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coleção cultura é o quê ? volume iii Cultura e Municipalização Cláudia Leitão

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Cultura e MunicipalizaçãoCláudia Leitão

Secretar ia de Cultura do Estado da BahiaSalvador, junho de 201 2

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A cultura na pauta do desenvolvimento local

márcio meirelles

jaques wagner Governador do Estado da Bahia

márcio meirelles Secretário de Cultura

ângela andrade Superintendente de Cultura

carlos beyrodt paiva Superintendente de Promoção Cultural

gisele nussbaumer Diretora da Fundação Cultural do Estado da Bahia

ubiratan castro Diretor da Fundação Pedro Calmon

frederico mendonça Diretor do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia

pola ribeiro Diretor do Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia

revisão Wladimir Cazé

George Sami

copyright© : 2009, by Sousa Leitão, claúdia

Direitos desta edição cedidos à Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.

Permitida a reprodução total ou parcial, para fins não comerciais, desde que

citada a fonte.

L 548 Leitão, Cláudia

Cultura e municipalização. / Cláudia Leitão. --

Salvador : Secretaria de Cultura, Fundação Pedro

Calmon, 2009.

72 p. – (Coleção Cultura é o quê?, III)

ISBN: 978-85-61458-14-0

1.Cultura 2.Cultura – Municipalização. I.Título. II.Série.

CDD 306

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todo custo. Esse empobrecimento percebido nos cidadãos, em sua maneira de estar e viver no mundo com outros, é também, naturalmente diagnosticado no que o indivíduo concebe e percebe, intelectualmente, desse mesmo mundo que o acolhe, ou seja, há uma crise, igualmente instituída na apreensão dos saberes. Na velocidade, perde-se a visão do todo, busca-se algum fragmento, chega-se à síntese vazia. A redução da cultura geral a uma cultura técnica e científica, que descontextualiza qualquer objeto de seus campos formadores, como aqueles históricos, sociais, políticos, por exemplo, acaba por propor uma cultura padrão, uma “cultura empresarial global”, que sob o pretexto da união, da sinergia, da dissolução de fronteiras, na verdade esconde seu objetivo maior de standartização, pela otimização econômica sob modelos hegemônicos de produção que só demarcam eternas e novas exclusões.

A autora então volta-se para discutir o equivocado olhar do Estado, especificamente, como gestor de políticas públicas, que não consegue conectar, em suas ações para o futuro, a cultura com o desenvolvimento. Ao mesmo tempo sinaliza que, no final do século XX, cientistas, técnicos, políticos, empresários e burocratas, ao se depararem com o fracasso de muitos projetos que desprezavam os vínculos culturais entre os homens e seus territórios de origem,

Neste novo volume da série Cultura é o quê?, trazemos o texto da doutora em sociologia Claúdia Leitão, que faz um equilibrado contraponto entre algumas teorias contemporâneas, que denotam uma perda de rumos sociais, e sua experiência prática como Secretária de Cultura do Estado do Ceará (2003 a 2006), no intuito de corrigir localmente o que o panorama de um mundo em crise lhe apresentava até então.

Há uma aceleração atávica no ritmo atual da vida que nos conduz inevitavelmente a um desinteresse pela própria existência. Tamanha quantidade de informações, de acontecimentos, de mercadorias e inovações destitui o futuro de expectativas. No atropelo perdem-se os valores, esvaziam-se as identidades. Na busca identitária, marcada pela procura obsessiva da diferença entre seres, perde-se o sentido do coletivo. Marca-se o espaço territorial do indivíduo, sobre uma condicional liberdade apregoada a

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Pensando-se então numa política pública de desenvolvimento, que parta da cultura como motor, a autora destaca a necessidade de que as chamadas ex-colônias devam ultrapassar obstáculos decorrentes dos processos traumáticos colonizatórios, o que já exige dessas nações independentes, como o Brasil, tomadas de responsabilidades para repudiar aquilo que continua naturalmente gerido por “ex-colonizadores e ex-colonizados”. É hora de assumirmos o nosso desenvolvimento. As ações nesse sentido devem partir de um pacto com a sociedade civil, aquela que demanda políticas públicas e, ao mesmo tempo, serem movidas por determinação, bom senso e equilíbrio no que compete ao que cabe ao estado realizar: sem clientelismo, fazendo política de estado e não de governo, enfatizando o conceito de cidadania que garante direitos e deveres face à preservação, autonomia e contínua revelação de uma cultura local sempre em constante diálogo com outras culturas.

Na parte que finaliza seu texto, Claudia Leitão vai expor sua experiência prática como Secretária, à frente da Cultura do Estado do Ceará. Essa prática, materializada em políticas públicas culturais pode ser assim sintetizada: numa busca de “valorização das culturas regionais” (nome dado ao programa que ela empreende); em uma aproximação física com as localidades (implanta uma “secretaria volante”);

começaram a integrar as dimensões humanas, ambientais e culturais aos debates sobre o tema do desenvolvimento. “Desenvolvimento com envolvimento”, portanto, parece sugerir alguns “sintomas da construção de uma nova bacia semântica para as representações sociais”; é um novo período que se inicia, segundo Claudia Leitão.

Nesse sentido, alguns movimentos organizacionais aparecem como, por exemplo, o da Conferência Geral da UNESCO, logo após o 11 de setembro de 2001, que promulgou a “Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural” em que identidade, diversidade, criatividade, enfim, expressões típicas do discurso artístico passaram a fazer parte dos discursos políticos, econômicos, jurídicos e sociais.

A estruturação dos territórios, a partir de seu arcabouço cultural, segundo Claudia Leitão, começa então a ventilar como assunto, chega às comunidades e passa a participar dos processos de municipalização, visando mesmo a uma reconstrução de novas bases ao “valorizar os imaginários locais, a partir do fomento das expressões culturais tradicionalmente descartadas e excluídas, compreendendo-as como produtoras de sinergias e estimuladoras de solidariedades comunitárias.”

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na formação de fóruns representativos em todo o Estado, compondo colegiados; em investimentos na “cultura do interior”, quer nas oportunidades oferecidas, quer no aprimoramento das atividades desenvolvidas pelos artistas; nos investimentos em comunicação (difusão, trocas e intercâmbios) entre os equipamentos culturais de todo o estado; no mapeamento cultural do estado em suas manifestações mais representativas e, finalmente, na criação de um programa de fomento à cultura entre as regiões mais pobres do estado.

Todas essas ações, acompanhadas por uma secretaria itinerante que corria todo o estado, estimulando a formação dos sistemas municipais de cultura, que capacitava gestores locais, que cadastrava toda e qualquer manifestação e espaço cultural, e que promovia e difundia as manifestações locais, em diversas linguagens artísticas, semeou e colheu memória e mais cultura para o Ceará. Em 2007, através de parceria entre o IBGE e o MINC, sai um indicativo que tornou-se um coroamento para as ações que Cláudia empreendera até 2006: o Ceará tinha indicativos de que 76,6% de seus municípios já tinham uma política cultural, contra 57,9% dos municípios brasileiros.

Da experiência municipal poderíamos partir para o desenvolvimento macro, e pela cultura, de um país inteiro e grande como o Brasil? A autora deixa a pergunta em seu texto, fazendo-nos crer que é no “envolvimento com o Outro e na direção do Outro”, pelas chamadas solidariedades comunitárias, que pode se dar o tão desejado progresso.

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Cultura e Municipalização

I

a cultura no século xxi entre ilusões e esperanças

Alice estava começando a ficar cansada... quando de repente um Coelho Branco de olhos cor de rosa passou correndo por ela. Não havia nada de tão extraordinário nisso; nem Alice achou assim tão esquisito ouvir o Coelho dizer consigo mesmo: ‘Ai, ai! Ai, ai! Vou chegar atrasado demais!’ (Lewis Carroll. Aventuras de Alice no País das Maravilhas).

Atravessamos velozmente o século XX, mas sempre com a sensação de estarmos atrasados para o século XXI. Segundo Elias Canetti, essa velocidade nos fez abandonar a realidade. A aceleração dos tempos modernos, em qualquer dos seus domínios (científico, tecnológico, midiático), em qualquer de suas trocas (econômicas, políticas, culturais, sociais), levou-nos a uma total perda de referências, tornando-nos espectadores inertes de nossas próprias existências. De repente, atingimos um ponto em que parecemos sair da história, em que os excessos

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(de acontecimentos, de informações, de mercadorias, de inovações), conduziram-nos à ausência de expectativas, à morte anunciada do futuro. Corremos em busca de grandes ideais, mas, nos últimos tempos, parecemos estar perdidos e frustrados. Perdidos pelos movimentos desarmônicos do planeta. Frustrados com o caráter aleatório do mundo.

Sabemos que os excessos levam à ultrapassagem de limites que, por sua vez, produzem o esvaziamento de identidades, valores e significados. O resultado é que, enquanto vivíamos os excessos, perdemos nossas bases identitárias e, dessa forma, penetramos em um mundo de referenciais flutuantes, onde as ideologias tornaram-se incapazes de justificar nossas escolhas ou de orientar nossos destinos. Quando tudo se politiza, adverte-nos Jean Baudrillard, a política perde o sentido; quando tudo se estetiza, nada pode ser considerado bonito ou feio; quando tudo se mercantiliza, a categoria econômica se esvazia de significados. Esse esvaziamento das identidades é especialmente constrangedor quando nos perguntamos sobre o nosso lugar no mundo, quando nos indagamos sobre nossos desejos, necessidades e direitos. Somos nós e somos os outros em nós, somos agora para sermos

os outros amanhã. Aí está uma primeira e importante pergunta: Quem somos nós? Quem são os outros? O que excluímos de nós e o que nos falta? Por sermos o que somos , o que poderemos ser?

Nas sociedades contemporâneas, a busca excessiva pela diferença acabará provocando o esgotamento da alteridade, a eliminação do Outro. O mais irônico é que o culto à diferença, ou mesmo o direito à diferença, funcionará como uma forma de exorcismo do Outro, uma dissimulação universalista que acabará legitimando sua superioridade, exatamente por pensar a diferença, ou seja, por definir critérios para estabelecê-la. Em nome de uma compreensão altruísta, o discurso da diferença criou estereótipos, estabeleceu categorias e normatizou comportamentos, com o intuito de absorver todas as formas violentas da alteridade. Para os índios, por exemplo, ele definiu a demarcação das terras, para os negros, as políticas de quotas raciais, para os imigrantes, as legislações disciplinadoras de suas condutas. Dessa forma, a lógica da diferença foi historicamente construída pelos mesmos centros que estabeleceram os critérios e significados da cultura, da liberdade e do desenvolvimento. Mas, que desenvolvimento queremos? Em nome dos direitos humanos ou dos ideais democráticos, o pensamento

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como reaver o capital social de

comunidades excluídas, (...)

despossuídas de auto-estima e de

capacidade de mobilização?

jurídico-político moderno iludiu-nos a todos, construindo garantias de um destino digno para a humanidade, uma espécie de “marco zero” que elegia a liberdade como valor fundamental. Mas por qual liberdade lutamos?

Liberdades são tão ilusórias quanto são os ideais democráticos nelas fundamentados. Ao mesmo tempo, ilusões são estratégias de sobrevivência e produtoras de simulacros. Assim, a ilusão democrática elimina o que não pode ser mediado, articulado, significado, enquanto recicla pulsões e repulsões sociais, simulando conciliações e consensos. Para tanto, pactua significados para o desenvolvimento, atrelando-o à riqueza, ao poder, à solidariedade universal, ao melhor do nosso humanismo. A ilusão democrática é, ainda, produtora de consensos suspeitos, que não se constrangem em refazer a história, em reciclar fatos, transfigurando-os em feitos. Assim, as diferenças acabam por se tornar, ora indiferenças, ora radicalidades. Torno-me indiferente ao Outro quando não permito, na existência do Outro, aquilo que é inegociável ou inconciliável para mim. Por outro lado, as diferenças também suscitam alteridades radicais, ou seja, se o Outro não permite negociar sua diferença, aproximando-se de mim, deve ser exterminado. Dessa forma, o Outro e o Eu vivem uma espécie de síndrome

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identitária, numa sociedade em que a clonagem é menos uma conquista científica e tecnológica do que uma representação sugestiva da replicação dos corpos e da domesticação dos espíritos.

Edgard Morin também reflete sobre a desumanização da era moderna, a partir dos destinos tomados pelo conhecimento humano. O filósofo francês constata que o século XX foi marcado por uma primeira grande distinção entre a cultura geral e a cultura técnica e científica. Enquanto a primeira é ampla e abraça tanto informações quanto idéias, a segunda compartimenta o conhecimento, tornando difícil sua contextualização. Utilizando-se de uma metodologia reducionista para conhecer (simbolizada pelo método lógico dedutivo, que parte do todo para o conhecimento das partes que o compõem) e da obsessão determinista pelas leis gerais (em que se oculta o acaso, o novo, as exceções), o conhecimento científico moderno também contribuiu para o empobrecimento do mundo, quando retirou do objeto pesquisado, o seu contexto, reduzindo e simplificando fenômenos, no afã de explicá-los.

Vítimas desse reducionismo, as Ciências Humanas reduziram sua atuação ao calculável e ao formulável,

abstraindo seus objetos de pesquisa dos contextos sociais, históricos, políticos, culturais e ecológicos nos quais os mesmos foram gerados. A Economia, por exemplo, entre as Ciências Sociais, por ser matematicamente a mais avançada, tornou-se, numa perspectiva humana, a mais atrasada das ciências. A Ciência Política e a Ciência Jurídica, cujas bases e fundamentos se alimentaram, desde suas origens, do campo moral do “dever-ser”, também perderam vitalidade e confiabilidade, pois seus projetos de construção de uma sociedade com “s” maiúsculo, estruturada por padrões normativos e regras gerais de conduta, apresentam “rachaduras” nos seus fundamentos e nas suas dogmáticas. O resultado aí está: desmoralização dos grandes relatos, das grandes utopias, das grandes ideologias (ressalte-se o sentido etimológico da expressão “desmoralização”, ou seja, sua deslocalização do campo da moral, sua incapacidade de prever, categorizar, normatizar ou sancionar a imensa diversidade dos comportamentos sociais) que são cotidianamente banalizados, reciclados e espetacularizados através da televisão, jornais, rádios, revistas ou pela internet.

Tal qual as ciências, também a cultura alimentou-se, no século XX, mais de ilusões do que de esperanças. Também ela foi significada a partir de uma razão universal e única igual

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para todos os homens, em todos os tempos; também ela foi compreendida como um elemento superior, definidor dos processos ditos civilizatórios. Por isso, tornou-se um triste apanágio para genocídios, escravidões e exclusões. Enquanto discurso científico, a cultura produziu mestres dos símbolos universais da diferença (os antropólogos não representariam essa maestria?) que construíram, por sua vez, uma espécie de “ecumenismo humanitário”, sempre disposto a negociar conflitos, a harmonizar discórdias, a neutralizar antagonismos. A Antropologia ocidental “branca” produzirá sua legitimidade a partir de uma retórica de respeito às diferenças e de uma compreensão altruísta do mundo, mas, ao longo do tempo, não conseguirá esconder nem o desprezo profundo pelas culturas alheias, nem a decepção com a sua própria cultura. Segundo Jean Baudrillard, a cultura ocidental acabará produzindo uma “ecologia maléfica” que, crescendo, criou excrescências, ou seja, sua apologia às diferenças não a impedirá de submergir, não somente diante dos dejetos industriais ou urbanos que ela mesma produziu, mas por fazer da espécie humana (comunidades religiosas, tribos indígenas, gangues, guetos, deportados, migrantes, populações subdesenvolvidas) também um dejeto, um resíduo sem valor e sem significado.

De que forma as políticas culturais

poderiam contribuir para a construção de um “desenvolvimento com

envolvimento”(...)?

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A multiplicidade e a superposição de discursos das sociedades globalizadas, assim como a transformação, criação, transmissão, apropriação e interpretação dos bens simbólicos, produzirão menos sinergias do que alergias no corpo social. Aliás, a metáfora de um corpo para a sociedade já não mais encontra eco nem fundamento, pois o corpo desaparece, seja enquanto suporte biológico seja enquanto referência simbólica. Em sociedades marcadas pela informação e pelo avanço das tecnologias, se o mundo parece encontrar-se cada vez mais em todos, nem todos se encontram no mundo. E o que dizer desse “encontrar-se no mundo” em sociedades com grandes desigualdades sociais como a sociedade brasileira? A desigualdade suscita desconfiança, assim como é produtora de uma lógica de distanciamento entre grupos e estratos sociais. E nós, habitantes de países considerados “em desenvolvimento”, poderíamos nos perguntar: como reaver o capital social de comunidades excluídas, de ex-colônias submetidas à domesticação de suas culturas, despossuídas de auto-estima e de capacidade de mobilização? Estamos preparados para lidar com uma cultura empresarial global que constrói suas próprias visões, valores e procedimentos e que vasculha o planeta em busca de tendências e fraturas, controlando resultados e aliciando mentes?

Essas perguntas referem-se não somente a continentes desiguais como a América Latina ou a África, mas dizem respeito a todo planeta. Com os altos fluxos migratórios e uma economia globalizada, todos os países tendem a transformar-se em complexos patchworks culturais, espaços de eterna e conflituosa construção e reconstrução de identificações e sociabilidades. Esse fenômeno, por sua vez, esvazia os significados e as categorias relativas à cultura e ao desenvolvimento, categorias essas construídas a partir de valores e ideologias coloniais. Em um mundo não linear, não há como encorajar esperanças evolucionistas entre povos considerados subdesenvolvidos, a partir dos significados evolucionistas propostos pelas ciências ou pelas tecnologias dos povos, ditos, desenvolvidos. Se essas populações possuem chances de se desenvolver, esta chance se dá exatamente pela possibilidade de escaparem dos modelos hegemônicos ocidentais tradicionais e construírem, de forma autônoma, suas próprias alternativas de desenvolvimento, de formularem novas estratégias de pensar, agir, e de se relacionar com o mundo.

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Claúdia Leitão - Doutora em Sociologia, professora do Mestrado em Políticas Públicas da Universidade Estadual do Ceará e ex-secretária de Cultura do Ceará.

notas II

políticas culturais e o imaginário do

desenvolvimento

‘Que o júri pronuncie seu veredito’, disse o Rei, mais ou me-nos pela vigésima vez naquele dia. ‘Não, não!’ Disse a rainha. ‘Primeiro a sentença ... depois o veredito’. ‘Mas que absurdo!’ Alice disse alto. ‘Que idéia ter a sentença primeiro!’ ‘Cale a boca!’ disse a Rainha, virando um pimentão. ‘Não calo!’ disse Alice. ‘Cortem-lhe a cabeça!’ berrou a Rainha. (Lewis Car-roll. Aventuras de Alice no País das Maravilhas)

A histórica distinção entre cultura e desenvolvimento ilustra perfeitamente a incapacidade das ciências e do Estado de construírem conexões eficazes entre a cultura e o território. Perdemos, ao longo dos últimos séculos, a capacidade de imaginar um desenvolvimento capaz de se nutrir da terra e do homem, especialmente das expressões culturais produzidas a partir do relacionamento do homem em um determinado território. Se na origem da palavra cultura está o cultivo, poderíamos, em um primeiro

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o grande papel das políticas culturais (...) será o de valorizar os imaginários locais, a

partir do fomento das expressões culturais

tradicionalmente descartadas e excluídas (...)

momento, refletir sobre as conexões entre cultura e território através da metáfora da agricultura, ou seja, pensar a cultura a partir dos significados do plantio, do cultivo, da germinação, da colheita, da cooperação, do tempo cíclico, enfim, do cuidado ou do envolvimento necessários, daquele que cultiva, com aquilo que é cultivado.

Mas, excluímos, a partir do século XVII, o imaginário dos nossos processos intelectuais, o que empobreceu nosso olhar e, por conseguinte, nossa forma de ser. A modernidade, enquanto “ética do fazer”, marcada pela lógica binária aristotélica, constituída de apenas dois valores (um falso e um verdadeiro), limitou, por exemplo, as representações do território à imagem de um espaço geopolítico voltado a um desenvolvimento meramente econômico. Desse modo, o território deixou de ser tratado como um espaço de produção de imaginários e culturas, tornando-se uma abstração estéril. A racionalidade do “terceiro excluído” retirou, da relação do homem com o território, tudo aquilo que nessa relação não se conseguia medir, tudo aquilo que fosse da ordem do evanescente ou do imaterial. Compreendida dialeticamente, a expressão desenvolvimento tornou-se, especialmente, ao longo do século XX, oposta à expressão envolvimento, uma

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oposição que não se limitará somente ao terreno abstrato dos conceitos, pois definirá éticas e, inclusive, estéticas, ao longo de sua existência.

Imaginemos que a “ética do desenvolvimento” tenha, nos últimos séculos, se alimentado de um “regime diurno de caráter heróico”, estrutura antropológica ascensional voltada para fora, para o futuro (simbolizada por uma lógica da antítese, da distinção e da análise). Imaginemos, ainda, que a “ética do envolvimento’ esteja marcada pelo “regime noturno de caráter místico”, estrutura antropológica de descida interior em busca do conhecimento, voltada para dentro (simbolizada pela lógica da conciliação e complementaridade dos contrários). Os regimes diurno e noturno das imagens foram propostos pelo sociólogo francês Gilbert Durand, que concebeu uma “estrutura antropológica do imaginário”, ou seja, uma organização das imagens ou de um repertório de imagens que marcam as culturas nos diversos períodos históricos. Durand considera o “trajeto antropológico”, a maneira pela qual cada cultura se relaciona, entre suas pulsões subjetivas e o meio em que vive. Haveria, segundo o sociólogo francês, certas normas de representação imaginárias, relativamente estáveis, que caracterizam períodos históricos, espécies de grandes bacias semânticas que justificam escolhas, que contribuem

para determinados comportamentos, que valorizam ou desvalorizam a dimensão simbólica da vida social.

Ora, no final do século XX, cientistas, técnicos, políticos, empresários e burocratas, ao se depararem novamente com o fracasso de muitos projetos de transformação territorial, começaram a integrar as dimensões humanas, ambientais e culturais aos debates sobre desenvolvimento. Essa constatação aponta para uma tendência de redirecionamento do “trajeto antropológico”, nas sociedades do século XXI. As imagens do homem integrado ao planeta (e não vice-versa), do resgate dos saberes tradicionais, da culturalização da natureza (assim como da naturalização da cultura) revelam sintomas da construção de uma nova bacia semântica para as representações sociais. O esgotamento de um período marcado pelo “fazer” e “transformar” parece abrir espaço para um novo tempo: o do “relacionar-se”, do “integrar-se”. Essa tendência, de estruturação de um novo repertório de imagens encoraja-nos a ousar formular novas respostas a velhas perguntas: Os fatores culturais voltam a ser fundamentais nas relações do homem com o seu território? De que forma as políticas culturais poderiam contribuir para a construção de um “desenvolvimento com envolvimento”, entre as comunidades e seus territórios?

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As conexões entre as transformações sociais e suas implicações culturais atravessaram o pensamento moderno, a partir das obras pioneiras de Adam Smith, Alex de Tocqueville, Lewis Henry Morgan e Max Weber. O próprio tema das relações entre cultura e desenvolvimento, já havia sido muito discutido nos anos 40 e 50, especialmente por economistas e sociólogos, os quais consideravam que a cultura (dos países subdesenvolvidos) era um sério obstáculo ao desenvolvimento. Na apresentação de uma vasta coletânea sobre o tema, Samuel Huntington comparava, por exemplo, as trajetórias de Gana e da Coréia do Sul nos últimos 40 anos, mostrando a semelhança dos indicadores econômicos e sociais dos dois países, no inicio do período, e o enorme fosso que os separa hoje. Segundo seu ponto de vista, o que explica essa disparidade seria a cultura. Mais uma vez, a constatação se converte em explicação para dar base a um raciocínio circular e ahistórico. A explicação é sempre construída a posteriori; se determinado país cresceu economicamente, a cultura pode ser tomada como uma alavanca do desenvolvimento; se outra nação estagnou ou empobreceu, a cultura se revela como um obstáculo ao desenvolvimento.

Essa espécie de doutrina de predestinação de determinadas sociedades à pobreza ou à riqueza, a partir

Neste novo século, a cultura começa a

ser considerada uma estratégia chave de

combate à pobreza, assim como um fator

decisivo de coesão social

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de determinantes culturais é avaliada por Guy Hermet, através da experiência fracassada de organizações internacionais no continente africano (2002, p. 68):

A partir dos anos 80 começam a se produzir dois tipos de inversão dos sentimentos, não menos discutíveis, embora de sentido exatamente oposto: uma delas é fruto do fracasso da ajuda à África e a outra da popularidade que adquiriu, por compensação, a ação humanitária. De repente, graças a amálgamas abusivos sugeridos pelo primeiro desses fatores, tanto os programas de macro-desenvolvimento adotaram a aparência de ilusões onerosas e, às vezes, nefastas, alimentadas pela nostalgia colonialista das grandes potências ou pela inesgotável, mas ingênua, caridade de organizações vinculadas, em particular, às Igrejas... As organizações humanitárias difundiram a idéia de que os países pobres não tinham a possibilidade de sair de sua indigência a não ser por seus próprios esforços, com um mínimo possível de intromissão exterior, tendo em conta suas especificidades culturais.

Como se vê, tanto nos discursos públicos quanto privados, as expressões desenvolvimento e cultura foram, ora mitificadas, ora dogmatizadas, ora estigmatizadas. No âmbito das políticas públicas produzidas pelos governos

nacionais, a racionalidade instrumental moderna foi especialmente nefasta, pois ignorou o papel das políticas culturais nas agendas de desenvolvimento dos países. Por essa razão, inúmeros programas, projetos e ações de intervenção territorial tornaram-se absolutamente ineficazes, no momento de sua aplicabilidade e aceitação, por serem dissociados dos imaginários e das representações sociais das populações para quem os mesmos eram destinados.

Com o fracasso das ações humanitárias e colonizatórias, as organizações internacionais passaram, na história recente, a rever seus modelos de desenvolvimento, desta feita levando em consideração a necessidade do protagonismo social nos processos de intervenção territorial. Em 1999, em Paris, o Fórum “Desenvolvimento e Cultura”, organizado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, virá emprestar novos significados a essa temática. Compreendendo a cultura como uma matriz dinâmica das diversas formas humanas de ser, de estar e de se relacionar com o mundo, acabará resignificando o próprio desenvolvimento, libertando-o de sua matriz infra-estrutural. Assim, desenvolver um território não significará somente construir obras de saneamento, estradas, habitação, urbanização, mas, sobretudo, dirá

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respeito às formas de envolvimento e relacionamento dessas comunidades com essas intervenções.

A conferência Geral da UNESCO, por sua vez, logo após o dramático atentado do 11 de setembro de 2001, formatará a “Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural”. Este documento ratificará o esforço dos países na construção de um diálogo intercultural, capaz de contribuir para uma cultura de paz entre os povos, considerando a diversidade cultural um patrimônio comum da humanidade. Identidade, diversidade, criatividade, expressões tradicionalmente presentes nos discursos artísticos, passam, enfim, a compor os discursos políticos, econômicos, jurídicos e sociais. Ao se levar, finalmente, em conta a função estratégica da diversidade cultural para o desenvolvimento dos povos, assume-se o papel das culturas na construção planetária de um “desenvolvimento com envolvimento”, o qual impactará de forma significativa na estruturação/(re)estruturação dos territórios. A este respeito, Teixeira Coelho cita Lévi-Strauss, na sua obra “Raça e História”:

Não se trata de preservar o conteúdo da diferença, que é intrinse-camente dinâmico e refratário à preservação, mas de preservar o fato em si da diferença, a possibilidade de promover a diferença, as condições que deram e dão origem à diferença.

Nessa perspectiva, passa-se a compreender que, quais-quer projetos de desenvolvimento devem partir da (re)construção de bases culturais locais. Por outro lado, as recomendações internacionais acerca dos novos papéis da cultura influenciarão a agenda política dos governos, que começarão a institucionalizar o domínio da cultura, dan-do-lhe autonomia e objetivos cada vez mais integrados às pastas de desenvolvimento territorial. Assim, as políticas culturais passam a participar dos processos de municipali-zação, com o objetivo de resgatar, através do fomento à di-versidade cultural, a capacidade de autodeterminação des-sas comunidades, trabalhando essa diversidade a favor do desenvolvimento territorial sustentável, local e regional. O grande papel das políticas culturais, nesse processo de (re)construção das bases locais, será o de valorizar os imagi-nários locais, a partir do fomento das expressões culturais tradicionalmente descartadas e excluídas, compreenden-do-as como produtoras de sinergias e estimuladoras de solidariedades comunitárias.

Para a formulação de políticas públicas que tornem complementares os programas de desenvolvimento cultural e territorial, necessitamos superar os traumas relativos aos nossos próprios processos históricos, que nos permitam identificar o que descartamos de

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A cultura foi historicamente

concebida de forma unilateral enquanto

uma “política de governo’, não (...)

como (...) uma “política de Estado”

nós mesmos, ao longo desses processos. Segundo Mia Couto, o colonialismo não morreu com o advento das independências. Mudou de turno e de executores. Durante décadas, buscamos culpados para as nossas infelicidades e incompetências. Inicialmente culpamos os colonizadores. Em seguida, construímos imagens “românticas” do que fomos antes deles. Mas os colonizadores se foram e as novas formas de colonialismo continuam a acontecer entre nós. Essas formas são naturalmente geridas entre ex-colonizadores e ex-colonizados. Como nos diz o escritor moçambicano: “Vamos ficando cada vez mais a sós com a nossa própria responsabilidade histórica de criar uma outra História”. Ao mantermos o mesmo modelo mental dos colonizadores, perdemos nossa capacidade de pensar, criar e imaginar, limitando-nos a repercutir pensamentos alheios, a consumir, de forma passiva, bens culturais “importados”. As conseqüências dessa baixa auto-estima, desse cerceamento do pensamento, são dramáticas para nós: ora resultam num ufanismo ou messianismo ingênuos, sempre em busca de novos colonizadores, ora em uma profunda inação diante do presente. Alternamos os seguintes discursos: “somos maravilhosos e talentosos, só necessitamos ser descobertos!”; “somos incapazes, somos vítimas, nada podemos fazer”. Esse comportamento pendular tem sido historicamente reforçado pelo Estado

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brasileiro. No campo da cultura, pelas ações populistas dos governos e, no campo da economia, pelas agências de fomento e seus projetos de desenvolvimento, quase sempre tão inadaptados e distantes de nós.

Segundo o dicionário Michaelis, desenvolver significa tirar o invólucro, descobrir o que estava encoberto; envolver significa meter-se num invólucro, comprometer-se. Assim, poderíamos dizer que desenvolver uma pessoa ou uma comunidade significaria retirá-la do seu invólucro ou do seu contexto, descomprometê-la. Esboçar um novo modelo de desenvolvimento que leve em conta a nossa riqueza e diversidade cultural é, portanto, hoje um desafio e uma urgência. Diversidade cultural como substrato para um desenvolvimento com envolvimento, como cimento para a dignidade, cidadania, auto-estima, sentimento de pertença. Ao longo do século XX, nossa inteligência mecanicista, compartimentada e reducionista bradou aos quatro ventos sua racionalidade como único instrumento de transformação do mundo. No afã de criarmos e de descrevermos sistemas, abdicamos da vida real. Ao desprezarmos as anomias, perdemos a capacidade de percepção, de ampliação do nosso “estar no mundo”. Voltemos, portanto, à tensão desenvolvimento/envolvimento, considerando-as pólos entre os quais

É fundamental considerar, nas

políticas públicas culturais, o papel da

cultura como um fim em si mesmo

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estão incluídas vivências em diversos campos, inclusive o das responsabilidades sociais. A respeito da comunidade caiçara, Virgílio M. Viana afirma que des-envolver, para as populações tradicionais, significaria perder o envolvimento econômico, cultural, social e ecológico com os ecossistemas e seus recursos naturais, perdendo-se com ele a dignidade, o saber, o conhecimento dos sistemas tradicionais, enfim, a perspectiva de construção da cidadania.

Se, neste novo século, a cultura começa a ser considerada uma estratégia chave de combate à pobreza, assim como um fator decisivo de coesão social, não necessitaríamos construir urgentemente, no Brasil, uma agenda menos submissa e mais audaciosa para o nosso desenvolvimento, a partir da nossa diversidade cultural? Para isso, os governos brasileiros não deveriam tratar as políticas culturais como um substrato para as demais políticas públicas? O caráter transversal das políticas culturais não garantiria efetividade aos projetos de desenvolvimento local e regional, proporcionando às populações o protagonismo que lhes falta? Já não poderíamos ter produzido uma nova matriz de desenvolvimento, capaz de incluir nossas expressões culturais, nossos valores, nossos comportamentos e nossos costumes, nas redes de comunicação que estabelecemos, assim como nas diversas expressões de solidariedade que construímos?

III

municipalização e políticas públicas

culturais para um outro desenvolvimento no Brasil

“... O camundongo pulou fora d’água e pareceu estremecer todo de medo. ‘Oh, desculpe-me!’. Alice se apressou em exclamar, temendo ter magoado os sentimentos do pobre animal. ‘Esqueci completamente que você Não gostava de gatos’. ‘Não gostar de gatos! Gritou o camundongo com uma voz estridente, exaltada. ‘Você gostaria, se fosse eu?’ (Lewis Carroll. Aventuras de Alice no País das Maravilhas)

Para compreendermos as relações entre cultura e municipalização, necessitamos refletir sobre a histórica vulnerabilidade da institucionalização da cultura no Brasil, pois ela é fruto das fragilidades da própria sociedade civil brasileira. No campo da política, por exemplo, a atenção dada às políticas públicas federais, estaduais e municipais, na área cultural, foi historicamente insignificante. Embora presentes nos palanques dos candidatos ao legislativo ou

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ao executivo em nosso país, os discursos sobre cultura não se reverteram, ao longo do tempo, em projetos de lei capazes de garantir políticas culturais voltadas à descentralização, inclusão e democratização dos bens e serviços culturais. Se no país já se reconhece a estabilidade de princípios e diretrizes para uma política econômica, o mesmo não ocorre no âmbito de uma política cultural. No campo científico, o fenômeno também se repete, constatando-se pouca produção acadêmica no setor, assim como lacunas de natureza teórico-metodológica nas pesquisas produzidas, que, por sua vez, contribuíram para a escassa produção de dados necessários à consolidação do setor. No campo artístico, a compreensão acerca dos significados das políticas públicas para a cultura também é incipiente, em função, de um lado, das carências de formação do campo cultural, e, de outro, da inexistência de um sistema nacional de informações culturais, capaz de subsidiar a formulação das próprias políticas.

Vale, ainda, ressaltar que, a ausência de clareza na formulação de diretrizes que estabeleçam os limites da intervenção do Estado no campo cultural, provocou, em muitos casos, ou um confronto aberto de posições radicalmente antagônicas, levando à paralisia decisória, ou a uma certa tendência a evitar projetos mais ousados,

privilegiando-se um grande número de pequenas ações. O resultado dessa relação se traduz na atuação clientelista e assistencialista das agências de fomento cultural, conforme afirmação de Sérgio Miceli: clientelista, de um lado, por se limitar a atender, de maneira geralmente passiva, às demandas da clientela própria da área artística em geral; assistencialista, de outro, por tratar a cultura como ação filantrópica, como lenitivo ou mera tentativa de neutralização das nossas mazelas e desigualdades sociais.Por último, na agenda de desenvolvimento nacional, a cultura foi historicamente concebida de forma unilateral enquanto uma “política de governo’, não tendo sido formulada e pactuada pela sociedade civil, como deve ser uma “política de Estado”. Esse fenômeno tem produzido inúmeros impactos para o campo cultural, valendo destacar, entre eles, a descontinuidades dos programas e ações culturais, assim como o descrédito na eficiência, efetividade e eficácia das pastas de cultura no país.

Se o Estado brasileiro foi omisso na sua ação de definição de transversalidades, de institucionalização e regulamentação da cultura, também a sociedade civil passou ao largo das demandas, intervenções e controles que poderia ter protagonizado. Todas essas questões nos remetem à necessidade da relocalização

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Sabíamos que não bastaria somente garantir recursos

para o interior, pois o nosso maior desafio

seria capacitar artistas e produtores

culturais a fazerem bons projetos

das políticas culturais nas agendas públicas brasileiras. É o que enfatiza Teixeira Coelho:

Nenhum desenvolvimento econômico e humano digno desse nome será alcançado sem que a cultura esteja instalada no centro das políticas públicas todas, da educação à saúde, do transporte à segurança, da economia à indústria... a sociedade civil como ator cultural privilegiado, a cultura como centro de referência das políticas públicas. A tradução desse princípio implica, por exemplo, que o secretário de cultura de um município assim como o ministro da cultura de um estado são figuras constantes na mesa de decisões sobre todas as políticas.

As políticas culturais podem e devem qualificar as políticas de educação, saúde, habitação, trabalho, entre outros domínios da vida humana. Essa constatação já permeia os debates contemporâneos acerca do desenvolvimento, assim como vêm crescendo as discussões sobre a economia da cultura e seu significado estratégico para o desenvolvimento local e regional. Todas essas conquistas são importantes e passam a legitimar um novo discurso sobre as políticas culturais no Brasil. No entanto, é importante ressaltar que a cultura não deve ser somente considerada, enquanto política, a partir de seus impactos

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de natureza pragmática, relativos à geração de empregos ou à redistribuição de renda. É fundamental considerar, nas políticas públicas culturais, o papel da cultura como um fim em si mesmo, ou seja, a cultura é por si sozinha, responsável pela sua própria sustentabilidade. Nesse sentido, produzir cultura, compartilhar cultura, fruir cultura são experiências únicas, fundamentais e valiosas, pois representam, para o homem, o substrato da sua própria existência.

Enfim, vale lembrar que o grande desafio das políticas públicas de cultura é o de estender o conceito de cidadania. Consideramos que cidadania cultural teria fundamentalmente duas vocações: afirmar os direitos e deveres dos indivíduos face às suas culturas e às demais culturas; determinar os direitos e deveres de uma comunidade cultural frente às demais comunidades culturais. Nesse sentido, só se pode construir uma política cultural quando é garantida a livre expressão de indivíduos e comunidades, assim como os meios para que estes estabeleçam objetivos, elejam valores, definam prioridades, controlando, enfim, os recursos disponíveis para alcançar seus objetivos, a partir de suas crenças e valores. Essa é a liberdade que propugnamos. A partir dos processos de municipalização formulados pelas políticas culturais,

não se poderia repensar os significados das políticas de desenvolvimento no Brasil? E mais. As políticas culturais não contribuiriam para a necessária compreensão das diferenças entre políticas de Governo e políticas de Estado?

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I V

políticas públicas de cultura, municipalização

e desenvolvimento com Envolvimento: breve relato do

projeto “secult itinerante - a cultura em movimento”

(Ceará, 2003-2006)

‘Como consegue continuar falando tão calmamente de cabeça para baixo?’ Alice perguntou, enquanto puxava o Cavaleiro pelos pés e o deitava num monte na borda do fosso. O Cavaleiro pareceu surpreso com a pergunta. ’Que me importa onde está meu corpo?’ disse. ‘Minha mente continua trabalhando do mesmo jeito. Na verdade, quanto mais de cabeça para baixo estou, mais invento coisas novas.’ (Lewis Carroll, Aventuras de Alice no País das Maravilhas)

Assumi a gestão da cultura do Ceará em 2003, levando para a Secretaria as discussões sobre políticas e gestão cultural que já me ocupavam na Universidade. A primeira decisão tomada foi a de ritualizar nossa chegada, a partir

da realização de um seminário, cujo objetivo era o de reunir reflexões teóricas e experiências práticas que contribuíssem para a realização de um diagnóstico sobre as políticas culturais no estado. O Seminário Cultura XXI, realizado em março daquele ano, foi concebido como um primeiro espaço para a escuta de manifestações, demandas e sugestões que, por sua vez, fundamentariam a construção do Plano Estadual de Cultura.

Como faria, posteriormente, o próprio Ministério da Cultura, nas conferências nacionais, estaduais, municipais e intermunicipais de cultura, decidimos estruturar nosso Seminário em torno de cinco temas basilares: política e gestão cultural, legislação cultural, economia da cultura, municipalização da cultura e patrimônio cultural. Nosso convidado para refletir sobre a temática “municipalização da cultura” foi o próprio ministro Gilberto Gil, que defendia, no início de seu primeiro mandato, a retomada de uma Política Nacional de Cultura, fundamentada no resgate da dignidade dos brasileiros. Para tanto, propunha uma nova reflexão acerca dos significados da cultura, em seu discurso intitulado “Cultura no Governo Lula: uma visão estratégica do MINC”:

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Falo de cultura não no sentido das concepções acadêmicas ou dos ritos de uma ‘classe artístico-intelectual’. Mas, em seu sentido pleno, antropológico. Vale dizer: cultura como a dimensão simbólica da existência social brasileira. Como usina e conjunto de signos de cada comunidade e de toda a nação. Como eixo construtor de nossas identidades, construções continuadas que resultam dos encontros entre as múltiplas representações do sentir, do pensar e do fazer brasileiros e a diversidade cultural planetária. Como espaço de realização da cidadania e de superação da exclusão social, seja pelo reforço da auto-estima e do sentimento de pertencimento, seja, também, por conta das potencialidades inscritas no universo das manifestações artístico-culturais com suas múltiplas possibilidades de inclusão socioeconômica. Sim. Cultura, também, como fato econômico, capaz de atrair divisas para o país - e de, aqui dentro, gerar emprego e renda (Leitão e Santos, 2006, p.15).

Os grandes temas do Seminário Cultura XXI estavam coincidentemente presentes no discurso do ministro, mostrando-nos, a todos, que os desafios para o campo cultural possuíam dimensão nacional: a cultura deveria ser planejada e gerida estrategicamente; deveria promover a auto-estima e a diversidade de expressão entre comunidades e povos; deveria ser um instrumento

graças às redes que construímos,

passamos a conhecer e a dialogar com

(...) profissionais da cultura do interior

que, até então, mantinham-se

“invisíveis” para a Secretaria

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de empregabilidade e de redistribuição de renda; deveria, enfim, promover a inclusão social e a consolidação da cidadania. Por outro lado, ao ampliar os significados da cultura, libertando-a dos espaços eruditos ou acadêmicos e ousando ir além dos seus conteúdos tradicionais, impostos pelas linguagens artísticas, o governo federal inaugurava, através do discurso do ministro Gilberto Gil, naquele Seminário, um novo tempo para as políticas públicas de cultura no país.

As questões levantadas durante o Seminário Cultura XXI eram, portanto, estaduais e nacionais. Constituía voz unânime, entre os participantes, que a Secretaria da Cultura possuía uma presença tímida no interior, que suas ações não eram inclusivas nem descentralizadas e que os seus programas eram sazonais. Por outro lado, afirmava-se que a Secretaria não possuía informações culturais do estado, não contava com indicadores capazes de aferir resultados e impactos de suas políticas e de sua gestão. E mais. Artistas, produtores, prefeitos, empresários, jornalistas, dirigentes municipais, secretários de cultura de outros estados brasileiros, lideranças comunitárias e demais representações da sociedade civil denunciavam, praticamente em uníssono, naquele Seminário, a ausência de uma política pública, para a cultura no país, com foco

na inclusão de todos os brasileiros, especialmente dos estados mais pobres da federação.

Meses depois do “Cultura XXI”, produzimos e publicamos o Plano Estadual de Cultura do Ceará (2003-2006), que portava um subtítulo significativo: “Valorizando a diversidade e promovendo a cidadania cultural”. O Plano dará concretude ao compromisso do estado na formulação e implementação de uma política pública de cultura, voltada à descentralização e à inclusão. Para tanto, define em seu preâmbulo os princípios do respeito à diversidade cultural, da participação e do compartilhamento da gestão, assim como da autonomia e da autodeterminação para fixar suas próprias metas, eleger seus valores e determinar-se por eles. Esses princípios fundamentarão os cinco programas do Plano: Valorização das Culturas Regionais; Gestão do Conhecimento na Área Cultural; Preservação do Patrimônio Cultural Material e Imaterial; Apoio à Criação Artística e Cultural; Gestão Pública Eficaz e Compartilhada.

O Programa “Valorização das Culturas Regionais” foi se tornando, aos poucos, o “carro-chefe” da nossa gestão. Hoje, percebo que ele simbolizava o rompimento com as velhas formas tradicionais de gestão cultural, formas estas quase sempre focadas, ora no fomento aos projetos culturais

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de determinados grupos econômicos e políticos, ora nos interesses de alguns representantes da classe artística, especialmente, daqueles formadores de opinião e com maior acesso às mídias. Para nos aproximarmos de forma eficiente e eficaz dos municípios cearenses, deveríamos vencer o tradicional isolamento da Secretaria, sua falta de capilaridade nas diversas regiões do estado, enfim, necessitávamos superar, de um lado, o desconhecimento da existência de uma Secretaria Estadual de Cultura por parte dos municípios e, de outro, a descrença do campo cultural na sua capacidade de descentralização e de democratização de seus serviços. Vale ressaltar que a Secretaria Estadual da Cultura era considerada, até então, como a Secretaria de Cultura de Fortaleza, pois como a capital não dispunha de uma secretaria municipal, a secretaria estadual, de uma certa forma, tentava suprir a ausência de políticas municipais de cultura. O desafio estava posto. Necessitávamos “estadualizar” a Secretaria para chegar a todos os municípios e, finalmente, “municipalizar” os seus programas, projetos e ações...Todo processo de municipalização pressupõe a existência de etapas que permitam sua viabilização, garantindo-lhe êxito nos resultados almejados. A primeira delas referia-se à criação de um “leito institucional”, que garantisse o

compartilhamento das políticas e da gestão da cultura no estado. Iniciamos nossa empreitada pelo reforço às instâncias de participação dos representantes da sociedade civil nos órgãos da gestão estadual. Por isso, reestruturamos o Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural - COEPA - e o Conselho Estadual da Cultura - CEC, que, embora estivesse previsto em lei desde 1966, junto com a criação da própria Secretaria, encontrava-se desativado. O COEPA, criado no ano 2000, no governo Tasso Jereissati, teve em nossa gestão sua estruturação alterada, para agregar novas representações da sociedade civil; o CEC também foi reestruturado, passando a formular, junto com a Secretaria da Cultura, as políticas e programas de fomento à cultura no estado.

Nessa primeira etapa, de fomento à gestão compartilhada, estimulamos a institucionalização de instâncias regionais de formulação e compartilhamento das políticas e da gestão da Secretaria. Por isso, foram criados os Fóruns Regionais de Turismo e Cultura em todo o Ceará, cuja missão era fomentar a parceria e os consórcios entre os municípios da mesma região, enfatizando-se o “turismo cultural” e seus impactos para o desenvolvimento local e regional. Esses colegiados construíram intersecções valiosas entre os campos da cultura e do turismo em todo

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como um órgão público (...) poderia

desenvolver a necessária mobilidade

organizacional para percorrer todas as

regiões do estado?

o estado, durante quatro anos, tornando-se o principal espaço de interlocução entre as secretarias estaduais e municipais de cultura e turismo, o trade turístico, as organizações não-governamentais, os produtores culturais, as associações artísticas e outras instituições públicas e privadas. Os Fóruns eram coordenados por um comitê gestor, formado, por sua vez, por uma diretoria, com representantes da sociedade civil (presidente, vice-presidente, primeiro e segundo secretários) e representantes do poder público (secretarias da cultura, do turismo, da educação, do desenvolvimento econômico etc), entre outras instituições voltadas ao desenvolvimento (Sebrae, Sesc, Banco do Nordeste, Universidades etc).

A segunda etapa consistia na estruturação, difusão e acessibilidade das formas de fomento à cultura. Urgia construir instrumentos claros e eficazes de fomento cultural voltados, de forma clara e transparente, à inclusão social. Com a criação de uma política de editais de fomento às artes e ao patrimônio material e imaterial, demos o primeiro passo para a inclusão, pois garantimos em lei que pelo menos 50% dos recursos do Fundo Estadual de Cultura seriam voltados ao apoio de projetos advindos do interior do estado. Essa legislação suscitou grande polêmica em meio aos artistas formadores de opinião, que

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discordavam radicalmente da mesma, argumentando que o interior do estado não tinha projetos para consumir os recursos propostos pelos novos editais. Nossa proposta, no entanto, não era a de “dar o peixe”, mas, sim, de “ensinar a pescar”. Sabíamos que não bastaria somente garantir recursos para o interior, pois o nosso maior desafio seria capacitar artistas e produtores culturais a fazerem bons projetos, que concorressem e fossem selecionados pelos editais. Necessitávamos dar, rapidamente, um passo além da legislação - passos que garantissem, inclusive, a sobrevivência e a longevidade das próprias leis de fomento.

A terceira etapa dizia respeito à criação de canais de comunicação, interação e apoio, entre os diversos equipamentos culturais, em todo o estado. Ao longo dos anos de 2004 e 2005, fomos instituindo, no âmbito da administração pública estadual, os sistemas estaduais de museus, de teatros e de equipamentos culturais, ao mesmo tempo em que fomos consolidando os sistema de bandas de música, de bibliotecas e de arquivos, já previstos em lei, mas com ações sazonais no interior. A experiência da criação dos sistemas representou um passo significativo na tarefa de municipalização. Graças às redes que construímos, passamos a conhecer e a dialogar com artistas, gestores de equipamentos e outros profissionais

da cultura do interior que, até então, mantinham-se “invisíveis” para a Secretaria. Lembro que, no Governo Lula, o Sistema Nacional de Museus teve sua primeira reunião no município do Crato, no Cariri cearense, quando lançamos o Sistema de Museus do Ceará, reunindo gestores de mais de setenta museus e unidades museológicas de todo o estado. O mais interessante dessa construção coletiva foi a possibilidade de proporcionarmos o encontro de gestores culturais com demandas semelhantes e, em geral, vítimas do mesmo isolamento e dos mesmos processos de exclusão. Percebíamos que a municipalização era, menos um processo de aumento de recursos para a área da cultura, do que um movimento de estímulo ao encontro entre pessoas, de resgate das solidariedades individuais comunitárias, enfim, da restituição de espaços da fala e da escuta entre indivíduos ligados pelos mesmos interesses e motivados pelos mesmos sonhos. Vale ressaltar que, para criarmos as redes, ampliamos as “missões” dos grandes equipamentos culturais do estado, situados na capital (a Biblioteca Pública Menezes Pimentel, o Arquivo Público, o Theatro José de Alencar, o Museu do Ceará, o Centro Cultural Dragão do Mar), que passaram a ser espécies de “cabeças” de cada Sistema, desempenhando um papel de liderança e de responsabilidade pelo seu bom funcionamento.

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A quarta etapa referia-se à ação de estruturação do campo cultural de cada região do estado, a partir do mapeamento de suas vocações mais representativas. Através dos Fóruns Regionais de Cultura e Turismo, a Secretaria passou a conhecer os movimentos culturais de cada região e, com cada uma delas, apoiou a criação de festivais regionais, com enfoque na formação profissional da linguagem artística e cultural mais desenvolvida naquela região. O grande objetivo desses festivais, que chamamos de “eventos estruturantes” era, portanto, o de “estruturar” a linguagem artística mais expressiva em cada região, permitindo a formação de produtores, gestores, artistas, enfim, dos profissionais da cadeia produtiva daquele evento. O Encontro dos Mestres do Mundo (Vale do Jaguaribe), a Festa do Livro e da Leitura de Aracati (Litoral Leste), a Mostra Cariri das Artes (Cariri), o Festival Internacional de Trovadores e Repentistas (Sertão Central), o Festival de Música de Câmara do Vale do Salgado (Centro Sul e Vale do Salgado), o Festival de Dança do Litoral Oeste (Litoral Oeste), o Festival de Circo, Bonecos e Artes de Rua (Inhamúns) e o Festival Música na Ibiapaba (Serra da Ibiapaba) constituíram “eventos estruturantes” que contribuíram para a criação de canais definitivos entre a Secretaria e as diversas regiões do estado, durante nossa gestão, ao mesmo tempo em que possibilitaram a reestruturação do próprio campo cultural cearense.

A quinta etapa consistia na criação de um programa de fomento à cultura, voltado especificamente à inclusão dos municípios mais pobres do estado, assim como dos bairros com os menores índices de desenvolvimento humano da capital. Através de recursos do Fundo Estadual de Combate à Pobreza – FECOP, tornou-se possível enfrentar a exclusão, através e a partir do fomento à cultura. Entre os diversos projetos culturais apoiados pelo FECOP, ressaltamos o Projeto “Talentos da Cultura” (bolsas de incentivo a jovens aprendizes, a artistas profissionais, a agentes culturais e aos guardiões da memória local), o Projeto “Fortalecimento Musical”, que promoveu cursos e edição de partituras, reequipou as bandas musicais de todos os municípios do estado, assim como os conjuntos de música regional (acordeons, zabumbas, triângulos), de música urbana (guitarras, teclados, percussão) e de música erudita (pianos e outros instrumentos) e o Projeto “Agentes de Leitura” (voltado para a promoção e democratização do livro e da leitura, através da formação de agentes leitores que, indo de casa em casa, em cada bairro, distrito e município, emprestavam livros, realizavam rodas de leitura, estimulando a alfabetização, a leitura e a interpretação e compreensão de textos da literatura internacional, nacional e regional).

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Todas essas etapas cumpridas e os devidos programas em funcionamento, acabaram por transformar, pouco a pouco, a imagem distante que a Secretaria mantinha no interior. Essa transformação começou a ser percebida, já a partir do segundo ano, quando começamos a receber manifestações favoráveis às nossas ações, que resultavam na ampliação de nossas parcerias com todo o estado. Era chegada a hora de se realizar um gesto maior, uma aproximação ainda mais efetiva e eficaz de descentralização. Não seria a hora de deslocar a própria Secretaria da Cultura da capital e fazê-la percorrer todas as regiões? O gesto simbólico de criar sedes regionais provisórias para a SECULT, não seria o passo definitivo para a sua aproximação com os municípios e regiões mais distantes? Assim surgiu, dentro do Programa “Valorização das Culturas Regionais”, o Projeto “Cultura em Movimento: SECULT Itinerante”.

De início, o Projeto foi recebido com ceticismo pelo próprio governo estadual, o que era de se esperar. Afinal, como um órgão público, sempre sujeito a controles, interdições e obstáculos de natureza burocrática, poderia desenvolver a necessária mobilidade organizacional para percorrer todas as regiões do estado? Sabíamos que a Secretaria, pela sua própria natureza, era vocacionada ao imobilismo e à rigidez, simbolizada pela própria estrutura imutável

do poder público. As secretarias estaduais de cultura, que estão quase sempre abrigadas em prédios nos centros das cidades, em geral tombados pelo Patrimônio Histórico, simbolizam, de um lado, o imobilismo do Estado, de outro, a “pompa” e a “circunstância” que a cultura empresta aos seus gestores. Ora, aquela proposta de “diáspora” da própria Secretaria, representava uma rebeldia a essa tradição algo “aristocrática”, tão representativa da gestão pública de cultura em nosso país. Estávamos, portanto, a fazer, com a criação do projeto de uma “secretaria nômade”, quase uma provocação a uma velha repartição pública, refém de sua própria lentidão e do seu próprio isolamento:

O nomadismo é totalmente antitético à forma do Estado moderno. Este busca, de forma constante, suprimir o que considera uma sobrevivência de um modo de vida arcaico. Fixando-se, pode-se dominar. (Maffesoli: 1997, p. 22)

Segundo Maffesoli, o nomadismo não se afina com a gestão pública, pois é próprio do político, nos seus objetivos de controle e de dominação, desconfiar de tudo o que é errante, de tudo o que escapa do olhar. Se o Estado deseja tudo ver, tudo controlar, tudo classificar, tudo mensurar, nosso Projeto representava uma ação indesejável e

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inoportuna aos interesses da gestão pública. Mas graças à compreensão do governador, conseguimos superar os maiores obstáculos e, em 2005, saímos de Fortaleza para uma “expedição” de conhecimento e reconhecimento do estado, com retorno previsto para o dia 6 de agosto de 2006, data de aniversário de 40 anos da Secretaria.

A lógica da itinerância exigiu uma grande engenharia de produção, pois envolvia uma intensa programação de atividades diferenciadas, que ocorriam, simultaneamente, em várias cidades por região. Para realizá-la no tempo previsto, foram necessárias diferentes equipes técnicas e um árduo trabalho de articulação diária com os municípios. Enquanto se executava as atividades numa região, outra equipe realizava a pré-produção das regiões posteriores, o que incluía necessariamente a prospecção técnica nas cidades, para avaliar espaços, equipamentos, locações, divulgação da programação local, seleção e inscrição de candidatos para atividades específicas etc. Em cada região, contava-se com o apoio de outras secretarias estaduais, que viabilizaram a estrutura logística para o funcionamento de um escritório provisório da SECULT, durante sua estadia na região. As bases foram montadas em cidades-pólo regionais, com infra-estrutura de hospedagem, alimentação e serviços de comunicação, normalmente as

que sediavam os “eventos estruturantes”. Nossa agenda foi construída a partir do calendário dos festivais regionais, com o objetivo de fortalecer, naquele período, aquela região, com toda a programação do “SECULT Itinerante”. O Projeto instalava-se cerca de 20 a 25 dias por região, realizando a maioria das atividades previstas, e as equipes revezavam seus períodos de permanência, de acordo com a natureza do eixo do Projeto em que estavam envolvidas.

O primeiro eixo referia-se à “Institucionalização da Cultura e Prestação de Serviços Técnicos”. Seu objetivo era o de apoiar a criação, estruturação e consolidação dos Sistemas Municipais de Cultura. Enquanto os técnicos da Secretaria se reuniam com os artistas e gestores em cada município, para conhecer os equipamentos culturais municipais, para informá-los dos nossos serviços de assessoria, para divulgar nossos editais e programas, minha tarefa era a de visitar todas as Câmaras Municipais, explicando, a partir de uma palestra aos vereadores, aos artistas e à população em geral, as diretrizes do federalismo cultural brasileiro, o Sistema Nacional de Cultura e suas necessárias bases municipais. Ao final de cada sessão, eu própria entregava a cada prefeito, presidente de Câmara e dirigente ou responsável pelo setor da cultura no

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município, cartilhas com as informações acerca do Sistema Nacional de Cultura, dos Sistemas Federal, Estaduais e Municipais, além dos modelos de leis para a criação dos Sistemas Municipais de Cultura (com a previsão da criação dos conselhos, da legislação de incentivo, dos fundos, dos órgãos municipais de cultura, assim como dos planos municipais de cultura). Nunca deixei de enfatizar, no meu discurso, a importância do município, enquanto espaço primordial da federação, território concreto onde a vida se dá, diferentemente das abstrações jurídico-políticas dos estados e da União. Esse discurso de municipalização encontrou grande eco em nossa caminhada e foi definitivo nos bons resultados de institucionalização municipal da cultura que obtivemos.

O segundo eixo era focado na “Formação de Gestores e de Profissionais do Campo Cultural”, e tinha por objetivo oferecer um “pacote” de cursos para gestores, produtores, artistas e interessados, em todas as regiões do estado. Os cursos de Gestão, Produção e Elaboração de Projetos Culturais, de Educação Patrimonial e as Oficinas de Elaboração de Planos Municipais, ambos fundamentais para a criação e consolidação dos Sistemas Municipais de Cultura, foram ofertados em todas as regiões do

estado. Vale ressaltar o impacto extremamente positivo dessas formações, voltadas para o estímulo à criação dos sistemas municipais de cultura. Em pouco tempo, vimos nascer secretarias, conselhos, planos e legislações de incentivo à cultura em todo o estado. Essa formação para os gestores, produtores e artistas em geral, teve como primeiro objetivo resgatar a auto-estima de lideranças municipais, que, tradicionalmente distantes do governo estadual, mereciam ser reconhecidas pela sua persistência e altruísmo. Em pouco tempo, desenvolvemos relações cúmplices e afetivas com todos eles, reforçando nos mesmos a necessidade de comportamentos e posturas profissionais, diante da gestão cultural. De um lado, insistíamos que o fazer cultural não poderia ser objeto de filantropias ou voluntarismos políticos. De outro, que, enquanto dever do Estado e direito da população, o fomento à cultura constituía obrigação do município e direito dos munícipes.

O terceiro eixo, nomeado “Geração de Conhecimento”, era encarregado de mapear o patrimônio cultural material e imaterial do estado, assim como de cadastrar equipamentos culturais, artistas, associações e entidades do campo cultural. Graças a esse levantamento, conseguimos criar e fomentar, através de cursos e oficinas,

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os sistemas estaduais de teatros, museus, centros culturais, além de consolidar os sistemas estaduais de arquivos, bandas de música e bibliotecas. Para tanto, oferecemos cursos voltados à gestão de equipamentos, em função das demandas regionais, tais como o de Ação Educativa nos Museus, Implantação de Arquivos Municipais e Conservação de Acervos Museológicos. Também em função das demandas regionais, foram oferecidos aos artistas cursos básicos de Dança, de Teatro, de Música, de Desenho e Pintura, de Xilogravura, de Cordel, entre outros. Graças ao “Ônibus Cultura em Movimento”, uma unidade de cadastramento móvel que circulou em todos os municípios do estado, conseguimos cadastrar mais de 20.000 profissionais da cultura nas diversas regiões cearenses.

O último eixo, o da “Promoção e Difusão Cultural”, era responsável pela realização, durante a caminhada, de exposições, mostras de cinema, festivais nas diversas linguagens artísticas, espetáculos circenses, teatrais, musicais e literários, entre outras programações artísticas e culturais. Esse eixo integrou-se ao anterior, viabilizando o cadastramento de milhares de artistas e profissionais da cultura em todo o Ceará, ao mesmo tempo em que nos permitiu conhecer talentos anônimos e fomentar novos públicos para a fruição cultural. Decidimos que a estrutura

de um grande circo seria a base para a promoção e difusão cultural do Projeto. O “Circo Cultura em Movimento’, composto de duas tendas, garantiu, durante toda a itinerância, uma intensa programação cultural. Contudo, o mais valioso para a Secretaria foi o fato de conhecer os artistas e as diversas expressões culturais locais. Muitos habitantes desconheciam, entre seus vizinhos, a existência de talentos, que o Projeto revelava através do Circo. Esse encontro das comunidades com seus próprios artistas impactou fortemente os municípios, tornando o Circo um espaço de sinergia, de trocas, de formação de público, enfim, uma grande arena cultural para toda a população. Mais de 115.000 pessoas participaram das ações no Circo, números que demonstram a força do Projeto em todas as regiões do estado.

Se o Projeto “Cultura em Movimento”, em seu caminhar, semeou em terreno fértil, oferecendo formações, informações e assessorias, ele também realizou colheitas. Entre os frutos do Projeto, vale destacar a criação de um Sistema Estadual de Informações Culturais para o Estado, que subsidiou outros produtos/publicações, tais como, O Guia Turístico Cultural do Ceará, Os mestres da Cultura Popular, As 1001 histórias do Ceará, A Memória do Caminho, O Catálogo dos Equipamentos e Profissionais

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da Cultura, Os Cadernos da Memória, além de outros documentários e registros audiovisuais, assim como criação de acervos, realização de exposições etc.

A maior repercussão do Projeto “Cultura em Movimento” viria, no entanto, a acontecer em setembro de 2007. Graças à parceria entre o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, e o Ministério da Cultura, foram levantados os primeiros dados culturais brasileiros na Pesquisa de Informações Básicas Municipais. A “Munic-2006” veio confirmar o pioneirismo da municipalização da cultura no Ceará. Segundo a pesquisa, enquanto 57,9% dos municípios brasileiros afirmam ter uma política cultural, 76,6% dos municípios cearenses já fazem esse trabalho. Todas as prefeituras no Ceará possuem um órgão gestor de cultura, assim como todo o Ceará aderiu ao Sistema Nacional de Cultura. Os números relativos à criação, estruturação e consolidação dos Sistemas Municipais de Cultura são também surpreendentes. O Ceará apresenta resultados acima da média nacional no que se refere à criação de conselhos, fundos, leis de incentivo, planos, formação profissional parra o setor, redes de equipamentos culturais, grupos artísticos, festivais, mostras etc. Hoje confirmamos as hipóteses que alimentaram durante quatro anos nossa

política de cultura. Os números revelados pelo IBGE demonstram que a formulação de política pública para a cultura, voltada à municipalização, permitiu a um estado pobre como o Ceará (cujo Produto Interno Bruto é 14 vezes menor que o de São Paulo!) tornar-se exemplar. Se 42,1% dos municípios brasileiros não possuem uma política cultural e somente 4,6% deles possuem uma secretaria específica de cultura, por que existem, entre os 184 municípios cearenses, cerca de 100 secretarias municipais de cultura?

A experiência de criação do Sistema Estadual de Cultura e do apoio aos sistemas municipais de cultura no Ceará demonstra que é possível construir-se um Sistema Nacional de Cultura para o país, onde recursos, competências e programas da União, Estados e Municípios se articulem, garantindo a continuidade de políticas culturais para todos os brasileiros. Afinal de contas, a preservação do nosso patrimônio cultural, a cooperação técnica, a construção de redes de equipamentos culturais (bibliotecas, teatros, museus, centros culturais, arquivos, salas de cinema etc) são tarefas que dizem respeito a todos os entes federados. Quanto maior a integração e a articulação entre eles, mais eficazes seremos no conhecimento e reconhecimento da nossa diversidade e riqueza cultural, transformando

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nossas expressões culturais em um ativo fundamental para o desenvolvimento humano. Sabemos que a construção do Sistema Nacional de Cultura é uma tarefa de todos. O arcabouço de leis que o constitui não lhe dará eficácia nem efetividade, caso não haja comprometimento mútuo entre os governos e a sociedade civil.

A criação do Sistema Estadual de Cultura no Ceará e o estímulo à criação dos Sistemas Municipais, implantado pelo “Projeto Cultura em Movimento: SECULT Itinerante”, representaram muito mais do que uma estruturação formal de um modelo jurídico-político de fortalecimento do federalismo cultural em nosso país. O Projeto simboliza a formulação de uma política pública de municipalização da cultura disposta a resignificar os tradicionais modelos de desenvolvimento, a ampliar os significados da cidadania, a construir um desenvolvimento local e regional fundamentado no envolvimento com o Outro e na direção do Outro, a partir do reforço à diversidade cultural, dos afetos e das solidariedades comunitárias.

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BAUDRILLARD, Jean La Transparence du Mal: essai sur les phé-nomènes extremes. Paris, Galilée, 1990.

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Doutora em Sociologia pela Université Paris V (Sorbonne-René Descartes), Mestre em Sociologia do Direito pela Universidade de São Paulo -USP(1988). Foi Diretora Regional do Senac/CE (2001/2002) e Secretária da Cultura do Estado do Ceará (2003/2006).

Foi coordenadora do Curso de Administração da Universidade Estadual do Ceará (1998/2003 ) do Mestrado Profissional de Gestão de Negócios Turísticos (1999/2003) (parceria com a Universidade de Barcelona) e do Curso de Especialização em Gestão Cultural (2000/2002).

É professora do Mestrado de Políticas Públicas e Sociedade da UECE, Coordenadora do Curso de Direito da Faculdade Christus e consultora associada da Animacult Consultoria.

Autora dos livros: “A Crise dos Partidos Políticos Brasileiros: Os Dilemas da Representação Política no Estado Intervencionista” (1989), “Por uma Ética da Estética: uma reflexão acerca da Ética Armorial Nordestina” (1997), “Memória da Construção Civil” (2002), “Memória do Comércio Cearense” (2003). Organizou as publicações: “Gestão Cultural - Significados e Dilemas na Contemporaneidade” e “Seminário Cultura XXI: Seleção de Textos”.

perfil

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O projeto gráfico dste livro foi composto no Estúdio

Quimera por Iansã & Inara Negrão para a Secretaria de

Cultura do Estado da Bahia, em Salvador. Sua impressão foi

feita pela Gráfica Esperança em papel reciclato, capa 120 g/

m2, e miolo 90 g/m2.

Possui o formato 11x15 cm. A fonte de texto é DTL

Documenta Sans. Os títulos e apoios foram compostos

em DTL Documenta, família tipográfica projetada por

Frank Blokland.

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coLEção cuLturA É o quê?

Vol. I - Cultura e Democracia - 2009marilena chauí

Vol. II - Cultura e desenvolvimento em um quadro de desigualdades - 2009Marta Porto

Vol. III - Cult ura e Municipalização- 2009Cláudia Leitão

Vol. I V - Cult ura como R ecurso -2012Heloísa Buarque de Hollanda

Vol. V - Linguagem, educação e cultura: leituras - 2012Eliana Yunes

Vol. V I - Panorama das Polít icas Cult urais no Brasil: Práticas e Análises - 2012Antonio Albino Canelas Rubim

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Linha editorial da Secretaria de Cultura da Bahia voltada para apoiar processos de capacitação e disseminar idéias e conceitos contemporâneas de cultura.