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FUNDAÇÃO ARMANDO ALVARES PENTEADO FAAP - PÓS-GRADUAÇÃO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO-SENSU EM FOTOGRAFIA ELAINE CAVACA MARQUES PESSOA EODEM TEMPORE GRAFIAS DE LUZ SÃO PAULO 2013

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FUNDAÇÃO ARMANDO ALVARES PENTEADOFAAP - PÓS-GRADUAÇÃO

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO-SENSU EM FOTOGRAFIA

ELAINE CAVACA MARQUES PESSOAEODEM TEMPORE – GRAFIAS DE LUZ

SÃO PAULO

2013

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Pessoa, Elaine Cavaca Marques

EODEM TEMPORE – GRAFIAS DE LUZ / São Paulo - 2013.104 p. : il. ; 22 cm.

Trabalho de Conclusão de Curso de Pós-Graduação em Fotografia – Faculdade de Comunicação,

Fundação Armando Alvares Penteado, São Paulo, 2013.

Inclui Parte I, II e bibliografia 1. Fotografia 2. Cianotipia 3. Fotoescultura.

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Elaine Cavaca Marques PessoaEODEM TEMPORE – GRAFIAS DE LUZ

Ensaio cianográfico e respectiva monografia apresentada à FAAP Pós-Graduação, como parte dos requisitos para a aprovação

no Curso de Pós-Graduação Lato-Sensu em Fotografia.

( ) Recomendamos exposição na Biblioteca( ) Não recomendamos exposição na Biblioteca

Nota: _________________________________

São Paulo, ___ de __________ de ______

_______________________________Professor (a)

_______________________________Professor (a)

_______________________________Professor (a)

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Dedicatória

À minha família que, com muito carinho e apoio, não mediu esforços para que eu chegasse até

esta etapa de minha vida.

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Agradecimentos

À minha filha, aos professores que me orientaram por estarem dispostos a ajudar sempre.

À todos os colegas da Turma 2 pelo convívio, pelo apoio, pela compreensão e pela amizade.

Em especial aos que fizeram parte, de forma variada, do desenvolvimento deste trabalho

Regina Johas, Ronaldo Entler, Georgia Quintas, Lívia Aquino, Rubens Fernandes Junior,

Edilamar Galvão, Kenji Ota e Rosely Nakagawa.

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Resumo

Pessoa, Elaine Cavaca Marques. EODEM TEMPORE – GRAFIAS DE LUZ. A presente mo-nografia consiste num conjunto de reflexões e mapeamento histórico que acom-panham a série de cianotipias denominada “EODEM TEMPORE”. Estas são apresen-tadas como trabalho final do curso Pós-Graduação Lato-Sensu em Fotografia da Fundação Armando Alvares Penteado. O procedimento cianotipia consiste num processo fotográfico sem o uso da câmera. Fruto de um trabalho proces-sual intenso, EODEM TEMPORE se insere, a meu ver, dentro do campo fotográfico ex-perimental que vem sendo denominado de fotografia expandida. Resultante de experimentações imagéticas, químicas e conceituais constituídas dentro deste campo fotográfico experimental, tais cianografias incorporam processualmen-te atributos da colagem, da fotocolagem e da fotoescultura. A monografia EODEM TEMPORE – GRAFIAS DE LUZ é uma reflexão gerada a partir da experimentação com estes procedimentos, uma busca de lançar luz sobre sua contextualização histó-rica e sobre os aspectos processuais/conceituais que lhe deram origem.

Palavra-chave: Fotografia, cianotipia, colagem, fotocolagem, fotoescultura, fotografia expandida, matéria, tempo, fragmento, fotograma.

Abstract

Pessoa, Elaine Cavaca Marques. EODEM TEMPORE – GRAFIAS DE LUZ. This monograph is a collection of reflections and historical mapping accompanying the series of cyanotypes called “EODEM TEMPORE”. These are presented as the final work of the course Pós-Graduação Lato-Sensu em Fotografia da Fundação Armando Alvares Penteado. The procedure of the cyanotype consists on a photographic process without the use of the camera. Fruit of an intense work, EODEM TEMPORE fits, in my view, within the photographic field that has been termed expanded photography. Resulting of imagery, chemical and conceptual experiments, with-in this photographic expanded field, these cyanotypes incorporate cianográfica attributes of collage, photo collage and photosculpture. The monograph EODEM TEMPORE – GRAFIAS DE LUZ is a reflection generated from the experimentation with these procedures, a quest to shed light on their historical context and on the pro-cedural aspects / concepts that gave rise to it.

Keyword: Photography, cyanotype, collage, photo collage, photosculpture, photography expanded, matter, time, fragment, photogram.

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IntroduçãoP. 11

PARTE I EODEM TEMPORE – GRAFIAS DE LUZ P. 13

Reflexão acerca dos aspectos processuais e conceituais de EODEM TEMPORE e sua contextualização histórica

P. 15

– 1 –Dos aspectos processuais

P. 151.1 – Da captura das imagens P. 16

1.2 – Da desconstrução das imagens à Fotocolagem P. 181.3 – Das densidades da luz P. 21

– 2 –Dos aspectos conceituais

2.1 – Corpo azul: do movimento da imagem para a matéria P. 262.2 – Dimensões do tempo em EODEM TEMPORE P. 28

– 3 –Contextualização histórica

3.1 – Experimentações fotográficas sem câmera (do fotograma à fotoescultura) P. 333.2 – Cianotipia como processo fotográfico sem câmera P. 56

3.3 – A Cianotipia no campo ampliado da fotografia P. 59

ConclusãoP. 63

– Listas –Créditos das figuras P. 66

Bibliografia P. 68Webgrafia P. 70

PARTE II EODEM TEMPORE!P. 73

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Introdução

Meu trabalho de conclusão no Curso de Pós-Graduação em Fotografia da Facul-dade de Comunicação da FAAP consiste numa série de cianotipias, a qual deno-minei EODEM TEMPORE. Trata-se de um conjunto de trabalhos realizados a partir do procedimento supra mencionado, o qual consiste num processo fotográfico sem o uso da câmera.

O ensaio cianográfico EODEM TEMPORE é constituído de 15 cianografias, realiza-das em papel Lana-Beaux-Arts Hahnemühle (100% algodão, pH neutro, 640g, nas dimensões de 1,15m x 0,78cm cada). Cada uma destas cianografias é única e por isso não possui tiragem. Fruto de um trabalho processual intenso, explorei as diversas tonalidades de azul resultantes de alterações químicas da solução fotossensível, bem como as sobreposições imagéticas e químicas, obtidas por acúmulo de camadas matericas. Em EODEM TEMPORE experimentei soluções de concentrações diversas e tempos de exposições e fontes de luz variadas. Subverti algumas verdades e criei outras.

EODEM TEMPORE se insere, a meu ver, dentro do campo fotográfico experimental que vem sendo denominado de fotografia expandida. Resultante de experimen-tações imagéticas, químicas e conceituais constituídas dentro deste campo foto-gráfico experimental, tal série cianográfica incorpora processualmente atribu-tos da colagem, da fotocolagem e da fotoescultura.

Acompanhando este conjunto de trabalhos apresento a monografia EODEM TEMPO-RE – grafias de luz. O texto em si não tem autonomia em relação às cianografias. Trata-se de uma reflexão gerada a partir da minha experimentação com estes procedimentos, uma busca de lançar luz sobre sua contextualização histórica e sobre os aspectos processuais/conceituais que lhe deram origem.

Desse modo, a presente monografia está dividida em duas partes. Na Parte I apresento a reflexão conceitual a partir de minha produção visual e o percurso histórico da cianotipia, contemplando sua filiação ao campo da fotografia expan-dida. Na Parte II trago as reproduções das cianografias originais, no intuito de registrá-las dentro do corpo desta monografia. Observo que tais reproduções não tem a intenção de substituir o trabalho em si e nem de configurar um segundo trabalho, possuindo apenas um caráter documental.

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– PARTE I –EODEM TEMPORE – GRAFIAS DE LUZ

[…] a verdadeira matéria prima não é a câmera ou o monitor, mas o tempo e a experiência em si […]

BILL VIOLA

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Reflexão acerca dos aspectos processuais e conceituais de EODEM TEMPORE e sua contextualização histórica

– 1 – Dos aspectos processuais

Na série de trabalhos intitulada EODEM TEMPORE(1) lancei mão do cianótipo(2) como forma de expressão. O cianótipo é um procedimento fotográfico histórico, fun-damentado nas propriedades fotossensíveis de sais de ferro para fixação da imagem em substituição à prata(3). Descoberto por Sir John Hershel é impróprio para uso em câmeras, pois necessita de uma forte exposição à luz para se obter uma imagem contrastada, estável e detalhada, (HACKING, 2012, p.20). Este nome deriva de uns dos químicos usados na solução, o ferrocianeto de potássio, (MONFORTE, 1997, p.79). As cianotipias possuem uma coloração azul intensa, geralmente chamada de azul da Prússia ou de Berliner Blau, (WARE,1999, p.21).

Ao desenvolver esta série de cianotipias parti de diferentes imagens, extraídas de contextos e espaços diversos. Elaboradas e fixadas num único suporte pelo procedimento cianótipo, tais imagens se articulam por acúmulo, empilhamento, processos de fragmentação e fotocolagem. Sedimentações de luz e tempo que se fundem num amálgama férrico, estes densos corpos azuis são resultantes da so-matória de imagem, emulsão, luz, água e ar.

Meu processo criativo incorpora, portanto, questões referentes à captura de imagens e modos específicos de manipulação e processamento das mesmas. As etapas constitutivas deste processo são articuladas de modo a libertarem tais imagens de seu contexto referencial, de sua função indicial.

Tal processo pode ser contextualizado dentro do campo fotográfico experimen-tal que vem sendo chamado de fotografia expandida(4), cuja principal caracte-

1"Do latim: ao mesmo tempo, no mesmo tempo.2"Segundo o pesquisador Rubens Fernandes Junior, (FERNANDES, 2006, p. 18), são muitos os pro-cessos experimentais do início da história da fotografia, entre eles, podemos citar a solarização, o foto-grama, as fotomontagens, as superposições, a revelação forçada, a reprodução de processos primitivos como o cianótipo, heliografia, fotogravura, platina e paládio, Van Dyke, goma bicromatada.3"MONFORTE, Luiz. Disponível em: http://www.luizmonforte.com/pensante/cianotipo.htm, aces-so em 18 de maio de 2013.4"Termo cunhado por FERNANDES, R. J. A fotografia expandida. 2002. p.275. Tese (Doutorado em Comunicação e Semiótica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.

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rística seria desafiar os paradigmas impostos pelo signo fotográfico tradicional. Uma fotografia que subverte a questão da pura representação, que coloca ênfase no fazer e incorpora as etapas processuais de sua produção. Estas seriam as qua-lidades que teriam ampliado o campo da fotografia, determinando novos modos de configuração e visualidade.

Portanto, em EODEM TEMPORE, os contextos de produção e as intervenções antes e durante o fazer importam enquanto elementos significativos do trabalho. Todo o processo de geração destas cianotipias interessa ao plano conceitual que lhes dá sustentação. Ou seja, desde as primeiras escolhas até os procedimentos finais im-plicados na feitura desta série, todas as etapas foram importantes para a sua criação.

1.1 – Da captura das imagens

Imagens fotografadas não parecem manifestações a respeito do mundo,mas sim pedaços dele, miniaturas da realidade. (SUSAN SONTAG)(5)

A captura fotográfica pode ser considerada o momento zero deste processo, trata-se aqui da primeira escolha do olhar. Em EODEM TEMPORE uso fotografias realizadas num hibernáculo do século XIX - o viveiro Manequinho Lopes da cidade de São Paulo.

O que são hibernáculos? Hibernáculo é um ambiente criado para conservar, em seu interior, as condições perfeitas para a germinação de plantas. É construído com materiais transparentes que permitem a entrada de radiação solar e possuem uma estrutura que, além de proteger a planta contra possíveis ameaças externas, man-tém a temperatura interna controlada de acordo com a entrada de radiação solar.

Mas o que atraiu minha atenção nos hibernáculos do Manequinho Lopes? Vejo um ambiente construído com condições perfeitas para que as formas que lá se encontram possam vir a ser. Lá se pode observar o crescimento da semente ca-minhando para o que nela já esta dado. E para que isso aconteça é necessário tempo, um tempo de espera.

As fotografias resultantes desta expedição carregam em si, portanto, as marcas dessa temporalidade, ou seja, as marcas de um tempo que é a força motriz instau-radora das diferenciações qualitativas da matéria.

5"SONTAG, S. Sobre Fotografia. São Paulo: Cia. das Letras, 2004. p.15.

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Figura 1 Hibernáculo do Manequinho Lopes, São Paulo, 2013.

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Tempo produtor de singularidades. (VASCONCELLOS, 2005, p. 146,147).(6) Esta é a noção de tempo que me atrai, que meu olhar busca – um tempo que deixa ves-tígios, marcas e aderências, que tem tons escurecidos, sinais de velhice como os anéis do tronco da velha árvore ou a aspereza de uma rocha, tempo implícito de espera da germinação e do crescimento. “Para os japoneses esses sinais de idade e passagem de tempo são chamados de “saba”, que significa corrosão. Saba é o desgaste natural da matéria, a marca do tempo”. (TARKÓVSKI, 2002, p. 66).

Penso igualmente no tempo assim como foi formulado por Deleuze – “o tempo como forma inalterável do que muda” – ou seja, ao capturar os hibernáculos, meu olhar está voltado para um tempo que se manifesta por acúmulo e sedimentação e também para um regime temporal no qual “tudo o que muda está no tempo, mas o próprio tempo não muda” (PELBART, 2010, p.11).

1.2 – Da desconstrução das imagens à fotocolagem

Os procedimentos de colagem e de montagem são considerados pelos surrealistas portadores de um principio de desambientação mental, que obriga o espectador a uma tomada de posição não apenas estética, mas também moral, pois confronta com a figuração do imaginário integrada na realidade da própria percepção. O fictício e o imaginário encontram-se, assim, unidos ao real.(FABRIS, 2013, p. 10,11)

Essas primeiras imagens, captadas digitalmente, foram posteriormente des-construídas e processadas para serem impressas em filme transparente. Inte-ressava usar somente tonalidades de preto, retirando delas os canais do ciano, do magenta e do amarelo. A imagem resultante é um positivo-negativo, a qual, ao permitir a passagem de mais ou menos luz no momento da produção da cia-notipia, gera inúmeras tonalidades de azul. Em outras palavras, a partir desta imagem inicial, sem cor, explorada em escalas de negros reticulados até o negro absoluto, exploro a passagem parcial ou o bloqueio total da luz.

Lancei mão aqui, também, da fragmentação, cortar e colar fragmentos imagéticos é um procedimento que traduz a busca por um certo grau de desordem, de imprevisibi-lidade da informação. Em cada cianografia reúno recortes, pedaços de imagem, uti-lizando procedimentos sucessivos e variados. Sobreposição, sobreimpressão, repeti-ção do negativo e do positivo, múltipla exposição, espelhamento e interpenetração dos

6"VASCONCELLOS, Jorge Kalagatos, Revista de Filosofia do Mestrado Acadêmico em Filosofia da UECE, Fortaleza, V.2, n°4, p.137-167. Verão 2005.

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Figura 2 Positivo e negativo

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diferentes fragmentos – é este o conjunto de operações que, somados em uma única imagem, buscam romper a uniformidade da superfície e gerar um caráter entrópico.

A imagem que aqui se constitui por estilhaçamento e reordenação configura um amálgama caracterizado pela multiplicação de pontos de vista. Portanto, lidar com imagens nas quais se estabelece uma desordem no sistema que inicialmen-te as regula implicou em concebê-las cada vez mais distantes de seus referentes.

A série EODEM TEMPORE constitui-se, assim, dentro do campo referencial da foto-colagem e pretende-se constituída de todos os atributos que historicamente de-signam este procedimento. A ideia de sequência e de repetição como motivo de organização espaço-temporal confere forma a serie EODEM TEMPORE, estabelecen-do uma relação com a reprodução mecânica da fotografia.

Como acreditava Moholy-Nagy, a repetição de uma imagem diminui sua singu-laridade como representação, permitindo a sua conversão em uma unidade, em uma parte do desenho global. Deste modo, cada foto perde seu caráter indicial e passa a ser um detalhe do conjunto, um elemento estrutural essencial de um todo que é parte e é também todo. (ADES, D. 2002. p.153,154).

Nas imagens de EODEM TEMPORE observamos que a desconstrução do plano, por acú-mulo e manipulação de fragmentos, altera a natureza da imagem conduzindo a uma desorientação visual. Ao criar a repetição da imagem dentro da imagem em planos distintos, acredito operar aqui com a noção de mise-en-abyme(7). Considera-

-se como mise-en-abyme(8) “todo fragmento textual que mantenha uma relação de semelhança com a obra que o contém”. É mise-en-abyme “todo espelho interno que reflita o conjunto do relato por reduplicação simples, ao infinito ou paradoxal” (9).

7" “Mise-en-abyme” é um termo em francês que costuma ser traduzido como “narrativa em abismo”, usado pela primeira vez por André Gide ao falar sobre as narrativas que contêm outras narrativas den-tro de si. Mis-en-abyme pode aparecer na pintura, no cinema e na literatura. Na pintura, um exemplo seriam os quadros que possuem dentro de si uma cópia menor do próprio quadro. No cinema, quando as personagens acordam de um sonho quando ainda estão sonhando, estão vivendo a mise-en-abyme. Na literatura, a mis-en-abyme aparece quando as narrativas aparecerem encaixadas, o livro As mil e uma noites é o melhor exemplo. Shakespeare e Edgar Allan Poe também fizeram uso desse recurso. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Mise_en_abyme. Acesso em 9 de julho de 2013.8"ARAÚJO, R.C. Artefactum – Revista de Estudos em Linguagem e Tecnologia. Ano II, N° 3, p. 138. Julho 2009.9"apud ARAÚJO, op.cit., p.138, 139. “Todo tipo de mise-en-abyme funciona como um reflexo, um es-pelhamento da obra que o inclui, porém, esse reflexo dado pelo fragmento incluído não tem sempre o mesmo grau de analogia com a obra que o inclui”. Tendo em vista as nuances de similitude, Dällenbach propõe agrupar as especularidades em três categorias: a) a reduplicação simples: o fragmento man-tém com a obra que o inclui uma relação de semelhança simples; (por similitude). b) reduplicação ao infinito: o fragmento mantém com a obra que o inclui uma relação de semelhança a tal ponto que ele

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Um exemplo de mise-en-abyme na literatura pode ser visto em “A Biblioteca de Babel” de Jorge Luis Borges, o qual utiliza esse procedimento “para descons-truir um pretenso realismo e tornar evidente o jogo de suas criações […] Na configuração ou efabulação do espaço […] a repetição especular é um elemento gerador significativo de leitura.” (ARAÚJO, 2009)(10).

Por aí passa a escada espiral, que se abisma e se eleva ao infinito. No vestíbulo há um espelho, que fielmente duplica as aparências. Os homens costumam inferir desse espelho que a Biblioteca não é infinita (se o fosse realmente, para que essa duplicação ilusória?); prefiro sonhar que as superfícies polidas representam e prometem o infinito […] (BORGES, 2001, p.92).

Estas imagens que se interpenetram se espelham e se fundem constituem as-sim um labirinto visual que buscam capturar o observador como num vertigo. O poder simbólico do espaço em EODEM TEMPORE, inscrito e tomado na metáfora do labirinto, busca gerar uma nova experiência para o olhar.

1.3 – Das densidades da luz

Interessei-me pela pintura com a luz, não sobre a superfície de uma tela, mas diretamente no espaço. Comecei pintando transparências, pintava como se projetasse luzes e cores numa tela de cinema, sobrepondo-lhes outras luzes de cores. Pensei que esse efeito poderia ser realizado colocando telas translucidas de forma diversa uma atrás da outra e iluminando cada uma com luzes e cores. (MOHOLY-NAGY)(11)

No gestatio do cianótipo, a luz é o grande agente catalizador. De um ponto de vista filosófico, ela pode ser entendida como incorpórea e serve de ligação entre os mundos incorpóreo/corpóreo. Ela é o princípio da formação geral dos corpos. (ABBAGNANO, 2007, p. 730,731). Fundamental na cianotipia, a luz é o elemento delineador das for-mas, responsável pela transformação da imagem em matéria. O invisível que dá a ver.

Trata-se aqui de usar a sensibilidade do papel emulsionado para acolher e fixar fenômenos luminosos (jogos, sobreposições de luz), operando dentro do princí-pio da fotografia sem câmera. (FABRIS, 2013, pp. 199-200, p. 207).

também inclui um fragmento que o reduplica, que também tem um fragmento que o reduplica, e assim sucessivamente; (por mimetismo). c) a reduplicação paradoxal ou aporística: o fragmento reflexivo contém a obra que o inclui. (por identidade).10"Idem, ibidem.11"MOHOLY-NAGY apud, FABRIS, 2013, p.206.

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Figura 3 Detalhe de EODEM TEMPORE

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Dentre os processos que a fotografia sem câmera abriga, me aproprio do modus operandi do fotograma. Um fotograma é uma fotografia obtida sem o aparelho fotográfico, por ação da luz, em um quarto escuro. Colocam-se objetos opacos ou translúcidos diretamente sobre o papel sensível, expõe-se o conjunto assim composto a um raio luminoso e revela-se o resultado, (DUBOIS, 2009, pp.50-51). A passagem da luz por estes objetos ou fragmentos é fundamental para que se obtenha esta impressão luminosa por contato.

Os fotogramas devem ser produzidos por seus próprios meios primários, não significando, em sua construção, nada além de si mesmos. (…) Só assim é possível falar da relação lentamente emergente com a luz, essa substância tão difícil de ser apanhada, da criação de uma consciência organicamente intencional de seu enigma. (MOHOLY-NAGY)(12)

Toda cianotipia é, por sua vez, um fotograma. No processo cianotipico, para que se obtenha uma imagem é igualmente necessária uma forte fonte de luz, um ob-jeto (ou fragmentos destes) e papel fotossensível. O que difere aqui, neste pro-cedimento, é que o papel não se constitui de sais de prata, e sim de sais de ferro. No processo de impressão de EODEM TEMPORE, as imagens fragmentadas em fil-mes, (fotolitos negativos e positivos), são constituídas de diversos planos forma-dos pela passagem de mais ou menos luz. As partes tocadas diretamente pelos raios UV se tornam bem azuis e as zonas cobertas pelas reticulas dos negativos captam o fenômeno da luz, naquilo que parece ser um brilho quase imaterial, em gradações infinitamente sutis de claro e escuro. (FABRIS , 2013, p.165, 229).

Sobrepostos no papel(13) já emulsionado e seco, estes planos se fundem pela ação da luz, catalisadora da reação química, que fixa no suporte a imagem de diferentes densi-dades, opacidades e transparências. Nas minhas cianotipias, o mesmo papel é emul-sionado e lavado diversas vezes, os filmes são dispostos em repetidas ações e de modo randômico à luz, o tempo de exposição é distinto a cada etapa e controlado pelo olhar, que vai lapidando a imagem até sua formação final. Os sais de ferro da solução sensi-bilizante, misturados entre si e em composições diversas, propiciam uma ação muito lenta. Por isso se faz necessário para a formação da imagem que o processo aconteça por contato e com uma forte fonte de luz UV, que, em EODEM TEMPORE, foi a da luz solar.

12"MOHOLY-NAGY apud, FABRIS, 2013, p.207.13"O papel utilizado nestas cianotipias é de um fabricante tradicional, fundado em 1590 na região de Vosges, na comunidade de Villa Lana, e é até hoje fabricado da mesma maneira. Suas fibras são 100% de algodão, prensadas à quente e ligadas por gelatina, o que facilita a emulsão do papel, impedindo que a solução penetre profundamente nas fibras.

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Nesta série de cianotipias, a escrita da luz gera assim uma tensão espacial pelas relações de contraste do azul denso ao quase branco, passando pelas modulações transitivas de um degrade ciânico. A ideia central reside no controle da luz que, ao passar através dos filmes (fotolitos), por determinado espaço de tempo, faz variar as intensidades da imagem constituída ao longo do processo. (FABRIS, 2013, p. 209).

Nestas cianotipias lanço mão de um procedimento palimpséstico(14). O resultado de cada exposição, amalgamado à anterior, gera uma nova superfície. O procedi-mento de lavagem entre as exposições processa apagamentos que se sobrepõem

– um plano pode cobrir completamente o outro, ou vice-versa, podendo deixar es-paços em branco, sem identificação alguma. Não se pode dizer qual foi gravado antes, as conexões entre eles não são sequenciais no tempo, mas justaposições de espaço e tempo. A superfície anterior não consegue ser eliminada totalmente, constituindo-se assim uma aglutinação de formas azuladas, vestígios, marcas e rastros de camadas gestadas por diferentes densidades de luz.

No procedimento da cianotipia, inicialmente apenas os tons de sombra da ima-gem tornam-se aparentes, ocorrendo uma mudança de cor que vai do verde claro-

-azulado para um amarelo-pálido e/ou castanho-claro, os quais, após o processo de “revelação”, se transformam numa massa densa e azul.

A revelação ocorre por uma reação de oxirredução, que se finaliza com o uso da água, na lavagem do papel. A água tem aqui dupla função: a primeira é dissolver e mobilizar localmente a matéria não reagente, auxiliando no contato entre as fibras e ajudando a favorecer a ligação entre elas, a segunda é promover a reação fixadora da imagem.(15) (WARE, 2013). O significado de revelação aqui é um pou-co diferente daquele implicado no processamento por prata-gelatina convencio-nal. Não há nenhuma ampliação, nenhum aglutinante está presente, neste caso a reação ocorre em solução(16). Na transformação do referente em essência lumi-nosa, (FABRIS, 2013, p. 341) e com a evaporação do líquido residual as imagens se corporificam, nasce a cianografia.

14"Segundo o dicionário; o substantivo masculino palimpsesto, do grego palimpsestos, “raspado no-vamente”, refere-se “ao antigo material de escrita, principalmente o pergaminho, usado, em razão de sua escassez ou alto preço, duas ou três vezes […] mediante raspagem do texto anterior” (Arrojo, 1986)15"WARE, Mike. The Choice of Cation in Ferric Print-out Processes. Disponível em: http://www.mi-keware.co.uk/mikeware/Ferric_Print-out.html. Acesso em 21 abril 2013.16"Idem, ibidem.

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Figura 4 Detalhe da exposição

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– 2 –Dos aspectos conceituais

2.1 – Do movimento da imagem para o corpo azul

Para que a matéria possa ser modelada em seu devir, é preciso que ela seja, diz Simondon, como a argila no momento em que é pressionada no molde, realidade deformável, isto é, realidade que não tem uma forma definida, mas todas as formas indefinidamente, dinamicamente. (PELBART, 2010)(17)

Em EODEM TEMPORE, o processo criativo tem sua origem na captura fotográfica di-gital. Num segundo momento, as reações catalisadas pelos elementos luz e água transformam fisicamente essas imagens iniciais (já revertidas em fotolitos). Ao final de cada reação química e física, a imagem, latente, surge passo a passo, ma-terializando-se. (ROUILLÉ, 2009,p. 35).

Cada etapa deste processo se caracteriza por uma mudança de estado: uma tran-substanciação(18), A passagem ocorre da coisa para a imagem, e da imagem para a coisa. A imagem perde em mobilidade e velocidade, mas adquire peso e matéria. O caminho inverso ao descrito por Rouillé. (ROUILLÉ, 2009, p. 94).(19)

Ao longo do meu processo, ainda que a imagem inicial seja uma fotografia digi-tal, o meio essencial é a superfície fotossensível. Segundo as leis e os métodos fotográficos, o resultado obtido se deve especificamente à reação dessa super-fície aos efeitos luminosos, influenciados, por sua vez, pela matéria envolvida. (Moholy-Nagy,1929)(20). A luz, como fonte de energia, atualiza a solução sensibi-

17" G. Simondon, apud p. 33 por PELBART, 2010, p.4818"Transubstanciação é a conjunção de duas palavras latinas: trans (além) e substantia (substância), e significa a mudança de uma substância em outra.19"Acredito que o movimento que se realize nestas cianografias, trilha um caminho reverso ao que pro-põe Rouillé, ou seja, vou da coisa a imagem e desta de volta a coisa, (ao corpo azul da cianotipia). Rouillé afirma que […] é pelo viés de uma serie de transformações técnicas, materiais e formais que um fenôme-no real se torna um fenômeno fotográfico: plano, leve, fácil de observar, de compor, de transportar, de permutar, de arquivar, etc. Cada etapa se caracteriza por uma mudança de matéria: uma transubstan-ciação. As coisas do mundo são transformadas em sais, depois em grãos de prata, esses eventualmente substituídos pela tinta de impressão, ou por símbolos digitais. As passagens se exercem do volume para o plano, do filme para o papel fotográfico, da placa metálica da rotativa para o papel da impressora e, atualmente, do papel para a tela do computador. O que se perde em peso e em matéria readquire-se em mobilidade e velocidade de circulação. […] Cada etapa da transformação fotográfica imita menos, (na qualidade de ícone) a precedente do que, (na qualidade de índice), se alinha sobre ela, por contato. Esse contato físico, que liga cada etapa à seguinte, tece uma rede e assegura a possibilidade de passar mental-mente da última etapa, (a imagem), à primeira (a coisa). (ROUILLÉ, 2009, pp. 94-95)20"MOHOLY-NAGY apud, FABRIS, 2013, pp.211,212.

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lizadora em um corpo azul, induzindo a uma incorporação “matérica”, junção de formas contidas em seu devir. (PELBART, 2010, p.48).(21)

A imagem inicial e a cianografia final estão ligadas, portanto, por uma série de transformações que se constroem no decorrer destas etapas e na incorporação de camadas processuais, (ROUILLÉ, 2009, p.79). A presença indicial dos hiber-náculos, contidas nas imagens utilizadas no início do procedimento, cede à cor-porificação cianografica de EODEM TEMPORE, se distanciando da representação e da semelhança ao referente, (ROUILLÉ, 2009, p.122). Imagem e coisa se encontram, neste procedimento, ligadas pela força, por con-tato físico, resultando nas marcas impressas em camadas amalgamadas pela mediação da luz e pelos produtos químicos, (ROUILLÉ, 2009, p. 76). Afastada do referente (COTTON, 2010, p.206), a cianografia configura aqui um objeto com qualidade física, corporificando a virtualidade desta agregação azulada numa relação direta entre massa(22) e energia.

Penso aqui não mais nas referências imagéticas iniciais, mas no novo corpo que se constitui, resultante de consecutivos procedimentos de gravação, exposição e agregação de formações “matéricas”.

Inicialmente informe, a matéria agregada ao suporte torna-se conformada, transformada. Carga espiritual assinalada por uma realidade ou por uma voca-ção de forma […] regida por leis determinantes e necessárias como as da ótica, da química e da física, (PAREYSON, 2001, pp. 158-159), a matéria é aqui potência, intensidade tonal, degrade azulado.

Partindo do princípio que EODEM TEMPORE são fotogramas, e como tal realizam um jogo de inversões entre positivo e negativo, eles colocam em xeque a manei-ra habitual de se ver a fotografia e seus valores tonais, (FABRIS, 2013, p. 210). O fotograma, visto como uma configuração óptica realizada pela ação da luz na matéria agregada desafia o modelo óptico moderno baseado na perspectiva, dado que esta reduz a luz à geometria, privilegiando sua difusão ou radiação para de-limitar o espaço visual. O fotograma, por sua vez, é capaz de criar o movimento no espaço, utilizando a luz de outra maneira, sem recorrer à sua unificação na construção de um espaço perspéctico, (FABRIS, 2013, p. 211).

Não é mais uma relação entre coisas e espaço, e sim uma estrutura interna ine-

21"Idem, ibidem22"Na física, quantidade de matéria de um corpo.

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rente às coisas e à luz. Uma infinita variedade de impressões que podem ser pro-duzidas a partir da incidência do raio de luz, sem projeto ou cálculo, dispostas em um padrão rítmico geométrico constituído pelo principio de agregação, (FABRIS 2013, p. 166). A imagem se transmuta em coisa através do choque perceptivo cau-sado pela desordem na linguagem e na própria realidade, baseada em aproxima-ções arbitrárias e enigmáticas do processo de criação, (FABRIS , 2013, p.11).

Ao usar de procedimentos da fotografia sem câmera evito aqui a mediação dos códigos formalizados, introjetados pelo olho fotográfico, fazendo uso do meio a partir de seus dados mais simples: superfície fotossensível, luz e objeto, (FA-BRIS, 2013, p.213). Busco nas cianografias a materialidade deste corpo azul que desestabiliza o princípio da imagem. Entendida como corpo, como objeto, passo a ver nestes trabalhos sua proximidade com a corporeidade da escultura, o que me levou a aproximar-me do que é nomeado por Moholy-Nagy de fotoescultura(23).

Esta “fotoescultura” é dotada de múltiplos pontos de fuga, conferindo um aspecto tridimensional a uma superfície bidimensional, permitindo que as formas frag-mentadas e amalgamadas sejam ativadoras do espaço, sugerindo um efeito de profundidade e uma simultaneidade que introduzem a dimensão da temporali-dade no âmago deste corpo. (FABRIS, 2013, pp.218, 341).

2.2. – Dimensões do tempo em EODEM TEMPORE

O tempo de preparar o material, o tempo de expor, de esperar […] uma escolha própria de querer fazer um trabalho com o tempo também. Não só a fotografia como o registro de alguma coisa no tempo, mas o próprio processo ser vivenciado. [KENJI OTA] (24)

Em cada uma das imagens polariza-se não apenas a luz, mas ainda múltiplos planos, blocos de espaço-tempo. (TARKÓVSKI, 2012, p. 14.)

23"Fotoescultura, vista por Moholy-Nagy, é uma fotomontagem, um método experimental de repre-sentação simultânea; uma interpenetração condensada de um jogo visual e verbal. A fotografia como manipulação de luz, associação entre fotomontagem e atitude produtiva. Um tipo de composição que possibilita a transformação do “processo fotográfico imitativo, numa obra significativa, criativa”. MO-HOLY-NAGY apud, FABRIS, 2013, p. 215.24"Em entrevista registrada em A Fotografia Expandida, o professor Kenji Ota diz […] preferir a luz ambiente no fazer da sua fotografia, em um tempo e uma duração que é própria dele. O tempo de prepa-rar o material, o tempo de expor, de esperar (…) uma escolha própria de querer fazer um trabalho com o tempo também. Não só a fotografia como o registro de alguma coisa no tempo, mas o próprio processo ser vivenciado. (FERNANDES, 2002, p.222).

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Figura 5 Detalhe de EODEM TEMPORE

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Interessa investigar, na série EODEM TEMPORE, as questões do tempo e suas mani-festações. Acredito criar um diálogo com os sinais do tempo logo no início deste percurso, ao capturar os hibernáculos. Dentro destes, sinto a duração do tempo fluindo em diferentes frequências, escoamento que em mim vibra interiormente como emoção. Vejo uma pluralidade de ritmos, de durações que se superpõem em profundidade, com níveis de tensão distintos (LAPOUJADE, 2013, p. 11). Uma consciência temporal me envolve, me circunda e me domina com sua potência (RICOEUR, 2010, p. 25).

[…] continuação daquilo que precede naquilo que segue […] transição ininterrupta, multiplicidade sem divisibilidade e sucessão sem separação […] pensando a mudança “sem que nada mude”. Vejo ai o elemento puro do tempo, sua verdadeira substância: a duração. (DELEUZE, 2006, p. 55.)(25)

Vejo o necessário para crescer, mudar e maturar, vejo uma espera (temporal), vejo o tempo embutido de uma estrutura de possibilidades. Nos hibernáculos identifico latências que nos fazem esperar, tudo se organiza em torno dos acon-tecimentos que devem ocorrer, mas aparentemente não acontecem, como se a espera impedisse (LAPOUJADE, 2013, pp. 14 -15).

Por outro lado, há aqui outra dimensão do tempo que interessa, dimensão esta que se manifesta na germinação, no acúmulo, na sedimentação. Um tempo que simplesmente passa, deixando vestígios, pois é também o tempo por nós vivido e a ser fixado nas imagens capturadas. Penso na ideia japonesa contido no signi-ficado de “saba”(26).

Nestes espaços, estas duas dimensões temporais se somam e ambas se produ-zem como potências do tempo, cada uma é ponto de partida para outras bifurca-ções. Esta duplicidade “faz passar à existência todos os mundos incompossíveis ao mesmo tempo” (PELBART, 2010 p. 97).

[…] Fang detém um segredo, um desconhecido bate a sua porta […] Há vários desfechos possíveis: Fang pode matar o intruso, o intruso pode matar Fang, ambos podem escapar, ambos podem morrer […] (BORGES, 2010, p. 89-90)

Meu olhar, ao reconhecer este regime temporal flutuante, busca retê-lo e mate-rializá-lo em imagem. Crio um laço com o que ali está, em devir, um laço com a

25"DELEUZE, 2006, apud LAPOUJADE, 2013, p. 11.26"“Para os japoneses esses sinais de idade e passagem de tempo são chamados de “saba”, que sig-nifica corrosão. Saba é o desgaste natural da matéria, a marca do tempo”. (TARKÓVSKI, 2002, p. 66).

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espera aí contida, com o tempo que preenche os hibernáculos. E crio também um laço com os vestígios, com os elementos residuais de um tempo acumulado, com a memória do que já seguiu.

Num momento posterior, vejo a questão do tempo se desdobrando em uma ter-ceira acepção. O tempo como um presente que deriva do ato que a ele é subordi-nado. (PELBART, 2010 pp. 67-68).

De modo equivalente àquele em que o vazio infinito necessita do mundo para atualizar-se, o tempo infinito, inarticulado, precisa da vida do mundo para escandi-lo segundo seu ritmo próprio. […] Assim como o vazio, (que é infinito), constitui a condição do lugar, (que é finito), e que tem necessidade deste para atualizar-se em função de um corpo, do mesmo modo o tempo total, aion, (que é infinito), se atualiza num presente, (que é finito), em função de um agente. (PELBART, 2010 pp. 68)

Me refiro aqui ao tempo processual de EODEM TEMPORE. Neste, as imagens são elaboradas a partir de justaposições de instantes fragmentados, de um empilha-mento de tempo onde cada camada é composta por vestígios da incisão da luz. Numa perspectiva “multiocular”(27), operando por síntese e aglomeração, instau-ro um processo circular e randômico que muitas vezes pode durar alguns dias. Vejo aqui a proximidade com a noção de emaranhado de tempo, massa de tempo, labirinto de tempo – a coexistência de planos, (Pelbart, 2010, pp. XXI – XXIII), que ao se somarem configuram o micro no macro, como no Aleph de Borges, (to-dos os tempos em um único tempo). Ou ainda como no labirinto de tempo do Jar-dim de Veredas que se Bifurcam…

[…] Deixo aos vários futuros, (não a todos), meu jardim de veredas que se bifurcam. […] o jardim de veredas que se bifurcam era o romance caótico, a frase vários futuros, (não a todos), me sugeriu a imagem da bifurcação no tempo e no espaço. […] Cria assim, diversos futuros, diversos tempos, que também proliferam e se bifurcam. […] De vez em quando, as veredas desse labirinto convergem […]” (BORGES, 2010, pp. 89-91)

Este tempo do processo em que EODEM TEMPORE se constitui é um tempo sem antes nem depois, é o meio, que não é uma média, mas ao contrário um excesso, e é jus-

27"Entler usa este termo em referência aos mosaicos fotográficos realizados por David Hockney, como uma passagem de tempo que se revela nos pequenos deslocamentos dos personagens fotografa-dos e do próprio fotógrafo, resultando nesta perspectiva em contraponto à vocação uniocular da foto-grafia. (ENTLER, 2007, p.44)

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tamente aí que os diferentes fragmentos temporais se comunicam e se cruzam, (PELBART, 2010 p. 113). Trata-se de um tempo operante contínuo, dividido em instantes, exercendo a dupla função de corte e laço. A repetição destes instan-tes une o presente com o passado recente, retenção e relembrança, (RICOEUR, 2010, p.50). Poderíamos dizer que a…

[…] retenção, é um presente ampliado que garante, não só a continuidade do tempo, mas a difusão progressivamente atenuada da intuitividade do ponto-fonte […]. O presente é chamado de ponto-fonte, precisamente porque o que dele escoa “ainda” lhe pertence: começar e começar a continuar; o próprio presente é assim “uma continuidade em crescimento contínuo, uma continuidade de passados”. (RICOEUR, 2010, p.50)

As cianografias EODEM TEMPORE interrompem e vertem a linha do tempo para este labirinto, junção de pontos fixos temporais, (RICOEUR, 2010, pp. 32-34), junção de múltiplos tempos. Cada fragmento imagético atua como ponto-fonte de uma continuidade. Cada novo “agora” empurra para o passado recente o “agora” ante-rior, (RICOEUR, 2010, p.52).

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– 3 –Contextualização histórica

3.1 – Experimentações fotográficas sem câmera (do fotograma à fotoescultura)

“A Manipulação fotográfica é quase tão antiga quanto a própria fotografia”. Foi utilizada para propaganda política, para personificação da sátira, na publicidade e na arte criando uma representação de mundo feliz, de futuro, visões surrealistas e fantásticas. (ADES, 2002. p.7)

Nesta parte da monografia buscarei contextualizar historicamente as ciano-grafias EODEM TEMPORE. Ao debruçar-me sobre o percurso histórico da fotografia sem câmera e descobrir aspectos que foram importantes em seu desdobramento, pude localizar elementos significativos de diálogo do meu trabalho com as refe-rências que o circundam.

As primeiras imagens fotográficas foram feitas sem câmera por Talbot, (1839), o qual chamava essas imagens de “representação de sombras” ou “desenhos fotogê-nicos”. Ele experimentou a impressão por contato direto de folhas, flores e objetos. Este passo inicial de Talbot foi essencial para o caminho que a fotografia percorreria futuramente. Tal processo, deu origem ao que seria considerado o primeiro negativo fotográfico. Estes eram pequenos, do tamanho de um selo postal, e de difícil leitura. O positivo desta imagem era obtido colocando o negativo em contato com o papel fo-tográfico (impressão por contato) que, ao ser exposto à luz do sol, gerava a impressão positiva da imagem. Posteriormente este processo foi redescoberto e quase “rein-ventado” por Man-Ray, Christian Schad e Moholy-Nagy na década de 1920. A expe-rimentação por contato foi, então, denominada como Fotograma, (ADES, 2002. p.7).

Talbot, após toda a sua descoberta, continuou a experimentação com os fotogra-mas, talvez porque o contato direto do objeto retratado teria uma relação com a

“verdade”, pela autenticidade do toque, do contato direto. Muitos objetos pare-cem pairar no espaço, rompem a sensação confortável de orientação criada por imagens feitas através de uma lente, (BARNES, 2010. pp. 11,12).

Uma das aplicações mais populares deste processo foi a ilustração botânica. Propiciava uma imagem específica, detalhada e em escala natural, consumin-do muito menos tempo se comparado com as ilustrações obtidas por desenhos, aquarelas ou pinturas.

Historiadores consideram que o primeiro livro ilustrado com fotografias é de au-toria de Anna Atkins (1842/1843), usando o processo fotográfico inventado por Sir Jonh Hershel, em 1842, chamado de cianotipia.

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Anna Atkins registrou algas secas como negativos e produziu vários exemplares do seu Britsh Agae e foi considerada por esse trabalho como a primeira mulher a fazer fotografia.(28) Ela usou a cianotipia para fazer fotogramas de algas, colo-cando a espécie a ser registrada sobre o papel emulsionado e obtendo assim a imagem por contato.(MILLIAN, 2011, p.47).

Após 1850 o fotograma ficou esquecido por 50 anos. (BARNES, 2010, p12). No ini-cio do século 20, com o crescimento de debates científicos sobre tempo e espaço, o estudo da mente humana e o surgimento da psicanálise, os artistas se voltam para o inicio da fotografia e começam a considerar estes processos rudimentares como um meio de inspiração a ser incorporado. (BARNES, 2010, p 13).

Em 1894 August Strindberg, (1849-1912), experimenta, deixando expostos papéis fotográficos do lado de fora do seu estúdio, no parapeito da janela ou diretamente no chão, à noite. Como resultado obtém imagens que são como pontos de luz, “cria-dos pelas estrelas”, as quais ele nomeia de “celestographs”, (BARNES, 2010, p 13).

Porem a verdade é menos poética, e o que ele considerava como pontos de luz re-sultantes das estrelas eram poeiras, sujeiras que caiam sobre este papel. (BAR-NES, 2010, pp.12 e 13). Estes experimentos contribuíram para mudar a forma como os procedimentos fotográficos sem câmera eram vistos. A função de con-trolar ou a ideia de se controlar a captura de forças que estão fora da percepção acompanham estes procedimentos. Como se fosse possível fotografar algo a mais. Strindberg considerava que seus experimentos evocavam o natural e o subconsciente, (BARNES, 2010. p.13).

Paralelamente ao desenvolvimento da fotografia sem câmera, outros proce-dimentos passam a desempenhar um papel importante no desenrolar da arte no início do século XX. Refiro-me aqui à colagem. “[…] o cubismo e futurismo introduziam no interior da matéria pictórica e escultórica materiais heterogê-neos, provenientes do universo industrial e da sociedade de massa, dando vida à colagem e à escultura polimatérica.” (FABRIS, A. 2011, p. 123). Adicionando materiais que fugiam ao uso comum destes meios. A intenção era de introduzir a realidade no campo, uma aproximação entre a dimensão estética e o mundo tecnológico. (FABRIS, 2011, p. 123).

A colagem desafiava a representação convencional ao confrontar o artista com a

28"Millian, M. The Development, chemical breakdown, and history of sun printing and cyano-types. USA, Biblio Bazaar, 2011. p. 47.

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Figura 6 Anna Atkins, Photographs of British algae. Dictyota dichotoma,

in the young state and in fruit. Cyanotype impressions (1843-53)

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Figura 7 August Strindberg, Celestographs, 1894.

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possibilidade de abrir mão da imitação pelo viés do dialogo, cujo foco era a con-traposição e contradição de ideias, levando a novas ideias. (FABRIS,, 2011. p. 124).

A obra está ao mesmo tempo sob o signo da referência a uma realidade exterior e da negação dessa possibilidade em virtude da integração do fragmento real numa estrutura compositiva. Opera no campo da mestiçagem formal, um reflexo da realidade exterior, pelo uso de materiais já existentes, e uma nova realidade, pelo choque da aproximação, portadora de um novo tipo de beleza, que quebra as formas e justapõem os fragmentos com o objetivo de produzir uma nova composição.(FABRIS, 2011. pp. 124,125)

A imagem passa a não ter mais um ponto de vista único, amalgamando elemen-tos de diferentes composições e procedências e ao mesmo tempo os estilhaçando e os reordenando. Estes procedimentos, aliados com a fotografia, constituíram um campo fértil de pesquisa e dai surge um outro procedimento, denominado fotomontaje, (Fotomontagem), termo cunhado após a primeira Guerra Mundial pelos dadaístas berlinenses.

Neste período as fotografias e fragmentos fotográficos foram introduzidos nas obras destes artistas, passando a ser o principal elemento do quadro, (ADES, 2002. p.12). Mas em geral os artistas e historiadores daquele período não pos-suíam um conceito comum em relação ao termo. Para o dicionários Oxford En-glish e o Penguin English a definição de Fotomontagem é: fotografia composta de várias fotografias, arte e o procedimento de realizar. Atualmente se utiliza o termo para procedimentos fotográficos como positivar e negativar, impressão combinada de negativos, com recortes fotográficos ou outros elementos em con-junto com imagens fotográficas. (ADES, 2002. p.15).

Marcel Natkin, por sua vez, descreve a fotomontagem(29) como sendo um misto de recortes, composição, superposição, superposição oculta, sobreimpressão,

29"Na enciclopédia do Itaú Cultural o termo designa a associação de duas ou mais imagens, ou fragmentos de imagens, com o propósito de gerar uma nova imagem. São diversos os processos capazes de gerar imagens desta forma. O mais simples deles é a colagem, que consiste na elaboração de uma composição tomando por base imagens positivas sobre papel ou sua reprodução para gerar um negativo a partir do qual se produzirão amplia-ções. Pode-se também empregar originais em transparência, o sanduíche de negativos ou de diapositivos, que agrega duas ou mais imagens para produzir uma terceira, empregada para gerar ampliações positivas sobre papel, no caso dos negativos. Outra possibilidade é a de ampliar partes de negativos diferentes sobre um mesmo papel fotográfico, gerando assim uma imagem composta que será reproduzida a seguir para gerar um negativo que pos-sibilitara a obtenção ulterior e mais fácil do mesmo efeito. Existe uma variante do processo de fotomontagem que pode ser executada diretamente na própria câmara: a dupla exposição - ou mesmo múltipla exposição - de um mesmo negativo no momento de tomada da fotografia. Disponível em: http://www.itaucultural.org.br/apli-cexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=termos_texto&cd_verbete=3870. Acesso em 23 de maio 2013.

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superposição e sobreimpressão combinadas, repetição de um negativo, dupla impressão com imagens predominantemente fotográficas. (ADES, 2002. p.17).

Inicialmente a forma mais usada pelos dadaístas berlinenses era a colagem, que consistia para eles numa composição de imagens positivas sobre papel ou a re-produção destas para gerar um negativo, que seria posteriormente ampliado. Dentre os dadaístas berlinenses, a “invenção” da fotomontagem era reivindicada, por um lado, por Raoul Hausmann e Hannah Höch e, por outro lado, por George Grosz e John Hearfield. (ADES, 2002. p.19).

Em francês “Montage” significa ajuste e “ Monteur” mecânico ou engenheiro. John Hearfield talvez seja o artista mais conhecido da fotomontagem e era cha-mado pelos dadaístas de “Monteur Hearfield”. Ele e o grupo de artistas dadaístas exploraram a fotografia como uma imagem “ready-made” e junto com recortes de periódicos, jornais, revistas tipográficas e desenhos chegaram a uma imagem explosiva e caótica, um desdobramento da realidade. (ADES, 2002. pp.12,13).

Hannah Höch, outra artista de muita importância para a fotomontagem deste mesmo período, dizia que […] a intenção era trazer para o mundo da arte o mundo da indústria e das máquinas, (ADES, 2002. p13). Tanto os dadaístas berlinenses quanto os construtivistas russos sentiam a necessidade de se afastar do abstra-cionismo, sem, entretanto, voltarem para a pintura figurativa. Cada um dos gru-pos citados fez à sua maneira uso da fotomontagem com esta finalidade, (ADES, 2002. p.15). “As imagens justapostas diziam coisas que as palavras não podiam afirmar por razões da censura, existente neste período.” (Heartfield, 1916, p. 92 apud FABRIS, A. 2011. p. 129).

O que interessava neste momento era romper a uniformidade da superfície, multiplicando os pontos de vista e a interpenetração dos diferentes fragmentos de imagens, cuja objetividade deveria ser interpretada num duplo sentido: como tomada de posição contra o “expressionismo pós-futurista”, caracterizado pela falta de engajamento e pelo vazio conceitual e como visualização irônica dos acontecimentos políticos. (FABRIS, 2011. pp. 129,130)

A escolha da fotomontagem como meio de expressão destes grupos não estava só rela-cionada com a questão politica, era também pelo fato da fotografia ser, como a lingua-gem, um meio de expressão universal de fácil acesso e fácil compreensão da mensagem passada, (FABRIS, 2011. p. 134). A junção do maravilhoso com o cotidiano perturbava a percepção, criava paisagens alucinatórias, objetos cotidianos mudavam de contexto e adquiriam um caráter enigmático, jogavam com o poder desorientador das imagens fotográficas combinadas, assim como as possibilidades de realizar transformações maravilhosas de objetos, corpos e paisagens. (ADES, 2002. p.107).

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Adorno lembra que o recurso da fotomontagem foi usado na Rússia pós-revolu-cionária de forma ampla, ganhando outros significados em relação ao usado por artistas ocidentais (FABRIS, 2011. p. 172).

Os Surrealistas continuaram fazendo uso da colagem e da montagem, que eram con-siderados por eles como meios portadores de um princípio de desambientação mental.

[…] que obriga o espectador a uma tomada de posição não apenas estética, mas também moral pois confronta com a configuração do imaginário integrada na realidade da própria percepção. Unindo o fictício e o imaginário, alertam o espectador para a existência latente de outros significados nas imagens selecionadas, subtraídas do fluxo da comunicação convencional a fim de alcançar a “alquimia do verbo” (FABRIS, 2013. p. 11)

O artista suíço Christian Schad, (1894-1982), trabalhava com procedimentos fotográficos sem câmera e é citado como o redescobridor do fotograma, (1918), como forma de expressão. Schad fazia parte do movimento Dada e após as guer-ras retoma o uso do fotograma, em 1960, (BARNES, 2010, p.13).

As imagens de Schad eram obtidas a partir da exposição ao sol de papéis picados ou objetos planos colocados sobre um papel auto-revelador, se aproximando da colagem cubista, (FABRIS, 2013. p. 169)

Man Ray, interessado nas propostas dadaístas, realiza ready-mades, posterior-mente fotografados, nos quais discute a construção da representação a partir de recursos técnicos como iluminação, ângulo de tomada, presença de sombras etc. (FABRIS, 2013. p. 11). Com uma pesquisa baseada no experimentalismo tem como resultado as rayografias, as solarizações, a dupla exposição, a inversão da chapa fotográfica e a reticulagem, procedimentos que transformavam o “real” em imaginário (FABRIS, 2013. p. 12).

No caso dos fotogramas de Man Ray, (que ele chamava de rayogramas), os obje-tos eram expostos diretamente sobre o papel fotossensível. A intenção do artista era desconstruir tais objetos pela distorção gerada, obtendo novas formas (ADES, 2002. p.147). As rayografias mostravam que Man Ray buscava um contato íntimo com os objetos para conhecê-los mais profundamente, uma vez libertos do peso material de seu uso prático e de seu caráter utilitário, (FABRIS, 2013. p. 163).

As rayografias podem também ser interpretadas como negação da lógica foto-gráfica, uma vez que os valores do preto e do branco são invertidos, pois enquan-to as partes tocadas diretamente pela luz se tornam pretas, as zonas recobertas pelos objetos permanecem brancas por não receberem iluminação. Os objetos

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Figura 8 Christian Schad, Schadographie 2, 1919

Figura 9 Christian Schad, Schadographie 21, 1960

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Figura 10 Rayograph – Man Ray: 12 Rayographs.

1921-1928, Schubert & Kapitzki, Stuttgart, 1963

Figura 11 Rayograph– Man Ray 1923, spirals

made of films strips roll up

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que Ray expõe à luz se transformam, se fundem com o espaço, mas não deixam de ser reconhecíveis, (FABRIS, 2013. p. 165).

Argan reconhece nas rayografias uma qualidade tridimensional, determinada pela transparência variável das diferentes partes dos objetos, e estabelece com essa característica um paralelo com as propostas cubistas, (FABRIS, 2013. p. 166)(30). A composição na rayografia resulta de uma relação entre as coisas e sua interação com a luz, ou seja, das variadas combinações e possibilidades que a passagem da luz por esses objetos podem criar (FABRIS, 2013. p. 166). Embora não haja projeto ou cálculo, Argan percebe um principio de agregação nas man-chas criadas por esses objetos, (FABRIS, 2013. p. 166). As rayografias atestavam a ambivalência de Man Ray, pois eram consideradas tanto surrealistas quanto dadaístas, (FABRIS, 2013. p. 166).

Cada um desses artistas vanguardistas criaram ou reelaboraram a fotomon-tagem à sua maneira: Man Ray - solarizações, petrificações; Magritte – so-breimpressões; Ubac – fossilizações; Max Ernst - raspagens; Dominguez – de-calcomanias. Com esses procedimentos foram gerados cultos ao automatismo e onirismo(31), explorando o caráter metafórico e subversivo da fotomontagem, (DUBOIS, 1993. p. 268).

Moholy-Nagy trabalha com a imagem fotográfica por meio do fotograma e da montagem, (DUBOIS, 1993, p 268), conferindo uma nova significação e buscan-do com estes procedimentos a definição de uma fotografia analítica, baseada num processo extremo de abstração, cujo resultado seriam relações ópticas ele-mentares, (FABRIS, 2013. pp. 13,14).

A constatação de que a experiência intelectual complementa, espacial e formal-mente, os fenômenos ópticos percebidos pelo olho a fim de integrá-los num todo compreensível, ao passo que o aparelho fotográfico reproduz a imagem puramente óptica, com suas distorções e escorços, é seguida por um programa de usos produ-tivos da fotografia, (FABRIS, 2013. p. 200).

30"ARGAN, 1970 p. 74,79, apud FABRIS, 2013, p.166.31"Onirismo tem origem grega e significa “sonho”: é um modo de atividade mental que se instala em síndromes confusionais e é, especialmente constituído por alucinações visuais, decorrente de um síndroma de desagregação, de dissolução da consciência, mais ou menos completa. As cenas vividas no onirismo, preponderantemente expressas, como dissemos, em alucinações visuais, podem também acompanhar-se de alucinações tácteis: é o que se passa nos sonhos, onde são raras, também, as aluci-nações auditivas. Por isso, a tais cenas se dá o nome de cenas oníricas, ou, quando mais complexas e variadas, de delírio onírico.

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Figura 12Laszló Moholy-Nagy, Untitled, 1936-1946,

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Figura 13Eifersucht 1927 Moholy-Nagy, László - 63.8 x 56.1 cm.

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Enumerado por Moholy-Nagy, alguns deles são:

[…] aplicação de misturas químicas para produzir efeitos luminosos imperceptíveis ao olho, construção de novos aparelhos com lentes e espelhos, capazes de cobrir o campo visual por todos os lados; uso de aparelhos baseados em novas leis ópticas, que poderiam eliminar a perspectiva; criação de composições luminosas, nas quais a luz é controlada e utilizada como um novo meio plástico, comparável à cor na pintura e ao tom da música, (FABRIS, 2013. p. 200).

Dessas experiências surge, entre outras, a fotografia sem câmera resultante da fixa-ção direta do efeito luminoso pela superfície fotossensível. (FABRIS, 2013. p. 200).

Moholy-Nagy via na fotomontagem um método experimental de representação simultânea, uma fusão de jogo visual e verbal. Ele a chamava de fotoescultura(32), ou seja, a fotografia como manipulação de luz contendo elementos lineares, de-senhos estruturais e figuras em primeiro plano que articulam o espaço, assim como junção de múltiplos pontos de fuga. Pregados em uma superfície branca estes elementos parecem estar num espaço infinito, com uma clara articulação de aproximação e distancia (ADES, 2002. pp.150,151). Um tipo de composição que possibilita a transformação do “processo fotográfico imitativo numa obra significativa, criativa” (33).

Meu objetivo é produzir fotoesculturas que – embora compostas com varias fotografias (copiadas, coladas, retocadas) – criem o efeito controlado e coerente de uma única imagem equivalente a uma fotografia (com câmera escura). Esse método permite-nos representar uma super-realidade aparentemente orgânica. (MOHOLY-NAGY, 1927) (34)

Para Moholy-Nagy a fotografia possuía um valor inestimável de formadora do olhar, e ele a chamava de A Nova Visão,

[…] compreendi os fotogramas de maneira diferente daquela de Man Ray. A função elementar dos processos fotográficos consiste no domínio das intensidades de luz, na transposição do preto e do branco, nas transições da luminosidade à escuridão. (MOHOLY-NAGY, 1926) (35)

32"The Metropolitan Museum of Art/Aperture, 1989, p.92. De acordo com Phillips, o artista havia proposto o termo “fotoescultura” para sublinhar a maleabilidade compositiva da técnica, apud FABRIS, 2013, p. 216.33"MOHOLY-NAGY, apud, FABRIS, 2013, p. 215.34"Id, Ibidem.35"MOHOLY-NAGY, apud FABRIS, 2013, p. 206.

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Seus fotogramas, comparados aos rayogramas, estavam distantes do mundo do objeto e próximo a criações fantásticas, experimentos de luz e sombras, (ADES, 2002. p.150, 151). A sobreimpressão permitia que objetos e partes do corpo de es-calas diferentes existissem em um mesmo plano espacial, (ADES, 2002. p.137).

Ao considerar que o fotograma é resultante da manipulação da luz, este artista põe em xeque o modelo óptico moderno, baseado na perspectiva que reduzia a luz à geometria, delimitando o espaço da sua difusão. Nos fotogramas, a luz é um elemento capaz de criar o movimento no espaço sem recorrer a uma forma. (FA-BRIS, 2013. pp. 211).

A transformação do objeto num motivo luminoso não figurado gera uma relação óptica elementar, renunciando à condição denotativa, altera radicalmente o estatuto da fotografia, passa a ser uma investigação linguística de natureza analítica e autorreflexiva. (FABRIS, 2013. p. 213)

A ideia de sequência e de repetição como um motivo de organização espaço- tem-poral pode ser vista nas fotomontagens mais surpreendentes de Moholy-Nagy, estabelecendo uma relação com a reprodução mecânica da fotografia. Moholy-

-Nagy acreditava que a repetição de uma imagem minimizava sua singularidade como representação, permitindo a sua conversão em uma unidade, em uma par-te do desenho global, (ADES, 2002. p.153).

Quando Moholy-Nagy se muda para Chicago, passa a lecionar na escola chamada de Nova Bauhaus, (1937), levando assim os procedimentos e o uso da fotografia sem câmera para os Estados Unidos, nomes como György Kepes, (1906-2001), Arthur Siegel, (1913-1978) e Henry Holmes Smith, (1909-1986) se envolvem com esta lin-guagem trazida da Bauhaus, a qual reorganizava os hábitos visuais e propõe uma revolução na percepção de espaço e tempo, (BARNES, 2010. p.15). O artista euro-peu introduz aí um vocabulário de elementos básicos como pontos, linhas, formas, texturas e cores, organizados em uma gramática de contraste, (equilíbrio/ instabi-lidade, simetria/ assimetria, duro/ suave, leve/ pesado), (BACELAR, 1998. p 2)(36).

Livros como Linguagem da Visão de György Kepes, professor na New Bauhaus de Chicago, nos anos 40, continuaram a desenvolver esta teoria […] como uma linguagem baseada na abstração. Kepes escreve: […] tal como as letras do alfabeto podem ser combinadas de inúmeras formas para constituir palavras e obter significados, também as qualidades ópticas das formas podem ser combinadas […]

36"Bacelar, Linguagem da Visão. Universidade da Beira Interior, 1998. Disponível em: http://bocc.ubi.pt/pag/bacelar_linguagem.html. Acesso em 06 de outubro de 2013.

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e cada combinação específica dá origem a uma sensação espacial distinta.(BACELAR, 1998. p 3)

As fotomontagens produzidas pelos diversos artistas deste período tinham carac-terísticas diferentes. Iam das fotomontagens do berlinense John Heartfield, de denúncia política, às de Raoul Hausmann, mais plásticas, ou ainda das fotomon-tagens de Hannach Höch e Max Ernst, mais poéticas, às combinações mistas e dominadas pela forma, de um Moholy-Nagy ou aos agrupamentos “multimídia” de Kurt Scwitters e George Grosz, mais cínicas e agressivas, (DUBOIS, 1993, p. 269).

No Brasil, no mesmo período, podemos nos lembrar das fotomontagens de Jorge de Lima(37), (1930-40), reveladoras do inconsciente. Sua imagem condensava elementos latentes que tinham algo em comum e se fundiam numa só unidade, ao mesmo tempo em que esses elementos eram substituídos não por uma parte deles mesmos, mas por alguma coisa mais remota, isto é, por uma alusão, (FABRIS, 2002. p. 145)(38).

Jorge de Lima não se aproxima da fotomontagem como uma experiência casual. Sua motivação profunda está diretamente vinculada à busca constante de frag-mentos “aparentemente desconexos, aproximados pela memória que ignora a passagem do tempo”, num processo que estabelece um continuum entre poesia, pintura e fotomontagem. (FABRIS, 2002. p. 146).

Na Europa, a trajetória do fotograma/ fotomontagem é interrompida pela Se-gunda Guerra, porém os trabalhos e os artistas deste período influenciaram o período pós-guerra como professores de uma nova geração. Heinz Hajek-Halke, (1898-1913), que em 1925 criou sua primeira fotomontagem, em 1951 passa a se interessar por fotografia abstrata e técnicas alternativas como a fotografia

37"Ao tomar conhecimento do trabalho do artista dada-surrealista Max Ernst, mais precisamente do seu livro La Fémme 100 Tétes, Jorge de Lima começa a experimentar a técnica da colagem usando recortes de antigas gravuras, enciclopédias, livros de anatomia e astronomia, além de jornais e revis-tas da época. Essa experiência foi inicialmente compartilhada com Murilo Mendes, que divide com ele a autoria da imagem intitulada “A Poesia em Pânico”, capa de livro homônimo de Murilo. Da série de fotomontagens produzidas por Jorge de Lima neste período surgiu “A Pintura em Pânico” (1943), a primeira publicação brasileira no campo do experimentalismo fotográfico modernista, nunca reedi-tada. Dois dos principais nomes da fotografia construtivista brasileira, os artistas José Oiticica Filho e Geraldo de Barros, só começaram a desenvolver suas pesquisas visuais abstracionistas no final dos anos 1940. Já as fotomontagens de Athos Bulcão, cujo caráter onírico apresenta muitos pontos de con-tato com as imagens de “A Pintura em Pânico”, foram realizadas na década de 1950. (Simone Rodrigues

– Curadora - Caixa Cultural RJ). Disponível em: http://www.apinturaempanico.com/exposicao.html. Acesso em 23 de maio 2013.38"Fabris, Annateresa. Fotomontagem e surrealismo: Jorge de Lima. São Paulo, REVISTA USP, n.55, p. 143-151, setembro/novembro 2002.

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Figura 14 Jorge de Lima

Figura 15 Jorge de Lima

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sem câmera e se junta ao grupo Fotoform, grupo este fundado por Otto Steinert (1915-1978) em 1949, na Alemanha (BARNES, 2010. p.15).

O grupo que trabalhava na nova Bauhaus, em Chicago, e que enfatizava a visão pessoal e a pratica experimental não durou muito, pois neste período pós-guerra o fotojornalismo começa a se destacar e ganhar mais espaço com os importantes eventos políticos e humanitários que estavam acontecendo. (BARNES, 2010. p.15).

Somente nos anos 1950 e 1960 é que a fotografia experimental revive, reprodu-zindo técnicas dos procedimentos fotográficos sem câmera. Surge neste perío-do, (1967) em Bern, o termo fotografia concreta, que foi usado para englobar as formas experimentais de fotografia, (fotografia sem câmera), valorizando uma estética da produção ao invés da interpretação, (BARNES, 2010. p.15).

Durante o início da década de 1950, Robert Rauschenberg experimenta o pro-cesso Blueprint, (cianotipia), apresentado a ele por Susan Weil. Sua serie Light born in darkness é uma série feita num papel com escala natural. Objetos e/ou modelos colocados sobre o papel emulsionado eram expostos a uma lâmpada que simulava a luz solar. Ele também denominava o processo de Blue photograms, (fotogramas azuis), e via na escala um para um uma forma de reconciliar o ho-mem ao seu ambiente.

Usando a silhueta de Weil, ele recorda e dialoga com a proporção humana e com The Vitruvian Man(39). Para ele era também uma forma de fazer fotografia em es-cala real, se opondo ao fato de que a fotografia comprimia e oferecia uma visão do mundo em pequenas imagens, (CULLINAN, 2011. pp. 18 a 20).

Como Man Ray, Rauschenberg inseria em suas imagens a sombra do seu corpo, cujo registro de sujeito e objeto, fotógrafo e fotografia passava a habitar o mesmo plano. (CULLINAN, 2011, pp. 19,20).

Alguns artistas britânicos que iniciaram suas careiras nos anos 1970 e 1980, como Susan Derges, Garry Fabian Miller e Adam Fuss, trabalhavam com a foto-grafia sem câmera de modo diverso ao realizado na Bauhaus, pelo viés da experi-mentação processual, do acidente, do improviso, da investigação e da interação das técnicas, (BARNES, 2010. p.16).

Acredita-se que o crescente interesse por essa fotografia, nos últimos anos, se deve ao crescimento da fotografia digital e seu impacto na fotografia tradicional,

39"Desenho de Leonardo da Vinci.

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Figura 16 Robert Rauschenberg and model

Figura 17 Robert Rauschenberg and model.

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Figura 18 Robert Rauschenberg and his wife

washing artwork.

Figura 19 Robert Rauschenberg. Untitled 1951

Photogram. 182.8 x 121.9 cm

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revelando uma nostalgia pelos procedimentos químicos envolvidos nos proces-sos alternativos fotográficos, principalmente nos que envolvem a fotografia sem câmera. Ao mesmo tempo esses processos libertam a fotografia da sua função mimética e descritiva, fazendo-a renascer em formas radicais, amarrada aos processos e à prática. Seus conteúdos e seu significado são gerados pelo próprio processo, (BARNES, 2010. p.16).

No Brasil, a fotografia experimental teve com Geraldo de Barros e José Oiticica Filho contribuições que ajudaram a estabelecer esse interesse. Eles já emergiam em uma proposta de criação artística que exigia mais elaboração e reflexão do que somente o resgate momentâneo do real. (FERNANDES, 2002, p.183).

[…] arte completa e independente, com características próprias e peculiares onde o espírito criador do artista pode se manifestar em toda a sua plenitude, servindo-se da objetiva e do material sensível como meros instrumentos, da mesma forma que o pintor se serve do pincel e das tintas para exteriorizar sua sensibilidade e personalidade. (40) (SALVATORE, 1946)

Os fotógrafos brasileiros deste período, mesmo os que trabalhavam buscando a fotografia convencional, buscavam uma imagem mais híbrida, contaminada por outras mídias e por outras visualidades. (FERNANDES, 2002, p.185).

Geraldo de Barros amplia o conceito das fotoformas colocando sob o mesmo de-sígnio conformador diferentes possibilidades de configuração da imagem técni-ca, (FABRIS, 2013, p. 338).

O real é captado em suas linhas geométricas essenciais, convertendo-se em seg-mentos, em planos, por vezes modulares, em jogos de luz, em modulações dos tons do preto e do branco, inseridos num espaço-tempo denso em suas transparências. (FABRIS, 2013, pp. 339-340)

Essas imagens tem como ponto de chegada a estrutura de uma forma que não existe, pois se constitui no processo de formação, por sua Gestaltung (41), (FABRIS, 2013, p. 339).

40"Eduardo Salvatore. “À margem do IV Salão” Boletim Foto Cine, São Paulo, n.I, maio 1946”, apud FABRIS, 2013. p. 323.41"Na Bauhaus, adotou-se a palavra Gestaltung, que significa o ato de praticar a Gestalt, ou seja, li-dar com as formas, ou formatação. Gestalt, palavra de origem alemã sem tradução exata em português, refere-se a um processo de dar forma, de configurar “o que é colocado diante dos olhos, exposto ao olhar”: a palavra gestalt tem o significado “(…)de uma entidade concreta, individual e característica, que existe como algo destacado e que tem uma forma ou configuração como um de seus atributos.” http://pt.wikipedia.org/wiki/Gestalt. Acesso em 18 de maio de 2013.

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Figura 20 Geraldo de Barros, # 17 série Fotoformas

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[…] a transparência que deixa filtrar os raios luminosos, delimitando um espaço que é o da própria superfície, criando uma impressão de profundidade, jogando com a ausência e o invisível. Se algumas linhas são mais determinadas, outras - as mais transparentes – não passam de fissuras a delinearem o quase nada. (FABRIS, 2013, p. 341)

Entre vários artistas e fotógrafos que desenvolvem seus trabalhos na direção de uma fotografia mais elaborada, estética e conceitual, citarei Kenji Ota e Luiz Monforte, (por trabalharem diretamente com o processo descrito nesta mono-grafia). Artistas e fotógrafos, eles contribuíram para divulgar e difundir a foto-grafia experimental, intervindo no processo de maneira diferenciada e inovado-ra. (FERNANDES, 2002, p.194).

Luiz Guimarães Monforte, (1949), era fotógrafo, desenhista, artista visual e de-signer gráfico. A partir dos anos sessenta, tem intensa atividade como artista plástico e curador de mostras voltadas para a recuperação de processos pioneiros e a exploração das novas tecnologias. Em 1981, obtém mestrado em artes e ciên-cias fotográficas pela School Photographic Arts and Sciences do Rochester Institu-te of Technology, onde estuda com Bea Nettles e Charles Arnold. Em 1997, escreve o livro Fotografia Pensante (Senac). Em 1999, defende a tese de doutorado Foto-grafia pensante ou fazendo a luz das lanternas percorrer as paredes e os tetos de Olduvai, Tanganica: um estudo em torno da expressão alegórica, pela FAU/USP(42).

Monforte possui um trabalho e uma pesquisa fotográfica que constitui, antes de mais nada, uma experiência de descolamento, afastamento dos aparelhos gera-dores de imagem figurativa(43) (MACHADO, ARLINDO, 1983).

Seu livro Fotografia Pensante torna-se leitura de referencia para quem busca conhecer melhor os processos fotográficos, históricos e alternativos. Descreve cerca de oitenta processos vivenciados por ele a partir de seus primeiros mestres, Bea Nettles e Charles Arnold (BONOMI, 1997)(44).

Kenji Ota, (1952), pesquisa e usa em sua produção plástica processos fotográfi-

42"Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural - Luiz Monforte. Disponível em: http://www.itaucultural.org.br/AplicExternas/enciclopedia_IC/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia&cd_verbete=2550&cd_item=1&cd_idioma=28555. Acesso em 18 de maio de 2013.43"MACHADO, Arlindo. O mito e a desintegração da imagem. Folha de S. Paulo, São Paulo, 1983. Dis-ponível em: http://www.luizmonforte.com. Acesso em 18 maio 2013. 44"Bonomi, Maria. Fotografia Pensante, Editora Senac,1997 Disponível em: http://www.luizmon-forte.com. Acesso em 18 de maio de 2013.

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cos alternativos ou fotomecânicos do século passado, como a cianotipia, a colo-tipia, o processo de goma bicromatada e a heliogravura. Em 1986 é contemplado com a bolsa Marc Ferrez da Fundação Nacional de Arte e, em 1993, com o Prêmio Estímulo da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo(45). Percorre nos anos 80 um caminho de aprofundamento da face matérica da imagem. Associa ao seu conhecimento fotográfico convencional sua pesquisa com processos fotográfi-cos sem câmera, ampliando seu olhar e o fazer fotográfico.

Ele transgride os limites da fotografia ao recusar a mimese nela existente (representação), trocando-a pela invenção: uma travessia além da imagem. […] Ele procura produzir uma imagem de base fotoquímica que seja um documento contemporâneo, autêntico com expressiva força visual, que convide o espectador a mergulhar nas imagens, como se fosse um passeio pelo misterioso mundo desconhecido. (FERNANDES, 2002, pp. 212-214)

Kenji Ota abre seu processo ao acaso, introduz instabilidade ao fazer, rejeita os pro-tocolos e o padronizado e tenta reintroduzir o artesanato na fotografia. Nos possi-bilita entender mais a fundo este processo de expansão da fotografia. Variando os papéis e a emulsão, cria imagens completamente diferentes umas das outras, ainda que a matriz seja a mesma. Resultando em uma fotografia inaugural, adâmica, sem câmera, sem objeto, sem traço, pura epifania, como a definir a fotografia como a arte da revelação, no duplo sentido do termo(46) (MACHADO, 2001, pp. 15-17).

Talvez seja uma escolha própria de querer fazer um trabalho com o tempo também. Não só a fotografia como o registro de alguma coisa no tempo, mas o próprio processo ser vivenciado (OTA, KENJI, 2001)(47).

45"Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural – kenji Ota. Disponível em: http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia&cd_verbete=2400&cd_idioma=28555&cd_item=1. Acesso em 18 de maio de 2013.46"MACHADO, Arlindo. “A fotografia como expressão do conceito”. Disponível em: http://fotografiaur-ca.wordpress.com/2011/06/12/a-fotografia-como-expressao-do-conceito. Acesso em 18 de maio de 2013.47"Entrevista concedida a Rubens Fernandes, no dia 25 de outubro de 2001 em São Paulo e transcri-ta na Tese “A Fotografia Expandida”, 2002, p. 222.

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3.2 – Cianotipia como processo fotográfico sem câmera

Dentre os procedimentos da fotografia sem câmera descreverei nesta parte da monografia a cianotipia, histórica e quimicamente.

A cianotipia é considerada uns dos três processos mais tradicionais de impres-são usando a luz do sol, segundo Mike Ware, “o único que permaneceu inalte-rado”. São imagens que geram uma certa estranheza pela sua forte cor azul, de-nominada azul da Prússia, (WARE, 1999, p.11). Ela foi descoberta por Sir Jonh Herschel em 1842. Mike Ware considera em seu livro que o nascimento da ciano-tipia foi inesperado e aconteceu, literária e metaforicamente, “out of the blue”, ou seja, repentinamente, (WARE, 1999, p.11).

Após o anúncio da descoberta da fotografia, Herschel continuou a experimentar insistentemente com os processos fotográficos, estando mais motivado em co-nhecer o meio do que a mensagem, (WARE, 1999, p.11). Conhecido como um dos mais importantes físicos do seu tempo, ele buscava conhecer o fenômeno foto-químico, mobilizando-os como instrumentos para sondar o espectro eletromag-nético fora dos estreitos limites ópticos impostos pela visão humana. Procurou se aventurar para além da extremidade de onda curta do espectro visível, para a região de raios ultravioleta. De forma prática, o que ele procurava era encontrar um procedimento fotográfico colorido naturalmente. Não existem evidências de que ele procurava um processo reprográfico e, graças ao ferro, ele inventa o pri-meiro processo de fotocópia, (WARE, 1999, p.11).

Toda publicação que descreva o processo fotográfico cianotipia trará uma fór-mula tida como fórmula original de Herschel, porém Ware, em sua pesquisa, teve acesso aos originais de Herschel e lá encontrou pelo menos 15 meios diferentes de fazer imagens em azul da Prússia, (WARE, 1999, p.11).

No inicio essa técnica era usada por uma pequena parcela da elite de botânicos, para reproduzir espécies de plantas. Temos aqui o importante trabalho de Anna Atkins. A técnica caiu em desuso por 20 anos, sendo redescoberta mais tarde como um método barato e fácil de reprodução de negativos e seu maior mercado passou a ser o de cópias de plantas arquitetônicas, (WARE, 1999, p.12).

Com a virada do século, o uso da cianotipia na Inglaterra foi banido com forte reprovação, críticos como Peter Henry, por exemplo, faziam declarações de que somente um vândalo poderia imprimir uma paisagem em vermelho ou azul, (em cianotipia). Mas, em 1922, um outro critico que não compartilhava deste senso comum, Frank Sutcli$e, declara que as imagem feitas como prova em azul da-vam mais prazer a ele do que as comumente encontradas, (WARE, 1999, p.12).

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O preconceito com as imagens azuis não acontecia em Paris, onde podemos en-contrar no Museu d’Orsay e no Museu de Belas Artes uma grande quantidade de cianotipias dos artistas Haviland e Henri Le Secq. Nos Estados Unidos e Canada também encontramos varias cianotipias nas suas coleções, (WARE, 1999, p.12).

Nos Estados Unidos, neste período, uma publicação classifica este processo como capaz de produzir lindos resultados, (WARE, 1999, p.13). Após pratica-mente cair em desuso novamente, vive seu segundo renascimento na mão de ar-tistas contemporâneos que valorizam o processo.

Seu uso talvez se deva não somente à cor azulada forte, mas também pelo fato de poder reproduzir uma variação tonal delicada e vasta, combinada ao fato de ser de baixo custo, menos tóxica, de simples manipulação e pode ser aplicada a diferentes tipos de superfície e sem restrições de patentes, (WARE,1999, p.14). Quando avaliamos as cianotipias existentes nos arquivos museológicos, num período de 150 anos, elas se encontram em melhor estado de conservação do que as cópias a base de prata. (WARE, 1999, p.14).

A Cianotipia está fundamentada em uma reação química de sais de ferro ativa-da pela luz. A noção de que a luz pode promover transformações químicas é o centro da investigação fotográfica. O centro desta investigação está atrelado à já conhecida sensibilidade à luz de compostos de prata, que foi a direção tomada nas pesquisas com a fotografia. A sensibilidade dos sais de ferro à luz era menos conhecida, e ao ser identificada foi alvo de pesquisa como descrito nesta mono-grafia. Porém sua descoberta, no início, não estava ligada ao azul da Prússia e nem ao seu uso para reproduzir imagens, (WARE, 1999, p.23).

O primeiro registro de suas propriedades para esta finalidade foi de Jonh Hers-chel, descrito em seu memorando, teste de impressão e relatórios apresentados à sociedade cientifica. Estes documentos, do período de 1841-43, estão dividi-dos em dois arquivos, parte no arquivo Herschel da Harry Ransom Humanities Research Center, na Universidade do Texas, em Austin, e parte dividida entre o Museum of the History of Science at Oxford e The National Museum Photogra-phy film & television em Bradford, (WARE, 1999, pp. 23, 24).

Neste memorando Herschel descreve uma serie de experimentos e impressões, chamados de experimentos fotoquímicos usando somente a prata. Relata na se-quência uma experimentação com extratos de plantas e sua sensibilidade à luz. Logo desiste desta linha da pesquisa por ser de difícil fixação e necessitar de um longo período de exposição, (WARE,1999, pp.24).

No início da primavera de 1842, Herschel suspende a pesquisa com as plantas

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e se dedica à pesquisa de novas substâncias com propriedades fotossensíveis. Neste período estas substâncias eram chamadas de anthocyanins, e tinham uma propriedade de descolorir componentes orgânicos.

Em 23 de abril de 1842 Herschel escreve :

“Photography. Photochromy”.Non Argentine, Mineral substances (F3/2CP).Smee’s Red Ferrocyanate of Potash washed on paper gives it a fine pale green colour. (April 23. 1842.)

“The spectrum thrown on this paper acts slowly but about as fast as on Guiacum When the paper is thrown onto water the impression becomes stronger, loses its Violet ruddiness & turns to a fine prussian blue”.

[…] “a wash of very dilute acid immediately developed a strong blue impression, having the above character”

“This paper will prove valuable”.“Try other metallo-cyanates of Bases”.(48) (Herschel,1842 apud Ware, 1999, p.25).

Este é o primeiro relato encontrado de uso do azul da Prússia na fotografia, descre-vendo a ação da luz no ferricianeto de potássio. Este foi o momento de descoberta da cianotipia como um processo fotográfico. No seu diário ele descreve que desco-briu propriedades fotográficas do Red Ferro sesquicyanuret of Potass, (vermenho ferricianeto de potássio). (HERSCHEL,1842 apud WARE, 1999, p.25).

Herschel continuou seus experimentos e seus relatos, descrevendo mais à frente sua

48"Tradução literal do Herschel Memorando : “Fotografia. Fotocromia.Não argentum (Ag de argentum (plata), substâncias minerais (F3/2CP)Ferrocyanate vermelho de Potassio lavado no papel lhe dá uma cor pálida bem verde…23 de abril. 1842.O espectro lançada sobre este papel atua lentamente, mas tão rápido quanto em Guiacum (é um gênero de plantas com flores, família Zigofiláceas, planta que provavelmente estava sendo usada em expe-rimentos anteriores ). Quando o papel é jogado na água a impressão se torna mais forte, perde a sua vermelhidão Violet e gira a um azul da Prussia.

… Um banho de ácido muito diluído imediatamente desenvolveu uma forte impressão azul, tendo o ca-ráter acima.Este artigo irá revelar-se útil.Experimente outras metalo-cianetos de Bases.”

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decepção com o fato da imagem ser negativa à luz, (onde o branco vira um forte azul).

[…] Usei para copiar gravuras, funciona bem, mas as cópias são negativas na luz e são azuis os tons de branco […] (HERSCHEL,1842 apud WARE, 1999, p.25)

Em trocas de correspondências com cientistas, Herschel toma conhecimento de uma substância química que faltava para a cianotipia se tornar comercializável. O ferrocianeto de potássio sozinho necessitava de um longo tempo de exposi-ção devido a sua baixa sensibilidade. As substâncias sugeridas eram o citrato de amónio e amónio tartarato de ferro, que já despertavam um vasto interesse devido ao beneficio e uso em manipulações farmacêuticas. Logo comprovou que estes sais possuem alta sensibilidade à luz e sua combinação com o ferrocianeto de potássio completava o processo, (WARE,1999, p.27).

Em 15 de junho de 1842 o relatório “On the Action of the Rays of the Solar Spectrum on Vegetable Colours, and on some new Photographic Processes” foi aceito para publi-cação pela Royal Society e o processo, que mais tarde seria chamado de cianotipia, se torna público. Em Agosto de 1842 publica um posfácio, onde o nome cyanotype aparece, e na sua descrição é tratado como um processo que engloba tanto positivo como negativo e que resulta em uma imagem azul da Prússia, (WARE,1999, p.29).

A cianotipia sempre foi um processo desvalorizado. Os textos clássicos sobre foto-grafia geralmente dedicam a este procedimento apenas um parágrafo, ou menos. Apesar de seu status marginalizado, este meio merece ser mais valorizado, uma vez que lança uma luz sobre o desenvolvimento precoce da fotografia, (WARE, 1998)(49).

3.3 – A Cianotipia no campo ampliado da fotografia A cianotipia, como visto anteriormente, consiste num procedimento da fotogra-fia sem câmera que subverte a questão da pura representação, colocando ênfase no fazer, incorporando as etapas processuais de sua produção e determinando novos modos de configuração e visualidade, o que lhe confere uma condição di-ferenciada dentro do campo da fotografia. Ela pode ser contextualizada dentro de um campo fotográfico experimental que vem sendo chamado de fotografia expandida, cuja principal característica seria desafiar os paradigmas impostos pela signo fotográfico tradicional.

49"(Ware, Mike in John Herschel’s Cyanotype: Invention or Discovery? http://www.mikeware.co.uk/mikeware/John_Herschel.html. First published in History of Photography 22 (4), 371-379, (Winter 1998). Acesso em 23 de maio 2013.

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Segundo Rubens Fernandes Junior, o conceito de fotografia expandida foi defi-nido inicialmente por Andreas Müller Pohle, para quem […] fazer fotografia pressupõe uma série de intervenções em diferentes momentos: no plano da produção (através de três estratégias distintas, com interferências no objeto, no aparelho, ou na própria fotografia, através do negativo ou do positivo); no plano da distribuição e no plano do consumo social. (FERNANDES, 2002, p.107).

Já o termo “expandido” teria sido utilizado pela primeira vez por Gene Youngblood, que publicou um livro chamado Expanded Cinema em 1970. Ain-da segundo Fernandes Jr., deve-se notar também a contribuição de Rosalind Krauss. Esta autora teria cunhado um novo conceito para a produção artística tridimensional, o da “escultura expandida”, igualmente na década de 70. Krauss observou que a escultura teria se afastado do modelo clássico ao incorporar no-vos procedimentos e materiais, ampliando assim seu campo de ação.

O fotógrafo que inventa novos procedimentos e os incorpora dentro de seu pro-cesso criativo produz, portanto, a fotografia chamada expandida. Para Flusser, este fotógrafo trabalha fora do aparelho, ou seja, ele trabalha não como um ope-rador da máquina fotográfica, mas para além de seus limites. Existem sempre maneiras de inovar, como, por exemplo, alterar uma concentração dos compo-nentes químicos ou alterar a ordem das etapas constitutivas do fazer: o que im-porta nesta maneira de pensar a fotografia são os contextos de produção e as in-tervenções durante todo o percurso processual.

Não é mais suficiente apenas a preocupação com a aparente perda da referência fotográfica e de sua autoridade como documento testemunhal. A nova produção imagética deixa de ter relações com o mundo visível imediato, pois não pertence mais à ordem das aparências, mas sugere diferentes possibilidades de suscitar o estranhamento em todos os sentidos. Trata-se de compreender a fotografia a partir de uma reflexão mais geral sobre as relações entre o inteligível e o sensível, encontradas nas suas dimensões estéticas. (FERNANDES, 2006, p.17)

Outros autores também tratam este assunto. Tadeu Chiarelli, em 1994, considera esta uma manifestação diferenciada do meio e a denomina “fotografia contaminada”:

“Uma fotografia contaminada pelo olhar, pela existência de seus autores e conce-bida como ponto de intersecção entre as mais diversas modalidades artísticas, como teatro, a literatura, a poesia e a própria fotografia tradicional. […] artistas que manipulam o processo e o registro fotográfico, contaminando-os com sentidos e práticas oriundas de suas vivências e do uso de outros meios expressivos”. (CHIARELLI, apud FERNANDES, 2002, pp.109,110)

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Monforte, em seu livro Fotografia Pensante, dialoga com o pensamento da foto-grafia expandida ao descrever que o fotógrafo traduz a sua experiência visual nas múltiplas camadas de emulsão fotossensível, que permite ao fotógrafo…

[…] desprender-se dos estatutos usuais de registro de uma imagem através de luz para estabelecer um outro, mais adequado às suas necessidades expressivas. Ele imprime de acordo com suas próprias regras, cria novos seres, gera experiências visuais, constrói. (MONFORTE, 1997, p.11)

A fotografia expandida tornou-se assim não tanto a aplicação de uma tecnologia vi-sual preexistente quanto uma iniciativa que envolve escolhas a cada passo do proces-so. Para Charlotte Cotton, a materialidade e a qualidade objetual destes procedimen-tos fotográficos retomam as raízes da fotografia do início do século XIX e resgatam os processos históricos e a magia alquímica do meio, (COTTON, 2010, p.219).

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Conclusão

A série EODEM TEMPORE se lança a partir do conceito ampliado de fotografia aci-ma mencionado, uma prática de produção fotográfica que absorve e abre espa-ço para todo o processo que lhe dá corpo. Recuperar a cianotipia como forma de expressão tem significado para mim retomar os procedimentos alquímicos do início histórico da fotografia, permitindo a exploração da materialidade à qual se refere Cotton, assim como a experimentação de procedimentos químicos com os quais tenho familiaridade.

Iniciei meu trabalho com a cianotipia numa ocasião em que ainda trabalhava na indústria farmacêutica, na área de desenvolvimento e pesquisa de medicamen-tos. Ao identificar quais seriam os sais de ferro envolvidos no processo cianotípi-co, constatei que um deles fazia parte dos sais usados em multivitamínicos e mi-nerais, pois era uma das fontes de ferro nestes medicamentos. Minha pesquisa começou por aí, pela elaboração das soluções sensibilizantes, e depois focalizou os papéis e a melhor fonte luz a ser usada.

Ao entrar na Pós-Graduação Lato-Sensu em Fotografia descobri e solucionei, através do aprendizado adquirido nas disciplinas oferecidas, algumas das falhas e dificul-dades que encontrava ao trabalhar com esta modalidade de fotografia sem câmera.

Resultado de um trabalho processual intenso, a série de cianotipias EODEM TEM-PORE traduz e dá corpo às conquistas realizadas dentro do meu percurso na pós--graduação da FACOM/ FAAP, e a monografia EODEM TEMPORE – grafias de luz, por sua vez, busca sistematizar o conhecimento e a reflexão conceitual que acompa-nharam todo o processo.

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P. 17Figura 1 Hibernáculo do Manequinho LopesSão Paulo, 2013. Fonte: Elaine Pessoa.

P. 19Figura 2 Positivo e negativo.Fonte: Elaine Pessoa.

P. 22Figura 3 Detalhe de EODEM TEMPORE Fonte: Elaine Pessoa.

P. 25Figura 4 Detalhe da exposiçãoFonte: Elaine Pessoa.

P. 29Figura 5Detalhe de EODEM TEMPORE Fonte: Elaine Pessoa.

P. 35Figura 6Anna Atkins, Photographs of British algae. Dictyota dichotoma, in the young state and in fruit. Cyanotype impressions (1843-53)Fonte: The British Library Disponível em: http://www.bl.uk/onlinegallery/onlineex/pointsofview/themes/science/atkins/ Acesso em 06 outubro 2013.

P. 36 Figura 7 August Strindberg, Celestographs, 1894.Fonte: Royal Library, Stockholm. Disponível em: http://www.cabinetmagazine.org/issues/3/celesographs.php. Acesso em 06 out. 2013.

P. 40Figura 8Christian Schad – Schadographie 2, 1919. Disponível em: http://www.all-art.org/art_20th_century/schad2.htmlAcesso em 06 de outubro de 2013.

P. 40Figura 9Christian Schad – Schadographie 21, 1960. Disponível em: http://www.all-art.org/art_20th_century/schad2.htmlAcesso em 06 de outubro de 2013.

P. 41Figura 10Rayograph – Man Ray: 12 Rayographs. 1921-1928, Schubert & Kapitzki, Stuttgart, 1963. Disponível em: http://www.geh.org/amico2000/htmlsrc/m197900950002 _ful.html#topofimage. Acesso em 06 de outubro de 2013.

P. 41Figura 11Rayograph – Man Ray 1923, spirals made of films strips roll upDisponível em: http://www.manrayphoto.com/catalog/product_info.php?products_id=512&osCsid=ded7cefe3f7b39c0750053657ddac8a7. Acesso em 06 de outubro de 2013.

Créditos das figuras

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P. 43Figura 12Laszló Moholy-Nagy, Untitled, 1936-1946, Fujicolor Crystal Archive print, 27,9 x 35,6cm.Disponível em: http://arttattler.com/archivelaszlomoholynagy.html . Acesso em 06 de outubro de 2013.

P. 44Figura 13Eifersucht 1927 Moholy-Nagy, László. 63.8 x 56.1 cmDisponível em: http://www.geh.org/ fm/amico99/htmlsrc2/. Acesso em 06 de outubro de 2013.

P. 48Figura 14Jorge de LimaFonte: Arquivo do IEB-USP Fundo Mario de Andrade. Disponível em: http://www.apinturaempanico.com/fotomontagens.html#. Acesso em 06 de outubro de 2013.

P. 48Figura 15Jorge de Lima Fonte: Arquivo do IEB-USP Fundo Mario de Andrade. A Pintura em Pânico. Disponível em: http://www.apinturaempanico.com/fotomontagens.html#. Acesso em 06 de outubro de 2013.

P. 50Figura 16Robert Rauschenberg and model.Fonte: Photography: Wallace Kirkland for Life Magazine. (1951). Disponível em: http://life.time.com/art-artists/artists-behind-the-art-photos-of-essential-painters-and-sculptors/attachment/34_00728973/. Acesso em 06 de outubro de 2013.

P. 50 Figura 17Robert Rauschenberg and model. Fonte: Photography: Wallace Kirkland for Life Magazine. (1951). Disponível em: http://life.time.com/art-artists/artists-behind-the-art-photos-of-essential-painters-and-sculptors/attachment/34_00728973/. Acesso em 06 de outubro de 2013.

P. 51Figura 18Robert Rauschenberg and his wife washing artwork. Fonte: Photography: Wallace Kirkland for Life Magazine. (1951). Disponível em: http://life.time.com/art-artists/artists-behind-the-art-photos-of-essential-painters-and-sculptors/attachment/34_00728973/ Acesso em 06 de outubro de 2013.

P. 51Figura 19Robert Rauschenberg. Untitled 1951Photogram. 182.8 x 121.9 cmFonte: CULLINAN, N. Robert Rauschenberg – Photographs 1949-1962. London: Thames & Hudson, 2011

P. 53Figura 20Geraldo de Barros - # 17 série Fotoformas. Fonte: Imagens do Portal Sesc SP. Disponível em: http://www.flickr.com/photos/sescsp/3749498218/. Acesso em 06 de outubro de 2013.

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PROJETO GRÁFICOYana Parente

REVISÃONaira Assis

FOTOGRAFIAS DO ENSAIO EODEM TEMPORETácito Carvalho e Silva

Este livro foi composto em Sentinel e Univers e impresso em papel o$set 90g/m2 em novembro de 2013.