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nova Economia_Belo Horizonte_13 (2)_39-60_julho-dezembro de 2003 Coeficientes de Gini locacionais – GL: aplicação à indústria de calçados do Estado de São Paulo Resumo Este artigo apresenta uma metodologia específi- ca para identificar e delimitar geograficamente sistemas locais de produção, com aplicação ilus- trativa à indústria de calçados do Estado de São Paulo. A metodologia consiste na elaboração de coeficientes de Gini locacionais com base nos dados da RAIS/MTE e da PIA/IBGE para classes da indústria CNAE 4 dígitos e por muni- cípios ou microrregiões, o que permite verificar quais são as indústrias mais concentradas espa- cialmente. Para estas, visando identificar siste- mas locais de produção, calculam-se quocientes locacionais (QL) por microrregiões do Estado. Os dados sobre QL por microrregiões, conju- gados com outros sobre participação relativa da microrregião no total do emprego e no número de estabelecimentos da indústria de calçados do Estado de São Paulo apontam, de modo inequí- voco, a existência de três importantes sistemas locais de produção de calçados no Estado: Franca, Birigui e Jaú. Com base em resultados de pesquisas de campo, estes três sistemas locais são brevemente caracterizados em termos de sua localização, extensão territorial, estrutura de produção, abrangência da cadeia produtiva, ins- tituições de apoio e associativismo. Abstract This paper suggests a specific methodology to geographically locate and delimit local production systems, with an application to the leather and shoe industry of the State of São Paulo. The methodology consists on the elaboration of location Gini coefficients (GL) for four-digit industries at municipal or micro region level from data in RAIS/MTE and PIA/IBGE. These location Gini coefficients indicate the branches of industry which are spatially concentrated. For the latter industries, location quotients (QL) by state micro regions are used in order to identify local production systems within these industries. The QL data, combined with data on the share of the micro region in total industry employment and number of industrial plants in the leather and shoe industry of the State of São Paulo, show unequivocally that there are three main local production systems in the leather and shoe industry of the state: Franca, Birigui and Jaú. On the basis of field research work, these three local systems are briefly characterized in regard to their location, territorial extension, production structure and integration, local institutions and forms of firm cooperation. Palavras-chave coeficientes de Gini locacionais, quociente locacional, sistemas locais de produção, concentração espacial. Classificação JEL L23, O18, R12. Key words locational Gini coefficients, locational quotients, local production systems, spatial concentration. JEL Classification L23, O18, R12. Wilson Suzigan Professor do Instituto de Economia Unicamp João Furtado Coordenador do Grupo de Estudos de Economia Industrial Universidade Estadual Paulista/Araraquara Renato Garcia Professor do Departamento de Engenharia de Produção Universidade de São Paulo Sérgio E. K. Sampaio Mestrando do Departamento de Economia Universidade Federal do Paraná

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nova Economia_Belo Horizonte_13 (2)_39-60_julho-dezembro de 2003

Coeficientes de Gini locacionais – GL:aplicação à indústria de calçados do Estado de São Paulo

ResumoEste artigo apresenta uma metodologia específi-ca para identificar e delimitar geograficamentesistemas locais de produção, com aplicação ilus-trativa à indústria de calçados do Estado de SãoPaulo. A metodologia consiste na elaboração decoeficientes de Gini locacionais com base nosdados da RAIS/MTE e da PIA/IBGE paraclasses da indústria CNAE 4 dígitos e por muni-cípios ou microrregiões, o que permite verificarquais são as indústrias mais concentradas espa-cialmente. Para estas, visando identificar siste-mas locais de produção, calculam-se quocienteslocacionais (QL) por microrregiões do Estado.Os dados sobre QL por microrregiões, conju-gados com outros sobre participação relativa damicrorregião no total do emprego e no númerode estabelecimentos da indústria de calçados doEstado de São Paulo apontam, de modo inequí-voco, a existência de três importantes sistemaslocais de produção de calçados no Estado:Franca, Birigui e Jaú. Com base em resultadosde pesquisas de campo, estes três sistemas locaissão brevemente caracterizados em termos desua localização, extensão territorial, estrutura deprodução, abrangência da cadeia produtiva, ins-tituições de apoio e associativismo.

AbstractThis paper suggests a specific methodology togeographically locate and delimit local productionsystems, with an application to the leather andshoe industry of the State of São Paulo. Themethodology consists on the elaboration oflocation Gini coefficients (GL) for four-digitindustries at municipal or micro region levelfrom data in RAIS/MTE and PIA/IBGE.These location Gini coefficients indicate thebranches of industry which are spatiallyconcentrated. For the latter industries, locationquotients (QL) by state micro regions are usedin order to identify local production systemswithin these industries. The QL data, combinedwith data on the share of the micro region intotal industry employment and number ofindustrial plants in the leather and shoeindustry of the State of São Paulo, showunequivocally that there are three main localproduction systems in the leather and shoeindustry of the state: Franca, Birigui and Jaú.On the basis of field research work, these threelocal systems are briefly characterized in regardto their location, territorial extension,production structure and integration, localinstitutions and forms of firm cooperation.

Palavras-chavecoeficientes de Gini locacionais,quociente locacional, sistemaslocais de produção,concentração espacial.

Classificação JEL L23, O18,R12.

Key wordslocational Gini coefficients,

locational quotients, local

production systems, spatial

concentration.

JEL Classification L23, O18,

R12.

Wilson SuziganProfessor do Instituto de Economia

Unicamp

João FurtadoCoordenador do Grupo de Estudos de Economia Industrial

Universidade Estadual Paulista/Araraquara

Renato GarciaProfessor do Departamento de Engenharia de Produção

Universidade de São Paulo

Sérgio E. K. SampaioMestrando do Departamento de Economia

Universidade Federal do Paraná

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IntroduçãoEste artigo tem um propósito bastantesimples: apresentar uma metodologiaque, com base em indicadores de con-centração geográfica segundo classes deindústrias e de localização de atividadesindustriais por microrregiões, permiteidentificar, delimitar geograficamente ecaracterizar estruturalmente sistemas lo-cais de produção, fazendo uma aplica-ção ilustrativa a uma classe de indústriado Estado de São Paulo. Alinha-se a ou-tros trabalhos, já realizados ou em anda-mento em vários centros de pesquisa,sobretudo no CEDEPLAR/UFMG eno âmbito da REDESIST/UFRJ.1 Dife-rencia-se, acreditamos, pela propostametodológica mais abrangente: identifi-cação de classes de indústrias geografica-mente concentradas; para essas indús-trias, localização das microrregiões ondeé maior a concentração; para essas mi-crorregiões, corte vertical (i. e. por mi-crorregião) de modo a verificar queoutras classes de indústrias, além da geo-graficamente concentradas, estão pre-sentes na estrutura produtiva local, o quepermite avaliar se existe uma cadeia pro-dutiva e qual sua extensão, bem comoverificar se microrregiões adjacentes in-tegram a estrutura produtiva local, e porfim a realização de estudos de casos de

sistemas locais de produção presentesnas microrregiões selecionadas. A utiliza-ção do Estado de São Paulo como regiãode referência é meramente ilustrativa.Outros estados, menos industrializados,podem não constituir uma base adequa-da de referência.2 Entretanto, a metodo-logia pode ser aplicada a regiões maisabrangentes ou ao país como um todo.

A noção de sistemas locais de pro-dução aqui utilizada não difere muito dadefinição de “sistemas produtivos lo-cais” adotada na Rede de Pesquisa emSistemas Produtivos e Inovativos Locais(REDESIST). Nesta, sistemas produti-vos locais “referem-se a aglomerados deagentes econômicos, políticos e sociais,localizados em um mesmo território, queapresentam vínculos consistentes de arti-culação, interação, cooperação e apren-dizagem. Incluem não apenas empresas– produtoras de bens e serviços finais,fornecedoras de insumos e equipamen-tos, prestadoras de serviços, comerciali-zadoras, clientes etc. e suas variadas for-mas de representação e associação – mastambém outras instituições públicas e

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1 Conforme, entre outros,Diniz (1999); Diniz e Crocco(1996); Crocco et al. (2001);Albuquerque et al. (2002);Britto (2003); Britto e

Albuquerque (2001) e Saboia(1999, 2001).2 Esta limitação foi apontadapor um dos pareceristas, aquem agradecemos.

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privadas voltadas à formação e treina-mento de recursos humanos, pesquisa,desenvolvimento e engenharia, promo-ção e financiamento”. Adicionalmente,procurando levar em conta sistemas lo-cais ainda não inteiramente constituídos,a REDESIST adota o conceito auxiliar dearranjos produtivos locais (APLs) paradenominar “aglomerações produtivas cu-jas articulações entre os agentes locaisnão é suficientemente desenvolvida paracaracterizá-las como sistemas”.3 Entre-tanto, à diferença da REDESIST, prefe-rimos adotar a denominação de sistemalocal de produção, em vez de sistemaprodutivo local, seguindo Belussi e Got-tardi (2000). Não adotamos, pelo menosneste artigo, o conceito auxiliar de arran-jos produtivos locais, preferindo traba-lhar com a idéia de sistema locais deprodução com graus variados de integra-ção da cadeia produtiva e de articulaçãoentre agentes e instituições locais.

Trabalhou-se de início com duasbases de dados e informações para omesmo ano (1998), a RAIS/MTE e aPIA/IBGE. Entretanto, por razões ex-plicitadas adiante (Seção 1), apenas umaacabou sendo de fato utilizada, emboraos resultados iniciais para o coeficientede Gini locacional tenham sido apresen-tados para as duas bases, a título de com-

paração. Ainda na Seção 1 são apresen-tados os procedimentos metodológicosadotados. Foram estimados índices deespecialização ou quocientes locacionais(QL) a partir dos quais foram elaboradosos coeficientes de Gini locacionais (GL)por classes de indústrias (CNAE, 4 dígi-tos), com base nos dados por municí-pios. Em seguida, para as classes de indús-trias com GL mais elevado, indicandomaior grau de concentração geográfica,foram utilizados os dados desagregadospor microrregiões para delimitar territo-rialmente agrupamentos significativos deempresas nas referidas classes de indús-trias. Os resultados são apresentados naSeção 3. Dentre os SLPs identificados,foram selecionados três para estudos decasos, cuja caracterização resumida é apre-sentada na Seção 4. Essa caracterizaçãovisa apenas agregar elementos oriundosda pesquisa de campo que confirmam ereforçam os resultados do trabalho esta-tístico. Não tem a intenção de analisar ostrês casos do ponto de vista da economiaregional e de sua inserção na rede urbanalocal e estadual, nem tampouco de fazeruma análise comparativa entre esses eoutros sistemas locais de produção decalçados.4 Por fim, a última seção apre-senta as conclusões gerais do trabalho.

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3 Conforme REDESIST,http://www.ie.ufrj.br/redesist/.4 Questões, de todomodo, absolutamentepertinentes levantadaspor um dos pareceristasa quem agradecemos.

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1_ Procedimentos metodológicos

1.1_ As bases de dados – RAIS e PIAEste trabalho utiliza, de início, duas fon-tes de dados e informações disponíveisno Brasil, a RAIS/MTE e a PIA/IBGE,com o intuito de elaborar indicadores deconcentração geográfica segundo classesde indústrias e de localização de ativida-des industriais. Os parágrafos seguintesdiscutem sucintamente as vantagens edesvantagens das duas bases de dados.

A RAIS – Relação Anual de Infor-mações Sociais, cuja coleta e tabulação érealizada pelo Ministério do Trabalho edo Emprego, constitui uma base de da-dos que, para os propósitos deste traba-lho, apresenta informações sobre o volu-me de emprego e o número de estabele-cimentos. Ela tem sido crescentementeutilizada por diversos autores para a iden-tificação de movimentos e tendências dedeslocamento regional da atividade eco-nômica e também para a identificação eanálise de aglomerações de empresas.5

Sua principal vantagem é prover uma ele-vada desagregação geográfica que permite,sem necessidade de recurso a tabulaçõesespeciais, obter e processar diretamenteos dados de forma muito detalhada: emtermos espaciais, até o nível de desagre-gação municipal, e em termos setoriais,

até o nível de 4 dígitos da CNAE –Classificação Nacional da Atividade Eco-nômica. Além disso, a RAIS apresentaum grau relativamente elevado de unifor-midade, que permite comparar a distri-buição dos setores da atividade econô-mica ao longo do tempo.

Essas vantagens da RAIS são con-trabalançadas por algumas deficiências,que já foram apontadas por vários auto-res, inclusive os autores deste trabalho(Suzigan et al., 2001). Entretanto, é con-veniente mencioná-las aqui. A primeiradeficiência da RAIS é sua cobertura, jáque o Cadastro, apesar de cobertura nacio-nal, inclui apenas relações contratuaisformalizadas por meio da “carteira assi-nada”. Segundo, a RAIS utiliza o métododa autoclassificação na coleta das infor-mações primárias, sem qualquer examede consistência por parte do Ministério,o que pode distorcer os resultados e co-locar diversos problemas em relação àspossibilidades da análise. Adicionalmen-te, a empresa declarante pode optar porrespostas únicas em nível de empresa,distanciando o resultado da realidade emdois aspectos. Em primeiro lugar, classi-ficando o conjunto das unidades produ-tivas de uma empresa diversificada coe-xistentes num mesmo endereço numúnico setor CNAE. Em segundo lugar,

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5 Ver os mesmostrabalhos citados na notanúmero 1.

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que pode somar-se ao anterior, a empre-sa pode reunir todas as unidades produti-vas dispersas numa mesma declaração.Isto tem efeitos importantes, especial-mente quando as empresas são multi-planta (que podem declarar todo o volu-me de emprego na mesma unidade pro-dutiva, geralmente na matriz) e firmasmulti-produto (que muitas vezes enqua-dram-se apenas na atividade correspon-dente ao seu produto principal). A ter-ceira deficiência da RAIS é a de que,como essa base de dados utiliza o empre-go como a variável-base, ela deixa decaptar diferenças inter-regionais de tec-nologia e produtividade, o que vai se re-fletir em, por exemplo, diferentes regiõescom volume de emprego semelhantes,que possuem na verdade produção físicaou em valor distintas. Quarto e último, ofato de ser declaratória pode provocardistorções na análise de pequenas empre-sas ou de regiões menos desenvolvidas,em virtude da mais elevada ocorrência deempresas não-declarantes.

A outra fonte de informações uti-lizada neste trabalho é a PIA – PesquisaIndustrial Anual do IBGE – InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatística, queapresenta informações como número deestabelecimentos, receita líquida de ven-das, pessoal ocupado e valor de transfor-

mação industrial. Estas informações tam-bém podem ser organizadas regional-mente, contanto que seja respeitado o si-gilo das informações individuais (garan-tido aos declarantes pela legislação).6

A coleta e o levantamento de da-dos da PIA busca representar o univer-so de empresas industriais, formalmenteconstituídas, com 5 ou mais pessoas ocu-padas. Sua amostra é composta por doisestratos: o “estrato certo”, que abrangetodas as empresas com 30 ou mais pes-soas ocupadas, e o “estrato amostrado”,formado pelas empresas com 5 a 29 pes-soas ocupadas. O IBGE adota, nas suascoletas, os conceitos de empresa e unida-de local (endereço de atuação), o que evitaalguns dos problemas apontados em rela-ção à RAIS. Para as empresas com 30 oumais pessoas ocupadas, a PIA coleta umconjunto de informações para cada uni-dade local produtiva. As unidades locaisapenas administrativas têm suas informa-ções consolidadas por Unidades da Fede-ração. Assim, uma empresa que mantenhaprodução diversificada num único ende-reço deverá ter alocadas suas informaçõesno principal setor de atuação. Mas quandoa empresa utiliza diversas plantas produti-vas sob uma mesma razão social, as infor-mações são alocadas na UF e no principalsetor em que atua cada unidade local.7

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6 De acordo com regrasestabelecidas pelo IBGE(amparado em legislaçãoespecífica, vale ressaltar), nãosão divulgadas as informaçõesquando o número dedeclarantes de umdeterminado setor de umadada região for menor quetrês. Para uma análise baseadaem dados da PIA, verAndrade e Serra (2000).7 Os autores agradecem aMariana Rebouças, do IBGE,por comentários específicos eesclarecimentos a respeito daPIA, incorporadostextualmente neste parágrafoe no seguinte.

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Ressalve-se que somente empre-sas industriais com CNPJ e com 5 oumais pessoas ocupadas são objeto de in-vestigação na PIA. Porém, quanto aopessoal ocupado, a PIA tem a vantagemde incluir todos os assalariados pela em-presa, com ou sem carteira assinada, oque permite captar os empregos infor-mais. Mas, para os propósitos deste tra-balho, a maior desvantagem da PIA de-corre do fato de que, em virtude das em-presas com 5 a 29 pessoas ocupadas se-rem objeto de escolha amostral e teremseus resultados estimados por UF e clas-ses de indústrias CNAE, o IBGE não di-vulga os resultados para esta parte daamostra nos níveis regionais e da classifi-cação CNAE. Ou seja, para nível geográ-fico menor que UF, somente os dados doestrato certo (30 ou mais pessoas ocu-padas) estão disponíveis na PIA.

Esta última característica da PIAconstitui importante limitação à sua utili-zação para a identificação e o estudo desistemas locais de produção, uma vezque estes em geral comportam grandenúmero de micro e pequenas empresas,formais e informais, em sua estruturaprodutiva. Por essa razão, optou-se pelautilização dos resultados baseados naRAIS, embora tanto os coeficientes deGini locacionais quanto os quocientes

locacionais tenham sido elaborados apartir das duas bases de dados. De todomodo, os resultados para os coeficientesde Gini locacionais são apresentados adi-ante para as duas bases de dados. Foramutilizados os dados do estrato certo daPIA para o ano de 1998. Esses dados re-presentam 21,2% do total de 36,5 milempresas, 79,4% do pessoal ocupado em31/12/1998 e 94% do valor da trans-formação industrial.8

Estas duas bases de dados e infor-mações, com suas virtudes e deficiên-cias, possibilitam construir indicadoresde concentração geográfica de indústriase de localização ou especialização regio-nal que, por sua vez, são instrumentosessenciais para identificar, delimitar e ca-racterizar sistemas locais de produção. Osmétodos utilizados na elaboração dos in-dicadores são resumidos a seguir.

1.2_ Indicadores de concentraçãoe de localização

A elaboração de indicadores ou medidasde concentração, localização e especiali-zação regional de atividades econômicastem sido um importante objeto de estu-do desde os trabalhos pioneiros de eco-nomia regional. Estes indicadores per-mitem verificar a distribuição espacial,identificar especializações regionais e ma-

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8 Os autores agradecema Wasmalia Bivare Aline Visconti, do IBGE,pela tabulação especialdos dados da PIA.

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pear movimentos de deslocamento re-gional das atividades econômicas, sejamdecorrentes de processos de concentra-ção ou de descentralização econômica.Neste sentido, estes indicadores torna-ram-se bastante difundidos nos estudos eanálises de economia regional.9

No período recente, com o inte-resse despertado pelo debate sobre aaglomeração de empresas e a formaçãode sistemas locais de produção e de ino-vação, estes indicadores passaram a serutilizados também com o objetivo espe-cífico de identificação e delimitação des-tes sistemas. Duas importantes contri-buições neste sentido são os trabalhos deKrugman (1991) e de Audretsch e Feld-man (1996), que calcularam coeficientesde Gini locacionais para a produção in-dustrial e para atividades inovativas nosEUA. Estes dois trabalhos constituem asreferências específicas mais importantespara este texto.

À semelhança do que fizeramKrugman (1991) e Audretsch e Feldman(1996) para os EUA, procurou-se nestetrabalho elaborar coeficientes de Gini lo-cacionais que permitissem identificarclasses de indústrias com elevado grau deconcentração geográfica da produção.Adicionalmente, foram calculados quo-

cientes locacionais para identificar siste-mas locais de produção, delimitando-osterritorialmente e caracterizando sua es-trutura produtiva. Os dois indicadores,aplicados à indústria de couro/calçadosdo Estado de São Paulo, permitiram iden-tificar três principais sistemas locais deprodução de calçados, cada um com dis-tintas características, e orientaram a reali-zação de pesquisa de campo cujos re-sultados serão brevemente comentadosadiante. O propósito deste trabalho ésimplesmente este: mostrar como, a par-tir das bases de dados e informações daRAIS e, em menor medida, da PIA, épossível elaborar indicadores de concen-tração espacial e de especialização localque permitem identificar, delimitar espa-cialmente e caracterizar estruturalmentesistemas locais de produção, orientandometodologicamente a realização de pes-quisas de campo.

O indicador de localização ou deespecialização, tradicionalmente referi-do na literatura como quociente locacio-nal (QL), tem sido amplamente utili-zado em estudos de economia e desen-volvimento regional desde a contribui-ção original de Isard (1960). Foi dida-ticamente discutido por Haddad (1989,p. 232-233). Para os propósitos deste

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9 Ver, por exemplo,a excelente síntese dasmedidas de localizaçãoe de especialização elaboradapor Haddad (1989).

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trabalho, foi utilizado o índice de espe-cialização especificamente aplicado àindústria do Estado de São Paulo, apre-sentado em trabalho anterior dos auto-res (Suzigan et al., 2001) e definido porHaddad como:

QL

E

E

E

E

ij

ij

i

i

� �

��

= Quociente locacional do setori na região j;

onde: Eij = emprego no setor i da região j;

E Ej ij

i

� � �� emprego em todos

os setores da região j;

E Ei ij

j

� � �� emprego no setor i

de todas as regiões;

E Ei

ij

j

�� � ��� emprego em to-

dos os setores de todas as regiões.

O QL indica a concentração rela-tiva de uma determinada indústria numaregião ou município comparativamenteà participação desta mesma indústria noespaço definido como base, neste caso oEstado de São Paulo. Assim, a verifica-ção de um QL elevado em determinadaindústria numa região (ou município)indica a especialização da estrutura deprodução local naquela indústria.

Todavia, como apontado no refe-rido trabalho anterior dos autores, o ín-dice de especialização deve ser utilizadocom cautela. Não se presta, por exem-plo, a comparações estritas entre regiõesou municípios. Uma região pouco de-senvolvida industrialmente poderá apre-sentar um elevado índice de especializa-ção simplesmente pela presença de umaunidade produtiva, mesmo que de di-mensões modestas. Este problema seriaainda mais grave se, num indicador cons-truído com base na RAIS, esta unidadeapresentasse um elevado grau de diver-sificação não captada pelo Cadastro.Outra deficiência do índice é a dificulda-de para identificar algum tipo de especi-alização em regiões (ou municípios) queapresentam estruturas industriais maisdiversificadas, como ocorre em municí-pios muito desenvolvidos, com estrutu-ra industrial diversificada e empregototal elevado.

O coeficiente de Gini locacional(GL), tal como proposto por Krugman(1991, p. 55-59) e Audretsch e Feldman(1996),10 por sua vez, é um indicador dograu de concentração espacial de umadeterminada indústria em uma certa ba-se geográfica, como uma região, estadoou país. O coeficiente varia de zero a ume, quanto mais espacialmente concen-

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10 Deve-se observar queHaddad (1989, p. 237-239)já havia proposto a utilizaçãodesse indicador em estudosde economia regional,chamando-o de “curva delocalização”, construída demodo semelhante àconstrução da curvade Lorenz.

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trada for a indústria, mais próximo daunidade estará o índice; e se a indústriafor uniformemente distribuída, o índiceserá igual a zero.11

O procedimento para o cálculo docoeficiente de Gini locacional é idênticoao do coeficiente de Gini tradicional ebastante simples. Primeiro, é preciso or-denar as regiões (ou municípios) de for-ma decrescente de índice de especiali-zação (QL), a partir da definição de umavariável-base (emprego, produção, valoragregado). A partir daí é possível cons-truir a curva de localização (ou curva deLorenz) para cada um dos setores da in-dústria de transformação, definindo cadaum dos eixos da seguinte forma:

_ no eixo vertical, as porcentagensacumuladas da variável-base (em-prego, por exemplo) em uma de-terminada classe de indústria porregiões (ou municípios);

_ no eixo horizontal, as porcentagensacumuladas da mesma variávelpara o total das classes de indústriapor regiões (ou municípios).

O Gráfico 1 mostra uma ilustra-ção da Curva de Localização usando,como exemplo, o emprego como variá-vel-base e calculando o coeficiente deGini locacional para um determinado se-tor no Estado de São Paulo.

As inclinações dos segmentos delinha reta das curvas de localização equi-valem aos índices de especialização dasdiversas regiões (ou municípios) nos res-pectivos setores. Por definição, o coefici-ente de Gini locacional (GL) é a relaçãoentre a área de concentração indicadapor �, e a área do triângulo formado pelareta de perfeita igualdade com os eixosdas abscissas e das ordenadas.

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11 No caso em que apopulação sejaterritorialmente distribuída demaneira uniforme, osmunicípios tiverem dimensõesidênticas e a renda média igualvalor, então pode-se esperarque o índice apresente valorzero. Sempre que adistribuição da população, otamanho dos municípios e a

renda média da população nãoapresentar uniformidade, oíndice deverá apresentarvalores superiores a zero. Porisso mesmo, embora o índicede concentração deva variarentre zero e a unidade, éesperável que o fenômeno daconcentração só possa serentendido enquanto tal paravalores superiores aos índices

apresentados pela populaçãoou, talvez com maispropriedade, para valores quesuperem o coeficiente de Ginicalculado para o produto (ou arenda). Uma forma deaproximação mais rigorosa deum índice de concentração(medido pelo coeficiente deGini) enquanto parâmetrovariando entre zero e a

unidade deveria “descontar” aconcentração normal eesperada que resulta daconcentração demográfica eeconômica. O trabalho depesquisa que vem sendodesenvolvido pela equipedeverá efetuar esteprocedimento na etapasubseqüente deste projeto.

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Isto significa que GL � ��

�0 5

2,

;

uma vez que � está compreendido entre0 0 5� �� , , tem-se 0 1� �GL . Destaforma, quanto mais próximo de 1 (um),mais concentrado territorialmente (nestecaso, em termos de microrregiões oumunicípios) é o setor, e vice-versa.

2_ Apresentação dos resultados

2.1_ Coeficiente de Gini locacionalO coeficiente de Gini locacional, comose vê, pode representar um importanteinstrumento de análise de concentraçãogeográfica de uma determinada atividade

econômica. Se o coeficiente GL dessaatividade estiver próximo de 1, pode-seinferir que existe nessa atividade um ele-vado grau de concentração geográfica,que pode se configurar como um (oumais de um) sistema local de produção.Neste sentido, o coeficiente GL podecontribuir para mapear a distribuição es-pacial da atividade econômica em umadeterminada área geográfica (um estadoou o país).

Neste trabalho, o coeficiente GLfoi calculado para a indústria de cou-ro/calçados do Estado de São Paulo, apartir dos dados por municípios. Os re-sultados são apresentados na Tabela 1 aseguir.

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Gráfico 1_ Curva de localização e área de concentração utilizada para o cálculo do Gini locacional

Part

icip

ação

Acum

ulad

ado

empr

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alno

Seto

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Participação Acumulada do emprego formal da Indústria deTransformação Paulista

1

1

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Os elevados valores dos coefici-entes GL da indústria de couro/calçadosno Estado de São Paulo indicam que háforte concentração espacial da produçãodesta indústria no Estado. Todavia, aessa conclusão geral diversas mediaçõesdevem ser realizadas.

Primeiro, como a indústria pau-lista é fortemente concentrada na Re-gião Metropolitana e seus arredores, queabarcam as regiões de Campinas, Soro-caba, São José dos Campos e a BaixadaSantista, que também são bastante in-

dustrializadas, o coeficiente de Gini lo-cacional tende a ser elevado em muitasdas indústrias que estão presentes nes-tas regiões. Em contrapartida é poucoprovável, de modo geral, que sejam en-contrados coeficientes muito baixos oupróximos de zero. De qualquer modo,os coeficientes GL da indústria de cou-ro/calçados no Estado de São Paulo,bastante próximos da unidade, ofere-cem indícios inegáveis de forte concen-tração geográfica da produção.12

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Tabela 1_ Coeficiente de Gini locacional (GL) para as classes da Indústria de Couro e Calçados no Estado de São Paulo – RAIS e PIA – 1998

Classe CNAE – Indústria de Couro e Calçados

RAIS 1998 PIA 1998

Emprego EstabelecimentosValor da

transformaçãoindustrial

Pessoalocupado

Receita líquidade vendas

CLASSE 19100 – Curtimento e outras preparaçõesde couro

0,9572 0,8803 0,5481 0,5453 0,7274

CLASSE 19216 – Fabricação de malas, bolsas, valisese outros artefatos para viagem,de qualquer material

0,6830 0,5088 0,6574 0,4972 0,6311

CLASSE 19291 – Fabricação de outros artefatosde couro

0,6491 0,5873 0,5273 0,4579 0,4798

CLASSE 19313 – Fabricação de calcados de couro 0,9312 0,8733 0,6360 0,5275 0,6246

CLASSE 19321 – Fabricação de tênisde qualquer material

0,9697 0,8813 0,7549 0,6177 0,7322

CLASSE 19330 – Fabricação de calcados de plástico 0,9697 0,9538 0,6913 0,5928 0,6468

CLASSE 19399 – Fabricação de calcadosde outros materiais

0,9252 0,7589 0,7825 0,6094 0,7816

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da RAIS/MTE e da PIA/IBGE.

12 Resultados interessantesserão obtidos provavelmentequando da comparação decoeficientes de GiniLocacional para os mesmossetores industriais em doismomentos do tempo. Pormeio dessa análise, serápossível adicionar elementosimportantes ao debate sobre oprocesso de desconcentraçãoindustrial nos anos 90.Ver, também a notametodológica anterior (11).

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A segunda observação diz respei-to a uma diferença importante entre asduas bases de dados utilizadas e seus re-flexos sobre os resultados do cálculo doscoeficientes GL. Como se vê, pela Ta-bela 1, os coeficientes GL calculados combase nos dados de emprego da RAIS são,em todos os casos, superiores aos que fo-ram calculados com base no pessoal ocu-pado do estrato certo da PIA. Essa dife-rença se torna particularmente importantena classe relativa à fabricação de calçadosde couro (19313). A razão desta diferen-ça reside justamente no fato que mais in-teressa a este estudo: a base que incor-pora as pequenas empresas (a RAIS)apresenta coeficientes mais elevados exa-tamente por incluir pequenos produtorescuja presença é muito comum em siste-mas locais de produção, o que não ocor-re na base de dados do estrato certo daPIA. Como aponta a literatura acerca dosclusters industriais, uma de suas principaiscaracterísticas é o freqüente surgimentode novas (em geral micro e pequenas) em-presas como spin-offs de empresas locaisem virtude da maior incidência de trans-bordamentos (spill-overs) de capacitaçõese conhecimentos especializados nessesclusters ou sistemas locais de produção.

Portanto, apesar das diferençasnos resultados obtidos a partir das duas

bases de dados, confirma-se o que já foimencionado: os elevados coeficientes deGini locacionais da indústria de couro/calçados do Estado de São Paulo indicamseguramente uma forte concentração es-pacial da produção. Tal concentração éverificada nas atividades de transforma-ção do couro e na fabricação de calçados(de couro, tênis, de plástico e de outrosmateriais), e é na fabricação de calçadosque podem ser encontrados importantessistemas locais de produção. Nas outrasclasses de indústrias analisadas, relaciona-das com a fabricação de artefatos de cou-ro, os coeficientes de Gini locacionaisapresentam valores menos elevados, jus-tamente porque não se verificam aglome-rações relevantes de empresas especifica-mente produtoras de artefatos de couro.13

Ressalve-se, porém, que o coefici-ente de Gini locacional, por ser um indi-cador de concentração espacial de umsetor ou atividade, não é capaz de mos-trar quais são as regiões e municípios emque se verifica essa concentração. Paraisto é necessário utilizar as informaçõesdo índice de especialização (QL), quepermitem identificar e delimitar geografi-camente as regiões ou municípios ondese encontram aglomerações de empre-sas, ou sistemas locais de produção, daindústria espacialmente concentrada.

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13 Vale observar que umcoeficiente de Gini locacionalentre 0,6 e 0,7 representa umvalor elevado, porém deve-selembrar da ressalva já feita deque a distribuição espacial daatividade industrial no Estadode São Paulo está muito longede ser uniforme.

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2.2_ Identificação dos “clusters”ou sistemas locais de produção

Para a identificação das aglomerações deempresas foram utilizados os quocienteslocacionais (QL), calculados com base navariável emprego da base de dados daRAIS. Para cada uma das classes da in-dústria de calçados analisadas neste tra-balho, para as quais o coeficiente de Ginilocacional indicou forte concentraçãogeográfica da produção, foram seleciona-das as microrregiões com maiores QLs,mostrando a importância da classe in-dustrial em questão em relação à estrutu-ra produtiva da região. Ou, de outromodo, o QL é utilizado para mostrarquais são as regiões em que uma dadaclasse industrial é mais importante relati-vamente à estrutura produtiva local.

A análise com base nos quocien-tes locacionais merece cuidado redobra-do quando se tratam de regiões muitopouco importantes em termos industri-ais, o que significa que têm uma estrutu-ra produtiva bastante simples, com pou-cas empresas. Nestas regiões, o QL ten-de a superestimar qualquer concentra-ção (por menos relevante que seja). Parasolucionar este problema, os dados doQL foram conjugados, neste trabalho,com o peso relativo da microrregião nototal do emprego da classe de indústria.

Neste sentido, podem ser consideradossistemas produtivos locais importantesaqueles localizados em regiões que apre-sentam simultaneamente QLs elevadose alta participação relativa no empregoda respectiva classe de indústria no Es-tado de São Paulo.

A Tabela 2 apresenta os dados doQL para as microrregiões mais impor-tantes da indústria de couro/calçados,segundo classes CNAE da indústria. Osdados foram ordenados pela participa-ção de cada microrregião no total doemprego em cada classe. Verifica-se quetrês microrregiões se destacam: Franca,Birigui e Jaú. O elevado QL conjugadoao número de empregos formais e de es-tabelecimentos nestas três microrre-giões permite afirmar que se configuramcomo as três mais importantes aglome-rações de empresas da indústria de cal-çados do Estado de São Paulo. Alémdisso, é possível observar também al-guns encadeamentos locais “para trás”,especialmente em termos do forneci-mento da principal matéria-prima utili-zada na indústria de calçados, as ativi-dades de curtimento. E também, em al-guns casos, o desenvolvimento de algu-mas atividades que têm sinergia com afabricação de calçados, como a produ-ção de artefatos de couro.

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Tabela 2_ Microrregiões geográficas mais importantes em cada classe de indústria, ordenadas pela participação no totaldo emprego na respectiva classe da indústria de couro/calçados no Estado de São Paulo – RAIS – 1998

Classe CNAE da Indústria de TransformaçãoMR com maiorparticipaçãoem emprego

Q.L.Participação

relativana classe (%)

Emprego Estabelecimentos

CLASSE 19100 – Curtimento e outras preparaçõesde couro

Franca 22,0 23,8 1.107 26

Birigui 9,9 10,6 493 6

Jaú 6,3 7,8 365 45

CLASSE 19216 – Fabricação de malas, bolsas, valisese outros artefatos para viagemde qualquer material

São Paulo 1,4 54,1 1.923 157

Osasco 2,8 10,6 376 6

Franco da Rocha 21,4 10,5 372 2

CLASSE 19291 – Fabricação de outros artefatosde couro

São Paulo 1,1 42,8 1.583 175

Jaú 7,5 9,44 346 68

Lins 17,9 5,7 219 3

CLASSE 19313 – Fabricação de calcados de couro

Franca 53,2 57,4 11.271 927

Jaú 12,6 15,7 3.091 172

Birigui 7,2 7,7 1.505 51

CLASSE 19321 – Fabricação de tênisde qualquer material

Birigui 57,1 60,8 2.437 24

Sorocaba 3,4 14,5 582 2

Moji-Mirim 5,0 5,4 218 1

CLASSE 19330 – Fabricação de calcados de plástico

Birigui 81,5 86,8 2.194 56

São Paulo 0,3 10,9 277 7

Araçatuba 4,3 2,1 53 2

CLASSE 19399 – Fabricação de calcadosde outros materiais

Birigui 52,6 56,0 4.643 78

Moji das Cruzes 3,7 10,0 830 6

Franca 8,9 9,6 800 12

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da RAIS/MTE e da PIA/IBGE.

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Portanto, os dados mostram cla-ramente a existência destes três siste-mas locais de produção de calçados eoferecem indicações sobre a estrutura ea especialização da produção local.Estas indicações quantitativas serviramde base para orientar a realização depesquisas de campo nos três locais demodo a captar as características de cadasistema local destacadas na Introdução:história e condições iniciais, evolução,extensão territorial, organização insti-tucional, contextos sociais e culturais,estrutura de produção e abrangência dacadeia produtiva (extensão da divisãode trabalho, tamanho das unidades in-dividuais de produção, grau de cone-xão entre as unidades), inserção nosmercados interno e internacional, es-truturas de governança presentes nosistema (coordenação das relações depoder entre as empresas), associativis-mo, cooperação entre agentes, formasde aprendizado e disseminação do co-nhecimento especializado local. Entre-tanto, não cabe apresentar aqui o relatocompleto de tais estudos de casos. Paraos propósitos deste trabalho, o que im-porta é enfatizar que as pesquisas decampo efetivamente comprovaram aexistência naqueles locais de três siste-

mas de produção, cada um com carac-terísticas próprias e maior ou menorgrau de integração das respectivas ca-deias produtivas. A seção seguinte pro-cura destacar os dados e informaçõesmais relevantes em cada caso para de-monstrar esta comprovação.

3_ Breves comentáriossobre os sistemas locaisde produção identificados

Os três sistemas locais de produção fo-ram objeto de pesquisas de campo comaplicação de questionários e realizaçãode entrevistas. Os três têm algumas ca-racterísticas comuns como, por exem-plo, situarem-se em cidades de portemédio, origem relativamente recente,contextos sociais com menos proble-mas que as áreas mais industrializadasdo Estado. Nos três há um montanteexpressivo de emprego na fabricaçãode calçados, bem como em outras eta-pas da cadeia produtiva, como curti-mento e preparação de couro, e ematividades correlatas e de apoio, princi-palmente fornecedores de componen-tes, insumos químicos, embalagens emáquinas e equipamentos para calça-dos (Tabela 3).

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Tabela 3_ Índice de especialização (QL) e participação no emprego dos três mais importantes sistemas locais de produçãoda indústria de couro/calçados do Estado de São Paulo – Microrregiões geográficas de Franca, Birigui e Jaú – RAIS – 1998

Classes CNAE – indústrias de couro, calçados

e correlatas

Franca Birigui Jaú

Q.L.Participaçãorelativa naclasse (%)

QLParticipaçãorelativa naclasse (%)

QLParticipaçãorelativa naclasse (%)

CLASSE 19100 – Curtimento e outras preparaçõesde couro

22,06 23,8 9,94 10,6 6,29 7,8

CLASSE 19216 – Fabricação de malas, bolsas, valisese outros artefatos para viagem,de qualquer material

2,82 3,0 2,30 2,4 0,23 0,3

CLASSE 19291 – Fabricação de outros artefatosde Couro

5,25 5,7 0,46 0,5 7,51 9,4

CLASSE 19313 – Fabricação de calçados de couro 53,21 57,4 7,19 15,7 12,62 7,7

CLASSE 19321 – Fabricação de tênisde qualquer material

4,75 5,1 57,09 60,8 0,12 0,1

CLASSE 19330 – Fabricação de calçados de plástico – – 81,52 86,8 – –

CLASSE 19399 – Fabricação de calçadosde outros materiais

8,95 9,6 52,56 56,0 4,49 5,6

Atividades correlatas

CLASSE 29645 – Fabricação de máquinase equipamentos para as indústriasdo vestuário e de couro e calçados

31,11 33,5 2,69 2,9 0,33 0,4

CLASSE 24910 – Fabricação de adesivos e selantes 8,93 9,6 – – – –

CLASSE 25194 – Fabricação de artefatosdiversos de borracha

6,06 6,5 0,62 0,7 0,13 0,2

CLASSE 18210 – Fabricação de acessóriosdo vestuário

6,08 6,6 0,22 0,2 0,69 0,9

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da RAIS/TEM e da PIA/IBGE.

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Mas são antes as diferenças que ascaracterísticas comuns que marcam cadacaso. O que se faz a seguir é especificaros contornos gerais de cada um dos trêssistemas, destacando dados e informa-ções sobre produção, especialização, em-prego, organização industrial, inserção nosmercados, instituições locais e outras.

3.1_ O sistema local de produçãode calçados masculinos de courode Franca

A cidade de Franca tem cerca de 290 milhabitantes e está situada na Região Nor-deste do Estado, no eixo da RodoviaCândido Portinari. É o maior pólo pro-dutor de calçados do Estado e o segundomaior do país, com cerca de 360 empre-sas de pequeno, médio e grande portes.14

É altamente especializada na produçãode calçados masculinos de couro. A aglo-meração de produtores de calçados, in-

sumos e componentes não se restringe àcidade de Franca, espalhando-se por di-versos pequenos municípios que a cer-cam, como Restinga, Patrocínio Paulista,Pedregulho, entre outros.

Dentre as três regiões seleciona-das, a de Franca é a que apresenta a estru-tura produtiva mais completa. Possui umelevado índice de especialização nas ati-vidades de fabricação de calçados decouro (QL de 53,2), que geram um totalde 11.271 empregos formais nessa classe(RAIS, 1998). O número total de empre-gos formais na indústria de calçados localé estimado em cerca de 20.000. Entretan-to, há também um grande número detrabalhadores informais nas chamadasbancas de pesponto.

Pode-se perceber também que, nocaso de Franca, os encadeamentos pro-dutivos locais “para trás” são muito ex-pressivos, como demonstra a presençalocal de atividades de processamento docouro, que apresentam um QL de 22,1 eum total de 1.107 empregos formais(RAIS, 1998), bem como de outras ativi-dades ligadas à cadeia couro/calçados,tais como produção de insumos (adesi-vos e selantes), componentes (solados eoutros) e acessórios para calçados em ge-ral, inclusive para fabricação de tênis ecalçados de outros materiais que não-

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14 Vale notar a diferençaexistente entre o número deempresas produtoras decalçados normalmentedivulgado pelos organismoslocais (como sindicatopatronal, associação comerciale prefeitura), em torno de 360,e os dados da RAIS, que conta927 estabelecimentos. A razãodessa diferença é que os dados

da RAIS provavelmenteincluem as “bancas depesponto”, que são unidadesde prestação de serviços àsempresas em uma etapaespecífica da produção decalçados, o pesponto e acostura manual, mas que seauto-classificam comoempresas fabricantes decalçados.

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couro. Verifica-se também a presença dealgumas empresas importantes produto-ras de máquinas e equipamentos para afabricação de calçados, que surgiram ecresceram por meio do atendimento dasnecessidades dos produtores locais eatualmente vendem seus produtos paraoutras regiões do país e também para omercado externo.

Franca atende uma grande parte dademanda interna de calçados masculinosde couro, mas tem também uma expressi-va participação no mercado externo, comexportações de cerca de US$ 140 milhõesem 2001, aproximadamente 8% do totaldas exportações brasileiras de calçados.Porém, a forma de inserção dos produto-res locais no mercado internacional é su-bordinada. As grandes empresas expor-tadoras se dizem “compradas”, no senti-do de que agentes exportadores, agindoem nome de grandes redes de comprado-res internacionais, principalmente dosEUA, impõem suas condições e até mes-mo o preço dos produtos.

Franca dispõe também de umaampla infra-estrutura institucional com-posta por associações de classe e organis-mos de apoio à indústria. Entre estasinstituições destacam-se o sindicato localda indústria (o Sindifranca), uma unidadedo IPT – Instituto de Pesquisa Tecnológi-

ca do Governo do Estado de São Paulo –voltada à prestação de serviços de testeslaboratoriais e certificação de calçados ecomponentes e uma unidade do SENAIvoltada ao treinamento e formação de téc-nicos em calçados em nível médio e deaprendizagem industrial.

3.2_ O sistema local de produçãode calçados infantis de Birigui

Birigui é uma cidade de aproximadamen-te 95 mil habitantes situada no Noroestedo Estado de São Paulo, no eixo da rodo-via Marechal Rondon. Concentra cercade 250 empresas fabricantes de calçados,componentes e matérias-primas para cal-çados que em 2000 geravam em torno de18.500 empregos diretos (formais e in-formais), constituindo o segundo maiorpólo produtor de calçados do Estado,depois de Franca. Sua área de influênciaabrange vários municípios menores aoredor, entre os quais Coroados, GabrielMonteiro, Bilac, Duas Barras e Glicério.

A estrutura da indústria local com-põe-se predominantemente de micro/pe-quenas e médias empresas, embora 7 em-presas de maior porte concentrem maisou menos 40% da capacidade de produ-ção. O pólo é altamente especializado emcalçados infantis, fabricados principal-mente com materiais sintéticos. Sua evo-

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lução recente mostra forte dinamismo esua produção destina-se quase toda aomercado interno. Entretanto, as exporta-ções (6,3% da produção em 2000) vêmcrescendo, especialmente para os paísesdo Mercosul, América Latina em geral,EUA e Europa.15

Os quocientes locacionais indi-cam que o sistema local de produção deBirigui concentra sua produção de calça-dos infantis em três classes da indústriade calçados:

_ fabricação de tênis, que apresentaum QL de 57,1 e um total de2.437 trabalhadores empregados(RAIS, 1998);

_ fabricação de calçados de plásti-co, Com QL de 81,5 e 2.194 tra-balhadores;

_ fabricação de calçados de outrosmateriais, com QL de 52,6 e umtotal de 4.643 empregados.

Os encadeamentos produtivos paratrás são menos expressivos em Birigui,embora não deixem de ser significativosem comparação com o porte do sistemalocal e em razão do fato de que a maiorparte da produção local de calçados utilizamateriais sintéticos não produzidos local-mente entre outras razões por falta de es-cala. A classe de curtimento e preparaçãode couros, por exemplo, apresenta um

QL de 9,9 e gera 493 empregos diretos emapenas 6 estabelecimentos. É significativatambém a produção local de alguns com-ponentes mais simples como enfeites eapliques para calçados. Porém, outrossegmentos da cadeia produtiva são prati-camente inexistentes no local, já que a ma-ior parte das matérias-primas (de origemquímica) e componentes vem de outrasregiões, inclusive de outros sistemas locaisde produção como Franca, Jaú e o Valedos Sinos (RS).

Uma característica importante dosistema local de Birigui é o forte associa-tivismo e a cooperação entre os agentes eas instituições locais. Com apoio de ór-gãos do Governo Federal e participaçãode associações de classe locais, os produ-tores locais vêm se associando para am-pliar sua participação no mercado inter-nacional e para criar canais próprios deacesso a informações estratégicas sobremercados, tendências de moda e estilos,tecnologias de produto, processo e design

(Suzigan et al., 2002).

3.3_ O sistema local de produçãode calçados femininos de Jaú

A cidade de Jaú tem cerca de 120.000 ha-bitantes e situa-se na região central doEstado de São Paulo, entre as RodoviasWashington Luiz e Marechal Rondon.Sua região de influência econômica inclui

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15 Dados e informações defontes locais, principalmentedo Sindicato da Indústria deCalçados e Vestuário deBirigui, e de pesquisa diretanas empresas no âmbito doprojeto de pesquisa apoiadopelo CNPq, citado no iníciodeste trabalho.

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vários outros municípios menores, entreos quais Barra Bonita, Dois Córregos,Mineiros do Tietê, Bocaina e Bariri.

O sistema local de Jaú, emboramenor que os de Franca e Birigui, é bas-tante expressivo. É especializado em cal-çados femininos de couro e de outrosmateriais. Isto, apesar de dar ao pólo deJaú uma característica única na indústriade calçados do Estado, coloca-o, por ou-tro lado, em concorrência direta com omaior e mais eficiente cluster [na verda-de um “super cluster ” na expressão deSchmitz (1995)] da indústria de calçadosdo Brasil: o Vale do Rio dos Sinos (RS).

O sistema local de produção de Jaúreúne cerca de 200 empresas fabricantesde calçados e componentes, a grande mai-oria das quais é composta por micro e pe-quenas empresas. Estas empresas geramum total aproximado de 10.000 empregosformais e informais, inclusive bancas depesponto. A classe de indústria mais im-portante é a de fabricação de calçados decouro (QL de 12,6) que, segundo a RAIS,emprega 3.091 trabalhadores. Produz prin-cipalmente para o mercado interno, masduas das empresas de maior porte são ex-portadoras regulares.

Outras atividades ligadas à cadeiaprodutiva couro/calçados são menosimportantes, assim como as atividades

correlatas e de apoio. Parte importantedos insumos, tanto couro quanto insu-mos químicos, e das máquinas e equipa-mentos utilizados pelas empresas locais éproveniente de outras regiões, notada-mente dos dois pólos produtores maisimportantes (Franca e Vale do Rio dosSinos). A exceção é a fabricação de em-balagens para calçados, especialmente decaixas de papelão, cuja produção se de-senvolveu localmente em sinergia com aprodução de calçados e se tornou for-necedora de outros pólos da indústria decalçados, inclusive do Rio Grande do Sule do Nordeste.

O associativismo e a cooperaçãosão características também presentes nosistema local de Jaú. Duas iniciativas cha-mam a atenção, ambas organizadas e es-timuladas pelo sindicato patronal localcom apoio de órgãos públicos locais e doGoverno Federal. A primeira visou a ins-talação de um laboratório para a presta-ção de serviços aos produtores na área detestes e certificação de produtos e mate-riais e de um centro de design. A segundaprocurou congregar um número signifi-cativo de empresas locais, com apoio daAPEX, para organizar um consórcio deexportação. Este é um aspecto que podefazer a diferença na evolução do sistemalocal de produção.

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4_ Considerações finaisEste trabalho procurou apresentar umametodologia específica para identificar edelimitar geograficamente sistemas loca-is de produção, com uma aplicação à in-dústria de calçados do Estado de SãoPaulo. A elaboração de coeficientes deGini locacionais a partir dos dados daRAIS/MTE e da PIA/IBGE por muni-cípios permitiu verificar quais classes daindústria são mais concentradas espacial-mente. Para estas classes, visando identi-ficar sistemas locais de produção, foramutilizados quocientes locacionais por mi-crorregiões do Estado. Os dados sobreQL foram conjugados com outros sobreparticipação relativa da microrregião nototal do emprego da classe e número deestabelecimentos.

Os resultados apontaram, de mo-do inequívoco, a existência de três im-portantes sistemas locais de produção decalçados no Estado: Franca, Birigui e Jaú.Com base nestes resultados, e em pesqui-sas de campo realizadas nos três sistemaslocais com aplicação de questionários evisitas a empresas e instituições, os trêssistemas locais foram resumidamente ca-racterizados em termos de: tamanho e lo-calização, população, abrangência terri-torial, número de empresas, número deempregos gerados, estrutura da produ-

ção e grau de integração da cadeia produ-tiva local, especialização produtiva, in-serção nos mercados interno e interna-cional, organização institucional, associa-tivismo e cooperação entre os agenteslocais. Esta caracterização comprovou osresultados obtidos a partir da metodologiaaplicada, confirmando a existência dos trêssistemas locais de produção, com grausvariados de integração da cadeia produti-va, de articulação entre os agentes locais,e de organização institucional. Há muitascaracterísticas comuns, mas as marcadasdiferenças entre os sistemas reforçam aconvicção de que outros estudos de ca-sos, orientados a partir de critérios meto-dológicos como os que foram utilizadosneste trabalho, podem ser de grande uti-lidade para fins de políticas públicas deapoio a tais sistemas.

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Coeficientes de Gini locacionais (GL)60

Referências bibliográficas

Uma primeira versão deste

trabalho foi apresentada no

XXX Encontro Nacional de

Economia, da ANPEC, Nova

Friburgo, RJ, dezembro de

2002. Os autores agradecem o

apoio do CNPq por meio de

auxílio pesquisa (Processo

466034/2000-8) e de bolsas

PIBIC. Agradecem também a

dois pareceristas anônimos por

excelentes comentários e

sugestões que permitiram

aprimorar o trabalho.

E-mail de contato dos autores:

[email protected]