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Verinotio - Revista on-line de Filosofia e Cincias Humanas . ISSN 1981-061X . Ano XII . abr./2017 . v. 23 . n. 1
J. Chasin
Excertos sobre revoluo, individuao e emancipao humana
J. Chasin
Apresentao
Vnia Noeli Ferreira de Assuno1
Neste dossi que celebra os 100 anos da Revoluo Russa, acreditamos ser oportuno republicar trechos de textos de J. Chasin
atinentes ao tema, dada sua originalidade, sua pertinncia e, atualmente, a
dificuldade de acesso a eles. Nesta sumria Apresentao, que no pretende
substituir a leitura dos textos, o que seria absurdo, tambm no se tem a
pretenso de analis-los por dentro, em face da riqueza de temas ali
abordados: objetiva-se apenas chamar a ateno sobre alguns pontos
essenciais trazidos tona pelo filsofo paulistano em sua avaliao do
mundo contemporneo a ele e, no interior deste, do fenmeno dos pases
que intentaram a construo de uma forma social socialista.
Exigente e rigoroso, recusando o clientelismo acadmico e o
oportunismo terico e em busca de construo de uma vida autntica,
Chasin se debruou sobre o tema da Revoluo Russa e de seus
desdobramentos as sociedades ps-revolucionrias e sua dbcle
especialmente em dois momentos: no texto Da razo do mundo ao mundo
sem razo, de 1983 (marcando o centenrio de nascimento de Marx); e no
item 2 A crise total do ps-capitalismo, do artigo A sucesso na crise e a
crise na esquerda, de 1989. No entanto, no fim de sua vida, fazia reflexes
importantssimas sobre questes que, embora no diretamente
relacionadas ao quadro ps-capitalista do Leste europeu e congneres,
contribuem sobremaneira para compreender o fracasso da alternativa
revolucionria ali posta. Essas reflexes expostas principalmente em seu
texto inacabado Ad Hominem Rota e prospectiva de um projeto marxista,
de 1998 , representando o auge da maturidade terica do autor, iluminam,
aprofundam, retificam e ratificam aspectos de sua anlise anterior. Embora
se trate de um texto inacabado, composto por materiais preparatrios e
anotaes pessoais que Chasin mantinha quando foi colhido precocemente
pela morte, entendemos imprescindvel reproduzir aqui a ltima parte deste
artigo, 3 Prtica radical e individuao social, ponto mais desenvolvido
de sua reflexo e, portanto, a partir da qual devem ser vistas suas
contribuies tericas.
1 Professora da Universidade Federal Fluminense (UFF Rio das Ostras) e coeditora da Verinotio.
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Ali Chasin reafirma a necessidade histrica e a possibilidade objetiva
da revoluo social, que tome como norte a produo e a apropriao
sociais, bem como, neste mister, a importncia da redescoberta do cerne do
pensamento marxiano: seu carter ontolgico, a crtica da poltica e a
centralidade da individuao. Ambos os posicionamentos, reafirmao da
revoluo social e redescoberta de Marx, que possibilitariam penetrar
radicalmente na realidade atual, fazer a sua crtica radical, aquela que se
confirma na prtica, pela transformao do mundo. Adicionalmente, as
duas tarefas s poderiam ser cumpridas a contento se pautadas pela
compreenso profunda da realidade, em seus aspectos particular e
universal. Esta foi uma das grandes preocupaes de Chasin, que sempre
pelejou por deslindar a formao socioeconmica em que estava inserido,
na sua particularidade, o que implica a evidenciao dos laos com a
totalidade sistmica e, ainda, as transformaes pelas quais passa.
J em seus primeiros textos sobre o tema Chasin apontava a falncia
da revoluo nos pases que haviam intentado ultrapassar a lgica do
capital. Esta irrealizao da transio socialista, inobstante o valor e a
dedicao de milhares de militantes que incluem personagens do porte de
Lnin e de Trotsky, deveu-se ausncia de condies objetivas de realizao
do comunismo. Nunca demais frisar o carter precoce desta crtica, em si
mesmo e mais ainda em comparao com o posicionamento da esquerda de
ento, pois a maior parte desta, poca, pautava-se pela ideia de que na
Unio Sovitica e congneres vigia um socialismo, ainda que adjetivado ao
gosto da ideologia do analista, e preconizava uma defesa mais ou menos
crtica daqueles regimes.
O entendimento da complexa problemtica passa por uma questo
para a qual Chasin chamava enfaticamente a ateno, a da distino entre
capital e capitalismo, tambm insistentemente apontada por Istvn
Mszros. Para marcar esta diferena, nosso autor retomava alguns
momentos das obras de Marx nos quais fica evidenciado que capital uma
relao social surgida logo que a comunidade humana conseguiu realizar
excedentes, por meio de uma diviso do trabalho mais avanada que em
etapas precedentes, e que conheceu diversas formas de encarnao no
decorrer da histria: capital comercial ou mercantil, usurrio ou monetrio
e, ainda, industrial ou bsico. Enquanto as primeiras formas particulares de
capital atuam no processo de circulao, captando o excedente mercantil, o
capital industrial o nico que domina o processo de produo gerador do
sobreproduto, apropriando-se da fora de trabalho e tornando-se agente da
produo de mercadorias. Dito de outro modo, capital bsico (industrial)
relao social de produo que subordina o trabalho assalariado (vivo) ao
acumulado (morto).
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Uma vez surgido, o capital fica resguardado sob as sombras de vrios
modos de produo diferentes; quando suficientemente fortalecido, ele cria
as condies para sua prpria dominao. Entre tais condies esto as
personificaes histricas (capitalistas) que levaro a cabo seus atributos
prprios, os capitalistas, os quais, pela concorrncia, impem a si e aos
outros as determinaes imanentes ao capital. A livre concorrncia, o
enfrentamento do capital consigo mesmo como outro capital, o ambiente
prprio do capital, criado a partir da fora dele mesmo (e no o contrrio,
ou seja, no a concorrncia que cria o capital). Quando h capitais privados
(personae) em concorrncia, institui-se o modo de produo capitalista,
que, portanto, difere do capital industrial. Valor, mercado, fetichismo,
mercadoria, trabalho assalariado so elementos que ganham reforo neste
mundo regido pelo capital.
Esse mundo da regncia do capital, porm, contraditoriamente, cria
a possibilidade de sua prpria superao. Como salientou Marx, so
pressupostos para uma revoluo bem-sucedida: sucintamente, a existncia
de uma massa de produtores destituda de propriedade, em contradio
com um mundo de riquezas e de cultura (o que pressupe um grande
incremento das foras produtivas) e, inter-relacionadamente, a existncia
de um intercmbio universal dos homens, que reproduz a concorrncia
universal em todos os povos. Amplo desenvolvimento das foras produtivas
e trocas globais que tornariam possvel, empiricamente, uma revoluo
como ato dos povos dominantes, sbita e simultaneamente. Sem o
atendimento dessas condies, socializar-se-ia a carncia e toda ampliao
do intercmbio superaria o comunismo local.
Historicamente, no entanto, o deslocamento das contradies do
centro para a periferia do capitalismo induziu a ruptura revoluo ali
onde no estavam dados os pressupostos, naquele que era seu lado menos
promissor e mais problemtico: os elos dbeis da cadeia capitalista
internacional. De fato, aqueles pases estavam bastante retardados em
termos de desenvolvimento do capital industrial, tendo uma posio pouco
significativa e subalterna no comrcio internacional. No interior do
capitalismo no era possvel encontrar uma soluo para aquela
problemtica, dado que o retardamento no algo meramente cronolgico,
mas implica toda uma gama de pesados tributos a uma insero no mundo
capitalista mais avanado. No sendo possvel o rompimento do atraso e a
urgente criao e ampliao de riqueza pelo capitalismo, imps-se s
sociedades em que se deram as revolues a necessidade de efetivar um
desenvolvimento do capital industrial sem o capitalismo. Assim, dadas as
bases agrrias das sociedades ps-revolucionrias, era imperativa uma
acumulao que, alhures, em pases desenvolvidos, fora obra do
capitalismo.
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Os pases ps-revolucionrios viveram um processo inusitado de
formao do capital industrial sob gesto poltico-estatal-partidria, j que
uma revoluo poltica desbaratou as incipientes e atpicas formas
capitalistas de estruturao e dominao sociais: foi politicamente
eliminado o livre mercado (os capitalistas concorrentes) e abolida sua
dominao estatal. A produo e a reproduo da fora de trabalho
deixaram de ser determinadas e medidas pelo valor, devido inteno
solidria irrealizada de se ordenar pelas