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Interações ISSN: 1413-2907 [email protected] Universidade São Marcos Brasil Vilela Jacó, Ana Maria Concepções de pessoa e a emer emerggência do indivíduo moderno Interações, vol. VI, núm. 12, julho-dezembro, 2001, pp. 11-39 Universidade São Marcos São Paulo, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=35461202 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Interações

ISSN: 1413-2907

[email protected]

Universidade São Marcos

Brasil

Vilela Jacó, Ana Maria

Concepções de pessoa e a emer emerggência do indivíduo moderno

Interações, vol. VI, núm. 12, julho-dezembro, 2001, pp. 11-39

Universidade São Marcos

São Paulo, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=35461202

Como citar este artigo

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Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal

Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Concepções de pessoa e a emerConcepções de pessoa e a emerConcepções de pessoa e a emerConcepções de pessoa e a emerConcepções de pessoa e a emergência dogência dogência dogência dogência doindivíduo modernoindivíduo modernoindivíduo modernoindivíduo modernoindivíduo moderno

Resumo:Resumo:Resumo:Resumo:Resumo: O trabalho procura apontar a diversidade de modos de subjetividade presen-tes em diferentes momentos históricos com o objetivo de afirmar a não naturalidade do�modo indivíduo� próprio da Psicologia, antes, vendo-o como próprio do momentoespecífico da modernidade. Assim, percorrendo literatura pertinente das Ciências Soci-ais e da Filosofia, procura identificar as configurações subjetivas da Grécia Clássica e doperíodo medieval, enfatizando a seguir as diferentes transformações políticas, econômi-cas, religiosas, sociais que permitiram a emergência do indivíduo moderno.PPPPPalavras-chave:alavras-chave:alavras-chave:alavras-chave:alavras-chave: Singularidade, Reforma Protestante, Capitalismo, Modernidade,Indivíduo, Pessoa.

Concepts of person and emergence of the modern individualConcepts of person and emergence of the modern individualConcepts of person and emergence of the modern individualConcepts of person and emergence of the modern individualConcepts of person and emergence of the modern individual

Abstract:Abstract:Abstract:Abstract:Abstract: This work tries to point out the diversity that exists in the forms of subjectivitypresent in different historical moments with the objective of affirming the non-naturalnessof Psychology�s �individual mode,� seeing it, rather, as pertaining to the specific momentof modernity. By going through pertinent literature in the Social Sciences and Philosophy,it seeks to identify the subjective configurations that existed in Classical Greece and inthe Middle Ages, highlighting the different political, economic, religious and socialtransformations that enabled the emergence of the modern individual.KKKKKey words:ey words:ey words:ey words:ey words: Singularity, Reformation, Capitalism, Modernity, Individual, Person.

ANA MARIA JACÓ-ANA MARIA JACÓ-ANA MARIA JACÓ-ANA MARIA JACÓ-ANA MARIA JACÓ-VILELAVILELAVILELAVILELAVILELA

Doutora em Psicologia pelaUSP, Professora Adjunta/

UERJ

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Nossos hábitos de pensar inclinam-nos a procurar �começos�. Mas não háem parte alguma, no desenvolvimento da pessoa, um �ponto� antes do qual pode-ríamos dizer: até aqui não havia �razão� e agora ela surgiu; até aqui não haviacompulsões do ser e nenhum �superego� e agora, neste ou naquele século, elesubitamente surgiu. Não há um ponto zero de todos esses dados. Mas tampoucofaz justiça aos fatos dizer: tudo esteve sempre lá, como agora. (Elias, 1993, p. 23,aspas no original)

O entendimento da existência de uma diversidade de modos deser, pensar e sentir do homem, diversidade essa produtora e produzidapelo mundo humano, mundo construído pelo próprio homem e que setorna condição de sua existência, indica a necessidade de problematiza-ção desse objeto do saber e prática psi. A importância dessa discussão, anosso ver, decorre de seu ativo desconhecimento não só nos cursos dePsicologia, mas entre os psicólogos em geral, que tendem a entender oindivíduo de nossa época e de determinadas camadas sociais como a-temporal: é a �natureza� humana. Tal desconhecimento nos parece fa-zer parte, entre outros fatores, do fechamento psi às demais CiênciasHumanas e Sociais, onde essa questão � a crítica à noção de naturezahumana � é uma constante. Tal fechamento/desconhecimento torna-seainda mais interessante quando verificamos, em vários autores brasilei-ros dedicados a essa investigação em nossa sociedade, a tessitura de umavinculação entre o modelo de indivíduo autônomo e a �cultura psicoló-gica� que vem se instaurando nas últimas décadas (ver, a respeito: Fi-gueira, 1981; DaMatta, 1983; Duarte, 1986; Velho, 1987; Russo, 1993).

Assim, ao falarmos na �naturalização� do indivíduo no discurso ena prática psi, supomos que em tais discursos e práticas está implícita areificação do sujeito moderno, sua assunção como dado, como a-históri-co. Naturalizamos quando supomos lidar com uma �natureza� huma-na, uma essência imutável pelos acontecimentos e pelo tempo. Mas oque poderia ser essa �natureza�? Para Arendt, �(...) a única afirmativaque poderíamos fazer quanto à sua �natureza� é que são seres condicio-nados, embora sua condição seja (...) em grande parte, produzida poreles mesmos�. (1991, p. 18)

O mundo habitado pelo homem é mais que um mundo natural, éproduzido pelos homens e se torna condição de sua existência. As trans-

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formações que o agir do homem provoca nesse mundo � transforma-ções materiais, culturais, políticas etc. � são novas condições a indicaroutras possibilidades de ser e existir.

Este artigo pretende, assim, traçar um pequeno �vôo� pelas cons-truções de si (no mundo) realizadas pelo engenho humano, esperandoque nossos �hábitos de pensar� não nos façam captar �origens� ondeexiste apenas uma das formas de ser e aparecer da diversidade humana.

1 � Herói, cidadão, amigo da sabedoria...1 � Herói, cidadão, amigo da sabedoria...1 � Herói, cidadão, amigo da sabedoria...1 � Herói, cidadão, amigo da sabedoria...1 � Herói, cidadão, amigo da sabedoria...a diversidade humanaa diversidade humanaa diversidade humanaa diversidade humanaa diversidade humana

Em nossa tradição ocidental é quase impossível iniciar-se qualquerreconstrução histórica que não passe pelas diferentes contribuições daGrécia Clássica. Poster (1989), por exemplo, usa a expressão �tiraniados gregos� para analisar parte da obra final de Foucault. Não fugindodessa �opressão� (muito antes pelo contrário, já que o universo gregosempre nos apresenta novos estímulos), procuraremos apresentar aquialgumas idéias sobre as concepções de pessoa presentes em diferentesmomentos da história grega1 .

O universo homérico é um mundo permeado pela relação dos deu-ses com os homens. Estes são �invólucros� animados, em suas paixões,falas e ações, pelo �sopro� dos deuses (Redfield, 1985). Ambos, homense deuses, se originam da natureza � o cosmos existe desde sempre, não éuma criação divina, como na tradição judaica � e se submetem às mesmasregras. A diferença é que, tal como a natureza, os deuses não conhecem adecadência. Não são eternos (como o Deus da cristandade), mas são imor-tais. A única forma do homem compartilhar desse destino, isto é, obtersua permanência, é pela excelência de seus feitos. Através dela, pode sesobressair, se singularizar e, pelo canto do poeta, permanecer na memória.A excelência, contudo, não se encontra em qualquer feito:

Os homens vulgares desaparecem a partir do momento em que morrem, noesquecimento tenebroso do Hades; desaparecem, nônumnoi nônumnoi nônumnoi nônumnoi nônumnoi; são os �anôni-

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mos�, os �sem nome�. Só o indivíduo heróico, ao aceitar enfrentar a morte na florda juventude, vê o seu nome perpetuar-se gloriosamente de geração em geração. Asua figura singular fica para sempre inscrita no centro da vida comum. (Vernant,1988, pp. 30-1)

Para essa singularidade, contudo, ainda é necessário um outro, umduplo, pois o indivíduo se singulariza na relação � seja na ação guerrei-ra, seja no discurso na assembléia. Ação e discurso, exterioridades, nãopodemos falar aqui de um �estofo�, de um mundo interior. Mesmo asituação familiar, onde o homem é sujeito, tem seu significado referidoao espaço público: dedicar-se ao oikós, ao espaço privado, significa literal-mente privar-seprivar-seprivar-seprivar-seprivar-se de alguma coisa, das capacidades mais humanas dohomem (Arendt, 1991, p. 48)2. A esfera privada é a da necessidade, dasubsistência individual e da sobrevivência da espécie, e sua marca é adesigualdade. O espaço público, dos �negócios humanos�, implica li-berdade � da necessidade, do domínio do outro ou sobre o outro �, é oespaço de igualdade que possibilita a singularização do homem livre.Esta, entretanto, possui limites. A hybris não é aceita, não se permite oexcesso: os deuses mostram os limites, a �medida� que também se aplicaa eles.

Podemos reconhecer aqui, em certo sentido, a persona explicitadapor Mauss (1974), embora esta �máscara� não possa ser plenamentededuzida do estatuto social. Ela depende do desempenho, das alianças/conflitos com os deuses, cujo debate a define, e é, principalmente, umreconhecimentoreconhecimentoreconhecimentoreconhecimentoreconhecimento pelos outros, uma definição singularizadora: �O in-divíduo procura-se a si próprio e encontra-se nos outros, nesses espelhos quereflectem a sua imagem e que são para ele outros tantos alter egoalter egoalter egoalter egoalter ego, parentes,filhos, amigos�. (Vernant, 1988, p. 38)

Quando o mundo grego inicia sua vida democrática, uma certasubjetividade interior começa a ser produzida. A verdade já não é sim-plesmente dada pelos deuses, revelada pela �prova� � o ordálio, ou osindícios interpretados pelos videntes. Desponta a verdade factual, dostestemunhos humanos. Isto é claro na tragédia Édipo-ReiÉdipo-ReiÉdipo-ReiÉdipo-ReiÉdipo-Rei de Sófo-cles: Édipo, após desprezar o vaticínio de Tirésias, acata o testemunho

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dos pastores, decifrando assim sua identidade (ver, a respeito, a belaanálise de Foucault em A verdade e as formas jurídicasA verdade e as formas jurídicasA verdade e as formas jurídicasA verdade e as formas jurídicasA verdade e as formas jurídicas�, 1996).

Nesta fase, mesmo os desígnios divinos não são mais diretos � ooráculo, institucionalizado, responde através de enigmas que necessi-tam de interpretação. Surge um �esboço de vontade� (Vernant, 1988b),ainda temperado com a �medida�. A vontade implica no risco de rom-pimento com os limites e, se no tempo homérico esses são fixados pelosdeuses, no momento da pólis são as regras da cidade que fornecem amedida. É necessário então um mínimo de consenso, criar instituiçõesque permitam uma �vontade controlada� para os homens livres.

A pólis é a grande criação, síntese e símbolo dessas instituições.Arendt a descreve como possibilitando a ação e o discurso, ao mesmotempo que remedia a futilidade desses, ao propiciar-lhes testemunhosque lhes garantam a durabilidade. É, portanto, mais que a vida emcomum, uma coletividade com objetivos próprios: �A rigor, a pólis não éa cidade-estado em sua localização física; é a organização da comunidade, queresulta do agir e falar em conjunto, e o seu verdadeiro espaço situa-se entrepessoas que vivem juntas com tal propósito, não importa onde estejam�. (Aren-dt, 1991, p. 211)

Tanto na época homérica quanto na democrática, portanto, nãoencontramos preocupação com a intimidade. A singularidade dependede um espaço público para seu aparecimento, sua expressão. A funçãonormalizadora compete ao poeta que, mais que rememorar os feitos,tem deles, �como os deuses, uma visão pessoal direta� (Vernant, 1990,p. 109) e, com seu testemunho, lhes confere permanência. No mundohomérico, a escolha do poeta pelos deuses � ele é o intérprete de Mne-mosyne, mãe das musas 3 � significa também a escolha, pelos deuses,dos homens dignos de imortalidade, cujos feitos, ocorrido e cantadosno espaço público, asseguram a prevalência deste na busca da singula-rização. Mas a pólis traz, consigo, outras implicações: �(...) a ação e odiscurso separaram-se e tornaram-se atividades cada vez mais independen-tes. A ênfase passou da ação para o discurso, e para o discurso como meio de

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persuasão, não como forma especificamente humana de responder, replicar eenfrentar o que acontece ou o que é feito�. (Arendt, 1991, p. 35)

Da importância do discurso como arte de persuasão surgem as es-colas de retórica. Assim como a inspiração divina do poeta não exclui anecessidade de um duro aprendizado � representado principalmentepor exercícios mnemotécnicos �, há também um longo aprendizadopara aqueles que se propõem a transmitir a arte do discurso.

A experiência da pólis, entretanto, sofre desgastes internos e exter-nos. Externamente, as guerras pérsicas (quando Atenas demora a socor-rer suas colônias), a guerra do Peloponeso (encerrando a hegemoniaateniense) e, finalmente, a expansão do Império Macedônico, enfra-quecem e terminam com essa experiência. no nível interno, a necessida-de de visibilidade das falas e ações nas assembléias imprime um certopensamento prático que exclui os pensadores. Neste sentido, o julga-mento de Sócrates expõe a cisão da cidade: Sócrates propõe outro fun-damento para a verdade e para o bem, que não a pólis. Inverte o oráculodélfico �Conhece-te a ti mesmo�, conheça seus limites, o homem não édeus nem animal (por isto a necessidade da �medida�), e o interioriza: obem, a justiça, baseia-se no conhecimento de si, da alma, psyché, quehabita em cada um. Entretanto,

A alma imortal não traduz no homem a sua psicologia singular, mas antes aaspiração do sujeito individual a fundir-se no todo, a reintegrar-se na ordem cósmi-ca geral. (...) Pela observação de si, os exercícios e as provações que impõe a simesmo, e pelo exemplo dos outros, o homem deve encontrar as formas de sedominar a si mesmo tal como convém a um homem livre cujo ideal é não ser, nasociedade, escravo de ninguém, nem dos outros nem de si próprio. (Vernant, 1988,p. 40-1)

O espaço público ainda é, portanto, a fonte de singularização, masa vita activa começa a ser subordinada à vita contemplativa (Arendt,1991). O predomínio da Filosofia, contudo, só se consolida com a sub-missão do mundo grego ao Império Macedônico. À perda da sobera-nia política corresponde um afastamento do debate. A cidade sobrevi-ve, não mais como uma pólis, mas como um centro cultural cuja marca

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é o �ginasium�. O interesse pela ação política é substituído pela paidéia� a educação, a formação. Neste período, firmam-se as filosofias helêni-cas, principalmente o estoicismo e o epicurismo, cuja influência se ex-pande à medida em que, como outras produções culturais gregas, sãoassimiladas pelo novo Império Romano.

Essas filosofias voltam-se para a interioridade � com a ausência departicipação política, o único espaço de liberdade é o espaço interior.Falaremos um pouco mais sobre elas.

2 � As �medicinas da alma�2 � As �medicinas da alma�2 � As �medicinas da alma�2 � As �medicinas da alma�2 � As �medicinas da alma�

Segundo Hadot, a filosofia antiga consiste em �an invitation foreach man to transform himself. Philosophy is conversion, transformation ofthe way of being and the way of living, the quest for wisdom� (apud David-son, 1990, p. 477). Filosofar não é teorizar, mas ser �amigo da sabedo-ria�. O homem, vivendo sua existência cotidiana, com as idéias precon-cebidas com que foi educado, deve, ao mesmo tempo, procurar contro-lar suas paixões, seguir a razão para aproximar-se da sabedoria. O sábioé um ideal, e cada escola descreve racionalmente seus atributos, segun-do seu modelo de perfeição.

Estoicismo e epicurismo são duas filosofias do período helênicoque se fundam no reconhecimento da natureza e da razão universal.Viver de acordo com a natureza é viver conforme à razão, uma vida detranqüilidade, de serenidade da alma. A causa principal do sofrimentohumano são as paixões e a filosofia é, antes de mais nada, uma terapêu-tica para elas, uma �medicina da alma�. Na origem das paixões estão oserros de julgamento, os equívocos, uma adesão a uma representaçãofalsa que alimenta o pânico, o medo, a angústia: �O que perturba oshomens não são as coisas, mas as opiniões que eles têm acerca delas�(Epicteto apud Brun, 1986, p. 86).

O estoicismo recomenda, como atitude fundamental na busca daserenidade, �continual vigilance (...) an always alert consciousness ofoneself, a constant tension of spirit� (Hadot apud Davidson, 1990,

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p. 477). Os epicuristas, por sua vez, exercitam uma �form of relaxationthat detaches his thought from the vision of painful things and fixes his atten-tion on pleasures� (Davidson, 1990, p. 477)..... Tanto a tensão estóica, oaprender a discernir e a aceitar aquilo que �não depende de nós�, quan-to a pura alegria de viver dos epicuristas, a gratidão à natureza pelomilagre da existência, são obtidas através de exercícios espirituais.

O sábio é um ideal inatingível, o que não implica em desistência,em se deixar dominar pelas paixões. É preciso �cuidar de si�, na expres-são de Foucault (1985), que fala desse �cuidado� como uma intensifica-ção da relação consigo pela qual o sujeito se constitui enquanto sujeitode seus atos (p. 47). Segundo ele, esse cuidado de si engloba e subordi-na, nas filosofias helênicas, o oráculo délfico �Conhece-te a ti mesmo�.Somente com o triunfo da moral ascética dos primeiros cristãos, impli-cando na renúncia do self � o cuidado de si sugerindo uma imoralidade� é que �conhecer-se�, paradoxalmente, se torna prioritário.

O interesse de Foucault situa-se nas interrelações entre duas tecno-logias, a do poder e a do self, e busca acompanhar a construção de mo-dos de discurso e de ação através dos quais nossa concepção da naturezahumana vai sendo moldada. Desconstrói, nessa obra, a genealogia dastecnologias do self, de sua forma de apresentação atual até formas preté-ritas � trabalho que ficou inacabado.

Tais tecnologias do self são denominadas por Hadot de exercícios�espirituais�, pois não são códigos morais ou regras de boa conduta �como também não o são para Foucault �, mas tratam exatamente davida espiritual: como esta pode ser tornar um reflexo da sabedoria, dosdeuses. Observa também que as representações míticas desses são supe-radas quando o modelo do sábio fornece uma concepção racional dadivindade: �(...) the beatitude the wise man resolutely maintains throughouthis dificulties is that of God himself�. (1990, p. 493)

Desses exercícios, o principal é a meditação, em que está semprepresente a memorização e a assimilação dos dogmas dos fundadores dasfilosofias e das regras de vida. Dela decorrem o exame de consciênciadiário, o controle das representações, as provações impostas a si mesmo.

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A escrita ocupa um lugar à parte: é, ao mesmo tempo, um exercício euma técnica auxiliar dos demais.

Escreve-se de tudo: cartas aos amigos, ao diretor de consciência,que são, então, uma forma de exame de consciência � segundo Fou-cault, o �diário íntimo` só aparecerá no início da era cristã; anotações,por um professor, para suas aulas, ou estas mesmas aulas anotadas poralunos; discussões, seja em forma de perguntas e respostas ou como umdiscurso contínuo, sobre temas presentes nos dogmas; exegese dos tex-tos das autoridades da escola; orientações de um diretor de consciênciapara um de seus discípulos.

Hadot responde às críticas sobre o caráter repetitivo, as incongru-ências etc. encontradas nesses escritos, analisando cada tipo de texto,mas, acima de tudo, enfatizando o caráter oral da filosofia helênica,com as conseqüentes dificuldades de passagem de algo para ser ouvidoouvidoouvidoouvidoouvidoem alguma coisa lidalidalidalidalida:

True education is always oral because only the spoken work makes dialoguepossible (...) A number of philosophers (...) thinking, as did Plato and whithoutdoubt correctly, that what is inscribed in the soul by the spoken word is more realand lasting than letters drawn on papyrus or parchment (1990, p. 498).

Foucault, por sua vez, entende o modelo pedagógico do estoicis-mo como não mais se baseando no diálogo, mas num processo em que�o mestre fala, o aprendiz ouve�, este sempre em silêncio. Por outrolado, reforça a tese de Hadot ao enfatizar o papel da audição: ouvir emsilêncio, para depois pensar, é uma arte a ser aprendida por toda a vida,�the art of listening to the voice of the master and the voice of reason inyourself� (1988, p. 32).

Todos estes exercícios encaminham para o cerne da filosofia helê-nica: a meditação sobre a morte, que chega �na ausência de nós mes-mos�, conforme o epicurismo, e que �não depende de nós�, segundo oestoicismo. A reflexão sobre a morte aparece-nos claramente em Sêneca(1993, P. 34): �Deve-se aprender a viver por toda a vida, e, por mais quetu talvez te espantes, a vida toda é um aprender a morrer�.

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O �cuidado de si�, conforme analisado por Foucault, e a afirmaçãode Dumont (1985), em sua primeira gênese da ideologia individualista� onde discute a esfera religiosa �, de que os princípios do estoicismofazem parte do ideário do cristianismo inicial, são indicadores da im-portância dessas filosofias. Um ensaio de Paul Veyne (1988) emblema-ticamente intitulado �La medication interminable�, prefácio a uma tra-dução francesa da obra de Sêneca Da tranqüilidade da almaDa tranqüilidade da almaDa tranqüilidade da almaDa tranqüilidade da almaDa tranqüilidade da alma�, for-nece-nos outra pista: com título diretamente inspirado na proposiçãofreudiana da �análise interminável�, a comparação entre psicanálise efilosofias helênicas é explicitada pelo próprio Veyne:

[Freud] parla, peu avant sa mort, du caractère �interminable� de la curepsychanalytique. Les exercices philosophiques sont non moins interminables; ilfaut, dit Sénèque, passer sa vie à apprendre à vivre; la philosophie n�est pas unematière pour classes terminales, mais plutôt pour l�âge adulte et pour tout le coursde l�existence. La citadelle n�est jamais délivrée de l�ennemi, l�état d�achèvementn�est jamais atteint (p. 22).

E, mais adiante, a complementa:

Certains psychasthéniques de l�antiquité ont dû vivre leur philosophie com-me d�autres vivent de nos jours leur cure psychanalytique: à défaut d�en tirer laguérison, ils y trouvent du moins une nouvelle passion, celle de la psychanalyse elle-même; et peut-être la psychanalyse n�a-t-elle jamais eu d�autre effet curatif. Laphilosophie antique non plus (p. 23).

A similaridade entre estes dois �projetos para toda a vida� se refletenos exercícios que os atualizam: o voltar-se para si mesmo, seja parauma avaliação de seus atos para um bem viver4, seja para a decifração docaráter desejante dos pensamentos, emoções; a escrita, revestida de ora-lidade, ou a fala dirigida ao outro, que constitui a história do sujeito.Estas � e outras � semelhanças encaminham para a que nos interessamais de perto: a presença do �diretor de consciência�, figuração de nos-so psicanalista5. Tal qual este em suas sociedades atuais, o diretor deconsciência também era formado para o exercício de seu encargo. Fou-cault mostra a institucionalização do cuidado de si explicando o funci-onamento da escola de Epicteto, um dos principais estóicos6:

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Epicteto, por sua vez, ensinava num quadro que parecia muito mais com ode uma escola; ele tinha várias categorias de alunos: alguns só estavam de passa-gem, outros permaneciam mais tempo a fim de preparar-se para a existência decidadão ordinário, ou mesmo para atividades importantes e, enfim, alguns outros,destinando-se eles próprios a tornarem-se filósofos de profissão, deviam ser forma-dos às regras e práticas da direção de consciência. (1985, p. 57)

As filosofias helênicas, por sua vez, desenvolveram-se num mo-mento histórico em que a pólis não mais existia; por outro lado, aindanão se separou o espaço público do privado. A felicidade, então, não éindividualizada, mas uma articulação ao conjunto da sociedade � ou,mesmo, ao cosmo.

Por isto Sêneca (s/d) pode recomendar a Sereno dedicar-se a umafunção pública, ou os epicuristas colocarem o �amor aos amigos� comouma ferramenta para a sabedoria. Hadot, inclusive, discorda da relaçãoestabelecida por Foucault entre o cuidado de si e o prazer consigo mesmo:

Le contenu psychique de ces exercices me semble tout autre. Le sentimentd�appartenance à un Tout me semble en être l�élément essentiel: appartenance auTout de la communauté humanie, appartenance au Tout cosmique. (...) Or unetelle perspective cosmique transforme d�une manière radicale le sentiment que l�onpeut avoir de soi-même. (1989, p. 263).

3 � O universo relacional e a noção de pessoa3 � O universo relacional e a noção de pessoa3 � O universo relacional e a noção de pessoa3 � O universo relacional e a noção de pessoa3 � O universo relacional e a noção de pessoa

As filosofias helênicas perduram até à queda do Império Romanodo Ocidente (século IV d.C.), junto às escolas platônica e aristotélicaque mantiveram, na Antigüidade tardia, seu desenvolvimento próprio.A partir do século III, entretanto, uma nova síntese se inicia, abarcandotodas essas escolas, com o predomínio do pensamento de Platão. É oneo-platonismo, permanente através da Idade Média e do Renascimento.

Atribui-se comumente às invasões bárbaras o esfacelamento do Im-pério Romano, desde sua divisão em �Oriente� e �Ocidente� até à eli-minação de sua parte ocidental � o Império do Oriente tem uma du-

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rabilidade de mais um milênio e sua derrocada é um dos fatores quelevam à ruptura para a época moderna. Nosso interesse, contudo, diri-ge-se para o novo regime econômico e político constituído a partir doencerramento da experiência romana no Ocidente � o feudalismo �, e opredomínio, neste, do cristianismo, cuja trajetória ascendente se contra-põe à decadência do Império Romano.

A sociedade feudal elimina o princípio da isonomia � igualdadedos homens livres, os cidadãos, frente às leis � presente nos mundosgrego e romano, e o substitui por uma relação de troca: os camponesesfornecem dízima, em termos de produtos ou trabalho não remunerado,ao senhor feudal que, por sua vez, os protege em seus direitos civis e depilhagens, saques etc. (e mesmo, ao final do Império Romano, doscobradores de impostos). Os senhores feudais, por seu turno, prestamvassalagem a um outro, mais poderoso, em troca de garantia de prote-ção. Este é, então, um universo relacional, constituído de deveres e di-reitos recíprocos e que constitui, por sua vez, a pessoa:

A definição do homem como pessoa implica que, no âmbito das condiçõessociais em que vive e antes de ter consciência de si, o homem deve sempre repre-sentar determinados papéis como semelhante de outros. Em conseqüência dessespapéis e em relação com seus semelhantes, ele é o que é: filho de uma mãe, alunode um professor, membro de uma tribo, praticante de uma religião. (Horkheimere Adorno, 1973, p. 48).

Vernant, por sua vez, mostra a presença da esfera religiosa nessemundo relacional:

(...) cada vez mais, nos campos e nas cidades, os grupos humanos tendem adelegar em indivíduos excepcionais, colocados por seu gênero de vida à margemdos homens vulgares e marcados com um selo divino, a função de garantir aligação da terra com o céu e de exercer, a este título, sobre os homens, um podernão já secular, mas espiritual. Com o aparecimento do santo homem, do homemde Deus, do asceta, do anacoreta, surge um tipo de indivíduo que só se separou docomum, se descomprometeu do todo social, para procurar o seu verdadeiro eu, umeu em tensão, entre um anjo-da-guarda que o puxa para cima e as forças demoní-acas que assinalam, embaixo, as fronteiras inferiores da sua personalidade. Busca deDeus e busca do eu são as duas dimensões duma mesma experiência solitária.(Vernant, 1988, pp 42-3)

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Agostinho exprime essa passagem. A alma socrática, individuali-zação do cosmo �em mim�, particulariza-se: é a �minha� alma, divididaentre o pecado, o mundo, e a imortalidade, campo de batalha entre avontade humana e a divina. A importância que assume a consciência desi transforma o exame de consciência em uma investigação dos pensa-mentos, fantasias, sonhos etc., para averiguar as tentações, os descami-nhos da vontade: ��Connais-toi toi-même�, en ce sens, ne signifie plus:�Connais tes limites, rends-toi compte des conditions qui te détermi-nent�, mais: Sache vers quoi tu tends sache ce que tu veux, ce que tudois vouloir�. . . . . (Groethuysen, 1952, p. 120, aspas no original).

Tanto para Vernant (1988) quanto para Dumont (1985), o cristia-nismo inicial é o ponto de partida para o indivíduo moderno. Entretan-to, enquanto Vernant frisa a �mundanidade� paralela à busca de si pró-prio e de Deus, Dumont se referencia ao caráter transcendente, de �re-núncia ao mundo�, presente nesse momento. Supomos, contudo, aonos determos na análise de Dumont, que a divergência é mais aparenteque real.

A noção central do pensamento de Dumont é a existência de duasconfigurações opostas de valor, hierarquia e individualismo, encontran-do-se, em cada sociedade específica, o predomínio de uma dessas confi-gurações, que engloba a outra. Entende que, nas sociedades ocidentaismodernas, o indivíduo-valor é hegemônico � a idéia de indivíduo como�ser moral independente, autônomo e, por conseguinte, essencialmente a-social�(p. 37) �, a hierarquia existindo de forma complementar, englobada.Dumont se pergunta então como, de uma sociedade holista, em que osentido de totalidade e hierarquia é dado pela religião, surge uma soci-edade individualista.

Analisando o ideário do cristianismo inicial, Dumont entende suaconcepção de homem como sendo a do �indivíduo em relação a Deus�.A presença do Deus único e a particularização da alma imortal caracte-rizam esse indivíduo, e sua união com outros homens, a fraternidade,ocorre através de Cristo � somos todos iguais em Cristoem Cristoem Cristoem Cristoem Cristo. Ele é, porém,um �indivíduo-fora-do-mundo�, pois as idéias que formam sua indivi-

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dualidade não são válidas para o mundo terreno. Este se mantém esta-mental, com posições pré-estabelecidas.

Não temos, pois, o sujeito moderno, cuja marca é a intimidade,mas uma pessoa cujo significado é dado por uma totalidade coesa queimprime sentido à sua existência. Há uma ordem, estabelecida por Deus,em que cada um ocupa seu lugar; a igualdade é uma promessa de futu-ro, do outro mundo.

Essa nova subjetividade, centrada no exame de si e objetivando ocontrole das paixões como garantia de salvação, encontra no clero aque-les homens dedicados ao sagrado, à purificação de si e dos outros. Ainstitucionalização da religião é acompanhada pela criação de dispositi-vos para preparação desses homens, muitos deles retirados dos exercíci-os espirituais das filosofias helênicas.

Entretanto, sob a aparência de fixidez e imutabilidade do mundofeudal, as mudanças vão, lentamente, acontecendo. O comércio aumenta,aos poucos substitui-se o escambo por um uso mais sistemático da mo-eda, obrigando ao reconhecimento dos mercadores-burgueses como umestado à parte. As lutas entre os senhores feudais, propiciando a expan-são de alguns feudos em detrimento de outros, além da falta de terraspara os novos cavaleiros, levam muitos desses nobres/guerreiros a seagregarem a senhores mais poderosos

A esfera religiosa, por sua vez, através de sua face instituída, a Igreja,em sua lenta transformação, torna o �indivíduo-fora-do-mundo� um �in-divíduo-no-mundo�. Neste processo, Dumont cita como momentos im-portantes, entre outros, a conversão de Constantino (século IV), tornandoo cristianismo a religião do Império e aproximando a Igreja do governoterreno; as atuações papais, buscando fortalecer o poder da Igreja e, comisto, tornando-a mais mundana; a luta dos franciscanos contra o papado,com Guilherme de Ockham propiciando a independência da esfera jurí-dica da totalidade englobante do século XIV.

Arendt (1972) acrescenta um ponto interessante a respeito desseprocesso de secularização da religião cristã: a introdução do inferno, do�eterno sofrimento�, que �fortaleceu a tal ponto a autoridade religiosa que

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ela podia esperar permanecer vitoriosa em qualquer contenda com o podersecular� (p. 177).

O ponto alto desse processo de secularização, contudo, é o movi-mento da Reforma Protestante, no século XVI. Esse movimento costu-ma ser analisado não somente sob o ponto de vista do surgimento deuma nova ética, como também em termos das alterações no modeloeconômico e nas relações dele decorrentes. Marx o considera um dosmomentos mais violentos do processo de acumulação primitiva. A IgrejaCristã era então uma das principais proprietárias feudais da base fundi-ária inglesa e o �roubo colossal� de seus bens ampliou o processo deexpropriação e proletarização dos camponeses: �a propriedade da Igrejaconstituía o baluarte religioso das antigas relações de propriedade. Ao cairaquela, estas não poderiam ser mantidas� (1988, p. 257).

Para apresentar a concepção sobre o ser humano propiciada pelomovimento social e econômico da Reforma, utilizaremos o clássico en-saio de Weber (A ética protestante e o espírito do capitalismoA ética protestante e o espírito do capitalismoA ética protestante e o espírito do capitalismoA ética protestante e o espírito do capitalismoA ética protestante e o espírito do capitalismo,1967) em que essa ética é relacionada ao �espírito� do capitalismo, doqual derivaria o modo de produção capitalista. É oportuno lembrar queWeber não afirma tal relação como causal, mas, antes, como sendo de�adequação�, num determinado momento histórico, entre a empresacapitalista e a �atitude capitalista� propiciada pela Reforma.

Na análise weberiana, Lutero coloca o indivíduo no mundo: a vo-vo-vo-vo-vo-cação cação cação cação cação é tarefa estabelecida por Deus, a maneira aceitável de viver não seencontra na superação do mundo pela ascese, mas no �cumprimentodas tarefas do século, impostas ao indivíduo pela sua posição no mun-do� (p.53). Em contraposição à distinção católica entre clero e leigos �a �ética dúplice� �, o que se propõe agora é a moralidade ascética noplano mundano. Este mundo, contudo, ainda é o feudal, imóvel � avocação deve ser exercida na posição que o homem nele ocupa, na or-dem estabelecida pelos desígnios divinos.

Calvino irá mais além, ao enfatizar a predestinaçãopredestinaçãopredestinaçãopredestinaçãopredestinação: Deus atribuio sentimento da graça aos eleitos, de acordo com Sua vontade. A salva-ção, portanto, não decorre de nenhum mérito pessoal: é fruto do livre-

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arbítrio divino e seria arrogância do homem supor que pode modificá-lo por sua fé ou por suas ações. As conseqüências deste pensamento sãoinúmeras, a principal sendo �o sentimento de uma inacreditável solidãointerna do indivíduo� (p. 72), pois não há mais a mediação da Igreja paraa salvação, �o intercâmbio do indivíduo com seu Deus [é] desenvolvido emcompleto isolamento espiritual� (p. 74). A abolição dos rituais, o repúdioao sensualismo e à emoção encaminham para a desmagicização do mun-do, seu desencantamento.

Poderíamos entender, por essa relação direta com Deus, que o in-divíduo no Calvinismo é aquele indicado por Dumont como estando�fora-do-mundo�. Entretanto, na análise de Weber, no Calvinismo omundo existe para a glorificação de Deus, através de sua utilização pe-los homens. O fiel deve realizar suas atividades, suas tarefas diárias,contribuindo para a concretização dos desígnios divinos, não mais so-mente para a realização da vocação, mas como �prova da fé� � devereforçar sua fé através de seu trabalho abnegado. Os resultados destenão devem ser usufruídos, pois a emoção, o sensualismo, implicam emgozo próprio e Deus requer �não apenas boas obras isoladas, mas umasantificação pelas obras, coordenada em um sistema unificado� (p. 82).Assim, se suas obras não mudam a Vontade de Deus acerca de suasalvação, podem ao menos lhe oferecer uma �certeza interna� da aprova-ção divina.

A desmagicização do mundo caminha junto à impessoalidade e àracionalização. A razão não é mais reflexão, voltar-se para si, ser partedo Todo. Torna-se instrumental, pois agora há necessidade de um agirracional sobre o mundo � objeto dado ao homem �, para evitar o infer-no, a danação eterna.

O mundo, então, não tem mais a fixidez do universo feudal. Oslimites do indivíduo são expandidos, dependem de �suas obras�, seutrabalho nesse mundo criado para seu uso. A Igreja não mais o restrin-ge, da mesma forma que a rede de relações em que estava imbricado; asrestrições agora são internas, frutos de sua relação solitária, sem media-ção, com Deus.

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Mercantilização, civilização, secularização caminham juntas e pre-param uma nova subjetividade; embora esta ainda se refira ao planotranscendente, a ausência de intermediação prenuncia a auto-suficiên-cia, a auto-determinação, o lugar central da intimidade do indivíduomoderno.

4 � Iguais e �livres como os pássaros� 4 � Iguais e �livres como os pássaros� 4 � Iguais e �livres como os pássaros� 4 � Iguais e �livres como os pássaros� 4 � Iguais e �livres como os pássaros� �����o mundo em transiçãoo mundo em transiçãoo mundo em transiçãoo mundo em transiçãoo mundo em transição

Uma massa de proletários livres como os pássaros foi lançada no mercado detrabalho pela dissolução dos séquitos feudais. (Marx, 1988, p. 254)

A Reforma Protestante culmina um certo modo de pensar o serhumano cujos principais marcos são teológicos. Inicia-se uma fase detransição � econômica, com o surgimento do capitalismo; política, coma criação dos Estados nacionais. Do século XVI ao XVIII, fervilhamdiversos movimentos constitutivos da explosão da modernidade. ORenascimento já se rebelara contra a fixidez de limites do Antigo Regi-me e, amparado na burguesia mercantil, traduzira a tradição greco-latina nas Artes. Pela primeira vez na história, a ênfase recaíra sobre ohomem, �medida de todas as coisas�.

Marx (1988), analisando a acumulação primitiva, descreve o fim domundo feudal na Inglaterra � tomada como paradigma � e mostra que,ao contrário do que diz a �idílica� historiografia burguesa, esse momentofoi marcado pela violência, tortura e morte de boa parte da grande massade camponeses autônomos habitantes das propriedades fundiárias.Sua exposição das mudanças econômicas aponta as modificações das rela-ções sociais e a necessidade de novos modos de ser, ao se deter naquelesque, excluídos da esfera econômica, o são também da história.

Em sua descrição, o momento central da �grande transformação�ocorre ao final do século XV e início do XVI através da expulsão docampesinato e da usurpação da propriedade comunal pelo senhor feu-

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dal. A nova geração da nobreza é �filha de seu tempo�, o tempo domercantilismo, dos burgueses enriquecidos pelo comércio, e se interes-sa principalmente pelo dinheiro. Assim, começa a substituir a agricul-tura, base do sustento e da vida dos camponeses, pela mais rentávelcriação de ovelhas.

A violência da expulsão impõe o estabelecimento de uma legisla-ção protetora dos camponeses, estipulando, por exemplo, a necessidadede certa extensão de terra para os que permanecem, ou buscando limitara destruição de casas. Posteriormente, a própria legislação torna-se favo-rável à expropriação, através de leis como a do �cercamento� das propri-edades � privatizando-as e transformando os camponeses remanescen-tes em assalariados �, ou com as �clearing of Estates�, o processo de�clarear propriedades�, retirar delas os homens. Na Escócia, após a subs-tituição da terra para cultivo em pastagens para ovelhas, uma parte ain-da é transformada em área de caça, para desfrute da aristocracia. Comisto, os camponeses, expulsos para a beira-mar, vivem da pesca, vivemsua vida �metade sobre a terra e metade na água e (...) com tudo isso, apenasa metade de ambas� (p. 263).

A transformação do capital monetário � formado pela usura e pelocomércio � em capital industrial estava até então impedida pelo sistemafeudal (no campo) e pelas corporações (na cidade). A expropriação eexpulsão dos camponeses a possibilitam. Ao mesmo tempo, este proces-so liberta o camponês da gleba e da corvéia, da mesma forma que a lutacontra as corporações liberta os artífices de suas pesadas regulamenta-ções. Ambos se tornam livres, mas sem seus próprios meios de produ-ção que lhes garantiam a subsistência. Agora são �proletários livres comoos pássaros�, a oferecer seu trabalho aos proprietários dos meios de pro-dução, em troca do salário necessário para sua sobrevivência.

As condições básicas para o estabelecimento do modo de produçãocapitalista estão presentes, mas Marx ainda mostra que a transformaçãodo capital e a liberação dos trabalhadores não bastam:

(...) os que foram bruscamente arrancados de seu modo costumeiro de vidanão conseguiam enquadrar-se de maneira igualmente súbita na disciplina da nova

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condição. (...) Assim, o povo do campo, tendo sua base fundiária expropriada àforça e dela sendo expulso e transformado em vagabundos, foi enquadrado por leisgrotescas e terroristas numa disciplina necessária ao sistema de trabalho assalaria-do, por meio do açoite, do ferro em brasa e da tortura. (...) Na evolução daprodução capitalista, desenvolve-se uma classe de trabalhadores que, por educação,tradição, costume, reconhece as exigências daquele modo de produção como leisnaturais evidentes (p. 265-7).

Novas subjetividades são necessárias, portanto, para atender aos tem-pos do capitalismo. Na análise de Marx, a burguesia se utiliza do Esta-do para regular o salário, de forma a poder manter o trabalhador em um�grau normal de dependência� (p. 267).

É nesta época de que Marx fala, principalmente século XVIII,que estão se constituindo os Estados nacionais e em que as filosofiaspolíticas de fundação do Estado procuram oferecer uma alternativa aoturbilhão social dos séculos XVI e XVII. As grandes navegações, adescoberta do Novo Mundo e suas conseqüências econômicas, as guer-ras religiosas, as conquistas científicas, todo o período fora de uma mo-vimentação impensável nas épocas precedentes. São necessárias, portan-to, formas de resolução da contradição presente entre os imperativos deuma consciência individual relativamente amadurecida e as exigênciasde uma cega obediência à autoridade (Figueiredo, 1992, p. 108). No-vos modelos de sujeito e novas formas de relação com a sociedade sefazem necessários.

A filosofia do Direito Natural, dos direitos próprios da naturezahumana, universais, será o ponto sob o qual se constituirão as teorias defundação do Estado a partir do contrato social, tenham elas sua base nasujeição das ações humanas � justificando o absolutismo, como emHobbes � ou se assentem no compromisso mútuo (Locke), no acordoentre os homens, �vontade geral� daqueles que querem ser cidadãos econstruir a democracia burguesa (Rousseau). Será também a base para alimitação da autoridade em relação a esses direitos inatos: a principalproposição do liberalismo clássico é a limitação do Estado.

O direito natural primordial será o de liberdade de consciência, �onúcleo em redor do qual os direitos do homem iriam constituir-se mediante a

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integração de outras liberdades e outros direitos� (Dumont, 1985, p. 111):das convicções éticas e religiosas, das relações familiares, dos negóciosparticulares. O Iluminismo, ao buscar responder, no século XVIII, aessa �crise da consciência européia�, estabelece a Razão como o supre-mo critério de valor: o direito natural perde sua origem divina, se fundana racionalidade humana. A propriedade, então, pode ser pensada nãocomo uma instituição presente em determinadas formações sociais, ou,mesmo, um direito, mas como uma implicação da própria noção deautonomia e auto-suficiência dos sujeitos individuais. Estamos frente auma humanidade genérica, um Homem abstrato, o que será visível,mais tarde, nas declarações da Independência Americana7 e dos Direi-tos Humanos.

Elias (1993) analisa a formação dos Estados nacionais a partir daconsolidação do poder central, do rei, cujo paradigma é o absolutismofrancês. Para ele, a expansão do sistema monetário implicou em resulta-dos diferentes para os estados: enriqueceu a burguesia, enfraqueceu ossenhores feudais � que auferiam rendas fixas por suas terras �, mas,acima de tudo, conferiu ao rei maior parcela da riqueza crescente, pormonopolizar a coleta de tributos. Com maiores condições financeiras, orei monopoliza também o poder militar.

A este poder real, ilimitado, corresponde o enfraquecimento dosdemais membros da nobreza. Na visão de Elias, o rei joga com os inte-resses contrários da nobreza e da burguesia, com a tensão entre ambas,visando que nenhuma parte obtivesse predomínio e mantendo, assim,sua posição central. Para isto, constituem-se as cortes, cujo brilho de-monstra a grandeza do rei e onde os nobres, antes independentes emsuas terras, passam a viver, disputando, entre si, os favores reais.

Inúmeros dispositivos utilizados pelos cortesãos para manter � ouampliar � sua posição de prestígio e/ou afetar negativamente a dos ou-tros são descritos por Elias (o que por si só já vale a leitura de seuslivros). Enfim, com o monopólio do poder militar em mãos do rei,cessam as contendas físicas, as disputas situam-se em torno de redesvariáveis de alianças e intrigas. É neste processo de maior interdepen-dência entre os estamentos, em que a burguesia exerce pressão e repre-

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senta uma ameaça, em que os próprios nobres são mais interdependen-tes, que se amplia a �conduta civilizada�8:

A corte é uma espécie de bolsa de valores e, como em toda �boa sociedade�,uma estimativa do �valor� de cada indivíduo está continuamente sendo feita.Mas, neste caso, o valor tem seu fundamento real não na riqueza ou mesmo nasrealizações ou capacidade do indivíduo, porém na estima que o rei tem por ele, nainfluência de que goza junto aos poderosos, na sua importância no jogo das cote-cote-cote-cote-cote-riesriesriesriesries da corte. (...) todo esse jogo complexo e sério no qual estão proibidas aviolência física e as explosões emocionais diretas, e a ameaça à existência exige decada jogador uma constante capacidade de previsão e um conhecimento exato decada um, de sua posição na rede de opiniões da corte, tudo isso exige um afinamen-to preciso da conduta a esse valor. Qualquer erro, qualquer descuido reduz o valordo indivíduo na opinião da corte e pode pôr em xeque a sua posição (p. 225).

Esta �psicologização� centra-se em um acurado auto-controle e emuma capacidade de observação dos outros detalhista, nuançada, sendoacompanhada de uma �racionalização�, uma possibilidade de previsão,de cálculo, das conseqüências de cada comportamento. Estamos frente,portanto, a novos modos de ser, cuja ênfase é a �boa conduta�, ao mes-mo tempo instrumento nas disputas internas e dispositivo de exclusão,de distinção de tudo aquilo que é burguês, que é inferior � a etiqueta éum instrumento de discriminação social, um dispositivo de poder.

A subjetividade aristocrática constitui-se, assim, com uma ênfaseno autocontrole, no repúdio à exteriorização de paixões que, quandoocorre, é acompanhada por sentimentos de vergonha e culpa. Ao auto-controle acrescenta-se a vigilância da conduta dos pares, sancionandosuas falhas � por colocarem em risco a posição de classe de todos �, ereagindo com desprezo e escárnio àquilo que �é próprio� da burguesia.

A importância da observação leva ao predomínio do sentido davisão e este processo de automodelação se realimenta dos livros de me-mórias das cortes, das cartas e aforismos. Elias fala mesmo duma �linhadireta de tradição� na literatura francesa, �caracterizada precisamente poressa lucidez de observação, essa capacidade de ver a pessoa em todo seu contex-to social e compreendê-la através dele� (p. 229).

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A burguesia ascendente, nesta situação de interdependência, copiaos padrões aristocráticos, mas igualmente os rejeita, contrapondo-os àsua própria auto-imagem: a dedicação ao trabalho versus o ócio, o cul-tivo da moral e da cultura contra a prevalência da etiqueta e da boaconversa. O resultado final será um amálgama dos dois modelos, mas,pela menor necessidade de representação da burguesia, os aspectos pri-vados podem ser expressos numa forma impensável para a aristocracia.

Estes dois estilos de vida estão presentes nas habitações. Os nobresnão têm residência fixa, podem estar no campo, em seu hôtel (palácio dacidade, assim denominado para se diferenciar do palácio real), ou, prin-cipalmente, na corte. O estilo arquitetônico, as dimensões e decoraçãodo hôtel não decorrem da possível riqueza, mas da posição social donobre e de sua obrigação de �representar�: os salões de recepção situam-se na parte principal do edifício e ocupam área bem superior à dos�aposentos privados�, os aposentos dos cônjuges que, geralmente idên-ticos em tamanho, são separados por pátios, dependências de serviçoetc. O casamento, aqui, indica a fundação de uma �casa� da qual oscônjuges são os representantes na sociedade.

Na burguesia, por outro lado, o casamento significa fundar uma�família� e seu modelo de residência ilustra a diferença. Os aposentosdos cônjuges são próximos, os quartos de cada membro da família sãoampliados, reduzem-se as áreas de serviço, os salões de recepção desa-parecem e cedem lugar à �sala de visitas�, que não é um espaço da�sociedade�, mas de relação entre indivíduos que têm uma �vida priva-da�. A consciência da família corresponde à concepção de autonomiaconferida pela atuação profissional, percebida como se submetendo so-mente às �regras impessoais� do mercado:

Ela aparece fundada voluntariamente e por indivíduos livres, de modo a semanter sem coerções; parece apoiar-se sobre a duradoura comunidade de afetosdos dois cônjuges e assegurar o desenvolvimento desinteressado de todas as capa-cidades que caracterizam a personalidade culta. (...) articulam num conceito dehumanidade que deve ser inerente aos homens como tais (...), a emancipação dequalquer espécie de finalidade exterior, uma interioridade que se realiza segundosuas próprias leis, que emerge ainda quando se fala do pura ou simplesmentehumano (Habermas, 1982, p. 229)

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Neste processo de ascensão da burguesia, a Revolução Francesarompe com o equilíbrio tensionante entre os estamentos e estabelece,paradigmaticamente, o novo ideário: à igualdade, já presente, no planotranscendente, no cristianismo, une-se a liberdade � da gleba, das cor-porações � necessária à consolidação do capital industrial.

Assim, eliminando a valoração do indivíduo por critérios de posi-ção ou de sangue, a burguesia representa a autonomia daquele cujovalor é obtido por si próprio e, mesclando o interesse pelo mecanismode representação pública da aristocracia com a crítica à sua civilidade,leva sua privacidade para o espaço público.

5 � A modernidade e a prevalência5 � A modernidade e a prevalência5 � A modernidade e a prevalência5 � A modernidade e a prevalência5 � A modernidade e a prevalênciado espaço privadodo espaço privadodo espaço privadodo espaço privadodo espaço privado

A partir do século XVIII, há uma explosão da modernidade. Pare-ce que todas as correntes subterrâneas que, de forma sucessiva ou con-traditória, buscavam ordenar o caos gerado pelos diversos acontecimen-tos instituintes da época moderna, deságuam nesse momento. Rompe-se com a tradição, a ênfase se situa na busca do novo, no interesse peloprogresso, entendido como fruto da capacidade, da potencialidade hu-mana. Desenvolvimento científico, econômico, social, ao mesmo tem-po desenvolvimento humano: o homem se constrói ao construir o mun-do em que vive.

A metrópole é o território ideal para a nova subjetividade. Simmeldistingue dois tipos de individualismo, que se sucedem no tempo � oda singleness, individualismo quantitativo, iluminista, surgido no séculoXVIII, baseado no ideário de liberdade e igualdade, e o da uniqueness,ou individualismo qualitativo, presente no século XIX e encontrandono Romantismo seu maior canal de expressão.

Esta classificação indicaria ser necessário, num primeiro momento,enfatizar a autonomia (a libertação da gleba e das corporações) e a igual-dade (a ausência de um universo em que os lugares estariam pré-esta-

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belecidos); com estas condições garantidas, é possível a singularização,uma �desigualdade� indicadora do que é �próprio�, peculiar a cada um.

O universo relacional, cujos laços limitavam a autonomia, é substi-tuído pela variedade de referenciais simbólicos propiciada pela ampli-tude dos círculos sociais. Esta, por sua vez, decorre da maior divisão dasfunções sociais que gera, ao mesmo tempo, inúmeras formas de especi-alização individual e maior interdependência. Com a fragmentação eindiferenciação próprias do mundo moderno, o indivíduo busca seuspontos de referência cada vez mais em si próprio, em sua intimidade9.

A metrópole é analisada por Simmel como o lugar de combate econciliação desses dois individualismos: ela é a sede da economia monetá-ria, esta, por sua vez, intrinsecamente vinculada ao domínio do intelecto:

através da natureza calculativa do dinheiro, uma nova precisão, uma certezana definição de identidades e diferenças, uma ausência de ambigüidade nos acordose combinações surgiram nas relações de elementos vitais (...) Os mesmos fatoresque assim redundaram na exatidão e precisão minuciosa da forma de vida redunda-ram também em uma estrutura da mais alta impessoalidade; por outro lado,promoveram uma subjetividade altamente pessoal. Não há talvez fenômeno psí-quico que tenha sido tão incondicionavelmente reservado à metrópole quanto àatitude blaséblaséblaséblaséblasé (1979, p. 17-8).

A atitude blasé indica uma tentativa de defesa da individualidadeem relação ao excesso de estímulos cotidianos; é um embotamento dacapacidade de discriminação, uma reserva frente ao outro que, por suavez, confere ao indivíduo uma liberdade pessoal impensável, por exem-plo, numa pequena comunidade. A indiferenciação discriminativa seacompanha de um nivelamento das coisas e dos outros � o dinheirocomo �equivalente geral�, nas palavras de Marx � paralelos à expansãoda privacidade e à maior individualização, pelas possibilidades e neces-sidade de diferenciação. Na metrópole, o indivíduo pode elaborar ummodo de vida que expresse sua peculiaridade, sua singularidade, a au-tenticidade de seus sentimentos, em vez de se limitar às �máscaras� exi-gidas pelas convenções sociais. Se o �ser humano genérico� ainda sub-siste, no entendimento de uma certa igualdade �de base�, estamos na

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verdade frente a uma escala de valores [constituída] pela unicidade einsubstitubilidade qualitativas do homem (p. 27).

Sennett (1988), por sua vez, se compartilha com Simmel a idéia daimportância da cidade para a constituição da nova subjetividade, enten-de que a �reserva� frente aos outros é função do desenvolvimento dacrença na imanência, de que as �coisas são o que são�: a aparência indicao que a pessoa é, por isto o retraimento, a não expressão de sentimentos,a necessidade do crítico de arte (ou do romancista) para interpretar osestados internos, a passividade � o homem deixa de ser ator, de se repre-sentar segundo as convenções e se torna espectador. Assim,

À medida que tanto a secularidade quanto o capitalismo adquiriram novasformas no século passado (...) os homens passaram a crer que eram os autores deseu próprio caráter, que cada acontecimento de suas vidas precisava ter uma signi-ficação, em termos da definição do que eram eles (...) Gradualmente, essa forçaperigosa, misteriosa, que era o eu, passou a definir as relações sociais. Tornou-seum princípio social. Nesse ponto, o terreno público de significação impessoal e deação impessoal começou a diminuir (p. 413).

O sentimento aguçado da própria individualidade, encontrada emsi mesmo e não mais em posições definidas por uma escrita social, acen-tuam o declínio do espaço público enquanto lugar da ação, lugar emque a relação entre estranhos se expressa pelas regras impessoais da�civilidade�. A descoberta da infância (Ariès, 1981) fundamenta a im-portância da família nuclear como locus de proteção dessa frente às trans-formações da sociedade.

A autonomia da família, seu fechamento em si mesma, o afasta-mento dos estranhos, pode então ser pensado como uma separação entreas duas esferas, a pública significando somente uma ampliação e com-plementação da intimidade familiar. Não se concebe que, com esta apa-rente separação, a família está verdadeiramente se constituindo comoo meio sobre o qual vão atuar diversos dispositivos � dentre os quaisos saberes e práticas psicologia � que a tornam mais permeável à esferapública.

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6 � Encerrando este percurso...6 � Encerrando este percurso...6 � Encerrando este percurso...6 � Encerrando este percurso...6 � Encerrando este percurso...

A superposição das duas esferas inicialmente privilegia a intimida-de como lugar de constituição de projetos culturais e políticos e, poste-riormente, a constitui como objeto de investigação de um saber autôno-mo. É o momento, então, de surgimento da Psicologia no conjunto dasCiências Humanas que, em meados do século XIX, se autonomizam apartir da crise dos pensamentos liberal e romântico e do início da socie-dade disciplinar (Figueiredo, 1991) .

Como sabemos, a investigação e o cuidado com essa interioridade ea subsequente constituição da disciplina �Psicologia� ocorre no contex-to sócio-econômico europeu (ela só aparece posteriormente no espaçonorte-americano), de onde é importado � assim como outros produtosdo pensamento humano � pelo Brasil. Alguns pesquisadores têm pro-curado indicar a configuração que tal disciplina assume em nossa reali-dade; no meu caso específico, procuro articular os conteúdos hegemô-nicos presentes em diferentes etapas do processo de autonomização eflorescimento da Psicologia entre nós com as concepções de pessoa en-tão vigentes na sociedade e cultura brasileiras (ver, a respeito, Jacó-Vile-la, 1999, 2000), trabalho este que considero ainda em andamento.

Neste sentido, o trabalho aqui apresentado procura alinhavar aslinhas mestras de constituição dos modos de subjetivação no ocidentepara podermos, com mais vagar, traçarmos sua constituição no Brasil.

NotasNotasNotasNotasNotas1 Os helenistas costumam referir-se a três fases dessa história: a homérica (ou da epopéia)

que, sem datação inicial, iria até o século VIa. C.; a democrática, deste século ao IIIa.C.; a filosófica, do século IIIa. C. ao IV d.C.

2 Sentido equivalente de �privacidade�, porém referido à nossa época, encontra-se emSennett, 1988.

3 Entre as musas filhas de Mnemosyne encontra-se Clio, a musa da história.

4 Entretanto, há diferenças. Foucault (1988) analisa a descrição, por Sêneca, de um examede consciência, como representando uma �prática de administração de si�, uma �atuaçãocontábil�, e não um trabalho de interpretação ou de julgamento de atos passados.

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5 Explicitamos o psicanalista por duas razões: para seguirmos a comparação de Veyne epela hegemonia de seu modelo na prática psicologia.

6 Epicteto era escravo; Marco Aurélio, outro grande estóico, imperador. A diversidade deestatuto social entre os estóicos decorre, segundo Simmel (1977), de seu pressuposto dauniversalidade da razão, presente em cada ser humano. Por isto, também, seu cosmo-politismo e igualitarismo.

7 Para Tocqueville, a democracia americana representa a conciliação entre liberdade eigualdade, com predomínio desta, que é uma �tendência universal do mundo cristão�(1977, p. 14).

8 Esse �processo civilizatório�, segundo Elias é revelado no curso da mudança histórica,esta, por sua vez, decorrente do entrelaçamento de ações e impulsos humanos. À maiordiferenciação das funções sociais corresponde um aumento da interdependência dosindivíduos e uma necessidade de regulação mais diferenciada, uniforme e estável desuas condutas. Assim, desenvolve-se (e se automatiza) o auto-controle e a capacidadede previsão, uma �civilização dos costumes� que, como �processo�, �está em andamen-to� (p. 274). Note-se, a respeito, que Sennett (1988) é contrário a esta visão de Elias aoentender que, em nosso século, a civilidade é substituída pelas �tiranias da intimidade�.

9 Simmel às vezes parece entender o individualismo como produzido pelas condiçõeseconômicas e sociais presentes a partir do século XVIII e, outras vezes, pressupor uma�essência� individualista revelada em determinadas condições históricas. Assim, porexemplo, entende a �singleness� como antecipada pelos estóicos e a �uniqueness� peloRenascimento.

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I N T E R A Ç Õ E SI N T E R A Ç Õ E SI N T E R A Ç Õ E SI N T E R A Ç Õ E SI N T E R A Ç Õ E SVVVVVol. 6 � Nº 12 � pp. 11-40ol. 6 � Nº 12 � pp. 11-40ol. 6 � Nº 12 � pp. 11-40ol. 6 � Nº 12 � pp. 11-40ol. 6 � Nº 12 � pp. 11-40JUL/DEZ 2001JUL/DEZ 2001JUL/DEZ 2001JUL/DEZ 2001JUL/DEZ 2001

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Recebido em: nov/01Aceito: fev/02