata-se de contratação feita por critérios eminentemente pessoais da família para a qual o empregado vai trabalhar e a ninguém é dado impor condições ou obrigação para contratar ou não [...] seus moradores contratam observando critérios particulares, que não se confundem com procedimentos discriminatórios. (FRANCO, Georgenor de Souza, 2013, p.20)

Vale lembrar ainda que, diferentemente da relação de emprego entre um

empregado e a empresa, a relação que existe entre o empregado doméstico e seu

empregador é baseada principalmente na fidúcia e sem ela, possivelmente não

haveria a contratação do empregado.

3.1.10. Proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e

de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz,

a partir de quatorze anos (XXXIII)

O trabalho noturno, segundo Mauricio Godinho Delgado, provoca no indivíduo

agressão física e psicológica importantes, pois tal trabalhador precisa dar o “máximo

de dedicação de suas forças físicas e mentais em período em que o ambiente físico

externo induz ao repouso. ” (DELGADO, Mauricio, 2008, p.913)

Aduz Hélio Gomes Coelho Júnior que:

Há que se admitir a inexistência de aprendizado regular à profissão de doméstico e que as residências não são lugares perigosos ou insalubres. O empregador doméstico, então, deve observar a idade mínima de 16 anos à livre contratação. (COELHO JUNIOR, Hélio Gomes, 2013, p. 197)

Segundo a Convenção 138 e 182 da Organização Internacional do Trabalho

(OIT), as quais foram ratificadas pelo Brasil em 28/06/2001 e em 02/02/2000

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321

respectivamente, considerou-se o trabalho doméstico proibido para os menores de

18 anos.

Além disso, em 2008 foi promulgado o Decreto nº 6.481 de 12 de junho de

2008, regulamentando as piores formas de trabalho infantil, atendendo o dispositivo

da Convenção nº 138 da OIT, a qual, em seu item n°76, considera o trabalho

doméstico como um dos piores trabalhos para o menor.

3.2. DIREITOS AMPLIADOS, ATENDIDAS ÀS CONDIÇÕES EM LEI E

OBSERVADA A SIMPLIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES TRIBUTÁRIAS

DECORRENTES DA RELAÇÃO DE TRABALHO E SUAS PECULIARIDADES

(EFICÁCIA LIMITADA)

Sobre os direitos de eficácia limitada, ensina Alexandre Nery de Oliveira, em

artigo publicado na Revista Eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª

Região:

Com relação aos direitos dependentes de regulamentação infraconstitucional específica, cabe esclarecer que alguns estão na esfera do Estado e não do empregador doméstico, enquanto outros dependem de fonte de custeio a ser discriminada, no que haverá lógica oneração patronal. (OLIVEIRA, Alexandre Nery, 2013, p.93)

São estes os direitos que, segundo redação da Emenda Constitucional nº 72

de 2013, ainda necessitam de norma regulamentadora:

3.2.1. Relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa

causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória,

dentre outros direitos (I)

A proteção da relação de emprego contra a despedida arbitrária ou sem justa

causa visa assegurar, por parte do legislador, um dos direitos fundamentais, qual

seja, os sociais.

Segundo Arnor Lima Neto:

Os direitos sociais, dentre os quais está inserida a norma de garantia de emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa, devem ser entendidos como prestações positivas que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos [...] (NETO, Arnor Lima, 2003, p.54).

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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3.2.2. Seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário (II)

Os empregados domésticos que estiverem inscritos no FGTS e trabalharem

por um período mínimo de 15 meses nos últimos 2 anos da dispensa sem justa

causa, poderão receber o benefício, pelo período de 3 meses, referente ao valor de

um salário mínimo, conforme dispõe a Lei 10.208 de 2001, a qual acrescentou o art.

6ºA à já referida Lei 5.859/72.

Para Marco Antônio Villatore:

Para o percebimento do direito ora analisado, o empregado doméstico,

conforme a norma, deve apresentar ao órgão competente do Ministério do

Trabalho e Emprego comprovante do recolhimento do depósito do FGTS.

(VILLATORE, Marco Antônio, 2011, p. 109)

Os empregados domésticos passaram a ter esse direito, de natureza

tributária, e para tanto, necessita de uma regulamentação legal por meio de lei

infraconstitucional específica.

3.2.3. Fundo de garantia do tempo de serviço - FGTS (III)

Segundo Maurício Godinho Delgado:

O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço consiste em recolhimentos pecuniários mensais, em conta bancária vinculada em nome do trabalhador, conforme parâmetro de cálculo estipulado legalmente, podendo ser sacado pelo obreiro em situações tipificadas pela ordem jurídica, sem prejuízo de acréscimo percentual condicionado ao tipo de rescisão de seu contrato laborativo, formando, porém, o conjunto global e indiferenciado de depósitos um fundo social de destinação legalmente especificada. (DELGADO, Mauricio, 2008, p.1268)

Anteriormente à vigência da Emenda Constitucional nº 72, o recolhimento do

FGTS era facultado ao empregador, conforme o art. 3-A da Lei 5.859/72, inserido

pela Lei 10.208/2001. Assim era o entendimento adotado também pelo Tribunal

Regional do Trabalho da 9ª Região:

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TRT-PR-17-06-2011 DOMÉSTICO - DEPÓSITO DE FGTS - FACULDADE DO EMPREGADOR. O artigo 3º-A, da Lei 5859/72, não obriga, mas sim faculta ao empregador o pagamento do FGTS do empregado doméstico.( TRT-PR-14123-2007-014-09-00-6-ACO-22781-2011 - 5A. TURMA. Relator: Nair Maria Ramos Gubert. Publicado no DEJT em 17-06-2011. (TRT9 – Tribunal Regional do Trabalho da 9 Região, 2013.)

Atualmente, com a Emenda Constitucional 72/2013, o pagamento do FGTS

por parte do empregador torna-se compulsório.

Como o item 5.2.2., trata-se de obrigação tributária, deve-se criar um regime

tributário especial para que simplifique o recolhimento de tal benefício.

3.2.4. Remuneração do trabalho noturno superior à do diurno (IX)

A CLT considera jornada noturna como o lapso temporal situado entre as

22:00 horas de um dia até as 5:00 horas do dia seguinte, o qual totaliza 8 (oito)

horas jurídicas de trabalho, e não 7 (sete) como aparenta. Isso porque o referido

texto infraconstitucional “considera a hora noturna menor do que a hora diurna,

composta de 52’30’’(chamada de hora ficta noturna) e não 60’” (DELGADO,

Mauricio, 2008, p. 914).

Como explicitado no item 5.1.10., o trabalho noturno exige mais dedicação

por parte do empregado, tanto física quanto mentalmente, e assim sendo, os

trabalhadores que prestam serviço nesse período precisam obter uma vantagem em

relação ao trabalho diurno, qual seja, a remuneração com valor superior.

Precisa-se ainda definir em quais situações será garantido esse direito aos

empregados domésticos, principalmente para aqueles que dormem na residência do

seu empregador.

3.2.5. Salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda

nos termos da lei (XII)

O salário-família é devido aos trabalhadores de baixa renda, para que tal

auxílio possibilite ao trabalhador arcar com o sustento de seus filhos menores. Tal

benefício é custeado pela Previdência Social e é regulamentado pelos artigos da Lei

8.213 de 1991.

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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Antes da emenda constitucional 72, o salário-família era expressamente

negado ao empregado doméstico, como dispunha o artigo 65, caput, da Lei

8.213/91: “O salário-família será devido, mensalmente, ao segurado empregado,

exceto ao doméstico, e ao segurado do trabalhador avulso [...]”

Devido a origem do trabalho doméstico, muitas vezes oriundos da

escravidão, muitos desses empregados domésticos são pessoas com pouca

escolaridade. Consequentemente verifica-se que são também pessoas de baixa

renda. Segundo Magno Luiz Barbosa:

O fato é que inúmeros trabalhadores domésticos são os únicos provedores de suas famílias e, em sua esmagadora maioria, são trabalhadores de baixa renda, daí ser inaceitável que a garantia ao salário-família não tenha sido estendida a essa categoria. Não há dúvidas de que garantias como esta, ora analisada, onerariam sobremaneira o empregador doméstico, que, por sua vez, em considerável parte dos casos, não é provido de condição financeira tão favorável [...] (BARBOSA, Magno Luiz, 2008, p.42)

3.2.6. Assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5

(cinco) anos de idade em creches e pré-escolas (XV)

Benefício estendido aos empregados domésticos, muitas vezes arrimo de

família, os quais precisam de um lugar para deixar seus filhos, enquanto prestam

serviços para o âmbito residencial de seus empregadores (muitas vezes cuidando

dos filhos destes).

Dessa maneira, tal direito visa proporcionar tranquilidade ao empregado

doméstico em relação aos seus filhos. No entanto, trata-se de direito que precisa de

regulamentação.

3.2.7. Seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a

indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa (XXVIII)

Item que precisa ser visto em conjunto com o item 5.1.6 o qual trata das

normas quanto aos riscos a saúde, segurança e higiene para o empregado

doméstico. Tal seguro contra acidentes de trabalho deve ser pago para o

empregado que sofre acidente de trabalho, em decorrência de uma lesão corporal

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325

que lhe cause perda ou redução permanente da sua capacidade para o trabalho

doméstico.

Há ainda a obrigação por parte do empregador, em relação à indenização a

ser paga ao seu empregado, se restar comprovado que o patrão agiu com dolo ou

culpa.

Tal como os outros tantos direitos, precisa de posterior regulamentação.

4 CONSEQUENCIAS AO MERCADO DE TRABALHO

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), em

2009 havia 7,2 milhões de trabalhadores domésticos. Destes, 6,7 milhões, o que

representava 93,3% do total, correspondiam a trabalhadores do sexo feminino.

(PASSOS, Edésio; PASSOS, André, 2013, p.121)

Importante lembrar que em 11 de junho de 2011 ocorreu a 100ª Conferência

Internacional do Trabalho (CIT), a qual resultou na Convenção 189 e a

Recomendação 201, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Tais

documentos asseguram melhores condições de trabalho aos empregados

domésticos. Todavia, até o presente momento, tais dispositivos ainda não foram

ratificados pelo Brasil.

Ponto relevante a ser mencionado é a abrangência dos profissionais

beneficiados por esta Emenda Constitucional, no sentido de se caracterizar quais

são os profissionais que tem direitos ampliados com a promulgação da emenda.

Georgenor de Souza Franco afirma que:

[...] se destinam a todos os que trabalham em âmbito residencial. Nesse quadro devem ser inseridos: cozinheiros, passadeiras, cuidadores de idosos, babás, copeiros, faxineiros, lavadeiras, jardineiros, caseiros urbanos e rurais, motoristas, pilotos de avião ou helicóptero particulares, mordomos, serventes. (FRANCO, Georgenor, 2013, p. 27)

Após a promulgação e posterior vigência da Emenda Constitucional 72, a

sociedade em geral, em especial os diretamente atingidos pelos efeitos da referida

emenda, foi tomada pela incerteza. Incerteza essa principalmente a respeito da

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concessão de direitos que acarretariam aumento da onerosidade na relação

empregatícia doméstica.

Também foi o constatado por Alexandre Nery de Oliveira, em artigo publicado

na Revista Eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da 9º Região, em maio de

2013:

A oneração emergente da Emenda é certa, e transparece mais, de imediato, no aspecto das horas extras devidas, e logo mais adiante, no implemento ao custeio do FGTS. (OLIVEIRA, Alexandre Nery, 2013, p.97)

A mais recente pesquisa sobre o trabalho doméstico e a promulgação da

Emenda Constitucional foi a efetuada pelo Senado Federal, no período de 16 a 30

de abril de 2013, 15 dias após a sua promulgação, realizada com 1.222 pessoas de

ambos os sexos, distribuídas nas 27 (vinte e sete) unidades da federação. Tal

análise constatou que 95,7% dos entrevistados, neste período, tomaram

conhecimento da promulgação do Projeto de Emenda Constitucional. (Data Senado.

Secretariada Transparência, maio, 2013)

Além disso, a pesquisa também evidenciou que a grande maioria das

pessoas se posicionou a favor da emenda, e possuía dúvidas a respeito de como

seria regulada a obrigatoriedade quanto ao seguro contra acidentes (62,9%) e

quanto ao pagamento das horas extras (58,7%). (Data Senado, maio, 2013)

Para Georgenor de Souza Franco, há dois aspectos a serem considerados. A

seu entender, a tendência do futuro da profissão de emprego doméstico no Brasil

será tal como aquela vivenciada em outros países, em que se verifica que esta

profissão está quase desaparecendo. Já o segundo aspecto diz respeito ao

crescimento da profissão de diarista, a qual, no atual posicionamento dos tribunais,

trata-se de empregado que trabalha até duas ou três vezes por semana na

residência dos seus empregadores, não gerando vínculo de emprego e não

amparado pela emenda constitucional objeto deste trabalho. (FRANCO, Georgenor,

2013, p.29).

Ao se verificar as jurisprudências do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª

Região acerca do tema, constata-se que não há pacificação quanto ao tema. Há

decisões em sentido favorável quanto ao enquadramento da diarista como

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empregada doméstica, como também a não caracterização também tem sido

sustentada nos tribunais:

TRT-PR-25-09-2009 DIARISTA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EM DOIS DIAS POR SEMANA. AUSÊNCIA DE VÍNCULO DE EMPREGO. O artigo 1º da Lei nº 5.859/1972 define o empregado doméstico como aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas. A continuidade, portanto, é elemento essencial para a configuração do vínculo de emprego doméstico. Evidenciado que a prestação de serviços ocorreu somente em dois dias por semana, não se pode enquadrar a trabalhadora no conceito de empregada doméstica e reconhecer a existência de vínculo de emprego, porque descontínua a prestação dos serviços. Recurso de que se conhece e a que se nega provimento. (TRT-PR-19826-2008-004-09-00-4-ACO-31609-2009 - 3A. TURMA. Relator: ALTINO PEDROZO DOS SANTO. Publicado no DJPR em 25-09-2009). (TRT9 – Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, maio, 2013.)

TRT-PR-03-05-2013 DIARISTA QUE PRESTA SERVIÇOS EM RESIDÊNCIA EM TRÊS DIAS DA SEMANA - VÍNCULO EMPREGATÍCIO RECONHECIDO - O reconhecimento do vínculo empregatício da doméstica está condicionado à habitualidade na prestação dos serviços. Assim, a empregada diarista que presta serviço numa residência apenas em alguns dias da semana, recebendo por dia, não se enquadra no critério do trabalho de natureza contínua. No entanto, na ausência de definição precisa do que seriam alguns dias, os juízes do Trabalho têm considerado que a prestação de serviço em um ou dois dias exclui o critério de continuidade, enquanto que os que trabalham mais do que isso costumam tê-la reconhecida. No caso dos autos, restou incontroverso que a autora laborava, na residência da ré, três dias na semana, pelo que, impõe-se a manutenção da sentença que reconheceu a condição de empregada doméstica da reclamante. Recurso da reclamada a que se nega provimento.(TRT-PR-00136-2012-665-09-00-7-ACO-15598-2013 - 4A. TURMA. Relator: LUIZ CELSO NAP. Publicado no DEJT em 03-05-2013) . (TRT9 – Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, maio, 2013.)

Ainda nas palavras de Edésio Passos, advogado, em artigo publicado na

Revista Eletrônica do Tribunal Regional da 9ª Região, sobre a questão das diaristas

estarem amparadas ou não pela lei 5.859/72 e a Emenda Constitucional 72/2013:

Diarista tem periodicidade muito variada, de uma vez por quinzena a dois a três dias por semana, sempre recebendo um valor por dia. Análise de que a persistência dessa prestação de serviço possa caracterizar a relação de emprego é um dos pontos de controvérsia dos julgamentos nos tribunais. (PASSOS, Edésio; PASSOS, André, 2013, p.124)

Verifica-se que se trata de tema de importante relevância já muito antes da

promulgação da Emenda Constitucional nº 72/2013. Revistas como a Veja, de

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grande circulação nacional, em maio de 2011, já havia veiculado matéria sobre o

emprego doméstico, e naquela época, era possível verificar que os empregados

domésticos estavam em situação de escassez, e o relacionamento entre patrões e

empregados se encontrava cheio de complicações. Aos poucos, os empregados

domésticos, em especial aqueles que trabalham diretamente nos afazeres

domésticos das famílias, perceberam o seu valor, podendo se dar ao luxo de

escolherem onde trabalhar. Nosso país estava, segundo a reportagem, se

aproximando da realidade americana e europeia, em que os próprios moradores

cuidam de suas casas, e ter um empregado doméstico trata-se de “artigo de luxo”.

(NOGUEIRA, Manuel; GIOVANELLI, Carolina, Revista Veja, 2011).

Ruy Braga, sociólogo e professor da USP, em entrevista concedida ao Jornal

periódico mensal Le Monde Diplomatique – Brasil, de maio de 2013, afirma que:

O trabalho doméstico entra no grupo (do precariado brasileiro), pois é uma das principais indicações da natureza resiliente da informalidade laboral brasileira. [...] Ao mesmo tempo, os dados apontam para um envelhecimento dessa força de trabalho. Isso indica que os filhos e filhas dos trabalhadores domésticos está se deslocando para outros setores, principalmente o de serviços. (BRAGA, Ruy, maio, 2013)

Muitas são as dúvidas a respeito do que vai acontecer com a classe de

empregados domésticos e como seu mercado de trabalho será afetado com os

efeitos desse novo dispositivo legal. Na opinião de Marco Antônio Cesar Villatore:

[...] muitos empregados domésticos perceberão que terão seus salários aumentados, mas infelizmente outros tanto serão dispensados, e o mais triste será verificar que, em muitas das vezes, tais resilições contratuais ocorrerão por impossibilidade de a família pagar tais direitos que, frisamos, são o mínimo que a digna atividade, assim como um professor ou um presidente, deveriam receber. (VILLATORE, Marco Antônio Cesar; BOSKOVIC, Alessandra, 2013, p. 146)

Neste mesmo sentido entende Márcia Kazenoh Bruginski, dispondo que:

Junto com essa questão, poderá se dar também um aumento de demissões dessa categoria e redução da oferta de postos de trabalho para os domésticos, o que poderia fomentar o uso do trabalho informal, exatamente o que se visa refrear. (BRUGINSKI, Marcia, 2013, p. 114)

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Com a promulgação da Emenda Constitucional há também outras

dificuldades concretas e verificadas na prática, como por exemplo a de se realizar o

controle de jornada de trabalho de 8 horas por dia e 44 horas semanais dos

empregados domésticos.

Realidade verificada na maioria dos lares, é a de que os patrões também

exercem suas atividades laborais, fora do âmbito residencial, e muitas vezes

permanecem fora de casa durante todo o período de trabalho dos seus empregados

domésticos. Tal fato, na prática, dificulta a fiscalização. Na mídia, na revista

eletrônica consultada e em outras fontes há sugestões diversas, como a adoção de

cartão ponto, e a mais facilmente aplicável, adoção do livro ponto, em que

empregador e empregado assinam diariamente, após a anotação dos horários de

entrada, intervalo e saída do empregado.

Ainda sobre a questão dos empregados que dormem na residência de seus

empregados, como será feito o controle da jornada é questão que merece

esclarecimento. Sobre tais dificuldades também se posicionou Luciano Augusto de

Toledo Coelho, Juiz do Trabalho em Curitiba/PR, em artigo publicado na Revista

Eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região:

Eis aí outra circunstância que exigirá trabalho doutrinário e jurisprudencial para adaptação e aplicação das novas regras: definir o que é atividade efetiva, o que é tempo à disposição ou sobreaviso, e o que é tempo não computado na jornada para fins do trabalho doméstico. Por exemplo: uma doméstica que seja a única pessoa a pernoitar na casa de um idoso, contratada para trabalhar até 21 horas, mas que por vezes acabe atendendo a pessoa no meio da noite, em situações emergenciais, uma ou duas vezes durante o contrato, pode o pernoite ser considerado como sobreaviso? Uma babá que durma na residência e, mesmo após o horário formalizado, ainda brinque com a criança ao invés de ficar em seu local de repouso, ou fique na sala com a família assistindo televisão e acabe por fazer alguma atividade lúdica com a criança, continua em serviço? (COELHO, Luciano Augusto de Toledo, 2013, p. 39)

Outra dificuldade para os empregadores, e que interfere no mercado de

trabalho dos empregados domésticos, está ligada a questão da efetiva fiscalização.

Segundo a Constituição Federal, no seu artigo 5º, inciso XI:

“A casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre,

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ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”. (Constituição Federal da República Federativa do Brasil.)

Há dificuldades nesse aspecto da fiscalização, pois para tanto, seria

necessária a anuência do proprietário para a entrada de auditores fiscais do trabalho

doméstico, em sua residência.

Para a coordenadora geral de fiscalização do trabalho do Ministério do

Trabalho e Emprego, Dra. Tânia Mara Coelho de Almeida, em Comissão Especial

destinada a proferir parecer à Proposta de Emenda à Constituição, afirma que:

[...] para se proceder à fiscalização do trabalho doméstico, seria necessário trazer para dentro da lei que trata sobre a atividade dos auditores-fiscais do trabalho essa permissão ou, não se podendo adentrar o domicílio, deveriam ser estabelecidas outras formas para essa fiscalização como a notificação do empregador para que traga em dia e hora previamente fixados a documentação da doméstica aos órgãos do Ministério do Trabalho e Emprego. (Comissão Especial Destinada a Proferir Parecer à Proposta de Emenda à Constituição nº 478-A, de 2010, do Sr. Carlos Bezerra, que revoga o parágrafo único do art.7º da Constituição Federal, para estabelecer a igualdade de direitos trabalhistas entre empregados domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais, p. 54/55)

Questão ainda pertinente que atinge diretamente os empregadores é a

questão da possibilidade de penhorabilidade do bem de família quanto aos débitos

trabalhistas dos empregados domésticos. Dispõe a Lei 8.009/90 em seu artigo 3º,

inciso I que:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias; (Lei 8.009 de 1990 que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família)

Seguem posicionamentos de tribunais regionais acerca do tema:

BEM DE FAMÍLIA. CRÉDITO TRABALHISTA. EMPREGADO DOMÉSTICO. Bem de família. O art.3º, I, da Lei nº 8.009/90, ressalvou a penhorabilidade do bem de família em relação aos créditos dos trabalhadores domésticos, o que, por interpretação extensiva, alcança todos os créditos de natureza trabalhista. (TRT/RJ – 1ª REGIÃO, DECISÃO: 16/02/2004, NÚMERO ÚNICO PROC: 00075-2003-067-01-00, 3ª TURMA, FONTE: DOE/RJ DATA:

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22/03/2004 M RELATOR: DES. FERNANDO ANTONIO ZORZENOR DA SILVA). (VILLATORE, Marco Antônio, 2006, p. 279).

Uma outra consequência que já se verificou em alguns estados do país após

a publicação da Emenda Constitucional 72/2013 é o crescimento da procura tanto

por patrões como por empregados domésticos, das chamadas agências de

empregados domésticos.

Poderia se nomear tal procedimento de “terceirização” do trabalho do

empregado doméstico, em que uma empresa especializada disponibiliza o trabalho

doméstico para outrem, no caso, o empregador doméstico. De acordo com Sérgio

Pinto Martins:

A terceirização deriva do latim tertius, que seria o estranho a uma reação entre duas pessoas. Terceiro é o intermediário, o interveniente. No caso, a relação entre duas pessoas poderia ser entendida como a realizada entre o terceirizante e o seu cliente, sendo que o terceirizado ficaria fora dessa relação, daí, portanto, ser terceiro. A terceirização entretanto, não fica restrita a serviços, podendo ser feita também em relação a bens ou produtos. (MARTINS, Sergio Pinto, 2010, p.6)

Vale lembrar que o Tribunal Superior do Trabalho não reconhece a

terceirização dos empregados domésticos, no entanto, há lei ordinária específica

sobre o tema, a Lei 7.195/84, que dispõe sobre a responsabilidade civil das agências

de empregados domésticos, em seu artigo 1º, a saber:

Art. 1º - As agências especializadas na indicação de empregados domésticos são civilmente responsáveis pelos atos ilícitos cometidos por estes no desempenho de suas atividades. (VILLATORE, Marco Antônio, 2006, p.155)

A manobra de se contratar empresas que fornecem esse tipo de serviço até

pode ser útil no sentido de facilitar a contratação por parte do empregador, que, ao

contratar o serviços da agência de empregados domésticos, não precisaria mais

arcar com o constrangimento da situação caso queira substituir a pessoa que havia

contratado.

Com a contratação da agência especializada, as responsabilidades quanto a

assinatura na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) e aos encargos

trabalhistas ficariam a cargo desta.

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No entanto, dispõe a Súmula 331, inciso IV do Tribunal Superior do Trabalho

que:

Contrato de prestação de serviços. Legalidade. IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços [...] (BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho. Súmula 331, inciso IV)

Dessa forma, caso a agência contratada pelo empregador não cumpra com o

adimplemento das obrigações trabalhistas para com o empregado doméstico, a

responsabilidade com o pagamento de tais encargos se transfere para o tomador do

serviço contratado, no caso, o empregador doméstico.

5 PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR 302/2013

Em 17 de julho de 2013 foi encaminhado à Câmara dos Deputados, projeto

de lei complementar, de número 302, de autoria da Comissão Mista do Senado, a

qual dispõe sobre o contrato de trabalho doméstico e regulamenta leis ordinárias

que tratam deste tipo peculiar de trabalho, a saber: Lei 8.212/91; Lei 8.213/91; Lei

5.958/72; Lei 8.009/90; Lei 9.250/95 e outras providências.

Tal projeto, conforme Justificação do projeto do Senado, “regularia o contrato

de trabalho doméstico em todos os seus termos, incorporando as situações já

anteriormente regidas pela Lei 5.859/72, às novas condições do trabalho doméstico

criadas pela Emenda nº 72.” (Projeto de Lei 302/2013). Assim sendo, segundo o

Senado Federal:

“[...] a atual Lei dos domésticos ainda que represente, em termos históricos um importantíssimo marco no reconhecimento social dos domésticos, é uma Lei já varias vezes emendada e que, por razões de técnica legislativa, não suportaria bem as emendas que se fariam necessárias para comportar as mudanças advindas da emenda 72.” (Justificação – Projeto de Lei 302/2013.)

Alguns assuntos tratados nesse projeto de lei chamaram a atenção, a

começar pelo artigo 12, em que acaba por dirimir a problemática quanto ao controle

de jornada, tornando obrigatória o controle por qualquer meio idôneo, seja este

mecânico ou eletrônico.

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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Outra questão é tratada no artigo seguinte, sobre a concessão de intervalo

intrajornada, a qual atualmente é de 01 (uma) hora, mas o projeto propõe a possível

redução deste período pela metade do tempo, desde que haja prévio acordo escrito

entre as partes.

Também constatou-se que no artigo 26 deste projeto dispõe sobre o período

em que o empregado doméstico perceberá o seguro desemprego, caso seja

dispensado sem justa causa. Valor este de 01 (um) salário mínimo, pelo período

máximo de 3 (três) meses, diferentemente do trabalhador amparado pela CLT, o

qual desfruta do benefício por quatro (04) meses, segundo artigo 4º da Lei 7.998/90.

Novidade no projeto de lei que não constava na Lei 5.859/72 é o assunto

tratado no artigo 27 caput e seu parágrafo único, nos quais, respectivamente,

elencam as possibilidades expressas de configuração de justa causa por parte do

empregado, e rescisão por culpa do empregador.

Procurando facilitar o pagamento dos encargos a que estaria sujeito o

empregador doméstico, o projeto, em seu capítulo II, aborda a questão do “Simples

Doméstico”, instituindo regime unificado de pagamento de tributos, contribuições e

demais encargos. Tal regime dar-se-ia através de um “sistema disciplinado por ato

conjunto do Ministério da Fazenda, da Previdência Social e do Trabalho e Emprego

que disporá sobre a apuração, recolhimento e distribuição dos recursos.” (Projeto de

Lei 302/2013.)

Dessa maneira, segundo dispõe o artigo 34 deste projeto, os recolhimentos

mensais seriam recolhidos por documento único de arrecadação, dos valores de

contribuição patronal previdenciária (CPP) de 8%; contribuição social para

financiamento do seguro contra acidentes de trabalho de 0,8%; FGTS de 8% e

imposto sobre a renda retido na fonte (IRRF).

Tal regime materializou-se no “e-social”, site lançado em 03 de junho de 2013,

apenas com o “módulo empregador doméstico”, ainda facultativo ao empregador

doméstico. Tal versão ainda é inicial, pois enquanto facultativo, poderá ser alvo de

críticas e implementação de melhorias, para o momento em que seu uso se tornar

obrigatório. Com tal ferramenta, atualmente o empregador pode cadastrar seus

empregados domésticos; calcular a contribuição previdenciária; controlar as horas

extras; gerar contra-cheque/recibo e folha de controle de ponto, etc.

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Ponto de destaque também é referenciado no Capítulo IV, “Do programa de

recuperação previdenciária dos Empregadores Domésticos (REDOM)”, o que

possibilita aos empregadores domésticos adimplirem com os possíveis débitos com

o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), através de pagamento em parcela

única, ou até mesmo eventuais parcelamentos desses débitos. Assim sendo, é

oferecida oportunidade para os empregadores de quitarem suas dívidas

previdenciárias, e também evitar possíveis e futuras demandas perante à justiça

especializada.

Dessa maneira, haverá vantagens para todos os lados: para os

empregadores que adimplirão com seus débitos a partir de tais estímulos; para os

empregados que terão seus direitos garantidos; e também para o INSS, que com tal

manobra, possivelmente haverá a recuperação de arrecadação destes débitos.

Outro ponto importante e que chama a atenção é abordado no Capitulo V do

projeto, das “disposições gerais”, em seu artigo 47, o qual revoga o inciso I do artigo

3º da Lei 8.009 de 1990. Com tal revogação, impossibilitaria a penhorabilidade do

bem de família do empregador em processos de execução civil, fiscal,

previdenciária, trabalhista, em razão dos créditos de trabalhadores da própria

residência.

6 CONCLUSÃO

Este artigo buscou apresentar o rol de direitos trabalhistas ampliados à

categoria dos empregados domésticos com a promulgação da Constituição Federal

de 1988.

Ocorre lembrar ainda que esse texto legal foi a primeira constituição a ser

promulgada após o período da ditadura militar. Tanto é que tal dispositivo foi

apelidado historicamente de “Constituição cidadã”. A crítica encontra-se no contexto

trabalhista, indagando-se de que forma uma constituição poderia ser dita “cidadã”,

se expressamente assegurou aos empregados domésticos apenas algumas das 34

garantias trabalhistas, conforme podia se comprovar pelo disposto no artigo 7º,

parágrafo único da Constituição Federal, antes da promulgação da Emenda

Constitucional 72/2013.

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Constatou-se a partir de consulta às fontes bibliográficas, notícias veiculadas

pela mídia e também pelos artigos, redigidos principalmente por operadores do

Direito na sua maioria, que há muitos desafios ainda a serem transpostos sobre as

questões acerca do que determina a referida Emenda Constitucional objeto deste

trabalho.

Há a necessidade de que tal emenda constitucional seja implementada na

realidade, pois conforme se verifica nas caraterísticas do trabalho doméstico, este

possui atributos diferentes de uma pessoa jurídica, carecendo de estrutura

econômica para financiar os custos de uma relação empregatícia.

Ferdinand Lassalle já possuía tal entendimento, de que a Constituição de um

país precisa corresponder ao que é vivenciado na realidade de um povo, e que se

assim não o for, não passará de uma simples folha de papel. Assim, é preciso que a

constituição escrita corresponda à realidade, pois se assim não for, aquela

constituição escrita não passará de uma folha de papel, e não resistirá à

“constituição real”, a “força vital” de um país. (LASSALE, Ferdinand, 2001, p. 33).

Interpreto extensivamente aqui o termo “constituição” para Emenda Constitucional,

objeto de estudo deste trabalho.

Conforme exposição, alguns dizem que a profissão está em extinção,

enquanto outros ainda persistem em afirmar que o trabalho doméstico sempre será

uma das opções para as pessoas que não possuem qualificação e não tem

condições de se submeterem a outro trabalho a não ser ao trabalho doméstico.

Com a edição e posterior publicação da Emenda Constitucional, em 02 de

abril de 2013, ampliou-se a gama de direitos concedidos aos empregados

domésticos e se trata de uma grande vitória à categoria, pois os empregados

domésticos adquiriram direitos trabalhistas que antes não lhes era assegurado e se

encontram mais perto de alcançar a igualdade em relação aos trabalhadores regidos

pela CLT.

Há de se mencionar ainda a tramitação do Projeto de Lei 302/2013, o qual

pretende regulamentar os direitos trabalhistas estendidos que necessitam de

regulamentação. Verifica-se que o referido Projeto tenta incorporar ao contrato de

trabalho doméstico, as situações que eram regidas pela Lei 5.859/72 às novas

condições impostas pela Emenda Constitucional 72/2013.

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Considero que a quantidade de empregados domésticos, a longo prazo, irá

diminuir, pois conforme já foi explicitado no presente estudo, já se nota que muitos

dos empregados, com a melhoria das condições da categoria, estão exercendo

outras funções. Além disso, nota-se que a próxima geração daqueles que hoje são

empregados domésticos, em virtude dessa melhoria já experimentada pela

categoria, possuem mais condições e possibilidades de estudar, muitas vezes

conseguindo alcançar até o ensino superior, e assim, contemplando maiores

qualificações e possibilidade de se submeter a outras opções de emprego, que não

ao doméstico.

Ocorre que, frente às dificuldades apresentadas neste artigo, muitos dos

empregadores, na ponderação entre o aumento da onerosidade no âmbito familiar e

o conforto de se manter o empregado doméstico, caso verifiquem que não será mais

vantajoso mantê-lo em virtude da onerosidade, optarão então pela resilição do

contrato, o que de fato não é o objetivo da Emenda Constitucional.

Outros ainda poderão optar pela resilição e contratação de diaristas, já que,

pelo entendimento dos órgãos competentes, tais profissionais não estão englobados

pelos efeitos da Emenda Constitucional 72/2013. Sem contar que outros tantos

ainda continuarão na informalidade.

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339

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A QUANTIFICAÇÃO DO DANO MORAL NO DIREITO DO TRABALHO

THE QUANTIFICATION OF PERSONAL HARASSMENT IN LABOUR

LAW

Miriam Cipriani Gomes1

Marina Zamataro Bacharelanda do Curso de Direito do Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba).

1 Possui Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania pelo Centro Universitário Curitiba (2008). Atualmente é professor de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho da UNICURITIBA.

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SUMÁRIO

1. Introdução. 2. A Quantificação e Reparação do Dano Moral no Direito do

Trabalho. 2.1. Funções Da Indenização Por Danos Morais. 2.1.1. Caráter

Compensatório. 2.1.2. Caráter Punitivo. 3. A Reparabilidade do Dano Moral. 4.

Critérios Para A Quantificação. 4.1. Situação Econômica do Ofensor. 4.2. Extensão

do Dano. 4.3 Enriquecimento Ilícito. 4.4. Grau de Culpa do Agente. 5. Conclusão. 6.

Referências.

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RESUMO

O presente artigo tem por objetivo o estudo da quantificação do dano moral no

âmbito das relações trabalhistas. Para isso, faz-se importante abordar,

primeiramente, as funções da reparação por danos morais. Apesar de se tratar de

uma questão que ainda não foi totalmente pacificada pela doutrina, a maior parte

dos doutrinadores admite o seu caráter dúplice. Dessa maneira, tem-se que a

reparação por danos morais possui não só a função de compensar a vítima pelos

danos sofridos, mas, também, a função de punir o agente causador do dano. Em

seguida, trata-se da questão da reparabilidade do dano moral. Muito se discutia a

respeito de não se poder avaliar a dor moral de uma pessoa, o que tornaria

impossível a indenização. Contudo, essa questão resta devidamente pacificada no

ordenamento jurídico, devendo o dano moral ser indenizado. Por fim, atinge-se a

questão da quantificação do dano moral, uma difícil tarefa que é realizada por

arbitramento do juiz, gerando divergência, tendo em vista que não existem critérios

legais e objetivos para a sua valoração. Assim, a doutrina e a jurisprudência

apontam alguns critérios que servem como base para o magistrado, com fim de

tornar a indenização por danos morais justa e proporcional.

Palavras-chave: dano moral; indenização; quantificação; critérios;

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ABSTRACT

This article aims to study the quantification of moral damages in the context of labor

relations. For this, it is important to address, first, the functions of compensation for

moral damages. Although this is an issue that has not been fully pacified by doctrine,

most scholars admit his duplicitous character. Thus, it follows that the repair for

damages has not only the function to compensate the victim for damages, but also

the function of punishing the agent causing the damage. Then it is the question of

repairability of damage. Much has been discussed about not being able to assess the

moral pain of a person, which would make it impossible to indemnification. However,

this question remains fully pacified in the legal, moral damages should be

compensated. Finally, you reach the question of quantifying the damage a difficult

task that is performed by the arbitration court, generating divergence, given that there

are no legal criteria and objectives for your opinion. Thus, the doctrine and

jurisprudence suggest some criteria that serve as the basis for the magistrate, in

order to make moral damages fair and proportionate.

Keywords: personal harassment; compensation; quantification; criteria;

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1 INTRODUÇÃO

É cada vez mais comum a condenação de empresas ao pagamento de

indenização por danos morais aos empregados, por violarem os direitos de

personalidade e afetarem a dignidade ou intimidade dos trabalhadores.

A quantificação do dano moral é um tema importante e que gera séria

discussão, devido ao fato de não se poder medir em valores a dor moral de alguém.

Ainda assim, tem-se a necessidade de se estipular um valor para compensar a dor

da vítima.

Com o intuito de entender como se dá essa indenização, as suas funções e

os critérios apontados pela doutrina a serem seguidos pelo magistrado para fixação

do quantum indenizatório é que se propõe o presente artigo.

Num primeiro momento, importa abordar as funções da indenização por

danos morais, questão essa que, por ainda não ser totalmente pacificada pela

doutrina, gera bastante divergência. Assim, discute-se se a indenização por danos

morais possui apenas caráter compensatório, caráter punitivo ou ambos.

Em segundo momento, trata-se da questão da reparabilidade do dano moral,

discutida pelo fato de a dor moral não poder ser avaliada em dinheiro, o que levou a

doutrina a sustentar não ser possível a sua indenização. Entretanto, essa questão

resta hoje pacificada em nosso ordenamento jurídico, devendo o dano moral ser

indenizado, apesar da impossibilidade de valoração da dor moral em dinheiro.

Por fim, trata-se do assunto que gera mais discussão quando se fala de dano

moral, que é a questão a respeito da fixação do quantum indenizatório. Por não

existirem critérios pré-estabelecidos para auxiliar o magistrado na fixação dos

valores, a doutrina e a jurisprudência estabelecem alguns parâmetros a serem

seguidos para que se fixe de forma mais justa os valores que serão pagos a título de

danos morais.

Esta será a questão abordada no último capitulo deste artigo, analisando-se

os critérios sugeridos pela doutrina para auxiliar o arbitramento do juiz, observando-

se, também, algumas decisões proferidas sobre o tema e observando-se como os

Tribunais vêm se posicionando com relação à fixação do quantum indenizatório.

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2 A QUANTIFICAÇÃO E REPARAÇÃO DO DANO MORAL NO DIREITO DO

TRABALHO

2.1 FUNÇÕES DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS

Uma vez presente na Constituição Federal, não mais se discute a

possibilidade ou não da indenização por danos morais, questão já estipulada no art.

5º, inciso V e X que possibilitam a indenização tanto por danos materiais quanto por

danos morais quando violados os direitos de personalidade do ser humano.

O que resta analisar, aqui, é a natureza e a finalidade desta reparação,

questão que ainda não foi totalmente pacificada na doutrina, conforme salienta

Mauro Vasni Paroski (2008, p. 158):

O tema não está totalmente pacificado, remanescendo ainda alguma controvérsia doutrinária, tanto no Brasil como em outros países, embora modernamente o convencimento de que a reparação tem necessariamente natureza compensatória vem sendo prevalecente entre os doutrinadores, em face da incontestável impossibilidade de recomposição da situação anterior ao dano, em oposição ao que ocorre quanto se cuida do dano exclusivamente patrimonial.

Discute-se, então, se a indenização por danos morais possui caráter

compensatório, caráter punitivo ou ambos, ficando a critério do magistrado no

momento da decisão dos valores escolher o que mais se adapta a cada caso

concreto, vez que essa questão ainda não foi pacificada pelos doutrinadores,

dividindo as opiniões.

Alguns doutrinadores entendem que o caráter punitivo se restringe apenas ao

ramo do direito criminal, não admitindo que a indenização por danos morais tenha tal

função, conforme explica Sebastião Geraldo de Oliveira (2011, p. 230):

Alguns autores entendem que não se mostra cabível a função punitiva da indenização por danos morais, já que a pena deve ser tratada no seu ramo próprio no campo criminal, com observância do princípio nulla poena sine lege. Enfatizam que a indenização deve ficar restrita à sanção civil, pelo que não pode atingir o território da punição de caráter penal, como asseveram os defensores da teoria do valor de desestímulo, inspirada nos punitive damages do Direito norte-americano.

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Ainda assim, mesmo não sendo a opinião de parte dos doutrinadores,

prevalece nos tribunais e na maior parte da doutrina a opinião de que a indenização

por danos morais possui caráter dúplice, vez que visa a compensar a vítima pelo

dano sofrido e, ao mesmo tempo, constitui uma espécie de punição ao autor do fato,

que terá que retirar parte de seu patrimônio para atender a decisão do juízo. Nesse

sentido, a opinião de Mauro Vasni Paroski (2008, p. 159):

Parte expressiva da doutrina entende que a reparação do dano moral tem caráter dúplice: compensatório para a vítima e punitivo para o ofensor. O caráter punitivo, entretanto, deve ser compreendido de um enfoque puramente patrimonial, não se confundindo com aquela outra punição imposta pelo direito penal, que visa atingir outros objetivos.

Mauro Vasni Paroski (2008, p. 159) salienta, ainda, que:

Entre os estudiosos, tem sido vitoriosa a concepção de que, se de um lado, a reparação serve de consolo ou lenitivo à vítima, atenuando o seu presumível sofrimento, de outro atua como sanção ao agente causador do dano, servindo-lhe de desestímulo à prática de atos lesivos aos direitos da personalidade de outrem.

Importante agora abordar cada uma dessas funções separadamente.

2.1.1 Caráter Compensatório

A palavra compensar, segundo o dicionário Aurélio (FERREIRA, 1999, p.

276), significa: “1. Estabelecer equilíbrio entre, contrabalançar, equilibrar, compensar

os dois pratos da balança. 2. Reparar o dano, incômodo, etc.”

No mesmo sentido está o caráter compensatório da indenização por danos

morais, pelo qual ocorre uma espécie de consolo à vítima, uma forma de tentar

diminuir o seu sofrimento, através de uma indenização.

Clayton Reis (2003, p. 185) explica que: “Em decorrência da impossibilidade

material de restituição dos danos não patrimoniais ao seu status quo ante, os

tribunais concedem indenizações objetivando conferir à vítima uma indenização que

assuma uma função compensatória”. Ou seja, como se trata de danos morais, não

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se tem a possibilidade de recompor a vítima à situação em que se encontrava antes

de sofrer a lesão. O que se faz, aqui, é tentar compensar a vítima de forma a

amenizar o seu sofrimento.

Tendo em vista que o dano moral não tem como ser avaliado em dinheiro, vez

que não se tem como calcular o preço de um sentimento, uma lesão, uma mágoa ou

até mesmo a perda de um membro, o caráter compensatório não possui a função de

eliminar o dano, apenas busca confortar a vítima, tentando fazer com que encontre

prazer e amenize seu sofrimento por meio do dinheiro que lhe é atribuído. Assim

explica Mauro Vasni Paroski (2008, p. 163):

Não se trata, verdadeiramente, de indenização ou recomposição integral dos prejuízos, consequências estas típicas das reparações do dano material, uma vez que é impossível a restituição das partes ao statu quo ante, quando se tem em mente que o dano imaterial não é suscetível de avaliação econômica e nem se deve adotar os mesmos critérios utilizados para a fixação do ressarcimento do dano material, e, sob este enfoque, a reparação pecuniária, por maior que seja, não é suficiente para eliminar o dano, mas, quando muito, serve para amenizar seus efeitos na esfera psicológica do sujeito, trazendo-lhe condições de conforto, bem-estar e outros prazeres proporcionados pelo dinheiro.

Assim, a compensação não significa que o dano será devidamente reparado e

eliminado, muito menos constitui uma espécie de “compra de sofrimentos”. Sabe-se

aqui que o dinheiro não fará com que a vítima retorne ao que era antes, e, também,

não fará com que sua dor moral desapareça imediatamente. Busca-se apenas uma

compensação no sentido de satisfazê-la mostrando que o que lhe aconteceu não

passará despercebido e oferecendo-lhe a oportunidade de se satisfazer comprando

algo que lhe faça bem.

Nesse sentido a opinião de Clayton Reis (2003, p. 186):

Dessa forma, o efeito compensatório não possui função de reparação no sentido lato da palavra, mas apenas e tão-somente de conferir à vítima um estado d’alma que lhe outorgue a sensação de um retorno do seu animus ferido à situação anterior, à semelhança do que ocorre no caso de ressarcimento dos danos patrimoniais. É patente a sensação aflitiva vivenciada pela vítima, decorrente de lesões sofridas, não se recompõe mediante o pagamento de uma determinada indenização, mas apenas sofre um efeito de mera compensação ou satisfação.

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A compensação possui, também, a função de amenizar o sentimento de

vingança presente em todas as pessoas que sofrem um dano e tem sua honra ou

intimidade violadas. Américo Luís Martins da Silva (2005, p. 62) também explica as

funções do caráter compensatório da indenização por danos morais:

[...] a função satisfatória da compensação do dano moral diz respeito ao objetivo de proporcionar uma vantagem ao ofendido, ou seja, o pagamento da soma de dinheiro é um modo de dar satisfação à vítima que, recebendo-a, pode destiná-la, como diz Von Tuhr, a procurar as satisfações ideais ou materiais que estime convenientes, que contribuirá para compensar o dano ou perda que tenha produzido a agressão e acalmar o sentimento de vingança inato no homem, por mais moderno e civilizado que este seja.

Outro aspecto também relevante é o fato de que não se pode deixar a vítima

de danos morais desamparada, ou seja, não se pode deixar de indenizá-la tendo

como pressuposto o fato de que não se pode avaliar economicamente a sua dor

moral. A indenização em decorrência de danos morais está prevista

constitucionalmente e deverá ser realizada ainda que de maneira meramente

satisfatória.

Assim entende Mauro Vasni Paroski (2008, p. 163):

Em síntese, o que se observa da doutrina, tanto nacional quanto estrangeira, é a compensação pela qual o dano imaterial não deve deixar a vítima sem proteção jurídica, exigindo que se imponha ao ofensor a obrigação de pagar determinada quantia àquela, cuja finalidade é compensar o dano causado.

Diante do exposto, tem-se que o caráter compensatório da indenização

devida nos casos de danos morais vem sendo aplicado nos tribunais a fim de

oferecer à vítima um equilíbrio emocional, consolando e diminuindo o seu

sofrimento.

2.1.2 Caráter Punitivo

Apesar da resistência de boa parte da doutrina, o caráter punitivo da

indenização por danos patrimoniais vem sendo aceito atualmente pelos tribunais no

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sentido de que o ofensor abre mão de parte de seu patrimônio para poder

compensar a vítima pelos danos sofridos, o que se entende como uma espécie de

punição.

Américo Luís Martins da Silva (2005, p. 62) explica, acertadamente, a

finalidade dessa punição:

A função expiatória atribui à compensação o caráter de pena, ou seja, tem por finalidade acarretar perda ao patrimônio do culpado. Em outras palavras, a compensação do lesionado tem sentido punitivo para o lesionador, que a recebe como uma pena pecuniária que provoca uma diminuição do seu patrimônio material em decorrência do seu ato lesivo.

Essa punição existe a partir do momento em que o ofensor precisa abster-se

de algo que possui para cumprir com a ordem judicial de pagar um valor

compensatório à vítima, pois, ainda que ele o faça de vontade própria, percebe que

perdeu parte de seu patrimônio para arcar com as consequências de seu ato, sendo,

assim, uma espécie de sanção ao autor do dano.

Assim explica João Casillo (1994, p. 82):

Etimologicamente não há indicação de que a palavra indenização tenha correlação com a ideia de sanção, mas não se pode negar que, como corolário do dano causado, a indenização também tenha função sancionatória ao causador do dano. Não se pode fugir desta realidade, pois ela é muito importante, até sob o ponto de vista psicológico-social. Aliás, é inegável esta constatação, pois aquele que indeniza, mesmo que o faça amigavelmente, sem coação do Poder Judiciário, sente o aspecto sancionatório da indenização.

Atualmente, os tribunais vêm admitindo o caráter punitivo da indenização por

danos morais com a intenção de prevenir que ocorram novos atos danosos à

personalidade do ser humano, conforme salienta Sebastião Geraldo de Oliveira

(2011, p. 231):

Apesar da resistência de parte da doutrina nacional, predomina nos tribunais superiores, conforme já registrado, o sistema aberto que conjuga o caráter compensatório e punitivo da indenização pelo dano moral. Com efeito, também na seara do Direito Civil é cabível o deferimento de indenização com finalidade inibitória do art. 186 do Código Civil e na teoria do valor de desestímulo.

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É nesse sentido de admissibilidade do efeito punitivo da indenização por

danos morais, a seguinte jurisprudência:

DANO MORAL – FIXAÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO – CARÁTER COMPENSATÓRIO E PEDAGÓDICO – Os valores fixados para a reparação por danos morais e materiais têm o objetivo de punir o infrator e compensar a vítima pelo dano sofrido, atendendo, dessa forma, à sua dupla finalidade: a justa indenização do ofendido e o caráter pedagógico em relação ao ofensor. Inexistindo parâmetro objetivo previsto em lei, o valor da reparação há de ser arbitrado por um juízo de equidade, levando-se em consideração alguns critérios, tais como a gravidade do ato danoso e o desgaste provocado no ofendido, sem se olvidar que tem como norte o princípio da reparação integral do dano. (Tribunal Regional do Trabalho (3.Região). RO 1713/2011-108-03-00.4. Relatora: Juíza Convocada Taisa Maria M. de Lima. Belo Horizonte, DJe de 8 de outubro de 2012, p. 106.)

Assim, de acordo com o disposto na doutrina e na decisão supra citada, é

majoritária a opinião de que tal indenização não possui somente o caráter

compensatório mas, também, o caráter punitivo, também entendido como caráter

pedagógico, que age como uma espécie de barreira aos atos praticados pelo

ofensor.

Américo Luís Martins da Silva (2005, p. 387) esclarece este assunto:

Quanto à medida para garantir que a indenização signifique verdadeira punição para o ofensor, lembramos que, segundo a melhor doutrina, a reparação do dano moral não tem como objetivo apenas compensar o ofendido, mas também punir o ofensor. Portanto, a reparação atende, ao mesmo tempo, de um lado, a vítima que aplaca o seu sentimento de vingança com a compensação obtida, e, do outro, o ofensor que paga pelos seus atos uma pena pecuniária, não para o Estado mas para a própria vítima.

Importante ressaltar, então, que esse caráter pedagógico/punitivo possui não

apenas a função de punir o autor do dano para que não mais realize esse tipo de

conduta, mas também satisfazer moralmente a vítima, que percebe que o ofensor foi

devidamente punido pelo ato que praticou contra ela, satisfazendo a sua vontade de

vingança.

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3 A REPARABILIDADE DO DANO MORAL

Muito se discutiu a respeito da reparabilidade ou não do dano moral. Entre os

argumentos contra a possibilidade de se reparar o dano moral estava o fato de que

não se pode medir a dor moral de alguém, muito menos avalia-la economicamente a

fim de prestar uma indenização à vítima. Assim explica Américo Luís Martins da

Silva (2005, p. 52):

Entre todas as argumentações contra a reparação do dano moral, a de maior peso, sem sombra de dúvida, foi a impossibilidade de estabelecer equivalência entre o dano moral e a sua compensação ou impossibilidade de rigorosa avaliação em dinheiro do dano moral.

Contudo, essa é uma questão que não mais deve ser discutida, vez que o

nosso ordenamento jurídico dispõe que o dano moral pode ser indenizado e

reparado. Mesmo que não possa ser avaliado economicamente, o dano moral

merece reparação no sentido de compensar a vítima, não havendo fundamentos

para se negar essa reparação nos dias de hoje.

Assim entende Mauro Vasni Paroski (2008, p. 71):

Observa-se, assim, que há mais de cinquenta anos, pelo menos, nos sistemas jurídicos modernos, existem autores nacionais e alienígenas que defendem a reparação dos prejuízos extrapatrimoniais, insuscetíveis de correspondência exata com o critério da avaliação econômica, sendo inadmissível a ideia da impossibilidade da indenização dos danos extrapatrimoniais, no atual estágio de desenvolvimento social, político, cultural e econômico dos povos. Hoje é pacífico o entendimento de que o dano moral é indenizável, ainda que possam ser identificadas algumas restrições no que se refere à sua extensão, o que também sucede no direito alienígena. A reparabilidade do dano moral está consagrada pelos ordenamentos jurídicos de todos os povos civilizados. O dano, seja ele qual for, merece pronta reparação, atendendo-se aos critérios da proporção e da extensão.

Conforme o texto constitucional, em seu artigo 5º, incisos V e X, tem-se que é

possível realizar a indenização por danos morais.

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, a liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano, moral ou à imagem; [...] X – são invioláveis a intimidade, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

O disposto no artigo 186 do Código Civil considera o dano moral como um ato

ilícito: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,

violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato

ilícito”, que, juntamente com o artigo 927, também do Código Civil, afasta qualquer

possibilidade de dúvida em razão da reparabilidade do dano moral, esclarecendo

que essa discussão não possui mais fundamentos:

Art. 927: Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único: Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Este é também o entendimento de Américo Luís Martins da Silva (2005, p.

61):

Como se vê, prevalece, atualmente, tanto na doutrina como na jurisprudência e na legislação a ressarcibilidade do dano moral, tendo-se como afastadas todas as objeções que foram levantadas no passado, tal ressarcibilidade prevalece mesmo quando a lesão moral não provocar qualquer repercussão econômica.

Encerrada a discussão a respeito da possibilidade de reparação do dano

moral, importa, agora, abordar as questões a respeito da indenização e de sua

quantificação, ou seja, dos valores que serão objeto da reparação.

A partir do momento em que um ser humano possui sua moral lesada, por ato

de outrem que atinge sua honra, intimidade, privacidade ou qualquer um de seus

direitos de personalidade, surge, conforme o disposto nos artigos supracitados, o

dever de reparação por parte do ofensor. Ou seja, cada vez que alguém sofre um

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dano, é dever do ofensor repará-lo para compensar a vítima pelo prejuízo que o

causou, como uma oportunidade de consertar os seus atos. É isso o que se busca

com a indenização, assim como explica Américo Luís Martins da Silva (2005, p.

365):

A reparação nada mais é do que isto: fazer reparo no que foi danificado, fazer conserto, fazer restauração, etc. a reparação constitui o ato pelo qual alguém está obrigado a restabelecer o status quo ante; é restabelecer as coisas conforme o seu estado original (restitutio in integro – restituição integral – dever de quem lesa a outrem de reparar o dano). Todavia, muitas vezes é impossível se restabelecer as coisas ou pessoas ao status quo ante (reparação natural ou in natura). Em tais hipóteses se diz que reparação deve ser entendida como o ato de indenizar, compensar ou ressarcir.

Ocorre que, para que se verifique essa reparação não existem critérios legais

a serem seguidos, o que torna a quantificação do dano moral cada vez mais difícil e

a coloca como o alvo de muitas discussões. Essas discussões abrangem os

aspectos da dificuldade de se chegar a uma indenização justa e suficiente tanto para

a vítima quanto para o ofensor.

Sobre essa dificuldade de quantificação, Mauro Vasni Paroski (2008, p. 163)

escreve o seguinte:

Um dos aspectos que mais preocupação e dificuldade tem gerado na disciplina da reparação do dano moral, sem dúvida alguma, reside na fixação de quantia justa e suficiente à sua finalidade, proporcional ao agravo sofrido, em benefício da vítima, como tem reiteradamente apontado a doutrina que vem tratando do tema, notadamente em face da inexistência de critérios legais gerais e objetivos, previamente fixados, capazes de municiar o juiz nesta difícil tarefa.

Ainda a respeito dos fatores que abrangem a dificuldade existente quando da

quantificação do dano moral em se fixar valores justos, Américo Luís Martins da

Silva salienta (2005, p. 381):

Vimos que o dano moral seria a dor tomada em todos os sentidos, a desonra, a imagem prejudicada etc., se de per se, seja em decorrência de múltiplos fatores de ordem pessoal. Sem dúvida alguma, também decorre de múltiplos fatores de ordem pessoal o padrão moral das pessoas. Por isso se diz que os elementos de formação do padrão moral variam acentuadamente de pessoa para pessoa e o próprio nível econômico, social

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e intelectual de uma pessoa e o meio em que vive moldam padrões de comportamento que influenciam decisivamente a constituição de suas regras de moralidade. Tudo isto são complicadores para se fixar uma reparação justa do dano moral suportado.

Importante salientar, assim, que a dor que decorre de uma lesão moral varia

de pessoa para pessoa, envolvendo uma série de fatores, como a emoção, a razão,

a resistência, e, sendo assim, cada um reage de uma maneira com relação ao dano

sofrido. Ainda que o ato ofensivo seja o mesmo, podem surgir diversas reações

diferentes em cada vítima. Isso faz com que o trabalho do interprete ao avaliar o

dano moral seja cada vez mais difícil, tendo que analisar cada caso e atribuir valores

conforme as circunstâncias concretas.

Nesse sentido, Mauro Vasni Paroski (2008, p. 167) estabelece que:

O juiz ou qualquer outra pessoa, senão a própria vítima não está legitimada a se arvorarem no direito de avaliar sofrimentos, dores magos, angústias, humilhações, vexames, constrangimentos e outros sentimentos ou repercussões do ato jurídico, que violou bens extrapatrimoniais, na esfera íntima e psíquica do ofendido. As consequências do ato danoso são distintas no ânimo de cada pessoa, não havendo uniformidade e nem mesmo equivalência. Existem sujeitos mais suscetíveis, e outros, mais resistentes ao dano sofrido. Não há como determinar critérios precisos para a avaliação do dano moral, propiciando dimensionar a reparação pecuniária da vítima.

Diante da falta de critérios legais para a valoração do dano moral, no Brasil

adota-se o sistema de arbitramento do juiz para a valoração do quantum

indenizatório, que, diante de todas as dificuldades descritas acima, deverá agir com

cautela e equilíbrio, dentro dos parâmetros da proporcionalidade e da razoabilidade

para chegar à fixação de um valor (MARTINS, 2008, P. 52).

A respeito do arbitramento do juiz, Mauro Vasni Paroski (2008, p. 168)

salienta que:

Os autores, à unanimidade, ensinam que, ante a falta da parâmetros e diretrizes previamente estipulados pela lei, caberá ao prudente arbítrio do juiz a fixação do quantum indenizatório, por meio do procedimento de arbitramento, e para esta finalidade propõem alguns critérios, muitos deles, subjetivos, e não objetivos.

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Assim, sendo a quantificação realizada por meio do arbítrio do juiz, a

jurisprudência não mais admite que ela seja feita por tarifação, que muitas vezes

torna as decisões injustas, vez que nem todas as situações são iguais, variando de

pessoa para pessoa. Daí a súmula 281 do STJ que diz que: “A indenização por dano

moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa.”

Mauro Vasni Paroski (2008, p. 166) esclarece os motivos pelos quais a

tarifação da reparação deve ser afastada:

A doutrina majoritária entende que a tarifação prévia da reparação deve ser repudiada, não traduzindo a melhor fórmula para o seu dimensionamento, quando inegável que não se pode sustentar que as diversas situações que podem vir a construir o objeto da demanda são idênticas, senão semelhantes, variando, quanto à gravidade, as circunstâncias inerentes e típicas de cada caso em particular, a condição social e econômica da vítima e do agente e a repercussão social da ofensa, entre tantos outros aspectos de maior ou menor relevância.

Para nortear o juiz nessa difícil tarefa de atribuir um valor indenizatório ao

dano moral, a doutrina e a jurisprudência sugerem alguns critérios, a fim de facilitar

esse processo e tornar mais justa a decisão do magistrado, que, tomando-os por

base, estará apto a tomar decisões mais justas e precisas.

O artigo 53 da Lei de Imprensa, Lei nº 5250 de 09 de fevereiro de 1967,

estabelece alguns critérios que podem e devem ser tomados como base na hora da

quantificação. São eles:

Art. 53: No arbitramento da indenização em reparação do dano moral, o juiz terá em conta, notadamente: I – a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e repercussão da ofensa e a posição social e política do ofendido; II – a intensidade do dolo ou o grau de culpa do responsável, sua situação econômica e sua condenação anterior em ação fundada em abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação; III – a retratação espontânea e cabal, antes da propositura da ação penal ou cível, a publicação ou transmissão da resposta ou pedido de retificação, nos prazos previstos na lei e independentemente de intervenção judicial, e a extensão da reparação por esse meio obtida pelo ofendido.

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Maria Helena Diniz (2003, p. 97), no mesmo sentido, entende que:

Na quantificação do dano moral, o arbitramento deverá, portanto, ser feito com bom-senso e moderação (CC, art. 944), proporcionalmente ao grau de culpa, à gravidade da ofensa, ao nível socioeconômico do lesante, à realidade da vida e às particularidades do caso sub exame.

É com base nesses critérios estabelecidos pela doutrina e pela jurisprudência

que deve se basear a decisão do magistrado na hora de atribuir um valor ao dano

moral. Ao contrário do que ocorre quando se trata do dano material, nos casos de

dano moral não existe a possibilidade de se avaliar economicamente os direitos de

personalidade afetados. Assim, a reparação do dano moral não pode ser feita da

mesma maneira que a do dano material, devendo, então, basear-se em princípios e

critérios usados costumeiramente para se fixar um valor compensatório (PAROSKI,

2008, p. 166).

Mauro Vasni Paroski (2008, p. 180) esclarece, também, os critérios a serem

seguidos pelo magistrado para a correta quantificação do dano moral:

Para dimensionar o dano e lhe conferir reparação, deve, primeiramente compreender que o dano moral é incomensurável, que não existe fórmula eficiente de ressarcimento e nem de reparação integral e que a finalidade da indenização não é a reposição das partes ao statu quo ante, como sucede com os danos materiais, mas, sim, proporcionar à vítima a satisfação de outros bens da vida, como forma de assegurar-lhe uma compensação pelo mal sofrido. Em seguida, deve considerar a gravidade objetiva do dano, a sua extensão e repercussão na vida familiar e social da vítima, levando em conta o meio social em esta vive, trabalha e se relaciona; a intensidade do sofrimento da vítima; a personalidade do ofensor, a exemplo de seus antecedentes, grau de culpa e índole; o maior ou menor poder econômico do ofensor; [...] Por último, deverá o julgador movimentar-se entre duas balizas, de um lado, não fixar valor exagerado, que pode levar ao enriquecimento sem causa da vítima, à especulação ou conduzir o agente causador do dano à ruína financeira, e de outro lado, não arbitrar valor irrisório ou tão baixo, a ponto de não propiciar à vítima compensação, satisfazendo-lhe outras necessidades ou prazeres, além de sacrificar suas funções inibitória e punitiva, que, como visto neste estudo, extrapolam os interesses exclusivamente individuais dos envolvidos no litígio, passando a ser importante para toda a sociedade, como meio de defesa e proteção. (grifo nosso)

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É nesse sentido, também, as seguintes jurisprudências:

DANO MORAL – TRABALHO EM CONDIÇÕES DEGRADANTES – FIXAÇÃO DO MONTANTE INDENIZATÓRIO – PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE – OBSERVAÇÃO – “Dano moral. Trabalho em condições degradantes. Fixação do montante indenizatório. Princípio da razoabilidade. O direito à indenização por dano moral pressupõe a comprovação da conduta culposa do empregador, do dano ao empregado e do nexo causal entre o ato do empregador e o prejuízo sofrido. Na hipótese, constatou-se a irregularidade consistente na não disponibilização de sanitários ao empregado, que revela, por si só, o menoscabo com a dignidade dos trabalhadores que ao empregador prestavam serviços, evidenciando o mau tratamento a eles dispensado, restando patente o dever de indenizar. No tocante ao valor da indenização, embora não haja critérios estabelecidos quanto à fixação, doutrina e jurisprudência, balizam-se sobretudo no princípio da razoabilidade, e, para isso, deve o juiz levar em conta alguns aspectos, tais como o grau de culpa do empregador no evento danoso, a extensão do dano, o patrimônio material da empresa, além de se preocupar em não causar o enriquecimento ilícito do reclamante com indenizações exorbitantes e em não arbitrar valores irrisórios, que em nada o ressarciriam, deixando impune o empregador que deu causa ao dano. No caso, levando em consideração a ilicitude do ato praticado e o potencial econômico social do reclamado, sem perder de vista o caráter pedagógico da indenização, o valor reparatório estipulado pela realização de trabalho em condições degradantes não atende aos padrões da razoabilidade, razão pela qual fixa-se novo valor à indenização dos danos morais em R$ 3.000,00 (três mil reais). (Tribunal Regional do Trabalho 23.Região. RO 0117800-20.2010.5.23.0071. Primeira Turma. Relator: Roberto Benatar. Cuiabá, DJe de 25 de outubro de 2012, p. 49.)

ACIDENTE DE TRABALHO – CULPA CONCORRENTE DO EMPREGADO E DO EMPREGADOR – INDENIZAÇÃO DEVIDA – Evidenciada a ocorrência do dano, do nexo causal e da conduta culposa da empresa, mesmo que de forma concorrente, resta configurada a sua responsabilidade civil pelo acidente de trabalho. INDENIZAÇÕES POR DANO MORAL E POR DANO ESTÉTICO – CUMULAÇÃO – POSSIBILIDADE – Nos termos da Súmula nº 387 do STJ, é possível a acumulação das indenizações de dano estético e moral, pelo que, uma vez demonstrada a ocorrência de ambos os danos, correta a concessão das reparações separadamente. QUANTUM INDENIZATÓRIO – CARÁTER PEDAGÓGICO E COMPENSATÓRIO – A indenização por dano moral deve ser fixada de acordo com o prudente arbítrio do juiz, levando-se em conta o caráter pedagógico em relação ao empregador, a capacidade financeira deste e a natureza compensatória da indenização, em relação ao empregado, evitando-se que o valor arbitrado propicie o enriquecimento sem causa do trabalhador ou que seja inexpressivo a ponto de nada representar para a empresa, considerando sua capacidade de pagamento. Recurso ordinário a que se nega provimento. (Tribunal Regional do Trabalho 13.Região. RO 22500-28.2012.5.13.0010. Relator: Edvaldo de Andrade. João Pessoa, DJe de 17 de dezembro de 2012, p. 7.)

Assim, diante do exposto, tem-se que os critérios utilizados pela doutrina e

jurisprudência que servem como base para a decisão do juiz no momento de fixar o

quantum indenizatório são: a situação econômica do ofensor, a extensão do dano, o

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grau de culpa do agente e deve, ainda, se preocupar em não atribuir valor que

acarrete em enriquecimento ilícito da vítima.

4 CRITÉRIOS PARA A QUANTIFICAÇÃO

4.1 Situação Econômica do Ofensor

A situação econômica do ofensor é um dos fatores que deve ser analisado

quando da fixação dos valores da indenização por danos morais por parte do

magistrado, conforme as orientações da doutrina e da jurisprudência.

Segundo Américo Luís Martins da Silva (2005, p. 386) esse é o fator que deve

ser analisado primeiro, para só depois se levar em consideração os demais critérios

sugeridos:

A nosso ver, qualquer fixação da reparação de dano moral, deve, antes de tudo, partir, impreterivelmente, da realidade econômica do ofensor. A situação econômica do ofensor é o elemento fundamental primeiro a que se deve tomar por base a aferição da indenização. Depois de considerado este elemento, na fixação dos patamares que limitam a reparação, é que se devem tomar por consideração os demais elementos, tais como: I – a intensidade do sofrimento do ofendido, a natureza e a repercussão da ofensa e a posição social e política do ofendido. II – a intensidade do dolo ou grau da culpa do ofensor-responsável e sua condenação anterior em ação criminal ou cível fundada em causas das quais decorram danos morais (reincidência); III – a reparação natural, quando cabível e não cumulável com a reparação pecuniária, independentemente de intervenção judicial; e IV – a extensão da reparação natural obtida pelo ofendido, quando cumulável com a reparação pecuniária (reparação in natura como elemento que reduz os valores devidos na reparação pecuniária). (grifos do autor)

Trata-se de uma questão importante, tendo em vista que de nada adianta o

juiz fixar um valor, sem antes observar as condições econômicas do ofensor e se

existem chances de que ele não consiga cumprir com a obrigação.

Esse é um fator que ajuda também a garantir que haja o cumprimento integral

da obrigação, conforme esclarece Américo Luís Martins da Silva (2005, p. 387):

Quanto à medida para garantir a eficácia no cumprimento da obrigação, como já dissemos, de nada vale condenar o ofensor em verbas acima da sua capacidade de pagamento, já que fatalmente não haverá cumprimento da obrigação. E isto desmoraliza o Poder Judiciário perante o ofendido e a opinião pública. Portanto, a nosso ver, o primeiro passo para se fixar o

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quantum da indenização deve ser trazer para os autos judiciais documentos comprobatórios ou indícios a respeito da faixa de patrimônio, remuneração e rendas auferidas pelo ofensor. A partir de tais indícios é que se pode costurar uma teia de elementos para a formação do quantum de uma indenização justa, cujo comprimento da obrigação seja eficaz. Fora disso, cai-se, inapelavelmente, no campo da utopia.

Assim, faz-se imprescindível para o cumprimento da obrigação a análise do

patrimônio e da condição financeira do agente, para que se garanta que o valor

arbitrado pelo juiz está dentro do que o ofensor tem condições de pagar, evitando,

assim, que a vítima acabe frustrada por não receber sua indenização.

Outro fator importante da análise das condições financeiras do ofensor é o

fato de tal análise servir como uma espécie de barreira à pedidos exorbitantes, com

valores exagerados que, embora possam parecer ideais, muitas vezes não

condizem com o dano sofrido nem com a capacidade econômica do agente. Mauro

Vasni Paroski (2008, p. 166) faz esta análise:

Esse quadro de dúvida, incerteza e insegurança, muitas vezes pode levar a pedidos exorbitantes e, em outras, embora razoável a pretensão da vítima, ao agente causador do dano pode parecer exagerada a quantia pleiteada, superior ao que entende ser devido pela ofensa perpetrada àquela.

É também nesse sentido a jurisprudência:

DANOS MORAIS – O legislador sabiamente não adotou parâmetros ou limites para a indenização por dano moral, deixando ao prudente arbítrio do Juiz a sua fixação, diante das múltiplas especificidades do caso concreto. Todavia, alguns pressupostos já assentados na doutrina e jurisprudência devem nortear a dosimetria dessa indenização: a) a fixação do valor obedece a duas finalidades básicas que devem ser consideradas: compensar a dor, o constrangimento ou sofrimento da vítima e punir o infrator; B) é imprescindível aferir o grau de culpa do empregador e a gravidade dos efeitos da infração; C) o valor não deve servir para enriquecimento da vítima nem de ruína para o empregador; D) o valor deve ser arbitrado com prudência temperada com a necessária coragem, fugindo dos extremos dos valores irrisórios ou dos montantes exagerados, que podem colocar em descrédito tanto o Poder Judiciário quanto esse avançado instituto da ciência jurídica; E) a situação econômica das partes deve ser considerada, especialmente para que a penalidade tenha efeito prático e repercussão na política administrativa patronal; F) ainda que a vítima tenha suportado bem a ofensa, permanece a necessidade da condenação, pois a indenização pelo dano moral tem por objetivo também uma finalidade pedagógica de punir a infratora, já que demonstra para esta e para a sociedade a punição exemplar para aquele que desrespeitou as regras básicas da convivência humana. (Tribunal Regional do Trabalho 3.Região. RO 45/2012-062-03-00.6. Relator: Des. Sebastiao Geraldo de Oliveira. Belo Horizonte, DJe de 5 de setembro de 2012, p. 58.)

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Assim, ao se observar a condição financeira do agente causador do dano,

maior a chance de se fixar valores justos tanto para a vítima, que terá a certeza do

recebimento da indenização, quanto para o ofensor, que não precisará recair em

dívidas para arcar com a obrigação.

4.2 Extensão do Dano

Para se fixar o valor indenizatório do dano moral, o juiz deve observar,

também, a extensão do dano sofrido pela vítima, ou seja, precisa analisar quais os

efeitos que essa lesão teve sobre a vítima, o quanto esse dano a afetou, para que

possa fixar valores que condizem com o dano suportado.

É isso o que entende o professor Clayton Reis (2003, p. 111) quando afirma

que: “Para restabelecer o prejuízo gerado, é preciso detectar os efeitos produzidos

pela ação lesiva do agente ofensor, para o fim de restituir a ordem violada à sua

situação original”.

É nesse sentido, também, o disposto no artigo 944 do Código Civil: “A

indenização mede-se pela extensão do dano”.

Assim, segundo o disposto no Código Civil e o entendimento da doutrina e da

jurisprudência, ao fixar o quantum indenizatório o juiz deve tomar por base a

extensão que o dano teve sobre a vítima, analisando qual foi o real prejuízo

decorrente do dano, com o fim de indenizá-la proporcionalmente ao sofrimento e

prejuízo sofridos.

Para isso, faz-se necessário que o magistrado se coloque na situação da

vítima, analisando o caso como se fosse ele quem o tivesse sofrido, pois só assim

chegará a um valor justo e satisfatório à vítima. Assim explica Clayton Reis (2003, p.

115):

Nesse sentido, é imprescindível que o julgador se posicione na condição de vítima, porque sempre vivenciamos de forma mais profunda os fatos da nossa existência que se passam na nossa intimidade. Não basta, portanto, entender os mecanismos que concedem suporte fático às questões alusivas à reparação dos danos morais; é indispensável que o julgador vivencie, no plano dos valores em que o lesionado se encontra, a extensão das ações que determinaram a consumação dos efeitos do ato lesivo. Nesse processo de cognição intuitiva, será possível ao juiz proceder à mensuração mais compatível com o nível de satisfação desejável para a vítima. Aliás, no processo de dimensionamento dos danos morais, para efeito de mensuração do seu quantum indenizatório, sempre será importante a

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identificação dos fatores de satisfação do agente lesionado, pela via intuitiva o atendimento ao princípio da reciprocidade.

Desta maneira, o papel do magistrado na análise da extensão do dano é

extremamente importante para satisfazer a vítima com a indenização justa e correta

para os danos que foram impostos, tendo em vista que só é possível compensá-la

pelos prejuízos sofridos, mensurando, também, qual foi a real extensão do dano.

Clayton Reis (2003, p. 113) salienta, ainda, que:

[...] a questão fundamental consiste em perscrutar a extensão do dano subjetivo sofrido pela vítima, bem como os seus reflexos da pessoa, para que o julgador possa avaliar e fixar com a precisão devida o quantum indenizatório. Assim, na medida em que seja possível estabelecer a mensuração do dano, será igualmente possível estabelecer a extensão da indenização no sentido de compensar de forma efetiva o prejuízo sofrido pela vítima.

Neste sentido a seguinte jurisprudência:

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – FIXAÇÃO – A fixação da indenização por danos morais deve se pautar pelo principal critério conferido pela lei, qual seja, a extensão do dano (art. 944 do CC). Assim, deve-se avaliar qual foi o bem jurídico lesado, a dimensão temporal do dano, a repercussão social do ato ilícito e as condições pessoais da vítima.(Tribunal Regional do Trabalho 12.Região. RO 0005822-42.2011.5.12.0028. Sexta Câmara. Relator: José Ernesto Manzi. Florianópolis, DJe de 6 de julho de 2012, p. 14.)

Assim, é importante a análise da extensão do dano para se verificar o real

sofrimento da vítima com vistas a se estabelecer valores justos e correspondentes

ao dano sofrido. Tal critério de quantificação auxilia o magistrado a estabelecer

valores proporcionais ao dano causado à vítima, justificando a obrigação do ofensor

de pagar a indenização.

4.3 Enriquecimento Ilícito

É grande, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, a preocupação com

uma valoração justa e equilibrada do dano moral, sendo que valores abusivos ou

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irrisórios são os principais problemas nas decisões que, muitas vezes, precisam ser

reapreciadas e reformuladas (SILVA, 2005, p. 389).

Importante é o equilíbrio do magistrado na hora de fixar o valor, devendo

observar, juntamente com os demais critérios já citados, se o valor é justo tanto para

a vítima quanto para o empregador, evitando-se que o valor fixado acarrete o

enriquecimento ilícito da vítima.

Ressalta-se, aqui, que para que o valor da indenização acarrete o

enriquecimento ilícito da vítima deve não apenas causar extremo prazer à vítima,

mas, também, acarretar em prejuízo patrimonial à empresa, ou seja, gera um

enriquecimento indevido por parte da vítima à custa de um prejuízo econômico

causado à empresa.

Américo Luís Martins da Silva (2005, p. 59) explica:

Em outras palavras, para se caracterizar o enriquecimento ilícito ou sem causa, não basta que se tenha proporcionado à alguém determinada parcela de prazer. É indispensável, além do mais, que, paralelamente com isso, se prove o correspondente empobrecimento do patrimônio daquele que proporcionou ao terceiro o enriquecimento indevido, o que não é de acontecer no mundo dos bens extrapatrimoniais.

Assim, repudia-se a fixação de indenização por danos morais que gere

enriquecimento ilícito à parte lesada e que cause um prejuízo econômico à empresa,

vez que não é esta a real função da indenização. Desta maneira entende Mauro

Vasni Paroski (2008, p. 167):

Não se deve pensar em reparações simbólicas, porque tal seria negar por via transversa a indenizabilidade do dano moral, o que criaria um paradoxo sem precedentes; igualmente censurável a atribuição de um montante que possa gerar enriquecimento da vítima ou empobrecimento do agente, ambos injustificáveis, sob qualquer ângulo que se examine o tema.

Importante salientar, ainda, que com esse critério de que a indenização não

pode causar enriquecimento ilícito para a vitima, afasta-se também a ideia de se

fazer da Justiça do Trabalho uma espécie de mercado, onde as pessoas acabam

entrando com reclamações banais apenas para tentar obter alguma vantagem diante

desta situação.

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Américo Luis Martins da Silva (2005, p. 389) esclarece esse assunto:

Por outro lado, deve-se também coibir o que se costuma denominar de “indústria do dano moral”, caracterizada pelo ajuizamento de ações temerárias, verdadeiras aventuras judiciais, motivadas pelos fatos mais banais e inconsistentes, e pela propositura de demandas com a expectativa ou propósito oculto de obter enriquecimento, e não compensação pelo dano sofrido.

Esse é o entendimento da jurisprudência a seguir:

RECURSO ORDINÁRIO – QUANTIFICAÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO – A indenização deferida a título de danos morais, embora sirva de conforto e compensação, não pode ser tida como fonte de enriquecimento do ofendido, devendo-se, na estipulação do respectivo valor monetário, observar o correto balanço entre a gravidade do ato e o prejuízo causado. Razoável o valor arbitrado à indenização, a qual importa em R$ 10.000,00 (dez mil reais), por guardar coerência com a gravidade do dano, o grau da culpabilidade e a condição financeira do agente. Recurso ordinário autoral improvido. (Tribunal Regional do Trabalho 6.Região. RO 0000330-37-2010.5.06.0007. Terceira Turma. Relatora: Maria Clara Saboya A. Bernardino. Recife, DJe de 18 de maio de 2012, p. 229.)

Desta maneira, faz-se importante a análise do juiz de cada caso concreto,

observando os critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência, evitando que a

indenização por danos morais deixe de cumprir sua real função, que é compensar a

vítima pelo dano sofrido e passe a gerar um enriquecimento indevido.

4.4 Grau de Culpa do Agente

O grau de culpa do agente é outro critério sugerido pela doutrina e pela

jurisprudência para auxiliar o magistrado na hora de fixar o quantum indenizatório do

dano moral.

O parágrafo único do artigo 944 do Código Civil diz respeito à relação entre o

dano e a culpa do agente, dispondo que: “Se houver excessiva desproporção entre a

gravidade da culpa e do dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização”,

estabelecendo a necessidade da proporção entre o dano causado e o grau de culpa

do agente.

A admissibilidade do grau de culpa como um critério para a fixação do

quantum indenizatório é uma questão ainda muito discutida, que gera bastante

divergência nas opiniões. Assim explica João Casillo (1994, p. 89):

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Duas correntes, inclusive com reflexos em vários códigos, dividem-se sobre a admissibilidade ou não de o grau de culpa influir no quantum indenizatório. Esta discussão nasce da classificação doutrinária da culpa em grave (equivalente ao dolo), leve e levíssima. Para alguns autores, quando da fixação do montante a ser pago pelo responsável pelo dano, aquela deve variar, principalmente se o juiz verificar que a culpa do agente pode ser classificada como leve. Neste caso, em especial, argumentam que não seria justo o pagamento da mesma indenização para aquele que agiu com dolo ou culpa grave. [...] Já em sentido contrário, outros autores, inclusive tendo por base um antigo texto do Digesto (“in lege Aquilia et levíssima culpa venit” sendo caso de ato ilícito, a culpa levíssima é punida), entendem que o grau de culpa não deve ser levado em conta na fixação da indenização, pois o que interessa, realmente, é a extensão do dano.

Desta forma, a admissibilidade ou não do grau de culpa do agente como um

critério para a quantificação do dano moral varia conforme o entendimento de cada

doutrinador. Alguns entendem que deve haver a relação entre a culpa e o dano

causado à vítima, conforme estabelece o artigo supracitado, já outros acreditam não

ser necessária essa análise, vez que a extensão do dano já é suficiente para a

valoração da indenização.

José Affonso Dallegrave Neto (2008, p. 338) é da corrente dos doutrinadores

que entendem ser necessária a análise do grau de culpa do agente para a valoração

do dano, afirmando que: “É imprescindível considerar o grau de culpa do

empregador e a gravidade dos efeitos do acidente ou da doença ocupacional”.

Já João Casillo (1994, p. 91) pertence à corrente dos que entendem não ser

preciso analisar a culpabilidade do agente quando da quantificação do dano moral,

salientando que: “No direito brasileiro, em especial no Código Civil, prevalece a

primeira posição: o grau de culpa não influi na mensuração do valor a ser pago à

titulo de indenização.”

Ainda no que diz respeito à admissibilidade ou não do grau de culpa do

agente como um critério a ser observado quando da valoração da indenização do

dano moral, Clayton Reis (2003, p. 87) observa que:

Em face dessas observações, é conclusivo afirmar que é de pouca importância para o processo indenizatório o grau de culpa que concorreu para o evento lesivo, senão a exata dimensão do dano produzido em decorrência desse procedimento. Isto porque, o objeto principal da indenização é o prejuízo, sendo despicienda a investigação do grau de culpa que concorreu para a sua efetividade. Portanto, a voluntariedade culposa do agente, não obstante seja um dos pressupostos da responsabilidade subjetiva, merece apenas o destaque para aferir o animus delinquente do agente lesionador, para o fim de identificar o nível de

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voluntariedade e irresponsabilidade de quem violou direito para causar prejuízos a outrem.

Deixando de lado a discussão da aceitação ou não do grau de culpa do

ofensor como um critério influenciador para a fixação da indenização por danos

morais, deve-se atentar também ao disposto no artigo 945 do Código Civil: “Se a

vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será

fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do

dano”.

Ou seja, caso a vítima tenha concorrido para que ocorresse o dano, a

indenização será arbitrada levando-se em conta tanto a culpa do agente, quanto a

culpa da vítima, podendo ser majorada ou reduzida de acordo com a gravidade de

ambas as culpas.

Esse critério do grau de culpa do agente está diretamente ligado ao caráter

punitivo da indenização, tendo em vista que, quanto menor a culpa do agente

causador do dano, menor será o caráter punitivo da indenização, assim como,

quanto maior o grau de culpa do ofensor, maior o caráter punitivo da indenização.

Assim explica José Affonso Dallegrave Neto (2008, p. 154):

Logo, se a investigação da gravidade da culpa é levada em conta para o quantum indenizatório, não há duvida que o caráter sancionatório (punitivo) encontra-se embutido e respaldado na lei. Assim, se a culpa do agente foi leve ou levíssima o juiz poderá reduzir a indenização (art. 944, parágrafo único, do CC), o que vale dizer: quanto menor o grau de culpa do agente menor a indenização punitiva!

Esse é também o entendimento de João Casillo (1994, p. 93), quando

escreve que:

Admitindo-se, como já se admitiu, que a indenização também tenha caráter de pena, para aquele que agisse dolosamente, além das sanções penais, quando cabíveis, o agravamento da indenização poderia desestimular em muito a prática de ilícitos civis dolosos.

Assim, o grau de culpa do agente, ao servir como base para a fixação dos

valores da indenização por danos morais, estabelece, também, a indenização

sancionatória a que o agente estará obrigado a cumprir.

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A jurisprudência é pacífica quanto ao cabimento do grau de culpa do agente

como um critério para indenização por danos morais:

O valor da indenização por dano moral deve ser arbitrado pelo juiz (art. 1553 do Código Civil), atendendo ao duplo caráter da reparação, ou seja, o de compensação para a vítima e o de punição do agente. E, como critérios abalizadores, pesam a extensão do dano; a condição sócio-econômico e cultural da vítima e sua participação no evento; a capacidade de pagamento e o grau de culpabilidade do agente; dentre outros definidos pela doutrina, pela jurisprudência, e por normas pertinentes a hipóteses semelhantes. (Tribunal Regional do Trabalho 3.Região. RO/15335/99. Relator: Juiz Antônio Fernando Guimarães. Belo Horizonte, DJMG de 29 de março de 2000, p. 20.)

INDENIZAÇÃO – CRITÉRIOS PARA SUA FIXAÇÃO – O valor da indenização deferida a título de danos morais deve ser arbitrado pelo Juiz atendendo ao duplo caráter da reparação, ou seja, o de compensação para a vítima e o de punição do agente. Impõe-se também a verificação da extensão do dano, a condição sócio-econômica da vítima e do ofensor, assim como o bem jurídico lesado, a participação no evento e o grau de culpabilidade do agente. (Tribunal Regional do Trabalho 3.Região. RO 2958/2011-063-03-00.2. Relator: Luiz Ronan Neves Koury. Belo Horizonte, DJe de 24 de outubro de 2012, p. 40.)

Desta maneira, deve o magistrado, no momento da fixação do quantum

indenizatório, atentar para o grau de culpa do agente, situação que poderá aumentar

ou diminuir o valor arbitrado, de acordo com a sua intensidade.

Salienta-se, ainda, que a análise da culpa só se faz relevante nos casos em

que a responsabilidade do agente é subjetiva, não sendo necessária nos casos de

responsabilidade objetiva, onde importa apenas a existência do dano e o nexo de

causalidade (DALLEGRAVE NETO, 2008, p. 134).

5 CONCLUSÃO

O presente artigo objetivou contribuir para uma melhor compreensão a

respeito de como se dá a quantificação do dano moral no âmbito das relações

trabalhistas.

Para alcançar o tema do presente artigo, a quantificação do dano moral no

Direito do Trabalho, fez-se necessário iniciar este estudo observando quais as

funções da indenização por danos morais, questão que ainda não foi totalmente

pacificada pela doutrina.

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Assim, entendeu-se que a indenização por danos morais possui um caráter

dúplice, ou seja, além de compensar a vítima pelos danos sofridos, a indenização

possui, também, a função punitiva com o intuito de punir o ofensor e desestimulá-lo

a agir novamente desta maneira.

Num segundo momento tratou-se da reparabilidade do dano moral, questão

que gerava muita discussão pelo fato de não se poder medir em valores a dor e o

sofrimento da vítima, o que fazia com que alguns doutrinadores não admitissem que

o dano moral fosse indenizado.

Compreendeu-se, aqui, que apesar de a dor moral da vítima não poder ser

valorada em dinheiro, isto não constitui um obstáculo ao processo de indenização,

tendo em vista que o nosso ordenamento jurídico já pacificou a questão da

indenização do dano moral. Assim, têm-se que o dano moral deve, sim, ser

indenizado pelo agente causador.

Por fim, tratando da fixação de valores da indenização por danos morais,

constatou-se que se trata de uma decisão bastante árdua por parte dos magistrados.

A fixação do quantum indenizatório se dá por arbitramento do juiz e, por não

existirem critérios e parâmetros estabelecidos para essa valoração, a doutrina e a

jurisprudência apontam alguns critérios que servem de base para o magistrado,

auxiliando-o nesta difícil decisão.

Não sendo possível valorar economicamente a dor moral de uma pessoa,

para arbitrar o valor, deve o juiz analisar cada caso com as suas particularidades,

tendo por base o princípio da razoabilidade e observando os critérios sugeridos pela

doutrina para que essa decisão seja justa e correspondente ao dano.

É desta maneira, então, que se estará cada vez mais perto de decisões justas

e que atinjam a finalidade de reparar o dano, cumprindo com a sua dupla função.

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REFERÊNCIAS

CASILLO, João. Dano à pessoa e sua indenização. 2. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1994.

COMPENSAR. In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século

XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

DALLEGRAVE NETO. Responsabilidade civil no direito do trabalho. 3. ed. São

Paulo: LTr, 2008.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil.17. ed.

São Paulo: Saraiva, 2003.

MARTINS, Sergio Pinto. Dano moral decorrente do contrato de trabalho. 2. ed.

São Paulo: Atlas, 2008.

OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente de trabalho ou

doença ocupacional. 6. ed. São Paulo: LTr, 2011.

PAROSKI, Mauro Vasni. Dano moral e sua reparação no direito do trabalho. 2.

ed. Curitiba: Juruá, 2008.

REIS, Clayton. Os novos rumos da indenização do dano. Rio de Janeiro:

Forense, 2003.

SILVA, Américo Luís Martins da. O dano moral e a sua reparação civil. 3. ed. São

Paulo: RT, 2005.

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ANÁLISE CRÍTICA DA PRISÃO CIVIL POR DÍVIDA DERIVADA DA

PENSÃO ALIMENTÍCIA

CRITICAL ANALYSIS OF IMPRISONMENT FOR DEBT CIVIL ARISING

FROM THE BOARD FOOD

Natasha Junqueira Gouvea1

Eros Belin de Moura Cordeiro2

1 Acadêmica de Direito no Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA. 2 Possui graduação em Bacharelado em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba (1999) e mestrado em Direito pela Universidade Federal do Paraná (2005). Atualmente é professor do Centro Universitário Curitiba - Unicuritiba nas áreas de direito civil (contratual) e direitos internacional privado. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Civil, atuando principalmente nos seguintes temas: responsabilidade civil, contratos, direito civil, defesa do consumidor, direito contratual e contratos internacionais.

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SUMÁRIO

1 – Introdução. 2 – Da Prisão Civil no Direito Brasileiro. 3 – Dos Alimentos. 4 – Da

Ação de Alimentos como forma de exigibilidade da prestação. 5 – A Prisão Civil

como meio de execução da prestação alimentícia. 6 – Dos efeitos da Prisão Civil e

da inviabilidade da Prisão Civil pela perda do caráter alimentar. 7 – Da divergência

quanto à eficácia da Prisão Civil. 8 – Conclusão. Referências.

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373

RESUMO

Os alimentos são de grande importância para a subsistência e dignidade do ser

humano, e são devidos sempre que um dos genitores não detêm a guarda do filho, a

fim de prestar-lhe assistência ou auxiliar o detentor da guarda nos gastos com a

criança ou adolescente, também é devido aos pais quando estes não possuem

condições de se manterem sozinhos ou ainda prestados aos cônjuges ou

companheiros em casos de separação ou divórcio. Quando há a necessidade

destes, surge a obrigação alimentar do devedor em suprir essa necessidade e o não

cumprimento dessa obrigação gera diversas sanções, dentre elas a prisão civil. No

entanto, devido às atualizações do cotidiano, a prisão civil não tem se mostrado uma

forma eficaz de fazer cumprir essa obrigação pelo devedor inadimplente, tendo em

vista que essa tem se mostrado mais como uma penalização do que uma simples

coação. A análise desse tema foi feita através de uma breve evolução histórica da

prisão civil, bem como o seu conceito, analisando ainda, o surgimento da obrigação

alimentar com suas características, princípios, e ainda quem são os legitimados para

cobrar os alimentos. Será analisado também, através de doutrina e jurisprudência as

formas de execução da prestação alimentícia, dando ênfase na prisão civil em si e

seus aspectos e fundamentos, mostrando que esta só pode ser usada como uma

exceção, ou seja, em último caso, respeitando sempre o princípio da dignidade da

pessoa humana, não podendo haver prejuízo e desamparo a subsistência do

devedor e de sua família ou ainda causando mais danos ao alimentado.

Palavras-chave: Alimentos, subsistência, dignidade, prisão civil, exceção

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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ABSTRACT

The food is of great importance to the livelihood and dignity of human beings, and is

payable when a parent does not hold custody of the child in order to assist you or

assist the holder of the guard in spending on the child or adolescent is also due to

parents when they can not afford to remain alone or provided to spouses or partners

in cases of separation or divorce. When there is a need for this arises the

maintenance obligation of the obligor to meet this need and do not fulfill this

obligation generates various penalties, among them the civil prison. However, due to

the daily updates, the civil prison has not proven an effective way to enforce that

obligation by the debtor defaulting, given that this has been more like a penalty than

a simple coercion. The analysis of this issue was made through a brief historical

development of the civil prison, as well as its concept, analyzing also the emergence

of the maintenance obligation to their characteristics, principles, and who are still

standing to collect the food. It will be also analyzed through doctrine and

jurisprudence forms of providing food, with an emphasis on civil prison itself and its

aspects and fundamentals, showing that this can only be used as an exception, in

the words, in the latter case, respecting the principle of human dignity, and there can

be loss and helplessness the livelihood of the debtor and his family or even causing

more damage to the fed.

Keywords: food, livelihood, dignity, civil prison, except

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1 INTRODUÇÃO

O presente tema visa abordar sobre a questão da prisão civil na execução

alimentícia. A obrigação alimentar decorre da necessidade do ser humano,

necessidade esta de grande importância para sobreviver de forma digna e

amparada.

O ordenamento jurídico brasileiro estabelece que a obrigação alimentar é

devida entre parentes, cônjuge e filhos, observando sempre o princípio da dignidade

da pessoa humana, devendo a obrigação estar de acordo com a possibilidade do

devedor.

No entanto, a obrigação alimentar tem sido objeto de grande discussão no

Judiciário, tendo em vista o grande número de inadimplência do devedor de

alimentos. Ocorre que nem sempre o devedor tem condições de satisfazer o crédito

do credor e diante disso, tem-se utilizado a prisão civil como meio de coerção para

forçar o devedor ao cumprimento.

A prisão civil é uma das formas de execução da obrigação alimentar, mas

deve ser usada como última forma de cumprimento, tendo em vista que utiliza-se da

coerção pessoal do devedor. Hoje, a prisão civil só pode ocorrer nos casos de

obrigação alimentar, sendo vedada, conforme o Pacto de San José da Costa Rica a

prisão civil pelo depositário infiel, que antes era aceita, existindo hoje apenas uma

forma pela qual o devedor poderá ser preso civilmente.

Ainda, ressalte-se que a prisão civil como forma de execução, implica na

restrição a liberdade individual do devedor e, portanto, deve ser vista à luz da

dignidade da pessoa humana.

Desse modo, a Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso LXVII, prevê a

prisão do devedor sempre que houver o descumprimento voluntário ou injustificado

da obrigação alimentícia.

Verifica-se que a prisão civil só poderá ocorrer nos casos de atualidade do

débito, não podendo utilizar nos casos em que a obrigação não é atual e ainda, só

ocorrerá referente às últimas três parcelas vencidas ou àquelas que vierem a vencer

no decurso do processo.

Por fim, irá ser feita uma análise crítica quanto à eficácia da prisão civil, pois

nota-se que há divergência nesse ponto. Será um meio de coerção ou punição?

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2 DA PRISÃO CIVIL NO DIREITO BRASILEIRO

A prisão civil por dívida, atualmente, admite-se apenas em uma hipótese

excepcional. Está ligada a forma de executar aquele devedor que descumpriu com a

obrigação já determinada de prestar alimentos para aqueles que deles necessitam.

É imprescindível a análise crítica da execução derivada do débito alimentar,

especialmente à luz da Constituição da República, pois foi a partir desta que foi

admitida a prisão civil pelo depositário infiel.

Surge então, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecida

também como Pacto de São José da Costa Rica, aprovada em 1992 no

Ordenamento Jurídico Brasileiro pelo Decreto - Legislativo nº 27 de 1992, em seu

artigo 7º ressaltando: “Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita

os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de

inadimplemento de obrigação alimentar”.

Diante disso, retirou-se o depositário infiel dos meios de prisão civil, restando

apenas a prestação alimentícia como única forma em que o devedor poderá ser

preso civilmente para que cumpra com sua obrigação em caso de inadimplemento.

A partir do momento em que o Brasil aderiu a esse tratado internacional, a

aplicabilidade da prisão civil pelo depositário infiel passou a não ser mais aceita.

Ainda assim, a Súmula Vinculante nº 25 do Supremo Tribunal Federal deixa de

forma expressa essa impossibilidade, afirmando (STF, Súmula 25): “É ilícita a prisão

civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”.

Portanto, existiam duas formas pelas quais o devedor poderia sofrer a sanção

da prisão civil. Apenas no caso do depositário infiel, sendo aquele sujeito que fica

responsável pela guarda de um bem que não é seu, deixando que este desapareça

ou que algo aconteça enquanto estiver em sua posse e no caso do não cumprimento

da obrigação de prestar alimentos para aquele que deles necessitam, já

determinado em sentença.

A prisão civil diferentemente da prisão penal possui caráter coercitivo e não

apenatório, utilizado apenas de forma restrita no Ordenamento Jurídico Brasileiro, ou

seja, apenas no caso do não cumprimento da obrigação alimentícia, de forma a

forçar o devedor ao pagamento da obrigação.

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Nesse sentido explica Araken de Assis (2004, p. 193 e 194): A custódia

executiva pretende influir de modo positivo no ânimo do executado, compelindo-o ao

cumprimento. Não se trata, absolutamente, de sanção penal. A medida refoge à

disciplina repressiva.

Com isso, verifica-se ser uma exceção, ou seja, utilizada em último momento,

com o objetivo de forçar o devedor a cumprir com a obrigação alimentícia,

observado sempre de forma rígida o princípio da dignidade da pessoa humana.

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é um dos princípios mais

importantes do ordenamento jurídico, pois é ele quem garante direitos a todos os

indivíduos, contra qualquer ato que seja imoral, desumano, assim como garante

também, condições adequadas para a existência de uma vida digna.

Flávia Piovesan refere-se a esse princípio como sendo um princípio

fundamental, pelo qual nenhum princípio passa a ser mais valioso do que o da

dignidade da pessoa humana, citando-se (2003. p. 390): “Trata-se, o princípio em

tela, pela prevalência que lhe concedem os ordenamentos constitucionais que vem

sendo estudados, de verdadeiro princípio fundamental da ordem jurídica”.

Diante disso, conclui-se que a dignidade da pessoa humana é aquilo que se

tem de mais amplo e foi através dela que se passou a compreender e estudar os

Direitos Humanos.

O que ocorre é que, esse princípio se sobressai sobre qualquer outro, que é o

caso da prisão civil pela obrigação de alimentos, ou seja, os alimentos são de

extrema importância, pois possuem caráter alimentar, de existência, de uma vida

digna, de tal modo que, se houver um conflito de princípios, prevalecerá sempre o

da dignidade da pessoa humana, sendo este um princípio constitucional.

Nesse sentido, já esclarece Flávia Piovesan (2000. p. 54):

A dignidade da pessoa humana, [...] está erigida como princípio matriz

da Constituição, imprimindo-lhe unidade de sentido, condicionando a interpretação das suas normas e revelando-se, ao lado dos Direitos e Garantias Fundamentais, como cânone constitucional que incorpora as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro.

Mas, ao mesmo tempo, a execução alimentícia não pode acarretar prejuízos

relevantes ao devedor, de forma que deixe desamparado este e sua família, pois

nesse caso estaria gerando certa incompatibilidade com esse princípio.

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3 DOS ALIMENTOS

Os alimentos têm por objetivo satisfazer o sustento daquele que não tem

condições de fazê-lo sozinho, sendo este essencial para a subsistência da pessoa,

bem como dar melhores condições morais e sociais ao alimentando. Nesse sentido,

entende Carlos Roberto Gonçalves (2007. p. 440):

O vocábulo “alimentos” tem, todavia, conotação muito mais ampla do que na linguagem comum, não se limitando ao necessário para o sustento de uma pessoa. [...] A aludida expressão tem, no campo do direito, uma acepção técnica de larga abrangência, compreendendo não só o indispensável ao sustento, como também o necessário à manutenção da condição social e moral do alimentando.

Do mesmo modo, o artigo 1.694 do Código Civil determina (ed. 2008): “podem

os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que

necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para

atender às necessidades de sua educação”.

Esse dever de prestar os alimentos está relacionado à ideia de solidariedade

que deve existir dentro de uma família, tendo que prestar auxílio a quem deles

necessita. Yussef Said Cahali possui entendimento nesse sentido (2009. p. 15): Em

linguagem técnica [...] a ideia de obrigação que é imposta a alguém, em função de

uma causa jurídica prevista em lei, de prestá-los a quem deles necessite. Com isso,

demonstra-se a necessidade de prover alimentos àquele que não possui condições

de se manter sozinho.

Importante frisar que a obrigação de alimentos surge desde o momento da

concepção do ser humano, tendo em vista que este já nasce carente, não tendo

capacidade para a sua manutenção sozinho. Entende Yussef Cahali (2009. p. 29):

Desde o momento da concepção o ser humano – por sua estrutura e natureza – é um ser carente por excelência; ainda no colo materno, ou já fora dele, a sua incapacidade ingênita de produzir meios necessários à sua manutenção faz com que se lhe reconheça, por um princípio natural jamais questionado, o superior direito de ser nutrido pelos responsáveis por sua geração.

A obrigação alimentar está relacionada ainda, com a ideia de solidariedade

familiar, conforme mencionado anteriormente e pode vir decorrente de lei, mas

também do parentesco.

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Essa obrigação alimentar não pode ser confundida com dever familiar, pois a

diferença está no sentido de que a obrigação alimentar está fundada na

possibilidade do devedor e ainda, só se torna exigível a partir do momento em que o

credor estiver necessitando e existem deveres familiares que devem ser cumpridos

independente de necessidade ou não.

Do mesmo modo, é o entendimento de Rosana Fachin (2005. p. 50):

Impede, preliminarmente, relembrar que o pressuposto essencial para a existência da obrigação alimentar é a real necessidade do alimentando, expressa na inexistência de bens de sua titularidade, assim como na impossibilidade de prover seu próprio sustento por meio do trabalho.

Portanto, havendo a necessidade da pessoa para que esta possa vir a ter

uma vida digna, poderá solicitar alimentos para sua subsistência, tendo em vista que

essa obrigação alimentar já possui caráter definitivo, ou seja, já tornou-se uma

obrigação jurídica.

Ressalta-se, ainda, que a característica mais importante da obrigação de

alimentos é o fato de ser considerado um direito personalíssimo, ou seja, somente

poderá ser exercido pelo seu titular, conforme sustenta Cahali (2009. p. 49):”A

característica fundamental do direito de alimentos é representada pelo fato de tratar-

se de direito personalíssimo [...]”.

Porém, a obrigação de prestar alimentos possui diversas características,

dentre elas a de ser considerada transmissível por alguns autores, ou seja, a

prestação transmite-se aos herdeiros do devedor. Há, contudo, divergência sobre

esse conceito. Uma parte da doutrina entende que deve haver limite até a força da

herança e outra parte da doutrina entende que possa ir além da herança.

Além disso, outra parte da doutrina entende que se o devedor de alimentos

vier a falecer, não transmite aos herdeiros, sendo, portanto, extinta a obrigação com

a morte do alimentando ou do alimentado.

Desse modo, é o entendimento de Cahali (2009, p. 51): “Decorrência lógica

do caráter personalíssimo dos alimentos, tem-se a sua intransmissibilidade, ativa e

passivamente, esta era a regra geral”.

Ainda assim, a obrigação alimentícia é considerada divisível, ou seja, cada

devedor responderá por sua quota-parte, não havendo previsão legal de

solidariedade. Assim explica Carlos Roberto Gonçalves (2007. p. 453): A obrigação

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alimentar é também divisível, e não solidária, porque a solidariedade não se

presume; resulta da lei ou da vontade das partes (CC, art. 264). Não havendo texto

legal impondo a solidariedade, ela é divisível, isto é, conjunta.

Do mesmo modo, é considerada condicional, tendo em vista que está ligada a

uma condição resolutiva, ou seja, se depois de fixado os alimentos, o alimentando

obtiver condições de sustentar sozinho ou caso o alimentante não mais puder arcar

com esse encargo, extingue-se a obrigação alimentícia.

Possui ainda, a característica de reciprocidade, ou seja, os parentes,

cônjuges, filhos e todos os discriminados em lei possuem reciprocidade entre si,

podendo exigir ou podendo prestar a obrigação.

Ainda, a obrigação alimentícia tem caráter de mutabilidade, ou seja, pode

ocorrer alterações ao longo do período em que a pessoa está prestando alimentos

ou em relação a outra pessoa que está recebendo e desse modo, pode qualquer

uma das partes reclamar ao Juiz para que seja tomadas as providências cabíveis,

bem como caráter irrenunciável, ou seja, não pode o credor renunciar ao direito de

alimentos, tendo em vista que prevalece o interesse público, exigindo este que se a

pessoa não tem condições, esta precisa ser sustentada.

Por fim, os alimentos não podem ser cedidos e, atualmente, entende-se

ainda, que os alimentos são imprescritíveis, ou seja, não prescrevem, o que não

ocorria antigamente entendia-se que a prescrição era de 30 anos. Dessa forma,

entende Cahali (2009. p. 93): “Hoje, porém, está definitivamente assentado que o

direito a alimentos é imprescritível.” Diante disso, o alimentando pode fazer valer seu

direito a qualquer tempo.

4 A AÇÃO DE ALIMENTOS COMO FORMA DE EXIGIBILIDADE DA PRESTAÇÃO

A ação de alimentos é a forma processual pela qual o necessitado de

alimentos vai reclamar, exigir em juízo o pagamento da pensão que lhe acha devida.

Devido ao fato do alimentando ser a pessoa mais fraca na relação jurídica,

tendo em vista que esta precisa dos alimentos para a sua subsistência, para facilitar

e economizar custas, atribuiu o domicílio do mesmo como fixo para a ação. Assim

entende Cahali (2009. p. 553):

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Efetivamente, o legislador considerou necessário favorecer processualmente a defesa dos interesses do alimentando, partindo do pressuposto de que é a parte mais fraca, é a que não tem recursos, merecendo especial tutela [...].

Se na ação de alimentos, o alimentando for menor de idade, este será

representado pela sua mãe ou por quem lhe tenha a guarda, sendo esta pessoa a

legitimada para prosseguir na ação.

Contudo, pode haver a intervenção do Ministério Público na Ação de

Alimentos. Este atuará sob duas formas: ou como fiscal da lei ou na condição de

representar o incapaz.

Distribuída a ação e preenchido todos os requisitos de admissibilidade, o Juiz

ao despachar o pedido, irá fixar desde logo os alimentos provisórios a serem pagos

pelo devedor, com ressalva se o credor declarar que não necessita dos alimentos,

assim determina a lei 5.478/1968 em seu artigo 4º.

5 A PRISÃO CIVIL COMO MEIO DE EXECUÇÃO DA PRESTAÇÃO ALIMENTÍCIA

Para que se faça cumprir a obrigação de prestar alimentos a lei estabelece

diversas formas pelas quais o credor poderá buscar a satisfatoriedade do seu

crédito, dentre elas se enquadra a prisão civil do alimentante.

Dentre os diversos meios que o credor pode buscar para satisfazer o seu

crédito, está a execução por quantia certa. A execução por quantia certa quase não

é utilizada, segundo Carlos Roberto Gonçalves, tendo em vista a demora para a

solução do problema. Esta, por sua vez, é utilizada quando o devedor, mesmo que

tenha sido preso pelo inadimplemento na obrigação, não efetua o pagamento das

prestações.

No entanto, iniciada essa execução e realizada a penhora de bens, não será

admitido ao mesmo tempo, a prisão civil do devedor. Assim entende Carlos Roberto

Gonçalves (2007. p. 500): “Se o credor, entretanto, optar pela execução por quantia

certa, iniciada esta e efetuada a penhora de bens, inadmissível a postulação,

simultaneamente, da prisão do devedor inadimplente”.

Diante disso, conforme verificado nota-se que a penhora mostra ser um meio

eficaz para resguardar e garantir a satisfação da obrigação alimentar.

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Ainda, poderá o credor optar pelo desconto em folha de pagamento do valor

da obrigação, nos casos de o devedor ser funcionário público, militar ou empregado

que esteja regido pelas normas trabalhistas.

Verificou-se acima mais uma forma eficaz de se buscar o pagamento da

dívida, sempre devendo haver o respeito à dignidade da pessoa humana.

Por fim, há a execução por coerção pessoal, mais conhecida também como a

prisão civil.

No Brasil, existe apenas uma forma de prisão civil, conforme já mencionado

anteriormente, que é a referente ao descumprimento da prestação alimentícia.

Antigamente, existia a prisão civil pelo depositário infiel e que hoje não é mais

aceita, tendo sido revogada através do Pacto de San José da Costa Rica, o qual

garante diversos direitos, dentre eles a proteção à honra e o reconhecimento à

dignidade da pessoa. Assim, sustenta Carlos Roberto Gonçalves (2007. p. 499):

Trata-se de uma das poucas exceções ao princípio segundo o qual não há prisão por dívidas, justificada pelo fato de o adimplemento da obrigação de alimentos atender não só ao interesse individual, mas também ao interesse público, tendo em vista a preservação da vida do necessitado, protegido pela Constituição Federal, que garante a sua inviolabilidade (art. 5º, caput).

A prisão civil não tem o objetivo de ser utilizada como forma punitiva ao

devedor e sim um meio de coerção para que de forma forçada faça o devedor saldar

o que deve. No entanto, se feita a prisão do devedor e este vem a quitar o que

estava devendo, deverá ser colocado em liberdade imediatamente. Nesse sentido já

explica Gonçalves (2007. p. 501):

A prisão civil por alimentos não tem caráter punitivo. Não constitui propriamente pena, mas meio de coerção, expediente destinado a forçar o devedor a cumprir a obrigação alimentar. Por essa razão, será imediatamente revogada se o débito for pago.

Para que tenha sido decretada a prisão civil do devedor de alimentos, este

deve estar em inadimplemento com as três últimas parcelas que antecipam a citação

e as que vencerem ao longo do processo. Havendo o pagamento do débito, não há

o que se falar em prisão civil.

Mas, embora a prisão civil resulte eficaz em algumas circunstâncias, existem

posicionamentos contrários, no sentido de que não resulta uma forma eficaz, abrindo

exceção.

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A decretação da prisão civil do devedor se dá através da determinação do

Juiz da causa em que os alimentos foram determinados e a única pessoa legitimada

para solicitar a prisão do devedor é o necessitado dos alimentos ou seu

representante legal, se este for menor de idade.

Depois de cumprida com a pena de prisão, o devedor não poderá ser preso

novamente pelas mesmas prestações não pagas, podendo ser preso apenas pelas

prestações que vierem a ser vencidas.

Diante do exposto, o entendimento adotado é que o objetivo da prisão civil é

apenas fazer com que as necessidades do alimentando sejam atendidas de forma

imediata e eficaz, pois havendo a prisão do devedor, este que muitas vezes age

apenas de má fé, querendo dificultar o cumprimento da obrigação, achará uma

forma de quitar o débito pelo qual está colocando sua liberdade em risco.

Do mesmo modo, se o devedor vir a quitar parcialmente a dívida, não revoga

a prisão, tendo, portanto, que quitar a dívida de forma integral, tendo em vista que

não está relacionado apenas o interesse individual e sim o interesse público

também, conforme já demonstrado anteriormente.

Decretada a prisão civil, esta tem um prazo máximo que o devedor pode

cumprir. Há bastante divergência com relação ao prazo, onde de um lado, sustenta o

Código Civil, em seu artigo 733, § 1º:

Na execução de sentença ou de decisão, que fixa os alimentos provisionais, o juiz mandará citar o devedor para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo. § 1o Se o devedor não pagar, nem se escusar, o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses. (BRASIL, Código Civil, 2002).

Com isso, verifica-se que esse prazo estipulado entre 1 a 3 meses está se

referindo apenas aos alimentos provisionais.

Entretanto, conforme a Lei de Alimentos, em seu artigo 19, o Juiz poderá

decretar a prisão do devedor até 60 dias:

O juiz, para instrução da causa ou na execução da sentença ou do acordo, poderá tomar todas as providências necessárias para seu esclarecimento ou para o cumprimento do julgado ou do acordo, inclusive a decretação de prisão do devedor até 60 (sessenta) dias.

Diante disso, verifica-se que no que se refere aos alimentos definitivos o

prazo da prisão não poderá ultrapassar 60 dias.

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Conforme exposto, entende-se que o prazo varia de acordo com as espécies

de alimentos, sejam eles provisionais, sejam eles definitivos, não podendo

ultrapassar o prazo máximo da prisão civil que é de 60 dias. Transcorrido esse

prazo, o Juiz imediatamente determinará a soltura do devedor, conforme

determinado em lei no seu artigo 733, § 3º do Código de Processo Civil (Brasil,

Código Civil. 2002): “Paga a prestação alimentícia, o juiz suspenderá o cumprimento

da ordem de prisão”.

6 DOS EFEITOS DA PRISÃO CIVIL E DA INVIABILIDADE DA PRISÃO CIVIL

PELA PERDA DO CARÁTER ALIMENTAR

O cumprimento da prisão civil não retira do devedor a obrigação de pagar as

prestações alimentícias. Assim determina o artigo 733, § 2º do Código de Processo

Civil (Brasil, Código Civil, 2002): “O cumprimento da pena não exime o devedor do

pagamento das prestações vencidas e vincendas”.

Com isso, mostra-se que o devedor não estará mais diante da execução

pessoal, mas continuará com a obrigação patrimonial, mesmo que este já tenha

cumprido a pena de prisão.

Conforme já visto, os pais possuem obrigações iguais, assim como existem

outras obrigações decorrentes dos alimentos, como com o cônjuge, parentes. Mas,

no que se refere a obrigação dos pais perante os seus filhos, há uma sanção civil

para aquele que não cumpre com seu papel, ou seja, pode acarretar a suspensão do

poder familiar, tendo em vista que estes possuem o dever de sustento. Assim

menciona Cahali (2009. p. 815): “É causa de suspensão do poder familiar se o pai,

ou a mãe, abusar do seu poder, faltando aos deveres paternos (art. 1.637 do Código

Civil de 2002), entre os quais se inclui a obrigação de sustento (arts. 1566, IV, e

1568)”.

Do mesmo modo, sustenta também que perderá o poder familiar por ato

judicial se deixar o filho em abandono. Essa sanção, de tamanha gravidade, é usada

de forma excepcional, devendo ser atendido sempre o melhor interesse do menor,

tomando os devidos cuidados.

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Entretanto, no Ordenamento Jurídico Brasileiro não há previsão da perda do

direito de visita pelo genitor, caso este venha a deixar de cumprir com as suas

obrigações alimentícias em favor do filho menor.

Fixados os alimentos, surge a obrigação alimentar. Essa obrigação, quando

não cumprida pelo devedor, o Juiz irá citá-lo para que no prazo de 3 dias promova o

pagamento ou comprove que o fez ou justifique o motivo do inadimplemento. Assim,

determina o artigo 733, caput, do Código de Processo Civil (Brasil, Código Civil,

2002): “Na execução de sentença ou de decisão, que fixa os alimentos provisionais,

o juiz mandará citar o devedor para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento, provar

que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.”

Não havendo a comprovação do pagamento e a justificativa do seu

inadimplemento, será utilizada a prisão civil como meio de coerção. Mas, conforme

já visto anteriormente, a prisão civil só pode ocorrer referente àquelas parcelas já

vencidas ou àquelas que vierem a vencer ao longo do processo.

Se houver a demora na execução dessas três últimas parcelas, estas perdem

o objeto e não mais poderão ser cobradas por meio da prisão civil, pois deve existir

a atualidade do débito. Nesse sentido é o entendimento dos Tribunais:

HABEAS CORPUS. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. PERDA DO CARÁTER ALIMENTAR. INCLUSÃO DOS VALORES EXECUTADOS PELO RITO DA PRISÃO EM EXECUÇÃO PELO RITO DA PENHORA. O débito alimentar não atual inviabiliza a prisão civil do devedor, porquanto a execução deve ser processada nos termos do artigo 732, do Código de Processo Civil, pelo rito da penhora. CONCEDIDA A ORDEM. (TJ/RS, 70029710035, 18/06/2009).

Dentre os diversos meios que o credor pode buscar para satisfazer o seu

crédito, está a execução por quantia certa. A execução por quantia certa quase não

é utilizada, tendo em vista a demora para a solução do problema. Esta, por sua vez,

é utilizada quando o devedor, mesmo que tenha sido preso pelo inadimplemento na

obrigação, não efetua o pagamento das prestações.

No entanto, iniciada essa execução e realizada a penhora de bens, não será

admitido ao mesmo tempo, a prisão civil do devedor.

Ainda, poderá o credor optar pelo desconto em folha de pagamento do valor

da obrigação, nos casos de o devedor ser funcionário público, militar ou empregado

que esteja regido pelas normas trabalhistas.

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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Conclui-se, portanto, que a prisão civil só caberá em último momento, como

exceção, não podendo utilizar-se desta quando a parcela pela qual se quer executar

já não é mais atual, pois não sendo cobrada no momento oportuno, esta perde o

objeto de ser e então, não tem mais razão de se utilizar do meio coercitivo.

7 DA DIVERGÊNCIA QUANDO À EFICÁCIA DA PRISÃO CIVIL

Com relação à eficácia da prisão civil há certa divergência na doutrina.

Grande parte acredita ser um meio eficaz, tendo em vista que é utilizada de forma a

coagir, a forçar o devedor que possui condições de prestar alimentos o faça.

Por outro lado, parte da doutrina acredita não ser uma maneira tão eficaz,

pois deve ser verificado que o devedor inadimplente nem sempre possui condições

financeiras para arcar com tal despesa.

Conforme já mencionado anteriormente, deve haver sempre a observância do

princípio da dignidade da pessoa humana, não podendo deixar o devedor e sua

família desamparados ou em condições precárias para sua sobrevivência. Assim

nesse sentido entende o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ALIMENTOS. FILHO MENOR DE IDADE. ALIMENTANTE DESEMPREGADO. A fixação do quantum dos alimentos deve atender ao binômio: necessidade do credor, que, em se tratando de filho menor, é presumida, e possibilidade do devedor. Comprovado vínculo formal de emprego, cabível a incidência dos alimentos sobre os rendimentos líquidos do alimentante. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. (grifo nosso).(TJ/RS, 70043439355, 03/11/2011).

Do mesmo modo, o artigo 1694 § 1º do Código Civil estabelece (Brasil,

Código Civil, 2002): “Os alimentos devem ser fixados na proporção das

necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada”.

Contudo, o que a prisão civil objetiva é coagir aquele devedor que possui

condições, mas aquele que não possui será preso e ainda assim, mesmo solto, não

terá condições quita-la.

Nesse sentido já se posiciona Rosana Fachin (2005. p. 150): “Ademais, a

prisão civil por dívida pode intimidar, mas não é solução, atualmente, em que as

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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prisões são insuficientes, até, para conter, condignamente, elementos perigosos da

sociedade.”

Verifica-se que hoje, com as atualizações, pelo menos no que se refere ao

Ordenamento Jurídico Brasileiro, a prisão civil não tem se mostrado tão eficaz, pois

além de ser uma forma coercitiva e intimidadora do devedor, não pode este ser

preso pela mesma dívida novamente, ou seja, se o devedor for preso pelo não

pagamento da prestação, mesmo que esse venha a não pagar, no tempo

determinado em lei será solto e não poderá mais ser preso por essa dívida já

vencida, apenas pelas que vierem a vencer.

No mesmo sentido, posiciona-se Waldyr Grisard Filho em seu artigo

(Disponível em (http://sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/090407.pdf):

“essa sanção destina-se a desestimular a recalcitrância do obrigado pela coação

psicológica do custo financeiro adicional e progressivo do inadimplemento. Aqui é

castigo imposto ao devedor e não meio de reparar o prejuízo do credor [...].”

Além disso, deve ser utilizada de forma rigorosa o princípio da dignidade da

pessoa humana. Assim, sustenta Rosana Fachin (2005. p. 170):

Por essa via, a norma infraconstitucional haverá de ser lida e interpretada segundo os princípios constitucionais vigentes para que a mudança não seja aparente e formal, mas se transforme, substancialmente, em real e efetiva colocação do princípio da dignidade da pessoa humana no centro do ordenamento.

Diante do exposto, conclui-se que a prisão civil é um meio de intimidação do

devedor e não meio de solução como muitos doutrinadores sustentam, podendo ser

adotadas outras medidas para fazer valer do cumprimento da obrigação, não

necessitando da privação da liberdade do devedor.

8 CONCLUSÃO

O presente artigo teve como objetivo e finalidade demonstrar que a prisão civil

hoje é admitida apenas em um caso excepcional, que é com relação à obrigação

alimentícia.

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Verificou-se que antes era admitida a prisão civil do depositário infiel, mas que

foi revogado pelo Pacto de San José da Costa Rica, restando como única

possibilidade de prisão civil a do devedor de alimentos.

A obrigação alimentar é de extrema importância, pois assegura ao ser

humano uma condição de vida digna para aqueles que não possuem condições de

se manter por si próprio ou por seu trabalho.

Com o descumprimento dessa obrigação, surge a possibilidade da execução

dessa obrigação pela prisão civil. O que se verificou é que esta não tem se mostrado

a forma mais eficaz de fazer valer a obrigação, pois deve-se partir do pressuposto

do princípio da dignidade da pessoa humana.

Fazer valer-se de coerção pessoal ao devedor que não possui condições de

arcar com tal despesa, não irá solucionar o problema e ainda trará um novo

problema ligado ao constrangimento e ao rompimento com a dignidade do devedor.

A dívida não pode ser cobrada de forma a trazer prejuízo e desamparo a

subsistência do devedor, ou seja, a dívida deve estar equilibrada com suas

condições e formas de pagamento.

Além disso, a prisão civil só pode ocorrer nas últimas três parcelas vencidas e

as que vierem a vencer no decurso do processo, ou seja, mesmo que esse devedor

não tenha condições de cumprir com a obrigação, este será preso e conforme

dispositivo legal será solto no prazo previsto e aquela dívida, mesmo que não tenha

sido quitada, continuará sendo dívida e terão de usar com outros meios para

conseguir a satisfação desse crédito, pois o devedor não poderá ser preso

novamente pelas mesmas parcelas.

Conclui-se, portanto, que a prisão civil apenas irá funcionar para aqueles

devedores que realmente tiverem condições de arcar com tal despesa, pois estes

não se sujeitarão a prisão.

Com isso, tentou-se mostrar que há necessidade de serem usadas outras

formas de fazer o devedor cumprir com a obrigação, pois este meio, através da

prisão civil, só tem se mostrado ser um meio punitivo, pelo qual fere o princípio

constitucional da dignidade da pessoa humana e não um meio coercitivo como tem

sustentado a doutrina majoritária, mas apesar de majoritária, há controvérsias em

julgados dos Tribunais em que sustentam a prisão civil como punibilidade e não

coercitividade.

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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A POSSIBILIDADE DE LEGITIMAÇÃO DA ADOÇÃO INTUITU

PERSONAE NO DIREITO BRASILEIRO

ADOPTION OF THE POSSIBILITY LEGITIMATION PERSONAL

INTUITION IN THE BRAZILIAN LAW

Nina Guercio Marques

Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA.

Camila Gil Marquez Bresolin Bressanelli1

1 Atualmente é professora universitária e Chefe do Departamento de Direito Privado no Curso de Direito do Unicuritiba - Centro Universitário de Curitiba. É Membro do Núcleo Docente Estruturantes - NDE e da Comissão Própria de Avaliação - CPA, do Unicuritiba. É Mestre em Direitos Humanos e Democracia, pela UFPR - Universidade Federal do Paraná, tendo como linha de pesquisa, Cidadania e Inclusão Social. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direitos Humanos e Direito Civil.

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SUMÁRIO

1. Introdução. 2. Relação entre abandono de crianças, adoção “à brasileira” e

adoção intuitu personae. 3. Argumentos favoráveis e desfavoráveis à legitimação da

adoção intuitu personae. 4. Considerações finais. Referências.

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RESUMO

Este artigo tem por finalidade destacar a realidade social nacional, ressaltando a

ocorrência das chamadas adoções informais de crianças e adolescentes, aquelas

que se dão de forma diversa da estipulada pelo Estatuto da Criança e do

Adolescente. Entre elas pode-se citar a adoção “à brasileira” e também a adoção

intuitu personae. Em relação a esta última – tema central do estudo –, considerando

que não há disposição legal que trate expressamente desta modalidade de adoção,

examinar-se-á pormenorizadamente as linhas argumentativas que defendem tanto a

sua proibição quanto a sua legitimação no Direito brasileiro, levando em conta

aspectos jurídicos e sociais.

Palavras-chave: criança, adolescente, adoção informal, adoção intuitu personae.

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ABSTRACT

This article aims to highlight the national social reality, highlighting the occurrence of

informal adoptions calls of children and adolescents, those that take place differently

from stipulated by the Children and Adolescents. Among them, we can mention the

adoption, "the Brazilian" and the adoption of personal intuition. In regard to the latter -

the central theme of the study - considering that there is no legal provision dealing

expressly with this case of adoption, will be examined in detail the argumentative

lines defending both his ban as their legitimacy in the Brazilian law, taking into

account legal and social aspects.

Keywords: child, adolescent, informal adoption, adoption personal intuition.

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1 INTRODUÇÃO

A filiação socioafetiva, aquela que tem o afeto como fundamento, apesar de

apresentar diferentes espécies, é vislumbrada de forma mais expressiva no instituto

da adoção. O Estatuto da Criança e do Adolescente regula o processo adotivo

referente à população infanto juvenil, estipulando normas específicas para os casos

de infantes que precisam ser encaminhados para colocação em família substituta.

Não obstante a existência das citadas regras, demonstrar-se-á que, em

muitos casos, o processo adotivo não ocorre da forma como deveria, pois, nem

sempre as mães que querem ou precisam entregar seu filho para adoção têm

conhecimento do procedimento correto ou desejam segui-lo. Há genitoras que

preferem deixar sua prole com uma pessoa conhecida que entendam ter condições

de cuidar da criança.

É a partir dessa situação que surgem a adoção “à brasileira” e a intuitu

personae. Ambas serão devidamente explicadas, com ênfase na segunda, já que a

primeira constitui-se como um crime, não havendo como legitimá-la.

Adianta-se que adoção intuitu personae é, em síntese, a adoção de um

infante por pessoa escolhida pelos próprios genitores e que, no ordenamento

jurídico brasileiro, não há norma que a permita e nem norma que a proíba.

Assim, o presente estudo abordará as linhas argumentativas referentes à

adoção intuitu personae, procurando esclarecer, através de análises jurídicas e

também sociais, quais os pontos negativos e os pontos positivos de se legitimar tal

modalidade de adoção no Direito Brasileiro, a fim de viabilizar uma compreensão do

assunto e uma conclusão a respeito da possibilidade jurídica do tema em tela.

2 RELAÇÃO ENTRE ABANDONO DE CRIANÇAS, ADOÇÃO “À BRASILEIRA” E

ADOÇÃO INTUITU PERSONAE

Abandonar infantes é uma prática que pode ser verificada em todos os povos

e em todas as épocas da história da humanidade, apesar de variarem os motivos e

as maneiras encontradas para se desfazer dos filhos indesejados.2

2 PAULA, Tatiana Wagner Lauand de. Adoção à brasileira: registro de filho alheio em nome próprio. Curitiba: J. M. Livraria Jurídica, 2007. p. 33.

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No Brasil, no período colonial, não só abandonos, mas também infanticídios

ocorriam tendo como motivação a pobreza das famílias, que não tinham como

sustentar mais um filho, e também a moral cristã, que determinava que mulheres

que concebessem filhos sendo solteiras ou por adultério não mereciam respeito.3

Nesta época, existiu a figura das Rodas dos Expostos nas Santas Casas de

Misericórdia. Tratava-se de um instrumento governamental para auxiliar no problema

do abandono de crianças, o qual funcionava da seguinte maneira: havia uma

estrutura cilíndrica que começava no interior da Santa Casa e se estendia até a via

pública; ali havia determinado espaço em que se colocava a criança que estava

sendo abandonada; em seguida o cilindro era girado e levava o infante, chamado de

“exposto” ou “enjeitado”, para dentro da Santa Casa.4

Tal mecanismo visava evitar o infanticídio e que crianças fossem deixadas

pelas ruas, em florestas, ou outros lugares inapropriados. Muitos abandonavam seus

filhos por estes serem fruto de amores ilícitos, os quais implicavam em sanções

religiosas e sociais. Era preferível que o filho ilegítimo fosse encaminhado para a

Santa Casa do que sua genitora ser considerada indigna pela sociedade. Outros

motivos de abandono também existiam, tais como crianças doentes, órfãs e também

a falta de condições por parte dos genitores.5

Nos dias atuais, apesar de não mais existir a distinção entre filhos legítimos e

ilegítimos e as Rodas dos Expostos terem sido desativadas, o abandono de crianças

continua sendo uma realidade.

Entende-se que abandonada não é apenas a criança que deixa de estar na

companhia dos pais, mas também aquela que mesmo estando com os genitores, por

eles é mal tratada ou negligenciada em seus direitos6. Este artigo, no entanto, é

focado no abandono em que há a efetiva separação entre a criança e seus

genitores.

O abandono não está presente em todos os casos de entrega de um filho à

adoção, não se pode generalizar. Maria Antonieta Pisano Motta alega que a

expressão “abandono” como ato anterior à adoção de uma criança denota uma ideia

3 Ibid., p. 34. 4 MOTTA, Maria Antonieta Pisano. Mães abandonadas: a entrega de um filho em adoção. São

Paulo: Cortez, 2001. p. 52 e 53.

5 Ibid., 53-57. 6 Ibid., p. 40.

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negativa de que o filho foi colocado em perigo ou então mal tratado, sendo que nem

sempre se verifica tal situação de risco. Por conta disso, a autora sugere que se fale

em “entrega”.7

A mencionada autora exemplifica uma série se motivos que resultam na

decisão da mãe de se separar de seu filho: a jovem solteira que sofre pressão

familiar, não tem o apoio do genitor, sem local para morar e desempregada; ou

então a mulher que já tem outros filhos e os cria totalmente sozinha, sem ajuda de

qualquer espécie; e ainda aquela rejeitada pelo companheiro em razão da gravidez

e que não possui um auxílio psicológico necessário ao estabelecimento de vínculos

positivos com a criança.8

Neste sentido, Lígia Natalia Dobrianskyj Weber esclarece as motivações do

abandono:

Portanto, as razões para que uma mulher, sofrendo com pressões familiares e sociais, abandone ou entregue um filho são inúmeras: há jovens mães adolescentes, sujeitas ao pátrio poder de seus próprios pais que, com receio de serem rejeitadas pela família e pela sociedade e expulsas de casa, ocultam a gravidez e entregam ou abandonam a criança assim que ela nasce; outras mulheres vivem difíceis situações afetivas com o pai da criança; a gravidez pode ter ocorrido extra-matrimonialmente ou haver dúvida sobre a paternidade; a mãe pode ter sido vítima de estupro ou a gravidez ser consequência de um incesto; a mãe pode não estar preparada psicologicamente ou economicamente para criar um filho fruto de uma gravidez indesejada.9

Existe ainda um número grandioso de casos em que as genitoras ou ambos

os genitores são dependentes químicos que acabam gerando um filho sem ter essa

intenção e não tem condição alguma de cuidar do bebê, por isso o entregam para

adoção. Se não o fazem de pronto, esse filho acaba sendo afastado dos genitores

por intermédio da rede de proteção da Justiça da Infância e da Juventude, que, a

princípio, acolhe institucionalmente a criança de forma temporária, oferecendo

auxílio aos pais, conforme preconiza o artigo 101, § 7º, do Estatuto da Criança e do

Adolescente10, com ênfase, nessas situações, no tratamento toxicológico. Se um dos

7 Ibid., p. 40-43. 8 MOTTA, 2001, p. 45. 9 WEBER, Lidia Natalia Dobrianskyj. Laços de ternura: pesquisas e historias de adoção. Curitiba:

Santa Mônica, 1998. p. 27.

10 BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/

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genitores tiver êxito no tratamento, pode ter seu filho de volta. Infelizmente, os

dependentes químicos que realmente conseguem se recuperar são minoria, de

forma que é comum que a destituição do poder familiar envolva um histórico de

drogadição.

Boa parte das genitoras que decidem entregar seus filhos, o fazem com a

intenção de protegê-los e poupá-los da situação de pobreza em que vivem. Essas

mães acreditam que sendo o filho colocado em uma família substituta, este será

melhor amparado e cuidado, já que elas próprias não têm atendidas muitas de suas

necessidades básicas devido à condição social em que se encontram.11

É em meio a este complexo problema social que surgem a adoção “à

brasileira” e a adoção intuitu personae, que serão explicadas a seguir.

Nem toda genitora, ao concluir que não possui condições ou que

simplesmente não tem vontade de criar seu filho, o entrega para adoção em

conformidade com os ditames legais possibilitando que o processo adotivo aconteça

com o devido acompanhamento pela Vara da Infância e da Juventude. Algumas

mães preferem dar seus filhos a algum conhecido que elas acreditem ser confiável o

bastante para cuidar bem da criança.

As causas de uma mãe decidir entregar seu filho a terceiros podem ser o

temor de perder outros filhos mais velhos que vivam sob seus cuidados, bem como

a vergonha de encarar um processo judicial no qual precisa admitir que deseja

deixar de exercer o poder familiar sobre seu filho, por mais justificável que tal

decisão seja.12

Todavia, sabe-se que tal prática não é tutelada pelo Direito brasileiro, assim,

quem recebe o infante acaba agindo de duas formas: ou registra a criança como se

fosse seu próprio filho (da pessoa que será responsável pelo mesmo, e não da mãe

biológica), ou simplesmente cria a criança ignorando as questões legais, fazendo

com que o infante fique com sua situação jurídica irregular, o que além de afrontar

seus direitos, gera instabilidade.

leis/l8069.htm>. Acesso em: 13 set.2013. Art. 101, §7o: O acolhimento familiar ou institucional ocorrerá no local mais próximo à residência dos pais ou do responsável e, como parte do processo de reintegração familiar, sempre que identificada a necessidade, a família de origem será incluída em programas oficiais de orientação, de apoio e de promoção social, sendo facilitado e estimulado o contato com a criança ou com o adolescente acolhido. 11 PAULA, 2007, p. 38. 12 SOUZA, Hália Pauliv de. Adoção: exercício da fertilidade afetiva. São Paulo: Paulinas, 2008. p. 93.

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Explicando melhor a primeira opção, o que ocorre é que os envolvidos

encontram uma solução para que a criança possa crescer junto da família eleita pela

genitora e mesmo assim não tenha problemas relativos à documentação, por

exemplo, para a realização da matrícula escolar do infante. Esse registro de filho de

outrem como próprio é o que se denomina de adoção “à brasileira”, a qual é um

crime tipificado no artigo 242 do Código Penal brasileiro13. Esclarece-se que, não

obstante possua tal alcunha, essa prática pode ser observada no mundo inteiro.14

O registro da criança pode ser anulado, já que não é verdadeiro, o que gera

insegurança para a família. Contudo, a jurisprudência vem se posicionando no

sentido de não anular o registro nestes casos, pois, apesar de o Poder Judiciário

não consentir com tal ato, quer proteger os vínculos afetivos e o melhor interesse de

crianças e adolescente.15

Tatiana Wagner Lauand de Paula16 aponta diversos tipos penais em que

podem ser enquadrados estes pais biológicos e “adotivos” envolvidos na prática da

adoção “à brasileira”. Dentre eles ressalta-se, além do já citado 242 do Código Penal

brasileiro, o 29917 do mesmo diploma legal, o qual se refere à declaração falsa em

documento público com o fim de alterar verdade sobre fato juridicamente relevante;

do mesmo modo, o artigo 24318 do Código Penal que dispõe sobre sonegação do

estado de filiação; bem como o artigo 24419 do referido código, que versa a respeito

13 BRASIL. Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 13 set.2013. Art. 242: Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil. 14 SOUZA, 2008, p. 92. 15 BORDALLO, Galdino Augusto Coelho. Adoção. In: MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 256-258. 16 PAULA, 2007, p.77 e 78. 17 BRASIL. Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 13 set.2013. Art. 299: Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. 18 BRASIL. Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 13 set.2013. Art. 243: Deixar em asilo de expostos ou outra instituição de assistência filho próprio ou alheio, ocultando-lhe a filiação ou atribuindo-lhe outra, com o fim de prejudicar direito inerente ao estado civil: 19 BRASIL. Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 13 set.2013. Art. 244: Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia

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de abandono material, visando proteger a família e incluindo crianças e

adolescentes.

A pessoa que fica com a criança doada pela genitora pode registrá-la como

seu filho com a intenção de esconder sua origem ou então para conseguir “adotar”

sem precisar passar pelas fases do processo adotivo, o qual pode ser bastante

longo dependendo do perfil de criança desejado pelo adotante.20

De acordo com informações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no

Brasil, o processo de adoção tem duração de um ano, em média. Todavia esse

prazo é alterado conforme as exigências e restrições que os candidatos determinam

em relação ao perfil da criança ou adolescente desejado. A questão da idade é um

dos fatores que mais faz aumentar o tempo de espera. Infere-se que em 2012, das

crianças inseridas no Cadastro Nacional de Adoção, 80% contavam com mais de

nove anos de idade, todavia a maioria dos requerentes à adoção prefere crianças

mais novas do que as disponíveis.21 De acordo com dados de 201222, apenas 1%

dos interessados em adotar queriam crianças com mais de oito anos; já a maior

parte dos candidatos (20,5%) tinha como preferência infantes de dois a três anos de

idade. O perfil de filho mais desejado era o de menina, branca, com até quatro anos,

sem doenças e sem irmãos, o que claramente não condiz com a realidade. O

resultado disso é um número de requerentes à adoção aproximadamente cinco

vezes maior do que o de crianças e adolescentes aptos para serem adotados.

Como dito anteriormente, há também casos em que a entrega de um filho

para um terceiro sem vínculo sanguíneo com a criança não é sucedida pelo registro

falso. A pessoa pode cuidar do infante que não é seu filho biológico sem registrá-lo

como seu. É o popularmente denominado “filho de criação”.

No geral, a pessoa que está criando o infante, acaba por sentir a necessidade

de regularizar a situação fática da criança ao tentar realizar a matrícula escolar,

emitir documentos, incluir a criança em convênios de saúde, entre outros. Por conta

judicialmente acordada, fixada ou majorada deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo. 20 ELIAS, Roberto João. Direitos fundamentais da criança e do adolescente. São Paulo: Saraiva,

2005. p. 67.

21 Conselho Nacional de Justiça. Conheça o processo de adoção no Brasil. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/21572-conheca-o-processo-de-adocao-no-brasil>. Acesso em: 22 set.2013. 22 Conselho Nacional de Justiça. Exigência de pretendentes é entrave na adoção. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/17938:exigencia-de-pretendentes-e-entrave-na-adocao>. Acesso em: 22 set.2013.

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disso, acaba pleiteando a adoção no Judiciário, tardiamente. Essa adoção é

chamada de intuitu personae que, frisa-se, não é uma modalidade de adoção

expressamente permitida pelo Direito brasileiro, apesar de não configurar um crime.

Ressalta-se que há também na doutrina as denominações de “adoção pronta”

ou “adoção direcionada” para a situação em que o requerente já possui a guarda

fática da criança ou adolescente que intenta adotar.

Suely Mitie Kusano entende que adoção intuitu personae é apenas aquela em

que o processo de adoção mediante indicação do adotante pela genitora se dá antes

do requerente iniciar seu convívio com a criança23. Todavia, verifica-se que a

jurisprudência trata como adoção intuitu personae também os casos em que o

adotando já estava sob os cuidados do adotante antes do pedido adotivo, conforme

observa-se a seguir:

APELAÇÃO CÍVEL. PEDIDO DE ADOÇÃO. AUSÊNCIA DE PRÉVIA

HABILITAÇÃO E INSCRIÇÃO NO CADASTRO NACIONAL DE

ADOTANTES POR PARTE DO CASAL POSTULANTE. CASAL QUE

DETÉM A GUARDA FÁTICA DA INFANTE DESDE OS 4 MESES DE VIDA.

POSSIBILIDADE DE DEFERIMENTO DA ADOÇÃO INTUITU PERSONAE

EM RAZÃO DA SITUAÇÃO FÁTICA EXCEPCIONAL. APELAÇÃO

PROVIDA EM DECISÃO MONOCRÁTICA. (grifo nosso)24

Assim como na ementa supracitada, é possível encontrar outros casos

concretos, também definidos como adoção intuitu personae, em que a criança já

estava sob os cuidados dos requerentes anteriormente ao pedido de adoção.25 26

23 KUSANO, Suely Mitie. Adoção de menores: intuitu personae. Curitiba: Juruá, 2011. p. 137. 24 RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Apelação Cível nº 70050420025, Oitava Câmara Cível, relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Charqueadas, data de julgamento: 26/09/2012, data de publicação: 28/09/2012. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br /busca/index.jsp?q=70050420025&tb=jurisnova&pesq=ementario&partialfields=tribunal%3ATribunal%2520de%2520Justi%25C3%25A7a%2520do%2520RS.%28TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o|TipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica|TipoDecisao%3Anull%29&requiredfields =OrgaoJulgador%3AOitava%2520C%25C3%25A2mara%2520C%25C3%25ADvel.Relator%3ALuiz%2520Felipe%2520Brasil%2520Santos&as_q=>. Acesso em: 25 set.2013. 25 PARANÁ, Tribunal de Justiça do Paraná, Agravo de Instrumento nº 723670-4, 12ª Câmara Cível, relator: Antônio Loyola Vieira, Paranaguá, data de julgamento: 07/03/2012, data da publicação: 22/03/2012. Disponível em: <http://portal.tjpr.jus.br/jurisprudencia/ j/11248005/Ac%C3%B3rd%C3 %A3o-723670-4#>. Acesso em: 25 set.2013. AGRAVO DE INSTRUMENTO AFERIÇÃO DA PREVALÊNCIA ENTRE O CADASTRO DE ADOTANTES E A ADOÇÃO INTUITU PERSONAE - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR - VEROSSÍMIL ESTABELECIMENTO DE VÍNCULO AFETIVO DAS MENORES COM O CASAL DE AGRAVADO - PERMANÊNCIA DAS CRIANÇAS COM O CASAL POR MAIS DE UM ANO - LISTA CRONOLÓGICA

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Em geral, verificada a existência de vínculos afetivos e estando o infante ou o

adolescente com seus direitos garantidos, esse pedido de adoção que se origina de

um fato já consumado é deferido por conta da observância do princípio do melhor

interesse da criança.

A pessoa que recebe a criança da genitora não procura o Judiciário para

regularizar a situação antes de ter o infante consigo porque sabe que se o fizer,

muito provavelmente, ele será acolhido institucionalmente a fim de que seja adotado

por um candidato previamente habilitado.

Entende-se que o mais correto não seria regularizar situações fáticas

previamente existentes, e sim legitimar a adoção intuitu personae de forma que a

solução judicial ocorra antes da criança passar a conviver com a pessoa indicada

pela mãe, pois, dessa forma, os superiores interesses do adotando estariam sendo

efetivamente assegurados desde o início do convívio com a família substituta.27

Quanto ao conceito dessa modalidade de adoção, nas palavras de Suely

Mitie Kusano:

Diz-se intuitu personae a adoção em que o adotante é previamente indicado

por manifestação de vontade da mãe ou dos pais biológicos ou, ou não os

havendo, dos responsáveis legais quando apresentado o consentimento

exigido no artigo 45, do ECA, e, por isso, autorizada a não observância da

ordem cronológica do cadastro de adotantes.28

DE ADOÇÃO NÃO OBSERVADA - FATOS QUE, POR SI, NÃO DENOTAM A PRÁTICA DE ILÍCITO RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (grifo nosso). 26 SANTA CATARINA, Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Apelação Cível nº 2012.004751-7, Câmara Especial Regional de Chapecó, relator: Luiz Zanelato, Chapecó, data de julgamento: 15/06/2012. Disponível em: <http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/avancada.jsp?q=2012.004751-7&cat=acordao _&radio_campo=ementa&prolatorStr=&classeStr=&relatorStr=&datainicial= &datafinal =&origemStr=&nuProcessoStr=&categoria=acordao#resultado_ancora>. Acesso em: 25 set.2013. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ADOÇÃO CUMULADA COM PEDIDO DE DESTITUIÇÃO DE PODER FAMILIAR. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA RECURSAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. CASAL QUE ACOLHEU CRIANÇA COM QUARENTA DIAS DE VIDA A PEDIDO DA MÃE BIOLÓGICA. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE TRÁFICO OU OUTRO ILÍCITO. ADOTANTES CADASTRADOS MAS FORA DA ORDEM CRONOLÓGICA. CONFRONTO DA PREVALÊNCIA ENTRE O CADASTRO DE ADOTANTES E A ADOÇÃO INTUITU PERSONAE. CRIANÇA COM MAIS DE UM ANO E DEZ MESES. FORMAÇÃO DE LIAME AFETIVO AMPLAMENTE COMPROVADO. MITIGAÇÃO DA OBSERVÂNCIA RÍGIDA AO CADASTRO DE HABILITADOS À ADOÇÃO. PREPONDERÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA PRIORIDADE ABSOLUTA E DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. DECISÃO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA ACERTADA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (grifo nosso). 27 KUSANO, 2011, p. 39. 28 Ibid., p. 52.

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Para Maria Berenice Dias, “chama-se de adoção intuitu personae quando há

o desejo da mãe de entregar o filho a determinada pessoa. Também é assim

chamada a determinação de alguém em adotar uma certa criança”.29

Tendo em vista que nem o Estatuto da Criança e do Adolescente e nem

qualquer outra lei fazem referência de maneira expressa à adoção intuitu personae,

a doutrina revela posicionamentos divergentes a respeito da possibilidade ou não de

legitimação deste instituto no ordenamento jurídico brasileiro. No subtítulo seguinte,

serão explanados os argumentos relativos ao tema.

3 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS E DESFAVORÁVEIS À LEGITIMAÇÃO DA

ADOÇÃO INTUITU PERSONAE

Inicialmente, serão examinados os pontos contrários à legitimação da adoção

intuitu personae no Direito brasileiro.

Em que pese não se encontre no ordenamento jurídico nacional norma

expressa que permita ou proíba essa modalidade de adoção, como ponto de partida,

cabe examinar o que o Estatuto de Criança e do Adolescente determina em relação

à habilitação para adoção, mais especificamente o artigo que estipula quando esta é

dispensada.

De acordo com artigo 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente, existem

unicamente três ocasiões em que não se exige a prévia habilitação para a adoção.

Conforme assinala o § 13 do referido artigo, a adoção para pessoas residentes no

Brasil e não previamente cadastradas só poderá ser deferida em situações de:

adoção unilateral; se o requerente for parente e tiver vínculos afetivos com a criança

ou o adolescente; se o requerente for tutor ou obtiver a guarda legal de criança

maior de três anos ou adolescente e haja afinidade e afetividade entre eles, além de

não se admitir a existência de má-fé ou das circunstâncias previstas nos artigos 237

ou 238 da mesma lei30. Interpretando-se este dispositivo de forma literal, fica

29 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 490. 30 BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/l8069.htm>. Acesso em: 13 set.2013. Art. 50, § 13: “Somente poderá ser deferida adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil não cadastrado previamente nos termos desta Lei quando: I - se tratar de pedido de adoção unilateral; II - for formulada por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade; III - oriundo o pedido de quem detém a

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evidente que a adoção não pode acontecer a partir da indicação do adotante pelos

genitores.

Murillo Digiácomo e Ildeara Digiácomo31 asseguram ser perceptível, no artigo

supracitado, a intenção do legislador de reprimir a prática de adoções de pessoas

não habilitadas e que não levem em conta a ordem do Cadastro Nacional de

Adoção, nas quais inclui-se a adoção intuitu personae.

Existem ainda, outros artigos do referido Estatuto que visam coibir adoções

irregulares, como o parágrafo único do artigo 1332 que determina que as genitoras

que não pretendem exercer o poder familiar sobre seus filhos devem ser

obrigatoriamente encaminhadas ao Judiciário. Observa-se também o artigo 258-B33,

o qual imputa multa a médico, enfermeiro ou dirigente de estabelecimento que deixe

de comunicar a intenção de uma mãe de entregar seu filho para adoção.

O inciso III do parágrafo 13 do artigo 5034, trata de má-fé nas situações em

que o requerente possui a guarda legal ou a tutela do infante, porém é preciso se

atentar para este item mesmo nos casos em que há apenas a guarda fática. Antes

de mais, esclarece-se que se verifica que o requerente a adoção intuitu personae

agiu com boa-fé quando este cuida da criança pelo fato de ter vínculos com a

genitora, sendo que esta faz questão que seu filho seja criado pelo requerente, ou

então quando, de algum modo, o requerente passou a ter contato com o infante,

tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou 238 desta Lei”. 31 DIGIÁCOMO, Murillo José; DIGIÁCOMO, Ildeara de Amorin. ECA: estatuto da criança e do

adolescente anotado e interpretado. 2. ed. São Paulo: FTD, 2011. p. 86.

32 BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/l8069.htm>. Acesso em: 13 set.2013. Art. 13. Parágrafo único: As gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção serão obrigatoriamente encaminhadas à Justiça da Infância e da Juventude. 33 BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/l8069.htm> Acesso em: 13 set.2013. Art. 258-B: Deixar o médico, enfermeiro ou dirigente de estabelecimento de atenção à saúde de gestante de efetuar imediato encaminhamento à autoridade judiciária de caso de que tenha conhecimento de mãe ou gestante interessada em entregar seu filho para adoção: Pena - multa de R$ 1.000,00 (mil reais) a R$ 3.000,00 (três mil reais). Parágrafo único. Incorre na mesma pena o funcionário de programa oficial ou comunitário destinado à garantia do direito à convivência familiar que deixa de efetuar a comunicação referida no caput deste artigo. 34 BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/l8069.htm>. Acesso em: 13 set.2013. Art. 50, 13, III: oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou 238 desta Lei.

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

407

sem prévia intenção de adotá-lo, mas acabou ingressando com pedido de adoção

por ter desenvolvido laços afetivos com a criança.

Entretanto, há quem pleiteie a adoção intuitu personae como maneira de

burlar o sistema. O sujeito que deseja adotar uma criança sem se submeter às

etapas do processo de habilitação e nem esperar sua vez na ordem dos cadastrados

pode aproximar-se de uma criança já com o objetivo de adotá-la, de forma que

quando ingressa com o pedido adotivo, o está fazendo como modo de mascarar seu

ato irregular, ou seja, sua má-fé. Como nem sempre é fácil perceber quais as reais

intenções do requerente, fazendo-se necessária criteriosa análise de cada caso,

essa questão torna-se um óbice à legitimação da adoção intuitu personae.35

Outra circunstância envolvendo má-fé em adoções intuitu personae pode ser

constatada quando a genitora entrega o filho a terceiro não apenas pensando no

bem estar do mesmo, mas sim com a intenção de se beneficiar de algum modo.

Hália Pauliv de Souza faz esclarecimentos a esse ponto ao tratar de adoção “à

brasileira”, todavia seu texto encaixa-se também no presente tema:

Existem situações de chantagem e extorsão moral ou financeira por parte da genitora, que poderá exigir dinheiro, pensão, tratamentos médicos ou ameaçar contar tudo à criança. Outras até denunciam o casal, que agiu de boa-fé, por sequestro. É uma situação que traz muitos dissabores e pode comprometer o desenvolvimento emocional da criança.36

Nesse segundo exemplo de má-fé, o caso é ainda mais gravoso,

considerando que a conduta é criminosa, conforme se verifica no artigo 238 do

Estatuto da Criança e do Adolescente37. Consoante tal artigo, aqueles que

prometerem ou efetivarem a entrega de filho mediante paga ou recompensa ou

ainda os que oferecerem ou efetivarem a paga ou recompensa estão sujeitos à

multa e reclusão de um a quatro anos.

35 CURY, Munir. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e

sociais. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 226.

36 SOUZA, 2008, p. 93. 37 BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/l8069.htm>. Acesso em: 13 set.2013. Art. 238: Prometer ou efetivar a entrega de filho ou pupilo a terceiro, mediante paga ou recompensa: Pena - reclusão de um a quatro anos, e multa. Parágrafo único. Incide nas mesmas penas quem oferece ou efetiva a paga ou recompensa.

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408

Transações financeiras envolvendo adoção de crianças e adolescentes

podem também envolver outras pessoas que não genitores e “adotantes”. De acordo

com Lidia Weber, a grande maioria das adoções informais são intermediadas por

terceiros, não havendo contato direto entre a família biológica e a família adotiva. Os

mediadores, costumeiramente, se associam com profissionais e outras pessoas que

tenham contato com genitoras que pretendam entregar seus filhos para adoção.38

Debora Spar explica sobre o mercado negro de bebês, afirmando que a

adoção feita por esse meio envolve transferência de dinheiro do adotante para um

intermediário não autorizado, o qual se preocupa em atender somente às exigências

da pessoa que quer uma criança, não avaliando se a medida é adequada do ponto

de vista do adotado. Ademais, a adoção pelo mercado negro não raramente envolve

falsificação de documentos. Esses agentes que propiciam esse tipo de adoção

utilizam uma parte do dinheiro que conseguem para ressarcir a genitora, ou seja, a

mãe é paga em troca de renunciar seu filho.39

Poderia haver um incentivo ou uma facilitação da comercialização de crianças

se fosse permitido que os pais biológicos escolhessem os pais adotivos, o que se

revelaria extremamente gravoso e violaria a dignidade da pessoa humana.40

Outro argumento de cunho negativo se dá relativamente à incerteza sobre as

condições dos adotantes não habilitados, se estas se revelariam suficientes para

que exercessem a paternidade e a maternidade de forma responsável41. Cumprindo

devidamente o processo de habilitação, os candidatos à adoção são orientados e

avaliados com o fim de prepará-los da melhor maneira possível para o exercício da

paternidade e da maternidade adotiva42. A falta de todas essas informações não traz

a segurança que se exige na inserção de uma criança em uma família substituta.

Ao lado da habilitação, o desrespeito à ordem dos cadastrados constitui mais

um obstáculo, tendo em vista que ao seguir-se a sequência cronológica dos

38 WEBER, Lidia Natalia Dobrianskyj. Pais e filhos por adoção no Brasil. Curitiba: Juruá, 2010. p.

117.

39 SPAR, Debora L. O negócio de bebés: como o dinheiro, a ciência e a política comandam o

comércio da concepção. Coimbra: Almedina, 2007. p. 238-241.

40 BORDALLO, 2010, p. 252. 41 BORDALLO, loc. cit. 42 DIGIÁCOMO, Murilo. Da impossibilidade jurídica da "adoção intuitu personae". Disponível

em:<http://www.crianca.caop.mp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1081>.

Acesso em: 05 ago.2013.

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409

habilitados que estão aguardando uma criança apta à adoção garante-se um

sistema organizado e democrático. Quando da ocorrência de uma adoção intuitu

personae, considerando que o infante deveria ter sido encaminhado para a Vara da

Infância e da Juventude e não foi, constata-se um prejuízo aos cadastrados. Ao

homologar situações de adoção intuitu personae já consolidadas, o Poder Judiciário

está afrontando e lesando as pessoas que se habilitaram.43

Por fim, destaca-se o ponto referente ao poder familiar que os genitores

exercem em relação à sua prole. Frisa-se que “o poder familiar, pois, pode ser

definido como um complexo de direitos e de deveres pessoais e patrimoniais com

relação ao filho menor, não emancipado, e que deve ser exercido no melhor

interesse deste último”44. Considerando a indelegabilidade e irrenunciabilidade do

poder familiar, conclui-se que não é permitido aos genitores transferir a terceiros os

direitos e obrigações referentes a seus filhos.45

Murillo Digiácomo46 entende que na adoção intuitu personae os genitores

tratam o filho como mero objeto, afrontando assim seus direitos mais essenciais,

como o da dignidade da pessoa humana. Segundo o autor, o fato de o Estatuto da

Criança e do Adolescente falar em consentimento dos pais com a adoção de sua

prole fez surgir a interpretação errônea de que aqueles podiam escolher os

adotantes.

Contudo, segundo o pensamento do autor supracitado, a lei 12.010/2009

acabou com qualquer dúvida a respeito da possibilidade de os genitores escolherem

o adotante de seus filhos, não somente pela inclusão do parágrafo 13 do artigo 50,

como também ao estipular que o juiz não é vinculado à chamada tutela

testamentária47, isto é, quando os pais indicam um tutor para seus filhos. Assim, fica

43 DIGIÁCOMO, Murilo. Da impossibilidade jurídica da "adoção intuitu personae". Disponível em:<http://www.crianca.caop.mp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1081>. Acesso em: 05 ago.2013. 44 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Poder Familiar. In: ______. Curso de direito da

criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p.

82.

45 CURY, 2010, p. 238. 46 DIGIÁCOMO, Murilo. Da impossibilidade jurídica da "adoção intuitu personae". Disponível em:<http://www.crianca.caop.mp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1081>. Acesso em: 05 ago.2013. 47 BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/l8069.htm>. Acesso em: 13 set.2013. Art. 37: O tutor nomeado por testamento ou qualquer documento autêntico, conforme previsto no parágrafo único do art. 1.729 da Lei nº 10.406, de 10 de

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410

claro que, se o juiz é que decide quem será o tutor, também o faz em relação ao

adotante.48

De outro lado, constatam-se também raciocínios direcionados para a

aceitação da adoção intuitu personae no Direito brasileiro.

Convém examinar, preliminarmente, os argumentos que rebatem algumas

das alegações citadas acima como sendo pontos negativos.

No que tange o parágrafo 13 do artigo 50 do Estatuto da Criança e do

Adolescente, autores como Válter Kenji Ishida49, Eduardo Roberto Alcântara Del-

Campo e Thales Cezar de Oliveira50 argumentam que o rol elencado é meramente

exemplificativo, o que quer dizer que existe a possibilidade de que a adoção seja

concedida a pessoa não previamente habilitada mesmo que ela não se enquadre no

conteúdo de nenhum dos incisos, desde que o juiz entenda ser esta a medida que

atenda aos superiores interesses da criança ou adolescente.

Destaca-se o entendimento de Galdino Augusto Coelho Bordallo acerca da

regra abarcada no dispositivo supra referido:

É uma péssima regra, que não deveria constar de nosso ordenamento jurídico. Trata-se, como já tivemos a oportunidade de mencionar, de necessidade de controle excessivo da vida privada e ideia de que todas as pessoas agem de má-fé. Esta regra restringe a liberdade individual, viola o poder familiar, pois tenta impedir que os pais biológicos, ainda detentores do poder familiar, escolham quem lhes pareça deter melhores condições para lhes substituir no exercício da paternidade. À primeira vista podemos ver um quê de inconstitucionalidade neste dispositivo.51

O artigo 166 do Estatuto da Criança e do Adolescente também merece

destaque, tendo em vista que determina que, entre outras situações, o pedido de

janeiro de 2002 - Código Civil, deverá, no prazo de 30 (trinta) dias após a abertura da sucessão, ingressar com pedido destinado ao controle judicial do ato, observando o procedimento previsto nos arts. 165 a 170 desta Lei. Parágrafo único. Na apreciação do pedido, serão observados os requisitos previstos nos arts. 28 e 29 desta Lei, somente sendo deferida a tutela à pessoa indicada na disposição de última vontade, se restar comprovado que a medida é vantajosa ao tutelando e que não existe outra pessoa em melhores condições de assumi-la. 48 DIGIÁCOMO, Murilo. Da impossibilidade jurídica da "adoção intuitu personae". Disponível em:<http://www.crianca.caop.mp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1081>. Acesso em: 05 ago.2013. 49 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. 12. ed.

São Paulo: Atlas, 2010. p. 113.

50 DEL-CAMPO, Eduardo R. A.; OLIVEIRA, Thales C. de. Estatuto da Criança e do Adolescente. 7.

ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 128.

51 BORDALLO, 2010, p. 255.

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colocação em família substituta poderá ser feito em cartório e sem a necessidade de

um advogado quando os genitores concordarem com o pleito. Diante de tal redação,

é viável a interpretação no sentido de que existe expressa previsão legal da adoção

intuitu personae.52

Elson Gonçalves de Oliveira53 afirma que a modalidade de adoção em

questão deve ser aceita tendo em vista dois fatores: a necessidade de

consentimento dos genitores para a adoção e a existência do direito de nomear tutor

ao filho. Explicando melhor o segundo fator, se os genitores podem determinar quem

criará seu filho após seu falecimento, é coerente permitir que eles possam também

escolher quem adotará a sua prole.

A necessidade de consentimento pode ser observada no artigo 45, do

Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual estipula que “a adoção depende do

consentimento dos pais ou do representante legal do adotando”.

Em relação ao direito de nomeação de tutor, este compete aos pais, em

conjunto, consoante determina o artigo 1729 do Código Civil. Ainda, o parágrafo

único do artigo 37, do Estatuto da Criança e do Adolescente54, afirma que a tutela

será deferida à pessoa indicada por testamento ou outro documento autêntico (dos

genitores) somente se esta for a medida mais vantajosa ao tutelando.

Do mesmo modo que a indicação do tutor é devidamente analisada pelo juiz,

na adoção intuitu personae a sugestão de adotante também deve ser examinada, de

modo que a concessão do pleito adotivo se dê apenas se a pessoa ou casal

demonstrar estar efetivamente preparado e em condições de suprir as necessidades

da criança ou adolescente que pretende adotar.

Nesse sentido, Hália Pauliv de Souza afirma ser possível que a genitora

indique alguém para adotar seu filho, desde que a pessoa indicada submeta-se a

52 KUSANO, 2011, p. 184. 53 OLIVEIRA, Edson Gonçalves de. Adoção: uma porta para a vida. Campinas: Servanda, 2010. p. 118. 54 BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/l8069.htm>. Acesso em: 13 set.2013. Art. 37: O tutor nomeado por testamento ou qualquer documento autêntico, conforme previsto no parágrafo único do art. 1.729 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, deverá, no prazo de 30 (trinta) dias após a abertura da sucessão, ingressar com pedido destinado ao controle judicial do ato, observando o procedimento previsto nos arts. 165 a 170 desta Lei. Parágrafo único. Na apreciação do pedido, serão observados os requisitos previstos nos arts. 28 e 29 desta Lei, somente sendo deferida a tutela à pessoa indicada na disposição de última vontade, se restar comprovado que a medida é vantajosa ao tutelando e que não existe outra pessoa em melhores condições de assumi-la.

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avaliação técnica pela equipe da Vara da Infância e da Juventude, da mesma forma

como se dá com aqueles que passam pelo processo de habilitação à adoção.55

Nos casos previstos no § 13 do artigo 50 do Estatuto da Criança e do

Adolescente, em que há a dispensa da prévia habilitação pelo adotante, aquele que

pretende adotar não se exime da obrigação de comprovar perante a Vara da

Infância e da Juventude que preenche os requisitos exigidos aos adotantes56. Da

mesma maneira como acontece com quem se habilita do modo tradicional, a equipe

interdisciplinar do Juízo confeccionará parecer técnico relativamente à pessoa não

habilitada que se encaixe no artigo supracitado. É esta a maneira que o Judiciário

tem de se certificar se o pretenso adotante possui condições de se responsabilizar

pela criança.

Sendo assim, no caso de uma adoção intuitu personae, a realização de

avaliações e estudo social acerca do indivíduo indicado pela genitora cessa a dúvida

acerca da capacidade da pessoa indicada de criar um infante.

Oportuno de torna dizer que, na proposta desta modalidade de adoção, a

regularização da situação da criança deveria ser feita antes da entrega do filho pela

genitora, assim o infante teria todos os seus direitos garantidos e seria viável o

acompanhamento pela equipe interdisciplinar a fim de avaliar a postura do adotante

e como se dá a inserção do adotado na nova família.

Maria Berenice Dias defende o direito da genitora de decidir o quem adotará

sua prole, bem como que uma pessoa que nunca tenha cogitado adotar um infante

e, por isso, não seja previamente habilitada, possa pleitear a adoção de um bebê

que, por exemplo, encontrou abandonado em uma lixeira. A autora critica a lista de

candidatos a adoção alegando que “[...] o que era para ser um simples mecanismo,

um singelo instrumento agilizador de um procedimento transformou-se em um fim

em si mesmo. Em vez de um meio libertário, passou a ser um fator inibitório e

limitativo da adoção”57. Em consonância com esta linha de pensamento, verifica-se a

seguinte jurisprudência:

55 SOUZA, 2008, p. 96. 56 ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo. Comentários à lei nacional da adoção: lei 12.010, de 3 de agosto de 2009. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 90. 57 DIAS, Maria Berenice. Adoção e a espera do amor. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/uploads/1_-_ado%E7%E3o_e_a_espera_do_amor.pdf>. Acesso em: 14 ago.2013.

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413

APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. TENDO A GENITORA DA MENOR ENTREGUE SUA FILHA EM ADOÇÃO A UM CASAL DETERMINADO (ADOÇÃO INTUITO PERSONAE), NÃO SE PODE DESCONSIDERAR TAL VONTADE, EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE LISTAGEM DE CASAIS CADASTRADOS PARA ADOTAR. A LISTA SERVE PARA ORGANIZAR A ORDEM DE PREFERÊNCIA NA ADOÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES, NÃO PODENDO SER MAIS IMPORTANTE QUE O ATO DA ADOÇÃO EM SI. DESPROVERAM. UNÂNIME.58

Interessante ainda avaliar a reprodução artificial heteróloga, ou seja, aquela

em que o material genético utilizado no procedimento é doado por terceiro. Nessa

situação, quem registra a criança como seu filho não é o pai, biologicamente

falando. Portanto, se é admitido que a filiação se estabeleça através de um

consenso para este caso, não há motivo para se proibir que ocorra o mesmo com a

adoção intuitu personae, havendo o direcionamento de quem adotará a criança.59

A par das argumentações racionais pautadas em normas jurídicas, é preciso

insistir na constatação de que, muito mais adequado e muito menos inseguro seria

se a totalidade dos processos adotivos se iniciasse e seguisse como estipulado no

Estatuto da Criança e do Adolescente. Entretanto, é notório que, seja por conta de

desinformação ou por má-fé, no Brasil acontecem adoções irregulares

frequentemente, tanto em cidades do interior quanto nas capitais e em qualquer

classe social.60

Conforme ensina Pietro Perlingieri, a ciência jurídica tem como objeto não

unicamente as disposições legais, mas também os fatos concretos. Os conceitos, as

noções e as definições do direito precisam se adequar a realidade, pois aqueles

constituem-se como instrumentos desta.61

58 RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº

70006597223, Sétima Câmara Cível, relator: Luiz Felipe Brasil Santo, Santa Maria, data de

julgamento: 13/08/2003. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/?q=70006597223&tb

=jurisnova&pesq=ementario&partialfields=tribunal%3ATribunal%2520de%2520Justi%25C3%25A7a%

2520do%2520RS.%28TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o|TipoDecisao%3Amonocr

%25C3%25A1tica|TipoDecisao%3Anull%29&requiredfields=Relator%3ALuiz%2520Felipe%2520Brasi

l%2520Santos&as_q=>. Acesso em: 25 set.2013.

59 KUSANO, 2011, p. 32 e 36. 60 WEBER, 2010, p. 116. 61 PERLINGIERI, Pietro. Normas constitucionais nas relações privadas. Revista da Faculdade de

Direito da UERJ, Rio de Janeiro, n.6/7.1998. p. 93.

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414

Cumpre examinarmos, neste passo, a pesquisa realizada pela psicóloga Lídia

Weber acerca de adoções informais no Brasil. Os resultados revelaram que, do

número total de adoções realizadas, 52,1% foram legais, 41,5% foram informais “à

brasileira” e 6,4% foram informais sem falsificação de registro de nascimento (filhos

de criação). Verifica-se, portanto, que o número de adoções informais é muito similar

ao de adoções legais.62

Ressalta-se ainda ser impossível saber o número exato de adoções feitas à

margem do Judiciário considerando que muitas das famílias que adotam

informalmente evitam se expor participando de pesquisas. Assim sendo, conclui-se

que a quantidade de adoções irregulares seja, possivelmente, maior do que o

demonstrado na pesquisa supracitada.

A partir destes dados, compreende-se quão frequente é a ocorrência da

adoção “à brasileira” no contexto social brasileiro, e, considerando seus aspectos

negativos anteriormente ponderados, enfatiza-se a importância de se encontrar

meios de reprimir tal prática.

Posta assim a questão, é de se dizer que a adoção intuitu personae é uma

solução plausível para evitar a incidência da adoção “à brasileira”, revelando-se

como meio de o Estado controlar as ocorrências de filiação socioafetiva e averiguar

se, nestes casos, as crianças estão tendo seus direitos efetivamente garantidos.

Havendo o instrumento adequado, as pessoas não mais se afastariam das Varas da

Infância e da Juventude, assegurando assim que nenhuma criança ou adolescente

ficasse com sua situação jurídica irregular.63

O fato de a legitimação da adoção intuitu personae evidenciar-se como

medida repressiva à adoção “à brasileira”, já a torna vantajosa, levando-se em conta

que coíbe uma prática corriqueira e que envolve um ato criminoso, isto é, a

falsificação de um documento público.

Ademais, não se pode deixar de apreciar o argumento provavelmente mais

evocado quando se trata de defender a adoção intuitu personae frente à alegação

de que não se pode desrespeitar a ordem dos habilitados: o princípio do Melhor

Interesse da Criança.

Por diversas vezes, os profissionais da área da infância e juventude acabam

aplicando tal princípio de maneira equivocada, deixando de pensar na criança ou no

62 WEBER, 2010, p. 113 e 114. 63 BORDALLO, 2010, p. 258.

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415

adolescente e beneficiando outras pessoas; entrando especificamente no tema do

presente estudo, uma adoção deferida à pessoa que está na vez de acordo com o

Cadastro Nacional de Adoção a beneficiaria sem, contudo, necessariamente, ser a

medida mais benéfica ao adotando.

Nesse sentido, Andréa Rodrigues Amin64 esclarece que “[...] na análise do

caso concreto, acima de todas as circunstancias fáticas e jurídicas, deve pairar o

princípio do melhor interesse, como garantidor do respeito aos direitos fundamentais

titularizados por crianças e jovens”.

Isto quer dizer que, muito embora as regras relativas ao Cadastro Nacional de

Adoção tenham seu motivo de ser e devam ser observadas, antes delas é preciso

levar em consideração que o objetivo final da adoção é garantir o melhor para a

criança ou o adolescente. O fato de não seguir a ordem estipulada no cadastro

torna-se justificável na medida em que se comprove que a adoção da criança pela

pessoa indicada pelos genitores é a solução que melhor atende aos superiores

interesses desse infante.

Depreende-se do artigo 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente65, que o

juiz deve sempre buscar reais vantagens para o adotando. Aliado a este artigo, os

princípios do Melhor Interesse e da Prioridade Absoluta ajudam a compreender que,

não obstante as diversas formalidades existentes, nenhuma delas deve ser mais

relevante do que atender as necessidades da criança ou adolescente da forma mais

benéfica possível.

Frisa-se, por derradeiro, que houve o reconhecimento pelo Superior Tribunal

de Justiça de que o princípio do Melhor Interesse da Criança se sobrepõe ao

Cadastro Nacional de Adoção.66

Uma das medidas que visa atender aos superiores interesses da população

infanto-juvenil exposta à situação de risco é o acolhimento institucional, elencado no

inciso VII do artigo 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Entretanto, não há

64 AMIN, Andréa Rodrigues. Princípios orientadores do direito da criança e do adolescente. In:

MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Curso de direito da criança e do

adolescente: aspectos teóricos e práticos. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 28.

65 BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/l8069.htm>. Acesso em: 13 set.2013. Art. 43: A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos. 66 BARROS, Guilherme Freire de Melo. Estatuto da Criança e do Adolescente. 4. ed. Salvador: Juspodvi, 2010. p. 91.

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como negar as más consequências que decorrem dele. Crianças institucionalizadas

tendem a apresentar dificuldades na coordenação motora, na linguagem, na

interação social, no aspecto psicológico e no processo de aprendizado67.

Destaca-se que o parágrafo 2o do artigo 19 do Estatuto da Criança e do

Adolescente68 coloca como regra geral o prazo máximo de dois anos para

permanência de infantes e adolescentes em unidades de acolhimento. Sobre isto,

Suely Mitie Kusano elucida:

O abrigo em entidade de atendimento é medida provisória e excepcional porque, na prática brasileira, é visto como verdadeira internação que inviabiliza relacionamentos afetivos e impede a aquisição de princípios sociais e morais, dificultando a boa formação da personalidade e preparo para a vida adulta saudável, à vista da massificação do atendimento decorrente do significativo número de crianças recolhidas na mesma entidade.69

A adoção intuitu personae evita que a criança precise ser submetida ao

acolhimento institucional, preservando-a dos citados prejuízos ao inseri-la na família

substituta logo em seguida ao seu nascimento ou imediatamente após constatar-se

que não há condições de que ela permaneça sob os cuidados da família natural, o

que viabiliza que ela se desenvolva cercada de atenção e carinho, preservando-a do

trauma do acolhimento. Essa modalidade de adoção dá efetividade à expressão

“absoluta prioridade” contida no já referido artigo 227 da Constituição Federal, uma

vez que se mostra célere no atendimento das necessidades dos infantes.

Outro ponto a ser analisado é a busca da consonância entre os estilos de vida

do adotado e do adotante. A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito das

Crianças, em seu artigo 2070, aponta para a necessidade de observância da “origem

67 KUSANO, 2011, p. 57. 68 BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do

Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/

leis/l8069.htm>. Acesso em: 13 set.2013. Art.19, § 2o: A permanência da criança e do adolescente em

programa de acolhimento institucional não se prolongará por mais de 2 (dois) anos, salvo

comprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse, devidamente fundamentada pela

autoridade judiciária.

69 KUSANO, 2011, p. 177 e 178. 70 BRASIL. Decreto no 99.710, de 21 de novembro de 1990. Promulga a Convenção sobre os Direitos

da Criança. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D99710.htm>.

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

417

étnica, religiosa, cultural e linguística da criança, bem como à conveniência da

continuidade de sua educação” nos casos em que a criança é afastada temporária

ou permanentemente de sua família natural. Indaga-se, portanto, se a esta

disposição é dada a devida importância pelos profissionais que lidam com o

processo adotivo. Entende-se que, por se tratar de questão muito subjetiva, se torna

mais fácil alcançar a compatibilidade cultural entre a família de origem e a substituta

através da escolha do adotante pelos próprios genitores, evitando um choque

cultural que dificulte o relacionamento familiar.71

Derradeiramente, convém indicar também, ainda que de forma superficial,

algumas das legislações estrangeiras que permitem a adoção intuitu personae. Por

primeiro, cita-se os países latino-americanos Chile e Argentina. O Direito chileno

admite a adoção intuitu personae tanto depois de nascida a criança como antes de

seu nascimento, o que acelera o processo adotivo72. Já de acordo com o

ordenamento jurídico argentino, a genitora deve eleger quem adotará seu filho e,

apenas se isto não ocorrer é que a criança será adotada por pessoa inscrita no

Registro Nacional de Adotantes73.

Cita-se, finalmente, os Estados Unidos, na medida em que, apesar de cada

estado americano apresentar legislação própria, a maioria deles aceita a adoção

intuitu personae de forma liberal, permitindo inclusive que os interessados em adotar

ou em disponibilizar uma criança ou adolescente para adoção possam fazer

publicações em jornais indicando características pessoais a fim de localizar um

infante ou alguém disposto a adotar.74

Como se depreende, é possível a sustentação da possibilidade jurídica da

adoção intuitu personae no ordenamento pátrio, tomando por base o fato de esta ser

autorizada pelo Direito de outros países, bem como considerando seus pontos

positivos acima abordados. No entanto, não devem ser ignoradas as questões

Acesso em: 13 set.2013. Art. 20.3: Esses cuidados poderiam incluir, inter alia, a colocação em lares

de adoção, a kafalah do direito islâmico, a adoção ou, caso necessário, a colocação em instituições

adequadas de proteção para as crianças. Ao serem consideradas as soluções, deve-se dar especial

atenção à origem étnica, religiosa, cultural e linguística da criança, bem como à conveniência da

continuidade de sua educação.

71 KUSANO, 2011, p. 53. 72 Ibid., p. 107. 73 Ibid., p. 109. 74 Ibid., p. 117-119.

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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contrárias à sua legitimação, tendo em vista a delicadeza que envolve o tema, já que

seus efeitos incidem diretamente na vida de pessoas em peculiar condição de

desenvolvimento, as quais carecem de proteção especial de toda a sociedade.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Infere-se do presente artigo que, muito embora o Estatuto da Criança e do

adolescente estipule regras para o processo adotivo, em um número expressivo de

casos estas normas não são seguidas, de forma que adoções irregulares acontecem

a todo o tempo na sociedade brasileira.

Foi devidamente esclarecida a distinção entre adoção “à brasileira” e adoção

intuitu personae, institutos muitas vezes confundidos, mas que apresentam a

fundamental diferença de que aquele é considerado crime e este não.

Apontou-se, em síntese, como argumentos contrários à adoção intuitu

personae: o fato de que as regras relativas à adoção podem ser interpretadas de

maneira a concluir que essa modalidade é proibida; a má-fé que pode envolver seus

atos, inclusive gerando a comercialização de crianças; a falta de certeza

relativamente ao preparo dos adotantes indicados pelos genitores; o desrespeito ao

Cadastro Nacional de Adoção; bem como a constatação de que o poder familiar não

abrange o direito de transferir a outrem a responsabilidade de garantir os direitos do

filho.

Não obstante os pontos negativos, verifica-se também ser plausível a

aceitação da supracitada espécie de adoção ao se considerar: que os artigos do

Estatuto da Criança e do Adolescente aceitam interpretação positiva no que tange a

legitimação da adoção intuitu personae; que as questões relativas ao poder familiar,

isto é, o consentimento dos genitores exigido para a adoção e a possibilidade de

indicar tutor, também corroboram com sua aceitação; a comparação com a forma

como se estabeleça a filiação na reprodução artificial; o respeito à vontade da

genitora; a repressão da adoção “à brasileira”; a realidade social nacional; o princípio

do melhor interesse do infante; os prejuízos do acolhimento institucional para o

desenvolvimento infantil; a necessidade de se observar a compatibilidade cultural

entre família de origem e família adotiva; e, por fim, a comparação com legislações

estrangeiras que admitem a adoção intuitu personae.

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

419

Ao se ponderar as linhas argumentativas explanadas no presente estudo,

conclui-se que a modalidade de adoção proposta deveria ser legitimada pelo Direito

brasileiro, analisados, por óbvio, os aspectos contextuais, considerando,

principalmente, que sua ocorrência já é um fato consumado socialmente e que

necessita de fiscalização pelo Poder Judiciário a fim de inibir os prejuízos que dele

podem resultar.

Frisou-se que a indicação do adotante por parte dos genitores deve ser

levada em conta, mas que, para que seja efetivamente respeitada, a pessoa

indicada, apesar de não previamente habilitada, precisa passar por estudos sociais

obrigatoriamente, tendo em vista que habilitação e avaliação psicossocial são

eventos distintos.

Outrossim, demonstrou-se que, sendo a adoção intuitu personae incorporada

no ordenamento jurídico pátrio, a prática da chamada adoção “à brasileira” muito

provavelmente diminuiria, já que seria possível adotar uma criança determinada sem

infringir a lei.

Com a aceitação da adoção intuitu personae, o infante seria poupado do

acolhimento institucional e adotado do modo mais célere possível, observando-se

assim o melhor interesse da criança, princípio basilar do Estatuto da Criança e do

Adolescente, e cumprindo-se com o dever destinado a todos pela Constituição

Federal de proteger as crianças e os adolescentes.

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

420

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

423

O ABANDONO AFETIVO E SEUS REFLEXOS NO ORDENAMENTO

JURÍDICO BRASILEIRO

THE EMOTIONAL ABANDONMENT AND ITS CONSEQUENCES IN

BRAZILIAN LAW

Pollyana Laís Huf Cardoso Bess de Souza1

Adriana Martins Silva2

1 Pollyana Laís Huf Cardoso Bess de Souza é acadêmica de Direito do Centro Universitário Curitiba. 2 Mestre em Direito Empresarial. Especialista em Direito Processual Civil. Advogada nas áreas cível e empresarial. Atualmente é professora de Direito Civil, Família e Empresarial no Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA. Professora na graduação de direito de Família e Sucessões e pós-graduação. Orientadora do Grupo de Pesquisa Direito da Personalidade no âmbito Global no Centro Universitário UNINTER.

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424

SUMÁRIO

1 Introdução; 2 A Família no Ordenamento Jurídico Brasileiro e sua Evolução

Histórica; 2.1 Análise Constitucional do Direito de Família e dos Direitos da Criança e

do Adolescente; 3 O Poder Familiar e sua Importância na Definição do Abandono

Afetivo; 4 Responsabilidade Civil Aplicada ao Direito de Família; 4.1 Aplicação da

Indenização por Dano Moral em Decorrência do Abandono Afetivo como Forma de

Responsabilização Civil; 5 Considerações Finais.

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

425

RESUMO

O presente trabalho objetiva trazer à tona a discussão acerca do cabimento do

pedido de indenização a título de danos morais por abandono afetivo nas relações

paterno-filiais. Este trabalho delineará o conceito de afeto e suas consequências no

mundo jurídico, a fim de possibilitar a identificação da responsabilidade civil dos pais

pela ausência de afeto e verificar o cabimento da indenização por abandono afetivo.

Palavras-chave: abandono, afeto, família, responsabilidade civil, indenização.

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

426

ABSTRACT

The present work aims to discuss about the suitability of the request for indemnity for

moral damages caused by emotional abandonment in relationships between parents

and their children. This paper will delineate the concept of affection and its

consequences in the legal world, to enable the identification of the liability of parents

for the absence of affection and check the appropriateness of compensation for

emotional abandonment.

Keywords: abandonment, affection, family, liability, indemnification.

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427

1 INTRODUÇÃO

A afetividade possui grande importância na vida de todos e especialmente na

vida das crianças, por estarem em processo de formação psíquica. Por tal razão,

será realizado nesse artigo o estudo acerca da responsabilidade que os pais

possuem na formação de seus filhos como um todo, não apenas fornecendo a eles o

subsídio material necessário ao se desenvolvimento, mas também todo o carinho e

apoio necessário para seu desenvolvimento psíquico e emocional.

O Direito de Família Brasileiro se desenvolveu enormemente desde seu

surgimento. Hoje, a família brasileira se preocupa muito mais com o bem estar de

todos os seus membros e as desigualdades foram extintas, legalmente, no

tratamento dado aos filhos pelos pais. Ainda, está também regulamentado pela

Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (artigo 227, § 6°,

da Constituição Federal de 1988 e artigo 20 do Estatuto da Criança e do

Adolescente).

Além disso, a nova Constituição regula também expressamente o dever de

cuidado dos pais pelos filhos em seu artigo 229, bem como o ECA em seu artigo 22,

e é com base nesse direito que os menores de 18 anos requerem do Estado que

este resguarde seu direito de receber total cuidado por parte dos pais quando estes

deixam de cumprir com o dever que a eles é incumbido pelos artigos acima

mencionados, e que decorrem de seu poder familiar.

A não observação do dever de cuidado pelos pais viola o princípio

constitucional da dignidade da pessoa humana de seus filhos e os seus direitos de

personalidade em geral. Para proteger os menores, então, surgiu a necessidade de

se pleitear perante o Judiciário a admissibilidade da responsabilização civil dos pais

por meio de indenizações por danos morais causados aos filhos em decorrência do

descumprimento dos pais dos deveres advindos de seu poder familiar.

Dentre os direitos da personalidade dos filhos, destaca-se para este trabalho

o da afetividade, mesmo que este esteja apenas implícito no ordenamento jurídico

brasileiro. Quando a lesão ao menor for causada pela ausência de afeto,

caracterizar-se-á o ato ilícito descrito no artigo 186 do Novo Código Civil, pela

omissão voluntária ou negligência dos pais, e surgirá para estes o dever de reparar

o dano causado aos filhos, conforme prega o artigo 927 do referido Código.

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428

Desta forma, busca-se não somente punir o responsável pelo dano sofrido

pelo infante ou repará-lo por tal dano, mas também, e principalmente, conscientizar

o genitor que o causou de que o ato por ele praticado era ilícito, moralmente e

juridicamente, e extremamente lesivo ao seu filho, podendo inclusive acarretar

inúmeros prejuízos psicológicos a ele.

O estudo acerca do cabimento do pedido de indenização por abandono

afetivo justifica-se, portanto, devido ao impacto que tal abandono gera na formação

psicológica dos filhos pela falta de afeto dos pais, quando estes não fazem parte

efetivamente da vida daqueles, deixando de lado o dever de cuidado a eles inerente.

No início desse artigo analisar-se-á brevemente a família brasileira em seu

desenvolvimento histórico e sua importância da família atualmente para o

ordenamento jurídico pátrio, dando ênfase às relações paterno-filiais. A partir daí,

passar-se-á à análise do próprio conceito de afetividade e sua aplicação no mundo

do direito, principalmente na defesa dos direitos das crianças e adolescentes, devido

à sua hipossuficiência. Num segundo momento do trabalho, será abordada a

responsabilidade civil dos pais quanto à criação de seus filhos e o consequente

cabimento do pedido de indenização por abandono afetivo.

É de notável interesse elucidar esse assunto, haja vista a relevância do tema

na jurisprudência e sua novidade na doutrina legal, havendo, portanto, divergências

a serem dirimidas acerca de sua aplicação no campo do Direito.

O assunto será analisado com base em fontes doutrinárias e jurisprudenciais,

a fim de que haja investigação sobre a possibilidade ou não de responsabilização

dos pais pelos danos psicológicos causados aos seus filhos em decorrência do

abandono afetivo por meio de pedidos indenizatórios.

Para tanto, será utilizado o método dedutivo, somado ao método bibliográfico,

bem como serão usadas como fontes de estudo, em especial, a Constituição da

República Federativa Brasileira de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente, e

o Código Civil de 2002.

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429

2 A FAMÍLIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E SUA EVOLUÇÃO

HISTÓRICA

A família brasileira sofreu diversos tipos de mudanças ao longo dos anos e

atualmente sua importância tem sido reconhecida perante toda a sociedade, tanto

nas relações interpessoais quanto no âmbito público. De uma família baseada na

autoridade paterna quase suprema, na qual esposas e filhos eram meros

subalternos, tornou-se hoje uma família sedimentada nas relações afetivas, na troca

de carinho entre seus membros, baseando-se na confiança.

No antigo Código Civil de 1916, apenas eram defendidos os bens materiais

derivados de relações entre pais e seus filhos legítimos, enquanto qualquer outro

filho advindo de outro tipo de relação que não a matrimonializada ficava à mercê do

Estado quanto à proteção de seus direitos.

Em um passado não muito distante, as relações familiares eram

patrimonializadas, matrimonializadas e hierarquizadas; baseavam-se nos ofícios

ensinados de pais para filhos, na produção de bens para subsistência ou para

venda, na autoridade do pai sobre a família como um todo, nas relações sanguíneas

(pois os filhos bastardos sequer eram aceitos), na perpetuação do nome e

patrimônio da família.

No entanto, o Novo Código Civil de 2002 passou a proteger os direitos de

todos os filhos, não importando qual a sua origem, pois passou a observar os novos

modelos de família agora aceitos pela sociedade e os incluiu na legislação a fim de

resguardar os direitos de toda a prole.

Além disso, na nova família brasileira não existe mais apenas uma autoridade

paterna, esta autoridade parental passou a ser exercida também pelas mães e em

certos casos até mesmo pelos filhos, dividindo-se responsabilidades e garantindo a

participação mais democrática e efetiva de todos os seus integrantes.

Hoje, as relações familiares baseiam-se no afeto, no carinho, no dever de

cuidado dos pais para com os filhos e vice-versa. O primordial é a afetividade entre

os membros da família e quase não há mais, no mundo ocidental, tal

hierarquização, tal necessidade do matrimônio para sua constituição, nem se dá

tanta importância à destinação final do patrimônio como ocorria em um passado

recente.

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A família brasileira atual se baseia nas relações afetivas e não mais

puramente em laços consanguíneos e biológicos. Para verificar a veracidade desta

afirmação, basta observar a variedade de modelos familiares hoje existentes:

eudemonistas, homoafetivas, monoparentais, anaparentais, informais, pluriparentais

e paralelas.

Analisando essa pluralidade de famílias, pode-se concluir facilmente que o

único laço comum a todas elas é o afeto. Podem existir diversos tipos de família,

mas necessariamente deve haver nelas o afeto.

Sobre o tema, de acordo com a Mestre em Direito Privado pela PUC-Minas,

Ana Carolina Brochado Teixeira (2005, p. 28-29):

A valorização da afetividade no interior da família a despatrimonializou, pois fez com que ela deixasse de ser, essencialmente, um núcleo econômico. A família transcendeu uma concepção puramente eudemonista, que visa à felicidade individual, cujo fundamento é um individualismo desapegado de valores. A família da qual se trata é comprometida com os valores constitucionais, que transpôs para seu interior a solidariedade social. Essa é a concepção axiológica que prepondera na família contemporânea e que foi transferida para a ordem jurídica. A família inscrita na Constituição de 1988 é a família-instrumento, funcionalizada à promoção da personalidade de seus membros.

Desta forma, cada membro das famílias passou a adquirir maior autonomia e

liberdade. A família serve agora como instrumento para a realização pessoal de

seus membros e não há mais sentido em desvinculá-la destes. A valorização da

afetividade citada pela referida autora é válida também para todos os outros

sentimentos no seio da família, e esta valorização de sentimentos leva também à

valorização de cada membro familiar, a fim de garantir sua dignidade.

O Direito de Família foi protegido por todas as Constituições modernas, o que

demonstra a preocupação do Estado em proteger tal instituto, pela Declaração

Universal dos Direitos Humanos, e, no Brasil, é albergado também pelo Código

Civil.

A família é uma estrutura social mutável, que se altera com a evolução da

sociedade, com as influências culturais, históricas, políticas, econômicas, religiosas

de cada região, entre tantos outros fatores, conforme afirma Ana Carolina Brochado

Teixeira. A mencionada autora cita em sua obra “Família, Guarda e Autoridade

Parental”:

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É no seio da família que são travadas as relações mais íntimas e relevantes da vida da pessoa [...] É no interior familiar que se reproduz a primeira organização social, onde se aprende valores como respeito, integridade e todas as regras de convivência. É nesse âmbito mais privado que as pessoas travam as primeiras experiências da vida pública, da coexistência, da cidadania, da inclusão ou da exclusão, dos conflitos, dos erros e dos acertos (TEIXEIRA, 2005, p. 12).

No Brasil, não há definição legal para o vocábulo “família” no Código Civil de

2002, mas entende-se da leitura do referido instrumento que família é aquele

instituto formado pela união de pessoas através de relações conjugais ou de

parentesco, em conceito amplo, e aquele formado por pais e filhos, em conceito

restrito, incluindo neste a família monoparental.

Uma modalidade muito especial de relação familiar, que já existe há anos,

possui hoje direitos plenamente garantidos: trata-se da relação existente entre pais

e filhos socioafetivamente.

O renomado autor Sílvio de Salvo Venosa (2002, p. 264) discorre sobre o

tema da socioafetividade e afirma:

Sempre deverá ser levado em conta o aspecto afetivo, qual seja, a paternidade emocional, denominada socioafetiva pela doutrina, que em muitas oportunidades, como nos demonstra a experiência de tantos casos vividos ou conhecidos por todos nós, sobrepuja a paternidade biológica ou genética.

Com o desenvolvimento do direito de família e a valorização do papel desta

para a formação de cada um de seus entes, também se desenvolveu o afeto como

fator de maior importância nas relações entre pais e filhos.

Na obra “Direito de família e o novo Código Civil: da filiação”, coordenada por

Dias e Pereira (2001, p. 120), a autora Rosana Fachin defende que “o filho é mais

do que um descendente genético e se revela numa relação construída no afeto

cotidiano”, ou seja, a paternidade deve ser construída pelo livre desejo dos pais de

atuar de forma integrada com seus filhos, e não será mais construída pura e

simplesmente em decorrência do vínculo consanguíneo.

Esta importância do afeto nas relações paterno-filiais fica bastante clara na

afirmação de que:

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A paternidade é hoje, acima de tudo, socioafetiva, moldada pelos laços afetivos cujo significado é mais profundo do que a verdade biológica, onde o zelo, o amor paterno e a natural dedicação ao filho pelo pai, dia a dia, revelam uma verdade afetiva, em que a paternidade vai sendo construída pelo livre desejo de atuar em integração e interação paterno-filial (ALMEIDA, 2001, p. 161).

Assim, claro se mostra que para o Direito de Família como um todo a

afetividade possui real valor. Se o afeto pode tornar uma relação entre pais e filhos

mais verdadeira do que uma relação puramente consanguínea, deve ser ele

observado no trato de todos os pais para com seus filhos, pois para que se

concretize de fato a posse do estado de filho, devem ser observados se estão

presentes os elementos que são essenciais na relação filial, quais sejam: o amor, o

afeto, o carinho, a cumplicidade, a proteção, entre outros.

2.1 ANÁLISE CONSTITUCIONAL DO DIREITO DE FAMÍLIA E DOS DIREITOS DA

CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Atenta às mudanças acima descritas, a Constituição Federativa do Brasil de

1988 postulou diversos princípios, implícita ou explicitamente em seu texto, para a

defesa da família e, principalmente, das crianças e adolescentes membros desta.

Entre esses princípios, possuem grande importância para a verificação da

possibilidade de se pleitear indenização por danos morais decorrentes do abandono

afetivo o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, previsto nos artigos 1º, III, da

CF e 18 do ECA, o Princípio da Solidariedade Familiar, previsto nos artigos 229 e

230, § 3º, I, da CF, o Princípio da Afetividade, previsto nos artigos 227,§ 6º, 228 e

229 da CF, os Princípios da Proteção Integral e do Melhor Interesse da Criança,

previstos no artigo 227 da CF e nos artigos 5º e 6º do ECA, e o Princípio da

Paternidade Responsável, previsto no artigo 226, § 7º da CF e nos artigos 19 a 24

do ECA.

Vale salientar que é de extrema importância para o Direito de Família o Direito

à Convivência Familiar, previsto no artigo 227 da CF, retro mencionado, e nos

artigos 19 a 24 do Estatuto da Criança e do Adolescente, visto que:

A criança e o adolescente somente poderão desenvolver-se plenamente no seio de uma família. Assim sendo, tratando-se de um direito natural, as

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normas jurídicas devem preservá-lo, da melhor forma possível, e prol dos menores, da própria família e de toda a sociedade (ELIAS, 2005, p. 21).

É fundamental para os menores que estes convivam com sua família para seu

pleno desenvolvimento psíquico. A ausência desta convivência familiar pode ensejar

danos às crianças por abandono afetivo.

3 O PODER FAMILIAR E SUA IMPORTÂNCIA NA DEFINIÇÃO DO ABANDONO

AFETIVO

A fim de proteger e garantir a aplicação de todos esses princípios, existe a

figura do poder familiar, o qual correlaciona-se intimamente com a questão do

abandono afetivo e que deveria se chamar autoridade parental, na medida em que

tal poder nada mais é do que o conjunto de deveres e obrigações que os pais

possuem quanto aos seus filhos (além de direitos sobre eles e seus bens) até a

maioridade civil destes, as quais, se forem descumpridas, não realizadas, terão

consequências de ordem jurídica, devendo os pais responder civilmente por

algumas delas, como responderão pelo abandono afetivo.

Em definição concedida por Hiasminni Albuquerque Alves Sousa, bacharel

em Direito e especialista em Direito Público, publicada no site do IBDFAM (Instituto

Brasileiro de Direito de Família) em 06 de dezembro de 2012, tem-se que:

O poder familiar é o conjunto de deveres e obrigações que devem ser exercidos pelos pais, fundado no princípio da proteção integral de crianças e adolescentes, uma vez que cessa com a maioridade. E, como toda obrigação está sujeita as sanções quando descumprida, não foi diferente quanto ao poder familiar, o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8069/90) estatuiu em seu art. 249 que a infração aos deveres do poder pátrio está suscetível à sanção, seja ela de reparação civil, de obrigação de fazer até destituição do poder familiar (SOUSA, 2013).

O poder familiar, portanto, consiste no exercício da autoridade dos pais sobre

os filhos enquanto estes forem menores de idade e não emancipados, sempre

buscando a satisfação de seus interesses, a fim de que possuam desenvolvimento

pleno e realização pessoal, e não mais significa um poder exercido pelos pais sobre

sua prole, por isso deveria se chamar autoridade parental.

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Conforme explica Pietro Perlingieri (1997, p. 258), o poder familiar “assume

mais uma função educativa que propriamente de gestão patrimonial, e é ofício

finalizado à promoção das potencialidades criativas dos filhos.”

Ainda nessa esteira, C. Massimo Bianca (1989 apud LÔBO, 2011, p. 303)

afirma que:

Os principais direitos do filho são os de sustento, assistência moral e educação e instrução segundo as próprias capacidades, inclinações e aspirações. Esses são direitos fundamentais de solidariedade que respondem ao interesse essencial desse ser humano a receber ajuda e orientação necessárias para sua formação.

Nesse sentido, a educação consiste não somente nos ensinamentos

escolares, mas também faz alusão à educação moral, religiosa, política, cívica,

profissional, ética, ambiental, social, etc.

Essa educação generalizada é que levará o menor ao seu pleno

desenvolvimento e gerará o cumprimento do disposto no artigo 205 da Constituição

Federal, o qual preceitua que a educação, como “direito de todos e dever do estado

e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando

ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e

sua qualificação profissional.”

Tratam ainda do poder familiar os já citados artigos 227 e 229 da Carta

Magna, bem como os artigos 21 a 24 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Vale ressaltar que o poder familiar não é de titularidade exclusiva dos

genitores dos menores, muito embora só estes estejam citados nos dispositivos

legais acima referidos, mas poderá ser exercido também por outros membros

familiares ou afetivos, como irmãos, avós, madrastas, etc.

Ele pode ser suspenso total ou parcialmente quando os pais abusarem de sua

autoridade, faltarem aos deveres a eles inerentes ou arruinarem os bens dos filhos,

por tempo determinado, como forma de sanção aos pais para preservar os

interesses dos filhos. O doutrinador Silvio Rodrigues (2004, p. 368-369), no entanto,

afirma que as sanções a eles aplicadas:

[...] têm menos um intuito punitivo aos pais do que o de preservar o interesse dos filhos, afastando-os da nociva influência daqueles. Tanto

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assim, é que, cessadas as causas que conduziram à suspensão ou à destituição do poder familiar e transcorrido um período mais ou menos longo de consolidação, pode o poder parental ser devolvido aos antigos titulares.

A aplicação da suspensão é, portanto, temporária, e perdura apenas

enquanto for necessária, ou seja, enquanto for conveniente aos interesses dos

menores de acordo com a visão do julgador, e o poder familiar poderá ser devolvido

aos antigos titulares caso cessem as causas que levaram à sua suspensão.

O poder familiar será extinto quando for interrompido definitivamente e pode

se dar por fatos naturais, de pleno direito ou por meio de decisão judicial. Ocorrerá a

extinção em caso de morte dos pais ou do filho, maioridade do filho ou

emancipação, adoção do filho, ou por meio de decisão judicial (artigos 1635 e 1638

do Código Civil).

Vale salientar que, como dispõe o artigo 23 já referido do Estatuto da Criança

e do Adolescente, a carência ou falta de recursos materiais não é motivo para

suspender ou extinguir o poder familiar por si só.

Feitas as devidas considerações a respeito do tema supramencionado, é

propício considerar os deveres que os pais devem observar para que não percam o

poder familiar. Dentre eles, o mais importante é o dever de proteção à pessoa dos

filhos, o qual se encontra estabelecido na Convenção Internacional sobre os Direitos

da Criança de 1989, adotada pela Assembleia das Nações Unidas e que passou a

ser defendida pelo direito brasileiro em 1990. Tal Convenção dispõe que a criança

deve ser especialmente protegida visando o seu melhor interesse, devendo ser

colocada no centro das relações familiares.

Este dever está expresso no artigo 227 da Constituição da República

Federativa do Brasil, quando esta impõe à família o dever de preservar a vida dos

menores e cuidar deles de maneira geral.

O dever de cuidar dos filhos é imposto aos pais a partir do momento em que

estes, por sua liberdade, optam por constituir família e gerar ou adotar filhos. As

pessoas são absolutamente livres quanto à constituição de suas famílias, mas a

partir do momento que escolhem ter filhos, não podem abandoná-los à mercê da

sociedade, nem mesmo se proporcionarem a eles todo o suporte financeiro,

material. Devem cuidar deles com todo o respeito e afeto, garantindo a proteção de

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sua dignidade e seu pleno desenvolvimento, de maneira que obedeçam sempre ao

Princípio da Paternidade Responsável.

Em decorrência desse dever e pela extrema importância do tema, além da

necessidade de garantir aos menores o respeito à sua dignidade e seu pleno

desenvolvimento, o ex-Senador Marcelo Crivella propôs o Projeto de Lei do Senado

nº 700/2007 para intentar a caracterização do abandono moral dos filhos como ilícito

civil e penal.

O abandono afetivo, moral, caracteriza-se pelo descaso, pela indiferença e

rejeição dos pais com relação aos filhos. Aos pais não cabe somente garantir a

educação escolar dos filhos e supri-los materialmente, em cumprimento ao dever de

cuidado a eles inerentes, pois:

A educação abrange não somente a escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, o amor, o carinho, devendo o descaso entre pais e filhos ser punido severamente por constituir abandono moral grave (GONÇALVES, 2007, p. 419).

Na mesma esteira, o doutor em Direito Civil pela USP, Paulo Lôbo (2011, p.

312-313), discorre acerca do tema explicando de maneira abrangente no que

consiste o dever dos pais sobre os filhos para ao final esclarecer o que vem a ser

abandono afetivo:

[...] o princípio da paternidade responsável estabelecido no art. 226 da Constituição não se resume ao cumprimento do dever de assistência material. Abrange também a assistência moral, que é dever jurídico cujo descumprimento pode levar à pretensão indenizatória. O art. 227 da Constituição confere à criança e ao adolescente os direitos “com absoluta prioridade”, oponíveis à família – inclusive ao pai separado -, à vida, à saúde, à educação, ao lazer, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar, que são direitos de conteúdo moral, integrantes da personalidade, cuja rejeição provoca dano moral. O poder familiar do pai separado não se esgota com a separação, salvo no que concerne à guarda, permanecendo os deveres de criação, educação e companhia [...], que não se subsumem na pensão alimentícia. Portanto, o “abandono afetivo” nada mais é que inadimplemento dos deveres jurídicos de paternidade. Seu campo não é exclusivamente o da moral, pois o direito o atraiu para si, conferindo-lhe consequências jurídicas que não podem ser desconsideradas.

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Vale salientar que, não basta que haja o abandono para que o filho seja

indenizado, mas deve haver também a comprovação do dano real sofrido pela vítima

do abandono. É necessário, para tanto, que o abandono propicie aos filhos grande

influência negativa em sua formação e em seu desenvolvimento, como a humilhação

pública pela rejeição parental.

Entenda-se afeto para o direito brasileiro não como amor ou demonstração

pública de carinho, pois como bem afirmou a Eminente Ministra Nancy Andrighi,

relatora de decisão proferida no Recurso Especial de n° 1.159.242 em 24 de abril de

2012 pela 3ª Turma do STJ, “Amar é faculdade, cuidar é dever”.

Desta forma, o afeto deve ser entendido como meio de aplicação ampla do

dever de cuidado, sendo este cuidado não meramente um cuidado material, mas sim

moral, demonstrado por uma verdadeira preocupação dos pais pelos filhos e por

suas individualidades, por meio de conselhos, conversas e atenção, por exemplo.

Em artigo publicado no site do Conjur, Regina Beatriz Tavares da Silva

explica com maestria a diferença entre o amor e o dever de cuidado dos pais para

com seus filhos:

Amar não é dever ou direito. Amar é sentimento intangível pelo Direito. A falta de amor, como sentimento, portanto, não pode gerar indenização. Mas o dever do pai e da mãe de ter o filho em sua companhia e educá-lo, de natureza objetiva, está previsto no art. 1.634, I e II do Código Civil. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê também deveres para os pais, como o dever de assegurar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social do filho menor, em condições de dignidade (ECA, arts. 3º, 4º e 5º). Esses, sim, são deveres de natureza jurídica, cujo descumprimento, ao gerar danos, pode acarretar a condenação do inadimplente em pagamento de indenização (SILVA, 2012).

De acordo com a autora, resta inequívoco que o amor não é tangível e por tal

razão não é indenizável a sua falta. O que é indenizável é a inobservância do dever

de cuidado dos pais pelos filhos.

Desta forma, não restam dúvidas quanto ao que deve ser entendido por afeto

no mundo jurídico: não se trata de forma alguma de quantificação de amor ou puro

sentimentalismo. Para o Direito, o afeto deve ser compreendido como o cuidado que

deve ser dispensado pelos familiares, uns para com os outros, em sua integralidade,

e em especial deve ser atribuído aos filhos pelos pais, por esses possuírem especial

dever de cuidar de sua prole, em razão do poder familiar.

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Além desse dever de cuidado a ser observado, e sendo a afetividade o

elemento nuclear das relações familiares, deve-se observar também que os

menores possuem o direito de convivência com seus pais a fim de garantir seu pleno

desenvolvimento, conforme dispõem os artigos 19 do Estatuto da Criança e do

Adolescente e 1513 do Código Civil.

Em artigo intitulado “A Responsabilidade Civil por Dano Afetivo”, coordenado

por Silva e Camargo Neto (2011, p. 23), este último coordenador e autor, Theodureto

de Almeida Camargo Neto, discorre sobre o direito dos filhos de conviverem com

seus pais e dos pais terem seus filhos em sua companhia:

Pressupõe, assim, que haja convivência entre ambos, para que, conforme o caso, o vínculo se estabeleça ou se consolide, gradativamente, e que a criança ou o adolescente possa receber o afeto, a atenção, a vigilância e a influência daquele ou daquela que não detém sua guarda, de modo a alcançar a plena higidez física, mental, emocional e espiritual, que, como se sabe, depende, entre outros fatores, do contato e da comunicação recíproca e permanente com seus dois progenitores.

O já referido Estatuto da Criança e do Adolescente traz em seu bojo

disposições relativas ao direito de convivência familiar dos menores, principalmente

em seu artigo 19, o qual expressamente define tal princípio:

Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.

Ainda, a Convenção dos Direitos da Criança estabeleceu em seu artigo 9.3

que a criança tem o direito de manter contato com ambos os pais quando estes

forem separados e de manter relações pessoais com ambos, exceto se isso

contrariar seu maior interesse.

Com base na análise das decisões dos tribunais, é possível perceber que no

Brasil tem-se buscado o melhor interesse dos menores de idade, tendo em vista as

tentativas do Judiciário de assegurar aos parentes, padrastos e madrastas dos

infantes o direito de visita, também entendido como direito à convivência.

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Assim, é possível notar que o Estado visa garantir a realização afetiva dos

menores por meio de tais decisões, buscando sempre seu melhor interesse,

evitando o rompimento de laços familiares ou afetivos.

Da análise de tal proteção garantida aos menores, fácil se torna afirmar que

quando os pais não preparam seus filhos para uma vida individual em sociedade,

desrespeitando assim sua dignidade, estão violando o dever de cuidado que

possuem sobre os filhos.

Nesses casos, haverá responsabilização civil dos pais se estes causarem

prejuízos à formação individual de seus filhos, tornando penoso seu

desenvolvimento, propiciando que passem por situações vexatórias ou padeçam de

qualquer outra maneira, por meio de sofrimentos, humilhação social, dor psíquica ou

traumas psicológicos.

A psicóloga e psicanalista Gisele Câmara Groeninga afirma que existe hoje

uma crise da paternidade, pois muitas vezes os pais não assumem seu direito e

dever de participar da formação de seus filhos, de conviver com eles afetivamente e

de acompanhar seu desenvolvimento. A autora afirma que:

A ausência do pai, e dessa imago paterna, em decorrência de um abandono material e/ou psíquico, tem gerado graves consequências na estruturação psíquica dos filhos e que repercute, obviamente, nas relações sociais (...). O mais grave mesmo é o abandono psíquico e afetivo, a não presença do pai no exercício de suas funções paternas, como aquele que representa a lei, o limite, a segurança e a proteção (...). O desafio do Terceiro Milênio será a aprendizagem da organização da polis, considerando que não é possível pensar o Estado sem seu núcleo básico, a família. Não é possível este núcleo básico sem o lugar estruturante do pai. Teremos que reaprender, então, diante das novas formas de família, e nesse novo contexto social, o que é um pai, pois já sabemos que a ausência dele pode ser desestruturante para o sujeito (GROENINGA, 2003, p. 225).

Esta afirmação é preocupante, pois, como ela mesma explica, não é possível

pensar o Estado sem seu núcleo básico que é a família, e difícil seria pensar a

família sem o pai ou a mãe em sua estrutura.

A ausência injustificada destes entes, por mais que haja a tentativa de

suprimi-la com a presença de avós ou tios, por exemplo, sempre trará algum tipo de

prejuízo à formação psíquica da criança e será desestruturante para o sujeito, pois é

desejo de todos ter pai e mãe, faz parte da natureza humana.

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A figura dos pais efetivamente presentes na vida dos filhos é, portanto,

fundamental para que estes cresçam seguros, confiantes e felizes, pois a dor

causada aos filhos pelo abandono pode gerar diversos reflexos negativos:

O dano causado pelo abandono afetivo é antes de tudo um dano à personalidade do indivíduo. Gera reflexos na vida pessoal daquele que o sofre, destacando-se os de ordem psicológica e moral, uma vez que macula o ser humano enquanto pessoa, dotada de personalidade, sendo certo que esta personalidade existe e se manifesta por meio do grupo familiar, responsável que é por incutir na criança o sentimento de responsabilidade social, por meio do cumprimento das prescrições, de forma a que ela possa, no futuro, assumir a sua plena capacidade de forma juridicamente aceita e socialmente aprovada [...] A ausência injustificada do pai origina – em situações corriqueiras – evidente dor psíquica e consequente prejuízo à formação da criança, decorrente da falta não só do afeto, mas do cuidado e da proteção (função psicopedagógico) que a presença paterna representa na vida do filho (HIRONAKA, 2013).

Na mesma esteira, defende a autora Cláudia Maria da Silva (2005, p. 141)

acerca dos danos causados pelos pais a seus filhos que:

Trata-se, em suma, da recusa de uma das funções paternas, sem qualquer motivação, que agride e violenta o menor, comprometendo seriamente seu desenvolvimento e sua formação psíquica, afetiva e moral, trazendo-lhe dor imensurável, além de impor-lhe ao vexame, sofrimento, humilhação social, que, ainda, interfere intensamente em seu comportamento, causa-lhe angústia, aflições e desequilíbrio em seu bem-estar. Mesmo sendo menor, já estão tuteladas a honra e moral, posto ser um sujeito de direito e, como tal, não pode existir como cidadão sem uma estrutura familiar na qual não há a assunção do verdadeiro ‘papel de pai’.

A importância da presença dos pais na vida dos filhos, atuando junto a estes

com qualidade, é evidente. O afeto dispensado pelos pais à sua prole é necessário

para garantir que esta se desenvolva em sua plenitude, pois sem ele (afeto) os

menores podem crescer inseguros, cheios de medos, traumas, que podem trazer

consequências desastrosas tanto à sua vida pessoal, em seus relacionamentos,

reproduzindo talvez esse comportamento omisso e negligente com os filhos que

porventura tiverem, reproduzindo a figura do pai abandonador que tiveram, bem

como em sua vida profissional, acadêmica, etc.

Essa recusa em cumprir as funções paternas e maternas sem motivação

agride e violenta o menor, que se sente abandonado e não entende o porquê, não

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sabe o que fez para ser rejeitado, comprometendo seriamente sua formação

psíquica, afetiva e moral, o que pode interferir em seu comportamento, causando-lhe

angústia, aflições e desequilíbrio em seu bem-estar.

O dano causado pelo abandono afetivo é antes de mais nada um dano à

personalidade do infante, capaz de gerar reflexos de ordem psíquica e moral àquele

que o sofre, pois a personalidade da criança se manifesta por meio do grupo familiar

e é nesse grupo que ela é moldada para viver em sociedade, então, se suas bases

não forem sólidas, poderá ser muito mais penoso para essa criança se tornar um

adulto plenamente desenvolvido e bem resolvido.

4 RESPONSABILIDADE CIVIL APLICADA AO DIREITO DE FAMÍLIA

A responsabilidade civil foi criada a fim de defender o interesse das vítimas

que sofrem danos materiais ou morais e garantir a reparação destes. No Direito de

Família ela pode ser aplicada tanto patrimonial quanto extrapatrimonialmente, mas

este estudo abordará apenas o direito à reparação do dano extrapatrimonial,

decorrente da lesão aos direitos de personalidade.

O magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, Dr.

Clayton Reis (2011, p. 15), explica em seu artigo “A responsabilidade civil em face

da violação aos direitos da personalidade no Direito de Família” que:

[...] a responsabilidade civil objetiva assegurar aos lesados o direito de ser ressarcidos por decorrência das perdas produzidas por todos aqueles que agiram em desconformidade com a ordem jurídica, violando direitos e produzindo prejuízos a outrem. Portanto, o dever de indenizar decorre da produção de dano ao patrimônio material e imaterial de terceiros, em virtude da falta de conduta jurídica do agente ofensor.

O objetivo principal da responsabilidade civil é atingir o equilíbrio social por

meio da responsabilização dos agentes infratores do Direito, de forma que a punição

destes sirva como exemplo negativo de conduta, para desencorajar outras pessoas,

a fim de que não cometam as mesmas ilicitudes.

O termo “responsabilidade” deriva do vocábulo latino respondere, ao qual é

conferido o significado de segurança, no sentido de constituir uma garantia de

restituição de um bem sacrificado, como bem defende Carlos Roberto Gonçalves.

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Em sua obra sobre Responsabilidade Civil, o autor acima mencionado explica como

surge tal instituto:

Toda atividade que acarreta prejuízo traz em seu bojo o problema da responsabilidade. Destina-se a ela restaurar o equilíbrio moral e patrimonial provocado pelo autor do dano. Exatamente o interesse em restabelecer a harmonia e o equilíbrio violados pelo dano constitui a fonte geradora da responsabilidade civil (GONÇALVES, 2011, p. 19).

Desta forma, tem-se que a responsabilidade civil é uma forma de restaurar o

equilíbrio, de reparar o dano nos casos em que há violação deste, e que o

responsável civilmente é aquele que deverá restaurar o status quo ante quando

houver violado qualquer regra existente e causado por tal violação dano a terceiro.

Ainda, para a Teoria Geral do Direito, é válida a assertiva de que tal instituto

deriva de uma conduta voluntária que viole um dever jurídico, ou seja, decorre da

prática de um ato jurídico, o qual pode caracterizar-se por sua licitude ou ilicitude.

De acordo com o artigo 186 do Código Civil Brasileiro de 2002, são quatro os

pressupostos de existência da responsabilidade civil: primeiramente deve ocorrer a

ação ou omissão do agente, posteriormente serão analisadas a culpa ou dolo deste,

a relação de causalidade existente entre o fato culposo (por negligência ou

imprudência) ou doloso (por ação ou omissão voluntárias) por ele praticado e o dano

acarretado à vítima.

Se não houver relação de causalidade entre a causa e o efeito de algum ato

comissivo ou omissivo do agente e o dano por ele causado, ou se este dano, que é

a consequência da conduta do agente que lesiona a vítima, patrimonial ou

extrapatrimonialmente, não for comprovado, não haverá obrigação de indenizar.

4.1 APLICAÇÃO DA INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL EM DECORRÊNCIA DO

ABANDONO AFETIVO COMO FORMA DE RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL

A indenização por dano moral é aplicável no caso do abandono afetivo, pois o

dano moral caracteriza-se pela ofensa à pessoa, lesionando seus direitos de

personalidade, parcialmente previstos no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal,

o qual institui que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem

das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral

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decorrente de sua violação”, e principalmente por ser um descumprimento de uma

obrigação de fazer dos pais, que é a de cuidar de seus filhos.

Esta lesão, se causar dor e sofrimento à vítima, humilhação ou qualquer outro

prejuízo, deve afetar de modo grave a vida de quem a sofreu, interferindo

intensamente em seu comportamento psicológico de modo que desequilibre seu

bem-estar, para que seja cabível o pedido de indenização.

A indenização por danos morais nesse caso terá caráter compensatório para

a vítima, visto que tal dano não é passível de mera reparação por se tratar de dano à

esfera sentimental, que aflige o íntimo da vítima. Terá ainda a indenização caráter

punitivo para o ofensor, por meio da redução de seu patrimônio, a fim de

desestimular a reiteração em conduta lesiva, e é observando estes objetivos da

reparação civil que será arbitrado pelo juiz o quantum indenizatório. Servirá,

portanto, como elemento pedagógico para o Direito, para desencorajar a

paternidade irresponsável.

Cabe ao juiz o arbitramento do valor a ser indenizado, o qual deverá ser

fixado com prudência e observando as peculiaridades de cada caso, principalmente

no que diz respeito à repercussão econômica da indenização.

Clayton Reis (2011, p. 198), ao tratar do dano moral, afirma que nas decisões

prolatadas pelos tribunais que tratem de indenização por danos morais, o quantum

indenizatório objetiva compensar a vítima pela lesão ao mesmo tempo em que tenta

desestimular a conduta do ofensor, para que este não mais cometa atos ofensivos,

pois para o referido autor “a finalidade da reparação dos danos extrapatrimoniais

não se assenta em fatores de reposição, senão de compensação satisfativa e

equivalente da vítima em sua pretensão indenizatória.”

Além disso, é importante que seja aplicada a indenização por abandono

afetivo, pois, de acordo com o que proclama o autor José de Aguiar Dias, o equilíbrio

social é afetado quando é imposto ao particular algum prejuízo. Por esse motivo,

defende que:

Resta rigorosamente sociológica, a noção de responsabilidade como aspecto da realidade social. Decorre dos fatos sociais, é o fato social. Os julgamentos de responsabilidade (por exemplo, a condenação do assassino ou do ladrão, do membro da família que a desonrou) são reflexos individuais, psicológicos, do fato exterior social, objetivo, que é a relação de responsabilidade (DIAS, 2006, p. 3).

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Desta forma, resta evidenciado que a responsabilidade civil e o fato social

estão intimamente ligados. Ainda, que a tutela jurídica reflete diretamente no

ambiente social quando visa proteger a sociedade das ações lesivas dos ofensores

do direito. Ao proteger um cidadão na esfera de seu direito pessoal, está se

protegendo a sociedade como um todo, pois essa tutela refletirá em todas as

relações sociais. Assim, tem-se a indenização como elemento pedagógico para o

Direito, para desencorajar a população a praticar atos ilícitos semelhantes no futuro.

Levando-se em consideração os fatores acima levantados, a indenização por

dano moral que tem como base o abandono afetivo não deve ser tratada como uma

monetarização do amor, mas como punição necessária dos pais pelo Estado, em

decorrência do ato ilícito omissivo cometido por eles na criação de sua prole.

Essa visão de monetarização do amor é extremamente preconceituosa e

ridiculariza a vítima, a pessoa que sofreu o abandono e se sente rejeitada por seu

genitor, que já possui diversos traumas, na medida em que é tratada como alguém

que busca tão somente benefícios econômico-financeiros, o que causa mais danos a

ela.

Os filhos rejeitados, que indubitavelmente sofreram qualquer tipo de

transtorno psíquico durante suas vidas pela falta de afeto de seus pais na infância e

adolescência, são vítimas de seus genitores abandonadores e devem ser tratados

como tal, com todo o respeito.

Por isso, eles tem o direito, sim, de pleitear ressarcimento junto ao Poder

Judiciário pelos danos e transtornos psíquicos por eles sofridos em decorrência da

paternidade/maternidade irresponsável exercida por seus genitores.

Por mais que tais danos sejam imateriais e incalculáveis, é necessário que

haja arbitramento do juiz com relação ao quantum indenizatório, com a finalidade de

aliviar o sofrimento da vítima (mesmo que seja pela realização pessoal desta pelo

fato de ser defendida de forma justa pelo Judiciário), bem como de punir o

responsável pelo dano para que não repita mais tal injustiça contra seus filhos, e

para que sirva de exemplo para a sociedade de que quem cometer tal conduta de

abandonar o filho será punido da mesma forma.

A família moderna se baseia nas relações afetivas, e não mais apenas nas

consanguíneas, não aceita mais apenas os filhos legítimos. Nesse sentido, Maria

Berenice Dias defende o afeto como principal elo da família, e explica:

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O conceito atual da família, centrada no afeto como elemento agregador, exige dos pais o dever de criar e educar os filhos sem lhes omitir o carinho necessário para a formação plena de sua personalidade. A grande evolução das ciências que estudam o psiquismo humano veio a escancarar a decisiva influência do contexto familiar para o desenvolvimento sadio de pessoas em formação. Não se podendo mais ignorar essa realidade, passou-se a falar em paternidade responsável. Assim, a convivência dos filhos com os pais não é direito, é dever. Não há direito de visitá-lo, há obrigação de conviver com ele. O distanciamento entre pais e filhos produz sequelas de ordem emocional e pode comprometer o seu sadio desenvolvimento. O sentimento de dor e de abandono pode deixar reflexos permanentes em sua vida (DIAS, 2011, p. 449).

Ainda sobre o assunto, a ex-Magistrada leciona magistralmente a respeito da

importância que o pai possui na vida do filho, exaurindo o tema:

A omissão do genitor em cumprir os encargos decorrentes do poder familiar, deixando de atender ao dever de ter o filho em sua companhia, produz danos emocionais merecedores de reparação [...] a ausência da figura do pai desestrutura os filhos, tira-lhes o rumo da vida e debita-lhes a vontade de assumir um projeto de vida. Tornam-se pessoas inseguras, infelizes. Tal comprovação, facilitada pela interdisciplinaridade, tem levado ao reconhecimento da obrigação indenizatória por dano afetivo. Ainda que a falta de afetividade não seja indenizável, o reconhecimento da existência do dano psicológico deve servir, no mínimo, para gerar o comprometimento do pai com o pleno e sadio desenvolvimento do filho (DIAS, 2011, p. 449).

Assim sendo, por mais que não seja a forma mais saudável de fazer com que

um pai cultive vínculo afetivo com seu filho, a indenização por abandono afetivo deve

ser aplicada a fim de lembrar a todos os pais que ter filhos traz diversas implicações,

variados direitos e deveres, e que eles só devem gerar ou adotar filhos quando

estiverem de fato dispostos a assumi-los integralmente, sob pena de serem punidos

civilmente, pois as crianças merecem a tutela maior do Estado, da família e da

sociedade, e não é justo que arquem com a falta da observação do dever de cuidado

de seus pais, tão danosa a elas.

Por meio da análise jurisprudencial realizada acerca do reconhecimento do

abandono afetivo nas relações paterno-filiais e a consequente responsabilização civil

dos pais nesses casos, no entanto, restou demonstrado que a jurisprudência ainda

não está pacificada quanto ao cabimento da indenização por tal abandono.

A decisão favorável ao cabimento da indenização mais notável até os dias de

hoje quanto ao tema foi a proferida pela Excelentíssima Ministra Nancy Adrighi, da

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qual restou célebre a frase “Amar é faculdade, cuidar é dever” e por meio da qual o

genitor a vítima foi obrigado a pagar R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) a título de

danos morais à sua filha. Neste julgado do Superior Tribunal de Justiça, foi

parcialmente provido o Recurso Especial nº 1.159.242 - SP interposto pela parte

autora:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – decuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido.

A decisão acima transcrita demonstra cabalmente a possibilidade dos filhos

de pedirem indenização por abandono afetivo, tendo em vista que os pais possuem

o dever de cuidar deles, devendo para tanto garantir a eles seu desenvolvimento

pleno, tanto materialmente quanto psicologicamente. O descumprimento desse

dever, portanto, caracteriza ilicitude civil dos genitores.

De outro vértice, em julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande

do Sul, os desembargadores acordaram em desprover o recurso da autora da

Apelação Cível nº 70045481207, filha abandonada pelo pai:

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Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ABANDONO MATERIAL, MORAL E AFETIVO. ABALO EMOCIONAL PELA AUSÊNCIA DO PAI. O pedido de reparação por dano moral no Direito de Família exige a apuração criteriosa dos fatos e o mero distanciamento afetivo entre pais e filhos não constitui situação capaz de gerar dano moral, nem implica ofensa ao (já vulgarizado) princípio da dignidade da pessoa humana, sendo mero fato da vida. Embora se viva num mundo materialista, nem tudo pode ser resolvido pela solução simplista da indenização, pois afeto não tem preço, e valor econômico nenhum poderá restituir o valor de um abraço, de um beijo, enfim de um vínculo amoroso saudável entre pai e filho, sendo essa perda experimentada tanto por um quanto pelo outro. RECURSO DESPROVIDO.

Pelas palavras utilizadas pelo relator a fim de justificar a decisão, resta

comprovada a banalização da despreocupação com a proteção das garantias

fundamentais dos menores, pois se entende o dano psicológico sofrido pela vítima

como mero fato da vida, não sendo esta, por fim, merecedora de cuidado e de

amparo de seus pais durante a vida e nem do Estado, pois este se recusa a

defender seus direitos e garantias constitucionais.

Isso significa que as crianças, menores de idade, que não possuem meios de

se defender dos danos que possam porventura sofrer, não possuem o direito de ser

protegidas pelo Judiciário brasileiro, e devem se acostumar ao sofrimento, seus pais

podem ignorá-las o quanto quiserem, não importando quanta dor possam causar a

elas, e ficarão impunes, pois lidar com isso seria apenas “fato da vida”.

Este mau exemplo de aplicação de justiça não deve ser observado. A ação de

indenização por abandono afetivo tem cabimento sempre que restar comprovada a

prática do ato ilícito, isto é, o descumprimento do dever de cuidado dos pais pelos

filhos, pois isto caracteriza a violação do direito destes de serem protegidos. O que

está em foco é a violação do direito das crianças e adolescentes, a quebra no

respeito à sua dignidade.

Haverá a ocorrência da ilicitude civil quando houver omissão no dever dos

pais de proteger seus filhos, ocorrerá o descumprimento de uma obrigação de fazer

que atinge um bem juridicamente tutelado estabelecida no Código Civil, no Estatuto

da Criança e do Adolescente, dentre outros dispositivos legais, pois nesta hipótese o

não fazer importa em vulneração da imposição legal.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Brasil passou a se preocupar muito mais com a garantia da Dignidade da

Pessoa Humana, princípio norteador de todos os direitos de personalidade, e que

abrange também o princípio da afetividade, com o advento da Constituição

Federativa de 1988.

A partir de então, a afetividade se tornou um elemento constitutivo da família,

pois a família hoje é responsável pela realização pessoal de cada um de seus entes

de maneira plena, e se baseia para tanto no respeito entre estes.

Além disso, o poder familiar também se tornou muito mais abrangente, e

agora exige não apenas a prestação material dos pais para com os filhos, mas

também que aqueles participem ativamente da vida destes, e que tal participação se

dê com qualidade, dispensando aos filhos todo o cuidado, afeto e atenção

necessários ao seu pleno desenvolvimento moral, físico e psíquico.

É relevante ressaltar que o afeto de que trata o Direito de Família não se

caracteriza apenas por um carinho dispensado a outrem, mas sim pela atenção

devida pelos pais aos seus filhos e que pode ser demonstrada das mais variadas

formas como, por exemplo, por meio da solidariedade e apoio dos pais aos filhos

quando estes passam por intenso sofrimento ou dificuldade, pela presença física dos

pais junto aos filhos quando isto for importante para os menores, pela orientação dos

pais aos filhos sobre o futuro profissional, acadêmico, cultural e pessoal destes.

Em suma, o afeto nada mais é do que a demonstração clara de que o filho

possui importância para seu genitor, que sua vida e suas questões pessoais lhe são

relevantes.

Assim sendo, tamanha é a importância do afeto devido pelos pais aos seus

filhos, que se verifica a necessidade da responsabilização civil dos genitores quando

estes deixam de cumprir bem seu papel. Ora, ao deixar de cumprir as obrigações

legais impostas pelos artigos 229 da Constituição Federal e 4° do Estatuto da

Criança e do Adolescente, tem-se a caracterização do ato ilícito por omissão

voluntária ou negligência dos pais, e os atos ilícitos devem ser reparados, conforme

disposto no artigo 927 do Código Civil.

O impacto que o abandono afetivo gera na formação psicológica de um filho é

tão grande que pode causar aos menores danos irreparáveis psicologicamente. A

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ausência do afeto paternal, do companheirismo, da amizade entre pais e filhos, gera

no íntimo dos filhos um grande sentimento de desvalorização.

Essa sensação de abandono pode trazer danos que se sobreponham à esfera

do psicológico e influenciem a vida dos infantes de maneira a acarretar até mesmo

danos materiais em sua vida futura, tendo em vista a possível insegurança com que

tratarão de sua vida pessoal, afetiva e profissional por falta de amparo dos pais.

Além disso, permitir que os pais abandonem afetivamente seus filhos, sem

tutelar os direitos destes, incentiva os genitores a perpetuarem a paternidade

irresponsável.

Desta forma, a indenização serviria não somente como uma forma de punir os

responsáveis pelo abandono ou reparar o dano sofrido pelas vítimas, mas também

para educar os pais a melhor cuidar de seus filhos, a fim de garantir uma vida mais

justa e feliz a todos, que seria plena pelo menos no que diz respeito às relações

pessoais, garantindo assim uma vida digna aos filhos do Brasil.

É evidente que o dinheiro não pode comprar o afeto, e que não será a

reparação monetária do dano que “consertará” na vítima todos os danos e traumas

por ela sofridos. Nenhuma quantia pagará a ausência de um pai ou uma mãe, nem

mesmo apagará da memória do filho a frieza ou o desprezo recebidos de seus

genitores. Isso não significa, entretanto, que esses pais ausentes, omissos, devam

ficar impunes.

O verdadeiro objetivo da responsabilização civil dos genitores é evitar que

mais pais incorram neste abandono afetivo, é tornar a causa mais visível a todos, a

fim de educar tanto aos que já são pais quanto aos que ainda serão para que hajam

com responsabilidade em seu dever e percebam a fundamental importância de

atribuir afeto, atenção, real cuidado aos filhos para que estes possam se

desenvolver plenamente saudáveis.

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A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA MATERIAL CIVIL NOS

CASOS DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E SUAS

CONSEQUÊNCIAS QUANTO À RESPONSABILIDADE OBJETIVA

ESTATAL POR ERROS JUDICIÁRIOS MODIFICATIVOS DA

SUCESSÃO

THE RELATIVIZATION OF THE RES JUDICATA IN THE CASES OF

PATERNITY INVESTIGATION AND ITS CONSEQUENCES ON THE

STATE’S STRICT LIABILITY REGARDING MISCARRIAGES JUSTICE

MISCARRIAGES THAT MODIFY THE SUCCESSION

Rodrigo Ciotta

Acadêmico do 9º período da Faculdade de Direito do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA)

Roosevelt Arraes1

1 Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba (2002), especialista em Ética (2004), mestre (2006) e doutorando (2014) em Filosofia Jurídica e Política pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Atualmente é professor e pesquisador do Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA e membro-pesquisador do Departamento de Filosofia na Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Tem experiência na área de Filosofia do Direito, com enfoque nas teorias modernas e contemporâneas da Justiça, e, em fundamentos do direito público (constitucional, eleitoral, penal e administrativo).

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SUMÁRIO

1 Introdução. 2 A mitigação da segurança jurídica quando confrontada com o

Princípio da dignidade da pessoa humana. 3 Da responsabilidade estatal objetiva

decorrente de erro judiciário. 4 Da indenização unicamente moral, em face da

imutabilidade da decisão proferida quanto aos negócios realizados de boa-fé. 5 Dos

cenários possíveis a partir das partes e suas respectivas formas de se buscar o

ressarcimento do dano. 6 Da responsabilidade estatal analisada a partir da origem

do erro judiciário.7 Considerações Finais 8 Referências bibliográficas.

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RESUMO

Este artigo tem o objetivo de demonstrar como a doutrina referente à área do Direito

Processual Civil busca novos horizontes, aproximando-se dos limites do Direito

Processual Penal, com a disseminação da possibilidade de se relativizar a coisa

julgada material civil nos casos de investigação de paternidade, ao mesmo passo

que busca expor a necessidade de haver responsabilização do Estado pelos erros

judiciários modificadores da sucessão. Compreende-se necessário que se relativize

a coisa julgada material quando houver prova incontroversa de que a decisão

proferida e transita em julgado tenha sido viciada por error in judicando,

demonstrando que o instituto da res judicata deve ser interpretado com as devidas

restrições, para que não se firam princípios constitucionais em prol de simples regras

processualistas. Neste cenário, abordar-se-ão temas relativos ao surgimento da

ideia de legitimação da violência estatal, bem como dos limites impostos para que os

poderes outorgados à Administração Pública não viessem a ser deturpados por seus

agentes, concluindo com o fortalecimento das instituições democráticas.

Palavras-chave: coisa julgada, relativização, responsabilidade estatal, direito

sucessório, erro judiciário.

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ABSTRACT

This article has the objective of showing how the civil procedural law’s doctrine aims

for new horizons, getting closer to the borders of the criminal procedural law, with the

dissemination of the possibility of relativizing the claim preclusion regarding the

cases of paternity investigation, as it tries to explain the need to hold the State’s strict

liability in the matter of justice miscarriages that modify the succession. It is thought

necessary to relativize the claim preclusion when there is incontrovertible proof that

the given prejudice decision had the vice known as error in judicando, thus showing

that the institute of the claim preclusion must be interpreted with the proper

restrictions, so that no constitutional precepts are set aside for mere procedural rules.

In this scenario, matters related to the rise of the idea of State’s violence legitimation

will be approached, as well as the imposed limits for the powers granted to the public

administration, so that they wouldn’t be misused by its agents, strengthening the

democratic institutions.

Keywords: claim preclusion, relativization, state’s liability, laws of succession, justice

miscarriage.

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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1 INTRODUÇÃO

Há no texto constitucional duas espécies basilares à democracia: os direitos

e as garantias. Os direitos são benefícios conferidos à população que se submete à

Carta Magna, em normas que apenas os declaram, enquanto as garantias são

instrumentos para a efetiva existência de tais direitos, em dispositivos que os

asseguram.

Ensina LENZA, relembrando o célebre mestre Rui Barbosa:

“Um dos primeiros estudiosos a enfrentar esse tormentoso tema foi o sempre lembrado Rui Barbosa, que, analisando a Constituição de 1891, distinguiu ‘as disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder. Aquelas instituem os direitos, estas as garantias; ocorrendo não raro juntar-se, na mesma disposição constitucional, ou legal, a fixação da garantia, com a declaração do direito’.”(LENZA, 2010. p. 741).

E na sequência conclui, em sua própria letra:

“Assim, os direitos são bens e vantagens prescritos na norma constitucional, enquanto as garantias são os instrumentos através dos quais se assegura o exercício dos aludidos direitos (preventivamente) ou prontamente os repara, caso violados.”(LENZA, 2010, p. 741).

Não obstante a diferenciação existente entre direito e garantia

constitucionais, ambos possuem os mesmos efeitos, dos quais se passa a dissertar

a seguir. O Direito como ciência busca no passado a base para positivar no

presente. Isto porque os fatos devem ocorrer para que se saiba por qual caminho se

deve seguir em matéria de legislação, privando e vedando; ou possibilitando e

permitindo.

A Constituição Federal de 1988 é ícone de uma evolução histórica, em que a

democracia teve de ser reinventada, resgatada, reconstruída. Se o atual ponto de

partida positivo2 brasileiro é fonte de direitos e garantias, é porque se contrapõe ao

momento ditatorial que o antecedeu.

2 Stricto sensu.

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No entanto, se o povo brasileiro, na figura do legislador, aprendeu com os

erros do passado e quis dar novos rumos ao cenário nacional como um todo, não

implica novos momentos de igual turbulência não voltarão a ocorrer. Isto porque a

história é cíclica, ou, como defendem alguns, pendular. Neste contexto é que se

pode melhor compreender a característica histórica dos direitos e das garantias

constitucionais.

Consideremos o que ensina o professor PINHO:

“Para os autores que não aceitam uma concepção jusnaturalista, de direitos inerentes à condição humana, decorrentes de uma ordem superior, os direitos fundamentais são produtos da evolução histórica. Surgem das contradições existentes no seio de uma determinada sociedade.”(PINHO, 2011, p. 103).

Logo após a visão histórica acerca dos direitos e das garantias

constitucionalmente inseridas em nosso ordenamento jurídico, considera-se a

característica universal deles inerente. Nossa norma fundamental (KELSEN, 2005,

p. 168-174), nascida em 1988, não permite a distinção entre seres humanos.

Somos todos testemunhas disto, eis que presenciamos o momento em que

arquivou-se o Código Civil de 1916, iniciando-se a vigência do Novo Código Civil,

em 2002, renovando-se principalmente as normas relativas ao direito de família e ao

direito das sucessões. Quando, hoje, fala-se em descendentes, não há quem faça a

distinção, para fins de herança, de adotivos e naturais.

Não só neste âmbito é que se insere tal comentário, posto que norma

constitucional abrangente a todos os campos da ciência do direito, e das correlatas

sociologia e antropologia, quando se trata da vedação constitucional ao racismo,

conforme a interpretação do artigo 5º, em seu inciso inaugural, bem como no inciso

XLII.

Reproduz-se:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

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I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

(...)

XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;”

Sobre o tema, a brevidade de LENZA:

“destinam-se3, de modo indiscriminado, a todos os seres

humanos.”(LENZA, 2010, p. 742).

Ainda, há a característica da irrenunciabilidade, não podendo o indivíduo

detentor de direitos e de garantias constitucionais a eles renunciar, suplicando de si

exclusão à sociedade democrática em que está inserto. Vale lembrar que, além

destes institutos atingirem a todos, confere-lhes deveres, não se podendo dizer ter

renunciado aos direitos concedidos e, por tanto, não ter de cumprir a lei.

Isto porque democracia prevê a ideia de liberdade e, muito embora o

conceito dê noção de infinitas possibilidades, deve-se atentar para o fato de que

esta liberdade está inserta em um modelo de sociedade que não permite que a

liberdade, por assim dizer, de certo indivíduo invada o campo da liberdade de

outrem.

Relembramos os ensinamentos de KELSEN, que já na década de quarenta,

estudava os conflitos inerentes de uma ideia precipitada do conceito muito amplo de

liberdade, em “Teoria Geral do Direito e do Estado”:

“A ideia de liberdade tem originalmente uma significação puramente negativa. Ela significa a ausência de qualquer compromisso, de qualquer autoridade obrigatória. Sociedade, no entanto, significa ordem, e ordem significa compromissos. O Estado é uma ordem social por meio da qual indivíduos são obrigados a certa conduta. No sentido original de liberdade, só é livre quem vive fora da sociedade e do Estado. A liberdade, no sentido original, só pode ser encontrada naquele ‘estado natural’ que a teoria do Direito natural do século XVIII contrastava com o ‘estado social’. Tal liberdade é a anarquia. Portanto, para fornecer o critério de acordo com o qual são distinguidos diferentes tipos de Estado, a ideia de liberdade deve assumir outra conotação, que a original, negativa. A liberdade natural transforma-se em liberdade política. Essa metamorfose da ideia de

3 O autor se refere, neste trecho, aos direitos e garantias constitucionais.

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liberdade é da maior importância para todo o nosso pensamento político.”(KELSEN, 2005, p. 407).

Todos os direitos e todas as garantias elencadas na Constituição Federal

são concorrentes, ou seja, são aplicados de forma concomitante e cumulativa, sem

sofrer penalidade ou temer nulidade.

Por fim, trata-se de característica importante para este estudo, a

limitabilidade. Muito embora tanto as garantias como os direitos estejam elencados

no artigo 5º da Lei Suprema, considerada pelos constitucionalistas como cláusula

pétrea, ou seja, impassível de alteração ou mitigação, podem eles sofrer limitações.

Consultemos a letra de PINHO:

“Determinadas matérias não podem ser objeto de modificação. São as denominadas cláusulas pétreas, o cerne fixo da Constituição, a parte imutável do texto constitucional.”(PINHO, 2011. p. 42-43).

As limitações que citamos acima tratam-se de aplicações dos direitos e

garantias constitucionais no caso concreto, quando estabelecido conflito de

interesses em que o que está em jogo é o conceito errôneo de liberdade que vimos

anteriormente, ou, importante ressaltar, nos casos em que se confronta a realidade

fática com a segurança jurídica.

Da pesquisa realizada, extrai-se o seguinte texto:

“os direitos fundamentais não são absolutos (relatividade), havendo, muitas vezes, no caso concreto, confronto, conflito de interesses. A solução ou vem discriminada na própria Constituição (ex.: direito de propriedade versus desapropriação), ou caberá ao intérprete, ou magistrado, no caso concreto, decidir qual direito deverá prevalecer, levando em consideração a regra da máxima observância dos direitos fundamentais envolvidos, conjugando-a com a sua mínima restrição;”(LENZA, 2010, p. 742).

Observemos, por exemplo, o caso da liberdade de expressão. Cada

indivíduo que viva sob o véu imaginário da Constituição Federal, portador, portanto

de direitos, garantias e deveres, deve portar-se de acordo com as leis pátrias. Este

cidadão tem-lhe assegurado pela Lei Maior e pelos instrumentos dela advindos o

direito de expressar sua opinião de forma livre e desvinculada de qualquer sanção,

desde que não atinja direito alheio.

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Tivesse a frase se encerrado em “sanção”, teríamos não só uma visão

deturpada de liberdade, como também concretizado o suicídio estatal, a renúncia do

Estado ao Poder Judiciário, vez que qualquer pessoa poderia promover sua defesa

ou procurar seus objetivos por sua própria voz. O que aparece após a vírgula,

reproduz-se: “desde que não atinja direito alheio”, é a garantia de que a liberdade de

expressão não pode ultrapassar os limites do razoável e atingir, por amor ao

exemplo, o direito de outro indivíduo de não ser segregado devido a sua etnia,

classe social ou crença.

Prova disto é que racismo é considerado crime já na norma fundamental, e

tipificado em lei infraconstitucional, bem como o Código Penal traz em seu bojo os

crimes de injúria, calúnia e difamação, provenientes do mau uso da propriedade da

fala.

Trata-se deste assunto como pilar para o próximo tópico, mais próximo do

estudo base deste trabalho.

2 A MITIGAÇÃO DA SEGURANÇA JURÍDICA QUANDO CONFRONTADA COM O

PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.

Como pudemos perceber anteriormente, os direitos e as garantias

constitucionais são universais, irrenunciáveis, históricos, concorrentes e,

principalmente, limitáveis. Discursamos acerca da limitabilidade destes direitos

quando da má utilização dos mesmos institutos, configurando-se verdadeiro

exemplo da desvirtuação da noção de liberdade da qual tratava Hans Kelsen já nos

meados do século XX.

Embarcamos agora na relativização dos conceitos contidos nas cláusulas

pétreas constitucionais – em que a Constituição Federal dobra-se sobre si mesma,

impedindo a exclusão destes, mas permitindo a análise no caso concreto – quando

do confronto com o princípio da dignidade da pessoa humana. Tal matriz

constitucional encontra-se no artigo inaugural, inciso III, da lei das leis, que se

reproduz adiante:

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“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III - a dignidade da pessoa humana;”

O legislador imbuído do poder constituinte originário deixou para o doutrinador

a tarefa de conceituar dignidade da pessoa humana. Após a leitura de inúmeras

formas de se conceituar o princípio, tem-se que, por ser de caráter sociológico,

antropológico e até mesmo histórico, a identificação do instituto é completamente

dependente do contexto em que se lhe insere.

No conteúdo deste estudo, preza-se pela primazia da realidade fática, real,

em detrimento da segurança jurídica, nos casos de investigação de paternidade, de

modo que o conceito do princípio dar-se-ia, da melhor forma, nas palavras de

Machado de Assis, conjugado com frase de Maria Christina de Almeida, ambos os

textos extraídos de seu livro “DNA e Estado de Filiação à luz da Dignidade Humana”,

como avante se vê:

“Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro; as duas completam o homem, que é, metafisicamente falando, uma laranja. Quem perde uma das metades, perde naturalmente metade da existência; e casos há, não raros, em que a perda da alma exterior implica a da existência inteira. ” (ASSIS apud ALMEIDA, 2003).

“Do desejo de conhecer o pai decorre o direito de ser reconhecido filho. ” (ALMEIDA, 2003, p. 17).

O que se pleiteia na ação de investigação de paternidade, além dos frios

contornos patrimoniais, é a respeitabilidade de se ter o título de filho de alguém. Por

muitas vezes o fato de que, em seu documento de identificação pessoal, não conste

o nome do pai é motivo de vergonha e de tristeza.

É vital para o indivíduo saber-se de onde se veio, qual é sua origem. Há

estudos que apontam, até mesmo, para certo determinismo, em que o ambiente

molda o homem. Nesta esteira, sendo o cenário em que está inserido o indivíduo

ponto determinante para seu desenvolvimento desta ou daquela maneira, conclui-se

que um ambiente mais amistoso e menos conturbado fará com que o homem tenha

percepções mais agradáveis do que se passa à sua volta e tenda a possuir menos

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problemas e conflitos ao passar dos anos e ao se deparar com as mais variadas

situações longe do local de seu convívio diário.

Compreenda-se de melhor forma pela expert ALMEIDA:

“O ser humano, como entidade biopsíquica, é complementado pelos fatores advindos do ambiente familiar, social e cultural em que está inserido.

(...)

No seu contínuo relacionamento com outros seres humanos, o homem vive uma permanente troca de experiências. Trata-se de um processo dinâmico, que tem como consequência revelar a influência do meio sobre o ser humano, desencadeando mudanças estruturais que acontecem ao longo de sua vida, em uma história de sobrevida que necessariamente se realiza na congruência do ser e o meio, até que este ser morre, porque tal congruência se perde.

Aliada a Biologia ao fenômeno social, se são recorrentes as interferências entre os seres humanos, o resultado é a existência de um fenômeno social que se estabelece espontaneamente em diversas circunstâncias, que podem ser descritas como o prazer da companhia, a afetividade, a solidariedade, o amor, a amizade, o conhecimento e o crescimento pela troca de experiências.

Quer-se dizer com isso que a ontologia humana é, também, social.

Uma criança, quando nasce, tem a predisposição para incorporar as rotinas que advêm do intercâmbio social a que está submetida, desde o primeiro dia de sua existência. ” (ALMEIDA, 2003, p. 31).

Compulsando-se os conhecimentos da autora, verifica-se a importância da

figura paterna na família e no desenvolvimento saudável tanto físico quanto mental

do indivíduo. Foi pensando nisso que o legislador pátrio, imbuído de sabedoria sem

igual, tratou de garantir, constitucionalmente e por meio de cláusula pétrea, a

dignidade da pessoa humana. Não bastante, reiterou seu sentimento humanista e

sociológico quando, ao redigir o artigo 226, da Constituição Federal, protegeu

também a figura da família e, em seu parágrafo 8º, cada um de seus integrantes.

Visualize-se:

“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. ”

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Há, portanto, quando prova inequívoca da existência de laços genéticos entre

as partes de ação de investigação de paternidade surge, superveniente à sentença

que julgou improcedente o mérito do pedido, um conflito direto de princípios e

garantias. De um lado figura a coisa julgada, revestida pelo manto intransponível da

segurança jurídica, e de outro a realidade fática, a verdade real, imbuída do desejo

de se fazer valer, independente do já julgado, à luz da dignidade da pessoa humana.

Parece evidente que o conflito deve ser vencido pela segunda parte, a da

verdade dos fatos, do mundo exterior ao processo, vez que a humanidade e a

respeitabilidade da condição humana são princípios maiores do que qualquer

pilastra processualista. A segurança jurídica, nestes casos, deve ser mitigada para

que se fortaleça a relação familiar, também assegurada constitucionalmente, não se

devendo analisar as decorrências da decisão que possibilite a reabertura da lide e

repropositura da ação, sob pena de adentrar-se em discussão que se arrastaria ad

eternum, deixando desamparadas as partes interessadas, e se perdendo o objeto da

ação e do direito, lato sensu.

3 DA RESPONSABILIDADE ESTATAL OBJETIVA DECORRENTE DE ERRO

JUDICIÁRIO

Tendo-se concluído que é possível a mitigação da coisa julgada material,

tenta-se vislumbrar seus efeitos, suas consequências patrimoniais e o dever do

Estado como responsável objetivo pelos erros cometidos pelo Poder Judiciário.

Novamente se busca apoio nos braços da norma fundamental, que é o chão

abaixo dos pilares da Democracia, para basear também o presente discurso. Tem-

se em seu artigo 5º, inciso LXXV4 o reconhecimento da responsabilidade estatal no

caso de erros judiciários. Perceba-se, in verbis:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LXXV - o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença; ”

4 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

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Retornando ao início deste capítulo, retoma-se o inciso LXXV, do artigo 5º,

da Constituição Federal, que responsabiliza o Estado, objetivamente, quanto aos

erros cometidos pelo Judiciário. Vejamos os requisitos contidos naquela norma

constitucional. Diz a regra “o Estado indenizará o condenado por erro judiciário”, ou

seja, há dois requisitos objetivos: a) de que tenha havido erro judiciário; e b) de que

a parte tenha sido condenada.

A sentença que julga procedente pedido do autor de ação investigatória de

paternidade, sem ser o réu pai deste, condena o requerido ao pagamento de pensão

alimentícia, bem como o condena à impossibilidade de dispor em testamento quanto

aos bens necessários ao novo herdeiro.

Ao passo que a sentença que julga improcedente o pedido do autor, nos

mesmos moldes, sendo o réu pai deste, condena o autor ao não recebimento da

parte da herança que lhe cabe, bem como todas as questões inerentes ao princípio

da dignidade da pessoa humana, já amplamente discutidos anteriormente.

Nesta esteira, há que se falar em responsabilidade objetiva e constitucional

do Estado quanto ao erro cometido pelo Poder Judiciário, devendo indenizar o

herdeiro legítimo e necessário na medida da herança não recebida, por ter sido já

neste momento realizada a partilha e negociados os bens pelos demais herdeiros de

boa-fé.

Esta interpretação extensiva do dispositivo legal leva em conta, ainda, o fato

de que, quando não há herdeiros de qualquer classe e grau, a herança é

considerada jacente, posteriormente vacante e, não havendo herdeiros habilitados, é

convertida a patrimônio do Estado. Desta maneira, é perfeitamente compreensível

que o inverso também ocorra, ainda com maior exigência, quando há erro do próprio

Estado na apreciação do mérito na lide que lhe foi terceirizada pelas partes.

Neste sentido, PESTANA:

“A doutrina e a jurisprudência maciçamente entendem que a responsabilidade do Estado por danos causados a terceiros é a do tipo objetivo, ou seja, decorrente da teoria do risco administrativo, que divisa o risco que a atividade pública gera para os administrados e na possibilidade de acarretar dano a certos membros da comunidade, impondo-lhes um ônus não suportado pelos demais.”(PESTANA, 2008, p. 512).

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Faz-se aqui, também, uma analogia com o instituto da desapropriação.

Quando o Estado possui interesse em alguma propriedade, pertencente a particular,

sob a ótica do interesse público, tem o poder de desapropriá-la, indenizando ao

proprietário do local a quantia equivalente ao valor do terreno. Da mesma forma, no

caso acima exposto, por erro judiciário, o Estado destituiu o herdeiro necessário de

sua herança, promovendo-lhe prejuízo, que deve ser sanado por meio de

indenização.

Ainda sobre a responsabilidade objetiva estatal decorrente de erros

judiciários, traz-se à luz o pensamento de PESTANA:

“A responsabilidade extracontratual, à evidência, importa no reparo que o Poder Público deverá prestar ao ofendido pelo dano que voluntária ou involuntariamente praticou. Conceitualmente, portanto, vemos esta modalidade de responsabilidade extracontratual como a obrigação que o Estado tem de reparar os danos causados a terceiros, quer agindo omissiva, quer comissivamente.

(...)

Em princípio, a responsabilização do Estado não se aplica às repercussões decorrentes dos atos estatais praticados pelos Poder Judiciário. Exceções há, contudo, catalogadas no ordenamento jurídico.

A primeira delas, de prestígio constitucional, prevê que o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como aquele que ficar preso além do tempo fixado na sentença (art. 5º, LXXV, sendo, no detalhe, objeto do art. 630 do Código de Processo Penal. Ocorrendo qualquer uma destas hipóteses de evidente injustiça, deverá impor-se a reparação do equívoco incorrido e dos danos que possam ter atingido o prejudicado.”(PESTANA, 2008, p. 509-521).

À procura de ainda maior solidez neste discurso, propõe-se a leitura da

renomada DI PIETRO:

“A jurisprudência brasileira, como regra, não aceita a responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais, o que é lamentável porque podem existir erros flagrantes não só em decisões criminais, em relação às quais a Constituição adotou a tese da responsabilidade, como também nas áreas cível e trabalhista. Pode ocorrer o caso em que o juiz tenha decidido com dolo ou culpa; não haveria como afastar a responsabilidade do Estado. Mas, mesmo em caso de inexistência de culpa ou dolo, poderia incidir essa responsabilidade, se comprovado o erro na decisão.”(DI PIETRO, 2011, p. 664).

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Desta forma, resta incontroverso o entendimento de que o Estado, tendo

comprovadamente incorrido em erro ao julgar a lide, deve indenizar a parte

prejudicada, eis que o simples reparo processual não trará ao lesado a percepção

de Justiça. A questão que se prepara para surgir neste momento é de que modo o

Poder Público deverá suprir a necessidade do terceiro ou da parte prejudicada.

Deve-se discutir se a reparação do dano será puramente material, unicamente

moral, ou ainda, acerca da possibilidade de se haver ambas as formas.

4 DOS CENÁRIOS POSSÍVEIS A PARTIR DAS PARTES E SUAS RESPECTIVAS

FORMAS DE SE BUSCAR O RESSARCIMENTO DO DANO

Quando se trata de relativização da coisa julgada nos casos de investigação

de paternidade, tendo havido equívoco no julgamento da lide e danos patrimoniais à

parte, referentes aos seus direitos sucessórios, vislumbra-se três possíveis cenários,

a partir do momento em que transita em julgado a nova decisão, provendo à parte a

condição de filho do investigado. São eles:

a) o trânsito em julgado da nova decisão ocorre com o investigado ainda em

vida, ou, tendo este falecido, antes da partilha;

b) a relativização da coisa julgada material cível ocorre após a partilha, tendo

os bens do de cujus sido divididos entre os herdeiros, que, de boa-fé, celebraram

diversos negócios jurídicos envolvendo o patrimônio recebido;

c) o novo herdeiro assume essa condição depois de realizada a divisão dos

bens do de cujus, tendo os herdeiros modificado o patrimônio de má-fé.

Considerando estas hipóteses, passa-se a trabalhar com as suas

implicações e as possíveis formas de o novo sucessor buscar o ressarcimento do

dano contra si causado.

Em primeiro lugar, quanto ao cenário “a”, deve-se entender que o dano

causado à parte reside unicamente na esfera moral, eis que a partilha ainda não

ocorreu e ainda se pode habilitar-se como herdeiro, através de ação própria. Neste

caso, o requerente foi lesado quando indeferido seu pedido inicial, impossibilitando-o

de usufruir de seus direitos inerentes à situação de filho do réu. Assim, verifica-se

erro judiciário que lhe causou prejuízos na esfera moral, quanto a sua dignidade.

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No tocante à situação “b”, os bens do de cujus já foram partilhados entre os

herdeiros conhecidos e devidamente habilitados, bem como transferidos a terceiros,

alienados, alugados, cedidos, emprestados, ou seja, encontrando-se indisponíveis

ao novo herdeiro. Tem-se em vista que os negócios jurídicos realizados envolvendo

os bens partilhados foram celebrados de boa-fé, eis que os herdeiros habilitados

desconheciam a existência deste novo herdeiro.

Neste caso, os danos causados pelo Poder Judiciário ao requerente

ultrapassam os limites da imagem, honra ou dignidade, adentrando a esfera

patrimonial. Desta forma, caberia ao lesado buscar em Juízo o ressarcimento do

dano a si causado, a título de indenização por danos morais e patrimoniais. Isto se

os bens pretendidos estivessem disponíveis, ou mesmo no caso de um imóvel estar

alugado, poderia a parte requerer em Juízo a divisão dos proventos obtidos a título

de aluguel.

Como um erro não pode justificar outro jamais, não seria sábio anular os

negócios realizados presumidamente de boa-fé, causando prejuízo aos herdeiros

anteriormente habilitados, bem como aos terceiros que com eles celebraram

contratos. Assim, a coisa julgada relativizar-se-á somente no tocante aos direitos

pessoais do requerente, mas não patrimoniais.

Conclui-se, portanto, que a parte atingida pelo erro judiciário deverá propor

ação de indenização por danos morais, contra o Poder Público, no prazo legal,

alegando danos contra sua dignidade, bem como ressarcimento pela perda do

direito constitucional de receber herança, eis que esta se encontra indisponível.

Acerca desta possibilidade, novamente a letra de MORAES:

“A Constituição Federal prevê o direito de indenização por dano material, moral e à imagem, consagrando ao ofendido a total reparabilidade em virtude dos prejuízos sofridos. A norma pretende a reparação da ordem jurídica lesada, seja por meio de ressarcimento econômico, seja mediante outros meios, por exemplo, o direito de resposta.”(MORAES, 2007, p. 258).

Objetivando-se obter completa compreensão acerca do assunto, agora se

relaciona a hipótese tratada com caso julgado pelo Egrégio Tribunal de Justiça do

Estado do Rio Grande do Sul, que determinou o pagamento de indenização a título

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de danos morais, pelo apelado, ao apelante, em face da configuração da perda da

chance de um direito. Traz-se a ementa do julgado:

“Ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DO TRABALHO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. CULPA COMPROVADA. DEVER DE INDENIZAR. PERDA DE UMA CHANCE. DANO MATERIAL. DANO MORAL. QUANTUM. I - Compete ao julgador determinar a produção das provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias. Inteligência do art. 130 do CPC. II - Para a configuração da responsabilidade do empregador, é necessária a presença dos pressupostos da obrigação de indenizar, previstos no art. 186 e 927 do Código Civil, a saber, a conduta ilícita, o dano e o nexo de causalidade. Ainda de acordo com o disposto no art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal, a responsabilidade do empregador é subjetiva, sendo necessária a comprovação da existência de dolo ou culpa para a ocorrência do evento. A prova dos autos comprovou a culpa do demandando, pois não forneceu as orientações com relação à forma adequada para a execução das tarefas laborativas. Além disso, inexistiu fiscalização das condições de trabalho dos funcionários, bem como não foi disponibilizado o maquinário necessário para a realização da tarefa que estava sendo feita no dia do acidente sofrido pelo autor - levantamento de canos de cimento para esgoto. III - Dano material consistente na perda de uma chance configurado. Hipótese na qual o demandante, em decorrência do acidente, restou impedido de participar de prova prática relativa a concurso em que já havia sido aprovado na fase escrita. Logo, demonstrada a real perda de uma oportunidade que possibilitaria ao autor obter um trabalho melhor. Indenização fixada segundo critérios de razoabilidade a fim de reparar a impossibilidade de o demandante permanecer na disputa por um cargo municipal. IV - Os transtornos sofridos pelo demandante, a aflição e o desequilíbrio em seu bem-estar, fugiram à normalidade e se constituíram como agressão à sua dignidade. V - Fixação do montante indenizatório a título de dano moral considerando o equívoco do réu, o aborrecimento e o transtorno sofridos pelo demandante, além do caráter punitivo-compensatório da reparação. VI - É ônus do autor demonstrar o efetivo prejuízo advindo dos gastos com o seu tratamento médico. Dano material que não se presume. VII - Pensionamento indevido, pois não provada a incapacidade do demandante para o exercício de atividades laborativas, tampouco a redução de sua capacidade para o trabalho. AGRAVO RETIDO DESPROVIDO. APELAÇÃO CÍVEL PARCIALMENTE PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70038949921, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,

Relator: Túlio de Oliveira Martins, Julgado em 07/02/2013)”5

5 BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Indenização subjetiva decorrente da perda da chance de um direito. Disponível em: <http://google7.tjrs.jus.br/search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_comarca%3D700%26num_processo_mask%3D70038949921%26num_processo%3D70038949921%26codEmenta%3D5157121+perda+de+chance+indeniza%C3%A7%C3%A3o&site=ementario&client=buscaTJ&access=p&ie=UTF-8&proxystylesheet=buscaTJ&output=xml_no_dtd&oe=UTF-8&numProc=70038949921&comarca=Comarca+de+Candel%E1ria&dtJulg=07-02-2013&relator=T%FAlio+de+Oliveira+Martins>. Acesso em: 22 de abril de 2013.

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Deste julgado se abstrai a possibilidade, no ordenamento jurídico em que

está inserido, da indenização por danos morais baseado na perda de uma chance,

ou de um direito. Desta forma é que se procede, tendo em vista a impossibilidade de

se prever o valor exato dos proventos que poderiam ser obtidos pelo lesado,

prejudicando a indenização por danos materiais. Ainda, o dano moral nasce da

inocorrência do direito esperado, ou seja, pela frustração da expectativa do

prejudicado. A indenização, olhos postos no fundamento da referida decisão,

cumpre o dever de suprir a expectativa de direito do postulante, bem como de

sancionar o causador do dano.

Por fim, vê-se diante da situação “c”. Este é um caso peculiar, em que se

depara com a comprovação de que, quando os contratos entre os herdeiros

habilitados e os terceiros interessados foram celebrados, incorreu-se em má-fé. A

título de exemplo, cita-se a hipótese de os bens terem sido alienados após a

propositura da ação, pelo postulante a novo herdeiro, tendo sido devidamente

notificados os demais sucessores do de cujus quanto à possibilidade de redivisão

dos bens herdados. Em uma situação como esta, os negócios jurídicos são

anuláveis, desde que devidamente comprovado o vício, e postulado pela parte

interessada, no prazo legal.

Nesta esteira, o novo herdeiro poderá propor ação indenizatória contra o

Poder Público, dentro do prazo prescricional, pelos danos morais que lhe foram

causados pela desídia estatal na constância da prestação jurisdicional, bem como

ação anulatória dos negócios jurídicos realizados pelos demais herdeiros, ou ação

reparatória, se for o caso, com relação aos bens partilhados. Isto sem prejuízo de

eventuais ações criminais contra os celebrantes dos contratos realizados de má-fé.

5 DA RESPONSABILIDADE ESTATAL ANALISADA A PARTIR DA ORIGEM DO

ERRO JUDICIÁRIO

Verificou-se no título anterior que há novas linhas doutrinárias que

possibilitam a inversão do rumo dos ventos do Direito Administrativo concatenado

com o Direito Sucessório e Processual Civil, eis que o Estado deixa de possuir base

para se eximir da responsabilidade que advém do monopólio da prestação

jurisdicional.

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Neste sentido, o mestre sempre assertivo VENOSA:

“Quanto aos atos do Poder Judiciário, prevaleceu durante muito tempo a opinião mais tradicional pela qual o Estado não é responsável pelos atos jurisdicionais, sob a égide da independência dos Poderes, posição que hoje se acha superada por várias vozes que se levantam contra essa posição dogmática. Essa orientação baseava-se no fato de que, se o Executivo não pode interferir nas decisões judiciais, não pode também responder por tais atos. Essa irresponsabilidade resultaria do fato de se tratar o Judiciário de um poder soberano. No entanto, o Estado deve ser responsabilizado pela falha dos serviços judiciários, por aplicação da teoria da falta do serviço, de origem francesa. Se o Estado falha em não fornecer Justiça, retardando ou suprimindo as decisões por desídia de servidores em geral, juízes inclusive, greves ou mazelas do aparelhamento, aplica-se a responsabilidade do Estado em sentido lato. Além do fato de o termo soberania ser equívoco, sem exata precisão em qualquer contexto, o Judiciário não pode ser considerado um superpoder, colocado sobre os outros.”(VENOSA, 2012, p. 103-104).

Havendo-se verificado a possibilidade de o Estado ser responsabilizado por

seus atos quando julgando as lides que lhe são propostas, denota-se que, nos casos

de relativização da coisa julgada material civil em casos de investigação de

paternidade, por ter havido erro judiciário modificativo da sucessão, deve o

interessado – o lesado – propor ação contra o Poder Público, requerendo

ressarcimento unicamente no âmbito moral. Os prejuízos materiais devem ser

requeridos ante aos demais herdeiros, quando tiverem agido de má-fé.

Não se deve olvidar, porém, que, havendo o juiz que proferiu decisão

posteriormente verificada equívoca incidido em dolo ou culpa, deverá ser instaurado

procedimento administrativo, sem prejuízo de eventual ação criminal. O próprio

Estado, se demandado pelo prejudicado, poderá propor ação de regresso contra o

agente que proferiu a decisão permeada por error in judicando6.

Sobre o tema, MORAES:

“O §6º do artigo 37 da Constituição Federal assegura às pessoas jurídicas de direito público e às de direito privado prestadoras de serviços públicos o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”(MORAES, 2007, p. 254).

6 Do latim: “erro ao julgar”.

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Muito embora já se tenha absorvido a ideia discutida acima, por amor ao

tema, cita-se o célebre doutrinador VENOSA:

“Sob outra esfera, o juiz pode responder pessoal, civil e criminalmente por dolo ou fraude, ou quando omite, retarda ou recusa, injustificadamente, providências que deva ordenar de ofício ou a requerimento da parte (art. 133 do CPC).

(...)

Há todo um sistema recursal, aliás criticado por ser excessivo, que visa minimizar os eventuais danos injustos da sentença judicial. Nas hipóteses de dolo ou fraude do juiz, contudo, sustenta-se por tradição que não há responsabilidade do Estado, o que não é real. Sempre é possível e muito mais conveniente que o Estado seja acionado e este, se for o caso, acionará regressivamente o magistrado.”(VENOSA, 2012, p. 104-105).

Nestes termos, vislumbram-se alguns cenários possíveis, percebidos por

uma análise do erro judiciário a partir da perspectiva da origem do equívoco. A

discussão até o atual momento já demonstrou a possibilidade de se responsabilizar

objetivamente o Estado pelos danos causados por decisão incongruente com a

realidade material, bem como de o Estado garantir a reparação do erário ao propor

ação de regresso contra o magistrado que agiu com dolo ou culpa quando da origem

do erro. O que se pretende agora é analisar a hipótese de o juiz dividir a culpa com

outros agentes causadores do equívoco.

A título de exemplo, traz-se à discussão três casos hipotéticos. São eles:

a) o juiz decide erroneamente a partir de laudo pericial igualmente

equivocado;

b) o advogado da parte autora perde a oportunidade de produzir a prova,

vendo tal direito revestir-se pelo instituto da preclusão, e devendo o juiz determinar a

produção da prova de ofício, não o faz, decidindo, por fim, de forma equivocada;

c) o exame genético era, ao tempo da decisão, impossível de ser realizado,

de forma que o juiz não vê outra possibilidade que não o julgamento da ação com

base na verdade formal.

Na primeira hipótese, considerando o já exaustivamente explanado nas

páginas imediatamente anteriores, não há qualquer dificuldade em se perceber que

o perito que produziu o laudo que não condiz com a verdade será responsável. Isto

se houver agido com dolo ou culpa, eis que sua responsabilidade é do tipo subjetivo.

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O juiz, neste caso, ficaria isento de qualquer responsabilidade, uma vez que decidiu

pensando ser o documento verdadeiro.

No entanto, comprovada a culpa ou dolo também do juiz, haverá entre os

dois divisão de responsabilidade pelos danos decorrentes da decisão, sem prejuízo

dos procedimentos criminais e administrativos cabíveis. Por fim, havendo ambos os

agentes do Estado agido sem intenção ou culpa, a indenização caberia unicamente

à Administração Pública, eis que responde objetivamente, ou seja, independente de

culpa.

Demonstra-se o apoio doutrinário pela letra de ALEXANDRINO e PAULO:

“As infrações cometidas pelo servidor público acarretam, para ele, conforme o caso, responsabilização nas esferas administrativa (penalidades disciplinares), civil (reparação de danos patrimoniais) e criminal (sanções penais).

A responsabilidade civil dos agentes públicos é do tipo subjetiva, por culpa comum, isto é, eles só respondem pelos danos que causarem se o Estado provar que houve culpa ou dolo (intenção) do servidor. A ação do Estado contra o agente público é denominada ação regressiva.”(ALEXANDRINO, 2009, p. 393).

Sanada esta primeira hipótese, passa-se à análise do cenário “b”. Neste

caso, o advogado da parte requerente, que deixa passar o prazo para postular pela

produção da prova pericial, não poderá ser responsabilizado pelos prejuízos

originados pelo erro judicial. Assim ocorre pelo fato de, nos casos de investigação de

paternidade, por exemplo, em que a prova pericial é imprescindível para o devido

julgamento do mérito, obtendo-se maior proximidade à verdade material, é dever do

juiz, se silente a parte, ordenar a produção de tal laudo.

Este entendimento se depreende da palavra do mestre italiano

CHIOVENDA:

“São deveres fundamentais do juiz perante as partes: (...) c) o dever de realizar, se legalmente requerido ou ainda de ofício, quando o imponha a lei, tudo quanto lhe for necessário para habilitar-se a julgar. ” (CHIOVENDA, 2009, p. 891).

Busca-se também no Direito brasileiro base para o acima dissertado, e traz-

se o dispositivo do artigo 130, do Código de Processo Civil:

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“Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias. ”

Assim, entende-se que na situação apresentada somente será responsável

o Estado, eis que o agente que proferiu a decisão estava no exercício de suas

funções jurisdicionais. Isto, a menos que, novamente, tenha o magistrado agido com

culpa ou dolo, caso em que será responsabilizado subjetivamente.

Por fim, a situação “c” se apresenta. Aqui, à primeira vista, pensa-se tratar

de erro escusável do Estado, ao passo que, não tendo previsibilidade de um método

mais assertivo para o julgamento, passa a decidir com base na verdade formal,

procurando dar às partes resposta para o litígio. Pensando desta forma, poderia se

iniciar um pensamento no sentido de que se trata de um caso permeado pelo caso

fortuito, excludente da responsabilidade objetiva estatal, portanto impossível de se

requerer a indenização a título de danos morais ou materiais em face da Fazenda

Pública.

Por caso fortuito, adota-se o conceito de ALEXANDRINO e PAULO,

iluminados por DI PIETRO e BANDEIRA DE MELLO:

“Adotamos as definições de Maria Sylvia Di Pietro e de Celso Antônio Bandeira de Mello. Infere-se das lições desses insignes publicistas que temos uma situação de força maior quando estamos diante de um evento externo, estranho a qualquer atuação da Administração, que, além disso, deve ser imprevisível ou inevitável. Portanto, tanto seria evento de força maior um furacão, um terremoto, como também uma guerra, uma revolta popular incontrolável.

Diversamente, o caso fortuito seria sempre um evento interno, ou seja, decorrente de uma atuação da Administração. O resultado dessa atuação é que seria inteiramente anômalo, tecnicamente inexplicável e imprevisível. Assim, na hipótese de caso fortuito, todas as normas técnicas, todos os cuidados relativos à segurança, todas as providências exigidas para a obtenção de um determinado resultado foram adotadas, mas, não obstante isso, inexplicavelmente, o resultado ocorre de forma diversa do que a prevista e previsível.”(ALEXANDRINO, 2009, p. 721-722).

De outra banda, reflexão mais aprofundada mostra a inverdade no

pensamento de que o caso fortuito possa excluir a responsabilidade estatal. Quando

o Estado proíbe a autotutela dos indivíduos e concentra no Poder Judiciário o

julgamento de toda e qualquer lide que surja no ordenamento jurídico, passa a

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aceitar o risco que possa advir de eventual error in judicando. Desta forma, está-se

diante da Teoria do Risco Administrativo.

Sobre o tema, esclarece GASPARINI:

“Por essa teoria, a obrigação de o Estado indenizar o dano surge, tão só, do ato lesivo de que ele, Estado, foi o causador. Não se exige a culpa do agente público nem a culpa do serviço. É suficiente a prova da lesão e de que esta foi causada pelo Estado. A culpa é inferida do fato lesivo, ou, vale dizer, decorrente do risco que a atividade pública gera para os administrados. Esse rigor é suavizado mediante a prova, feita pela Administração Pública, de que a vítima concorreu, parcial ou totalmente, para o evento danoso, ou de que este não teve origem em um comportamento do Estado (foi causado por um particular).”(GASPARINI, 2011, p. 1106).

Também dissertam acerca da Teoria do Risco Administrativo os autores

ALEXANDRINO e PAULO:

“Pela Teoria do Risco Administrativo surge a obrigação econômica de reparar o dano sofrido injustamente pelo particular, independentemente da existência de falta de serviço e muito menos de culpa do agente público. Basta que exista o dano, sem que para ele tenha concorrido o particular.

Resumidamente, existindo o fato do serviço e o nexo direto de causalidade entre o fato e o dano ocorrido, presume-se a culpa da Administração.”(ALEXANDRINO, 2009, p. 711).

No caso analisado, o dano causado à parte é decorrente de uma decisão

judicial, ou seja, uma ação da Administração Pública no exercício de sua função

jurisdicional, uma atuação do Estado. Deste modo, não se pode falar em excludente

de responsabilidade por caso fortuito7, eis que não há rompimento do nexo causal

entre a ação estatal e o prejuízo sofrido pelo particular.

Apoio a este entendimento existe na doutrina:

“Nesses casos, de responsabilidade objetiva por atuação do Estado, não se há de verificar se o dano ocasionado decorreu de atuação escusável ou não. Somente se o dano não decorreu efetivamente da atuação, ou seja, se não existe o nexo causal entre uma atuação da Administração e a lesão ocorrida, é que ficará afastada a responsabilidade civil objetiva.

(...)

7 Neste cenário o caso fortuito é a impossibilidade de se realizar exame genético na época da

sentença.

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Muito diferentes são as consequências das situações de caso fortuito. Nessas, o dano decorre diretamente de atuação da Administração. Embora o evento danoso resulte de situação em que inexiste qualquer culpa da Administração, conquanto o ocorrido fosse inteiramente imprevisível e se deva a fatores anômalos inevitáveis, tornando a falha plenamente escusável, o certo é que o dano decorreu de uma atuação da Administração. Portanto, como existe o dano e o nexo causal, e como se trata de responsabilidade por atuação (conduta comissiva) da Administração, portanto objetiva, sem que se cogite de qualquer culpa do particular que sofreu o dano, não há possibilidade de considerar como excludente o caso fortuito.”(ALEXANDRINO, 2009, P. 722-723).

Seguindo esta inteligência, verifica-se que, na última hipótese apresentada,

o Estado permanece responsável pelo dano causado à parte, eis que, muito embora

o exame genético não pudesse ser realizado na época da sentença proferida de

forma errônea, o prejuízo sofrido pelo particular possui vínculo direto com uma ação

da Administração Pública. Sendo conduta comissiva, atuação do Poder Público,

inexiste a possibilidade de se analisar o caso fortuito como excludente da

responsabilidade objetiva estatal, diferente do que ocorre com a força maior.

Ora, percebe-se que os estudiosos do Direito finalmente caminham por uma

trilha mais iluminada, permeada pelo ideal de Justiça e desenlaçada de política e

politicagem. O Estado deve, como qualquer pessoa física ou jurídica, responder

pelos atos seus ou de seus agentes, quando no cumprimento das funções por si

exercidas. Isto porque se trata da própria nascente dos princípios que fundaram a

ideia de responsabilidade civil.

A simples correção da decisão erroneamente proferida, relativizando-se a

coisa julgada, não basta para que a parte se resigne, seja ressarcida, tampouco que

torne a crer na prestação jurisdicional única do Estado. O expert VENOSA esclarece

ainda mais o tema:

“A justiça muito rápida corre o risco de ser injusta; mas a justiça tardia é sempre injusta: o devedor e seus bens desaparecem; a parte chega à velhice sem o reconhecimento definitivo de seu direito; desaparecem os vestígios do processo; a população descrê da justiça e do magistrado. Não é justa a decisão que tarda de oito a doze anos para atingir uma decisão final, da qual não caiba mais recurso, como ocorre com processos no Estado de São Paulo, não sendo muito diferente em outras regiões do País. Não se nega que existe gravame, inclusive elevado dano moral nesse retardamento da Justiça que por muitas vezes equivale à sua própria negação.”(VENOSA, 2002, p. 108).

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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É necessário, portanto, que à parte seja concedida indenização que busque

não só o ressarcimento patrimonial ou o preenchimento do vácuo moral deixado pelo

dano causado pelo Estado, mas também para que se renove a crença nas

Instituições Democráticas como um todo.

Lembra-se, como se fosse possível que se tivesse sido esquecido, que o

Judiciário é apenas mais uma invenção humana, operado por homens, portanto

suscetível a erros, o que é aceitável. Ao que não se deve resignar, porém, é a

impunidade estatal quanto aos equívocos por si cometidos e à desídia de seus

agentes, no exercício de suas funções. Não sendo responsabilizado aquele cuja

ação importou dano a outrem, não há Justiça, e se percebe a verdade nas palavras

de LASSALE, quando afirma ser a Constituição “um mero pedaço de papel”.(LENZA,

2010, p. 65).

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisando-se sistematicamente a ciência do Direito, percebe-se que não

cabe ao Poder Judiciário conceder a cada cidadão que busca a função jurisdicional

do Estado – vez que despojado de seu anterior direito de autotutela – Justiça. Isto

porque cada indivíduo possui noção singular do que seria este conceito. O que deve,

portanto, a Administração Pública, na figura de seus agentes, é julgar as lides a si

propostas procurando cumprir a Lei.

Por mais óbvio que pareça, a legislação é que deve dirigir os rumos das

decisões tomadas no bojo do ordenamento jurídico em que estão inseridas, visto

que é fruto de anos de estudos daqueles que possuem conhecimento suficiente para

decidir o que é, ou não vem a ser, justo. Por outro lado, deve-se atentar para o fato

de que o Direito, como toda ciência, é o espelho do contexto histórico em que está

inserido, encontrando-se em incessante evolução.

O legislador não pode descrever no texto legal situações presentes fáticas

concretas, com todas as suas peculiaridades, muito menos antever hipóteses

futuras, tentando contemplá-las todas nos dispositivos que redige. Isto posto, é

dever dos estudiosos do Direito, quando as novas situações se apresentam, analisa-

las e formarem diretrizes para a correta – e justa – evolução também das leis.

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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Símbolo máximo da veracidade do que aqui se discursa é o advento do Novo

Código Civil, documento que versa acerca da maior parte das relações cíveis

pátrias, vigente desde o ano de 2002, momento em que substituiu o antigo Código

Civil de 1916. Ora, muitos institutos que permeavam o âmbito jurídico anteriormente

à vigência do NCC foram extintos, revogados, trocados por conceitos mais

modernos. Esta evolução presenciada no Direito Civil agora se verifica também nos

limiares do Direito Processual Civil.

Nas linhas das páginas anteriores, o estudo proposto inicialmente se

desenvolveu de tal forma a contemplar novas linhas doutrinárias, compelindo o

Processo Civil à aproximação ao Processo Penal. Isto porque, ao se possibilitar, no

âmbito processual civil, mitigar-se o instituto anteriormente tão escudado quanto o

da coisa julgada, admite a doutrina e a jurisprudência que o objetivo não mais é

elucidar as questões propostas com base na verdade dos fatos (seguindo o princípio

de que quod non est in actis non est in mondo), mas sim julgar a lide de forma a

buscar a verdade material.

Este novo pensamento surge da necessidade de, em uma sociedade cada

vez mais acostumada com o texto legal, em que o indivíduo é amplamente ciente de

seus direitos constitucionais, satisfazer o anseio do cidadão pelo real exercício do

que lhe cabe por força de lei. Isto não é dizer que cada pessoa terá o que requerer

em Juízo, mas sim que o indivíduo que realmente, materialmente e legalmente fizer

jus a direito, terá seu exercício assegurado pelo Estado.

Não poderia ser de outra forma, vez que o Poder Público decidiu, no

longínquo ano de 1988, prover seus administrados com direitos civis e liberdades.

De outra banda, deve-se atentar para o fato de que a evolução de uma área do

Direito leva, invariavelmente, a consequências em outro âmbito da ciência jurídica.

Neste caso, as barreiras rompidas pela relativização da coisa julgada material cível

nos casos de investigação de paternidade, ante a prova irrefutável de erro judiciário

prejudicial à parte e causador da perda do exercício de um direito, levam ao

questionamento de quem seria o responsável por indenizar os danos causados e

agora reconhecidos pelo Judiciário.

Verifica-se, frente a tal reflexão, que a referida responsabilidade pode recair

objetivamente sobre o Estado e subjetivamente sobre seus agentes. Esta

constatação implica dizer que também o Direito Administrativo sofre mudanças. A

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teoria de que o Estado jamais erra, baseado no que os franceses costumavam tratar

como “le roi ne peut mal faire”, não pode se fazer valer no contexto histórico atual.

Deve a referida doutrina, obviamente, dar lugar às mais esclarecidas noções de que

o Estado deve responder conforme a teoria do risco administrativo, de forma a

aproximar a figura do Poder Público da do particular.

É lógico, claro e evidente que não se pode buscar, no Processo Civil, a

verdade material, em detrimento da verdade formal, se não houver, no Direito

Administrativo, pensamento que corrobore com os efeitos da evolução

processualista. No entanto, isto não deve frear os impulsos modernos dos

processualistas, e sim incitar os publicistas a fazer o mesmo, buscando ulteriormente

o fortalecimento das instituições democráticas criadas pela tão iluminada

Constituição Federal de 1988, na incessante busca de um uno ideal de Justiça.

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44ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito das Sucessões. 12ª ed. São Paulo:

Atlas, 2012.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 13ª ed. São Paulo: Atlas,

2013.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 12ª ed. São

Paulo: Atlas, 2012.

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RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE: SUA

EVOLUÇÃO E APLICAÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO

CIVIL LIABILITY FOR LOSS OF A CHANCE: ITS EVOLUTION AND

APPLICATION IN BRAZILIAN LAW

Thiago Carelli de Aguiar1

Eros Belin de Moura Cordeiro2

1 Acadêmico de Direito do Centro Universitário Curitiba 2 Possui graduação em Bacharelado em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba (1999) e mestrado em Direito pela Universidade Federal do Paraná (2005). Atualmente é professor do Centro Universitário Curitiba - Unicuritiba nas áreas de direito civil (contratual) e direitos internacional privado. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Civil, atuando principalmente nos seguintes temas: responsabilidade civil, contratos, direito civil, defesa do consumidor, direito contratual e contratos internacionais.

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SUMÁRIO

1 Introdução. 2 Conceito. 3 A Evolução da Perda de Uma Chance. 3.1 A Fase da

Negação, 3.2 Substituição do Objeto a Ser Provado. 3.3 O Deslocamento do Objeto

a Ser Reparado. 4 Compilamento Histórico da Teoria. 5 A Chance Perdida

Qualificada Como Dano Emergente e Sua Distinção do Lucro Cessante. 6 As

Possibilidades de Ressarcimento Pela Chance Perdida. 7 Fórmula de Valoração do

Dano. 8 Cláusula Geral que Embasa a Aceitação no Brasil. 9 Jurisprudência a

Respeito do Tema. 10 Conclusão. Referências

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RESUMO

A presente pesquisa visa abordar, de forma geral, a responsabilidade civil pela

perda de uma chance, trazendo, para tanto, um estudo a respeito da

responsabilidade civil em si. Ainda, procura-se esclarecer quando se torna possível

a aplicação da perda de uma chance, quais são seus pressupostos e as diferenças

existentes entre tal teoria e as demais modalidades de responsabilidade civil. Apesar

de ser uma teoria nova para o Brasil, sua aplicação é de suma importância ante a

existência de casos que não se enquadram nos modelos de responsabilidade civil

tradicionais. Esta teoria visa cumprir, totalmente, o papel da responsabilidade civil,

abraçando casos concretos que antes pertenciam ao limbo. Com o advento desta

teoria, a indenização passa a ser extremamente proporcional ao dano, reparando-se

o prejuízo; evitando-se o enriquecimento sem causa.

Palavras-chave: responsabilidade civil, perda de uma chance, Art. 927 do

Código Civil.

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ABSTRACT

This research aims to address, in general, liability for loss of a chance, bringing to

both a study on the liability itself. Still looking to clarify when it becomes possible to

apply the loss of a chance, what are yours assumptions and differences between this

theory and other types of liability. Despite being a new theory for Brazil, its

application is of paramount importance faced with the existence of cases that do not

fit into traditional models of liability. This theory seeks to comply fully, the role of civil

liability, embracing cases that previously belonged to the limbus. With the advent of

this theory, the compensation becomes extremely proportional to the damage,

repairing the damage; avoiding unjust enrichment.

Keywords: civil liability, loss of a chance, Article 927 of the Brazilian Civil Code.

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1 INTRODUÇÃO

No cotidiano, inúmeras são as situações de aplicabilidade da

responsabilidade civil em sua forma mais abrangente. A todo o momento ocorrem

acidentes envolvendo carros, acidentes em estabelecimentos comerciais, exemplos

estes extraídos de um universo de situações possíveis.

É certo que a responsabilidade civil tem, por objetivo principal, devolver a

parte ao status quo ante, ou seja, fazer com que aquele que foi lesado atinja, o tanto

quanto possível, a situação em que se encontrava antes do evento danoso. Daniel

Ferreira Carnaúba (2012, p. 143) traduz, em palavras, a dificuldade a respeito da

questão:

“(...) é impossível determinar qual é “a situação em que a vitima estaria sem o ato imputado ao réu”. Como o interesse em questão é aleatório, o litígio comporta uma dúvida irredutível sobre a sorte da vítima. Não fosse pelo incidente, teria ela alcançado o resultado desejado? O paciente estaria curado? O jurisdicionado ou o candidato sairiam vitoriosos? Não se sabe e nunca se saberá

A situação que resta é, portanto, de extrema dificuldade: o que resta a ser

feito pelo judiciário? Uma sentença procedente criaria a afirmação de que o evento

que estaria por acontecer, realmente aconteceria. O judiciário passa a fazer uma

previsão do futuro, afirmando que um evento aleatório, se concretizaria com

absoluta certeza. No viés contrário, uma sentença de improcedência, significaria, da

mesma forma, uma previsão futura, haja vista o judiciário concluir, através da

sentença de improcedência, que tal evento não ocorreria sob nenhuma hipótese

(CARNAÚBA, 2012 p. 143). O problema é que houve uma lesão. Houve um ato ilícito

que resultou em um dano à parte. É certo que é função da responsabilidade civil

fazer com que a parte lesada volte ao estado que se encontrava antes de ter sido

lesionada, mas como proceder?

A saída é dada pela jurisprudência francesa, como afirma Daniel Carnaúba

(2012, p. 144):

Para resolver esse empasse, a jurisprudência francesa passou a adotar uma solução tanto mais engenhosa quanto evidente: neste tipo de situação não é o resultado aleatório que deve ser reparado pelo responsável, mas

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sim a chance de obtê-lo. Existe uma certeza em todos esses conflitos; a certeza de que a vítima tinha uma chance de alcançar o resultado que desejava, e essa oportunidade desapareceu, em razão do fato imputável ao réu. O montante da reparação não corresponderá ao valor da vantagem desejada, mas a uma porcentagem desta, de acordo com as probabilidades efetivamente perdidas pela vítima.

Não é tarefa difícil encontrar exemplos para enriquecer a problemática do

assunto: um dos exemplos mais frequentes é o do caso do advogado, o qual perde,

por culpa, o prazo para a interposição de um recurso. A perda deste prazo acarreta

na frustração da pretensão de seu cliente. Ocorre que, antigamente os Tribunais,

para dar provimento à pedido de indenização por dano causado por falha do

causídico, exigia a comprovação, esta sendo por parte da vítima, de que caso seu

recurso tivesse sido apreciado pelo tribunal competente, este daria, sem dúvidas,

provimento à sua demanda (SAVI, 2009, p.01). É impossível, porém, provar que

uma sentença seria favorável a parte ou não, haja vista tratar-se, por mais óbvio

possa parecer, de evento futuro, o qual pode ser materializado em apenas em

probabilidades, nunca em certezas.

Ocorria, então, a prova diabólica, vez que, na humanidade, a previsão do

futuro é algo literalmente hipotético.

Este entendimento, felizmente, está sendo contornado por nossos tribunais.

De acordo com Daniel Amaral Carnaúba (2012, p. 141):

Poucos assuntos, contudo, levantam tantas suspeitas e incertezas quanto o tema ora em comento. A começar pela própria natureza do conceito de responsabilidade civil pela perda de chance. Ainda que a discussão não tenha provocado grandes debates em nossa literatura, um breve estudo das fontes francesas revela o paradoxo ao redor dessa noção: trata-se de um conceito relativo à causalidade jurídica, notadamente, de uma forma de assimilação da causalidade parcial? É nesse sentido que por vezes têm respondido alguns autores daquele país. Trata-se de um tipo específico de prejuízo? Tal o que afirma a maioria da doutrina francesa, há muito tempo.

Neste ponto do trabalho, objetivamos abordar desde a análise histórica da

temática até o estudo da jurisprudência brasileira a respeito do assunto.

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2 CONCEITO

Como vertente da responsabilidade civil, a responsabilidade civil pela perda

da chance é o instituto utilizado para quantificar e reparar o dano causado em uma

situação, na qual se tem frustrada uma vantagem real e possível, mediante dano

atual à chance, que já integra o patrimônio daquele que foi lesado, e que impede a

obtenção de tal vantagem. Citando Guido Alpa, Sergio Savi (2009, p.31) afirma

tratar-se, esta chance, de um bem material, o qual faz parte do rol dos patrimônios

da vítima, recebendo, assim, os mesmos tratamentos dos demais bens, tendo,

inclusive, um valor econômico.

O conceito de chance é muito bem definido por Fernando NORONHA (2003,

p.665):

Quando se fala em chance, estamos perante situações em que está em curso um processo que propicia a uma pessoa a oportunidade de vir a obter no futuro algo benéfico. Quando se fala em perda de chances, para efeitos de responsabilidade civil, é por que este processo foi interrompido por um determinado fato antijurídico e, por isso, a oportunidade ficou irremediavelmente destruída.

A chance, portanto, pode ser traduzida na probabilidade de obtenção de certa

vantagem. Então, o dano se classifica com a interrupção do curso natural dos fatos,

onde existia uma possível chance de se obter um prêmio, a qual foi frustrada em

decorrência da culpa de outrem.

3 A EVOLUÇÃO DA PERDA DE UMA CHANCE

A evolução da perda de uma chance deu-se de três etapas (CARNAÚBA,

2012, p. 145): primeiro, negou-se, em sua totalidade, o direito de indenização à

vítima. Depois, objetivou-se deslocar a prova, a forma de se provar, e o que ela

representava. Por último, surgiu, efetivamente, a responsabilidade pela perda de

uma chance, através do deslocamento do objeto de indenizar, não mais do objeto a

ser provado.

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3.1 A FASE DA NEGAÇÃO

Na França, entre o século XIX e XX, as corridas de cavalos, dentre outras

modalidades de jogos de azar, estava em alta. Tem-se que, frequentemente, alguns

dos donos de cavalo eram lesados, tendo em vista o cavalo ser impedido, por culpa

de outrem, a participar das corridas. Os tribunais negavam ao dono do cavalo o

direito de indenização, tendo em vista não haver nexo causal entre a perda daquilo

que deixariam de ganhar, os corredores, e a conduta que impediu seus animais de

participarem das corridas, seja por culpa do transporte, ou algo do gênero

(CARNAÚBA, 2012, p. 145).

Ainda, havia a “incerteza acerca do prejuízo” (CARNAÚBA, 2012, p. 146), já

que, conforme já foi mencionado neste trabalho, era impossível concluir, por mais

vitorioso que o cavalo viesse a ser, que ele venceria a corrida que deixou de

participar, caso participasse.

Negava-se, à vítima o direito de retornar ao status quo ante, ou seja, de

retornar o estado que se encontrava antes da ocorrência do evento danoso. Fato é

que ocorreu um evento, decorrido de um ato ilícito, que causou dano ao dono do

cavalo. Este só conseguiria ter seu pedido provido se demonstrasse um nexo causal

direto entre o dano e a perda do evento futuro. Para afirmar isso, deveria,

necessariamente, provar que conseguiria atingir o evento futuro, caso não tivesse

sido deixado de lado da corrida. Obviamente, tal coisa é impossível de ser provada.

Em relação a isso, sustenta Daniel Carnaúba (2012, p. 147):

No mais, não nos parece que as regras comuns relativas ao ônus da prova possam ser aplicadas, sem desnaturação, aos casos de lesão a um interesse aleatório. Poderíamos seriamente condicionar o acolhimento do pedido formulado pelo dono do cavalo à prova, a ser produzida por ele, de que este animal venceria a competição? Ora, é precisamente o ato imputado ao réu que o impediu de conhecer este resultado. Seria ilógico admitir que a dúvida possa beneficiar aquele que indevidamente a criou, fazendo com que um indivíduo se valha das repercussões de sua conduta ilícita como forma de evitar sua responsabilidade por ela.

Como era impossível provar aquilo que aconteceria no futuro, passou-se a

exigir, para a reparação, a prova de outros eventos, que, através de um silogismo

lógico, levariam à presunção de que determinado evento futuro ocorreria, ou não.

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3.2 SUBSTITUIÇÃO DO OBJETO A SER PROVADO

Daniel Carnaúba (2012, p. 149), em seu brilhante artigo, remete nossa

atenção, inicialmente, à diferença da presunção de fato e da presunção de direito:

Desde logo, é necessário distinguir a presunção de fato – conhecida também como presunção simples, do homem ou do juiz – de outra, a presunção legal ou de direito, também prevista o mesmo código3. Ambas representam técnicas empregadas para contornar as incertezas, por meio das quais, a existência de um fato desconhecido é afirmada a partir de outro fato ou conjunto de fatos cuja existência não é duvidosa. Porém, conquanto as presunções de direito estejam estabelecidas expressamente na lei (por vezes, por questões de política legislativa), obrigando o juiz a empregá-las, as presunções de fato decorrem, ao contrário, da própria prudência do magistrado e de seu poder de apreciação dos fatos que lhe são trazidos à análise. É evidentemente esta última espécie que interessa ao presente estudo

Conforme se extrai da passagem, é a presunção de fato que nos importa para

a analise histórica do instituto da perda de uma chance.

De que forma o magistrado poderia, portanto, analisar um fato e, a partir

desta análise, formar uma convicção a respeito de um tema, ou de outro fato, que

desconhece?

Cumpre ressaltar que a verdade é intangível. Existe uma verdade para cada

coisa e estamos, e sempre estaremos em busca desta verdade. Existe uma verdade

a respeito de cada objeto. Uma verdade única a respeito de sua construção. Ele foi

construído da forma como foi construído. A verdade se revelou apenas naquele

momento em que tal objeto foi originado. Após isso, a única coisa que nos resta é,

através de indícios e provas, descobrir algo que mais se assemelhe à verdade.

Ainda que consigamos atingir a verdade, não poderemos ter certeza se

realmente a alcançamos ou não.

Isto acontece com frequência nos tribunais, quando, através da analise de um

documento, o magistrado diz a quem assiste a razão. Presume-se através de um

cartão ponto, que assiste razão ao trabalhador quando afirma que entrou em horário

de serviço em uma determinada hora, ao contrário do que afirma seu empregador.

3 O código aqui tratado é o código civil francês

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Percebe-se que não existe como saber se o trabalhador estava lá, ou não, mas

presume-se que estava, em razão do preenchimento do cartão ponto.

Aplicada à evolução histórica da perda de uma chance, Daniel Carnaúba

(2012, p. 150) explica a função da presunção:

A aplicação da técnica de presunção aos casos de lesão a interesses aleatórios é intuitiva. Por meios indiretos, o magistrado pode determinar se, na ausência do fato imputável ao réu, a vítima teria ou não alcançado o resultado desejado. Ou o juiz presume que o demandante obteria a vantagem, constatando, por consequência, que a não realização deste resultado é um prejuízo certo sofrido pela vítima e causado pelo réu; ou ele presume o contrário, o que implica que o ato em questão não deu ensejo a qualquer prejuízo. A incerteza é assim desfeita – ao menos no plano jurídico

– com o auxílio de uma técnica legalmente consagrada.

Cumpre destacar que não é sempre que a presunção pode dirimir uma lide.

Às vezes, as provas a que o magistrado tem acesso não são suficientemente

precisas para formar a cognição do juiz. Existem vezes, por outro lado, que o juiz

pode afirmar, através de indícios, o que aconteceu ou deixou de acontecer. Como

em um contrato, assinado pelas partes. Se ambas as partes assinaram o contrato,

estando devidamente conscientes, então, presume-se que existiu um negócio

jurídico. Através de um indício atual, existe a possibilidade de formar cognição, a

respeito da existência, ou não, de negócio jurídico firmado entre as partes. Percebe-

se que não podemos dizer com toda a certeza que o negócio ocorreu, ou deixou de

ocorrer, haja vista a verdade manifestar-se apenas uma vez.

O magistrado, aqui, como antes, não pode afirmar qual seria o resultado

futuro a ser alcançado pelo individuo através de indícios, porque infinitas situações

poderiam ocorrer e afastar, caso não tivesse ocorrido o evento lesivo, o prêmio

daquele que foi lesado. “A incerteza não pode ser neutralizada por este método”

(CARNAÚBA, 2012, p. 156)

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3.3 O DESLOCAMENTO DO OBJETO A SER REPARADO

É brilhante o ensinamento de Daniel Carnaúba (2012, p. 156):

A reparação das chances perdidas é um terceiro método capaz de resolver o problema da lesão a interesses aleatórios. Trata-se, como já o afirmamos, de uma técnica de deslocamento da reparação: ao invés de visar à vantagem aleatória desejada pela vítima – um prejuízo incerto e que não tem ligação causal com o ato do réu – os juízes concedem a reparação de outro prejuízo, a saber, a chance que a vítima tinha de obter esta vantagem. Note-se que não se trata de um mero reconhecimento de uma nova espécie de prejuízo. Há na realidade a verdadeira substituição de um prejuízo por outro

Nasce aqui, portanto, a chance como objeto de indenização.

Nasce a perda de uma chance como forma de eliminar a incerteza a respeito

do evento futuro.

Claramente explica Daniel Carnaúba (2012, p. 160):

A peculiaridade da reparação das chances é que, de forma sutil, ela se desvencilha da incerteza que até então impedia a aplicação da regra reparatória. Não é, porém, muito difícil compreender o mecanismo por trás da técnica. Ao contrário dos métodos anteriores, a reparação das chances não ignora a incerteza, tampouco almeja eliminá-la. A álea é simplesmente reacomodada dentro da estrutura da responsabilidade: Em razão do deslocamento da reparação, a incerteza deixa de ameaçar a existência do prejuízo e passa a interferir em sua quantificação. E é por esta razão que podemos afirmar que a reparação de chances perdidas envolve sempre uma certeza e uma probabilidade.

Agora, o foco não é mais o evento futuro que seria auferido caso a parte não

tivesse sido lesada. O que importa agora é a chance, que já foi dita, e será

esmiuçada adiante, integra o patrimônio da vítima independentemente de existir ou

não dano futuro.

4 COMPILAMENTO HISTÓRICO DA TEORIA

Surgiu na França, por volta do ano de 1889 a ideia que contrariou o senso

comum: indenizar pela perda da chance de obter-se determinada vantagem.

Passou-se, de acordo com os ensinamentos de Sérgio Savi (2009, p, 03), a admitir-

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se a ideia da indenização da oportunidade de obtenção de uma determinada

vantagem. Após o reconhecimento da teoria pela Corte de Cassação, tornou-se

possível sua evolução.

Na Itália, assim como na França, após o reconhecimento da teoria, passou-se

a indenizar, também, a chance. Segundo Savi (2009, p. 04), com o tempo, a teoria

da perda de uma chance, que antes era enquadrada no rol dos lucros cessantes,

passou a ser tratada como dano emergente, desde que envolvesse chance real de

sucesso, a qual deveria ser superior a 50%.

No Brasil, não se pode encontrar a teoria aqui estudada em texto legal. O

país, inicialmente, apresentou resistência em reconhecê-la, justamente pelo fato de

que, segundo Anderson Schreiber (2012, p. 103), era considerado impossível atribuir

um valor econômico à diminuição patrimonial relacionada à chance. Apesar disso, a

teoria cresceu, e passou a ser aceita por alguns Tribunais, que hoje já acolhem e

aplicam a teoria da perda de uma chance.

O caso mais famoso é o tratado no Recurso Especial 788.459/BA, apreciado

pela quarta turma do Superior Tribunal de Justiça, de relatoria do então ministro

Fernando Gonçalves, no ano de 2005.

Participante do programa de perguntas e respostas intitulado “Show do

Milhão”, a propositora da demanda havia, após percorrer um longo trajeto no

programa, vencendo todas as etapas de perguntas que lhe eram indagadas,

alcançado a pergunta milionária, a qual todos os participantes desejavam ter a

chance de responder. Caso acertasse a questão, alcançaria o prêmio final, a quantia

de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) que fazia jus ao nome do programa.

Contudo, esta pergunta era impossível de ser respondida corretamente, vez

que não existia, dentre o quadro de respostas, uma assertiva correta. A participante,

então, optou por desistir da pergunta milionária, recebendo, para tanto, o valor

acumulado de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).

A ausência de assertiva correta causou danos inequívocos à autora. O fato de

não existir uma resposta correta dentre as disponíveis no quadro de respostas

custou-lhe valor igual ao que recebeu pela desistência: R$ 500.000,00 (quinhentos

mil reais).

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Cumpre ressaltar que, como forma de responder à questão indagada, deveria

a participante optar por uma das assertivas existentes no quadro de respostas, que

possuía quatro alternativas.

Cabe transcrever, aqui, o voto do Ministro Relator:

Na espécie dos autos, não há, dentro de um juízo de probabilidade, como se afirmar categoricamente - ainda que a recorrida tenha, até o momento em que surpreendida com uma pergunta no dizer do acórdão sem resposta, obtido desempenho brilhante no decorrer do concurso - que, caso fosse o questionamento final do programa formulado dentro de parâmetros regulares, considerando o curso normal dos eventos, seria razoável esperar que ela lograsse responder corretamente à ‘pergunta do milhão’. Isto porque há uma série de outros fatores em jogo, dentre os quais merecem destaque a dificuldade progressiva do programa (refletida no fato notório que houve diversos participantes os quais erraram a derradeira pergunta ou deixaram de respondê-la) e a enorme carga emocional que inevitavelmente pesa ante as circunstâncias da indagação final (há de se lembrar que, caso o participante optasse por respondê-la, receberia, na hipótese, de erro, apenas R$ 300,00 (trezentos reais). Destarte, não há como concluir, mesmo na esfera da probabilidade, que o normal andamento dos fatos conduziria ao acerto da questão. Falta, assim, pressuposto essencial à condenação da recorrente no pagamento da integralidade do valor que ganharia a recorrida caso obtivesse êxito na pergunta final, qual seja, a certeza - ou a probabilidade objetiva - do acréscimo patrimonial apto a qualificar o lucro cessante. Não obstante, é de se ter em conta que a recorrida, ao se deparar com questão mal formulada, que não comportava resposta efetivamente correta, justamente no momento em que poderia sagrar-se milionária, foi alvo de conduta ensejadora de evidente dano. Resta, em consequência, evidente a perda de oportunidade pela Recorrida [...] Quanto ao valor do ressarcimento, a exemplo do que sucede nas indenizações por dano moral, tenho que ao Tribunal é permitido analisar com desenvoltura e liberdade o tema, adequando-o aos parâmetros jurídicos utilizados, para não permitir o enriquecimento sem causa de uma parte ou o dano exagerado de outra. A quantia sugerida pela recorrente (R$ 125.000,00 cento e vinte e cinco mil reais) - equivalente a um quarto do valor em comento, por ser uma “probabilidade matemática" de acerto de uma questão de múltipla escolha com quatro itens reflete as reais possibilidades de êxito da recorrida. Ante o exposto, conheço do recurso especial e lhe dou parcial provimento para reduzir a indenização a R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais)

(REsp 788.459/BA, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 08/11/2005, DJ 13/03/2006, p. 334)

Bem é de se ver que, no presente acórdão, fora apreciada a teoria da perda

de uma chance, na medida em que se indenizou conforme a probabilidade de

obtenção de sucesso, em uma situação onde houvesse uma assertiva correta a ser

escolhida. Caso houvesse uma resposta correta dentre as quatro assertivas, existiria

a possibilidade de 25% de acerto. Desta feita, a indenização fora arbitrada em 25%

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do valor do pedido (que é o que a autora deixou de lucrar no programa), recebendo,

portanto, a quantia de R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais), ou seja, um

quarto do valor.

5 A CHANCE PERDIDA QUALIFICADA COMO DANO EMERGENTE E SUA

DISTINÇÃO DO LUCRO CESSANTE

Neste tópico, será possível esmiuçar a diferença existente entre o dano

emergente, que engloba corretamente a perda da chance, e o lucro cessante.

Em 1966 fora publicado o livro de um jurista italiano chamado Adriano de

Cupis, intitulado “Il Danno: Teoria Generale Della Responsalità Civile”. Tratando a

respeito da obra, Sérgio Savi afirma que de Cupis (1966, apud SAVI, 2009, p. 10)

visualizou corretamente o dano à chance enquadrando-a ao rol dos danos

emergentes, afastando o olhar, portanto, do resultado final. É o deslocamento do

objeto a ser indenizado, que já fora tratado neste trabalho.

Tomando a lesão à chance como dano emergente, caracteriza-se uma lesão

atual a um bem que já integra o patrimônio da vítima. Afasta-se a incerteza e a

dúvida porque não se trata, aqui, de lesão futura, sim de lesão atual, emergente. A

chance passa, então, a possuir certa independência do evento final, dando azo à

indenização por si só quando lesada.

Entretanto, é inegável que a chance perdida, sob um olhar menos técnico,

aproxima-se do lucro cessante. Em um primeiro olhar, a situação que traria proveitos

é futura, intangível para um determinado momento atual. Pesa, em uma primeira

ótica, a perda de um prêmio futuro, em uma situação futura, ambos frustrados por

uma ação atual. Em via de regra, só existe a chance de se atingir algo, porque este

algo está situado no futuro. Caso contrário, a chance seria substituída pelo próprio

bem. A chance de se obter um proveito em um evento futuro pode será substituída,

quando o presente tangenciar o futuro, pela conquista ou não de determinado

proveito.

É inegável, portanto, que as duas teorias, em primeiro plano, são separadas

por uma linha tênue. É certo que o taxista que restou incapacitado de trabalhar em

decorrência da perda de seu instrumento de trabalho por acidente causado por

outrem deve ser indenizado por lucros cessantes. Tal fato é certo. Inexiste uma

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chance para tal mecanismo. Estabelece-se o nexo de causalidade entre a perda do

instrumento de trabalho e o ato ilícito causado por um terceiro. Este fato,

inquestionavelmente, fez com que o profissional deixasse de auferir seus lucros.

A perda da oportunidade de lucro, por sua vez, relaciona-se a evento/situação

futura que certamente não poderá ser prevista com exatidão. A perda da chance não

é englobada pelo lucro cessante, justamente pela impossibilidade de afirmação de

que o prêmio, sem sobra de dúvidas, viria. O taxista, que perdeu seu instrumento de

trabalho, pode facilmente demonstrar, com a comprovação de seus ganhos diários,

quanto, aproximadamente poderia auferir em um dia de trabalho. Em que pese a

impossibilidade de se afirmar quanto, exatamente, ele receberia, pode-se afirmar,

inquestionavelmente, que ele receberia alguma quantidade. Para os casos da perda

de uma chance, afirma-se, unicamente, que esta, com caráter patrimonial, fora

perdida. Sergio Savi (2009, p. 04), tendo por base a teoria de Bocchiola, afirma que:

No caso de lucros cessantes, o autor deverá fazer prova não do lucro cessante em si considerado, mas dos pressupostos e requisitos necessários para a verificação deste lucro. Já nas hipóteses de perda de uma chance, estaremos sempre no campo do desconhecido, pois, em tais casos, o dano final é, por definição, de demonstração impossível, mesmo sob o aspecto dos pressupostos de natureza constitutiva.

A partir deste raciocínio, é que Bocchiola, segundo Sérgio Savi (2009, p. 78),

distingue a indenização em dois institutos. A perda da chance nunca poderia ser

indenizada da mesma forma que o lucro cessante, vez que a chance se relaciona

com futuro que é incerto; desconhecido. Se, pela perda da chance, se indenizasse

da mesma forma que pelo lucro cessante, aquela desapareceria, ante sua

inutilidade. Seria possível, desta forma, utilizar-se do lucro cessante para resolver

todos os tipos de conflitos. É o que, novamente, demonstra Savi (2009, p. 15) e, sua

obra:

Cattaneo, ao tratar da responsabilidade civil do advogado que perde o prazo para a interposição do recurso, afirma que, se o juiz chegar à convicção de que o cliente teria vencido o recurso, acaso interposto, não haveria motivo algum para excluir a responsabilidade do advogado pela indenização de todos os danos sofridos pelo cliente decorridos de sua própria negligência. Isto é, para este autor, neste caso o advogado teria que ser condenado a ressarcir os lucros cessantes sofridos por seu cliente, ou seja, tudo aquilo que a vítima receberia caso a sua ação fosse acolhida pelo tribunal.

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A chance pode ser traduzida em probabilidade de sucesso. Então, pela

porcentagem relativa à probabilidade de um determinado fato ocorrer, indeniza-se.

Afinal, como já visto neste trabalho, o objeto de indenização muda. Não se indeniza

pelo fato futuro, que é incerto. Sim, pela chance de obtenção do lucro que é atual, e

já integrava o patrimônio da vítima à época do acidente. Então, a indenização pela

chance deve ser sempre menor que o valor que se lucraria, caso a vitima tivesse

conseguido atingir o evento futuro. Se houvesse, como explicado, plena certeza de

que a vítima atingiria um determinado prêmio, o seu valor deveria ser indenizado em

100%. Esta indenização, no valor do prêmio que fora perdido, representa,

novamente, o lucro cessante, não mais a perda de uma chance.

6 AS POSSIBILIDADES DE RESSARCIMENTO PELA CHANCE PERDIDA

Conforme explicitado, não basta existir a chance como uma possibilidade

hipotética de auferir-se o prêmio. Esta chance deve ser possível e real. Segundo a

doutrina, a chance deve ser indenizada quando restar provado que a possibilidade

de obtenção de determinado prêmio, antes da ocorrência do fato lesivo, era superior

a 50%. Do contrário, não se encontra produzida a prova, e é negado, por

consequência, o pedido de indenização (SAVI, 2009, p. 22).

O cálculo das porcentagens, que, a priori, pode parecer vago, ganhou força

no decorrer da História com o avanço dos estudos da estatística. Segundo a

doutrina, com os estudos da estatística, é possível determinar, com aproximação

aceitável, o valor de uma chance que, a princípio, era apenas hipotética. Deste

modo, a ela pode ser concedida certa estabilidade e decorrente autonomia em

relação ao resultado final perdido (SAVI, 2009, p. 20).

Portanto, a mera possibilidade passa a ser chance, caso seja superior a 50%.

Desta forma, torna-se possível estabelecer um nexo de causalidade entre o dano e a

perda do prêmio.

Entretanto, a utilização da estatística é apenas uma faz formas de valoração

da chance. Conforme fora exemplificado no caso do programa “Show do Milhão”, as

chances de obtenção do prêmio, no caso, eram iguais a 25%. Demonstra-se,

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portanto, que o estabelecimento do nexo de causalidade entre o dano e a perda do

resultado deve ser avaliado caso a caso.

7 FÓRMULA DE VALORAÇÃO DO DANO

Valorando-se a chance como uma determinada probabilidade, torna-se

possível a valoração da indenização. A Corte di Cassazioni italiana, de acordo com

Sérgio Savi (2009, p. 32), quantifica o valor da indenização utilizando-se da seguinte

fórmula:

VI=VRF x Y

Convenciona-se que “VI” representa o Valor da Indenização, a qual deverá

ser paga à vitima do injusto. “VRF” refere-se ao Valor do Resultado Final, que

representa o valor que seria acrescido ao patrimônio da vítima caso tivesse obtido o

prêmio final, ou seja, caso tivesse alcançado o prêmio almejado. A letra “Y”

representa o percentual da chance de se obter o resultado final antes do

acontecimento do injusto. O valor final da indenização será o produto da

probabilidade de se obter determinada vantagem pelo valor final do prêmio

almejado. Caso o juiz fixe que a chance de obtenção de um valor final era de 50%, e

o valor final do prêmio que viria a integrar o patrimônio da vítima representasse R$

100.000,00 (cem mil reais), a indenização deverá ser no montante de R$ 50.000,00

(cinquenta mil reais).

8 CLÁUSULA GERAL QUE EMBASA A ACEITAÇÃO NO BRASIL

O Código Civil italiano contempla, em seu artigo 20434, uma cláusula geral de

responsabilidade civil, a qual estabelece que aquele que causar dano injusto a

outrem é obrigado a reparar o dano. Esta cláusula também está presente no

ordenamento jurídico brasileiro, precisamente no artigo 1865 do Código Civil

4 Art. 2043 - Qualunque fatto doloso o colposo Che cagiona ad altri um danno ingiusto, obbliga colui Che há comesso Il fato a risarcire Il danno. Disponível em: <http://www.jus.unitn.it/cardozo/obiter_dictum/codciv/Lib4.htm> Acesso em: 30 set. 2013 5 Art. 186 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ilícito. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm> Acesso em: 30 set. 2013

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brasileiro. Tal artigo estabelece Aquele que, por ação ou omissão voluntária,

negligência ou imprudência violar direito e causar dano a outrem, ainda que

exclusivamente moral, comete ato ilícito.

O artigo 9276, do Código Civil Brasileiro, por sua vez, estabelece que aquele

que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Cumpre reproduzir, aqui, os ensinamentos de Sérgio Savi (2009, p. 94):

O Código Civil Brasileiro, elaborado sob a forte influência do Código Civil Francês, transpôs para o ordenamento jurídico brasileiro um sistema de responsabilidade civil muito parecido com os sistemas francês e italiano. Isto porque, o Código Civil Brasileiro estabelece, em seu art. 186, uma cláusula geral de responsabilidade civil, que assim dispõe: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Ao tratar das consequências do ato ilícito, dispõe que: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

Ainda (SAVI, 2009, p. 96):

Conforme se verifica da redação dos dispositivos acima transcritos, não há, a nosso sentir, no Código Civil Brasileiro em vigor, qualquer entrave à indenização das chances perdidas. Pelo contrário, uma interpretação sistemática das regras sobre a responsabilidade civil traçadas pelo legislador pátrio nos leva a acreditar que as chances perdidas, desde que sérias, deverão ser sempre indenizadas quando restar comprovado o nexo causal entre a atitude do ofensor e a perda da chance. Isto porque, assim como os Códigos Civis francês e italiano, o Código Civil Brasileiro estabeleceu uma cláusula geral de responsabilidade civil, em que prevê a indenização de qualquer espécie de dano sofrido pela vítima, inclusive o decorrente da perda de uma chance que, como visto, em determinados casos concretos preencherá os demais requisitos exigidos para o surgimento do dever de indenizar.

Acatando-se a premissa de que a chance é um bem, o dano a esta deve ser

ressarcido. Ainda que não conte com dispositivo legal próprio, a sustentação desta

modalidade da Responsabilidade Civil encontra total respaldo nos artigos

explicitados. As chances perdidas, portanto, devem ser sempre indenizadas, quando

sérias. É claro que, conforme já estabelecido, deve restar comprovado o nexo de

causalidade entre o dano e a perda do proveito futuro (SAVI, 2009, p. 96).

6 Art. 927 – Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm> Acesso em: 30 set. 2013

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9 JURISPRUDÊNCIA A RESPEITO DO TEMA

Desde 1990, iniciando com o acórdão do TJRS, relatado por Ruy Rosado de

Aguiar Júnior, a teoria da perda de uma chance vem aparecendo nos tribunais.

Curiosamente, este acórdão mencionou o tema da perda de uma chance em um

processo no qual não cabia a utilização da teoria (SAVI, 2009, p. 40).

Tratava-se de indenização por erro médico. Uma paciente era míope, em grau

quatro e, após fazer cirurgia para a correção da doença, acabou ficando com

hipermetropia em grau dois. O Tribunal em questão determinou a existência de erro

médico, e tratou da responsabilidade civil subjetiva, ante o erro médico. No entanto,

fez menção à teoria em questão:

É preciso esclarecer, para efeito de cálculo de indenização, que não se trata de perda de uma chance, a que em certa passagem se referiu o apelante. Na perda da chance, não há laço de causalidade entre o resultado e a culpa

do agente. . (Apelação Cível Nº 589069996, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ruy Rosado de Aguiar Júnior, Julgado em 12/06/1990)

Durante estes quase 22 anos, vários acórdãos existiram. Muitos foram

votados de forma não condizente com a teoria. Muitos se enquadraram

perfeitamente.

Em 2007, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça carioca julgou a apelação

Cível 2007.001.09834, de relatoria da Desembargadora Cristina Tereza Gaulia, que

possui a seguinte ementa:

INTERNET CONTRATO DE ASSESSORIA PARA RECOLOCACAO DE PROFISSIONAL NO MERCADO DE TRABALHO ERRO EM CURRICULO PERDA DE UMA CHANCE DANO MORAL. Apelação Cível. Relação de consumo. Contrato de assessoria para recolocação de profissional no mercado de trabalho com duas vertentes: intermediação ("headhunting") e divulgação de resumo curricular da autora no sítio eletrônico da fornecedora de serviço. Obrigações de resultado e de meio. Currículo que consta com grave erro na rede de computadores durante meses. Autora que busca emprego de arquiteta e aparece na rede como administradora de empresa. Vício de qualidade do serviço por inadequação. Inteligência do art. 20 e par. 2, CDC. Dano moral decorrente de perda de chance. Recurso parcialmente provido pela maioria. Vencido em parte o Des. Antônio Saldanha Palheiro.

(Apelação Cível nº. 2007.001.09834, Quinta Câmara Cível, TJRJ, Des.ª Rel.ª Cristina Tereza Gaulia, DJ em 27/03/2007).

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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Basicamente, a autora, buscando recolocar-se no mercado profissional,

contratou a empresa ré. O trabalho da empresa consistia, em síntese, de duas

formas: a primeira seria nos moldes do “headhunting”, ou seja, criando

oportunidades para que a autora fizesse entrevistas, nas empresas com as quais a

ré mantinha cadastro.

Pode-se dizer que a obrigação da empresa ré, aqui, seria obrigação de meio,

tendo em vista a impossibilidade de se afirmar que a autora seria contratada por

uma das empresas cadastradas. O papel da ré, neste ponto, seria o de esforçar-se

para criar a maior quantidade de entrevistas possíveis para que a finalidade pudesse

ser atingida.

A segunda função da empresa consistia na manutenção de currículo

atualizado de seus clientes em seu site. Este currículo seria acessado por empresas

que estivessem querendo contratar novos funcionários. Aqui, a obrigação é,

portanto, de resultado, tendo em vista que seria função exclusiva da ré manter

atualizado o currículo da autora em seu site.

Ocorreu que o currículo disponibilizado possuía vários erros graves. O

currículo da autora, que era arquiteta, estava disponibilizado para os empregadores

que queriam contratar administradores de empresa.

Além disso, não constavam informações relevantes como: a faculdade em

que se graduou, sua experiência profissional e as línguas que falava. Neste caso, a

relatora aplicou a teoria da perda de uma chance, conforme se denota:

Data venia do Exmo. Des. Relator, não trata a ação de pretensão da autora à garantia de recolocação no mercado, mas sim, daquilo que se tem reiteradamente reconhecido como “a perda de uma chance”. [...] Destarte, a perda de uma chance revela-se como a perda de uma boa oportunidade que se perfaria, com certa dose de possibilidade, diante das circunstâncias fáticas e pessoais do consumidor (ou do autor da ação), mas que foi coactada por um fazer ou não fazer do fornecedor, ou co-contratante, gerando a frustração da provável vantagem obtenível. [...] Refira-se que no caso, a chance de lograr a autora êxito em recolocar-se no mercado era real e séria, não se podendo conceituar tal possibilidade como vaga, já que é comum e notório na sociedade atual, a busca de profissionais de diversas áreas na rede de computadores, porém, para tal, deve estar correto o resumo curricular (“briefing”) da candidata. Já o valor de danos materiais relativo ao exame psicotécnico, estava previsto no contrato, em destaque, e, portanto, não é de ser devolvido, nesse ponto concordando-se com os argumentos do Exmo. Des. Relator. Isso posto, votei no sentido do provimento parcial do recurso, para dar provimento, em parte, ao pedido autoral e condenar a apelada ao pagamento de danos morais no valor de

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R$ 3.000,00 (três mil reais), correção monetária a partir desta data e juros da citação, acompanhada pelo Exmo. Des. Vogal, ficando parcialmente vencido o Exmo. Des. Relator, que mantinha integralmente a sentença

recorrida. (Apelação Cível nº. 2007.001.09834, Quinta Câmara Cível, TJRJ, Des.ª Rel.ª Cristina Tereza Gaulia, DJ em 27/03/2007).

Denota-se que a probabilidade de obtenção de futuros proveitos não fora

tomada como mera possibilidade. Ponderou-se, portanto, que a chance seria séria e

real, haja vista diversos profissionais ingressarem no mercado de trabalho, ou

realocarem-se através de empresas como a ré em questão.

Não atentando para chances sérias e reais, a Quinta Câmara Cível do

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul julgou parcialmente procedentes os

pedidos aduzidos nas razões da Apelação Cível 70046823233, que possui a

seguinte ementa:

APELAÇÃO CIVIL. ENSINO PARTICULAR. DEMORA NA ENTREGA DE DOCUMENTOS PARA PROVIDENCIAR A TRANSFGERENCIA DA PARTE AUTORA. PERDA DE CHANCE DE TRANSFERENCIA DE UNIVERSIDADE. DESIDIA DA UNIVERSIDADE. DANOS MORAIS DEVIDOS. A hipótese dos autos configura evidente caso de perda de uma chance, pois a negligência e o descaso da demandada ocasionaram a perda da possibilidade de transferência do curso frequentado pela autora para a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Agora, para um novo ingresso, a demandante terá que se submeter a vestibular, cuja aprovação é incerta. Perda da chance comprovada. Para configurar os danos moais deve-se ter em mente que a indenização deve ser em valor tal que garanta à parte credora uma reparação pela lesão experimentada, bem como implique, àquele que efetuou a conduta reprovável, impacto suficiente para dissuadi-lo na repetição de procedimento símile. O valor fixado deve ser majorado, não caracterizando enriquecimento indevido por parte da autora, a fim de se adequar aos parâmetros adotados por essa Colenda Câmara. Os juros moratórios devem ser fixados a contar do evento danoso, de acordo com o que determina a Súmula 54 do STJ. APELO

PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70046823233, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Romeu Marques Ribeiro Filho, Julgado em 29/02/2012)

Ante a inércia da parte ré em fornecer os documentos necessários para que a

autora se matriculasse em outra universidade, a demandante perdeu a oportunidade

de matricular-se. Agora, para o ingresso no curso pretendido, deverá prestar novo

exame vestibular para, eventualmente, adentrar à universidade.

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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O Des. Relator Romeu Marques Ribeiro Filho votou da seguinte forma:

Conheço do recurso interposto pela parte autora, porquanto adequado e tempestivo. Cumpre informar que a autora litiga sob o pálio da assistência judiciária gratuita. A apelante insurge-se em relação ao quantum fixado relativo “a perda de uma chance” diante da inércia da requerida em enviar em tempo hábil o “kit transferência” a fim de possibilitar o seu ingresso junto à Pontifícia Universidade Católica do Rio grande do Sul. O juízo singular entendeu que efetivamente tal situação restou comprovada pela parte autora, e que diante da inércia e descaso da demandada ocasionou a perda da possibilidade de transferência do curso frequentado pela autora para à PUCRS, situação esta que obrigará a autora prestar novo exame de vestibular a fim de ingressar naquela instituição, sem ter certeza de sua

aprovação.” (Apelação Cível Nº 70046823233, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Romeu Marques Ribeiro Filho, Julgado em 29/02/2012).

Neste exemplo, a perda de uma chance não fora corretamente aplicada. O

ingresso na faculdade pretendida era evento certo, de modo que inexistia qualquer

tipo de chance.

Frente à perda de tal certeza, a passará a submeter-se a novo processo

seletivo, no qual a chance de ingresso está vinculada diretamente com a quantidade

de estudos demandados pela vestibulanda, além das condições físicas e

psicológicas em que se encontrará no dia do exame.

É de se notar que não é possível estabelecer um nexo de causalidade direto

entre a conduta da ré e o novo exame de vestibular a ser prestado pela parte. O

nexo se estabelece entre a conduta e a perda da vaga em questão. Não existe, aqui,

conforme explicitado, chance.

Ainda que existisse nexo de causalidade entre a conduta e a realização de

novo exame de vestibular, o exemplo não trataria da teoria da perda de uma chance.

Chance, conforme explicitado neste trabalho, não admite mera possibilidade.

Para adequar-se corretamente à teoria, a chance, conforme adotado pela doutrina,

deve ser superior a 50%, o que parece ser inviável frente a um processo seletivo tão

concorrido como o da PUCRS.

Ainda, tratando de chances sérias e reais, a 21ª Câmara de Direito Privado do

Tribunal de Justiça paulista negou provimento aos pedidos demandados pelo

recorrente, em suas razões recursais, na apelação Cível 0005915-

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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80.2010.8.26.0066, de Relatoria do Des. Mauricio Ferreira Leite que possui a

seguinte ementa:

APELAÇÃO Ação de reparação de danos julgada improcedente Protesto de título vencido Licitude Exercício regular de direito Pagamento posterior Manutenção do apontamento Cancelamento que compete ao interessado Indenização a título de “perda de uma chance” Inaplicabilidade ao caso concreto A reparação da perda de uma chance repousa sobre a certeza de que a chance poderia ter sido concretizada Situação descrita nos autos que demonstra mera possibilidade e não probabilidade acerca de se auferir o almejado Oposição de embargos de declaração Exercício de direito que foi posto à disposição da parte pelo legislador ordinário Ausente utilização de procedimento escuso ou vedado por lei Penalidade afastada Recurso

parcialmente provido. (Apelação Cível Nº 0005915-80.2010.8.26.0066, Vigésima Primeira Câmara de Direito Privado, Tribunal de Justiça de SP, Relator: Maurício Ferreira Leite, Julgado em 14/09/2011)

O apelante pleiteou pela indenização pela chance perdida de ingressar em

uma universidade americana. Tal chance fora frustrada ante o apontamento negativo

da apelada, e sua inércia, em um momento seguinte, de promover a baixa de tal

apontamento após quitação de um débito devido.

O Des. Relator votou da seguinte forma:

Relativamente à “perda de uma chance”, o conjunto probatório é um tanto frágil, vez que não restaram provados os fatos constitutivos do direito do apelante, como preceitua o art. 333, I, do Código de Processo Civil. Com efeito, neste particular, não há maior demonstração documental acerca dos alegados prejuízos experimentados pelo apelante. É sabido que as perdas e os danos devem ser plenamente comprovados para que sejam concedidos, não se olvidando que é ônus do autor provar fato constitutivo de seu direito. Ademais, para a aplicação da teoria da perda de uma chance, é necessário que haja uma grande probabilidade de efetivação da chance perdida. No caso, não há como se aferir tal probabilidade, pois a documentação colacionada às fls. 32/38 não demonstra a concessão, mas apenas o requerimento de bolsa de estudos, cujo “status” aparece como incompleto, demonstrando que a situação encontrava-se em análise, o que leva à conclusão de que havia apenas uma mera possibilidade, mas não probabilidade certa de obtenção da bolsa de estudos pleiteada. No que

tange ao dano moral, melhor sorte não lhe socorre. (Apelação Cível Nº 0005915-80.2010.8.26.0066, Vigésima Primeira Câmara de Direito Privado, Tribunal de Justiça de SP, Relator: Maurício Ferreira Leite, Julgado em 14/09/2011)

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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Frisou-se, no referido acórdão, que a mera pretensão de atingir algo não

enseja a responsabilidade civil pela perda de uma chance. O instituto só pode ser

utilizado quando existe uma chance séria e real. A simples vontade não enseja esta

modalidade de indenização, conforme explicitado.

10 CONCLUSÃO

Conforme demonstrado, a responsabilidade civil pela perda de uma chance é

de suma importância para o alcance de um ordenamento jurídico sólido. Serve,

especificamente, para tutelar situações que antes não se amoldavam a nenhuma

das modalidades tradicionais de responsabilidade civil.

Apesar de pouca doutrina completamente direcionada a respeito do tema,

bem é de ver que é uma secção da responsabilidade civil que vem ganhando

destaque.

As dificuldades inerentes à teoria são óbvias. Em especial, tem-se a

dificuldade de quantificar, em uma situação real, a chance que o individuo tinha de

angariar proveitos futuros. Essa quantificação, que estabelece um valor numérico,

apesar de se aproximar da matemática, que é uma ciência exata, conta com enorme

subjetividade. O juiz fixa o valor. Interpreta qual seria, a partir de provas juntadas

pelas partes, qual seria a chance que a vítima teria de alcançar determinada

vantagem.

Entretanto, mesmo com a dificuldade supracitada, a teoria resolve vários

casos que antes pertenciam no limbo. Por isso é tão importante.

A perda de uma chance não é apenas uma teoria abstrata, que existe apenas

para discussões acadêmicas. É teoria que, por diversas vezes, é aplicada ao caso

concreto. É importante que haja produção doutrinária a respeito do tema, para que

seus preceitos sejam fixados, com todas as forças, em nosso ordenamento.

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil. 12. ed. São Paulo:

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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A RELAÇÃO DE EMPREGO NO TELETRABALHO

TELEWORKING AND THE EMPLOYMENT RELATION

Yuri Ramos Scheidt1

Erika Paula de Campos2

1 Acadêmico de Direito do Centro Universitário Curitiba e professor de Inglês. 2 Formada em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba em 1990. Possui mestrado(2000) e doutorado (2005), em Direito, na área de relações sociais, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente é professora de Direito do Trabalho e Responsabilidade Civil e orientadora na graduação e pós-graduação de Direito do Trabalho no Centro Universitário Curitiba e na pós-graduação na Pontifícia Universidade Católica de Curitiba/PR. Professora convidada de várias instituições de ensino. Advogada. tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito do Trabalho e Civil. Membro da Comissão de Estudos à Violência de Gênero (CEVIGE) , OAB/PR, desde maio/2013.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO. 2. A RELAÇÃO DE EMPREGO. 2.1 Os Pressupostos

Configuradores da Relação de Emprego. 2.1.1. Pessoa Física. 2.1.2 Pessoalidade.

2.1.3 Não-eventualidade. 2.1.4. Onerosidade. 2.1.5. Subordinação. 3. O

TELETRABALHO. 3.1. Vantagens e desvantagens do teletrabalho em relação ao

empregado. 3.2 O controle de jornada e o direito de desconexão. 4. OS

PRESSUPOSTOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO EM FACE DO TELETRABALHO.

4.1 Pessoalidade. 4.2 Não-eventualidade. 4.3 Onerosidade. 4.4 Subordinação. 5.

CONCLUSÃO.

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RESUMO

A proposta principal do presente artigo é elucidar a questão do reconhecimento do

vínculo empregatício no âmbito do teletrabalho tendo em vista o novo teor do artigo

6º Consolidação das Leis do Trabalho dada pela Lei nº. 12.551/11. Inicialmente

iremos distinguir relação de trabalho e relação de emprego para então analisarmos a

acepção clássica dos pressupostos da relação de emprego. Posteriormente vamos

abordar a questão sobre o que realmente consiste no teletrabalho, suas

características e as vantagens e desvantagens que proporciona aos tomadores de

serviço, trabalhadores e para a sociedade. Ainda, serão abordadas no decorrer do

presente artigo algumas particularidades que são inerentes apenas ao teletrabalho.

Por fim, veremos como estas características peculiares do teletrabalho ocasionaram

a flexibilização dos pressupostos da relação empregatícia.

Palavras chave: Pressupostos, Relação de Emprego, Teletrabalho,

Flexibilização, Tecnologia.

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ABSTRACT

The main objective of this article is to figure how teleworking influenced upon the

classical concept of labor in Brazil. Through the analysis of the concept,

characteristics, advantages and disadvantages concerned to this modern way of

laboring, we will be able to find out how and why the requirements foreseen by the

Brazilian Law became more flexible by teleworking, to piece on with the new reality of

the companies. Also, some singular characteristics of teleworking will be tackled in

order to show why this modern way of labor is so important.

Keywords: Teleworking, Labor, Technology, Requirements, Law.

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1 INTRODUÇÃO

A partir do início do Século XXI, a evolução da sociedade tornou-se mais

acentuada. Diante da globalização inexistem fronteiras, a distância deixou de ser

problema pois o acesso à informação tornou-se muito mais rápido e fácil devido a

ocorrência de grandes inovações tecnológicas e o surgimento da internet. A cada dia

que passa a economia é mais competitiva, consumidores são mais exigentes,

trabalhadores tornam-se mais qualificados, trazendo aos empresários a necessidade

de aumentar a produtividade e baixar custos de forma coerente.

Atualmente esta revolução tecnológica e a dinâmica de informações impõe

aos indivíduos o questionamento acerca de valores e conceitos clássicos já

enraizados em nosso cotidiano. Ainda, geram efeitos sobre as relações de trabalho,

sendo isto o principal motivo do surgimento de novas formas de trabalhar.

Dentre estas contemporâneas formas de se trabalhar, aquela que é mais

habituada ao uso de tecnologia é o teletrabalho. Entretanto, ainda pairam muitas

dúvidas sobre a aplicabilidade desta forma de prestação laboral no Brasil, pois esta

carece de maior regulamentação por parte do ordenamento jurídico brasileiro. O

advento da Lei nº 12.551 trouxe, quando alterou o artigo 6º da Consolidação das

Leis do Trabalho, pela primeira vez um referencial normativo acerca do teletrabalho.

Diante desta “novidade” legislativa e tendo em vista que o teletrabalho é

uma importante e atual modalidade de prestação laboral que está em crescente

expansão no Brasil, teremos como principal objetivo deste artigo, justamente

analisar o novo teor do referido dispositivo da Consolidação das Leis do Trabalho,

debatendo acerca da possibilidade de reconhecimento do vínculo empregatício no

teletrabalho.

2 A RELAÇÃO DE EMPREGO

A fim de viabilizar este artigo apresentado deve-se inicialmente deixar clara

a diferença entre relação de emprego e relação de trabalho.

Trabalho consiste numa relação jurídica de prestação de obrigação de fazer

através o labor humano que independe de remuneração, habitualidade,

pessoalidade e/ou subordinação. Ao deparar-se com uma situação em que todas ou

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apenas uma destas características não estejam presentes estaremos diante de uma

mera relação de trabalho, como por exemplo: trabalho autônomo, trabalho voluntário

e trabalho eventual. É, portanto, o gênero que admite todas as formas de prestação

laboral admitidas.

Por outro lado, caso estejam presentes todos os requisitos elencados nos

artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, estaremos diante de uma

relação de emprego, na qual é especificamente aplicado o diploma legal acima

referido e protegida pelo artigo 7º da Constituição Federal, sendo assim, a relação

de emprego é apenas uma das espécies de trabalho.

Neste aspecto cumpre transcrever o que dita Amauri Mascaro do

Nascimento, in verbis:

O vértice do direito do trabalho não é todo trabalhador, mas um tipo especial dele, o empregado. Há vários outros tipos de trabalhadores que não estão incluídos no âmbito de aplicação do direito do trabalho. Não há uma definitiva orientação quanto aos tipos de trabalhadores sobre os quais o direito do trabalho deve ser aplicado. Predomina o entendimento segundo o qual o trabalho que deve receber proteção jurídica é o trabalho subordinado. O trabalhador subordinado típico é o empregado. A CLT é basicamente uma Consolidação das Leis dos Empregados. A Justiça do Trabalho é a Justiça dos Empregados. Portanto, esse esclarecimento se faz necessário. A expressão “contrato de trabalho” não dá a noção do objeto a que se refere, da mesma maneira que a expressão “relação de trabalho” merece idêntica crítica. (NASCIMENTO, 2002, p. 146)

Constata-se que a relação de emprego é uma relação jurídica de natureza

contratual uma vez que decorre da própria vontade das partes, sendo esta causa

disciplinadora da constituição do vínculo empregatício e da efetiva proteção trazida

pela Consolidação das Leis do Trabalho.3

Aduz Amauri Mascaro do Nascimento:

Pensamos que o vínculo entre empregado e empregador é uma relação jurídica de natureza contratual. Ninguém será empregado de outrem senão por sua própria vontade. Ninguém terá outrem como seu empregado senão também quando for da sua vontade. Assim, mesmo se uma pessoa começar a trabalhar para outra sem que expressamente nada tenha sido combinado entre ambas, isso só será possível pela vontade ou interesse das partes. (NASCIMENTO, 2002, p. 149)

3 Vide artigo 442 da Consolidação das Leis do Trabalho.

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Por corresponder a um tipo legal específico que em nada se parece com as

demais relações de trabalho admitidas e dado o sistema econômico capitalista em

que vivemos e se analisada sob o prisma econômico-social, constata-se que a

relação de emprego é a mais importante forma de relação de trabalho que existe

atualmente e por tal motivo esta passou a ser denominada erroneamente com a

designação cabível ao gênero, fazendo uso de expressões como relação de trabalho

e contrato de trabalho para denominar relações, institutos e normas concernentes

apenas à espécie (relação de emprego).

Feitas estas considerações iniciais, vejamos os pressupostos necessários

para a caracterização de uma relação de emprego.

2.1 Os Pressupostos Configuradores da Relação de Emprego

A relação empregatícia consiste em fenômeno social e jurídico que é

resultado da combinação de determinados elementos reunidos em um contexto

interpessoal, sendo que sem os mesmos não restará configurada esta relação.

Temos que são cinco pressupostos formadores/configuradores da relação

de emprego, quais sejam: execução do trabalho deve feita por pessoa física; não-

eventualidade; onerosidade; subordinação e pessoalidade.

Estes pressupostos estão principalmente elencados no artigo 3º da

Consolidação das Leis do Trabalho, embora esteja o último, mas não menos

importante, elencado no artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho.

Deve-se frisar que a observação destes elementos é de suma relevância

para o Direito do Trabalho, uma vez que são configuradores da relação jurídica

básica que originou todos os princípios, regras e institutos jurídicos deste especial

ramo do direito.

2.1.1. Pessoa Física

O trabalhador deve ser sempre uma pessoa física (natural), uma vez que os

bens jurídicos tutelados e protegidos pelo Direito do Trabalho são destinados

exclusivamente ao ser humano, como por exemplo, lazer, integridade física,

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integridade moral, saúde, vida, bem-estar, lazer e etc., sendo inegável que tais bens

jurídicos não podem ser usufruídos por pessoas jurídicas.

Com isto posto, observamos que se a prestação de serviços for feita por

pessoa jurídica, afastar-se-á a relação jurídica que poderia ser estabelecida caso

fosse feita por uma pessoa física, qual seja a relação de emprego. Por outro lado, o

tomador destes serviços pode ser, tanto pessoa física, quanto pessoa jurídica, por

força do disposto no caput do artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho,

portanto, empregador é aquele que tiver empregados.

Logo, o primeiro pressuposto da relação de emprego é que as atividades

laborais sejam desempenhadas exclusivamente por pessoas físicas (naturais).

2.1.2. Pessoalidade

O segundo pressuposto necessário ao reconhecimento da relação de

emprego é a pessoalidade. Esta é diretamente relacionada à necessidade de que a

prestação laboral seja feita por pessoa física, embora esta circunstância não

signifique que a prestação esteja se dando com pessoalidade.

Na relação de emprego, o indivíduo que desenvolve a prestação de serviço

(empregado), deve ter o caráter de infungibilidade, ou seja, a relação de emprego

deve ocorrer de maneira intuito personae. Assim, não deve o trabalhador deixar ser

substituído na prestação de serviços de maneira reiterada, caso contrário a

prestação de serviços tornar-se-á impessoal, fazendo com que o empregado perca o

caráter de infungibilidade, o que afasta a relação de emprego.

Entretanto, a substituição eventual decorrente do consentimento das partes

ou de hipóteses previstas na lei ou em norma autônoma, como por exemplo, férias,

licença-maternidade, acidente ou doença, cumprimento de mandado sindical e

outros, não descaracterizam a pessoalidade, mantendo assim relação jurídica de

emprego.

A pessoalidade como pressuposto configurador da relação de emprego gera

efeitos não somente no momento em que se forma esta relação, mas também no

momento em que for extinta. Por ser personalíssimo, a obrigação da prestação

laboral não é transmitida aos sucessores ou herdeiros do empregado, sendo esta

uma causa de extinção automática do contrato de emprego, embora seja atípica.

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Por fim, mas não menos importante, cumpre enfatizar que a pessoalidade é

um pressuposto fático da relação empregatícia inerente apenas à figura do

empregado.4

2.1.3. Não-eventualidade

A doutrina não é uníssona quanto ao conceito de não-eventualidade e sua

caracterização tendo em vista serem muito subjetivas as diferenças entre a

eventualidade e não-eventualidade.

No que tange a CLT, a jurisprudência atual vem adotando uma combinação

de duas destas teorias a fim de facilitar a constatação da não eventualidade, quais

sejam, a teoria da fixação jurídica e a teoria dos fins do empreendimento ou fins da

empresa.5

A teoria dos fins do empreendimento versa que trabalho eventual é aquele em

que o trabalhador realiza tarefas diferentes das inseridas na atividade normal da

empresa, sendo assim esporádico e de curta duração o desempenho de tais tarefas.

Portanto, na constatação da não-eventualidade, deve-se avaliar se as tarefas

realizadas pelo trabalhador são compatíveis com as atividades desempenhadas pela

empresa.

A teoria da fixação jurídica, por outro lado, aborda a questão da eventualidade

sob o prisma do número de tomadores de serviços para os quais o trabalhador

desempenha suas atividades. Tem-se que o trabalho eventual é aquele

desempenhado pelo trabalhador para diversos tomadores, não se fixando a apenas

uma fonte de trabalho.

4 Vide artigo 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho. 5 TRT-PR-18-06-2010 VÍNCULO EMPREGATÍCIO. LABOR NÃO EVENTUAL. Tendo o autor laborado na atividade-fim da reclamada, com subordinação, pessoalidade e onerosidade, e que, respeitosamente, não se cogita de eventual o trabalho realizado em três dias da semana, resta caracterizado o vínculo de empre7go entre as partes. (3639200920909 PR 3639-2009-20-9-0-9, Relator: SÉRGIO MURILO RODRIGUES LEMOS, 4A. TURMA, Data de Publicação: 18/06/2010) TRT-PR-17-04-2009 VÍNCULO EMPREGATÍCIO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO EVENTUAL. O trabalho eventual caracteriza-se pela descontinuidade da prestação do trabalho com curta duração em evento certo, determinado e episódico, bem como pela natureza do trabalho que, em regra, diverge do padrão dos fins normais do empreendimento. A eventualidade no trabalho executado e mais a constatação de trabalho prestado a uma pluralidade de tomadores de serviços afasta o reconhecimento de vínculo empregatício, que por sua vez, possui pressupostos específicos previstos na CLT art. 3º. Sentença que se mantém.(674200817902 PR 674-2008-17-9-0-2, Relator: UBIRAJARA CARLOS MENDES, 1A. TURMA, Data de Publicação: 17/04/2009)

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Diante disto, a eventualidade será constatada se forem combinados os

seguintes elementos: não fixação jurídica do trabalhador a apenas um tomador de

serviço, devendo haver uma pluralidade de tomadores; a duração do trabalho a ser

desempenhado deverá ser curta e referir-se apenas a um evento específico, o qual

provocou a demanda e finalmente, a natureza do trabalho desempenhado não deve

estar diretamente relacionada com as atividades/fins normais da empresa.

Deve-se ainda ressaltar que a não-eventualidade não será afastada se o

empregado desempenhe suas atividades laborais com jornada contratual inferior a

estipulada por lei, pois a prestação laboral mesmo que descontínua poderá ter

caráter permanente se analisada a longo prazo.

2.1.4. Onerosidade

A relação empregatícia envolve um conjunto de prestações e

contraprestações recíprocas das partes, as quais são passíveis de serem

economicamente mensuradas.

O pressuposto da onerosidade se analisado de maneira objetiva, é

basicamente o pagamento por parte do empregador das parcelas que tem por

objetivo remunerar o empregado, por força do contrato empregatício firmado entre

as partes.

Por outro lado, sob análise subjetiva, a onerosidade se manifesta pela

consistente intenção contra prestativa do trabalhador em auferir um ganho

econômico pela força laboral por ele ofertada em face da intenção do empregador

em explorar comercialmente a prestação laboral do empregado.

Desta maneira, tem-se que o animus contrahendi, ou seja, a intenção das

partes em contratar é fundamental para a natureza jurídica do vínculo empregatício

a ser formado posto que esta é traduzida pelo intuito ou vontade das partes em se

vincular a título oneroso a outrem.

Caso inexista o animus contrahendi, por parte do tomador de serviços,

estaremos diante de situação diversa, qual seja o trabalho voluntário. Esta prestação

laboral possui um caráter de benevolência, sendo a gratuidade elemento

preponderante para tal.

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Logo, inexistindo a intenção/vontade tanto do prestador de serviços quanto do

tomador, não há o que se falar em onerosidade e consequentemente em vínculo

empregatício.

2.1.5. Subordinação

O conceito clássico de subordinação é demarcado por dois aspectos

importantes, posto que esta provoca o surgimento direitos e deveres entre as partes

do contrato de emprego.

O primeiro, cujo é relacionado ao empregador, é consubstanciado nos

seguintes direitos: de direção e comando – é a possibilidade do empregador

determinar as condições para a aplicação da força de trabalho; de controle –

viabiliza ao empregador a possibilidade de verificar o cumprimento das ordens que

deu ao empregado; de disciplina – consiste na possibilidade do empregador aplicar

sanções ao empregado em caso de descumprimento de alguma obrigação, seja ela

principal ou acessória.6

O segundo aspecto, o qual é relacionado ao empregado refere-se o fato de

que este, ao firmar o contrato empregatício, autoriza que sua força laboral seja

administrada e usufruída pelo empregador. É, portanto, o dever de obediência do

empregado.

Orlando Gomes e Elson Gottschalk se manifestam em sua obra:

A atividade do empregado consistira em se deixar guiar e dirigir, de modo que as suas energias convoladas no contrato, quase sempre indeterminadamente, sejam conduzidas, caso por caso, segundo os fins desejados pelo empregador. Tanto o poder de comando como ao de direção do empregado corresponde ao dever específico do empregado de obedecer. (Gomes; Gottschalk, 2004, p.119)

Entretanto, a subordinação não pode ser avaliada apenas sob o aspecto do

empregado, uma vez esta que influência diretamente no modo em que se dará a

prestação laboral e não a pessoa do trabalhador. Logo, a subordinação não se dá

em relação a pessoa do trabalhador, mas apenas sobre a forma como a atividade

6 Frise-se que o direito disciplinar do empregador, conforme jurisprudência pacificada, não poderá extrapolar os limites do bom-senso, não sendo admitido a redução salarial, o rebaixamento de cargo e a transferência como forma de punir do empregado, nos termos da Súmula 43 do TST.

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laboral se dará, embora muitas vezes se vislumbre um estado de sujeição (status

subjectiones) do empregado para com seu empregador.

Dada possível variação do grau de subordinação existente nas mais diversas

atividades, este aspecto subjetivo da sujeição não pode ser utilizado por ser

insuficiente para capturar a presença da subordinação na hipótese de trabalhos

prestados por funcionários com alto posicionamento na hierarquia de uma

companhia ou trabalhos intelectuais, por exemplo.

Diante disto, a doutrina criou o critério da subordinação jurídica, em que a

partir da avaliação da própria relação jurídica entre as partes, seria possível auferir

se está ou não caracterizado o pressuposto da subordinação e consequentemente a

relação de emprego.

A subordinação jurídica é, portanto, auferida a partir análise das

peculiaridades e circunstâncias do contrato firmado entre as partes em que se está

inserida a prestação laboral. Este aspecto será de grande valia na análise do novo

teor dado pela Lei nº. 12.552 ao artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho a

luz do teletrabalho, pois, como veremos adiante, haverão alguns elementos

indicadores da subordinação nesta modalidade de prestação laboral.

Logo, observa-se a possibilidade da proteção do Direito do Trabalho, se na

relação contratual a que as partes se submeteram houver reconhecidamente a

subordinação do trabalhador para com seu contratante, incumbindo-lhes a condição

de empregado e empregador, respectivamente.

3 O TELETRABALHO

O trabalho possui, desde os tempos da Revolução Industrial no início do

Século XIX, tendência a ser centralizado em locais de trabalho. Isto se dá pelo

simples motivo de que empregadores acreditavam que uma companhia precisa,

para funcionar de maneira eficaz e lucrativa, concentrar em um determinado lugar

seus empregados (operários) e maquinário, bem como estar próximo de

fornecedores e da fonte de sua matéria-prima. Havia uma máxima de que “para

trabalhar você precisa ir ao trabalho”. (NILLES, 1997, p. 22).

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Os primeiros contornos do teletrabalho surgiram na década de 1970, quando

se difundiu a utilização do correio, telefone, telegrafo, telex e outros na atividade

laboral em face da crise dos combustíveis e o avanço tecnológico dos meios de

telecomunicações, que à época, andava a passos largos.

Tal fato proporcionou a alguns empregadores a opção de utilizar meios de

comunicação para exercer o seus poderes de comando, controle e disciplina sobre

seus empregados, regulando a atividade que estes exerciam fora dos locais de

trabalho. Surgiu assim uma das características mais marcantes do teletrabalho que

é a descentralização, ou seja, a prestação de determinados tipos de serviços não

mais necessitavam da presença do trabalhador ao seu local de trabalho,

principalmente daqueles que desempenham trabalhos de natureza intelectual.

Com o avanço da tecnologia de computadores e o surgimento e difusão da

internet, tornou-se ainda mais comum os indivíduos que desempenham suas

atividades fora do local de trabalho, proporcionando que a globalização chegasse às

relações de trabalho e consolidando-a através do teletrabalho.

Teletrabalho consiste na possibilidade do empregado desempenhar suas

atividades sem que frequente o local de trabalho devido ao uso das tecnologias de

comunicação e informação.

O autor Pinho Pedreira aprofunda o conceito, assegurando que:

[...] o teletrabalho é a atividade do trabalhador desenvolvida total ou

parcialmente em locais distantes da sede principal da empresa, de forma

telemática. Total ou parcialmente porque há teletrabalho exercido em parte

na sede da empresa em parte em locais dela distantes. (PEDREIRA, 2000,

p. 583).

Existem dois termos utilizados para indicar se o teletrabalho se dá de forma

total ou parcial, dois termos muito relevantes para o teletrabalho, quais sejam o

teleworking e o telecommuting.

O termo teleworking consiste no trabalho que é desempenhado pelo

empregado totalmente fora do local de trabalho, sendo que o empregador remete ao

empregado suas ordens e diretrizes sobre o que deverá ser efetuado e o

empregado, posteriormente, envia a aquele o trabalho concluído, sendo tudo feito o

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eletronicamente através dos meios tecnológicos de informação e comunicação.

Assim, temos que o controle da atividade do empregado é indireto, posto que é feita

com base nos resultados do empregado.

O segundo termo, telecommuting, está relacionado ao trabalho efetuado

pelo empregado em um ou mais dias da semana fora do ambiente de trabalho. É a

substituição das viagens/deslocamento do empregado ao local trabalho reiteradas

vezes por meios tecnológicos de informação e comunicação. Frise-se que no caso

do telecommuting, o empregado deverá, ainda que com menos frequência, visitar o

seu local de trabalho para receber suas ordens, apresentar a atividade em que está

empenhado e os respectivos resultados. Nesta forma de teletrabalho, o controle da

atividade do empregado é mais direto do que no caso do teleworking, porem menor

se comparado ao trabalho que é efetuado integralmente no local de trabalho.

Diante disto, deve-se transcrever a constatação de Nilles:

Telecommuting é uma forma de teleworking. De fato, se aumentar a

distância casa-trabalho em algumas centenas de quilômetros, ou qualquer

distancia que impeça viagens frequentes, obtém-se o teleworking que

envolve também a substituição do vaivém cotidiano. (NILLES, 1997, p. 33)

Ainda, Nilles expõe que o teletrabalho poderá ser efetuado nos mais

variados locais, dependendo do grau em que o empregador deseja efetivar o seu

controle da atividade do empregado. Segundo ele, o teletrabalho poderá se dar na

residência do empregado, em centro-satélites ou em centros locais de telesserviços.

O teletrabalho desempenhado no domicílio do empregado é designado

como teletrabalho em domicílio. Consiste na modalidade mais autêntica de

teletrabalho, pois, neste caso, o empregado possui em sua residência todos os

meios necessários para que execute o seu serviço da maneira apropriada, como por

exemplo internet, telefone, fax, computador e etc. O termo em inglês relativo a esta

modalidade é home-office ou eletronic home work.

Centro-satélites são basicamente locais que uma determinada empresa

mantém e que possuem todos meios tecnológicos de comunicação possíveis para

viabilizar o contato virtual entre ela e seus empregados e efetivar a atividade laboral.

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Muito similares a estes, os centros locais de telesserviços são da mesma

forma locais que detém a tecnologia necessária para proporcionar comunicação

entre empregador e empregado, porem pertencem não apenas a uma única

empresa, mas a várias empresas, onde, concomitantemente, seus empregados

desempenham as mais variadas atividades, cada qual conforme a sua designação e

área de atuação.

Entretanto, atualmente todos os indivíduos da sociedade podem estar

conectados na internet a partir de um simples clique na tela de smartphones, tablets,

notebooks e demais dispositivos do gênero.

Diante disto, é clara a possibilidade de que o teletrabalho não deverá

necessariamente se dar na residência do empregado, nos centros-locais ou

satélites. O teletrabalho poderá ser desenvolvido em qualquer local em que esteja

situado o empregado, desde que este possua um contato direto, ainda que

eletrônico, com seu empregador. Ou seja, basicamente se o empregado tiver acesso

a uma conexão de internet e possuir consigo o equipamento eletrônico necessário,

poderá tranquilamente, desempenhar suas atividades laborais. Esta modalidade é

designada de teletrabalho nômade.

Observa-se que o teletrabalho possui certas características peculiares se

comparado ao trabalho comum, como por exemplo, a flexibilidade de horário e do

local de trabalho, ausência de fiscalização direta do empregador e a utilização de

meios eletrônicos de comunicação. Porem tais características não tem o condão de

impor a autonomia na relação entre o individuo que desempenha o teletrabalho e

aquele que lhe toma os serviços.

O novo teor do artigo 6º da CLT traz expressamente esta constatação pois

os meios eletrônicos de comunicação são suficientes para equiparar aos pessoais

para fins de subordinação do indivíduo aos poderes do empregador, visando

afastando assim a autonomia do teletrabalhador.

Como vimos, a subordinação jurídica é auferida a partir da real relação

jurídica entre as partes através da análise de peculiaridades e circunstâncias

pertinentes, cujos são inerentes ao empregador e ao empregado.

Em virtude destas considerações, a natureza jurídica do teletrabalho pode

variar, podendo ser contratual, quando restar caracterizados os pressupostos da

não-eventualidade, onerosidade, pessoalidade e subordinação jurídica. Mas também

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poderá ser outra distinta, quando um destes elementos não estiver presente ou for

substituído por outros.

Manifesta Carla Carrara da Silva Jardim:

O teletrabalho, dada sua especificidade, é uma atividade de natureza controvertida, que acaba por esbarrar em todas as figuras do ordenamento jurídico tradicional. O critério para verificar a sua natureza jurídica tem como centro a existência ou não da subordinação e da avaliação dos casos concretos. (JARDIM, 2003, p. 59)

Ainda, cumpre ressaltar que o teletrabalho poderá atingir, tanto trabalhadores

qualificados, quanto aqueles que desempenham atividades mais rotineiras, embora

tal possibilidade não destitua a fato de que ambos terão que desempenhar

atividades seguindo um padrão de conduta e resultado almejado, cujos são pré-

estabelecidos pelo empregador.

Ocorre que aqueles teletrabalhadores mais qualificados serão passiveis de

maior flexibilidade no desenvolvimento de sua atividade laboral, sendo a estes o

padrão de condutas mais brando, enquanto os outros que carecem de qualificação

terão, impreterivelmente, que seguir horários, cumprir metas, prestar relatórios e etc.

A este respeito Carla Carrara da Silva Jardim sustenta:

Os teletrabalhadores com maiores atividades rotineiras são aqueles que gozam geralmente de menor qualificação, aqueles que realizam maiores programas de telecommuting, em sua maioria em países de desenvolvimento, onde a mão-de-obra é mais barata, o que facilita a redução de custos empresariais, sem esquecer que a empresa-sede conta com os meios de controle e produção do trabalho (conexão via internet; on-line; off-line). Por outro lado, estão os teletrabalhadores que fazer parte do staff criativo: para estes, as atividades, as rotinas e a produção de trabalho gozam de maior flexibilidade e o controle das empresas no desenvolvimento do trabalho apresenta variantes segundo o tipo de teletrabalho. (JARDIM, 2003, p. 114)

Por fim, deve-se elucidar o questionamento de que o teletrabalho é uma

variação da espécie trabalho em domicílio ou se é uma nova espécie do gênero

trabalho a distância, cujo inclusive, engloba o trabalho a domicilio.

O teletrabalho deve ser tratado como sendo uma nova espécie do trabalho a

distância, pois o uso de técnicas de informação e de meios tecnológicos de

comunicação, aliadas à flexibilização do local do trabalho dão ao teletrabalho um

significado diferenciado e peculiar.

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O enquadramento do teletrabalho como uma variação do trabalho em

domicílio não é pertinente, porque o teletrabalho não abrange tão somente

atividades manuais, pois conforme foi exposta, esta forma de trabalho abrange

também aqueles indivíduos que desempenham as mais diversas atividades

intelectuais, as quais exigem maior qualificação técnica. Embora haja uma natural

predisposição do teletrabalhador em desempenhar suas atividades em sua

residência, tal fato não também não teria o condão de impor este enquadramento,

pois o teletrabalho pode ser desempenhado em qualquer local em que esteja situado

o teletrabalhador desde que nestes locais se disponham os meios tecnológicos de

comunicação para viabilizar a atividade, podendo ser tais meios simplesmente um

computador portátil e conexão a internet.

Ainda, a expressa possibilidade da existência de subordinação do

teletrabalhador acaba por fazer cair por terra este enquadramento, uma vez que esta

é inexistente no trabalho em domicílio.

Portanto, o teletrabalho é uma forma de atividade tão abrangente quanto o

trabalho clássico, passível de ser utilizado indistintamente por qualquer empresa em

determinados setores, bastando que estas implementem uma seleção criteriosa e

que proporcionem um adequado treinamento de seus teletrabalhadores.

3.1. Principais Vantagens e Desvantagens do Teletrabalho

Ao levarmos em consideração todos os apontamentos feitos até o momento,

podemos constatar que o teletrabalho possui diversas vantagens se for

implementado em uma empresa da maneira correta. Tais vantagens serão

percebidas tanto pelo teletrabalhador e empregador quanto pela sociedade em

geral, ou seja, o teletrabalho permite a conciliação entre os interesses do

empregado, do empregador e da coletividade.

Frise-se que poderão ainda ser constatadas outras vantagens que aqui não

foram elencadas, dada a particularidade de cada indivíduo e empresa, suas

convicções e a situação fática em que estão inseridos.

Primeiramente, analisando sob a ótica do teletrabalhador, é inequívoco o fato

do teletrabalho lhe proporcionar:

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526

- Aumento do tempo disponível para demais atividades além da atividade

laboral, pois este não é perdido com os deslocamentos entre sua casa e o local de

trabalho.

- Possibilidade de desempenhar sua atividade em qualquer local, inclusive

sua residência. A necessidade do desempenho da atividade em um local específico

é flexibilizada, pois a fiscalização da atividade do teletrabalhador é feita através dos

resultados da atividade que vem desenvolvendo, quando são apresentadas ao

tomador dos serviços.

- Desvinculação do local da residência do empregado em relação seu

emprego, uma vez que este não precisa mais necessariamente viver em um local

próximo a localização física da empresa.

- Maior flexibilidade na organização e tempo do trabalho. O teletrabalhador

pode individualmente se organizar da maneira que lhe for mais conveniente,

adaptando as suas necessidades particulares com as diretrizes e demanda que o

trabalho que lhe foi incumbido permitir.

- Redução de gastos, posto que o teletrabalhador não mais necessita arcar

com despesas de transporte.

- Maior convivência familiar, social e comunitária do teletrabalhador, posto que

fica mais tempo em contato com o seu ambiente particular.

- Redução do stress cotidiano.

Também temos a ótica do empregador, o qual também será beneficiado

principalmente pelas seguintes vantagens, embora possam existir ainda outras:

- Maior facilidade na organização, gestão da empresa e da mão de obra.

- Possibilidade de contratar trabalhadores mais qualificados ao cargo, pois

dada a flexibilização do local de trabalho, poderá o empregador contratar um

teletrabalhador que esteja situado em outra cidade, estado e até país.

- Redução de custos com o transporte, alimentação e material dos

trabalhadores.

- Redução de custos com infraestrutura, uma vez que seus empregados irão

trabalhar em locais diversos.

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- Diminuição de pedidos de demissões, faltas, acidentes e doenças dos

trabalhadores decorrente do fato da redução do stress cotidiano e menor exposição

dos trabalhadores.

- Menor probabilidade de conflitos entre os empregados.

- Natural incentivo a maior produtividade e motivação dos empregados, pois

estes irão desempenhar suas atividades em um ambiente que lhe for mais

confortável e produtivo, conforme a sua particular convicção.

- Possibilidade de efetuar o trabalho em tempo real com pessoas de diversos

locais do mundo.

- Possibilidade de contratação de mão de obra mais barata, para aqueles

trabalhos que exigem menor qualificação.

- Melhor possibilidade de assistência pessoal a clientes, cuja poderá ser feita

via internet.

Por outro lado, o teletrabalho encontra atualmente muitas resistências para

sua implantação. Grande parte disto se dá pela resistência dos empregadores em

alterar a hierarquia tradicional já enraizada em suas empresas. Sua implantação

demanda além de mudanças em aspectos econômicos e normativos, mudanças no

aspecto cultural dos empregadores.

A justificativa desta resistência surge da chance de que algumas das

vantagens elencadas poderão ser, conforme a convicção e disciplina de cada

individuo, empecilhos que o teletrabalhador e seu empregador deverão enfrentar,

uma vez que poderá significar a estes o isolamento do convívio social, dificuldade na

distinção entre vida particular e profissional, possibilidade de maior dificuldade de

encontrar ajuda durante o desenvolvimento da atividade profissional e

impossibilidade de ascensão na carreira.

Verifica-se, portanto, o fato de que da automotivação e a autodisciplina dos

teletrabalhadores são fatores decisivos para o sucesso do teletrabalho em uma

empresa, além claro, da qualificação.

Podem-se citar as seguintes desvantagens do teletrabalho em relação ao

teletrabalhador:

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- Fragmentação do trabalho, devido ao fato de o teletrabalho dificultar a

realização de atividades em grupos.

- Ausência de visualização do conjunto entre empresa e mercado onde esta

atua.

- Ausência de contato com colegas de trabalho ou com a hierarquia. Deve-se

ressaltar que a hierarquia não é apagada, esta possui apenas maior dificuldade em

ser efetivamente observada pelo teletrabalhador.

- Dificuldade na obtenção de senso de equipe entre os teletrabalhadores.

- Grande dispersão dos teletrabalhadores no território de atuação da

empresa, tornando bastante complicadas as ações sindicais.

- Isolamento do convívio social.

- Diferenças na remuneração entre o teletrabalhador e o trabalhador que

desempenha atividades no local de trabalho.

- Pouca proteção jurídica, pois se trata de matéria ainda não normatizada pelo

ordenamento jurídico brasileiro.

- Mitigação da capacidade do individuo pelo fato do teletrabalho poder tornar-

se repetitivo, rotineiro, estático em algumas atividades, como por exemplo, digitação

e tratamento de dados.

- Maiores chances de desenvolver doenças decorrentes do uso dos meios

tecnológicos. Cite-se, por exemplo, a lesão por esforço repetitivo, glaucoma,

escoliose e outras.

Se observado sob o prisma do empregador, o teletrabalho poderá ter, por

exemplo, as seguintes desvantagens:

- Dificuldades em promover a reunião com os teletrabalhadores para que

possa receber destes o feedback (informações) acerca do andamento da atividade

que está prestando.

- Dificuldades em manter o sigilo/confidencialidade de dados importantes a

atividade.

- Necessidade de efetuar a seleção dos candidatos de forma mais rígida,

visando a contratação de indivíduos que melhor se encaixem no perfil dos

teletrabalhadores.

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- Elevação nos custos de treinamento e formação dos teletrabalhadores, pois

estes terão muitas vezes que operar sistemas específicos que as empresas utilizam,

conforme a sua necessidade e pertinência.

- Ausência ou diminuição do sentido de coletividade.

- Necessidade de dar maior atenção a possíveis problemas com a

transmissão de dados e informações. Isto se dá devido à vulnerabilidade que a

internet pode ocasionar, uma vez que tais dados podem ser interceptados por

pessoas que não devem ter acesso a estes dados ou informações e que poderão,

com isto, fazer uso destas para provocar prejuízos a empresa.

- Dificuldade no controle da jornada e prestação de trabalho efetuada.

- Dificuldade em garantir um ambiente de trabalho saudável ao

teletrabalhador, visando garantir a integridade física deste.

A partir da análise destas desvantagens, percebemos que todas são passiveis

de solução, bastando que o empregador tome determinadas atitudes a fim de evitá-

las, como por exemplo: impor que os teletrabalhadores, a cada determinado período

de tempo, se desloquem ao local da empresa a fim de promover reuniões que tem

por objetivo discutir o que está sendo feito e dar ao empregador informações que

julgar pertinentes para promover a melhoria do trabalho que desempenha e o

desenvolvimento do grupo como um todo, além de possibilitar que o teletrabalhador

participe do cotidiano da empresa. Também poderá investir em programas de

computador e em pessoal treinando-os para garantir o sigilo necessário aos dados e

informações que a empresa presta ao teletrabalhador.

3.2 O controle de jornada no teletrabalho e o direito de desconexão

A aplicação do controle de jornada no teletrabalho é bastante dúbia, porém

possível. Isto se dá em virtude de que a principal vantagem ao empregador é

justamente a flexibilidade de horário, mas que por outro lado, não exime a

necessidade do empregador em garantir ao teletrabalhador um ambiente de trabalho

que preserve a sua integridade física e psicológica, bem como a correta

remuneração a ser paga de acordo com as atividades efetuadas.

Alice Monteiro de Barros sustenta:

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É possível, entretanto, aplicar ao teletrabalhador as normas sobre jornada de trabalho, quando estiver em conexão permanente com a empresa que lhe controla a atividade e o tempo de trabalho mediante a utilização de um programa informático, capaz de armazenar na memória a duração real da atividade, dos intervalos, ou o horário definido pela exigência dos clientes do empregador, sem que o teletrabalhador tenha liberdade para escolher entre as horas que pretende trabalhar ao dia. Não há incompatibilidade entre o teletrabalho e a jornada extraordinária e, consequentemente, é possível também fixar o salário por unidade de tempo. (BARROS, 2010, p. 263/264).

Diante deste dilema, surgiu a possibilidade da utilização de softwares no

âmbito organizacional das empresas que viabilizam não apenas o controle no

cumprimento da jornada de trabalho de seus teletrabalhadores, tal qual fazem os

relógios ponto, mas que viabilizam além do registro do tempo de trabalho

efetivamente prestado através do login e logout, as pausas, cadência de trabalho e

recebimento de instruções do teletrabalhador.

Entretanto, não são comuns as empresas que adotam tais softwares a serem

utilizados pelos teletrabalhadores por motivos econômicos e técnicos. Normalmente,

as empresas que possuem teletrabalhadores em seus quadros de funcionários,

como já foi exposto, fazem uso de e-mails, telefonemas e fax para a transmissão de

diretrizes, pautas, prazos e condições em que se dará a atividade a ser efetuada

pelo teletrabalhador. Isto dificulta a aferição da jornada de trabalho prestada e o

pagamento de remuneração compatível com a atividade desempenhada.

Observa-se que tal prática provoca certos empecilhos que, cominados,

poderão ensejar a desistência na aplicação do teletrabalho no âmbito empresarial,

uma vez que pode ocasionar queda das barreiras existentes entre a vida privada e a

vida profissional do teletrabalhador, trazendo à baila a importância do direito de

desconexão dos teletrabalhadores.

Considerando-se que o contato entre empregador e empregado é feito

através dos meios tecnológicos de comunicação e o fato de ocorrer à flexibilização

do local de trabalho, na prática, torna-se tênue divisão existente entre a vida privada

e a vida profissional do teletrabalhador, que, uma vez extrapolada, acarreta na

possibilidade de prolongamento da jornada de trabalho.

O teletrabalho pode ocasionar uma invasão na vida privada do empregado,

pelo simples fato que o controle de jornada fica dificultado dada as suas

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peculiaridades. Some-se ainda o fato de que os empregadores, através do uso dos

poderes de direção e supervisão, fazem o controle do serviço prestado pelo

teletrabalhadores através de metas/resultados e assim acabam esbarrando com os

direitos dos trabalhadores, mitigando-os e causando questionamentos acerca do

excesso de trabalho que alguns teletrabalhadores poderão vir a enfrentar.

Com isto, surgiu a teoria da desconexão, na qual devemos entender por

desconexão como sendo o direito assegurado ao trabalhador de não se sujeitar ao

cumprimento de solicitações, contatos, ordens, diretrizes, prazos e etc., durante o

seu período de descanso. Portanto, o direito de desconexão dos teletrabalhadores é

o meio pelo qual estes irão individualmente assegurar a sua integridade física,

mental e familiar, através do lazer, da saúde e da intimidade.

Os meios tecnológicos utilizados para o desenvolvimento do teletrabalho não

podem servir como meio de manter os teletrabalhadores vinculados a suas

atividades laborais indefinidamente. Mesmo que os empregados estejam em posse

de tais equipamentos, tal circunstância não permite que demanda do teletrabalhador

inobserve os horários de repouso estipulados em contrato e assegurados pela lei

sem que lhe seja proporcionada correta remuneração pela apropriação do tempo

que seria destinado ao lazer e descanso, mas que na realidade foi destinado em prol

dos interesses econômicos do empregador.

Portanto, a possibilidade do teletrabalhador auferir horas-extras é cristalina e

não afronta uma das principais características do teletrabalho, a flexibilidade de

horário.

Deve-se ressaltar, porém, que caso a atividade desempenhada pelo

teletrabalhador ou o próprio tomador de serviços permitirem a total flexibilidade de

horários exclui-se o controle de jornada no teletrabalho. Esta vantagem em favor do

empregado causa que a relação de emprego seja alcançada pelo disposto no artigo

62, I da Consolidação das Leis do Trabalho, pois o empregado pode desempenhar

suas atividades nos finais de semana e períodos noturnos, não podendo então impor

ao empregador o ônus de remunerá-lo pelos adicionais atinentes ao caso.

Porem, a possibilidade do teletrabalhador não estar em permanente

fiscalização e controle do empregador por si só não sugere a aplicação deste artigo,

pois a atividade por ele prestada deve ser incompatível com a fixação de horário de

trabalho, o que certamente não ocorrerá com todo teletrabalhador.

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Desta forma, conclui-se que direito de desconexão é de suma relevância para

as relações empregatícias que tenham como objeto o teletrabalho pois serve como

meio de delinear a linha que divide o tempo de lazer e o tempo de trabalho e não

impor ao teletrabalhador disponibilidade excessiva ao seu empregador, evitando-lhe

assim prejuízos e mitigação de direitos.

4 OS PRESSUPOSTOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO EM FACE DO

TELETRABALHO

É inequívoco o fato que a alteração do teor do artigo 6º da Consolidação das

Leis do Trabalho, deu maior amplitude a possibilidade da caracterização da relação

de emprego tendo em vista que o parágrafo único do referido dispositivo equipara os

meios eletrônicos de comando, controle e supervisão àqueles prestados de forma

direta e pessoal pelo empregador. Ou seja, caíram por terra quaisquer

questionamentos acerca da possibilidade de não caracterização da relação de

emprego no teletrabalho.

Vejamos então os aspectos relevantes do teletrabalho sobre aos

pressupostos caracterizadores da relação de emprego previstos nos artigos 2º e 3º

da Consolidação das Leis do Trabalho.

4.1 Pessoalidade

Quanto à pessoalidade, devemos observar que no âmbito do teletrabalho a

fidúcia/confiança entre o tomador de serviços e o teletrabalhador deve ser maior,

mesmo sendo esta mais frágil e, portanto, suscetível a quebras.

Por isto, teletrabalhador tem como um de seus deveres principais prestar

pessoalmente sua atividade laboral, não devendo incumbir a outrem o exercício e

desenvolvimento das atividades laborais que lhe foram determinadas por seu

empregador sob pena de, se o fizer, perder este caráter de infungibilidade e

descaracterizar a relação de emprego. Ainda, o teletrabalho por fazer

essencialmente uso de meios eletrônicos, geralmente terá a pessoa do empregado

vinculado a senhas pessoais e intransferíveis ou dispositivos biométricos de

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impressão digital que garantirão a pessoalidade perante o empregador, são as

chamadas assinaturas digitais.

A fim de dar maior credibilidade ao pressuposto da pessoalidade no âmbito do

teletrabalho pode-se observar ainda presença da responsabilidade pessoal do

teletrabalhador pelas atividades desempenhadas, incumbindo-lhe também a

qualidade do serviço prestado. Esta avaliação é praticada nos casos de trabalho em

domicílio sendo também pertinente e perfeitamente cabível ao teletrabalho.

Logo, conclui-se que o teletrabalho acabou enrijecendo este pressuposto,

posto que poderá além vincular ao teletrabalhador a responsabilidade pessoal pela

qualidade do serviço por ele prestado, servir como fator preponderante para a fidúcia

entre empregador e empregado.

4.2 Não-eventualidade

Quanto a não-eventualidade, a aplicação das teorias da fixação jurídica e dos

fins do empreendimento de forma conjunta no teletrabalho são suficientes para

auferi-la no teletrabalho.

Primeiramente, deve-se observar se o teletrabalhador desempenha ou não

atividades relacionadas à atividade principal da empresa, ou seja, a atividade laboral

desempenhada pelo teletrabalhador precisa guardar relação com o tipo de produto

ou serviço que a empresa disponibiliza ao mercado econômico. Após, deve-se

averiguar se o teletrabalhador desempenha suas atividades de forma única e

exclusiva a apenas um tomador de serviços ou não.

Caso estes dois aspectos sejam configurados na atividade laboral

desempenhada pelo teletrabalhador, a sua prestação laboral torna-se necessária,

essencial e permanente à empresa, restando caracterizada a não-eventualidade.

4.3 Onerosidade

Quanto à onerosidade, esta consiste na totalidade da contraprestação

econômica ofertada pelo tomador de serviços ao seu empregado para que disponha

de sua força laboral.

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Tendo em vista o teor do artigo 457 da CLT, observa-se que ordenamento

jurídico brasileiro admite que a remuneração do trabalhador seja paga diariamente,

semanalmente ou mensalmente; em dinheiro ou em parte utilidades e a ainda fixa ou

variável, guardando, neste caso, estreita relação com a produtividade do

empregado.

Esta flexibilidade na remuneração além de ser aplicada no âmbito do

teletrabalho como meio de proporcionar melhor adequação e correspondência às

muitas atividades que podem ser prestadas pelo teletrabalhador, a percepção de

valores variáveis decorrentes de comissões, participação de lucros e por produção,

poderá também servir ao empregador como uma ferramenta disciplinadora, servindo

como meio coercitivo para induzir indiretamente o teletrabalhador a cumprir prazos e

ordens, tornando-o mais engajado na atividade que presta através dos meios

tecnológicos de comunicação.

Assim, conclui-se que a onerosidade no teletrabalho além de ter sua função

básica indicativa da relação emprego, servirá, desde que bem utilizada e em

consonância com a situação fática a que está inserida a utilização do teletrabalho,

como fator determinante do sucesso na aplicação desta peculiar forma de prestação

laboral nas empresas.

4.4 Subordinação

A equiparação provocada pela Lei nº. 12.551, a qual tornou os meios

telemáticos de informação equivalentes aos meios pessoais de comando, controle e

supervisão para fins de subordinação jurídica revelou ser um importante avanço do

ordenamento jurídico-trabalhista brasileiro, tendo em vista que agora implica afirmar

na possibilidade de reconhecimento da relação de emprego nesta espécie de

prestação de trabalho à distância.

A subordinação jurídica no teletrabalho pode ser facilmente constatada, uma

vez que o teletrabalho, da mesma maneira que o trabalho prestado pessoalmente,

pode gerar a dependência que existe entre o empregador e o seu empregado, a qual

decorre das obrigações mútuas que o contrato de emprego gera as partes.

O modelo de produção clássico que tem origem na era do fordismo tem como

característica preponderante, a necessidade do empregador exercer pessoalmente o

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seu direito comando, supervisão e controle sobre seus empregados. Entretanto, isto

não é mais necessário, pois os modernos meios de comunicação e informática

tornaram possível que o trabalho seja exercido em locais e horários diversos,

ofuscando a hierarquia, mas não os poderes do credor do trabalho.

O ofuscamento da hierarquia no âmbito organizacional de uma empresa não

significa dizer que esta deixou de existir para aqueles trabalhadores que

desempenham o teletrabalho, pois este pode abranger variadas profissões de

diversos setores da economia.

Diante desta pluralidade de atividades que podem ser prestadas, nasceu a

necessidade de se adaptar o conceito clássico da subordinação jurídica a fim de

possibilitar a análise de sua caracterização no teletrabalho. Em face desta

pluralidade, é inequívoco que o controle do empregador poderá variar sua

intensidade, tornando-a mais discreta. Esta discreta, mas real subordinação é

denominada de telessubordinação ou subordinação virtual.

Por conseguinte, a subordinação jurídica no teletrabalho possui dois novos

elementos preponderantes, quais sejam: a facilidade que os meios eletrônicos

trazem à fiscalização e a maior discrição dos métodos de controle.

A partir destes novos elementos, concluímos que a forma de conexão

existente entre o teletrabalhador e a empresa influencia diretamente na maneira

como será exercido o poder de controle do empregador e refletindo na subordinação

jurídica.

Vejamos o entendimento de Alice Monteiro de Barros:

Se o trabalhador se encontra, por exemplo, em conexão direta e permanente, por meio do computador, com o centro de dados da empresa, o empregador poderá fornecer instruções, controlar a execução de trabalho e comprovar a qualidade e quantidade de tarefas de forma instantânea, como se o empregado estivesse no estabelecimento do empregador. A internet permite, inclusive, aferir o tempo de conexão do terminal do empregado, bem como quando foi acessado pela última vez o teclado. Esse controle revela, sem dúvida, a subordinação jurídica, que poderá estar presente ainda quando a execução do serviço seja desconectada (offline). Tudo irá depender da análise do programa de informática utilizado. (BARROS, 2010, p. 478/479).

A possibilidade acerca da vinculação do teletrabalhador a um programa de

computador específico utilizado para o desenvolvimento de suas atividades permite

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COLEÇÃO 5 – NOVOS DIREITOS E ATIVIDADE EMPRESARIAL NO ESTADO SOLIDÁRIO

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ao empregador, além do controle de jornada como já foi dito, registrar pautas, erros,

prazos, condições e instruções do teletrabalhador. Em razão disto, o

comprometimento do teletrabalhador à utilização destes softwares permite pressupor

a existência da subordinação jurídica na relação a que está inserido.

Além destes fatos, poderão existir na relação jurídica a que está inserido o

teletrabalhador, importantes fatores indicativos da existência da subordinação

jurídica.

Cite-se, a título exemplificativo, os seguintes: o empregador ser proprietário

dos equipamentos necessários para o teletrabalhador desempenhar sua atividade; o

custeio pelo empregador de eventuais valores que viabilizam a atividade laboral

(provedor de internet, manutenção de equipamentos, etc.), a inserção do

teletrabalhador ao âmbito da empresa revelando a sua confiança e participação

efetiva, dispondo de crachá, e-mail pessoal vinculado a empresa, acesso livre às

dependências físicas da empresa, acesso à central de dados da empresa,

participação em reuniões, atendimento de prazos e outros.

Nesta vereda, observa-se na readequação dos termos do artigo 6º da CLT o

intuito do legislador em afastar do âmbito do direito do trabalho a atividade prestada

pelo teletrabalhador que não seja decorrente da sua direta e inequívoca autonomia

da vontade, através da qual assume para si o dever de obediência aos poderes

direção, supervisão e controle do empregador.

Portanto, concluímos que a caracterização da subordinação jurídica no

teletrabalho almeja uma mudança na maneira como esta é analisada, readequando-

se o sistema de indícios utilizados para tal, a fim de torná-la consonante com as

peculiaridades desta moderna e crescente forma de prestação laboral.

5 CONCLUSÃO

Após todo o exposto, concluímos que a implementação do teletrabalho no

âmbito empresarial brasileiro irá acarretar diversas vantagens de ordem pessoal,

econômica, empresarial, ambiental, cultural e social. Entretanto, esta implementação

é dificultada pelo ultrapassado pensamento de que o trabalho deve ser sempre

desempenhado no estabelecimento do tomador de serviços, pois assim assegura o

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cumprimento da jornada de trabalho e a obediência e a efetividade dos poderes do

empregador.

O novo teor do artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho, ao equiparar

os meios eletrônicos aos pessoais para fins de subordinação jurídica, veio para

consolidar um entendimento que já era anteriormente arguido pela doutrina e

representa um enorme avanço, pois remete a possibilidade do reconhecimento do

vínculo empregatício no teletrabalho.

Concluímos também que o teletrabalho e suas interessantes características

provocaram não necessariamente a flexibilização dos conceitos, mas sim a

flexibilização da forma como serão interpretados os pressupostos da relação

empregatícia, corroborando o entendimento de que esta relação jurídica é vantajosa

a ambas as partes, pois além dos direitos assegurados ao empregado, observamos

os seguintes fatos, vejamos:

A pessoalidade pode servir ao empregador como meio de garantir a qualidade

do serviço prestado, diante da possibilidade de responsabilidade pessoal do

teletrabalhador. A onerosidade pode ser utilizada como meio coercitivo do

empregador para induzir o teletrabalhador ao cumprimento de metas, prazos,

horários e etc. A não-eventualidade vai assegurar que o teletrabalhador dedique-se

exclusivamente a apenas um tomador de serviços. Por fim, o reconhecimento da

subordinação jurídica irá reafirmar que existe a efetividade dos poderes do

empregador, acabando com qualquer argumento de que o teletrabalho é uma forma

de prestação laboral inadequada.

Diante destas conclusões, a aplicação do teletrabalho no mercado econômico

brasileiro será de grande valia posto que pode significar a redução das taxas

desemprego e da informalidade pois proporciona a inserção de indivíduos no

mercado de trabalho, inclusive deficientes físicos, ex-condenados e de pessoas que

foram substituídas por máquinas.

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REFERÊNCIAS

BARROS, Alice Monteiro de. Contratos e Regulamentações Especiais de

Trabalho. 4 ed. São Paulo: LTr, 2010.

GOMES, Orlando. GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito do Trabalho. 16 ed. Rio

de Janeiro: Forense, 2004. p. 119.

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