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CLIPPING KLEBER NIGRO São Paulo Chicago, corte cirúrgico no teatro – CELSO ARAÚJO Com a jam session cênica São Paulo Chicago, cartaz de maio no teatro da SP Escola de Teatro, a fabulosa dramaturgia de Francisco Carlos parece dirigir seus remos, velas e bússola para uma nova esfera do teatro. Francisco, amazonense que atuou em Manaus, Rio, Belém e Brasília, hoje radicado em São Paulo, é o navegador de um teatro etnográfico, irônico e intelectualmente diversionista, um radical nos sentidos do drama . Agora, penetra uma esfera mais complexa; uma estética escancaradamente madura. A ousadia do autor agora se insere com mais definição de imagem, linguagem e montagem, abrindo campos inéditos no teatro brasileiro, apontando para aquilo que talvez tivesse sido óbvio, mas não foi: um teatro historicamente (rigor, inteligência, poética) voltado para o público do país em que é feito, a princípio. Épico-étnico- escaneado do Brasil esquecido. O texto é como uma “mina de ouro”, explorada pelos bandeirantes paulistas, nos tempos da colonização (os séculos 1600/1700), na passagem do século 19 para o século 20 (reconhecidamente louvada, ideologizada e incorporada). É quando São Paulo se faz o centro industrial do país, depois da ascensão e queda da monocultura do café. O múltiplo Francisco Carlos chama a atenção por sua audaciosa abordagem: como é que até hoje poucos (alguns raros o fizeram sim), se aventuraram por uma dramaturgia reveladora de um tempo histórico (ou outros) do Brasil? Francisco traça o seu plano de voo e amplia os documentos de uma fase crua e crucial da nossa ideia de nação. Sua jam session é denominação exclusiva e própria do fazer desse diretor de cenas, e de atores, nunca antes imaginadas. Assim, São Paulo Chicago é como se fosse, e é, um clássico de vanguarda em nossa língua e paisagem teatrais. O criador de teatro, nesse caso, conta uma história, sim, mas uma história circum-navegante, sustentada em vanguardas clássicas e invenções, “tipo” jogos de ironia, personagens desconfigurados, sutis coreografias desenhadas para o simbólico grupo de doze atores ou em punhados ou solo (solitariamente, nota-se). Ora, como se passa a peça? Temos que ser sagazes ou não conseguiremos nos divertir. Ela se passa como numa sessão secreta: atores vestidos à burguesia de uma época precisa, em torno de uma grande mesa e um único objeto-máquina: a cafeteira soberana de onde todos os atores bebem café por duas horas de evocação da Paulicéia, não apenas desvairada, mas devassada em suas linhagens familiares, em seus protagonistas perdidos, ancestralidades do outro. A peça é uma overdose de café e embriaguez lúcida.

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Page 1: Clipping Kleber Nigro

CLIPPING KLEBER NIGRO

São Paulo Chicago, corte cirúrgico no teatro – CELSO ARAÚJO

Com a jam session cênica São Paulo Chicago, cartaz de maio no teatro da SP Escola de Teatro, a fabulosa dramaturgia de Francisco Carlos parece dirigir seus remos, velas e bússola para uma nova esfera do teatro. Francisco, amazonense que atuou em Manaus, Rio, Belém e Brasília, hoje radicado em São Paulo, é o navegador de um teatro etnográfico, irônico e intelectualmente diversionista, um radical nos sentidos do drama

. Agora, penetra uma esfera mais complexa; uma estética escancaradamente madura. A ousadia do autor agora se insere com mais definição de imagem, linguagem e montagem, abrindo campos inéditos no teatro brasileiro, apontando para aquilo que talvez tivesse sido óbvio, mas não foi: um teatro historicamente (rigor, inteligência, poética) voltado para o público do país em que é feito, a princípio. Épico-étnico-escaneado do Brasil esquecido.

O texto é como uma “mina de ouro”, explorada pelos bandeirantes paulistas, nos tempos da colonização (os séculos 1600/1700), na passagem do século 19 para o século 20 (reconhecidamente louvada, ideologizada e incorporada). É quando São Paulo se faz o centro industrial do país, depois da ascensão e queda da monocultura do café. O múltiplo Francisco Carlos chama a atenção por sua audaciosa abordagem: como é que até hoje poucos (alguns raros o fizeram sim), se aventuraram por uma dramaturgia reveladora de um tempo histórico (ou outros) do Brasil? Francisco traça o seu plano de voo e amplia os documentos de uma fase crua e crucial da nossa ideia de nação.

Sua jam session é denominação exclusiva e própria do fazer desse diretor de cenas, e de atores, nunca antes imaginadas. Assim, São Paulo Chicago é como se fosse, e é, um clássico de vanguarda em nossa língua e paisagem teatrais. O criador de teatro, nesse caso, conta uma história, sim, mas uma história circum-navegante, sustentada em vanguardas clássicas e invenções, “tipo” jogos de ironia, personagens desconfigurados, sutis coreografias desenhadas para o simbólico grupo de doze atores ou em punhados ou solo (solitariamente, nota-se).

Ora, como se passa a peça? Temos que ser sagazes ou não conseguiremos nos divertir. Ela se passa como numa sessão secreta: atores vestidos à burguesia de uma época precisa, em torno de uma grande mesa e um único objeto-máquina: a cafeteira soberana de onde todos os atores bebem café por duas horas de evocação da Paulicéia, não apenas desvairada, mas devassada em suas linhagens familiares, em seus protagonistas perdidos, ancestralidades do outro. A peça é uma overdose de café e embriaguez lúcida.

Outra tentativa de falar do que se trata: Francisco Carlos não escreve de um gabinete

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fechado. Ele quer saber da Grande Cidade dos Barões do Café. Os doze atores-apóstolos-apóstatas estão representando o que, classicamente, se chama de work in progress, ceia sem milagres. Para chegar à cena, seminários, pesquisas e discussões foram realizadas. Do melhor café, Francisco bebeu também.

Ao desfazer-se de personagens explícitos (a)s, ousa como um semiólogo. Ao brincar com a memória, ele recupera o patrimônio, as fantasias, as ideologias, as contradições do que foi vivido e do que foi mitificado, as entranhas dessas vedetes. Como ele próprio define, vedetes políticas e culturais. O coro de historiadores (nem sempre; muitos eram mais armação de poder) do Instituto Histórico de São Paulo, naqueles anos de republicanização do Brasil, nos faz rir com sua insônia cívica, desdobrando-se na marcação na monumentalidade no conjunto e no corpo, improvisando de maneira como nas construções jazzísticas com xícaras e pires. Achados insondáveis do encenador perspicaz.

Os paulistas, esses brasileiros que marcaram sim toda a “brasilidade”, glorificam-se, deliram sobre si mesmos, são as locomotivas, são os bandeirantes cruéis que exibiam as orelhas cortadas dos índios, as devassas da elite cafeeira, os sonâmbulos de um tempo. SP Chicago é uma sessão espírita. Ao quebrar padrões, com estalos de elegância e precisão temático-dramática, Francisco cumpre o que promete no seu postal-programa distribuído antes do público entrar nesta sala de honras e desonras, de happenings e vexames e espantos, ali na Praça Roosevelt, no centro do centro da capital da grana. Marcante a cena dos temporais e dos atores jogando-se inertes sobre a mesa e no solo, quando se percebe de vez que há uma trilha sonora muito bem equacionada por Kleber Nigro.

O teatro desta feitura está em diálogo e similaridades contrastantes com a produção de Zé Celso Oficina e Antunes Filho Pau Brasil. Francisco Carlos e seus atores (ah, a grandeza dos atores...). Nessa peça, muitos fazem o melhor, alguns vacilam, outros são estranhos, mas nada fora da inteligência de Francisco na escolha de atores-tipos. O ator André Hendges se impõe pela gestualidade e desempenho, mas há no conjunto de doze muitos outros atores e atrizes de presença entusiasmática.

Impulsos visíveis, como queria Grotowski. Ou a variedade de elementos poéticos, corpóreos, gestuais, como pensava Arrabal e seu teatro do pânico. Ou o tropicalismo (aqui refinado), como evocam as nossas chanchadas, o Cinema Novo e o Udigrúdi, o próprio Tropicalismo e concretismos.

Francisco, neste teatro que interessa, é uma criatura que não cria monstros-monstrinhos-monstrengos. Cria cosmogonia, nos deixa agoniados e satisfeitos comme Il faut dans une jam session. E o melhor, para todos, o projeto sobre essa história toda se desdobrará e prosseguirá na SP Escola de Teatro, que com este espetáculo já pode pensar em exportar para o país esse movimento ímpar. (Mais? Busque nos buscadores ou veja no site www.spescoladeteatro.org.br).

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BR116 faz imersão na cultura russa para nova montagem

22/07/2011 às 18:00 - Atualizado em 22/07/2011 às 18:13

Por Igor Giannasi

São Paulo - Para montar a peça "Cartas de Amor para Stálin", toda a equipe da companhia BR116 fez uma imersão "fascinante" - nas palavras do diretor do espetáculo, Paulo Dourado - na cultura e na história russa. "É como se de repente se abrisse uma cortina para um universo fantástico e que tem uma relação muito forte com o Brasil por causa do modernismo, por causa da arte contemporânea, e com relação aos sistemas políticos, a políticas culturais", comenta Dourado.

O resultado da pesquisa do grupo trouxe referências musicais, literárias, cinematográficas e de artes gráficas que ajudam a compor a ambientação necessária ao embate entre o escritor e dramaturgo Mikhail Bulgákov e o ditador Josef Stálin, entre a produção artística e o poder do Estado. "Estou enterrada de história russa", brinca a atriz Bete Coelho, que em cena encarna tanto a esposa do escritor - este interpretado por Ricardo Bittencourt - quanto Stálin.

A concepção da moradia do casal, onde se transcorre a ação, diz a cenógrafa Flávia Soares, fica bem longe do realismo. "Foi uma delícia encontrar uma peça que se passa no auge do construtivismo russo. É um momento que nós designers gráficos idolatramos e estudamos, então eu queria que meu cenário fosse meio que uma homenagem às artes gráficas do construtivismo russo", explica ela. Esse movimento, que toma forma na mesma época em que vem à tona a Revolução Russa de 1917, tem como característica o uso de formas abstratas e geométricas.

Projeções de imagens de Stálin e de cenas que remetam ao período em que a história se desenvolve ajudarão a compor o ambiente cênico. Esta parte audiovisual da pesquisa ficou a cargo do diretor de imagens Gabriel Fernandes, que assistiu a filmes e documentários russos, certas vezes até sem entender o que era falado neles, mas cujas sequências impressionavam. "Temos imagens riquíssimas, imagens de Stálin que muitas pessoas no Brasil ainda não conhecem."

Além de querer construir um clima de insanidade e suspense, Fernandes pretende contextualizar a época com as cenas. "A projeção também tem essa coisa prática de facilitar o entendimento e fazer com quem o espectador possa ter uma catarse com a interpretação dos atores", diz ele. Entre as referências para ilustrar a grandiosidade do pensamento soviético daquele período, representantes do cinema revolucionário russo, como Sergei Eisenstein, diretor da obra-prima "O Encouraçado Potemkin" (1925), e um cineasta contemporâneo a ele, Vsevolod Pudovkin, que fez "A Mãe" (1926).

TEREMIM

Outro elemento importante para criar a atmosfera do espetáculo é música. O diretor musical Kleber Nigro conta que a trilha sonora original da peça será gravada ao som de piano e de teremim. Este último, um dos primeiros instrumentos eletrônicos, foi criado pelo russo Léon Theremin em 1920. "Ele sofreu também a mesma perseguição política que o personagem Bulgákov sofreu. Acharam que ele estava fazendo uma arma de guerra", diz Nigro.

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Basicamente, uma caixa com duas antenas - uma que controla o comprimento de onda e outra que controla a amplitude de onda -, o teremim é tocado sem se encostar as mãos nele. "O som é parecido com a voz de uma cantora lírica, é meio sobrenatural", descreve o diretor musical. O instrumento, que serviu de base para os sintetizadores e a música eletrônica contemporânea, já foi usado, por exemplo, pelo grupo Pato Fu, na música "Eu", do CD "Ruído Rosa", de 2001.

Para a vestimenta dos personagens, a figurinista Niura Bellavinha trouxe a inspiração do movimento de arte abstrata encabeçado pelo pintor Kazimir Malevich. "Essa aproximação que a Flavinha quer fazer com o construtivismo, eu estou buscando uma coisa relacionada ao suprematismo russo, que é da mesma época", diz ela. "Embora eu entenda e saiba que eu precisa dar uma característica a esse figurino mais maleável, mais humana, porque as figuras do Malevich não tinham rosto. Mas no final das contas, tinham uma expressão muito forte porque estavam associadas a esse sinal do silencio, do não, da negativa do Stálin."

Bete Coelho gosta de lembrar que o teatro é um trabalho coletivo. Também fazem parte da equipe técnica do espetáculo, o assistente de direção José Geraldo Júnior e o ator Eduardo Estrela, que faz a preparação corporal do elenco. A iluminação é de Wagner Freire. O diretor de cena e o cenotécnico são João Carvalho Sobrinho e Domingos Varela. A direção de produção fica a cargo de Dani Angelottin e Claudia Odorissio. "Se não tem essa gente pensante, essa gente ativa, não existe nem um monólogo", ressalta a atriz.

SOUNDCLOUD:

http://soundcloud.com/knigro

HEARTHIS:

http://hearthis.at/kn1gr0