clinica da cultura manifesto de uma psicanalise para o seculo xxi

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2005 Hystoria Clínica da cultura: Manifesto de uma psicanálise para o século XXI Márcio Peter de Souza Leite

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Ótimo material acerca do estudo da personalidade do indivíduo. Recomendo!

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  • 2005

    H y s t o r i a

    C l n i c a d a c u l t u r a : M a n i f e s t o d e u m a p s i c a n l i s e p a r a o

    s c u l o X X I

    Mrcio Peter de Souza Leite

  • Clnica da cultura: Manifesto de uma psicanlise para o sculo XXI

    www.marciopeter.com.br

    O dia 11 de setembro, a partir de 2001, data do atentado s torres do World Trade Center, passou a ser mais do que simplesmente uma data, passou a ser um smbolo.

    Segundo Noam Chomsky, que dedicou um livro ao tema, foi a primeira vez desde 1812 que o territrio americano sofreu um ataque, e que mais do que danos e vitimas, este brbaro incidente, afetou o narcisismo do Imprio.

    Este acontecimento teria gerado uma cruzada contra o terrorismo, termo eufemisado em funo das conotaes antipticas na busca de alianas no mundo muulmano, e de uma possvel fomentao de uma guerra santa.

    O significado da escolha do Worl Trade Center como alvo seria por ele ser um smbolo do capitalismo e da globalizao, assim como o MacDonalds, o jeans e a Coca-Cola so os mais perfeitos cones do american way of live.

    V-se nesta anlise de Chomsky uma referncia no explcita ao que em psicanlise, Freud chamou de contedo latente e contedo manifesto. O contedo manifesto designa o material submetido anlise, que no caso do atentado seriam os fatos tais como ocorreram. O contedo latente designaria, por oposio ao contedo manifesto, a traduo integral e verdica do dito pelo analisando e a expresso adequada do seu desejo.

    No caso da interpretao feita por Chomsky do atentado de 11 de setembro significaria um questionamento do capitalismo e da globalizao simbolizada pelo World Trade Center, o ataque significaria uma quebra da onipotncia dos que se identificam com o Imprio, produzindo uma nova cruzada, metfora da retomada de Jerusalm dos muulmanos, ideal cavalheiresco de uma causa nobre.

    A clnica psicanaltica consiste em, a partir do contedo manifesto, presentificar a verdade contida no contedo latente.

    De que verdade se trata? Da verdade do sujeito. A verdade ocultada na fala (manifesta) do sujeito. Da opor-se verdade e saber, onde o saber se aprende na articulao das palavras, e a verdade fugidia.

    A verdade se sofre, diz Lacan, verdade esta, do sujeito, diferente de uma verdade formalizada, que se reduz ao manejo de letras e nmeros, diferente de uma verdade lgica.

    O psicanalista uma das figuras que na civilizao recolhe os gritos desta verdade no formalizada que se apresenta ao analista como sintomas do sujeito.

  • Clnica da cultura: Manifesto de uma psicanlise para o sculo XXI

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    A inveno da prtica analtica abriu um novo campo que foi chamada por Freud de realidade psquica. Fato que tem uma incidncia poltica pois evidencia alm da realidade da que organiza nosso mundo uma outra, particular do sujeito, que no pode ser coletivizada.

    Da que para Lacan o sintoma constitui a ordem na qual se verifica nossa poltica, onde a questo da polis pode ser interpretada.

    Freud formulou uma teoria da cultura considerando que caractersticas do psquico decorrem da passagem do humano, visto evolutivamente enquanto animal, para o humano enquanto regulado por uma ordem cultural.

    Essa ruptura foi pensada por Freud a partir do fato do homem ser desnaturalizado, ou seja, pelo fato dele estar atravessado por uma ordem diferente da natural, como mostra a da sexualidade humana, que em diferena com os animais no tem um objeto sexual predeterminado. Para Freud, o principal parmetro que demonstraria a submisso do sujeito humano a uma organizao diferente da natural, seria a existncia das estruturas de parentesco.

    Esta submisso ao regime de proibies que regula a interdio do incesto, piv da estrutura de parentesco, exige do sujeito uma renncia pulsional, fundamento da coexistncia social.

    A cultura se constri, segundo Freud, sobre a renncia pulsional. Porm Freud observou um paradoxo ao qual ele chamou de mal-estar na civilizao, que a constatao de que a civilizao exige de cada sujeito no s renncias, mas cada vez mais renncias.

    Lacan elaborou este paradoxo da cultura como gozar da renncia ao gozo.

    A figura atual da renncia ao gozo, o mal-estar da cultura atual, segundo Lacan, decorre do consumo interminvel de bens.

    Consumo de objetos que se, sem dvida facilitam a vida, so objetos impostos pelo mercado, que criam um crculo vicioso, e nos obrigam a trabalhar mais, fazendo com que forma de renncia atual ao gozo seja a alienao do sujeito ao trabalho.

    Lacan, sensvel s caractersticas atuais da cultura, a pensou no como satisfao substitutiva de desejos, como Freud, mas incluiu o gozo que implica uma complementao objetal, caso das culturas capitalistas.

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    Se Lacan no pode ser considerado marxista, no entanto sua viso da cultura difere de Freud, porque leva em considerao algumas das referncias de Marx.

    Lacan em um texto que est nos Escritos De um sujeito finalmente em questo, diz: ... difcil no ver , j antes da psicanlise, introduzida uma dimenso que poderia chamar de sintoma, que se articula pelo fato de que representa o retorno da verdade como tal na falha de um saber... se pode dizer que esta dimenso, inclusive se no est explicitada ai, altamente diferenciada na critica de Marx.....

    Lacan coloca Marx como inventor do sintoma, o que implica em deslocar o sintoma de uma noo idealista que seria a de entend-lo somente como realizao de desejos como era para Freud, e ampli-lo, pois para Marx o sintoma o sintoma de uma verdade (por isso Marx o inventor do sintoma) e para Freud o sintoma a verdade.

    Da a necessidade de se separar o sintoma particular, que refere-se a descoberta de Freud, do sintoma social. Segundo Lacan h apenas um sintoma social: cada individuo realmente um proletrio. Ainda Lacan: O proletrio no simplesmente explorado, ele aquele que foi despojado da sua funo de saber.

    Somos todos proletrios, porque a condio que determina as relaes entre os sujeitos humanos, deve-se a que no h uma verdade que possa ser dita.

    A mais valia marxista um conceito que permite que Marx precise a explorao imposta ao proletrio pelo proprietrio dos meios de produo. Marx diz que quando o capitalista percebe que o preo pago por uma mercadoria como valor de troca tem uma mais-valia (que o trabalho) ele ri. Marx diz: O capitalista sorri quando est frente ao encanto de algo que brota de nada.

    A partir desse riso do capitalista Lacan estabelece a homologia entre mais-valia e mais-gozar entre MEHWERT e MERLUST =MARXLUST.

    Lacan prope uma frmula que resume sua posio: A mais-valia a causa do desejo da qual uma economia faz seu principio.

    Ou seja o mais-gozar foi deduzido por Lacan tanto de Freud (Lustgwinn) como de Marx, o que permite a Lacan formular uma nova conexo entre o objeto produzido tecnicamente e a satisfao da pulso.

  • Clnica da cultura: Manifesto de uma psicanlise para o sculo XXI

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    Ao colocar Marx como o inventor do sintoma, Lacan pode definir o sintoma como sendo a expresso do Real no Simblico, reformulando a definio de sintoma como uma comemorao de um trauma ou como a expresso de uma realizao de desejo, com sua estrutura de metfora.

    Se no h cura do mal-estar, para que serve interpretar a cultura?

    0 psicanalista no pode prometer uma cura do sintoma social, no pode prometer um lao social adequado. O analista no pode prometer a satisfao, mas apenas uma tica outra que a que identifica o bem com o bem-estar.

    E ser que se pode negar que existe uma demanda social, que se identifica com uma demanda teraputica, que a de reduzir o sintoma? Ser que o psicanalista trabalha para a adaptao do analisante ao mundo capitalista ou para a verdade particular do sujeito?

    0 analista, sendo ele mesmo um objeto do mercado deve se lembrar que Lacan insistiu que a tica analtica situa-se alm do teraputico.

    Como o analista no pode deixar de levar em considerao o desejo de alvio teraputico dos sintomas, isto faz com que ele tenha que se comprometer com a causa do inconsciente, o que, quase sempre, se contrape causa do mercado, j que cada um conta somente com sua verdade particular para responder ao mal-estar.

    O piv da mquina que sustenta a estrutura social a figura do Pai, funo ligado a sexuao masculina, que comporta um todo. Na cultura atual observa-se uma menor eficcia da metfora paterna, e uma pulverizao dos ideais.

    A poca da globalizao deixou de ser regida pelo Pai, pelo que faz todo, pelo que totaliza. A globalizao uma destotalizao, o no-todo ligado ao feminino, ligado a individuao, ligado ao sujeito sem referncia do discurso capitalista.

    Se o antigo mestre era o pai, que se fazia obedecer, o mestre contemporneo o mercado. A cultura atual, claramente capitalista, exige do sujeito que se submeta ao imprio do consumo.

    Que psicanlise para a poca da globalizao?

  • Clnica da cultura: Manifesto de uma psicanlise para o sculo XXI

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    Uma clnica contempornea para as vertentes do no-todo. Uma clnica centrada no sintoma e no nas identificaes ou na fantasia. Uma clnica do sintoma cujo inventor foi Marx, sintoma e cuja substncia o gozo.