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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO - UFRJ Programa de Pós-graduação em História das Ciências, das Técnicas e Epistemologia - HCTE CLAUDIA GIMENEZ DUTRA DE ABREU A CIÊNCIA VITORIANA DO IMATERIAL: Éter, Energia e Espiritualismo RIO DE JANEIRO 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO - UFRJ

Programa de Pós-graduação em História das Ciências, das Técnicas e

Epistemologia - HCTE

CLAUDIA GIMENEZ DUTRA DE ABREU

A CIÊNCIA VITORIANA DO IMATERIAL: Éter, Energia e Espiritualismo

RIO DE JANEIRO

2018

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CLAUDIA GIMENEZ DUTRA DE ABREU

A CIÊNCIA VITORIANA DO IMATERIAL: Éter, Energia e

Espiritualismo

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

História das Ciências, das Técnicas e Epistemologia, Universidade

Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título

de Doutor em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia.

Orientador: Professor Dr. Carlos Benevenuto Guisard Koehler

RIO DE JANEIRO

2018

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CLAUDIA GIMENEZ DUTRA DE ABREU

A CIÊNCIA VITORIANA DO IMATERIAL: Éter, Energia e Espiritualismo

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação

em História das Ciências, das Técnicas e Epistemologia,

Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à

obtenção do título de Doutor em História das Ciências e das

Técnicas e Epistemologia.

Aprovada em 15 de março de 2018.

Aprovada em 15 de março de 2018.

__________________________________________________

Carlos Benevenuto Guisard Koehler, Dr., UFRJ

__________________________________________________

Tânia de Oliveira Camel, Dr., FIOCRUZ

__________________________________________________

Francisco Caruso Neto, Dr., UERJ

__________________________________________________

José Carlos de Oliveira, Dr., UFRJ

__________________________________________________

Rundsthen Vasques de Nader, Dr., UFRJ

__________________________________________________

Mércio Pereira Gomes, Dr., UFRJ

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DEDICATÓRIA

À minha filha, Isabella Gimenez Dutra de Abreu e esposo Ricardo Dutra de Abreu,

Com quem compartilho Vida e Alegria.

Aos meus pais, Elmo (in memoriam) e Nelly,

Que me possibilitaram alcançar meus sonhos.

Aos queridos amigos Benedito, Louise, Tatá e Mariano

A quem devo o estímulo para sempre prosseguir.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Professor Dr. Carlos Benevenuto Guisard Koehler, sempre

disposto a ajudar em todos os momentos, estimulando discussões e apresentando uma nova

forma de entender e fazer ciência.

À Professora Dra. Tânia de Oliveira Camel, por seu acolhimento, incentivo e sua

dedicação incansável em nossas conversas e reflexões sobre este trabalho. Suas sugestões

sempre pertinentes, auxiliaram-me a manter o foco nas questões centrais do trabalho.

Ao amigo e Professor Dr. Rundsthen Vasques de Nader, pelo suporte nos momentos

difíceis, companheirismo e cumplicidade científica desde 1978.

Ao amigo José Mauro Kocher pela troca de informações cujo teor muito contribuiu

para o texto deste trabalho.

À Professora Dra. Regina Dantas, pelo carinho e suporte decisivo em momentos

críticos.

Aos meus amigos e familiares que entenderam a minha ausência durante a elaboração

da tese.

Aos funcionários do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências, das

Técnicas e Epistemologia, aos bibliotecários e demais funcionários de todas as instituições onde

pesquisei, pela cordialidade, eficiência, profissionalismo e disposição em auxiliar.

A todos os professores, amigos e colegas que, durante minha jornada no HCTE,

contribuíram para que eu me tornasse uma pesquisadora mais qualificada.

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“Assim como casas são feitas de pedras, a ciência é feita de fatos.

Mas uma pilha de pedras não é uma casa e

uma coleção de fatos não é,

necessariamente, ciência”.

Jules Henri Poincaré

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RESUMO

ABREU, Claudia Gimenez Dutra de. A CIÊNCIA VITORIANA DO IMATERIAL:

Éter, Energia e Espiritualismo. Rio de Janeiro, 2018. Tese (Doutorado em História das

Ciências) – Programa de Pós-Graduação em História das Ciências, das Técnicas e

Epistemologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.

Esta tese se propõe a investigar quais relações se constituíram entre a visão imaterial de

natureza e o espiritualismo, que ocasionaram a investigação científica dos fenômenos

espiritualistas por pesquisadores da ciência vitoriana, durante a segunda metade do século

XIX. Estes cientistas tentaram entender os fenômenos espiritualistas através do éter, da

energia, de forças eletromagnéticas, transmutação radioativa e outras abordagens mais

modernas da época. A formação de uma Ciência do Imaterial, através da energia e do éter

como conceitos unificadores, criou para o mundo real uma representação alternativa de

um “mundo invisível”. Neste mundo de energia e éter, a existência de novas forças e a

interação direta entre a mente e a matéria, produziriam fenômenos inexplicados no plano

real e, a compreensão das leis desse “mundo invisível”, possibilitaria aos cientistas

construir uma ciência mais completa e poderosa. A participação de pesquisadores de

renome das ciências físicas nas pesquisas psíquicas do século XIX, converge para uma

combinação de fatores intelectuais, religiosos e sociais, sugerindo a existência de uma

complexa interdependência entre ciência, religião e política.

Palavras-chave: Ciência Vitoriana – Éter – Energia – Espiritualismo Vitoriano – História

da Ciência – Século XIX

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ABSTRACT

ABREU, Claudia Gimenez Dutra de. A CIÊNCIA VITORIANA DO IMATERIAL:

Éter, Energia e Espiritualismo. Rio de Janeiro, 2018. Tese (Doutorado em História das

Ciências) – Programa de Pós-Graduação em História das Ciências, das Técnicas e

Epistemologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.

This thesis proposes to investigate which relations were constituted between the

immaterial vision of nature and spiritualism, that caused the scientific investigation of the

spiritualistic phenomena by researchers of the Victorian science, during the second half

of century XIX. Such scientists attempted to understand spiritual phenomena through

ether, energy, electromagnetic forces, radioactive transmutation, and other more modern

approaches of the time. The construction of an Immaterial Science, using energy and the

ether as unifying concepts, has created for the real world an alternative representation of

an "invisible world." In this world of energy and ether, the existence of new forces and

direct interaction between mind and matter would produce unexplained phenomena on

the real plane and, understanding the laws of this "invisible world", would enable

scientists to construct a more complete and powerful science. The participation of

renowned researchers of the physical sciences in nineteenth-century psychic research

converges to a combination of intellectual, religious and social factors, suggesting a

complex interdependence between science, religion, and politics.

Keywords: Victorian Science – Ether – Energy – Victorian Spiritualism – History of

Science – 19th century

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LISTA DE FIGURAS

Figura 2.1 Prosopografia da sociedade Gentlemen of Science 54

Figura 2.2 Diagrama original de Maxwell ilustrando o seu modelo mecânico de éter. 94

Figura 3.1 Notas de Ørsted a respeito do efeito magnético causado pela passagem de

corrente em um fio.

118

Figura 3.2 Modelo cords and beads para o éter. Autor: Oliver Lodge 144

Figura 3.3 Modelo molecular de rodas concêntricas para o éter. Autor: William

Thomson 144

Figura 3.4 Modelo para explicar o efeito magneto-óptico no éter. Autor: William

Thomson

145

Figura 3.5 Modelo wheel and bands para o éter. Autor: George FitzGerald 146

Figura 3.6 Modelo giroscópico para o éter. Autor: William Thomson 148

Figura 3.7 Modelos de engrenagens para o éter. Autor: Oliver Lodge 148

Figura 3.8 Modelo de engrenagens com isolantes para o éter. Autor: Oliver Lodge 149

Figura 4.1 A cuba magnética de Mesmer. Utilizada em sessões públicas para alívio das

dores e cura de doenças.

167

Figura 4.2 O fenômeno das mesas girantes utilizado como passatempo das reuniões

sociais. 177

Figura 4.3 Planchette ou prancheta com lápis. 180

Figura 4.4 Telegrafo espiritual desenvolvido para a comunicação com os espíritos. 181

Figura 5.1 Circuito elétrico utilizado para testar possíveis fraudes pela médium Florence

Cook e Anne Fay.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 13

1 CONTEXTO HISTÓRICO E CIENTÍFICO NO SÉCULO XIX 33

2 A FILOSOFIA NATURAL BRITÂNICA DO SÉCULO XIX 49

2.1 A Fundação da British Association for the Advancement of Science (BAAS) 52

2.2 Principais centros de produção de conhecimento: Cambridge, Edinburgh e Glasgow 58

2.3 Do Mecanicismo Clássico aos Modelos Dinâmicos: o método das analogias 69

3 A CIÊNCIA VITORIANA DO IMATERIAL 102

3.1 A Teoria Ondulatória da Luz e o Éter Luminífero 105

3.2 A Termodinâmica e o Princípio da Energia 112

3.3 Das Linhas de Força ao Campo Eletromagnético 116

3.3.1 O Éter Eletromagnético: Continuidade e Energia 126

3.3.2 Os Modelos Mecânicos para o Éter Eletromagnético 142

3.4 A cultura da Física como uma forma de pensar o Espiritualismo 156

4 PANORAMA HISTÓRICO DO ESPIRITUALISMO NO SÉCULO XIX 161

4.1 Pré História do Espiritualismo: Mesmer e o Magnetismo Animal 164

4.2 O Espiritualismo Moderno 173

4.2.1 O episódio de Hydesville e as mesas girantes 175

4.2.2 As investigações acerca dos fenômenos 181

4.3 O Espiritualismo Francês 186

4.3.1 A Codificação Espírita 186

4.3.2 Contextualizando Kardec 197

4.3.3 Charles Richet e a Ciência da Metapsíquica 209

5 A CIÊNCIA DO IMATERIAL E A PESQUISA PSÍQUICA 213

5.1 A Ciência do Espiritualismo 214

5.1.1 Raios Catódicos e o OD de Reichenbach 221

5.1.2 Os Periódicos Espiritualistas 226

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5.2 Desafios da Ciência: Laboratórios, Experimentos e Instrumentação 233

5.2.1 O Telégrafo Elétrico e o Telégrafo Espiritual 233

5.2.2 As Materializações e o Princípio da Conservação da Energia 237

5.2.3 O Desafio Metodológico: Society for Psychical Research (SPR) 240

5.3 Fin-de-Siècle e Espiritualismo: Energia, Éter e Hiperespaço 242

5.3.1 A Visão Energetista de Mundo e a Criação Entrópica 243

5.3.2 A Visão Eletromagnética de Mundo e o Éter 246

5.3.3 O hiperespaço de Zöllner: o espaço quadridimensional dos efeitos psíquicos 250

6 CONCLUSÕES 254

REFERÊNCIAS 272

ANEXOS 298

Anexo A - Fluido ódico ao redor dos objetos 299

Anexo B – Relato do experimento realizado com a médium Florence Cook. 300

Anexo C - Esquema do ambiente e aparato utilizado com as médiuns Annie Eva Fay e

Florence Cook 302

Anexo D – Espírito de Katie King materializado fotografado sob luz elétrica 303

Anexo E - Artigo escrito por Crookes sobre a última aparição de Katie King 304

Anexo F - Composição da Sociedade de Pesquisa Psíquica (SPR) por ocasião da sua

fundação no ano de 1882 306

Anexo G - Composição da Sociedade de Pesquisa Psíquica (SPR) no ano de 1884. 307

Anexo H - Carta recusa de Heinrich Hertz ao convite de Oliver Lodge para participar da SPR

309

Anexo I - A Quarta Dimensão Espacial, berço da consciência superior 310

Anexo J - A Hipótese Espírita resiste ao primeiro quarto do século XX 311

Anexo K - Spirit Communicator de Thomas Edison (Ouija Elétrica). 314

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13

INTRODUÇÃO

No contexto cultural da primeira metade do século XIX, a ciência adotou uma

descrição de natureza não material, baseada nas concepções de éter e energia, para

explicar os fenômenos observados nas áreas de óptica, eletricidade e magnetismo.

Simultaneamente, despontava na Europa um movimento proveniente dos Estados Unidos,

chamado de espiritualismo moderno 1 , que elencava um conjunto de fenômenos

supostamente provocados por espíritos. Esta pesquisa se propõe a investigar quais

relações se constituíram entre a visão imaterial da natureza e o espiritualismo moderno,

que ocasionaram a investigação científica dos fenômenos psíquicos2 por expoentes da

ciência vitoriana, durante a segunda metade do século XIX. A tese a qual me proponho

desenvolver é a de que o desenvolvimento da Física, predominantemente, no período da

Inglaterra Vitoriana, foi enormemente influenciado pelas ideias do espiritualismo e

contribuíram, para debates e esclarecimentos sobre conceitos considerados fundamentais

das ciências físicas: éter, energia, forças eletromagnéticas e transmutação radioativa.

Fui motivada a realizar essa investigação quando, ao pesquisar sobre a física do

século XIX, percebi que a visão imaterial da natureza, proposta pela ciência oficial da

época, havia sido utilizada para explicar os fenômenos espiritualistas (ou psíquicos).

Dessa forma, busquei as razões que fundamentaram um afastamento progressivo do

mecanicismo material nas teorias científicas da primeira metade do século XIX. Observei

que foram os fenômenos físicos relacionados à óptica, à eletricidade e às teorias de

conservação e dissipação da energia, os que necessitaram de hipóteses explicativas

através de uma descrição não material de natureza. Os conceitos de éter e energia, que se

encontravam interligados, tornaram-se instrumentos indispensáveis nas teorias que

estudavam os fenômenos físicos baseados em explicações não mecânicas. Assim, por

estarem fundamentadas em uma visão imaterial de natureza, essas teorias representavam

uma possibilidade à investigação dos fenômenos não materiais que despontavam na

Europa em meados do século XIX.

1 Espiritualismo é o nome dado ao conjunto de movimentos centrado na prática da co-unicidade dos vivos com

espíritos dos mortos, que trazem diversos benefícios decorrentes dessa atividade. Tais benefícios, para aqueles que creem, incluem conforto pessoal, saúde, prestígio e autoridade. Ao final do século XIX passou a abrigar os fenômenos de intercomunicação entre vivos, como telepatia, premonições, déjà vu etc.

2 Materializações, aparições, telepatia e outros fenômenos de origem espiritualista, envolvendo trocas de informações entre espíritos encarnados ou desencarnados. No último quarto do século XIX, os vários fenômenos foram agrupados sob o termo “psíquicos”.

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14

Constatei que em torno de 1870, o espiritualismo vitoriano, que anteriormente era

visto como um divertimento sem compromisso das classes burguesas, assumiu um status

diferenciado ao tentar se alinhar com a ciência oficial. Este processo se deu quando

cientistas de destaque no campo da física vitoriana se propuseram a desvendar os

fenômenos psíquicos utilizando os conceitos de sua própria ciência. Posteriormente, em

1882, esse grupo de renomados e politicamente influentes pesquisadores da Física

britânica do século XIX, constituíram a chamada Society for Psychical Research (SPR).

Seu objetivo era investigar a realidade dos fenômenos psíquicos através dos métodos

críticos comuns da ciência. Eles introduziram máquinas e instrumentos na investigação

de sessões espiritualistas, os quais haviam sido recentemente desenvolvidos nos mais

modernos laboratórios de pesquisa científica. Em sua grande maioria, os membros da

SPR buscavam explicar os fenômenos espiritualistas através do éter, da energia, das

forças eletromagnéticas e, posteriormente, até da transmutação radioativa.

Motivada por essas constatações, interessei-me em pesquisar o que teria levado

esses cientistas a se envolverem na investigação dos fenômenos psíquicos, de que forma

eles acreditavam que a ciência que eles detinham poderia ajudá-los a entender esses

fenômenos e o que, posteriormente, os levou a abandonar o estudo do espiritualismo.

Conforme já relatado, todo esse interesse teve origem na década de 1850 com a

chegada do movimento espiritualista moderno ao continente e à Grã-Bretanha. Esse

movimento despertou a curiosidade de vários segmentos da população e também chamou

a atenção dos cientistas vitorianos. O interesse da classe científica se justificava pelo fato

de serem observados, nas reuniões para esse fim, vários fenômenos que sugeriam a

interação da matéria com a luz, calor e trocas de energia, objetos de investigações

científicas correntes na época.

A origem do movimento espiritualista se deu em 1848, na casa da família Fox, no

condado de Hydesville, interior do estado de Nova York. Relata-se que diariamente, antes

de se deitarem, os moradores da casa vivenciavam uma performance constituída por um

sistema de estalidos e pancadas (raps) desconhecidas. Coincidentemente, dois anos antes,

em 1846, as modernas linhas telegráficas haviam sido implantadas em condados

próximos a Hydesville, maravilhando a população local com o advento da comunicação

à distância, através de um código de pequenas batidas.

A simultaneidade de eventos entre os raps ocorridos na casa dos Fox e o código

de Samuel Morse para o telégrafo elétrico gerou uma associação de ideias. Como se

supunha que as batidas ouvidas pelos Fox eram devidas a um antigo morador que havia

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sido assassinado no local, associou-se este fato com a possibilidade de comunicação

estabelecida pelo telégrafo elétrico, tornando-se plausível, no imaginário popular, que os

espíritos daqueles que haviam morrido pudessem se comunicar com o mundo dos vivos

através de um “telégrafo espiritual”. A notícia sobre o “intercâmbio espiritual” entre as

irmãs Fox e o suposto espírito espalhou-se dos Estados Unidos para a Europa, gerando

variantes regionais francesas, britânicas e alemães.

Como um movimento globalmente ressonante, o espiritualismo atraiu um enorme

contingente, incluindo mulheres e homens de elites sociais - médicos, artistas, cientistas,

políticos e engenheiros - que muitas vezes emprestavam uma aura de respeitabilidade e

autoridade para a causa. Esse recurso foi fundamentado, em parte, pela capacidade única

do espiritualismo em recorrer a uma multiplicidade de legados filosóficos sobrepostos,

com diferentes graus de acomodação às doutrinas cristãs estabelecidas e seu diálogo com

tradições místicas tanto dentro quanto fora da Europa. O espiritualismo também se

distinguiu por seu intenso envolvimento com os quadros teóricos e práticos das profissões

emergentes, como a psicologia e a engenharia elétrica, resultando em uma apropriação

das teorias e práticas científicas utilizadas nas tecnologias de transformação do mundo

moderno ocidental.

A tentativa de apresentar o espiritualismo como um campo de interesse da ciência

vitoriana recebeu encorajamento por parte de alguns pesquisadores, enquanto muitos

outros rejeitaram considerar tais fenômenos como uma questão científica. Daqueles que

se interessaram em pesquisar o espiritualismo, grande parte era proveniente de Cambridge

e Fellow da Royal Society (FRS): Sir William Crookes3 (1832 – 1919), FRS, químico;

Cromwell Fleetwood Varley (1828 – 1883), FRS, engenheiro eletricista, responsável pela

colocação dos cabos do Atlântico de 1866; Charles Robert Richet (1850 – 1935), médico,

prêmio Nobel 1913; Oliver Joseph Lodge4 (1851 – 1940), FRS, físico integrante do seleto

grupo denominado maxwellianos, cuja pesquisa em eletromagnetismo resultou no

desenvolvimento da telegrafia sem fio; William Fletcher Barrett (1844 – 1925), FRSE5,

físico; John William Strutt6, 3rd Baron Rayleigh (1842 – 1919), FRS, físico, prêmio

Nobel 1904; Joseph John Thomson7 (1856 – 1940), FRS, físico, prêmio Nobel 1906;

3 Royal Medal (1875), Davy Medal (1888), Albert Medal (1899), Copley Medal (1904), Elliott Cresson Medal (1912).

4 Rumford Medal of the Royal Society (1898), Albert Medal (1919), Faraday Medal (1932). 5 FRSE corresponde ao título de Fellow of the Royal Society of Edinburgh.

6 Smith's Prize (1865), Royal Medal (1882), De Morgan Medal (1890), Matteucci Medal (1894), Copley Medal (1899), Albert Medal (1905), Elliott Cresson Medal (1913), Rumford Medal (1914).

7 Smith's Prize (1880), Royal Medal (1894), Hughes Medal (1902), Elliott Cresson Medal (1910), Copley Medal (1914), Albert Medal (1915), Franklin Medal (1922), Faraday Medal (1925).

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Joseph Larmor8 (1857 – 1942), FRS, FRSE, físico; Johann Karl Friedrich Zöllner (1834

– 1882). Parte deles converteu-se ao espiritualismo, como William Crookes, C. F. Varley,

Oliver Lodge e Zöllner, enquanto os demais cientistas exerceram apenas o papel de

pesquisadores de fenômenos psíquicos, sem expor sua adesão a qualquer crença.

Esse trabalho se propõe a estudar a participação e as motivações na investigação

dos fenômenos psíquicos por esse grupo de pesquisadores. Para tal, é necessário

acompanhar a construção de uma ciência do imaterial através de seus atores:

pesquisadores das ciências físicas provenientes da “Escola de Cambridge”. Aqui, a

concepção do termo “Escola” deve ser entendida como uma forma de expressar uma

escola de pensamento, além de refletir o papel educacional de Cambridge ao fornecer as

técnicas de matemática avançada para promover a modelagem dos fenômenos físicos.

Apesar de alguns membros, citados neste trabalho, serem provenientes de instituições

fora da Grã-Bretanha e com formações acadêmicas diversas, o núcleo do seu

conhecimento científico foi moldado através da matemática mista da “Escola de

Cambridge” (HARMAN, 1985).

Para o desenvolvimento dessa proposta, foram consultadas fontes provenientes de

referências tradicionais em história da ciência do século XIX, e também teses, artigos e

livros que relacionassem a ciência aos fenômenos psíquicos. Distinguem-se aqui os

periódicos e jornais espiritualistas que circulavam na Grã-Bretanha vitoriana. Estes

últimos podem ser encontrados nos acervos digitais de algumas instituições científicas e,

principalmente, em sites espiritualistas independentes que disponibilizam o acesso aberto

ao público. Um acervo bastante completo sobre os jornais espiritualistas de vários países

pode ser encontrado no site The International Association for the Preservation of

Spiritualist and Occult Periodicals (<http://www.iapsop.com>).

Os periódicos e jornais citados neste trabalho eram vistos pela população como

uma forma de divulgação do que havia de mais recente entre o espiritualismo e a ciência.

Era um fórum aberto de debates sobre qualquer assunto que envolvesse o espiritualismo

e suas relações com o cotidiano da sociedade da época, fossem essas de ordem social,

cultural ou científica. Essa identidade fica bem demarcada na década de 1870, quando os

periódicos se tornaram meios bem estabelecidos para refletir e moldar a identidade dos

grupos culturais. Da mesma forma que a ciência e as vertentes religiosas tinham suas

próprias revistas, os adeptos do espiritualismo se orgulhavam de ter periódicos que

8 Smith's Prize (1880), Adams Prize (1898), De Morgan Medal (1914), Royal Medal (1915), Copley Medal (1921)

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17

atendiam a diferentes públicos de leitura. Entre os principais se destacam: o Spiritual

Magazine (1860 – 1877) que era dirigido a espiritualistas burgueses que nutriam

simpatias pelo cristianismo; o Medium and Daybreak (1870 – 1895), que visava atingir

um público plebeu reconhecido por sua hostilidade em relação a instituições religiosas,

clericais e intelectuais estabelecidas; The Spiritualist (1869 – 1882), dedicado aos

espiritualistas mais interessados nos aspectos científicos; e o periódico Light (1881 –

ativo), fruto de um desentendimento entre membros do British National Association of

Spiritualists (BNAS) que, à época, era a entidade responsável pela publicação do The

Spiritualist. Neste trabalho escolhi como referência principal o periódico The Spiritualist,

não somente devido à sua abordagem científica dos fenômenos espiritualistas, mas

também pelo fato de seu editor estar empenhado em criar uma “ciência do espiritualismo”

juntamente com alguns dos cientistas estudados nesta tese.

Além dos periódicos, as principais fontes de consulta para esta tese foram artigos,

livros, dissertações e teses, detalhados na bibliografia. Dentre as teses e dissertações,

destaca-se Entre o discreto e o contínuo: os átomos de éter, de Tânia de Oliveira Camel

(UFRJ, 2004), por ser uma relevante referência do efeito magneto-óptico observado por

Michael Faraday (1791 – 1867), além de nos oferecer um estudo aprofundado sobre o

éter na ciência desenvolvida por William Thomson (1824 – 1907), futuro Lord Kelvin, e

um panorama geral da física do século XIX. Da perspectiva espiritualista, destaca-se O

método de Allan Kardec para investigação dos fenômenos mediúnicos (1854 - 1869), de

Marcelo Gulão Pimentel (UFJF, 2014), pela excelente síntese dos fenômenos

espiritualistas anteriores à Codificação Espírita de Kardec.

Artigos e livros que analisam a influência espiritualista na ciência vitoriana são

ainda bastante incipientes; entretanto, vale ressaltar a grande contribuição encontrada nos

artigos de Richard Noakes, professor da Universidade de Exeter, Inglaterra, cuja área de

pesquisa concentra-se nas relações históricas entre as ciências ocidentais e os aspectos

mais amplos da cultura humana, incluindo ocultismo, tecnologia e meios de comunicação

de massa. Noakes é autor de vários artigos sobre a ciência vitoriana e sua relação com os

fenômenos agrupados sob o termo “psíquicos”. Seus artigos se encontram em

<https://humanities.exeter.ac.uk/history/staff/rnoakes/>, onde estão disponíveis para

consulta pública.

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A Ciência do Imaterial é uma construção conceitual deste trabalho9, pois abrangeu

as teorias da matéria imponderável fundamentadas nos conceitos unificadores do éter e

da energia. Representou um importante marco no pensamento científico vitoriano,

influenciando a literatura, as artes e a política. Tanto Donald R. Benson10 quanto Bruce

Clarke11, estudiosos da interdisciplinaridade entre literatura, artes e ciência, são unânimes

ao afirmar a importância do binômio éter-energia para a formação e consolidação do

comportamento vitoriano.

As teorias que se utilizavam dos conceitos imateriais como hipótese explicativa,

tiveram um caráter unificador e heurístico durante todo o século XIX. Donald Benson

argumenta que elas foram fundamentais na explicação de várias situações nas ciências,

mas particularmente úteis nas questões que envolveram a teoria ondulatória da luz para

descrever a interação entre corpos eletrizados ou magnetizados, na concepção do conceito

de campo e no desenvolvimento de geometrias não euclidianas, que constituíram um

desafio teórico para o espaço absoluto (BENSON, p. 829, 1984).

Apesar de o éter nunca ter sido confirmado empiricamente, ao final do século XIX

sua concepção deu origem à visão eletromagnética de mundo12, unificando todas as

interações conhecidas na física: o éter era o meio responsável pela propagação das ondas

eletromagnéticas, armazenamento de energia, berço da matéria e conceito fundamental

para compreender todo e qualquer interação com o fenômeno.

A linha de apresentação adotada nesse trabalho investiga a construção da ciência

do imaterial, sua relação e suporte ao desenvolvimento das teorias psíquicas por cientistas

provenientes da “Escola de Cambridge”. Para isso analisa-se a formação acadêmica e os

princípios filosóficos adotados por esta escola, através de um panorama histórico que

percorre o século XIX e aborda os aspectos culturais e sociais envolvidos ao longo das

duas primeiras revoluções industriais.

A inter-relação entre tais aspectos é inicialmente apresentada através do primeiro

capítulo, denominado Contexto Histórico e Científico do Século XIX. Este capítulo

9 Este termo não se refere à ciência laplaciana praticada no século XVIII, que considerava os fluidos imponderáveis

como hipótese explicativa dos fenômenos. No século XIX, os positivistas descartavam o uso dos fluidos imponderaveis como hipóteses metafísicas. Já a ciência desenvolvida no século XIX, especialmente a eletrodinâmica, a termodinâmica e os conceitos de conservação e dissipação de energia, permanecem fazendo parte do corpo principal da Física Clássica contemporânea.

10 Donald R. Benson (1927 –1998) foi catedrático da Iowa State University (ISU) e sua pesquisa explorava as relações existentes entre literatura, ciência e artes.

11 Bruce Clarke é catedrático do departamento de literatura e ciência na Texas Tech University (TTU). Sua pesquisa está centrada na literatura e ciência do século XIX, com interesses especiais na teoria dos sistemas, na teoria narrativa e na ecologia.

12 Proposta por Wilhelm Wien e Max Abraham na última década do século XIX.

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teve o objetivo de descrever qual foi o papel da ciência, do conhecimento especializado

e da sociedade na criação de tecnologias importantes durante a industrialização britânica.

Aborda como se deu a geração de novos conhecimentos tecnológicos, um dos processos

mais cruciais de crescimento econômico, e sugere que o curso da industrialização

britânica foi significativamente moldado pela natureza de suas instituições elitistas, que

privilegiou ricos e influentes e rejeitou abertamente a noção de que o conhecimento útil

poderia se originar entre a classe trabalhadora.

Conforme B. Zorina Khan 13 destaca, a inventividade tecnológica e os

fundamentos científicos e técnicos tão necessários e cruciais para o desenvolvimento e a

criação de equipamentos, só surgiram com a Segunda Revolução Industrial, gerando a

chamada época de ouro da ciência britânica (KHAN, 2015).

A percepção de que o conhecimento científico poderia ser benéfico para os

investimentos e as demandas sociais, fez com que os investidores e o próprio governo

reconhecessem o papel cada vez mais importante da ciência. O apoio político e

econômico recebido pela ciência dos vários setores da sociedade explicou o

desenvolvimento de uma ciência cada vez mais experimental e investigativa, exigindo

instrumentos novos e sofisticados e a necessidade de laboratórios amplos e bem

equipados. A pesquisa científica tornou-se, assim, uma atividade altamente dispendiosa

que, para ser eficiente, requeria, além de grandes investimentos, profissionais de alta

performance que pudessem lidar com sua crescente complexidade.

A análise apresentada no segundo capítulo, A Filosofia Natural Britânica do

Século XIX, mostra que o desenvolvimento de novos conceitos e novas técnicas, nesse

século, estimularam as universidades a se dedicarem à formação dos futuros

pesquisadores. Nas duas primeiras subseções, aborda-se como a influência aristocrática e

religiosa sobre as universidades, e a falta de ação dos meios acadêmicos e universitários,

contribuíram para a formação da British Association for the Advancement of Science

(BAAS). O fato da BAAS ser controlada por um pequeno grupo de elite das ciências

físicas, chamados de Gentlemen of Science, consolidou o papel da ciência como o modo

dominante de cognição da sociedade industrial. Entende-se, portanto, que a educação

universitária era estratégica para essa elite e que, através de sua influência, vários

membros da BAAS ocuparam importantes cátedras nas universidades mais influentes,

dominando a educação universitária na Escócia e em Cambridge. A partir da presença da

13 Bibi Zorina Khan é professora catedrática do Departamento de Economia de Bowdoin College, Maine (EUA) e

Pesquisadora Associada do National Bureau of Economic Research em Massachussets (EUA).

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BAAS nas cátedras das universidades, realiza-se um estudo comparativo da educação

universitária ministrada em Cambridge, Edinburgh e Glasgow, discutindo os programas

de pesquisa em ciências físicas e filosofia de cada uma das universidades, a fim de

compreender a influência da ciência escocesa na construção da física britânica. Detalham-

se os pontos mais relevantes dos programas de pesquisa das universidades citadas,

destacando-se que o estudo da filosofia natural nas universidades de Edinburgh e

Glasgow possuía um forte enfoque nas analogias, nas conexões e na unidade da natureza,

enquanto Cambridge oferecia uma base intensa em matemática avançada, chamada de

matemática mista14.

A junção da matemática mista de Cambridge com a filosofia natural proveniente

de Glasgow, através de William Thomson, e de Edinburgh, através de James Clerk

Maxwell (1831 – 1879), combinou a aptidão escocesa para a profundidade filosófica com

a sofisticação matemática e predileção britânica por modelos concretos. Desempenhou,

assim, um papel formativo único na modelagem da física britânica do século XIX.

As inovações teóricas e conceituais, que levaram à consolidação de algumas das

principais teorias da física clássica na Grã-Bretanha, foram responsáveis pelo

desenvolvimento e aplicação de uma metodologia na qual se destacava a utilização de

modelos e analogias. Essa análise é realizada na subseção Do Mecanicismo Clássico aos

Modelos Dinâmicos, onde se evidenciam as conexões entre os novos métodos de

Cambridge e as correntes filosóficas e cientificas externas. Enfatiza-se a ligação entre esta

metodologia e a tradição dinamista desenvolvida em Cambridge, como substituta da visão

mecanicista anteriormente prevalecente. As transformações conceituais aqui enfocadas

coincidem com o período de fundamentação das grandes teorias da física clássica, como

a termodinâmica e a eletrodinâmica clássica, desenvolvidas através de relações de

analogia.

O método das analogias é abordado como uma sequência natural da tradição

dinamista, uma vez que é considerado como um dos constituintes básicos do

desenvolvimento científico e de grande contribuição na transição dos modelos mecânicos

para os modelos dinâmicos. Segundo Mary Hesse, há dois tipos de analogia: a analogia

formal e a analogia física ou material. No primeiro caso, as mesmas relações axiomáticas

e dedutivas relacionam sujeitos e predicados de sistemas análogos, que são descritos por

14 Era uma Física matematicamente rigorosa aplicada a teorias não mecânicas, como óptica, calor e eletricidade.

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equações semelhantes. No caso de uma analogia material, há também semelhanças físicas

entre os sistemas (HESSE, 1974).

As analogias foram importantes ferramentas para os pesquisadores, pois estes

buscavam explicações mecânicas para uma grande variedade de fenômenos, incluindo

eletricidade e magnetismo. Um dos métodos utilizados para descrever os fenômenos

eletromagnéticos foi através de analogias com sistemas físicos já conhecidos e bem

estudados como, por exemplo, a propagação do calor, movimento de fluidos e estudo de

corpos sólidos elásticos, entre outros. Estas analogias tinham um forte caráter

matemático, mas também uma preocupação em permitir a formação de uma imagem

mental dos fenômenos eletromagnéticos.

A utilização e evolução das analogias formais e físicas é explorada nesse capítulo

através da construção da eletrodinâmica de Maxwell. Aborda-se a estruturação do

conceito de campo e a construção dos vários modelos mecânicos de éter para explicar a

corrente de deslocamento e a indução eletromagnética. A posterior “desmecanização” do

éter por Maxwell sugere a contribuição da visão dinamista para o desenvolvimento de

uma ciência gerada sobre analogias formais e tendo por base o éter como hipótese

unificadora para todos os fenômenos físicos. Nessa subseção, a abordagem é explorada a

partir da década de 1840, quando William Thomson elaborou as analogias formais entre

eletrostática e fluxo de calor como um ponto de partida em direção a analogias “mais

verdadeiras” que poderiam resultar em uma teoria mecânica para a propagação das forças

elétrica e magnética.

A utilização de analogias por William Thomson influenciou bastante o jovem

Maxwell. Para ele, relacionar eletromagnetismo com uma teoria de éter era importante,

pois lhe parecia fundamental a existência de modelos mecânicos adequados para explicar

os fenômenos físicos e que, ao mesmo tempo, permitissem formar uma imagem mental

destes fenômenos. Mas até que ponto essas imagens eram uma representação literal da

realidade? Observa-se, na discussão do capítulo, que William Thomson e Maxwell

utilizaram a linguagem matemática como elementos estruturantes da teoria

eletromagnética e não como mera descrição de aspectos empíricos. Maxwell entendia que

uma analogia formal entre equações não implicava uma identidade do processo físico ou

da substância. Assim, tais modelos não deviam ser entendidos como uma representação

da real constituição do éter, e sim como uma ferramenta heurística (KNUDSEN, 1976).

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Conclui-se que o uso da matemática mista de Cambridge, aliada à filosofia natural

escocesa, levou a Física britânica ao desenvolvimento de concepções abstratas

amplamente utilizadas como ferramentas heurísticas, ou não, e na compreensão dos

fenômenos físicos observados. Iniciava-se aí o desenho de uma ciência baseada em

conceitos imponderáveis e unificadores: éter e energia. Essa situação é explorada no

terceiro capitulo, a Ciência Vitoriana do Imaterial, onde se apresenta um breve percurso

histórico das alterações conceituais sofridas pelo éter e discutem-se os desafios da ciência

vitoriana, mostrando que desvendar a estrutura física do éter e sua relação com a matéria

foi seguramente um dos objetivos mais perseguidos da história da Física britânica ao

longo do século XIX.

As subseções A Teoria Ondulatória da Luz e o Éter Luminífero, e A

Termodinâmica e o Princípio da Energia, tratam da concepção da matéria como um

contínuo, as teorias do éter como plenum universal, sólido elástico, eletromagnético e

rotacional elástico. Todas essas suposições demonstraram os vários modelos mecânicos

possíveis para representar um éter intermédio dos fenômenos de calor, elétricos, ópticos

e magnéticos. Repletas de contradições, as teorias para elaborar um modelo mecânico

para o éter permearam todo o século XIX.

Apresenta-se, em seguida, como a teoria ondulatória da luz se consolidou após a

observação de Thomas Young (1773 – 1829), Augustin-Jean Fresnel (1788 – 1827) e as

diversas tentativas de elaboração de um modelo mecânico de éter capaz de transmitir as

ondas transversais. Relatam-se as várias teorias de um éter sólido-elástico que surgiram

durante a primeira metade do século XIX e como os modelos mecânicos buscavam a

“realidade” da estrutura subjacente do éter, construída a partir da inferência de suas

propriedades extraídas das observações dos fenômenos físicos.

Desenvolver uma imagem mecânica consistente e adequada do éter foi uma

consequência da visão mecanicista de natureza, que recebeu reforços, em meados do

século XIX, através do estudo realizado por James Prescott Joule (1818 – 1889) sobre o

equivalente mecânico do calor. Nesse estudo, Joule mostrou que a energia era a

quantidade a ser conservada durante uma transformação, tornando-se a entidade que

uniria os diferentes fenômenos da natureza. Os conceitos de éter e energia estavam tão

intimamente ligados, que Bruce Clarke argumentou que eles eram tais quais gêmeos

siameses15 (CLARKE, 2001, p. 163).

15 “When the laws of thermodynamics were first formulated in the 1850s and 1860s, the concept of physical energy

arrived already attached, like a Siamese twin, to another scientific hypothesis positing the universal presence of

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Na subseção Das Linhas de Força ao Campo Eletromagnético destaca-se que a

pesquisa de um éter como meio dos fenômenos elétricos, magnéticos e ópticos recebeu

uma forte contribuição do dinamismo e dos aspectos conceitual, filosófico e experimental

das teorias de Faraday.

Relata-se ainda o impacto inicial que a observação de Hans Christian Ørsted

(1777 – 1851) e os trabalhos de Jean Marie Ampère (1775 – 1836) e Faraday causaram

na compreensão da inter-relação entre os fenômenos da eletricidade e do magnetismo.

Apresenta-se a investigação de Faraday sobre a interação existente entre as forças da

matéria, sua concepção das “linhas de força” e os motivos que o faziam rejeitar a ideia do

éter. O efeito magneto-óptico observado por Faraday, em 1845, reforçou sua

suspeita de que a luz estaria relacionada à eletricidade e ao magnetismo, levando-o

a imaginar que as linhas de força surgiam de cada centro de força e se espalhavam

pelo espaço. Essa concepção pode ser entendida como a base conceitual do conceito

de campo eletromagnético proposto mais tarde por Maxwell.

Michael Faraday possuía extraordinária intuição científica, porém não era

capaz de formular matematicamente seus resultados. Percebendo a potencialidade

destes, Maxwell formalizou matematicamente as concepções de Faraday para os

fenômenos elétricos e magnéticos, pressupondo um éter mecânico para dar suporte aos

fenômenos descritos. Maxwell reintroduz o éter em sua teoria eletromagnética, como

sendo o meio responsável pelo processo de transmissão das ações elétricas e magnéticas.

Ainda dentro desse item, as subseções O Éter Eletromagnético e Modelos

Mecânicos para o Éter Eletromagnético apresentam a discussão realizada por Maxwell

sobre as linhas de força e a elaboração dos artigos que deram corpo à obra A treatise on

electricity and magnetism, em 1873. Relatam a percepção de Maxwell sobre a existência

de uma interconexão entre os conceitos de éter e energia, sua tentativa de elaborar um

modelo mecânico de éter que explicasse os fenômenos de carga e corrente elétrica, a

inclusão do formalismo lagrangeano, a introdução do conceito de campo eletromagnético

e, finalmente, a abordagem dinamista no sentido da desmecanização de sua teoria.

Mostra-se que, no artigo de 1864, sem qualquer suposição mecânica para a estrutura

subjacente do éter, Maxwell identifica o éter luminífero e o éter eletromagnético como o

mesmo meio e propõe uma nova entidade, o “campo eletromagnético”.

a subtle ethereal medium…”. Bruce Clarke é professor de Literatura e Ciências do Departamento de Inglês da Texas Tech University. Sua pesquisa centra-se na literatura e na ciência dos séculos XIX e XX, com interesses especiais na teoria dos sistemas, teoria narrativa e ecologia.

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Após o falecimento de Maxwell, uma nova geração de físicos levou a sério a

noção de campo eletromagnético proposta por Maxwell. O grupo, conhecido por

maxwellianos, que desenvolveu o trabalho de Maxwell após seu falecimento, aplicou uma

sofisticada matemática ao trabalho de Maxwell e mostrou que poderiam ser encontradas

formas de detectar a propagação das ondas eletromagnéticas através do éter.

Observa-se claramente, no texto, que a influência de William Thomson

contribuiu para retomar a “mecanização” do eletromagnetismo, apesar de Maxwell

haver descartado a utilização de modelos mecânicos para o éter. Assim, William

Thomson e os maxwellianos se concentraram em tentar explicar as equações de

Maxwell e o eletromagnetismo em termos de um modelo de éter com estrutura

interna e dotado de movimento. No uso desses modelos, o grupo buscava encontrar

o mecanismo dos fenômenos eletromagnéticos. O último e mais ousado modelo de

éter britânico, que surgiu para explicar a interação entre éter e matéria, foi

apresentado por Joseph Larmor (1857 – 1942) no ano de 1893. Nele o éter é

representado como um meio fluido, homogêneo e dotado de elasticidade rotacional

latente. Era um puro continuum com elasticidade, inércia e a permissão da

continuidade do movimento como suas únicas propriedades últimas e fundamentais.

Nenhuma estrutura interna era admitida, pois seu éter não era uma estrutura feita de

matéria (LARMOR, 1894). Larmor ressaltava o valor do formalismo lagrangeano

da dinâmica que permitia que os detalhes do mecanismo fossem ignorados. Seu

modelo era meramente uma representação: não tinha outras pretensões que não

fossem ilustrativas e heurísticas.

A teoria de éter apresentada por Larmor (1893) emergiu quase

simultaneamente à teoria de Hendrik Antoon Lorentz (1853 – 1928) apresentada no

ano de 1892. Entretanto, a formulação proposta por Lorentz foi a única que postulou a

existência de partículas carregadas nos corpos materiais e forneceu a necessária

explicação para os resultados negativos para o vento de éter, obtidos por Albert Abraham

Michelson (1852 – 1931) e Edward Williams Morley (1838 – 1923) ao longo da década

de 1880.

O texto destaca que no fin-de-siècle, ou seja, na década de 1890, todas as novas

observações no campo da Física apontavam no sentido de ratificar a existência do éter

eletromagnético como o meio onde as ondas eletromagnéticas se propagavam. Os raios

X e a radioatividade, como radiações eletromagnéticas, revelaram um novo mundo

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repleto de energia armazenada em um éter, supostamente contínuo, e abriu uma nova

perspectiva na Física.

Na subseção A cultura da Física como uma forma de pensar o Espiritualismo,

mostra-se que essa nova “visão de mundo” introduziu mudanças radicais, não somente

na análise dos problemas científicos, mas também no imaginário da população

vitoriana. O universo passou a ser permeado por uma substância imaterial, contínua e

atrelada a uma qualidade denominada energia. Com a popularização dos conceitos

científicos, estes passaram a ser entendidos como aplicáveis a todas as áreas onde a

imaterialidade era usada para a especulação sobre conceitos sobrenaturais ou místicos.

Enquanto alguns cientistas descartaram a veracidade dos fenômenos, outros

argumentaram que estes necessitavam uma investigação científica adequada. Assim, a

noção de que o universo era permeado por uma substância imaterial que permitia

comunicar-se à distância através do telégrafo, fez o público vitoriano crer na possibilidade

da comunicação com um universo constituído por substâncias imponderáveis capazes de

colocá-los em contato com o “mundo dos mortos”.

Evidentemente, a tentativa de obter contato com os mortos e a crença na existência

de vida após a morte sempre foi acalentada através da religiosidade da população

europeia. No capítulo Panorama Histórico do Espiritualismo no Século XIX aborda-se

a origem do movimento espiritualista moderno, cujo recorte se dá a partir dos relatos e

concepções desenvolvidas no final do século XVIII por Franz Anton Mesmer (1734 –

1815). Ele concebia a existência de uma matéria sutil, veículo do magnetismo animal,

como o princípio da vitalidade orgânica. O texto prossegue apresentando a importância

do mesmerismo entre os membros da corte francesa e sua posterior influência no

desenvolvimento da ciência da hipnose pelo cirurgião escocês James Braid (1795 –

1860). Relata como, em 1848, os fenômenos espiritualistas ganharam uma nova vertente

com o surgimento de pancadas (raps) e ruídos nos móveis da residência da família Fox

e como suas filhas mais novas tiveram a ideia de estabelecer um código de comunicação

com o autor dos raps, supostamente “desencarnado”. Por intermediarem uma

comunicação com o “mundo dos espíritos”, semelhante ao código Morse, as meninas

foram chamadas de “médiuns” e o movimento foi batizado como espiritualismo

moderno.

Aborda-se como esse acontecimento se tornou um grande movimento social que, ao

chegar à Europa, se expressava fisicamente através de fenômenos que impressionavam o

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público: as mesas giravam (table-turning), as pranchetas (planchettes) escreviam

mensagens do além, aparições eram fotografadas e pessoas falecidas podiam se

materializar.

Neste item, destacam-se as duas vertentes diferentes do mesmo movimento que se

sobressaíram na Europa: uma na França e outra na Grã-Bretanha. Na França, pelas mãos

de Allan Kardec (Hippolyte Leon Denizard Rivail, 1804 – 1869), o movimento

espiritualista se expressou através de uma doutrina filosófico-científica denominada

espiritismo, cujas bases doutrinárias pregavam a reencarnação como consequência do

conceito de causa e efeito. Detalha-se o processo de criação da Codificação Espírita

francesa, as prováveis causas do seu declínio e a criação da ciência da metapsíquica, por

Charles Richet, como uma alternativa ao espiritismo.

A Grã-Bretanha não acolheu o espiritismo e seus dogmas doutrinários por não

haver aceitação nem da ideia de reencarnação, nem da transmigração das almas. A

fenomenologia espiritualista foi, inicialmente, amplamente investigada por nomes como

Michael Faraday, Jacques Babinet (1794 – 1872), Nicolas Camille Flammarion (1842 –

1925), William Crookes e outros. Observa-se na narrativa que três hipóteses

sobressaíram no sentido de explicar as origens da movimentação dos objetos: a hipótese

fluidista, que se apoiava no magnetismo animal e/ou no OD de Reichenbach16; a hipótese

da “ideia dominante”17 defendida pela classe médica e a hipótese espiritualista que

atribuía à ação de inteligências desencarnadas.

Essa última hipótese, defendida por Camille Flammarion, William Crookes e

Cromwell Varley, representou a base para que os adeptos do espiritualismo vitoriano,

leigos e cientistas, tentassem consolidar uma “ciência do espiritualismo” através da

apropriação dos conceitos de éter e energia.

Essa busca para estabelecer uma “ciência do espiritualismo” é discutida no

capítulo A Ciência do Imaterial e a Pesquisa Psíquica. Neste, apresenta-se um breve

percurso sobre o espiritualismo vitoriano, mostrando que este floresceu em um período

no qual era preciso se valer da autoridade científica para ratificar qualquer

empreendimento.

16 Fluido presente na natureza e não identificado pela ciência. Esse fluido havia sido fotografado por Karl

Reichenbach, recebendo a designação de força ódica, fluido ódico ou simplesmente OD, e seria responsável pelas manifestações psíquicas pois atuaria como um transdutor entre o espírito e a matéria densa.

17 Concepção do médico escocês James Braid, justificava que a rotação das mesas seria o resultado da ação muscular sem esforço consciente produzida por um forte desejo, uma ideia fixa dos participantes em obter o efeito de movimentação.

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Apresenta-se um percurso temporal, mostrando de forma mais detalhada as

discussões entre os fluidistas, médicos e espiritualistas na construção da “ciência do

espiritualismo”. Essa apresentação inicial se faz necessária, pois os rápidos

desenvolvimentos das ciências e sua aplicação possibilitaram a criação de um grande

volume de instrumentos, inspiraram a confiança de que a extensão do conhecimento

científico se daria em territórios inexplorados e que a descoberta de novos fatos e leis

naturais continuariam a um ritmo cada vez maior.

Destaca-se a influência que os periódicos exerceram na construção do

conhecimento e na identidade das diferentes culturas do século XIX. Segundo Camel,

essa mescla entre valores do contexto cultural e das ciências vitorianas pode ser

compreendida pela interdependência entre ambos. As teorias, científicas ou não,

produzidas no período vitoriano, refletiram a visão britânica de natureza da época, que

considerava a unidade, a continuidade e a harmonia entre ciência e teologia como valores

muito estimados (CAMEL, 2004).

A importância dos periódicos como formadores de opinião, divulgadores de

conteúdo e articuladores de uma ciência espiritualista, é apresentada na subseção A

Ciência do Espiritualismo. Aqui relata-se a apropriação, pelos espiritualistas, do

vocabulário fluidista do início do século XIX. Elencam-se alguns jornais e detalha-se,

mais especificamente, a articulação do semanário The Spiritualist na criação de uma

ciência do espiritualismo. O fundador e editor do The Spiritualist, William Henry

Harrison (1841 – 1897), produzia conteúdo dedicado aos espiritualistas mais interessados

nos aspectos científicos (OPPENHEIM, 1985, p. 44-9). Através dele, Harrison se mostrou

um dos articuladores mais profícuos do movimento espiritualista vitoriano, discutindo

nos editoriais sua preocupação em combater o materialismo nas ciências oficiais. Seus

leitores, adeptos do espiritualismo, acreditavam que a ciência espiritualista seria o

próximo passo no progresso intelectual da raça humana e acusavam a ciência oficial de

ser cega para todo e qualquer fenômeno que estivesse além da questão ponderável.

Afirmavam que espírito, alma e matéria eram formas diferentes de uma substância ou

poder imaterial subjacente que, dependendo do viés do praticante, era identificado com

os éteres dos filósofos e físicos (JONES, 1861). Dessa forma, os espiritualistas

encontraram na utilização dos fluidos imponderáveis o idioma necessário para dar

justificação filosófica, brilho científico aos seus discursos e legitimar a ideia de uma

ciência espiritualista como uma ciência natural.

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Oppenheim delimita o início do período científico-espiritualista na década de 1870.

Esse período inicia-se a partir da na qual Alfred Russel Wallace (1823 – 1913) admite

publicamente sua crença na realidade objetiva dos fenômenos espiritualistas e a utilização

de instrumentos científicos nas sessões mediúnicas. Em Desafios da Ciência:

Laboratórios, Experimentos e Instrumentação, discute-se a instrumentalização das

sessões mediúnicas, enfatizando a complexa relação existente entre o espiritualismo e a

instrumentação de laboratório no século XIX.

Apresenta-se a metodologia empregada na reunião mediúnica de 1874, na casa de Sir

William Crookes, onde Cromwell Fleetwood Varley (também amigo pessoal de William

Thomson e engenheiro eletricista responsável pela manutenção dos cabos telegráficos

submarinos da década de 1860) participou na condição de experimentador. Nessa reunião,

ele teve a oportunidade de realizar um teste de continuidade em uma médium de

materialização, utilizando o mesmo galvanômetro empregado nos testes dos cabos

telegráficos do Atlântico. Essa metodologia ficou conhecida como “telégrafo espiritual”.

Para alguns espiritualistas, o teste de Varley também pareceu anunciar uma nova

abordagem do espiritualismo por parte dos pesquisadores das ciências oficiais e,

certamente, atendeu as expectativas de atrair outros cientistas para a investigação do

espiritualismo (COLEMAN, 1874, p. 177).

A tentativa de conciliar o princípio da conservação da energia com os efeitos físicos

apresentados pelos médiuns, requereu uma nova abordagem metodológica e o

desenvolvimento de novos instrumentos de medida. A metodologia empregada por

Harrison e seus colegas foi exatamente do tipo que excitou importantes nomes da ciência

oficial a fundarem, na Inglaterra, a Society for Psychical Research (SPR), o símbolo mais

representativo do interesse vitoriano no oculto18.

A SPR é analisada na subseção O Desafio Metodológico: Society for Psychical

Research, onde se relata que sua criação, em 1882, teve como objetivo a pesquisa

psíquica — terminologia adotada pela sociedade e que representava a pesquisa dos vários

fenômenos de origem espiritualista — através de uma metodologia científica que inferia

a veracidade, ou não, dos fenômenos psíquicos. Era constituída por muitos luminares da

ciência oficial, tais como Alfred Wallace, William Crookes, Oliver Joseph Lodge,

William Fletcher Barrett, John William Strutt (Lord Rayleigh), Joseph John Thomson,

18 O “oculto” englobava um vasto conjunto de fenômenos que se valiam, não só da hipótese de existência de

espíritos, como também sobre fenômenos realizados pelos “poderes” inerentes aos homens. O oculto envolvia magia e sortilégios, encantamentos, etc.

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William James (1842 – 1910), Camille Flammarion, Charles Richet e outros. Surge daí

uma nova classe de estudioso no cenário intelectual vitoriano: o pesquisador psíquico.

Segundo Camille Flammarion, esse pesquisador seria um especialista com “mente

analítica e compreensão abrangente” que executaria uma “pesquisa sistemática,

realizando o registro preciso de fatos observados e publicando resultados cuidadosamente

tabulados” (Light, 1885, p. 600). As palestras públicas de membros da SPR, mais

especificamente William Crookes e J. J. Thomson, permitiram ao público vitoriano

construir a visão de que a ciência oficial estaria “revisando” suas teorias, pois tanto

Crookes quanto J. J. Thomson enfatizavam que a matéria era melhor compreendida, no

momento, como algo fundamentalmente imaterial. As investigações realizadas pela SPR

diminuíram muito até meados da década de 1890, tornando-se inexpressiva no cenário

espiritualista.

O período que compreende a última década do século XIX é explorado na subseção

Fin-de-Siècle: Energia, Éter e Hiperespaço, onde se apresenta a tentativa de estabelecer,

na última década, um programa alternativo à visão mecanicista da Física através das

ciências da termodinâmica e da eletrodinâmica. Um novo programa de pesquisa, o

energetismo, envolvia uma termodinâmica unificada e generalizada, e se consolidou

através de Georg Ferdinand Helm (1851 – 1923) e Friedrich Wilhelm Ostwald (1853 –

1932) ao concluírem que a energia era um conceito mais fundamental que a matéria. Os

energetistas argumentavam que o conceito de energia era completamente anti-materialista

e poderia ser generalizado incluindo os fenômenos mentais. Kragh (2008) relata que

Ostwald acreditava que uma ciência totalmente baseada no conceito de energia resultaria

em um mundo melhor, tanto material quanto espiritualmente falando. Na Grã-Bretanha,

houve total indiferença dos físicos britânicos pela visão abstrata, anti-metafísica e

positivista do programa energetista. A visão energetista de mundo, que não era consenso

na Alemanha, foi ignorada pelos físicos vitorianos, que enxergavam a entidade

fundamental da Física como sendo o éter. O conceito de energia era uma qualidade dessa

estrutura imaterial cuja existência era inquestionável.

Ainda em termodinâmica, discute-se o cenário da morte térmica (death heat) do

mundo, como decorrência da formulação da segunda lei da termodinâmica. Esse cenário

era uma previsão cientificamente baseada, pois levava à conclusão de que o mundo

deveria ter tido um começo no tempo: a criação entrópica. Assim, se um começo

cósmico implicava em criação, esta criação implicava na existência de um criador.

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Segundo Kragh (2008), a segunda lei da termodinâmica foi usada como uma prova

científica da existência de Deus.

Na subseção A Visão Eletromagnética de Mundo e o Éter, apresenta-se o

desenvolvimento de um programa de pesquisa que resultou na redução de todos os

fenômenos físicos à eletrodinâmica. Descrever a natureza em termos do éter esbarrava na

qualidade fundamental da matéria, que era sua massa, a qual não se conseguia explicar

em termos do éter. Entretanto, a eletrodinâmica desenvolvida pelos maxwellianos

forneceu mecanismos para definir a massa de partículas carregadas em termos de

parâmetros eletromagnéticos e manter as mesmas propriedades da massa comum

(inercial/gravitacional). Relatam-se as características básicas desse programa de pesquisa

realizado por Wilhelm Wien19 (1864 – 1928) em 1900, e que Max Abraham (1875 –

1922), em 1905, chamou de visão eletromagnética de mundo, uma expressão que

indicava o alcance e as ambições da teoria. No que concerne ao aspecto ontológico,

afirmava-se que nada mais havia para a realidade física do que aquilo que a ciência do

eletromagnetismo nos dizia. Toda a matéria era constituída por estruturas etéreas. Quanto

ao aspecto metodológico, o programa de pesquisa eletromagnético foi marcadamente

reducionista, uma teoria de tudo na qual a massa era de origem eletromagnética.

Na sequência dessas descobertas, seguiram-se várias outras relacionadas aos raios

catódicos, tais como os raios X e a radioatividade. Reivindicações da existência de novas

radiações revelaram-se infundadas; porém, em 1896, Gustave Le Bon (1841 – 1931)

contou com o apoio do matemático e físico Jules Henri Poincaré (1854 – 1912) ao

anunciar a observação do que ele chamou de luz negra, um novo tipo de radiação

invisível. Sua principal concepção baseava-se no fato de que toda a matéria é instável e

degenerada, irradiando constantemente raios sob a forma de raios-X, radioatividade e luz

negra. As qualidades materiais eram consideradas epifenômenos exibidos pela matéria no

processo de sua transformação para o éter imponderável, a partir do qual ela

anteriormente se originou; por isso, a matéria não poderia ser explicada em termos

objetivos. O fato de que energia e a matéria seriam dois lados da mesma realidade levaria,

futuramente, a uma espécie de estado etéreo puro seguido por um novo nascimento

cósmico e criando um processo cíclico que continuaria eternamente (LE BON, 1907, p.

315).

19 Wilhelm Carl Werner Otto Fritz Franz Wien.

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31

A extensão dos resultados da nova visão de mundo, constituída por éter e energia,

a áreas de natureza não científica, como alquimia, ocultismo, espiritualismo e crenças

paranormais, continuou a atrair o interesse de muitos cientistas. Talvez a junção mais

interessante entre o espiritualismo e a ciência tenha vindo pelas mãos do professor de

Física e Astronomia de Leipzig, Johann Zöllner. Na última subseção, O hiperespaço de

Zöllner: o espaço quadridimensional dos efeitos psíquicos, mostra-se que o interesse de

Zöllner no espiritualismo ocorria por ele estar convencido de que os fenômenos

pertenciam ao domínio da ciência. Sua crença na realidade das manifestações

espiritualistas fez Zöllner publicar, em 1879, um livro denominado Transcendental

physics, no qual ele apresentava o projeto de uma Física transcendental que incluía

fenômenos materiais e espirituais. Para acomodar esses processos, Zöllner desenvolveu

uma hipótese de uma quarta dimensão do espaço como o local onde ocorriam os

fenômenos psíquicos. Embora os modelos de hiperespaço do éter fossem bem conhecidos

de alguns matemáticos no fin-de-siècle, para a maioria dos cientistas eles representavam

uma especulação inofensiva sem qualquer possibilidade de uso científico.

Para os pesquisadores das ciências que desenvolviam pesquisas psíquicas, as teorias

e os fenômenos, acompanhado dos conceitos de éter e energia e radiação, tornaram os

efeitos psíquicos mais plausíveis de existência e, consequentemente, as pesquisas

psíquicas cientificamente mais promissoras. Entretanto, observa-se que nenhum desses

fatores, tomado individualmente, seria suficiente para explicar o envolvimento desses

cientistas de grande renome na investigação de aparições, materializações, telepatia etc.

Observa-se que, no período que vai do último quarto do século XIX até as duas primeiras

décadas do século XX, houve uma combinação de fatores intelectuais, religiosos e

sociais, que motivaram os pesquisadores psíquicos a explorarem esta região fronteiriça.

Entre os fatores intelectuais, destaca-se a motivação para investigar possíveis leis

que regeriam os novos fenômenos até então desconhecidos para as ciências estabelecidas.

Um bom exemplo desse pensamento foi dado pelo maxwelliano Oliver Heaviside (1850

– 1925) (Oliver Lodge Papers, apud NOAKES, 2008b, p. 327) ao sugerir que os raios X

ou alguma outra teoria física para a telepatia seria auxiliar na compreensão da “ciência

bastarda” do espiritualismo. Já dentro dos fatores religiosos, destaca-se que o

materialismo, em todas as suas formas filosóficas, era visto como inimigo por esse

segmento da população. Assim, os adeptos pareciam estar mais preocupados em combater

o materialismo nas ciências oficiais, que negava a existência de um mundo invisível e um

criador. Por último, nos fatores sociais, discute-se uma controversa hipótese apresentada

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por Brian Wynne (1979) na qual as concepções de éter, desenvolvidas pelos físicos de

Cambridge no último quarto do século XIX, teriam servido a propósitos sociais

relacionados a contextos políticos. Seu status como um meio contínuo e superior ao

domínio da matéria ponderável, tornava-o um poderoso símbolo natural para reparar a

fragmentação de pensamento e política que a elite conservadora associou ao surgimento

das classes médias.

A proposta unificada da Física, baseada nas construções imateriais de éter e

energia, entrou em seu declínio no período de 1915 a 1920, com a formulação da

Mecânica Quântica e da Relatividade Especial, tornando obsoleta a visão de mundo etéreo

e, consequentemente, desmontando essas hipóteses explicativas dos fenômenos

psíquicos.

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1 CONTEXTO HISTÓRICO E CIENTÍFICO NO SÉCULO XIX

O século XIX inicia-se sob a influência da “dupla revolução”, termo utilizado pelo

historiador Thomas Hobsbawm para se referir à Revolução Industrial na Grã-Bretanha e

à Revolução Francesa, ambas ocorridas na segunda metade do século XVIII. Segundo sua

análise, o movimento britânico foi gestado nos últimos vinte anos do século XVIII, na

Inglaterra,

[...] a certa altura da década de 1780, e pela primeira vez, na história da

humanidade, foram retirados os grilhões do poder produtivo das sociedades

humanas, que daí em diante se tornaram capazes de multiplicação rápida,

constante, e até o presente ilimitada, de homens, mercadorias e serviços.

(HOBSBAWM, 2007, p. 50)

Os motivos, que fizeram com que a revolução industrial surgisse na Inglaterra, em

fins do século XVIII, podem ser identificados através da análise dos seus antecedentes

históricos. A Revolução Gloriosa – derrubada do antigo regime absolutista e instauração

de uma monarquia constitucional –, que somente aconteceu na França em 1789, havia

ocorrido na Inglaterra um século antes. Detentora de uma notável marinha mercante, a

Inglaterra contabilizava no século XVIII uma trajetória de duzentos anos de

desenvolvimento sobre o mercado europeu, fundamentalmente pela conquista de pontos

comerciais no Oriente, o que garantiria expandir novos mercados, ou mesmo criá-los

(HOBSBAWM, 2007, p. 55). Sob esse aspecto, mesmo que a Inglaterra não fosse

referenciada como um país de grandes avanços científicos ou mesmo tecnológicos, os

motivos para conceder à Inglaterra o pioneirismo da Revolução Industrial seriam as

condições pré-existentes, um século antes, para seu surgimento: o país já dispunha de

capitais e homens dispostos a investir no progresso econômico, possuía um setor

manufatureiro e comércio bastante desenvolvidos, e os problemas tecnológicos da época

eram bastante simples, necessitando apenas de homens com escolaridade comum e

alguma familiaridade com dispositivos mecânicos. Ainda segundo o historiador, o

estopim para a Revolução Industrial foi a expansão do mercado consumidor,

principalmente o mercado externo. Neste, era realizada a exportação de produtos

industrializados, basicamente tecidos de algodão, às custas dos insumos explorados nas

colônias. Segue-se então que o mercado algodoeiro foi o grande combustível para que

empresários e investidores apostassem e investissem maciçamente na industrialização das

manufaturas.

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Inicialmente o processo de industrialização inglesa caracterizou-se pela produção em

pequena escala de artefatos têxteis, além de outros bens de consumo não duráveis, como

alimentos e bebidas, produzidos por pequenos grupos familiares, que expandiam seus

investimentos por adições sucessivas baseadas no aumento das vendas. À medida que as

vendas e o lucro aumentavam, novos dispositivos mecânicos eram incorporados e,

embora simples aos padrões da época, eles permitiam que cada vez menos tecelões

fossem necessários para operar os teares mecânicos, muito mais produtivos que suas

antigas rocas de fiar. A segunda metade do século XVIII testemunhou uma mudança na

estrutura econômica, onde a longa evolução das máquinas têxteis automatizadas atingiu

um estágio no qual se tornou eficaz levar a produção do círculo caseiro para galpões

repletos de pessoas e máquinas. Nesse caso, fica evidente o papel que a ciência

desempenhou no desenvolvimento exigido para a mecanização da indústria têxtil:

permitiu que o que atualmente chamamos de engenharia evoluísse como parte de um

programa de mecanização incentivado e facilitado pela visão inicial de um mundo

científico-mecanicista. O conhecimento necessário para produzir os desenvolvimentos

tecnológicos exigidos pelo mercado produtivo, verificava-se através de “ajustes” na

maquinaria, resultado de dois séculos de conhecimento científico acumulado, baseado em

um programa de pesquisa para mecanizar todos os aspectos da produção têxtil (BEKAR,

2002, p. 5).

As mudanças empreendidas pela “dupla revolução” – otimização da produção e

melhoria da gestão econômica dos Estados – propiciaram um crescente aprimoramento

da tecnologia que veio a gerar melhores plantios e colheitas, tendo por consequência a

expansão populacional. Com a chegada da maquinaria agrícola aos campos, parte do

campesinato se deslocou para as cidades em busca de trabalho nas indústrias têxteis. O

crescimento da classe operária assalariada ajudava a movimentar a economia, já que

necessitava de bens e serviços dos quais não dispunha. Cumpre observar que o termo

“assalariado” não indicava melhoria de vida, pois a massa operária recebia um salário

mínimo, que não era capaz de suprir suas necessidades mais básicas. Em um contexto em

que já ocorriam substituições de homens por máquinas inovadoras e novas tecnologias, o

descontentamento dos mais pobres levou a revoltas populares contra aqueles que

lucravam cada vez mais:

Tudo corria muito bem para os ricos, que podiam levantar todos os créditos de

que necessitavam para provocar na economia uma deflação rígida e uma

ortodoxia monetária: era o pequeno que sofria e que, em todos os países e

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durante todo o século XIX, exigia crédito fácil e financiamento flexível.

(HOBSBAWM, 2007, p.55-56)

A certeza da existência de progresso do conhecimento humano encontrava-se

intimamente ligada aos avanços observados na produção e no comércio, avanços estes

que somente poderiam existir apoiados pela racionalidade econômica e científica. As

classes que melhor representariam essa parceria eram aquelas economicamente mais

progressistas: os financistas, os administradores sociais e econômicos de espírito

científico e a classe média instruída constituída pelos donos das fábricas e empresários.

Seus membros compuseram as sociedades provincianas das quais nasceram tanto o

avanço político e social quanto o científico.

Os efeitos causados pela “dupla revolução” não se restringiram apenas aos âmbitos

político e econômico. Causaram também modificações drásticas na sociedade da época:

a sociedade abriu espaço para uma nova forma burguesa de cultura, pensamento e

coletividade. Como fruto do progresso da classes mercantis, economicamente

progressistas e pré-industriais, a Inglaterra comportou-se como um país facilitador e

incentivador da propagação do conhecimento. As ciências, ainda não divididas pelo

academicismo de meados do século XIX, dedicavam-se à solução de problemas

produtivos (HOBSBAWM, 2007, p.57).

Já Bekar, Lipsey e Jacob concordam em afirmar que as leis da mecânica de Sir Isaac

Newton (1642 - 1727) criaram a base intelectual para o surgimento da Revolução

Industrial. Argumentam que Newton teve grande destaque na cultura popular do século

XVIII, pois suas leis de movimento apresentaram uma interpretação mecânica do

comportamento de todas as coisas no universo, grandes ou pequenas, próximas ou

distantes. Isso fez com que empresários e engenheiros empreendessem grandes negócios

– como Matthew Boulton e James Watt – reunidos por um vocabulário técnico

compartilhado, de origem newtoniana, e produzindo melhorias através da mecanização

das oficinas, dos canais, das minas e dos portos. Em meados do século XVIII, engenheiros

britânicos e empresários podiam planejar o mundo físico e formar parcerias, já que seus

interesses e valores eram comuns. O que eles disseram e fizeram mudou o mundo

ocidental para sempre (BEKAR, 2002, p.1).

A forma com que a nova ciência se difundiu na sociedade britânica separou-a do

continente. As habilidades e competências desenvolvidas sob o conhecimento da

mecânica newtoniana tornaram-se de domínio público:

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O newtonianismo representava para o mundo a solução para uma ampla gama

de obstáculos em mecânica, mineração, hidráulica e várias empreendimentos

técnicos20 (STEWART, 1992, p. xxxiv apud BEKAR, 2002, p. 6).

Ou ainda, sob a concepção de Jacob:

[A revolução científica criou] na Grã-Bretanha um novo cidadão, geralmente,

mas não exclusivamente, um empreendedor masculino, que entendeu o

processo produtivo mecanicamente, vendo-o como algo a ser dominado por

máquinas, ou em um nível mais abstrato, algo a ser conceituado em termos de

peso, movimento, e os princípios da força e inércia21 (JACOB, 1997, p. 6-7).

Sob o ponto de vista de Bekar, Lipsey e Jacob, a ciência mecânica influenciou a

sociedade britânica, criando uma mudança tecnológica, não somente na criação e

aperfeiçoamento de máquinas, mas também na melhoria da navegabilidade dos canais,

dos portos e minas. Suas aplicações ilustram a fusão da ciência básica e da aplicada e

revelam o quão profundamente a ciência de Newton permeou o pensamento dos

britânicos: pessoas comuns, engenheiros, empresários e homens de ciência.

Os problemas enfrentados por uma sociedade em industrialização adquiriam uma

dimensão e uma profundidade social sem precedentes. Políticas sociais e econômicas

procuravam dar uma resposta adequada à explosão demográfica, à urbanização

descontrolada, ao êxodo rural, à mecanização industrial, ao desemprego, à má

distribuição de renda, à concentração de capital, à exploração de trabalho infantil e de

mulheres. A burguesia assumia o controle da máquina governamental e, como classe

dirigente, estimulava e financiava novas pesquisas, desenvolvendo novas técnicas

industriais que diminuíam ainda mais o número de artesãos em domicílio ou pequenas

oficinas, e aumentavam o de operários nas fábricas. Ainda assim, os empresários e donos

de fábricas estavam engajados no processo de conseguir mais dinheiro e, para isso, duas

condições se faziam necessárias: uma indústria que oferecesse um grande lucro, com

rápido retorno, e um mercado mundial amplamente monopolizado por uma única nação

produtora. A indústria que mais se adequava a essa situação era a algodoeira, pois que

20 “Hence, Newtonianism was soon represented in the public world as holding the keys to the solution to a wide

range of obstacles in mechanics, mining, hydraulics, and various technical enterprises” (STEWART, p. xxxiv, 1992 apud BEKAR, p. 6, 2002)

21 [The scientific revolution created] in Britain by 1750 a new person, generally but not exclusively a male entrepreneur, who approached the productive process mechanically, literally by seeing it as something to be mastered by machines, or on a more abstract level to be conceptualised in terms of weight, motion, and the principles of force and inertia (JACOB, pp.6-7, 1997).

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melhor retorno financeiro haveria senão a junção da escravidão com a indústria

algodoeira? A exportação britânica de tecidos de algodão aumentou mais de dez vezes

por volta de 1814 (HOBSBAWM, 2007, p. 60).

Em 1820, após os mercados europeus terem sido liberados dos bloqueios econômicos

devido às guerras napoleônicas, a Grã-Bretanha exportou cerca de 128 milhões de jardas

de tecidos de algodão britânicos e vinte anos depois, a exportação já havia crescido por

um percentual de 60%. A indústria algodoeira fornecia possibilidades muito lucrativas

para atrair os empresários privados: o investimento em novas maquinarias pagava-se em

curto prazo em termos de maior produção. A expansão dessa indústria pareceu, a

princípio, ser facilmente refinanciada através dos lucros gerados por ela própria;

entretanto, seu progresso produziria grandes problemas em torno dos anos de 1830 e

1840. A mecanização no setor algodoeiro reduziu o custo por unidade produzida da mão

de obra, fazendo com que os operários recebessem um salário menor do que já recebiam.

Tal fato, evidentemente, gerou mais pobreza e descontentamento, que foram os

ingredientes certos para um levante social. E, de fato, este eclodiu em 1848 sob a forma

de protestos espontâneos dos trabalhadores da indústria e das populações pobres das

cidades.

Embora a indústria estivesse sob pressão para se mecanizar, baixando os custos

através da diminuição da mão de obra e aumentando a produção e as vendas, os

movimentos populares, pequenos comerciantes, pequena burguesia e outros setores da

economia também estavam descontentes e preocupados com a transição ocorrida para a

nova economia. De forma a equilibrar a situação social e a demanda por uma inovação

técnica, os empresários adotaram uma política de diminuir a margem de lucro, porém

ganhar na quantidade de itens produzidos. Isto fez com que o empresariado, ao invés de

adotar novas máquinas, mantivesse a maquinaria já existente ou introduzisse alguns

melhoramentos. Portanto, durante a década de 1830 a indústria algodoeira britânica se

achava tecnicamente estabilizada (HOBSBAWM, 2007, p. 61).

Apesar de datar da década de 1760, a máquina a vapor de James Watt podia ser

adaptada à produção; entretanto, o custo era muito alto. Mulheres, crianças e mesmo os

trabalhadores homens eram mais baratos do que as máquinas a vapor. Fica claro que a

economia britânica não poderia se desenvolver além de um certo limite, tendo o algodão

e a produção de tecidos como bens de capital22, os quais só alavancam o crescimento

22 Bens que servem para a produção de outros, especialmente para bens de consumo, como máquinas,

equipamentos, materiais de construção, instalações industriais etc.

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industrial de qualquer país se forem constituídos pela produção de ferro e aço. Entretanto,

a demanda por bens de consumo que necessitassem da indústria metalúrgica na Grã-

Bretanha, já era relativamente modesta e diminuiu muito após o término do confronto de

Waterloo (WILLIAMS, 2008).

No início do século XIX, criou-se uma rápida expansão da mineração do carvão

motivado pelo crescimento das cidades, e em especial de Londres. Sua indústria podia ser

considerada uma “moderna indústria primitiva” por empregar as máquinas a vapor para

o processo de retirada do carvão nas minas. À proporção que os motores a vapor e seus

combustíveis (carvão ou madeira) se tornavam financeiramente mais acessíveis, percebe-

se, em torno da década de 1830, uma rápida expansão da industrialização na Inglaterra.

As fábricas, agora, podiam ser erguidas em qualquer local das cidades, pois os motores a

vapor que alimentavam a produção não dependiam mais dos rios ou córregos de água,

como se fazia necessário nos antigos galpões movidos a moinhos (d’água). Nos dois

séculos anteriores, o aumento da produtividade, a acumulação de capital e a provisão de

uma população em crescimento eram alimentados por pessoas, animais e água. Com as

máquinas operando a vapor, trabalhadores mais jovens e menos qualificados podiam

realizar as poucas tarefas simples e necessárias. As mulheres e as crianças eram o recurso

óbvio e barato para indústrias algodoeiras já estabelecidas. Em 1818, as mulheres

representavam mais de metade da mão de obra composta por homens e crianças. O

percentual de crianças empregadas nas indústrias têxteis dependia da região. Em alguns

lugares, o trabalho infantil realmente constituía mais da metade da força de trabalho das

fábricas, com jornadas que perfaziam, em média, doze a treze horas por dia, seis dias por

semana e, na maioria das vezes, dentro de ambientes fechados, úmidos e cujo ar se

encontrava repleto de resíduos de algodão (WILLIAMS, 2008).

Durante o período vitoriano, houve forte oposição cultural às mulheres no local de

trabalho, e a presença feminina foi gradualmente diminuindo nas fábricas. Uma

percepção da classe média emergente era de que as mulheres deviam se dedicar somente

à reprodução e às atividades domésticas. Essa ideia foi reforçada por uma legislação

protetora que designou o homem como o responsável pelo sustento da família e,

indiretamente, reforçou a percepção de que o gênero masculino possuía mais inteligência

e, portanto, mais aptidão para o trabalho do que o feminino (HORRELL, 1995).

Enquanto o uso do vapor se firmava nas indústrias, a participação humana no

processo de fabricação diminuía. Os motores a vapor substituíram pessoas e os

trabalhadores tornaram-se as "mãos" que dirigiam as máquinas.

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O uso do vapor ilustra bem como os desenvolvimentos exigidos pela indústria do

carvão levaram a mudanças na sociedade e em indústrias correlatas. A indústria da

mineração do carvão, embora ainda arcaica em relação aos seus meios de produção, era

grande o suficiente para fomentar uma nova ideia, que iria transformar as indústrias de

bens de capital. Ferrovias de tração animal foram estabelecidas no início do século XVIII

— sobre trilhos de madeira — para movimentar os carros com carvão em transporte

terrestre durante os meses do inverno. Foi com a produção do ferro e aço que a construção

de trilhos de ferro, no início do século XIX, tornou a ferrovia durável e viável. Para

realizar o transporte de grandes quantidades de carvão do fundo das minas até a superfície,

e depois levá-las aos pontos de embarque, era necessário o uso de máquinas a vapor de

grande potência e de meios de transporte eficientes. Os carros repletos de carvão eram

movimentados sobre trilhos, e fazê-los se movimentarem por meio de máquinas móveis

não parecia impossível. Ao perceberem que o transporte terrestre de grandes quantidades

de mercadoria — via tração animal — gerava custos muito altos, os empresários das

minas de carvão vislumbraram que o uso desse meio de transporte poderia ser estendido

lucrativamente para longos percursos (HOBSBAWM, 2007).

Em 1823, havia apenas vinte e oito motores a vapor existentes, e a maioria deles não

era muito melhor do que a tração do cavalo. Mas tudo mudaria com a abertura da estrada

de ferro de Liverpool a Manchester em 1830. Era a primeira linha a ser operada

inteiramente por uma locomotiva a vapor, e alcançava uma velocidade muito superior à

das carruagens puxadas por cavalos. Na década de 1830, a credibilidade na utilização de

locomotivas a vapor, associada a uma economia que experimentava boas condições

financeiras, ajudaram a aumentar a taxa de projetos ferroviários, resultando na primeira

grande expansão ferroviária ao longo de 1837 — quarenta e quatro projetos ferroviários

aprovados. Tal volume de investimentos em linhas ferroviárias só foi superado durante

os anos de 1844 e 1847 (PERRY, 2012).

Nenhum outro produto representou tão bem a inovação da revolução industrial

quanto a ferrovia. Era tecnicamente viável, rápida e, consequentemente, lucrativa, pois os

bens de consumo podiam ser comercializados por terra, através de países e continentes,

abrindo o mercado de países até então isolados pelos altos custos de transporte. Além

disso, a possibilidade da comunicação por terra, de forma rápida e segura aos homens,

fez com que a ferrovia simbolizasse o triunfo do homem por meio da tecnologia. Entre

1830 e 1850, a demanda por ferro e aço, carvão, maquinaria pesada, mão de obra e

investimentos de capital se fazia necessária para as indústrias de bens de capital se

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transformarem tão profundamente quanto a indústria algodoeira. Nessas duas décadas, a

produção de carvão triplicou devido prioritariamente à ferrovia, visando atender a

demanda da confecção dos trilhos. Era uma conjuntura de crescimento econômico. A

produção cresceu e mudou-se dos galpões movidos a moinhos de água para grandes

fábricas movidas a motores a vapor. O metal substituiu a madeira na maioria das

máquinas, o que gerou toda uma nova indústria para atender à manutenção dessas novas

máquinas. Conforme a massa operária crescia, povoando e urbanizando novas cidades

industriais, eram necessários ajustes importantes em toda a estrutura econômica:

combustível, matérias-primas e produtos acabados necessitavam de transporte. Isso

exigiu uma extensa rede de canais e ferrovias para os novos modos de transporte – navios

a vapor e a locomotiva (HOBSBAWM, 2007).

O motivo para esta rápida expansão parece ter sido o enriquecimento muito rápido

da classe média burguesa, que excedia todas as possibilidades disponíveis de gastos e

investimentos. Ela constituía o principal público investidor, mantinha o hábito de

economizar e se encontrava livre dos impostos. Segundo Margaret Jacob, a percepção do

investidor da classe média era o sentimento de estar contribuindo para o crescimento do

seu país através da construção de estradas, geração de empregos e incremento dos

negócios. O investimento nas ferrovias era um investimento no seu país. A burguesia era

uma classe dinâmica e heterogênea. Constituída pelos chefes das grandes indústrias,

comércio e finanças; pelos profissionais liberais, professores, magistrados e intelectuais;

e por funcionários públicos e militares graduados, ela se aliaria a segmentos da antiga

aristocracia e viria a se tornar a primeira e a grande beneficiária do grande progresso

material do século XIX (JACOB, 1997).

Com o desenvolvimento da ciência e da técnica industrial, principalmente a partir da

segunda metade do século, novas e melhores condições de vida tornariam o cotidiano das

classes abastadas mais confortável. O vestuário tornou-se mais luxuoso, as residências

ficaram mais amplas, a alimentação se tornou diversificada e mais abundante, o transporte

urbano e de longa distância foi transformado pelas ferrovias, tornando-se melhor e mais

rápido, o interesse intelectual e artístico desenvolveu-se através de grandes óperas,

concertos, livros e jornais, exposições, conferências e leilões de arte. Significativas foram

as mudanças das condições de vida da “alta burguesia”, enquanto que a “pequena

burguesia”, formada de pequenos lojistas, empregados e funcionários subalternos,

usufruía marginalmente desses benefícios. Tal efervescência social dos centros urbanos

contrastava com as duras condições de vida dos operários das fábricas que conviviam em

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péssimos ambientes de trabalho, sem higiene e sem amparo legal. As crescentes

contradições e desigualdades decorrentes do antagonismo entre capital e trabalho, e do

processo de transformação de uma sociedade feudal em capitalista, justificavam o clima

de pessimismo levantado por Thomas Robert Malthus (1766 – 1834) no final do século

anterior (1798): o mundo futuro encontrar-se-ia em uma situação de calamidade caso

persistisse o crescimento demográfico superior à capacidade de oferta de alimentos, já

que eram reduzidas e limitadas as vantagens auferidas pela Primeira Revolução Industrial

(ROSA, 2002).

Ao longo dos anos 1850 e, principalmente, a partir dos anos 1860, o quadro se

reverteu e uma onda de otimismo e euforia substituiu a onda anterior de pessimismo. Esta

fase é referenciada como Segunda Revolução Industrial e pode ser entendida como um

aprimoramento e aperfeiçoamento das tecnologias da Primeira Revolução, onde havia a

crença de que o progresso seria impulsionado pela ciência. Foi uma fase em que

prevaleceram as teorias liberais que defendiam a livre concorrência e o direito do

indivíduo investir onde e como quisesse. Como o mercado determinava o preço dos

produtos através da lei da oferta e da procura, isso favoreceu a expansão, em escala

mundial, do comércio e das finanças dos grandes centros industriais.

O liberalismo econômico, patrocinado pela Grã-Bretanha, gerou uma tendência

ao surgimento de grandes complexos industriais e financeiros em detrimento das

pequenas empresas, e simultaneamente estimulou a formação de um sistema bancário

nacional, onde os recursos financeiros requeridos pelas grandes empresas eram

adiantados sob a forma de crédito de longo prazo. Tais investimentos também eram

injetados em pesquisas científicas, já que a estreita aliança da ciência com o processo

produtivo ofereceu perspectivas positivas para as empresas e o governo. Essa percepção

de que o conhecimento científico seria benéfico para seus interesses e para demandas da

sociedade levou o governo a reconhecer, sob uma perspectiva política, a importante

contribuição exercida pelo estudo e pela pesquisa em ciência básica e aplicada. Assim, o

apoio político e econômico recebido dos vários setores da sociedade para a educação

e/ou formação técnica que resultasse no desenvolvimento científico, explicaria seu

grande desenvolvimento e seu direcionamento para a aplicação no setor industrial

(JACOB, 1997).

Na nova cultura científica que amadureceu no século XVIII, primeiro na Grã-

Bretanha, depois no continente, a ciência levou à técnica e ambas serviram a causa da

inovação tecnológica. Os industriais ocidentais encontravam-se envolvidos pelo manto

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da aprendizagem prática mas formal, e criaram um lugar para si nas cidades nas quais

gradualmente se tornaram líderes econômicos, políticos e culturais. Os novos

empreendedores industriais eram exemplos de um novo futuro industrial. Eles

consolidaram sua posição social em cidade após cidade, colocando sua cultura científica

a serviço deles. Criaram sociedades literárias e filosóficas, institutos de mecânica, museus

e exposições dedicados à ciência e à indústria. Havia uma razão para dar ênfase à cultura

científica: para garantir o seu lugar de destaque na sociedade, a primeira geração de

empresários industriais teria mantido seus conhecimentos e técnicas confinados aos seus

herdeiros. Estes tornaram-se precursores de uma nova ordem social e econômica,

passando rapidamente a serem invejados e imitados. Na Grande Exposição23 de 1851, os

empresários concorreram com a aristocracia para mostrar sua importância social e

exibiram seu poder com suas máquinas. Nesta grande exposição, o processo de avaliar a

maquinaria e de remontá-la demonstra como a ciência e a tecnologia interagiram na

apresentação do equipamento ao público. As máquinas foram enviadas desmontadas para

a Londres e lá foram remontadas por um comitê de membros da Royal Society,

basicamente com a ajuda das plantas e desenhos enviados. Raramente foi necessário

consultar os empresários para obter alguma orientação. De fato, toda a finalidade desta

exposição de tamanho sem precedentes era mostrar ao mundo a profundidade e a

amplitude do desenvolvimento industrial britânico. Para a mente dos organizadores, a

exposição mostrava as realizações da ciência. Os industriais enviaram suas máquinas com

descrições, mas o funcionamento real dos dispositivos teve que ser replicado no chão da

exposição. Claramente, a interface entre ciência e prática era muito próxima em meados

do século XIX, e permitiu que a Grande Exposição proclamasse que a ciência combinada

com a experiência (o que somente o trabalho manual poderia propiciar) fez uma

Revolução Industrial acontecer. Em 1851, a exposição foi usada para sugerir que a

23 A Grande Exposição foi um notável empreendimento montado em um tempo muito curto, cujo idealizador, em

1848, foi o funcionário civil Henry Cole, membro da Society of Arts. O Prince Albert deu seu apoio e o consentimento real em janeiro de 1850, e Cole encorajou a crença de que a exposição teria sido ideia do Príncipe, como uma forma de atrair expositores e visitantes. O edifício para abrigar a grande exposição em Hyde Park foi projetado por Joseph Paxton e sua estrutura de ferro e vidro tinha um comprimento simbólico de 1851 pés (564 metros). A rainha Victoria e o príncipe Albert conduziram a primeira caminhada real no primeiro dia da Grande Exposição, em 1º de maio de 1851. No interior, os visitantes encontraram 100.000 exposições de todo o mundo. Incluía a exibição de invenções industriais, artefatos médicos, artes, tais como fotografia, e todos os tipos de novidades. Os visitantes poderiam se assombrar ao se depararem com alimentos enlatados, um elefante empalhado e uma locomotiva, bem como o enorme diamante Koh-I-Noor e uma máquina dobradora de envelope. Foi lá que o cientista Jean Bernard Léon Foucault pendurou um pêndulo do telhado para demonstrar a rotação da Terra. Durante os seis meses em que esteve aberta, mais de 6 milhões de pessoas visitaram a Grande Exposição, incluindo muitos visitantes de outros países.

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parceria entre a iniciativa privada britânica e a ciência prática era um trunfo contra todos

os concorrentes (JACOB, 2004).

As décadas que se sucederam de 1830 a 1860, marcaram o auge do capitalismo,

com sua riqueza extravagante e pobreza opressiva. Foi o período dos cartistas 24 e da

faminta década de 1840, assim como da espetacular exposição de 1851. Nenhuma

mudança comparável jamais havia ocorrido em condições humanas com tanto rigor e

rapidez. A massa da população tornou-se assalariada. A iniciativa econômica e política

pertencia à nova classe de empresários capitalistas e já não era necessário proteger seus

privilégios através de uma legislação, pois o funcionamento do sistema econômico faria

com que todos tivessem exatamente o que valiam. O capitalismo já tinha, de fato, como

predisse Marx em 1848, produzido uma classe operária desapropriada e, embora a luta

por melhores condições nunca tenha cessado, o aumento da produção e os mercados em

expansão permitiram, por muito tempo, aos capitalistas fazer algumas concessões

oportunas ao padrão de vida da classe trabalhadora.

Se o século XVIII havia encontrado a chave para a produção, o século XIX iria

encontrar a solução para a comunicação. As melhorias nos transportes trazidas pela

estrada de ferro e pelo navio a vapor demandavam a existência de uma comunicação

rápida. A necessidade de transmitir notícias rapidamente sempre existiu, e mesmo as

necessidades impostas pelas guerras não haviam produzido nada muito mais elaborado

do que o telégrafo de semáforo. Foi a concomitância do advento das ferrovias e da

descoberta de Ørsted que forneceu um meio barato e infalível que garantiu o

desenvolvimento bem-sucedido do telégrafo elétrico. A motivação real que estabeleceu

uma série de pesquisadores trabalhando ao mesmo tempo (por exemplo, Morse,

Wheatstone etc.) não foi a de nenhuma necessidade geral de comunicação social, mas o

valor monetário real da notícia dos preços de bens ou estoques e de eventos que poderiam

afetá-los. Informação significava dinheiro, e o telégrafo elétrico forneceu os meios para

transmiti-las rapidamente (KHAN, 2015).

24 O cartismo foi o primeiro movimento da classe operária inglesa a reivindicar direitos políticos e a adquirir um

caráter nacional. O movimento nasceu em Londres, em 1837, quando uma associação de trabalhadores enviou ao Parlamento a Carta ao Povo, um documento em que requeriam, entre outras coisas, voto secreto, sufrágio universal masculino e parlamentos renovados anualmente. A petição foi levada para assembleias de trabalhadores em todo o país e recebeu mais de um milhão de assinaturas. A recusa do Parlamento em aprovar a carta desencadeou uma onda de greves, manifestações e prisões. Por volta de 1840, o movimento cartista apresentou uma segunda petição, bem mais radical que a primeira. Além de reivindicações iniciais, o documento exigia aumento de salário para os operários e redução da jornada de trabalho. A nova petição recebeu cerca de 3,3 milhões de assinaturas, mais da metade da população masculina inglesa da época. Aos poucos, as lutas operárias surtiram efeito. As leis trabalhistas do século XIX melhoraram as condições de trabalho nas fábricas e minas inglesas, além de fortalecer as lutas dos trabalhadores de outros países.

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Já no início dos anos 1870, uma grande decadência marcou uma transição entre a era

do capitalismo de livre comércio, tendo a Grã-Bretanha como a oficina do mundo, e um

novo capitalismo financeiro, tendo a França, a Alemanha e os Estados Unidos sob a

cobertura de mercados protegidos. As forças produtivas libertadas pela Revolução

Industrial apresentavam a seus proprietários o problema de um superávit descartável

paulatinamente maior. Isso levou a uma produção ainda maior e a uma busca mais intensa

por mercados estrangeiros que logo se preencheram. O resultado foi uma expansão

colonial, pequenos conflitos e preparativos para as grandes guerras que se desencadearam

no próximo século. Foi uma época em que as mudanças ocorreram de forma gradual, sem

qualquer conturbação social marcante. No entanto, já surgiam dúvidas sobre se a ciência

levaria a um futuro no qual o progresso e os benefícios seriam ilimitados. Também na

indústria, o período era transitório. Embora as indústrias continuassem a expandir-se mais

lentamente na Grã-Bretanha e muito rapidamente na Alemanha e nos Estados Unidos,

uma mudança começava a surgir em sua concepção: a concorrência entre pequenas

empresas familiares levou à formação de grandes sociedades anônimas, que logo se

tornariam os monopólios do século XX. A transformação foi particularmente acentuada

nas indústrias metalúrgica e de engenharia, que deviam suas origens inteiramente à

ciência. Com o crescimento das indústrias, surgiu a necessidade da contratação de

cientistas para lidar com as questões que se impunham na ciência aplicada.

Evidentemente, estes pesquisadores perceberam que seria mais lucrativo para eles

montarem suas próprias empresas e, diferentemente do que se poderia esperar, não foram

os empresários que se tornaram cientistas, e sim os cientistas que se tornaram homens de

negócios (BERNAL, 1969).

O desenvolvimento de novos métodos na siderurgia (Bessemer, Siemens-Martin,

Gilchrist) em 1879, permitiu a conversão do ferro em aço em larga escala e a baixo custo.

Inicialmente, a oferta de aço barato se expressou através de exportações de locomotivas,

máquinas para mineração e agricultura, e na abertura de novos mercados. Posteriormente,

sua utilização desembocou na indústria dos conflitos e guerras. A produção de aço barato

alterou significativamente o centro geográfico da indústria pesada: a técnica de Gilchrist

permitiu que os grandes depósitos de minério fosfatado da Lorraine pudessem ser

utilizados para a produção de aço. Isso resultou no desenvolvimento de um centro de

produção de aço na Europa, que iria superar o da Grã-Bretanha e onde foi fundada uma

nova indústria melhor organizada e mais estreitamente ligada ao Estado. Suas pesquisas

em siderurgia resultaram no desenvolvimento de ligas de aço que vieram a se tornar parte

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de encouraçados e pesados tanques de guerra. O desenvolvimento do submarino, os

explosivos e as grandes armas marcam o início da maquinaria de guerra, como resultado

da indústria siderúrgica aliada ao desenvolvimento da indústria da energia elétrica

(ROSA, 2002; BERNAL, 1969).

A eletricidade desempenhou um papel vital nas comunicações em meados do século

XIX, e as razões pelas quais sua indústria não se desenvolveu rapidamente recaem em

questões científicas e econômicas. Sob o ponto de vista econômico, as indústrias e os

meios de transporte necessitavam de grandes unidades de energia constituídos por

máquinas a vapor, e a única forma de obtenção de energia era pela queima de carvão.

Consequentemente, o transporte de energia a grandes distâncias era através do transporte

de carvão. Com a mecanização crescente de indústrias menores, já seria possível adotar

o motor elétrico, por ser um meio mais flexível de satisfazer sua necessidade industrial

de consumo; entretanto, essas unidades dependiam da disponibilidade de uma rede de

fornecimento de energia elétrica que ainda não existia. A existência de uma rede de

transmissão da energia elétrica tornou-se possível a partir de pesquisas científicas

voltadas para uma necessidade mais geral do que a demanda industrial exigia. Com a

evolução dos serviços urbanos e, principalmente, pela necessidade de rapidez na troca de

informação, estabeleceram-se investimentos para pesquisar o transporte da eletricidade

como uma nova forma de distribuição da energia. Com o desenvolvimento, criou-se a

indústria elétrica pesada que, ao contrário das indústrias mais antigas, era de cunho

puramente científico e intimamente ligada aos monopólios do telégrafo e do telefone.

Para implementar a indústria da comunicação, foram usados cabos submarinos que

exigiam uma tecnologia sofisticada. Os sinais eram frequentemente fracos e demorados,

e as mensagens chegavam distorcidas. Além disso, os cabos ficavam sujeitos a um enorme

desgaste. Dos 17.700 quilômetros de cabos instalados antes de 1861, apenas 4.800

quilômetros ainda permaneciam operacionais no final do ano — todo o resto foi

completamente perdido. O cabo transatlântico, através do qual a rainha Victoria e o

presidente James Buchanan Jr. (1791 – 1868)25 trocaram mensagens em agosto de 1858,

deixou de funcionar três meses depois. As técnicas de isolamento e blindagem dos cabos

precisavam ser aperfeiçoadas e o problema da capacitância (distorção crescente nos cabos

de longa distância) necessitava ser superado. Assim, antes que o telégrafo pudesse se

25 James Buchanan Jr. foi presidente dos Estados Unidos de 1857 até 1861. Historiadores frequentemente o

consideram como um dos piores presidentes da história do país por sua inabilidade de alcançar a paz ou abordar os abolicionistas. Buchanan passou seus últimos anos defendendo-se da culpa pública colocada sobre ele pela guerra civil.

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tornar verdadeiramente funcional, era fundamental que a física da transmissão de

impulsos elétricos fosse compreendida (HEADRICK, 1989). Nesta estreita colaboração

entre ciência e tecnologia, a telegrafia era claramente uma tecnologia de segunda geração.

Já o uso da eletricidade como principal meio de transmissão e o uso de energia foram

tecnicamente mais complexos do que o desenvolvimento do telégrafo pois, antes que

pudesse ser utilizada de maneira eficiente, era necessário desenvolver uma forma de

transmitir a corrente elétrica por grandes distâncias.

Embora Sir Humphry Davy (1778 – 1829) houvesse mostrado, ainda em 1808, como

a eletricidade poderia gerar uma lâmpada de arco, seu uso estava restrito aos faróis. Em

meados dos anos 1860, Cromwell F. Varley e Ernst Werner von Siemens (1816 – 1892)

demonstram o princípio de funcionamento do gerador auto-excitado, e em 1865 Hermann

Sprengel projetou a bomba de vácuo, tornando a lâmpada de arco de utilidade prática. Em

1878, Charles F. Pincel de Ohio desenvolveu uma lâmpada de alta tensão alimentada por

corrente contínua, que em meados da década de 1880 dominava a iluminação elétrica.

Thomas Alva Edison (1847 – 1931) e George Westinghouse Jr. (1846 – 1914) perceberam

que a eletricidade possibilitava o desenvolvimento de projetos ou “invenções”

interligadas, que lhes forneciam um amplo mercado tecnológico.

O uso da eletricidade expandiu-se rapidamente em 1879: cobertores elétricos e

fogões surgiram na exposição industrial de Viena, em 1883, e carros elétricos trafegavam

em Frankfurt e Glasgow em 1884. A década de 1880 se beneficiou com a invenção da

lâmpada elétrica incandescente e do motor polifásico de corrente alternada, construído

pelo croata naturalizado americano Nikola Tesla (1856 – 1943). Em 1890, a eletricidade

tinha sido dominada, porém seus efeitos sobre a produtividade industrial foram lentos, já

que as fábricas apreenderam lentamente as vantagens da eletricidade como forma de

poder industrial (MOKYR, 1992).

A percepção de que a ciência promovia, de forma significativa, o desenvolvimento

de qualquer setor industrial, produziu grandes expansões na educação científica e na

própria organização da ciência em linhas de pesquisa aplicada. Uma inovação foi a

criação do laboratório de pesquisa industrial que, quase imperceptivelmente, saiu da

oficina ou do local de testes do cientista transmutado em homem de negócios, como as

oficinas de Siemens ou a de Thomas Edison. As universidades, como os centros

produtores de ciência, também ampliaram seus antigos laboratórios e criaram outros:

afinal, os novos usos da ciência significavam novos empregos e atraíam cada vez mais

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estudantes. Assim, a ciência acadêmica desse período dependeu, em última instância, do

sucesso da ciência na indústria (JACOB, 1997).

A ciência não transformou tanto as universidades como as universidades

transformaram a ciência. O cientista tornou-se uma autoridade, o transmissor de uma

grande tradição. A criação do maior número de laboratórios de pesquisa deste período

ocorreu na Alemanha, que se tornou o maior expoente do mundo científico no final do

século XIX. As universidades alemãs haviam iniciado a sua reforma no período do

Iluminismo, no século XVIII, e, partir da década de 1850, as universidades dos diversos

estados alemães competiam entre si no oferecimento de disciplinas científicas e em

laboratórios de ensino. A Alemanha chegara tarde ao movimento científico; no entanto,

foi capaz de suprir em organização aquilo que havia faltado em talento individual no

início do movimento. A partir de meados do século, e avançando cada vez mais, a

Alemanha gerou cientistas, livros-texto e equipamentos especialmente desenvolvidos

para suprir suas necessidades. Todas essas mudanças resultaram em um grande aumento

no volume e no prestígio do trabalho científico alemão, que adquiriu uma organização

cada vez mais formal. A língua alemã tornou-se predominantemente a língua

internacional da ciência, e os professores alemães criaram uma espécie de império

científico que terminou por abranger toda a Europa setentrional, central e oriental,

exercendo uma influência considerável sobre a ciência da Rússia, Estados Unidos e Japão.

O professor alemão tornava-se o modelo para os cientistas de todo o mundo e trabalhava

dando suporte aos grandes negócios que governavam aquele Estado recém-

industrializado e em expansão (KHAN, 2015).

O fim do século XIX, como o seu início, foi marcado por reações filosóficas

construídas por tensões na sociedade que pareciam prever uma revolução social. Tais

reações se deviam à crescente indispensabilidade técnica da ciência para a manutenção

da maquinaria capitalista, e cuja responsabilidade fora atribuída aos cientistas, que

trabalhavam para as indústrias. A atitude dos cientistas foi a de se voltarem para o

desenvolvimento da ciência pura e desvinculada das implicações sociais nos institutos de

pesquisa. Essa mudança foi facilitada pelo aumento das doações, permitindo uma maior

especialização, e por uma distribuição discreta de honras e patrocínios. Até o final do

século XIX, os cientistas independentes constituíam uma pequena minoria e o restante —

a grande maioria — obtinha seus salários através de vínculo com as universidades ou o

governo, e se percebiam como classe dominante.

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A Revolução Industrial, em sua primeira fase, foi muito mais do que a criação de

maquinarias, por mais importantes que algumas delas viessem a se tornar. Do ponto de

vista científico, nos mostra o quanto a ciência fazia parte do cotidiano das pessoas. Era

uma maneira de olhar as coisas mecanicamente em termos de tempo e movimento, com

base em um desejo de mecanizar tudo em processos de produção. Já a segunda fase, ou

Segunda Revolução Industrial, é onde surge a interdependência da ciência com o processo

produtivo. Esta foi, em alguns aspectos, a consolidação da fase anterior, trazendo

inovações tecnológicas, melhor qualidade na produção dos artigos de consumo e grandes

investimentos na infraestrutura das cidades (comunicações, transporte, energia,

saneamento) e promovendo o desenvolvimento econômico. No entanto, sob o ponto de

vista do monopólio tecnológico, observou-se que a liderança tecnológica da Grã-Bretanha

se dispersou para outros países do mundo ocidental industrializado. No que concerne ao

aspecto social, é importante ressaltar que a Revolução Industrial, em ambas as fases, se

tornou notável por se constituir no primeiro movimento que foi capaz de transformar por

completo as relações de produção dos homens na sociedade (BERNAL, 1969;

HOBSBAWM, 2007).

Conforme Zorina Khan aponta, o crescimento econômico britânico foi

inicialmente desequilibrado, e os avanços na produtividade não foram experimentados

até meados do século XIX. Argumenta ainda, que os motivos para esses padrões não

foram totalmente elaborados, mas que é possível destacar a natureza oligárquica da

sociedade britânica, que limitou o tamanho do mercado, reprimiu a aquisição de capital

humano através de instituições educacionais e encorajou normas e padrões que

discriminavam os esforços dos membros desfavorecidos da sociedade (KHAN, 2015).

A inventividade tecnológica e os fundamentos científicos e técnicos, tão

necessários e cruciais para o desenvolvimento e criação de equipamentos, não chegaram

até a Segunda Revolução Industrial. Como resultado, a ciência britânica entrou em sua

época de ouro muito depois do advento da industrialização e, mesmo em 1874, Sir Francis

Galton (1822 – 1911) concluiu que “uma lista exaustiva” de cientistas nas Ilhas Britânicas

“seria de 300, mas não mais” (GALTON, 1874, p. 6).

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2 A FILOSOFIA NATURAL BRITÂNICA DO SÉCULO XIX

Grande parte dos filósofos naturais que viveram no século XVII realizava suas

pesquisas sobre os mais diversos fenômenos, entendendo que os mesmos eram fruto da

obra divina. Essa concepção metafísica norteou as pesquisas científicas dessa época,

sendo responsável pela progressão e características da ciência naquele século e anteriores.

A partir do Iluminismo, iniciou-se uma gradual mudança do pensamento científico no

sentido de entender e de utilizar a ciência em benefício da sociedade. A percepção de que

o conhecimento científico poderia ser benéfico para os investimentos, comércio,

indústrias e demandas sociais, fez com que investidores e governos, principalmente no

século XIX, reconhecessem o papel cada vez mais importante da ciência. O apoio político

e econômico recebido pela ciência dos vários setores da sociedade explica a criação de

vários institutos, laboratórios, bibliotecas, museus e centros dedicados à pesquisa. Sua

crescente complexidade, cada vez menos especulativa e cada vez mais experimental e

investigativa, exigia instrumentos novos e sofisticados, a contratação de técnicos e

especialistas para o trabalho laboratorial e a necessidade de laboratórios amplos e bem

equipados. Assim, a pesquisa científica tornou-se uma atividade altamente dispendiosa

que, para ser eficiente, requeria, além de grandes investimentos, uma melhor organização

e profissionalismo (JACOB, 2004).

O século XIX se iniciou sob forte influência das concepções mecanicistas de

Pierre Simon Laplace (1749 – 1827) e foi um período em que os conceitos físicos se

desenvolveram e/ou se alteraram muito rapidamente (ABRANTES, 1998). Antes mesmo

da primeira metade do século estar completa, já seriam estabelecidas as bases e a

formalização de novas ciências que impactariam fortemente a visão de mundo até então

vigente. Já a segunda metade do século XIX é caracterizada por uma forte transformação

e inovação no âmbito das ciências físicas, marcando um extraordinário desenvolvimento

das teorias científicas, tais como o eletromagnetismo, a termodinâmica, a teoria cinética

dos gases e os fenômenos da radiação. Os conceitos fundamentais utilizados à época, na

tentativa de unificar tantas novas teorias e fenômenos, eram os de éter e de energia. Este

último tem origem nos trabalhos de James Prescott Joule, Hermann Ludwig Ferdinand

von Helmholtz (1821 – 1894) e outros, conforme citado por Kuhn (2011).

Na década de 1860, William Thomson e Peter Guthrie Tait 26 (1831 – 1901)

definem uma proposta denominada “Física dinamista”, em sua obra Treatise on natural

26 Conhecido por T&T’.

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philosophy. Esta nova abordagem da Física deveria usar o formalismo lagrangeano por

referencial teórico, os dois princípios da energia por base conceitual universal e os novos

conceitos e fenômenos de eletromagnetismo e espectroscopia como foco explicativo. Não

por acaso, William Thomson iria afirmar, logo nos anos seguintes, que o éter era o

problema e a explicação unificadora fundamental da Física da época e do futuro.

De forma resumida, na segunda metade do século XIX, o éter eletromagnético e a

energia constituíam-se nos elementos comuns a todos os fenômenos. A energia podia ser

convertida em qualidades diversas, interagindo com a matéria, dissipando-se sob a forma

de calor, armazenada e transmitida através do éter (ABREU; KOEHLER, 2014).

No século XIX, a predisposição filosófica foi muito influente sobre a forma de se

pensar e de se fazer ciência. Isso se deveu à maneira como os cientistas eram educados

nas instituições de ensino, e corrobora o entendimento de que a ciência reflete o clima da

época à qual está vinculada. A influência da filosofia moral e natural do período pode ser

observada na citação27 do livro Preliminary discourse on the study of natural philosophy,

de John Frederick William Herschel (1792 – 1871):

[...] temos nos esforçado para explicar a essência dos métodos com que, desde

o renascimento da filosofia, a ciência natural se encontra em débito, pelos

grandes e esplêndidos avanços que foram realizados. (HERSCHEL, 1845, p.

219)

O desenvolvimento de novos conceitos e novas técnicas, nesse século, geraram o

fortalecimento de antigas instituições científicas na Grã-Bretanha, França e Alemanha,

trazendo como consequência a profissionalização da ciência. As duas mais importantes

sociedades científicas ao longo da década de 1830 foram a Royal Society de Londres,

fundada em 1660, e a Académie Royale des Sciences de Paris, fundada em 1666. As

revistas publicadas por essas e outras sociedades, juntamente com as reuniões das

próprias sociedades, eram um meio vital de troca de informações científicas. Porém, o

papel fundamental e decisivo para a abordagem da cultura científica foi cumprido pelas

instituições dedicadas à formação dos futuros pesquisadores (PURRINGTON, 1997). Na

França, as primeiras e mais importantes instituições que se dedicaram ao ensino da ciência

foram a École Militaire28, a École Polytechnique e o Collège de France. Elas iniciaram a

transição da ciência como um esforço intelectual de elite para o status de profissão, com

27 “… we have endeavored to explain the spirit of the methods which, since the revival of philosophy, natural science

has been indebted for the great and splendid advances it has made.” (HERSCHEL, 1845, p. 219). 28 Onde Pierre Simon Laplace tornou-se professor de matemática em 1769.

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certificação apropriada. Como o Estado interveio na pesquisa científica, parte de sua

liberdade e universalidade foram prejudicadas, fazendo com que o “cientista profissional”

lidasse com o aumento da burocracia e a necessidade de favorecer ao governo (FOX,

1984, 2012). Já na Inglaterra, a ciência nunca foi tão institucionalizada como na França.

Embora houvesse um grupo, chamado Gentlemen of Science, que contribuía

financeiramente para o estudo da filosofia natural, não existia uma carreira científica

formalizada, sendo esta atividade muito bem vista e até recomendada para os membros

da aristocracia (PURRINGTON, 1997).

No início do século XVIII, a Royal Society era a instituição central de pesquisa da

Grã-Bretanha e contava com o apoio formal da monarquia. Entretanto, em função do

escasseamento dos recursos financeiros, entre outros reveses, a instituição precisou

aceitar a participação de pessoas estranhas ao meio científico em seus quadros. Ao final

do século XVIII, estava transformada em uma “sociedade de debates”, sem ser capaz de

oferecer contribuições significativas para o meio científico. Como consequência, nos

primeiros anos do século XIX, a sociedade encontrava-se composta, em grande parte, por

leigos que dificultavam a exposição dos trabalhos veiculados pelos membros

representativos da comunidade científica (ALTER, 1987). As universidades de

Edinburgh e Glasgow (na Escócia), Oxford e Cambridge (na Inglaterra) encontravam-se

no centro da ciência britânica e, em função do declínio do ensino científico, a

Universidade de Cambridge iniciou uma reforma educacional, em 1812, introduzindo o

aprendizado dos métodos matemáticos franceses através de seus professores John

Herschel, Charles Babbage (1791 – 1871), William Whewell (1794 – 1866) e George

Peacock (1791 – 1858) (PURRINGTON, 1997). Em 1831, logo após a segunda derrota

de John Herschel como candidato para a presidência da Royal Society, a influência

aristocrática e religiosa sobre as universidades, junto com a falta de ação dos meios

acadêmicos e universitários, fizeram com que o matemático Charles Babbage publicasse

sua obra intitulada Reflections on the decline of science in England, and on some of its

causes e propusesse a fundação da British Association for the Advancement of Science

que ofereceria oposição 29 à forma como a Royal Society vinha tratando as questões

científicas. (ALTER, 1987; HARMAN,, 1985; MORREL, 1981).

29 Charles Babbage aguçou a controvérsia através de um texto em que lamentava a negligência do país com a

pesquisa científica, citando o amadorismo e declínio da Royal Society.

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2.1 A Fundação da British Association for the Advancement of Science (BAAS)

A BAAS, também conhecida por Associação Britânica, foi fundada em 1831 e

assumiu rapidamente um papel central na cultura vitoriana do início do século,

transformando-se em uma organização de tamanho considerável, que patrocinou um

vasto conjunto de projetos em diversas áreas. Entre seus mais zelosos presidentes

destacam-se Charles Robert Darwin (1809 – 1882), John Dalton (1766 – 1844), Michael

Faraday, William Whewell e David Brewster (1781 – 1868). Como todas as instituições

prósperas, ela foi mantida e moldada por um pequeno núcleo de indivíduos que sabiam o

que queriam e por que queriam; eles eram chamados de Gentlemen of Science.

Compreender a BAAS é compreender como a amizade, a ambição intelectual, a

curiosidade, a carreira e a competição permitiram estabelecer uma ideia de ciência que se

tornaria um dos mais poderosos legados vitorianos. Realizando reuniões regulares em

diferentes cidades, os membros da BAAS divulgavam as conquistas da ciência e

defendiam o desenvolvimento da pesquisa científica. Uma forma diferente de apresentar

a ciência visando

a modernização do ensino de ciências proposta pelos membros da BAAS, se

tornou a principal responsável pela reformulação dos programas de pesquisa das

universidades de Cambridge, Oxford, Edinburgh e Dublin. Essa reforma contou com o

apoio do governo inglês, que auxiliou na criação de novos estabelecimentos de ensino e

sociedades científicas para o desenvolvimento da pesquisa científica.

A ideia de formar a Associação Britânica foi conduzida por um dos pensadores

reconhecidamente mais influentes do início do século, Samuel Taylor Coleridge

(1772 – 1834). Em 1830, ele publicou On the constitution of the Church and State,

according to the idea of each (COLERIDGE, 1976). Coleridge estava certo de que a

religião, verdadeira ou falsa, era e sempre havia sido o centro de gravidade de um reino,

e que a moralidade que todo Estado necessitava para seu bom funcionamento somente

poderia existir com a religião. Afirmava ainda que “a ciência da teologia era a raiz e o

tronco do conhecimento do homem civilizado, pois deu a unidade e a seiva de circulação

da vida a todas ciências restantes.” Consequentemente os teólogos, que na Grã-Bretanha

constituíam os clérigos da Igreja estabelecida, deveriam liderar as instituições que

promovessem o conhecimento (COLERIDGE, 1976, p. 47, 70). Essa liderança religiosa

tinha como objetivo impedir a "plebificação" de uma ciência sem moralidade dentro das

universidades. Para isso era necessário formar o que ele chamou de clerisy, ou seja, uma

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classe ou uma ordem permanente, constituída por membros eruditos e assemelhando-se,

em suas palavras (COLERIDGE, 1976, p. 43, 44, 69), a uma “igreja nacional do intelecto

para garantir o progresso dessa civilização”. Para Coleridge, o clerisy faria seu trabalho

intelectual na convicção de que a ciência, especialmente a ciência moral, conduziria à

religião e permaneceria misturada com ela (MORREL; THACKRAY, 1981).

A formação de um clerisy provou ser amplamente convincente aos intelectuais da

década de 1830, e a mistura de idealismo e conservadorismo de Coleridge, da filosofia

kantiana e do progresso moral foi particularmente bem-vinda em Cambridge. É

importante ressaltar que Coleridge foi reverenciado no Encontro de Cambridge de 1833

da BAAS quando, em seu discurso, proibiu os membros de se autoproclamarem filósofos.

Em resposta, William Whewell cunhou a palavra cientista para designar coletivamente

aqueles que estudavam o cunho material da natureza. Os principais cientistas da BAAS

foram os que chegaram mais próximo do conceito que Coleridge forneceu de um clerisy:

eles eram homens eruditos, religiosos e lecionavam nas universidades, inspirando um

grande número de seguidores espalhados pela Grã-Bretanha.

Os Gentlemen of Science constituíam um grupo de elite – o núcleo interno – do

clerisy científico. Logo no início da BAAS, o grupo era formado por vinte e três membros,

porém não havia uma rigidez na constituição do mesmo. Segundo Jack Morrell e Arnold

Thackray (1981), tentar citar ou mesmo enumerar os Gentlemen of Science seria

desproposital; no entanto, a sua existência, coerência e influência sobre a BAAS era

inquestionável. Da formação inicial, os Gentlemen of Science eram predominantemente

anglicanos cultos: vinte dos vinte e três membros identificados faziam parte da Igreja

Anglicana. As exceções eram David Brewster, presbiteriano evangélico, John Taylor30

(1781 – 1864), em estreita simpatia com as ideias anglicanas liberais, e John Dalton31 que

era quaker.

Na Figura 2.1 pode-se ver a prosopografia32 desses vinte e três membros identificados.

Apesar de essa congregação estar repleta de vertentes filosóficas, os Gentlemen of Science

não tiveram medo de proclamar uma mensagem universalista. Sua retórica sempre

30 Editor e escritor. Conhecido pela publicação das obras dos poetas John Keats, Samuel Coleridge e John Clare. 31 Químico.

32 A prosopografia é a investigação das características comuns de um grupo de atores através do estudo coletivo de suas vidas. O método empregado é o de estabelecer o universo a ser estudado e formular um conjunto uniforme de questões – sobre nascimento e morte, casamento e família, origens sociais e posições econômicas herdadas, lugar de residência, educação, tamanho e origens das fortunas pessoais, ocupação, religião, experiência profissional etc. Os vários tipos de informação sobre indivíduos de um dado universo são então justapostos e combinados e, em seguida, examinadas por meio de variáveis significativas. Estas são testadas a partir de suas correlações internas e correlacionadas com outras formas de comportamento e ação. Ver Stone (1971, p. 46).

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enfatizava a natureza objetiva e compartilhada do empreendimento científico e era aberta

à participação em igualdade de condições por mulheres, trabalhadores, provinciais ou

profissionais. Sua retórica serviu aos seus próprios interesses intelectuais e de carreira,

através de sua capacidade de manter o apoio público e desarmar as críticas internas ou

externas.

Figura 2.1: Prosopografia da sociedade Gentlemen of Science

Fonte: Morrell e Thackray (1981, p. 24)

A Associação Britânica foi a voz mais poderosa do clerisy científico nas décadas

de 1830 e 1840, e sua ideologia veio a consolidar o papel da ciência como o modo

dominante de cognição da sociedade industrial. A delimitação entre o conhecimento

natural e religioso ou político, a conceitualização da ciência como um domínio bem

definido do conhecimento, a tecnologia e a subordinação do biológico e social às ciências

físicas constituíam a ideologia proposta como um instrumento da harmonia social.

A vida e a educação universitária eram de importância fundamental para os

Gentlemen of Science. A ideia de ciência proposta pela BAAS foi tão bem aceita que seus

membros rapidamente ocuparam cátedras nas universidades mais influentes. Na década

de 1830, encontramos George Biddell Airy (1801 – 1892), Charles Babbage, George

Henslow (1835 – 1925), George Peacock, Adam Sedgwick (1785 – 1873) e Whewell em

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Cambridge, enquanto Sir William Rowan Hamilton (1805 – 1865) e Bartholomew Lloyd

(1772 – 1837) se tornaram professores no Trinity College de Dublin e James David

Forbes (1809 – 1868), profundo admirador do ensino de Cambridge, ocupou a cátedra de

Filosofia Natural em Edinburgh. De forma a divulgar seus ideais de ciência, o emprego

em universidades tradicionais, preferencialmente em Cambridge, era um dos objetivos

fundamentais dos membros da BAAS.

A Inserção da BAAS em Cambridge, Edinburgh e Glasgow

A Analytical Society foi estabelecida em Cambridge no ano de 1812 por Peacock,

Herschel e Babbage com o objetivo de substituir a notação fluxional newtoniana

(geométrica) pelo cálculo diferencial do continente. Como monitor do exame

Mathematical Tripos33 de Cambridge, Peacock introduziu os novos métodos em 1817 e,

no ano de 1819, William Whewell publicou o primeiro livro inglês em matemática

aplicada no qual o simbolismo continental foi empregado consistentemente.

Os matemáticos de Cambridge, conduzidos inicialmente por Peacock e Whewell

no Trinity College, logo produziram assistentes entre os estudantes, sendo Airy e James

Challis (1803 – 1882) os que mais se destacaram na década de 1820 (BALL, 1889, p.

119).

O Trinity College, em Dublin, era um posto avançado da cultura inglesa,

especificamente anglicana, na época de sua fundação e, diferentemente de Cambridge,

Dublin não desenvolveu nenhuma tradição em matemática antes do século XIX. Essa

situação mudou com a nomeação do professor de matemática, de filosofia natural e

experimental, Bartholomew Lloyd, para reitor. Lloyd introduziu métodos analíticos

franceses em Dublin, encorajado por Thomas Romney Robinson34 (1792 – 1882), e atuou

como o primeiro presidente irlandês da BAAS.

Em Edinburgh, o jovem J. D. Forbes logo adotou o uso da matemática analítica

na pesquisa física como seu modelo, em acordo com as propostas de Whewell. Forbes se

orgulhava em poder ser protègè de Whewell (cf. MORRELL; THACKRAY, 1981), o

qual se sentia agraciado por ter encontrado um discípulo escocês. Ao ser indicado para a

cadeira de Filosofia Natural em Edinburgh, no ano de 1833, Forbes anunciou sua intenção

33 A palavra tem uma etimologia obscura, mas parece que o exame recebeu o nome Tripos em função dos bancos

de três pernas utilizado pelos candidatos que realizavam as provas. (HARMAN,, 1985). 34 O Rev. John Thomas Romney Robinson, normalmente conhecido como Thomas Romney Robinson, era um

astrônomo e físico do século XIX. Durante muito tempo foi o diretor do Observatório Astronômico Armagh, um dos principais observatórios astronômicos do Reino Unido de sua época.

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de modificar o estilo qualitativo de seu antecessor: doravante Edinburgh seria um centro

de estudos no modelo de Cambridge, incluindo a introdução de exames escritos no estilo

Mathematical Tripos. Em 1838, quando a cadeira de Matemática se tornou vaga em

Edinburgh, Forbes apoiou para ocupá-la um acadêmico de Cambridge bem preparado em

matemática mista: o reverendo e pedagogo escocês Philip Kelland (1808 – 1879). A

matemática mista de Cambridge se tornou consolidada em Edinburgh pelas mãos de

Forbes e Kelland (MORRELL; THACKRAY, 1981, p. 480).

O valor educacional da matemática mista de Cambridge foi vigorosamente

apresentado por Whewell e por Herschel como um agente valioso de disciplina mental

devido ao rigor imposto ao pensamento através do raciocínio. Para Whewell, a

matemática tinha sido um dos grandes agentes no progresso das ciências físicas e para a

formação de um cientista; as ciências não matemáticas deveriam se constituir somente

em informação e nunca em cultura (WHEWELL, 1838, p. 12-13; 39-42). Para os

professores ordenados da universidade, tais como Whewell, Peacock e o dois Lloyds35, a

Física matemática consistia de um conteúdo altamente apropriado para moldar a

sensibilidade moral dos jovens. Os proponentes do programa de Cambridge ainda faziam

uma firme distinção entre instrução e educação, sendo esta última composta por questões

morais, religiosas e éticas (WHEWELL, 1838, p. 78). As virtudes morais da matemática

mista de Cambridge também foram longamente enaltecidas por Herschel em sua

indicação à presidência da BAAS no ano de 1845, onde alegava que esse tipo de

matemática evitaria tendências a uma “perniciosa, grosseira e precipitada generalização”

que somente a matemática poderia combater através de um pensamento constantemente

concentrado nos estudos (WHEWELL, 1835, Report, XXVIII).

Whewell deu particular atenção ao trabalho de Jean-Baptiste Joseph Fourier (1768

– 1830), em seu relatório de 1835. Avaliou Théorie analytique de la chaleur (FOURIER,

1822) como “uma das contribuições mais importantes para pesquisa físico-matemática do

século atual”. Aprovou a forma com a qual Fourier tinha ignorado o programa de Laplace

e tentou estabelecer as leis matemáticas derivadas dos dados experimentais idealizados.

Whewell esforçou-se por enfatizar que as teorias e os cálculos matemáticos eram o único

meio “pelo qual podemos ultrapassar os limites do espaço e do tempo que, à primeira

vista, nos parecem designados” (WHEWELL, 1835, p. 27-33).

35 O pai, Bartholomew Lloyd e seu filho Humphrey Lloyd.

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Observando o florescimento de uma nova forma de abordagem da filosofia

natural, Thomas Thomson 36 (1773 – 1852), reitor da Universidade de Glasgow e

presidente da Sociedade Filosófica de Glasgow, ofereceu seu espaço para que a BAAS

realizasse um de seus Meetings anuais. Este ocorreu em 1841 e foi amplamente divulgado

como um de seus maiores e melhores encontros (MORRELL, 1981). Sendo em Glasgow,

era usual que os presidentes das seções fossem notórios representantes locais, e o convite

implicava uma estreita consulta aos gestores da BAAS. Evidentemente, não haveria

qualquer problema, desde que a nomeação não envolvesse a presidência da Seção A37 e

assim, ao invés de indicar um membro honorário local, James David Forbes foi nomeado

presidente. De forma a amenizar o ocorrido, o Conselho aprovou por unanimidade

nomear os escoceses Thomas Thomson, Charles Lyell (1797 – 1875), William Jackson

Hooker 38 (1785 – 1865), James Watson 39 (1787 – 1871) e Sir John Robison 40

(1778 – 1843), como presidentes das seções restantes.

Observa-se que o estudo das ciências físicas, no início do século XIX,

desenvolveu-se em Cambridge e Edinburgh, em função da reforma liberal que oferecia

uma forte base em matemática avançada, introduzindo conteúdos que abordavam a

modelagem matemática de fenômenos físicos — matemática mista —, de forma a treinar

as mentes a desenvolver estratégias claras e racionais para encontrar soluções ao se

deparar com assuntos mais complexos. Contou com uma enorme contribuição da ciência

escocesa, proveniente das universidades de Edinburgh e de Glasgow. Essa junção

combinou a predileção britânica por modelos concretos com a aptidão escocesa para a

profundidade filosófica somada a sofisticação matemática de seus melhores alunos, os

vencedores do desafiador exame Mathematical Tripos. Até a primeira metade do século

XIX, a Universidade de Cambridge já havia graduado muitos matemáticos, astrônomos e

físicos-matemáticos importantes. Eles constituíam os wranglers41 que, em sua grande

36 Thomas Thomson era químico e mineralogista escocês, e seus textos contribuíram para a divulgação da

teoria atômica de Dalton. Inventou o sacarômetro e deu ao silício seu atual nome. 37 É Importante ressaltar que durante os vários encontros (Meetings) promovidos pela Associação ao longo

da década de 1830, a Seção A (análise matemática, matemática mista e ciências físicas), veio a se firmar como a seção mais importante, de maior poder de influência e claramente com a maior visibilidade dos anais. Nestes, os presidentes desta seção formavam um grupo quase familiar, anglicano, comprometido com a introdução das ciências físicas dentro do domínio da análise matemática.

38 Botânico e ilustrador. Diretor do Royal Botanic Gardens, ocupou o cargo de Régio Professor de Botânica na Universidade de Glasgow.

39 Médico, diretor da Faculdade de Médicos e Cirurgiões de Glasgow em 1838 – 1841, 1849 – 1852 e 1857 – 1860. Watson ficou conhecido como "The Father of the Faculty". Ver em: <www.theglasgowstory.com/image/?inum=TGSJ00033>.

40 Inventor escocês e escritor. 41 wranglers é como eram chamados os melhores alunos, homens, que obtinham as mais altas notas no

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maioria, eram ingleses que estudaram em escolas inglesas antes de entrarem para

Cambridge. Entretanto, os cinco melhores wranglers que se graduaram neste período, na

área de Física matemática, não possuíam essa formação convencional: George Green

(1793 – 1841), inglês e autodidata; George Gabriel Stokes (1819 – 1903), irlandês,

proveniente do Bristol College; William Thomson, nascido irlandês, que estudava na

Universidade de Glasgow onde seu pai James Thomson lecionava matemática; Peter

Guthrie Tait e James Clerk Maxwell, escoceses, provenientes da Universidade de

Edinburgh. Esse período é comumente referenciado como o período formativo da

chamada Escola de Cambridge42 de Física. É relevante observar que três dos grandes

expoentes da ciência desse século, William Thomson e Maxwell juntamente com P.G.

Tait, estudavam em universidades escocesas antes de se transferirem para Cambridge.

Uma breve análise comparativa entre a matriz educacional das universidades de

Cambridge, Edinburgh e Glasgow demonstra a importância das variações regionais e

institucionais na história das ideias científicas (HARMAN, 1985).

2.2 Principais centros de produção de conhecimento: Cambridge, Edinburgh e

Glasgow

Este item compreende um brevíssimo estudo comparativo da educação

universitária ministrada em Cambridge, Edinburgh e Glasgow após a formação da BAAS

e até 1855, aproximadamente. Discute as diferenças, as similaridades, conexões e

unidades percebidas nos programas de pesquisa das ciências físicas e filosofia da ciência

de cada uma das universidades. Tem como objetivo mostrar que o desenvolvimento das

ciências físicas britânicas, no século XIX, resultou da junção do programa de matemática

mista de Cambridge com a filosofia natural das universidades escocesas, incluindo a

ênfase na unificação de fenômenos e a importância do papel de analogias físicas e

matemáticas. O estudo dos fenômenos físicos no início da era vitoriana significava para

exame Mathematical Tripos de Cambridge.

42 Segundo Harman, a noção de uma "escola de Cambridge" no século XIX precisa ser considerada com algum cuidado, já que, ao empregar esse termo em seu livro History of the theories of aether and electricity de 1951, Edmund Whittaker enfatizava a importância do exame Mathematical Tripos na utilização de técnicas avançadas de matemática para a modelagem de fenômenos físicos. Entretanto, nem os membros da "escola de Cambridge" eram considerados docentes, nem a universidade possuía uma estrutura de ensino que a qualificasse como uma "escola" (HARMAN, 1985).

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a Escócia o estudo de filosofia natural, e para Cambridge, a preparação para o

Mathematical Tripos. Esses cursos não eram equivalentes, pois refletiam diferenças

gerais entre a educação universitária na Escócia e em Cambridge (SMITH, 1976b).

Tradicionalmente, a educação liberal43 encontrada nas universidades escocesas

enfatizava as línguas antigas e a filosofia moderna, estudadas de forma genérica durante

um ano de uma matriz de quatro anos e, normalmente, requeria apenas matemática

elementar. Cada universidade escocesa contava com um único professor de filosofia

natural, que ministrava o curso. O currículo de Cambridge e Edinburgh sofreu poucas

alterações no perfil dos egressos, sendo relativamente estável durante a primeira metade

do século em função da associação de seus professores com a BAAS. Somente na

universidade de Glasgow observaram-se mudanças substanciais, em virtude da ocupação

por William Thomson em 1846, da cátedra de Filosofia Natural, substituindo o professor

William Meikleham (1771 – 1846), que a ocupava desde 1803.

Embora J. D. Forbes, em Edinburgh, admirasse o método matemático de

Cambridge, seu curso manteve o tradicional ensino escocês da filosofia natural. Neste se

evidenciava seu entendimento de que todos os fenômenos físicos poderiam ser explicados

através da matemática mista e mantinha sua ênfase em analogias mecânicas para a

explicação dos fenômenos naturais. Já em Cambridge, o exame Mathematical Tripos foi

totalmente reformado ao final da década de 1840, sob a influência de Whewell, tendo seu

foco puramente analítico substituído por uma ênfase renovada na matemática mista, que

abrangia a mecânica, a hidrodinâmica, a astronomia e as ópticas física e geométrica.

Os escritos de John Herschel foram vistos como especialmente importantes na

formação da perspectiva dos físicos matemáticos de Cambridge. Herschel enfatizou o

papel da matemática como a chave do conhecimento científico e colocou a dinâmica, a

ciência da força e do movimento, “à frente de todas as ciências” (HERSCHEL, 1845, p.

96). Para ele, o conhecimento dos processos ocultos da natureza dependeria da

formulação bem-sucedida das teorias dinâmicas, dentro de um programa de cosmovisão

mecânica. Este programa de pesquisa foi fundamental para o trabalho de Stokes, William

Thomson, Maxwell e seus sucessores. (WILSON, 1982). O conceito de éter luminífero,

que foi concebido como fornecendo uma base dinâmica para a teoria óptica, foi

ativamente desenvolvido por Green e Stokes através da elaboração de teorias

hidrodinâmicas na década de 1840 (WILSON, 1972). Entre os anos 1840 e 1850, William

43 A educação liberal escocesa enfatizava as humanidades, enquanto que a educação liberal inglesa enfatizava a

mecânica analítica (matemática) e as ciências físicas.

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Thomson procurou estabelecer teorias dinâmicas de calor e magnetismo, em termos de

matéria e movimento aplicado às teorias hidrodinâmicas do éter: desenvolveu modelos

de átomos como vórtices em um fluido, influenciando posteriormente a teoria de Joseph

Larmor na década de 1890 (KNUDSEN, 1972; CAMEL, 2004). Maxwell, entre 1850 e

1870, além de modelar teorias dinâmicas para a eletricidade e o magnetismo, também o

fez para gases e Física molecular (BRUSH, 1976; SIEGEL, 1981). Portanto, é apropriado

considerar o trabalho de Stokes, William Thomson e Maxwell, no contexto de uma escola

de Cambridge de Física matemática, desde que seja entendida como uma escola de

pensamento. Mesmo assim, tal denotação não deve ser interpretada como uma

demarcação exclusiva, dado que sua educação, a amplitude de seus interesses e o

desenvolvimento de suas carreiras não podem ser satisfatoriamente caracterizados apenas

em termos de Cambridge (HARMAN, 1985, p. 3).

Os wranglers George Stokes, William Thomson, James Clerk Maxwell e,

posteriormente, Joseph Larmor, transformaram-se nos físicos de Cambridge que se

utilizaram da concepção da matemática mista para modelar os fenômenos da Física44. O

surgimento de uma Física unificada baseada em um programa mecanicista que procurava

explicar os fenômenos em termos das leis de movimento e estrutura de um sistema

mecânico aliado ao desenvolvimento do conceito de energia, forneceu aos fenômenos da

Física um novo e unificador quadro conceitual dentro da visão mecânica de natureza

(HARMAN, 1982).

Os pontos mais relevantes dos programas das universidades serão descritos

sucintamente, identificando ao final o resultado das influências de cada instituição na

Física britânica do século XIX.

Cambridge

Os melhores estudantes de matemática em Cambridge faziam parte de um

ambiente quase profissional, de alto nível, consistindo de um sistema educativo, uma

sociedade científica, com dois jornais científicos, e um emprego para aqueles que fossem

os melhores. Por volta de 1830, Whewell, como Master do Trinity College e membro da

banca para o prêmio Smith45, incluiu questões sobre calor, eletricidade, magnetismo e

44 Na primeira metade do século XIX, a ciência da física, ou simplesmente física, tornou-se a ciência da mecânica,

eletricidade, óptica e calor. Esta empregava uma metodologia investigativa de caráter experimental e matemático, englobando sua quantificação e a busca por leis matemáticas que modelassem os fenômenos.

45 Era um exame premiado que se seguia imediatamente ao Tripos Mathematical e no qual apenas os melhores wranglers podiam competir.

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61

teoria ondulatória da luz. Além da matemática, o Tripos abrangia diversas áreas da

ciência: mecânica, hidrostática, hidrodinâmica, astronomia observacional, teoria

gravitacional e sistema óptico geométrico; perguntas ocasionais sobre motores a vapor,

orvalho, velocidade do som e termômetros envolviam o assunto “calor”. Os tratamentos

matemáticos da eletricidade e do magnetismo eram incluídos em uma ou duas perguntas

durante todos os anos (de um total de umas 175 a 200 perguntas) e a teoria ondulatória

da luz era o assunto de quatro ou cinco perguntas todos os anos (BECHER, 1980a). As

questões do Tripos sobre sistemas ópticos físicos durantes essas duas décadas abordaram

muitos aspectos da teoria ondulatória: interferência, difração, refração e polarização.

Raras eram as perguntas sobre dificuldades específicas que a teoria enfrentava,

comparações com a teoria corpuscular e descrições de resultados experimentais. Apesar

das similaridades entre as ondas sonoras e a luz, somente uma pergunta durante aquelas

duas décadas pedia tal analogia (HARMAN, 1985).

Nos exames premiados Smith, a banca devia cobrar não somente os assuntos

exigidos no Tripos, mas cobrir igualmente os assuntos que geralmente não eram

abordados neste. Entretanto, observou-se que os assuntos referentes a correntes elétricas,

magnetismo e áreas interdisciplinares das ciências físicas foram limitados a apenas cinco

perguntas durante as décadas de 1830 e 1840, e somente foram introduzidas pelos

substitutos dos examinadores, notadamente William Hallowes Miller46 (1801 – 1880) e

Samuel Earnshaw47 (1805 – 1888).

De forma resumida, um excelente wrangler seria matematicamente e

tecnicamente hábil, mas conheceria muito pouco sobre teoria do calor, eletricidade e

magnetismo, e menos ainda sobre todas as similaridades ou conexões existentes entre

elas. Saberia muito sobre Laplace, Young e Fresnel, e muito pouco sobre Ørsted, Ampère

e Faraday. Conheceria muito sobre a gravitação newtoniana e quase nada sobre a filosofia

newtoniana. Esse wrangler, por mais bem colocado que estivesse, teria uma educação

extremamente diferente daquela que os alunos em Edinburgh e em Glasgow receberam.

46 Originário do País de Gales, tornou-se mineralogista e foi responsável por lançar as fundações da cristalografia

moderna em seu Treatise on crystallography de 1839. 47 Clérigo e matemático inglês, senior wrangler, notável por suas contribuições à física teórica, especialmente pelo

“Teorema de Earnshaw”. Este afirma que um conjunto de cargas pontuais não pode ser mantido em uma configuração estável de equilíbrio estacionário apenas pela interação eletrostática das cargas. Isto foi provado primeiramente em 1842 e é usualmente referenciado aos campos magnéticos, mas foi aplicado primeiramente aos campos eletrostáticos.

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62

Edinburgh

Em um momento de reforma da ciência britânica, J. D. Forbes combinou as

tradições de Cambridge e de Edinburgh em um curso abrangente em filosofia natural. A

influência das ações de Forbes tomou forma no início dos anos 1830, antes de ele ser

eleito professor da filosofia natural em janeiro de 1833. Forbes possuía uma carreira bem-

sucedida como fruto de boas relações com os dois principais filósofos naturais escoceses,

John Leslie48 (1766 – 1832) e David Brewster. (HARMAN, 1985). O Edinburgh Journal

of Science, editado por Brewster, forneceu meios para que Forbes publicasse diversos

artigos quando ainda era estudante e, eventualmente, isso o transformou em assistente de

Brewster (Brewster's protègè). Apesar de eleito, por indicação de Brewster, para a Royal

Society of Edinburgh em 1830, Forbes tinha muitas reservas a respeito da educação

universitária escocesa. Citava como exemplo principal o desconhecimento em análise

matemática mais aprofundada, a qual teve que estudar sozinho durante o verão de 1830.

O texto Decline of science in England, publicado em 1830 por Charles Babbage na

Inglaterra, retratava, de uma forma geral, o que Forbes pensava sobre a ciência praticada

em Edinburgh e nas universidades da Escócia. Mesmo que Babbage criticasse a educação

em ciências de Cambridge, Forbes encontrou muito a admirar durante sua visita a esta

universidade em 1831. Cambridge estimulava o estudo da análise matemática através de

um sistema de exames escritos e, em carta a Forbes no ano de 1832, Babbage reforçou a

importância da análise, citando que “ela [a análise] é a grande chave para a Natureza e a

cada grande descoberta seu conhecimento se torna cada vez mais necessário” (HARMAN,

1985).

Ao assumir a cátedra de professor de filosofia natural em 1833 em Edinburgh, seu

objetivo com a reforma do currículo da universidade não era simplesmente imitar o Tripos

Mathematica. Ele manteve em grande parte a tradição de Edinburgh, inseriu os métodos

analíticos em um nível mais elevado, abordou o uso da geometria elementar como valor

pedagógico, deu visibilidade e considerou o departamento de matemática mista como o

mais importante de seu curso. Ele insistiu em que tanto a matemática como a

experimentação eram essenciais à filosofia natural e que um não deveria ser preterido em

função do outro. Seu curso permaneceu muito mais amplo que o ministrado para o Tripos

48 Leslie é melhor lembrado por sua pesquisa em calor. Fez o primeiro relato da ação capilar em 1802 e, em 1804,

criou um experimento para mostrar o calor radiante, usando um recipiente cúbico cheio de água fervente. Um lado do cubo era composto de metal altamente polido, dois de metal opaco (cobre) e um lado pintado de preto. Ele mostrou que a radiação era maior do lado negro e insignificante do lado polido. O aparelho é conhecido como cubo de Leslie.

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63

Mathematical, apresentando temas como calor, eletricidade e magnetismo e refletindo a

convicção de Forbes de que existia uma “ligação íntima e recíproca” entre filosofia

natural e as “artes mecânicas” (FORBES, 1860, p. 7).

Tanto em sua pesquisa quanto no ensino, Forbes mostrou a importância das

analogias e das interrelações nos ramos da filosofia natural para o progresso da ciência:

“A importância das analogias na ciência talvez não tenha sido suficientemente

imposta pelos escritores como um dos métodos de filosofar. Uma percepção

clara da conexão foi por muito tempo a fonte mais fértil de descoberta.”49

(FORBES, 1836a, p. 147).

Ao esboçar seu curso de filosofia natural no Edinburgh Almanack para os anos de

1833 e 1834, Forbes incluiu leituras introdutórias sobre “a relação das ciências físicas

entre si e com o conhecimento geral” e discutiu “analogias do calor, da luz e da

eletricidade” (EDINBURGH, 1833-34, p. 35). Sob o eletromagnetismo incluiu “analogias

do magnetismo e da eletricidade” e as descobertas feitas por Ørsted, Seebeck e Faraday

a respeito das várias conexões entre a eletricidade, o magnetismo e o calor (EDINBURGH,

1833-34, p. 36).

A existência de uma unidade entre as forças da natureza recebeu somente

observações selecionadas de Forbes. Um exemplo era o argumento de Forbes de que a

diferença entre a luz e o calor radiante não era mais do que a diferença entre cores

diferentes da luz. A luz e o calor eram ondulações de um mesmo meio, composto por

partículas etéreas (FORBES, 1836b, 247-8; 1860, p. 956). Igualmente aceitou o

argumento de Faraday de que a ação elétrica e a afinidade química eram "uma e a mesma

força" (FORBES, 1860, p. 978). Contudo, não entendia a eletricidade e o magnetismo

como um único fenômeno e criticou a redução teórica50 de Ampère como "arbitrária e

improvável" (HARMAN, 1985, p. 25).

Glasgow

Glasgow diferiu significativamente de Cambridge e de Edinburgh. Enquanto

49 “The importance of analogies in science has not perhaps been sufficiently insisted on by writers on methods of

philosophizing. A clear perception of connexion has been by far the most fertile source of discovery.” (FORBES, 1836a, p. 147)

50 Ampère, tal como Faraday, acreditava que a eletricidade e o magnetismo consistiam diferentes manifestações de um mesmo fenômeno. Isso será visto mais detalhadamente no capítulo 3.

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Edinburgh teve um único professor da filosofia natural no início do período vitoriano,

Glasgow teve, de fato, três: William Meikleham (desde 1803), David Thomson51 (em sua

substituição, de 1840 até 1845), e William Thomson (que iniciou seu professorado em

1846). Antes dessa data, Edinburgh e Cambridge despontavam como universidades de

ponta, envolvidas em publicações de pesquisa original e participando ativamente da

reforma das instituições científicas. A ausência da Universidade de Glasgow,

representada por Meikleham e David Thomson, em publicações ou em manifestações a

respeito das reformas curriculares, torna evidente a transição renovadora ocorrida no

curso de filosofia natural após a cátedra de William Thomson.

Meikleham tinha sido um estudante muito considerado em Glasgow e

transformou-se em assistente do professor de filosofia natural John Anderson 52

(1726 – 1796). Como o professor da cátedra, Meikleham acreditava na importância da

matemática para a filosofia natural, mas defendia igualmente o ideal escocês de abertura

para as “artes mecânicas” em uma universidade reconhecida por não possuir um corpo

discente com habilidade matemática avançada. Meikleham sempre ofereceu aos seus

estudantes bastante preparação matemática, que incluía os elementos da aritmética e da

álgebra e os primeiros seis livros de Euclides, cujo conteúdo abordava trigonometria plana

e agrimensura. Contudo, igualmente notou a importância de fazer o curso “acessível a

todas as pessoas que talvez não tivessem toda a preparação desejável” (Evidence, 1837,

p.120 apud HARMAN, 1985, p. 27).

As analogias e a possível unidade entre as ciências físicas eram igualmente parte

de seu curso. Meikleham usou a analogia para discutir similaridades entre áreas diferentes

da filosofia natural, especialmente eletricidade e magnetismo (POLLOK, 1822, p. 1355-

1365 apud HARMAN, 1985, p. 29). Finalmente, indo além da analogia para a questão da

unidade das forças, concluiu uma discussão sobre a garrafa de Leyden com a seguinte

declaração:

“Destes vários fatos, da velocidade da operação e de muitos outros atributos

divulgados por recentes pesquisadores, eletricidade, parece provável, é o

mesmo que magnetismo. E dia a dia está-se tornando mais provável que os

efeitos maravilhosamente variados da eletricidade, fogo, calor, magnetismo e

gravitação, possam ser, em algum período futuro, atribuídos a uma origem

51 Sem qualquer parentesco com William Thomson

52 Foi um filósofo natural escocês e educador liberal na vanguarda da aplicação da ciência à tecnologia na revolução industrial. Incentivou James Watt em seu desenvolvimento da máquina a vapor e, ao conhecer Benjamin Franklin, solicitou a instalação do primeiro para-raios em Glasgow.

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65

comum”53 (POLLOK, 1822, p. 1355-1365 apud HARMAN, 1985, p. 29).

Assim, ao final de sua carreira 54 , Meikleham transmitia aos seus alunos a

importância de uma matemática de alto nível, o conhecimento de mestres mais antigos da

mecânica e astronomia e uma introdução às interrelações e unidades no mundo dos

“imponderáveis” divulgado pela pesquisa do século XIX. Poucas evidências se têm de

seu sucessor, David Thomson, no período de 1840 a 1845.

Poucos anos antes, em 1832, o professor James Thomson (pai de William

Thomson) foi nomeado para a cátedra de matemática na Universidade de Glasgow. Ele

introduziu mudanças para elevar o nível na compreensão da matemática, através do

oferecimento de prêmios nos exames escritos. Após alguns anos, seu filho William

Thomson, ao substituir Meikleham na cátedra do curso de filosofia natural, colheu os

primeiros louros do trabalho do pai. Dividiu o curso em teoria matemática e práticas

experimentais. Distinguiu a história natural da filosofia natural, chamada mecânica - a

ciência da força -, e dividiu-a em estática e dinâmica. Na parte matemática concentrou

assuntos como definição e composição de forças em várias situações, e a parte

experimental ficou com os tópicos calor, eletricidade e magnetismo. Variando de ano

para ano os tópicos abordados no curso experimental, Thomson pôde tratar os assuntos

mais profundamente do que Meikleham o fez. William Thomson fazia questão de

ministrar um curso que apresentasse as teorias mais recentes, enfatizando a unidade da

natureza fundamentada na ciência da dinâmica.

John Ferguson fez o curso de William Thomson durante os anos de 1859-60.

Posteriormente, ao se lembrar destas palestras, relata:

“Seu impulso era correlacionar fenômenos e chegar ao princípio subjacente a

eles, e isso lhe deu certa impaciência com os ramos da ciência que se

encontravam na fase de observação e ainda não estavam sob as leis mecânicas.

Daí que a parte mais brilhante e difícil de seu curso foi no final, quando ele

resumiu seu ensino, generalizando sobre a energia e a correlação das forças

físicas, mostrou-nos as experiências de Faraday sobre a conversão da

53 “From these various facts, from the velocity of operation, and from many other attributes disclosed by late

investigators, electricity, it seems probable, is the same as magnetism. And it is daily becoming more probable that the wonderfully varied effects of electricity, fire, heat, magnetism, and gravitation, may be at some future period, assigned to one common origin.” (POLLOK, 1822, p. 1355-65 apud HARMAN, 1985, p. 29)

54 Ao final da década de 1830.

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eletricidade e do magnetismo, e a conversão de Joule do trabalho em calor.”55

(FERGUSON, 1908, p. 281 apud HARMAN, 1982)

Para Glasgow, William Thomson foi indubitavelmente um retrato mais moderno

e detalhado da filosofia natural experimental e teórica do que Meikleham tinha sido.

Entretanto, o curso de Meikleham tinha sido mais rico em reflexões filosóficas sobre o

conhecimento natural. O curso de William Thomson igualmente contrastou com o curso

de Forbes, pois representou mais claramente o estado da ciência em meados do século.

Em 1850, J. D. Forbes ministrava poucas aulas em Física matemática, mantendo a ênfase

na mecânica, astronomia e luz. Já William Thomson discutia a matematização do calor,

da eletricidade e do magnetismo com os estudantes mais avançados de Glasgow.

Enquanto Forbes nunca aceitou a nova ciência da termodinâmica, Thomson foi,

naturalmente, um dos seus principais criadores (HARMAN, 1985).

J. D. Forbes e William Thomson também diferiram sobre a unidade da natureza.

J. D. Forbes pensava que somente em aspectos muito específicos e supostamente

diferentes a unidade da natureza havia sido observada. William Thomson, estimulado

pelo experimento de Faraday com luz polarizada56, procurava uma concepção altamente

unificada da natureza física, pressupondo um meio com as características de um sólido-

elástico como um único sistema mecânico cujos movimentos e/ou tensões poderiam

‘representar’ os fenômenos da eletricidade e magnetismo, luz e calor radiante. Tais

pensamentos – cruciais às especulações mais profundas de William Thomson por décadas

– foram colocados em um breve artigo enviado a Forbes no fim do ano de 1846

(THOMSON, 1846). O artigo despertou pouco entusiasmo em Forbes, que apenas

agradeceu de forma cortês seu envio, não dando maior importância a seu conteúdo. Na

década de 1850, ao escrever um texto para a Encyclopaedia Britannica, Forbes

cuidadosamente limitou a importância e a extensão do experimento de Faraday com a luz

55 “His impulse was to correlate phenomena and arrive at the principle underlying them, and this gave him a certain

impatience with branches of science which were still in the observational stage and had not yet come under mechanical laws. Hence the most brilliant and weighty part of his course was at the end, when he summed up his teaching and generalized upon energy and the correlation of the physical forces, showed us Faraday's experiments on the conversion of electricity and magnetism, and Joule's conversion of work into heat. (FERGUSON, 1908, p. 281 apud HARMAN, 1982)

56 Experimento esse que posteriormente ficou conhecido como efeito Faraday. O efeito Faraday consiste na rotação do plano de polarização experimentado por um feixe de luz plano-polarizada quando este atravessa certos materiais (água, quartzo etc.) na direção das linhas de um forte campo magnético, ao qual os materiais estão submetidos. Ver Faraday (1855, p. 1-11). Este experimento será melhor detalhado no capitulo A Ciência Vitoriana do Imaterial.

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polarizada (FORBES, 1860, p. 981-982). William Thomson se contrapôs à posição de J.

D. Forbes, usando o experimento como uma prova irrefutável da existência da unidade

da natureza e influenciando diretamente o desenvolvimento das ideias de Maxwell sobre

eletricidade e magnetismo (THOMSON, 1856; SIEGEL, 1981, p. 244-246).

Considerações Finais

A pergunta que sempre se coloca sobre a Física britânica do século XIX é se esta

teria sido construída então pela “Física de Cambridge” ou — dada a importância de

William Thomson e de Maxwell — teria sido, mais corretamente, uma “Física escocesa”.

De forma superfícial, a matemática poderia ser indicadora da grande diferença nos

sistemas educativos; entretanto, deve-se observar que Meikleham indicava a leitura do

livro Mécanique céleste de Laplace para seus estudantes mais adiantados e Forbes

organizou seu curso de forma a promover a Física matemática trazendo um wrangler,

Philip Kelland, para Edinburgh em 1838. James Thomson ensinou o cálculo continental57

em Glasgow de 1832 até 1849, sendo substituído pelo wrangler Hugh Blackburn. Além

disso, William Thomson e Maxwell publicaram papéis matematicamente sofisticados

antes de se transferirem para Cambridge, e nunca foi observado nenhum desnível

referente ao conhecimento matemático de ambos.

Claramente, Escócia e Cambridge incluíram ramos diferentes da filosofia natural

em seus currículos respectivos. Se os estudantes de Cambridge analisaram sistemas

ópticos mais extensivamente que os escoceses, estes últimos deram mais atenção ao calor,

à eletricidade e ao magnetismo. Uma outra vantagem escocesa foi sua ênfase em

analogias, conexões e na unidade das forças dentro de um contexto da reflexão crítica do

conhecimento humano (HARMAN, 1982).

Havia grandes diferenças na pesquisa produzida por William Thomson e Maxwell

(escoceses) e Green e George Stokes (não escoceses). Green era autodidata e, após sua

vinda a Cambridge, centrou seus poucos artigos na área de hidrodinâmica, som e luz.

George Stokes chegou a Cambridge vindo do Bristol College, cujo diretor era graduado

de Cambridge, e compôs um currículo constituído por disciplinas de matemática

avançada a fim de que seus alunos fossem capazes de alçar Cambridge. Assim que Stokes

se formou, em 1841, publicou o primeiro artigo de uma série de estudos em hidrodinâmica

que o levou a outros, inclusive sobre a natureza sólido-elástica do éter luminífero. Além

57 Cálculo desenvolvido por L’Hopital e Cauchy.

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da hidrodinâmica, publicou sobre o som, a forma da Terra, tópicos sobre sistemas ópticos,

incluindo sua descoberta da fluorescência logo no início dos anos 1850. A carreira de

Stokes contrasta com a de William Thomson na abordagem de uma teoria unificada para

os fenômenos físicos. Stokes nunca tentou nada desse tipo em seus artigos.

O curso de Meikleham enfatizou a unidade dos fenômenos mais do que o currículo

de Cambridge, e isso ajudaria a explicar o entusiasmo de William Thomson para com as

ideias de Faraday, quando apresentadas a ele através do próprio Faraday.

Maxwell, ao que parece, seguia o programa de William Thomson, ou programa

“Thomsoniano”, em sua pesquisa sobre a eletricidade e o magnetismo. Embora não

houvesse estudado formalmente eletricidade e magnetismo em Edinburgh ou Cambridge,

Maxwell terminou seu artigo “On Faraday's lines of force” (MAXWELL, 2011), e o

apresentou à Cambridge Philosophical Society em duas partes, uma em dezembro de

1855 e a última em fevereiro de 1856. O tratamento dado às linhas de força de Faraday

deveu-se a dois artigos de William Thomson: um sobre a analogia entre eletricidade

estática e a condução do calor, e o outro sobre a representação mecânica de fenômenos

elétricos e magnéticos. Semelhante ao artigo de William Thomson de 1847, Maxwell

buscou uma representação mecânica unificada da eletricidade e do magnetismo

(HARMAN, 1985).

David Wilson reconhece a presença de duas escolas principais de pensamento

dentro da chamada Escola de Cambridge. Uma é a própria Cambridge, grande e sólida

escola da matemática e Física matemática, que tomou forma, principalmente, pelas mãos

de Whewell, tendo Green e Stokes como suas figuras principais. A segunda é a escola de

Glasgow da filosofia natural, menor, mas não menos importante, que tomou forma por

Meikleham, e na qual William Thomson, como figura central, teria atraído estudantes

como Maxwell e P. G. Tait (WILSON, 1982).

Finalmente, é possível apreciar melhor quão grande foi a transformação dos

padrões conceituais institucionais do início da época vitoriana somente pela aceitação das

ideias de William Thomson e Maxwell. Por exemplo, o estudante e assistente de Forbes,

Stewart, tornou-se um divulgador da termodinâmica, e P. G. Tait, o sucessor de Forbes,

tornou a Física da energia um tema crucial para a classe de filosofia natural de Edinburgh

nas últimas quatro décadas do século. Cambridge abraçou oficialmente as novas teorias

nas décadas de 1870 e 1880, e o Laboratório Cavendish — dirigido sucessivamente por

Maxwell, Lord Rayleigh e J. J. Thomson — transformou-se no polo mais importante para

a instrução da Física de Cambridge.

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A importância das analogias na filosofia natural escocesa e na unidade da

natureza, características que foram componentes marcantes da termodinâmica e da futura

teoria de campo de William Thomson e Maxwell, contrasta com o trabalho de Stokes,

cujos trabalhos permaneceram confinados a tópicos de matemática mista, tais como

hidrodinâmica e teorias do éter. Esse contraste entre Stokes e William Thomson

representa um conflito central entre as tradições inglesa e escocesa, onde a influência

educacional, obviamente, não foi o único fator que moldou essa situação. O pensamento

dos pesquisadores que recriaram a Física britânica do século XIX obedece a padrões

específicos de influência que são revelados pelo estudo detalhado de sua matriz

educacional.

A junção da matemática mista de Cambridge com a tradição escocesa da filosofia

natural proveniente das universidades de Glasgow, através de William Thomson, e de

Edinburgh, através de Maxwell, combinou a aptidão escocesa para a profundidade

filosófica com a sofisticação matemática e a predileção britânica por modelos concretos.

Desempenhou, assim, um papel formativo único na modelagem da Física britânica do

século XIX (HARMAN, 1985).

2.3 Do Mecanicismo Clássico aos Modelos Dinâmicos: o método das analogias

William Thomson e Maxwell estiveram no centro da atividade criadora que levou

à consolidação de algumas das principais teorias da Física clássica. Além de construções

teóricas e conceituais, eles deixaram um importante legado epistemológico,

desenvolvendo e aplicando uma metodologia onde se destacava a utilização de modelos

e analogias. Neste item, evidenciam-se as conexões entre os novos métodos de Cambridge

e as correntes filosóficas e científicas, destacando-se a ligação entre esta metodologia e a

tradição dinamista desenvolvida em Cambridge, em substituição à visão mecanicista

anteriormente prevalecente.

As transformações conceituais aqui descritas coincidem com o período de

fundamentação de três das grandes teorias da Física clássica: a termodinâmica, a

eletrodinâmica clássica e a Física estatística. Anteriormente a este período de

transformação conceitual, tivemos Galileu, Kepler, Descartes, seguido de Newton, e, logo

após, o século XVIII trazendo os grandes matemáticos Euler, a família Bernoulli,

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D’Alembert, Legendre, Lagrange e Laplace. O século XVIII foi um período no qual

houve o desenvolvimento de uma mecânica altamente matematizada, porém segmentada

nas chamadas “físicas particulares” não abrangidas pelo campo mecânico: óptica,

eletricidade, magnetismo, calor. Estas eram estudadas através de experimentos, o que

levou a uma intensificação das pesquisas experimentais. Nas primeiras décadas do século

XIX, ocorreram várias tentativas frustradas de incorporar o formalismo da mecânica

racional às físicas particulares e, assim, surgiram numerosas contradições e lacunas.

O reducionismo mecânico era parte do esforço hegemônico da época para atingir a

unificação das teorias das ciências físicas e das não físicas também, através de sua redução

às “explicações mecânicas” que se encontravam bem matematizadas.

Para que melhor se compreenda o pensamento “dinamista” desenvolvido na segunda

metade do século XIX, é importante compreendermos o significado da filosofia mecânica

através de seu desenvolvimento até chegarmos ao seu ponto mais marcante com o

programa laplaciano, quase hegemônico na França do período napoleônico.

A Filosofia Mecânica

Na filosofia mecânica, a matéria e o espírito estavam separados. A matéria seria

regida apenas por causas eficientes externas, provenientes de choques, e seria “inerte”,

sem atividade ou potência internas. Encerrava-se com o “mistério do mundo” do

naturalismo animista, e salientava-se a transparência do mundo à razão. Deus teria criado

o Universo e colocado a matéria em movimento de uma única vez. Este movimento se

conservaria, seria indestrutível. O mundo material mover-se-ia apenas em consequência

dos choques entre os corpos, como o mecanismo de um relógio, seguindo a necessidade

das leis da Física (GAUKROGER, 1999, p. 191-198).

A concepção mecanicista tornou-se hegemônica a partir de René Descartes (1596-

1650), sendo compartilhada por Huygens, Hooke, Boyle e pelo jovem Newton. Na

concepção de Descartes a matemática tinha um papel central. Sua obra Discours de la

méthode (1637) continha um apêndice, intitulado La géométrie, que apresentava a técnica

de escrever curvas geométricas em termos de equações algébricas e vice-versa. Um

engenhoso passo de Descartes foi identificar a matéria com a extensão, de tal maneira que

quatro consequências eram imediatamente tiradas:

i) Como o espaço é infinito, também o seria a matéria;

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ii) Como o espaço é homogêneo, haveria a mesma matéria por toda parte;

iii) Como o espaço é infinitamente divisível, assim também seria a matéria, o que

negava o atomismo; e

iv) Como não faria sentido pensar num espaço sem extensão, não haveria espaço

sem matéria: o vácuo seria impossível. (WESTFALL, 1971, p. 30-35)

Descartes partiu de um princípio a priori para derivar as leis gerais: a perfeição

de Deus e sua consequente invariabilidade. Porém observou que, como há mudanças no

mundo, isto significa que Deus quis que o mundo estivesse em movimento. Há, portanto,

variação, mas tal variabilidade deveria ser a mais “invariável” possível. Isso equivaleria

a um ato contínuo de conservação da quantidade de movimento (quantitas motus) total

do Universo.

A cosmologia de Descartes baseava-se na noção de que cada estrela tinha em torno

de si um grande vórtice, que giraria da maneira como o faz o nosso sistema solar, e os

planetas orbitariam à sua volta porque são carregados por uma espécie de redemoinho de

matéria. Para isso postulou três tipos de matéria: o primeiro tipo, chamado de matéria

sutil, seria constituído de lascas minúsculas que teriam se separado do choque entre as

matérias dos outros dois tipos. Elas teriam um movimento muito rápido, seriam luminosas

e formariam a matéria do Sol e das outras estrelas. O segundo tipo seria constituído por

partículas arredondadas que preencheriam os céus, constituindo a matéria transparente

que carregaria os planetas em órbita circular; e o terceiro tipo seria a matéria mais grossa

que constitui a Terra, os planetas e os cometas (WESTFALL, 1971, p. 35-42).

A teoria mecânica dos vórtices planetários explicava bem o fato de os planetas se

moverem no mesmo plano em torno do Sol, em movimento aparentemente circular, e de

suas rotações e revoluções se darem no mesmo sentido. Nas palavras de Christian

Huygens (1686): “Os planetas nadam em matéria. Pois, se não o fizessem, o que impediria

os planetas de se afastarem, o que os moveria? Kepler quer, erroneamente, que seja o

Sol.” (MARTINS, 1989, p. 151-184).

A teoria da gravitação de Newton, publicada em 1687, foi a primeira a explicar as

leis de Kepler, e a evidência experimental a favor de órbitas elípticas levou tanto Huygens

quanto Leibniz a tentar formular uma explicação mecânica em 1690.

O trabalho de Isaac Newton (1642 – 1727) pode ser visto, por um lado, como a

representação mais fiel da filosofia mecânica, ao enunciar seus três princípios da

mecânica: princípio da inércia, princípio fundamental e princípio da ação e reação.

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72

Entretanto, ao introduzir a concepção de uma força que agiria à distância em seu estudo

da lei da atração gravitacional, Newton foi bastante criticado por isso. Adotou a postura

de renunciar à busca de uma explicação mecânica para esta atração, já que não conseguiu

formular um mecanismo para a gravitação. Possivelmente, absteve-se de postular uma

hipótese, não por um princípio filosófico, mas apenas pelas circunstâncias do problema.

Em sua juventude, Newton era partidário da concepção mecânica de Descartes e

Huygens, na qual a noção de “força”, ou “a potência de uma causa”, era concebida como

uma pressão de um corpo sobre outro, estando restrita a choques entre corpos. Quando

foi estudar os movimentos circulares, derivou uma expressão para a força “centrífuga”

que descrevia o movimento de fuga em relação ao centro, ao invés de uma atração. Ao

relacionar este resultado com a terceira lei de Kepler, Newton obteve um resultado para

a força que era proporcional ao inverso do quadrado da distância (1/r2). Em 1666, ele

aplicou seu resultado à cinemática de Galileu e encontrou uma discrepância em torno de

15% para a movimentação da Lua (WESTFALL, 1971).

Em 1675, Newton tomou conhecimento de que o astrônomo francês Jean Picard

havia feito uma correção para o valor da latitude que Newton usara em seu cálculo da

queda da Lua em 1666. Newton refez os cálculos com o valor correto da latitude e obteve

concordância com o movimento da Lua. Newton voltou sua atenção para a óptica e a

matemática. Após uma conversa, em 1684, com o astrônomo Edmund Halley sobre a

força de atração proporcional a 1/r2, Newton se sentiu estimulado a retomar seu trabalho

em mecânica. Disso resultou a publicação, em 1687, de sua grandiosa obra Philosophiae

naturalis principia mathematica.

Outra obra importante de Newton foi seu Opticks publicado em 1704. Nesta,

estendeu sua concepção – de que existem forças que atuam à distância entre todos os

corpos – para todas as partículas, inclusive átomos e partículas de luz. Tais forças

poderiam ser de atração, o que explica a coesão dos corpos e a capilaridade, e também de

repulsão, como na expansão dos gases. O magnetismo seria outro exemplo importante de

forças atuando à distância. Reações químicas também poderiam ser explicadas por meio

da atração e repulsão no nível microscópico. Ao final do século XVIII, essa concepção

tornar-se-ia o paradigma dominante, especialmente para o grupo que trabalhava em torno

de Laplace, no que por vezes é chamado a visão “astronômica” de natureza: partículas

imponderáveis sujeitas a forças de atração e repulsão (WESTFALL, 1971).

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73

O programa mecanicista de Laplace foi naturalmente inspirado no sucesso da

mecânica celeste newtoniana58 e consistia na interação física, por choques elásticos ou

por forças centrais59, que agiam entre as partículas mínimas e irredutíveis que constituiam

a matéria — “moléculas” ou “átomos” hipotéticos — eternos, indeformáveis e

infinitamente duros. Quando era julgado necessário, apelava-se também para “fluidos”

contínuos especiais — os “fluidos sutis” — dotados de propriedades únicas, com massas

nulas ou negativas, penetrabilidade com a matéria “comum”, etc. O método consistia em

assumir a existência dessas moléculas inobserváveis e das forças intermoleculares,

elaborar matematicamente as consequências desse mecanismo hipotético e comparar com

a experiência. Remontava-se de causa em causa até a origem fundamental dos fenômenos

físicos: os átomos eternos e imutáveis e as forças radiais a eles associadas ou,

eventualmente, aos “fluidos sutis”, que constituiriam assim a substância essencial e

última do universo (KOEHLER, 1995). Dessa forma, a “Física laplaciana” tinha como

objetivo concretizar o suposto ideal newtoniano de ciência na qual todos os fenômenos,

desde a escala microscópica (molecular) até a escala macroscópica (celeste), poderiam

ser representados em termos de forças centrais atuando entre as partículas de matéria.

Como as equações matemáticas apresentadas por Newton em sua obra Principia

mostravam que o movimento futuro de um corpo é perfeitamente determinado sempre

que se conheçam, no instante inicial, a posição e o momentum do corpo, estas ideias

motivaram uma construção mecanicista de que nada no universo é indeterminado. Sobre

esta concepção, Pierre Laplace criou seu daemon: uma criatura que, ao conhecer todas as

condições iniciais, era capaz de prever o futuro e evidenciar a lei que governa a natureza.

O universo não passaria de um complexo mecanismo (PURRINGTON, 1997).

É possível que o programa laplaciano não tivesse exercido tanta influência nos

anos do Primeiro Império de Napoleão se Laplace não contasse com a amizade pessoal

de uma grande autoridade dentro da comunidade científica: Claude-Louis Berthollet60

(1748 – 1822). Este não hesitou em usar sua posição na elite da comunidade científica em

Paris para promover as ideias de Laplace que, em 1803, alcançou o posto de chanceler.

58 Desenvolvida em sua maior extensão pelos matemáticos (geômetras) do século XVIII. 59 Atrativas ou repulsivas 60 Fundador do Círculo de Arcueil (1801 – 1817), químico e médico, colaborou com Lavoisier na elaboração de uma

nova nomenclatura química. Demonstrou que grande parte das reações químicas são reversíveis e foi responsável pela introdução do uso do cloro como descorante. Ele também descobriu o clorato de potássio e suas aplicações no preparo da pólvora e dos fogos de artifício. Berthollet concedeu à química um importante princípio, denominado regra de Berthollet: "A reação de um sal com um ácido ou uma base só ocorre quando o produto é mais volátil ou menos solúvel." (CAMEL; FILGUEIRAS, 2013).

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Essa posição lhe abriu enormes possibilidades de patrocínio e influência junto à sociedade

aristocrática francesa, que ambos, Laplace e Berthollet, souberam explorar devidamente

(FOX, 1974).

Entretanto, novas descobertas científicas contribuíram para desafiar a Física

fundamentada na noção de forças de curto alcance. A observação do efeito magnético

associado com a passagem de uma corrente elétrica ao longo de um fio, realizada por

Hans Christian Ørsted em 1820, levou duas dificuldades imediatas para a Física

laplaciana. Uma foi o surgimento de uma força transversal (ao invés de longitudinal)

sobre a agulha da bússola na vizinhança de um fio atravessado por uma corrente elétrica

e a outra, que apontava para o fato de que a eletricidade e o magnetismo estavam

relacionados, ao contrário do que acreditavam Coulomb e Laplace.

A ciência da segunda década do século XIX, que coincidiu com a última década

de vida de Laplace, demonstrou um cuidado cada vez maior entre os cientistas no que

dizia respeito não somente a fluidos imponderáveis, mas também a entidades não

observáveis em geral. A oposição dirigida à Física laplaciana durante os anos de 1815-

1820, foi capitaneada por Pierre Louis Dulong (1785 – 1838), Dominique François Jean

Arago (1786 – 1853), Augustin-Jean Fresnel e Alexis Thérèse Petit (1791 – 1820), e

culminou com o trabalho de Fourier sobre a teoria analítica do calor61. Neste, Fourier fez

uma forte crítica ao método dedutivo-hipotético da escola “mecânico-molecular” francesa

e alemã. Esta crítica está relacionada com a recém-criada filosofia positiva ou

positivismo, desenvolvido por Auguste Comte 62 (1798 – 1857). Em seu Cours de

philosophie positive 63 , Comte sugeria a necessidade de uma reforma social

fundamentando-se na descrição e análise objetiva dos fatos ou fenômenos.

Evidentemente, a existência de fluidos imponderáveis, por exemplo, na abordagem de

Laplace para a ciência não se coadunava com a visão positivista (PURRINGTON, 1997).

Robert Fox argumenta que os cientistas Dulong, Arago, Petit e Fresnel de fato não

eram positivistas, porém estavam receosos quanto à profusão dos fluidos imponderáveis

propostos pelos adeptos da Física de Laplace, os laplacianos. Certamente defendiam a

cautela no que dizia respeito não somente a estes fluidos, mas também a entidades não

observáveis em geral. Ao rejeitarem as argumentações laplacianas, estavam substituindo

61 uma tradução pode ser encontrada em Analytical theory of heat, trans. Alexander Freeman (1878, p. 7-8). Citado

em Kargon (1969, p. 428). 62 Cujo nome completo é Isidore Auguste Marie François Xavier Comte. 63 Constituído de um conjunto de textos publicados entre 1830 e 1842.

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velhas concepções por novas teorias, defendendo com entusiasmo a teoria ondulatória da

luz, do calor e a teoria atômica. Eles forneceram a base para pesquisas que claramente

não continham o enfoque positivista. O positivismo, segundo Robert Fox, foi, no máximo,

um sintoma e não uma causa, uma reação à situação em que a ciência francesa se

encontrava em meados da década de 1820. Portanto, é equivocado associar o declínio da

Física laplaciana unicamente à ascensão do positivismo. Segundo Fox, a filosofia positiva

de Comte deve ser vista como uma expressão historicamente significativa, mas que

exerceu pouca influência sobre o rumo da ciência na primeira metade do século XIX

(FOX, 1974).

A Naturphilosophie e a Física Dinamista

Com a crescente crise dos modelos mecânicos reducionistas, assistiu-se à

ascensão de uma perspectiva dinamista da Física. Essa ascensão do dinamismo se deu no

âmbito da Física feita em Cambridge, ao longo dos anos de 1830 a 1880. Seus

pressupostos centrais eram a formulação abstrativista lagrangeana da dinâmica, como

método teórico formal, e as leis da energia como conceito unificador. Deste movimento

participaram muitos dos filósofos naturais e matemáticos do período: John Hershell,

William Whewell e Charles Babbage, como fundadores do movimento, seguidos por

George Green, G. G. Stokes, P. G. Tait, William Thomson e Maxwell.

Essa perspectiva dinamista (ou visão dinâmica da matéria) representava uma

ciência da natureza cuja articulação entre os múltiplos fenômenos possibilitava realizar

as relações conceituais que trariam como resultado uma concepção total de natureza.

Claramente, a Física dinamista se opunha à Física mecanicista 64 ou materialista de

Laplace e de outros físicos franceses. Capek define o dinamismo como “a visão de que

todos os fenômenos da natureza, inclusive a matéria, são manifestações de forças”

(CAPEK, 1967 apud ABRANTES, 1998, p.73).

Essa visão dinâmica da matéria pode estar também relacionada à influência da

nathurphilosophie 65 , da qual participaram Kant, Goethe, Friedrich W. J. Schelling

64 A teoria mecanicista admitia a matéria como passiva e preenchendo o espaço através das forças primitivas de

atração e repulsão. O espaço vazio seria um conceito limite, não possuindo nenhuma aplicação empírica”. (GOWER, 1973, p. 320-1).

65 Em 1799 o filósofo Friedrich Wilhelm Schelling publica Erste Entwurf zu einem System der Naturphilosophie. Essa obra concebia o Universo como um todo orgânico, como um ser vivo dotado de uma alma ativa (Princípio Universal), geradora das forças naturais. Para os naturphilosophers as leis que regiam a totalidade da natureza e os princípios originais de sua formação e regulação não eram acessíveis ao domínio experimental, ou seja, ao tipo de abordagem limitada e circunscrita da ciência positiva, não obstante a experiência guardar e revelar, sob a forma de pistas, um sentido da natureza cujo significado pleno não pode ser captado experimentalmente. O poeta

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(1775 – 1854) e Ørsted. Inicialmente sugerida, em 1786, por Immanuel Kant através da

obra Metaphysische Anfangsgründe der Naturwissenschaft, a naturphilosophie constituiu

–se em um episódio da filosofia alemã (GOWER, 1973, p. 301) inserido na tradição do

idealismo kantiano, ao qual incorpora teses do romantismo alemão. Nesta perspectiva

filosófica, o conceito de substância deixa de fazer sentido, sendo substituído pela noção

de força como essência da matéria. Schelling concebe em sua obra uma natureza

representada por um todo ativo e dinâmico, e suas forças como inerentemente idênticas e

convertíveis umas nas outras (GOWER, 1973, p. 321).

A introdução da naturphilosophie na Grã-Bretanha se deu por vários meios,

embora seja possível traçar uma conexão direta a partir do relacionamento pessoal de

Humphry Davy66 com Samuel Taylor Coleridge. Coleridge esteve na Alemanha entre

1798 e 1800 e tornou-se um entusiástico adepto da naturphilosophie através de Friedrich

Schelling. A influência dos conceitos se infiltrou tão largamente na ciência do período

romântico, que provocou um veemente protesto de Helmholtz. Adepto da filosofia

mecânica, Helmholtz afirmava ser a naturphilosophie responsável por induzir uma

histeria de “sistemas de natureza” trazendo o “descrédito para a filosofia”

(PURRINGTON, 1997, p. 26).

Apesar das várias oposições enfrentadas pelos adeptos da filosofia mecânica, foi

a crença em uma unidade fundamental subjacente à natureza que levou Hans Christian

Ørsted a realizar seu experimento fundamental, sugerindo que a concepção da unidade da

natureza já permeava as ciências físicas no início do século XIX. Ørsted claramente

vivenciava a naturphilosophie, e sua crença na interconvertibilidade das forças teria sido

o fundamento de sua descoberta relacionando eletricidade ao magnetismo (LYNNING;

JACOBSEN, 2011, p. 46).

É possível que Michael Faraday também tenha sido influenciado pela

naturphilosophie através de Davy67. Em sua pesquisa sobre as relações existentes entre

os diversos fenômenos, Faraday se sentia movido pela forte convicção de que todas as

forças da natureza eram mutuamente dependentes, sendo manifestações diferentes de uma

Novalis escreve: a experimentação reclama o gênio da natureza, quer dizer, essa maravilhosa aptidão a apreender o sentido da natureza – e a tratá-la no espírito da natureza. O autêntico observador é um artista – ele pressente o significativo e, através da estranha mistura dos fenômenos que passam, ele fareja aqueles que são importantes. (HENDERSON, 1998, p. 136-137)

66 Pode-se acrescentar também uma possível influência de Sir William Rowan Hamilton (1805-1865) sobre Faraday. Ambos fizeram contato em 1834, e Hamilton “descobriu, com prazer, que ele e Faraday possuíam visões quase idênticas da natureza da matéria”. Hamilton conheceu Coleridge quando ainda jovem, e foi um devotado estudioso de Kant, a partir do original alemão. (LEVERE, 1968, p. 102, nota 58).

67 Davy e Coleridge eram amigos próximos. Ver Purrington (1997, p. 7).

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força fundamental. O entendimento de Faraday sobre a dependência mútua das forças da

natureza e de sua origem comum constituiu-se em uma concepção que o orientou ao longo

de toda a sua carreira (TRICKER, 1966, p. 25). Segundo Geoffrey Cantor, Faraday estava

convencido de que, ao criar o universo, Deus teria concebido um sistema “econômico”

em que todos os diferentes poderes estariam inter-relacionados através de leis simples

onde todas as forças seriam manifestações de uma única força básica (CANTOR, 1991a,

p. 73, 1991b, p. 289).

No artigo de 1844 A speculation touching electrical conduction and the nature of

matter68, Faraday elabora um modelo dinâmico para a estrutura da matéria, empregando

argumentação lógica, analogia e critérios como “simplicidade” e “economia”. Adotou

também um princípio de ordem estética onde a constituição dos corpos seria aquela dos

centros de força por ser a “visão mais bela” (FARADAY, 1965, p. 853-854).

Essa concepção dinâmica da matéria adotada por Faraday é muito semelhante à

proposta na filosofia germânica citada, e pode estar relacionada com a concordância

íntima de que ela parecia oferecer um lugar para o espírito no mundo (CAMEL, 2004).

Assim, seria possível estabelecer uma relação entre o dinamismo apresentado no artigo

Speculation e a concepção de natureza existente em sua teologia69 também defendida pela

naturphilosophie (CANTOR, 1991a, 1991b). Uma outra relação provável é a de que

Faraday tenha herdado de Davy a ideia de atomismo dinâmico70 por compreender esta

hipótese como uma continuidade da “atividade divina” (LEVERE, 1968, p. 101).

De acordo com Mary Hesse, o artigo A speculation touching electrical conduction

and the nature of matter marca uma transição decisiva entre uma ação contínua entendida

mecanicamente e uma ação contínua em termos de forças preenchendo o espaço (HESSE,

2005, p. 201).

68 O artigo “A speculation touching electrical conduction and the nature of matter”, de Michael Faraday, foi escrito

originalmente na forma de carta, endereçada a Richard Taylor, e publicado em 1844, tendo sido incluído em sua obra canônica Experimental researches in electricity.

69 Faraday era praticante ativo da religião sandemaniana. Os sandemanianos valorizavam a revelação através da Bíblia, associavam crença e razão e eram adeptos da concepção de que a natureza era simples e elegante (CANTOR, 1991a, p. 71).

70 Inicialmente, a visão dinâmica endossada por Faraday poderia ser associada a um tipo de “dinamismo leibniziano”, de caráter amplo, presente na formulação britânica da ideia de matéria. Leibniz tomava o conceito de força ativa como princípio explicativo, e requeria que esta pertencesse à própria natureza das coisas, negando a concepção de Newton que, na Opticks, atribuíra a atividade da matéria à intervenção divina. Essa visão de natureza ativa da matéria teria influenciado a definição de átomos em termos de centros de força especialmente por Boscovich (LAMONT, 2009, p. 873).

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Uma das mais claras diferenciações entre os modelos dinamista e mecanicista para

as ciências físicas é dada por Immanuel Kant no seu Metaphysische Anfangsgründe der

Naturwissenschaft através da citação abaixo:

[...] Só é possível atingir a explicação de uma possível variedade específica de

matéria, (estendendo) ao infinito, por dois caminhos: o mecânico, pela união do

absolutamente cheio com o absolutamente vazio ou o caminho oposto a este,

pela explicação de toda variedade de matéria através da simples variação na

combinação de forças originais de repulsão ou atração. O primeiro tem como

objeto de sua dedução, átomos e vazio. [...] O modo de explicação da variedade

específica da matéria pela construção e composição de suas menores partes como

máquinas, é a filosofia natural mecânica, mas aquele modo que gera a variedade

específica a partir de matéria não como máquinas, melhor dizendo, simples

instrumentos de forças motoras externas, mas a partir de forças motoras de

atração e repulsão originalmente pertencentes a ela, pode ser chamada filosofia

natural dinâmica. (KANT, 1883 apud HENDRY, 1986, p. 15 apud CAMEL,

2004, p. 10)

Assim, se observarmos as diferenças entre os pensamentos mecanicista e

dinamista nos séculos XVIII e XIX, pode-se supor que eles se comportaram como polos

de um continuum filosófico. A tradição mecanicista enfatizou hipóteses com modelos

mecânicos e suas estruturas subjacentes, e a filosofia dinamista, por outro lado, evitava

postular estruturas hipotéticas para a matéria, se estas não fossem acessíveis à medição.

A tradição dinamista trazia uma grande vantagem: enquanto a Física só lidasse com

fenômenos macroscópicos, os modelos mecânicos e hipóteses especulativas sobre a

estrutura subjacente poderiam se tornar contraproducentes, já que poderiam inutilizar

toda uma boa teoria sobre o fenômeno. Assim, seria bastante satisfatório usar um modelo

macroscópico com o objetivo apenas de reproduzir ou descrever os fenômenos. Robert

Fox afirma ainda que os cientistas responsáveis pelo ocaso da Física laplaciana, a partir

de 1820, acolhiam a visão dinamista de mundo. Esta visão proporcionou uma melhor

compreensão da teoria ondulatória da luz71, da teoria analítica do calor e dos estudos sobre

eletricidade e magnetismo iniciados por Ørsted, Ampère e Faraday. (FOX, 1974, p. 110).

As Teorias Dinâmicas

71 Em grande parte, devido a Thomas Young e Fresnel.

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Após o falecimento de Laplace e devido às dificuldades para desenvolver a

explicação mecânica de natureza juntamente com o surgimento dos questionamentos

sobre a natureza da luz, do éter luminífero e a relação entre eletricidade e magnetismo, os

mecanicistas se sentiram forçados a reexaminar e refinar suas próprias posições. As

polêmicas mais intensas contra o programa mecanicista resultaram em esforços mais

elaborados e ambiciosos para fornecer explicações mecânicas para toda a natureza, ou

pelo menos toda a natureza inanimada. Na metade do século, esse programa tinha feito

progresso desenvolvendo suas explicações dentro de uma matemática elegante e flexível.

Seus conceitos e métodos foram expandidos e refinados, podendo analisar os corpos

rígidos, os sólidos elásticos e os líquidos de vários tipos, assim como os sistemas de

partículas. Mesmo os fenômenos elétricos e magnéticos obtiveram sucesso através do

programa mecanicista: as leis de força para cargas elétricas e polos magnéticos em

repouso haviam sido determinadas antes do fim do século XVIII e, mesmo após a

descoberta de Ørsted, leis mais elaboradas da força para as cargas em movimento foram

propostas por Ampère, Jean-Baptiste Biot (1774 – 1862), Félix Savart (1791 – 1841) e

Wilhelm Eduard Weber (1804 – 1891) (KLEIN, 1973).

Apesar do refinamento do programa mecanicista, a crítica que Fourier havia feito

contra o método dedutivo-hipotético da escola “mecânico-molecular” francesa e alemã72

em seu trabalho (FOURIER, 1822, p. 7-8) tinha causado uma impressão marcante na

escola de Física de Cambridge. Os físicos britânicos reconheceram que,

independentemente de todas as hipóteses, a análise matemática deveria descrever as leis

que governam fenômenos, e o uso dos métodos matemáticos poderia estabelecer claras

analogias formais entre diversos fenômenos. Porém, a recusa “positivista” de Fourier para

procurar as causas que originam as leis não satisfaziam os físicos britânicos. A escola

britânica adotou, então, uma metodologia que buscava uma teoria dinâmica na qual

todas as forças e suas causas poderiam ser deduzidas das leis que governavam os

fenômenos (KARGON, 1969).

Becher chama de “revolução analítica”73 a fase onde os físicos britânicos iniciam

a adoção dos métodos franceses, buscando basear a matemática mista — mecânica,

72 A oposição dos físicos britânicos do século XIX contra a visão mecânica é examinada em Robert H. Kargon (1969,

p. 423-436). 73 Becher refere-se em seu artigo à três diferentes categorias para o cálculo àquela época: geométrica, algébrica e

aritmética. A abordagem geométrica refere-se a práticas onde a derivada é definida como tangente a uma curva. Essas concepções ligam-se facilmente à mecânica e, portanto, à filosofia natural ou à "matemática mista". A abordagem algébrica ou analítica refere-se ao método de Lagrange em definir sucessivas derivadas de uma função. Esta abordagem enfatiza a manipulação de equações algébricas ao invés de construções geométricas e é

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óptica, eletricidade, magnetismo e calor, através de métodos analíticos modernos. Assim,

a geometria analítica substituiu a euclidiana e as funções substituíram figuras

geometricamente construídas. Isso constituiu um grande avanço matemático, mas não

afastou a ideia da legitimação geométrica do cálculo dos cientistas britânicos (BECHER,

1980, p. 176-184).

Em seu relatório à BAAS em 1835, William Whewell atacou o programa de

reduções mecânicas, alegando que a abordagem de Fourier não exigia a introdução de

uma ação molecular explicitada. A análise de Fourier informa que o fluxo de calor através

de qualquer superfície é produzido por um gradiente de temperatura T através da

superfície, e satisfaz à equação

onde k significa a condutividade macroscópica do meio. Assim, qualquer que seja a

“estrutura subjacente”, ou mesmo o que seja o calor, a equação descreve o processo de

seu fluxo. Na Física laplaciana, esta análise não poderia ser considerada completa porque

não fornecia nenhum mecanismo ou forças subjacentes para a transmissão do calor. Era

o exemplo de uma descrição que, de acordo com a terminologia de William Thomson à

época, seria "cinemática" (WISE, 1982). Em essência, Whewell se colocou a favor da

própria equação diferencial como a entidade fundamental da Física matemática. Sua visão

representava um consenso recém-emergente sobre a construção teórica, a abordagem

indutiva e geometricamente descritiva. Todos os que compartilhavam desse consenso se

limitavam a descrições fenomenológicas como, por exemplo, as equações desenvolvidas

em 1837 por James MacCullagh (1809 – 1847). MacCullagh formulou uma equação para

as ondas de luz que descrevia o processo de propagação de uma frente de onda, baseado

unicamente em sua reflexão e refração nas fronteiras, ignorando qualquer que fosse sua

composição subjacente. Sir William Hamilton, colega de MacCullagh em Dublin,

destacou o método de MacCullagh como sua dedução dinâmica preferida para um

sistema de partículas e forças gerais. Em um artigo de 1839, MacCullagh formulou uma

teoria dinâmica de reflexão e refração, porém essa teoria dinâmica não possuía nenhuma

dedução de postulados mecânicos concretos: não havia qualquer modelo mecânico

(MOYER, 1973; WISE, 1982).

abstrata e pouco intuitiva. A Analytic Society procurou originalmente estabelecer o método de Lagrange como a base da instrução na matemática avançada em Cambridge e simultaneamente dar a prioridade às operações matemáticas sobre aplicações físicas. Finalmente, a terceira categoria, aritmética, denota o que a matemática atual reconhece como "método analítico", e foi desenvolvido por Cauchy na França durante a década de 1820.

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81

Apesar da descrição fenomenológica representar o estilo de muitas teorias

britânicas a partir da segunda metade do século XIX, o mecanicismo era muito presente

entre os membros da academia. Entretanto, a segunda lei de termodinâmica provou ser o

primeiro obstáculo intransponível para o programa mecanicista de natureza

(PURRINGTON, 1997).

A teoria de Maxwell do campo eletromagnético forneceu outras dificuldades para

a visão mecânica de mundo. Maxwell chegou à conclusão de que a luz é uma onda

eletromagnética com a ajuda de um modelo mecânico detalhado e complicado, porém

nunca afirmou que este modelo representasse fielmente a realidade. Em sua obra seguinte,

intitulada Dynamical theory of the electromagnetic field de 1865, a detalhada analogia

mecânica, presente no artigo anterior, desapareceu completamente. Maxwell comparou

as versões antiga e nova de sua teoria em uma carta a seu amigo Peter Guthrie Tait,

escrevendo:

O primeiro é construído para mostrar que os fenômenos [do eletromagnetismo]

são tais como pode ser explicado pelo mecanismo. A natureza do mecanismo

é para o verdadeiro mecanismo o que um planetário é para o Sistema Solar.

Este último é construído sobre as Equações Dinâmicas de Lagrange e não sobre

vórtices.74 (J. C. Maxwell para P. G. Tait em 23 dez. 1867, apud KNOTT,

1911, p. 215)

Seu uso dos métodos de Lagrange permitiu-lhe prosseguir sem um conhecimento

detalhado da “natureza das conexões entre as partes do sistema” (MAXWELL, 1954, v.

2, p. 213). Maxwell considerou o método lagrangeano como uma maneira de evitar a

necessidade de utilizar uma hipótese sobre a estrutura mecânica do sistema em estudo. A

vantagem do método residia no fato de que as equações finais eram independentes da

forma particular pela qual as conexões mecânicas se davam (MAXWELL, 1952, p. 122;

200). Destaca-se aqui a observação do filósofo positivista Pierre Maurice Marie Duhem

(1861 – 1916), ao tecer fortes críticas à predileção inglesa pelos modelos estruturais:

As noções abstratas de pontos materiais, força, linhas de força e de superfície

equipotencial não satisfazem a necessidade (inglesa) que precisa imaginar o

concreto, material, visível, e as coisas tangíveis.75 (DUHEM, 1954, p. 70)

74 “The former is built up to show that the phenomena are such as can be explained by mechanism. The nature of

the mechanism is to the true mechanism what an orrery is to the Solar System. The latter is built on Lagrange’s Dynamical Equations and is not wise about vortices.” (KNOTT, 1911, p. 215)

75 “These abstract notions of material points, force, line of force, and equipotential surface do not satisfy his [the englishman] need to imagine concrete, material, visible, and tangible things.” (DUHEM, p. 70, 1991)

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82

Duhem direciona sua crítica para Maxwell. Para isso se refere a Poincaré que, em

sua obra Eletricité et optique, comenta “que a primeira vez que um leitor francês abre um

livro de Maxwell, uma sensação de desconforto e admiração se misturam” (POINCARÉ,

1890, vol I, p. vii apud DUHEM, 1991, p.85). Para Duhem, se a mente do cientista é

forte, não seria necessário representar uma ideia através de uma imagem concreta;

entretanto, não seria razoável negar o direito de esquematizar os objetos de teorias físicas

em suas imaginações visuais às mentes amplas, porém fracas. Apesar de afirmar que ele

não pode obrigar os ingleses a pensar da maneira francesa, apoia-se na declaração de

Helmholtz:

Quanto a mim, eu devo confessar que eu permaneço solidário com a

representação de fatos e suas leis por um sistema de equações diferenciais da

Física [...] eu coloco mais confiança neste do que no outro. Porém não posso

levantar qualquer objeção, a princípio, contra um método perseguido por estes

grandes físicos.76 (HELMHOLTZ, apud DUHEM, 1991, p. 99-100)

Os adeptos do mecanicismo, na tentativa de explicar as propriedades da matéria

com base nas menores partes de natureza, muitas vezes recorreram a entidades que não

eram acessíveis à observação. Em alguns casos, essas entidades poderiam se tornar parte

do mundo empírico por terem sido observadas; em outros, as entidades teriam servido

apenas como analogia, auxiliando na compreensão do fenômeno. Parece ter sido este o

caso de Maxwell, ao fazer uso de modelos que incluíram elementos cuja existência nunca

foi alegada por ele. No entanto, não existe dúvida de que, logo no início do

desenvolvimento da teoria do eletromagnetismo, esta encontrava-se embasada em

modelos que incluíam os vórtices moleculares no éter e suas subestruturas, o que poderia

levar à ideia de que Maxwell era mecanicista. Entretanto, pouco tempo depois observa-

se que ele "desmecaniza" o éter, concedendo uma característica dinamista à teoria

eletromagnética, o que evidencia a complexidade e sutileza de seu pensamento.

Interessante observar que Maxwell não só introduziu o método das analogias77 com

76 As for me, I must confess that I remain attached to this latter mode of representation, and I place more confidence

in it than in the other. But I cannot raise any objection in principle against a method pursued by such great physicists. (HELMHOLTZ, apud DUHEM, 1991, p. 99-100)

77 O uso da analogia como ferramenta metodológica está associada à unificação de áreas semelhantes ou mesmo superficialmente diferentes na física. A tentativa de modelar um fenômeno analogamente a outro é uma forma de demonstrar que, em um sentido mais amplo, os diferentes fenômenos pertencem a um corpo único. (GOODING, 1985). As ideias de Maxwell sobre o uso de analogias em modelos de natureza estão expressas no

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83

grande sucesso em suas pesquisas, como especulou amplamente sobre o quanto esta

representava, de forma efetiva, a realidade do modelo proposto. Essa busca tinha várias

fontes: sua observação de fenômenos físicos de naturezas muito diferentes, que podiam

ser descritos matematicamente de forma muito similar, e a visão compartilhada com os

filósofos escoceses, particularmente John Playfair (1748 – 1819), para quem a unidade

de natureza surgia do fato de que todas as leis físicas tinham origem na mente humana

(BEZERRA, 2006).

Enquanto Maxwell se utilizava das analogias mecânicas de forma

descompromissada, seu amigo e mentor, William Thomson, simpatizava com os modelos

mecânicos e com o conceito de unidade de natureza. Uma situação que explicita bem essa

necessidade de representação de uma ideia através de uma imagem concreta foi

apresentada por William Thomson durante a conferência em Baltimore, no ano de 1884.

Ele afirma que, se compreende um determinado assunto em Física, é capaz de produzir

um modelo mecânico deste, e conclui que nunca irá ficar satisfeito até que possa idealizar

um modelo mecânico de um fenômeno físico (PURRINGTON, 1997, p. 85).

A ideia de unidade da natureza permeou e até mesmo orientou a pesquisa científica

dos principais cientistas dinamistas do século XIX. J. D. Forbes, professor de filosofia

natural em Edinburgh, relatou a descoberta de que o calor podia ser refletido e polarizado

como a luz, e concluiu que a fonte mais fértil de descoberta científica era a percepção da

correlação entre diversos fenômenos. A visão mecânica de mundo não desapareceu tão

rapidamente, e a percepção de que a Física deveria ter como meta a explicação mecânica

da natureza não ficou sem contestações. Esses desafios se multiplicaram e se tornaram

mais ousados ao final do século XIX. Ernst Waldfried Josef Wenzel Mach (1838 – 1916),

certamente o mais convincente dos críticos do mecanicismo, desenvolveu suas idéias em

The science of mechanics (de 1893), em que visava eliminar as ilusões existentes sobre a

natureza da ciência mecânica e substituí-las por uma sólida abordagem positivista. Vários

“antimecanicistas”, como os energetistas Wilhelm Ostwald e Duhem, se aliaram a Ernst

Mach nesse propósito.

ensaio “Are there real analogies in nature?” onde ele claramente se questiona, à exemplo de Playfair, se as leis que expressam as analogias para fenômenos diversos possuem uma interdependência com a realidade, ou se elas são semelhantes devido às influências e limitações do pensamento humano. Embora Thomson e Maxwell tenham feito uso dos modelos mecânicos no desenvolvimento de suas teorias, claramente eles se encontravam divididos sobre a introdução de conceitos que não podiam ser estudados empiricamente. (GOODING, 1981; NERCESSIAN, 1985)

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84

Em 1892, Hendrik Antoon Lorentz iniciou uma nova etapa no desenvolvimento

da teoria eletromagnética com seu trabalho sobre as aplicações da teoria de Maxwell aos

corpos em movimento: a teoria do elétron-éter. Na virada do século XIX para o XX, essa

teoria substituía a visão mecânica pela visão eletromagnética de mundo, onde conceitos

mecânicos tais como a massa seriam então explicados por meio da teoria eletromagnética.

Ao final do século XIX, as noções mecânicas de “átomos no vácuo” e as “forças

entre partículas materiais” tinham sido substituídas pelas noções do campo

eletromagnético como um meio contínuo não material e os átomos, constituidos por

matéria, que seriam produtos discretos, estruturais e dinâmicos desse meio. Esta mudança

germinou e amadureceu na Grã-Bretanha durante o século XIX, alimentada por teorias

físicas que procuravam compreender a natureza do campo e o átomo de matéria dentro

de uma perspectiva conceitual e metodológica (McCORMMACH, 1970, p. 459-497).

O método das analogias

Embora a analogia seja um método heurístico desde muito tempo empregado, e o

uso de modelos mecânicos não constituísse grande novidade na ciência, o

desenvolvimento de uma Física dinamista em Cambridge forneceu um novo enfoque,

capaz de caracterizar uma metodologia e um estilo específicos de se fazer e interpretar a

ciência. Conforme Mary Hesse define, a função de uma analogia formal se constitui em

uma ferramenta para auxiliar a imaginação a compreender relações formais, além de

possibilitar transferir resultados matemáticos de um sistema para outro,

independentemente do tema (HESSE, 1974, p. 261).

O grande triunfo de Maxwell no campo da teoria eletrodinâmica deu-se pela

metódica elaboração matemático-conceitual da teoria de “linhas de força” apresentada

por Faraday. Nas palavras de Maxwell, aquela era uma teoria “hidrodinâmica”, mas não

se deveria levar a analogia longe demais. Seu intento era distinguir os aspectos puramente

formais daqueles que constituiriam uma “verdadeira analogia física” dos fenômenos.

Entretanto, já se encontra referência ao método das analogias78 no trabalho de William

Thomson. Segundo Tânia Camel, além de ter obtido certas proposições pelo método das

analogias, ele foi também o primeiro a transformá-lo, de forma consciente, em uma

técnica (CAMEL, 2004, p. 130).

78 William Thomson e Maxwell fazem uso de analogias formais, ou matemáticas, e analogias físicas. O primeiro tipo

constituiria instrumentos heurísticos e o segundo tipo poderia modelar, ou não, o verdadeiro funcionamento da natureza.

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Embora participando da mesma geração de estudantes na Escócia e em

Cambridge, William Thomson era um pouco mais velho que Maxwell. Ambos iniciaram

sua produção científica ainda muito jovens. Aos 17 anos, William Thomson escreveu o

artigo On the uniform motion of heat in homogeneous solid bodies and its connexion with

the mathematical theory of eletricity79, fundamentado em uma analogia formal que

relacionava as leis de transferência de calor com o potencial elétrico de superfícies

condutoras em equilíbrio (KNUDSEN, 1985). Já em 1845, no artigo On the elementary

laws of statical electricity, ele faz uso da analogia entre linhas de força e linhas de fluxo,

argumentando que “a visão de Faraday sobre a ação eletrostática (ação contígua) era

muito semelhante à imagem física produzida pela teoria de Fourier, onde o calor se

propagava de molécula a molécula”. Justifica que foi levado a supor que as linhas de

força de Faraday corresponderiam às linhas de fluxo de calor e que as capacidades

indutivas das substâncias corresponderiam, analogamente, às condutividades térmicas. A

utilização da analogia entre o calor e a eletricidade não fornecia, entretanto, qualquer

informação a respeito da natureza da ação eletrostática, pois esta era representada por

uma grandeza — fluxo de calor — que não possuía qualquer semelhança com o conceito

de força (KNUDSEN, 1985, p. 154-157).

Segundo Mary Hesse, a analogia de William Thomson entre as linhas de fluxo de

calor e as linhas de força de Faraday não representou uma analogia formal composta por

equações, que apenas modelavam o comportamento de dois sistemas. Ela argumenta que,

embora as causas do processo não possam ser identificadas com seus análogos formais

nos processos observáveis, as relações entre causa e efeito são similares. Tais analogias

não são meramente matemáticas como foi a analogia empregada por Thomson em seu

artigo de 1842 (HESSE, 1974, p. 261-2).

Já em 1846, Thomson observou que as expressões para a força eletrostática

(gerada entre cargas pontuais), a força magnética produzida por um dipolo magnético e a

força galvânica80 (eletromagnética) gerada por um elemento de corrente infinitesimal,

forneciam três soluções diferentes para as equações de equilíbrio de um sólido elástico

tensionado por forças que agiam nos limites da sua superfície (KNUDSEN, 1985, p. 15).

Destacam-se dois aspectos nessa analogia: o primeiro aspecto a ser observado é o fato de

William Thomson propor uma analogia mecânica, pois sugere a propagação das forças

no éter através de um processo mecânico; o segundo aspecto a ser considerado é o fato

79 Escrito em 1841 e publicado em 1842 no Mathematical Journal. 80 Thomson refere-se à força eletromagnética como força galvânica.

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de William Thomson sugerir a existência dessa propagação para as forças de origem

eletrostática, magnética e eletromagnética.

Essa analogia foi concebida após a descoberta do efeito Faraday, que sugeria uma

forte conexão entre a teoria magnética e a teoria de propagação da luz em um éter visto

como sólido-elástico. Isso pode ser observado em um trecho da carta de 1845 escrita por

William Thomson para Faraday:

O que venho escrevendo é apenas um esboço da analogia matemática. Não me

arrisquei sequer a insinuar a possibilidade de fazer dessa analogia, o alicerce

de uma teoria física de propagação de forças elétricas e magnéticas que, se

estabelecidas, expressariam como resultado necessário, a conexão entre forças

elétricas e magnéticas além de mostrar como o fenômeno puramente estático

do magnetismo pode originar-se quer da eletricidade em movimento, quer de

uma massa inerte como um imã. Se tal teoria fosse descoberta, provavelmente

explicaria o efeito do magnetismo na luz polarizada ao ser tomada em conexão

com a teoria ondulatória da luz.81 (THOMSON, 1845 apud KNUDSEN, 1985,

p. 158).

Entusiasmado com a promissora analogia entre as forças elétrica, magnética e

eletromagnética e as equações de equilíbrio de um sólido elástico, em 1847 William

Thomson escreve o artigo On a mechanical representation of electric, magnetics and

galvanic forces. Neste artigo, ao considerar a distribuição espacial das tensões mecânicas

linear e rotacional em um sólido elástico, William Thomson mostra que ela é análoga,

respectivamente, às distribuições das forças de origem elétrica e magnética. Embora

William Thomson admitisse que seus trabalhos descreviam meras analogias, ele desejava

que elas sugerissem a realidade dos fenômenos elétricos e magnéticos. Sua publicação

soava como uma mera “analogia matemática”, entretanto, ele esperava extrair um modelo

físico, ou uma “teoria física” que expressaria uma teoria dinâmica da estrutura do éter e

da matéria (SIEGEL, 1985, p. 181; KNUDSEN, 1985, p. 150).

A partir de 1851, William Thomson se dedicou ao estudo do éter, estabelecendo

81 What I have written is merely a sketch of the mathematical analogy. I did not venture even to hint at the possibility

of making it the foundation of a physical theory of the propagation of electric and magnetic forces, which, if established at all, would express as a necessary result the connection between electrical and magnetic forces, and would show how the purely statical phenomenon of magnetism may originate either from electricity in motion, or from an inert mass such as a magnet. If such a theory could be discovered, it would also, when taken in connection with the undulatory theory of light, in all probability explain the effect of magnetism on polarized light. (THOMSON, 1847 apud KNUDSEN, 1985, p. 158).

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importantes analogias do tipo hidrodinâmico e cinético-mecânico. Green, Stokes e outros

do grupo de Cambridge estavam desenvolvendo a teoria do potencial e os teoremas

integrais, além de outras analogias do tipo matemático. Stokes, particularmente, seguido

por William Thomson, deu início ao programa do éter como sólido elástico em vibração.

Uma das consequências dessa proliferação de teorias, muitas empregando o método das

analogias, foi a convicção de que era possível desenvolver teorias matematicamente

consistentes, validadas em diferentes campos, mas de natureza fisicamente distinta. Este

fato era, possivelmente, alimentado pelas perspectivas epistemológicas em discussão à

época, tais como o kantismo e o positivismo, e sugerem que, para os pesquisadores de

Cambridge, um modelo ou analogia matemática não seria necessariamente um retrato

especular da realidade, mas uma representação, talvez uma entre várias outras possíveis

(KOEHLER, 1995).

Nesse mesmo ano, William Thomson abandonou seu projeto de estabelecer uma

teoria matemática para o magnetismo (The mathematical theory of magnetism), a qual

consistia de uma análise matemática extensa de teoremas aplicáveis essencialmente à

matemática da equação da continuidade. A teoria, formal e rigorosa, evitava assumir

qualquer suposição sobre a natureza do eletromagnetismo, mantendo uma visão

positivista em relação à magnetização. Nessa abordagem, William Thomson expunha a

fraqueza desse mesmo método: as teorias físicas eram colocadas lado a lado sem estarem

fisicamente relacionadas. Entretanto, através das representações mecânicas para as forças

elétrica, magnética e galvânica (eletromagnética) do trabalho de 1847, William Thomson

demonstrava haver identificado todos os tipos de força com a mecânica, relacionando

efeitos idênticos a partir de causas diferentes com o provável objetivo de unificar as

explicações. Segundo Tânia Camel, as três forças foram tratadas por William Thomson

como se elas estivessem inter-relacionadas através de estados de tensão potencialmente

existentes em um sólido elástico. Assim, a analogia macroscópica para um sólido elástico

traduziria a estrutura real do éter subjacente (CAMEL, 2004, p. 129; SMITH; WISE,

1989, p. 341-342).

Esse ano de 1851 representa um grande divisor na carreira de William Thomson.

A partir daí, ele voltou-se para a pesquisa de uma teoria física consistente para o éter-

matéria preenchendo todo o espaço, e emprega o termo aether com o significado de

junção do éter com a matéria. Com a consolidação da teoria ondulatória da luz e do éter

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luminífero, um interesse em vórtices82 se popularizou no pensamento científico da época.

Entretanto, seus atributos elétricos, magnéticos e termodinâmicos não estavam

relacionados com a matéria em si.

Faraday havia observado em 1845 o efeito magneto-óptico, ou seja, a rotação do

plano de polarização de um feixe de luz ao passar através de um cristal imerso em um

campo magnético. De acordo com William Thomson, isso só poderia ocorrer se o campo

magnético fosse preenchido com pequenos e estreitos vórtices moleculares girando ao

redor das linhas de força, que comunicariam parte de sua rotação para as ondas de luz

(HUNT, 1994).

As descobertas de Michael Faraday colocaram a eletricidade como um dos

problemas centrais da Física no século XIX. No entanto, a “ciência da eletricidade” ainda

não permeava o currículo das grandes universidades como Cambridge, onde o estudo de

Física, na metade do século, estava direcionado à compreensão da mecânica celeste,

óptica e hidrodinâmica (BERKSON, 1974). Após completar seus estudos em Cambridge,

Maxwell escreveu uma carta a William Thomson, em 1854, perguntando quem poderia

guiá-lo no estudo dos fenômenos da eletricidade:

Agora que eu entrei na ingrata condição dos diplomados, comecei a pensar em

ler. Atividade prazerosa por um tempo, entre livros de reconhecido mérito que

eu não li, mas deveria tê-lo feito. Contudo, estamos com uma forte tendência

a retomar os temas da Física, e vários de nós gostaríamos de abordar a

eletricidade. Imagine uma pessoa que tenha um conhecimento rudimentar de

experimentos elétricos e uma ligeira aversão à eletricidade de Murphy; como

ela deve prosseguir na leitura e trabalhar para obter alguma compreensão da

matéria que pode ser útil posteriormente? Se essa pessoa quiser ler Ampere,

Faraday, etc., em qual sequência, quando e em que ordem deve abordar a

leitura dos artigos publicados por você no Cambridge Journal? Se você tiver

alguma resposta a estas perguntas, três de nós ficaríamos felizes em receber

seus conselhos por escrito.83 (LARMOR, 1936)

82 Uma linha de pensamento sobre vórtices pode ser percebida ligando o final do século XVII ao meio do século XIX.

John Bernoulli, no século XVIII, explicou a propagação da luz através de um éter fluido que mantinha sua elasticidade pela existência de um grande número de redemoinhos situados nele. Em 1839, James MacCullagh desenvolveu um novo tipo de éter rotacionalmente elástico. (CAMEL, 2004, p. 130-131)

83 “Now that I have entered the unholy estate of bachelorhood I have begun to think of reading. This is very pleasant for some time among books of acknowledged merit which one has not read but ought to. But we have a strong tendency to return to Physical Subjects and several of us here wish to attack Electricity. Suppose a man to have a popular knowledge of electrical show experiments and a little antipathy to Murphy’s Electricity, how ought he to proceed in reading and working so as to get a little insight into the subject which may be of use in further reading? If he wished to read Ampère, Faraday, etc. how should they be arranged, and at what stage and in what order might he read your articles in the Cambridge Journal? If you have in your mind any answer to the above questions, three of us here would be content to look upon an embodiment of it in writing as advice.” (LARMOR, 1936)

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Simon Schaffer adiciona uma circunstância que parece ter desempenhado um

papel relevante nos mesmos anos em que Maxwell estava interessado nos fenômenos

elétricos e experimentos magnéticos de Faraday: para conseguir a unificação das

comunicações de todo o seu império, a Coroa Britânica pretendia instalar cabos

telegráficos submarinos. Este projeto necessitava de soluções para resolver problemas

como a propagação de sinais eletromagnéticos em longas distâncias, a confiabilidade dos

instrumentos de medição e a análise das resistências e correntes nos cabos colocados no

fundo do oceano (SCHAFFER, 2011).

Faraday havia testemunhado os grandes problemas causados pelo atraso nos sinais

dos cabos telegráficos entre Londres e Manchester no ano de 1853. Alguns meses mais

tarde, ele ministrou uma conferência na Royal Institution, onde usou sua teoria de indução

magnética para mostrar que a água salgada aumentaria a capacitância nos cabos

submarinos e, portanto, retardaria os sinais enviados. Maxwell e William Thomson

estavam presentes a esta conferência e perceberam as implicações da “ciência elétrica”

para a indústria da telegrafia submarina. Apenas alguns meses após essa conferência,

William Thomson desenvolveu uma fórmula que relacionava o atraso dos sinais com o

comprimento do cabo, o que permitiu um novo e ambicioso projeto para estabelecer uma

linha de 5.000 km ligando a Grã-Bretanha com a América do Norte (SCHAFFER, 2011,

p. 289-291).

Se Maxwell se entusiasmou pela resposta favorável de William Thomson à sua

carta de 1854 ou se tomou a iniciativa por si mesmo, o fato é que se dedicou a estudar as

pesquisas de Faraday descritas em seu Experimental researches in electricity. Os

experimentos propostos por Faraday apresentavam várias questões a serem resolvidas,

com especial ênfase na relação entre a eletricidade e a matéria.

Interessante observar que apenas um ano e meio depois, em outra carta dirigida a

William Thomson e datada de 1855, Maxwell já mostrava o domínio adquirido sobre as

questões referentes ao fenômeno elétrico:

Caro Thomson [...] tenho obtido muita informação a respeito do tema

eletricidade diretamente de você e também através dos impressos, do editor e

também li os três volumes da pesquisa de Faraday. Minha intenção em fazer

isso foi, é claro, saber o que tem sido feito na ciência elétrica, matemática e

experimental, e tentar entender isso de forma racional [...] a teoria de

polarização de Faraday [...], bem como suas noções gerais de "linhas de força"

com "poder de condução" para diferentes meios. Então, para o caso de corpos

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eletrificados, vem sua representação alegórica84 por meio de condutores de

calor, [...] parte de sua alegoria sobre meios sólidos elásticos incompressíveis

[...]. Eu também tenho trabalhado na teoria de Weber sobre eletromagnetismo

como uma especulação matemática em que eu não acredito, devendo ser

comparada com outras proposições, mas que certamente fornece muitos

resultados verdadeiros [...].85 (LARMOR, 1936)

Sobre questões que envolviam analogias, Maxwell, pelo menos em uma primeira

formulação, entendeu que estava se dedicando a um modelo e não à essência da realidade.

Não obstante, o modelo cinético-molecular lhe parecia tão verossímil e tão adequado às

explicações e efeitos experimentais, que o método, neste caso, lhe sugeriu ser capaz de

levar a uma verdadeira analogia física, ou seja, tratava-se de um modelo com boa

aproximação ou com maior tendência à realidade. Entretanto, quando Maxwell se voltou

para as questões referentes à “ciência da eletricidade”, suas conjecturas sofreram uma

extensa transformação:

Quando passamos da ciência astronômica para a elétrica, ainda podemos

observar a configuração e o movimento dos corpos elétricos, e daí,

seguindo o estrito caminho newtoniano, deduzir as forças com que agem

uns sobre os outros, mas essas forças dependem [...] do que chamamos

de eletricidade. Formar o que Gauss chamou de construibar vorstellung

do processo invisível de ação elétrica é uma grande aspiração nesta parte

da ciência86 (MAXWELL, 2011b, p. 419).

A referência que ele faz a Gauss mostra o caminho a ser seguido. A representação

84 Ao falar sobre alegoria, Maxwell se referia a analogia empregada por William Thomson entre os fenômenos

citados. 85 “I have got a good deal out of you on electrical subjects, both directly & through the printer & publisher & I have

also used other helps, and read Faraday’s three volumes of researches. My object in doing so was of course to learn what had been done in electrical science, mathematical & experimental, and to try to comprehend the same in a rational manner […] Faraday’s theory of polarity […] also his general notions about “lines of force” with the “conducting power” of different media for them. Then comes your allegorical representation of the case of electrified bodies by means of conductors of heat, […], then part of your allegory about incompressible elastic solids […]. I have also been working at Weber’s theory of Electro Magnetism as a mathematical speculation which I do not believe but which ought to be compared with others and certainly gives many true results […].” (LARMOR, 1936)

86 “When we pass from astronomical to electrical Science, we can still observe the configuration and motion of electrical bodies, and thence, following the strict Newtonian path, deduce the forces with which they act on each other, but these forces are found to depend on...what we call electricity. To form what Gauss called a ‘construibar Vorstellung’ of the invisible process of electric action is a great desideratum in this part of science.” (MAXWELL, 2011b, p. 419).

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consistente (construibar vorstellung) sugerida é um passo no sentido daquilo que

posteriormente será o conceito teórico a ser utilizado para descrever entidades e

propriedades inobserváveis.

Nesse mesmo ano de 1855, Maxwell escreve On Faraday’s lines of force87 onde

desenvolve uma analogia formal entre o eletromagnetismo e a hidrodinâmica, ou melhor

dizendo, entre as linhas de fluxo de um fluido incompressível e as linhas de força de

Faraday. A introdução do artigo discute a metodologia a ser empregada aos conceitos de

Faraday de forma a relacionar “ideias físicas” a “ideias matemáticas”. Para Maxwell, o

método de analogia é o mais adequado para tal fim, por evidenciar uma “similaridade

parcial entre as leis de uma ciência e as de outra, o que faz cada uma delas ilustrar a

outra”. Maxwell deixa claro que, com tais analogias, não pretende elaborar uma “teoria

física” nem tampouco desvendar a “causa dos fenômenos”.

A analogia entre o eletromagnetismo e a hidrodinâmica, desenvolvida por

Maxwell nesse seu primeiro artigo, reinterpreta as equações de movimento de um fluido

incompressível através de um meio resistente em termos das grandezas eletrostáticas e,

particularmente, em termos do conceito de linha de força. Dessa forma, o potencial

elétrico era análogo à pressão do fluido, a velocidade deste correspondia à intensidade da

força elétrica em um ponto, as cargas positiva e negativa correspondiam,

respectivamente, a uma fonte e a um sumidouro no fluido, e a capacidade indutiva dos

dielétricos correspondia à resistência ao movimento do fluido. Abrantes (1988) observa

neste ponto que o desenvolvimento de analogias hidrodinâmicas já refletia a convicção

de que as forças eletromagnéticas se transmitiriam de forma contigua.

Maxwell formula as leis que expressam relações entre forças magnéticas e

correntes elétricas baseadas numa imagem geométrica de curvas e linhas atravessando

superfícies. Para representar a orientação da força, ele utiliza os conceitos de Faraday

para criar um modelo geométrico do fenômeno físico; e para representar o valor da

força, ele se utiliza de uma analogia física que seria representada pela “ideia geométrica

do movimento de um fluido imaginário”. Conforme Faraday mostrou, se existia a mesma

quantidade de carga positiva e negativa, as fontes nunca paravam de jorrar e os

“sumidouros” nunca deixavam de absorver o fluido (HARMAN, 1982). Tratava-se,

portanto, de um fluido muito estranho que continuamente estava sendo criado em um

87 O artigo possui duas partes que foram publicadas, respectivamente, em 1855 e 1856. Nele, Maxwell seguiu o

método das analogias de Thomson para interpretar as ideias de Faraday sobre os fenômenos eletromagnéticos a partir da noção do éter, o qual lhe permitiria construir modelos do campo eletromagnético que estavam em conformidade com as leis da mecânica newtoniana.

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lugar e se destruindo em outro; mas, sendo uma analogia, Maxwell supunha que poderia

lhe atribuir todas as propriedades desejadas. Portanto, não chegou a propor uma teoria

coerente do campo, mas apenas uma série de imagens hidrodinâmicas, uma vez que o

trabalho tinha o propósito único de apresentar uma concepção mais clara das linhas de

força no espaço onde elas se desenham (BAUER, 1973 apud DÍAZ, 2004, p. 197).

O programa de matematização da Física através da análise das ações físicas

nos meios contínuos, proposto por Maxwell, sugere a existência do seu estudo da

obra de Fourier (HARMAN, 1985, p. 202), apesar de enfatizar que a analogia entre

as equações do calor e da atração elétrica já havia sido demonstrada por William

Thomson (MAXWELL, 2011a, p. 159). A esse respeito, Maxwell (2011a, p 155-

229) cita em seu primeiro artigo, On Faraday’s lines of force:

Ao referir tudo à ideia puramente geométrica de movimento de um fluido

imaginário, espero alcançar generalidade e precisão, bem como evitar os

perigos que surgem de uma teoria prematura que alega explicar as causas

dos fenômenos. Se os resultados de uma mera especulação minha se

revelarem de algum valor para os filósofos experimentais, tanto na

organização quanto na interpretação dos seus resultados, eles terão servido

ao seu propósito; e uma teoria consistente, na qual os fatos físicos sejam

fisicamente explicados, será formulada por aqueles que, interrogando a

natureza, podem obter a única solução verdadeira dos problemas que a

teoria matemática sugere.88 (MAXWELL, 2011a, p. 159)

Prossegue ainda no mesmo texto:

(1) Não se deve supor que a substância de que se trata aqui possua alguma

das propriedades dos fluidos ordinários, à exceção de liberdade de

movimento e resistência à compressão. Não é nem mesmo um fluido

hipotético que é introduzido para explicar os fenômenos reais. Trata-se de

uma mera coleção de propriedades imaginárias, que pode ser utilizada a

fim de estabelecer certos teoremas na matemática pura, de uma maneira

88 “By referring everything to the purely geometrical idea of the motion of an imaginary fluid, I hope to attain

generahty and precision, and to avoid the dangers arising from a premature theory professing to explain the cause of the phenomena. If the results of mere speculation which I have collected are found to be of any use to experimental philosophers, in arranging and interpreting their results, they will have served their purpose, and a mature theory, in which physical facts will be physically explained, will be formed by those who by interrogating Nature herself can obtain the only true solution of the questions which the mathematical theory suggests.” (MAXWELL, 2011a, p. 159) Artigo apresentado à Cambridge Philosophical Society em 10 de dezembro de 1855 e publicado em Transactions of the Cambridge Philosophical Society, v. 10, part 1, 1856.

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93

mais inteligível a muitas mentes, e mais aplicável aos problemas físicos

do que aquela em que se utilizam apenas os símbolos algébricos. 89

(MAXWELL, 2011a, p. 160)

Sua busca por analogias correspondeu a uma necessidade de dar “concretude”

ao formalismo matemático, já demasiadamente abstrato. Maxwell não consegue

criar um modelo mecânico para o estado eletrotônico e anuncia que o buscará através

de uma matemática corporificada (embodied mathematics), aplicando-a na teorização

dos fenômenos eletromagnéticos:

Pelo estudo cuidadoso das leis dos sólidos elásticos e dos movimentos dos

fluidos viscosos, eu espero descobrir um método de formar uma concepção

mecânica deste estado eletrotônico adaptado ao raciocínio em geral. 90

(MAXWELL, 2011a, p. 188)

Durante os anos de 1861 e 1862, Maxwell produziu e publicou seu artigo

denominado On physical lines of force e reconhece que, em seu trabalho anterior91, ele

havia empregado formalmente “ilustrações mecânicas somente para municiar a

imaginação e não para explicar o fenômeno” (HARMAN, 1998). É neste trabalho que

Maxwell construiu seu conhecido modelo mecânico do campo eletromagnético, no qual

um sistema eletromagnético é representado pela rotação do fluido ao redor das linhas de

força magnética e cada unidade de tubo de força é descrita como um vórtice de éter.

Fica clara a importância do efeito Faraday nos trabalhos de William Thomson e,

em particular, neste artigo de Maxwell. Para ambos, o efeito demonstrava que um campo

magnético seria a nossa percepção (efeito macroscópico) das rotações existentes no éter,

em escala microscópica. O artigo escrito por William Thomson em 1856, Dynamical

illustrations of the magnetic and helicoidal rotatory effects of transparent bodies on

polarized light, no qual ele analisa a rotação magneto-óptica, o leva à conclusão de que o

89 “(1) The substance here treated of must not be assumed to possess any of the properties of ordinary fluids except

those of freedom of motion and resistance to compression. It is not even a hypothetical fluid which is introduced to explain actual phenomena. It is merely a collection of imaginary properties which may be employed for establishing certain theorems in pure mathematics in a way more intelligible to many minds and more applicable to physical problems than that in which algebraic symbols alone are used.” (MAXWELL, 2011a, p. 160)

90 “By a careful study of the laws of elastic solids and of the motions of viscous fluids, I hope to discover a method of forming a mechanical conception of this electro-tonic state adapted to general reasoning.” (MAXWELL, 2011a, p.188)

91 On Faraday‘s lines of force (MAXWELL, 2011a, p 155-229)

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94

magnetismo possuía um caráter rotatório, e conclui que o momento angular resultante das

rotações microscópicas poderia ser tomado como a medida do momento magnético. Esse

artigo de William Thomson exerceu grande influência sobre Maxwell (CAMEL, 2004, p.

133).

Em On physical lines of force 92 (MAXWELL, 2011a, p. 451-513), a força

centrífuga das rotações dos tubos de éter determinava sua expansão no sentido da

largura e contração ao longo do comprimento, concordando com a ideia de Faraday

para explicar os fenômenos de atração e repulsão. Entretanto, como dois tubos

girando no mesmo sentido deviam mover-se em direções opostas nos pontos onde se

tocavam, inviabilizando a estrutura, Maxwell refinou o modelo mecânico entremeando

os tubos de éter com camadas de partículas esféricas que girariam em sentido contrário

ao destes, semelhante a um sistema de rolamentos. Para explicar a passagem da corrente

elétrica através desse modelo, Maxwell concedeu um caráter elétrico às partículas

esféricas. Ele supunha que haveria uma condição inicial que alteraria a velocidade de

rotação de um tubo, causando uma perturbação por todo o sistema. Assim, nos

condutores, as partículas esféricas seriam postas em movimento linear, passando

suavemente de tubo a tubo e seu movimento constituiria uma corrente elétrica de

condução.

Figura 2.2: Diagrama original de Maxwell ilustrando o seu modelo mecânico de éter.

Fonte: On physical lines of force (MAXWELL, 2011a, p. 451-513)

92 Artigo dividido em quatro partes e publicado originalmente em cinco partes no Philosophical Magazine and

Journal of Science, London, series 4: Part I, v. 21, n. 139, p. 161-175, mar. 1861. Part II, v. 21, n. 140, p. 281-291, apr. 1861. Part II (cont.), v. 21, n. 141, p. 338-348, may 1861. Part III, v. 23, n. 151, p. 12-24, jan. 1862. Part IV, v. 23, n. 152, p. 85-95, feb. 1862.

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Já nos isolantes, as partículas esféricas estariam aderidas à superfície das

células tubulares, de modo que qualquer movimento provocaria uma distorção

elástica nas células tubulares. Essa distorção corresponderia ao campo elétrico e,

uma vez que a partícula fosse deslocada de sua posição, surgiria uma força tangencial

atuando sobre os tubos adjacentes que tenderia a restituir a partícula à sua posição

costumeira. O deslocamento dessas partículas elétricas, que seria causado pela

aplicação de uma força eletromotriz ao sistema, criaria um “deslocamento elétrico”

que se propagaria no sistema gerando a chamada “corrente de deslocamento”. A

eliminação do campo aplicado permitiria que o meio voltasse ao seu estado inicial

sem qualquer distorção.

Na fronteira entre um isolante e um condutor, Maxwell sugeriu existir um

“estado de tensão”, visto que, no primeiro, as células etéreas estão distorcidas, e no

segundo, não. O excesso de partículas na superfície de um isolante limitado por um

condutor constituiria a carga elétrica. Assim, as cargas acumuladas no condutor

destorciam as partículas elétricas que, por seu turno, exerceriam uma tensão tangencial

sobre os tubos de éter do espaço entre as placas. Considerando a possibilidade de

tensões e pressões vibratórias em seu modelo de éter, observa que o éter seria um

mediador das forças eletromagnéticas no campo que representava estados de tensão e

pressão produzidos pelas cargas existentes no éter. Maxwell destaca que esse modelo

mecânico de éter constitui uma hipótese provisória e afirma que não prosseguirá

com ele como uma forma de descrição do éter existente na natureza (MAXWELL,

2011a, p. 452).

Maxwell justifica sua atribuição de elasticidade para as células que

compunham seu éter: tal proposta ratificaria sua posterior unificação do meio

eletromagnético e óptico. Logo no início da parte III desse artigo, escreve:

[...] a substância que forma as células, possuem elasticidade [...] similar

[...] àquela observada em corpos sólidos. A teoria ondulatória da luz exige-

nos a admitir este tipo de elasticidade no meio luminífero, a fim de permitir

as vibrações transversais.93 (MAXWELL, 2011a, p. 489; v. nota 92)

93 “… the substance in the cells possesses elasticity […], similar […], to that observed in solid bodies. The undulatory

theory of light requires us to admit this kind of elasticity in the luminiferous medium, in order to account for transverse vibrations.” (MAXWELL, 2011a, p. 489)

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Tendo a concepção de que as ações elétricas e magnéticas se transmitiam de forma

contígua e não à distância, Maxwell pressupõe um meio (mecânico) que suporte os corpos

eletrizados, os magnetizados e as correntes elétricas. É curioso perceber que Maxwell

concorda com a ideia de William Thomson e reintroduz o éter no domínio do

eletromagnetismo, mesmo tendo Faraday se recusado a admitir sua existência.

Importante ressaltar que, no domínio da óptica, a hipótese da existência de um éter

luminífero já havia se tornado consenso a essa época (ABRANTES, 1988).

Diferentemente de seus contemporâneos na França e na Alemanha, os britânicos

foram instruídos a pensar em termos mecânicos sobre físicas, polias, bombas e ligas, e

em seguida extrapolar essa maneira de pensar para o universo. Esta foi a abordagem que

Maxwell aprendeu enquanto estudava em Cambridge, e foi a utilizada nos seus artigos

entre 1855 e 186194. Ao longo destas duas obras Maxwell empregou o "método de

analogias", inspirado em parte pela analogia de William Thomson entre calor e

eletricidade 95 . Simon Schaffer sugere que Maxwell compreendia que o método das

analogias lhe permitia uma grande flexibilidade e que, ao ser aplicado aos fenômenos

estudados, lhe proporcionava resultados matemáticos surpreendentes. Assim, é possível

que Maxwell não entendesse o eletromagnetismo como um fenômeno mecânico mas, ao

fazê-lo por analogia, ele poderia descobrir princípios matemáticos que permitiriam

compreender melhor o fenômeno (SCHAFFER, 2011, p. 289-291).

Um ponto importante a se ter em mente é que tanto On Faraday's lines of force

quanto On physical lines of force são construções no sentido de uma teoria dinâmica. As

analogias e os modelos utilizados são apenas dispositivos heurísticos e não representações

de natureza. Assim, é que em seu próximo artigo, A dynamical theory of the

electromagnetic field, de 1864 96 , Maxwell (2011a, p. 526-597) parece ter

“silenciosamente” transcendido totalmente a hipótese mecânica, construindo o que ele

próprio denominou uma teoria dinâmica:

(3) A teoria que proponho pode, portanto, ser denominada uma teoria do

Campo Eletromagnético, pois diz respeito ao espaço nas proximidades dos

corpos elétricos ou magnéticos, e pode ser chamada uma Teoria Dinâmica,

pois pressupõe que naquele espaço existe matéria em movimento, por meio da

94 On Faraday‘s lines of force (MAXWELL, 2011a, p 155-229) e On physical lines of force (MAXWELL, 2011a, p.

451-513). 95 Conforme o próprio Maxwell admite. Ver J. C. Maxwell (2011a, p 155-229), em Transactions of the Cambridge

Philosophical Society, n. 10, p. 157, 1856. 96 Publicado originalmente na Philosophical Transactions, Royal Society, London, n. 155, p. 459-512, Jan. 1865.

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97

qual os fenômenos eletromagnéticos observados são produzidos 97

(MAXWELL, 2011a, p. 527)

Ele supôs a existência de uma identidade entre os fenômenos cujas leis estavam

sendo comparadas, e aplicou os métodos analíticos ao eletromagnetismo utilizando o

formalismo lagrangeano, já que o mesmo dispensava o conhecimento dos vínculos

mecânicos internos, evitando a necessidade de formular hipóteses sobre a estrutura

mecânica particular de um sistema em estudo, conforme relatado por ele na parte III do

artigo:

(73) Anteriormente, procurei descrever um tipo específico de movimento

e deformação, de tal forma que descrevessem os fenômenos. No presente

artigo, evito qualquer hipótese desse tipo; e, quando me utilizo de palavras

tais como momento elétrico (electric momentum) e elasticidade elétrica

(electric elasticity) referindo-me aos fenômenos conhecidos de indução de

correntes e da polarização de dielétricos, desejo apenas direcionar a mente

do leitor para fenômenos mecânicos que servirão de auxílio na

compreensão dos fenômenos elétricos. Todas as frases desse tipo, no

presente artigo, devem ser consideradas como ilustrativas, e não como

explicativas.98 (MAXWELL, 2011a, p. 563-564).

Em A dynamical theory of the electromagnetic field já não existia uma

investigação exigindo analogias para auxiliar a mente. Seu trabalho se constituía em uma

teoria dinâmica, assumindo apenas a existência da matéria em movimento através da qual

os fenômenos eletromagnéticos observados eram produzidos. As analogias foram

omitidas, não porque Maxwell as tenha esquecido, mas porque o método das analogias

físicas havia sido introduzido apenas para um estágio prévio de desenvolvimento da teoria

física. O andaime, agora, poderia ser retirado do edifício (KARGON, 1969).

97 “(3) The theory I propose may therefore be called a theory of the Electromagnetic Field, because it has to do with

the space in the neighbourhood of the electric or magnetic bodies, and it may be called a Dynamical Theory, because it assumes that in that space there is matter in motion, by which the observed electromagnetic phenomena are produced. (MAXWELL, 2011a, p. 527)

98 “(73) I have on a former occasion" attempted to describe n particular kind of motion and a particular kind of strain, so arranged as to account for the phenomena. In the present paper I avoid any hypothesis of this kind; and in using such words as electric momentum and electric elasticity in reference to the known phenomena of the induction of currents and the polarization of dielectrics, I wish merely to direct the mind of the reader to mechanical phenomena which will assist him in understanding the electrical ones. All such phrases in the present paper are to be considered as illustrative, not as explanatory. (MAXWELL, 2011a, p. 563-4).

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98

O uso das ilustrações dinâmicas (ou representações mecânicas) era característico

da Física-matemática de Cambridge no século XIX. Cabe aqui refletir: em que grau essas

ilustrações dinâmicas eram tomadas como uma representação literal da realidade? Surge

então o problema da demarcação entre uma analogia e uma teoria que pretenda dizer

alguma coisa definida sobre a natureza do mundo físico. Maxwell foi extremamente

cuidadoso no que diz respeito às hipóteses físicas. Defendeu o uso de analogias físicas

como um meio-termo entre hipóteses precipitadas que podiam muitas vezes limitar a

interpretação de um fenômeno (CAMEL, 2004). Essa preocupação está claramente

refletida em seu discurso de 1870 diante da Associação Britânica (MAXWELL, 2011b,

p. 215-229):

A mente humana raramente é satisfeita e certamente nunca exerce suas funções

mais elevadas, quando está fazendo o trabalho de uma máquina calculadora. O

que o homem da ciência deve almejar, seja ele um matemático ou um

investigador físico, é adquirir e desenvolver ideias claras sobre as coisas com

as quais ele lida. [...] Para não perder de vista seus objetivos, o cientista pode

recorrer ao uso de ilustrações científicas. Ora, uma ilustração verdadeiramente

científica é um método para permitir que a mente apreenda uma concepção ou

uma lei em um ramo da ciência e direcione a mente para se apoderar dessa

forma matemática que é comum às ideias correspondentes nas duas ciências,

representam a diferença entre a natureza física dos fenômenos reais. A melhor

ilustração irá depender de quanto os dois sistemas de ideias que são

comparados entre si, são realmente análogos na forma, ou se, em outras

palavras, as correspondentes quantidades físicas pertencem realmente à mesma

classe matemática. Quando esta condição é cumprida, a ilustração não é apenas

conveniente para ensinar ciência de uma maneira agradável e fácil, mas o

reconhecimento da analogia formal entre os dois sistemas de ideias leva a um

conhecimento de ambos, mais profundo do que poderia ser obtido por estudar

cada sistema separadamente.99 (MAXWELL, 2011b, p. 219).

99 The human mind is seldom satisfied, and is certainly never exercising its highest functions, when it is doing the

work of a calculating machine. What the man of science, whether he is a mathematician or a physical inquirer, aims at is, to acquire and develope clear ideas of the things he deals with. […]it is much better that he should turn to another method, and try to understand the subject by means of well-chosen illustrations derived from subjects with which he is more familiar. Now a truly scientific illustration is a method to enable the mind to grasp some conception or law in one branch of science, by placing before it a conception or a law in a different branch of science, and directing the mind to lay hold of that mathematical form which is common to the corresponding ideas in the two sciences, leaving out of account for the present the difference between the physical nature of the real phenomena. The correctness of such an illustration depends on whether the two systems of ideas which are compared together are really analogous in form, or whether, in other words, the corresponding physical quantities really belong to the same mathematical class. When this condition is fulfilled, the illustration is not only convenient for teaching science in a pleasant and easy manner, but the recognition of the formal analogy between the two systems of ideas leads to a knowledge of both, more profound than could be obtained by studying each

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99

Segundo Maxwell, a natureza de sua ilustração ou “metáfora científica” depende

inteiramente do temperamento da mente do pesquisador. Tanto a ação à distância de

Weber, Lorenz e Neumann, quanto as formulações de campo de Faraday e Maxwell

podem ser vistas como caminhos alternativos para o mesmo objetivo. Ambas as teorias

não só são capazes de explicar os fenômenos, mas também chegaram independentemente

ao mesmo resultado numérico da velocidade da luz em termos de quantidades elétricas

(BEZERRA, 2006).

Maxwell ofereceu à comunidade científica um pluralismo metodológico raro na

sua história. Com efeito, desejava oferecer aos conselhos científicos não apenas as

ferramentas descritivas de Fourier, ou mesmo suas próprias teorias dinâmicas, mas

também a analogia e a ilustração dinâmica. As opiniões de Maxwell sobre modelos e

analogias são, portanto, um pré-requisito para uma compreensão mais completa dos

métodos e objetivos da ciência vitoriana.

Para entender a profundidade e a amplitude da penetração de Maxwell na geração

seguinte, basta examinar os escritos de J. J. Thomson, FitzGerald, Heaviside, Lodge,

Larmor e tantos outros. A impressão de Maxwell sobre seus sucessores pode ter tido

talvez um papel significativo na recepção, pela geração da década de 1890, de novas

situações na Física pertinentes ao século XX. Homens como Joseph Larmor,

J. J. Thomson e Ernest Rutherford relutavam em dar fidelidade às interpretações

fenomenistas sobre a estrutura interna da matéria.

Já em 1930, J. J. Thomson proferiu um discurso intitulado Tendencies of recent

investigations in the field of physics, no qual reiterou, em um estilo mais moderno, os

sentimentos do discurso de 1870 feito por Maxwell na Associação Britânica, lamentando

o esquecimento da “teoria física” em favor de uma “teoria matemática”. J. J. Thomson

alega que, em uma teoria matemática,

Nenhuma tentativa é feita para conectar a análise com uma imagem mental dos

processos físicos que ocorrem no problema [...] [Em uma teoria física, uma]

tentativa é feita para formar uma ideia de algo concreto [...] que nos fornecerá

uma imagem mental do que pode estar ocorrendo no fenômeno físico sob

consideração.100 (THOMSON, 1930, p. 15-16 apud KARGON, 1969, p. 436)

system separately. (MAXWELL, 2011b, p.219)

100 "No attempt is made to connect [the] analysis with a mental picture of the physical processes occuring in the problem. … [In a physical theory, an] attempt is made to form an idea of something concrete [...] which will supply us a mental picture of what may be taking place in the physical phenomenon under consideration"

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100

Ambas as abordagens à teoria, segundo J. J. Thomson, são essenciais:

[...] a Matemática é melhor para o desenvolvimento de ideias e a Física, para

originá-las. A tendência moderna parece submergir esta última na primeira,

com efeitos perniciosos, pois “a maioria dos homens pode pensar com muito

mais vantagem sobre coisas concretas do que sobre abstrações como símbolos

algébricos; eles podem ver as possibilidades que se escondem no modelo mais

claramente do que aquelas que estão escondidas nas equações. 101

(THOMSON, 1930, p. 22 apud KARGON, 1969, p. 436).

J. J. Thomson era claramente parte da herança intelectual legada por Maxwell

(KARGON, 1969).

Para William Thomson e Maxwell, o uso de modelos mecânicos tornou-se uma

importante ferramenta de pesquisa que eles aplicaram conscientemente e de modo

sofisticado. Na maioria dos casos, os modelos que eles propuseram e analisaram

(chamados de ilustração dinâmica por Thomson e de analogia física por Maxwell) tinham

o objetivo de mostrar que era possível explicar mecanicamente o fenômeno sob

investigação. Serviam também para auxiliar a mente a compreender relações entre

fenômenos e conduzir a predições que pudessem ser verificadas experimentalmente.

Maxwell insistia que a existência de uma analogia formal de equações não implicava uma

identidade do processo físico ou da substância. Assim, quando o fluxo de calor era usado

como analogia e comparado com corrente e com indução elétrica, não havia qualquer

implicação de que esses últimos processos envolvessem, de fato, fluidos em movimento

(MAXWELL, 2011b, p. 252). Tais modelos não deviam ser entendidos como uma

representação da realidade molecular verdadeira ou da real constituição do éter. Tratava-

se do uso da analogia como uma ferramenta heurística (KNUDSEN, 1976).

A participação que William Thomson e J. C. Maxwell tiveram na criação das

teorias mais fundamentais da época – termodinâmica, Física estatística, eletrodinâmica –

levou-os a se defrontarem com uma diversidade incapaz de ser tratada por um modelo

único de ciência ou de natureza. A visão dinamista propiciou o desenvolvimento de uma

(THOMSON, 1930, p. 15-16 apud KARGON, 1969, p. 436).

101 "[the] mathematical better for developing ideas, the physical for originating them. The modern tendency appears to submerge the later in the former, with pernicious effects, for "the majority of men can think to much greater advantage about concrete things than they can abstractions like algebraic symbols; they can see the possibilities that lurk the model more clearly than those that are hidden in the equations." (THOMSON, 1930, p. 22 apud KARGON, 1969, p. 436).

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101

ciência gerada sobre um processo de criação de representações, modelos, analogias

formais e físicas; permitiu a multiplicidade explicativa e, consequentemente, a

proliferação de teorias. Willian Thomson iniciou a utilização sistemática de modelos

analógicos e Maxwell os desenvolveu, passando a admitir o valor heurístico dos modelos

matemáticos abstratos, tendência que seria amplamente encampada no século XX.

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102

3 A CIÊNCIA VITORIANA DO IMATERIAL

O desenvolvimento da Física no início do século XIX está relacionado com a

maneira como as construções teóricas a respeito de fenômenos imateriais – as teorias do

éter e os conceitos de conservação e dissipação da energia – foram formuladas e

amplamente utilizadas dentro de um programa mecanicista que supunha que a matéria

em movimento era a base de todos os fenômenos físicos (HARMAN, 1982). Estruturava-

se aí uma ciência baseada em conceitos imponderáveis e unificadores: a ciência do

imaterial. Neste capítulo iremos discutir os desafios da ciência ao longo do século XIX,

mostrando que desvendar a estrutura física do éter e sua relação com a matéria foi

seguramente um dos objetivos mais perseguidos da história da Física britânica.

Para entendermos os motivos que tornaram o éter um conceito fundamental e

unificador, vamos apresentar um breve panorama de como esse meio foi se modificando

ao longo dos séculos.

A concepção do éter remonta ao período pré-socrático e, desde então, diversos

tipos de éter foram criados. A ideia de um meio sutil que preenchesse o vazio do espaço

sempre disputou com a concepção de um mundo constituído apenas por “átomos e vazio”.

Passando pelo antigo pneuma102dos estoicos, ao plenum de Descartes, a existência desse

meio sempre foi muito discutida, sendo uma das questões mais cruciais para a ciência do

século XIX.

As discussões sobre a natureza e as características do éter ganharam destaque a

partir do século XVII, com a produção de modelos cosmológicos. No ano de 1619, o

matemático e astrônomo alemão Johannes Kepler (1571 – 1630) publicava suas três leis

para o movimento celeste, desenvolvidas através da análise de um extenso volume de

dados das observações realizadas anteriormente por Tycho Brahe (1546 – 1601). Essa

nova mecânica celeste não sugeria nenhum argumento contrário à ideia de que os planetas

realizavam seu movimento orbital imersos no éter. Kepler também ponderou que, se a

força da Lua chegava até a Terra, consequentemente a força da Terra deveria chegar até

à Lua e se propagar ainda mais longe. Tais ideias também permeiam a obra Principia de

Newton, de 1687.

Já para Descartes, a única qualidade sensível da matéria era a extensão e, por isso,

não haveria a possibilidade da existência do vazio. O espaço era completamente

102 Um meio sutil criador de forças e vida.

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103

preenchido através do plenum e a matéria poderia ser fracionada infinitamente, resultando

em um universo não vazio, pois a extensão como uma matéria sutil o preencheria

completamente. No modelo concebido por Newton, os planetas se mantinham em órbita

do Sol apenas pela inércia e, para que isso ocorresse, nenhum tipo de atrito poderia ser

admitido. Em uma correspondência dirigida a Gottfried Wilhelm (von) Leibniz (1646 –

1716), Newton responde às suas críticas sobre o atrito entre o éter e os planetas, dizendo

que, por uma dedução apenas mecânica e consistente com a dinâmica do movimento dos

planetas, ele “despiu os céus, tanto quanto possível, de toda a matéria”103, instituindo o

movimento dos astros através do vácuo e não do éter (NEWTON, 1693, p. 287 apud

MARTINS, 1998, p. 86). É interessante observar que a propagação da luz pelo vácuo não

representava nenhum problema para Newton, pois ele propunha que a luz seria composta

por feixes de partículas que podiam cruzar o vácuo sem qualquer empecilho. Entretanto,

à mesma época, pesquisadores como Robert Hooke (1635 – 1703), Robert William Boyle

(1627 – 1691) e Christiaan Huygens (1629 – 1695) já haviam apontado para a existência

do comportamento ondulatório na propagação da luz. Huygens supunha que a luz era

constituída de ondas longitudinais análogas às ondas sonoras e, para que pudessem se

propagar, seria indispensável a existência de um meio sutil, o éter, que fosse constituído

por uma substância transparente, sem peso, elástica e que não causasse atrito aos corpos

que a atravessavam, de forma a não se contrapor à Lei da Gravitação Universal de Newton

(WHITTAKER, 1910).

No início do século XVIII, os fenômenos mecânicos eram estudados

matematicamente, evitando as hipóteses sobre átomos e a natureza das forças. O

Iluminismo, na Grã-Bretanha, foi dominado por Sir Isaac Newton e sua concepção de que

a matéria era passiva, o espaço era absoluto, os feixes luminosos representavam as

trajetórias dos corpúsculos de luz e as forças atuavam à distância entre pares de partículas.

O estudo do comportamento da luz entrou em um período de quase estagnação com a

preponderância da teoria corpuscular de Newton; entretanto, fenômenos como

103 “Pois como os movimentos celestes são mais regulares do que se viessem de vórtices e obedecessem a

outras leis, os vórtices em nada contribuem para regular e sim para perturbar os movimentos dos planetas e cometas; e como todos os fenômenos dos céus e do mar seguem-se precisamente, tanto quanto estou ciente, apenas de que a gravidade age de acordo com as leis descritas por mim; e como a natureza é muito simples, eu próprio concluí que todas as outras causas devem ser rejeitadas, e que os céus devem ser despidos tanto quanto possível de matéria, caso contrário o movimento dos planetas e cometas seria impedido e tornado irregular. Mas se, enquanto isso, alguém explicar a gravidade e todas as suas leis pela ação de alguma matéria mais sutil, e mostrar que o movimento dos planetas e cometas não será perturbado por essa matéria, eu estarei longe de objetar.” Newton em carta a Leibniz, 16 de outubro de 1693 (NEWTON, 1959–1977, v. 3, p. 287).

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104

eletricidade, magnetismo e calor passaram a atrair mais atenção. Assim, na segunda

metade do século XVIII, os filósofos naturais britânicos buscaram nos fluidos

imponderáveis (ou matéria etérea) a explicação para tais fenômenos. Para as interações

elétricas, por exemplo, existia o conceito de fluido elétrico, oriundo das ideias de William

Gilbert (1544 – 1604) sobre a existência de “humores” exalados pelos corpos ao serem

atritados. Stephen Gray (1666 – 1736) mostrou que um tubo de vidro, ao ser atritado, era

capaz de atrair pequenos corpos, e que essa “virtude elétrica” podia ser transferida a

outros corpos de modo que estes adquiriam a mesma propriedade: atrair corpos leves

como o tubo de vidro fazia quando friccionado. Esta “virtude atrativa” podia ainda ser

levada a corpos que estivessem a muitos metros de distância do tubo. Após as observações

de Stephen Gray, não era mais possível acreditar que os eflúvios elétricos, exalados por

fricção, estivessem inseparavelmente conectados aos corpos que os produziam. Tornou-

se necessário admitir que essas emanações tinham uma existência independente e podiam

ser transferidas de um corpo para outro. Dessa forma, elas passaram a serem chamadas

de fluidos elétricos e entendidas como uma das substâncias constituintes do universo

(WHITTAKER, 1910, p. 42).

Ao final do século XVIII, alguns estudiosos criticaram o uso destes fluidos

imponderáveis, entre eles, Franz Ulrich Theodor Aepinus (1724 – 1802). Em um trabalho

de 1759, Aepinus abandonou a teoria de fluido elétrico como fora enunciada por Stephen

Gray, substituindo-a por uma teoria de ação à distância. Benjamin Thompson

(posteriormente Conde Rumford, 1753 – 1814) rejeitou em 1798 a teoria do calor como

um fluido imponderável, argumentando que ela não poderia explicar a geração de calor

por fricção. Para resolver o problema, ele elaborou uma teoria que explicava os efeitos

do calor por meio da interação entre o movimento das partículas do corpo e o éter vizinho

que permeava todo o ambiente.

Os fluidos imponderáveis eram indetectáveis e pensava-se serem compostos de

partículas que interagiam entre si através de forças repulsivas. Segundo Cantor e Hodge,

a proliferação das teorias dos fluidos imponderáveis do século XVIII baseou-se em uma

proposta feita por Newton em seu Opticks, no ano de 1717. Conforme eles observam,

embora Newton “construa várias teorias diferentes, até mesmo incompatíveis, em seu

principal aspecto, o éter consistia em partículas muito pequenas que (1) repeliam-se

mutuamente e (2) repeliram e foram repelidas por partículas de matéria densa.”

(CANTOR; HODGE, 1981, p. 19-21).

Já no início do século XIX, a utilização dos fluidos imponderáveis foi

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105

paulatinamente abandonada por novos modelos que envolviam um único meio imaterial:

o éter. As várias tentativas para tratar matematicamente o calor e a eletricidade já

apontavam no sentido da unificação conceitual de uma ciência da Física cujos fenômenos

físicos seriam explicados através de alterações mecânicas do éter (HARMAN, 1982, p.

19).

O que é notável nessas teorias do éter é que elas prevaleceram em um clima

científico dominado por um imperativo empírico.

Destaca-se aqui que, nessa época, ainda não havia no vocabulário inglês um termo

que identificasse os estudiosos dos fenômenos de calor, luz, eletricidade e magnetismo

de forma diferenciada dos estudiosos de filosofia natural. Segundo Iwan Morus, à mesma

época que William Whewell cunhou a palavra “cientista”, ele também criou o termo

“físico” para descrever o que lhe pareceu ser um novo tipo de filósofo natural. Por

“físico” Whewell desejava descrever um tipo de profissional da ciência que estuda a

natureza de uma forma particular (MORUS, 2005, p. 53).

3.1 A Teoria Ondulatória da Luz e o Éter Luminífero

Em 1801, ao realizar o experimento da dupla fenda para a luz, Thomas Young

encontrou um padrão de interferência 104 típico de fenômenos ondulatórios. Seu

experimento permitiu que ele construísse uma hipótese ondulatória para a luz, usando as

ondas sonoras como analogia. Argumentou ainda que, da mesma forma que o som

necessita de um meio para se propagar, o mesmo ocorreria para a luz e, portanto, deveria

haver um meio que permitisse a propagação da luz. Nascia então o éter luminífero,

constituído por um fluido sutil e capaz de dar suporte à propagação das ondas de luz,

supostamente longitudinais.

Nessa mesma época observou-se, também, que tais fenômenos não se reduziam

apenas à luz visível. Ao estudar o calor transmitido pela luz, o astrônomo Frederick

William Herschel105 (1738 – 1822), em 1800, percebeu que, após o vermelho do espectro

visível, havia “raios invisíveis” que transferiam calor e obedeciam às leis da reflexão e

refração, fato este que ocasionou uma identificação entre luz e calor radiante. Por

104 Explicou a formação das cores em um filme fino como sendo a interferência entre a frente de onda refletida na

primeira superfície e a refletida na segunda superfície. Apresentou ainda o conhecido experimento da fenda dupla como prova do caráter ondulatório da luz.

105 Frederick William Herschel era pai de John Frederick William Herschel.

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106

analogia, Johann Wilhelm Ritter (1776 – 1810), em 1801, mostrou a existência de raios

após a cor violeta que causavam efeitos fotoquímicos em papéis preparados com cloreto

de prata. Conforme observado posteriormente por Young, esses raios também

apresentavam semelhanças com o comportamento106 da luz (WHITTAKER, 1910).

O éter ou a “matéria imponderável” tornou-se, então, um conceito central para se

buscar a compreensão dos fenômenos luminosos. Isso fica demonstrado quando, em uma

palestra realizada no ano de 1816, Michael Faraday declarou:

A fim de investigar o calor e tudo mais que se encontra relacionado, é preciso

que se observe que todas as substâncias, estão nitidamente divididas em apenas

duas classes: uma delas conterá matéria ponderável e a outra matéria

imponderável. A grande fonte de matéria imponderável, e aquela que fornece

todas as variedades, é o sol, cujo função parece ser derramar esses princípios

sutis sobre nosso sistema.107 (FARADAY apud JONES, 2010, v. 1, p. 193-

194)

De forma similar, William Thomas Brande108 (1788 – 1866,) em seu Manual of

chemistry de 1819, discursa sobre a importância da detecção da matéria imponderável,

classificando-a como responsável por diversos fenômenos ao interagir com a matéria

ponderável:

Das substâncias pertencentes ao nosso globo, algumas são de natureza tão sutil

que exigem uma investigação minuciosa e delicada para demonstrar sua

existência; elas não podem ser confinadas, nem submetidas aos modos

habituais de exame, e são conhecidas apenas em seus estados de movimento

como atuando em nossos sentidos, ou como produzindo mudanças nas formas

mais densas da matéria. Elas foram incluídas sob o termo geral de Matéria

Etérea Radiante ou Imponderável que, como produz fenômenos diferentes,

deve ser considerada diferente em sua natureza ou afinidades.109 (BRANDE,

1819, p. 58)

106 Através destes raios também conseguia-se projetar anéis de Newton em papeis cobertos com cloreto de

prata. 107 “Assuming heat and similar subjects to be matter, we shall then have a very marked division of all the

varieties of substance into two classes: one of these will contain ponderable and the other imponderable matter. The great source of imponderable matter, and that which supplies all the varieties, is the sun, whose office it appears to be to shed these subtle principles over our system.” (FARADAY apud JONES, 2010, v. 1, p. 193-4)

108 Químico inglês, iniciou sua carreira estudando medicina e se interessou por química logo após uma reunião com Humphry Davy. Em 1813, ele foi nomeado professor de química da Royal Institution em Londres e foi o primeiro a isolar o elemento lítio através da eletrólise de óxido de lítio em 1821.

109 “Of the substances belonging to our globe, some are of so subtle a nature as to require minute and delicate investigation to demonstrate their existence; they can neither be confined, nor submitted to the

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107

Tanto Young quanto Augustin-Jean Fresnel desenvolveram, de forma

independente, uma teoria ondulatória para a luz. Young rejeitava a teoria corpuscular e

admitia que a luz e o calor estariam conectados através das vibrações de um meio elástico

que seria o éter. Fresnel anteviu uma Física unificada cujos fenômenos seriam explicados

baseados nas propriedades mecânicas deste éter luminífero, visto por ele como uma forma

comum de matéria (WHITTAKER, 1910, p. 102).

A teoria ondulatória proposta por ambos, Young e Fresnel, admitia que as ondas

luminosas eram ondas longitudinais e, como este tipo de onda não pode ser polarizado,

a luz também não poderia demonstrar tal propriedade. Entretanto, em 1808, ao observar

o fenômeno da polarização110 da luz, Etienne Louis Malus (1775 – 1812) levantou muitas

dúvidas quanto à legitimidade da teoria ondulatória. A única forma de resolver este

problema era supor que as ondas luminosas seriam constituídas por ondas transversais,

executando suas oscilações de forma perpendicular à direção do movimento. Young

propôs a hipótese da transversalidade das ondas luminosas para resolver o problema da

polarização da luz, mas criou outro: como o éter, suposto até então um fluido, poderia

suportar a propagação da luz? Este fato trouxe importantes consequências pois, ao se

desfazer a possibilidade de analogia com as ondas longitudinais sonoras, forçou-se a

concepção de um éter dotado de propriedades de cisalhamento.

Apesar de Fresnel não se interessar, inicialmente, pelo estudo das propriedades do

éter, ele baseou-se nos estudos realizados sobre a propagação das ondas mecânicas em

meios elásticos para propor um éter com a propriedade de rigidez transversal. Era de

conhecimento comum que a rigidez e a elasticidade de um meio elástico estavam

diretamente relacionadas à velocidade de propagação da onda nesse meio. Portanto, o fato

da luz se propagar com altíssima velocidade já conhecido desde que Ole Christensen

Rømer (1644 – 1710) 111 que a medira em 1676. O éter deveria ser, então, um meio gasoso

usual modes of examination, and are known only in their states of motion as acting upon our senses, or as producing changes in the more gross forms of matter. They have been included under the general term of Radiant or Imponderable Etherial Matter, which, as it produces different phenomena, must be considered as differing either in its nature or affections.” (BRANDE, 1819, p. 58)

110 O fenômeno de polarização da luz pode ser observado através da diminuição de sua intensidade ao atravessar um meio com características especiais. Esse comportamento somente pode ser explicado admitindo-se que a luz é uma onda transversal, ou seja, oscila em planos perpendiculares à direção de propagação. Alguns cristais têm a propriedade de polarizar a luz, ou seja, só deixam passar a parte da onda que oscila em um determinado plano. A luz que atravessa um filtro polarizador oscila num único plano. Interessante observar que na época de Newton e Huygens, esse argumento foi usado contra a teoria ondulatória. Segundo Huygens, a luz era uma onda que se propagava no éter, de forma análoga ao som se propagando no ar. Entretanto, uma onda sonora é longitudinal (oscila no sentido da propagação) e não transversal. Concluia assim Newton que a teoria de Huygens não poderia ser válida.

111 Ole Christensen Rømer, astrônomo dinamarquês que realizou a medida da velocidade da luz pela

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108

suficientemente tênue para não perturbar o movimento dos corpos e apresentar

elasticidade elevada para sustentar as oscilações de alta frequência da luz. Para resolver

o problema da ausência de resistência aos esforços transversais, Fresnel formulou um

modelo 112 para o éter luminífero utilizando princípios da mecânica dos fluidos que

explicassem a transmissão das vibrações transversais luminosas através dele. Importantes

trabalhos e descobertas sobre os fenômenos relacionados com a hipótese ondulatória da

luz se sucederiam 113 e, apesar desta hipótese ter recebido crescente apoio no meio

científico, havia uma divisão significativa de opiniões. Devido à controvérsia gerada,

François Arago sugeriu, em 1838, que a única maneira de se resolver o impasse seria

através de uma “experiência crucial” na qual se comparasse as velocidades da luz no ar e

na água, já que a teoria corpuscular supunha que a velocidade da luz seria tanto maior

quanto mais denso fosse o meio que ela atravessasse114. O experimento somente pôde ser

realizado doze anos depois (DARRIGOL, 2002).

A teoria ondulatória da luz e a existência do éter luminífero, apesar de suas

estranhas e contraditórias características hipotéticas, foram gradualmente sendo aceitas

pelos mais importantes cientistas da época. Na Grã-Bretanha, os trabalhos de Fresnel

chegaram em um momento em que as universidades de maior prestígio estavam

integrando a nova matemática francesa aos fenômenos físicos. A solução apresentada

para atender à hipótese de a onda luminosa ser transversal, era que o éter precisava resistir

a distorções em sua forma e, para isso, necessitava apresentar simultaneamente rigidez

para permitir a propagação da luz e fluidez para permitir que os planetas orbitassem em

torno do Sol sem sofrerem perturbações em suas órbitas. A proposta de Young sofreu

grandes resistências, especialmente pela ciência francesa, em nome da concepção

verificação do intervalo entre eclipses da lua Io, de Júpiter. Rømer demonstrou que, embora muito grande, a velocidade da luz era finita, e obteve o valor de aproximadamente 2,3x108 m/s.

112 Em 1821, Fresnel começou a estudar as propriedades dinâmicas do éter luminífero, examinando a propagação da luz em corpos cristalinos, uniaxiais e biaxiais e apresentou em janeiro de 1823, um novo trabalho à Academia Francesa das Ciências. Neste, utilizou seu modelo dinâmico para explicar o mecanismo de vibrações transversais no éter luminífero e deduziu as leis que regem a intensidade e a polarização de raios produzidos por reflexão e refração em superfícies reflexivas e refratoras, respectivamente. Essas leis, denominadas de equações de Fresnel, que representavam a relação entre as amplitudes das ondas incidente, refletida e refratada, são utilizadas até hoje. (DARRIGOL, 2002).

113 Como exemplo cita-se a investigação do astrônomo inglês George Biddell Airy em 1833 sobre a luz polarizada. Observa ele que, se a hipótese ondulatória estivesse correta, a luz polarizada incidindo em determinado ângulo sobre películas finas não formaria os anéis de Newton. A experiência confirmou a inexistência dos anéis de Newton e, em 1835, Airy apresentou sua demonstração matemática da difração de Fraunhofer através de aberturas e obstáculos circulares (disco de Airy).

114 Já a teoria ondulatória supunha que a velocidade da onda luminosa seria menor ao penetrar em um meio mais denso. Em 1850, Jean Bernard Leon Foucault comprovou que a velocidade da luz era maior no ar do que na água e este experimento é considerado um marco comprobatório a favor da teoria ondulatória da luz.

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corpuscular da luz estabelecida pela autoridade inquestionável de Newton. Deve-se

notar que os mesmos cientistas franceses que se opunham à teoria ondulatória da luz

não se opunham à existência de outros fluidos imponderáveis. Entretanto, em 1818,

após Fresnel ter mostrado a Poisson a existência do ponto brilhante115 no centro da

sombra de um objeto, não havia mais motivos para negar a teoria ondulatória da luz

e a hipótese de éter luminífero (WHITTAKER, 1910, p. 108).

Cientistas como Augustin-Louis Cauchy (1789 – 1857), James MacCullagh e

George Green construíram várias teorias de um éter sólido-elástico. Cauchy assumiu

para si próprio a tarefa de construir uma estrutura molecular para o éter116 visando

obter e resolver equações diferenciais para luz. Seus modelos de éter molecular lhe

permitiram inferir os fenômenos ópticos de dispersão e dupla refração. Segundo Jed

Buchwald,

Sem a hipótese de um éter molecular, à época, simplesmente não haveria

nenhuma rota possível para a matemática. Embora o objetivo final para

Cauchy sempre tenha sido uma proposição matemática a partir da qual os

fenômenos poderiam ser deduzidos e calculados, esse objetivo só poderia

ser alcançado, durante a maior parte da década de 1830, por deduções

fundadas em um éter molecular. Além disso, pouco havia com o que se

opor, pois a hipótese se encaixava muito bem nas ideias físicas

contemporâneas; isto é, utilizava os conceitos amplamente aceitos de

pontos materiais e forças centrais117. (BUCHWALD, 1981, p. 223-224)

Os modelos propostos por Augustin-Louis Cauchy em 1830 e por George

Green em 1837 supunham uma estrutura molecular para o éter, que não previa a

rigidez necessária para dar suporte à movimentação da onda no éter luminífero. O

115 Poisson desejando constranger Fresnel, deduziu que se a luz se propagasse como uma onda, um ponto

brilhante deveria ser visto no centro da sombra de uma pequena tela circular. Tal previsão, aparentemente improvável, foi confirmada e o ponto brilhante é conhecido atualmente como ponto brilhante de Poisson. (BERNARDO, 2005, p. 584).

116 "Dentro do espaço de dez anos, o grande matemático francês produziu duas teorias distintas da refração (crystal-optics) e três teorias distintas de reflexão, quase todas produzindo fórmulas finais corretas ou quase corretas, irreconciliáveis entre si e envolvendo condições de fronteira equivocadas e relações improváveis entre constantes elásticas "(WHITTAKER, 1910, v. 1, p. 137).

117 “Without the hypothesis of a molecular ether there would, at the time, simply have been no route at all to the mathematics. For, although the ultimate aim for Cauchy was always a mathematical proposition from which calculable phenomena could be deduced, this aim could only be achieved throughout most of the 1830s by deductions founded on a molecular ether. Moreover, there was then little to object to, because the hypothesis fitted so well into contemporary physical ideas; that is, it utilised the widely accepted concepts of material points and central forces.” (BUCHWALD, 1981, p. 223-224)

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110

primeiro modelo de éter contínuo surgiu em 1839 com James MacCullagh no artigo

An essay towards a dynamical theory of crystalline reflexion and refraction

(MACCULLAGH, 1880) onde se propunha um éter contínuo dotado da propriedade de

elasticidade rotacional. Ainda de acordo com Whittaker,

[...] Não há dúvida de que MacCullagh realmente resolveu o problema de

conceber um meio cujas vibrações, calculadas de acordo com a abordagem

dinâmica, deveriam ter as mesmas propriedades que as vibrações da luz. A

hesitação em aceitar o éter com elasticidade rotacional surgiu, principalmente,

da ausência de um objeto dotado de tal propriedade [elasticidade puramente

rotacional].118 (WHITTAKER, 1910, p. 157)

Esse foi o cenário no qual George Stokes formulou sua teoria do éter e aberração

estelar ao final da década de 1840. Embora geralmente um firme defensor da teoria de

Fresnel, George Stokes rejeitou o conceito de interação entre o éter e a matéria comum.

Em 1842, em uma incisiva comunicação na British Association for the Advancement of

Science (BAAS), George Stokes criticou severamente o modelo de MacCullagh. Sua

objeção foi tão contundente, que rapidamente o modelo de MacCullagh deixou de ser

considerado como uma teoria dinâmica satisfatória para o éter (SCHAFFNER, 1972, p.

66).

Posteriormente, em 1849, Stokes desenvolveu e apresentou uma teoria dinâmica

para o éter, onde introduziu uma importante distinção entre rigidez e plasticidade de uma

substância. Propôs um éter semelhante a um fluido não newtoniano: para movimentos

rápidos, suportaria as vibrações transversais elásticas, e para movimentos lentos, seria

suficientemente fluido para permitir a passagem de corpos sem apresentar resistência

(WHITTAKER, 1910, p. 114-115). Usando essa concepção, Stokes foi capaz de explicar

como os planetas podiam se mover facilmente através do éter, que nessa situação se

comportava como um fluido tênue, enquanto ao ser atravessado pela rápida vibração da

luz, comportava-se como um corpo rígido. Assim, o éter seria um sólido-elástico

118 But there can be no doubt that MacCullagh really solved the problem of devising a medium whose

vibrations, calculated in accordance with the correct laws of dynamics, should have the same properties as the vibrations of light. The hesitation which was felt in accepting the rotationally elastic aether arose mainly from the want of any readily conceived example of a body endowed with such a property. (WHITTAKER, 1910, p. 157)

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“ideal” no qual não haveria o transporte de partículas, e sim a comunicação de tensão

(stress), mantendo-se a condição de continuidade (SCHAFFER, 1972, p.66).

No entanto, as implausibilidades desconcertantes de um “sólido onipresente”

provocaram considerável apreensão em relação às teorias do éter sólido-elástico. Thomas

Young achou o conceito “perfeitamente assustador” e argumentou que “a hipótese [de

que os fluidos poderiam suportar vibrações transversais] permanecia aberta para

discussão, apesar das aparentes dificuldades que o atendem”. John Herschel,

provavelmente o mais importante defensor inglês da teoria ondulatória, considerou o

conceito de um éter sólido-elástico como apenas um dispositivo temporário, útil até que

a verdade fosse descoberta (WILSON, 1972, p. 57).

George Stokes utilizou-se de uma teoria dinâmica, supondo um éter composto por

partículas, sem formular qualquer teoria molecular a respeito da constituição desse éter.

Neste sentido, Doran argumenta que a principal contribuição de Stokes para a noção

britânica de éter foi “a concepção de um éter como sendo uma substância contínua

ontologicamente diferente de qualquer tipo de matéria.” A concepção de transmissão de

tensões ou forças através de um meio contínuo foi uma possível alternativa à transmissão

de forças à distância (DORAN, 1975, p. 160).

Em meados do século XIX, a maioria dos pesquisadores acreditava que as várias

formas de matéria imponderável teorizadas anteriormente, os “éteres” de calor, luz e

eletricidade, poderiam ser expressas por apenas uma única substância: o éter luminífero.

Acreditavam ainda que o éter luminífero, além de governar o movimento da luz através

do espaço, era o meio responsável pela propagação do calor, da eletricidade e do

magnetismo, e explicaria a interação entre dois objetos separados no espaço.

Desenvolver uma imagem mecânica consistente e adequada do éter levantou

muitas questões e, mesmo entre os defensores da teoria ondulatória, havia discordância

se todos os “éteres” (calor, luz e eletricidade) possuiriam a mesma natureza. Vários

modelos foram propostos àquela época, e cada um deles concebia propriedades mecânicas

diversas a fim de explicar os fenômenos existentes. Tais modelos lidavam com

dificuldades inerentes à concepção das estruturas etéreas pois, sendo o éter um fluido,

suas propriedades precisavam ser muito específicas para explicar todos os fenômenos

observados.

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3.2 A Termodinâmica e o Princípio da Energia

O estudo da relação entre o calor e o trabalho mecânico teve importância central

na Física do século XIX. A formulação das leis da termodinâmica possibilitou o

desenvolvimento de teorias analíticas aplicadas ao calor. Entretanto, tais teorias

expressavam leis fenomenológicas sem associar o calor ao funcionamento de uma

estrutura mecânica 119 . Apesar dos pesquisadores do século XVIII considerarem os

processos mecânicos e não mecânicos como sistemas físicos separados, a unificação de

processos mecânicos e térmicos se consolidou com a demonstração da equivalência do

calor e do trabalho mecânico realizada por Joule na década de 1840 juntamente com a

formulação do Princípio da Conservação da Energia.

Joule supunha que aquilo que não pudesse ser compreendido facilmente, “exceto

a existência e as propriedades elementares da matéria, que são necessariamente

assumidas por toda teoria”, era devido à ação de Deus que havia colocado “totalmente

fora do entendimento humano” (CROSBIE, 1998, p. 63). Joule comprometeu-se assim

com uma natureza fundamentalmente mecânica, cujos elementos básicos de construção,

juntamente com suas propriedades mecânicas, foram criados por Deus e, portanto, não

admitiriam nenhuma explicação ou análise humana. Apenas Deus poderia criar ou

destruir as entidades básicas da natureza; assim, Joule tomou a conservação da força

como um princípio teológico fundamental. Era uma suposição fundamental, em vez de

uma generalização derivada experimentalmente. Vindo do Manchester provincial e não

da metrópole, Joule teve que encontrar alternativas às prestigiosas instituições londrinas

para fazer ouvir sua voz (CROSBIE, 1998, p. 64).

No encontro de 1847 da BAAS, Joule descreve que o presidente da seção havia

solicitado que ele realizasse apenas uma breve descrição verbal de seus experimentos

contidos no artigo On the calorific effects of magneto-electricity and the mechanical

value of heat. Segundo o próprio Joule, sua comunicação teria sido ignorada se um jovem

não houvesse feito várias observações relevantes, criando um vivo interesse por seu

trabalho. O jovem em questão era William Thomson, reconhecido por Joule como a

principal autoridade científica da época (JOULE, 1887, nota p. 215). Depois de se

apresentar, William Thomson perguntou detalhes sobre seus procedimentos

119 A estrutura mecânica do calor era desenvolvida pelos pesquisadores adeptos da cinética dos gases, e

estes disputavam com os pesquisadores da termodinâmica sobre qual imagem da natureza estaria correta. (CLARK, 1976.)

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experimentais, questionando a habilidade de Joule de ler termômetros com uma precisão

(reconhecidamente difícil de acreditar) de 1/200 °F e apontou contradições entre as

reivindicações de Joule e o entendimento estabelecido de motores a vapor que se baseava

no chamado ciclo Carnot. Ao final das argumentações, Joule convidou William Thomson

para examinar seus experimentos, tendo seu oferecimento sido prontamente aceito.

Algumas semanas após, Thomson reuniu-se com Joule para presenciar a execução do

experimento montado na adega de sua própria cervejaria 120 . O local era bastante

apropriado, pois todas as etapas do experimento exigiam que a temperatura do ambiente

fosse bastante uniforme. William Thomson assistiu ao experimento e, ao término deste,

comunicou a Joule sua impressão sobre o fato de ele ter encontrado “uma das verdades

mais profundas que estruturavam a natureza”121 (HEERING, 1992).

A apresentação mais abrangente de seus pontos de vista sobre os processos de

conservação foi feita para uma audiência local e provincial reunida para uma palestra

pública na St. Anne's Church School, em Manchester, nesse mesmo ano de 1847. Joule

ilustrou suas concepções através de experiências com baterias voltaicas e motores

eletromagnéticos, pretendendo convencer seu público da realidade de processos de

conservação e conversão na natureza. Desejava demonstrar de forma conclusiva que

Quer sejam os fenômenos da natureza mecânicos, químicos ou vitais,

consistem quase inteiramente de uma contínua conversão, através do espaço,

entre força viva e calor. É assim que a ordem é mantida no universo – nada é

perturbado, nada nunca é perdido, mas toda a maquinaria, por mais

complicada que seja, funciona de forma suave e harmoniosa 122 (JOULE, apud

SMITH, 1998, p. 72)

Qualquer aparente perda de força viva (como ele próprio traduziu o termo vis viva

do século XVIII) seria simplesmente o resultado da conversão dessa força em outra

forma, de acordo com um princípio estrito de equivalência (SMITH, 1998, p. 72).

A partir da contradição entre as descobertas de Joule e o ciclo estabelecido por

120 James Prescott Joule era de uma família tradicional de cervejeiros estabelecida em Manchester. 121 Devido às realizações de Joule, a unidade de energia recebeu o nome dele enquanto ainda Joule estava

vivo. Ele foi o único cientista que já foi homenageado em vida. 122 “Indeed the phenomena of nature, whether mechanical, chemical or vital, consist almost entirely in a

continual conversion of attraction through space, living force, and heat into one another. Thus, it is that order is maintened in the universe – nothing is deranged, nothing ever lost, but the entire machinery, complicated as it is, works smoothly and harmoniously” (JOULE, apud SMITH, 1998, p. 72)

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Nicolas Léonard Sadi Carnot123 (1796 – 1832), cientistas como William Thomson e

Rudolf Julius Emanuel Clausius (1822 – 1888) chegaram ao conceito de entropia. Este

conceito começou a ser desenvolvido no início da década de 1850, quando Clausius

investigava o sentido do fluxo de calor na produção do trabalho e o princípio da

equivalência do calor e do trabalho. Essa investigação gerou a publicação On the moving

force of heat, and the laws regarding the nature of heat that are deducible therefrom no

ano de 1850 e baseou-se em sua leitura da obra Account of Carnot’s theory de William

Thomson, publicada em 1849. O argumento de Clausius era simples: ele julgava que

William Thomson estava enganado ao supor que Carnot e Joule estariam

necessariamente em desacordo um com o outro em qualquer aspecto crucial. Era

possível, argumentou, reconciliar a afirmação de Carnot com a afirmação de Joule. A

ideia, segundo ele, era simplesmente eliminar o pressuposto de Carnot no qual o calor

era conservado durante o processo. Segundo Clausius,

Não é absolutamente necessário descartar completamente a teoria de Carnot,

um passo que certamente acharia difícil de assumir, já que, de certa forma, foi

verificado pela experiência. Um exame cuidadoso mostra que o novo método

não está em contradição com o princípio essencial de Carnot, mas apenas com

a afirmação subsidiária de que não há perda de calor, pois na produção de

trabalho pode muito bem ser o caso, ao mesmo tempo uma certa quantidade

de calor é consumida e outra quantidade transferida de um corpo mais quente

para um corpo mais frio, e ambas as quantidades de calor ficam em uma

relação definitiva com o trabalho que está acontecendo.124 (CLAUSIUS, 1960,

p. 112)

Esta foi a mesma conclusão a que William Thomson chegaria em 1851 em sua

obra On the dynamical theory of heat.

Clausius refinou suas teorias de calor durante as décadas de 1850 e 1860. Ele se

interessou pela teoria cinética dos gases, ou seja, pela ideia de que as propriedades em

123 Em sua teoria dos motores térmicos, Carnot alegava que se gerava trabalho na passagem de calórico de

um corpo quente para um corpo mais frio, sendo o calórico conservado nesse processo (FOX, 1986 124 “It is not at all necessary to discard Carnot’s theory entirely, a step which we certainly would find it hard

to take, since it has to some extent been conspicuously verified by experience. A careful examination shows that the new method does not stand in contradiction to the essential principle of Carnot, but only to the subsidiary statement that no heat is lost, since in the production of work it may very well be the case that at the same time a certain quantity of heat is consumed and another quantity transferred from a hotter to a colder body, and both quantities of heat stand in a definite relation to the work that is done.” (CLAUSIUS, 1960, p. 112)

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larga escala dos gases poderiam ser entendidas como os resultados dos movimentos em

pequena escala das partículas constituintes dos gases. Para ele, o calor seria um efeito do

movimento de tais partículas: os gases quentes eram compostos de partículas de

movimento rápido, gases mais frios eram compostos de partículas mais lentas. Em 1865,

Clausius introduziu a palavra entropia na sua versão da teoria dinâmica do calor. Dessa

forma, o segundo princípio da teoria dinâmica do calor foi redefinido em termos da

afirmação de que a entropia do universo tende ao máximo (MORUS, 2005, p. 147).

Tanto William Thomson quanto Clausius formularam, independentemente, a

ciência da termodinâmica em termos da visão mecânica da natureza. Sustentavam que o

princípio da equivalência entre o calor e o trabalho era consistente com a teoria mecânica

do calor, ou seja, de que este consistiria no movimento das partículas dos corpos. Embora

afirmando seu apoio à visão mecânica da natureza, William Thomson especificamente

evitou sugerir qualquer modelo mecânico para explicar os processos térmicos e

argumentou que a questão principal era o entendimento dos processos térmicos

irreversíveis. Ao propor sua teoria em 1851, William Thomson (1853) afirmou que a

segunda lei da termodinâmica expressava a dissipação da energia em processos

irreversíveis. Dessa forma, as duas leis da termodinâmica seriam consistentes, pois,

embora a energia fosse dissipada em processos irreversíveis, ela não era destruída, mas

simplesmente transformada em outras formas de energia.

Clausius, em contraste, procurou tornar as leis da termodinâmica inteligíveis

apelando para uma teoria dos movimentos moleculares e, entendia que a construção de

um modelo era fundamental para sua interpretação da segunda lei da termodinâmica.

Clausius procurou explicar a entropia fundamentando-a num modelo mecânico de arranjo

molecular e William Thomson sustentou que todas as formas de energia eram expressões

da energia mecânica, estabelecendo o princípio da energia como o cerne da visão

mecânica de natureza (HARMAN, 1982).

Assim, um novo conceito, energia, surgiu na Física em meados do século XIX.

Ele também se encontrava vinculado a uma nova doutrina: a conservação da energia.

Seus defensores iniciais, como William Thomson e Maxwell, argumentaram

incisivamente que a Física precisava ser reorganizada em torno da nova ideia de que a

energia, e não a força, era a quantidade conservada durante a transformação da

eletricidade em calor. Ela, a energia, era a entidade que unia os diferentes fenômenos da

natureza. Os oponentes dessa concepção, particularmente John Herschel, discordavam

argumentando que o conceito de força deveria manter sua proeminência, uma vez que

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todos tinham uma apreciação instintiva de seu significado em suas experiências

cotidianas. Alegava que a energia era uma quimera, uma construção teórica sem

expressão tangível no mundo real (MORUS, 2005, p. 77).

James Prescott Joule foi saudado, por William Thomson e Peter Guthrie Tait,

como o formulador do Princípio da Conservação da Energia. Nas décadas de 1850 e

1860, William Thomson e William John Macquorn Rankine (1820 – 1872) elaboraram

uma teoria física baseada no conceito de energia, apresentando a base matemática e física

do Princípio da Conservação da Energia como uma reformulação e generalização da

interconvertibilidade entre as forças. A doutrina da conservação recebeu como texto

fundamental a obra Treatise on natural philosophy (1862 – 1867) de autoria de William

Thomson e Peter Guthrie Tait125 que estabeleceu a energia dentro da estrutura conceitual

da teoria mecânica (MORUS, 2005, p. 75).

Brush afirma que as teorias de matéria imponderável desenvolvidas pelos

cientistas vitorianos representaram uma importante tensão no pensamento científico. O

desenvolvimento da termodinâmica e da teoria ondulatória da luz, em particular,

dependeram fundamentalmente da concepção do éter luminífero (BRUSH, 1970, p. 155).

Já Bruce Clarke126 argumenta que os conceitos de éter e energia estavam vinculados tais

quais “gêmeos siameses”, quando as leis da termodinâmica foram formuladas entre os

anos de 1850 e 1860127 (CLARKE, 2001, p. 163).

3.3 Das Linhas de Força ao Campo Eletromagnético

Compreender os processos luminosos, térmicos e elétricos sempre foi uma

preocupação dos pesquisadores durante a primeira metade do século XIX. Com a

concepção do éter luminífero, a construção de modelos mecânicos do éter se intensificou

na busca de respostas que explicassem a interação existente entre o meio imponderável e

a matéria. Antes mesmo do desenvolvimento da Termodinâmica, a concepção de que a

eletricidade se tratava de um fluido elétrico tomou um rumo inesperado no início do

125 O texto também é referenciado como T&T. 126 Professor de Literatura e Ciências do Departamento de Inglês da Texas Tech University. Sua pesquisa

centra-se na literatura e na ciência dos séculos XIX e XX, com interesses especiais na teoria dos sistemas, teoria narrativa e ecologia.

127 “When the laws of thermodynamics were first formulated in the 1850s and 1860s, the concept of physical energy arrived already attached, like a Siamese twin, to another scientific hypothesis positing the universal presence of a subtle ethereal medium…” (CLARKE, 2001, p. 163)

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século com os trabalhos de Ørsted, Ampère e Faraday, tornando fundamental o conceito

de éter na futura teoria eletromagnética.

Quando Charles-Augustin de Coulomb demonstrou, para a atração e repulsão

elétricas128, a dependência da força elétrica com o inverso do quadrado da distância

(1/r2), tais resultados pareciam evidenciar — ao menos para os físicos franceses —

que as forças elétrica e magnética eram da mesma espécie que a força gravitacional,

atuando à distância através do espaço vazio e obedecendo à lei do (1/r2). Entre os

adeptos da Naturphilosophie, criou-se a expectativa de que estariam observando a

comprovação de que os fenômenos luminosos, elétricos, magnéticos e químicos se

encontravam relacionados entre si e representavam expressões diferentes da mesma

realidade. Hans Christian Ørsted129, um discípulo ardente de Schelling, professor da

cátedra de Ciências Físicas em Copenhagen e adepto da concepção de unidade,

buscava em suas investigações a relação entre o magnetismo e a eletricidade. Coube

então a Ørsted, no inverno de 1819, iniciar uma enorme transformação na ciência, inter-

relacionando a eletricidade com o magnetismo. Em seu Experimenta circa effectum

confluctus electrici in acum magneticam, escrito em 21 de julho de 1820, ele descreve a

dependência do efeito magnético (causado por um fio que conduzia corrente elétrica) em

relação à distância e à posição relativa entre o fio e a agulha, conforme mostrado na Figura

3.1.

128 Por causa da revolução francesa, Coulomb mudou-se do centro de Paris para Blous, uma pacata cidade

do interior, onde ele pode dar sequência aos seus estudos científicos. Devido a seu afastamento dos compromissos de cunho administrativo (comitês e organizações de "Engenharia" em Paris), Coulomb pode usar seu tempo na investigação de uma variedade imensa de assuntos. Porém os tópicos aos quais ele mais se dedicava eram a eletricidade e o magnetismo. Seu estudo sobre as forças eletrostáticas foi fundamental assim como sua análise das forças de atração e repulsão entre polos magnéticos serviram de base para a teoria de forças magnéticas desenvolvida por Siméon-Denis Poisson. (DARRIGOL, 2002)

129 Como discípulo da Naturphilosophie, o diferencial de Ørsted era a visão dinamista do fenômeno elétrico. Enquanto os outros físicos, que também acreditavam na unidade das forças, concentravam seus estudos nos fenômenos eletrostáticos, Ørsted voltava suas atenções para a corrente elétrica. Baseando-se na existência de “forças opostas” ou “fluidos contrários”, elaborou a existência de dois fluidos transportando cargas opostas em sentidos opostos e, gerando assim, o que ele chamou de “conflito elétrico”. Tais pontos de atração e repulsão entre estas cargas seriam capazes de produzir um movimento oscilatório e, portanto, o “conflito elétrico” que ocorreria em um fio fino poderia produzir luz e calor. Já que Ørsted havia conseguido conjugar eletricidade, calor e luz, era razoável admitir que também o magnetismo estivesse relacionado com este “conflito elétrico”. Ver Martins (1986).

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Figura 3.1: Notas de Ørsted a respeito do efeito magnético causado pela passagem de

corrente em um fio.

Fonte: Meyer (1920 apud PURRINGTON, 1997, p. 41)

Ørsted observou que a ação do fluido elétrico gerava uma ação magnética que lhe

era “transversal” e, empregando a terminologia de sua escola de pensamento, escreveu:

Ao efeito que tem lugar no condutor e no espaço circundante, damos o

nome de conflito elétrico [...] Dos fatos precedentes podemos concluir que

o aludido conflito se dá em circuitos130 pois sem essa condição parece

impossível que uma parte do fio de ligação, quando colocada abaixo do polo

magnético, possa dirigi-lo em direção leste, e quando situada acima, para

oeste [...]131 (ØRSTED, 1820 apud SNELDERS, 1990, p. 231, 237)

Ørsted relata sua descoberta na Encyclopaedia de Edinburgh usando a terceira

pessoa do singular:

[...] ele não considerou a transmissão de eletricidade através de um condutor

como sendo um fluxo uniforme, mas sim como uma sucessão de

interrupções e reestabelecimentos de equilíbrio, de tal forma que os poderes

elétricos da corrente não se encontram em equilíbrio estável, mas sim em um

estado de conflito contínuo.132 (ØRSTED, 1827 apud SNELDERS, 1990, p.

235)

130 Representando a ideia de deslocamentos circulares. 131 “To the effect which takes place in this conductor and in the surrounding space, we shall give the name

of the conflict of electricity … From the preceding facts we may likewise collect that this conflict performs circles; for without this condition, it seems impossible that the one part of the uniting wire, when placed below the magnetic pole, should drive it to the east, and when placed above it towards the west…” (ØRSTED, 1820 apud SNELDERS, 1990, p. 231, 237)

132 “… for he did not consider the transmission of electricity through a conductor as a uniform stream, but as a succession of interruptions and re-establishments of equilibrium, in such a manner, that the electrical powers in the current were not in quiet equilibrium, but in a state of continual conflict.” (ØRSTED, 1820 apud SNELDERS, 1990, p. 235)

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O fenômeno despertou considerável interesse porque, até então, a ação das

forças se dava na mesma direção de aplicação destas, e neste caso observava-se que o

fluido elétrico, ao atravessar um fio condutor linear, gerava uma força que circulava

em torno do fio. A notícia do experimento crucial de Ørsted foi divulgada nos

principais centros da Europa133, abrindo uma vasta perspectiva para a pesquisa de

novos efeitos e a modelagem das leis que necessitavam serem desenvolvidas. Os

resultados obtidos no experimento foram descritos na Academia Real das Ciências da

França, em 4 de setembro de 1820, por Arago134. Apesar da Academia Real não dedicar

grande importância ao fenômeno observado por Ørsted, Ampère apresentou, nos dias

18 e 25 de setembro de 1820, seu primeiro trabalho voltado para a eletrodinâmica,

intitulado Sur les effets des courans électriques, cuja publicação ocorreu em 2 de outubro

de 1820 (AMPÈRE, 1820). É relevante notar o curto espaço de tempo entre a divulgação

da experiência de Ørsted e a apresentação dos primeiros trabalhos de Ampère135 nessa

área (ASSIS; CHAIB, 2011).

Nessa reunião de 18 de setembro de 1820, Ampère estava pronto para apresentar

um conjunto revolucionário de experimentos. Além de relatar o fato de que uma agulha

de bússola permanecia imóvel se estivesse colocada em direção ortogonal a um fio que

conduzisse corrente, resultado decorrente do experimento de Ørsted, ele trouxe sua

descoberta mais importante: o surgimento de forças entre fios paralelos que

transportavam correntes.

Tais resultados foram formalmente anunciados e publicados nesse mesmo ano,

nos Annales de Chimie et de Physique, sob o título De l'action exercée sur un couran

électrique par un autre couran, le globe terrestre ou un aimant, onde Ampère (1820, § I,

p. 59-76) ainda incluiu suas especulações sobre as correntes que produzem o campo

magnético da Terra. O programa de Ampère para determinar a lei de força entre dois

133 Ørsted, logo após observar o fenômeno, utilizou-se da estratégia de escrever um artigo em latim, publicá-

lo às suas expensas e divulgá-lo por toda a Europa. Com efeito, rapidamente os grandes centros de pesquisa passaram a reproduzir o experimento e a buscar explicações para a correlação das “duas forças”. Ver Buchwald (2002).

134 Arago, presidente da Academia Real das Ciências da França, teve que reproduzir o experimento uma semana após a comunicação (em 11 de setembro de 1820), em função da descrença generalizada dos membros presentes. Ver Assis e Chaib (2011).

135 Observar que Ampère buscou reduzir o eletromagnetismo à eletrodinâmica ao sugerir que o efeito magnético seria o resultado de correntes elétricas fechadas (atualmente denominadas correntes amperianas) na superfície dos ímãs. Com a constatação por Arago, ainda em setembro de 1820, de que o fio percorrido por uma corrente elétrica atuava como ímã, os pesquisadores se dividiram entre a visão de Ørsted e a de Ampère. Com o tempo, chegou-se à conclusão de que as duas abordagens eram igualmente possíveis e explicavam todos os fenômenos envolvidos. Ver Assis e Chaib (2011).

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fios que transportavam correntes foi extremamente cuidadoso e meticuloso pois, como

hoje sabemos, envolvia a natureza vetorial da força magnética e do campo magnético

que eram totalmente desconhecidos àquele tempo.

A distinção entre a eletricidade estática e a dinâmica tornou-se clara pela

primeira vez com os trabalhos de Ampère. Embora George Simon Ohm

(1789 – 1854)136 tenha esclarecido137 a relação entre tensão elétrica e corrente elétrica,

foi Ampère a primeira pessoa a explorar a questão. Durante os anos seguintes após sua

apresentação de 1820, ele trabalhou nos resultados de suas observações e as tirou de

um status puramente fenomenológico, oferecendo uma elegante teoria matemática

através da hipótese de existência de forças centrais entre os elementos infinitesimais

dos fios. Finalmente, em 1825, ele publicou seu Memoir on the mathematical theory of

electrodynamics, uniquely deduced from experiment (AMPÈRE, 1827), que foi

chamado de Principia da eletrodinâmica por Pearce Williams (WILLIAMS, 1965, p.

139).

A descoberta da interação entre a eletricidade e o magnetismo, realizada por

Ørsted, permitiu à Ampère rejeitar a teoria de Coulomb sobre a existência de dois

fluidos de naturezas diferenciadas, elétrico e magnético, e decidir a favor de um único

tipo, representado pela interação entre duas correntes elétricas (WILLIAMS, 1962).

Entretanto, é importante ressalvar que sua conclusão mais impactante possivelmente

tenha sido a de que um ímã seria constituído por um conjunto de correntes elétricas

(AMPÈRE, 1820, note 46; WILLIAMS, 1962, p. 113-123).

Ampère ficou muito impressionado com a filosofia dinamista de Ørsted,

Humphry Davy e Faraday (HENDRY, 1986, p. 62) e se utilizou da combinação entre

136 Ohm era professor de ensino médio em Bonn e só alcançou uma posição dentro da universidade no final

da vida. Seu trabalho, "The Galvanic Circuit Investigated Mathematically" (Berlin, 1827), foi ignorado por mais de uma década e somente recebeu reedições em 1891 e 1969.

137 Cabe ressalvar que Thomas Seebeck também adepto da Naturphilosophie, ao buscar uma relação entre o calor e a eletricidade, observou em 1822, que o contato entre dois metais diferentes e aquecidos produzia a passagem do fluido elétrico no instante que se fechava o circuito. Ao contrário das pilhas voltaicas (baterias) usadas nos laboratórios da época, o gerador térmico de eletricidade de Seebeck, fornecia potenciais muito regulares. Essa estabilidade possibilitou a Georg Ohm, em julho de 1826, determinar com bastante acurácia as relações entre potencial, corrente elétrica e resistência. Na realidade, Ohm percebeu a existência de um potencial elétrico, assim como ocorreu com os experimentos de Volta. Sua originalidade está na busca da relação entre duas manifestações do Espírito Universal – calor e o fluido elétrico. Georg Ohm foi muito influenciado pela obra de Fourier publicada em 1822 (Théorie analytique de la chaleur) e tentou realizar uma análise semelhante para a propagação da eletricidade. Para isso, comparou o potencial elétrico com a temperatura, e a quantidade de corrente elétrica com a quantidade de calor. (PURRINGTON, 1997).

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a matemática francesa de Lagrange e Laplace com a tradição empírica da Grã-

Bretanha. Seu procedimento, conforme ele mesmo descreve, era

observar primeiro os fatos, variar as condições tanto quanto possível [...] de

forma a deduzir leis gerais com base apenas no experimento e obter, a partir

daí e independentemente de todas as hipóteses sobre a natureza das forças,

seu valor matemático138 (TRICKER, 1965, p. 156).

Já Michael Faraday, contemporâneo de Ampére e cujas habilidades

matemáticas eram mais simples, não foi capaz de acompanhar o formalismo

matemático de Ampère, chegando a escrever139 que “[...] no que diz respeito à sua

teoria, tão logo ela se torna matemática fica rapidamente fora do meu alcance”

(FARADAY, 1815 apud WILLIAMS, 1965, p. 143).

Faraday se dedicou a investigar os processos existentes entre a eletricidade e o

magnetismo. Seu devotamento à ciência trouxe, como um dos resultados centrais de

sua obra, a compreensão de que ambos os fenômenos estavam interligados. A maior

contribuição na comprovação de seu trabalho, Faraday recebeu através do

desenvolvimento da eletrodinâmica por Ampère.

Em 1847, William Whewell escreveu que Ampère havia tido uma

vaga e obscura percepção de que deveria haver alguma conexão entre a

eletricidade e magnetismo, conjectura que durante tanto tempo pairou ociosa

e estéril, se mostrou uma teoria completa na qual as ações magnéticas e

eletromotivas são, simplesmente, duas manifestações diferentes da mesma

força; e todas as relações complexas sobre polaridades, mencionadas acima,

foram reduzidas a uma única polaridade, aquela da corrente eletro-

dinâmica140 (WHEWELL, 1967, p. 360-1 apud HENDRY, 1860, p. 71).

138 “To observe first the facts, varying the conditions as much as possible, to accompany this with precise

measurement, in order to deduce general laws based solely on experience, and to deduce there from, independently of all hypothesis regarding the nature of the forces which produce the phenomena, the mathematical value of these forces” (TRICKER, 1965, p. 156)

139 Carta de Faraday a Ampère datada de 17 de novembro de 1815. 140 “and thus the vague and obscure persuation that there must be some connexion betweem electricity and

magnetism, so long an idle and barren conjecture, was unfolded into a complete theory, according to which magnetic and electromotive actions are only two different manifestations of the same force; and all the above mentioned complex relations of polarities are reduced to one single polarity, that of the electrodynamic current. (WHEWELL, 1967, p. 360-1 apud HENDRY, 1860, p. 71)

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122

Ampère reduziu o magnetismo ao movimento de correntes moleculares 141 e

tentou explicar a força que um fio exercia sobre outro como sendo devida às vibrações

no éter. Faraday teve muita dificuldade em aceitar um modelo de fenômeno constituído

por um meio sutil e imperceptível, e manteve uma distância respeitosa das ideias de

Ampère, porém cultivando sua independência de pensamento que o levou às suas

próprias descobertas (WHITTAKER, 1910, p. 81).

Na década de 1850, tomaram impulso as pesquisas sobre a eletricidade e sua

relação com magnetismo e outros fenômenos. O programa britânico era centrado na

construção de um modelo no qual a interação entre as forças elétricas e magnéticas se

dessem através de um meio, excluindo o conceito de ação à distância defendido pelos

físicos do continente.

Ao longo de uma cuidadosa investigação que se estendeu por muitos anos,

Faraday se debruçou sobre a interação existente entre as forças da matéria, e foi levado a

concluir que seus resultados experimentais poderiam ser melhor explicados por meio da

hipótese das “linhas de força” que permeariam o espaço entre os corpos que encontravam-

se interagindo. Através de seus experimentos, observou que a passagem da corrente

elétrica através de um condutor gerava um efeito magnético que circundava o fio,

semelhante a vórtices de éter. Faraday visualizava a matéria preenchendo todo o espaço

sob a forma de um continuum, que funcionaria como um veículo para as forças da

natureza (SANFORD, 1922, p. 547-559). Sua visão baseou-se em um conceito sobre

a natureza da matéria que modificou profundamente suas opiniões sobre fenômenos

elétricos. Ele se reservava o direito de ignorar o conceito de éter, conforme explicou

em uma carta datada a Richard Phillips em maio de 1846, publicada em sua obra

Experimental researches in electricity sob o título Thoughts on ray-vibrations:

O éter é entendido como permeando todos os corpos e o espaço: na visão

agora estabelecida, são as forças dos centros atômicos que permeiam (e

criam) todos os corpos e também penetram todo o espaço. No que diz

respeito ao espaço, a diferença é que o éter representa partes ou centros

de ação sucessivos, e a suposição apresentada, supõe apenas linhas de

ação; no que diz respeito à matéria, a diferença é que o éter encontra-se

entre as partículas e carrega as vibrações, enquanto na suposição proposta,

141 Ampère estava completamente convencido de que o magnetismo era a eletricidade em movimento e

devia-se à circulação de correntes moleculares.

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123

é pelas linhas de força entre os centros das partículas que a vibração tem

continuidade.142 (FARADAY, 1855, p. 451)

Nesta mesma carta, Faraday explica ainda que, ao considerar os átomos

como centros de força, foi levado a imaginar que as linhas de força surgiam de cada

átomo, “como sendo, talvez, a origem da vibração do fenômeno radiante”. Esta

noção “dispensará o éter que, em outra visão, é supostamente o meio em que essas

vibrações ocorrem”. Ainda nessa mesma obra, depois de discutir brevemente as

linhas de força gravitacional entre partículas com massa mensurável, Faraday

prossegue desqualificando o uso do éter como um meio onde as vibrações ocorrem:

As linhas de ação elétrica e magnética são consideradas como exercendo

sua função através do espaço, assim como as linhas de força gravitacional.

Por minha parte, inclino-me a acreditar que, quando intervêm partículas

de matéria (sendo elas mesmas apenas centros de força), elas participam

de forma a levar a força através da linha, mas, quando não há, a linha

prossegue através do espaço. [...] Pode-se perguntar: quais linhas de força

existem na natureza, que são adequadas para transmitir essa ação e

fornecer a teoria vibratória em lugar do éter? Não pretendo responder a

esta questão com alguma confiança; tudo o que posso dizer é que eu não

percebo em nenhuma parte do espaço, seja este (para usar a frase comum)

vago ou preenchido com matéria, nada além de forças e as linhas nas quais

as forças são exercidas. As linhas de peso ou força gravitacional são,

certamente, vastas o suficiente, impedindo qualquer demanda feita sobre

elas por fenômenos radiantes; e assim, provavelmente, são as linhas de

força magnética. [...] A visão que sou tão ousado para apresentar

considera, portanto, a radiação como uma espécie de vibração nas linhas

de força que são conhecidas por conectar partículas e também massas de

matéria. Esta proposta tenta descartar o éter, mas não a vibração. O tipo

de vibração que, acredito, pode ser o único responsável pelo fenômeno

maravilhoso, variado e belo da polarização, não é o mesmo que ocorre na

superfície da água perturbada, ou as ondas de som em gases ou líquidos,

cujas vibrações são diretas, para ou do centro de ação, enquanto as

primeiras são laterais. Parece-me que a resultante de duas ou mais linhas

142 “The ether is assumed as pervading all bodies as well as space: In the view now set forth, it is the forces

of the atomic centres which pervade (and make) all bodies, and also penetrate all space. As regards space, the difference is, that the ether presents successive parts or centres of action, and the present supposition only lines of action; as regards matter, the difference is, that the ether lies between the particles and so carries on the vibrations, whilst as respects the supposition, it is by the lines of force between the centres of the particles that the vibration is continued.” (FARADAY, 1855, p. 451)

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124

de força está em condições adequadas para produzir essa ação que pode

ser considerada como equivalente a uma vibração lateral, enquanto que

um meio uniforme, como o éter, não parece apto, ou mais apto do que o

ar ou a água.143 (FARADAY, 1855, p. 450-451)

Faraday parecia querer acabar com toda distinção entre matéria e éter: os

átomos dos corpos eram meramente centros dos quais inumeráveis filamentos, que

ele chamava de linhas de força, irradiavam em todas as direções e em todo o espaço.

Essa concepção já fora descrita em outra carta, dirigida a Richard Taylor em janeiro

de 1844 e publicada sob o título A speculation touching electrical conduction and

the nature of matter. Nesse texto, ele descreve os filamentos se estendendo aos

limites do universo físico, e cada ponto no espaço sendo atravessado por linhas

provenientes de todos os centros de força do universo, pois, se assim não fosse,

haveria pontos em que a lei da gravitação não se aplicaria (FARADAY, 1855, p.

293).

Faraday visualizava as linhas de força que conectavam cargas elétricas

contrárias ou polos magnéticos opostos por meio de limalhas de ferro espalhadas

em torno destes. Assim, em seu entender, os polos magnéticos ou corpos carregados

com cargas opostas eram conectados através de linhas de força, e a orientação

destas, em um determinado ponto, indicava a direção da “ação” magnética ou

elétrica naquele local. Seu conceito de ação mediada através das linhas de força

informava que, para cada ponto do espaço em volta de um imã, existiria definida uma

possível ação ou força que seria experimentada por outro imã que ocupasse aquela

143 “The lines of electric and magnetic action are by many considered as exerted through space like the lines

of gravitating force. For my own part, I incline to believe that when there are intervening particles of matter (being themselves only centres of force), they take part in carrying on the force through the line, but that when there are none, the line proceeds through space. […] It may be asked, what lines of force are there in nature which are fitted to convey such an action and supply for the vibrating theory the place of the aether? I do not pretend to answer this question with any confidence; all I can say is, that I do not perceive in any part of space, whether (to use the common phrase) vacant or filled with matter, anything but forces and the lines in which they are exerted. The lines of weight or gravitating force are, certainly, extensive enough to answer in this respect any demand made upon them by radiant phaenomena; and so, probably, are the lines of magnetic force. The view which I am so bold to put forth considers, therefore, radiation as a kind of species of vibration in the lines of force which are known to connect particles and also masses of matter together. It endeavors to dismiss the aether, but not the vibration. The kind of vibration which, I believe, can alone account for the wonderful, varied, and beautiful phaenomena of polarization, is not the same as that which occurs on the surface of disturbed water, or the waves of sound in gases or liquids, for the vibrations in these cases are direct, or to and from the centre of action, whereas the former are lateral. It seems to me, that the resultant of two or more lines of force is in an apt condition for that action which may be considered as equivalent to a lateral vibration; whereas a uniform medium, like the aether, does not appear apt, or more apt than air or water.” (FARADAY, 1855, p. 450-451)

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125

posição (MAXWELL, 2011a, p.183). Essa concepção de linhas de força se

espalhando pelo espaço pode ser entendida como uma visualização rudimentar, um

embrião do conceito de campo eletromagnético144 proposto mais tarde por Maxwell

(MAXWELL, 1954, v. 2, p. 158; DARRIGOL, 2002, p. 138; TORRETTI, 2009, p.

364).

Da parte de Faraday, havia uma rejeição completa à teoria atômica da matéria e

ao fato das forças atuarem no espaço vazio (ação à distância). O efeito magnético

observado no experimento de Ørsted ratificava sua convicção sobre a participação de um

meio na transmissão das forças. Faraday era um experimentalista e não fazia uso de

hipóteses que não fossem totalmente fundamentadas nos fenômenos observados.

No volume III da obra Experimental researches in electricity, Faraday afirma:

Eu me sinto obrigado a deixar com que o experimento me guie em

qualquer linha de pensamento que possa justificar; me sinto satisfeito se

considerar que a experiência, como a análise, deve levar a estrita verdade

se for corretamente interpretada.145 (FARADAY, 1855, p. 8)

Seja como for, Faraday, que permaneceu livre dos preconceitos escolásticos

graças às mesmas contingências que o impediram de receber uma boa educação

matemática, sempre teve pouca simpatia pelo éter luminífero, e não escondeu sua

inclinação para ignorar sua existência quando observou, em 1845, o efeito magneto-

óptico (ou efeito Faraday). Este fenômeno, de enorme importância, confirmou sua

suspeita de que a luz poderia estar intimamente relacionada à eletricidade e ao

magnetismo. Sua descoberta deveu-se a um pedido de Thomson, em carta a

Faraday, datada de 6 de agosto de 1845. Nesta, William Thomson relata o sucesso

que obteve com o tratamento matemático do conceito de linhas de força e solicita a

Faraday que repita um experimento, já realizado anteriormente por Faraday, no

144 Um critério de pesquisa que estimulou o desenvolvimento dessa teoria foi a medida da velocidade da

descarga elétrica. Charles Wheatstone (1802 – 1875), mediu em 1834, a velocidade da eletricidade dinâmica das faíscas produzidas nas extremidades de um longo circuito elétrico. Obteve que a eletricidade se propagava a uma velocidade vez e meia superior à da luz. Em 1850, na França, Fizeau obteve valores para as descargas elétricas que variavam de um terço (em fios de ferro) a dois terços (em fios de cobre) da velocidade da luz. Finalmente, no ano de 1857, Kirchoff (1824 – 1887) demonstrou em Heidelberg que as eletricidades estática e dinâmica eram relacionadas por uma constante que tinha a dimensão de velocidade e, comparando a força de atração de duas cargas estáticas com a força magnética produzida quando são descarregadas, demonstrou que essa constante tinha a mesma ordem de grandeza da velocidade da luz. Ver Whittaker (1910).

145 “I feel compelled to allow the experiment to guide me in whatever line of thought it can justify; I feel satisfied if I consider that experience, like analysis, should lead to the strict truth if it is correctly interpreted.” (FARADAY, 1855, p. 8).

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126

sentido de verificar se a eletricidade e a luz estariam relacionadas de alguma forma.

Conforme nos relata Camel,

Faraday perseguia o efeito predito por Thomson desde os anos vinte.

Como não conseguisse qualquer resultado, Faraday supôs que talvez o

efeito produzido pela eletricidade fosse pequeno demais para ser detectado

e resolveu verificar a ação magnética sobre a luz. O plano de polarização

de um raio de luz plano polarizada girou quando o raio passou através de

um vidro rombóide de alto índice de refração em um forte campo

magnético. O ângulo de rotação era diretamente proporcional à

intensidade da força magnética, e, para Faraday, isso indicava o efeito

direto do magnetismo sobre a luz. [...] a rotação magneto-óptica

estabelecia uma interação nova e fundamental entre luz, matéria e

eletromagnetismo. Essa descoberta se tornou fundamental para o

desenvolvimento das teorias do eletromagnetismo. (CAMEL, 2004, p. 38-

39)

Faraday era um experimentador brilhante e, apesar de seus estudos serem

muito criteriosos e meticulosos, eles eram de caráter especulativo e não

apresentavam qualquer tratamento matemático. Darrigol afirma que, embora

Faraday fosse, com o conceito de linhas de força, aquele que inauguraria um

caminho que levaria à criação do conceito de campo, faltavam-lhe ainda os

instrumentos de análise. Tanto William Thomson quanto Maxwell se sentiram

inicialmente repelidos pela ausência do formalismo matemático de Faraday e pela

forma como ele se expressava verbalmente sobre os conceitos da Física. Entretanto,

essa situação se modificou a partir do momento em que perceberam a potencialidade

dos resultados dos experimentos de Faraday aliada ao fato de que estes poderiam

ser matematicamente concebidos e previstos (DARRIGOL, 2002, cap.1, seções 1.3 e

1.5).

3.3.1 O Éter Eletromagnético: Continuidade e Energia

Michael Faraday possuía extraordinária intuição matemática, e seu trabalho

mostra sua grande imaginação teórica e inovação na concepção de seus

experimentos, e na generalização a partir deles. Faraday nunca escondeu sua aversão

à hipótese do éter e favoreceu abertamente a atribuição da existência física às curvas

no espaço que ele chamou de linhas de força (elétricas e magnéticas) que, no jargão

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127

matemático atual, descreveríamos como as integrais de caminho dos campos vetoriais

elétricos e magnéticos.

Com o intuito de quantificar essas “ações” elétricas e magnéticas, Faraday

aprofundou suas concepções a respeito da ação mediada. Por volta de 1830, Faraday

propôs um novo modelo para a matéria, atribuindo-lhe estados de tensão (ao longo das

linhas de força) e pressão (na direção perpendicular às linhas de força). Ao constatar o

fenômeno da indução eletromagnética, em 1831, Faraday o considerou como um

“estado de tensão” da matéria ou estado eletrotônico, relacionando o movimento

mecânico com o magnetismo e a produção da corrente elétrica. Para explicar o

fenômeno, Faraday admitia que a quantidade de eletricidade induzida em um condutor

dependia do número de linhas de força magnética que ele atravessava, ao passo que a

força eletromotriz gerada era proporcional à velocidade com que essas linhas eram

cruzadas.

Maxwell, professor de Filosofia Natural em Cambridge, formalizou

matematicamente as concepções qualitativas e as “linhas de força” que Faraday havia

proposto para os fenômenos elétricos e magnéticos. Utilizando a mesma concepção de

Faraday, na qual as ações elétricas e magnéticas se transmitiam de forma contígua e não

à distância, Maxwell pressupôs um éter mecânico para dar suporte aos fenômenos

envolvendo corpos eletrizados, magnetizados e correntes elétricas. Apesar do conceito de

éter ter sido considerado desnecessário por Faraday, Maxwell o reintroduz em sua teoria

eletromagnética como sendo o meio responsável pelo processo de transmissão das ações

elétricas e magnéticas (BEZERRA, 2006).

O conceito de energia também estava no cerne da tentativa de Maxwell para

construir uma teoria abrangente do que viria a se tornar a teoria do eletromagnetismo a

partir das pesquisas experimentais de Faraday. Nas décadas de 1830 a 1840, Faraday

havia usado o conceito de “linhas de força” para representar a localização das forças

elétricas e magnéticas no espaço. Entretanto, na década de 1850, já se estabelecia na

Física britânica o conceito de que as forças elétricas e magnéticas se encontravam

distribuídas no espaço e seriam mediadas pela existência de um “campo físico”. A etapa

seguinte consistia em elaborar, para o éter, modelos mecânicos com o propósito de

explicar a estrutura subjacente desse “campo físico”.

Maxwell refinou a visão de Faraday em uma teoria matemática rigorosa que

descrevia as interações elétricas e magnéticas entre corpos em repouso, um em relação ao

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128

outro. Na formulação das teorias de eletricidade e do magnetismo durante a década de

1850, Maxwell e William Thomson se utilizaram mais do conceito do “campo físico” ao

invés de supor forças à distância atuando entre corpos eletrificados e magnetizados ao

longo de regiões finitas do espaço (DORAN, 1975).

Para explicar a estrutura física do campo, William Thomson propôs que sua ação

poderia ser representada por vórtices moleculares no éter, concebido como um plenum, e

representando o campo de força por um continuum etéreo. Entre 1850 e 1860, Maxwell

formulou uma série de teorias físicas e matemáticas do campo, usando os conceitos de

Faraday e os vórtices moleculares de William Thomson na elaboração de um modelo

mecânico que representasse a ação do campo através da ação de forças nas partículas de

éter. Esse trabalho de Maxwell, já discutido no capítulo anterior, forneceu uma teoria

sistemática da propagação de forças elétricas e magnéticas, empregando um éter

mecânico como uma analogia, um modelo ilustrativo, e não uma explicação física final.

Maxwell refinou sua teoria de campo no artigo publicado em 1864, abandonando neste

toda tentativa de formular um modelo mecânico específico para o campo. Utilizou-se dos

métodos presentes na dinâmica analítica lagrangeana, apesar de acreditar na interpretação

mecânica para o campo.

É importante deixar claro que, em toda a sua obra, conhecida por

“eletrodinâmica de Maxwell”, ele sempre se utilizou do éter como o meio de

propagação para os fenômenos elétricos e magnéticos. O desenvolvimento desta

obra está apresentado em três trabalhos produzidos entre os anos de 1856 e 1864,

que dão corpo ao Treatise on electricity and magnetism de 1873146. Nestes três

trabalhos, Maxwell dedicou-se à criação dos modelos, utilizando “a lente

focalizadora da teoria” – conforme ele mesmo se expressa – “de forma a ver em

profundidades diferentes” (HARMAN, 1998, p. 82).

Foi através de seu último artigo que Maxwell, ao combinar as equações que

descreviam as interações elétrica e magnética, introduziu o termo da corrente de

deslocamento na equação de Ampère. Através desta modificação, ele foi capaz de

derivar as relações formais matematicamente equivalentes à propagação de um distúrbio

eletromagnético no éter, ou seja, uma onda eletromagnética que se propagava no éter.

Quando as constantes apropriadas foram obtidas através de experimentos, ele se deparou

com um resultado estupendo quando, ao calcular a velocidade de propagação de um

146 Com edições em 1881 e 1891

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129

distúrbio eletromagnético, obteve um valor praticamente idêntico ao da velocidade

da luz encontrada por Fizeau.

Em 1864, as três áreas de estudo que anteriormente eram vistas como separadas

— eletricidade, magnetismo e luz — passaram a ser descritas como manifestações

diferentes da mesma causa. Isto conduziu Maxwell a unificar o sistema óptico ao

eletromagnetismo: identificou o éter luminífero com o éter eletromagnético e o fenômeno

luminoso como uma onda eletromagnética que se propagaria no éter, transportando a

energia armazenada no campo. Maxwell chamou sua teoria de “teoria do campo

eletromagnético” já que esta descrevia uma região, um campo físico, dentro de um

volume cuja estrutura subjacente era o éter eletromagnético. Neste campo, as interações

elétricas e magnéticas se propagavam sugerindo que o éter era um campo contínuo de

forças elétricas e magnéticas com a qualidade de armazenar energia.

Para chegar às conclusões acima, Maxwell desenvolveu um programa de

matematização da Física que fez uso da análise das ações físicas nos meios

contínuos. Por achar relevante, apresentarei, de forma sucinta, as etapas seguidas por

Maxwell até a elaboração de sua obra A treatise on electricity and magnetism de 1873.

Ao dar início ao programa de matematização da Física citado acima, Maxwell

se debruça sobre a analogia entre as equações do calor e da atração elétrica, e enfatiza

que estas já haviam sido demonstradas por Thomson. A abordagem de Maxwell

sugere (HARMAN, 1985, p. 202) seu estudo da obra de Fourier.147

As leis da condução de calor em meios uniformes surgem, à primeira vista,

entre as mais diferentes no que concerne à suas relações físicas, do que

aquelas que estão relacionadas aos fenômenos de atração. As quantidades

que entram nas primeiras são temperatura, fluxo de calor, condutividade.

A palavra força é estranha ao assunto. No entanto, achamos que as leis

matemáticas do movimento uniforme do calor em meios homogêneos são

de forma idêntica à das atrações variando inversamente como o quadrado

da distância. Temos apenas que substituir a fonte de calor por um centro

de atração, fluxo de calor por efeito de aceleração devido à atração em

qualquer ponto e temperatura por potencial, e assim, a solução de um

problema nos fenômenos de atração se transforma em um problema de

calor. Esta analogia entre as fórmulas de calor e atração foi, creio eu,

147 Théorie analytique de la chaleur (1822).

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130

apontada pelo professor William Thomson no Camb. Math. Journal, Vol.

III.148 (MAXWELL, 2011a, v.1, p.157)

Como Thomson faz uso de um fluido incompressível e imponderável para

compor o meio no qual os fenômenos elétricos e magnéticos se dariam, Maxwell enfatiza

que este não se destinava a ser um modelo mecânico do campo elétrico ou do campo

magnético, cuja citação está contemplada na subseção 2.3.

Observa-se que Maxwell foi construindo progressivamente sua concepção de

éter. Inicialmente seria uma coleção de propriedades necessárias para conceber os

fenômenos. Mais à frente, era entendido como um meio mecânico e, finalmente,

como um fluido eletromagnético sem qualquer estrutura subjacente.

Maxwell faz uso do método das analogias logo em seu primeiro artigo, On

Faraday’s lines of force, desenvolvendo um modelo semelhante a tubos de

escoamento de fluidos incompressíveis para as linhas de força de Faraday. Maxwell

admite que busca somente mostrar como é possível realizar uma conexão entre

diferentes ordens de fenômenos, apenas aplicando as ideias e métodos de Faraday.

Embora o estilo de pensamento de Faraday fosse “de caráter indefinido e não

matemático”, Maxwell considerou as linhas de força de Faraday como evidência de

que ele era “na realidade um matemático sofisticado” (MAXWELL, 2011a, v.1, p.

157).

Na formulação de Maxwell para as linhas de força elétricas, estas formavam

um conjunto de curvas, de modo que cada uma delas passava por um único ponto do

espaço e representava a direção da força que agiria sobre uma partícula carregada

positivamente colocada nesse ponto. Ainda de acordo com Maxwell, seria possível

obter, assim, um modelo geométrico dos fenômenos físicos que forneceria a direção

da força, mas não indicava a intensidade da força em qualquer ponto149:

148 “The laws of the conduction of heat in uniform media appear at first sight among the most different in

their physical relations from those relating to attractions. The quantities which enter into them are temperature, flow of heat, conductivity. The word force is foreign to the subject. Yet we find that the mathematical laws of the uniform motion of heat in homogeneous media are identical in form with those of attractions varying inversely as the square of the distance. We have only to substitute source of heat for centre of attraction, flow of heat for accelerating effect of attraction at any point, and temperature for potential, and the solution of a problem in attractions is transformed into that of a problem in heat. This analogy between the formulae of heat and attraction was, I believe, first pointed out by Professor William Thomson in the Camb. Math. Journal, Vol. III..” (MAXWELL, 2011a, v.1, p.157)

149 Por uma parametrização adequada das linhas de força, pode-se garantir que o vetor tangente a cada curva em cada ponto reflete não apenas a direção da força neste ponto, mas também sua intensidade.

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131

Portanto, devemos obter um modelo geométrico dos fenômenos físicos,

que nos diria a direção da força, mas que ainda requer um método para

indicar a intensidade da força em um ponto qualquer. Se considerarmos

essas curvas não como meras linhas, mas como tubos finos de seção

variável que transportam um fluido incompressível, então, uma vez que a

velocidade do fluido varia inversamente com a seção do tubo, podemos

fazer a velocidade variar de acordo com qualquer lei dada, regulando a

seção do tubo, e desta forma representamos a intensidade da força, bem

como sua direção pelo movimento do fluido nesses tubos. 150

(MAXWELL, 2011a, v. 1, p. 159)

Em seu segundo artigo, On physical lines of force, de 1861/1862, Maxwell

propõe, para as linhas de força, um modelo mecânico do éter:151 o famoso modelo de

células tubulares que giravam em torno de seus respectivos eixos, os quais

correspondiam às linhas do campo magnético. A eletricidade e o magnetismo

dependiam da presença dos vórtices moleculares presentes no éter, permitindo a

existência de ondas transversais que se propagavam no éter.

No início desse trabalho, Maxwell não introduz o éter como uma hipótese sobre o

mundo físico. Em vez disso, é apenas um caminho, uma construção mecânica que pode

funcionar para direcionar a experiência e, presumivelmente, para indicar as características

que uma teoria real precisaria ter.

Não podemos deixar de pensar nisso em todos os lugares onde nos

encontramos [...] Linhas de força, algum estado físico ou ação deve existir em

energia suficiente para produzir o fenômeno real. Meu objetivo neste trabalho

é abrir caminho para a especulação nessa direção, investigando os resultados

mecânicos de certos estados de tensão e movimento em um meio, e

comparando estes com os fenômenos observados de magnetismo e

eletricidade. Ao apontar as consequências mecânicas de tais hipóteses, espero

Mas, em 1856, qualquer parâmetro que não fosse o comprimento do arco provavelmente pareceria não geométrico para os leitores de Maxwell.

150 We should thus obtain a geometrical model of the physical phenomena, which would tell us the direction of the force, but we should still require some method of indicating the intensity of the force at any point. If we consider these curves not as mere lines, but as fine tubes of variable section carrying an incompressible fluid, then, since the velocity of the fluid is inversely as the section of the tube, we may make the velocity vary according to any given law, by regulating the section of the tube, and in this way we might represent the intensity of the force as well as its direction by the motion of the fluid in these tubes. (MAXWELL, 2011a, v. 1, p.159)

151 Não é preciso detalhar o modelo novamente. Ele tem sido repetidamente explicado na literatura e a ilustração impressa encontra-se reproduzida em Maxwell, 2011a, v. 1, p. 488 (Plate VIII, figura 2), e na seção 2.3 deste trabalho.

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132

ser de alguma utilidade para aqueles que consideram os fenômenos como

devidos à ação de um meio [...]152 (MAXWELL, 2011a, v. 1, p. 452)

A atitude de Maxwell aqui também se reflete no fato notável de que, em toda essa

seção, não há menção ao éter luminífero. Ele inicialmente postulou um meio

eletromagnético mecânico, para posteriormente identificá-lo com o éter luminífero.

Quando se avança para a terceira parte do Physical lines, vemos que, à medida que o

argumento se desenvolve, passa a haver um crescimento gradual na convicção dessa

identidade. A primeira menção ao éter luminífero encontra-se logo na primeira página da

Parte III. Após dotar o éter eletromagnético com a propriedade adicional de elasticidade,

Maxwell traz o meio óptico para dar suporte a essa ideia. Assim, é na terceira parte desse

artigo que o trabalho de Maxwell se direciona para a consequência mais importante: a

unificação do eletromagnetismo e da óptica. Esse resultado só pôde ser alcançado através

da introdução da hipótese de que o meio seria composto por células esféricas dotadas de

elasticidade. Para dar credibilidade à elasticidade do meio, Maxwell argumenta que:

A teoria ondulatória da luz requer que admitamos esse tipo de elasticidade no

meio luminífero, de modo a responder pelas vibrações transversais. Nós não

precisamos então nos surpreender se o meio magneto-elétrico possuir a mesma

propriedade.153 (MAXWELL, 2011a, v.1, p.489)

O sentido deste trecho é de que o éter eletromagnético e o éter luminífero seriam

dois meios semelhantes, porém distintos. Três páginas após, em sua próxima menção ao

éter luminífero, Maxwell relata que sua elasticidade é idêntica à do éter que transporta as

ações eletromagnéticas, e levanta a questão de saber se

[...] esses dois meios, coexistentes, coextensivos e igualmente elásticos não são

o mesmo meio.154 (MAXWELL, 2011a, v. 1, p. 492)

152 “We cannot help thinking that in every place where we find . . . lines of force, some physical state or

action must exist in sufficient energy to produce the actual phenomena. My object in this paper is to clear the way for speculation in this direction, by investigating the mechanical results of certain states of tension and motion in a medium, and comparing these with the observed phenomena of magnetism and electricity. By pointing out the mechanical consequences of such hypotheses, I hope to be of some use to those who consider the phenomena as due to the action of a medium ...” (MAXWEL, 2011a, v. 1, p. 452)

153 The undulatory theory of light requires us to admit this kind of elasticity in the luminiferous medium, in order to account for transverse vibrations. We need not then be surprised if the magneto-electric medium possesses the same property. (MAXWELL 2011a), v. 1, p. 489,.

154 "[…] these two coexistent, coextensive, and equally elastic media are not rather one medium" (MAXWELL, 2011a, v.1, p.492)

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133

Maxwell então, aproxima a teoria éter-elástica da luz com a teoria do meio

magneto-elétrico que ele se propôs a desenvolver. Com este argumento, Maxwell já tenta

realizar a identificação entre o éter luminífero e o meio magneto-elétrico. Isso é obtido

pela introdução do conceito central de um “deslocamento elétrico” que ocorreria nos

dielétricos. Um corpo carregado provoca no “campo” um deslocamento das partículas

elétricas, polarizando os elementos do meio. Esse deslocamento seria local e reversível,

e se distinguiria claramente das correntes elétricas nos meios condutores. As variações no

deslocamento elétrico constituiriam as chamadas “correntes de deslocamento”; porém,

ainda não era suposto que essas correntes produziriam os efeitos eletromagnéticos

semelhantes às “correntes de condução”.

Com essa suposição, Maxwell chegou a uma relação entre as unidades

eletrostática e eletromagnética de carga, cujo valor, medido por Weber e Kohlrausch155

em 1857, diferia em menos de 1,5% do valor para a velocidade da luz no ar, medida por

Fizeau. Foi então levado a concluir que:

A velocidade das ondulações transversais em nosso meio hipotético [...]

concorda exatamente com a velocidade da luz [...] que dificilmente podemos

evitar a inferência de que a luz consiste nas ondulações transversais do mesmo

meio sendo a causa dos fenômenos elétricos e magnéticos. 156 (MAXWELL,

2011a, v.1, p. 500)

No momento, Maxwell não concluiu imediatamente que a própria luz é um

fenômeno eletromagnético. Como ele concebeu processos ópticos e eletromagnéticos em

termos mecânicos, sendo a relação entre eles “expressa pela conexão molecular entre éter

e matéria, em termos de diferentes movimentos no éter”, pode-se considerar que o éter

luminífero sustentava a hipótese do éter na teoria do eletromagnetismo (HARMAN, 1998,

p. 109).

O modelo mecânico de Maxwell era inteligente, porém ele mesmo o achava pouco

refinado. Tanto era essa sua visão que, em carta a Peter G. Tait datada de 23 de dezembro

de 1867, ele explica que usar o modelo para descrever o verdadeiro mecanismo seria

semelhante a representar o sistema solar através de um planetário (DARRIGOL, 2002, p.

155 Apud Darrigol (2003). Artigo original: Weber, W., and Kolrausch, R., “Elektrodynamische

Maassbestimmungen insbesondere Zurueckfuehrung der Stroemintensitaetsmessungen auf mechanisches Maass”, Treatises of the Royal Saxon Scientific Society, v. 5, Leipzig, S. Hirzel, 1856.)

156 “The velocity of transverse undulations in our hypothetical medium […] agrees so exactly with the velocity of light […] that we can scarcely avoid the inference that light consists in the transverse undulations of the same medium which is the cause of electric and magnetic phenomena.” (MAXWELL, 2011a, v. 1, p. 500)

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134

154). Em 15 de outubro de1864, Maxwell escrevera outra carta endereçada a Stokes,

na qual afirmava que a propagação das ondas eletromagnéticas se dá em um meio

dotado de um funcionamento complicado e desconhecido para nós.

Eu obtive, agora, dados para calcular a velocidade de transmissão de um

distúrbio magnético, através do ar, baseado em evidência experimental,

sem qualquer hipótese sobre a estrutura do meio ou qualquer explicação

mecânica da eletricidade e do magnetismo [...] 157 (BROMBERG, 1967,

p. 229)

Na introdução de seu último artigo A dynamical theory of the electromagnetic

field, datado de 1864, o meio é apresentado de forma significativamente diferente. As

considerações da óptica estão envolvidas desde o início, e Maxwell inicia sua análise dos

fenômenos luminosos que levaram à concepção do éter luminífero e à delimitação de suas

propriedades. Ele então retoma o efeito Faraday (magneto-óptico) e infere que o

magnetismo consiste em um movimento de um éter luminífero (MAXWELL, 2011a, v.1,

p. 528-530). Finalmente, ele discute esses fatos sobre eletricidade e magnetismo os quais

levam, de maneira independente, à ideia de um éter eletromagnético. Todas essas

evidências o fazem supor a existência de “um meio etéreo que permeia todo o espaço”

(Ibid., p. 532), “um mecanismo complicado capaz de uma grande variedade de

movimento” e “sujeito às leis gerais da dinâmica” (Ibid., p. 533).

Nesse artigo, Maxwell desenvolve uma teoria de campo sem empregar um

modelo mecânico específico, utilizando apenas equações analíticas de sistemas

mecânicos. Ele apresenta sua teoria não mais como uma teoria “mecânica”, mas

como uma “teoria dinâmica” 158 . Essa distinção surgiu por haver, na teoria

157 I have now got materials for calculating the velocity of transmission of a magnetic disturbance through

air founded on experimental evidence, without any hypothesis about the structure of the medium or any mechanical explanation of electricity or magnetism. (BROMBERG, p. 229, 1967). Ver também “Memoir and Scientific Correspondence of the Late Sir George Gabriel Stokes”, ed. Joseph Larmor, v. II, p. 26. Cambridge: University Press, 1907.

158 Ver subseção 2.3: “(3) A teoria que proponho pode, portanto, ser denominada uma teoria do Campo Eletromagnético, pois diz respeito ao espaço nas proximidades dos corpos elétricos ou magnéticos, e pode ser chamada uma Teoria Dinâmica, pois pressupõe que naquele espaço existe matéria em movimento, por meio da qual os fenômenos eletromagnéticos observados são produzidos”. (MAXWELL, 2011a, v.1, p. 527)

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135

“mecânica”, a especificação de um mecanismo intrínseco aos fenômenos, enquanto

que, na teoria “dinâmica”, não se especificava a ação de nenhum mecanismo159.

O método empregado, a dinâmica analítica, assumia que o movimento era

comunicado de uma parte a outra do meio etéreo por forças que surgiam da conexão

entre essas partes. No artigo de 1864, Maxwell ainda teceu considerações sobre o

meio etéreo, afirmando que tinha razões para crer que este seria onipresente e

possuía pouca densidade, porém era capaz de ser colocado em movimento e de

transmitir esse movimento de uma parte a outra com grande velocidade, porém não

infinita:

(4) [...] Temos, portanto, algum motivo para proceder, a partir dos

fenômenos da luz e do calor, com o entendimento de que existe um meio

etéreo preenchendo o espaço e permeando os corpos, capaz de ser

colocado em movimento e de transmitir esse movimento de uma parte para

outra, e comunicar esse movimento a matéria bruta para aquecê-la e afetá-

la de várias maneiras.

(5) A energia comunicada ao corpo no aquecimento deve ter existido

anteriormente nesse meio móvel, pois as ondulações deixaram a fonte de

calor algum tempo antes de chegarem ao corpo, e durante esse tempo a

energia deve ter se constituído metade em energia de movimento do meio

e a outra metade em energia de elasticidade.

(6) [...] temos que lidar, com a existência de um meio pervasivo, de

densidade pequena, mas real, capaz de ser posto em movimento e de

transmitir movimento de uma parte para outra com grande, mas não

infinita, velocidade. O meio é, portanto, capaz de receber e armazenar dois

tipos de energia, ou seja, a energia "real", devida aos movimentos de suas

partes e energia "potencial", consistindo no trabalho que o meio fará na

recuperação do deslocamento em virtude de sua elasticidade.

(MAXWELL, 2011a, p. 528). 160

159 ver subseção 2.3. 160 (4)... We have therefore some reason to behave, from the phenomena of light and heat, that there is an

æthereal medium filling space and permeating bodies, capable of being set in motion and of transmitting that motion from one part to another, and of communicating that motion to gross matter so as to heat it and affect it in various ways.

(5) Now the energy communicated to the body in heating it must have formerly existed in the moving medium, for the undulations had left the source of heat some time before they reached the body, and during that time the energy must have been half in the form of motion of the medium and half in the form of elastic resilience.

(6) … we have to deal, the existence of a pervading medium, of small but real density, capable of being set in motion, and of transmitting motion from one part to another with great, but not infinite, velocity. The medium is therefore capable of receiving and storing up two kinds of energy, namely, the "actual" energy depending on the motions of its parts, and "potential" energy, consisting of the work which the medium

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136

Mais à frente, ele nega qualquer modelo mecânico para movimento e tensão

no éter e já atribui ao campo eletromagnético a propriedade de armazenar energia,

embora ele ainda entendesse que essa energia fosse mecânica:

(74) Ao falar sobre a energia do campo desejo ser entendido literalmente.

Toda energia é energia mecânica, quer ela exista sob a forma de

movimento, ou sob a forma de elasticidade, ou sob qualquer outra forma.

A energia em fenômenos eletromagnéticos é energia mecânica. A única

pergunta é: onde ela reside? Segundo antigas teorias, ela se encontra em

corpos eletrizados, circuitos condutores e ímãs, sob a forma de uma

qualidade desconhecida chamada energia potencial, com poder de

produzir certos efeitos à distância. De acordo com a nossa teoria, ela reside

no campo eletromagnético, no espaço ao redor dos corpos eletrizados e

magnetizados, bem como nos próprios corpos, e existe sob duas formas

diferentes, que podem ser descritas, sem hipóteses, como polarização

magnética e polarização elétrica, ou, segundo uma hipótese bastante

provável, como o movimento e a deformação de um mesmo meio.161

(MAXWELL, 2011a, p. 564)

Ao mostrar que suas equações de campo cumprem os requisitos do princípio de

Hamilton162, Maxwell mostra que os fenômenos eletromagnéticos descritos ou previstos

pelas equações podem ser explicados através do comportamento mecânico de uma

substância peculiar que permeia todo os corpos e preenche completamente o espaço entre

eles (MAXWELL, 2011a, p. 528). Nesse momento, a teoria de Maxwell ainda não é

will do in recovering from displacement in virtue of its elasticity." (MAXWELL, 2011a, v.1, p. 528).

161 In speaking of the Energy of the field, however, I wish to be understood literally. All energy is the same as mechanical energy, whether it exists in the form of motion or in that of elasticity, or in any other form. The energy in electromagnetic phenomena is mechanical energy. The only question is, Where does it reside ? On the old theories it resides in the electrified bodies, conducting circuits, and magnets, in the form of an unknown quality called potential energy, or the power of producing certain efiects at a distance. On our theory it resides in the electromagnetic field, in the space surrounding the electrified and magnetic bodies, as well as in those bodies themselves, and is in two different forms, which may be described without hypothesis as magnetic polarization and electric polarization, or, according to a very probable hypothesis, as the motion and the strain of one and the same medium. (MAXWELL, 2011a, p. 564).

162 Seguindo este método, constrói-se uma função lagrangeana, cujo valor em cada instante representa a diferença entre a energia cinética e a energia potencial armazenada nesse instante no sistema físico em consideração, e se assume o princípio de Hamilton, segundo o qual a evolução temporal do sistema é sempre tal que a integral assume um valor mínimo. Como o valor desta integral é convencionalmente conhecido como "ação", o princípio de Hamilton também é referido como o Princípio da Mínima Ação.

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137

plenamente uma teoria do campo eletromagnético e sim uma teoria híbrida de campo

com éter eletromagnético onde a energia reside no éter. (BEZERRA, 2006).

Nesse artigo observa-se que o desenvolvimento da eletrodinâmica de

Maxwell já se encaminhava para a adoção do formalismo lagrangeano, que permitia

dispensar as hipóteses sobre a constituição do sistema, conforme relatado por ele na

parte III do artigo:

(73) Anteriormente, procurei descrever um tipo específico de movimento

e deformação, de tal forma que descrevessem os fenômenos. No presente

artigo, evito qualquer hipótese desse tipo; e, quando me utilizo de palavras

tais como momento elétrico e elasticidade elétrica referindo-me aos

fenômenos conhecidos de indução de correntes e da polarização de

dielétricos, desejo apenas direcionar a mente do leitor para fenômenos

mecânicos que servirão de auxílio na compreensão dos fenômenos

elétricos. Todas as frases desse tipo, no presente artigo, devem ser

consideradas como ilustrativas, e não como explicativas. 163

(MAXWELL, 2011a, p. 563-564)

Ratifica-se nesse processo a importância do conceito de energia ocupando

um lugar fundamental e o formalismo lagrangeano que dispensava o conhecimento

detalhado dos vínculos mecânicos internos do sistema. Nessa abordagem, bastava

utilizar uma única função escalar, sendo T a energia de movimento e V a energia

potencial do sistema.

Assim, não é totalmente impreciso dizer que o éter, em 1864, embora ainda

bastante novo para a eletrodinâmica, já estava sendo utilizado por Maxwell por uma razão

filosófica significativa: ele esperava explicar as correntes elétricas e as distribuições de

carga eletrostática como epifenômenos da dinâmica do éter. Isso pouparia aos físicos a

necessidade de postular um ou dois fluidos elétricos especiais, como feito no século

dezoito, ou reconhecer a carga elétrica como uma propriedade fundamental da matéria. O

éter de Maxwell foi dotado por ele (e outros pesquisadores) de uma estrutura mecânica

163 (73) “I have on a former occasion attempted to describe a particular kind of motion and a particular kind

of strain, so arranged as to account for the phenomena. In the present paper, I avoid any hypothesis of this kind; and in using such words as electric momentum and electric elasticity in reference to the known phenomena of the induction of currents and the polarization of dielectrics, I wish merely to direct the mind of the reader to mechanical phenomena which will assist him in understanding the electrical ones. All such phrases in the present paper are to be considered as illustrative, not as explanatory.” (MAXWELL, 2011a, p. 563-564)

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138

despreocupada onde foram atribuídas apenas as propriedades ou relações que poderiam

ser concebidas em termos mecânicos clássicos (TORRETTI, 2007, p. 365).

A união dos conceitos de éter, continuidade e energia, realizada por Maxwell,

permitiu a obtenção da expressão para a “corrente de deslocamento”, e foi através dela

que Maxwell obteve a velocidade de um distúrbio eletromagnético no éter. Nesse mesmo

artigo de 1864, juntamente com a “desmecanização” de sua teoria164, Maxwell realiza a

unificação do éter luminífero com o éter eletromagnético, ao obter, para o valor da

velocidade de propagação do distúrbio eletromagnético, o mesmo valor da velocidade da

luz:

(20) [...] Essa velocidade é tão próxima a velocidade da luz e magnetismo são

resultados de uma mesma substância, [...] a luz é um distúrbio eletromagnético

propagado através do campo de acordo com as leis do eletromagnetismo 165.

(MAXWELL, 2011a, p. 535)

O conceito de energia foi fundamental para Maxwell formar uma

representação consistente do campo eletromagnético. É nesse momento que se

desenha o início de uma nova perspectiva científica, na qual Maxwell desempenhou o

papel de um importante protagonista. Não foi uma mera coincidência a suposição de

que o éter detivesse a propriedade armazenar energia. A concepção de energia

começou a se desenvolver nos primeiros anos da década de 1850, quando William

Thomson e seu aliado na ciência da engenharia, William John Macquorn Rankine (1820

– 1872), iniciaram uma reforma científica banindo antigos jargões mecanicistas e

introduzindo novos conceitos que mudariam rapidamente a fisionomia do século. Com a

elaboração do corpo teórico da Ciência da termodinâmica por Rankine, houve um rápido

acolhimento das novas ideias por pesquisadores tais como Peter Guthrie Tait e Maxwell.

Esses pesquisadores formaram um forte grupo em defesa das novas concepções dentro da

164 Outros cientistas que se basearam em exemplos da Mecânica para explicar, por analogia, os fenômenos

naturais que estudavam, encontraram alguma dificuldade em compreender a obra matemática de Maxwell, levando a famosa observação de Lord Kelvin na qual ele dizia não ficar satisfeito até que tivesse elaborado um exemplo mecânico do assunto que estivesse estudando. Ver mais à frente a citação completa (THOMSON, 1910 apud KNUDSEN, 1985, p. 177-178)

165 (20) “… This velocity is so nearly that of light, that it seems we have strong reason to conclude that light itself (including radiant heat, and other radiations if any) is an electromagnetic disturbance in the form of waves propagated through the electromagnetic field according to electromagnetic laws.” (MAXWELL, 2011a, p. 535)

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139

British Association for the Advanced of Science (BAAS) e se tornaram os principais

responsáveis pela construção e consolidação da ciência da energia 166 (SMITH, 1998).

Em sua obra principal, A treatise on electricity and magnetism de 1873,

Maxwell sintetiza a sua teoria matemática do eletromagnetismo adotando o

formalismo lagrangeano, já consagrado na abordagem dinamista do artigo de 1864

(cf. MAXWELL, 2011a, p. 526), e expõe as vantagens de sua utilização:

[...] O que me proponho fazer agora, é examinar as consequências da

suposição de que os fenômenos da corrente elétrica são os de um sistema

em movimento, cujo movimento é comunicado de uma parte a outra do

sistema através de forças, cuja natureza e cujas leis nós nem tentaremos

definir por ora, uma vez que podemos eliminar essas forças das equações

de movimento pelo método dado por Lagrange para qualquer sistema com

vínculos. [...] Apliquei esse método de modo a evitar a consideração

explícita do movimento de qualquer parte do sistema exceto as

coordenadas ou variáveis das quais depende o movimento do todo. É sem

dúvida importante que o estudante seja capaz de rastrear a conexão entre

o movimento de cada parte do sistema e aquele das variáveis, porém não

é necessário, em absoluto, fazer isso no processo de obtenção das equações

finais, que são independentes da forma particular dessas conexões167

(Maxwell, 1954, v. 2, pp. 198-200).

Essa abordagem dinamista da Física, proposta inicialmente por Thomson e

adotada por Maxwell, tinha por pressuposto utilizar o formalismo lagrangeano de

forma a obter as equações para processos observáveis, evitando o uso de entidades

não observáveis. Apoiava-se em dois postulados: o primeiro supunha que todo e

qualquer processo poderia ser descrito em termos das suas variações de energia, e o

segundo, que essas mudanças eram governadas pelo Princípio de Hamilton

166 A convicção de Maxwell na “ciência da energia” era tanta que, em 1857, ele redigiu um manuscrito sobre

mecânica onde apresentava o modo de como essa nova concepção científica explicava o movimento e o repouso em um sistema de partículas (SMITH, 1998).

167 “What I propose now to do is to examine the consequences of the assumption that the phenomena of the electric current are those of a moving system, the motion being communicated from one part of the system to another by forces, the nature and laws of which we do not yet even attempt to define, because we can eliminate these forces from the equations of motion by the method given by Lagrange for any connected system. […] I have applied this method so as to avoid the explicit consideration of the motion of any part of the system except the coordinates or variables, on which the motion of the whole depends. It is doubtless important that the student should be able to trace the connexion of the motion of each part of the system with that of the variables, but it is by no means necessary to do this in the process of obtaining the final equations, which are independent of the particular form of these connexions.” (Maxwell, 1954, v. 2, p. 198-200)

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140

(BUCHWALD, 1985, p.225). Paulo Abrantes descreve a adoção, por Maxwell, do

formalismo lagrangeano como “uma guinada metodológica importantíssima, que

hoje temos condição de avaliar como um passo no sentido de uma desmecanização

da teoria eletromagnética” (ABRANTES, 1998, p. 197).

Com o surgimento da recém formulada teoria cinética dos gases, em 1871,

era preciso explicar a existência de uma concepção molecular para a matéria e sua

relação com um meio contínuo. William Thomson desejava formular uma teoria

dinâmica que correlacionasse a teoria ondulatória da luz, o éter e o

eletromagnetismo, pois considerava inaceitável uma teoria da luz baseada em

pressupostos unicamente eletromagnéticos (KNUDSEN, 1976). Desenvolve então

sua teoria de “átomos de vórtices” onde toda a matéria seria contínua e a

heterogeneidade molecular consistiria em movimentos vorticais locais do éter.

Dessa forma, as noções mecânicas de “átomos no vazio” e “forças atuando entre

partículas materiais” haviam sido substituídas pelas noções de um éter contínuo e de

átomos materiais formados na estrutura etérea por elementos discretos e dinâmicos

(DORAN, 1975, p. 133-260; CAMEL, 2004, p.115) 168 . Embora essa teoria

representasse a interação entre éter e matéria, ela não dava suporte à teoria

eletromagnética da luz nem à teoria cinética dos gases, e também não servia para

explicar a gravitação. Assim, durante as décadas de 1870/80, ele gradualmente foi

abandonando sua teoria a partir de suas considerações descritas no artigo On the

stability of steady and of periodic fluid motion, publicado na Philosophical

Magazine de maio de 1887 (KRAGH, 2002, p.75; CAMEL, 2004, p.158).

Paralelamente aos vários modelos propostos, surgiam outras questões sobre o éter.

Se esse meio era contínuo e preenchia todo o espaço, deveria ser possível medir a

velocidade com a qual a Terra se movia em relação ao éter, o chamado “vento de éter”.

No ano de 1878, Maxwell publicou na Encyclopaedia Britannica (MAXWELL, 2011b,

p.763; ENCYCLOPAEDIA, 1768-2010, 9. ed. [1879], v. 8, p. 568-572) o artigo Ether

onde discutia, entre outros conteúdos, um método astronômico para detectar o

movimento desse meio em relação à Terra. Afirma, ao longo do texto, que o espaço

interplanetário e interestelar não está vazio, “mas é ocupado por uma substância ou corpo

material que certamente é o maior e provavelmente o mais uniforme do qual temos algum

168 Abordagem detalhada em Camel (2004, p.115)

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141

conhecimento” (MAXWELL, 1990-2002, v. 2 [2002], p. 775). Argumenta ainda que o

papel principal do éter é servir como “um meio de interação física entre corpos distantes”

(MAXWELL, 1990-2002, v. 2 [2002], p. 775), ou seja, teria a função de conectar toda a

matéria no universo (HARMAN, 2002, v. 2, p. 775).

Devido ao alto valor da velocidade da luz, ele percebeu que o único método para

se obter diretamente a velocidade relativa do éter seria comparar os valores da velocidade

da luz obtidos através da observação dos eclipses dos satélites de Júpiter, quando este

planeta fosse observado da Terra em pontos aproximadamente opostos da eclíptica. Sua

proposta era totalmente nova, e ele não dispunha de dados astronômicos que permitissem

testar esse método. Escreveu, em 1879, uma carta ao astrônomo norte-americano David

Peck Todd (1855 – 1939), que estudava os satélites de Júpiter, perguntando-lhe se havia

dados suficientemente precisos para fazer esse tipo de análise. Todd lhe respondeu que

não havia dados suficientemente bons, pois seria necessário determinar os instantes de

início dos eclipses com uma precisão melhor do que um décimo de segundo e, na época,

isso não era experimentalmente possível. Maxwell faleceu nesse mesmo ano de 1879.

No ano seguinte, a carta de Maxwell foi publicada e Todd discutiu o assunto com

Albert Abraham Michelson, um jovem pesquisador que havia realizado as melhores

medidas da velocidade da luz da época. Auxiliado por Helmholtz, o jovem Michelson

construiu, em 1880, seu primeiro interferômetro. Mesmo cercado de cuidados, os

resultados dos dois primeiros experimentos se mostraram nulos, levando Michelson a

afirmar que a hipótese de um éter estacionário estaria incorreta. Admitiu, em substituição

a esta, uma nova concepção proposta por George Stokes, onde o éter seria viscoso e

estaria aderido à superfície dos corpos, e dessa forma seria totalmente arrastado pelo

movimento da Terra.

Em 1884, Michelson e seu colega Edward Williams Morley estavam assistindo

um curso ministrado por William Thomson na Universidade John Hopkins. Também se

encontrava presente John William Strutt (Lord Rayleigh) que, juntamente com William

Thomson, convenceu Michelson a dar continuidade a seus experimentos com o éter,

contando, a partir daquele momento, com a colaboração de Morley. Apesar da

sofisticação do aparato utilizado no novo experimento de 1887, novamente não foi

observada a existência de um movimento relativo entre o éter e a Terra.

O insucesso dos experimentos de Michelson e Morley não trouxe grandes

mudanças em relação às argumentações que se fundamentavam na existência do éter.

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142

3.3.2 Os Modelos Mecânicos para o Éter Eletromagnético

Uma nova geração de físicos levou a sério a noção de campos eletromagnéticos

proposta por Maxwell. O grupo que desenvolveu o trabalho de Maxwell após seu

falecimento — os maxwellianos169, como são conhecidos — era composto por George

Francis FitzGerald (1851 – 1901), Oliver Heaviside e Oliver Joseph Lodge. A atenção

destes cientistas estava dedicada ao campo eletromagnético que rodeava os fios do

circuito, e não ao circuito propriamente dito. Oliver Heaviside desenvolveu sua própria

e sofisticada matemática, aplicando-a ao trabalho de Maxwell e mostrando como a

energia elétrica se movia através do éter. FitzGerald e Lodge estavam convencidos de

que poderiam ser encontradas formas de detectar a propagação de ondas eletromagnéticas

através do éter.

A partir da década de 1880, William Thomson e os maxwellianos se

concentraram em tentar explicar as equações de Maxwell e o eletromagnetismo em

termos de um modelo mecânico de éter com estrutura interna e dotado de

movimento. Claramente, a influência de William Thomson contribuiu para retomar

a “mecanização” do eletromagnetismo, conforme o próprio William Thomson

admite, em 1904, em uma palestra sobre a teoria eletromagnética da luz:

Não fico satisfeito até que tenha elaborado um exemplo mecânico do

assunto que estiver estudando. Se eu conseguir produzir um modelo

mecânico, eu posso compreender; caso contrário, não. Daí o motivo de

não conseguir entender a teoria eletromagnética da luz. [...] Desejo

compreendê-la de modo tão completo quanto possível, sem introduzir

elementos de ainda menor compreensão para mim. Por essa razão, me

atenho à dinâmica elementar, pois nela — e não na teoria eletromagnética

— posso encontrar um modelo.170 (THOMSON, 1910 apud KNUDSEN,

1985, p. 177-178).

169 Eles foram assim denominados por Bruce Hunt, em função de terem-se dedicado à interpretação da

teoria de Maxwell, inserida em um programa mecânico de explicação dos fenômenos. 170 “I never satisfy myself until I can make a mechanical model of a thing. If I can make a mechanical model I

can understand it. As long as I cannot make a mechanical model all the way through I cannot understand; and that is why I cannot get the electromagnetic theory. […] But I want to understand light as well as I can, without introducing things that we understand even less of. That is why I take plain dynamics. I can get a model in plain dynamics; I cannot in electromagnetics.” (THOMSON, 1910 apud KNUDSEN, 1985, p. 177-178)

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143

No uso de modelos mecânicos, os maxwellianos buscavam encontrar o

mecanismo dos fenômenos eletromagnéticos. Alguns de seus modelos eram

utilizados como mediadores de ensino durante uma aula ou conferência; outros, no

entanto, pretendiam reproduzir o próprio fenômeno. O requinte mecânico e o

número de modelos de éter que surgiram nos anos 1880 gerou um tal volume de

modelos mecânicos requintados de “éteres”, que as décadas de 1880 e 1890 são

chamadas por Martin J. Klein (1973) de “fase do alto barroco da visão mecânica do

mundo”.

Para os adeptos do mecanicismo, uma teoria era considerada incompleta se

somente as leis de um dado fenômeno eram obtidas, como era o caso da teoria do

eletromagnetismo. Assim, William Thomson e FitzGerald, acreditavam ser possível

extrair alguma realidade consistente da teoria eletromagnética se esta pudesse ser

obtida através de um modelo mecânico do éter, ou seja, uma teoria puramente

mecânica.

A primeira tentativa de representar a teoria eletromagnética através de um

modelo mecânico foi feita por Oliver Lodge. Em 1876, seus esforços para entender

o Treatise de Maxwell produziram seu primeiro modelo de éter que expressava a

carga e corrente maxwelliana: o modelo de cordões e contas (cords and beads). Ele

imaginou e construiu o dispositivo da Figura 3.2, em que um cabo inextensível

circula sobre as polias ABCD. O peso W corresponde a uma força eletromotriz, a

braçadeira S a um interruptor (de resistência infinita) e as oito contas tipificam

átomos de matéria. O movimento do cordão corresponde à corrente total de

Maxwell. Em um dielétrico, as contas estariam firmemente presas ao cabo, e seus

elos elásticos com os suportes rígidos eram esticados quando o cabo fosse puxado.

Este alongamento representaria o deslocamento elétrico. O excesso de cordão em A

representaria a carga positiva e a falta de cordão em B, a carga negativa. Em um

condutor, as contas poderiam deslizar sobre o cabo e, portanto, o alongamento dos

fios de suporte seria menor e desapareceria quando não houvesse corrente. O atrito

viscoso entre as contas e o cordão representaria resistência elétrica.

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144

Figura 3.2: Modelo cords and beads para o éter. Autor: Oliver Lodge

Fonte: Modern views of electricity (LODGE, 1889, p. 33)

Lodge estendeu seu dispositivo para explicar a descarga disruptiva, a carga

por indução e até a condução eletrolítica. O modelo deixou claro que a carga era uma

descontinuidade em um estado de tensão do meio e que a eletricidade não poderia

se acumular em qualquer lugar. O modelo de Lodge reforçou a metáfora de Maxwell

do fluido incompressível e sugeriu que o deslocamento elétrico era uma mudança

real de alguma substância na direção da força eletromotriz, ou seja, de que algo fluía

ao longo de correntes elétricas (DARRIGOL, 2002, p. 181).

Figura 3.3: Modelo molecular de rodas concêntricas para o éter. Autor: William

Thomson

Fonte: Koehler, Camel e Pimentel (2008, p. 13)

O modelo proposto por William Thomson em 1884 consistia de rodas

concêntricas rígidas, conectadas a outras por molas, para representar as vibrações

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145

das partículas da matéria no éter. Através desse modelo, apresentado na Figura 3.3,

William Thomson foi capaz de ilustrar o fenômeno da dispersão óptica.

Figura 3.4: Modelo para explicar o efeito magneto-óptico no éter. Autor: William

Thomson

Fonte: Koehler, Camel e Pimentel (2008, p. 14)

Entretanto, William Thomson precisava de um modelo que expressasse

corretamente o efeito magneto-óptico. Propôs então uma molécula giroscópica no

éter, com dois giroscópios alinhados, conectados por uma junta em forma de esfera

(Figura 3.4). Era possível girar o plano da onda de luz, pois essa ação só dependia

do movimento de translação, e não do movimento de rotação. Assim, a molécula

podia ter seu tamanho reduzido sem alterar sua capacidade de giro para a luz

polarizada.

FitzGerald, em 1885, reviveu o éter rotacional elástico de MacCullagh em

uma versão eletromagnética. Em 1880, ele havia formulado uma teoria

eletromagnética análoga à teoria do éter luminífero, onde a rotação do éter sólido

elástico corresponderia ao deslocamento elétrico de Maxwell e a velocidade das

correntes de éter corresponderia à força magnética. Posteriormente, elaborou um

modelo mecânico constituído de rodas e tiras de borracha (Figura 3.5), bastante

semelhante ao modelo mecânico de Maxwell, porém, não fez suposições a respeito

da movimentação do éter em seu modelo, caracterizando somente suas propriedades

magnéticas. Deixou explicito que seu modelo era meramente uma analogia, ou seja,

um modelo ilustrativo que representava uma analogia do fenômeno, oferecendo

semelhança de situações e não de coisas (FITZGERALD, 1902 apud HUNT, 1994,

p. 76). Constituído por uma série de rodas sobre eixos fixos e conectadas em pares

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146

pelas tiras, a rotação das rodas representava o campo magnético e as tiras

conduziriam o movimento de uma roda para outra. FitzGerald entendia seu modelo

como “uma representação muito promissora do éter” pela correspondência existente

entre as equações de energia do modelo e aquelas desenvolvidas por Maxwell para

representar a energia do éter. (HUNT, 1994).

Figura 3.5: Modelo wheel and bands para o éter. Autor: George FitzGerald

Fonte: Koehler, Camel e Pimentel (2008, p. 14)

FitzGerald também discutiu descargas oscilantes e intermitentes, indução

eletrostática e indução eletromagnética. Em todos os casos, o modelo reproduzia

fielmente as previsões da teoria de Maxwell. Na verdade, as equações básicas de

movimento eram as mesmas; porém, essa correspondência entre teoria e modelo só

se configurava quando as equações de Maxwell eram representadas em duas

dimensões (HUNT, 1994).

O modelo de FitzGerald forneceu uma excelente ilustração das características

centrais da teoria de Maxwell, mostrando que o deslocamento elétrico era uma

mudança de estrutura local e que a energia circulava em uma direção perpendicular

à força elétrica. No entanto, como o próprio FitzGerald enfatizou, o modelo não

representava a conexão entre éter e matéria. A matéria era necessária para "agarrar

o éter de modo a esticá-lo" e também para produzir atrações eletrostáticas, já que a

expressão para a tensão das bandas de borracha era linear ao invés de quadrática

(DARRIGOL, 2002, p. 187).

Posteriormente, ele propôs um modelo de rodas propulsoras ou roda de pás

(paddle-wheel) para três dimensões. FitzGerald sabia das limitações dos modelos e

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147

sempre deixou claro que estes eram meramente uma analogia. Em suas propostas, a

conexão existente entre o éter e a matéria ocorria através dos movimentos de vórtice

em um plenum. Ele se recusava a admitir a possibilidade de um éter sólido-elástico,

pois este o impedia de explicar a rotação magneto-óptica: “as propriedades de uma

geleia impedem nossa hipótese de rotação contínua de seus elementos” (HARMAN,

1995, p. 99).

Também no ano de 1885, William Mitchinson Hicks (1850 – 1934) publicou a

primeira teoria de éter de esponja de vórtices, descrevendo um modelo no qual as

ondas poderiam ser transmitidas através de um fluido incompressível possuindo

estreitos anéis de vórtice. Macroscopicamente, o meio se comportava como um

fluido, admitindo átomos de vórtice que, agregados a anéis de vórtice menores,

seriam responsáveis pela propagação das ondas transversais. A teoria do éter de

esponja já havia sido proposta por FitzGerald logo em seguida ao modelo de wheel

and bands. Em sua teoria, a matéria consistia em uma estrutura de anéis de vórtices

fechados, e o éter, em um enorme emaranhado de filamentos de vórtice esticando-se

por todo o espaço. Os giros e ondas nos filamentos de vórtice propagavam as forças

eletromagnéticas (KRAGH, 2002, p. 50).

Em 1889, William Thomson descobriu que a esponja de vórtice de FitzGerald

seria instável e que somente vórtices cujos centros fossem vazios se manteriam.

Elaborou, então, um modelo de éter com elasticidade rotacional, constituído por uma

estrutura celular de giroscópios minúsculos, de forma que a elasticidade rotacional

poderia ser explicada pela inércia do movimento giratório dos giroscópios

(HARMAN, 1995, p.105). Seu modelo apresentava uma treliça bidimensional de

éter consistindo de quadrados rígidos cujos cantos estavam conectados por fios

flexíveis e inextensíveis, que passavam através de polias nos cantos. Em cada

quadrado, William Thomson colocou um giroscópio. Com esse modelo ele pretendia

resolver a questão do éter elástico sujeito a distorção (previsto na teoria ondulatória

da luz e no eletromagnetismo) e a rotação magneto-óptica que necessitava de um

éter rotacional. Assim, William Thomson julgou unir esses dois pré-requisitos em

um único modelo, o chamado éter giroscópico ou lábil (Figura 3.6).

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Figura 3.6: Modelo giroscópico para o éter. Autor: William Thomson

Fonte: Koehler, Camel e Pimentel (2008, p. 15)

Figura 3.7: Modelos de engrenagens para o éter. Autor: Oliver Lodge

Fonte: Lodge (1889, fig. 36 - p. 179, fig. 37 - p. 180)

Todos os modelos mecânicos sugeridos eram bastante complexos e

apresentavam limitações. Por isso, uma questão sempre se colocava: poderia haver

uma representação mecânica simples do sistema de Maxwell que integrasse todos os

efeitos observados da matéria? Desconcertado por esse tipo de dificuldade, Oliver

Lodge confiava em que poderia desenvolver um mecanismo de campo para todos os

processos eletromagnéticos. Em 1879, ele já especulava que o éter era feito de rodas

dentadas (cogwheels) de eletricidade positiva e negativa engatadas umas nas outras,

como na Figura 3.7. A rotação das rodas positivas ou a rotação inversa das negativas

representava a força magnética, e sua tensão elástica correspondia ao deslocamento

elétrico, como no modelo mecânico de Maxwell. A inovação de Lodge foi a

introdução de duas eletricidades, o que ele acreditava ser necessário para explicar o

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149

duplo movimento eletrolítico e a falta de um momento intrínseco da corrente elétrica,

entre outras coisas.

Dez anos depois, ele publicou uma versão aprimorada desse modelo em sua

obra Modem views of electricity de 1889. Adotando a noção de FitzGerald de condução

como deslizamento nas conexões mecânicas, ele substituiu as rodas dentadas por

rodas suaves dentro dos condutores (Figura 3.8). Suas representações dos processos

básicos referentes ao campo eram semelhantes às de FitzGerald, apesar da

complicação introduzida pelos dois tipos de rodas.

Figura 3.8: Modelo de engrenagens com isolantes para o éter. Autor: Oliver Lodge

Fonte: Lodge (1889, fig. 40 - p. 189)

Infelizmente, Oliver Lodge multiplicou os modelos sem indicar claramente

seus limites e relações. Somente para o capacitor, ele ofereceu três modelos

diferentes: o de cordões e contas (cords and beads), um dispositivo hidropneumático

e o de cogwheels (rodas dentadas). Embora tivesse a ambição de cobrir todo o campo

da eletricidade e do magnetismo com um único modelo consistente, ele acabou

ilustrando vários fenômenos por uma variedade de modelos incompatíveis. Sua obra

Modem views of electricity levou Duhem à famosa declaração:

Aqui está um livro destinado a expor as teorias modernas das eletricidades de

forma a delinear uma nova teoria. Nela não há mais que cordas que se movem

por polias, enrolados em tambores, passando por contas e sustentando pesos; e

tubos de bombeamento de água enquanto outros se distendem e contraem;

rodas que se engatam formando pinhões para cremalheiras. Pensávamos que

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150

estávamos entrando na tranquila e ordenada morada da razão, mas nos

encontramos em uma fábrica.171 (DUHEM, 1991)

O último e mais ousado modelo de éter britânico que surgiu para explicar a

interação entre éter e matéria foi apresentado por Larmor em 1893, no artigo A dynamical

theory of the electric and luminiferous medium 172. Neste, Larmor (1894) assume que é

possível representar o éter como um meio fluido e homogêneo, na condição de que ele, o

éter, fosse dotado de elasticidade rotacional latente, e esta condição somente se faria notar

quando um dos elementos do meio etéreo sofresse um deslocamento. Em outras palavras,

seu modelo de éter poderia ser representado sempre como um meio fluido homogêneo,

exceto se ele fosse submetido à distorção elástica. O éter de Larmor teria as propriedades

necessárias para ser o meio capaz de permitir a propagação das ondas transversais: era

um puro continuum com elasticidade, inércia e permitindo a continuidade do movimento

como suas únicas propriedades últimas e fundamentais (HARMAN, 1995, p. 102).

Em seu modelo, Larmor utilizou a versão de FitzGerald para o éter rotacional

elástico de MacCullagh, aliada à teoria dos átomos de vórtice e a representação da

elasticidade do meio etéreo pela rotação de giroscópios de William Thomson. Embora

diferisse drasticamente de qualquer material já considerado no estudo de corpos elásticos,

o meio de MacCullagh concordava com as condições-limite exigidas pelas leis de

reflexão e refração de Fresnel: suas equações de movimento obedeciam ao princípio de

Hamilton e, adequadamente interpretadas, reproduziam as equações de Maxwell na

ausência de fontes (DARRIGOL, 2002, p. 190, 334).

Como a matéria era considerada como uma estrutura de vórtice em um éter fluido

e homogêneo, para Larmor, a “matéria pode ser e provavelmente é uma estrutura no

éter, porém o éter não é uma estrutura feita de matéria” (LARMOR,1894). Seu

modelo era meramente uma representação: não tinha outras pretensões que não

fossem ilustrativas e heurísticas. Larmor ressaltava o valor do formalismo

lagrangeano da dinâmica que permitia que os detalhes do mecanismo fossem

171 Here is a book intended to expound the modern theories of electricities and to outline a new theory. In

it there are nothing but strings running over pulleys, wrapping around drums, going through beads, and carrying weights; and tubes pumping water while others swell and contract; wheels gearing each another and forming opinions for racks. We thought we were entering the tranquil and neatly ordered abode of reason, but we find ourselves in a factory. (DUHEM, 1991)

172 Abstract recebido e publicado em dezembro de 1873 e posteriormente revisado e ampliado em junho de 1894.

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151

ignorados. Sua teoria estava baseada em uma função analítica especificando a

distribuição de energia no campo.

A unidade fundamental da matéria seria dotada de carga elétrica e consistia no

centro de deformação (strain) rotacional no éter. Essa unidade de matéria foi chamada

por Larmor de elétron.173 Os elétrons seriam as únicas singularidades existentes no fluido

homogêneo174. Importante observar que a introdução dos “elétrons” no éter de Larmor

visavam unicamente explicar fenômenos ópticos e eletromagnéticos. Posteriormente

Larmor considerou que os elétrons se moviam livremente em seu éter.

A teoria de Larmor iniciou-se com A dynamical theory of the electric and

luminiferous medium em 1893 e posteriormente mais duas partes foram agregadas:

Theory of electrons em 1895 e Relations with material media em 1897. Esse

conjunto de artigos deu corpo à obra Aether and matter de 1900. Nesta última,

Larmor sofreu severas críticas de FitzGerald, principalmente no que se refere à

questão da condutividade do seu éter. As várias tentativas para solucionar esta

situação trouxeram novos problemas. Finalmente, Larmor percebeu que a carga

elétrica que havia sido espalhada sobre a superfície dos anéis de vórtice poderia ser

colocada em focos pontuais de deformação rotacional, e estes forneceriam para o

campo, exatamente o comportamento que FitzGerald havia solicitado. Larmor

observou que essas mônadas carregadas, como ele inicialmente as chamou,

pareciam promissoras para outras complicações que existiam em sua teoria.

Posteriormente ele considerou a teoria de anéis de vórtice obsoleta e apresentou um

desenvolvimento onde os elétrons se moviam livremente no lugar de anéis de vórtice

(HUNT, 1994).

Larmor passou então a considerar as propriedades elétricas e magnéticas que

se apresentavam macroscopicamente na matéria como consequências de uma

subestrutura intrínseca, microscópica. Assim, Larmor resolvia o problema da relação

entre éter e matéria na propagação da ação no campo e a relação entre as

propriedades do éter e o campo eletromagnético. A ação no campo era propagada

173 O termo elétron foi sugerido por Stoney em 1894 através de Fitzgerald, para significar uma singularidade

no éter eletromagnético. 174 De acordo com a teoria do elétron da matéria, átomos eram representados por uma agregação de

elétrons descrevendo órbitas estáveis ao redor de cada outra. Os elétrons eram núcleos de deformação rotacional no éter, tendo uma permanente existência no éter do mesmo modo que um anel de vórtice tinha estabilidade em um fluido perfeito.

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152

pelo éter elástico rotacional (continuum) e a interação entre éter e matéria era

explicada pela teoria da matéria como centro de deformação rotacional no éter.

Ao escrever Aether and matter, Larmor forneceu uma explicação da sua

teoria do elétron, na qual só havia poucos traços da teoria de vórtice que lhe deu

origem. Ele ainda sugeriu que a teoria do elétron poderia ser vista como uma versão

mais satisfatória da teoria do átomo de vórtice:

[...] a ilustração do átomo do vórtice na constituição da matéria, já exerceu

muito fascínio sobre as grandes autoridades da física molecular. [...] o

átomo da matéria possui todas as propriedades dinâmicas de um anel de

vórtice em um fluido sem atrito, de forma que tudo o que pode ser feito no

domínio da ilustração do anel de vórtice está implicitamente ligado ao

esquema atual. 175 (LARMOR, 1900, p. 165-6)

Conforme Camel ressalta,

[...] o termo ilustração na citação de Larmor ao se referir ao anel de vórtice

ao qual o átomo de matéria corresponde e, portanto, ao elétron, centro de

deformação rotacional no éter. Em termos de constituição, as duas teorias

são semelhantes, pois para ambas o éter era fundamental. (CAMEL, 2004)

A teoria de Larmor foi uma teoria dinâmica do campo em que as propriedades

fundamentais do éter eram inércia e elasticidade. As propriedades eletromagnéticas

do campo eram explicadas pelos centros de deformação rotacional no continuum

etéreo – os elétrons – com propriedades fundamentais de inércia e elasticidade.

Ao final da década de 1890, era possível encontrar uma variedade de

interpretações para o conceito de campo. Entretanto, a formulação proposta por Lorentz

elaborou uma Física unificada fundamentada em conceitos puramente eletromagnéticos.

Em 1892, H. Lorentz postulou a existência de partículas carregadas nos corpos

materiais na primeira versão de sua teoria do éter-elétron. Ambas as teorias, de

Larmor e de Lorentz, aliadas aos inúmeros experimentos sobre os raios catódicos176,

175 “[…] the vortex-atom illustration of the constitution of matter, which has exercised much fascination over

high authorities on molecular physics.."[...] "..the atom of matter possesses all the dynamical properties of a vortex ring in a frictionless fluid, so that everything that can be done in the domain of vortex-ring illustration is implicitly attached to the present scheme.” (LARMOR, 1900, p. 165-6)

176 Estes já vinham sendo mais profundamente estudados a partir da década de 1860. A partir de 1870, W.

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153

culminaram na detecção das partículas carregadas – elétrons de matéria – por

J. J. Thomson, em 1897 (CAMEL, 2004).

A teoria de Lorentz forneceu a necessária explicação da ausência da detecção do

vento de éter, nos vários experimentos desenvolvidos por Michelson e Morley na década

de 1880.

Lorentz supôs que, quando a matéria era atravessada pelo vento de éter, ela

sofreria uma contração em seu comprimento, o que explicaria o resultado negativo no

experimento de Michelson-Morley. Para tal, Lorentz e FitzGerald se utilizaram de um

resultado teórico que Oliver Heaviside (1889) havia obtido para uma carga elétrica que

se deslocava em alta velocidade. Por estar próxima à velocidade da luz, o campo elétrico

desta carga assumiria a forma de um elipsoide (elipsoide de Heaviside) cuja dimensão se

reduz no sentido do movimento por um fator. Eles observaram que o interferômetro se

utilizava de uma fonte luminosa para detectar o vento de éter e, portanto, isso significaria

que os braços do interferômetro estavam sendo atravessados por uma onda que se

propagava com a velocidade da luz. Logo, corpos em movimento através do éter

experimentariam uma contração espacial na direção do vento de éter177 e, portanto, o

braço do interferômetro deveria se contrair durante a passagem da onda luminosa. Para

eles, a existência do éter era inquestionável, e somente essa condição poderia explicar o

efeito nulo dos experimentos de Michelson e Morley. Baseando-se na contração da

matéria atravessada pelo vento de éter, uma nova verificação foi feita e a configuração

do experimento foi alterada por Michelson, de forma a atender às sugestões de Lorentz e

FitzGerald. Entretanto, a nova etapa de medidas realizadas com o interferômetro de

braços não simétricos também forneceu um resultado nulo (HARMAN, 1982).

É relevante observar que, ao logo da década de 1890, todas as novas observações

no campo da Física apontavam no sentido de demonstrar a existência do éter

eletromagnético onde as ondas eletromagnéticas se propagavam. Entretanto, a

verificação da existência de raios extraordinários por Wilhelm Conrad Röntgen

(1845 – 1923), em 1895, causou surpresa no meio científico. W. Röntgen parecia ter

encontrado um novo tipo de radiação que tornava possível ver através de objetos sólidos.

Poucos meses após sua descoberta, os raios misteriosos de W. Röntgen, os raios X, já

estavam sendo utilizados na área médica. A descoberta dos raios X suscitou quase

Crookes e Cromwell Varley se dedicaram ao estudo dessas emissões que foram nomeadas “raios catódicos” (MOREIRA, 1997).

177 Este resultado ficou conhecido como “Contração Lorentz-FitzGerald”

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154

instantaneamente um grande número de trabalhos na Academia das Ciências de Paris, e

foi a principal motivação para o trabalho inicial de Antoine Henri Becquerel (1852 –

1908). Nesse sentido, destaca-se, em particular, a hipótese levantada por Henri Poincaré

(1896), de que havia uma relação entre a emissão dos raios X e a fluorescência do vidro

de que era feito o tubo de raios X. Em suas próprias palavras:

Portanto, é o vidro que emite os raios de Röntgen, e ele se torna fluorescente

ao emiti-los. Podemos nos perguntar se todos os corpos que possuem uma

fluorescência suficientemente intensa não emitiriam os raios X de Röntgen,

além de raios luminosos, seja qual for a causa de sua fluorescência. Nesse caso,

o fenômeno não estaria associado a uma causa elétrica. Isso não é muito

provável, mas é possível, e sem dúvida é fácil de verificar. (POINCARÉ, 1896,

apud MARTINS, 2004, p. 503)

Becquerel acreditava que a radiação encontrada por ele era uma onda

eletromagnética semelhante à luz, pois se refletia e refratava, e certamente se propagava

no éter. Ao estudar os sais de urânio, observou que todos os compostos de urânio emitiam

a mesma radiação invisível (BECQUEREL, 1896). Seria natural então que ele

pesquisasse a existência de outros elementos que emitissem radiações semelhantes, mas

Becquerel não o fez, por acreditar que o fenômeno era restrito apenas ao urânio. Após

esse trabalho ele pareceu se desinteressar e abandonou esse estudo (MARTINS, 2004, p.

510).

No início de 1898, dois pesquisadores, independentemente, tiveram a ideia de

tentar localizar outros materiais, diferentes do urânio, que emitissem radiações do mesmo

tipo. A busca foi feita, na Alemanha, por Gerhard Carl Schmidt (1865 – 1949) e, na

França, por Marie Skłodowska Curie (1867 – 1934). Em abril de 1898, ambos publicaram

a descoberta de que o tório emitia radiações, como o urânio. O método de estudo de Marie

Curie, utilizava uma câmara de ionização178 onde, ao se colocar o material emissor de

radiação entre duas placas eletrizadas, era possível se observar uma corrente elétrica

produzida entre as placas. Esse método de estudos era mais seguro do que o uso de chapas

fotográficas, já que estas poderiam ser afetadas por muitos tipos de influências diferentes

(MORUS, 2007).

Marie Curie (1899) notou que todos os minerais de urânio e de tório emitiam

radiações e observou um fato estranho:

178 Tanto o método quanto o equipamento foram desenvolvidos por Pierre Curie.

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155

Após os trabalhos do Sr. Becquerel, era natural perguntar se o urânio é o único

metal que desfruta de propriedades tão particulares. O Sr. Schmidt estudou sob

esse ponto de vista um grande número de elementos e de seus compostos; ele

encontrou que os compostos do tório são os únicos dotados de uma propriedade

semelhante. Fiz um estudo do mesmo tipo, examinando compostos de quase

todos os corpos simples atualmente conhecidos [...]; cheguei ao mesmo

resultado que o Sr. Schmidt179. (CURIE, 1899, p. 41-42 apud MARTINS,

2003, p. 35)

A descoberta do efeito produzido pelo tório deu novo impulso à pesquisa dos

“raios de Becquerel”. Agora, percebia-se que esse fenômeno não estava restrito apenas

ao urânio. Marie Curie é quem deu a esse fenômeno o nome “radioatividade”:

Chamarei de radioativas as substâncias que emitem raios de Becquerel. O

nome de hiperfosforescência que foi proposto para o fenômeno, parece-me dar

uma falsa ideia de sua natureza. (CURIE, 1899 apud MARTINS, 2004, p. 511)

Vê-se que Marie Curie estava consciente de que se tratava de um fenômeno muito

mais geral. A radioatividade revelou um novo mundo repleto de energia, armazenada na

matéria supostamente contínua – o éter –, e abriu uma nova perspectiva na Física

fornecendo uma pista para a estrutura subjacente da matéria.

Ao final do século XIX, Lorentz havia proposto uma visão eletromagnética de

mundo. Larmor ratificou sua ideia ao desenvolver um éter não material e Wilhelm Wien

consolidou a visão eletromagnética de mundo apoiando-se nos trabalhos desses dois

cientistas. Os conceitos unificadores, éter e energia, foram fundamentais para descrever,

nas últimas décadas do século XIX, desde a observação dos raios catódicos por Sir

Willian Crookes até a eletrodinâmica construída por Oliver Heaviside, George

FitzGerald, Oliver Lodge, J. J. Thomson, Joseph Larmor e Hendrik Lorentz.

Esse núcleo de cientistas, que gerou essa nova “visão de mundo”, introduziu

mudanças radicais na análise formal e experimental dos problemas: o universo deixou

de ser entendido em termos de forças que agiam à distância entre partículas que se

moviam no espaço vazio, para ser um universo permeado por uma substância imaterial

contínua, atrelada a uma qualidade denominada energia.

179 Gerhard C. Schmidt (1865 –1949), químico alemão, descobriu que o tório era radioativo.

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156

3.4 A Cultura da Física como uma forma de pensar o Espiritualismo

Segundo Harman (1982), a criação de uma Física unificada sob os conceitos de

éter e energia só foi possível pela existência de quatro situações que se configuraram até

a primeira metade do século XIX:

1ª - a formulação de uma teoria matemática de “forças interpartículas”, para ser

aplicada aos fenômenos mecânicos, térmicos e ópticos realizada por Laplace e seus

seguidores. Embora esta teoria tenha ficado defasada ao longo dos anos de 1815 – 1825,

pelo surgimento de novos comportamentos nesses sistemas, a ênfase de Laplace na

matematização dos fenômenos teve um papel importante no desenvolvimento

subsequente das teorias físicas.

2ª - a publicação do trabalho de Joseph Fourier em 1822, colocando o estudo do

calor no âmbito da análise matemática que, previamente, era aplicada somente aos

problemas mecânicos. Ao forçar uma distinção entre a representação matemática e a

representação física, o trabalho de Fourier teve implicações profundas na criação de uma

Física unificada. Na década de 1840, influenciado pela analogia matemática entre a teoria

do calor de Fourier e a teoria da eletrostática, William Thomson explorou as analogias

matemáticas e físicas entre as leis do calor e a eletricidade, e também entre a mecânica

das partículas, fluidos e meios elásticos. O uso que William Thomson fez do método da

analogia física enfatizou a unidade dos fenômenos da física.

3ª - a teoria ondulatória da luz desenvolvida por A. J. Fresnel, que supôs que a luz

se propagava pelas vibrações de um éter mecânico, colocou a óptica no âmbito da visão

mecânica de natureza. Na década de 1830, com a teoria ondulatória da luz consolidada

pela comunidade científica, os físicos desenvolveram uma variedade de teorias na

tentativa de fornecer uma explicação mecânica coerente para a óptica. A teoria mecânica

para o éter óptico tornou-se um paradigma para o programa mecanicista.

4ª - a formulação da lei da conservação da energia, na década de 1840, enfatizou

a unidade da Física, subordinando os fenômenos de calor, luz, eletricidade e magnetismo

ao programa mecânico.

Em 1850, a lei da conservação de energia havia fornecido uma nova estrutura para

a teoria física baseada na ideia mecânica de natureza, que supunha as partículas da

matéria em movimento no éter como sendo a base para a teoria física. Nessa mesma

década, a nova ciência da eletricidade prometia ser capaz, literalmente, de executar

maravilhas. Os comentadores e cientistas da época discursavam sobre o telégrafo elétrico

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157

e a capacidade desta inovação enviar sinais rapidamente, cobrindo vastas distâncias. A

esse respeito, Wynter escreve no Quarterly Review:

[...] o telégrafo elétrico seria um espírito como Ariel a levar nosso pensamento

com a velocidade do pensamento às extremidades mais longínquas da Terra. 180

(WYNTER, 1854, p. 119)

Apesar da previsão feita por Joule sobre o fato da eletricidade nunca poder

substituir o vapor, por questões econômicas, os observadores populares permaneceram

otimistas quanto à possibilidade de o poder desencadeado pela eletricidade fornecer a

chave para a expansão econômica e progresso ilimitados. Audiências públicas e

exposições serviam para que o público testemunhasse exemplos das maravilhas que a

eletricidade conseguia operar. Em um mundo onde as potencialidades da ciência e da

tecnologia pareciam ilimitadas, a eletricidade parecia ser a chave que desvendaria vários

fenômenos da natureza. Ela oferecia a promessa de uma comunicação sem fios, curas

milagrosas para doenças e até uma forma de se comunicar com os mortos.

Era nesse clima de novidades tecnológicas que os experimentalistas tentavam

entender, desde 1860, uma estranha incandescência produzida pela passagem de correntes

elétricas através de tubos parcialmente evacuados. Em 1870, William Crookes supôs que

as descargas representavam um quarto estado de matéria, além dos tradicionais estados

sólido, líquido e gasoso. Vários experimentos foram realizados e mostraram que a análise

das descargas prometia uma nova forma de identificar os elementos químicos presentes

no tubo. Uma outra experiência revelou que a presença de um campo magnético mudava

a forma e até mesmo a direção dos estranhos raios catódicos, como eles foram

posteriormente chamados.

A descoberta e a investigação desses “raios misteriosos181” a partir da segunda

metade do século XIX cumpriram um papel essencial na transformação da Física. Neste

novo território, a ciência buscava, nos conceitos sobre os imateriais, as possibilidades de

correlação, conservação e conversão de forças como meio de redefinir e reafirmar a

importância da Física, tanto como exercício intelectual quanto como exercício prático e,

consequentemente, econômico. Com base nos experimentos, os físicos mostravam como

180 “a spirit like Ariel to carry our thought with the speed of thought to the uttermost ends of the earth.”

(WYNTER, 1854, p. 119) 181 A pesquisa por novos “raios” atingiu seu auge entre 1875 e 1912. Ver Kragh (2002, p. 37, Tabela 3.1).

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158

a natureza poderia ser posta em prática, administrando o processo de tornar os poderes da

natureza parte da força de trabalho. A tecnologia de laboratório foi usada para tornar

visível essa ciência do imaterial, pesquisando sobre os modos como a natureza se

comportava e estabelecendo vínculos seguros entre a natureza e o progresso na sociedade.

Nessa perspectiva, era evidente que os físicos desempenhavam um papel central, não

somente na explicação da natureza, mas posicionando suas teorias firmemente no centro

do palco cultural (MORUS, 2005, p. 77).

Percebendo que o comportamento da natureza poderia ser descrito através de leis

universais, os conceitos científicos se popularizaram e passaram a ser entendidos como

aplicáveis a todas as áreas, desde o corpo humano às relações sociais e à economia.

Assim, a imaterialidade não só forneceu uma maneira de entender o que parecia ser

inconsistente na Física, mas também induziu a sugestão de que as áreas social e

econômica poderiam ser governadas pelas mesmas forças182 (MYERS, 1985, p. 36).

Paradoxalmente, ao se tornarem mais científicas, as teorias do éter pareciam poder

fornecer formas de especular sobre conceitos sobrenaturais ou místicos. A Europa e a

América do final do século XIX viram uma onda de interesse nos fenômenos

espiritualistas. Enquanto alguns cientistas descartaram a veracidade dos fenômenos,

outros argumentaram que estes necessitavam uma investigação científica adequada.

Assim foi estabelecida a Society for Psychical Research (SPR) no ano de 1882, tendo

como finalidade a investigação dos fenômenos e das pessoas que os produziam. Uma de

suas prerrogativas era estudar a possibilidade de que os cérebros dessas pessoas, os

médiuns, pudessem, de alguma forma, receber as mensagens transmitidas dos mortos

através do éter. Em caso afirmativo, a teoria e experimentação na eletricidade se

constituiriam nas ferramentas necessárias para se compreender e explicar os fenômenos

(MORUS, 2005, p.159).

William Crookes, um do mais proeminentes destes pesquisadores denominados

psíquicos, pôs todo o seu conhecimento em eletricidade na tentativa de elucidar fraudes

quando os médiuns reivindicavam algum feito durante as sessões espiritualistas. Crookes

entendia a matéria imponderável como sendo uma fronteira, um reino nebuloso entre

conhecido e desconhecido:

182 Greg Myers demonstra o modo como a linguagem da crítica social e moral veio permear a retórica dos

divulgadores britânicos da Física do século XIX e como a linguagem da Física passou a ser usada para a crítica social e moral.

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159

Ao estudarmos este quarto estado da matéria, parece-nos, por fim, ter a nosso

alcance e obedientes ao nosso controle, as pequenas partículas indivisíveis que,

devem constituir a base física do universo. Vemos que, em algumas de suas

propriedades, a matéria radiante é tão material quanto esta mesa, enquanto em

outras propriedades, quase assume o caráter de energia radiante. Na verdade,

tocamos a fronteira onde a Matéria e a Força parecem se fundir, o reino

nebuloso entre conhecido e desconhecido, que para mim sempre criou

tentações peculiares. Eu me atrevo a pensar que os maiores problemas

científicos do futuro encontrarão sua solução nesta fronteira e até além; aqui,

parece-me, residem as derradeiras realidades, sutis, de grande alcance,

maravilhosas.183 (CROOKES, 1923, p. 288–290)

Para a população em geral, não havia nada de estranho sobre receber as mensagens

transmitidas dos mortos, ou mesmo perceber as aparições dos entes queridos que já se

encontravam falecidos. A noção de conceitos imateriais tais como eletricidade, éter,

energia, campos eletromagnéticos e suas aplicações como, por exemplo, o telégrafo, já se

mostravam operacionais. Assim, era razoável crer que todos estes elementos

constituiriam uma maneira de comunicação com um mundo também imaterial. Após a

demonstração da existência e propagação das ondas eletromagnéticas, a comunidade

científica percebia estar no limite de inovações adicionais e maiores, procurando novas

“fronteiras” a explorarem.

Fica evidenciada a contribuição da imaterialidade como uma ferramenta muito útil

para responder às exigências das ciências físicas e de outras áreas do pensamento. Físicos

como Balfour Stewart (1828 – 1887) e P.G Tait procuraram conciliar a ciência com suas

crenças religiosas através do uso de uma linguagem científica em discussões sobre vida

após a morte em seu The unseen universe: or, physical speculations on a future state,

publicado no ano de 1875 (STEWART; TAIT, 1875).

Donald R. Benson argumenta que, ao longo da segunda metade do século XIX,

foi o conceito fictício do éter que permitiu à Física lidar com “anomalias” prementes tais

183 “In studying this Fourth state of Matter, we seem at length to have within our grasp and obedient to our

control the little indivisible particles which, with good warrant, are supposed to constitute the physical basis of the universe. We have seen that in some of its properties Radiant Matter is as material as this table, whilst in other properties it almost assumes the character of Radiant Energy. We have actually touched the border land where Matter and Force seem to merge into one another, the shadowy realm between Known and Unknown, which for me has always had peculiar temptations. I venture to think that the greatest scientific problems of the future will find their solution in this Border Land, and even beyond; here, it seems to me, lie Ultimate realities, subtle, far-reaching, wonderful.” (CROOKES, 1923, p. 288–290)

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160

como a energia radiante e a constituição básica da matéria. Discute ainda como tais

“anomalias” apontavam para uma crise geral sobre a natureza do espaço que acabou

levando ao desenvolvimento da relatividade e da mecânica quântica. No entanto, ele

relata perceber que não era apenas na Física que o conceito do éter era útil. Ele ressalva

que a matéria imponderável forneceu credibilidade científica a doutrinas como

mesmerismo, telepatia e espiritualismo:

O que todos os éteres do século XIX têm em comum é a capacidade de mediar

entre o material e o imaterial - seja o imaterial seja o vazio espacial, a

consciência humana ou o espírito sobrenatural.184 (BENSON, 1987, p.149)

Os conceitos de éter e energia se consagraram, na ciência do século XIX, como

conceitos fundamentais no desenvolvimento de teorias que explicassem a interação entre

vários tipos de fenômenos, fossem estes materiais ou imateriais. Na década de 1890, as

anomalias elencadas por Donald Benson no texto acima já haviam sido pressentidas por

William Thomson, então Lord Kelvin. Em 27 de abril de 1900, na Royal Society, ele

apresentou uma palestra amplamente divulgada, intitulada Nineteenth-century clouds

over the dynamical theory of heat and light (THOMSON, 1901), quando então discursou

longamente sobre os conceitos mais relevantes da física de sua época: éter e energia.

Assim, ao final do século XIX, os vitorianos haviam absorvido em seu cotidiano,

de uma forma generalizada, um modus operandi embasado por uma ciência constituída

pelas teorias dinâmicas e conceitos imateriais, ou seja, uma ciência do imaterial.

184 “What all ethers of the nineteenth century have in common is the ability to mediate between the material

and the immaterial - whether the immaterial be spatial emptiness, human consciousness or supernatural spirit.” (BENSON, 1987, p.149)

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161

4 PANORAMA HISTÓRICO DO ESPIRITUALISMO NO SÉCULO XIX

No século XIX, a ideia de progresso era uma das concepções mais importantes do

Ocidente, e o processo de secularização dessa ideia, iniciado de forma significativa no

século XVIII, ganhou ímpeto. O progresso estaria cada vez menos ligado a Deus,

tornando-se um processo mantido por causas exclusivamente naturais (NISBET, 1994,

p. 181). Assim os valores espirituais e religiosos, pregados pelos adeptos do

espiritualismo 185 , teriam sido continuamente abandonados em prol de um

desenvolvimento do pensamento racional e científico (HOBSBAWM, 2007). Entretanto,

essa interpretação tem sido questionada mais recentemente em estudos que se propõem

a mostrar que o sentimento religioso desempenhava um importante papel na sociedade

(SHARP, 2006; DIXON, 2008; NUMBERS, 2009).

É importante destacar, neste mesmo período, a existência de um certo clima de

reverência em relação à ciência. Não somente as descobertas científicas eram recebidas

com aclamações e ampla publicidade, mas o método científico era elogiado como o meio

mais correto e seguro de se atingir a verdade. Para o movimento espiritualista, a vontade

de estar associado à ciência era tão forte, que era muito comum encontrar na literatura

espiritualista do período (cf. OPPENHEIM, 1985, p. 199-203) expressões como “bases

científicas sólidas” e “cuidadosa pesquisa científica”. De fato, a ideia de que o método

científico deveria ser aplicado em toda e qualquer pesquisa, asseguraria que todos os

fenômenos, que surgissem em quaisquer áreas do conhecimento, seriam passíveis de

serem descritos por leis científicas. Essa concepção garantia aos espiritualistas a certeza

de que sua crença estava fundamentada em preceitos científicos, e permitia-lhes alegar

que os fenômenos espiritualistas poderiam ser comprovados pelos mesmos métodos

empíricos utilizados nas ciências físicas.

Particularmente na Inglaterra vitoriana, a tentativa dos espiritualistas de apresentar

o espiritualismo como um campo de interesse da ciência parece ter recebido algum

encorajamento por parte de alguns pesquisadores, enquanto muitos outros rejeitaram

considerar tais fenômenos como questão científica. O motivo pode estar relacionado com

o fato de os espiritualistas não compreenderem o significado de uma evidência científica

obtida através de uma rigorosa experimentação em laboratório. Apesar da divisão de

185 O espiritualismo é uma doutrina que consiste na afirmação da existência ou realidade substancial do

espírito, e de sua autonomia, diferença e preponderância em relação à matéria. Os espiritualistas são aqueles que creem na existência dos espíritos e seus fenômenos.

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opiniões na academia, vários cientistas conceituados e politicamente bastante influentes

aventuraram-se a pesquisar esse tipo de fenômeno. Parte deles converteu-se ao

espiritualismo, enquanto outros exerceram apenas o papel de pesquisadores de

fenômenos psíquicos, sem qualquer crença (FERREIRA, 2004, p. 25).

Considera-se como origem do movimento espiritualista moderno os acontecimentos

observados em 1848 na cidade de Hydesville, estado de Nova Iorque, Estados Unidos.

Segundo relatos, o lar da família Fox, situado nessa localidade, era perturbado por batidas

inexplicáveis que tiravam o sono de todos. No mês de março de 1848, Kate Fox, a filha

caçula da família, admitiu poder travar uma conversação com a suposta causa dos ruídos

através de um código onde a quantidade de batidas identificava a letra do alfabeto. As

repostas obtidas através desse código identificaram a “causa” como o “espírito” de uma

pessoa falecida, fornecendo seu nome e sua história. Como parte dos elementos principais

da história relatada pelo “espírito” através da sua intérprete, Margareth Fox, pôde ser

verificada e confirmada, a família Fox estabeleceu o que parecia ser uma forma de

comunicação entre o mundo físico e um outro desconhecido, onde estariam localizadas

as individualidades já falecidas. A notícia se espalhou velozmente, proliferando as

reuniões em torno das pessoas que se diziam capazes de intermediar a transmissão dessas

mensagens. Essas reuniões públicas, chamadas de sessões (ou séances), atraíam

multidões e eram organizadas da mesma forma que os grandes espetáculos teatrais.

O novo movimento espiritualista cruzou o Atlântico, chegando à Europa por volta

de 1852. Na França ele ganhou a expressão de uma doutrina filosófico-científica

denominada espiritismo186, cujas bases doutrinárias pregavam a reencarnação como

consequência do conceito de causa e efeito187. Seu criador, Hippolyte Leon Denizard

Rivail, discípulo do célebre Johann Pestalozzi, era um pedagogo francês, fluente em

diversos idiomas, autor de livros didáticos e adepto da aplicação do método de

investigação científica a qualquer novo fenômeno que surgisse. Hippolyte Rivail

imortalizou-se adotando o pseudônimo de Allan Kardec e, em sua obra, cunhou o termo

espírita188 entre outros.

A Inglaterra não acolheu o espiritismo e seus dogmas doutrinários. O

186 O espiritismo é uma doutrina de cunho filosófico-religioso voltada para o aperfeiçoamento moral do

homem por meio de ensinamentos transmitidos por espíritos desencarnados que se comunicam com os vivos através de médiuns.

187 Significa que para toda ação tomada pelo homem, este pode esperar uma reação. Caso haja praticado o mal, então receberá de volta um mal em intensidade equivalente ao mal causado. Semelhante ao conceito de KARMA.

188 Pessoa praticante do espiritismo.

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163

espiritualismo inglês acreditava que, após a vida na Terra, o homem passaria a

viver no mundo dos espíritos e jamais tornaria a ocupar um corpo material, ou

seja, não reencarnaria. Também, de forma contrária ao espiritismo, não acreditava

na transmigração das almas, pois continuava influenciado pela convicção de que

a espécie humana ocupava uma posição única na natureza (FERREIRA, 2004, p.

22).

O panorama apresentado neste capítulo inicia-se a partir dos relatos e concepções

desenvolvidas no final do século XVIII quando, no ano de 1779, Franz Anton Mesmer189

defendeu a existência de uma matéria sutil, um “fluido universal” de natureza magnética,

que se espalharia por todo o Universo e o interligaria com todos os seres. Esse fluido

seria o princípio vital ou magnetismo animal, a causa da vitalidade orgânica e o princípio

que mantém e recupera a saúde. Sobre este assunto, encontra-se na literatura espiritualista

do final do século XVII ao do XIX, vários estudos sobre o sonambulismo magnético.

Entre eles figuram os trabalhos de Amand-Marie-Jacques de Chastenet (1751 – 1825),

conhecido como Marquês de Puységur190, do médico e naturalista William Benjamin

Carpenter 191 (1813 – 1885) e do médico cirurgião James Braid, criador da hipnose

científica (GAULD, 1992).

Reconhece-se que esse recorte temporal é limitado ao se considerar os vários

relatos (v. THORNDIKE, 1951) sobre a hipótese espiritual existentes em séculos

anteriores. No entanto, aliado a um sucinto panorama dos debates acerca dos fenômenos

psíquicos, nos quais estavam inseridos alguns dos principais pesquisadores das ciências

físicas, esse recorte oferece um significativo contexto histórico do período proposto no

trabalho.

189 Médico alemão Formado em Medicina pela Universidade de Ingolstadt, Viena. Segundo o psiquiatra

canadense Henri F. Ellenberger, ele tinha como objetivo principal analisar as causas desses fenômenos para a compreender a mente, seus transtornos e a própria natureza humana. Em seu entendimento, a era moderna da cura psicológica foi inaugurada por Mesmer e suas investigações sobre o magnetismo animal. Ele afirma que embora a prática terapêutica de Mesmer tenha se preocupado principalmente com a cura física do indivíduo, ela forneceu a psicólogos e psiquiatras, ainda que indiretamente, uma nova abordagem da mente ao tornar o médium um objeto de pesquisa (ELLENBERGER, 1970, p. 85). O psiquiatra e psicoterapeuta Adam Crabtree, autor de uma extensa obra sobre mesmerismo, alega que qualquer investigação que tenha por objeto o estado alterado de consciência teve sua origem no estudo do sonambulismo e do espiritualismo, um legado de Mesmer e seus seguidores (CRABTREE, 1993). Adam Crabtree é psicoterapeuta especializado em dissociação de personalidade e outras desordens de personalidade. É diretor do programa de psiquiatria do centro LingYu em Toronto.

190 Era um magnetizador francês, aristocrata, proveniente de uma das famílias mais ilustres da nobreza francesa. É lembrado como um dos fundadores do hipnotismo pré-científico (mesmerismo ou magnetismo animal).

191 Um dos principais estudiosos a cogitar a existência de mecanismos inconscientes na mente humana (CRABTREE, 1993, p. 254-256; OPPENHEIM, 1985, p. 247-249)

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164

4.1 Pré História do Espiritualismo: Mesmer e o Magnetismo Animal

Franz Anton Mesmer completou seus estudos de medicina em Viena, no ano de

1766, com uma dissertação sobre a influência dos planetas nas doenças humanas. Em

1768, ao desposar uma nobre e rica viúva, mudou-se para uma grande propriedade,

localizada nos arredores de Viena. Foi nesse local onde mais experimentou sua técnica

de cura, era ali que "internava" os pacientes mais graves. Foi nos jardins dessa

propriedade que recepcionou membros da sociedade vienense para assistir à peça Bastien

und Bastienne, do jovem músico Wolfgang Amadeus Mozart.

Durante os anos 1773 e 1774, Mesmer tratou em sua própria casa uma paciente

de sete anos de idade, Fraulein Oesterlin, que sofria com pelo menos quinze sintomas

aparentemente graves. Ele estudou a periodicidade de suas crises e conseguiu prever sua

recorrência. Como havia recentemente sabido que alguns médicos ingleses estavam

tratando certas doenças com ímãs, ocorreu a Mesmer fazer o mesmo. Ele ofereceu à sua

paciente uma preparação contendo ferro e prendeu três ímãs em seu corpo, colocando um

sobre o estômago e os outros dois nas pernas. Logo após a ingestão da preparação, a

paciente relatou que começou a sentir um extraordinário fluxo de um fluido misterioso

circulando pelo seu corpo e suas crises desapareceram por várias horas. Mesmer entendeu

que esse efeito benéfico sobre a paciente não poderia ter sido causado apenas pelos ímãs,

mas que deveria ter sido emanado por um outro agente que, no seu entender, era

essencialmente diferente, isto é, que o fluxo magnético relatado por sua paciente havia

sido produzido por um fluido acumulado em sua própria pessoa. Mesmer o denominou

de magnetismo animal e concluiu que o ímã era apenas um meio auxiliar para reforçar e

dar uma direção ao fluxo do magnetismo animal. Mesmer tinha quarenta anos quando

fez essa descoberta e dedicou o resto de sua vida à elaboração de sua teoria para

apresentá-la ao mundo (ELLENBERGER, 1970).

No final do ano de 1777, dez anos após ver sua teoria silenciada e sua prática

censurada, Mesmer deixou Viena, chegando a Paris em fevereiro de 1778. A atmosfera

que Mesmer encontrou em Paris era bastante diferente da que ele deixara em Viena.

Enquanto o Império austríaco era um estado estável com um governo enérgico, uma

administração proficiente, uma polícia vigilante, Paris se encontrava sob os cuidados de

uma monarquia frágil, instável e com uma situação financeira difícil. Em uma guerra

desastrosa contra a Inglaterra, a França perdeu a Índia e o Canadá e, talvez por sentimento

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de vingança, o povo francês estava muito entusiasmado com a Guerra da Independência

Americana. Havia, especialmente em Paris, uma tendência geral para a histeria em massa

(ELLENBERGER, 1970).

Assim que se estabeleceu em Paris, Mesmer anunciou à classe médica sua ideia

sobre a existência de um fluido etéreo no universo que penetrava e cercava todos os

corpos. Ele sustentava a concepção de que a doença seria gerada no corpo físico por um

obstáculo que criava um impedimento à circulação desse fluido pelo corpo. Para resolver

esse problema, ele informou ter desenvolvido uma terapia, posteriormente conhecida

como mesmerismo ou magnetismo animal, na qual o fluido seria controlado e fortalecido

através da aplicação de sua técnica. As aplicações se realizavam em sessões particulares

ou mesmo públicas, e ficaram conhecidas por “sessões de mesmerização”. O indivíduo

que aplicava a técnica era reconhecido por ser o magnetizador. Segundo Mesmer, o

magnetizador era o indivíduo responsável por transmitir o fluido através da imposição

das mãos ou por meio de massagens no corpo do paciente para a superação do obstáculo

(MESMER, 1779, p. 304-312). O tratamento muitas vezes induzia uma “crise”,

frequentemente sob a forma de convulsões, vista por Mesmer como salutar ao tratamento,

cujo objetivo era restaurar a saúde ou a “harmonia” do homem com a natureza

(DARNTON, 1988, p. 14).

Em seu trabalho (MESMER, 1779), ele disse que essa viagem a Paris deveria ter

sido uma viagem curta, de descanso, porém que os ânimos franceses, tão curiosos por

conhecer os princípios do magnetismo animal, fizeram com que ele retomasse sua prática

em Paris:

As circunstâncias forçaram-me também a escrever esse trabalho. Mas, dizem

atualmente: em que consiste essa descoberta? Como o senhor chegou a ela?

Quais ideias podem se valer dessas vantagens? E por que o senhor não

enriqueceu os seus concidadãos com tal feito? Tais são as perguntas que me

são feitas, desde minha chegada a Paris, pelas pessoas mais capazes de se

aprofundar numa nova questão. Para respondê-las de uma maneira satisfatória

e dar uma ideia geral do sistema proposto, para desembaraçá-lo dos erros a que

foi envolvido e fazer conhecer as contrariedades que se opõem à sua

publicidade, publico esse relato. Apenas mais adiante, no decorrer da teoria

que apresentarei, é que as circunstâncias me permitirão indicar as regras

práticas do método que anuncio. É sob esse ponto de vista que peço ao leitor

para considerar essa pequena obra, estou ciente de que ela oferecerá muitas

dificuldades; e é necessário saber que tais dificuldades não são suscetíveis de

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aplainamento por nenhum tipo de raciocínio sem que se faça uso da

experiência. O trabalho apenas dissipará as nuvens e colocará em seu lugar

essa importante verdade: que A NATUREZA OFERECE UM MEIO

UNIVERSAL DE CURA E DE PRESERVAÇÃO DOS HOMENS. 192

(MESMER, 1779, p. IV-VI)

Durante esse tempo, ele conheceu médicos e filósofos da corte francesa e contou

a eles sobre os casos que ele havia tratado e seus métodos de cura. Fazia uso das

concepções de Hipócrates de que o corpo humano era preenchido por líquidos

regulatórios, os humores. Para Mesmer havia cinco humores corporais, um a mais que os

quatro concebidos por Hipócrates: o sangue, a bílis amarela, a fleuma, a bílis negra

(também chamada de melancolia) e o magnetismo animal. Esse humor, assim como os

demais, deveria percorrer de forma regular todo o corpo humano para que se mantivesse

o equilíbrio orgânico. Portanto, um corpo doente seria aquele no qual o movimento dos

fluidos encontrava-se interrompido, ou eles estavam concentrados em determinadas áreas

do corpo. Mesmer fazia fluir novamente o magnetismo animal no corpo do paciente,

sentando-se à sua frente e tocando em seus joelhos, mãos e tórax, olhando fixamente

dentro de seus olhos. Nas sessões coletivas, ele utilizava um aparato denominado “cuba

magnética”, que consistia em uma espécie de banheira redonda onde ficava contida a

água magnetizada. Nas bordas desse tanque havia uma porção de hastes de ferro,

utilizadas pelos pacientes para tocar a região do corpo onde doía, supostamente onde o

magnetismo animal estaria concentrado. Depois os pacientes davam as mãos, fechava-se

o círculo e, com isso, o magnetismo circulava entre todos os presentes (Figura 4.1).

192 Mais, dit on auj aujourd'hui en quoi consiste cette découverte? - comment y êtes-vous parvenu? - quelles

idées peut-on se faire de ses avantages ? - e pourquoi n'en avez-vous pas enrichi vos concitoyens ? Telles font les questions qui m'ont été faites depuis mon séjour à Paris par les personnes les plus capables d'approfondir une question nouvelle. C'est pour y répondre d'une manière satisfaisante, donner une idée générale du systême que je propose le dégager des erreurs dont il a été enveloppé, & faire connaître les contrariétés qui se sont opposées à sa publicité, que je publie ce Mémoire: il n'est que l'avant-coureur d'une théorie que je donnerai, dès que les circonstances me permettront d'indiquer les règles pratiques de la méthode que j'annonce. C'est sous ce point de vue, que je prie le Lecteur de considérer ce petit Ouvrage. Je ne me dissimule pas qu'il offrira bien des difficultés mais il est nécessaire de favoir, qu'elles font de nature à nêtre applanies par aucun raifonnement, sans le concours de l'expérience: elle seule dissipera les nuages & placera dans son jour cette importante vérité que LA NATURE OFFRE UN MOYEN UNIVERSEL DE GUÉRIR ET DE PRÉSERVER LES HOMMES. (MESMER, 1779, p. IV-VI)

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Figura 4.1: A cuba magnética de Mesmer. Utilizada em sessões públicas para alívio das dores

e cura de doenças

Fonte: Le baquet de Mesmer. Gravura de autor desconhecido. Disponível em:

<https://commons.wikimedia.org/wiki/File:"Le_Baquet_de_Mesmer"_Wellcome_M0006352.jpg>

A França ofereceu a Mesmer uma pensão em 1780, e ele viveu um período de

relativa paz. Em 1782 ele se uniu a Saint-Martin, Saint-Germain e Cagliostro na

Convenção Maçônica de Wilhelmsbad. Embora raramente aparecessem juntos em

público, eram todos maçons e membros da Fratres Lucis, e mantinham comunicação

privada. Um ano mais tarde, Mesmer fundou a Ordem da Harmonia Universal, para

instrução sobre o magnetismo animal. Por cerca de quatro anos, Mesmer realizou sessões

de cura em Paris e divulgou sua prática entre os membros da Sociedade da Harmonia

Universal. Sua clínica recebia pacientes nobres e burgueses; entretanto, o rei Luís XVI

(1754 – 1793) não lhe permitiu promover sua terapêutica nos hospitais, especialmente

naqueles onde estavam internados os pacientes que sofriam de doenças dos nervos.

A grande difusão do mesmerismo na França chamou a atenção das autoridades

públicas francesas e rapidamente as academias ortodoxas reiteraram seus antigos ataques.

Em março de 1784, o Rei Luís ordenou uma investigação das teorias e tratamentos de

Mesmer, sendo instaurada uma comissão formada por membros da Faculdade de

Medicina e da Academia de Ciências. Os acadêmicos indicaram um comitê que incluía

entre seus membros Benjamin Franklin (1706 – 1790), então Embaixador Americano na

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França, o astrônomo Jean Sylvain Bailly (1736 – 1793), o químico Antoine-Laurent de

Lavoisier (1743 – 1794) e o botânico Antoine Laurent de Jussieu (1748 – 1836). A

comissão não negou a existência das curas alegadas por Mesmer; ao contrário, em seu

relatório publicado em 11 de agosto de 1784, afirmava a existência de curas admiráveis.

Porém, sustentava que, uma vez que o magnetismo animal em si não havia sido observado

diretamente, as curas deviam ser atribuídas à imaginação dos próprios pacientes. Com

base nessa conclusão, Mesmer foi denunciado como impostor. Posteriormente, em 1791,

a Revolução Francesa forçou-o a retirar-se para uma pequena cidade perto de Zurique

onde, discretamente, tratava dos camponeses locais sem revelar sua identidade.

(DARNTON, 1988, p. 63).

Após a ascensão de Napoleão Bonaparte ao poder, foi solicitado a Mesmer voltar

à Paris, onde foi agraciado com o custeio de suas despesas pessoais e pôde testemunhar

um contínuo aumento de sua fama. Mesmer agrupou seus discípulos em uma sociedade

na qual médicos e magnetizadores leigos encontravam-se em pé de igualdade. Seus

membros aprenderam sua doutrina, discutiram os resultados de seu trabalho terapêutico

e mantiveram a unidade do movimento. Com seu falecimento em 15 de março de 1815,

a Real Sociedade de Paris e o governo alemão ofereceram prêmios pelos melhores

tratados sobre a técnica do mesmerismo (WYDENBRUCK, 1947).

Marquis de Puységur e o novo magnetismo

Em 1811, Amand Marie-Jacques de Chastenet, marquês de Puységur

(1751 – 1825), interpretou o magnetismo animal sob um novo aspecto.

Enquanto Mesmer nem havia desvendado todos os mecanismos de sua doutrina,

um de seus discípulos mais fiéis, o marquês de Puységur, fez uma descoberta que deu um

novo curso para a evolução do magnetismo: ele observou que, durante as crises

mesméricas, os magnetizados entravam em um estado alterado de consciência que foi

chamado de sonambulismo artificial ou sono magnético (PUYSÉGUR, 1811). O próprio

Mesmer havia relatado casos semelhantes de sonambulismo, mas ele afirmava tratar-se

de um estado mental perigoso que deveria ser evitado (BRITTEN, 1883, p. 12).

Para Puységur, o sono magnético era um estágio importante do tratamento, pois

neste estado os pacientes atingiam uma lucidez que os tornava clarividentes, a ponto de

diagnosticar sua própria doença e prescrever os medicamentos necessários para a cura.

Nos livros de Puységur são descritos vários casos desse fenômeno, conhecido como

clarividência médica, ressaltando casos de cura alcançados e a validade da terapia

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sonambúlica. Entretanto, reconhece serem de origem desconhecida as habilidades

clarividentes que os pacientes apresentavam ao se encontrarem em sono magnético

(PUYSÉGUR, 1809, p. 99-114). Relatos semelhantes sobre os magnetizados apontavam

casos de curas espirituais, leitura de textos guardados em locais fechados e capacidade

de ler o pensamento de outras pessoas. Buscando obter conclusões sobre as causas dos

fenômenos psíquicos, diversos pesquisadores se debruçaram sobre o tema (CRABTREE,

1993, p. 40-45; MONROE, 2008, p. 64).

Seguindo a tradição de Mesmer, existiam ao menos quatro hipóteses para explicar

os fenômenos psíquicos: a fluidista, a psicofluidista, a animista e a espiritualista. A

hipótese fluidista era defendida pelos seguidores ortodoxos de Mesmer, apoiados em seus

métodos e resultados terapêuticos. Os psicofluidistas, adeptos do pensamento de

Puységur, sustentavam que as manifestações psíquicas tinham origem em forças

psicológicas desconhecidas acionadas por intermédio do fluido magnético. Entendiam

que o fenômeno poderia demonstrar a ação da mente fora do corpo, devendo ser estudada

como uma faculdade humana (ELLENBERGER, 1970; MÉHEUST, 1999).

O naturalista francês Joseph Philippe François Deleuze (1753 – 1835), defensor

dessa hipótese, foi um dos primeiros pesquisadores a oferecerem explicações aos

fenômenos psíquicos que emergiram a partir do sono magnético. Como discípulo de

Puységur, Deleuze sustentava a ideia de que o fenômeno psíquico seria resultado da

captação, pela mente do sonâmbulo, de fluidos magnéticos emanados por seres humanos

e também por objetos. Ele afirmava que nos fluidos estariam registradas informações que

permitiriam entender outras manifestações psíquicas, como descrever um evento que não

testemunhou e reconhecer a origem e a propriedade de um objeto (DELEUZE, 1850, p.

38-62). Importante observar que, para os psicofluidistas, a manifestação psíquica não era

considerada sobrenatural. Eles justificavam que a capacidade dos sonâmbulos de serem

suscetíveis aos fluidos emanados expandiria sua capacidade de estabelecer relações

causais, gerando as previsões (STROMBECK, 1814, p. 238).

O grupo de magnetizadores animistas defendia a tese de que os fenômenos

psíquicos tinham origens exclusivamente psicológicas, sendo interpretados como efeito

da imaginação. Assim, durante uma sessão, o magnetizador poderia superexcitar algumas

faculdades intelectuais, tais como a inteligência e a imaginação, enquanto outras

faculdades eram anestesiadas por efeito do sonambulismo, como a vontade e a moral.

Para o médico e magnetizador animista Alexandre Jacques François Bertrand (1795 –

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1831), o sonambulismo e os relatos de visão de supostos espíritos de mortos

representariam a ação da imaginação patológica do sonâmbulo, e este seria apenas um

autômato sugestionado pelo seu magnetizador (BERTRAND, 1826; CHARDEL, 1826,

p. 263-74).

Já os magnetizadores espiritualistas consideravam a tese dos psicofluidistas

incompleta e a dos animistas improvável. Eles defendiam que somente pela atuação de

seres inteligentes invisíveis é que as manifestações psíquicas observadas poderiam ser

explicadas. Seguindo essa hipótese, o sono magnético dissociaria temporariamente a

alma do corpo e, em alguns casos, ela entraria em contato com o mundo espiritual

(CAHAGNET, 1855, p. 10).

O magnetismo animal teve boa acolhida na Alemanha, onde mereceram destaque

as pesquisas do médico alemão Justinus Andreas Christian Kerner (1786 – 1862) nos

quatro anos em que tratou de Friederike Hauffe (1801 – 1829), conhecida como “a vidente

de Prevorst” e cujos fenômenos de efeitos físicos testemunhou em companhia de Johann

Strauss. Justinus constatou que, durante o estado sonambúlico, as previsões da vidente

poderiam ser entendidas como uma “dupla visão” ou “dupla vista”. Segundo ele, a vidente

entraria em contato com espíritos que lhe transmitiriam as informações sob a forma de

símbolos e levando-o a concluir que

[...] a alma humana, mesmo nesta vida, está em constante comunicação com o

mundo espiritual, e que estes são suscetíveis de impressões mútuas, mas, desde

que tudo corra bem, essas impressões passam despercebidas193 (KERNER,

1855, p 32).

Através dessa constante comunicação, os espíritos poderiam agir diretamente

sobre a saúde do homem. Assim, a ação de espíritos demoníacos sobre um indivíduo

causaria as doenças mentais que poderiam ser curadas através de sessões de magnetismo.

Nestas sessões, a má influência espiritual se manifestaria e seria afastada pelo

magnetizador, com o auxílio de espíritos bons ou anjos (BILLOT, 1839; CAHAGNET,

1855). Também merece destaque a influência do magnetismo animal nas pesquisas do

químico alemão e membro da Prussian Academy of Sciences, Karl Ludwig Freiherr von

Reichenbach (1788 – 1869), sobre a visão das auras dos ímãs, cristais e corpo humano

193 “that the human soul, even in this life, is in constant communication with the spiritual world, and that

these are susceptible of mutual impressions; but, as long as all goes well, these impressions are unperceived.” (KERNER, 1855, p. 32)

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pelos sensitivos. Essa aura seria produzida pela força ódica (ou simplesmente OD), que

era um fluido presente na natureza e não identificado pela ciência. Esse fluido havia sido

fotografado por Karl Reichenbach e seria constituído pela combinação entre eletricidade,

magnetismo e calor que emanava de todos os seres vivos. Assim, a força ódica ou OD

era o fluido responsável pelas manifestações psíquicas, pois atuaria como um transdutor

entre o espírito e a matéria densa (REICHENBACH, 1850).

As premissas dos magnetizadores espiritualistas não foram aceitas pelos

mesmeristas, devido ao fato de que a hipótese de uma atuação puramente espiritual não

poderia ser estudada pela ciência. No entanto, segundo o médico Guillaume-Pascal Billot

(1768 – 1849), essa visão seria equivocada ao restringir a possibilidade de explicação do

fenômeno. Ele entendia que o “invisível” não significava “não natural” e que a hipótese

da ação de forças inteligentes invisíveis traria uma revolução nas ciências naturais e

novas direções para o seu estudo (BILLOT, 1839, p. ix –x).

Do início do século XIX até a década de 1840, o debate gerado sobre o

sonambulismo e os fenômenos psíquicos entre as diversas classes de magnetizadores

(fluidistas, psicofluidistas, animistas e espiritualistas) teve muita repercussão no âmbito

médico. As hipóteses lançadas para explicar os fenômenos acima citados, possivelmente

contribuiram para a formação de discursos céticos a respeito da existência de fenômenos

psíquicos (MÉHEUST, 1999, p. 15-6).

Os fenômenos psíquicos eram entendidos pelos céticos como efeito da ilusão, da

fraude e da credulidade do povo. Julien-Joseph Virey (1775 – 1846), naturalista e

antropologista francês, membro da Academia Real de Medicina de Paris, foi um dos

principais críticos do magnetismo animal e da validade dos fenômenos psíquicos gerados

através do sonambulismo. Seu artigo, publicado no Dictionnaire des sciences médicales,

considerava a terapia mesmerista uma prática supersticiosa e ineficaz; porém, aceitava

que o sonambulismo causava uma espécie de hipersensibilidade cerebral. O paciente em

sono magnético (sonambúlico) teria seus sentidos estimulados e amplificados, tornando-

se capaz de captar as impressões de uma pessoa deixadas em um objeto e tendo a visão,

o olfato e outros sentidos ampliados (VIREY, 1818, p. 54-55). A existência de

comunicações com espíritos e até mesmo o chamado fenômeno de possessão seriam

explicadas pela existência de instintos ou sentimentos internos latentes que, ao serem

estimulados pelo transe sonambúlico, seriam percebidos pelo próprio indivíduo e por

outros como um ser externo, uma outra entidade. Esses instintos internos inconscientes

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explicavam o aumento intelectual do indivíduo magnetizado em relação ao seu estado

normal de consciência. Ele seria provocado por uma “tensão cerebral” capaz de reunir

fragmentos de informação armazenados, de forma inconsciente, pelo cérebro humano

(VIREY, 1818, p. 74-78).

No ano de 1825, o médico da Salpêtrière e membro da Academia Real de

Medicina, Léon Louis Rostan (1790 – 1866), discípulo de Philippe Pinel (1745 – 1826),

foi o responsável pelo verbete “Magnetismo” no Dictionnaire de médecine et de

chirurgie pratiques. Nele, Rostan sustentou suas dúvidas quanto à validade das

manifestações psíquicas do indivíduo sonambúlico, devido à suscetibilidade do

magnetizado em relação ao magnetizador (ROSTAN, 1825). Essa publicação aumentou

a controvérsia entre céticos e magnetizadores, fazendo com que um dos defensores do

magnetismo animal, o médico sanitarista Pierre Foissac (1801 – 1886), solicitasse à

Academia Real de Medicina o reexame das práticas terapêuticas, sob a alegação de que

tanto a terapia quanto seus efeitos haviam sido reestudados e alterados desde a última

análise pela comissão constituída em 1784 (FOISSAC, 1825). A comissão médica foi

instaurada no ano seguinte, 1826, e após a análise das experiências realizadas com

indivíduos em estado sonambúlico que, de olhos vendados, identificavam cartas de

baralho e liam trechos de livros, além de fazerem previsões acertadas, o comitê emitiu

um relatório favorável à prática do magnetismo animal e à eficácia da sua terapia

(FOISSAC, 1833, p. 209). Apesar da comissão médica garantir legitimidade à prática

terapêutica, alguns membros da academia continuaram a questionar os efeitos do

magnetismo animal e no mesmo ano da publicação do relatório, 1833, o médico Frédéric

Dubois publicou um panfleto acusando o mesmerismo de ser irracional e ligado ao

absurdo e ao miraculoso (DUBOIS, 1833, p. 6).

Novas acusações de fraude relacionadas ao magnetismo animal, em 1837, geraram

um longo debate entre defensores e críticos da terapia. Uma outra comissão foi instalada

pela Academia de Medicina neste mesmo ano. Os autores do verbete na edição

de 1834 do Dicionário de Medicina e de Cirurgia Prática, Jean Bouillaud (1762 –

1829) e Frédéric Dubois Elionor194 (1797 – 1873), integraram a comissão composta por

nove membros. Desta vez, segundo o relatório, os dois únicos sonâmbulos observados

194 Também conhecido por Frédéric Dubois de Amiens por haver nascido na cidade de Amiens, França em

30 de dezembro de 1797. Sua data de nascimento também é mencionada como sendo do dia 17 de fevereiro de 1799 por Alexandre Klein (2011).

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falharam na execução dos fenômenos psíquicos. A comissão concluiu pela inexistência

dos efeitos do magnetismo animal e das manifestações psíquicas (BURDIN; DUBOIS,

1841, p. 506-511). O relatório foi duramente criticado pelo médico Henri Marie Husson

(1772 – 1853) ao perceber que, dos nove membros da comissão investigativa, cinco

apresentavam objeções severas à veracidade do magnetismo animal e, consequentemente,

aos fenômenos psíquicos. Além de Husson expressar que a comissão teria sido

tendenciosa em seu julgamento, alegou que as observações haviam sido feitas com apenas

dois sonâmbulos, quando o ideal seria uma experiência com quinze indivíduos. Apesar

das ressalvas quanto ao método adotado para a realização da experiência, as conclusões

do relatório foram mantidas (BURDIN; DUBOIS, 1841, p. 517-522).

Em 1841, após estudar os fenômenos do magnetismo, coube ao cirurgião escocês

James Braid dar-lhes uma conceituação científica e fisiológica, através de um novo campo

chamado de hipnotismo. Vale ressaltar que toda a terminologia é a mesma utilizada

atualmente. Sua proposta enquadrava-se na hipótese animista, pois havia uma

influenciação mental do próprio paciente agindo sobre seu sistema nervoso.

Mesmo sendo rejeitada academicamente, a doutrina de Mesmer continuava a

prosperar nos meios populares e também entre escritores renomados. Honoré de Balzac,

Victor Hugo e Alexandre Dumas foram alguns desses escritores que se reuniam para

praticar o mesmerismo, simpatizando com a hipótese do mesmerismo espiritualista. As

concepções de Mesmer só começaram a ser esquecidas quando, na década de 1850, os

fenômenos espiritualistas voltaram a despertar o interesse dos pesquisadores com suas

mesas girantes (MONROE, 2008, p. 70).

4.2 O Espiritualismo Moderno

Em History of the spiritualism, Arthur Conan Doyle identifica dois precursores do

moderno espiritualismo no século XVIII. O primeiro foi o suíço Kaspar Lavater

(1741 – 1801), pastor calvinista, teólogo e filósofo. Conhecido em toda a Europa, Lavater

esteve ligado às teorias fisiognomonistas195 e muitos de seus trabalhos tratavam dos

mecanismos da concepção e da condição da alma. Ele defendeu ainda “as possibilidades

de comunicação objetivas entre os diferentes planos material e espiritual, entre mortos e

195 A arte ou ciência fisiognomônica era baseada na suposição de que o pensamento imprimia aos músculos

certos movimentos. Daí concluía-se que, ao observar os movimentos vistos, deduzia-se o pensamento, que não podia ser visto. In: KARDEC (2004, n. 3 - 1860, p. 301).

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vivos” (SILVA, 1997, p. 15-16). O segundo era o vidente sueco Emmanuel Swedenborg

(1688 – 1772), nascido em Estolcomo e filho de um pastor luterano e professor de

teologia na Universidade de Upsala. Iniciou sua prática de vidente em 1744, em Londres,

aos 56 anos. Apresentava transes de sonambulismo e clarividência, fazendo previsões

acertadas e também relatos de desdobramentos com fenômenos de bilocação. Foi um

grande engenheiro de minas e uma autoridade em metalurgia, tendo escrito várias obras196

em que misturava narrativas de suas experiências mediúnicas a interpretações teológicas

dessas mesmas experiências. Tornou-se um místico de grande renome em todo o

continente europeu, e sob sua influência criou-se a Nova Igreja, a qual, segundo Conan

Doyle “converteu-se em elemento negativo, em vez de ocupar o seu verdadeiro lugar

como fonte e origem do conhecimento psíquico”. Em seus estados de êxtase, Swedenborg

afirmava “que o mundo dos espíritos era habitado, na maior parte, pelas almas dos mortos,

conservando todas as características de suas personalidades humanas, movendo-se em um

meio construído por seus pensamentos, seus impulsos e projeções de imagens mentais”

(DOYLE, 2007, p.32).

Contemporâneo de Swedenborg, existia um grupo conhecido por shakers, que era

uma seita cristã fundada no século XVIII na Inglaterra, denominada The United Society

of Believers in Christ's Second Appearing. Eles eram inicialmente conhecidos como

shaking quakers por assumirem um comportamento extático durante os cultos. Eles

praticavam um estilo de vida celibatário e comunal, eram adeptos do pacifismo e

acreditavam na igualdade dos sexos, institucionalizada em sua sociedade desde a década

de 1780. Os shakers se instalaram na América colonial, com assentamentos iniciais em

New Lebanon, Nova York (chamado Mount Lebanon após 1861) onde, no final da década

de 1830, houve um conjunto de manifestações espirituais denominado a Era de

Manifestações, que durou sete anos seguidos. Este período se expressou por danças,

desenhos e canções inspiradas em revelações espirituais e, durante os sete anos, surgiram

manifestações mediúnicas coletivas nas quais os entes manifestantes, que se

autodenominavam “espíritos”, afirmavam que retornariam em breve para invadir o

mundo, entrando tanto nas choupanas quanto nos palácios. Suas experiências foram

196 Entre as inúmeras obras científicas e teológicas de Emmanuel Swedenborg destaca-se Arcanos Celestes

na qual traz relatos de suas diversas experiências espirituais. Disponível em: www.swedenborg.com.br/sweden/obras.htm. Outras obras igualmente importantes, são: O Mundo dos Espíritos, Divina Providência e O Céu e as suas maravilhas e o Inferno, todas elas importantes para compreender o pensamento de Swedenborg. Disponíveis para consulta na língua portuguesa no acervo da Federação Espírita do Rio Grande do Sul (FERGS).

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descritas em vários livros e artigos. Em um trecho pode-se ler a analogia entre a

comunicação dos espíritos e a comunicação telegráfica:

As maravilhosas e quase incríveis aberturas de luz e verdade pertencentes a

este e ao mundo espiritual externo, e que se dirigem quase que exclusivamente

ao homem externo, por fatos sensuais e demonstrações físicas, e que,

antigamente em outras idades, foram suprimidas e condenadas, como o efeito

de comunicações ilegais com os poderes das trevas, são agora recebidos com

alegria e alegria por milhares de pessoas, como prova de uma comunicação

telegráfica estabelecida entre os dois mundos; e não mais ser contestado ou

duvido do que é a existência desse maravilhoso cabo telegráfico submarino

que liga os continentes oriental e ocidental197. (grifos nossos) (EVANS, 1859).

O movimento shaker esteve em seu auge entre 1830 e 1860. De acordo com a

tradição shaker, espíritos celestiais vieram à terra, trazendo visões às jovens mulheres,

que as interpretavam através de seus desenhos e danças, girando e falando em línguas

estranhas (PROMEY, 1993, p. 40).

4.2.1 O Episódio de Hydesville e as Mesas Girantes

Conforme já descrito anteriormente, em 1848, os fenômenos psíquicos ganharam

novo fôlego com o surgimento do espiritualismo, denominado “moderno” nos Estados

Unidos. Este movimente teve início através de pancadas e ruídos nos móveis e nas

paredes da residência da família Fox em Hydesville. Estes ruídos, que aterrorizavam toda

a família, pareciam vir de várias partes da casa desta pequena aldeia do condado de

Wayne, próximo a New York. As filhas mais novas da família, Kate e Margareth198,

passaram a reproduzir as pancadas que ouviam, logo após ouvir os raps e os estalidos

produzidos nas paredes e na mobília da residência. Assim, provocando suas próprias

pancadas, as duas meninas perceberam que outros ruídos eram dados em resposta aos

delas. Assim, não demorou muito para que um código de comunicação fosse estabelecido

entre o autor “desconhecido” e as meninas. Em pouco tempo as letras do alfabeto

passaram a ser soletradas sequencialmente em voz alta e, quando se alcançava a letra

197 The wonderful and almost incredible openings of light and truth pertaining to this and the external

spiritual world, and which address themselves almost exclusively to the external man, by sensuous facts and physical demonstrations, and which, in former times and other ages, were suppressed and condemned, as the effect of unlawful communings with the powers of darkness, are now being received with joy and gladness by thousands of person, as proof of a telegraphic communication established between the two worlds; and no more to be disputed or doubted than is the existence of that marvelous submarine telegraphic cable that connects the Eastern and Western continents.

198 Kate com 11 anos e Margareth com 14 anos de idade.

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desejada pelo suposto “espírito”, ele informava gerando um rap ou estalido. Desse modo,

foi possível obter-se um texto onde o “espirito” se identificava para a família Fox como

Charles B. Rosna, caixeiro viajante assassinado naquela casa e cujo corpo estava

sepultado no porão199. Por este meio de comunicação precário, a família Fox e seus

vizinhos divulgaram que os raps eram uma espécie de código Morse entre dois mundos,

o mundo espiritual e o mundo material, ou seja, entre os vivos e os mortos (DOYLE,

2007, p. 56-85). Narrativas sobre manifestações espirituais sempre foram amplamente

divulgadas através da história; entretanto, como as irmãs Fox foram as que estabeleceram

um código de comunicação com o mundo dos espíritos, foram chamadas de “médiuns”.

Por isso o movimento foi batizado como espiritualismo moderno (WEISBERG, 2004, p.

1-8).

A partir destes fenômenos ocorridos com as irmãs Fox, milhares de adeptos

transformaram o fenômeno da comunicação espiritual em um movimento social que em

pouco tempo se alastraria pela Europa. Na França, em julho de 1852, o jornal católico

francês L’Univers já publicava as primeiras notícias definindo o movimento como “um

magnetismo sem sonambulismo e evocação das almas dos mortos”200 e, na Inglaterra, foi

criado um campo de estudos sobre os fenômenos paranormais que envolveram a vinda de

pesquisadores e de médiuns americanos por volta do ano de 1853 (AUBRÉE;

LAPLANTINE, 1990, p. 15-16).

Após o fenômeno de rapping na casa das irmãs Fox, pessoas que se diziam

médiuns passaram a se apresentar sozinhas com o objetivo de demonstrar seus dons de

movimentar objetos e gerar pancadas. Os espiritualistas disseminaram sessões de table

turning201 (mesas girantes), que consistiam na reunião de um grupo de pessoas em torno

de uma mesa e a formação de uma “corrente mental” entre os participantes, que apoiavam

a ponta dos dedos sobre a mesa. Após alguns instantes, a mesa iniciava movimentos

circulares sem o uso aparente de força física (DOYLE, 2007).

199 Onde a família Fox mais tarde encontrou alguns poucos fragmentos de ossos humanos. Somente em 1904

uma ossada humana foi encontrada na parede da adega. Nenhuma pessoa chamada Charles B. Rosna foi identificada (HOUDINI, 2011, p. 1–17).

200 “un magnétisme sans somnambulisme et évocation des âmes des morts.” 201 O giro da mesa é a forma mais simples e mais antiga de comunicação com espíritos. Nos tempos antigos,

as mesas eram usadas para propósitos de adivinhação como mensa divinatoriae. Na Roma do século IV, Ammianus Marcellinus descreveu uma mesa como uma laje, gravada com as letras do alfabeto, acima das quais um anel foi mantido, suspenso por um fio; ao balançar sobre certas letras, as mensagens eram dadas. Tertuliano (155 A.C. – 222 A.C.) parece ter sido um dos primeiros que conhecia a mesa como comunicação com o mundo invisível (MELTON, v. 2, p. 1521-1523)

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Figura 4.2: O fenômeno das mesas girantes utilizado como passatempo das reuniões sociais.

Fonte: gravura publicada no jornal francês L'Illustration (1853). Disponível em

<https://pt.wikipedia.org/wiki/Mesas_girantes>.

Os fenômenos de mesas girantes e rappings se espalharam como uma epidemia

em toda a América e desembarcaram na Inglaterra através de “médiuns profissionais”

como a americana Maria B. Hayden (1826 – 1883), que veio a Londres em outubro de

1852 divulgar o espiritualismo. Em 1853, os convites sociais ao chá e à mesa girante

(Figura 4.2) eram comuns202 e, desde os salões literários até as pequenas salas de jantar,

pessoas de todas as classes sociais cederam ao espiritualismo e à possibilidade de

contatar os mortos.

Na França, os mesmeristas receberam as mesas girantes como uma demonstração

da existência do magnetismo animal ou da força ódica de Karl Reichenbach, enquanto

202 Relata-se que uma brincadeira generalizada nessa época era, ao se encontrar na rua, as pessoas

perguntavam pela saúde umas das outras, mas sim se como estava girando a mesa ao que era respondido: “Obrigado, minha mesa gira lindamente, e como vai a sua?”

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os eclesiásticos fundamentalistas denunciaram o fenômeno como a prova da interferência

satânica nos meios sociais. Cientistas e médicos achavam que a nova mania constituía

um perigo para a saúde mental dos participantes e, em razão disso, foi formado um

comitê para investigação do fenômeno. O resultado de que o movimento da mesa era

devido à ação muscular inconsciente foi publicado no Medical Times & Gazette em 11

de junho de 1853. (AUBRÉE; LAPLANTINE, 1990, p. 19-20).

Uma das teorias mais exploradas para a explicação das mesas girantes baseava-se

na existência do magnetismo animal e nos estudos da eletricidade que tornavam plausível

a hipótese da atuação das forças imponderáveis sobre a matéria. Essa hipótese tornou-se

forte devido à junção, na década de 1780, entre o fluido elétrico e o corpo dos animais

que o médico Luigi Galvani (1737 – 1798) chamou de eletricidade animal (LACHÂTRE,

1869, p. 199; BRESADOLA, 1998). John Prichard, membro do Royal College of

Surgeons na Inglaterra, acreditava na existência de um agente elétrico proveniente do

corpo humano e que seria responsável pelo giro da mesa: os dedos dos médiuns atuariam

como terminais elétricos que, ao “preencher com eletricidade” o espaço entre a mesa e

os dedos, criaria uma atração anulando a força gravitacional (PRICHARD, 1853, p. 15-

16 apud PIMENTEL, 2014, p.31).

Os adeptos do magnetismo animal não consideravam que a eletricidade e o

magnetismo fossem os únicos responsáveis pelo fenômeno. Eles acreditavam que a força

ódica, ou fluido ódico (ou OD), seria o responsável pelas manifestações psíquicas, pois

atuaria como um transdutor entre o espírito e a matéria densa.

As mesas girantes e os fenômenos mediúnicos reforçaram a credibilidade nas

teorias fluidistas do magnetismo animal, o qual se encontrava em declínio na década de

1850 (MONROE, 2008, p. 64-94). Os fluidistas alegavam que o fluido ódico seria o

responsável pelos ruídos e pela movimentação de objetos sem causa aparente. Eles

rejeitavam a hipótese da manifestação de espíritos desencarnados e explicavam a

comunicação mediúnica através do OD da seguinte forma: este fluido criaria uma

superexcitação no cérebro do médium, provocando uma maior percepção mental e

permitindo o conhecimento de eventos distantes e de pensamentos de seus assistentes

(ROGERS, 1853, p. 135).

A hipótese levantada pelos fluidistas sobre a existência de uma atividade mental

inconsciente retrata uma das primeiras especulações a respeito dessa possibilidade

(CRABTREE, 1993, p. 253). Eles acreditavam em centros autônomos responsáveis pelas

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atividades conscientes e inconscientes que atuavam simultaneamente no cérebro do

médium. Assim, durante o transe, os centros de consciência seriam anulados, enquanto

os centros inconscientes executariam as tarefas de escrita e fala mediúnicas por ação do

fluido. Este animaria os objetos de movimento e causaria batidas e outros ruídos,

expressando as concepções do próprio médium ou de algum assistente (ROGERS, 1856,

p. 125, 167; DODS, 1854, p. 74-75).

Já o grupo espiritualista atribuía à ação de inteligências desencarnadas as

ocorrências de movimentação das mesas e das mensagens mediúnicas, justificando a

hipótese da intervenção dos espíritos. Todos concordavam que a origem dos fenômenos

eram os espíritos; no entanto, havia um questionamento a respeito da natureza destes.

Uns afirmavam que as comunicações através das mesas e outros meios seriam de espíritos

elevados, sábios e detentores de uma ciência avançada; já outros acreditavam que as

mensagens obtidas através das mesas e dos transes eram provenientes de espíritos

demoníacos (MIRVILLE, 1863).

O jornalista norte-americano Herman Snow (1812 – 1905) publicou um texto em

defesa da hipótese espiritualista para os fenômenos:

[...] talvez pudessem ser atribuídos à eletricidade, ao magnetismo, ao

mesmerismo, ou a algum outro poder, não igualmente misterioso em relação à

afirmação da ação de espíritos invisíveis, – se não fosse uma dificuldade

intransponível. Faço alusão ao fato inquestionável de que os fenômenos

singulares em questão não são impulsivos e cegos em sua ação: pelo contrário,

eles transmitem, da forma mais clara e decisiva, as manifestações da mente. O

telégrafo elétrico, com todo o seu poder maravilhoso, não pode transmitir uma

linha sequer de pensamento conectado sem uma mente inteligente para guiá-

lo. Agora, de onde vêm essas mensagens? Esta é outra e decisiva questão. Se

for satisfatoriamente provado que elas não vêm das mentes daqueles que estão

visivelmente presentes, então elas devem provir de mentes em uma forma

invisível203 (SNOW, 1853, p. 46-47).

203 “perhaps it might do to assign the whole matter over to electricity, magnetism, mesmerism, or to some

other power, almost, if not equally mysterious with the asserted agency of invisible spirits, — were it not for one insurmountable difficulty. I allude to the unquestionable fact, that the singular phenomena in question are not impulsive and blind in their action: on the contrary, they convey, in the most clear and decisive manner, the manifestations of mind. The electric telegraph, with all its wondrous power, cannot convey one line even of connected thought without an intelligent mind to guide it. [...], whence come these messages ? This is the other and the decisive question. For if it be satisfactorily proved, that they do not come from the minds of those visibly present, then they must come from minds in an invisible form.”

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Segundo Sophie Lachapelle, um conjunto de espiritualistas considerava uma

terceira possibilidade: os fenômenos seriam produzidos por espíritos que viveram entre

nós, possuindo diferentes graus de bondade, de malícia, de saber e de ignorância. Assim,

os espíritos poderiam ser fonte de conhecimento, mas as sessões deveriam ser conduzidas

com extrema seriedade e cautela para evitar os perigos espirituais trazidos por espíritos

maliciosos (MATHIEU, 1854; LACHAPELLE, 2002).

Neste mesmo ano, os participantes das sessões mediúnicas (séances) instituíram

códigos de comunicação pelos quais as mesas passaram a responder a perguntas através

de batidas com seus pés sobre o solo. Um meio mais rápido era a "escrita automática",

na qual os "seres espirituais" podiam se comunicar através de um lápis em um indicador

chamado de planchette, um termo em francês para "pequena tábua ou prancheta". Essa

prancheta possuía três pés de apoio móveis com um furo na parte superior para a inserção

de um lápis. Os participantes colocavam as mãos sobre os aparatos, que por sua vez se

movimentavam, formando frases atribuídas aos espíritos (Figura 4.3).

Figura 4.3: Planchette ou prancheta com lápis.

Fonte: The Scientific American (New York, 1885). Disponível em Oxford Science Archives

<https://www.gettyimages.com/license/463920357>

As primeiras pranchetas não foram bem-sucedidas na obtenção mensagens claras,

e muitos reclamavam que a planchette gerava diversas páginas de textos vagos e sem

nenhum sentido aparente. Assim, em 1853, um relojoeiro espiritualista chamado Isaac T.

Pease (1809 – 1885), de Connecticut, nos Estados Unidos, inventou o spiritual telegraph

dial, um "telégrafo espiritual", que consistia em um disco semelhante a uma roleta com

letras e números ao redor de sua circunferência. O único registro mais próximo desse

equipamento deve-se ao químico americano Robert Hare (1781 –1858), que construiu

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uma série de equipamentos designados por spiritoscopes que foram projetados para testar

as capacidades de comunicação dos médiuns com o mundo espiritual. Seus aparelhos

reconstruíram a aparência do spiritual telegraph dial de Isaac T. Pease (KONTOU;

WILLBURN, 2016).

Figura 4.4: Telégrafo espiritual desenvolvido para a comunicação com os espíritos.

Fonte: Adaptação de gravura do livro de Robert Hare (1856, plate IV, pos p. 4)

A tentativa de comunicação foi assumindo formas mais complexas, sendo a

escrita automática ou mediúnica a forma mais popular. Por esta, o espírito se comunicaria

através do médium, tomaria posse do seu braço e escreveria as mensagens utilizando-se

de lápis e papel. Outros médiuns alegavam que o espírito ou as entidades invisíveis

ditavam o conteúdo das mensagens como se falassem ao ouvido (CUCHET, 2012, p. 64-

75).

4.2.2 As investigações acerca dos fenômenos

Gozando de crescente popularidade entre as todas as classes sociais, a suposta

demonstração da existência da vida após a morte, obtida através da comunicação

mediúnica com espíritos, tornou-se uma fonte de renda para muitos médiuns. As

apresentações eram pagas e os médiuns tornaram-se o foco de investigação dos detratores

do espiritualismo (SHARP, 2006, p. 49-51).

Em um livro dedicado à revelação das fraudes cometidas por médiuns, o médico

americano Charles Grafton Page (1812 – 1868) investiu pesadamente contra as irmãs

Fox. No texto, ele alegou que os fenômenos psíquicos não passavam de truques e que as

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manifestações que, eventualmente escapassem a sua percepção, sugerindo autenticidade,

ainda assim se constituiriam de truques (PAGE, 1853, p. 45-73, 97). Os raps e batidas

provocadas pelas irmãs, segundo a descrição de médicos da universidade de Buffalo no

Buffalo Medical Journal, teriam origem em movimentos voluntários pouco perceptíveis

produzidos por Margaret Fox, nos quais sua tíbia se deslocaria lateralmente sobre a

superfície inferior do fêmur, gerando o ruído. A suposição de comunicação espiritual foi

desconsiderada e os médicos confirmaram a hipótese dos músculos que estalavam em

função do cansaço das irmãs após a sessão, em particular o de Kate Fox. Eles alegaram

que esse cansaço seria decorrente do grande esforço físico realizado para produzir os

ruídos. Em sucessivas experiências, foram imobilizadas as pernas das irmãs e colocado

um aparato que permitia aos médicos perceber qualquer movimento do fêmur e da tíbia

de ambas. Apesar de toda a configuração experimental cuidadosamente pensada e

executada, não lhes foi possível demonstrar sua hipótese dos músculos da tíbia e do fêmur

causarem os estalos; entretanto, os médicos autores do trabalho se valeram de outros

depoimentos para afirmar que os estalos poderiam ser realizados em outras partes do

corpo (FLINT; LEE; COVENTRY, 1851, p. 629-636 apud PIMENTEL, 2014, p. 27).

Logo que as mesas girantes ocuparam os noticiários europeus, em maio de 1853,

a Academia das Ciências francesa organizou uma comissão composta pelos mais

proeminentes cientistas, a fim de investigar a veracidade dos fenômenos. Faziam parte

da comissão o químico Michel Eugène Chevreul (1786 – 1889) e os físicos Jacques

Babinet e Dominique François Jean Arago (1786 – 1853). Após várias análises, os

membros da comissão concluíram que a rotação das mesas seria resultado da ação

inconsciente das pessoas que se sentavam ao seu redor. Segundo eles, as mãos

posicionadas sobre a mesa acumulariam e dispersariam pequenos impulsos musculares

para a mesa, que seriam pouco perceptíveis para o sentido humano, porém fortes o

suficiente, quando combinados, causando o deslocamento de objetos com muita massa

(ARAGO; BARRAL; FLOURENS, 1854, p. 457-459; BABINET, 1856, p. 241-242).

Michael Faraday publicou uma explicação semelhante nesse mesmo ano. O físico

inglês investigou uma reunião de médiuns realizando o seguinte experimento: prendeu

pastilhas de cera e terebintina sobre um cartão fixado na borda da mesa onde cada

participante apoiaria seus dedos. Após a sessão, Faraday observou que os cartões estavam

visivelmente marcados com os dedos dos participantes, simulando movimento na mesma

direção da rotação da mesa. Ele concluiu que a expectativa dos médiuns em produzir o

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fenômeno psíquico fazia com que eles aplicassem, inconscientemente, uma força na

ponta dos dedos em favor do lugar para onde a mesa girava (FARADAY, 1853, p. 190).

Embora a comissão estivesse satisfeita com as suas explicações sobre as mesas

girantes, era um fato que esse fenômeno representava uma pequena parte de um conjunto

muito amplo de fenômenos. Não foi considerada pela comissão a resposta a perguntas

através de batidas ou a escrita utilizando uma cesta de bico. Jacques Babinet negou a

possibilidade de haver esse tipo de manifestação inteligente pelas leis físicas conhecidas

(BABINET, 1856, p. 39-41). Entretanto, Faraday reconhecia que sua explicação era

dirigida somente ao fenômeno das mesas girantes e não contemplava outras

manifestações mediúnicas existentes. Faraday e Chevreul reconheciam que seus

experimentos sugeriam a explicação dos fenômenos a partir da fisiologia humana;

entretanto, seria necessário um estudo mais aprofundado sobre tais manifestações

(FARADAY, 1853, p. 190).

Ao concluir que as mesas eram movimentadas como consequência da pressão

involuntária das mãos dos médiuns, a comissão deu crédito à hipótese de que atos

inconscientes constituiriam a base explicativa para as manifestações. Os adeptos dessa

hipótese alegavam que o desejo dos participantes de que o fenômeno ocorresse seria a

origem de sua crença em espíritos. Assim, os pesquisadores dessa hipótese iam às

reuniões para estudar quais os fatores psicológicos que poderiam levar os participantes à

ilusão ou alucinação. Uma das primeiras explicações foi dada pelo médico escocês James

Braid, que formulou o conceito de ideia dominante para justificar que a rotação das mesas

seria o resultado da ação muscular sem esforço consciente produzida por uma ideia fixa

dos participantes em obter o efeito do giro (BRAID, 1853, p. 3-4).

Adepto das explicações de Faraday, o médico britânico William Benjamin

Carpenter (1813 – 1885) acreditava que a crença popular nas mesas girantes era um

delírio atribuído ao desejo emocional de acreditar na continuidade da vida dos entes

queridos após o falecimento, garantindo assim a própria existência futura (CARPENTER,

1853, p. 5, 509). Esse desejo faria com que a mente de cada um dos médiuns estivesse

subjugada a uma ideia dominante comum a todos, através da sugestão, e esta ideia faria

com que eles agissem como autômatos:

Um certo número de indivíduos senta-se em torno de uma mesa, em que o

movimento, quer para a direita ou para a esquerda, é geralmente combinado no

início da experiência. [...] Como em tantos outros casos, a contínua concentração

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da atenção sobre uma certa ideia lhe dá um poder dominante, não só sobre a mente,

mas ao longo do corpo, e os músculos tornam-se os instrumentos involuntários

pelos quais são levados à operação204 (CARPENTER, 1853, p. 547-549).

Conforme narra Guillaume Cuchet205, uma publicação anônima, Seconde lettre à

son éveque au sujet des tables parlantes, circulou no ano de 1855 como um livreto,

sugerindo que qualquer manifestação psíquica poderia ser explicada pelo desdobramento

de personalidade do médium. Segundo o autor do texto, os nossos pensamentos não eram

constituídos por nós:

Nessa condição, mesmo na mais enérgica concentração, nós não constituímos

nossos pensamentos, nós não fazemos mais do que criar e acelerar a aparição

deles. Eles nascem nas profundezas misteriosas de nossas mentes. E tem mais:

as ideias que se apresentam assim presumem uma série de outras que nunca se

deixam ver, como em um espetáculo [...] nós não temos diante de nós mais do

que os atores, e não notamos jamais autores ou qualquer um dos muitos agentes

cujo envolvimento é essencial para o desempenho da peça206 (CUCHET, 2012,

p. 85-86 apud PIMENTEL, 2014, p.30).

Nem todos se satisfizeram com essas explicações. Para Agénor Étienne, Conde de

Gasparin (1810 – 1871), o fenômeno das mesas girantes não havia sido estudado através

de uma metodologia cientifica, e as hipóteses para explicá-lo haviam sido formuladas

considerando testemunhos leigos e observações insuficientes do fenômeno.

Em 1853, Gasparin e um grupo de amigos realizou, em um período de cinco

meses, vários experimentos em sua casa com as mesas girantes. Nesses experimentos ele

204 “A number of individuals seat themselves round a table, on which they of the movement, whether to the

right or to the left, being generally arranged at the commencement of the experiment.[...] As in so many other cases, the continued concentration of the attention upon a certain idea gives it a dominant power, not only over the mind, but over the body; and the muscles become the involuntary instruments whereby it is carried into operation.” (CARPENTER, 1853, p. 547-549).

205 Catedrático da disciplina de História Contemporânea na Universidade Paris-Est Créteil Val-de-Marne (UPEC). Atua na área de História religiosa e antropologia das sociedades contemporâneas (França, Europa, Estados Unidos) do Centro de Pesquisa em História Europeia Comparada (Le Centre de Recherche en Histoire Européenne Comparée).

206 “Par la concentration même la plus énergique, nous ne formons pas nos pensées, nous ne faisons que les susciter et accélérer leur apparition. Elles naissent dans les mystérieuses profondeurs de nos intelligences, et c'est seulement lorsqu'elles y ont reçu la vie qu'elles se montrent à nous sur le théâtre de la conscience. Il y a plus: les idées qui se présentent ainsi en supposent une foule d'autres qui ne se laissent jamais voir, comme au spetacle [...] nous ne avons sous les yeux que les acteurs, et n'apercevons jamais ni les auteurs ni aucun des nombreux agents dont l'intervention est indispensable à la représentation de la pièce.” (apud CUCHET, pp. 85-6, 2012, apud PIMENTEL p.30, 2014).

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registrou a atividade dos movimentos da mesa que acreditava ser o resultado de uma força

física que emanava dos corpos dos assistentes. Ele propôs uma hipótese de ação fluídica,

denominada “força ectênica”, que ele acreditava poder explicar o fenômeno.

O professor de História Natural da Universidade de Genebra, Marc-Antoine

Thury (1822 – 1905), que acompanhou algumas experiências na casa de Gasparin, apoiou

suas conclusões em um panfleto publicado em 1855, além de ter realizado, ele próprio,

algumas experiências nas quais diz ter obtido resultados similares. O físico e espiritualista

Sir William Crookes foi influenciado pelas experiências de Gasparin, e Camille

Flammarion (1907, p. 370) citou o trabalho de Gasparin e Thury em seu livro Mysterious

psychic forces (ALVARADO, 2016, p. 229–232).

Em um trecho do seu livro, Gasparin crítica a hipótese dos movimentos

musculares inconscientes afirmando:

A hipótese do fluido (apenas uma hipótese, não se esqueça) ainda não

demonstrou ser conciliável com as várias circunstâncias do fenômeno. A mesa

não se limita somente a girar, ela levanta os pés, acerta os números indicados

pelo nosso pensamento, ou seja, obedece à vontade e obedece tão bem que a

supressão do contato não suprime sua obediência. Uma impulsão ou atração

lateral, que explicaria as rotações, não pode explicar as elevações! 207

(GASPARIN, 1857, p. 93).

Os experimentos de inclinação de mesa foram fortemente criticados pelo médico

francês e escritor Guillaume Louis Figuier (1819 – 1894). Ele observou que a afirmação

de Gasperin sobre o movimento das mesas sem contato material com os mediuns

presentes, era uma “impossibilidade física” e que Gasparin nunca conseguiu reproduzir

o fenômeno diante da comunidade científica francesa:

“para admitir a realidade da elevação de uma mesa, sem qualquer contato, teria

que ser reproduzido várias vezes e à vontade, em experiências com outros

observadores. Isso nunca ocorreu, o que nos leva a concluir que alguma

conivência houve nos experimentos”208. (FIGUIER, 1880, p. 579)

207 “The hypothesis of the fluid (a pure hypothesis, do not forget) has yet to prove that it is reconcilable with

the various circumstances of the phenomenon. The table does not merely turn, it raises its feet, it strikes numbers indicated by our thought, in one word, it obeys the will, and obeys so well, that the suppression of contact does not suppress its obedience. Lateral impulsion or attraction, which accounts for the rotations, cannot account for the elevations!”

208 mais pour admettre la réalité de l'élévation d'une table, sans aucun contact, il faudrait que ce fait se fût reproduit plusieurs fois, et à volonté, dans des expériences postérieures, avec d'autres observateurs. Or, c'est ce qui n'est jamais arrivé ; ce qui porte à conclure qu'une connivence quelconque s'est glissée dans

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4.3 O Espiritualismo Francês

Hippolyte Léon Denizard Rivail, conhecido pelo pseudônimo de Allan Kardec,

foi introduzido ao tema das mesas girantes, em 1854, por um grande amigo seu. Nascido

em Lyon em 1804, educou-se na Escola de Johann Heinrich Pestalozzi em Yverdun,

Suíça, tornando-se um defensor do seu sistema de educação. Antes que ficasse conhecido

por seu pseudônimo, Rivail publicou livros e trabalhos de natureza pedagógica voltados

para os conteúdos de Química, Física, Astronomia e Fisiologia, além de outros.

A obra espírita deixada por Kardec é conhecida como a “Codificação Espírita” ou

“pentateuco kardequiano” e contém a base teórico-prática do espiritismo e sua proposta

doutrinária.

4.3.1 A Codificação Espírita

É o próprio Allan Kardec quem descreve seu contato inicial com os fenômenos

posteriormente catalogados por ele. Cético de início, aceitou assistir às experiências e

empreendeu seus estudos através de uma observação rigorosa e meticulosa dos

fenômenos:

Foi em 1854 que pela primeira vez ouvi falar das mesas girantes. Encontrei um

dia o Senhor Fortier a quem eu conhecia desde muito e que me disse: Já sabe

da singular propriedade que se acaba de descobrir no Magnetismo? Parece que

já não são somente as pessoas que se podem magnetizar, mas também as

mesas, conseguindo-se que elas girem e caminhem à vontade. – ‘É, com efeito,

muito singular, respondi; mas, a rigor, isso não me parece radicalmente

impossível. O fluído magnético, que é uma espécie de eletricidade, pode

perfeitamente atuar sobre os corpos inertes e fazer que eles se movam’. Os

relatos, que os jornais publicaram, de experiências feitas em Nantes, em

Marselha, e em algumas outras cidades, não permitiam dúvidas acerca da

realidade do fenômeno209. (KARDEC, 1998b, p.323)

Kardec reagiu sem surpresa aos fenômenos das mesas girantes, pois imaginava

que o fenômeno fosse resultado apenas da propriedade não catalogada do fluido

magnético, exposta por Mesmer. Segundo seus próprios relatos, ele teria tido contato com

les expériences qui nous occupent. (FIGUIER, 1880, p. 579)

209 Excertos do texto “A Minha Primeira Iniciação no Espiritismo”. (KARDEC, 1998b, p. 323-406)

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187

o magnetismo desde os 18 anos de idade, e havia se empenhado juntamente com os outros

adeptos pela consolidação do mesmerismo na ciência oficial.

Posteriormente, em conversa com o mesmo Sr. Fortier, Kardec lhe revelou novos

aspectos sobre o fenômeno:

Algum tempo depois, encontrei-me novamente com o Sr. Fortier, que me disse:

Temos uma coisa muito mais extraordinária; não só se consegue que uma mesa

se mova, magnetizando-a, como também que fale. Interrogada, ela responde.

– Isto agora, repliquei-lhe, é outra questão. Só acreditarei quando o ver e

quando me provarem que uma mesa tem cérebro para pensar, nervos para sentir

e que possa tornar-se sonâmbula. Até lá, permita que eu não veja no caso mais

do que um conto para fazer-nos dormir em pé.[...] Era lógico este raciocínio:

eu concebia o movimento por efeito de uma força mecânica, mas, ignorando a

causa e a lei do fenômeno, afigurava-me absurdo atribuir-se inteligência a uma

coisa puramente material. Achava-me na posição dos incrédulos atuais, que

negam porque apenas veem um fato que não compreendem. [...] Eu estava,

pois, diante de um fato inexplicado, aparentemente contrário às leis da

Natureza e que a minha razão repelia. Ainda nada vira, nem observara; as

experiências, realizadas na presença de pessoas honradas e dignas de fé,

confirmavam a minha opinião quanto à possibilidade do efeito puramente

material; a ideia, porém, de uma mesa falante ainda não me entrara pela cabeça.

(KARDEC, 1998b, p. 325)

Das passagens acima observa-se a dificuldade apontada por Kardec para aceitar

um suposto evento sobrenatural acontecendo nas reuniões da burguesia parisiense. Sua

formação acadêmica o impedia de crer sem que ele próprio realizasse uma análise mais

detalhada. No ano seguinte, 1855, o futuro codificador espírita ouviu falar dos fenômenos

mais uma vez, através de outro amigo, o Sr. Carlotti. A ardorosa exposição feita por este

amigo de tantos anos fez com que Kardec, de maneira coerente com sua formação

acadêmica, procurasse observar presencialmente o fenômeno. Assim, em maio desse

mesmo ano, Kardec é indicado pelo Sr. Fortier para comparecer a uma reunião onde o

fenômeno se daria:

[...] fui à casa da sonâmbula Sra. Roger, em companhia do Sr. Fortier, seu

magnetizador. Lá encontrei o Sr. Pâtier e a Sra. Plainemaison, que daqueles

fenômenos me falaram no mesmo sentido em que o Sr. Carlotti se pronunciara,

mas em tom diverso. O Sr. Pâtier era funcionário público, já de certa idade,

muito instruído, de caráter grave, frio e calmo; sua linguagem pausada, isenta

de todo entusiasmo, produziu em mim viva impressão e, quando me convidou

a assistir às experiências que se realizavam em casa da Sra. Plainemaison, [...]

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aceitei imediatamente. A reunião foi marcada para terça feira, (1) de maio às

oito horas da noite. Foi aí que, pela primeira vez, presenciei o fenômeno das

mesas que giravam, saltavam e corriam, em condições tais que não deixavam

lugar para qualquer dúvida. Assisti a alguns ensaios, muito imperfeitos, de

escrita mediúnica numa ardósia, com o auxílio de uma cesta. Minhas ideias

estavam longe de precisar-se, mas havia ali um fato que necessariamente

decorria de uma causa. Eu entrevia, naquelas aparentes futilidades, no

passatempo que faziam daqueles fenômenos, qualquer coisa de sério, como

que a revelação de uma nova lei, que tomei a mim estudar a fundo. (KARDEC,

1998b, p. 326)

Foi nesses primeiros contatos de Kardec com os fenômenos das mesas girantes

que a base da doutrina espírita começou a tomar forma. Mais reuniões se sucederam em

outros locais e com outros atores, onde foi testada a comunicação direta com as

inteligências por trás do fenômeno. Usando uma “carrapeta”, que consistia de uma cesta

atravessada por um lápis que, supostamente, seria movimentada pelo espírito

comunicador, Kardec conseguiu comunicações extensas com um espírito que se

autodenominava “Zéfiro” e lhe devotava muita simpatia. Kardec denominou mediunidade

a capacidade dessas pessoas para perceberem a presença e/ou manifestar a vontade dos

espíritos, através de algum fenômeno palpável (KARDEC, [1960], p. 159-160).

Em 18 de abril de 1857, chega às livrarias a primeira obra de Allan Kardec: O

livro dos espíritos. Para concluir o projeto desse livro, Kardec desenvolveu durante dois

anos, aproximadamente, um programa de pesquisa, coleta e organização, em que

afirmava utilizar a metodologia científica para investigar as manifestações psíquicas dos

indivíduos e perceber a ação e/ou influência de seres inteligentes imateriais. Tais

inteligências extracorpóreas, chamadas de espíritos, podiam produzir diversos fenômenos

tais como luzes, vozes, mensagens escritas, faladas etc. O livro é uma grande compilação

de perguntas feitas por Kardec aos espíritos e suas supostas respostas. A primeira edição

era constituída de 501 perguntas e se tornou um enorme sucesso de vendas, esgotando-se

rapidamente. Em função disso, a editora lançou uma segunda edição ampliada com 1019

perguntas.

É com esta obra, O livro dos espíritos, que nasceu o pseudônimo Allan Kardec.

Conforme relatado por seu biógrafo, Henri Sausse210 (1851 – 1928), Kardec, ao ver-se na

210 Representante comercial francês, nascido em Lyon e conhecido como o “biógrafo de Allan Kardec”, é

devido a ele o conhecimento detalhado que hoje se possui da vida pessoal de Allan Kardec.

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iminência de colocar seu nome no livro, ficou em dúvida se assinava com seu verdadeiro

nome, devido à sua reputação no meio intelectual. A fim de evitar problemas para o seu

propósito, resolveu adotar o nome de “Allan Kardec” seguindo uma recomendação do

seu “espírito-guia” que, em comunicação mediúnica anterior, havia lhe contado que ele

fora um druida na Gália em uma encarnação passada e cujo nome seria Allan Kardec.

O primeiro volume da Codificação Espírita está dividido em três partes e contém

toda a base da doutrina espírita, cujos pilares são: a) a sobrevivência da alma e a

possibilidade dos que já partiram deste mundo, os mortos, se comunicarem com os que

aqui estão e b) o fato de que a alma é criada “simples e ignorante” e vai evoluindo, se

depurando, crescendo em intelecto e moral através de sucessivas (re)encarnações,

objetivando alcançar o patamar de “espírito puro”, no qual prevalece somente o bem,

orientado pela moral cristã. Sobre esta última premissa, Kardec relata que a observou no

início de seus trabalhos:

Um dos primeiros resultados que colhi das minhas observações foi que os

espíritos, nada mais sendo do que as almas dos homens, não possuíam nem a

plena sabedoria, nem a ciência integral; que o saber de que dispunham se

circunscrevia ao grau, que haviam alcançado, de adiantamento, e que a opinião

deles só tinha o valor de uma opinião pessoal. (KARDEC, 1998b, p.328)

A afirmativa acima desmistificava o “mundo dos espíritos” mostrando-o como um

mundo comum, de homens vivendo em condições diferentes e que, apesar de estarem

desencarnados, os espíritos tinham o conhecimento de acordo com o que tinham estudado

e vivido em suas encarnações. Assim, o pesquisador espírita deveria estar municiado de

certos cuidados em sua investigação, por estar lidando com homens comuns possuidores

de uma índole boa ou má. (KARDEC, 1998).

Kardec se tornou um dos intelectuais franceses mais lidos de sua época e sua

primeira obra, O livro dos espíritos, foi reeditada 15 vezes durante sua vida, alcançando

a 22a edição em 1886 com versões em inglês, alemão, polonês, espanhol, italiano,

português, grego moderno, croata e russo (MONROE, 2008, p. 96).

Em 1º de janeiro de 1858, Allan Kardec lança em Paris, com recursos próprios,

uma revista com o nome de Revue Spirite, objetivando desenvolver e debater ideias

espíritas entre simpatizantes do novo movimento. Muitas das ideias apresentadas, após

consolidadas, foram transferidas posteriormente para os livros que comporiam as obras

da Codificação Espírita. O primeiro número da revista, com 36 páginas, tinha como

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subtítulo Journal D'Études Psychologiques, uma vez que igualmente eram publicados

estudos sobre aspectos da psicologia humana. Em abril desse mesmo ano, Kardec toma

uma das providências mais significativas para a propagação do movimento espírita. Ao

buscar estabelecer a melhor maneira de pesquisar e estudar os procedimentos para o

relacionamento com os desencarnados e difundir os ensinos dos espíritos superiores,

Kardec fundou a Société Parisienne des Études Spirites (Sociedade Parisiense de Estudos

Espíritas – SPEE). Praticamente um ano após o lançamento do Livro dos espíritos,

Kardec contrariou os usos da época, em que as manifestações das “mesas girantes” eram

práticas de salão das residências burguesas, e deu seu parecer para que as reuniões

espíritas devessem ser levadas para uma instituição especialmente criada para esse

objetivo.

Em 1861, Kardec publica O livro dos médiuns onde aborda o “espiritismo prático”

e teoriza sobre as manifestações mediúnicas. Sua intenção era capacitar a todos que

desejassem um “instrumental mais seguro” para lidar com o espiritismo. De posse desse

conhecimento, seriam evitados problemas como charlatanismo ou complicações no trato

com os espíritos. Com esse livro, Kardec também foi um dos principais divulgadores da

palavra médium em toda a Europa no sentido que hoje é utilizada, ou seja, aquele que

intermedia a comunicação entre vivos e mortos (EDELMAN, 1995, p. 10). Nesse livro,

Kardec define médium como “pessoa acessível à influência dos espíritos e mais ou menos

dotada da faculdade de receber e de transmitir suas comunicações” (ibidem, p. 40). Para

Edelman, a palavra surgiu nos dicionários franceses como um termo do espiritismo a

partir do ano de 1869. Nos dicionários Lachatre (1869) e Larousse (1875), o verbete

médium tem o significado: “a pessoa que pretende servir de intermediário entre seus

semelhantes e os espíritos dos mortos ou outros” (EDELMAN, 1995, p. 10-11).

A terceira obra de Kardec foi lançada em 1864 sob o nome Imitação do evangelho

segundo o espiritismo, objetivando resgatar o cristianismo em sua pureza original. Em

seguida seu nome é trocado para O evangelho segundo o espiritismo. Essa obra contém a

proposta religiosa do espiritismo e é composta por mensagens de “espíritos” que, ao longo

do tempo, auxiliaram na divulgação do cristianismo. Nesta obra, Kardec afirma que a

doutrina espírita ou espiritismo é o “consolador prometido” por Jesus citado no

Evangelho de João, e chama para si a responsabilidade de “dar continuação às leis do

Cristo”. Assim, o espiritismo vinha, ao seu tempo, cumprir as promessas de Jesus de

“ensinar todas as coisas” e “recordar tudo o que vos tenho dito”:

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O Espiritismo mostra a causa dos sofrimentos nas existências anteriores e na

destinação da Terra, onde o homem expia o seu passado. Mostra o objetivo dos

sofrimentos, apontando-os como crises salutares que produzem a cura e como

meio de depuração que garante a felicidade nas existências futuras. O homem

compreende que mereceu sofrer e acha justo o sofrimento. Sabe que este lhe

auxilia o adiantamento e o aceita sem murmurar, como o obreiro aceita o

trabalho que lhe assegurará o salário. O Espiritismo lhe dá fé inabalável no

futuro e a dúvida pungente não mais se lhe apossa da alma. Dando-lhe a ver do

alto as coisas, a importância das vicissitudes terrenas some-se no vasto e

esplêndido horizonte que ele o faz descortinar, e a perspectiva da felicidade

que o espera lhe dá a paciência, a resignação e a coragem de ir até o termo do

caminho. Assim, o Espiritismo realiza o que Jesus disse do Consolador

prometido: conhecimento das coisas, fazendo que o homem saiba donde vem,

para onde vai e por que está na Terra; atrai para os verdadeiros princípios da

Lei de Deus e consola pela fé e pela esperança. (KARDEC, 2013b, p.106)

O penúltimo livro é lançado em 1865, sob o título de O céu e o inferno: ou a

justiça divina segundo o espiritismo, onde Kardec aborda, segundo a ótica da doutrina

espírita, os dogmas católicos de céu, inferno, purgatório, anjos e demônios. A intenção

era mostrar que céu, inferno e purgatório não existem como concebidos pela teologia

católica; que anjos não passam de espíritos que, através de seu autoburilamento, alçaram

a condição de espíritos puros, e os demônios não passam de espíritos que, por sua

ignorância, encontram-se ainda presos às sensações que a matéria densa propicia e se

recusam a progredir através de uma autorreformulação interna (KARDEC, 2001). Por

último, em 1868, Kardec lança sua última obra, A gênese: os milagres e as predições

segundo o espiritismo. Nesta, o autor procura ampliar as leis da natureza conhecidas para

que os fenômenos, tantos os espíritas como os milagres de Jesus, possam receber um

tratamento mais racional e adequado aos conhecimentos do século XIX.

Kardec procura apresentar a “gênese” planetária utilizando, para isso, uma série

de comunicações ditadas à Sociedade Espírita de Paris, em 1862 e 1863, sob o título

Estudos uranográficos e assinada Galileu, supostamente uma comunicação mediúnica do

espírito de Galileu Galilei (1564 – 1642) recebida pelo astrônomo e médium Camille

Flammarion. O texto completo da série de comunicações pode ser encontrado no capítulo

VI, “Uranografia geral”, dessa obra.

Durante os anos de 1862 e 1863, a ideia de éter luminífero se encontrava bem

consolidada entre os astrônomos. Assim, não é difícil entender que Camille Flammarion

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tenha se apropriado do éter para descrever a matéria cósmica primitiva. Esta, geradora do

mundo e dos seres, seria um fluido etéreo que permearia o universo, assumindo dois

estados distintos, o de eterização (imponderabilidade) e o de materialização

(ponderabilidade), e entre estes ocorreriam transformações contínuas:

10. Há um fluido etéreo que enche o espaço e penetra os corpos. Esse fluido é

o éter ou matéria cósmica primitiva, geradora do mundo e dos seres. Ao éter

são inerentes as forças que presidiram às metamorfoses da matéria, as leis

imutáveis e necessárias que regem o mundo. Essas múltiplas formas,

indefinidamente variadas segundo as combinações da matéria, localizadas

segundo as massas, diversificadas em seus modos de ação, segundo as

circunstâncias e os meios, são conhecidas na Terra sob os nomes de gravidade,

coesão, afinidade, atração, magnetismo, eletricidade ativa. Os movimentos

vibratórios do agente são conhecidos sob os nomes de som, calor, luz etc. Em

outros mundos, as formas se apresentam sob outros aspectos, revelam outros

caracteres desconhecidos na Terra e, na imensa amplidão dos céus, forças em

número indefinido se têm desenvolvido numa escala inimaginável, cuja

grandeza tão incapazes somos de avaliar, como o é o crustáceo, no fundo do

oceano, para apreender a universalidade dos fenômenos terrestres.

Ora, assim como só há uma substância simples, primitiva, geradora de todos

os corpos, mas diversificada em suas combinações, também todas essas forças

dependem de uma lei universal diversificada em seus efeitos e que, pelos

desígnios eternos, foi soberanamente imposta à criação, para lhe imprimir

harmonia e estabilidade. (KARDEC, 2013a, p. 97)

Cabe observar aqui, que a matéria primordial a que Kardec se refere é similar às

características do éter de Stokes: densidade maior próxima à superfície da Terra e

rarefeito a grandes alturas.

Seu objetivo com esta obra é parear a ciência com o espiritismo, buscando casar

a ordem do mundo material com a ordem do mundo dos espíritos e, assim, demonstrar

que ambos são um só mundo, estando somente em planos diferentes. Kardec entendia o

espiritismo como uma ciência surgida com base na investigação dos fenômenos

mediúnicos e na elucidação das leis que regem as relações entre o mundo corporal e o

mundo espiritual. Para ele, as manifestações espirituais nada teriam de sobrenatural ou de

maravilhoso; elas se produziriam sob leis naturais, assim como a eletricidade, a gravitação

e a mecânica (KARDEC, 1998a, p. 6-28). Sua metodologia — observação empírica,

análise racional das manifestações espirituais e apropriação dos conceitos da ciência da

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época — levaram seus adeptos a reivindicarem um caráter científico, moderno e racional

para a teoria espírita, tendo esta metodologia, obtido grande repercussão na França

(SHARP, 2006, p.xvi). Entretanto, ele afirmava que o espiritismo não poderia ser

enquadrado no mesmo ramo das ciências tradicionais, como a química e a física, por não

lidar com a matéria, mas sim como uma nova ciência cujos fatos observados não

encontrariam explicações à luz de teorias ou sistemas já existentes (KARDEC, 1999, p.2).

No ano de 1869, Kardec falece de uma parada cardíaca súbita, deixando vários

escritos esparsos, que foram posteriormente reorganizados por Pierre-Gaëtan Leymarie211

(1827 – 1901) sob o título de Obras póstumas. Morreu em seu apartamento, enquanto

organizava a mudança da sede da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas.

François-Marie Gabriel Delanne (1857 – 1926 ) 212 , colaborador de Kardec e

intelectual renomado nos círculos franceses, foi um dos primeiros a chegarem ao local

após seu falecimento. Kardec foi enterrado no cemitério Père-Lachaise em Paris, e a

inscrição na lápide resume os preceitos máximos de sua doutrina espírita: Naître Mourir

Renaître encore et Progresser sans cesse: Telle est la Loi213.

A Crise do Movimento Espírita

a) Procés des Spirites

Com o falecimento de Kardec, o pilar do espiritismo, abre-se uma crise no meio

espírita. A administração da SPEE passou para as mãos de Pierre-Gaëtan Leymarie,

socialista e um dos acompanhantes de Kardec nos estudos de espiritismo desde os

primeiros tempos.

No ano de 1875, Leymarie se junta ao médium e fotógrafo Édouard Isidore Buguet

(1840 – 1901) para realizar o desenvolvimento de uma pesquisa do que se convencionou

chamar “fotografias espíritas”. Estas consistiam em capturar através de uma chapa

211 Colaborador de Kardec desde o início da publicação da "Revue Spirite" e das obras da codificação da

doutrina espírita, juntamente com Camille Flammarion. Como administrador da SPEE, passou a exercer as funções de redator-chefe e diretor da "Revue Spirite" (1870 a 1901) e gerente da "Librairie Spirite" (1870 a 1897). Durante trinta anos, no conturbado período que se seguiu à morte de Kardec, Leymarie manteve-se em atividade, promovendo congressos e divulgando trabalhos espíritas de vários países. Os escritos espíritas de William Crookes, na Inglaterra foram amplamente divulgados na revista, incentivando o próprio Leymarie a realizar experiências com fotografias. Pela ação de Leymarie, as obras de Kardec foram traduzidas para vários idiomas.

212 Foi um engenheiro francês e um dos primeiros pesquisadores espíritas notórios. Intelectual renomado, sua pesquisa sobre a mediunidade é notória no contexto do problema mente-corpo na área da psiquiatria. Ver Almeida (2013).

213 Nascer, Morrer, Renascer ainda e Progredir sem cessar: Tal é a Lei

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fotográfica, no exato momento em que era tirada uma fotografia, a “semi-materialização”

de um espírito. Alegava-se que, nesse caso, a chapa fotográfica era capaz de captar a

presença do espírito não detectada pelo olho humano.

Como inúmeras pessoas da alta roda parisiense procuravam Buguet para pagar por

fotos com seus entes queridos já falecidos, essa atividade tornou-se o principal meio de

vida e sustento do médium e fotógrafo. Devido a um crescente número de pedidos,

Buguet, que também era fotógrafo profissional e conhecia alguns truques do meio,

haveria forjado as fotos espíritas superpondo as chapas em laboratório, obtendo o efeito

fantasmagórico com a utilização de bonecos e fantoches. A fraude acabou sendo

descoberta resultando em um processo, intitulado Procés des Spirites. Relata-se

(LEYMARIE, 1875) que neste processo Buguet teria acusado P. G. Leymarie de ter

arquitetado junto com ele as fraudes, resultando na condenação de ambos. Vinte anos

mais jovem que o marido, a cujo lado colaborava ativamente, Marina Leymarie empregou

todas as suas energias na defesa do nome do esposo, quando ele foi processado, e deixou

registrado seu esforço ao escrever a memória Procès des spirites, um detalhado

documento que reuniu vasta documentação, lançado no ano de 1875. Segundo a autora e

comentadores, os fatos teriam sido adulterados e os promotores do caso, juntamente com

o juiz, demonstraram parcialidade e não julgaram todos os eventos com a devida justeza.

Gabriel Delanne relata o seguinte, a propósito do caso da fotografia espírita:

A despeito das alegações de mais de 140 testemunhas que afirmaram, sob

palavra de honra, haver reconhecido personagens mortas de sua família e

obtido suas fotografias, aproveitaram a má-fé do médium Buguet para fazer

acreditar ao público que nessas produções só havia, de um lado, velhacaria e,

do outro, credulidade estúpida. [...] Os juízes, entretanto, não hesitaram em

condenar Leymarie, gerente da sociedade espírita, a um ano de prisão e 500

francos de multa, porque esperavam atingir nele o Espiritismo, doutrina que

diz respeito ao clero, muito de perto, e por isso não se podia deixar de sentir a

sua ação na penalidade infligida àquele que representava o Espiritismo

francês.[...] A despeito dos tribunais, é preciso reconhecer que o fato se pode

produzir e, por estranhável que seja, nada tem de sobrenatural. Desde que se

demonstra que os Espíritos existem, que têm um corpo fluídico que se pode

condensar, em certas condições, é fácil compreender que possa ser fotografado,

pois que se materializa até à tangibilidade, como o provaram as experiências

de Crookes. Estamos longe de conhecer as leis que dirigem as operações que

nos são mais familiares; não há, portanto, que espantar o ver-se produzirem

incidentes que parecem, a princípio, inexplicáveis [...]. (grifo meu)

(LEYMARIE, p. 6, 1875)

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Em setembro de 1875, em um documento dirigido ao Ministro da Justiça da

França, Édouard Buguet se retrata e confirma a inocência de P. G. Leymarie. Diz ele que

o editor da Revue Spirite nada sabia acerca dos meios ou subterfúgios fraudulentos que

ele, Buguet, havia empregado para obter as fotos. Alegou ainda que dois terços das fotos

obtidas eram reais e que a fraude havia se dado em apenas um terço das fotografias, pois

encontrava-se adoentado na ocasião e, portanto, incapaz de produzir o fenômeno de

semimaterialização nas chapas fotográficas. (LEYMARIE, p. 120, 1875)

Esse evento produziu um forte revés no espiritismo francês, já que a imprensa

contrária à doutrina o divulgou amplamente. Segundo os biógrafos espíritas do evento,

Leymarie foi vítima de um excesso de confiança nos “dons” de Buguet.

b) O caso Ruth-Céline Japhet e Alexander Aksakov

Ainda nesse mesmo ano de 1875, um artigo do pesquisador espiritualista russo

Alexander Aksakof, publicado na revista The Spiritualist, lançou mais uma controvérsia

sobre movimento espírita. Utilizando-se de uma entrevista realizada por ele, no ano de

1873, com a médium francesa Ruth-Céline Japhet (1837 – 1885)214, Aksakof visou atingir

diretamente o ícone do movimento, Allan Kardec.

O artigo tinha como objetivo criticar a visão reencarnacionista do espiritismo, tida

como enigma pelos espiritualistas ingleses. Aksakov resolve abordar a origem histórica

da criação do espiritismo, atribuindo o marco inicial à publicação do Livro dos espíritos.

Ao longo do artigo, ele nos fornece dados interessantes e importantes sob o ponto de vista

da história do espiritismo e destaca, logo no início do texto, a principal informação: a

reencarnação como o motivo da divergência entre espiritismo e espiritualismo. O texto

revela que esta divergência perdurou por longos anos e foi responsável por duros embates

já que Kardec atribuiu esta discordância ao fato de que os americanos e ingleses não

estariam preparados para receber tal ensinamento. Aksakof sustentava que os médiuns

214 Ruth-Céline Japhet na realidade se chamava Ruth-Céline Bequet. O sobrenome Japhet ela adotou para

identificar-se como sonâmbula profissional. Nascida em Paris no ano de 1837, morava com os pais quando, em 1841, ficou gravemente doente e impedida de caminhar. Impaciente com a ineficácia dos remédios que tomava para recuperar os movimentos das pernas, seu irmão resolveu, por conta própria, magnetizá-la e, segundo relatos, ela conseguiu levantar-se e voltou a caminhar normalmente após um ano. Em 1845, a família resolveu procurar um magnetizador, fato que a levou a conhecer o sr. Roustan. Em 1856, Allan Kardec começou a frequentar também as sessões em casa do sr. Roustan, onde Ruth-Céline psicografava com a cesta de bico (corbeille-toupie). Ruth-Céline Japhet era sempre a médium principal, havendo Allan Kardec assegurado que essas reuniões “eram sérias e se realizavam com ordem”. Tanto mais que ali se manifestou, pela primeira vez, o Espírito da Verdade. Disponível em <http://www.oconsolador.com.br/ano5/205/especial.html>. Acesso em 16/09/2017

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eram sensíveis à influência de opiniões preconcebidas e que Kardec e outros

magnetizadores, de forma intencional ou não, estimulariam essa crença na reencarnação

através da sua relação pessoal com os médiuns (AKSAKOF, 1875, p. 75).

Céline Japhet narra a Aksakof, que ela era responsável por três quartos do

conteúdo de O livro dos espíritos, e mesmo assim ela não fora citada na obra. Ainda nesta

entrevista, a Srta. Japhet alega que tirava seu sustento do uso de sua mediunidade e, por

ter sido pioneira na obtenção de comunicações com os espíritos, possuía um arquivo com

todas as comunicações realizadas durante as sessões/reuniões com vistas a uma

publicação. Ela acusa Kardec de ter se apoderado destas comunicações. Seria impossível

decidir se esta acusação é procedente ou não; no entanto, o dado que a Srta. Japhet revelou

na entrevista é confirmado em 1896, por Henri Sausse, biógrafo de Allan Kardec. Este

teria recebido 50 cadernos dos amigos, a maioria deles do círculo do Sr. Roustan, da qual

Japhet era a médium principal:

A estas informações, colhidas nas Obras Póstumas de Allan Kardec, convém

acrescentar que a princípio o Sr. Rivail, longe de ser um entusiasta dessas

manifestações e absorvido por outras preocupações, esteve a ponto de as

abandonar, o que talvez tivesse feito se não fossem as instantes solicitações

dos Srs. Carlotti, René Taillandier, membro da Academia das Ciências,

Tiedeman-Manthèse, Sardou, pai e filho, e Diddier, editor, que

acompanhavam havia cinco anos o estudo desses fenômenos e tinham reunido

cinquenta cadernos de comunicações diversas, que não conseguiam pôr em

ordem. Conhecendo as vastas e raras aptidões de síntese do Sr. Rivail, esses

senhores lhe enviaram os cadernos, pedindo-lhe que deles tomasse

conhecimento e os pusesse em termos –, os arranjasse. Este trabalho era árduo

e exigia muito tempo, em virtude das lacunas e obscuridades dessas

comunicações; e o sábio enciclopedista recusava-se a essa tarefa enfadonha e

absorvente, em razão de outros trabalhos. (KARDEC, p.15, 2001)

Supondo estar correta a hipótese de que o material mediúnico tenha sido fornecido

a Kardec, então faria sentido a informação de que três quartos do livro em questão teriam

vindo da mediunidade da Srta. Japhet. Entretanto, Kardec declarou que praticamente toda

a primeira edição deveu-se a mediunidade das meninas Baudin e, nos textos de Obras

póstumas, revela que o círculo do qual elas faziam parte não era dado a questões sérias.

Questiona-se aqui como uma (ou, no máximo duas sessões) por semana onde a maior

parte dos assuntos tratados eram de caráter “frívolo” poderia ser suficiente para produzir

todo o conteúdo do Livro dos espíritos, no espaço de pouco mais de um ano. Ainda de

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acordo com a entrevista, a Srta. Japhet tinha orientação espiritual do criador da

homeopatia, o médico alemão Christian Friedrich Samuel Hahnemann (1755 – 1843). Na

primeira edição do Livro dos espíritos, Kardec o menciona por algumas vezes,

colocando-o na lista daqueles responsáveis pelo seu conteúdo. É curioso que a citação de

Hahnemann tenha desaparecido a partir da segunda edição, no ano de 1860. Céline Japhet

teria dito a Aksakof que Kardec só teria reconhecido sua importância após receber

censuras de seus correspondentes, através da primeira edição da Revista Espírita em

janeiro de 1858 (p. 69). De acordo com o pesquisador russo, havia uma outra falha

observada nos textos do codificador: a existência de médiuns com opiniões contrárias ao

espiritismo teria sido completamente desconsiderada por Kardec. Cita como exemplo que

o famoso médium escocês Daniel Dunglas Home teria sido omitido das obras espíritas

por ter-se manifestado descrente da hipótese de reencarnação (AKSAKOF, p. 75, 1875).

O artigo de Aleksander Aksakof recebeu várias críticas nos números seguintes do

periódico The Spiritualist onde, as principais réplicas, teriam sido redigidas por Anna

Blackwell (1816 – 1900), responsável pela tradução da obra para o inglês e por Pierre

Gaetan Leymarie. Com base em trechos da introdução de O Livro dos Espíritos, Anna

Blackwell justificou a ausência de citação do nome de ambos os médiuns, pelo fato de

que os livros de Kardec eram resultado da compilação de mensagens convergentes

obtidas por inúmeros médiuns (BLACKWELL, 1875). Já Leymarie acrescentou apenas

que a ideia de nomear dúzias de médiuns responsáveis por cada mensagem seria absurda

(LEYMARIE, p. 176, 1875).

4.3.2 Contextualizando Allan Kardec

O espiritismo nasceu do fenômeno das mesas girantes que foi popularizado nos

salões franceses. Um autor que tratou de maneira muito nítida esses ambientes e sua

contribuição para o funcionamento da sociedade francesa foi Honoré de Balzac

(1799 – 1850). Segundo comenta Friederich Engels (1820 – 1895) em carta para Karl

Marx: “Aprendi mais em Balzac sobre a sociedade francesa da primeira metade do século,

inclusive nos seus pormenores econômicos (por exemplo, a redistribuição da propriedade

real e pessoal depois da Revolução), do que em todos os livros dos historiadores,

economistas e estatísticos da época, todos juntos” (MACHADO, 2007). Os famosos

salons 215 da burguesia francesa revelam a passagem da sociedade da corte para a

215 Os salões não foram uma estratégia de transição restrita à França. Aconteceu também em outros países

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sociedade das cidades, e permitiu ao espiritismo, como também a outras correntes de

pensamento do seu tempo, um ambiente de discussão e proliferação de seus princípios.

Mais do que uma simples diversão da burguesia, os salões proporcionaram ao seu tempo

e às ideias circulantes um local de propaganda e divulgação que contribuiu para a

efervescência intelectual e o aparecimento de novas propostas. Seus frequentadores

encontravam-se em movimentos de cunho literário, artístico, filosófico, científico e na

imprensa. Assim, os intelectuais tiveram um papel relevante como criadores e

divulgadores de ideias e, no caso específico do espiritismo, foram primordiais para a sua

sobrevivência.

Hippolyte-Leon Denizard Rivail, antes de se tornar Allan Kardec, era um

respeitado pedagogo, com vários títulos e prêmios acadêmicos. Como um intelectual da

época, Kardec compilou os textos de seus livros onde os temas espíritas foram tratados

de maneira complexa. Isso exigiu, e também atraiu, a colaboração dos intelectuais ligados

ao seu lado prático-investigativo, assim como suas propostas filosófico-doutrinárias. Era

uma doutrina compilada por um intelectual, auxiliado por intelectuais que se encontravam

inseridos nos meios literários, científicos e da imprensa. O espiritismo se colocava, assim,

como uma proposta religiosa, científica e filosófica.

Podemos dizer, então, que Kardec fez uma síntese filosófico-doutrinária bastante

criativa na elaboração do espiritismo. Senão vejamos:

— a concepção de reencarnação atribui ao espírito imortal a capacidade de

adquirir e manter experiências e conhecimentos. Cada renascimento representa a

oportunidade de novo aprendizado, aprofundamento e/ou revisão de suas

experiências pregressas. Observa-se neste item que Kardec fez uso do princípio

do inatismo216 de Descartes. Assim, como resultado de nossas vidas anteriores, já

traríamos “concepções inatas” armazenadas em nosso espírito que nos ajudariam

a lidar com o mundo. Através do inatismo, a doutrina espírita propôs-se a explicar,

por exemplo, a genialidade que se manifestava nas pessoas desde a mais tenra

idade, ao invés de atribuí-las ao “acaso”217;

da Europa e também do mundo, como maneira de perpetuar o “espírito alcoviteiro” das cortes. Para maiores detalhes ver Elias (1994).

216 Uma das grandes contribuições de Descartes foi a concepção do inatismo, onde o ser já possuía em si certas ideias inatas - nascidas consigo devido ao fato dele ser racional, possuidor da razão. Tais ideias o ajudariam na compreensão da realidade, tais como a ideia de infinito, eterno, perfeito, etc.

217 A doutrina espírita é contrária à ideia de acaso. Para ela o próprio espírito dita o seu futuro, ou seja, suas ações presentes moldarão seu futuro.

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— ainda de Descartes, Kardec faz uso também da concepção do dualismo218,

quando propõe que o espírito imortal, sede do ser, seja composto por duas

dimensões ou corpos: o perispírito219, onde reside a sede da “mente” (“espírito em

si”, res cogitans) e o corpo material220, que seria a manifestação (res extensa).

Com isso, enquanto o espírito se encontrasse imerso na realidade material, ele

possuiria dois corpos: o perispírito e o corpo de carne, ambos desdobramentos do

espírito, dimensão principal, que teriam como propósito auxiliar o seu crescimento

rumo a uma conscientização plena (KARDEC, 1998a). Assim como Descartes,

Kardec também defende a existência de uma “falsa dualidade” entre espírito e

mente na doutrina espírita. Entretanto, para a doutrina, o espírito seria a “mente

em si” e, portanto, a única realidade (KARDEC, 1998a) 221 .O “dualismo”,

218 O dualismo é outra contribuição de Descartes que permeia a concepção filosófica do espiritismo. De

acordo com o dualismo, a mente é uma substância distinta do corpo. O conceito de mente pode ser aproximado ao conceito de intelecto, de pensamento, de entendimento, de espírito e de alma do ser humano. René Descartes propôs o dualismo das substâncias que seriam uma entre duas coisas: res cogitans ou res extensa. Para ele o espírito e o corpo seriam nitidamente distintos. Espírito e matéria constituiriam duas realidades irredutíveis, e assim não seriam nunca uma substância só, mas sempre duas substâncias distintas. Espírito seria do mundo do pensamento, da liberdade e da atividade; e matéria seria do mundo da extensão, do determinismo e da passividade. O espírito (com seu pensamento e intelecto) estaria para o corpo assim como a mente estaria para a alma. A dualidade espírito-mente acabaria por se mostrar uma falsa dualidade, seguindo o pensamento de Descartes. Somente a mente pareceria distinta porque apresenta-se quase estática, já que é reflexiva, por sinal, quase palpável; enquanto o espírito aparece aos sentidos como ativo, criativo, mutável etc. Enquanto o espírito seria o ativo da substância res cogitans, a mente seria seu ângulo potencial, aquilo que o pensamento tem de ponderável, como um pensamento que se adensa ou se aprofunda em um assunto, talvez o subjetivo do pensamento. A mente seria ao sentido como um imponderável que seria mensurável.

219 O espírito ao iniciar seu processo de aproximação com a realidade adensada, ou “material”, precisaria adquirir elementos dessa realidade para então deixar o status disforme e ganhar em amplitude de manifestação. No caso de estar em uma realidade planetária, ele então adquiriria elementos da realidade densa desse planeta, e começaria a formar o “perispírito”, ou “corpo espiritual”, que seria seu veículo de apresentação manifesta no momento em que ele se coloca, no caso, no planeta. A formação do perispírito é inconsciente para alguns espíritos (ignorantes ainda do processo) e consciente para aqueles que possuíssem já ciência e instrução sobre os processos que o envolvem (conhecimentos esses adquiridos com a experiência e durante a vida espiritual, em escolas e estudos, como aqui fazemos). O períspirito em sua constituição e aparência transmite aos outros espíritos (para aqueles também mais experientes na mecânica do plano espiritual) detalhes sobre a realidade psicológica, “física”, e a condição espiritual do ser em questão. Seria como o “espelho” da realidade do ser enquanto ser, de suas conquistas, traços de caráter, etc: quanto mais puro o espírito, quanto mais evoluído e bom, mais “brilhante” e volátil de torna seu períspirito, que repeliria traços “grosseiros” da estrutura psico-física do planeta demonstrando assim em sua constituição que o ser que o possui seria alguém de elevada estatura espiritual, alguém de muitas experiências e de um caráter voltado para a prática do bem. Ao contrário disso, quanto mais apagado e grosseiro é o períspirito de um ser, mais ele demonstra ainda apego à realidade material, o que pode ser sinal de alguém ainda com um senso moral pouco trabalhado

220 A evolução do espírito para se dar de maneira mais completa, e até mesmo mais acelerada, deve ser feita através de sucessivas “reencarnações”, onde ele experimentaria a “vivência material” de maneira direta. Ao reencarnar, o espírito receberia mais um corpo, este de carne, para continuar seu processo de burilamento pessoal.

221 O espiritismo, entende o espírito como mente: a existência no ser de algo que funciona como sede do pensamento, da razão e do sentimento.

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portanto, existiria em nós apenas para cumprir-se determinada etapa do nosso

crescimento espiritual e, uma vez que tenhamos retomado a consciência pela

vivência adquirida, iremos nos tornar seres unificados em si próprios e com o

universo que nos cerca.

— Kardec resgata, no naturalismo e no imanentismo 222 de Bernadino Telésio

(1509 – 1588), a proposta da ampliação do conceito de “natural”, apoiando-se na

ideia de que o espiritismo pertenceria ao reino das “leis naturais”. Sua proposta

filosófica afirma que a alma presente no homem é algo que vem de Deus, e

relaciona ambos, homem-alma, como pertencentes a uma única natureza. Segue

dizendo que, contudo, essa relação não é totalmente harmoniosa, pois a alma,

princípio de Deus no humano, estimularia o ser a olhar a religião como forma de

se encontrar, e também a lutar contra o “arrastamento da carne” (o aspecto “ruim”

da natureza em si), para então poder “dominar com a vontade livre as tendências

naturais”. A alma, portanto, faria parte da natureza que permitiria ao homem lutar

e vencer as “tendências naturais” que prejudicariam seu “livre arbítrio”. Segundo

ainda Bernardino, Deus seria imanente ao homem, o que implicaria logicamente

que a ação de Deus se confundisse com a da natureza e, portanto, não existiria

nenhum acontecimento sobrenatural (FERNANDES, 2008, p. 38-39). O

naturalismo renega o sobrenatural e a criação divina, procurando organizar a

realidade em “leis da natureza” imanentes e materiais. As obras de Kardec sempre

usam a expressão acima para apresentar os fatos espíritas. Segundo ele, todo

fenômeno espiritual seria decorrente das leis da natureza, que permaneciam

desconhecidas até então, porque a ciência não teria avançado o suficiente. Com

essa premissa, o espiritismo renega o sobrenatural, que existiria até que a ciência

progredisse e fosse capaz de predizer os fenômenos observados. Kardec desejava

que houvesse um entendimento do conceito de “espírito” como sendo o ser

humano em si, o que implicaria em trazer para o reino do natural o que era visto

como sobrenatural. Entretanto, o espírito não perderia o seu status de ser a sede

última da “razão”, ou da nossa divindade imanente.

222 O Imanentismo surge com Bernadino Telésio (1509 – 1588). Com De rerum natura iuxta propria principia,

sua obra fundamental, afirmava que “Haveria no homem também uma alma que transcende a natureza e o mundo material, criada e infundida por Deus. Por conseguinte, o homem pode pensar e querer o supra-sensível, o eterno, e dominar com a vontade livre as tendências naturais. Desse modo, acima da ciência é posta e justificada a fé e a revelação” (grifo meu). Disponível em Boenke (2017).

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— a doutrina espírita aproveita, do idealismo 223 , a concepção de Geist. O

idealismo colocava o espírito em primeiro plano e o Geist era o “espírito” da

natureza, o princípio inteligente, a sede da razão. No espiritismo, Kardec

corporifica o Geist fazendo com que ele adquira uma anatomia própria e um

propósito. Um dos principais representantes do romantismo francês, Victor Marie

Hugo (1802 – 1885), realizou várias sessões de “mesas girantes” em sua própria

casa (MALGRAS, 1906) e Kardec viria a publicar, na Revue Spirite, comentários

e discursos224 de Hugo em que ele ressalta a sua fé na imortalidade da alma e no

mundo dos espíritos.

— do socialismo225, o espiritismo se apropria do pilar de um mundo mais justo

em função das ações desenvolvidas no presente. Segundo P. C. Fernandes,

O socialismo francês foi representado principalmente pela escola “utópica” de

Claude Henry de Saint-Simon e Charles Fourier. No caso do primeiro, o

socialismo seria a expressão de um governo justo, que contemplasse todos os

setores da sociedade, liderado pelos “notáveis”: sábios e industriais. Esses

sábios se encarregariam também de – por meio da “ciência das sociedades”

(Sociologia) – estudar as necessidades da população para, juntamente aos

industriais, suprir as suas carências. Saint-Simon acreditava que a ciência iria

tomar o lugar da religião, e que levaria os homens ao “novo cristianismo”

liberto dos dogmas das teologias medievais. A ciência positiva vinha

respondendo a um progresso necessário e ininterrupto, e iria consolidar as

bases da nova sociedade. Já Fourier é um tanto singular em seu projeto. Tendo

vivido em Lyon, centro do operariado francês, esse autor teve um contato mais

direto com a realidade trabalhista. [...] Também como Saint-Simon, Fourier

tinha uma concepção evolucionista, enxergando a história por meio de fases

que terminariam no período de harmonia. No momento em que estava, a

223 Da metade para o final do século XVIII, um movimento filosófico começa a se formar na Europa, tendo

na Alemanha o seu grande berço: o Romantismo. Configurando-se como uma reação às prioridades do Iluminismo, o romantismo procura deslocar a reflexão filosófica de uma crítica da metafísica, para o plano da estética, história e linguística. Também na Alemanha, no início do século XIX, o Idealismo, filho dileto do romantismo surge como uma resposta às origens do racionalismo cartesiano. O idealismo reduzia tudo a uma imanência absoluta: o ser, possuidor da razão, era completo, distinto. Fichte, Schelling, e mais notadamente Hegel, são os responsáveis pelo desenvolvimento dessa tradição que varreu a Europa. Der Geist era o princípio inteligente da natureza, dotado de poder explicativo do real.

224 Para mais detalhes: “Discurso de Victor Hugo sobre a Morte de uma Jovem” (KARDEC, [1960], v. 8 - 1865 - fev.). E também Kardec ([1960], v. 1 - 1858 - maio, v. 2 - 1859 - jun.).

225 Uma das grandes expressões filosóficas da França foi o socialismo. Segundo SIMÕES & FEITAL (2004) “A palavra socialismo surge pela primeira vez na França, em artigo de novembro de 1831 no jornal Le Semeur e depois em fevereiro de 1832, em Le Globe, em ambos os casos, opondo-se à ideia do individualismo”. Surge na França como reação às ideologias que se instalaram após a revolução de 89, do individualismo, do laissez-faire. O socialismo buscava ser a doutrina da justiça social, uma filosofia que destaca que todos merecem ter as mesmas condições para sobreviver.

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humanidade vivia no período de civilização, devido aos avanços da indústria,

mas para alcançar a harmonia faltava estender os benefícios da sociedade

industrial à toda população. (grifos nossos) (FERNANDES, 2008, p. 41)

Compreende-se então que a ideia de socialismo de Allan Kardec não estava

baseada nas propostas de Friederich Engels (1820 – 1895) e de Karl Marx

(1818 – 1883)226, pois a ética e a justiça que norteariam as ações espíritas nessa

busca socialista para um mundo melhor só poderiam ser encontradas nos

exemplos dados por Jesus Cristo.

— do positivismo 227 , Kardec inseriu a concepção da ciência como meio de

investigação e como ferramenta para legitimar suas pesquisas. Desenvolvido por

Auguste Comte (1798 – 1857), o positivismo classificava a evolução da

humanidade por fases (teológica, filosófica e positiva) e estabelecia o plano

fenomenológico como o critério da verdade. Assim, buscava nos fatos e na

experiência, imediata e pura, leis mecânicas de associação e evolução. Colocava

a ciência no lugar da religião e a ela prestava reverência, sacralizando-a como a

nova tábua de salvação da humanidade. Observa-se que, como homem de seu

tempo, Kardec sempre deixou muito explícito, no espiritismo, sua constante busca

no sentido de utilizar da ciência e sua metodologia para formular seus postulados.

Há um significativo debate entre alguns autores espíritas sobre se Kardec poderia

ser considerado positivista. Em 1855, Hippolyte Léon Denizard Rivail, ao presenciar os

fenômenos das mesas girantes e outros, declarou: “faz-se mister, portanto, andar com a

maior circunspecção e não levianamente; ser positivista e não idealista, para que não me

deixe iludir” (KARDEC, 1998b, p.328, grifo nosso).

Para alguns autores, o espiritismo não poderia escapar da influência filosófica de

seu tempo e possui algumas abordagens em comum com o positivismo, conforme nos

coloca Dora Incontri (2004, p. 53): “a valorização do método científico, experimental,

226 Ainda segundo Fernandes, “O socialismo só irá ser visualizado como ciência por meio da contribuição de

Karl Marx e Friederich Engels. Com eles, o socialismo ganha um plano teórico-científico e um projeto prático-revolucionário, aliando a ciência e a filosofia com a política. Marx, juntamente com Engels, procurou reagir ao idealismo e ao materialismo vulgar postulando o seu materialismo-dialético. No plano econômico, político e social, todo o movimento trabalhista e as relações de trabalho capitalista se viram afetadas pela contribuição combativa a esse sistema que Marx e Engels enxergavam como injusto e alienante.” (FERNANDES, 2008, p. 42)

227 O positivismo pretendia limitar-se à experiência imediata, pura, constituindo fatos positivos em busca de leis universais explicativos dos fenômenos existentes. Reivindicando o primado da ciência, defendia que o único método para adquirir o conhecimento seria o método das ciências naturais, como objetivo o encontro de leis causais e seu controle sobre os fato. O positivismo também traz consigo o evolucionismo que é entendido como lei fundamental dos fenômenos empíricos humanos e naturais (WILSON, 1971).

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como fonte de segurança no conhecimento e o evolucionismo em todos os setores”.

Entretanto, ela também aponta diferenças intransponíveis do espiritismo em relação ao

positivismo:

— o positivismo teria um enfoque materialista da realidade, enquanto o

espiritismo buscaria naturalizar o que o positivismo delega ao metafísico, ou

seja, a existência de personalidades desencarnadas (espíritos).

— o positivismo percebe o homem em sua definição das ciências biológicas; o

espiritismo entende o homem como um espírito, residindo aí seu valor e a sua

dignidade de ser.

— o positivismo teria uma estrutura doutrinária sistemática, ao passo que

espiritismo pretenderia ser uma doutrina assistemática, como várias vezes

advertiu Kardec, aberta e sem nenhuma forma de idolatria hierárquica

(INCONTRI, 2004).

Para Kardec, o espiritismo era um novo ramo de conhecimento que deveria ser

entendido a partir de novas premissas, geradas por observação, coordenação e dedução

lógica dos fatos (KARDEC, 2013b, p. 15), adotando a metodologia científica cujo

método baseava-se em cinco passos básicos, de acordo com Lyons (2009, p. 173):

a) observação e coleta de dados;

b) desenvolvimento de hipóteses gerais baseadas nas observações;

c) dedução de corolários específicos que precisariam também ser verdadeiros para

as hipóteses serem verdadeiras;

d) testar as hipóteses para checar as implicações deduzidas;

e) reprodução dos testes ou desenvolvimento de novas propostas.

A análise do método da proposta de investigação científica da doutrina espírita

realizada por Kardec representou um avanço no estabelecimento de uma importante etapa

nas investigações psíquicas no século XIX, contribuindo para o desenvolvimento de

novos estudos em distintos campos do conhecimento, como os da psiquiatria, da

psicologia, da filosofia, das ciências, da religião e da história. Ainda que Allan Kardec

alegasse o caráter científico de sua metodologia de investigação das manifestações

psíquicas, de fato ele desprezou completamente o estudo da fenomenologia espiritual e

se ocupou mais das leis morais e éticas do espiritismo que, de fato, compõem a maior

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parte da sua obra. Podemos entender o motivo que originou essa abordagem se

recordarmos seu contato com Pestalozzi e sua máxima: “Educação voltada para o

aperfeiçoamento moral”. Kardec trouxe essa herança para dentro do espiritismo ao

afirmar que a principal proposta espírita, contida em todas as obras da codificação, é o

aperfeiçoamento moral da humanidade.

Uma doutrina racista?

Existe uma crítica entre os não adeptos228 do espiritismo que se refere a uma

atitude peconceituosa de Allan Kardec, baseando-se em trechos do seu último livro A

gênese.

No Capítulo XI, ele analisa a hipótese sobre a origem dos corpos humanos e

afirma:

Se bem que os primeiros homens devessem ser pouco adiantados, pela mesma

razão que os fazia encarnarem-se em corpos muito imperfeitos, devia haver

entre eles diferenças sensíveis, nos seus caracteres e aptidões. Os Espíritos

semelhantes naturalmente se agruparam pela analogia e pela simpatia. A Terra

achou-se assim povoada por diferentes categorias de Espíritos, mais ou menos

aptos ou rebeldes no progresso. Os corpos recebem a característica do Espírito,

e esses corpos se procriam segundo seu tipo respectivo; daí resultam diferentes

raças, no físico como no moral229. Os Espíritos semelhantes, continuando a se

encarnar de preferência no meio de seus semelhantes, perpetuam o caráter

distintivo físico e moral das raças e dos povos, o qual não se perde após muito

tempo, pela sua fusão e pelo progresso dos Espíritos. Podem-se comparar os

Espíritos que vieram povoar a Terra a grupos de imigrantes de origens

diversas, que vão se estabelecer numa terra virgem. Ali encontram a madeira

e a pedra para fazer suas habitações, e cada uma dá à sua um feitio diferente,

conforme seu grau de saber, e seu gênio particular. Ali se agrupam pela

analogia de origens e de gostos; esses grupos acabam por formar tribos, depois

povos, cada um com seus costumes e caráter próprio. O progresso não foi,

pois, uniforme em toda a espécie humana; as raças mais inteligentes

naturalmente progrediram mais que as outras, sem contar que os Espíritos,

recentemente nascidos na vida espiritual, vindo a se encarnar sobre a Terra

228 Ver, por exemplo, o texto Allan Kardec, um racista brutal e grosseiro"da MONTFORT Associação Cultural,

disponível em <http://www.montfort.org.br/bra/veritas/religiao/kardec/h> 229 Kardec faz referência ao item #11 do mesmo capítulo, que resumidamente afirma que são os próprios

espíritos quem auxiliam na fabricação de seus corpos, de acordo com o adiantamento de seu intelecto para tal. De modo que, segundo a hipótese de Kardec, espíritos de elevado intelecto tendem a conceber (ou auxiliar na concepção) corpos mais “aperfeiçoados e belos”.

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desde que chegaram em primeiro lugar, tornam mais sensíveis a diferença do

progresso. Com efeito, seria impossível atribuir a mesma antiguidade de

criação aos selvagens, que mal se distinguem dos macacos, que aos

chineses, e ainda menos aos europeus civilizados. Esses Espíritos de

selvagens, entretanto, pertencem também à humanidade; atingirão um dia o

nível de seus irmãos mais velhos, mas certamente isso não se dará no corpo

da mesma raça física, impróprio a um certo desenvolvimento intelectual

e moral. Quando o instrumento não estiver mais em relação ao

desenvolvimento, emigrarão de tal ambiente para se encarnar num grau

superior, e assim por diante até que hajam conquistado todos os graus

terrestres, depois do que deixarão a Terra para passar a mundos mais e mais

adiantados. (grifos nossos) (KARDEC, 2013a, p. 195)

O trecho grifado evidencia que Kardec não era “racista” no sentido espiritual,

pois considerava que todos os espíritos e princípios espirituais, que residiam em bactérias

e animais irracionais, até selvagens, alcançariam o estágio de adiantamento moral e

intelectual do ser humano moderno (europeu). Entretanto, no sentido físico, material, ele

parte do pressuposto de que existiriam raças físicas diversas, cujas características

estariam de acordo com o adiantamento moral emprestado ao corpo pelo espírito que nele

habita.

Ora, sabemos hoje que a concepção de “racismo”, como a que Kardec empresta

ao texto, está equivocada. O que era chamado de raça230, àquela época, se resumia em

uma diferença da tonalidade da cor de nossa pele. Porém, Kardec parecia realmente

convicto de que povos do continente africano, da China e da Austrália, dentre outros,

possuíam capacidade intelectual e moral inferior à dos europeus, conforme o pensamento

difundido em toda a França e Europa, mesmo entre os intelectuais, como era o caso de

Kardec.

No ano de 1862, Allan Kardec publicou o artigo Frenologia espiritualista e

espírita - perfectibilidade da raça negra na Revista Espírita:

Os negros, pois, como organização física, serão sempre os mesmos, como

espíritos, sem dúvida, são uma raça inferior, quer dizer, primitiva; são

230 Os zoólogos geralmente consideram a raça um sinônimo das subespécies, caracterizada pela comprovada

existência de linhagens distintas dentro das espécies, portanto, para a delimitação de subespécies ou raças a diferenciação genética é uma condição essencial, ainda que não suficiente. Na espécie homo sapiens - a espécie humana - a variabilidade genética representa 3 a 5% da variabilidade total, nos sub-grupos continentais, o que caracteriza, definitivamente, a ausência de diferenciação genética. Portanto, inexistem raças humanas do ponto de vista biopolítico matematicamente convencionado pela maioria.

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verdadeiras crianças às quais pode-se ensinar muita coisa; mas por cuidados

inteligentes, pode-se sempre modificar certos hábitos, certas tendências, e já é

um progresso que levarão numa outra existência, e que lhes permitirá, mais

tarde, tomar um envoltório em melhores condições. (KARDEC, [1960], v. 5 -

1862, p.140-142)

Nesse texto Kardec afirma que os espíritos não podem alcançar, em um corpo

negro, a “perfectibilidade” dos brancos europeus. A frenologia é o ponto de partida para

Kardec fundamentar e justificar sua análise e a base para a compreensão do assunto. Com

base nela, Kardec considerava negros, indígenas e outros indivíduos de raças não

caucasianas como seres inferiores. Ele segue definindo que aqueles que nasceram na

Europa são mais esclarecidos231 que os nascidos em outros continentes:

[...] por que nós, civilizados, esclarecidos, nascemos na Europa antes que na

Oceania? Em corpos brancos antes que em corpos negros? Por que Deus nos

isentou do longo caminho [de evolução espiritual] que o selvagem tem que

percorrer? [...] não chegaríeis a nenhuma solução senão admitindo, para nós

um progresso anterior, para o selvagem um progresso ulterior; se a alma do

selvagem de progredir ulteriormente, é que ela nos alcançará; se progredimos

anteriormente, é que fomos selvagens [...] (KARDEC, [1960], v. 5 - 1862,

p.140-142)

Fica claro que “negro” e “selvagem” são sinônimos, e que estes “espíritos

atrasados” que habitam os corpos de “raças inferiores”, segundo sua concepção, devem

evoluir espiritualmente até que possam nascer no corpo de um homem branco.

A filiação de Allan Kardec à ciência da frenologia232, que à época obteve bastante

destaque junto a alguns intelectuais, é um episódio bastante discutível. Kardec foi

membro e secretário por vários anos da Sociedade Frenológica de Paris, que afirmava,

mediante dados obtidos através de um minucioso exame das “raças inferiores”, a

231 O eurocentrismo é uma visão de mundo que tende a colocar a Europa e seus elementos culturais como

referência no contexto de composição de toda sociedade moderna, sendo necessariamente a protagonista da história do homem. Intelectuais como Edward Said, através de sua obra mais conhecida - Orientalismo - procurou reverter esta visão de mundo. Segundo o autor, o Ocidente criou uma visão distorcida do Oriente como o "Outro", numa tentativa de diferenciação que servia os interesses do colonialismo.

232 Considerada hoje como pseudociência, foi fundada pelo médico alemão Franz Joseph Gall (1758 – 1828). Segundo essa pretensa teoria científica, as formas do crânio, sua morfologia, teriam relação com o caráter, com a moralidade e até com a espiritualidade. O grande criminalista e espírita italiano César Lombroso também era partidário dessa teoria.

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predominância das faculdades instintivas e a atrofia dos órgãos da inteligência. Na

fundamentação dessa tese Kardec usa, como exemplo, François Arago.

[...] O que faria o Espírito de um hotentote233 no corpo de um Arago? Seria

como alguém que nada sabe de música diante de um piano excelente. Por uma

razão inversa, o que faria o Espírito Arago no corpo de um hotentote? Seria

como Liszt diante de um piano contendo apenas algumas cordas desafinadas,

das quais o seu talento não conseguiria jamais tirar sons harmoniosos. Arago

entre os selvagens, com todo o seu gênio, será tão inteligente quanto o pode

ser um selvagem, e nada mais; jamais será, numa pele negra, membro do

Instituto. (grifos nossos) (KARDEC, [1960], v. 5 - 1862, p.147)

Este não é o único texto equivocado dentro da obra de Kardec. Sob o título Teoria

do belo, retiramos o trecho abaixo, que consta do livro Obras póstumas e da Revista

Espírita, publicada em agosto de 1869:

O negro pode ser belo para o negro, como um gato para os gatos; mas não o é

no sentido absoluto, porque os seus traços grosseiros, os lábios grossos,

acusam a materialidade dos instintos; podem perfeitamente exprimir as

paixões violentas, mas nunca as delicadas variedades do sentimento e as

modulações de um Espírito elevado. Eis porque podemos [...] julgar-nos mais

belos que o negro [...] (KARDEC, [1960], v. 12 - 1869, p. 311)

A questão do preconceito no pensamento de Allan Kardec é bastante controversa.

A consideração do contexto histórico em que Kardec fez tais declarações é fundamental

para entendermos seu pensamento, sem cairmos em posições extremadas, e tudo indica

que acreditar que os “povos selvagens” fossem intelectualmente inferiores é um grande

erro de Kardec durante a compilação de textos que compõem sua obra. Kardec era um

homem de seu tempo, mas isso não deve ser usado como desculpa para que seus

equívocos sociais sejam minimizados.

No século XIX, a Europa se considerava um modelo, um padrão estético e

cultural. Este fato, somado ao quase completo desconhecimento da realidade cultural e

social do continente africano, tornava a burguesia europeia preconceituosa em relação a

outras culturas e etnias, especialmente a africana. É fundamental considerar, também, o

fato de que o século XIX foi marcado por uma visão desenvolvimentista, “evolucionista”,

233 Indivíduo de um grupo étnico do sudoeste de África cujos membros exercem a atividade de pastoreio e

foram nomeados de hotentotes pelos colonizadores europeus. Atualmente, estão reduzidos a pequenas populações localizadas principalmente no deserto do Kalahari, na Namíbia, e também no Botsuana e em Angola.

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no qual haveria um padrão de progresso civilizatório a ser alcançado pelos seres

humanos, pelas sociedades. Sob essa visão eurocentrista, muitos povos e grupos sociais

eram vistos como “primitivos”, “atrasados”, por não possuírem o mesmo progresso

tecnológico e cultural das sociedades ditas “civilizadas” (JONES, 2003). Kardec e os

médiuns que colaboraram com ele na estruturação do espiritismo não seriam exceção a

essa influência. A adesão à frenologia levou Kardec a identificar o aspecto físico do negro

como suposta expressão de sua inferioridade intelecto-moral pela morfologia e seu

biótipo.

No entanto, há um diferencial que precisa ser considerado. O critério de Kardec

não é somente o tecnológico ou mesmo antropológico e cultural. O critério dele é

profundamente ético. Segundo o espiritismo, uma nação somente poderá se considerar

civilizada se praticar a lei de amor e caridade, se houver alteridade, o respeito ao próximo,

liberdade, fraternidade e igualdade entre todos os seus membros. É essa a concepção de

mundo que possuía Allan Kardec, presente tanto em seu modo de pensar como no corpo

doutrinário do Espiritismo (HUBERMAN, 1979).

A afirmação de que Allan Kardec teria sido preconceituoso é equivocada. Ele

expressou a visão de sua época, marcada pela não aceitação da diversidade cultural,

étnica. Cabe lembrar que o cientificismo 234 (ou cientismo) era muito difundido na

sociedade em meados do século XIX, criando uma crença na qual as ciências físicas

forneceriam soluções para todos os problemas existentes. Portanto, Kardec, ao pensar

que as ciências experimentais seriam capazes de fornecer um conhecimento completo do

homem, apenas expressava uma atitude intelectual comum da época, que desejava

resolver todos os problemas, mesmo os espirituais, considerando o método quantitativo

e experimental das ciências físicas como o único válido em todos os campos do

conhecimento.

Assim, seu pensamento não expressa uma discriminação do negro, comparando-

o com um objeto ou mesmo um animal de carga. A escravidão, seja ela de qual espécie

fosse, era condenada pelo espiritismo e já a era, antes, pelos iluministas. As afirmações

de Allan Kardec sobre o negro e a correlação da teoria espírita da evolução com a

frenologia demonstram o seu evidente preconceito, mas não o guindam à condição de

racista.

234 É um termo criado na França durante a segunda metade do século XIX (scientisme) para designar a escola

de pensamento que aceita apenas a ciência empiricamente verificável como fonte de explicação de tudo que existe.

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4.3.3 Charles Richet e a Ciência da Metapsíquica

A decisão da doutrina espírita em buscar, unicamente, a educação moral da

humanidade descolada da necessária investigação científica dos fenômenos espirituais,

fragilizou o espiritismo na França. Além das inúmeras acusações de fraude que pesaram

sobre os espíritas, os franceses não possuíam a mesma expertise que os ingleses no

desenvolvimento de experimentação laboratorial para uma investigação fenomenológica.

Assim, veremos surgir na Inglaterra, no último quarto do século XIX, um esforço

conjunto de laureados estudiosos das ciências físicas no desenvolvimento de

experimentos que evidenciassem a veracidade dos fenômenos produzidos por aqueles

que se diziam médiuns. Esse movimento, que será detalhado no próximo capitulo,

resultou na criação da Society of Psychical Reasearch (SPR), constituída por eminentes

pesquisadores ingleses e do continente.

Um deles foi o fisiologista Charles Robert Richet, professor da Faculdade de

Medicina de Paris e prêmio Nobel de Medicina (fisiologia) em 1913. Richet foi

fortemente influenciado pelo espiritismo e, juntamente com outros pesquisadores de

renome, investigou os fenômenos mediúnicos somente sob a ótica fenomenológica.

Richet relata, posteriormente, em sua obra Traité de metápsychique, que Allan Kardec

foi a personalidade que, no período de 1847 a 1871, exerceu a mais intensa das

influências (RICHET, 1922, p. 63).

Visando se diferenciar do espiritismo, em 1905, propôs usar o termo

metapsíquica para esse novo campo de estudos. Segundo Richet, a metapsíquica seria

uma ciência que investigaria os fenômenos:

[...] que parecem ocorrer devido a forças desconhecidas, mas inteligentes,

incluindo entre essas inteligências desconhecidas o surpreendente fenômeno

intelectual de nossa subconsciência. (RICHET, 1923, p. 4)

Em seu Tratado ele definiu a metapsíquica como composta pelos fenômenos de

criptestesia, telecinesia e ectoplasmia, e classificou a história da fenomenologia

metapsíquica em quatro períodos: 1. Período Mítico, que iria das origens históricas até

Mesmer (1776); 2. Período Magnético, de Mesmer às irmãs Fox (1847); 3. Período

Espirítico, das irmãs Fox (englobando o espiritismo) a William Crookes (1872); e 4.

Período Científico, que iria de W. Crookes em diante.

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Segundo Richet, os fatos metapsíquicos parecem ocorrer devido a uma

inteligência desconhecida, humana ou não humana. A ciência metapsíquica, portanto,

poderia ser classificada em dois grupos gerais: a metapsíquica subjetiva, que trataria dos

fenômenos subjetivos, ou seja, de fenômenos puramente mentais que poderiam ser

admitidos sem referência a leis conhecidas de matéria viva ou inerte, ou qualquer

mudança em nossos conceitos das diferentes energias físicas, calor, luz, eletricidade,

gravitação etc., que somos acostumados a medir e especificar; e a metapsíquica objetiva,

que trataria de fenômenos objetivos, fenômenos materiais inexplicáveis pela mecânica

comum, tais como o movimento de objetos sem contato, casas assombradas, fantasmas,

materializações que podem ser fotografadas, sons e luzes. Todas estas últimas, compostas

por realidades tangíveis que afetam nossos sentidos. Em outras palavras, a metapsíquica

subjetiva é interna, psíquica e não material, enquanto que a metapsíquica objetiva é

material e externa. Diz Richet que a fronteira entre as duas ordens de fenômenos é, por

vezes, incerta (RICHET, 1923).

Charles Richet nunca se declarou espírita, mas sim, um estudioso dos fenômenos

metapsíquicos. Portanto, não é possível afirmar que Charles Richet fosse um sucessor da

obra de Allan Kardec.

Autor do termo “ectoplasma”, Richet estudou os fenômenos de materializações

juntamente com o psiquiatra Gustave Geley (1865 – 1924), professor da Faculdade de

Medicina de Lyon e fundador do Institut Métapsychique Internacional 235 . Obteve

moldagens de cera, impossíveis de serem reproduzidas por outro processo e que se

encontram, até hoje, conservadas no Instituto, em Paris. Com Cesare Lombroso 236

235 Fundada em 1919, o Instituto foi uma das primeiras organizações do mundo a estudar os fenômenos

metapsíquicos, hoje denominados de fenômenos psi, com uma abordagem rigorosa e aberta, livre de qualquer parcialidade religiosa ou filosófica. Disponível em: <http://www.metapsychique.org/>. Acesso: 18/10/2017.

236 Em uma crítica apresentada em um diário de Verona, aos 15 anos de idade, em 1850, Cesare Lombroso critica a obra de Paolo Marzolo surpreendendo o autor, pela inteligência do artigo. Marzolo tornou-se o grande orientador de Lombroso, iniciando-o no estudo das ciências e das artes, e possibilitando-lhe o conhecimento de idiomas, como o caldeu, o chinês, o hebreu, e outros idiomas europeus, e, persuadido e inspirado, ainda por seu protetor, decide-se ao estudo da Medicina e da Antropologia. Lombroso estudou Medicina nas Universidades de Pavia, Pádua e Viena, nos anos de 1852 a 1857. Formou-se em 13 de março de 1858, pela Real Universidade de Pavia, porém foi na Universidade de Viena, ao lado de grandes mestres da psiquiatria, que foi levado ao aprofundamento desse estudo. Seu currículo é vasto e, o criador da Antropologia Criminal em suas obras científicas, demonstra ser o criminoso mais doente do que culpado. Em 1888, no n.º 20 do periódico de Roma, Fanfulla della Domenica, o professor Cesare Lombroso publicou um artigo intitulado “Influência da Civilização sobre o Gênio”. onde Lombroso comentava que seria possível, no futuro, reconhecer a importância do espiritismo. Nesta ocasião, um pesquisador de nome Ercole Chiaia estava empenhado em observar os fenômenos provocados pela médium italiana Eusápia Paladino. Entusiasmado com as palavras de Lombroso, ele dirigiu uma carta aberta a este último, publicando-a num periódico de Roma, em 9 de agosto de 1888. Nesta carta, Ercole

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211

(1835 – 1909) e Alexander Aksakof, participou ainda das experiências da Comissão de

Milão237 ocorrida em 1892. Em 1894, na companhia de Oliver Lodge e de Frederic Myers

(1843 – 1901), trouxe a médium Eusápia Paladino238 (1854 – 1918), para estudar os

fenômenos produzidos por esta jovem senhora. No ano de 1898, Charles Richet participou

dos trabalhos da comissão de estudos científicos com Camille Flammarion e Eugène

Auguste Albert de Rochas d'Aiglun (1837 – 1914)239. Este último, mais conhecido como

Chiaia elogiou a posição assumida por Lombroso e convidou-o a assistir a sessões com Eusápia. Em um pequeno trecho da carta de Chiaia a Lombroso, ele relata que ela, estando “atada a uma cadeira, ou segura com força pelos braços dos curiosos, atrai os móveis que a rodeiam, levanta-os, sustém-nos no ar [...] e os faz descer, com movimentos ondulatórios, como se obedecessem a uma vontade estranha; aumenta ou diminui o seu peso; golpeia as paredes, o teto e o chão, com ritmo e cadência, respondendo aos convites dos assistentes; clarões parecidos com os da eletricidade saem do seu corpo, envolvem-na ou rodeiam os assistentes dessas cenas maravilhosas [...] Esta mulher eleva-se no ar, sejam quais forem os laços que a retenham, ficando como que deitada no vazio, contrariando todas as leis da estática e parecendo franquear as da gravidade; faz soar instrumentos de música, órgãos, campainhas, tambores, como se estivessem sendo tocados por mãos, ou agitados pelo sopro de gnomos invisíveis.” Lombroso aceitou o desafio, mas só investigou o caso de Eusápia no ano de 1891, tendo-se rendido à evidência dos fatos. Converteu-se através das evidências da fenomenologia espírita. Ver Lombroso, Cesare. International Encyclopedia of the Social Sciences. Acessado em January 31, 2017 de Encyclopedia.com. Disponível em: <http://www.encyclopedia.com/social-sciences/applied-and-social-sciences-magazines/lombroso-cesare>

237 O prestígio de Cesare Lombroso era enorme no meio científico e sua conversão despertou a atenção de um grande número de cientistas europeus famosos, levando-os a investigar os fenômenos gerados por Eusápia Paladino. Após as sessões em que tomou parte Lombroso, em 1891, foram constituídas várias comissões integradas por nomes famosos que passaram a estudar tais ocorrências. A comissão de Milão, em 1892, era integrada por vários pesquisadores de renome e, entre eles, Alexandre Aksakof, conselheiro de Estado do czar da Rússia e Charles Richet, da Universidade de Paris. Foram realizadas dezesseis sessões. Sucessivamente, foram constituídas outras comissões de investigação, as quais, por ordem de data, são as seguintes: em Nápoles, 1893; em Roma, 1893 e 1894; em Varsóvia e França, 1894. Esta última foi dirigida e controlada por Charles Richet, Oliver Lodge, F. W. H. Myers e Julien Ochorowicz. Em 1895 na presença de Richet e Flammarion, foram realizadas uma série de sessões novamente na França, em casa do coronel Eugene Auguste Albert de Rochas. Tais reuniões inspiraram a obra de Albert de Rochas: “Exteriorização da Motilidade”. Neste livro ele faz um relato muito minucioso acerca da mediunidade de Eusápia. É uma das obras mais completas a respeito desta médium. (DOYLE, 2007)

238 Eusápia Paladino foi uma das médiuns mais conhecidas da sua época; foi também uma das mais controvertidas. Poucos médiuns atraíram a atenção de tantos e tão proeminentes cientistas como Eusápia. No entanto, ela era uma mulher inculta, de precária educação, temperamental e de saúde instável. Segundo relatos dos pesquisadores que a estudaram, além dos fenômenos narrados na nota anterior, relata-se que ela era capaz de desenhar o que se desejava sobre o papel, estendendo apenas a mão para o local indicado. Ao se colocar-se num lugar qualquer da habitação uma bacia com argila úmida, encontram-se depois de alguns instantes a impressão de uma mão grande ou pequena, a impressão de um rosto com admirável precisão, visto de frente ou de perfil, e de cada qual pode tirar-se um molde. Fazia soar instrumentos de música, órgãos, campainhas, tambores e era capaz de aumentar a sua estatura mais de 10 centímetros. Enquanto os seus membros estavam seguros pelos assistentes viam aparecer outros membros sem que se soubesse de onde vinham. Ao atá-la a uma cadeira, via-se aparecer um terceiro braço, o qual tirava chapéus, relógios, dinheiro e joias, devolvendo-as depois. Mudava de lugar algumas peças da indumentária dos assistentes, acariciava e retorcia seus bigodes. Era sempre uma mão grosseira e calosa (a de Eusápia era pequena) com grandes unhas e umedecida, fazendo estremecer aquele que entrasse ao seu contato, porque passava do calor ao frio glacial do cadáver. Esta mão deixava-se apertar e observar com atenção, tanto como permitia a luz do ambiente, e terminava por erguer-se, ficando suspensa no ar, sem antebraço, parecendo as mãos de manequins. (OPPENHEIM, 1985)

239 Albert de Rochas foi engenheiro militar, historiador da ciência, pesquisador de fenômenos espíritas, escritor e tradutor. Deixou prematuramente o serviço militar ativo (1889), ingressando na Escola Politécnica na qualidade de diretor civil, passando para a reserva com o posto de tenente-coronel.

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Coronel Albert de Rochas, realizou numerosas experiências sobre o magnetismo, o

sonambulismo, a exteriorização da sensibilidade (desdobramento) e a motricidade, assim

como a levitação240.

Cabe ressaltar que, assim como Kardec, Richet era partidário da eugenia 241 ,

defendendo a esterilização e a proibição do casamento para pessoas com deficiência

mental. Ele expressou essas ideias em seu livro La sélection humaine, publicado em 1919,

e presidiu a Sociedade Francesa de Eugenia de 1920 a 1926 (MACKELLAR; BECHTEL,

2014, p. 18-19). O psicólogo austríaco Gustav Jahoda242 (1920 – 2016) observou que

Richet “era um firme crente na inferioridade dos negros”, comparando pessoas negras

com macacos e intelectualmente com imbecis (JAHODA, p. 154, 1999).

Ao final do século XIX, a abordagem das pesquisas psíquicas e seus fenômenos,

apenas sob o ponto de vista da investigação científica, foi paulatinamente substituída

pelas ciências psicológicas, atribuindo a fraude, alucinação, histeria e transtornos

mentais, qualquer manifestação mediúnica. Essa visão tornou-se hegemônica no início

do século XX (SOMMER, 2012a, 2012b; LAMONT, 2004).

Profundo conhecedor de tudo o que havia sido escrito sobre as ciências psíquicas em sua época, dedicou-se à experimentação, estudando a polaridade, contribuindo para a atual classificação das fases do estado sonambúlico, observou sistematicamente os fenômenos espíritas, pesquisou a exteriorização da sensibilidade e o mecanismo do desdobramento físico. Relata-se que conseguia provocar a regressão da memória em alguns sensitivos.

240 No conjunto de sua obra sobre pesquisas psíquicas, destacam-se: Le Fluide des magnétiseurs, précis des expériences du Bon de Reichenbach sur ses propriétés physiques et physiologiques, classées et annotées par le lieutenant-colonel de Rochas d'Aiglun, G. Carré, Paris, 1891; Les États profonds de l'hypnose, Chamuel, Paris, 1892; L'Extériorisation de la sensibilité, étude expérimentale et historique, Bibliothèque Chacornac, Paris, 1895; La Lévitation. Paris: Pierre-Gaëtan Leymarie, 1897; Les Frontières de la science, Librairie des sciences psychologiques, Paris, 2 volumes, 1902-1904; L'Extériorisation de la motricité, Bibliothèque Chacornac, Paris, 1906; Les Vies successives, documents pour l'étude de cette question, Bibliothèque Chacornac, Paris, 1911; La Suspension de la vie, Dorbon aîné, Paris, 1913

241 De forma bem simplista, eugenia foi um termo criado em 1883 por Francis Galton (1822-1911), significando "bem nascido". Galton definiu eugenia como "o estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente"

242 Ele publicou mais de 200 trabalhos sobre psicologia transcultural, desenvolvimento sócio-cognitivo e história das ciências sociais. Jahoda foi eleito membro da British Academy em 1988 e membro da Royal Society de Edimburgo em 1993.

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5 A CIÊNCIA DO IMATERIAL E A PESQUISA PSÍQUICA

Após assistir a uma série de sessões espiritualistas em dezembro de 1872, um

escritor redige um texto para o London Times relatando que lhe parecia ser muito estranho

que uma geração que se orgulhava de desenvolver uma ciência exata tenha perdido cerca

de vinte milhões de “adeptos” para a “epidemia” do espiritualismo. Segue dizendo que

isto somente poderia ter ocorrido porque “nesta matéria, nossos homens científicos não

conseguiram cumprir seu dever pelo público, que os busca por seus fatos”.243 Para esse

escritor, a relação entre ciência e espiritualismo parecia ser de oposição, e a única forma

na qual o espiritualismo poderia vir a se tornar científico seria se este fosse investigado

por cientistas profissionais. O espiritualismo moderno crítico de Frank Podmore (1902) e

a História do espiritualismo de Arthur Conan Doyle (1926) podem ter discordado

fortemente sobre o que se relata sobre a autenticidade das manifestações da mediunidade

e do espírito mas, em suas obras, ambos identificaram o “aspecto científico” do assunto

através das investigações de cientistas como William Crookes, Michael Faraday e Alfred

Russel Wallace244.

Estudos do espiritualismo americano e britânico realizados por R. Laurence

Moore e Janet Oppenheim, respectivamente, sinalizaram o começo de uma historiografia

que foi mais sensível à maneira com que as reivindicações e práticas espiritualistas foram

moldadas: através das certezas nas ciências físicas do período mantendo uma identidade

científica independente das culturas espiritualistas (MOORE, 1977; OPPENHEIM,

1985). Segundo Noakes, o espiritualismo floresceu em um período em que era preciso se

valer da autoridade científica para ratificar seus empreendimentos e o que surgia como

ciência e científico ainda estava sendo ativamente debatido e definido. Assim, torna-se

difícil manter uma historiografia vitoriana sustentada por demarcações rígidas entre

ciência e pseudociência e, portanto, é mais conveniente explorar as formas em que as

culturas científicas “alternativas” foram forjadas. (NOAKES, 2008a, p. 3)

A importância dos periódicos do século XIX tem sido reconhecida há muito por

historiadores e estudiosos literários, mas é comparativamente recente o entendimento de

sua influência na construção do conhecimento científico e na identidade das culturas

científicas (CANTOR; DAWSON; GOODAY, 2004; CANTOR; SHUTTLEWORTH,

243 ‘Spiritualism and Science’, The Times, 26 December 1872, p. 5. 244 Ver Frank Podmore (1902, v. 2, p. 140-160) e Arthur Conan Doyle (1926, p. 236-257). Outras obras que

abordaram a história do espiritualismo no inicio do século XX: Hill (1919) e Clodd (1917, p. 265–301).

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214

2004; HENSON, 2003; LIGHTMAN, 2007; MUSSELL, 2007). Eles se mostraram

especialmente importantes na construção das chamadas “ciências alternativas”, pois estas

eram amplamente divulgadas sob a forma de planfletos, através dos livros de ciência

popular que conectavam o científico ao religioso, e através dos debates públicos entre os

defensores da ciência “ortodoxa” e os da “heterodoxa”. (LIGHTMAN, 2007, p. 39-94,

169-196, 238-253).

No período inicial dos fenômenos (batidas e mesas girantes), a interpretação

destes estava diretamente ligada a um homem de reputação científica experiente.

Entretanto, na década de 1860, a crença no poder dos médiuns e na comunicação com

espíritos desencarnados desenvolveu um engajamento crítico dos espiritualistas com a

literatura que os ajudou a construir sua própria identidade cientifica. As décadas de 1870

e 1880 foram o ápice do espiritualismo na Grã-Bretanha vitoriana, apresentando as

tentativas mais elaboradas para que a investigação espiritualista se assemelhasse a um

ramo das ciências físicas. Ao final do período vitoriano, os espiritualistas foram muito

críticos com a “ciência espiritualista” e, embora houvesse um consenso de que a

experiência pessoal de cada investigador com os espíritos possuía valor epistemológico

incomparável, eles buscaram, com o auxílio das ciências estabelecidas, novas descobertas

que pudessem confirmar sua própria ciência.

5.1 A Ciência do Espiritualismo

Conforme já visto no capítulo anterior, ao final de 1852, a atenção de muitos

britânicos foi atraída para dois misteriosos fenômenos: as “batidas dos espíritos” (raps ou

spirit-rappings) provenientes dos Estados Unidos e as “mesas girantes” provenientes do

continente. O fenômeno das “batidas” referia-se à aparente capacidade que os espíritos

dos mortos tinham para se comunicar com os vivos através de um médium cuja

constituição mental e física se acreditava estar especialmente adaptada à sua recepção. As

mensagens dos mortos vinham sob a forma de batidas ou estalos em uma mesa ou em

outros itens do mobiliário, e correspondiam a um código de alfabeto acordado. Entretanto,

o fenômeno das mesas girantes se tornou mais popular na Grã-Bretanha que os raps.

Desde a sua chegada na Grã-Bretanha, o espiritualismo explorou todas as

possibilidades e refletiu os problemas da ciência vitoriana à época (MORUS, 2005, p. 22-

87; WINTER, 1997, p. 24-50). Os rápidos desenvolvimentos em astronomia, química,

geologia, filosofia natural, fisiologia e zoologia, e a aplicação dessas ciências

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215

possibilitando o desenvolvimento de um grande volume de invenções, inspiraram a

confiança de que a extensão do conhecimento científico em territórios inexplorados e a

descoberta de novos fatos e leis naturais continuariam a um ritmo cada vez maior. Poucas

realizações científicas vitorianas precoces se mostraram mais sugestivas e úteis para os

espiritualistas do que a expansão da rede telegráfica elétrica terrestre e submarina. As

referências frequentes dos espiritualistas aos telégrafos “celestiais” ou “espirituais” eram

formas úteis de transmitir a ideia de que as comunicações dos espíritos professos

alcançavam os vivos através de um fluido imponderável e invisível como o éter e

semelhante à eletricidade. Esse fato era ainda ratificado pelos raps espirituais, codificados

de forma semelhante ao código Morse usado na telegrafia elétrica, e auxiliou os

espiritualistas a terem certeza de que o que faziam era inteiramente consistente com o

progresso da ciência e do conhecimento (SCONCE, 2000, p. 21-58).

De acordo com Alison Winter, no início do século XIX, as ciências da Grã-

Bretanha vitoriana se transformaram em um conjunto ricamente variado de “práticas,

praticantes e público”. Essa diversidade também se manifestou na fragmentação das

ciências estabelecidas em subdisciplinas mais especializadas e na busca de novas

ciências, como o mesmerismo e a frenologia, que constituíram tentativas controversas de

alargar os domínios das leis naturais (WINTER, 1997, p. 25). A proposta do mesmerismo

como ciência, provocou debates particularmente intensos, pois representava uma ameaça

ao conhecimento e à autoridade das ciências já estabelecidas: propunha uma forma de

interação entre mentes que foi rejeitada por profissionais médicos, procurando colocar as

descobertas científicas ao alcance de quem pudesse dominar algumas práticas simples,

desafiando a visão cada vez mais comum da década de 1850 de que a ciência adequada

era o domínio de um quadro treinado de especialistas.

A tentativa imediatamente posterior de transformar o espiritualismo em “ciência”

também representou uma grande ameaça às ciências estabelecidas. Sua afirmação central

consistia no mote de que existiam fenômenos em que as ciências oficiais eram “cegas” e

que os verdadeiros cientistas espirituais seriam os médiuns humildes e espiritualistas, ao

invés dos cientistas treinados.

Para muitos adeptos do espiritualismo, as sessões e a comunicação com

inteligências espirituais desencarnadas constituíam evidências fortes o suficiente para

aceitar a sobrevivência da personalidade humana após a morte corporal, colocando em

dúvida a ciência “materialista”. O espiritualismo foi, algumas vezes, descrito como

ciência e religião porque se comprometeu a responder a um conjunto de questões sobre

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216

movimento de objetos e existências espirituais. Para tentar definir o primeiro periódico

espiritualista britânico, o próprio periódico Yorkshire Spiritual Telegraph invoca a

citação de um espiritualista, praticante de sessões de mesas girantes, o médico Randall,

que declarou que “o espiritualismo [...] é uma religião que se baseia em fatos e não em

uma fé passiva. O espiritualismo é uma ciência — uma ciência positiva, prática e possível

de ser ensinada: e ser espiritualista, portanto, é estar familiarizado com a ciência da

existência espiritual.” Para alcançar o objetivo de aprimoramento de seu conhecimento

das “leis espirituais” e da “existência espiritual”, os praticantes desta nova ciência

precisavam também “examinar cuidadosamente tudo que emanasse da fonte da vida

espiritual” (BOWN; BURDETT; THURSCHWELL, 2004, p. 26; WHAT, 1856).

Embora os espiritualistas vitorianos tenham dedicado muito tempo à interpretação

e à construção de teorias para explicar os “fatos espirituais”, eles frequentemente

representavam sua ciência como uma investigação empírica despreocupada de

preconceitos sobre o que poderia ou não existir. Por esta razão, eles criticaram Michael

Faraday de forma severa, por ter iniciado a investigação sobre as mesas girantes com

“ideias preconcebidas sobre o que era potencialmente possível e impossível”, e

enalteceram o matemático britânico Augustus De Morgan (1806 – 1871) que, em uma

obra espiritualista anônima de 1863, comparou os espiritualistas com os primeiros

pioneiros modernos da ciência experimental, pois eles realizavam a “investigação

universal dos fenômenos mais absurdos, totalmente despreocupados pelo medo de serem

reconhecidos” (C. D., 1863, p. v–xlv, xx).

Grande parte dos debates anteriores sobre a nova ciência espiritualista estava voltada para

a investigação dos raps e das mesas girantes. Embora houvesse muitos vitorianos que

insistiam em que a força motriz do giro da mesa era devida a verdadeiros espíritos

desencarnados ou a uma atuação satânica, havia muitos outros que apelavam para

explicações mais simples, corriqueiras, que incluíam truques por parte dos médiuns,

autossugestão e até a atuação de um fluido ou força desconhecida e imponderável. Uma

das explicações mais populares devia-se ao fluido elétrico, pois havia fortes evidências

científicas e médicas, até meados do século XIX, de que a eletricidade era produzida pelo

corpo humano (MORUS, 2005, p.125-152). Mesmo quando essa explicação foi desafiada

por argumentos de que a eletricidade produzida pelo corpo era muito fraca para explicar

os efeitos físicos, os escritores científicos e médicos propuseram uma série de forças e

fluidos imponderáveis alternativos que, de alguma forma, estavam associados ao sistema

nervoso humano, sendo inconscientemente dirigidos pela mente. Estes fluidos eram os

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217

veículos da transmissão de pensamentos, movimentos e sensações inteligentes de uma

pessoa para outra (CROOKES, 1871a, p. 339-349).

A força ódica, conforme já definida no capítulo anterior, era um conceito

importante para aqueles que procuravam desenvolver a ciência do espiritualismo de

acordo com o que consideravam ser mais consistente e científico. Em um trabalho de

1853, muitas vezes discutido pelos espiritualistas britânicos, o escritor americano E. C.

Rogers usou os pronunciamentos bem conhecidos de John Herschel sobre o método da

filosofia natural para sustentar sua visão de que os fenômenos espiritualistas só poderiam

ser “cientificamente explicados” se eles pudessem ser referenciados a fenômenos já

existentes, o que poderia ser observado por experiência direta, e se não estivessem

“atribuídos a atuação do sobrenatural”. Como Rogers acreditava que a força ódica estava

por trás de muitos fenômenos e que estes não estavam vinculados a qualquer atuação

sobrenatural, o OD tornou-se o principal constituinte de sua “filosofia natural dos

fenômenos denominados manifestações espirituais” (ROGERS, 1853, p. 15-16).

A noção apresentada por Rogers sobre a ciência do espiritualismo foi

compartilhada por muitos adeptos britânicos do hipnotismo, cujas práticas e ideias, foram

apropriadas e ressignificadas pelos espiritualistas. De acordo com Adam Crabtree, a

existência de uma forte tradição mesmérica tornou inevitável que alguns dos conceitos e

nomenclatura do magnetismo animal entrassem nas primeiras tentativas dos

espiritualistas para explicar seus próprios fenômenos (CRABTREE, 1993, p. 246). Assim

como Rogers reivindicou a “atuação corriqueira" do OD como uma parte essencial da sua

ciência do espiritualismo, o clérigo britânico e mesmerista Chauncy Hare Townshend

(1798 – 1868) insistiu que atribuir aos raps a atuação de uma “força nervosa” comum e

invisível seria mais “filosófico”, pois a teoria partia de “pontos ou princípios conhecidos”

e correspondia a um grande número de “fatos a serem explicados” (TOWNSHEND, 1854,

p. 158-177). Townshend também concordava que não havia atuação espiritual nos

fenômenos que envolviam os raps. Advertia ele que o nome creditado ao fenômeno

(spirit-rapping) o excluía da credibilidade filosófica, citando nesse trecho seu colega de

mesmerismo, John Elliotson, que em 1853, ao presenciar um desses fenômenos, ponderou

que ao se “examinar a natureza, as fantasias sobrenaturais eram intrusas vis [...] e não

admitidas em nenhum trabalho filosófico” (TOWNSHEND, 1854, p. 49-50;

ELLIOTSON, 1855, p. 200).

As visões de Townshend e Elliotson fizeram parte de uma resposta que se tornou

um dos mais notórios ataques vitorianos, não somente sobre a credibilidade científica do

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218

mesmerismo, mas também sobre os raps, as mesas girantes, o OD de Reichenbach e todas

as crenças e práticas relacionadas a esses fenômenos. O autor dessa severa crítica era

William Benjamin Carpenter, o fisiologista britânico cujo trabalho foi fundamental para

a construção da abordagem fisiológica da psicologia e cujas extensas investigações sobre

mesmerismo e espiritualismo sustentaram grande parte da oposição às ciências ocultistas

e psíquicas das classes científica e médica vitorianas (CRABTREE, 1993, p. 253-256).

Apesar de Carpenter concordar que os fenômenos do mesmerismo, dos raps, das

mesas girantes e do OD poderiam ser obtidos de forma corriqueira, ele os atribuía às

atividades inconscientes da mente e não à ação de fluidos imponderáveis. Carpenter

achava particularmente censurável que os adeptos dos fenômenos ignorassem as

atividades mentais inconscientes evidenciadas pelas autoridades científicas e médicas245

e a falta de deferência a tais autoridades (WINTER, 1997, p. 276-305). O principal

argumento utilizado por Carpenter em sua crítica foi o conceito de “ideia dominante”,

também definido no capítulo anterior. Estas ideias comporiam uma coleção de

pensamentos que atuariam muito intensamente na mente humana, causando a suspensão

do controle da vontade e da capacidade de perceber e corrigir ideias ilusórias. Nesse

estado, um indivíduo tornar-se-ia mais suscetível a sugestões externas do que ao

raciocínio interno e seria capaz de apresentar um comportamento mental e físico mais

excêntrico. A razão pela qual os sujeitos “mesmerizados” seriam tão suscetíveis à vontade

dos operadores, chegando a falar e se comportar de maneiras que muitas vezes desafiavam

a razão, não seria pela passagem de fluido entre o mesmerizado e o mesmerizador, e sim

pela suscetibilidade do paciente que fixaria sua atenção na ideia do operador, o que levaria

a uma perda de autocontrole mental e corporal (CARPENTER, 1853, p. 508).

Com base no observado por Michael Faraday, Carpenter argumentou que a força

que fazia as mesas girarem era exercida pelos participantes da sessão, ao criar a “ideia

dominante” de que a mesa deveria se movimentar. Assim, involuntariamente,

provocavam os movimentos inteligentes das mesas que esperavam testemunhar, ou seja,

o efeito físico que antecipavam. Da mesma forma, os participantes nas sessões

espiritualistas estavam tão imbuídos pela ideia das manifestações espirituais, que não

percebiam os vários detalhes de sua vida que, inconscientemente, forneciam aos médiuns.

Para Carpenter, o movimento da mesa e os raps forneciam exemplos igualmente

impressionantes da atuação da “ideia dominante” ou, como ele denominou na versão

245 Como ele, William Carpenter e James Braid, o pioneiro do hipnotismo.

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219

posterior e mais sofisticada de sua teoria, “cerebração inconsciente” (CARPENTER,

1855, p. 616-18). Para Carpenter e para muitos dos especialistas cujas obras ele explorou,

a única maneira pela qual o estudo do espiritualismo poderia ser conduzido, mesmo que

remotamente científico, seria através daqueles que compreendessem adequadamente a

“estrutura e função do corpo do homem” além da “constituição de sua mente”. Aqueles

que não detivessem esse tipo de conhecimento médico e as habilidades agudas de

observação e julgamento resultante de um treinamento científico geral, não poderiam ser

confiáveis para fazer reivindicações sobre fenômenos que pareciam alterar

significativamente o conhecimento existente (CARPENTER, 1853, p.556).

Apesar de todos os esforços empenhados, Faraday, Carpenter e vários colunistas

dos periódicos da época não conseguiram desfazer o interesse público no chamado

espiritualismo. Segundo o que eles percebiam, a insistente “mania” por tais “delírios” era

uma evidência de que o público estava lamentavelmente deficiente em “educação

científica” (SARGENT, 1869, p. 15). Entretanto, as décadas de 1850 e 1860 revelaram

fatos surpreendentes que ocorriam nos círculos espirituais domésticos e as performances

de médiuns como Daniel Dunglas Home246 (1833 – 1886). Tais acontecimentos, para

muitos outros britânicos, demonstravam novas e importantes verdades espirituais, que

também evidenciavam as severas limitações de conhecimento e autoridade das ciências

estabelecidas. Por isso, os espiritualistas desse período adotaram uma abordagem cada

vez mais crítica a respeito das teorias e manifestações provenientes da ciência oficial.

Mesmo a explicação de Faraday sobre o fenômeno da mesa girante não era consistente,

por não conseguir explicar os motivos pelos quais os objetos materiais foram vistos

levitando acima do solo sem que houvesse o contato físico com algum dos médiuns

presentes (NOAKES, 2016, p. 35). Além disso, a afirmação de que as “mentes” dos

espíritos desencarnados eram de fato as mentes do médium e de outros participantes da

sessão, parecia estar equivocada pela evidência de que grande parte da informação

fornecida pelos supostos espíritos sugeria exceder o conhecimento dos participantes

presentes na sessão. Muitos concordavam com J. H. Powell que, em 1864, acusou a

ciência, termo pelo qual ele quis se referir às ciências estabelecidas, de ser incapaz de

aceitar os “fatos espirituais” que perturbaram suas teorias simplesmente por ela (a

ciência) ser cega para todo e qualquer fenômeno no mundo que estivesse além da questão

246 Era um escocês, médium de efeitos físicos, com a habilidade de levitar a uma variedade de alturas, falar

com os mortos e produzir batidas e barulhos à vontade dentro das casas. O biógrafo dele, Peter Lamont, acredita que ele era um dos homens mais famosos de sua época. Home realizou centenas de sessões, que foram frequentadas por muitos cientistas vitorianos eminentes.

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220

ponderável. Ele insistia que os espiritualistas estavam convencidos de que seus

adversários científicos tinham uma catarata materialista atrapalhando o órgão da visão,

que exigia o veto contra a verdade dos fatos espirituais, por mais que estes fossem

atestados. Powell, obviamente, inventou uma oposição científica que se adequava aos

seus propósitos e que excluiu deliberadamente uma proporção significativa de estudiosos

vitorianos das ciências estabelecidas que repudiaram vigorosamente as interpretações

materialistas do mundo e reconheceram compatibilidades entre fatos naturais e espirituais

(POWELL, 1864, p. 83-84). O contraste que Powell desenhou entre a “visão espiritual”

e a científica foi assumido por espiritualistas com frequência crescente nas décadas

subsequentes, quando estes se envolveram em disputas com as visões de mundo dos

naturalistas como Thomas Henry Huxley (1825 – 1895) e John Tyndall (1820 – 1893) em

que o universo, segundo as leis da matéria e do movimento, poderia ser reduzido a um

mecanismo sem alma (TURNER, 1993, p. 131-228, apud NOAKES, 2016, p. 35).

Emma Hardinge Britten 247 (1823 – 1899), a principal divulgadora do

espiritualismo na América do Norte, se apropriou do termo psicologia para designar a

ciência da alma encarnada e desencarnada. Esta versão ampliada da psicologia era

necessária porque, segundo Emma, as investigações sobre o espiritualismo moderno

revelaram uma grande quantidade de inteligência nas sessões espirituais além da ação de

uma mente na mente incorporada, que não podiam ser explicadas pela psicologia

humana. Relata ainda que

[...] haveria evidências amplas, mesmo nas comunicações dos chamados

espíritos malignos, de uma inteligência inconfundível e desencarnada,

manifestando sua presença entre nós, que é estranha às experiências desta terra,

ou a do círculo de pessoas investigado248 (grifos nossos) (HARDINGE, 1866,

p. 436-437).

Segue definindo ciência espiritualista que, em seu entender, era apenas o próximo

passo no progresso intelectual da raça humana. Nós, encarnados, estaríamos sob duas

ameaças: a primeira delas seria de uma religião vigente, que “comandava nossa crença na

247 Grande parte de seus trabalhos foi editado por sua irmã. Ela é lembrada como escritora, oradora e

praticante do movimento. Seus livros, Modern American Spiritualism (1870) e Nineteenth Century Miracles (1884), são relatos detalhados sobre a história do movimento do espiritismo moderno no início da América. Ela veio para os Estados Unidos e se envolveu nos esforços de campanha de 1864 em apoio à reeleição de Abraham Lincoln. Talvez o ponto culminante de sua carreira oratória tenha sido um discurso em resposta ao assassinato do presidente Lincoln pronunciado trinta e seis horas antes do ocorrido, em 14 de abril de 1865.

248 "[...] there is, if we seek carefully, ample evidence even in the communications of so-called "evil spirits" alone, of an unmistakable and disembodied intelligence, manifesting its presence amongst us, which is foreign to the experiences of this earth, or that of the circle investigating." (HARDINGE, 1866, p. 436-437).

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221

eternidade espiritual” mas “negava toda possibilidade de compreensão de uma existência

espiritual”; a segunda vinha da ciência estabelecida, que “se exilou no domínio da

matéria, tratando apenas de efeitos e nos oferecendo sistemas que não retratam nada além

do que a criação do universo visível nos conduz”. Para Emma, a ciência ou a psicologia

espiritualista teve o poder de iluminar o domínio da matéria, revelando de maneira

inconfundível o mundo das causas e chancelando a religião através de fatos reais e

comprovação científica da existência do espírito (HARDINGE, 1866, p. 338-339).

5.1.1 – Raios Catódicos e o OD de Reichenbach

A afirmação feita por Hardinge e pelos espiritualistas vitorianos de que era

possível demonstrar a existência do espírito, e até mesmo examiná-lo através de meios

empíricos e científicos, era legitimada por sua ressignificação dos conceitos de natural,

sobrenatural, material e espiritual. Assim, uma ciência natural do espiritual era possível,

porque os espiritualistas não consideravam o espiritual como sobrenatural; ao invés disso,

o plano espiritual consistia “simplesmente em outros planos mais sublimados do domínio

da natureza, sujeito às leis assim como o nosso próprio plano” e que “será investigado

minuciosamente” (British Spiritual Telegraph, n. 3, p. 137-138, 1859).

A ciência espiritualista era, portanto, inteiramente comparável a qualquer outro

empreendimento científico que se estendesse ao limite do natural. A reclassificação dos

fenômenos sobrenaturais como naturais (ou ultra mundano como o espiritualista

americano Robert Dale Owen se referia aos fenômenos) refletia também a necessária

superposição entre o espiritual e o material de que os espiritualistas precisavam (OWEN,

1860, p. xii). Essa ciência249 configurava espírito, alma e matéria como formas diferentes

de uma substância ou poder imaterial subjacente que, dependendo do viés do praticante,

era identificado com o fluido magnético dos mesmeristas ou o OD de Reichenbach, ou

ainda com os éteres dos filósofos e físicos (JONES, 1861, p. 1-4).

A linguagem de imponderáveis foi amplamente utilizada pelos espiritualistas no

sentido de legitimar a ideia de uma ciência espiritualista como sendo uma ciência natural

onde os mortos se comunicavam com os vivos. Um dos artigos mais populares de

Hardinge que consolidava essa ideia saiu no periódico Medium and Daybreak de 1870.

Ela propunha que a constituição do corpo físico fosse

249 Para discussão das raízes esotéricas do espiritualismo, ver Mioara Merie (2008).

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222

[...] impregnado por forças imponderáveis, que por falta de uma palavra melhor

são chamadas de "eletricidade" e "magnetização". Também se entende que

algo análogo a esses magnetismos constitui o corpo-espírito tanto nesta vida

como após a morte, e essas eletricidades ligam o corpo interior ou espiritual

com o corpo externo ou físico, trazendo assim todos os fenômenos variados e

complexos de vida.250 (HARDINGE, 1870)

A qualidade e função dos “magnetismos e eletricidades invisíveis” diferiam de

pessoa para pessoa, e se a qualidade dos imponderáveis de um participante da sessão

correspondesse com os imponderáveis constituintes do “corpo” de um espírito

desencarnado, essa pessoa seria identificada como um médium sobre o qual os espíritos

poderiam atuar e usar para se manifestarem através de efeitos físicos. Os espiritualistas

certamente encontraram, na utilização dos imponderáveis, o idioma necessário para dar

justificação filosófica e um brilho científico a seus discursos (HARDINGE 1870).

Em 1868 foi fundada The London Dialectical Society, constituída por pessoas de

“Educação & Respeitabilidade” que tinham por objetivo a consideração imparcial das

perguntas importantes que em vários momentos ocuparam a atenção de filósofos e de

todos os homens “que pensam”. Com o aumento da popularidade na crença do

espiritualismo, na data de 26 de janeiro de 1869 a sociedade formou uma comissão de

advogados, médicos, jornalistas e cientistas para a realização de testes durante as sessões,

podendo interrogar os defensores do espiritismo, receber correspondência sobre o

assunto, investigar e reportar, como reais ou fraudulentos, os fenômenos alegados como

manifestações espirituais. Composta por profissionais altamente conceituados que tinham

como objetivo a investigação dos fenômenos espiritualistas, a comissão era formada por

trinta e três membros onde figuravam William Crookes, Cromwell Fleetwood Varley,

Alfred Russel Wallace e Thomas Huxley (1825 – 1895). Apesar de ter sido convidado,

Huxley recusou-se a participar da comissão, afirmando que mesmo que os fenômenos

fossem genuínos, ainda assim eles não lhe interessavam.

O relatório contendo o resultado das investigações foi apresentado ao conselho da

London Dialectical Society em 20 de julho de 1870. Foi aceito, mas a sociedade não o

publicou. Conforme Alfred Wallace relata, em seu livro On miracles and modern

250 “[…] is composed of a number of dissimilar structures pervaded by imponderable forces, which, for want

of a better name, are called “electricities" and “magnetisms”. It is also understood that something analogous to these magnetisms constitute the spiritbody both in this life and after death, and these electricities connect the inner or spirit-body with the outer or physical body, thereby bringing about all the varied and complex phenomena of life”. (HARDINGE, 1870)

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223

spiritualism, isso ocorreu porque o relatório favorecia a crença na realidade dos

fenômenos espiritualistas. Assim, o comitê considerou que era relevante e do interesse

público a leitura do relatório e por isso, em 1871, imprimiu o relatório valendo-se dos

recursos e contatos pessoais dos membros. A. Wallace prossegue sua narrativa afirmando

que apenas oito dos trinta e três membros atuantes do comitê acreditavam nos fenômenos

espiritualistas desde o início das investigações. Durante o inquérito, pelo menos doze

membros céticos tornaram-se convencidos da realidade de muitos dos fenômenos físicos

através da investigação dos subcomitês experimentais. Entre os que apresentaram

evidências estavam ele próprio (Wallace), Emma Hardinge Britte, Cromwell F. Varley e

Daniel Dunglas Home, entre outros. Também foram apresentadas muitas oposições: uns

acreditavam em influências materiais de cuja natureza somos ignorantes, outros na

influência maligna do diabo, e Carpenter acreditava na existência das cerebrações

inconscientes (WALLACE, 1866, p. 178-179).

Embora o relatório tenha considerado apenas a fenomenologia do espiritualismo

e nada tenha falado sobre a questão da sobrevivência do espírito após a morte, ele

influenciou muito os pesquisadores qualificados para examinar o assunto. Mesmo Frank

Podmore (1856 – 1910), um cético reconhecido, admitiu em seu livro Modern

spiritualism de 1902:

O trabalho feito pela Dialectical Society foi, sem dúvida, de valor, uma vez

que reuniu e preservou para nós um grande número de registros de experiências

pessoais por espiritualistas representativos. Para aqueles que desejam verificar

o que os espiritualistas acreditavam naquele momento, e quais fenômenos

alegadamente ocorreram, o livro pode ser útil. Entretanto, com exceção do

relatório apresentado pelo Dr. Edmunds, não há vestígios dos métodos de

manipulação dos materiais, e assim as conclusões do comitê podem ter pouco

peso. No entanto, tendo como única exceção o trabalho realizado pelo Mr.

Crookes, descrito abaixo, o relatório da Dialectical Society representou até

1882 a única tentativa neste país de uma investigação sistemática dos

fenômenos do espiritismo, por qualquer pessoa ou grupo com pretensões sérias

às qualificações científicas.251 (PODMORE, 1902, v. 2, p. 151)

251 "The work done by the Dialectical Society was, no doubt, of value, since it has brought together and

preserved for us a large number of records of personal experiences by representative Spiritualists. For those who wish to ascertain what Spiritualists believed at this time, and what phenomena were alleged to occur, the book may be of service. But, except in the Minority Report by Dr. Edmunds, there is no trace of any critical handling of the materials, and the conclusions of the committee can carry little weight. And yet, with the single exception of the work done by Mr. Crookes, described below, the Report of the Dialectical Society represents up till 1882 the only attempt in this country at a systematic investigation, by any man or body of men having serious pretensions to scientific qualifications, of the phenomena of Spiritualism. " (PODMORE, 1902, v. 2, p. 151)

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224

No artigo Spiritualism viewed by the light of modern science, publicado no

Quarterly Journal of Science em julho de 1870, William Crookes anunciou que havia

iniciado uma investigação sistemática dos fenômenos físicos do espiritualismo. Eminente

pesquisador, tinha originalidade na concepção dos experimentos e muita habilidade ao

realizá-los. Com interesses em várias áreas, abordava desde ciência pura e aplicada até

economia. Essa característica transformou W. Crookes em um personagem bem

conhecido, cuja versatilidade se traduziu em diversos títulos honoríficos, públicos e

acadêmicos. Seu estudo sobre a forma de aperfeiçoar o vácuo em tubos de Geissler

garantiu-lhe, posteriormente, seu nome como referência do aparato — tubo de Crookes

— e sua participação na “pré-história” do elétron (FERREIRA, 2004). Crookes era um

experimentador habilidoso e concluiu, através de um conjunto de experimentos realizados

ao final da década de 1870, que os raios portadores da corrente elétrica nada mais eram

do que uma torrente de “moléculas eletrificadas” (CROOKES, 1879, p.149).

Um outro personagem chave da “pré-história” do elétron foi seu colega Cromwell

Fleetwood Varley 252 , do comitê da Dialectical Society, amigo pessoal de William

Thomson e engenheiro eletricista responsável pelos testes e colocação dos cabos

telégraficos submarinos da década de 1860.

Em 1871, C. F. Varley publicou o artigo Some experiments on the discharge of

electricity through rarefied media and the atmosphere no Proceedings of the Royal

Society, no qual sugeria a natureza corpuscular dos raios catódicos. Neste trabalho, ele

procurou não somente desvendar o mistério da descarga elétrica através de gases

rarefeitos, como também sugeriu, discretamente, que a existência de uma fronteira

nebulosa entre domínios materiais e “imateriais”, visíveis e invisíveis ponderáveis e

imponderáveis, poderia ser alcançada através da fotografia (VARLEY, 1871, p. 236–

242).

A conclusão de que os raios catódicos eram constituídos por partículas gerou uma

controvérsia anglo-germânica, com os alemães sustentando uma visão ondulatória para

os raios catódicos e os ingleses sustentando que estes eram constituídos por algum tipo

de partícula microscópica carregada. Noakes relata que a controvérsia se tornou tão

252 Nascido em abril de 1828, Cromwell Varley foi criado em uma família londrina, conhecida por sua arte,

invenção e não conformidade religiosa. Seu pai, Cornelius, um famoso inventor e artista paisagístico, voltou seu fascínio para efeitos de luz natural transitória em invenções para explorar perspectivas visuais e estudos de eletricidade atmosférica. Cornelius mantinha contatos com os círculos filosóficos de Londres (principalmente o recente Royal Institution) através de seu comércio de instrumentos e de seu casamento, em 1821, com Elisabeth Straker, sandemaniana devotada e parente de Michael Faraday.

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225

acirrada que, em março de 1871, William Thomson apoiou para membro da Royal Society

seu amigo pessoal e parceiro de negócios, Cromwell F. Varley, apenas porque no início

daquele ano o engenheiro havia publicado nos Proceedings of the Royal Society o artigo

que continha evidência da natureza material dos raios catódicos produzidos durante a

descarga elétrica através de gases rarefeitos nos tubos de Geissler (NOAKES, 2007).

Conforme Noakes observa, se examinarmos o artigo de Varley acima citado,

relacionando-o com suas atividades espiritualistas e outros escritos da mesma época, é

possível enxergar uma intenção além da expressão puramente científica de um artigo. É

provável que ele desejasse unir suas ideias sobre a descarga elétrica em meios rarefeitos

como uma forma de comprovar que as manifestações dos fenômenos espiritualistas

tinham uma base “científica”, apesar de invisíveis. Essa ideia surgiu do estudo de Varley

sobre o trabalho de Karl von Reichenbach a respeito do OD, imperceptível para a grande

maioria das pessoas, à exceção de certos indivíduos “sensitivos” que eram capazes de

enxergar uma aura luminosa em torno de ímãs, cristais e outros objetos. Como engenheiro

eletricista, Varley estava muito familiarizado com os tubos de Geissler, o que lhe permitiu

desenvolver uma técnica fotográfica que visava estender o alcance da visão para pesquisar

a fraca luminosidade no interior do tubo e possivelmente associá-la ao OD de

Reichenbach (NOAKES, 2007, p. 5 - 21).

Durante a exposição do artigo no Royal Society em março de 1871, não é

mencionado se Varley teria feito alguma alusão a respeito do limite nebuloso entre o

material e o imaterial através da seguinte alegação:

Uma exposição de trinta minutos de duração deixa, como será visto, um bom

registro fotográfico do que estava ocorrendo; essa maneira de visualizar feixes

de luz muito tênues para o olho, pode receber outras aplicações.253

(VARLEY,

1871, p. 238)

Foi William Henry Harrison, especialista em fotografia, espiritualista, amigo

íntimo de Varley e editor do periódico espírita The Spiritualist, quem o incentivou a

utilizar a fotografia na detecção do OD. Se o experimento fosse bem-sucedido, isso

indicava que o OD não era um fenômeno subjetivo e duvidoso, e poderia ser fotografado

a qualquer momento, ou seja, eliminaria a observação humana — potencialmente não

253 “An exposure of thirty minutes duration left, as will be seen, a very good photographic record of what was

taking place; this means of viewing light too feeble for the eye may receive other applications.” (VARLEY, 1871, p. 238)

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226

confiável — transferindo-a para máquinas que não seriam influenciadas por sinais

inconscientes dos experimentadores254. Após inúmeras tentativas realizadas por Harrison

utilizando a técnica proposta por Varley, não foi encontrado qualquer sinal do OD nas

fotografias e este concluiu que os resultados aparentemente positivos de Reichenbach,

seriam devidos à imperfeição das placas fotográficas. Ao verificar a possibilidade de

fracassar em relação à detecção do OD, Varley decidiu que seu próximo alvo seria utilizar

seus conhecimentos em telegrafia elétrica ao mundo espiritual.

5.1.2 Os Periódicos Espiritualistas

Quando, em 1872, o periódico The Times255 repreendeu os homens de ciência por

“falharem” em seu dever público de fornecer explicações científicas sobre o

espiritualismo, muitos leitores associaram essa matéria com a mais recente investigação

científica do espiritualismo até a data: os testes experimentais de William Crookes em

Daniel Dunglas Home (1833 – 1886), cuja aparente capacidade de mover objetos

domésticos à distância, convenceu o químico britânico da atuação de uma nova força,

uma “força psíquica”256 (CROOKES, 1871a, p. 339-349).

As investigações de Crookes foram vistas como menos hostis ao espiritualismo

do que aquelas realizadas por Faraday, Babinet, Carpenter e outros já citados no capitulo

anterior. Durante a década de 1870, houve uma ativa troca de mensagens, nem sempre

amigável, entre pesquisadores das diferentes ciências estabelecidas, espiritualistas,

escritores de ciência popular e cientistas (BROCK, 2008, p. 119-154). Os trabalhos de

Crookes são uma das razões pelas quais o período desde o final da década de 1860 até o

início dos anos 1880 é um dos mais frutíferos para qualquer análise da relação entre

espiritualismo e ciência vitoriana. Este período inicia-se com o endosso público de Alfred

Russel Wallace sobre a realidade objetiva dos fenômenos espiritualistas (WALLACE,

1866) e a credibilidade de seus ensinamentos, e termina com a fundação, em 1882, da

Society for Psychical Research (SPR), estabelecida para forjar sua própria abordagem

“científica” para o espiritualismo, a telepatia, as aparições e outros fenômenos

estrategicamente agrupados sob o termo “psíquico” (OPPENHEIM, 1985, p. 111-158).

O período foi testemunho de grandes controvérsias a respeito das diferentes

254 A “cerebração inconsciente” de Carpenter.

255 Ver Spiritualism and Science, The Times, p. 5, 1872 apud Noakes (2016, p. 38) 256 O termo "força psíquica" foi inventado por Edward Cox, advogado e psicólogo, que promoveu, durante

várias décadas, um debate a respeito de fluidos imponderáveis e forças que fluem no corpo humano. Ver Graham Richards (2001).

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227

opiniões proferidas por vários pesquisadores das ciências sobre o espiritualismo. Entre

eles encontravam-se: William F. Barrett257, Edwin Ray Lankester258 (1847 – 1929) e

Johann Karl Friedrich Zöllner259.

Em parte, devido às controvérsias provocadas por vários pesquisadores

profissionais, os espiritualistas foram levados a debater os conceitos envolvidos na

“ciência do espiritualismo”, e para isso foram abertos fóruns de debates através de novos

periódicos espiritualistas. Na década de 1870, os periódicos se tornaram meios bem

estabelecidos para refletir e moldar a identidade dos grupos culturais e, da mesma forma

que a ciência oficial e as vertentes religiosas tinham suas próprias revistas, os adeptos do

espiritualismo se orgulhavam de ter periódicos que atendiam a diferentes públicos de

leitura: o Espiritual Magazine, mensal e caro, atendia espiritualistas burgueses que

nutriam simpatias pelo cristianismo; o Medium and Daybreak, semanal e barato, visava

plebeus reconhecidos por sua hostilidade em relação a instituições religiosas, clericais e

intelectuais estabelecidas; e o periódico The Spiritualist, também semanal, era dedicado

aos espiritualistas mais interessados nos aspectos científicos e éticos (OPPENHEIM,

1985, p. 44-49). Os espiritualistas vitorianos não possuíam uma filosofia coerente que

sustentasse sua crença na vida após a morte e por isso, em questões que envolviam o

espiritualismo, religiões estabelecidas e ciência, observava-se muita discordância na

abordagem dos temas (GOODRICK-CLARK, 2008, p. 188, apud NOAKES, 2016, p.

39). Isso provavelmente ocorria pela compreensão diferenciada da natureza da ciência e

da experiência científica no espiritismo, bem como da atuação de cientistas tradicionais

e do uso de instrumentos na pesquisa experimental espiritualista.

Não havia dúvida entre os principais contribuintes para a imprensa espiritualista

vitoriana de que o espiritualismo era um empreendimento científico ou pelo menos tinha

um componente científico significativo. Constatou-se que o espiritismo era, de muitas

maneiras, contrário às ciências estabelecidas, na medida em que essas só pareciam estar

257 William Fletcher Barrett era um físico britânico que alcançou considerável notoriedade em 1876 por

anunciar evidências positivas sobre a existência do poder da transferência de pensamento de uma mente para outra e também por reclamar a necessidade de um estudo sistemático, científico, dos fenômenos considerados espiritualistas. Ele foi um dos fundadores da Society for Psychical Research e, na década de 1890, declarou sua crença na telepatia e na sobrevivência da personalidade humana após a morte corporal. Ver Noakes (2004,.p. 419–64)

258 Edwin Ray Lankester, zoologista britânico e protegido de Thomas Henry Huxley, participou de sessões com o médium norte-americano 'Dr' Henry Slade no ano de 1876. Entrou com uma ação judicial contra Slade por supostamente produzir uma "escrita espiritual" através de meios fraudulentos. Ver Lester (1995, pp. 93-7).

259 Outro investigador de Slade foi o astrofísico alemão Johann Karl Friedrich Zöllner, que estava convencido da autenticidade do médium e interpretou suas façanhas em termos da física do espaço de quatro dimensões. Ver Staubermann (2001, pp. 67-79).

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228

preocupadas com átomos materiais e forças físicas, e excluíam a possibilidade da atuação

espiritual. Entretanto, havia também uma preocupação constante em explorar outras

interpretações da atividade científica que se adequassem e ajudassem a definir o

espiritualismo. Como o que a ciência buscava era o conhecimento, e o movimento

espiritualista buscava o conhecimento do espírito humano, os adeptos entendiam que o

espiritualismo era também uma ciência (SPIRITUALISM, 1870, p. 108; NOAKES, 2016,

p. 40).

Uma afirmação muito comum para ratificar a cientificidade do espiritualismo

consistia no fato de que as manifestações espirituais que ocorriam durante as sessões

baseavam-se em fatos que haviam sido “cuidadosamente investigados, pesados,

arranjados e fundamentados através da mais rigorosa indução” (SARGENT, 1881, p. 13-

66) Embora houvesse alguns espiritualistas que concordavam que o espiritualismo abriu

uma “nova página” nas ciências existentes, como a química, a mecânica, a óptica e a

fisiologia, havia muitos outros que conceberam o espiritualismo como uma ciência com

objetivos muito diferentes das ciências oficiais (HARDINGE, 1871a, p. 209). Essa última

concepção, em particular, dizia respeito a uma ciência que não se contentava em descrever

simplesmente o mundo observável e físico durante as sessões. O verdadeiro

“espiritualismo científico” devia ser capaz de dar uma demonstração completa e

satisfatória de tudo que se relacionasse com a manifestação espiritual, e por

“demonstração completa” significava fornecer uma filosofia da causação que lidasse com

o problema da existência e as fontes espirituais que subjazem a todos os fenômenos, ao

invés de bancar o cientista comum e simplesmente tomar conhecimento dos fatos e das

condições que os produzem (SCIENTISTIC, p. 37-8, 1872, p. 37-38).

As concepções e ideias dos espiritualistas sobre ciência espiritual foram

fortemente impressas nessa nova “ciência”. Eles criticaram constantemente os

pesquisadores das ciências oficiais por ignorarem os protocolos das sessões e, mais

seriamente, por se absterem do tipo de observação que era adequada aos fenômenos

envolvidos. Assim, diziam-se “cientistas” porque possuíam uma organização física

dotada de sentidos e formas de consciência, que estavam adaptadas ao plano dos

fenômenos com os quais eles tinham que lidar. Emma Hardinge foi ainda mais longe em

suas concepções e chegou a duvidar de que cientistas treinados pudessem desenvolver

esse tipo de consciência porque os fenômenos cuja causa eles precisavam rastrear

ocorriam de forma independente do tempo, espaço e matéria (HARDINGE, 1871b, p. 15).

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229

Um dos atributos mais importantes dessa consciência que os cientistas

espiritualistas verdadeiros precisam ter, era a capacidade de perceber e manter as

delicadas condições de equilíbrio da sessão. Aqueles considerados os melhores

pesquisadores eram os que entendiam que, para harmonizar as atmosferas “magnéticas”

e “elétricas” entre vivos e mortos e assim aumentar a probabilidade de experimentar

manifestações, os participantes da sessão tinham que policiar suas mentes e respeitar as

regras impostas pelos médiuns em relação às condições físicas das sessões. Normalmente,

essas condições incluíam iluminação moderada, uma atmosfera mental harmoniosa

(muitas vezes alcançada através de conversas cordiais, oração e canto de hinos) e a

exclusão de participantes que fossem “rudes, céticos, violentos, destemperados ou mesmo

dogmáticos” (HARDINGE, 1868, p. 49). Para os críticos do espiritualismo, essas regras

representavam a impossibilidade de enquadrar dentro das ciências oficiais as

manifestações e os fenômenos ocorridos em uma sessão. O periódico semanal de cunho

técnico English Mechanic expressou a opinião de uma infinidade de comentaristas

quando, em 1873, acusou círculos espiritualistas de permitirem condições

[...] completamente favoráveis à impostura ou, claramente consistentes com a

ilusão. Estipular uma sala escura, um arranjo planejado de mobiliário e pessoas

predispostas à credulidade na recepção das impressões, não são situações que

se recomende aos estudiosos da ciência física260 (grifos nossos) (Science and

Spiritualism, English Mechanic and World of Science, 16, p.401, 1873).

Os melhores pesquisadores científicos, no entanto, eram dificilmente indicados

para comparecerem às sessões devido à sua negativa em atender às expectativas dos

dirigentes espiritualistas sobre a conduta “científica” a ser adotada nestas sessões. Por

isso, muitas vezes os espiritualistas se referiam aos cientistas como aprendizes ou alunos

(Spiritualist, 1870, p. 93). Poucos cientistas foram tão criticados quanto o físico John

Tyndall (1820 – 1893), cujo relato pessoal de uma sessão, publicado em 1864, forneceu

muito material para os comentaristas que desejavam enfatizar o conflito entre a ciência e

espiritualismo (PODMORE, 1902, v.2, p. 147). Tyndall foi considerado não científico

em termos espiritualistas, por não cumprir a necessidade de passividade mental e física

(por suspeitar e fazer truques na sessão), mostrando pouco respeito pelos outros

260 “[…] plainly suggestive of imposture, or clearly consistent with delusion. Stipulations for a dark room,

concerted arrangement of furniture, and a company predisposed by credulity to the reception of impressions are not terms likely to commend themselves to the students of physical science.” (Science and Spiritualism, English Mechanic and World of Science, 16, p.401, 1873)

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230

participantes do círculo espiritual, zombando da ideia de que os médiuns fossem

“sensíveis” e adotando a estratégia “não científica” de violar condições necessárias para

que os fenômenos aparecessem. Entretanto, o próprio William Henry Harrison, fundador-

editor do periódico The Spiritualist, comentou que ele poderia “ensinar aos espiritualistas

como realizar um ótimo negócio” referindo-se às práticas científicas que deveriam ser

adotadas para evitar fraudes nas sessões (HARRISON, 1871a, p. 157).

A atitude de interferência dos pesquisadores solidificou uma visão dos adeptos do

espiritualismo de que, enquanto “cientistas treinados” a manterem passividade mental

eram úteis para o perfil do espiritualismo, aqueles que procuravam interferir e não

acreditavam nos fenômenos (chamados de outsiders) não tinham qualquer utilidade às

sessões e não trariam nada de novo ao espiritualismo (Medium and Daybreak, 1870, p.

201-202). O comentário de Harrison, a favor do aspecto científico empregado por Tyndall

na sessão, destacou áreas significativas de desacordo entre espiritualistas vitorianos sobre

a atuação científica. Em números posteriores do The Spiritualist, o próprio Harrison

explicaria que se os espiritualistas assistissem às palestras públicas de Tyndall,

aprenderiam as vantagens de mostrar fatos experimentais sobre um fenômeno, ao invés

de relatar simples “especulações”. Ele segue dizendo que os espiritualistas deveriam

estudar o que fosse “bom na ciência”, o que incluiria ir para a Royal Institution assistir às

palestras públicas de Tyndall e outros. Assim, os espiritualistas adquiririam uma

“compreensão mais profunda e clara do que é realmente conhecido sobre as forças

imponderáveis da natureza e se ambientando com o que é científico, através de trabalhos

escritos e em palestras públicas, melhores ideias e termos substituiriam a fala obscura e

confusa. (HARRISON, 1871a, p. 156). Um importante colaborador do The Spiritualist,

Cromwell F. Varley, argumentou que se os médiuns adquirissem também esse tipo de

conhecimento, então eles seriam melhor “capazes de traduzirem suas percepções em um

linguajar de natureza científica, auxiliando a concepção científica do assunto" (The

Spiritualist, 1870, v. 1, p. 86).

A admiração de Harrison pela ciência oficial não é surpreendente. Antes de lançar

o The Spiritualist em final de 1869, ele já havia trabalhado como funcionário telegráfico

e acabou fazendo carreira de jornalista científico, escrevendo artigos e novidades para

periódicos científicos e técnicos (HARRISON, 1875b). Seu jornalismo científico

conviveu com seu trabalho no periódico The Spiritualist e o colocou em contato com

Tyndall e com vários outros pesquisadores científicos importantes. Em 1868, ele

vivenciou os primeiros contatos positivos com os fenômenos espiritualistas e evitou

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divulgar suas experiências, porque percebeu que o preconceito contra o espiritismo

ameaçaria sua reputação profissional. Entretanto, a discrição foi difícil de sustentar e, em

cartas ao físico escocês Balfour Stewart, ele opinou que a teoria ideomotora (ação

muscular) proposta por Faraday era completamente absurda para explicar as mesas que

subiam no ar, desafiando as opiniões tanto dos filósofos quanto dos teólogos. Em junho

de 1869, Harrison estava convencido de que o espiritualismo era um movimento muito

forte, diante do qual os membros da ciência estabelecida e seu ícone máximo, a Royal

Society, não tinham interesse suficiente para “descer do pedestal” e dar início a uma

investigação. Assim os grandes desafios que o espiritualismo trazia seriam investigados

por grupos menores, porém comprometidos com a verdade. (NOAKES, 2016, p. 44). Não

sendo possível manter seus interesses privados por mais tempo, Harrison lançou o The

Spiritualist, cujos objetivos principais era desafiar as explicações científicas e suas leis

subjacentes através de um conjunto de evidências espirituais (HARRISON, 1869, n.1, p.

5).

Através de seu periódico, Harrison surgiu como um dos articuladores mais

prolíficos e controversos em relação às possibilidades e problemas do movimento

espiritualista vitoriano. Em comparação aos outros periódicos espiritualistas, mais

particularmente o Medium and Daybreak, o The Spiritualist dedicou espaço considerável

às pesquisas espiritualistas de profissionais científicos treinados e foi menos crítico com

a atuação dos cientistas no espiritualismo. Harrison pode ter lamentado a maneira como

Carpenter, Lankester e Tyndall trataram os espiritualistas, mas, como muitos escrevendo

para seu periódico, os exemplos de Crookes, Wallace e Zöllner deram esperança de que

cientistas treinados, uma vez que tivessem aprendido a respeitar as condições das sessões

e entender corretamente o espiritualismo, seriam estrategicamente importantes. Assim,

Harrison chegou a opinar publicamente que se o mundo científico ortodoxo assumisse o

espiritualismo, “depois de alguns meses de experiência eles poderiam nos contar mais

sobre a natureza da mediunidade do que nós espiritualistas tentamos descobrir há

anos”261.

O advogado e colaborador regular do The Spiritualist, Charles Carleton Massey

(1838 – 1905), estava ainda mais ansioso que Harrison para se aliar com os cientistas, e

exortava no periódico: “Queremos seus nomes e queremos seus cérebros”, pois, se

houvesse a admissão da autenticidade das manifestações dos médiuns, isso teria como

261 ‘Transactions of the National Association of Spiritualists’, The Spiritualist, 8, p. 175, 1876.

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232

consequência o rápido estabelecimento do espiritualismo como uma “ciência

principiante” (MASSEY, 1876, p. 21). Harrison e Massey eram vistos pelos

espiritualistas plebeus como tendo aliado o espiritualismo às ciências estabelecidas, sendo

reconhecidos como “espiritualistas burgueses”.

Os desentendimentos entre os espiritualistas a respeito dos benefícios de trazer

cientistas para observarem as sessões não foram tão marcantes como aqueles que

surgiram na década de 1870 sobre o uso de instrumentos científicos no teste de médiuns

e na elucidação das “verdades espirituais”, cujo expoente foi William Crookes. Para o

espiritualista e caricaturista alemão Christian-Reimers (1827 – 1889), o simples fato dos

cientistas tentarem avaliar médiuns e espíritos através de testes mecânicos e elétricos

prestava-se à sátira. Ele se divertiu caricaturando as sessões de teste onde os personagens

principais eram encenados pelos cientistas fictícios, o “Professor Molecule, F.R.S.,

X.Y.Z., B.I.G.A.S.S” e seu fiel assistente “Dr. Protoplaster”.

Apesar das críticas, a resposta de Harrison para Crookes sobre suas atividades de

pesquisa a respeito dos fenômenos espiritualistas foi surpreendentemente muito

simpática. Em 1869, ao ler as pesquisas conduzidas por Crookes, sentiu-se compelido a

acreditar diante de “evidências inquestionáveis” da “existência de fatos na natureza”

sobre os quais o “mundo científico” era amplamente ignorante. Harrison estava tão

entusiasmado com o fato de Crookes utilizar equipamentos na pesquisa dos fenômenos

espiritualistas, quanto em sua hipótese para a existência de uma força psíquica

(HARRISON, 1869, p. 13).

Logo após relatar e discutir as pesquisas de Crookes no The Spiritualist, Harrison

propôs outras formas pelas quais termômetros, fotografias e iluminação vermelha

poderiam ser usadas em sessões para medir e registrar as mudanças de temperatura dos

participantes da sessão de forma a elucidar as “leis físicas e mentais” da mediunidade e

de suas manifestações (HARRISON, 1871c, p. 206). Tais propostas parecem não ter se

concretizado, porém, na década de 1870, Harrison desempenhou um papel fundamental

na tentativa de transformar as sessões em eventos nos quais instrumentos, médiuns e

participantes estariam envolvidos na produção de novos conhecimentos científicos. Essas

iniciativas foram conduzidas por várias aspirações fundamentais. A primeira fazia parte

do que Harrison chamou de tentativa de “empurrar” o espiritualismo para dentro da

ciência, ciência essa que tinha vínculos claros com a Física (HARRISON, 1876, p.193).

Foi precisamente porque os fenômenos espiritualistas apresentavam fenômenos

relacionados à Física que alguns pesquisadores consideraram legítimo examiná-los com

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233

as ferramentas da ciência física (CROOKES, 1870, p. 316-21). Devido à

instrumentalização, a “ciência espiritualista” de Harrison se assemelhava muito ao ramo

iniciante de psicologia experimental, apesar de os psicólogos experimentais repudiarem

veementemente as associações com o espiritualismo e mentes desencarnadas (COON,

1992, p. 143).

A segunda aspiração da ciência espiritual de Harrison e seus aliados era a busca de

evidências objetivas das manifestações. Isso pode ser visto nas tentativas de W. Crookes

em produzir evidências de uma força psíquica que não pudesse ser descartada como

alucinação ou fraude, e refletia a preocupação dos pesquisadores com sua reputação

perante a ciência oficial. Uma terceira aspiração subjetiva era encontrar um equilíbrio das

condições das sessões usualmente praticadas com as condições que Harrison e seus

aliados estipulavam para construir um conhecimento confiável. Este equilíbrio foi o que

o aliado íntimo de Harrison, o engenheiro telegráfico e espiritualista Cromwell Varley

tentou alcançar em 1874 ao testar a médium Florence Cook (1856 – 1904).

5.2 Desafios da Ciência: Laboratórios, Experimentos e Instrumentação

A complexa relação entre o espiritualismo e a instrumentação de laboratório no

século XIX enfatiza conexões experimentais e simbólicas entre novas tecnologias para

receber e transmitir sinais de inteligências distantes e o desenvolvimento de práticas

espirituais e psíquicas para troca de mensagens com as almas dos mortos e vivos. Da

mesma forma que o telégrafo elétrico eliminou as distâncias entre continentes, então seria

possível a existência de um “telégrafo celestial” como uma ponte entre este mundo e o

próximo. Assim como fotografias e fonogramas incorporavam as vozes da vida distante,

os médiuns eram vistos como instrumentos que incorporavam as aparências e as

expressões dos mortos distantes.

5.2.1 O Telégrafo Elétrico e o Telégrafo Espiritual

No início de 1874, Harrison concedeu a Varley a oportunidade de utilizar o

telégrafo elétrico na médium Florence Cook, criando uma metodologia que ficou

conhecida como “telégrafo espiritual”. Sua experiência na construção de telégrafos o

auxiliou a conceber a ideia que as comunicações com os espíritos se assemelhavam a um

telégrafo espiritual, e ninguém melhor do que ele para distinguir a veracidade dos “sinais

telegráficos” de agentes imponderáveis. Nesta sessão, onde encontravam-se presentes o

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234

abastado empresário de Manchester chamado Charles Blackburn, John Luxmoore (juiz

de paz em Devon) e William Crookes, ocorreu o acontecimento mais marcante na

utilização de recursos instrumentais em uma sessão mediúnica: Cromwell Varley

conectou a médium Florence Cook ao mesmo circuito (bateria e galvanômetro) usado em

1865/1866 nas expedições do cabo do Atlântico (NOAKES, 2007, p. 5).

Existia uma suspeita de fraude que somente seria eliminada caso os pesquisadores

pudessem monitorar os movimentos corporais da médium enquanto ela estava sentada

em uma cabine escura. Eles precisavam garantir a permanência dela nessa cabine

enquanto um espírito materializado, que possuía grande semelhança física com a médium,

perambulava pelo ambiente escuro da sessão. Florence alegava que necessitava

permanecer completamente isolada na cabine, de maneira a “armazenar” as energias

espirituais necessárias para produzir a materialização completa do espírito chamado Katie

King262.

Financeiramente assistida por Blackburn e Luxmoore na modalidade

“mediunidade privada”263, a ascensão mediúnica e financeira de Florence Cook foi muito

rápida. Em 1870, aos catorze anos de idade, ela descobriu a sua “capacidade” de levitar

móveis e escrever sob a influência de um espírito, e em apenas um único ano havia

desenvolvido seus “poderes” tão rapidamente, que alegava ter-se tornado capaz de

materializar completamente um espírito. Florence somente exibia esse fenômeno, o mais

marcante no espiritualismo vitoriano, para os círculos espiritualistas mais seletos de

Londres, e foi assim que, em fevereiro de 1874, os dois cientistas puderam pôr à prova a

jovem Florence Cook e a forma materializada chamada Katie King.

262 Katie King dizia se chamar Annie Owen Morgan e vivera na Terra até o ano de 1650 como filha de Henry

Owen Morgan, mais conhecido como o pirata John King.

263 Demonstração dos poderes mediúnicos somente para uma seleta assistência.

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235

Figura 5.1: Circuito elétrico utilizado para testar possíveis fraudes pelas médiuns Florence

Cook e Anne Fay.

Fonte: Crookes (1875, p. 126-128).

A reunião se passou na casa do Sr. Luxmoore que, além de W. Crookes, Varley e

Harrison, contou com a presença da mãe de Florence e da esposa de W. Crookes. Nenhum

esquema do ambiente ou mesmo do equipamento utilizado parece ter sido guardado;

entretanto, o relato de Varley no periódico The Spiritualist, sugere ser idêntico ao aparato

usado por Crookes em outra médium, Annie Eva Fay e descrito no periódico Medium and

Daybreak (NOAKES, 2007, p. 7-11). A Figura 5.1 apresenta a montagem onde se veem

a bateria, fios, resistências, chave e galvanômetro (CROOKES, 1875, p. 126-128).

O compartimento que serviu de cabine escura foi separado do aposento da assistência por

meio de uma cortina, para impedir a entrada da luz. Antes da sessão, a cabine escura foi

cuidadosamente examinada e suas portas fechadas a chave. A médium teve fixados a cada

um dos seus braços, logo acima dos punhos, eletrodos constituídos por moedas de ouro e

fios de platina, separados da pele por papel mata-borrão umedecido com uma solução de

cloridrato de amônio. Os fios de platina foram fixados por meio de cordões e

acompanhavam os braços indo até as espáduas, de forma a deixar aos braços a liberdade

dos movimentos. Os fios condutores se estendiam até o ambiente onde se achavam os

experimentadores e estavam conectados a uma bateria e ao galvanômetro utilizado nas

expedições de Varley para colocação do cabo do Atlântico. Segundo relato do próprio

Varley, a sala da sessão encontrava-se suavemente iluminada somente próximo ao visor

do galvanômentro, de maneira que ele, Varley, pudesse anotar as leituras instrumentais.

Havia sido respeitada a necessidade de Florence Cook ser mantida na escuridão e atendida

a demanda de Varley para determinar de forma “remota” e confiável se, como sugeriam

os rumores, ela se passava pelo espírito que dizia materializar.

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236

O equipamento trazido por Varley, segundo seus próprios relatos, era tão sensível

que registraria a mais fraca corrente elétrica transmitida a 5.000 km por um cabo

submarino. Ao introduzir a médium no circuito, seria possível conhecer a resistência que

o corpo dela oferecia à corrente elétrica e dessa forma, caso a médium cometesse alguma

fraude, passando-se pelo espírito materializado, o galvanômetro acusaria imediatamente

uma alteração na resistência do circuito. Antes de iniciar o experimento, Varley e Crookes

verificaram que o galvanômetro marcava uma declinação de 300 divisões quando os

eletrodos que formavam os polos da bateria estavam reunidos e que, após a introdução de

Florence Cook no circuito, o galvanômetro apresentava uma declinação em torno de 220

divisões. Nesta situação, Florence Cook representava um cabo telegráfico e seu corpo

oferecia uma resistência equivalente a 80 divisões da escala ao ser introduzido no circuito.

Durante os trinta e oito minutos que a sessão durou, e para ter certeza de que Florence

Cook permanecia no interior do gabinete enquanto Katie King se apresentava diante dos

assistentes, Varley anotou, minuto a minuto, os valores indicados pelas deflexões do

galvanômetro que fora colocado no aposento da assistência (VARLEY, 1874, p. 134).

Quando os dados originais foram publicados no The Spiritualist de março de 1874,

Harrison declarou que os resultados haviam sido considerados “satisfatórios”, já que o

galvanômetro não teria apresentado nenhuma interrupção do circuito e o decréscimo

gradual na deflexão da agulha teria sido causado pelo ressecamento do papel mata-borrão.

Entretanto, algumas observações registradas por Varley no artigo sugerem alguns

problemas nessa interpretação. Em um único minuto, pouco antes de Katie surgir atrás da

cortina, o galvanômetro caiu 36 divisões e não retornou mais ao valor inicial; apesar disso,

nenhum tipo de consideração é feita a esse respeito. Às 7 h 35 min, Katie mostra seu

braço e o ponteiro desce mais 17 divisões, o que leva Varley a qualificar tal evento de

“muito suspeito”. Logo após, anula esse julgamento em função de outros movimentos

realizados por Katie, sem que o galvanômetro haja apresentado qualquer oscilação. Após

o encerramento da sessão, Varley relata que Katie o convidou a entrar no aposento

escurecido, onde pôde ver Florence Cook ainda em transe e encolhida em sua poltrona.

Varley dá-se por satisfeito ao observar que os eletrodos presos aos pulsos não haviam

sido movidos. Acrescentou que suas mãos eram pequenas, quentes e secas, ao contrário

das mãos frias e úmidas de Katie. A médium havia, aparentemente, passado no teste de

“continuidade e resistência" do telegrafo elétrico. Varley persuadiu alguns espiritualistas

de que o teste produziu novas e poderosas evidências da autenticidade da mediunidade de

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Florence Cook. Ele conclui no artigo que o registro de leituras feitas pelo galvanômetro

indicava que Florence não poderia ter-se libertado do circuito e, mesmo que o tivesse

feito, ele teria detectado sua ausência imediatamente, através das deflexões do ponteiro

do galvanômetro (VARLEY, 1874, p. 135).

Para alguns espiritualistas, o teste de Varley também pareceu anunciar uma nova

abordagem ao espiritualismo por parte dos pesquisadores das ciências oficiais e,

certamente, atendeu as expectativas de atrair outros cientistas para a investigação do

espiritualismo (COLEMAN, 2008, p. 177). Entretanto, outros espiritualistas

questionaram o valor geral desse tipo de teste e, conforme advertido por um comentarista

de outro periódico, o Spiritual Magazine, os testes somente poderiam “ser empregados

por homens de ciência, utilizando aparelhos científicos”, enquanto “testes simples e

igualmente eficazes eram desejáveis, nenhum teste era tão satisfatório quanto a visão e

toque”. (Spiritual Magazine, 1874, p. 167). Em última análise, para alguns espiritualistas,

as impressões subjetivas de um participante leigo eram mais valiosas do que as leituras

objetivas de um instrumento científico. Essas críticas não perturbaram Harrison e seus

aliados, cujo próximo grande projeto de pesquisa baseado em instrumentos abordou,

através de diferentes métodos e recursos, o complexo problema da materialização.

5.2.2 As Materializações e o Princípio da Conservação da Energia

Iniciado em 1878, o projeto proposto por Harrison envolvia a aquisição e

interpretação das medidas de massa de um médium tomadas durante as sessões de

materialização (NOAKES, 2002, p. 148). O projeto foi organizado pelo “Comitê de

Pesquisa Científica” da British National Association of Spiritualists (BNAS) que,

fundada em 1873, transformou-se na maior sociedade espiritualista da Grã-Bretanha ao

final dessa década através da farta publicidade de Harrison em seu periódico The

Spiritualist.

Entre os membros da BNAS havia vários espiritualistas com treinamento

científico e médico (Crookes, Varley e o anatomista Charles Carter Blake) e eminentes

representantes da cultura burguesa (Massey e Charles Blackburn, o patrocinador

financeiro de Florence Cook). O Comitê era, sem dúvida, um dos corpos mais respeitáveis

de cientistas do espiritualismo até a fundação da Society of Psychical Research (SPR) em

1882. Devido aos generosos investimentos financeiros de Blackburn, o Comitê pôde

encomendar um instrumento especial para registrar automaticamente as variações no peso

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de um armário de madeira suspenso acima do chão de uma sala por cabos de ferro, dentro

do qual ficaria o médium responsável pelos efeitos físicos.

A condução dos testes de pesagem apontava para uma possibilidade mais efetiva

de investigar questões relacionadas aos fenômenos espiritualistas que, até então, haviam

se mostrado insolúveis. Um dos problemas que mais preocupavam Harrison, e que se

colocava como sendo a principal objeção dos físicos ao espiritualismo, era a violação do

princípio da conservação da energia durante as sessões. Conciliar esta lei com os efeitos

físicos apresentados pelos médiuns era muito difícil, pois a suposta criação de uma força

fazia com que pesados objetos domésticos fossem movidos e/ou levitados. O mesmo

problema se apresentava em relação à materialização de espíritos sem que se observasse

qualquer dispêndio de energia ou força por parte do médium ou qualquer outro

participante das sessões. Harrison esperava que os experimentos de pesagem fornecessem

evidências empíricas desse dispêndio, reconciliando os fenômenos e a lei de conservação

da energia (HARRISON, 1878b, p. 268-70). Harrison não deixa explícito o motivo pelo

qual a pesagem dos médiuns reconciliaria os fenômenos de materialização e o princípio

de conservação da energia; entretanto, é possível que ele estivesse supondo haver uma

conversão de massa em energia. Esta relação estaria pautada na lei da conservação da

massa, no sentindo de uma lei química.

Na primeira rodada de sessões de teste, utilizou-se o gabinete suspenso com um

médium de nome Charles Williams. Este foi convidado a sentar-se no gabinete e seu peso

líquido foi obtido. Durante seu suposto estado de transe, ele materializou um espírito

totalmente formado na frente dos membros do comitê. Os membros, que acompanhavam

de perto o equipamento de pesagem, anotaram o comportamento da forma materializada

enquanto ela se misturava e conversava com os participantes da sessão. Harrison observou

que o peso do gabinete não se anulou durante o fenômeno de materialização,

demonstrando que o médium teria permanecido no gabinete e não poderia ter saído de lá

para se fazer passar pelo espírito. De forma a manter a lei da conservação da energia

válida, Harrison concluiu em seus experimentos que,

[...] quando os fenômenos são apresentados em uma parte de uma sala de

sessão, [...] o peso e a energia são retirados do médium e deslocados para outra

parte do ambiente264 (HARRISON, 1878b, p. 269)

264 “[...] when phenomena are presented at one part of a séance-room, ... weight and energy are

correspondingly abstracted from the medium in another part of the room.” (HARRISON, 1878, p. 269)

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O anatomista Charles Carter Blake (1840 – 1897) encontrava-se presente às

sessões e, logo após Harrison publicar os resultados, argumentou para o público externo

que os testes mostravam que os espiritualistas não negligenciavam o rigor científico: os

testes haviam sido repetidos várias vezes e tinham sido baseados em registros feitos por

uma máquina que não poderia fraudar seus valores. Infelizmente para Harrison e Blake,

os experimentos de pesagem foram ignorados pelos cientistas, enquanto os espiritualistas

leigos não davam crédito ao uso da instrumentação em sessões. Um deles chegou a sugerir

que as experiências poderiam ameaçar as energias vitais e, consequentemente, a vida do

médium (WYLD, 1878, p. 201).

Mais comprometida ficou a situação quando, alguns meses depois de participar

dos testes de pesagem, Charles Williams foi capturado fazendo-se passar por um espírito

materializado. A estratégia do comitê da BNAS foi repetir os experimentos com um

médium diferente, porém a fraude de Williams apenas agravou uma crise interna do

comitê. A disputa política resultou no desligamento de Blake e Harrison, culminando com

a perda do patrocínio financeiro, o que inviabilizou arcar com a instalação da máquina de

pesagem em novo local. Harrison relatou que a máquina havia sido desmontada e

armazenada em caixotes, esperando que as experiências pudessem ser retomadas quando

o “elemento científico dentro do espiritualismo fosse mais forte” (HARRISON, 1881, p.

162).

Em última análise, o tipo de ciência espiritual baseada em instrumento praticada

por Harrison e seus aliados não conseguiu satisfazer as exigências de pelo menos dois dos

seus públicos pretendidos: pesquisadores das ciências físicas e espiritualistas. A

instrumentação das sessões proposta por Harrison e seus aliados cruzou os rígidos limites

que os estudiosos das ciências físicas colocavam entre suas pesquisas e, também, os

limites dos praticantes das ciências psíquicas. Para os espiritualistas leigos, sem

treinamento em ciência, a proposta de Harrison era elitista e unicamente centrada no

aspecto mais problemático do espiritualismo, que eram os fenômenos físicos. Para eles,

essa classe de fenômenos era considerada menos importante do que os fenômenos mentais

(clarividência, telepatia etc.), e também ameaçava a reputação do espiritualismo pela

possibilidade de fraude e o transformava em um tipo de “materialismo” (COLEMAN,

2008, p. 14-15).

O principal meio de que Harrison dispunha para propagar sua ciência do

espiritismo foi desmontado durante o período 1879 –1881: seus desajustes e seu

consequente desligamento do BNAS o fizeram perder aliados ricos e poderosos. Dessa

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240

forma, sem o apoio financeiro necessário, o periódico The Spiritualist entrou em colapso

em 1881, perdendo seu público para o semanário espiritualista Light, seu competidor mais

forte. Kragh argumenta que o fracasso do programa de Harrison teve origem no fato de

que os espiritualistas viam com grande reserva o uso da instrumentação pelos

pesquisadores, mesmo que valorizassem a presença de um investigador científico nas

sessões para analise dos fenômenos (KRAGH, 2014).

5.2.3 O Desafio Metodológico: Society for Psychical Research (SPR)

A abordagem do espiritualismo praticada pelo Comitê de Pesquisa Científica do

BNAS foi exatamente do tipo que excitou importantes nomes da ciência oficial a

fundarem na Inglaterra, em 1882, a Society for Psychical Research265 (SPR), o símbolo

mais representativo do interesse vitoriano no oculto266. Sob os auspícios do “progresso,

da ciência e da modernidade”, eles se uniram para realizar um trabalho na fronteira

científica. Este trabalho, denominado “pesquisa psíquica”, seria o meio de alcançar o

conhecimento sobre o que acontecia após a morte.

A SPR era composta por muitos luminares da ciência oficial, tais como Henry

Sidgwick (1838 – 1900), que serviu como seu primeiro presidente e titular da cadeira de

filosofia moral em Cambridge; Eleanor Mildred Sidgwick (1845 – 1936), esposa de

Henry, sufragista e matemática; Frederic William Henry Myers (1843 – 1901),

proeminente classicista, ensaísta e poeta, cujos estudos sobre consciência, histeria e

personalidade múltipla influenciaram seus contemporâneos; William Crookes; Oliver

Joseph Lodge, físico, integrante do seleto grupo de maxwellianos cuja pesquisa em

eletromagnetismo resultou no desenvolvimento da telegrafia sem fio; William Fletcher

Barrett, físico267; John William Strutt, 3rd Baron Rayleigh, físico; Joseph John

Thomson, físico; William James (1842 – 1910), filósofo e psicólogo; e Edmund Gurney

(1847 – 1888), um classicista cujo trabalho filosófico The power of sound (de 1880)

propagou uma nova teoria da musicologia.

A pesquisa psíquica foi constituída por uma abordagem abrangente de diversos

fenômenos como mesmerismo, transferência de pensamento, assombração (hauntings) e

comunicação espiritual. A participação de cada membro na sociedade demonstrava seu

interesse na investigação do fenômeno, fosse ele da esfera psíquica ou até mesmo da

265 A sociedade continua em atividade até os dias de hoje.

266 Falar sobre o ocultismo.

267 Desenvolvedor da liga Stalloy.

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241

espiritual; porém, não havia necessariamente a crença na realidade do espírito e suas

manifestações. Apesar das diferentes atitudes, os membros da sociedade concordavam

que a hipótese espírita não deveria ser banida de forma automática do mundo que estava

sendo revelado através da ciência moderna (OPPENHEIM, 1985).

Para encontrar o vínculo da SPR com o trabalho realizado por Harrison na BNAS,

é necessário olhar para o “Comitê Reichenbach” da SPR, cujo objetivo era produzir

evidências objetivas das chamas ódicas (BARRETT, 1884, p. 56). Para muitos membros

líderes da SPR, tanto F. W. H. Myers, quanto Edmund Gurney e Henry Sidgwick tiveram

uma abordagem muito cautelosa no sentido de constituir evidências dos fenômenos

espiritualistas e de outros de origem psico-física, que agora se encontravam agrupados

sob o título de “psíquico”. O próprio Harrison não se juntou à SPR e criticou duramente

a sociedade por buscar evidências de “fatos comuns”, já consensuais sobre a existência

do espírito que não trariam qualquer novo conhecimento para consolidação de sua

existência (HARRISON, 1887, p. 486-487).

O pesquisador psíquico, essa nova classe de estudioso no cenário intelectual

vitoriano, proporcionou aos espiritualistas um amplo material para reiterar concepções

antigas da ciência espiritual e do cientista espiritual. Em um editorial para o periódico

Light, Camille Flammarion descreveu os tipos de qualidades psicológicas que seriam

esperadas desse pesquisador psíquico: esses indivíduos teriam “mentes poderosas e

desprovidas de pressuposições a priori”, seriam capazes de “opiniões formadas em um

estudo cuidadoso, se possível pautados na experiência pessoal” e, acima de tudo, “mentes

analíticas, com compreensão abrangente e que mergulharão no fundo das causas.” (Light,

p. 282, 1891). Esta ênfase contínua nas mentes como sendo os instrumentos mais

importantes da ciência espiritual já havia sido explicitada em uma edição anterior da

Light, onde o periódico citava a existência da “pesquisa sistemática por especialistas”,

incluindo “registro preciso de fatos observados” e publicação em jornais espiritualistas

dos “resultados cuidadosamente tabulados”. No contexto proposto, o termo

experiência 268 significava estabelecer as “melhores condições de observação” e

aumentar, através da comunhão com os espíritos, o “conhecimento sobre os métodos

empregados pelos operadores invisíveis”. (Light, p. 600, 1885).

Na última década do século XIX, havia um consenso maior entre espiritualistas

de que a “ciência espiritual” era uma ciência que dispensava o uso de instrumentos,

268 Dentro do contexto proposto, o termo não significa um experimento científico.

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242

procedimentos e autoridade das ciências estabelecidas. A visão de que a ciência oficial

estaria “expandindo-se, aumentando suas reservas de conhecimento e revisando suas

teorias” passava a mensagem de que ela não era, portanto, “absoluta e infalível nem

possuía esse poder que os chamados 'homens de ciência' alegavam que ela possuía”

(Medium and Daybreak, p. 199, 1893). Essa concepção se desenvolveu a partir das

palestras públicas de William Crookes, William Thomson, J. J. Thomson, J. Larmor e

outros eminentes cientistas que enfatizaram as incertezas sobre a constituição da matéria,

explicando como ela era melhor compreendida, agora, como algo fundamentalmente

imaterial. Os espiritualistas e comentadores dos periódicos mostraram uma atitude mais

tolerante e até mesmo animada em relação às ciências estabelecidas comparados com as

décadas anteriores. Notou-se um maior entusiasmo com o surgimento de novas

descobertas nas ciências físicas, como os raios X de Röntgen, a telegrafia sem fio e a

radioatividade, eventos que remeteram a possíveis evidências da existência de um canal

imaterial através do qual uma inteligência invisível (encarnada ou desencarnada) passaria

informações de uma mente para outra (Light, p. 42, 1891; Light, p. 44, 1897).

O volume de investigações realizadas pela SPR sobre os efeitos físicos que

ocorriam durante as sessões foram diminuindo até meados da década de 1890. Isso

ocorreu basicamente devido às várias atividades aparentemente fraudulentas dos médiuns

de “efeitos físicos” e, como consequência, a SPR voltou sua atenção para os fenômenos

“superiores”, ou seja, os fenômenos de telepatia, automatismo da escrita e

correspondências cruzadas, tornando-se inexpressiva no cenário espiritualista

(CERULLO, 1982, p. 60).

5.3 Fin-de-Siècle e Espiritualismo: Energia, Éter e Hiperespaço

No fin-de-siècle, de 1890 a 1905, houve várias tentativas de estabelecer novos

programas alternativos à visão mecanicista, ainda hegemônica na Física. As duas novas

ciências da termodinâmica e da eletrodinâmica, que remontavam a meados do século,

diferiram em muitos aspectos da mecânica clássica mas, ainda assim, acreditava-se que

elas podiam ser entendidas de forma mecânica. Mesmo Maxwell não observava qualquer

contradição entre sua teoria de campo do eletromagnetismo e a teoria da mecânica de

Newton. Por outro lado, mesmo os físicos que detinham uma inclinação mais

conservadora, como William Thomson, reconheceram que havia algumas nuvens escuras

no céu mecânico (BRUSH, 1986, p. 353-363).

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243

Alguns dos problemas que surgiram estavam relacionados com a segunda lei da

termodinâmica. Esta lei expressa que a entropia 269 de um sistema físico aumenta

espontaneamente e irreversivelmente no tempo, ou seja, uma direção no tempo, do

passado para o futuro e não poderia ser explicada com base nas leis simétricas de tempo

da mecânica. A segunda lei da termodinâmica foi considerada um obstáculo

intransponível para a mecanização da natureza pelo matemático Ernst Friedrich

Ferdinand Zermelo (1871 – 1953) e, embora tenha recebido uma solução com a teoria

probabilística de Boltzmann (1877), esse problema permaneceu controverso.

Apesar da visão mecânica ter sido cada vez mais questionada na década de 1890,

nem todos os físicos percebiam uma crise na visão mecânica de mundo. Para esses

pesquisadores, bastava evitar descrever a natureza mecanicamente ao invés de explicá-la

mecanicamente. Essa atitude era consonante com a ideia de que as teorias científicas eram

consideradas apenas como descrições condensadas dos fenômenos naturais, não havendo

nada mais para entender além de equações e modelos (KRAGH, 2014, p. 442).

5.3.1 A Visão Energetista de Mundo e a Criação Entrópica

Enquanto a segunda lei da termodinâmica poderia causar problemas para a

imagem do mundo mecânico, a visão de consenso era que a própria energia e o princípio

da conservação de energia podiam, com sucesso, serem explicados em termos mecânicos.

Entretanto, em 1890, Georg Ferdinand Helm e Friedrich Wilhelm Ostwald consideravam

a energia um conceito mais fundamental que a matéria. Para eles, a termodinâmica

substituiria a mecânica como ciência fundamental unificadora. Para consolidar esta

conclusão, eles cunharam o termo energetismo para um novo programa de pesquisa

baseado em uma termodinâmica unificada e generalizada. Eles e seus seguidores

promoveram o energetismo como algo além do que apenas uma nova teoria científica:

era uma alternativa à compreensão então existente de natureza, baseada na mecânica e na

hipótese de átomos e moléculas.

De acordo com o entendimento dos energetistas, a mecânica estaria subordinada

às leis gerais do energetismo, por ser considerada redutível aos seus princípios. Além

disso, alguns energetistas compartilhavam a visão de que o conceito generalizado de

energia não se restringia aos fenômenos físicos, mas também incluía os fenômenos

mentais como força de vontade e felicidade. Ostwald insistia que a energia era

269 Uma medida do seu grau de desordem molecular.

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244

completamente antimaterialista, uma revolta mais que necessária contra o domínio da

matéria na ciência, e argumentava que uma ciência totalmente baseada no conceito de

energia resultaria em um mundo melhor, tanto material quanto espiritualmente falando

(KRAGH, 2014, p. 453).

Durante uma década, o movimento energetista ocupou uma posição importante na

vida científica e cultural alemã e, embora de origem alemã, sua influência se estendeu a

outros países, incluindo França, Itália e Estados Unidos. Cabe aqui ressaltar que existiram

duas vertentes do energetismo: uma primeira, adotada por Pierre Duhem e Ernst Mach,

foi considerada positivista pois não concedeu um caráter essencial à energia; a segunda

vertente foi adotada por Ostwald, que abandonou o positivismo e se tornou essencialista

ao considerar que a energia era o fundamento explicativo de tudo.

O físico e filósofo francês Pierre Duhem concebeu uma termodinâmica

generalizada como uma “teoria de tudo” fenomenológica e não mecânica. A versão de

energetismo de Duhem e Ernst Mach desejava livrar a ciência de hipóteses e analogias

com a mecânica e, em particular, eliminar a sedutora ilusão da existência de átomos e

moléculas como entidades materiais reais 270 . Já outros cientistas consideraram o

controverso antiatomismo da alternativa energética como razão suficiente para descartá-

lo ou ignorá-lo (BRUSH, 1978, p. 97).

Na reunião anual de 1895 da German Association of Natural Scientists and

Physicians em Lübeck, Ostwald fez um discurso a respeito de seu programa, no qual ele

argumentava que a energia estava destinada a ser a visão mundial científica do futuro e

já estava a caminho de superar as limitações inerentes do materialismo científico: “O

presente científico mais promissor, que o século de encerramento pode oferecer ao século

em ascensão”, disse ele, “é a substituição da visão materialista de mundo pela visão

energetista de mundo”271 (OSTWALD, apud KRAGH, 2014, p. 447). Poucos físicos

britânicos tiveram simpatia pela visão abstrata defendida por Ostwald e pela

antimetafísica e positivista da ciência defendida por Duhem e Mach. Em um comentário

crítico de 1896 sobre o programa energetista de Ostwald, o físico irlandês George Francis

FitzGerald (1851 – 1901) distinguiu o estilo britânico metafisicamente receptivo e o estilo

alemão que apresentou a ciência como um “catálogo bem organizado de fatos sem

270 O físico e filósofo austríaco Ernst Mach considerava que os átomos não passavam de ficções convenientes. 271 “The most promising scientific gift that the closing century can offer the rising century,” he said, “is the

replacement of the materialistic world view by the energeticist world view” (OSTWALD , apud KRAGH, 2014, p. 447).

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245

hipóteses”. FitzGerald expressa que os britânicos desejavam uma ciência com entusiasmo

e emoção272, que despertasse o interesse humano, muito diferente do pessimismo de

Schopenhauer defendido por Ostwald e seus aliados (FITZGERALD apud BRUSH,

1978, p. 96).

Com a chamada morte térmica do universo (death heat) e suas consequências para

o passado e o futuro, a termodinâmica participou do fin-de-siècle em um contexto

cosmológico. Logo após a formulação da segunda lei da termodinâmica, William

Thomson e Hermann von Helmholtz declararam que, na hipótese de a lei ter validade

irrestrita, isso teria como consequência uma degradação irreversível da energia em todo

o universo: a quantidade de energia permaneceria constante, mas em um futuro distante

não seria capaz de gerar mais atividade física de qualquer tipo. O cenário da morte térmica

foi disseminado rapidamente na arena cultural geral e debatido com entusiasmo entre

1870 e 1910. Não era somente uma previsão do “fim do mundo”, era uma previsão

cientificamente baseada e controversa, pois levava à conclusão de que o mundo deveria

ter tido um começo no tempo. Esse argumento, chamado de “criação entrópica”, foi

inicialmente estabelecido em 1870 e baseava-se na simples observação de que se o

universo já existisse durante um tempo muito longo, a entropia teria aumentado desde

então e, consequentemente, o tempo do universo seria finito. Para a maioria das pessoas,

um começo cósmico implicava em criação, e criação implicava um criador. Em outras

palavras, a segunda lei da termodinâmica poderia ser usada como uma prova científica da

existência de Deus. (KRAGH, 2008)

A morte térmica e a noção associada de criação cósmica foram altamente

controversas e discutidas no último quarto do século XIX. O assunto foi parte integrante

da luta social e cultural mais geral entre materialistas e adeptos de crenças religiosas.

Embora alguns físicos e astrônomos tenham contribuído para a discussão, a maioria ficou

silenciosa, convencida de que essa “controvérsia entrópica” era de natureza metafísica e

não científica. A visão de consenso entre os astrônomos era de que o universo seria

provavelmente infinito, mas, como não era possível provar isso de forma observacional,

eles preferiram limitar sua ciência ao que poderia ser observado por seus equipamentos.

Assim, acomodaram-se com a conclusão de que, se o universo em larga escala não

272 “A Briton wants emotion – something to raise enthusiasm, something with a human interest, and this was

sorely absent from the dry view of science the culmination of the pessimism of Schopenhauer” (BRUSH, 1978, p. 96).

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246

pertencia à astronomia, ainda menos pertenceria o seu estado de entropia. (KRAGH,

2008)

5.3.2 A Visão Eletromagnética de Mundo e o Éter

De acordo com a maioria dos físicos da segunda metade do século XIX, o mundo

consistia não apenas de matéria em movimento, mas também, e não menos importante,

de um meio etéreo totalmente permeável. O éter “luminífero” foi considerado necessário

para explicar a propagação da luz, e este foi apenas um dos inúmeros propósitos a que

serviu. Em suma, e apesar de algumas vozes dissidentes, o éter geralmente era

considerado indispensável na Física. Não se questionava a existência do éter, mas sua

natureza e sua interação com a matéria.

Ao longo do século, a concepção do éter mudou de um conceito mecânico para

outro baseado em eletrodinâmica, tornando-o ainda mais importante. Albert Abraham

Michelson (1852 – 1931) aguardava em um futuro próximo a união de todos os

fenômenos físicos sob um único quadro teórico. Seu otimismo foi declarado

uma das maiores generalizações da ciência moderna [...] que todos os

fenômenos do universo físico são apenas manifestações diferentes dos vários

modos de movimento de uma substância totalmente penetrante – o éter273

(MICHELSON, 1903, p. 162).

Do ponto de vista técnico, a imagem do mundo etéreo não era incompatível com

a imagem do mundo mecânico, porém diferia por sua ênfase no contínuo e na primazia

do éter sobre a matéria: o éter poderia existir sem matéria, mas a matéria não poderia

existir sem o éter. Ou, como Larmor declarou em seu Aether and matter publicado em

1900:

A matéria pode ser e provavelmente é uma estrutura no éter, mas certamente o

éter não é uma estrutura de matéria.274 (LARMOR, 1900, p. vi)

273 “one of the grandest generalizations of modern science … that all phenomena of the physical universe are

only different manifestations of the various modes of motion of one all-pervading substance – the ether” (MICHELSON, 1903, p. 162).

274 “Matter may be and likely is a structure in the ‘aether’, but certainly aether is not a structure of matter” (LARMOR, 1900, p. vi).

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247

Ao final do século, o éter estava vivo, sendo considerado necessário como sempre

e, embora fosse um conceito da Física, o éter serviu a fins de ordem ideológica e espiritual

(NOAKES, 2007). Para alguns físicos, mais notadamente Oliver Joseph Lodge, o éter

tornou-se de profundo significado espiritual, um reino psíquico indistinguível do conceito

de mente. Não só a natureza emergia do éter, mas também ele era visto como o

instrumento principal da mente. Essa visão extremada de Lodge não foi compartilhada

por seus colegas físicos, mas ajudou a tornar o éter um conceito popular entre os não

cientistas e um ingrediente comum em muitas especulações fin-de-siècle fora dos limites

da ciência convencional (KRAGH, 2002, p. 201).

Como mencionado anteriormente, o clima das ciências físicas fin-de-siècle incluiu

uma forte dose de antimaterialismo, um desejo de eliminar a matéria bruta e substituí-la

por energia ou meio etéreo. O desaparecimento dos modelos de éter mecânico foi seguido

pelo surgimento de um vigoroso programa de pesquisa no qual o éter foi descrito pela

teoria do campo eletromagnético de Maxwell. Embora a teoria de Maxwell date da década

de 1860, foi apenas na última década do século XIX que os físicos perceberam

plenamente o seu poder abrangente.

A matéria possuía massa, uma qualidade fundamental que a teoria do átomo do

vórtice não foi capaz de explicar em termos de éter. Entretanto, nos últimos anos do

século, a eletrodinâmica desenvolvida pelos maxwellianos deu origem à física dos

elétrons, partículas subatômicas discretas carregadas, cuja massa foi possível definir em

termos de parâmetros eletromagnéticos e mantendo as mesmas propriedades da massa

comum (inercial/gravitacional). Postulados em 1891 por Stoney, os “elétrons” foram

definidos como singularidades no éter eletromagnético, portadores de carga elétrica e

massa inercial. Nessa concepção, também adotada por Hendrik Lorentz, os elétrons

portariam, além da massa inercial, cargas elétricas de valor idêntico, tanto positiva quanto

negativa. Ao se juntarem, os elétrons eram capazes de formar a matéria neutra, a matéria

carregada positivamente e também negativamente. Entretanto, em um conjunto de

experiências com raios catódicos no ano de 1897, J. J. Thomson observou que os feixes

de raios catódicos se tratavam de corpúsculos carregados negativamente, corroborando

as observações feitas por William Crookes e Cromwell Varley nas décadas de 1860 e

1870. Nenhum corpúsculo positivo foi observado, e os corpúsculos portadores de carga

negativa receberam o nome de elétron (BUCHVALD, 2001).

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248

Em um artigo de 1900 intitulado On the possibility of an electromagnetic foundation

of mechanics, o físico alemão Wilhelm Carl Werner Otto Fritz Franz Wien (1864 – 1928)

delineou as características básicas de um novo programa de pesquisa cujo objetivo era

reduzir todos os fenômenos físicos à eletrodinâmica. Cinco anos depois, seu compatriota

Max Abraham (1875 – 1922) referiu-se ao programa como a visão eletromagnética de

mundo, um nome que indicava o alcance e as ambições da teoria. No nível ontológico,

afirmava-se que nada mais havia para a realidade física do que aquilo que a ciência do

eletromagnetismo nos informava. Toda a matéria era constituída por estruturas etéreas na

forma de elétrons, e uma expressão comum no início do século XX era “a matéria está

morta”. No nível metodológico, o programa eletromagnético de pesquisa foi

marcadamente reducionista, uma teoria de tudo onde a massa era de origem

eletromagnética.

Abraham e Lorentz previram o comportamento no qual a massa aumentaria com

a velocidade do corpo em questão e, por isso, os conceitos de massa e energia deveriam

estar conectados por uma relação de equivalência.

Com o advento da física de elétrons, a natureza do éter modificou-se, tornando-se

ainda mais abstrata e desprovida de atributos materiais. Muitos físicos falavam do éter

como algo equivalente ao vácuo ou, às vezes, ao espaço absoluto. Assim como FitzGerald

pediu uma Física “com um interesse humano”, então J. J. Thomson, Lodge e Larmor

conceberam o éter como um meio físico que desempenhava um papel físico e metafísico.

Em 1907, Lodge calculou a densidade mínima de energia que o éter seria capaz de

armazenar, como sendo um valor aproximado de 1032 joules por metro cúbico:

A energia cinética intrínseca do eter, que confere suas propriedades e permite

a transmissão de ondas, é comparável com 1033 ergs por c.c.; ou 100 pés-lbs.

por volume atômico. Isto equivale a dizer que 3 × 1017 quilowatts-hora, ou a

produção total de uma estação de um milhão de quilowatts por trinta milhões

de anos, existe permanentemente e, atualmente, de forma inacessível, em cada

milímetro cúbico do espaço. 275 (LODGE apud KRAGH; OVERDUIN, 2014,

p. 11)

275 “The intrinsic constitutional kinetic energy of the æther, which confers upon it its properties and enables it

to transmit waves, is thus comparable with 1033 ergs per c.c.; or say 100 foot-lbs. per atomic volume. This is equivalent to saying that 3×1017 kilowatt-hours, or the total output of a million-kilowatt power station for thirty million years, exists permanently, and at present inaccessibly, in every cubic millimetre of space.” (LODGE apud KRAGH; OVERDUIN, 2014, p. 11)

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249

No mesmo ano, J. J. Thomson caracterizou o éter como um universo invisível que

funcionava como a oficina do universo material:

[...] somos levados à conclusão de que o universo invisível – o éter – é, em

grande parte, a oficina do universo material e que os fenômenos da natureza

como os vemos são imagens tecidas sobre as telas deste universo invisível276

(THOMSON, 1908, p. 21).

Nos primeiros anos do século XX, a visão eletromagnética de mundo emergiu

como uma substituta atraente para a visão mecânica de mundo. Acreditava-se que a

eletrodinâmica estabeleceria um novo paradigma sobre a compreensão da natureza.

Na sequência das discussões sobre as propriedades do éter, seguiram-se as

descobertas dos raios catódicos, dos raios-X e da radioatividade. Estes não foram os

únicos tipos de radiação que atraíram a atenção no fin-de siècle. Seguiram-se a estas várias

reivindicações de novas descobertas, a maioria das quais revelou-se infundada. Em 1896,

outro francês, o autor, sociólogo e físico amador Charles-Marie Gustave Le Bon,

anunciou a descoberta do que ele chamou de luz negra, um novo tipo de radiação invisível

que ele acreditava ser diferente, porém relacionada aos raios catódicos e/ou aos raios X

(NYE, 1974, p. 163-195). A afirmação dessa descoberta foi bem-vinda por vários

cientistas franceses e, entre eles, Henri Poincaré, que apoiou Le Bon e suas ideias sobre

matéria, radiação e éter.

A principal concepção de Le Bon era que toda a matéria é instável e degenerada,

irradiando constantemente raios sob a forma de raios-X, radioatividade e luz negra. As

qualidades materiais eram consideradas epifenômenos exibidos pela matéria no processo

de sua transformação para o éter imponderável, a partir do qual ela anteriormente se

originou. O éter representava, então,

[...] o nirvana final ao qual todas as coisas retornam depois de uma existência

mais ou menos efêmera.277 (LE BON, 1907, p. 315)

276 we are led to the conclusion that the invisible universe—the ether—is to a large extent the workshop of

the material universe, and that the phenomena of nature as we see them are fabrics woven in the looms of this unseen universe. (THOMSON, 1908, p. 21)

277 “the final nirvana to which all things return after a more or less ephemeral existence” (LE BON, 1907, p. 315).

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250

Ele prossegue afirmando que se todos os elementos químicos emitiam raios

radioativos ou raios “etéricos” de outro tipo, eles se dissipariam e, por isso, a matéria não

poderia ser explicada em termos objetivos, materiais. A energia e a matéria seriam dois

lados da mesma realidade, diferentes estágios de um grande processo evolutivo que,

futuramente, levaria a uma espécie de morte térmica, um estado etéreo puro. No entanto,

ao contrário da morte pelo calor termodinâmico, o nirvana etéreo de Le Bon não era o

estado final do universo: ele sugeriu que, possivelmente, após esse “nirvana” haveria um

novo nascimento cósmico seguido de uma consequente evolução, criando um processo

cíclico que continuaria eternamente.

Embora claramente especulativo, muitos cientistas acharam as ideias de Le Bon

atraentes ou chegaram, de forma independente, a cenários cósmicos semelhantes. Os

pontos de vista de Lodge na Inglaterra eram consonantes em vários pontos com os de Le

Bon. Em ambos os casos, eles apelaram para o processo antimaterialista, evolutivo, e

agregavam todos os sentimentos holísticos populares que existiam no fin-de-siècle. Fazia

parte do espírito da época, tanto na França quanto na Grã-Bretanha, que muitos cientistas

estivessem dispostos a desafiar o conhecimento estabelecido como, por exemplo, com a

transmutação elementar e a liberação de energia nos processos radioativos sem uma

origem estabelecida.

De forma geral, o eletromagnetismo e, consequentemente, o éter eletromagnético

passaram a ser vistos como princípios unificadores de toda a ciência. Ao éter foi atribuído

um papel idêntico ao da energia na abordagem energetista. Em ambos os casos, o

materialismo foi descartado e a matéria foi declarada como um epifenômeno de uma

entidade mais básica, seja a energia, seja o campo eletromagnético. A abordagem

eletrodinâmica mostrou-se melhor sucedida do que a do energetismo porque se encaixava

naturalmente na imagem do mundo etéreo, mundo este que reinterpretou dando nova

perspectiva aos fenômenos. A substituição do mecanicismo pelo eletromagnetismo foi

indiscutivelmente uma mudança muito importante na Física dos anos de 1900.

5.3.3 O Hiperespaço de Zöllner e o espaço quadridimensional dos efeitos psíquicos

Nos últimos anos do século XIX e em alguns setores da comunidade científica,

havia uma tendência a estender os resultados da nova visão de mundo a áreas de natureza

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251

não científica como ocultismo, espiritualismo e crenças paranormais. Apesar da grande

década do espiritualismo ter sido a década de 1870, ele continuou a atrair o interesse de

muitos cientistas das ciências físicas ainda na virada do século. Como exemplo, basta

observar que, entre os membros da SPR, havia luminares como Lord Rayleigh,

J. J. Thomson, William Crookes e Oliver Lodge, cujas atividades na SPR indicavam

claramente, um interesse no domínio psíquico ou espiritual (OPPENHEIM, 1985).

Talvez a junção mais interessante entre o espiritualismo e a ciência tenha vindo

pelas mãos de Johann Karl Friedrich Zöllner, professor de Física e astronomia de Leipzig.

Zöllner estava convencido de que o espiritualismo pertencia ao domínio da ciência e,

inspirado por Crookes, investigou minuciosamente o mundo espiritual nas sessões que

contavam com a participação de cientistas e filósofos alemães (TREITEL, 2004). Sua

crença na realidade das manifestações espiritualistas fez Zöllner publicar, em 1879, um

livro denominado Transcendental physics, com várias edições em alemão e inglês. Nesta

obra ele apresentava o projeto de uma Física transcendental que incluía fenômenos

materiais e espirituais, como uma extensão natural do projeto astrofísico de acomodar

fenômenos terrestres e celestiais dentro do mesmo quadro teórico.

A característica distintiva da Física transcendental de Zöllner foi o papel crucial

desempenhado por uma quarta dimensão hipotética do espaço como o local dos

fenômenos paranormais. Ele estava convencido de que a existência desse “espaço

estendido” (um espaço absoluto, de quatro dimensões e constituído por um éter mecânico)

poderia ser estabelecida experimentalmente e que, de fato, já haveria evidências

científicas incontestáveis dessa hipótese. Zöllner e seus seguidores argumentaram que

havia fenômenos naturais que desafiavam a explicação causal no espaço tridimensional e

que só poderiam ser entendidos em termos de forças atuando em uma dimensão superior.

As ideias de um “hiperespaço” em quatro dimensões eram comuns no final do

século XIX, mas raramente acolhidas por cientistas importantes e, na maioria dos casos,

sem a associação direta com o espiritualismo que Zöllner defendia. Entre os poucos

cientistas renomados que mantinham ideias semelhantes, estava o astrônomo americano

Simon Newcomb (1835 – 1909), que em 1896 especulou que “talvez o fenômeno da

radiação e da eletricidade ainda possa ser explicado pela vibração em uma quarta

dimensão” (BEICHLER, 1988, p. 212 apud KRAGH, 2014).

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252

Embora os modelos de hiperespaço do éter fossem bem conhecidos dos

matemáticos no fin-de-siècle, para a maioria deles esses modelos não passavam de uma

especulação inofensiva sem qualquer uso científico. Um dos estímulos mais importantes

para a imaginação dos artistas modernos no século XX foi o conceito de uma quarta

dimensão desconhecida do espaço a partir do desenvolvimento das geometrias n-

dimensionais no século XIX278. Essa quarta dimensão espacial foi popularizada pelo

escritor Charles Howard Hinton (1853 – 1907), que manteve as raízes matemáticas e o

significado central geométrico dessa dimensão extra em seu livro The fourth dimension

(HINTON, 1904). A “filosofia do hiperespaço” de Hinton foi uma visão de mundo

idealista baseada em sua convicção de que, ao desenvolver uma apreensão intuitiva do

espaço em quatro dimensões, os indivíduos teriam acesso à verdadeira realidade e,

portanto, resolveriam os problemas do mundo materialista tridimensional

(HENDERSON, 2009).

A quarta dimensão espacial era um termo multivalente com associações que iam

desde ciência, incluindo raios-X e éter de espaço, até a expansão de uma “consciência

cósmica mística”. Hinton desenvolveu as implicações filosóficas do espaço

quadridimensional e assegurou seu lugar na cultura do final do século XIX e início do

século XX. Desde a década de 1880 até a década de 1920, o fascínio popular com uma

dimensão invisível – do qual nosso mundo familiar poderia ser apenas uma seção ou

sombra – é facilmente percebida na grande quantidade de ensaios coletada em 1909 pela

Scientific American. Estes artigos deram origem ao livro The fourth dimension simply

explained de 1910 (v. HENDERSON, 2009). Um outro livro muito popular foi o A primer

of higher space do arquiteto Claude Bragdon (1913). Neste, Claude realiza associações

entre a quarta dimensão e a mente superior humana. O método para "educar o sentido

espacial" dos leitores, tanto de Bragdon quanto de Hinton, se dava através de um conjunto

de exercícios a serem realizados com cubos multicoloridos. Ao memorizar as posições

relativas e as gradações de cores dos cubos em grandes blocos, os leitores desenvolveriam

seus poderes mentais e transcenderiam a percepção auto-orientada (esquerda/direita e em

cima/embaixo). Com esse conhecimento, eles seriam capazes de visualizar a passagem

das seções cúbicas sucessivas de um hipercubo tridimensional através do espaço

tridimensional. Esse treinamento era o que Hinton e Bragdon esperavam que fosse "uma

nova era de pensamento". A quarta dimensão capturou a imaginação pública, foi adotada

278 O conceito antecedeu a definição quarta dimensão atribuida ao tempo, por Minkowski e Einstein.

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253

com entusiasmo por ocultistas e filósofos, tendo se tornado um importante tema utópico

na literatura e na arte no início do século XX (HENDERSON, 2009).

A descoberta dos raios X, em 1895, comprovou para o público e os cientistas que

a visão humana tinha uma natureza limitada, capaz de perceber apenas uma banda estreita

no espectro eletromagnético. Juntamente com os raios X, as descobertas sucessivas do

elétron e da radioatividade, durante a década de 1890, bem como o interesse pelas “ondas

hertzianas” da telegrafia sem fio, contribuíram para uma visão de natureza diferente nesse

período. Bastante popularizadas, estas novas descobertas científicas, juntamente com a

possibilidade de uma quarta dimensão espacial, sugeriram fortemente a existência de uma

realidade invisível além do alcance da percepção humana. Escritores como Hinton e

Bragdon, em particular, tiveram um grande impacto na forma como o público imaginou

e representou a quarta dimensão durante o século XX. Os pintores se apropriaram

rapidamente da ideia, e muitas das inovações estilísticas nas primeiras décadas do século

foram feitas no contexto das tentativas de representar ou significar, de alguma forma, a

quarta dimensão (HENDERSON, 2009).

Os modelos de hiperespaço do éter e as tentativas de encontrar uma base física

para as geometrias não euclidianas foram largamente ignorados pela ciência. Dois

motivos podem ser oferecidos para explicar esta anomalia histórica. O primeiro seria o

preconceito decorrente da associação das teorias de um hiperespaço com o espiritualismo

do período. O segundo seria o fato de que essas teorias se baseavam no antigo conceito

mecanicista de um espaço absoluto (KRAGH, 2002; JAMMER, 2010, p. 160).

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254

6 CONCLUSÕES

Nesse estudo, tivemos como objetivo entender as relações construídas entre a

visão imaterial de natureza e o espiritualismo moderno, que ocasionaram a investigação

científica dos fenômenos psíquicos por pesquisadores influentes da ciência vitoriana,

durante a segunda metade do século XIX.

Por várias décadas, os fenômenos psíquicos foram tema de intensa investigação e

debates, gerando um grande número de publicações no século XIX. Essas discussões

envolveram diretamente parte da classe científica, médica e representantes da nascente

psicologia. Os fenômenos psíquicos forneceram um amplo leque de experiências que se

tornaram objeto de investigação das recém-criadas “ciências da mente”. Diversas

hipóteses explicativas foram levantadas e debatidas, introduzindo novos conceitos que

resultaram na compreensão da mente e seus transtornos, notadamente na área do

inconsciente e da dissociação. Embora pouco conhecidas na atualidade, essas

investigações constituem parte importante da história da psicologia e da psiquiatria.

Reconhece-se que o panorama apresentado representa um recorte temporal e

geográfico limitado do debate ocorrido; no entanto, abrange as principais questões desses

debates e investigações ocorridos na Europa ocidental e nos EUA. Dentre aspectos que

merecem posteriores investigações, destacamos a expansão dos estudos para outras

regiões e culturas não incluídas neste texto, bem como para as décadas seguintes, com o

intuito de compreender melhor a investigação acadêmica dos fenômenos psíquicos, com

apogeu no final do século XIX, e seu virtual desaparecimento ao longo da primeira

metade do século XX.

Embora a visão padrão, como agora, fosse considerar o espiritualismo

incompatível com a ciência, muitos daqueles que acreditavam nos fenômenos

espiritualistas argumentaram que as sessões mediúnicas forneciam evidências científicas

para a sobrevivência do espírito após a morte corporal. Observa-se que os conflitos

existentes entre os defensores e adversários do espiritualismo, cientistas ou praticantes

leigos, nada mais eram que disputas sobre conceitos concorrentes de prática científica e

autoridade na sessão, e também sobre a existência ou não de espíritos desencarnados.

Charles Richet, em seu Metapsíquica, tenta uma conciliação neste último quesito.

Esclarece serem os médiuns, os atores principais da fenomenologia apresentada;

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255

entretanto, em momento nenhum ele descarta a possibilidade de existirem espíritos

desencarnados produzindo os fenômenos através dos médiuns.

Os cientistas envolvidos acreditavam que a realidade dos fenômenos psíquicos

poderia ser examinada pelos métodos críticos comuns da ciência e, assim, impunham às

sessões espiritualistas suas máquinas e instrumentos desenvolvidos nos novos espaços de

pesquisa científica e ensino. Com algumas exceções, os físicos membros da Society for

Psychical Research tentavam entender os fenômenos espirituais através das ideias de éter,

energia, forças eletromagnéticas, transmutação radioativa e outros conceitos físicos mais

modernos da época. William Crookes, por exemplo, ao tornar-se convencido da realidade

da telepatia, sugeriu aos seus colegas da SPR que os raios-X ofereciam uma possível

explicação física para este fenômeno. Alegava que, devido à sua extraordinária alta

frequência e capacidade de penetrar objetos opacos à luz, os raios-X sugeriam a

possibilidade de existir uma outra radiação, talvez até mesmo de maior frequência, que

poderia ser transmitida e recebida por estruturas no cérebro. Centrar sua explicação nos

raios-X ajudou Crookes a argumentar a favor da pesquisa psíquica de forma significativa.

Segundo ele, a essa possível nova radiação compreenderia

[...] uma ordem de vibrações muito rápidas em comparação com as ondas que,

até agora, temos conhecimento e constitui um domínio onde a dependência das

leis naturais em escala foi desconsiderada. Criaturas que habitam tais domínios

microscópicos iriam interpretar o mundo de forma muito diferente dos seres

humanos porque eles considerariam as forças mais sutis de tensão superficial,

capilaridade e movimento browniano como dominantes e dificilmente

acreditariam na gravitação universal.279 (Crookes, 1897, p. 352; 344)

Crookes conclui alertando que seria

[...] provável que nós, ao ocupar a posição ideal entre dois extremos, pela

própria questão de nosso tamanho e peso, caiamos em interpretações

equivocadas de fenômenos nos quais habitam o maior ou menor, mais pesado

ou mais leve? Não pode o nosso vangloriado conhecimento ser simplesmente

condicionado por ambientes acidentais e, portanto, ser sujeito a um grande

279 “[…] an order of vibrations of extremest minuteness compared with the most minute waves with which we

have hitherto been acquainted’ and constituted a domain where the dependency of natural laws on scale was thrown into relief. Creatures inhabiting such microscopic domains would interpret the world very differently from humans because they would regard the subtler forces of surface tension, capillarity, and Brownian motion as dominant and ‘hardly believe in universal gravitation.” (Crookes, 1897, p. 352; 344)

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elemento de subjetividade até agora insuspeitado e dificilmente possível de

eliminar?280 (CROOKES, 1897, p. 344; 348; 352)

Em uma perspectiva similar, em 1902, uma revista socialista espanhola explicou

aos seus leitores que a radioatividade provavelmente eliminaria as causas sobrenaturais

da telepatia e dos fenômenos paranormais, que poderiam ser explicados com base na

Física (HERRAN, 2008, p. 180 apud KRAGH, 2014).

Para os cientistas envolvidos com o desenvolvimento da pesquisa psíquica, as

teorias, os fenômenos e os conceitos das ciências físicas – notadamente o éter, a energia

e as descargas elétricas – tornaram os efeitos psíquicos mais plausíveis de existência e,

consequentemente, as pesquisas psíquicas cientificamente mais promissoras. Entretanto,

cumpre-se notar que nenhum desses fatores, tomado individualmente, é suficiente para

explicar o interesse desses cientistas de renome na pesquisa psíquica. Existiam muitos

físicos que procuravam conciliar as interpretações científicas e teístas do universo, como

George Stokes e P. G. Tait, mas eram totalmente indiferentes ao espiritualismo e à

pesquisa psíquica. Ressalta-se que, a partir de 1870 até o início do século XX, uma

combinação multifatorial (fatores intelectuais, religiosos e sociais/ideológicos) parece ter

motivado os pesquisadores psíquicos a explorarem esta região fronteiriça.

a) Fatores Intelectuais

Entre os fatores intelectuais, destaca-se a motivação para investigar possíveis leis

que regeriam os novos fenômenos até então desconhecidos para as ciências estabelecidas.

A dificuldade em realizar os experimentos que os conduzissem a resultados concretos e

obter assim essas leis, parece ter contribuído para W. Crookes e O. Lodge, por exemplo,

se dedicarem ao desenvolvimento de equipamentos que produzissem soluções para essas

questões e que satisfizessem as condições das ciências estabelecidas. No último quarto

do século, as tentativas de W. Crookes para instrumentalizar as sessões mediúnicas tinha

como objetivo substituir os médiuns por instrumentos, evitando a interferência dos

mesmos sobre os fenômenos. Essa atitude avivou as crescentes diferenças

280 “[…] is it not probable that we, in turn, though occupying, as it seems to us, the golden mean, may also by

the mere virtue of our size and weight fall into misinterpretations of phenomena from which we should escape were we or the globe we inhabit either larger or smaller, heavier or lighter? May not our boasted knowledge be simply conditioned by accidental environments, and thus be liable to a large element of subjectivity hitherto unsuspected and scarcely possible to eliminate?” (CROOKES, 1897, p. 348)

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257

epistemológicas entre os espiritualistas mais ortodoxos, que privilegiavam a experiência

pessoal do médium, e os pesquisadores que privilegiavam a investigação científica e o

uso de equipamentos. Esta diferença evidenciava, entre os dois grupos, um entendimento

muito distinto a respeito do “sujeito experimental”.

Para os adeptos do espiritualismo e das nascentes psicologias experimentais

desenvolvidas durante esse período, tanto na América quanto na Europa, era possível

obter-se evidências confiáveis derivadas de “sujeitos experimentais” através de um

treinamento cuidadoso do experimentador. Apesar das diferenças entre o entendimento

dos psicólogos e dos espiritualistas, estes últimos encaravam a instrumentalização dos

“sujeitos experimentais” como uma subordinação do corpo do médium à vontade do

operador. Para os espiritualistas, os médiuns jamais poderiam ser substituídos pela

tecnologia.

De muitas formas, os limitados resultados científicos obtidos por Crookes e outros

cientistas do espiritualismo ocorreram devido às fracassadas tentativas de controlar a

complicada e delicada situação experimental na medida exigida por psicólogos e

profissionais das ciências estabelecidas. No entanto, seus projetos podem ter auxiliado as

estratégias tecnológicas através das quais os praticantes do início do século XX

desenvolveram alguns instrumentos científicos281. Embora essas estratégias não tenham

produzido os resultados esperados pelo público espiritualista, elas ilustram como

Crookes, Varley e seus sucessores acreditavam que os instrumentos de laboratório seriam

aliados tão indispensáveis para medir os efeitos produzidos pelos espíritos, de forma a

eliminar por completo a necessidade do uso de qualquer médium na comprovação do

mundo espiritual.

Os motivos pelos quais as posições hierárquicas mais elevadas da SPR foram

preenchidas por físicos, tem sido objeto de muita análise nas últimas décadas

(OPPENHEIM, 1985, p. 326-390; WILSON, 1971; WYNNE, 1979). O que torna esse

fato especialmente incomum e digno de pesquisa histórica é que os próprios físicos

reconheciam que a pesquisa psíquica se apresentava como um campo de investigação na

qual os limites da física poderiam ser estendidos e investigados. Os fenômenos da

281 Como exemplo, podemos citar nos anos de 1920, a tentativa do inventor americano Thomas Alva Edison

(1847 – 1931), em fornecer aos investigadores psíquicos um aparelho “tão delicado” que poderia ser operado por personalidades que passaram para outra existência. Tal aparelho teria sido projetado com os princípios mais modernos da válvula elétrica e apresentaria grandes avanços tecnológicos (ver a entrevista em LESCARABOURA, pp. 446, 458–60, 446, 1920). Neste mesmo ano, o engenheiro alemão e psiquiatra Fritz Grünewald projetou uma balança elétrica muito sensível e acurada de forma a medir as variações de massa de um médium ao produzir materializações e outros fenômenos. (ver PRICE, 1939).

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258

pesquisa psíquica foram, como Lodge declarou em 1897, “de caráter psicológico, nenhum

deles claramente conectado com o campo da Física ou Biologia, como deveria ser

estudado”282 (LODGE, 1897, p.147). No entanto, Lodge era um dos muitos físicos que se

entusiasmaram com a perspectiva de explorar, através da Física, uma região fronteiriça

extraordinária que se superpunha com questões psicológicas e biológicas às quais,

pareciam pertencer a telecinesia, o ectoplasma e outros efeitos psicofísicos

surpreendentes. Através dos panoramas históricos traçados, percebe-se um fluxo de

conceitos, modelos, teorias e procedimentos experimentais das ciências oficiais para a

pesquisa psíquica. Um pequeno mas crescente número de estudos também evidenciou a

existência da transmissão de técnicas de psicologia experimental por pesquisadores de

pesquisa psíquica para elevar o perfil científico em seus campos de pesquisa. Entretanto,

muitos psicólogos reconheceram que algumas soluções para os problemas práticos da

pesquisa psíquica também eram relevantes para as pesquisas científicas na área da

psicologia, favorecendo o diálogo entre as duas áreas de estudo (BORDOGNA, 2008

apud NOAKES, 2014).

A pesquisa psíquica também atraiu pesquisadores por dar acesso a uma série de

fenômenos excêntricos que sugeriam a existência de novas forças e a interação direta da

mente e da matéria, um quebra-cabeças que muitos físicos acreditavam ter que enfrentar

para tornar a Física mais “completa e poderosa” (LODGE, 1892, p. 554). Essa

argumentação para justificar a inclinação dos físicos para a pesquisa psíquica surgiu em

1908, desenvolvida por E. E. Fournier d'Albe283 (1868 – 1933) quando propõe que não

seria “presunçoso para um físico se arriscar a dar uma opinião” sobre a questão da

imortalidade humana, já que se tratava de uma questão “geralmente associada à psicologia

e à teologia”. Uma vez que esta expressava uma relação entre mente e matéria, ela exigiria

um “amplo domínio do que é realmente conhecido e do que não se sabe sobre a matéria”.

Portanto, essa pesquisa seria relevante para o físico que está “permanentemente

confrontado com os problemas relacionados à natureza máxima da matéria, mais do que

o químico e muito mais do que o fisiologista, que geralmente deriva suas ideias sobre a

matéria, de livros e textos elementares da Física e da Química” (D'ALBE, 1908, p. vii).

Com essa argumentação, Fournier d'Albe desejava incentivar a pesquisa psíquica pois,

282 “Of a psychological character, none of them clearly and obviously connected with either the physical or the

biological region as usually studied” (LODGE, 1897, p.147) 283 Engenheiro eletricista, amplamente conhecido por seus textos sobre novas pesquisas sobre raios-X,

radioatividade e outros campos da ciência elétrica contemporânea, no jornal comercial semanal Electrician. E.E. Fournier d'Albe se tornou, posteriormente, o biógrafo de Sir William Crookes.

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em sua opinião, se o químico e o fisiologista tivessem a perspectiva qualificada que o

físico possuía sobre a matéria, eles entenderiam que não seria impossível que o aspecto

vital do corpo humano pudesse sobreviver à morte corporal e, portanto, que haveria uma

base física plausível da imortalidade.

Não houve consenso entre os físicos, e muito menos entre espiritualistas, sobre a

relação entre a Física e a pesquisa do espiritualismo ou pesquisa psíquica. No entanto,

havia um campo de superposição onde as opiniões pareciam convergir, em maior ou

menor grau, que tratava das teorias do éter e da matéria como particularmente eficazes

para explicar uma série de fenômenos psíquicos, incluindo a telepatia, a sobrevivência da

alma após a morte corporal e formas espirituais materializadas. Ernst Mach também

concordava que havia uma relação entre a Física e o espiritualismo, só que essa relação

era prejudicial: a adesão dos físicos a teorias duvidosas de éter, matéria e fantasmas

representava diferentes manifestações de uma tendência atávica na Física. Enquanto

Mach usava a Física para condenar o estudo científico dos fenômenos psíquicos, os

cientistas que pesquisavam os fenômenos psíquicos apresentavam discussões sobre os

limites das leis e princípios físicos para justificar a veracidade dos fenômenos psíquicos

e investigá-los.

O que os periódicos espiritualistas mais admiravam nos recentes avanços das

teorias físicas, era que eles sugeriam que os cientistas se comportavam de modo

semelhante aos ocultistas. Em particular, por terem desafiado o dogma de que os

constituintes supremos da matéria eram átomos rígidos e indivisíveis. Os editores e

contribuintes eram otimistas em relação a novas visões sobre a matéria – notadamente,

sobre a teoria do átomo de vórtice de William Thomson e a hipótese da “matéria radiante”

de William Crookes –, reconhecendo que a matéria ponderável não era a última realidade

do cosmos. Nesse mesmo raciocínio, o público leitor ficou satisfeito em ler o discurso

presidencial de J. J. Thomson na reunião de 1909 da British Association, porque ele

localizou a origem das forças elétricas e magnéticas no éter imponderável.

Os próprios físicos ocuparam posições ambíguas nesta cultura de forças e poderes

intrigantes. Embora desconfiassem dos usos que os espiritualistas davam aos raios X, à

telegrafia sem fio e à radioatividade, eles estavam preparados para aceitar que alguns

aspectos da Física pudessem realmente ajudar a explicar as evidências encontradas pelos

pesquisadores psíquicos. Bons exemplos desse pensamento foram dados pelo

maxwelliano Oliver Heaviside, que sugeriu que os raios X ou alguma outra teoria física

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para a telepatia seria auxiliar na compreensão da “ciência bastarda” do espiritualismo284,

e também por William Barrett e Oliver Lodge. Estes consideravam o éter o meio mais

eficaz para ser o veículo da mente, por conter propriedades físicas extraordinárias. Tais

propriedades deveriam capacitar o éter a realizar algum tipo de função espiritual ou

psíquica, pois era “um tipo de matéria imperceptível, imponderável, infinitamente

rarefeito, elástico e permeável” (BARRETT, 1884, p. 572).

A crença no imponderável como veículo da mente fez com que Oliver Lodge

desenvolvesse a concepção de “corpo etéreo” (ou corpo etérico) na primeira década do

século XX (WILSON, 1971). Uma vez que o éter era a força coesa do universo inteiro,

Lodge supôs que todo corpo, animado ou inanimado, possuiria uma contraparte etérica à

sua parte material, onde a primeira seria igualmente real e importante apesar de não ser

detectada pelos equipamentos. Nos seres animados, os constituintes etéreos do corpo

assumiriam o papel de “veículo psíquico” e, como o constituinte etéreo não sofria as

imperfeições da matéria ponderável – por exemplo, declínio, enfraquecimento e

elasticidade imperfeita –, então o “corpo etéreo”, juntamente com seu elemento psíquico,

sobreviveria à morte do corpo material e poderia assim “levar uma existência menos

desinteressante e mais alegre” (LODGE, 1919, p. 258). Embora Lodge não tivesse

evidências de que o corpo etéreo pudesse sustentar uma função psíquica após sua

dissolução, ele acreditava que estaria dentro dos limites da Física a especulação sobre o

corpo etéreo ser o “instrumento primário da mente” (LODGE, 1930, p. 179). Essa ideia

era desejável, já que a concepção de corpo etéreo explicaria as comunicações “obscuras

e movimentos estranhos” que, a partir da década de 1890, Lodge havia vivenciado em

sessões espiritualistas.

De uma forma geral, os textos abordados sugerem que o espiritualismo se

apropriou dos conceitos e discursos da Física. Entretanto, há evidências de que essa

apropriação não tenha sido tão unidirecional. Mais sutis e raros foram os pesquisadores

que expressavam novas ideias em Física através de termos emprestados das “ciências

ocultas”. Uma das evidências mais marcantes provém de J. J. Thomson quando, em uma

palestra pública de 1908, discutiu as maneiras pelas quais a teoria elétrica da matéria

transformou a compreensão da relação entre matéria e éter. Para transmitir a previsão da

teoria de que uma carga elétrica ganharia massa com o aumento de sua velocidade, ele

apelou para uma analogia hidrodinâmica que era típica de um físico de Cambridge.

284 Citação de O. Heaviside to O. Lodge, 11 janeiro 1895, Oliver Lodge Papers, apud Noakes (2008b, p. 327).

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261

Baseando-se na concepção do éter como um “universo invisível”, ele explicou que,

quando uma carga eletrificada se movia, suas linhas de força agarravam e arrastavam

porções do éter ou “universo invisível” em torno dele, e era exatamente pelo mesmo

motivo que “um corpo ao se mover pela água, sente mais dificuldade devido à necessidade

de mover uma porção de água à sua volta.” Segundo J. J. Thomson, quando uma carga

eletrificada se movia, também era possível imaginar que ela possuísse um corpo etéreo

ou astral, o que aumentaria sua massa aparente (THOMSON, 1908, p. 8-10). Segundo

George Smith, o físico J. J. Thomson era famoso por explorar hipóteses de trabalho e

analogias ilustrativas e, assim, é possível que essa sua analogia se destinasse a ser apenas

um dispositivo heurístico (SMITH, 2001, p. 24).

Na questão referente aos modelos de hiperespaço, algumas considerações devem

ser feitas. Estes modelos, que eram constituídos por um espaço absoluto em quatro

dimensões e preenchidos por um éter mecânico, visavam, especificamente, explicar os

fenômenos físicos como raios X e radioatividade como epifenômenos da quarta

dimensão. Assim, é compreensível que muitos modelos de hiperespaço tenham sido

propostos por físicos, usando a ideia de um espaço não euclidiano como sugerido por

Georg Friedrich Bernhard Riemann (1826 – 1866) e William Kingdon Clifford (1845

– 1879). Em um dos poucos livros que tratam do desenvolvimento histórico do conceito

de espaço, Conceitos de espaço, Max Jammer (2010, p. 187) cita as especulações de

Riemann e Clifford sobre a concepção de espaços físicos n-dimensionais, creditando-os

como precursores da teoria geral da relatividade de Einstein.

O preconceito contra o espiritualismo, aliado ao espaço quadridimensional

absoluto no qual a quarta dimensão seria o berço dos fenômenos psíquicos, conforme

defendido por Zöllner, parece ter ecoado no pequeno movimento científico cujos adeptos

desenvolviam modelos de hiperespaço do éter. O programa de Riemann foi reconhecido

nos Estados Unidos; entretanto, o hiperespaço de Zöllner e as teorias de éter

desenvolvidas posteriormente não são consideradas como precursoras da relatividade de

Einstein (GOLDBERG; STUEWER, 1988).

b) Fatores Religiosos: suporte à concepção cristã

Alex Owen afirma que parte do clima intelectual no último quarto do século XIX

tendia a uma visão anticientífica. Em seu texto ele enfatiza que cristãos e espiritualistas

denunciavam, de forma consistente, a ciência moderna, e em particular o pesquisador

científico, por haver “pisoteado a espiritualidade e o conceito de experiência espiritual”

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(OWEN, 2004, p. 36). O materialismo, em todas as suas formas filosóficas, era visto

como inimigo por esse segmento da população. De acordo com o exposto, seria razoável

supor que o robusto movimento espiritualista francês, o espiritismo, que mantinha os

principais dogmas cristãos285 harmonicamente ligados com os elementos espiritualistas,

se tornasse atraente aos espiritualistas britânicos. Observa-se, entretanto, que o

espiritismo sequer foi considerado como um movimento espiritualista importante pelos

vitorianos, cristãos ou espiritualistas. Ele obteve pouquíssimo reconhecimento na Europa

e nos Estados Unidos, apesar de conter em seu corpo doutrinário os elementos cristãos do

Novo Testamento: o Evangelho, o “Espírito da Verdade” (Jesus Cristo), a concepção da

vida eterna e a conveniente substituição da “condenação eterna ao Inferno” pela lei da

ação e reação (claramente uma referência à obra de Newton). Kardec usou todos estes

conceitos anteriores para explicar os fenômenos espiritualistas da época: raps, escrita

direta, sonambulismo, clarividência, premonição etc. Pode-se especular que, ao relegar

os fenômenos físicos aos espíritos pouco evoluídos e centralizar suas teorias somente na

parte moral das questões espiritualistas, Kardec não tornou sua doutrina atrativa aos

vitorianos, pois estes tinham a experimentação como um fator decisivo na aceitação de

novas leis e princípios. Um outro elemento que pode ter colaborado sensivelmente para

esse menosprezo em relação ao espiritismo pode ter sido a mensagem principal da

doutrina que pregava sobre livre-arbítrio, igualdade e fraternidade (Liberté, Égalité,

Fraternité) existente entre os espíritos, fossem eles homens ou mulheres, ricos ou pobres,

de qualquer raça ou credo. Conforme discutido no próximo item, esse ideal espírita pode

ter sido visto com reservas pela elite vitoriana.

Os espiritualistas vitorianos pareciam estar mais preocupados em combater o

materialismo nas ciências oficiais, que negavam a existência de um mundo invisível e um

criador. Um pesquisador que compartilhava vividamente desse interesse vitoriano era

Edmund Fournier d'Albe. Ele acreditava, como Lodge, que investigar os fenômenos

psíquicos através da Física era a melhor forma de apoiar a concepção cristã da alma. O

papel de Fournier d'Albe, como repórter e comentarista científico da Física, moldou sua

primeira obra, The electron theory (1906). Este livro foi uma das primeiras exposições

populares da teoria elétrica da matéria e o primeiro de três trabalhos que exploraram o

modo como a estrutura interna do átomo, agora revelada, delineava uma nova

compreensão sobre todo o universo (D’ALBE, 1906, p. 120-121). O terceiro e mais

285 O espiritismo procurou manter em seu núcleo, todos os elementos cristãos, inclusive o Evangelho. Ver o

capítulo 5 deste texto.

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263

especulativo livro desse conjunto, New light on immortality (1908), usava a

radioatividade e a física de elétrons em uma “teoria física da imortalidade”, visando

conferir uma plausibilidade cientifica às formas espirituais materializadas e a outros

fenômenos psíquicos (D’ALBE, 1908, p. viii). Nesta última obra, Fournier d'Albe

explicou que os seres humanos tinham acesso a três mundos materiais distintos, cada um

dos quais poderia ser definido em termos de entidades discretas de mesma ordem de

grandeza e atributos gerais semelhantes: o mundo terreno, cujas entidades discretas eram

organizadas em seres que iam desde organismos unicelulares até os seres humanos; o

supramundo dos corpos celestes e o inframundo de átomos e elétrons. Com base no

argumento de seu mentor George Johnstone Stoney286 (1826 – 1911) de que o universo

material era “uma série infinita de mundos dentro de mundos”, ele afirmou que as leis

naturais seriam as leis sociais dos entes do mundo inferior. Essa concepção estava

corroborada pela radioatividade, que mostrou possuir duas características importantes da

vida: crescimento e decaimento (D’ALBE, 1908, p. 87-90). Tais concepções

antimaterialistas de Fournier d'Albe o auxiliaram a reivindicar que era impossível traçar

uma linha entre os entes que possuíam vida e aqueles que eram inanimados, pois estes

últimos seriam, na verdade, um agregado de “unidades de vida” de entes do mundo

inferior. Levando essa suposição ao seu limite mais extremo, Fournier d'Albe concluiu

que a vitalidade estaria associada a pequenas partes do corpo humano – psychomeres – e

que o agregado de tais partes constituiria a alma (D’ALBE, 1908, p. 322). Essa concepção

tornava fisicamente possível a saída da alma do corpo, durante os momentos de sono e

transe mediúnico. A justificativa para esta conclusão estava fundamentada no modelo

atômico de Rutherford: como o átomo consistia em elétrons separados por enormes

espaços vazios, o corpo humano poderia ser considerado um tipo de “névoa” e, portanto,

era possível para uma névoa mais fina — a alma — perpassar o corpo sem causar qualquer

dano a este (D’ALBE, 1908, p. 110). Isso também fornecia um forte argumento para a

imortalidade, pois explicaria as formas nebulosas testemunhadas nas sessões.

Crookes e Lodge reconheciam haver restrições no emprego dos princípios e

teorias físicas aos fenômenos psíquicos. Para desvendá-los, seria necessário especular

além desses limites impostos pelas teorias. Tais concepções ecoaram no meteorologista e

físico Balfour Stewart (1828 – 1887) ao longo dos primeiros anos da década de 1880. Ele

encontrava-se convencido da existência dos fenômenos e expôs sua crença através da

286 Stoney foi um físico irlandês. Ele é mais famoso por introduzir o termo elétron como a "unidade

fundamental de eletricidade". Publicou cerca de 75 artigos científicos durante sua vida.

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obra Unseen world,287 que escreveu com P. G. Tait. Nesta, as evidências empíricas,

juntamente com a especulação científica em Física, eram legítimas para sustentar a noção

de mente existente independentemente do corpo. Essa independência entre mente e

matéria representava, para B. Stewart, um perfeito casamento entre a Física e os

ensinamentos cristãos do corpo espiritual (STEWART, 1887a, p. 42-44, 262;

STEWART; TAIT, 1875).

c) Fatores Sociais ideológicos: o éter como controle social

Brian Wynne (1979) propôs uma controversa hipótese na qual as concepções de

éter, desenvolvidas pelos físicos de Cambridge no último quarto do século XIX, teriam

servido a propósitos complexos relacionados a contextos religiosos e políticos: seu poder

e base unificadores eram uma metáfora para manter o poder unificador e a tradição bem

sucedida na união da Grã-Bretanha e da Irlanda. Além disso, por ser um meio superior ao

domínio da matéria ponderável, o éter seria um poderoso símbolo natural para a

importância do compartilhamento e da humanidade sobre a ganância e o individualismo.

Wynne pondera ainda que as mudanças mais fundamentais na Física de fin-de-

siècle foram a unificação do éter com a matéria ponderável e a transformação das teorias

materiais do éter para o conceito inverso, ou seja, teorias etéreas da matéria. Doran

(1975) documentou o papel central de Larmor nesta transformação para uma concepção

eletromagnética de mundo unificada pelo éter, de natureza não material e com absoluta

supremacia sobre a matéria. Era “uma questão de ordem superior” com “uma

classificação na hierarquia das coisas criadas que o colocava acima dos materiais que

podemos ver e tocar” (FLEMING, 1902, p. 191, apud WYNNE, 1979, p. 169). Em sua

obra Aether and matter, Larmor foi ainda mais categórico quando explicou que a matéria

“pode ser e provavelmente é uma estrutura no éter, mas certamente o éter não é uma

estrutura constituída por matéria” (LARMOR, 1900, p. vi). A introdução de um meio

etéreo descrito por ele como suprassensorial (suprasensual), que não é da mesma natureza

que a matéria, pode ser entendida como a realidade da realidade acima de nós: a matéria,

a eletricidade e todos os fenômenos físicos deveriam ser entendidos como propriedades

de um éter suprassensorial. Segundo Wynne relata, J. Larmor tornou o éter uma entidade

transcendental, de fundamental importância dentro da ciência, significando a

287 Nesta obra, Balfour Stewart e P. G. Tait lançam especulações físicas sobre a existência de um universo

eterno e invisível, conectado ao universo visível passivo através do éter imponderável que preenchia o espaço. Esse meio e sua conexão com o mundo material, oferecia uma explicação “física” para os milagres, a ressurreição e a imortalidade da alma cristã.

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265

simplicidade por trás da diversidade e a coerência por trás da desordem. Larmor,

acompanhado de alguns importantes físicos vitorianos 288 , reagia contra as correntes

positivistas e naturalistas que procuravam acabar inteiramente com entidades cuja

existência não poderia ser observada empiricamente. FitzGerald contra-argumenta com

Ostwald, em um artigo da Nature de 1896, no qual afirma que Ostwald ignora teorias

como as de átomos de vórtices, que postulam apenas um líquido contínuo em movimento

e questões metafísicas. Sobre estas últimas, FitzGerald comenta sobre a possibilidade de

o movimento ser apenas um aspecto objetivo do pensamento e, também, se o consequente

arranjo dos fenômenos em um catálogo bem organizado seria postulado pelo fato do

Universo ser inteligível. Segue argumentando:

Consequentemente, sua tentativa em lidar com a natureza através de um

espírito puramente indutivo é não filosófica e não científica. A visão de ciência

que ele propõe – uma espécie de catálogo bem organizado de fatos sem

hipóteses – é digna de um alemão que se deixa arrastar pelo hábito e pelo

instinto. Um Bretão quer emoção – algo para aumentar o entusiasmo, algo com

interesse humano. Ele não está contente com catálogos secos, ele deve ter uma

teoria da gravitação, uma hipótese de seleção natural.289 (FITZGERALD,

1896, p. 441 apud WYNNE, 1979, p.171)

FitzGerald defendeu sem pudor uma ciência com aspectos metafísicos, baseando-

se no fato de que o éter unificador seria um dos princípios necessários da realidade, tanto

quanto os observáveis empíricos.

No período de fin-de-siècle, o poder e a influência política haviam passado para a

classe média burguesa, os principais agentes e beneficiários da industrialização. Assim,

os últimos bastiões do controle tradicional – a Igreja e as universidades – foram invadidas

pela meritocracia do liberalismo. Havia um debate crescente sobre a ciência ser

incorporada em um quadro de referência utilitário dentro de um estado industrial. Tais

demandas foram sendo cada vez mais exigidas por um grupo de cientistas emergentes que

defendia uma política explícita de profissionalização científica e uma consequente

reorganização radical das antigas universidades. Em nome do progresso industrial e

científico, essa nova geração de cientistas exigia mudanças ideológicas nas instituições

288 Oliver Lodge e George FitzGerald.

289 “Consequently, his attempt to deal with nature in a purely inductive spirit is unphilosophical as well as unscientific. The view of science which he puts forward — a sort of well arranged catalogue of facts without any hypotheses — is worthy of a German who plods by habit and instinct. A Briton wants emotion — something to raise enthusiasm, something with a human interest. He is not content with dry catalogues, he must have a theory of gravitation, a hypothesis of natural selection.” (FitzGerald, p. 441, 1896; apud WYNNE, 1979, p.171)

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de ensino, e tais mudanças ameaçavam a base de poder das classes superiores tradicionais.

Eles exigiam uma imagem pública de neutralidade e objetividade na ciência e, para isso,

todos os traços da metafísica precisavam ser expurgados da ciência (Haines, 1969;

Rothblatt, 1968; MacLeod, 1972; apud WYNNE, 1979, p. 173).

Esses cientistas – os “profissionalizadores” – compuseram um movimento que foi

considerado, pelos pesquisadores do eixo Oxbridge, como o prólogo de uma

fragmentação social e do caos. Sua proposta era desacoplar o conhecimento científico das

entidades metafísicas, deixando cada disciplina científica livre, cada vez mais

especializada e fragmentada, utilitária, e negar qualquer realidade transcendente além do

mundo material.

Acreditando que a Inglaterra estava se desintegrando sob o vácuo da amoralidade

instrumental incorporada no novo profissionalismo científico e materialismo industrial,

os pesquisadores e intelectuais do eixo Oxbridge enfatizaram a necessidade de

concepções unificadas da natureza, fortalecendo os aspectos invisíveis e “espirituais” da

natureza e da experiência. Isso era inteiramente consistente com um papel moral mais

amplo para o conhecimento natural. A Sociedade de Pesquisa Psíquica (SPR) foi formada

para defender “o mundo invisível” contra as limitações da cosmologia materialista,

através de uma abordagem científica elaborada (WYNNE, 1979, p. 176-177). Essa elite

dominante da Física vitoriana estava ativamente envolvida na pesquisa psíquica e

intimamente ligada, social e intelectualmente, com a elite conservadora da política. Os

dois contextos, o debate social e político e a pesquisa científica, ficaram mais próximos e

menos claramente distinguíveis.

Wynne segue argumentando que muitos dos textos dos próprios físicos envolviam

declarações políticas óbvias como, por exemplo, Ether and reality de Oliver Lodge. Ao

citar que as “leis superiores” situadas no éter pertenciam a “uma ordem diferente de ser –

uma ordem que domina o material, imergido ou imanente nele” e que a natureza

[...] deve ser guiada e controlada por algum Pensamento e Propósito, imanente

em tudo, mas revelada apenas para aqueles com percepções suficientemente

despertadas [...] por ser indetectável e inconcebível a uma baixa ordem de

inteligência sendo totalmente encoberta pelo vestuário material. (LODGE,

1930, p. 178-179)

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267

Com esta argumentação, Lodge apresenta um modelo científico de mundo

imaterial e suas relações hierárquicas com os diferentes níveis sociais do mundo material,

em uma tentativa deliberada de justificar a imortalidade e a superioridade do espírito.

A “Escola de Cambridge”, como Wynne chamou, iniciou um movimento

antimaterialista, no qual a Física estaria intimamente relacionada com a pesquisa psíquica

visando restaurar uma unidade social de base espiritual. Assim, seria possível reparar a

fragmentação do pensamento e da política, que a elite conservadora associou ao

surgimento das classes médias. Wynne cita que a articulação entre a base etérea e inefável

da matéria e a realidade social se daria somente através de um salto imaginativo do

“cenário comum” ao “cenário do pensamento e do cosmos”, conforme expressa Larmor

(1929). Isso garantia que a base de toda matéria e energia estava localizada no éter, de

forma que materialistas — ignorantes e vulgares — não poderiam apreender sua essência

(WYNNE, 1979, p. 180).

É difícil estimar o quanto o valor epistêmico do éter foi aumentado pelo seu uso

em contextos morais e políticos. Certamente este tipo de utilização era indiferente para a

ciência, que tinha no éter um conceito estabelecido. Basta citar que a maioria dos físicos

britânicos mantinha uma forte crença na existência do éter, sem qualquer referência de

seu uso para fins extracientíficos. Pode-se argumentar que o éter seria mais valioso para

um outro conjunto de físicos não menos importantes, pois este conceito dava sustentação

a princípios e valores que perpassavam distinções entre física, política e religião.

Em resumo, a hipótese apresentada por Wynne parece ser aquela em que os

conceitos e princípios de uma ciência foram desenvolvidos e legitimados não só pelo seu

valor técnico, mas também pelo seu valor social e cultural. Até que ponto as

argumentações feitas por ele podem ser estendidas para além de uma simples conjectura,

é difícil dizer; e acreditar que o pensamento científico se desenvolveu vinculado somente

ao contexto político, ao invés do contexto cultural-científico, parece pouco passível de

sustentação. Pode-se sugerir que as concepções de Wynne apresentam uma influência

ideológica exercida, na qual os conceitos científicos foram empregados para fins

extracientíficos. Entretanto, suas hipóteses não parecem justificar o curso particular do

crescimento científico no último quarto do século XIX.

Considerações Finais

Nas três análises anteriores, pode-se observar o envolvimento dos físicos

buscando construir, através da ciência do imaterial, um conjunto de hipóteses que

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explicassem os fenômenos psíquicos. Para isso, eles se utilizaram de todas as ferramentas

teóricas de que dispunham, no sentido de investigar e explicar espiritualismo por meio de

teorias que tinham no seu cerne o éter, a energia e sua relação com a matéria.

Para muitos historiadores da ciência, o interesse demonstrado na pesquisa psíquica

por Barrett, William Crookes, J. J. Thomson, Joseph Larmor, Oliver Lodge e outros, foi

irrelevante para a ciência no geral e sintomático da Física britânica. O termo

“sintomático” expressa, para esses historiadores, a tendência existente na Física britânica

de recorrer a imagens da natureza para prover um processo heurístico. Em sua notória

crítica de 1881 sobre a Física moderna, Johann Bernhard Stallo 290 (1823 – 1900)

ridicularizou as preocupações dos britânicos com a questão do éter e seu hábito de

introduzir elementos sobrenaturais na Física. Ele observou que a teoria de William

Thomson de que o átomo era um vórtice em um éter fluido sem atrito e incompressível

não era muito melhor do que o daemon seletivo que Maxwell havia apresentado para

ilustrar a natureza estatística da dissipação de calor ou mesmo a especulação de Balfour

Stewart e Peter Guthrie Tait em seu “anônimo” Unseen world. Sobre isso ele escreveu:

[...] ao final, o fantasma do intangível prova ser mais problemático do que a

presença tangível. A fé nas aparições (com o devido respeito pelo "daemon"

termodinâmico de Maxwell e para a população do "Unseen World") é uma

insensatez na física...291 (STALLO, 1960, p. 151; apud NOAKES, 2008, p.

329)

Ernst Mach ainda se preocupava com esses problemas dezenove anos depois. Ele

advertiu que o fetichismo parecia estar se espalhando pelas teorias da Física e que

O mesmo instinto que fez os selvagens atribuir todos os fenômenos ao poder

de vontade de criaturas semelhantes a si mesmos, e tomar alucinações por

“entidades fantasmagóricas reais”, também parecia estar fazendo com que os

físicos considerassem o calor, a eletricidade e o magnetismo como entidades

misteriosas e impalpáveis que residiam em corpos e a aderir a tais pontos de

vista sem uma investigação correta por meio de medidas. [...] O fetichismo

explicava não só o motivo pelo qual alguns físicos confirmavam a existência

290 Stallo escreveu o seu trabalho mais famoso, The Concepts and theories of modern Physics, publicado pela

primeira vez em 1882. Seu texto aborda o papel dos "conceitos" na teoria física, argumentando que eles devem ser tratados como provisórios e alertas das armadilhas mentais em confundir conceitos com fatos. Este livro é considerado um exemplo inicial da filosofia moderna da ciência. O físico alemão Ernst Mach, viu em Stallo um espírito filosófico e científico e iniciou uma correspondência com Stallo, interrompida pela morte do último. Mach providenciou uma tradução alemã da obra de Stallo e contribuiu com um prefácio.

291 “[…] the intangible specter proves more troublesome in the end than the tangible presence. Faith in spooks (with due respect be it said for Maxwell’s thermodynamical ‘‘demons” and for the population of the ‘‘Unseen Universe”) is unwisdom in physics.” (STALLO, 1960, p. 151; apud NOAKES, 2008, p. 329)

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de átomos e éteres, que desafiavam as medidas, mas porque um químico292

que conseguiu fama por belas descobertas em sua ciência, esposava o

espiritualismo e porque um físico notável 293 fazia o mesmo?294 (MACH,

1900, p. 541-3; apud NOAKES, 2008, p. 329).

Poucos historiadores exploram o quão significativo foi o fato de muitos

pesquisadores da Física, reconhecidos pelo desenvolvimento de teorias surpreendentes e

equipamentos de precisão, estarem ativamente interessados na pesquisa psíquica. No

clássico estudo do espiritualismo vitoriano de Janet Oppenheim, ela reconhece o

envolvimento de William Barrett, William Crookes, Oliver Lodge, Lord Rayleigh e

J. J. Thomson na transformação do fim do século XIX. Entretanto, sugere que as

pesquisas de Crookes sobre a matéria radiante e o espiritualismo foram expressões

relacionadas ao seu interesse geral no campo da matéria e energia, e que Oliver Lodge e

sua busca pela Física do éter, que preencheria o espaço e sustentaria a evidência da vida

após a morte, eram manifestações apenas de uma preocupação subjacente às questões de

“continuidade”.

Evidencia-se nesta análise que o foco da iniciativa de muitos físicos britânicos em

direção ao imaterial e imponderável, fosse através do éter ou da pesquisa psíquica, era

aceitável e desejável por motivos intelectuais e religiosos. Não era somente porque eles

efetivamente compartilhassem das crenças espiritualistas ou ocultistas, mas

possivelmente porque queriam vencer a percepção geral de que a Física possuía uma visão

essencialmente estreita e materialista, e que em nada poderia contribuir a respeito de

questões mais profundas sobre a humanidade.

Segundo Brush, uma outra consideração deve ser observada sobre o clima das

ciências físicas no fin-de-siècle: ao mesmo tempo em que os físicos ainda trabalhavam

com modelos mecânicos, havia uma crescente insatisfação com esse quadro. Essa

insatisfação resultou na chamada tendência neorromântica, que tentou estabelecer as

ciências físicas em uma nova base que não compartilhava os elementos do materialismo

292 Provavelmente William Crookes

293 Possivelmente Oliver Lodge mas também poderia ser J. J. Thomson

294 “The very instinct which made savages ascribe all phenomena to the will power of creatures similar to themselves, and to mistake hallucinations for ‘real phantom entities’, also seemed to be causing physicists to consider heat, electricity and magnetism as mysterious and impalpable entities residing in bodies and to adhere to such views without exact investigation by means of metrical concepts. […] Fetishism explained not only why some physicists upheld the existence of atoms and ethers that defied measurement but why a chemist who has achieved fame by his beautiful discoveries in his science espouses spiritualism and why a noted physicist does the same.” (MACH, 1900, p. 541-3; apud NOAKES, 2008, p. 329).

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270

(BRUSH, 1978). Como resultado, o mecanicismo foi sendo abandonado e uma ciência

do imaterial tomou seu lugar, mantendo a energia e o éter como conceitos unificadores.

A visão eletromagnética de mundo criou grandes expectativas e possibilitou, através dos

seus conceitos abstratos, uma representação alternativa do mundo físico e um ideal social

também alternativo. Entretanto, fosse sob a visão energetista ou sob a visão

eletromagnética de mundo, as grandes expectativas dos físicos neorromânticos não foram

cumpridas. Ambos os programas foram ultrapassados por duas outras teorias que

apresentavam uma perspectiva muito mais radical.

Os dois pilares dessa “revolução” – que hoje é reconhecida como o início da Física

moderna – foram a teoria quântica de Planck, proposta em 1900, e a teoria da relatividade

especial, proposta por Einstein em 1905. Ambas as teorias se distanciaram dos programas

baseados em éter, energia e eletrodinâmica. Com o reconhecimento da teoria dos quanta

e da relatividade, a visão de mundo etéreo, tão característica da Física fin-de-siècle,

tornou-se obsoleta.

Assim, a proposta unificada da Física que concebia, gerava previsões e explicava

os seus fenômenos, baseada nas construções imateriais de éter e energia, entrou em seu

declínio com o advento da Física moderna. Evidentemente, as práticas espiritualistas

também sofreram um enorme descrédito desde que Einstein, em seu artigo sobre a

eletrodinâmica dos corpos em movimento, argumentou que mesmo o éter altamente

abstrato de Larmor e Lorentz era supérfluo para a descrição dos fenômenos, e a nova

teoria dos quanta provou ser incompatível com o éter eletromagnético dos maxwellianos.

Observa-se, portanto, que os três fatores apresentados anteriormente como

responsáveis pelo envolvimento dos físicos vitorianos na pesquisa psíquica, estavam

ancorados na existência da visão eletromagnética de natureza, cujos conceitos de éter e

energia eram fundamentais para sustentar a hipótese espiritualista. Os quanta de Planck

e a relatividade restrita de Einstein foram eliminando gradualmente o éter do cenário

científico e, com ele, as hipóteses explicativas dos fenômenos psíquicos.

Houve um pequeno ressurgimento do espiritualismo ao final da primeira guerra

mundial, atribuído ao sofrimento pela perda dos entes queridos na guerra e ao anseio de

se comunicar com eles. Nesse movimento destacou-se Sir Oliver Lodge, um dos líderes

e que também havia perdido seu filho Raymond na guerra. Durante o restante de sua vida,

ele se dedicou a tentar estabelecer uma comunicação com ele. Apesar de o éter ter se

tornado “uma construção desnecessária” a partir da segunda década do século XX, até o

ano de 1940, quando veio a falecer, Oliver Lodge acreditava na existência do éter como

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sendo "o principal instrumento da Mente, o veículo da Alma, a habitação do Espírito [...]

[e] a vestimenta viva de Deus” (LODGE, 1925, p. 179 apud KRAGH, 2002, p. 201).

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298

ANEXOS

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299

ANEXO A – Fluido ódico ao redor dos objetos

Fonte: obtido da obra Researches on magnetism, electricity, heat,

light, crystallization, and chemical attraction, in their relations to the

vital force do barão de Reichenbach, 1850

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300

ANEXO B – Relato295 do experimento realizado com a médium Florence Cook.

Tabela com os valores de resistência do corpo medidos minuto a minuto.

295 The Spiritualist, v.4, n. 12, pp. 134, 1874.

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301

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302

ANEXO C – Esquema do ambiente e aparato utilizado com a médium Annie Eva Fay,

Através do relato de Varley, a arrumação do ambiente e o equipamento são

idênticos ao descrito no experimento da médium Florence Cook.

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303

ANEXO D – Última aparição do espírito de Katie King materializado. Sessão mediúnica

na casa de Crookes durante a qual o espírito de Katie King informa que não

voltará a se materializar na médium Florence Cook. Fotografado sob luz

elétrica. Reprodução296.

“Round her she made an atmosphere of life;

The very air seemed lighter from her eyes;

They were so soft and beautiful, and rife.

With all we can imagine of the skies;

Her overpowering presence made you feel.

It would not be idolatry to kneel.297”

296 Segundo Juliana Ferreira relata, todas as fotos de Florence Cook foram destruídas por Crookes. As poucas que

sobraram haviam sido presenteadas por Crookes às pessoas que parcticipavam das reuniões de materialização de Katie King. Atualmente, imagens como estas acima, são de domínio público e de origem desconhecida. (STEIN, p. 46, 1993 apud FERREIRA, p. 229, nota 78, 2004).

297 trecho da obra Don Juan, de Lord Byron, escrito por Crookes no artigo que descreve a partida de Katie King. Duas frases foram suprimidas por Crookes. (FERREIRA, p. 543-4, 2004)

From the original plate. Adressed by

Crookes to (?)

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304

ANEXO E – Artigo escrito por Crookes sobre a última aparição de Katie King298.

298 The Spiritualist, v.4, n. 23, pp. 270-1, 1874.

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305

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306

ANEXO F – Composição da Sociedade de Pesquisa Psíquica (SPR) por ocasião da sua

fundação no ano de 1882.

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307

ANEXO G – Composição da Sociedade de Pesquisa Psíquica (SPR) no ano de 1884.

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308

Membros e Associados a partir de Julho de 1884

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309

ANEXO H – Carta recusa de Heinrich Hertz ao convite de Oliver Lodge para participar

da SPR (18/01/1891). Fonte: O’Hara J.G. e Pricha, W. Hertz and the

Maxwellians. London: Peter Peregrinus, p.80, 1987

1892

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310

ANEXO I – A Quarta Dimensão Espacial, berço da consciência superior.

Bragdon mostra que cubos criam seções retas temporárias de formas diferentes ao interceptar um

plano, formato este que depende apenas do ângulo com o qual a interseção se dê. Logo em

seguida, ele propõe uma analogia na qual, se os cubos representarem a consciência mais elevada do homem que se encontra na 4ª dimensão, nossas personalidades, serão um aspecto temporário

da interseção entre a 4ª e a 3ª dimensão.

“The Projections Made by a Cube Traversing a Plane.”

Fonte: Claude Bragdon, A Primer of Higher Space [The Fourth Dimension], Rochester, NY, 1913, apud Henderson, 2009.

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311

ANEXO J – A Hipótese Espírita resiste ao primeiro quarto do século XX

Reportagem sobre Thomas Edison e seus experimentos secretos para detectar e se

comunicar com espíritos. Publicada na Modern Mechanix de outubro de 1933.

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312

cont. da reportagem

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313

cont. da reportagem

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314

ANEXO K – Spirit Communicator de Thomas Edison (Ouija Elétrica).

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315

cont.

A Ouija elétrica de Edison foi patenteada em 7 de setembro de 1897, como uma máquina

de comunicação espiritual. A publicidade do Saturday Evening Post descreve isso como

um dispositivo maravilhoso com o qual é possível se comunicar com os mortos.

Fonte: http://itcvoices.org/thomas-edison-use-itc-communicate-spirits/