cláudio ulpiano [=] nietzsche - a individuação e a identidade
TRANSCRIPT
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 1/50
CCCCllllááááuuuuddddiiiioooo UUUUllllppppiiiiaaaannnnoooo
NNIIEET T ZZSSCCHHEE:: A A IINNDDII V V IIDDUU A AÇÇ Ã ÃOO EE A A
IIDDEENNT T IIDD A ADDEE OOUU A A CCOONNQ Q UUIISST T A A DD A A DDIIFFEERREENNÇÇ A A
(Aula de 20 de agosto de 1989)
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 2/50
1
(…) Então, eu tenho que fazer uma
montagem, e vocês precisam de um pouco depaciência para, aos poucos, irem compreendendo
essas idéias e poderem utilizá-las.
Se, por exemplo, eu começasse essa aula
dizendo assim: “Nietzsche é o pensador do poder”
– vocês pensariam que tinham compreendido, mas
não teriam. (viu?) Então, o que eu vou fazer nestaaula é exatamente dar os fundamentos para que
vocês possam passar por esse filósofo bastante
difícil de ser pensado. (Muito bem!).
Eu vou começar colocando uma idéia um
pouco vaga, um pouco imprecisa – é a idéia deFORÇA. Ela vai passar inicialmente com certa
imprecisão, porque neste instante não há como
dominá-la. (Viu?). Eu vou colocar essa idéia: a
idéia de força … Aqueles que sabem alguma coisa
de física, podem utilizar as quatro forças da física;
mas, inicialmente, essa idéia de força irá passar
um pouco vaga. E em seguida, na obra de
Nietzsche, aparece a idéia de PODER. Logo, a idéia
de força e a idéia de poder não são sinônimas, não
fazem uma sinonímia. Força é uma coisa, poder é
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 3/50
2
outra. E o que Nietzsche chama de poder é
exatamente isso: uma RELAÇÃO entre as forças. Écomo se fosse uma consequência à idéia de poder.
Para vocês entenderem melhor: nós
costumamos pensar que a idéia de poder é alguma
coisa que nós possuímos. (Eu estou explicando por
Foucault!) Nós costumamos confundir a idéia de
poder com a idéia de riqueza, porque riqueza é algoque se possui. E nós costumamos pensar que poder
também seria algo que nós possuímos. E o Foucault
está dizendo que poder não é isso; que poder é uma
consequência das relações entre forças. O que
torna a idéia de poder uma idéia relacional. De
maneira nenhuma o poder é uma unidade: o poderé uma relação de forças. Se nós encontrarmos duas
forças que se encontraram, essas forças produzem,
como consequência, o poder. Eu acho que ficou
mais ou menos claro, não é?
A idéia de poder: a grande dificuldade que
nós temos para entender essa idéia é que o modelo
de idéia de poder que nós temos é o modelo
marxista. E esse modelo é a pressuposição de que
poder é algo que se tem. E o que Nietzsche está
dizendo não é isso; ele está dizendo que o poder é
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 4/50
3
uma consequência das relações entre forças.
(Entenderam, não é? Muito bem!)Se o poder é consequência de relações entre
forças, a idéia de poder só aparece a partir das
relações de forças. Não se poderia pensar poder se
não houvesse uma relação de forças.
(O que você achou, Márcia? Vocês acharam
que essa idéia ficou bem?).Essa idéia é muito rigorosa. Ou seja, não vai
variar daí. Sempre que eu utilizar a idéia de poder,
eu estarei chamando poder de relação de forças.
Sempre; sempre!
Através disso, vocês passam a verificar que
a clássica idéia que nós temos de que o poder éalguma coisa que o Estado possui; ou, até melhor,
alguma coisa que alguns possuem e muitos
querem, está rompida. Poder não é isso. Poder é
sempre a relação entre, pelo menos, duas forças.
(Foi bem assim? Muito bem!).
A primeira hipótese que vocês têm que fazer,
(novamente eu tenho que explicar pra vocês), é
que poder para Nietzsche não é uma substância, é
uma relação. Então, onde houver relação e forças,
sempre emerge o poder. O poder não é uma
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 5/50
4
unidade, não é uma coisa em si mesma. Não há o
poder como unidade, só há poder como relação –como essa relação de forças.
(Eu fico em dúvida se correu bem, ouviu? Se
vocês já conseguiram entender a idéia que estou
colocando. Como é que você foi?).
Esse modelo que eu estou colocando – de que
o poder é uma relação entre forças – é doNietzsche. Nietzsche nunca vai pensar de outra
maneira. Ele só pensa dessa maneira. E é
exatamente isso daí que serve de instrumento para
a obra de Michel Foucault. Foucault também vai
pensar assim: o poder como uma relação entre,
pelo menos, duas forças. (Pronto!). Agora, o Nietzsche considera que o poder é o
fundamento da Natureza. A natureza – qualquer
coisa que exista – se explica pelo poder. Se
qualquer coisa se explica pelo poder, qualquer
coisa pressupõe relações de forças. As relações de
forças são os movimentos originários da natureza.
Seriam esses movimentos das forças que a
natureza tem que produziriam o campo de poder.
Então, para Nietzsche, por exemplo, o meu corpo
– esse corpo que eu tenho – é constituído por
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 6/50
5
relações de forças. Logo, meu corpo é dotado de
poder. Entenderam?Todo e qualquer CORPO, para ele, não
importa o tipo de corpo (eu já vou acrescentar a
essa idéia de corpo). Sempre que nós pensarmos
um corpo, um corpo é produto de relações de
forças. Então, para a tese do Nietzsche, não há
sequer um corpo que não tenha poder. E, emseguida, ele diz que tudo aquilo que existe na
natureza é um corpo. Se tudo aquilo que existe na
natureza é um corpo, tudo que existe na natureza
tem poder. (Eu não sei se foi bem…).
Tudo que existe na natureza tem poder. Por
exemplo, o Estado é um corpo. A Igreja é umcorpo. Um átomo é um corpo. O discurso é um
corpo. Então, tudo isso que está aí é constituído
por relações de forças. E se é constituído por
relações de forças, todos os corpos que nós
encontrarmos são dotados desta característica:
dotados de poder.
Eu ainda tenho dúvida se eu fui bem, hein?
Porque a entrada nessas conceituações novas – e
eu sempre tenho muito cuidado quando eu entro
em conceituações novas, inclusive insistindo se
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 7/50
6
vocês gostariam de falar, se as coisas se passaram
bem, para eu poder prosseguir… Porque, a partirde agora, sempre que eu utilizar a idéia de poder,
vai ser essa: o poder é uma relação de forças. O
que implica em dizer que não haveria sequer um
corpo sem poder. Isso marca uma diferença muito
grande no entendimento da prática do poder.
Porque nós sempre pensamos exatamente ocontrário, que há alguma coisa que tem poder e
outra que não tem. Ele aqui está dizendo que não:
que tudo que existe tem poder, porque tudo que
existe é um corpo e todos os corpos são
constituídos por relações de forças.
(Quer falar alguma coisa?) Aluno: Você falou que o poder não é alguma
coisa que se possui, mas não é uma *** social
também?
Cláudio: Ele é uma relação. Uma relação. Eu,
então, vou explicar essa diferença para vocês,
ouviu?
Há uma diferença entre um objeto relacional
e um objeto substancial. Um objeto substancial é
aquilo que é em si mesmo e o objeto relacional
depende de dois relatas , de duas coisas que se
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 8/50
relacionam. O poder pra ele não é uma substância,
é uma relação. Se houver relação, há o poder; senão houver, não há o poder. Mas ele acrescenta
essa idéia difícil que estou colocando para vocês:
que todo corpo é produto de uma relação de forças.
Logo, todo corpo possui o poder. A dificuldade de
se entender isso é que o modelo de ciência política
que nós temos é um modelo que não pensa o poderassim. No modelo de política que nós temos, o
poder é pensado como uma substância, é alguma
coisa. Em Nietzsche, o poder não é alguma coisa, é
sempre uma relação, uma relação de forças.
(Certo? Eu vou dar por entendido… Viu?).
Aluna: E aí, como é que fica a questão dodomínio?
Cláudio: Depois eu explico a questão do
domínio, certo?
O que vocês verificaram agora é que eu
coloquei que todos os corpos que existem precisam
e dependem das relações de forças. Não existe
sequer um corpo que não seja produto de uma
relação de forças. (Entenderam?). Todo e qualquer
corpo é uma relação de forças. Então, nós teríamos
aqui uma questão já muito clara: o mundo é
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 9/50
8
constituído de corpos e esses corpos são produzidos
pelas relações de forças. (Eu ainda estou comcritérios de dificuldade aqui para haver
entendimento…). Por exemplo, aqui está esse
corpo. Quem produziu esse corpo? Relações de
forças. Todo e qualquer corpo que emergir, emerge
das relações de forças, o que coloca no corpo o
poder. O corpo tem poder. Todo e qualquer corpotem poder. Mas o originário não são os corpos, o
originário são as relações de forças. São essas
relações de forças que vão fundar os corpos que
existem.
(Como é que você achou? Não está bem, não
é?). Aluno: Não. É difícil o corpo, porque você
também colocou o discurso ***
Cláudio: Porque eu coloquei pra vocês que
tudo aquilo que existe, sem exceção, é um corpo.
Então, o discurso é o quê? Corpo! O Estado é o
quê? Corpo! Qualquer coisa que existir, um átomo,
é um corpo. Qualquer coisa que existir é um corpo.
Mas o corpo não é originário, é secundário. Ele
depende das relações de forças. Essas forças que,
provavelmente, são ainda enigmáticas para nós,
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 10/50
9
elementos de compreensão ainda difícil, seriam o
fundamento da aparição dos corpos na natureza. Vamos fazer uma coisa... vamos fazer um
esforço por aqui. Talvez esse esforço melhore a
gente. Vamos pensar um pensamento religioso. Um
pensamento religioso pressupõe que a existência de
corpos é criação de Deus. Deus criaria os corpos. O
Nietzsche abandona Deus e diz que os corposemergem por relações de forças. Então, ele está
dizendo que a natureza tem como fundamento dela
as forças. Existiriam forças. Essas forças não têm
nome. São apenas forças que existem na natureza
e através dessas forças os corpos vão aparecendo.
(Eu vou dar uma seguida para melhorar, vou dar uma seguida). Vão aparecendo os corpos.
Eu vou dar um sinônimo relativo: corpo é
sinônimo de FORMA. Corpo é uma forma. Por
exemplo, isto é um corpo, logo isto é uma forma.
Os corpos ou as formas são a estrutura do mundo
– o mundo é constituído de corpos. O mundo é
constituído de formas. Mas essas formas são
produzidas por relações de forças. O que implica
em dizer – e aí já começa a ficar claro – que
essas formas só se mantêm se a mesma relação de
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 11/50
10
forças se mantiver. Mudou a relação de forças, as
formas desaparecem. As formas precisam, paraexistir, dessas relações de forças, mostrando que
todas as formas que emergem na natureza são
precárias. Elas emergem e desaparecem através da
mudança das relações de forças. Ou seja, não
haveria forma como origem, a forma é uma
consequência. Toda e qualquer forma que aparecerno mundo: meu corpo, esta mesa, do Estado, do
campo social, do campo político, do discurso… tudo
que emerge no mundo é originário dessa relação de
forças. Pelo que o Nietzsche está dizendo, o que
nós vamos deduzir daí é que na natureza não
existe nenhuma unidade eterna, porque essasformas são sempre precárias; elas dependem das
relações de forças.
(Acho que ficou difícil).
Aluna: Por que não o contrário? Por que as
relações de forças, para serem expressadas,
dependem exatamente disso? Por que as relações
de forças precisariam de um corpo para se
expressar?
Cláudio: Não!… Não. O que ele está fazendo…
inicialmente, com base no que nós temos, é que ele
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 12/50
11
está constituindo um mundo fragmentário, ele está
construindo um mundo de elementos micros. Eleestá dizendo que tudo que existe no mundo são os
corpos – e esses corpos não são originários, eles
são produtos de forças que se encontram. Os
corpos emergem a partir da relação de forças. Isso
daqui é um rompimento com a metafísica clássica,
porque a metafísica clássica pressupõe que oprimário são as formas. Ele está invertendo… ele
está dizendo que qualquer forma que exista na
realidade, qualquer forma pressupõe essa relação
de forças. Ele jogou o campo das formas para a
precariedade. Ou seja (ainda está difícil, não é?),
ele negou a idéia de que há uma natureza, nãoexiste natureza, o que nós chamamos de natureza
são essas formas precárias. Porque o que tem no
fundo da natureza são as forças, sem nenhuma
forma. Mas são essas forças que vão produzir as
formas do mundo: uma árvore, uma montanha, o
Estado, a sociedade, o discurso… Todas essas
formas, que vão emergindo no mundo, são
originárias dessas forças. E essas forças, elas
mesmas, não têm formas. Elas não são formais. As
formas emergem…
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 13/50
12
O que ocorreu aqui é a quebra da idéia de
que possa haver alguma forma eterna. Não hánenhuma forma eterna. Toda e qualquer forma que
aparecer no mundo… – e o que é uma forma? O
corpo. Toda e qualquer forma que aparecer no
mundo é precária. O que quer dizer precária? Ela
dura, qualquer forma dura enquanto se mantiver a
mesma relação de forças. Modificada essa relaçãode forças, aquela forma desaparece. Por exemplo,
o que é a morte? Quem morre? Quem morre é uma
forma. A morte é a morte das formas, não é a
morte das forças. Agora, a morte é quando um tipo
de relação de forças se desfaz e aquela forma
desaparece.(Ainda está difícil, não é? Hein, Márcia?
Estão entendendo?)
Vejam o que eu disse: toda forma se tornou
precária. – O que quer dizer uma forma precária?
Nenhuma forma é primária, nem nenhuma forma
tem eternidade existencial: toda e qualquer forma
existe em função das relações de forças que a
produziram.
Então, aqui, pode-se pensar na mudança de
um campo social para outro simplesmente como
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 14/50
13
uma mudança das relações de forças, aparecendo
outros tipos de formas. E que o mundo superficial,o mundo em que nós vivemos… é um mundo em
que contatamos com formas; e temos a ilusão de
que essas formas são unidades. Nenhuma forma é
unidade: toda e qualquer forma é produto dessas
relações de forças – a forma do Estado, a forma
da sociedade, a forma do discurso, qualquer coisa;tudo que aparece no mundo é uma forma que não
tem nenhuma originalidade: é sempre uma
emergência, produto de forças que se
relacionaram.
(Como é que foi, Chico? Eu não tenho
nenhuma pressa, hein?… Nenhuma pressa!) Aluna: Não tem categoria de origem nessa ***
Cláudio: Forma não tem origem, forma tem
emergência. Vocês entenderam a distinção de
emergência de origem?
Porque nós pensamos, por exemplo, que há
seres que têm uma origem, um princípio e vão se
desenvolvendo ao longo da história, ao longo do
tempo. Aqui não tem nada disso. Tudo que
aparece, aparece emergindo por uma relação de
forças. Aquela relação de forças desaparece,
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 15/50
14
aquela forma desaparece. Imediatamente.
Aluno: As forças são eternas?…Cláudio: Essas forças, que são a nossa
grande complicação, são eternas.
Aluno: Quer dizer, os corpos ***. Se
necessariamente os corpos desaparecem o que está
provocando essa mudança nas forças, na relação
de forças?Cláudio: Que é o nosso grande problema! É
entender a mutação nas relações de forças, porque
essas forças vão ficar mudando, o que são
exatamente essas forças… É exatamente o nosso
problema (Certo?). Antes de entrar nesse problema
– o de maior dificuldade que nós temos, que são
as mutações que essas forças fazem – nós
entendemos já definitivamente que o mundo das
formas, que é o mundo dos corpos, não tem
identidade ontológica: são apenas acontecimentos
de superfície. Porque a metafísica do Nietzsche é a
metafísica das forças, e não uma metafísica das
formas. Não haveria formas originais que se
processariam na história. Nenhuma forma original.
Todas as formas que emergem são produtos das
relações de forças.
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 16/50
15
(Eu vou seguir um pouquinho…).
Através disso, se pensarmos politicamente,se pensarmos no campo político e verificarmos,
com uma clareza muito grande, que aparecem
objetivos de manutenção de determinadas formas,
objetiva-se manter determinadas formas… Como a
do Estado, por exemplo, que é uma forma e tem o
objetivo de permanecer. Para ele, permanecerrequer a manutenção de um tipo de relação de
forças. O que se passa, então, é que você passa a
compreender a natureza, não como se ela tivesse
uma verdade, mas a natureza como jogos
estratégicos. São jogos de estratégia. Por exemplo,
um pensador como Maquiavel diz claramente naobra dele que quando você quer manter uma
determinada forma, o que você tem que fazer são
estratégias de forças, para que aquela forma
perdure. Nada no universo perdura se as forças
não mantiverem aquilo. Então, no mundo não
haveria verdade formal. O que haveria no mundo
seriam os jogos de forças. Seria tudo um jogo de
forças, mas as forças fazendo as formas
aparecerem. Mas essas formas, todas elas – eu,
este copo, seja o que for – são formas precárias. A
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 17/50
16
precariedade da forma é que uma forma só dura
no tempo se a mesma relação de forças durar.Modificada aquela relação de forças, aquela forma
vai desaparecer. Qual é a primeira implicação
política disso? A primeira implicação política é que
essa forma que eu tenho (ou essa forma que ela
tem, ou essa forma que nós temos) só se sustenta
porque forças estão agindo por baixo. Ou seja, paraque eu tenha essa forma que eu tenho é necessário
que haja, permanentemente, um tipo de relação de
forças. Você não pode ter nenhum ser, nenhuma
forma que se mantenha no universo, sem que a
ação das forças se dê. Se vocês pensarem isso,
passam a pensar o campo social como umapermanente prática de relações de forças. Relações
de forças para produzir aqueles tipos de formas.
Se aquelas relações de forças pararem ou se
modificarem, outras formas vão aparecer. Não sei
se vocês conseguiram entender isso.
Por essa tese do Nietzsche, não se pode mais
entender nada como sendo forma substancial –
não há forma substancial! Para se manter aqui,
tudo pressupõe as forças que conservam aquilo,
determinados tipos de força conservando a
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 18/50
1
existência daquela forma. E isso vocês podem
aplicar no campo político ou no campo da vida: se,por acaso, as forças do meu corpo se defrontarem
com determinados tipos de forças que não são as
atuais, essa forma vai desaparecer – é a morte. A
morte é a morte das formas e o deslocamento das
forças. Essas forças são eternas e as formas são
passageiras.(Acho que ficou difícil, hein, Márcia?).
Aluna: *** eu estou pensando no conceito de
dínamis , no Aristóteles, *** em Nietzsche e no
clinamen de Lucrécio. Têm alguma coisa a ver, não
é?
Cláudio: Pode… você pode aproximar! Eu
acho que a dinamis aristotélica não dá conta. Não
dá conta. Pode dar a ilusão de dar conta, mas não
dá… O clinamen , eu acredito que você pode aplicar;
pode aplicar sem dúvida nenhuma, porque essas
forças não param de fazer deslocamentos…
Aluna: O clinamen ***
Cláudio: O clinamen eu já dei para vocês
aqui: eu falei muito no clinamen nas aulas do
Lucrécio. Você pode aplicar o clinamen ; mas a
dinamis , eu acho que não. A idéia de potência do
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 19/50
18
Aristóteles não entra aí, ela não passa. Porque o
que Nietzsche está colocando e, sobretudo, de umamaneira muito assustadora, é que, em nenhum
momento, nós poderemos prever qual é a forma
que vai se conservar, nem qual é a forma que vai
aparecer. Nós não podemos prever, porque não é
no campo das formas que se dá o entendimento da
natureza. O entendimento da natureza se dá nocampo das forças. E essas forças não são regidas
por nenhuma lei, não são regidas por leis – são
estratégicas: elas visam afirmar-se. Então, você
não pode, de maneira nenhuma, antever que tipo
de formas vai aparecer, porque, subitamente, pode
aparecer uma forma nova. Não sei se vocês meentenderam… Não há como, pensando o mundo das
forças, introduzir uma lei: não há lei nesse campo
das forças. O que as forças fazem está
inteiramente no regime do acaso. No regime do
acaso.
Aluno: As formas, então, não são eternas;
elas são…
Cláudio: Precárias: inteiramente precárias!
Aluno: Há a evolução de uma forma, não é
isso? O desaparecimento de uma, para o
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 20/50
19
surgimento de outra forma.
Cláudio: Olha, você já viu que a teoria dotempo, a teoria da história, a teoria da evolução…
entraram em crise? Três temas já em crise!
Aluno: Agora, partindo disso daí, olha só, se
não existe evolução ***. Enquanto uma forma se
mantém, as forças que atuam *** da linguagem?
Cláudio: Elas estão se reproduzindo ali, estãose reproduzindo e aí você pode pensar uma
evolução.
Aluna: É uma ruptura, não uma evolução!…
Cláudio: Não, quando uma determinada força
se mantém produzindo uma forma, você pode
pensar no crescimento daquela forma; pode pensar
num termo evolutivo ali dentro.
Aluna: É o caso do Bergson, não é?
Cláudio: Sim, mas não precisa aplicar o
Bergson. A pergunta dele… Uma determinada
forma emerge, dada aquela forma que está ali,
você pode perfeitamente pensar numa evolução
daquela forma, mas o que você não pode é pensar
evolutivamente de uma forma para outra. Isso
não! De uma forma para outra, há um corte de
descontinuidade. Há continuidade numa forma.
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 21/50
20
Pega-se um nietzscheano: o Foucault, por exemplo.
Quando o Foucault pensa o nascimento do discursopsiquiátrico (talvez não esteja muito claro), ele
admite que ele tem uma relação com o discurso da
medicina. Então, é uma mesma forma se
modificando, até mesmo evoluindo. Mas, para
nascer, o discurso psiquiátrico pressupõe novas
relações de forças. Você, aqui, teria duas linhas. Você teria as formas emergindo por causa de
certas relações de força, mas podendo admitir
certa continuidade de uma forma. Uma forma
tendo uma certa continuidade. Mas o que
fundamenta mesmo esse pensamento é a teoria da
descontinuidade. Não haveria, por exemplo, entre odiscurso psiquiátrico e o velho discurso da
medicina nenhuma relação, a não ser nominal: os
mesmos nomes. Mas seriam outras relações de
forças.
Aluna:Não é um desenvolvimento.
Cláudio: Não é um desenvolvimento! Ele
emerge; aquilo emerge ali, vai emergindo ali. Não
há dúvida de que a gente pode encontrar uma
pequena continuidade. Mas não é por essa pequena
continuidade que aquilo vai-se explicar, porque
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 22/50
21
aquilo vai se fundamentar pelas novas relações de
forças que apareceram. Então, aparece aquele tipode forma. Por exemplo: do século XVII para cá
deu-se no Ocidente uma prática de proletarização.
Começou-se a produzir proletários, subjetividades
proletárias. São determinados tipos de forças que
produziram esse tipo de subjetividade. Não se pode,
o que seria até risível, pensar na evolução doproletário. Seria até cômico, não é? Ah! Os
proletários vão evoluir! Não, isso daí é um
determinado tipo de força que produz. Então, o que
eu estou dizendo... eu vou até aplicar uma coisa
um pouco confusa, que é nós pensarmos o tempo
ou a história como descontínua. Um determinadocampo social emerge por causa de determinadas
relações de forças. Outro campo social vai emergir
por causa de outras relações de forças, cada um
produzindo as suas formas. Talvez não aja nenhum
parentesco entre eu e o medieval. Porque nós
somos duas formas completamente diferentes.
Aluno: Ô Cláudio, *** Bergson ***
Cláudio: Mas, aqui, eu estou falando do
Nietzsche, não é? Você tem que saber que todos os
filósofos têm a sua originalidade. Se o Nietzsche
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 23/50
22
não tivesse originalidade ele recobriria
integralmente o Bergson, não precisaria falar doNietzsche.
Aluna: Não… Você pode responder isso pra
mim?
Cláudio: O que você quer saber?
Aluna: *** como o Bergson libera o tempo,
*** porque… se liberar o tempo pressupõe umacerta descontinuidade?
Cláudio: Não… não sei porque você está
dizendo isso (ouviu, Ana?), esse deslocamento
integral que você está fazendo do Nietzsche,
deslocamento integral do Nietzsche. Eu já expliquei
inclusive a forma como contínua. Você pode
admitir a continuidade de uma forma, que é
exatamente o modelo do Maquiavel. O Maquiavel,
quando pensa a questão política, ele coloca com
uma clareza absoluta: se você quer que alguma
coisa perdure, você tem que aplicar forças ali para
aquilo perdurar. Porque nada no mundo traz uma
lei de duração. Nada tem lei de duração. Não há
uma lei, não há um Deus, não há um princípio, não
tem nada garantindo aquilo. Aquilo só vai
permanecer ali se as forças fizerem aquilo
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 24/50
23
permanecer. O que implica em dizer que o campo
das formas, o campo da precariedade das formas,nos leva para um mundo muito difícil de ser
vivido, muito difícil de ser entendido. Inclusive,
essas práticas exacerbadas de segurança que nós
executamos são muito tolas, porque o real, a
natureza enquanto tal, se constitui por essas
relações de forças. O que nós temos que fazer éaprender a administrar essas forças para as
formas que nós queremos e mantê-las. Não há aqui
moral, não há aqui religiosidade, é todo um
conjunto de um mundo constituído nesse campo de
forças. (Ana, depois de hoje, fora da aula. Tá?).
Aluno: Cláudio, então a gente vai pressuporque os corpos guardam energia….e as forças ***
Cláudio: Não, não. São as próprias forças
que vão agir nas forças. Porque toda a idéia que
estou passando pra vocês é uma idéia de
singularidade, não é o corpo, são as forças – e
depois eu vou passar a explicar o que vêm a ser
essas forças. Porque veja aqui o resultado que vai
dar: você pega uma criança, por exemplo; o que
seria uma criança exatamente? Seria um campo de
forças. Se você quer criar aquela criança, quer dar
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 25/50
24
àquela criança uma subjetividade, o que você faz?
Você estimula para que saiam determinadas forçaspara constituir uma forma. A minha constituição,
a dele e de qualquer um de nós não é por um
processo de repressão de formas; mas é por um
processo de estimulação de forças. Estimulam-se as
forças que interessam e dali vai saindo uma
determinada forma. As formas vão sendoproduzidas. Então, a alma que eu tenho, o corpo
que eu tenho – tanto a alma como o corpo – são
consequência dessas relações de forças. Não
haveria uma alma em primeiro lugar, um corpo em
primeiro lugar, que seriam reprimidos por um
campo político. Nada disso! Tudo se constitui poresse encontro de forças, aí as formas são
produzidas.
(Está difícil? Com é que vocês foram?).
Você pega, por exemplo, o Michel Foucault,
que é um nietzscheano, e o Foucault diz – e isso,
de saída, vai matar a gente! – que um campo
social não se constitui por repressão. Um campo
social, diz ele, se constitui por relações de forças:
não há repressão. Olha o que eu estou dizendo: não
há repressão. Não há repressão, pra quê? Não há
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 26/50
25
repressão para a produção das formas; é por
relação de forças que as formas aparecem. Mas nahora em que aparece uma forma, aí pode haver
repressão naquela forma. Quando o polícia bate
com o cassetete na minha cabeça, ele está batendo
com o cassetete numa forma, mas aquela forma já
é produto de uma relação de forças. Então, o
campo social não é originariamente formal.Originariamente, ele é uma relação de forças. Aí
vão aparecendo as formas e as repressões se dão
nas formas. Não sei se foi bem… Acho que isso foi
claro…
Reprimem-se formas, formas acabadas. O
homem que eu sou, isso é reprimível – mas ohomem que eu sou foi produzido por essas relações
de forças.
Aluna: O inconsciente também seriam essas
forças, não é?
Cláudio: O inconsciente são essas forças.
Exatamente essas forças. Isso que seria o
inconsciente. O inconsciente é aquilo que não para
de produzir reais, formas. Ele não para de
produzir formas porque nós não teríamos – é isso
que talvez esteja dificultando tudo – não teríamos
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 27/50
26
nenhuma forma originária. Não há forma
originária. Toda e qualquer forma emerge poressas relações de forças!
O que é uma criança? A criança é uma
forma. Essa forma da criança, que nós temos hoje,
basta estudar um historiador chamado Philippe
Ariès, que vocês vão verificar que essa forma da
criança hoje não é a mesma do século XVII. Noséculo XVII era outra forma. Por quê? Porque as
estimulações de forças geraram outro tipo de
forma. Não existe o objeto formal como identidade
metafísica. O objeto formal é exatamente a
superfície do mundo.
(O que você achou? Fala.) Aluno: A idéia de força é causa? ***
causalidade?
Cláudio: As forças não são… a idéia de causa
clássica não passa. Porque uma força não é causa
de nada: o que vai constituir as formas são as
relações de forças.
Enquanto vocês não entenderem
integralmente, eu não posso sair disso daqui, viu?
Porque esse entendimento é que vai gerar teorias
como a teoria do dentro, a teoria do fora, a teoria
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 28/50
27
da dobra, utilizadas por nietzscheanos modernos –
coisas lindíssimas que vão nascer aqui e que nóssó vamos poder entender se nós tivermos uma
compreensão completa dessa idéia de força.
Aluna: *** a relação de forças seria uma
trama….
Cláudio: Você gosta desse nome, Ana? Tá
bom, manda lá! Trama. Uma trama. É uma trama.Tá bom, trama… pronto! Ana, presta atenção, não
importa o nome que você dê a alguma coisa. O
nome que você dá só tem algum sentido
dependendo da força que apreendeu aquele nome.
Aluno: *** forças *** formas diferenciadas….
Cláudio: Físicas, naturais. São a natureza.
Porque vocês vão ver – e aqui já começou a ficar
claro – que humano é forma, humano é forma;
não é força: é uma forma. É exatamente o grande
terror para nós, porque o Nietzsche não está
dizendo que o humano é uma natureza; é apenas
uma consequência de relações de forças – não
existe a natureza do homem, não existe a natureza
de não sei o quê. Nada disso existe! Ele está
rompendo – e agora eu vou passar a trabalhar
nessa questão; eu não ia trabalhar, mas vou
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 29/50
28
melhorar para vocês entenderem – ele está
rompendo com a idéia de que qualquer coisa tenha uma essência. Nada tem essência. A essência de
qualquer coisa é um fragmento – um conjunto de
fragmentos de forças que se relacionam.
Eu vou dar um exemplo estético, dado pelo
Paul Veyne:
O universo inteiro é como um caleidoscópio:pedaços de vidro colorido, que você roda e forma
flores. As flores são as formas; os cacos de vidro
são as forças. É um mundo elementarista; um
mundo em que você rompe com a idéia de que há
formas originais. Romper com a idéia de forma
original significa que não há a essência do homem,não há a essência da mesa, não há essência de
nada; nada tem essência. Tudo aparece no mundo,
mas nada tem essência; quer dizer, tudo que existe
é um SIMULACRO. Está muito difícil, não é?
Qual é a natureza humana? Nenhuma; não
há natureza humana! A natureza humana é uma
forma, gerada por determinadas relações de
forças. As relações de forças geraram aquela
forma. Basta haver a modificação dessas relações
de forças, que aquela forma desaparece…
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 30/50
29
imediatamente! Nada a sustenta: nada! Ela é
precária por origem; porque qualquer forma éprecária. QUALQUER FORMA É PRECÁRIA! A
ameaça das forças é permanente; e essas forças
não podem ser entendidas como leis ou princípios:
elas são o reino do ACASO.
Eu vou dar por mais ou menos aqui… eu vou
fazer uma modificação. Foi muito mal, não é?Se vocês aceitassem e trabalhassem comigo
na idéia de forma… é o melhor caminho que nós
temos. O melhor caminho que nós temos – a idéia
de forma. Porque tira de nós uma… [...]
[...] Todo o nosso entendimento do campo dopoder passa por essa prática das relações de
forças. (Eu vou dar por entendido, viu?). Foi mais
ou menos entendido e, assim, vou dar alguns
exemplos para fortalecer o entendimento:
Vamos pegar um nietzscheano do século XX,
o Foucault. (Eu não ia nem fazer esse trabalho…
mas resolvi fazer, porque a idéia de forma deu
problema.)
O que se passa de original na obra do
Foucault é que ele fala que, a partir de
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 31/50
30
determinado momento da história até a atualidade,
nasceram as sociedades disciplinares: apareceramcertos tipos de sociedades constituídas pela
disciplina. (É o que passa de original nele!) E
quando ele fala nessa prática da disciplina, ele vai
colocar duas idéias – que são as idéias de
MÁQUINA ABSTRATA e MÁQUINA CONCRETA.
Foucault está dizendo que as nossassociedades – e isso vai ser surpreendente – são
constituídas pelo modelo das CIDADES
PESTÍFERAS. (Aqui já é uma surpresa…). Que as
cidades pestíferas seriam exatamente o modelo das
nossas cidades.
Eu vou dar uma explicação sobre o que elassão exatamente.
Uma cidade pestífera traz como problema o
fato de haver PESTILENTOS ATUAIS. Pestilentos
atuais são todos aqueles que, dentro da cidade,
trazem a peste. E a cidade traz, então, o problema
de ali haver também os PESTILENTOS VIRTUAIS –
aqueles que podem ter a peste. Que é exatamente a
grande divisão que se faz numa sociedade
pestífera. Você pega uma cidade pestífera, segundo
Foucault, e o que se passa nela é essa divisão:
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 32/50
3
pestilentos atuais e pestilentos virtuais. Pega-se os
pestilentos virtuais – logo, pestilentos virtuais seaproximam um pouco da dinamis do Aristóteles –
são aqueles que podem ter a peste, mas não têm. O
que vai-se fazer com os pestilentos virtuais é isolá-
los; separá-los dos pestilentos atuais. Na hora em
que essa separação se faz, o poder político começa
a exercer uma prática de força constante em cimados pestilentos virtuais, numa administração
generalizada daquelas vidas – administra-se o
alimento, administra-se a moradia, administra-se o
vestuário, administra-se o ar…, faz-se uma
administração generalizada daquelas vidas! Todos
são administrados; e, para continuar vivendo,todos têm que receber um tipo de disciplina,
(Entenderam isso?) que são exatamente o campo
de uma sociedade que tem os virtuais da peste.
Esses virtuais são administrados, sobretudo por
um poder médico, que administra aquelas vidas. O
que Foucault vai dizer é que a nossa sociedade traz
esse modelo. Ela traz esse modelo; então, para a
nossa sociedade, todos nós somos pensados como
seres virtuais, e não como seres atuais. E como
seres virtuais, as forças vão fazer uma prática de
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 33/50
32
disciplinarização em cima de nós, para constituir o
nosso corpo e a nossa alma. Isso é o que ele chamade MÁQUINAS CONCRETAS. Num campo social, as
máquinas concretas são as instituições que têm a
função de trabalhar nessas virtualidades: prisão,
hospício, escola, exército…
Aluna: O uso de camisinha ***
Cláudio: O uso de camisinha já é a instituiçãotrabalhando. As instituições são as máquinas
concretas com a função de trabalhar nessas
virtualidades. Mas para haver essas máquinas
concretas há uma MÁQUINA ABSTRATA. A
máquina abstrata é a cidade pestífera – que é o
modelo que vai passar em todas as instituições
para desenvolver as forças que lhes interessam.
(Não sei se foi bem…). As forças que interessam
geram o corpo e a alma que eu tenho! O corpo e a
alma que eu tenho não são entidades metafísicas –
são produtos de forças.
Aluna: *** e nós seríamos os virtuais?
Cláudio: Os virtuais…
Aluna: *** os atuais ***
Cláudio: Não, filha… Os atuais… Não, filha.
Eu vou tentar novamente para vocês entenderem.
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 34/50
33
Vamos tentar por outro lado. É de uma clareza
absoluta, não entendo como você não entende, Ana.O *** do Maquiavel é claríssimo. Mas eu vou
explicar de outra maneira; vou tentar outra
maneira para explicar isso.
Na obra do Foucault… (Eu agora vou contar
de modo bem detalhado, pra vocês entenderem). O
Foucault é um filósofo e, enquanto filósofo, ele éNietzscheano: ele se ligou ao Nietzsche. Poderia ter-
se ligado ao pai dele, à mãe dele; mas se ligou ao
Nietzsche. E, ao se ligar ao Nietzsche, ele verifica
que o Nietzsche colocou uma questão. (Vocês vão
entender!). O Nietzsche colocou – prestem atenção!
– que não existe sequer um objeto a-histórico.O que quer dizer um objeto a-histórico? Quer
dizer, uma forma que não tenha emergência. Todas
as formas emergem; logo, todos os objetos que
existem são históricos. (Entenderam?). Não existe
nenhuma essência atravessando a história. Tudo
emerge na história, tudo emerge. Não existe objeto
a-histórico, todos os objetos são históricos, todos
são produzidos dentro da história, pelo tempo. É
isso que Foucault descobre no Nietzsche.
Quando o Foucault descobre isso no
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 35/50
34
Nietzsche, o que ele vai fazer? Ele vai fazer um
estudo para verificar quais as forças que produzemesses objetos, que tipo de forças produz esses
objetos. O que essas forças fazem, o que elas
querem, a que visam elas, que tipo de objetos
produzem? Então, Foucault encontra na história
(estou simplificando muito…) duas práticas muito
nítidas, a que ele vai-se dedicar a trabalhar: umaele chama de INQUÉRITO; a outra ele chama de
EXAME. Seriam duas práticas que apareceram ao
longo da história; não formas, mas máquinas para
produzir formas, máquinas de produção de formas
(Está bem assim o que eu disse?).
Aluno: ***Cláudio: Elas são formas, porque se efetuam
em instituições; mas são as forças produzindo
formas para produzir outras formas.
Então, ele encontrou o inquérito e o exame.
Eu vou deixar um pouquinho de lado o inquérito…
se vocês quiserem, é muito bonito, eu explico o
inquérito pra vocês.
O que seria o exame? O que seria
exatamente o exame? É muito bonito e um pouco
difícil, difícil até para um historiador clássico
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 36/50
35
aceitar.
O Foucault começa por dizer que a história,lendo-se determinados textos ou fazendo-se uma
prática iconográfica – isto é, vendo as telas – a
história nos revelou a existência de indivíduos
destacados – condes, reis, heróis – que
apareceram claramente cantados pelos poemas
épicos, cantados pelas narrativas heróicas. Umasérie de indivíduos. Que é muito fácil: vocês abrem
os livros de história e vocês vão ver! Quais são os
indivíduos que são falados no século XVI? O rei, o
herói, o príncipe, o bispo, uma mulher, por causa
de determinada prática; são os indivíduos que
aparecem na história. Então, diz o Foucault, quepelo fato desses indivíduos se destacarem na
história, a luz do mundo – a luz que o mundo
possui – jorra em cima deles. A luz do mundo
jorra sobre esses indivíduos. A história vai ver
esses indivíduos: vê-los nos quadros, nas
descrições, nas narrativas… Mas a luz não jorra
sobre a massa que existe na história; ou seja, a
história nos revela a aparição de um PLANO DE
VISIBILIDADE.
Plano de visibilidade é aquilo que a história
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 37/50
36
está destacando dentro do campo visual.
(Entenderam?). Ela está liberando uma série deindivíduos para o campo visual. Pronto!
Subitamente, o Foucault, muito louco, encontra
uma medalha comemorativa, salvo equívoco, de
um rei qualquer. E quando examina essa medalha,
ele tem a maior surpresa – porque na medalha
aparecem o rei e seu séquito: que são os indivíduosvistos dentro do campo da visibilidade. Mas na
moeda vai aparecer também uma série de
soldados.
– O que aconteceu? É que a visibilidade está
se deslocando. Está havendo um deslocamento da
visibilidade; que está tirando a massa do limiar daescuridão e lançando essa massa no campo da
visibilidade. Na hora em que essa massa começa a
entrar na visibilidade, ela começa a se
INDIVIDUAR. Os indivíduos vão começar a
aparecer na história; abandonando o campo da
epopéia, eles vão passar para as histórias mais
miseráveis, histórias de registros. (Conseguiram
entender?). O que está sendo feito é um
deslocamento da visibilidade. Nós abandonamos as
epopéias para conhecer os indivíduos; basta ir num
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 38/50
37
cartório. Por quê? Porque as forças de poder
liberaram para esse campo da individualidade amassa anteriormente perdida numa escuridão; e
individuou-se essa massa. Ou seja, o campo do
poder – é isso que Foucault está chamando de
exame – produz, digamos, a partir do século XIX,
os indivíduos, produz a individuação. Ou seja, cada
um de nós hoje se julga com todo o direito de dizer-se: eu sou um indivíduo. Mas esse indivíduo que
nós somos não pertence à nossa natureza; foi o
campo das forças que o produziu. Foi claro o que
eu disse? Ou não? Entenderam? É de uma beleza
excepcional!
Então, o exame é uma máquina de poder quetem a função de produzir a individuação. O que vai
acontecer? O que vai acontecer é que quando esses
indivíduos caírem no campo da visibilidade, vão
imediatamente passar para o campo do saber. Vão
nascer (estou sendo muito rápido) as ciências de
radical psi , que são as ciências do indivíduo. Então,
se essas ciências do indivíduo nascessem no século
XV, provavelmente os cientistas do indivíduo
morreriam de fome; porque só havia quatro ou
cinco indivíduos. Agora, é uma quantidade infinita.
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 39/50
38
Acho que está bem, não está? Então, vamos
tomar um cafezinho para descansar umpouquinho…
Um militar, no século XIX, se hospedou
numa casa na cidade onde ficava o seu quartel:
uma casa de família, que se tornou pensão para
ele. E nessa casa havia o casal – pai e mãe – e uma filha. Quando esse jovem militar conheceu a
filha, ficou muito surpreendido, sobretudo porque
ela era muito bonita – o que surpreende todo
mundo – e ela não dava a menor importância
para ele. E, como era natural, ele procurou se
exibir para ela, mostrar-se para ela, mas ela nãodava a menor importância, ele não existia para
ela! Mas um dia, eles estavam jantando juntos e,
de repente, ele sentiu um pé embaixo da mesa, um
pé no pé dele. Ele foi olhar, era o pé dela, descalço,
alisando a perna dele. Ele ficou (não é?) naquele
estado que qualquer um pode ficar! Então, a partir
daquilo, em todo jantar ele se aproximava um
pouco mais dela e ela ia lá embaixo, com as mãos,
com os pés, fazendo a mesma coisa com ele. Por
outro lado, sempre que ele tentava se aproximar
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 40/50
39
para falar com ela, ela não dava o menor papo pra
ele. E ele começou a viver aquelas angústias doapaixonado. Ia para o quarto de noite, sofria,
sofria muito, nada acontecia. Até que um dia, de
repente, ela parou de fazer os ataques sob a mesa.
E aí é que ele pirou mesmo! Mas um dia, ele estava
deitado no quarto, de repente entra, no quarto, a
garota. Ela entra no quarto e senta em cima dele ecomeça aquela beleza que é a prática do amor. Aí,
eles começaram a fazer um amor lindíssimo,
aquela coisa lindíssima, uma coisa belíssima… Está
acontecendo aquilo e, de repente, ela cai, cai para o
lado. Ele vai, pensa que aquilo é um orgasmo, a
examina, não era um orgasmo: ela tinha morrido;morreu! Agora, vocês imaginam a situação desse
cara, ele não sabia mais o que ele ia fazer. Ficou
desesperado: não tinha como fazer nada ali. Ele
foi, teve uma idéia: “Eu vou procurar o coronel!”
Não é? Porque sempre se procura o coronel, o
coronel do regimento. Então, ele saiu lá para
procurar o coronel do regimento. Aí, o coronel do
regimento viu a gravidade da situação e disse para
ele: “Olha, você pega a carruagem e embarca para
a cidade tal, deixa comigo que eu vou resolver isso,
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 41/50
40
tá certo? Faz isso.” Aí, ele embarcou para a cidade
tal e o coronel foi lá resolver. Ele ficou nessacidade um pouco distante uns dois anos e não
soube nada do que aconteceu. Mas um dia, de
repente, a curiosidade despertou nele e ele foi
procurar o coronel para o coronel contar o que
tinha acontecido. Quando ele se aproximou, ele
soube que o coronel tinha ido para a guerra emorrido. Morreu o coronel. Então, esse rapaz – aí
é que termina a história – realmente nunca soube
o que aconteceu. Então, é o tipo do conto em que
aparece essa figura: o que aconteceu? Ele não
sabia o que tinha acontecido. (Muito bem). O que
aconteceu é exatamente o modelo de uma práticaque o Foucault chama de inquérito . O inquérito é
exatamente uma prática em que os homens vão se
preocupar em conhecer o acontecimento do
passado. E, pra fazer isso, os homens vão criar
uma tecnologia, uma tecnologia para administrar e
conhecer o acontecimento que se deu no passado. E
qual é a maneira melhor que nós temos para
conhecer um acontecimento que se deu no
passado? Não há dúvida nenhuma de que a melhor
maneira que nós temos é uma narrativa, é o
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 42/50
41
discurso. Porque o discurso é aquilo que tem a
propriedade de reatualizar acontecimentos que sepassaram. Entenderam?
A melhor maneira de nós conhecermos
acontecimentos que ocorreram é através do
DISCURSO, porque o discurso reatualiza
acontecimentos que passaram. No caso do conto
que eu narrei, o melhor discurso seria pronunciadopor quem? Pelo coronel (está certo?), que seria
aquele que poderia reatualizar esse acontecimento.
E quando nasce a prática do inquérito é
liberada a questão: De que maneira podemos
conhecer bem um acontecimento do passado,
sabendo-se que um acontecimento do passado éreatualizado no discurso. E a tecnologia funda que
a melhor maneira de conhecer um acontecimento
do passado é quando nós temos diante de nós um
discurso que seja NEUTRO. Ou seja, o que está
sendo dito é que os acontecimentos do passado,
quando são reatualizados por discursos
apaixonados, esses acontecimentos podem ser
falseados pelo discurso.
Não conseguiu entender não? Por exemplo,
vou reexplicar pra vocês. Não entendeu, não?
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 43/50
42
Esse conto que eu contei é do Barbey
D’Aurevilly. É lindíssimo esse conto. Se vocêsquiserem, eu tenho em português e trago aqui pra
vocês, ouviu?… Que é a pergunta: “Meu Deus, o
que é que aconteceu?” Só quem sabia era o coronel
do regimento!
Agora, prestem atenção:
Vamos dizer que eu e o Leão Handfasentramos numa disputa. O Leão diz assim:
“Cláudio, você roubou minha caixa de fósforos.” Eu
digo: “Leão, eu não roubei sua caixa de fósforos.”
Aí ele diz: “Você roubou, sim, minha caixa de
fósforos.”
Vai chegar um momento da história em que,para resolver essa situação, nós teremos que
procurar um representante do poder – porque o
poder vai produzir representantes para resolver os
litígios. E quando nós procurarmos esse
representante do poder, ele vai-nos ouvir falar…
O que eu vou dizer? “Eu não roubei a caixa
de fósforos do Leão!”
E o Leão vai falar: “Cláudio, você roubou
minha caixa de fósforos!”
O poder fica num estado de ambiguidade: não
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 44/50
43
sabe quem está falando a verdade.
O que o poder faz? O poder procuraTESTEMUNHAS; ele sai à cata de testemunhas – e
as testemunhas são exatamente aquelas que
poderão dizer se eu roubei ou não a caixa de
fósforos do Leão. Por quê? Porque a testemunha
PRESENCIOU o acontecimento. Então, a testemunha
é o instrumento mais indicado para re-atualizar oacontecimento. Entenderam?
Mas acontece que pode aparecer uma
testemunha que seja namorada do Leão. Se a
testemunha for uma namorada de Leão, é claro
que ela vai dizer que fui eu que roubei a caixa de
fósforos. Então, a tecnologia das testemunhasconsidera que a testemunha apaixonada não fala a
verdade. Para falar a verdade, tem que ser uma
testemunha neutra (entenderam?). É esse modelo
que faz emergir no Ocidente a idéia de que a
verdade é algo que está no passado; é re-atualizada
pelo discurso; que, para ser um bom discurso, tem
que ser produzido pela razão – porque a razão é
neutra.
Não sei se vocês entenderam…
Esse modelo é o modelo do inquérito; que o
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 45/50
44
Foucault diz ser uma prática que emerge numa
época da história e gera a verdade comoreatualização do acontecimento, como
desqualificação da paixão e emergência da razão.
Ou seja, a razão não é o que nós pensávamos: a
razão não é alguma coisa, em si mesma, preparada
para a verdade – a razão é produto de uma
prática de poder.Conseguiram entender? Muito bem!
O que vai acontecer, segundo o Foucault?
Segundo o Foucault, o que vai acontecer é que nós
vamos sair da pergunta: “O que aconteceu?” para
a pergunta: “O que pode acontecer?” Na hora em
que nós entramos nessa pergunta – o que podeacontecer? – tudo que existe se torna uma
VIRTUALIDADE.
Conseguiram entender? Ou não, Ana?
Nós passamos agora para um mundo em que
a pergunta não é mais: “O que aconteceu?” A
pergunta agora é: “O que pode acontecer?” Se você
está num mundo de “o que pode acontecer?”, a
partir daí as práticas de poder vão produzir aquilo
que lhes interessa: porque o ser se torna virtual, é
uma virtualidade. É exatamente o que o Foucault
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 46/50
45
está explicando para o nascimento da cidade
moderna. O nascimento da cidade moderna não é uma procura do que aconteceu, mas é uma questão
com o que pode acontecer. É onde nasce,
sobretudo, uma idéia, que é muito nossa, a idéia de
PERICULOSIDADE. Nós agora vamos pensar as
virtualidades. Tudo vai ser pensado como
virtualidade. Em função disso, é preciso produzir,em cima dessas virtualidades, aquilo que interessa
– é isso que é a prática do exame.
Não sei se foi bem… Vocês entenderam?
Vocês vejam que, aqui, tudo aquilo que nós
pensamos que teria uma natureza – o indivíduo
seria uma natureza –, nada disso é uma natureza:são as forças do exame que geram essas figuras no
mundo.
Vejam se foi bem… Foi ou não, hein?
Entenderam bem?…
Quem trabalha com “O que aconteceu?”? O
inquérito.
Quem trabalha com “O que pode acontecer?”?
O exame.
O exame é exatamente uma prática que se dá
no nosso mundo para produzir a INDIVIDUAÇÃO e
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 47/50
46
a IDENTIDADE. Então, nós vamos ser produzidos
como indivíduos, regidos por uma identidade. Evamos lutar toda a nossa vida para garantir o
indivíduo que nós somos e a individualidade que
nós temos – quando SER LIVRE é uma conquista
da DIFERENÇA.
Foi muito difícil, hein Chico? Falem lá, para
eu ver onde é que está a falha…O conto do Barbey D’Aurevilly é nítido para
vocês entenderem o nascimento da prática da
verdade. A prática da verdade se sustenta na
razão, porque a razão é aquilo, em nós, que é
neutro e é capaz de re-atualizar os acontecimentos
com verdade; enquanto que as paixões retomam osacontecimentos falsamente. É por isso que, na
história da verdade, a razão vai ser privilegiada. É
aí a emergência do RACIONALISMO.
O racionalismo não é um milagre humano, é
uma prática de poder. Uma prática de poder em
que a verdade é algo que tem que ser reatualizado.
Por quê? Porque, para essa prática, a verdade está
perdida no passado. Ela está perdida no passado.
Vocês me entenderam bem? Porque eu acho
que essa foi a melhor maneira que eu já usei para
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 48/50
4
explicar essa questão na minha vida… Vou ver
outra vez para vocês.Eu vou contar outra história. Olha essa
história aqui:
Sir Lancelot era um homem belíssimo, não
sei se vocês sabem, pelo menos nos filmes. Era
lindíssimo. E ele era apaixonado pela rainha,
mulher do rei Arthur. Todo mundo sabe disso! Eeles costumavam ter encontros nos bosques. Mas
quando eles começaram aquelas encontros, à boca
pequena, os cavaleiros da Távola Redonda
começaram a cochichar: olha, o Lancelot está
namorando a rainha. Começaram a falar isso. E
alguns cavaleiros da Távola Redonda, maisousados, chegavam para o Lancelot e diziam:
Lancelot, você está acabando com a Távola
Redonda, porque você está difamando a rainha;
tendo encontros amorosos com ela e traindo o rei
Arthur. Quando o cavaleiro em questão dizia isso
para ele, o Lancelot respondia: você está desafiado
para um duelo! E eles iam duelar. E quem vencia?
O Lancelot vencia. No momento em que ele vencia,
a verdade era o que ele dizia, porque naquele
momento da história a verdade era produto do
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 49/50
48
triunfo (entenderam?). Não havia outra prática da
verdade. Era verdadeiro tudo aquilo que viesse portriunfo. Mas o Lancelot continuou a ter encontros
amorosos com a mulher do rei Arthur, até que, um
dia, o filho do rei Arthur, não sei se vocês sabem
quem é ele, é o filho da Morgana, que era irmã do
rei Arthur… O filho do rei Arthur pegou o Lancelot
em flagrante com a rainha. Aí, ele se vira para oLancelot e diz: você está traindo o meu pai. O
Lancelot vai e diz: você está convidado para um
duelo. O filho do rei Arthur responde: duelo não,
eu vou testemunhar contra você!
O que aconteceu? É que a verdade estava se
deslocando. Estava nascendo o inquérito. Oinquérito não é mais a verdade como PRODUÇÃO;
mas a verdade como REPRESENTAÇÃO. A verdade
torna-se um discurso que re-atualiza um
acontecimento. Enquanto que, na primeira fase, a
verdade era uma prática produtiva.
Eu estou explicando isso, para mostrar pra
vocês que todas as formas que emergem no
mundo, emergem por relação de forças. Eu acho
que agora vocês entenderam!
É preciso perder a ilusão de que há uma
8/12/2019 Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade
http://slidepdf.com/reader/full/claudio-ulpiano-nietzsche-a-individuacao-e-a-identidade 50/50
forma em si mesma: não há! Mudadas as relações
de forças… outras formas emergem. Então, A VERDADE é uma FORMA, é um VALOR, é um
SENTIDO. Numa determinada época da história, ela
emerge como produto de um triunfo; e noutro
momento da história ela, a verdade, é apenas uma
representação do discurso adequado ao
acontecimento. Através disso, eu acredito que essa aula
ganha uma linha boa. Vocês passaram, pelo
menos, a entender mais ou menos que nenhuma
forma emerge na história se não tiver atrás dela
relações de forças.
É só por hoje. Eu não aguento mais. Foi bem,não é? Vocês vêem que, inclusive, eu já posso
tranquilamente trazer alguns textos do Michel
Foucault e do próprio Nietzsche, que vocês vão
entender. Viu? Fui feliz, não é? Então está bem.
APEDEUTEKA GUINEFORT 2014APEDEUTEKA GUINEFORT 2014APEDEUTEKA GUINEFORT 2014APEDEUTEKA GUINEFORT 2014