colapso de um edifÍcio residencial em concreto armado

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COLAPSO DE UM EDIFÍCIO RESIDENCIAL EM CONCRETO ARMADO Ronaldo Carvalho Battista Ph.D, Prof. Titular, Eng. Civil, - COPPE/UFRJ Diretor Técnico - Controllato, www.controllato.com.br . (Texto extraído do material das referências 1 e 2) 1. Introdução No que se segue apresentam-se um relato sumário e uma análise das principais causas do colapso total da estrutura em concreto armado de um edifício residencial de 13 andares, ocorrido em 1987 na cidade de Belém PA, na região norte do Brasil. O colapso súbito da estrutura ocorreu num dia de clima ameno e briza, antes de sua utilização plena - i.e antes da ocupação das unidades habitacionais do edifício - mas em fase final de acabamento, levando à morte 39 operários. O estágio final do colapso progressivo, mas relativamente lento, se estendeu por alguns poucos dias. Sinais sonoros de formação de micro-trincas, por acréscimo sucessivo de solicitações, foram ouvidos. Medições não pertinentes de recalques verticais foram feitas sem sucesso...e, não identificadas as causas, que permitiriam a tomada de medidas corretivas emergenciais, a estrutura afinal ruiu subitamente. Todos os aspectos projetivos (incluindo memória de cálculos, modelagens computacionais e desenhos de projeto executivo) e também construtivos (incluindo detalhes, materiais, sobrecargas permanentes adicionais e metodologia construtiva) foram verificados e analisados criteriosamente e minuciosamente, segundo metodologia típica da engenharia forense endereçada à um laudo pericial consistente e condizente com o vulto deste acidente estrutural com vítimas fatais [1] . Ênfase é dada aqui aos aspectos associados à concepção estrutural e suas deficiências, e ao papel fundamental desempenhado por estes aspectos e pelo mecanismo de interação entre estrutura e fundações profundas esbeltas, no colapso total da estrutura como se fosse por uma implosão programada. O presente artigo tem o intuito de discutir e exemplificar, num forum apropriado, os erros e lapsos cometidos no projeto e execução de uma estrutura e fundações de um edifício residencial. Espera-se que os erros cometidos no passado possam nos servir ainda

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Page 1: COLAPSO DE UM EDIFÍCIO RESIDENCIAL EM CONCRETO ARMADO

COLAPSO DE UM EDIFÍCIO RESIDENCIAL EM

CONCRETO ARMADO

Ronaldo Carvalho Battista

Ph.D, Prof. Titular, Eng. Civil, - COPPE/UFRJ

Diretor Técnico - Controllato, www.controllato.com.br.

(Texto extraído do material das referências 1 e 2)

1. Introdução

No que se segue apresentam-se um relato sumário e uma análise das principais

causas do colapso total da estrutura em concreto armado de um edifício residencial de 13

andares, ocorrido em 1987 na cidade de Belém – PA, na região norte do Brasil.

O colapso súbito da estrutura ocorreu num dia de clima ameno e briza, antes de sua

utilização plena - i.e antes da ocupação das unidades habitacionais do edifício - mas em

fase final de acabamento, levando à morte 39 operários.

O estágio final do colapso progressivo, mas relativamente lento, se estendeu por

alguns poucos dias. Sinais sonoros de formação de micro-trincas, por acréscimo sucessivo

de solicitações, foram ouvidos. Medições não pertinentes de recalques verticais foram

feitas sem sucesso...e, não identificadas as causas, que permitiriam a tomada de medidas

corretivas emergenciais, a estrutura afinal ruiu subitamente.

Todos os aspectos projetivos (incluindo memória de cálculos, modelagens

computacionais e desenhos de projeto executivo) e também construtivos (incluindo

detalhes, materiais, sobrecargas permanentes adicionais e metodologia construtiva) foram

verificados e analisados criteriosamente e minuciosamente, segundo metodologia típica da

engenharia forense endereçada à um laudo pericial consistente e condizente com o vulto

deste acidente estrutural com vítimas fatais[1]

.

Ênfase é dada aqui aos aspectos associados à concepção estrutural e suas

deficiências, e ao papel fundamental desempenhado por estes aspectos e pelo mecanismo

de interação entre estrutura e fundações profundas esbeltas, no colapso total da estrutura

como se fosse por uma implosão programada.

O presente artigo tem o intuito de discutir e exemplificar, num forum apropriado, os

erros e lapsos cometidos no projeto e execução de uma estrutura e fundações de um

edifício residencial. Espera-se que os erros cometidos no passado possam nos servir ainda

Page 2: COLAPSO DE UM EDIFÍCIO RESIDENCIAL EM CONCRETO ARMADO

hoje de lição para nos auxiliar no aprendizado e no exercício hábil de nossa profissão de

engenheiro estrutural. O presente relato é suscinto; detalhes complementares são

apresentados em outros trabalhos[2-4]

.

2. Descrição Sumária da Estrutura

A estrutura “semi-aporticada” em concreto armado foi construída sobre blocos de

fundações em estacas metálicas com pontas de concreto. Os pilares foram projetados sem

transições ao longo de toda a altura da estrutura, com cintamento parcial no nível térreo

(sem laje armada de piso). Havia 01 (um) pavimento estrutural sobre pilotis e mais 12

(doze) pavimentos estruturais para apartamentos, além da estrutura de cobertura (forro),

casa de máquinas e caixa d’água elevada. O 2o até o 11

o pavimentos eram estruturalmente

idênticos; e poderiam ser referidos como sendo não-convencionais.

As Figs. 1.a-d e Fig. 2 ilustram a concepção básica da estrutura descrita acima e

permitem fazer as seguintes observações:

a) Os pavimentos estruturais tipo - 2o ao 11

o pavimentos - não continham vigamentos

contínuos transversais, com exceção das vigas interligando os pilares centrais (do poço

de elevadores e caixa de escadas), as quais por sua vez são bastante esbeltas. Isto pode

ser visto nas Figs. 1(b) e (d) que mostram a concepção básica estrutural constituída por

pilares e “balancins” interligados por painel de laje, formando “pórticos” com

travejamento horizontal (nível dos pavimentos) de pequena rigidez à flexão;

b) Os pavimentos estruturais tipo tampouco continham em seu interior vigamento contínuo

longitudinal, interligando os “pórticos” típicos (vide Fig. 1.b) ao núcleo estrutural (caixa

de escadas e poço de elevadores);

c) A concepção estrutural “semi-aporticada” em “balancins” resultava em

desbalanceamento de momentos, transferido por equilíbrio aos pilares em cada

pavimento tipo. Esses momentos aplicados nos pilares eram em todos os pavimentos

voltados para o interior da estrutura;

d) O núcleo estrutural - formado pelas caixa de escadas e poço de elevadores - não era, por

sua vez, um núcleo resistente de contraventamento, já que era constituído por pilares de

pouca rigidez e vigas ainda menos rígidas à flexão;

e) O 1o pavimento estrutural (vide Fig. 1.a) não continha, tampouco, em seu interior,

vigamento contínuo longitudinal;

Page 3: COLAPSO DE UM EDIFÍCIO RESIDENCIAL EM CONCRETO ARMADO

f) O 12o pavimento estrutural e a estrutura de cobertura não continha travejamento

horizontal adequado (vigamento rígido nos sentidos transversal e longitudinal) para, em

caso de ação de vento, aumentar a rigidez à flexão global da estrutura;

g) O pavimento sobre pilotis era o único do tipo convencional; i.e com vigas trasversais e

longitudinais esbeltas se cruzando nas linhas de eixo dos pilares principais;

h) O cintamento dos pilares, junto aos blocos das fundações sobre estacas, (vide Fig. 1.c)

era inadequado e, para os pilares mais carregados, inexistente na direção longitudinal.

O conjunto de observações anteriores delineam uma estrutura composta por

“pórticos” esbeltos isolados (os principais tendo os pilares interligados basicamente pelas

lajes de piso) e com deficiências no cintamento dos blocos de fundações.

2.1 - Carregamentos Considerados na Análise

Como o colapso da estrutura ocorreu antes de sua utilização (ocupação das

unidades habitacionais), mas em fase final de acabamento, considerou-se numa análise

fundamental todo o carregamento permanente:

Peso próprio da estrutura em concreto armado (com peso específico ca 25 kN/m3)

+ revestimento de piso + paredes de alvenaria acabadas ( com peso específico alv = 11

kN/m3). Considerou-se ainda, a caixa d’água vazia e a casa de máquinas sem

equipamentos.

Numa análise preliminar da estabilidade foi considerada a combinação da ação de

cargas permanentes (peso próprio + alvenarias) com a ação equivalente estática de vento.

Mas, para a análise de colapso foram levados em consideração apenas os carregamentos

verticais permanentes e os efeitos das imperfeições geométricas iniciais (ou efeitos de 2a

ordem) no comportamento estrutural.

3. Modelagem Numérica-Computacional

A análise dos deslocamentos da estrutura e dos esforços internos resultantes dos

carregamentos aplicados foi feita por meio de modelos numéricos, utilizando-se um

programa computacional para cálculo estático linear e elástico de estruturas via Método

dos Elementos Finitos, desenvolvido no PEC-COPPE e implantado na segunda metade dos

anos 1970 no computador Borroughs B-6800 do NCE/UFRJ.

Page 4: COLAPSO DE UM EDIFÍCIO RESIDENCIAL EM CONCRETO ARMADO

Nas tarefas de modelagem e análise estrutural contei com a inestimável ajuda da

minha ex-aluna, Profª Eliane M. L. Carvalho, co-autora de um dos artigos técnicos

referenciados[2]

.

O modelo estrutural dos pórticos tipo principais é mostrado na Fig. 2. A

modelagem em elementos finitos desses pórticos para cálculo de deslocamentos e esforços

foi feita com elementos de pórtico plano.

Os modelos estruturais adotados para cálculo da distribuição de cargas nos pilares

em cada pavimento estrutural, foram do tipo ilustrado na Fig. 3: elementos barras de grelha

(para a discretização das vigas) combinados com elementos planos retangulares de casca

(para discretização das lajes). As propriedades geométricas de cada um desses

componentes estruturais foram tiradas das plantas de forma do projeto.

Todos os modelos consideraram a estrutura de concreto armado sem fissuração,

para cálculo das propriedades geométricas e elásticas de seus componentes estruturais.

Observa-se que, atualmente, com todas as modernas facilidades computacionais, a

modelagem da estrutura seria na forma completa e tridimensional.

4. Apresentação e Análise dos Principais Resultados

A Fig. 4 mostra a distribuição de cargas nos pilares devido ao carregamento

permanente total de um pavimento tipo e ilustra as “áreas de influência” desse

carregamento sobre os pilares. As linhas tracejadas delimitam essas “áreas de influência”,

desenhadas como “curvas de nível” segundo o locus dos maiores deslocamentos verticais

dos paineis de laje.

Observa-se que os pilares mais carregados são P12 = P13 e que o somatório de

cargas nos pilares devido ao carregamento vertical permanente total de um pavimento tipo

é P dakNi 213 4, .

Os momentos de engastamento elástico e cargas axiais nos pilares, com valores

mais significativos, são dados na Tabela 1.

Page 5: COLAPSO DE UM EDIFÍCIO RESIDENCIAL EM CONCRETO ARMADO

Tabela 1 - Esforços aplicados nos pilares no nível de cada pavimento tipo, devidos à carga

permanente (1 dakN 1 tf).

Pilar MX (dakN.m) MY (dakN.m) FX (dakN)

P3 (= P8) 5,75 2,25 13,8

P4 (= P7) 6,42 -0,31 22,4

P11 (= P14) 8,32 2,34 14,1

P12 (= P13) -13,95 0,83 26,6

As orientações dos momentos são aquelas mostradas por setas duplas na Fig. 4,

indicando sempre momentos volvendo para o interior da estrutura, com a exceção única do

momento MY de menor valor sobre os pilares P4 (=P7). Observa-se que os maiores

momentos MX ocorrem para os pares de pilares P12/P4 e P13/P7 que constituem os dois

pórticos internos principais da estrutura do edifício.

# Cargas nos Pilares no Nível das Cintas nos Blocos de Fundação

A distribuição final de cargas permanentes sobre os blocos de fundação é mostrada

na Fig. 5, onde para cada um dos pilares se aponta os valores aqui do presente cálculo e,

entre parênteses, as respectivas cargas nas fundações constantes da planta de “Locação e

Cargas dos Pilares” do projeto estrutural.

Observa-se que o presente cálculo mostra, para os pilares P4, P7, P11, P12, P13 e P14,

cargas verticais permanentes nas suas fundações que são superiores às cargas de projeto

(somatório de cargas permanentes + acidentais). A maior discrepância se dá para as cargas

nos pilares P12 e P13 que atingem um valor cerca de 35% maior que o indicado pelo projeto

original.

Os momentos aplicados aos blocos de fundação, devidos ao carregamento

permanente total, foram obtidos via modelo em elementos de pórtico plano como os das

Figs. 1.d e 2. Os elementos estruturais de concreto armado foram tomados como sendo

íntegros, i.e sem fissuração, e as ligações com os blocos foram consideradas, de modo

muito conservador, como sendo engastadas. Para os elementos vigas foram tomadas as

larguras efetivas de mesa, para cálculo das propriedades geométricas das seções

transversais.

Os pórticos analisados foram aqueles formados pelos pares de pilares P12/P4 e

P13/P7 (vide Fig. 2), os quais são os mais solicitados por cargas verticais e momentos

Page 6: COLAPSO DE UM EDIFÍCIO RESIDENCIAL EM CONCRETO ARMADO

fletores devido ao carregamento permanente dos pavimentos. Verificou-se com esta análise

que os momentos transversais MX na base desses pilares, vindos do desbalanceamento de

momentos dos pavimentos superiores, são absorvidos principalmente pelas vigas e lajes do

pilotis, cabendo às cintas uma pequena parcela de absorção desses momentos que chegam

aos blocos de fundação com valores bastante pequenos: inferiores a 0,90 dakN.m para os

blocos de fundação B4/B7 e B12/B13.

Os esforços nas fundações devidos às forças de vento, foram analisados

isoladamente mas não são aqui apresentados, já que o acidente ocorreu sem notícias de

ventos fortes, antes ou durante o colapso.

Segundo a direção longitudinal sem cintamento, verificou-se que os momentos MX

sobre as fundações também resultaram bastante pequenos; tanto para os mesmos blocos

B4/B7, B12/B13 quanto para os blocos B3/B8 e B11/B14. Conclui-se assim que as cargas sobre

os blocos de fundação, devidas ao carregamento permanente total, são efetivamente cargas

verticais.

Considerando agora tanto as cargas permanentes quanto as acidentais observa-se,

finalmente, a grande discrepância entre a distribuição de cargas nas fundações obtida na

presente análise e a distribuição dessas cargas apresentadas no projeto. O que chama

bastante a atenção é a grande diferença entre os respectivos valores das cargas para os

pilares dos pórticos principais (P4 = P7 e P12 = P13) e para os pilares de extremidade P1, P2,

P15 e P16. Estas e outras diferenças entre as cargas nos pilares foram devidas

principalmente ao modelo mais refinado para a análise estrutural utilizado[1]

no cálculo de

cargas nos pilares, já que o erro relativo entre os somatórios de cargas nas fundações (i.e

daquelas aqui apresentadas em relação as do projeto original) é de somente 0,5%.

# Subsolo Local e Fundações Adotadas

O subsolo apresenta uma camada de argila orgânica muito mole com espessura que

varia de 10,0 a 12,0 m, sobrejacente a uma camada de areia silto argilosa de compacidade

variável (pouco compacta a compacta) com 3,0 a 4,0 m de espessura. Sob a areia encontra-

se espessa camada de argila silto arenosa rija. Uma segunda camada de areia aparece a

cerca de 27,0 m de profundidade.

As fundações do edifício eram em estacas mistas compostas de perfis metálicos

I10” com uma ponteira de concreto de seção quadrada de 30 x 30 cm e 3,0 m de

comprimento. As estacas tinham comprimentos cravados que variavam de 13,0 m na frente

Page 7: COLAPSO DE UM EDIFÍCIO RESIDENCIAL EM CONCRETO ARMADO

do prédio a 15,6 m nos fundos. Estes comprimentos indicavam que as estacas tinham suas

ponteiras cravadas na camada de areia silto argilosa subjacente à argila orgânica muito

mole. As sondagens executadas no terreno indicaram uma compacidade menor da camada

de areia no sentido dos fundos do prédio (i.e. sentido de P3 para P8), o que explica o

aumento no comprimento das estacas neste mesmo sentido.

Aparentemente não houve preocupação em orientar as estacas de maneira que os

perfis metálicos tivessem sua menor inércia no sentido contrário à menor dimensão dos

pilares. O controle da profundidade das estacas foi feito pela exigência de uma nega de 10

mm/10 golpes de um martelo de 1,4 dakN caindo de 1,0 m de altura.

As estacas foram compostas em grupos de 3, 4 e 5 perfis I10”, coroados por blocos

rígidos travados apenas em uma direção: a direção da dimensão maior da seção transversal

dos pilares. Essas estacas foram idealizadas estruturalmente com extremidade bi-rotuladas

e, sob pequena reação lateral dos extratos argilosos do terreno, deveriam suportar, com

coeficiente de segurança igual a 2, uma carga máxima igual a 55dakN cada. A carga

resistente de projeto de cada estaca (Fd = 110 dakN) não foi realmente alcançada,

considerando-se o número de estacas por bloco e as cargas permanentes atuantes na fase

final de acabamento do edifício.

A capacidade de carga nas estacas das fundações foi avaliada pelo Prof. Francisco

de Resende Lopes, co-autor do relatório técnico[1]

. Para esta avaliação foram adotados

parâmetros condizentes com as profundidades das estacas e camadas de subsolo fornecidas

por terceiros, executores dos serviços de sondagens e do estaqueamento. A resistência no

trecho de argila orgânica muito mole foi desprezada, uma vez que a ponteira da estaca,

com 3,0 m de comprimento em concreto armado, tendo seção transversal (30 cm x 30 cm)

bastante maior que a do perfil metálico, após sua passagem pela argila mole, deixa um

vazio que é preenchido imediatamente pela argila amolgada.

Tomando-se os resultados para capacidade de carga de ponta de cada estaca típica,

obtidos com a utilização do método Aoki-Velloso modificado[5]

, pode-se avaliar que,

embora com margen de segurança muito reduzidas ( f 1,3) quando comparadas à

prescrição normativa da NBR-6122/1986 ( f = 2,0), as fundações não entrariam em colapso

por perda de capacidade de carga para as solicitações devidas às cargas permanentes

efetivamente atuantes na data do colapso estrutural.

Page 8: COLAPSO DE UM EDIFÍCIO RESIDENCIAL EM CONCRETO ARMADO

5. Verificação da Estabilidade Estrutural

A verificação da estabilidade e segurança foi feita para os componentes da estrutura

que, segundo a análise, se encontravam em situação potencialmente crítica antes do

colapso do edifício.

De acordo com os resultados obtidos, dentre as fundações dos pilares mais

carregados se encontravam em pior situação àquelas ao longo do eixo longitudinal formado

por P11, P12, P13 e P14. Por outro lado, as estacas das fundações desses pilares tinham

capacidade de carga equivalente, o que deixava em situação mais crítica quanto a

estabilidade estrutural o conjunto formado pelo pilar P12 (ou P13) - bloco - estacas.

Os resultados dos cálculos das cargas críticas (de flambagem) de uma estaca típica

isolada e do conjunto pilar - bloco - estaca são apresentados a seguir..

# Flambagem de uma estaca isolada

As avaliações da estabilidade estrutural de uma estaca típica com fuste em camada

espessa de argila orgânica mole, foram também feitas considerando-se a ponteira em

concreto armado com 3,0 metros de comprimento cravada e engastada na camada de areia,

e o topo da estaca rotulado no fundo do bloco (considerado nesse caso indeslocável

lateralmente). Os resultados obtidos segundo alguns modelos teóricos[1,2]

mostraram que as

cargas críticas (de flambagem) de uma estaca típica isolada, sob as condições consideradas,

eram de fato superiores às cargas atuantes, embora apresentassem coeficiente de segurança

à flambagem reduzido. Os resultados indicaram capacidades de carga entre cerca de 75

dakN a 95 dakN (1 dakN 1 tf).

# Ruptura do pilar mais solicitado por compressão axial centrada

O resultado da verificação dos pilares mais solicitados P12 e P13, sob compressão

axial, indicou uma carga de ruptura no trecho de pilar entre o bloco de fundação e o

pavimento em pilotis, igua a Nult. = 393,0 dakN > carga máxima atuante de serviço Nsol =

352,7 dakN (vide Fig. 5).

Deve-se observar que embora a resistência do pilar à carga axial centrada fosse

superior à carga estimada atuante, o fator de segurança resultante Nult./Nsol 1,12 para

esses dois pilares P12 e P13 era bastante inferior ao requerido pela norma NBR-6118-1980,

mesmo que para apenas a carga permanente, i.e f = 1,4.

Page 9: COLAPSO DE UM EDIFÍCIO RESIDENCIAL EM CONCRETO ARMADO

Ressalta-se aqui que, sob as mesmas condições de carga, todos os demais pilares

apresentavam fatores de segurança pouco menores (para P4 e P7; P11 e P14) ou maiores do

que 1,4.

# Estabilidade do Conjunto Pilar - Bloco - Estacas

Devido a inexistência de cintamento na direção longitudinal da obra, a estabilidade

dos conjuntos estruturais compostos por cada um dos pilares de concreto armado mais

carregados (P12 e o P13), blocos de coroamento da fundação e grupos de cinco estacas

metálicas (perfis I10”), se encontravam em situação potencialmente crítica para as cargas

permanentes efetivas atuantes no estágio de acabamento do edifício.

A falta de cintamento na direção da menor dimensão da seção transversal desses

pilares, aliada à condição de rótula plástica conferida pela pequena ligação fretada entre

cada estaca metálica e o fundo do bloco, leva ao mecanismo de flambagem ilustrado nas

Figs. 6. Observa-se, com auxílio dessas figuras, que qualquer amplitude de excentricidade

construtiva (associada aos invitáveis desvios geométricos iniciais tanto dos pilares de

concreto armado, quanto das estacas metálicas com comprimento superior a 10,0 metros)

provocaria, com cada acréscimo de pavimentos até o último construido, incrementos de

deslocamentos laterais ( ) do bloco de fundação e consequente rotação desse bloco,

sobrecarregando o par de estacas mais extremas.

# Mecanismo de Colapso Estrutural

Considerando-se então, para um dos pilares P12 ou P13, uma excentricidade

acidental construtiva, e = b/30 0,7 cm, onde b é a menor dimensão da sua seção

transversal (b = 20 cm), pode-se inferir, com as estimativas do modelo numérico

apresentado a seguir, que a carga permanente total nesses pilares levou o conjunto pilar -

bloco - estacas à uma situação irreversível de instabilidade.

A carga de ruptura por flexo-compressão de um desses pilares (~ 350 dakN) foi

alcançada durante o processo relativamente lento de flambagem sob acréscimos sucessivos

de carga; O pilar P12, supostamente com a maior excentricidade construtiva, foi levado

primeiro a uma ruptura brusca para uma carga axial excêntrica aproximadamente igual a

carga de ruptura (350 dakN 350 tf).

A Fig. 7 ilustra, em linha cheia, a evolução do deslocamento lateral do bloco com o

acréscimo de carga de compressão excêntrica. Deve-se observar que, devido as

Page 10: COLAPSO DE UM EDIFÍCIO RESIDENCIAL EM CONCRETO ARMADO

características reológicas da argila orgânica mole, esta evolução é diferida no tempo. Isto é,

após cada acréscimo de carga (tomando, por exemplo, a carga de mais um pavimento

construído como se fosse instalada num curtíssimo espaço de tempo) há um acréscimo de

deslocamento diferido, visco-elástico, que se adiciona àquele tomado como sendo

puramente elástico, e, devido à aplicação hipoteticamente instantânea da carga

permanente total de mais um pavimento (ilustrado nesta figura em linha tracejada).

Este mecanismo da instabilização por efeito reológico (visco-elástico) foi,

posteriormente ao evento e mais recentemente, estudada com maior profundidade por meio

de modelos matemáticos mais refinados[4]

que o utilizado na data e apresentado na próxima

seção.

A resposta não-linear elástica - carga vertical (aplicada com uma excentricidade

inicial, e) versus deslocamento lateral do bloco - mostrada na Fig. 7 por uma linha

tracejada, foi obtida da seguinte equação[6]

:

4

1

1e P

P

cr (1)

sendo a carga crítica dada por:

Pcr

EaIest

Lc

2

2. (2)

onde (EaI)est. é a rigidez equivalente do conjunto de cinco estacas metálicas I10”, Lc = 2Lef

é o comprimento de flambagem e Lef é o comprimento de engastamento efetivo[7]

das

estacas no subsolo, dado por:

L E I K p L Lef a est h c ef18 4 181 5

, / ; / / ,/

(3)

onde Kh é o coeficiente volumétrico de reação lateral da camada de argila mole.

Adotando os valores dos parâmetros adimensionais:

C L Lef c/ ,0 5 (4.a)

k L E I x KT c a est Total3 310/

. (4.b)

Page 11: COLAPSO DE UM EDIFÍCIO RESIDENCIAL EM CONCRETO ARMADO

tem-se que 4,0, resultando com a equação (2) numa carga crítica Pcr = 456 dakN ( 460

tf).

Observa-se que na equação (4.b) o coeficiente de mola equivalente Ktotal (vide Figs.

6 e 7) corresponde a superposição da contribuição dos coeficientes de rigidez devidos[2]

:

(i) a rigidez à flexão das vigas e laje do pavimento em pilotis, na direção de menor

rigidez do pilar P12;

(ii) a rigidez à flexão do conjunto do pilar P12 mais as vigas seção T do item (i) na

direção horizontal perpendicular a menor dimensão da seção do pilar;

(iii) a rigidez à flexão lateral do cintamento, i.e. na direção horizontal perpendicular

à menor dimensão da seção do pilar;

(iv) ao empuxo passivo do aterro sobre a face lateral do pilar, no trecho entre o topo

do bloco e as cintas.

(7)

Com a ruptura brusca do pilar P12 (ou alternativamente do P13) todos os demais que

constituiam os pórticos transversais principais (i.e P3/P11, P4/P12, P7/P13 e P8/P14) foram

levados à ruptura. Isto porque não havia elementos de ligação (vigamento nas duas

direções ortogonais intertravando esses pilares) com rigidez à flexão suficiente para

promover o necessário travejamento (ou “aporticamento”) e consequente distribuição de

cargas. Mais ainda, dado o desbalanceamento existente de momentos transversais no nível

de cada pavimento - conferido pelos “balancins” e voltados para dentro da estrutura - o

colapso do edifício ocorreu subitamente como se fora uma implosão programada.

6. Conclusões

Os resultados obtidos da análises estruturais realizadas, indicam o seguinte

mecanismo de colapso total da estrutura: processo relativamente lento de flambagem

reológica, do conjunto pilar-estacas, sob acréscimos sucessivos de carga permanente

Page 12: COLAPSO DE UM EDIFÍCIO RESIDENCIAL EM CONCRETO ARMADO

devido a cada novo pavimento construido; levando o pilar P12 à ruptura por flexo-

compressão, durante estágio avançado do processo de flambagem.

A ocorrência desse mecanismo de colapso se deveu fundamentalmente à concepção

estrutural não convencional, adotada tanto para as fundações quanto para os pavimentos,

ambos sem travejamento longitudinal, a qual exigia uma verificação rigorosa da

estabilidade e um dimensionamento dos elementos estruturais (estacas metálicas e pilares)

com adoção de coeficientes de segurança majorados, para contornar os erros – sempre

esperados de modelos de cálculo simplificados – cometidos na estimativa da distribuição

de cargas nos pilares e fundações.

Referências Bibliograficas

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Concreto Armado; Acidentes Estruturais na Construção Civil (Albino J. P. da Cunha;

Nelson A. Lima; Vicente C.A. de Souza; Eds), Vol. 2, pags 63-74

3. Battista R.C, Carvalho E.M.L, Lopes F.R (1997), The Total Colapse of a Slender

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4. Francisco, D.L. (2003), Flambagem reológica de estacas esbeltas em solos argilosos,

Dissertação de Mestrado, (Orientação: Prof. Ronaldo C. Battista) Prog. Eng. Civil,

COPPE/UFRJ.

5. Aoki, N. ; Velloso, D.A. (1975), An approximate method to estimate the bearing

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pp.367-376.

6. Timoshenko S. (1961) Theory of Elastic Stability, Mac Graw-Hill Kogakusha, New

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7. Davisson M.T, Robinson K.E (1965), Bending and Buckling of Partially Embedded

Piles, 6th Conf. on Soil Mechanics & Foundation Engineering, USA.

Page 13: COLAPSO DE UM EDIFÍCIO RESIDENCIAL EM CONCRETO ARMADO

Fig 1 – Concepção estrutural básica

Page 14: COLAPSO DE UM EDIFÍCIO RESIDENCIAL EM CONCRETO ARMADO

Figura 2 – Pórtico típico – P13/P7, P12/P4, P11/P3, e P14/P8

Page 15: COLAPSO DE UM EDIFÍCIO RESIDENCIAL EM CONCRETO ARMADO

Figura 3 – Malha em elementos finitos para análise do pavimento-tipo

Page 16: COLAPSO DE UM EDIFÍCIO RESIDENCIAL EM CONCRETO ARMADO

Figura 4 – Distribuição de cargas nos pilares do pavimento-tipo e ilustração das áreas de influência (1 tf ~ 1 dakN)

Page 17: COLAPSO DE UM EDIFÍCIO RESIDENCIAL EM CONCRETO ARMADO

Figura 5 – Cargas permanentes sobre os blocos de fundação (1 tf ~ 1 dakN)

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Figura 6 – Modelo para verificação da flambagem no conjunto pilar-bloco-estacas

Page 19: COLAPSO DE UM EDIFÍCIO RESIDENCIAL EM CONCRETO ARMADO

Figura 7 – Flambagem do conjunto pilar-bloco-estacas sob acréscimos sucessivos de carga vertical permanente dos andares sendo construídos

(1 tf ~ 1 dakN)