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Claudia de Souza Teixeira
(Organizadora)
ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS DO IFRJ –
CAMPUS NILÓPOLIS:
PESQUISAS E EXPERIÊNCIAS
Nilópolis/Nova Iguaçu IFRJ – Campus Nilópolis
Editora Entorno 2016
Claudia de Souza Teixeira
Organizadora
ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS DO IFRJ –
CAMPUS NILÓPOLIS:
PESQUISAS E EXPERIÊNCIAS
Nilópolis/Nova Iguaçu IFRJ – Campus Nilópolis
Editora Entorno 2016
Direitos Autorais © Claudia de Souza Teixeira 2016 Direitos de publicação reservados pela Editora Entorno 2016. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, bem como a produção de apostilas, sem autorização prévia, por escrito, do autor. Editor: Manoel Ricardo Simões Revisão: Claudia de Souza Teixeira Rony Pereira Leal Capa: Melissa Teixeira Façanha
Email: [email protected]
Email: [email protected]
374 Teixeira, Claudia de Souza (org.)
T266e
Especialização em educação de jovens
e adultos do IFRJ – Campus Nilópolis:
pesquisas e experiências. / Organização
de Claudia de Souza Teixeira . Edição
de Manoel Ricardo Simões. Nova Iguaçu,
RJ: Editora Entorno, 2016.
277 p.
ISBN 978-85-67031-11-8
1. Educação 2. EJA I Simões, Manoel
Ricardo. II Título
SUMÁRIO
Apresentação ................................................................... 7 Claudia de Souza Teixeira A aula-passeio em Geografia: uma vivência com jovens e adultos numa escola pública da Baixada Fluminense ... 10 Sérgio Vieira da Silva Orientador: Prof. Dr. Alexandre Maia do Bomfim A importância da sala de leitura para a EJA em escolas municipais de Duque de Caxias ...................................... 30 Ana Paula Lopes dos Santos Gonçalves Orientadora: Profª Drª Claudia de Souza Teixeira Alfabetização de jovens e adultos no programa integrado da UFRJ: interferência dos fatores intra e extraescolares ................................................................ 59 Carla Beatris Barreto dos Reis Orientadora: Profª Drª Valéria da Silva Vieira A interculturalidade na Nova EJA: por uma sociedade mais democrática e cidadã? ................................................. 96 Danielle Alves da Silva Figueiredo Orientadora: Profª Drª Claudia de Souza Teixeira Coorientadora: Profª Ma. Graça Helena Silva de Souza
Conclusão do ensino médio na educação de jovens e adultos: a busca por ser mais ....................................... 123 Katyucha Ramos Barreto Orientadora: Profª Drª Valéria da Silva Vieira
A formação continuada dos professores da educação profissional que atuam no PROEJA .............................. 172 Nelma Barcelos do Carmo Orientador: Prof. Me. Jupter Martins de Abreu Júnior A formação específica de educadores para o PROEJA: um debate necessário ................................................... 189 Carlos Alberto Gomes Pimentel Jr. Orientadora: Profª Ma. Fernanda Paixão de Souza Gouveia
Juvenilização da educação de jovens e adultos: a teoria diante de uma estratégia na EJA de uma escola de Piraí – RJ ................................................................................... 219 Nívia Maria Vieira da Silva Orientador: Prof. Dr. Alexandre Maia do Bomfim Tecnologias digitais na formação continuada de docentes da EJA: uma proposta de curso .................................... 243 Sylvia Regina de Azeredo Coutinho Lopes Alves Orientador: Prof. Me. William Eduardo da Silva Informações sobre o Curso de Especialização em EJA do IFRJ – Campus Nilópolis ............................................... 268
7
APRESENTAÇÃO
A Lei 9.394/96, de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (BRASIL, 1996)1, preconiza que a educação é um
direito de todos. Para garantir esse direito também a jovens
e adultos que não concluíram a educação básica na idade
apropriada, foi incorporada, pelo governo federal, a
Educação de Jovens e Adultos (EJA) ao ensino fundamental
e médio.
Conforme afirma o Parecer CEB 11/2000 (BRASIL,
2000, p.33-34)2,
[...] os alunos da EJA são diferentes dos alunos presentes nos anos adequados à faixa etária. São jovens e adultos, muitos deles trabalhadores, maduros, com larga experiência profissional ou com expectativa de (re) inserção no mercado de trabalho e com um olhar diferenciado sobre as coisas da existência, que não tiveram diante de si [...]. Outros são jovens provindos de estratos privilegiados e que, mesmo tendo condições financeiras, não lograram sucesso nos estudos, em geral por razões de caráter sociocultural.
1 BRASIL. Lei n. 9394/96. Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. Brasília, DF, 1996.
2 BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Carlos Roberto Jamil Cury (relator). Parecer CEB11/2000 - Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. Brasília: CEB, 2000.
8
Portanto, reconhece-se que essa modalidade de
ensino apresenta particularidades que vão além da questão
etária, pois dizem respeito também a aspectos cognitivos,
afetivos e sócio-histórico-culturais que demandam ações
pedagógicas específicas. O grande desafio, nesse contexto,
é desenvolver um processo educativo de qualidade e
comprometido com as necessidades de seus educandos.
Entende-se que, para isso, é preciso formar gestores
e professores com capacidade para atender, de forma
satisfatória, às demandas da educação de jovens e adultos.
Sendo assim, é necessário que a EJA seja tomada como um
campo de investigação que possibilite reflexões sobre suas
questões políticas, didático-pedagógicas e metodológicas.
Então, mais uma vez citando o Parecer CEB 11/2000
(ibidem, p. 58), deve-se destacar que
[...] instituições formadoras [...] deverão
associar a pesquisa à docência de modo a trazer novos elementos e enriquecer os conhecimentos e o ato educativo. Uma metodologia que se baseie na e se exerça pela investigação só pode auxiliar na formação teórico-prática dos professores em vista de um ensino mais rico e empático.
Dessa forma, o curso de Especialização em
Educação de Jovens e Adultos do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ) –
Campus Nilópolis, busca contribuir com a EJA por meio da
formação continuada de educadores que nela atuam ou
atuarão, possibilitando também que sejam desenvolvidas
pesquisas sobre essa modalidade de ensino.
Este livro apresenta oito trabalhos finais de alunos do
curso em questão, que abordaram variados temas
9
relacionados à EJA, a saber: educação em espaços formais
e não formais de ensino, aula-passeio, leitura e formação de
leitores, influência de fatores intra e extraescolares na
alfabetização, interculturalidade, permanência na escola e
conclusão do ensino médio, formação continuada de
professores, juvenilização, uso das tecnologias digitais. Na
última parte do livro, são fornecidas algumas informações
sobre o curso de Especialização em EJA do IFRJ – Campus
Nilópolis.
Espera-se que a divulgação desses trabalhos
contribua não só para uma melhor compreensão, por parte
de um público maior de interessados, de aspectos que
envolvem a Educação de Jovens e Adultos, mas também
para o desenvolvimento de ações mais satisfatórias voltadas
para essa modalidade de ensino.
Faz-se, por fim, necessário agradecer aos autores
desses trabalhos, a seus orientadores e a todos que
colaboraram para que esta publicação fosse possível, em
especial, ao diretor geral do campus Nilópolis, professor
Wallace Vallory Nunes, pelo incentivo e pela liberação da
verba para impressão da obra.
Prof.ª Dr.ª Claudia de Souza Teixeira
(Coordenadora da Especialização em EJA)
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A AULA-PASSEIO EM GEOGRAFIA: UMA VIVÊNCIA COM JOVENS E ADULTOS NUMA ESCOLA PÚBLICA
DA BAIXADA FLUMINENSE
Sérgio Vieira da Silva1
Orientador: Prof. Dr. Alexandre Maia do Bomfim
1 INTRODUÇÃO
O processo de globalização econômica impôs aos
países em desenvolvimento uma busca cada vez maior pela
formação de jovens e adultos. Nesse contexto, a Educação
de Jovens e Adultos (EJA) torna-se cada vez mais
importante.
O fato de, nos últimos tempos, a geografia do mundo
estar em constante transformação econômica e cultural faz
com que, na periferia do mundo, haja uma movimentação à
procura de uma melhor qualidade de vida, até então mais
presente nos países centrais/desenvolvidos. Ainda que a
educação não seja salvação para garantir essa tão almejada
qualidade, passa essencialmente por ela a possibilidade de
um desenvolvimento socioeconômico que estabeleça um
novo processo de formação escolar, inverso da ordem global
estabelecida, permeada por uma educação meramente
tecnicista e mercadológica.
1 Licenciado em Geografia (UFF). Pós-graduado em EJA (IFRJ). Mestrando em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares (PPGEduc/UFRRJ). Professor de Geografia nas redes estadual e municipal do Rio de Janeiro. Membro do Grupo de Pesquisas sobre Trabalho, Política e Sociedade (GTPS).
11
Os jovens e adultos que voltam à escola, após um
longo período afastados devido a vários motivos, buscam
reiniciar sua vida escolar como uma forma de superar as
dificuldades econômicas que o sistema político capitalista
lhes impõe, ou mesmo de recuperar a educação que lhes foi
alijada no momento esperado. A EJA representa, pois, uma
das maneiras de reparar um triste quadro de exclusão
(BRASIL, 2000).
No campo escolar, percebe-se claramente como o
conflito da relação educação e trabalho vem sendo
compreendido: propõem-se projetos que objetivam certificar
apenas para atender uma demanda do capital global. No
ensino de jovens e adultos, esse projeto dificulta uma
construção socioeducacional adequada, fazendo com que
ocorra somente uma reprodução do sistema escolar baseado
na educação bancária (FREIRE, 1996).
Ao se falar em jovens e adultos trabalhadores, é
necessário romper com a lógica de uma educação técnica e
instrucionista, de transmissão do conhecimento. É primordial
iniciar um novo caminho. O caminho não pode ser aquele da
velha escola, centrada em uma prática pedagógica em que o
aluno é o receptáculo, e o professor, o transmissor. Nessa
perspectiva, faz-se vital desenvolver práticas pedagógicas
diferenciadas, que despertem, nos alunos, o interesse e a
vontade de construir uma educação que os lance fora das
teias de uma sociedade excludente e que valorize toda sua
formação como conhecimento.
Paulo Freire defende que “quem ensina aprende ao
ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Quem ensina,
ensina alguma coisa a alguém.” (FREIRE, 1996, p. 25).
Nessa envolvente reflexão, percebe-se o quanto é essencial,
na educação de alunos trabalhadores ou que estejam
12
buscando sua inserção no mundo do trabalho, compreender
que o ato de aprender e o de ensinar entrelaçam-se na
construção de uma educação autônoma e participativa.
Na formação de jovens e adultos, em tempos atuais,
os professores estão o tempo todo aprendendo e ensinando;
são sempre tensionados a debater a relação entre teoria e
prática, para não repetir as velhas práticas pedagógicas que
só querem impor a lógica do treinamento e da cópia. Não se
podem furtar da possibilidade de buscar o novo na EJA.
É vital recuperar um tempo perdido na escola para
jovens e adultos, retirando-os da apatia sociocultural e do
programa instrucionista, lançando-os na direção de um
espaço geográfico em que se reconheçam participantes
ativos; sem barreiras, ou mesmo muros, que os impeçam de
avançar no mundo como cidadãos.
Garantir os direitos humanos é importante para
romper com o modelo neoliberal de educação salvadora. E
isso não virá de graça, nem por concessão, mas deste
campo de disputa e de interesses conflitantes, que é a
educação. Paulo Freire chama a atenção quando diz:
A esperança na libertação não significa
já, a libertação. É preciso lutar por ela,
dentro de condições historicamente
favoráveis. Se elas não existem, temos
de pelejar esperançadamente para criá-
las. (FREIRE, 1995, p.30)
Quem são as forças dominantes do atual estágio de
produção capitalista? O que querem aqueles que controlam
o mundo do trabalho e toda sua produção? Também é
necessário perguntar: O que querem os jovens e adultos das
classes populares quando retornam à escola?
13
É importante encontrar respostas para essas e outras
inquietações, que envolvem uma política pública para jovens
e adultos, considerando a construção de uma relação
consciente entre educação e trabalho.
Os jovens e adultos que retornam à escola querem
recuperar o tempo perdido de uma forma diferente da que os
afastou dela, retomando seus sonhos de uma vida melhor.
Não será mais um tempo de composição apenas de
escolarização, mas uma nova possibilidade de ampliação de
seu capital cultural.
Dessa forma, é também essencial orientar e
desenvolver novas práticas pedagógicas, éticas, pautadas
na construção de uma autêntica educação cidadã, que
tomem o conhecimento como conquista e motivação para
avançar na direção do saber autônomo e (co) responsável
com a sociedade.
Pensando na interação entre ensino-aprendizado e
geografia na EJA, surge a possibilidade de utilização de uma
dessas práticas pedagógicas - a aula-passeio - como uma
proposta dialógica entre o que se ensina e as experiências
em sociedade.
Assim, este trabalho apresentará, com base em
experiências do seu autor, professor de Geografia da EJA de
uma escola estadual de São João de Meriti (RJ), e em
entrevistas com alunos e professores da mesma instituição,
reflexões sobre aulas-passeio desenvolvidas com alunos
jovens e adultos.
2 A AULA-PASSEIO – UMA PROPOSTA PEDAGÓGICA A PARTIR DE FREINET
A escola é, com certeza, um dos lugares principais
para a socialização e a construção do conhecimento na
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sociedade moderna. É lugar privilegiado para a proposta de
aula-passeio, criada pelo professor Célestin Freinet, na
França, no início do século XX. Freinet foi motivado a
desenvolver a aula-passeio com seus alunos, que consiste
em atividades pedagógicas fora da sala de aula, buscando a
criação de um movimento de renovação da escola
(FREINET, 2001).
Segundo Sampaio, para Freinet,
[...] se o interesse das crianças estava lá
fora, por que ficar dentro da classe, lendo
trechos de manuais com frases sobre
assuntos desinteressantes para elas?
Decidiu então levar os alunos para onde
eles se sentiam felizes: lá fora.
(SAMPAIO, 2002, p.15)
Observando por esse foco, percebe-se o propósito da
pedagogia desenvolvida por Freinet: levar o educando a
experimentar o real, o conhecimento; a se aventurar e buscar
o novo na sua vida. Não é possível uma escola sem
movimento, sem se pôr ao caminhar. É essencial para ela,
como espaço de formação humana, participar arduamente
da construção do indivíduo protagonista de seu tempo.
Freinet (SAMPAIO, 2002) acreditava que todos,
adultos e crianças, deveriam ter seus direitos garantidos. O
respeito ao ser humano era vital para impor ao mundo uma
lógica de harmonia entre o que se aprende e aquilo que se
procura. Na base da aula-passeio, estava a necessidade de
motivar os alunos a buscar e construir o conhecimento. Se o
mundo estava fora da sala de aula, era para lá que o
educador levava os seus alunos, para romper com as
distâncias e os anacronismos dos manuais escolares.
15
Freinet interessava-se pelo mundo e por suas
descobertas. Ao sair com seus alunos, observava tudo que
estava em seu redor: olhava os campos, o trabalho dos
homens pelo local em que passava e, fundamentalmente,
interessava-se pela vida em sua comunidade. Procurava
também uma maneira de levar, para dentro da sala de aula,
a vida daqueles que construíam o espaço geográfico.
Toda proposta de aula-passeio baseava-se na
relação “observação e relato do que se vê”. O momento de
relatar era o mais importante, pois os alunos traziam, para o
interior da sala de aula, a vivacidade e a construção (e
imaginação) das histórias dos diferentes indivíduos. Algo que
não estaria nos manuais de aprendizagem da época; quer
dizer, obtinha-se uma nova leitura sem as reflexões
desnecessárias e, por que não dizer, enfadonhas. Relatando
os fatos transcorridos na aula-passeio, a leitura adquiria um
sabor de conhecimento mais prazeroso.
Freinet buscava inovar e percorrer sempre novos
caminhos pedagógicos. A cultura da dominação não fazia
parte do processo de ensino-aprendizado. A relação entre
aluno e professor não era a de chefe e subalterno, mas, sim,
de troca. Para Freinet, essa relação modificava-se na medida
em que a sala de aula era um espaço de construção coletiva,
de produção das reflexões sobre o real e a sua dimensão na
escola.
Um dos fatos mais marcantes, na experiência de
Freinet como professor, foi quando ele retirou de sua cadeira
o estrado de professor e passou a sentar-se junto com seus
alunos (SAMPAIO, 2002), num gesto concreto de profunda
adesão ao conhecimento que se constrói na troca entre os
indivíduos, e não meramente em uma reprodução bancária.
Ele fez desse gesto uma relação de proximidade, em que o
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aluno e o professor caminham lado a lado na busca de um
saber para todos.
3 AS AULAS–PASSEIO DE GEOGRAFIA NA EJA: UMA VIVÊNCIA NUMA ESOLA PÚBLICA DA BAIXADA FLUMINENSE
Dar protagonismo aos educandos deve ser o
encaminhamento de todo educador comprometido com um
processo educativo que emancipe os homens e os conduza
à conquista de sua cidadania. Paulo Freire chama atenção
para esse processo quando afirma:
Não é possível pensar os seres humanos
longe sequer da ética, quanto mais fora
dela. Estar longe ou pior, fora da ética,
entre nós, mulheres e homens, é uma
transgressão. É por isso que transformar
a experiência educativa em puro
treinamento técnico é amesquinhar o que
há de fundamentalmente humano no
exercício educativo: o seu caráter
formador. Se se respeita a natureza do
ser humano, o ensino dos conteúdos não
pode dar-se alheio à formação moral do
educando. Educar é substantivamente
formar. (FREIRE, 1996, p. 37)
As reflexões feitas pelo professor têm que ser
audaciosas e, por que não dizer, revolucionárias. Não é
possível repetir a velha cartilha de apenas ensinar e
reproduzir o conhecimento. É essencial transformar para
fazer do processo educativo uma verdadeira mudança de
17
vida, e também uma construção coletiva de uma sociedade
mais justa.
Nas salas de aulas da EJA, não se podem tolerar mais
as práticas pedagógicas de pura reprodução tecnicista. É
preciso instigar o novo como prática pedagógica. Sair das
quatro paredes é essencial para “arrancar as feridas” de uma
educação repressora, que só reproduz a ideia do fracasso
escolar.
Foi a partir de 2010 que as aulas-passeio 2, na
disciplina de Geografia, passaram a acontecer na EJA da
escola pública de São João de Meriti − região marcada pela
escassez de políticas públicas socioeconômicas e culturais,
que impede o desenvolvimento local − como alternativa
pedagógica e como motivação para a permanência dos
alunos na escola. Ocorreram saídas com os alunos para o
teatro e para apresentações musicais e de dança, com o
objetivo de mostrar que era possível aprender na interação
com o que estava acontecendo no mundo fora da escola.
Num primeiro momento, houve certo descaso com essa
proposta pedagógica, tanto dos alunos, quanto de alguns
professores, que a caracterizaram como apenas “um
passeio”, e não a compreenderam como um processo de
aprendizado. Os alunos, aos poucos, foram entendendo o
2 As aulas-passeio eram custeadas, parcialmente, nas viagens mais longas, pela escola, que providenciava o transporte, e os alunos pagavam sua própria alimentação. Nas saídas para a região metropolitana do Rio de Janeiro, os alunos pagavam pelo transporte. Entre as dificuldades, estava a falta de recursos financeiros dos estudantes, principalmente daqueles que estavam desempregados e sem o benefício do Riocard (gratuidade no transporte público). Outro problema era a distância e o horário, pois, em muitos casos, os alunos moravam em áreas distantes e de conflitos urbanos, o que tornava perigosa a chegada às suas casas mais tarde à noite.
18
sentido dessa proposta, de uma construção pedagógica
diferente daquilo que eles já haviam experimentado como
escola. Obviamente houve certo grau de desconfiança, pois,
até então, para eles, o aprender estava centrado na sala de
aula, no ato de copiar a matéria do quadro, como uma única
metodologia de ensino. Era um processo lento e difícil
compreender que se adquire conhecimento em atividades
culturais; perspectiva pouco difundida na EJA. Era um
desafio a vencer.
No ano de 2010, no segundo semestre, em uma das
aulas-passeio ao Centro Cultural do Banco do Brasil, no
centro da cidade do Rio de Janeiro, em uma visita à
exposição de Tarsila do Amaral, o grupo de alunos visitantes
questionou se não deveriam ter aprendido antes, na sala de
aula, quem tinha sido a artista, o que ela quis com sua obra,
qual sua influência na sociedade brasileira, o que se queria
de uma aula-passeio. Instalou-se, então, o questionamento,
o conflito, a dúvida.
Os alunos iniciaram as reflexões sobre a importância
da obra e da autora no salão da exposição. Este se tornou o
espaço de interação entre sala de aula e mundo; ou seja,
para aprender, não existe lugar determinado, basta que
ocorram reflexão e vontade na construção do conhecimento.
Naquele momento, o espaço da exposição transformou-se
em sala de aula.
Havia uma dúvida se era preciso aprender o conteúdo
antes de ir à exposição, ou se primeiro se devia ir a esta para,
depois, na escola, compreender o processo educativo. O que
se quer com uma aula-passeio? Qual o objetivo de ensinar
jovens e adultos que pouco aprenderam quando vivenciaram
uma metodologia regular de ensino? O que se quer construir
no ensino de Geografia com os alunos? Esses e alguns
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outros questionamentos iam surgindo ao longo das aulas-
passeio, tornando mais desafiador e emblemático o processo
de aprendizagem na EJA a partir dessa proposta de ensino.
Vale lembrar que, em determinados momentos, houve visitas
a espaços de cultura simplesmente como lazer.
Em 2011, ocorreu uma aula-passeio para a fazenda
Ponte Alta, em Barra do Piraí, na região sul do estado do Rio
de Janeiro. O grupo de alunos participantes visitou uma
fazenda do período do ciclo do café da economia brasileira.
Nesse espaço geográfico, havia toda uma programação
voltada para os alunos do ensino regular. Novamente, um
desafio: como iriam comportar-se os alunos da EJA? Desde
o início da visita, os alunos interagiram com o espaço e as
informações, com uma animação envolvente, fazendo com
que o guia – um professor de história – relatasse que tinha
sido uma experiência singular e interessante, já que a visita
guiada, normalmente, era realizada somente com alunos do
ensino fundamental e médio regulares e com turistas que vão
apenas conhecer o local.
Aquele grupo era diferente: jovens e adultos
estudantes do ensino noturno que tinham um desejo de
aprender. Nessa aula-passeio, o roteiro de visita foi todo
cumprido pelos alunos, incansavelmente, percorrendo todo o
circuito pedagógico proposto pela equipe da fazenda.
Em 2012, na rede estadual de ensino, foi implantada
a Nova EJA (NEJA). Então, ocorreu uma mudança na
estrutura de organização do ensino para jovens e adultos
pela SEDUC RJ (Secretaria Estadual de Educação do Rio de
Janeiro). A partir desse ano, as disciplinas foram distribuídas
em quatro módulos semestrais, cada um com cinco áreas de
conhecimento. O tempo de permanência dos alunos na EJA
seria de dois anos, e as aulas de Geografia passariam a ter
20
três tempos (horas/aula) na primeira fase e três na terceira
fase.
Iniciou-se uma nova etapa também no projeto de aula-
passeio em Geografia, pois essa disciplina fez-se mais
presente em dois módulos, com uma maior carga horária
semestral.
No início das atividades com as novas turmas, o
alunado já estava sabendo do projeto por meio dos alunos
dos anos anteriores, que tinham terminado seus estudos e
relatado os fatos ocorridos nas aulas de Geografia. É preciso
destacar que as aulas-passeio começaram com uma
parceria entre as disciplinas de Geografia e de Arte, mas, aos
poucos, foram se juntando outras áreas de conhecimento,
como Matemática, História e Português.
No começo do primeiro semestre de 2012, havia certa
preocupação com os caminhos da Nova EJA na escola. Uma
das estratégias pedagógicas adotadas foi um projeto
pedagógico interdisciplinar sobre “Escola e Cultura”, que
abriu grande perspectiva para o movimento da aula-passeio.
Os alunos iniciaram seu processo de formação escolar
na EJA debatendo sobre sua vida social e sua vivência
cultural. Surgiu, então, uma primeira oportunidade de aula-
passeio: uma ida a um espetáculo teatral na lona cultural
Jovelina Pérola Negra, no bairro da Pavuna, na cidade do
Rio de Janeiro. No espetáculo, observou-se que os alunos,
em sua grande maioria, não frequentavam equipamentos
culturais, e nem tão pouco fazia parte de sua vida
sociocultural ir ao teatro. Foi uma atividade produtiva; os
alunos apreciaram a atividade e começaram a se interessar
por frequentar espaços de cultura.
No envolvimento com esse projeto, foram surgindo
novas ideias e construções do pensar e fazer pedagógico na
21
escola. No primeiro momento, o professor de Geografia
(autor deste trabalho) propôs aos alunos fazer um vídeo com
o título “Histórias de Vida da EJA”, em que registrassem seus
objetivos e interesses no retorno à escola. A produção do
vídeo possibilitou uma forte ligação entre alunos e professor.
Outro marco importante, ainda nesse primeiro
semestre, foi a culminância do projeto, na qual os alunos
foram protagonistas na apresentação dos seus olhares sobre
a cultura e potencializaram, na prática, aquilo que estavam
construindo como conhecimento.
A proposta foi se desenvolvendo, durante o semestre,
até uma aula-passeio à cidade imperial de Petrópolis (RJ).
Por que Petrópolis? Pelo fato de a grande maioria dos alunos
não ter visitado essa cidade histórica, não tão distante do
município de São João de Meriti, e também, no mês de julho,
ocorrer uma festa da cultura germânica. Isso instigou a
ampliação do projeto “Escola e Cultura”, pois se abria a
possibilidade de conhecer uma cultura tão diferente da
existente na Baixada Fluminense.
Durante essa aula-passeio, aconteceram alguns
momentos bem atrativos e educativos, como a parada no
Mirante da Serra de Petrópolis para observação da paisagem
natural de mata Atlântica, e também a observação do avanço
da urbanização sobre a região metropolitana do Rio de
Janeiro.
Essa aula-passeio foi, certamente, uma ruptura com a
velha metodologia de ensinar apenas para cumprir os
conteúdos. Realizaram-se, com os alunos, uma leitura e uma
(re)interpretação do mundo e da escola. Eles perceberam
que é necessário fazer o caminho do ir e do vir para melhor
compreender as transformações geográficas. Além disso,
que devem, aos poucos, interagir com a cultura dos lugares
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e, na sua formação como cidadãos, “beber da fonte que
jorra” cultura.
Foi positivo ver que os alunos iam compreendendo e
assumindo a aula-passeio como momento de formação. É
importante salientar que também ocorreram diversas
atividades socioeducativas na própria escola. Elas foram
criando condições pedagógicas para que os discentes
fossem se familiarizando com as novas práticas, até então
desconhecidas para esse grupo.
O mais gratificante é que a riqueza cultural e o
envolvimento pedagógico foram tão fortes, que os alunos
passaram a desejar ter mais aulas-passeio para enriquecer
o processo de sua formação escolar. Foi possível garantir o
quão agradável é o ato de “passear” com o conhecimento: o
ato de aprender.
Em 2014, o mesmo grupo de alunos vivenciou mais
uma etapa de sua formação no caminho à conquista de um
novo tempo em suas vidas. O projeto pedagógico da escola
tinha, como tema, “Os cinquenta anos do golpe civil militar no
Brasil”. O projeto objetivou resgatar, com o alunado, o que
representou o golpe de 1964 para a construção da nação
brasileira.
Os alunos foram motivados a estudar o período
histórico por meio de pesquisas, palestras, filmes e visitas à
exposição no Centro Cultural do Banco do Brasil, ao
Armazém Cultural e ao centro histórico da cidade do Rio de
Janeiro. Eles puderam confrontar o período do golpe militar
com os diferentes momentos de suas próprias vidas.
Nas aulas-passeio às exposições no Centro Cultural
do Banco do Brasil e no Armazém Cultural, os alunos
puderam entender como foi a truculência da época da
ditadura militar no Brasil, e também como esse momento da
23
geopolítica interferiu diretamente no respeito à liberdade de
expressão. O trabalho realizado mobilizou os discentes a
organizar, na escola, uma exposição intitulada “Golpe civil-
militar: cinquenta anos”. As aulas-passeio motivaram esses
jovens e adultos estudantes a assumirem o protagonismo na
construção do seu conhecimento. Além disso, o caminho do
ir e vir no conhecimento impulsionou-os a criar um maior
vínculo com a escola.
A educação fica mais transparente para os estudantes
da EJA quando entendem que o processo de aprendizagem
não consiste em copiar e decorar, mas em interagir e
construir. Dessa forma, podem pensar e agir no espaço em
que se encontram. A EJA é a possibilidade real, para a
grande maioria deles, de novamente serem inseridos no
mundo da escola e poderem trilhar o caminho do
conhecimento.
A partir do segundo semestre de 2014, houve um
projeto que consolidou o do primeiro semestre, intitulado
“Brasil e sua Democracia”. Novamente, os jovens e adultos
construíram conhecimentos, a partir de reflexões acerca do
momento geopolítico brasileiro, agora sobre a retomada da
democracia após o golpe militar.
Durante a execução do projeto, as turmas deveriam
apresentar uma análise sobre os caminhos da democracia
brasileira, seja no campo da educação, dos direitos sociais,
entre outros. Os alunos engajaram-se na atividade e se
puseram a produzir trabalhos a partir de reflexões feitas em
oficinas pedagógicas.
A construção do conhecimento é fruto de uma relação
dialógica entre aquilo que se vê e as reflexões realizadas em
sala de aula. Dessa maneira, torna-se evidente a importância
da aula-passeio, que leva os alunos para um mundo que
24
deverão relacionar com a sala de aula através da troca de
experiências.
4. O QUE PENSAM ALUNOS E PROFESSORES SOBRE O PROJETO AULA-PASSEIO
O projeto de aula-passeio é uma ação política e uma
proposta que busca a emancipação educacional dos
estudantes. No entanto, uma pergunta permeou todo o
trabalho desenvolvido durante as aulas-passeio: Qual a
importância delas no processo de formação dos jovens e
adultos? Alguns alunos e professores da EJA responderam
a essa questão das seguintes maneiras3:
Aluno A – É outro mundo... as pessoas vêm para a escola é só copiar e pronto. Na aula-passeio, somos levados a conhecer a realidade e com isso, construir o conhecimento. Aluno B – Foi uma experiência boa, única. Por exemplo, nunca tinha ido ao Teatro Municipal, foi a primeira vez, lindo e deslumbrante. Se não tivesse entrado na escola de novo, não teria chance de conhecer. Aluno C – Pra gente sair da própria casa, se não fosse a escola... Só o dever não é cultura, precisa ter conhecimento. E as aulas-passeio apresentam isso pra gente.
3 Os relatos foram transcritos procurando-se respeitar a oralidade dos participantes.
25
Aluno D – Naquela aula-passeio no centro histórico no Rio de Janeiro, aprendi muito. Já passei por aqueles lugares várias vezes, mas nunca com o olhar do conhecimento. Aluno E – É uma modernidade, aula diferente. Mais conhecimento, mais visão das coisas. Só escrevendo a gente não aprende, depois, dialogando, cada um tem uma visão diferente.
Aluno F – Anima mais o aluno, a gente se sente mais à vontade passa a conhecer mais. Aluno G – Tem gente que vive em um mundo muito fechado, quando sai da sala de aula, passa a conhecer melhor. Aluno H – Quando a gente casa, tem marido e filho, fica parada. Quando a gente vem para uma sala de aula e tem diversidade, reuniões, palestras, aula-passeio, saímos da coisa básica. Aluno I – Quando comecei a ver a aula-passeio, não entendi bem. Perguntei ao professor: você também ensina assim com os alunos da manhã? Aos poucos, fui percebendo o desafio que é a aula-passeio. Aluno J – A gente sabe que existe muito trabalho. A escola ajuda a conhecer um Teatro, abre a nossa cabeça a ver que o mundo é muito mais. Aluno L – Achei legal. Atualizei-me. Modernização da mão de obra.
26
Aluno M – Você associa o modo convencional com a aula-passeio. Isso acrescenta o teu conhecimento e abre mais a sua visão de mundo. Aluno N – Foi importante para nós conhecermos melhor a sociedade que vivemos. Aluno O – Um meio de aprendizado diferente. Aprender com os outros, saber o que as pessoas fazem lá fora. Que podemos tirar proveito disso e levar para a vida. Aluno P – Estou feliz em ter participado desse evento. As aulas-passeio foram simplesmente demais para mim. Trouxeram um conhecimento com o que eu já tinha, abriu ainda mais a minha mente para muitas coisas, aprendi muito. Eu acho que a aula-passeio deveria fazer parte de todo currículo escolar, porque ela tira o aluno da mesmice, rotina, professor, quadro, caderno, anotação... Abre novos horizontes, perspectivas novas, tudo de bom que você possa imaginar. Aluno Q – Quanto às aulas-passeio, foi muito interessante. Porque você esteve no local, quando aquele fato ocorreu ali e você pode confirmar o que foi. Aquele lugar é especial, é seu, é o seu país. Aluno R – A aula-passeio é importante, onde a nossa mente fica mais aberta. A gente saiu daquelas quatro paredes, daquele negócio de você olhar para o quadro e copiar. E você começa a conhecer melhor, abrir a sua mente. A ter
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um conhecimento mais amplo que as aulas convencionais nos trazem, mas a aula-passeio nos trazem muito mais, faz com que nós pensamos, avaliamos e tenhamos mais disposição para ir atrás do nosso objetivo. A aula-passeio faz isso. Professor N – A educação integral tem que trabalhar no âmbito escolar com os vários saberes. Tem que se apropriar do mundo, garantir mais saberes àqueles que não têm acesso. O aluno jovem e adulto trabalhador necessita ter contato com esse universo que ele não conhece, para, a partir daí, ir ampliando sua visão de mundo e construir o seu conhecimento. Creio que as aulas-passeio estejam caminhando nesse sentido. No início do seu processo de organização, ocorreram alguns pequenos problemas, como o pouco incentivo e obrigatoriedade do aluno ir no local da visita, o que tornava solto o processo, e fazia com que alguns alunos dissessem “não vi e não quero saber”. É essencial criar motivações, levar os alunos a um maior compromisso, levar uma grande quantidade de alunos possível para depois avaliar. Professor CH – As aulas-passeio expressam com sentimento o momento em que os alunos se encontram, ou seja, o momento de busca e retomada de seus sonhos.” Professor L – O que mais chama minha atenção nas aulas-passeio é o envolvimento dos alunos que vão se descobrindo novamente como alunos e
28
descobrindo ânimo para terminar seus estudos. Professor JP – As aulas-passeio são diferentes!!! Vejo os alunos animados quando retornam de uma visita pedagógica. Logo, eles vão falando na sala de aula sobre o que foram ver. Seja cinema, teatro, exposição, apresentação musical ou qualquer outro evento, na verdade, percebo alunos curiosos, falantes e mais motivados na busca do conhecimento. Muitas vezes, temos aulas cansativas. Os alunos trabalharam o dia inteiro, e também nós, professores, e aí surge uma conversa sobre a visita (aula-passeio) e pronto. Entendemos o que realmente é significativo para todos. A partir dessas aulas-passeio, somos levados a construir o conhecimento em qualquer área de conhecimento.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As reflexões propostas neste texto têm o intuito de
contribuir para o debate sobre um ensino de Geografia mais
participativo e envolvente, que percorra os meandros de uma
educação autônoma e, ao mesmo tempo, seja coletiva e
colaborativa. Pode-se assegurar que, até onde se caminhou
no projeto de aula-passeio aqui mostrado, perceberam-se
avanços e conquistas importantes na formação dos jovens e
adultos da EJA.
Nesse caminhar, foi possível observar, a partir dos
relatos feitos pelos alunos ao avaliarem as aulas-passeios, o
quanto essa experiência tem sido uma ação pedagógica
marcante para suas vidas no retorno à escola, (re)
29
inaugurando um novo momento na construção dos seus
conhecimentos e na sua formação educacional e social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer CEB nº.
11/2000. Diretrizes Curriculares para a Educação de Jovens
e Adultos. Brasília: MEC, maio 2000. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/PCB11_2000.pd>
Acesso em: 11 out. 2014.
CÉLESTIN, F. Uma escola do povo. 2.ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários
à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
______. À sombra desta mangueira. São Paulo: Olho
d’Água,1995.
SAMPAIO, R. M. W. Freinet: evolução histórica e
atualidades. São Paulo: Scipione, 2002.
30
A IMPORTÂNCIA DA SALA DE LEITURA PARA A EJA
EM ESCOLAS MUNICIPAIS DE DUQUE DE CAXIAS
Ana Paula Lopes dos Santos Gonçalves1
Orientadora: Profª Drª Claudia de Souza Teixeira
1 INTRODUÇÃO
A formação do educando envolve, ao longo da vida
escolar, o desenvolvimento de inúmeras competências.
Contudo, sabe-se que os sujeitos da educação de jovens e
adultos (EJA), em sua grande maioria, são pessoas que, por
variados motivos, deixaram de receber importante orientação
nesse sentido. Isto não quer dizer, porém, que esses
indivíduos não possam, de algum modo, inserir-se mais
plenamente no contexto cultural e social.
Por uma questão de justiça, os educandos dessa
modalidade de ensino devem ter assegurado o acesso aos
bens culturais e sociais, como qualquer cidadão que viva
numa sociedade dita democrática. E, entre esses bens,
possivelmente, um dos mais importantes seja o livro, uma
vez que, a partir deste, pode-se ter acesso a diferentes tipos
de conhecimento.
Entretanto, apenas o domínio do código escrito, ou
da decodificação, não é, há muito, suficiente para que o
aluno, de qualquer modalidade ou idade, transforme-se num
1 Bacharel em Filosofia (UFRJ). Licenciada em Filosofia (Instituto
A Vez do Mestre – UCAM). Pós-graduada em EJA (IFRJ). Professora do Ensino Fundamental I da Prefeitura de Duque de Caxias.
31
leitor competente. A escola deve levar o educando a
aproximar-se da leitura de modo pleno. Deve lançar mão de
estratégias de ensino que incentivem a reflexão crítica, que
motivem a leitura pela leitura, pelo conhecer e fruir, e não
somente o “ler para a prova”.
De acordo com Santos, Riche e Teixeira (2013):
Para formar leitores, é necessário que, na escola, a leitura de textos escritos não se limite a adaptações ou fragmentos de textos, seguidos de exercícios de vocabulário e atividades de compreensão que apenas exigem do aluno um recorte-cole, sem suscitar uma reflexão dos temas abordados, limitando-se à literalidade. (SANTOS, RICHE e TEIXEIRA, 2013, p. 41)
É de suma importância que a escola, na figura do
corpo docente, principalmente, compreenda quão
fundamental é a leitura, mormente, para o alunado da EJA,
que, em muitos casos, não conseguiu, ainda, apesar das
inúmeras experiências de vida, dominá-la.
Benvenuti (2012) lembra que
Ainda que países desenvolvidos como os Estados Unidos, a França e a Inglaterra, os quais já erradicaram o analfabetismo, apresentem número alto de pessoas com dificuldades para utilizar a leitura e a escrita em tarefas cotidianas, esses dados evidenciam que o problema não é com o nível de analfabetismo, mas com as práticas sociais ligadas ao letramento. (BENVENUTI, 2012, p. 79)
32
A leitura é uma forma de interação em que se
produzem sentidos variados, em que se ampliam as
possibilidades de atuação social, as visões do mundo, as
reflexões. Não é um ato puramente mecânico; é um
conhecimento internalizado que, com o tempo, pode, e deve
desenvolver-se mais.
Yunes e Oswald (2004) afirmam que
O professor que transmite aos alunos o significado de um texto ou impõe uma única interpretação, sem ouvir a interpretação que os alunos fazem dele, transforma as atividades de leitura em um experimento, em um simples meio para se chegar a um saber já previsto e construído de acordo com os critérios da verdade, da objetividade. (YUNES e OSWALD, 2004, p. 35)
Por esse motivo, o letramento deve ser uma
"bandeira" das escolas, ou seja, letrar e alfabetizar devem
andar juntos; devem, de fato, provocar mudanças na vida do
indivíduo, levando-o a não mais se contentar em repetir
informações, mas ser capaz de compreendê-las em sua
simplicidade ou complexidade.
É importantíssimo, em relação à leitura, que os
aspectos emocionais estejam sempre presentes, isto é, levar
ao sujeito da EJA uma leitura desconectada de seu mundo
ou de seus sentimentos, ao menos, num primeiro momento,
pode ser um caminho rápido para a frustração tanto para ele
quanto para o professor, fazendo com que o trabalho não
alcance o resultado desejado.
Ir à escola, após um dia cansativo, tem de valer a
pena para o aluno da EJA. Por isso, ações que envolvam a
leitura e que sejam prazerosas são sempre bem-vindas para
33
minimizar as dificuldades enfrentadas pelas pessoas que se
dispõem a estudar.
Para isso, iniciativas como o projeto “Sala de
Leitura”, implementado nas escolas do município de Duque
de Caxias (RJ), podem ser uma forma de melhorar a relação
dos estudantes da EJA com os livros, jornais, revistas, enfim,
com a leitura pela leitura, pelo conhecer em si.
Neste artigo, a partir de vivências da sua autora,
como professora/ dinamizadora da rede de educação
duquecaxiense, faremos uma análise do referido projeto,
procurando conhecer seu nascimento, seus objetivos e sua
forma de desenvolvimento, principalmente, nas turmas de
educação de jovens e adultos.
Para tanto, partiremos de um referencial teórico que
tratará de assuntos como a EJA, a leitura e suas nuances e,
enfim, as contribuições que o projeto “Sala de Leitura” pode
trazer para essa modalidade e ensino.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 A Educação de Jovens e Adultos (EJA): perfil e
funções
Na busca por uma sociedade mais justa e igualitária,
mormente no que se refere à questão das oportunidades,
entendemos que a educação, como um direito, tem papel
primordial em qualquer sociedade minimamente
comprometida com a justiça para seus cidadãos.
Nessa perspectiva, a EJA traz, em seu cerne, certa
dignidade ao indivíduo que, por qualquer motivo, tenha sido
excluído da educação regular na chamada idade própria e
34
que, por conseguinte, encontra nela a chance de recuperar
aquilo que lhe é de direito.
Para tanto, no que se refere ao ensino fundamental,
preconiza o artigo 208 da Constituição de 1988:
O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I – ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria [...]. (BRASIL, 1988)
Sob a ótica do direito à educação, a Lei 9.394/96, de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL,1996),
nos artigos 37 e 38, contempla a educação de jovens e
adultos no sentido de elevar sua formação no ensino básico.
Dessa maneira, essa lei contribui para a mudança
do caráter puro e simples da alfabetização, ou seja, a partir
dela, a EJA não mais seria vista apenas como o momento
em que as pessoas aprendem, tão somente, a ler e escrever,
como ocorria em tempos anteriores, devido às políticas
públicas até então implementadas para essa modalidade.
Passa-se, então, a ter maior conformidade com as
resoluções da UNESCO2, que assim define a EJA:
[A educação de adultos] denota o conjunto de processos educacionais organizados, seja qual for o conteúdo, nível e método, quer sejam formais ou não, quer prolonguem ou substituam a educação inicial nas escolas, faculdades e universidades, bem como estágios
2 Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO - United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization).
35
profissionais, por meio dos quais pessoas consideradas adultas pela sociedade a que pertencem desenvolvem suas habilidades, enriquecem seus conhecimentos, melhoram suas qualificações técnicas ou profissionais ou tomam uma nova direção e provocam mudanças em suas atitudes e comportamentos na dupla perspectiva de desenvolvimento pessoal e participação plena na vida social, econômica e cultural, equilibrada e independente; contudo, a educação de adultos não deve ser considerada como um fim em si, ela é uma subdivisão e uma parte integrante de um esquema global para a educação e a aprendizagem ao longo da vida. (UNESCO, 19763, citado em UNESCO, 2010, p. 2)
No entanto, mesmo assegurando o direito de estudar
àqueles que não puderam fazê-lo em tempo regular, a LDB
não consegue descartar o caráter supletivo da EJA. As
principais ações do Estado, amparadas pelo artigo 38 da
LDB, vão na direção dos exames de suplência, os quais
certificam, mas não necessariamente dão a formação
apropriada.
Contudo, no Parecer CNE/CEB 11/2000 (BRASIL,
2000), avançamos no processo de construção de uma
política de educação de jovens e adultos mais eficaz, uma
vez que esse documento é fruto da mobilização de entidades
que fazem a EJA em nosso país. A partir dele, amplia-se a
visão de atendimento da EJA, superando-se a ideia de
suplência, atribuindo a essa modalidade as seguintes
3 UNESCO. CONFINTEA from Nairobi, Nov. 1976.
36
funções: reparadora, equalizadora e qualificadora, as quais
garantem não só o acesso, mas a continuidade de estudos e
a qualificação dos alunos, criando uma escola mais
compromissada com uma real inclusão social.
Na função reparadora, é reestabelecido ao indivíduo
o direito a uma escola pública de qualidade. Significa ter
acesso a um bem real, social e simbolicamente importante
dentro da sociedade; o que contribui para a conquista da
cidadania.
Na perspectiva da função equalizadora, são
oferecidas novas oportunidades, novos caminhos no mundo
do trabalho e também na vida social de cada sujeito, ou seja,
é a busca efetiva pela igualdade. Há a possibilidade de
desenvolvimento em qualquer tempo, utilizando-se a troca
de experiências e a aquisição de novas técnicas de trabalho,
além do conhecimento de novas culturas.
Partindo do princípio da incompletude do ser humano,
a função qualificadora confunde-se com o próprio sentido da
EJA, ou seja, é a função que assegura a atualização dos
conhecimentos por toda a vida do indivíduo, não importando
o quanto ele perdeu por faltar-lhe a educação escolar na
idade própria. Ninguém deixa de aprender, o que importa é a
continuidade do ganho e a atualização do conhecimento por
toda a sua existência, a partir do momento em que esse
mesmo sujeito achar conveniente, ou necessário, para si,
uma vez que tal potencial para o desenvolvimento possa
adequar-se, atualizar-se, dentro ou fora dos quadros
escolares.
Diante desse novo cenário de inclusão, a escola
assume papel fundamental na democratização da EJA, já
que é principalmente através dessa instituição que o Estado,
37
preferencialmente, assegura sua oferta àqueles que
necessitam.
Essa mesma escola deve estar preparada para
receber sujeitos com variados pertencimentos, sentimentos,
vivências, cultura e realidades sociais, que compreendemos
ser de suma importância para o entrelaçamento das relações
entre todos que compõem o ambiente escolar. Conforme o
Parecer CNE/CEB 11/2000:
A ausência da escolarização não pode e nem deve justificar uma visão preconceituosa do analfabeto ou iletrado como inculto ou "vocacionado" apenas para tarefas e funções "desqualificadas" nos segmentos de mercado. Muitos destes jovens e adultos dentro da pluralidade e diversidade de regiões do país, dentro dos mais diferentes estratos sociais, desenvolveram uma rica cultura baseada na oralidade da qual nos dão prova, entre muitos outros, a literatura de cordel, o teatro popular, o cancioneiro regional, os repentistas, as festas populares, as festas religiosas e os registros de memória das culturas afro-brasileira e indígena. (BRASIL, 2000, p. 5)
Encontramos na EJA muitos alunos que sofreram
inúmeros tipos de preconceitos; muitos trabalham em
subempregos, mas ainda encontram forças para mais uma
tentativa de melhorar suas vidas. Por esses e muitos outros
motivos, a escola precisa acolher esses indivíduos.
Na escola, o educando deve ser o sujeito central de
sua história, sendo assim, precisa haver educadores que
valorizem suas ricas vivências. Não há mais espaço para a
chamada educação bancária, conforme afirma Freire:
38
O educador, que aliena a ignorância, se mantém em posições fixas, invariáveis, será sempre o que sabe, enquanto os educandos serão sempre os que não sabem. A rigidez destas posições nega a educação e o conhecimento como processos de busca. (FREIRE, 2014, s/p.)
Ainda, nas palavras de Freire: "É preciso que quem
sabe saiba sobretudo que ninguém sabe tudo e que ninguém
tudo ignora." (FREIRE, 2011, p. 39).
A responsabilidade da escola vai além de alfabetizar
o aluno jovem e adulto. Sabemos da imensa importância da
alfabetização, pois é, a partir desta, que o educando pode se
desenvolver melhor em vários aspectos e aumentar seu
conhecimento, no entanto, em tempos de constantes e
rápidas mudanças, há que se prepará-lo para algo mais, dar-
lhe condições para aprender ao longo da vida.
Sobre a aprendizagem ao longo da vida, define a
UNESCO (1976), citado em UNESCO (2010):
[Educação e aprendizagem ao longo da vida] denota uma proposta geral destinada a reestruturar o sistema de educação já existente e desenvolver todo o potencial educacional fora do sistema educacional. Nessa proposta, homens e mulheres são os agentes de sua própria educação, por meio da interação contínua entre seus pensamentos e ações; ensino e aprendizagem, longe de serem limitados a um período de presença na escola, devem se estender ao longo da vida, incluindo todas as competências e ramos do conhecimento,
39
utilizando todos os meios possíveis, e dando a todas as pessoas oportunidade de pleno desenvolvimento da personalidade; os processos de educação e aprendizagem nos quais crianças, jovens e adultos de todas as idades estão envolvidos no curso de suas vidas, sob qualquer forma, devem ser considerados como um todo. (UNESCO, 1976, citado em UNESCO, 2010, p.13)
No que tange às consequências das dificuldades de
leitura e escrita, o Parecer CNE/CEB 11/2000 enfatiza:
A barreira posta pela falta de alcance à leitura e à escrita prejudica sobremaneira a qualidade de vida de jovens e de adultos, estes últimos incluindo também os idosos, exatamente no momento em que o acesso ou não ao saber e aos meios de obtê-lo representam uma divisão cada vez mais significativa entre as pessoas. No século que se avizinha, e que está sendo chamado de "o século do conhecimento", mais e mais saberes aliados a competências tornar-se-ão indispensáveis para a vida cidadã e para o mundo do trabalho. (BRASIL, 2000, p. 8)
2.2 A Leitura e seu papel na EJA
A escola, sendo espaço democrático de discussão,
transformação e formação, necessita, constantemente, rever
sua orientação e metodologias com vistas a um melhor
40
atendimento ao alunado da EJA, que possui necessidades
próprias.
No entanto, corroborando com o conceito de
“aprendizagem ao longo da vida”, desenvolvido e debatido
pela UNESCO na CONFINTEA4 VI (2009), colocamo-nos a
pensar: Qual seria a melhor forma de levar o educando da
EJA a continuar sua aprendizagem, ou ainda, a permanecer
com o ímpeto do aprender ao longo de sua existência?
Dentre as tantas estratégias utilizadas pela escola,
em seu cotidiano, percebemos a leitura, em todas as suas
mais variadas faces, como um processo que, de fato, traz as
mais importantes transformações na vida do educando, uma
vez que, até a alfabetização, o aluno aprende para aprender
a ler e, após a alfabetização, ou a tomada para si da prática
da leitura (e da escrita), o aluno passa a ler para aprender,
informar-se, emocionar-se, divertir-se, encantar-se.
Nas palavras de Queirós5 (2011), citado em Santos,
Riche e Teixeira (2013), conseguimos perceber quão
profundo pode ser o ato de ler, em quantas facetas da vida a
leitura está presente, o quanto de interação e cumplicidade
há entre leitor e escritor:
Texto e leitor ultrapassam a solidão individual para se enlaçarem pelas interações. [...]. Ler é somar-se ao mundo, é iluminar-se com a claridade do já decifrado. Escrever é dividir-se. Cada palavra descortina um horizonte, cada frase anuncia outra estação. E os olhos tomando as rédeas abrem caminhos, entre linhas, para as viagens do
4 Conferência Internacional de Educação de Adultos. 5 QUEIRÓS, Bartolomeu Campos de. Sobre ler, escrever e outros diálogos. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.
41
pensamento. (QUEIRÓS, 2011, citado em SANTOS, RICHE e TEIXEIRA, 2013, p. 5)
As autoras chamam a atenção para o fato que, na
formação de alunos leitores, apenas a alfabetização é
insuficiente, uma vez que decodificar textos não é o mesmo
que os ler. Uma simples decodificação não leva o educando
a internalizar o conhecimento ao seu redor, ao passo que,
possibilitando-lhe o letramento, poderá passar a realizar uma
leitura mais completa como ser social que é, fazendo
associações, escolhas, inferências; levantando hipóteses
sobre os mais variados assuntos. As autoras assim definem
a leitura:
Leitura – como compreensão de textos, orais e escritos, - é, portanto, uma atividade estratégica de levantamento de hipóteses, conforme objetivos específicos, para pertencimento a um grupo sócio-historicamente situado. Aprender a ler, muito mais do que decodificar o código linguístico, é trazer a experiência de mundo para o texto lido, fazendo com que as palavras tenham um significado que vai além do que está sendo falado/escrito, por passarem a fazer parte, também, da experiência do leitor. (SANTOS, RICHE e TEIXEIRA, 2013, p.41)
O ato de ler compreende muito mais do que somente
decodificar o código linguístico. Apenas isso não garante
autonomia ao aluno, isto é, não há garantias de que será um
leitor, quando muito, torna-se um "ledor", ou seja, aquele que
não se aprofunda na leitura, que não vai além daquilo que
42
está escrito, conseguindo apenas repetir informações
contidas num texto.
Para Soares (1998), alfabetização e letramento são
ações diferentes que se completam:
Alfabetizar e letrar são duas ações distintas, mas não inseparáveis, ao contrário: o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja: ensinar a ler e escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se tornasse, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado. (SOARES, 1988, p. 47)
A partir desse pensamento, podemos inferir que, na
alfabetização, ocorre a apropriação da escrita alfabética,
quando compreendemos parte do que se necessita para uma
leitura competente; ao passo que, no letramento, ocorre a
inter-relação entre escrita e texto e seus usos em contextos
diversos, dando amplitude ao aprendizado.
Sendo assim, o processo só se completa quando o
sujeito, além de apropriar-se da escrita alfabética, consegue
relacionar e compreender seu uso nos mais variados
contextos.
Temos ciência que, atualmente, na sociedade
brasileira, de um modo geral, as questões econômicas em
muito influenciam o acesso a bens culturais de grande parte
da população e, na EJA, tal fato torna-se mais que evidente,
uma vez que nela se encontra a massa trabalhadora, a qual
costuma manter-se distante de boa parcela desses bens.
Percebemos essa constatação nas palavras de Silva
(2000):
43
Se a leitura é um bem cultural inegável para a inserção à cidadania, esse bem ainda se mostra distante de grande parte da população brasileira. Inúmeros são os entraves para mediar a leitura, dentre eles poderíamos citar a alta taxa de analfabetismo; a sazonalidade dos programas de leitura; o baixo índice de bibliotecas escolares no país e o preço do livro. (SILVA, 2000, p. 39)
Sob esse olhar, é simples perceber que a leitura é
ferramenta essencial na inclusão do aluno da EJA nas
inúmeras possibilidades do mundo letrado. A leitura é um dos
principais canais de acesso à cidadania, ou seja, um sujeito
que não tenha domínio da leitura terá dificuldades no seu
crescimento pessoal e sociocultural, além de enfrentar
resistência do mercado de trabalho, o qual tenderá a
desvalorizar sua mão de obra.
Dentre os muitos papéis da leitura, Silva enumera:
[...] a leitura, além de acesso à informação, promove diálogos, aumenta a capacidade de abstração e de formulação de ideias, propicia fruição estética, aguça a razão, apura a sensibilidade. (SILVA, 2000, p. 12)
2.3 A EJA e o projeto "Sala de Leitura"
É pelo fato de a leitura ser uma atividade tão
importante e valorizada na sociedade que o alunado da EJA,
mais que qualquer outro, deve ser “bombardeado” com
programas e projetos que incentivem a leitura nas mais
variadas formas. Nesse contexto, a escola tem posição
44
fundamental, pois é a partir dela que algumas dessas ações
podem ser viabilizadas de modo efetivo.
Então, se a escola deve ser democrática e para
todos, nada mais justo que democratizar também o acesso à
leitura e, mais que isso, expandir o gosto por essa atividade,
formando leitores que poderão ser multiplicadores dessa
relevante prática.
Sob o aspecto político no qual a leitura está inserida,
Silva (2000) alerta que não há modo de se pensar em leitura
e formação de leitores, ao menos na sociedade brasileira,
sem que se haja vontade política para organizar a sociedade
em torno dessa ideia.
Sabemos que a questão do incentivo à leitura, no
Brasil, principalmente nas escolas, é algo de longa data, no
entanto, as ações implementadas, por muito tempo, foram
tímidas e, em alguns casos, imperceptíveis. Na maioria das
unidades escolares, não havia (há) biblioteca; em outras, ela
nunca estava (está) aberta. Era (É) algo, no mínimo,
frustrante, ao menos para aqueles que já possuíam
(possuem) a leitura como hábito ou desejavam (desejam)
desenvolvê-lo.
Entendemos que a escola tem a obrigação de
aproximar o educando dos livros, mas, para isso, há
necessidade de prover a instituição de condições para tal,
isto é, disponibilizar acervo, profissionais, local etc., dando
condições mínimas para que cada projeto se desenvolva da
melhor forma possível.
Para Maroto (2012):
Para que a escola possa promover satisfatoriamente as atividades de dinamização e promoção da leitura e da pesquisa, os profissionais responsáveis pelo desenvolvimento desse trabalho
45
precisam ter uma formação que contribua para seu aperfeiçoamento profissional e cultural, bem como para seu crescimento como leitor. (MAROTO, 2012, p. 84)
Ao longo do tempo, tem ocorrido sucessivos
"bloqueios" aos programas e projetos de incentivo à leitura,
pelos mais variados motivos: falta de verba, de profissionais
qualificados, de infraestrutura, etc. Enfim, muitos são os
motivos para cortes na área da educação, e os programas
extraclasses são sempre os primeiros a serem afetados,
causando uma descontinuidade continuada, ou seja,
continuamente há interrupção dos projetos. Dessa forma,
não é possível o trabalho se estabelecer de fato, não há
sequer como medir a funcionalidade ou os resultados dele.
Diante desse contexto, Silva afirma (2000):
Nos últimos anos, temos visto múltiplas ações para a criação de condições favoráveis ao desenvolvimento da capacidade leitora das crianças, dos jovens e dos adultos. No entanto, os esforços empreendidos necessitam de continuidade e recursos de toda ordem e, por isso, uma política nacional de leitura é uma ação do Estado, isto é, uma ação mobilizadora e articuladora de experiências governamentais e privadas, que estabeleça prioridades, disponibilize recursos orçamentários, linhas de crédito e demais fontes de financiamento, e invista em programas coordenados capazes de multiplicar seus efeitos, a fim de possibilitar os benefícios dessas ações a toda população. (SILVA, 2000, p.13)
46
Como afirma o autor, variadas ações de promoção e
incentivo à leitura estão sendo atualmente desenvolvidas.
Podemos afirmar que uma delas é o projeto "Sala de Leitura",
definido, no site da Prefeitura do Rio de Janeiro, como
[...] espaços privilegiados de
desenvolvimento de práticas voltadas
para a promoção da leitura e formação do
leitor na perspectiva da leitura de mundo
e para a instalação de estruturas,
tecnologias e metodologias mídia-
educativas. (RJ-SME, 20066, citado em
PIMENTEL, 2011, p.112).
Notamos, pela definição anterior, que, além de
promoção da leitura, na Prefeitura do Rio de Janeiro, as salas
de leitura também são espaços de mídia, ou seja, onde
estão, para utilização, os aparatos tecnológicos disponíveis
na unidade escolar.
Nem todos os projetos que têm a leitura como mote
possuem nomes idênticos e, quase sempre, não funcionam
da mesma maneira, mas, em todos, tem papel essencial o
mediador ou dinamizador de leitura. Este tem a importante
tarefa de promover a relação do leitor com o livro,
respeitando as interpretações pessoais e permitindo que
todos construam sentidos para os textos.
Cabe ao projeto "Sala de Leitura", normalmente, na
figura do dinamizador ou mediador de leitura, definir as
estratégias de promoção da leitura, com o objetivo de fazer
chegar ao leitor o livro, a revista, o jornal, etc.,
6 PREFEITURA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO. Secretaria Municipal de Educação. Salas de leitura do município. Disponível em: <http://www.rio.rj.gov.br/>. Acesso em: 30 ago. 2006.
47
resgatando/desenvolvendo o interesse, o gosto pela leitura,
visando à formação do leitor crítico com capacidade de
ampliar suas informações e opções na vida individual e
coletiva. De acordo com Silva, ainda sobre o mediador: “ [...]
o professor mediador deve compreender que a leitura é uma
das práticas sociais que possibilitam ao indivíduo usufruir
melhor a vida em sociedade. ” (SILVA, 2000, p.172).
O papel do mediador de leitura é fundamental na
disseminação e promoção da leitura na escola, pois, nem
sempre, o professor regente da turma é um leitor, e, nesse
caso, o incentivo à leitura fica prejudicado.
Não adianta apenas distribuir livros nas escolas e não
lhes dar apoio para a implementação e continuidade das
ações de promoção da leitura. Cabe às esferas
governamentais (federal, estadual e municipal) disponibilizar
recursos e pessoal capacitado, além de garantir a
organização e a continuidade do projeto, com vistas também
à transformação da comunidade em torno da escola,
confirmando-a como polo de difusão e incentivo ao
conhecimento.
3 METODOLOGIA
Este trabalho analisa o objeto da pesquisa, o projeto
"Sala de Leitura" desenvolvido em escolas municipais de
Duque de Caxias (RJ), com base no referencial teórico e a
partir das experiências/vivências da autora como
professora/dinamizadora desse projeto, em cinco escolas,
entre março de 2009 e maio de 2014, onde atuou junto a
turmas da creche ao nono ano, incluindo as de EJA do ensino
fundamental.
48
4 RELATO DA EXPERIÊNCIA
4.1 Perfil dos alunos da EJA em Duque de Caxias - RJ
Em Duque de Caxias, cidade da Baixada Fluminense
(RJ), os alunos da Educação de Jovens e Adultos, mulheres
em sua maioria, são trabalhadores. Quanto à faixa etária, há
desde pessoas idosas até jovens que, após muito tempo no
mesmo ano escolar, atingiram a idade mínima para o ensino
noturno. Há que se ressaltar o grande número de pessoas
com ascendência nordestina, uma característica marcante
da população desse município.
Talvez, por esse motivo, possamos perceber a
grande simpatia por assuntos relacionados, de alguma
maneira, à região Nordeste do país. Tal fato ficou muito
evidente quando comparamos o grau de interesse, nos
trabalhos das salas de leitura, pelos temas "literatura de
cordel" e "Vinícius de Moraes", adotados em anos diferentes.
O primeiro despertou muito mais interesse. Os alunos
fizeram mais perguntas; procuraram conhecer mais detalhes;
fizeram festas, onde cantaram e dançaram, trouxeram
histórias; enfim, a participação foi bastante efetiva. Por outro
lado, o mesmo interesse não foi detectado nas atividades
com o segundo tema: as músicas mais conhecidas de
Vinícius de Moraes chamaram a atenção, porém não houve
tanto empenho na realização das atividades.
Esse fato alertou-nos, mais uma vez, para a
importância de se tratarem temas que envolvam, de alguma
forma, as experiências e sentimentos dos alunos, isto é, que
façam com que o corpo discente se sinta próximo e, quem
sabe, parte daquele momento, daquela história.
49
4.2 O Projeto "Sala de Leitura" em Duque de Caxias
De acordo com o site da Prefeitura Municipal de
Duque de Caxias (2015), a semente que deu origem ao
projeto "Sala de Leitura", nas escolas da rede, foi uma
iniciativa da Universidade Federal Fluminense, no final de
1991, com a criação do Programa de Alfabetização e Leitura
– PROALE, que visava dar novo sentido à leitura nas redes
públicas de ensino.
Ainda de acordo com o site, como participante do
projeto, a Secretaria Municipal de Duque de Caxias recebeu
orientações para o desenvolvimento do trabalho nas escolas,
além de um acervo com duzentos e quarenta e quatro títulos
de literatura infanto-juvenil para ser “dinamizado” nas
unidades escolares.
Logo no início de 1992, nascia a Equipe de Leitura
da SME-DC, formada por professores da rede municipal, os
quais tiveram a tarefa de iniciar o projeto, saindo às escolas
para incentivar a leitura.
Após alguns anos, percebeu-se que não era
suficiente apenas uma equipe para dar conta do atendimento
a todas as unidades escolares do município, mesmo depois
de contar com um "caminhão baú" para promover a contação
de histórias pelas escolas. Com isso, houve a necessidade
de expandir o projeto. Foi quando se abriu espaço, em
algumas escolas, para que os professores, escolhidos por
diretores, pudessem trabalhar, também, como,
dinamizadores de leitura.
Os dinamizadores deveriam ser professores do
Ensino Fundamental que, com uma carga horária de trabalho
ampliada, poderiam atender às turmas dos três ou até quatro
turnos da escola em que estivessem lotados, num mesmo
50
dia, se assim o desejassem. Isto começou a acontecer em
2003; quase onze anos após a criação da Equipe de Leitura.
No entanto, mesmo atualmente (2015), mais de
vinte anos após a implementação do projeto, não há sala de
leitura disponível em todas as escolas da rede e, mesmo
quando existe o projeto na unidade, não necessariamente
todas as turmas são contempladas, e a EJA é uma das
modalidades mais prejudicadas nessa questão.
O projeto objetiva, em Duque de Caxias, promover
a leitura em todas as escolas e atingir a meta maior de
transformar o município numa "cidade de leitores", conforme
é explicado nos cursos de capacitação para dinamizadores.
Para isso, realiza um trabalho em que professores
da rede municipal de ensino candidatam-se a dinamizadores
de leitura de suas respectivas unidades escolares. No caso
de não haver turmas suficientes na mesma escola, o
professor deve, obrigatoriamente, completar sua carga
horária, referentes a 15 turmas, em outras unidades
escolares; quantas forem necessárias.
Além de incentivar o hábito de leitura junto aos
alunos, o dinamizador possui, também, a função de fazê-lo
junto aos docentes. Para isso, nos Grupos de Estudo (ou
GEs, que são reuniões bimestrais entre professores,
orientadores e diretores, com vistas a discutir inúmeros
assuntos pertinentes à rede e/ou a própria unidade escolar),
é reservado um momento (normalmente entre uma hora ou
uma hora e meia) para que o dinamizador possa apresentar
o acervo de livros, desenvolver dinâmicas de grupo,
demonstrar e realizar atividades de incentivo à leitura,
mostrando aos presentes como dever ser o trabalho com os
discentes.
51
Há, ainda, o espaço para apresentação de vídeos,
músicas e textos que encerrem o assunto ou, simplesmente,
que sirvam para descontrair. Este é é o caso da "leitura
compartilhada", uma atividade feita, geralmente no início das
aulas, pelo professor para os alunos, ou pelos alunos para
outros alunos, apenas para deleite, ou seja, uma leitura para
ser ouvida, simplesmente, sem a necessidade de qualquer
conexão com o assunto que será tratado durante aquele ou
qualquer outro dia letivo.
Enfim, os professores, mesmo aqueles pouco
interessados em leitura, acabam participando de alguma
forma, pois trocam experiências; sugestões de filmes, livros,
textos, realizando, assim, o chamado "clube de leitura".
A Equipe de Leitura, responsável pela
implementação do projeto, que é subordinada à Secretaria
Municipal de Educação de Duque de Caxias – SMEDC,
promove, mensalmente, com todos os dinamizadores,
reunião em que apresenta os temas e diretrizes a serem
desenvolvidos naquele ano; então, trocam-se experiências;
fazem-se indicações de livros e atividades de incentivo à
leitura.
No entanto, cabe ressaltar que não há treinamento
específico para nenhum dos anos escolares atendidos, ou
seja, o planejamento e o desenvolvimento do trabalho ficam
a cargo dos professores/dinamizadores, que devem adequar
as atividades às turmas que venham a atender, da creche ao
nono ano, incluindo as da EJA.
4.3 A experiência nas salas de leitura
Nossa experiência pedagógica (da autora deste
trabalho) deu-se em cinco escolas da rede municipal de
52
Duque de Caxias, onde atuamos como professora/
dinamizadora do projeto "Sala de Leitura", em turmas da
EJA, de março de 2009 a maio de 2014.
Inicialmente, no primeiro período de nossa
participação no projeto, entre 2009 e 2011, a
responsabilidade pelos temas propostos, pela implantação
do projeto e pelo desenvolvimento das atividades era
totalmente dos professores/dinamizadores e da equipe
gestora (orientadores educacionais, pedagógicos e
diretores) de cada unidade escolar.
Dessa forma, a escola tinha liberdade para decidir
que autores e atividades iria trabalhar durante o ano letivo.
No entanto, para o dinamizador que atuava em mais de
uma escola, às vezes em três ou quatro, esse trabalho
tornava-se complicado, pois, em cada uma das escolas,
haveria um tema, um planejamento e atividades totalmente
diferentes.
No segundo período, entre 2011 e 2014, a partir de
uma nova chefia da Equipe de Leitura, o sistema foi
modificado, permanecendo igual até os dias atuais. Desde
então, a Equipe de Leitura da SME traça as diretrizes para
todas as unidades escolares, que devem adaptar o tema e
as atividades à realidade de seu corpo discente.
Nesse novo sistema, o trabalho do dinamizador foi
facilitado, uma vez que não precisaria mais lidar com temas
e autores diferentes. Por outro lado, as escolas deveriam
acatar o tema escolhido pela Equipe de Leitura que, em
alguns casos, estava distante da realidade do alunado.
Essa distância acentuava-se, especialmente, nas
atividades com as turmas da EJA, que ofereciam, vez por
outra, maior resistência a alguns temas e/ou autores, como,
por exemplo, quando Ziraldo foi o autor homenageado.
53
Apesar de admirado, ele era associado à literatura infantil,
tendo sido necessário dar maior ênfase ao Ziraldo
chargista. O mesmo ocorreu, em outro ano letivo, quando
Sylvia Orthof foi a autora escolhida. Por ser uma escritora
de livros infantis e juvenis, foi necessário grande esforço
dos dinamizadores para mostrar a obra teatral e a biografia
da autora.
Além disso, os temas que envolviam, de algum
modo, religião sempre causavam algum tipo de
constrangimento, uma vez que a discussão sobre "certo ou
errado" vinha à tona. Por esses e outros motivos, era
preciso que os dinamizadores fossem mais criativos e,
principalmente, mais treinados para o atendimento a esse
público.
Mas, em nenhum momento do projeto, houve
capacitação específica para atuação nas séries atendidas.
As turmas de EJA principalmente sofriam bastante com
essa situação, pois a maioria dos dinamizadores eram
professores do ensino regular para crianças, e isso trazia
certa dificuldade quanto à linguagem e às atividades
desenvolvidas com os alunos da EJA.
É interessante observar que as turmas da creche e
da EJA (polos extremos em questão de faixa etária) eram
as mais interessadas nas atividades de leitura. Apesar das
dificuldades dos alunos em ler, o trabalho do dinamizador
fluía com mais tranquilidade e era mais valorizado por
esses alunos.
A falta de material e de espaço específico nas
escolas (para incentivar e motivar o alunado a participar
ativamente do mundo da leitura), ou seja, onde os alunos
possam, de fato, manusear, ler, comentar a obra, a notícia
ou manchete, vem se constituindo uma barreira que os
54
dinamizadores vêm tentando “quebrar”, ano após ano,
governo após governo. Outros problemas a destacar são a
falta de articulação do trabalho das salas de leitura com o
dos professores regentes das disciplinas e o fato de que
poucas escolas desenvolvem o projeto com a EJA.
Infelizmente, o projeto nem sempre recebe o
incentivo e o valor que deveria. Constata-se tal fato através
da observação de ações como, por exemplo, transformar os
dinamizadores de leitura em “faz tudo” da escola, desfazer
os espaços de leitura para transformá-los em salas de aula
etc., prejudicando, e muito, o andamento das atividades.
Contudo, há que se destacar os avanços obtidos pelo
projeto: os alunos participantes efetivos dos encontros
semanais vinham se mostrando cada vez mais receptivos à
leitura, mas à leitura pela leitura, pelo prazer de ler, pela
curiosidade de conhecer o que outros expuseram nas
mágicas páginas das obras literárias, sem se preocupar em
terminar um livro/texto, se ele fosse cansativo, buscando
aquele que melhor lhes convinha.
Uma das atividades realizadas sempre para iniciar o
“ano literário”, batizada pela pesquisadora como “leitura
peripatética”, era inspirada no lema grego “mens sana in
corpore sano”, ou seja, “mente sã, num corpo são”, e no
chamado método peripatético7 de Aristóteles. Consistia em
entregar um livro a cada aluno, que andava de um lado para
o outro, todos ao mesmo tempo, lendo, durante alguns
segundos, ao som de música clássica instrumental, ao fundo,
o que estivesse em suas mãos. Quando a música parasse,
o aluno deveria trocar de livro com qualquer colega que
desejasse.
7 Em que se ensina passeando, movimentando-se.
55
Essa atividade tinha o intuito de fazer com que o
corpo discente conhecesse, superficialmente, boa parte do
acervo e, com isso, despertar a curiosidade em, ao menos,
abrir um livro para saber do que tratava. Até hoje é uma
atividade festejada pelos alunos, pois permite que todos
percebam se há algo que realmente lhes interesse naquele
acervo. Normalmente, algumas das obras acabavam
chamando atenção dos alunos; sendo bastante comum,
também, uma única obra chamar a atenção de muitos.
A partir daí, principalmente na EJA, os livros
começavam a ser cobiçados pelos alunos que, “vorazmente”,
faziam pedidos de empréstimos de livros para serem
“deliciados” em suas casas, no transporte ou no trabalho.
Há, aproximadamente, três anos e meio, os acervos
literários enviados pelo governo federal, através do FNDE
(Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), para as
escolas municipais, passaram a contemplar não somente as
crianças, mas também professores, alunos do ensino
fundamental II e da EJA. Tal medida ampliou o interesse do
corpo discente pelas obras literárias ou não.
Obviamente, alguns livros acabam se perdendo pela
falta de cuidado de um ou outro, porém, nada que abale a
confiança dada aos alunos e, muito menos, que prejudique a
disponibilização do acervo a estes, pois, quanto mais lido,
mais vivo o livro é.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O projeto “Sala de Leitura” é mais que uma simples
iniciativa de incentivo à criação de leitores: é uma forma de
promoção à cidadania; ou seja, é um projeto que resgata a
confiança do alunado, uma vez que ele consegue enxergar-
56
se nas inúmeras histórias. Quantas e quantas delas não têm
semelhanças com a própria vida deles? E quantas
incentivam a mudança de hábitos e pensamentos! Essa
possibilidade não pode ser ignorada pelo poder público.
O projeto é tão importante que alguns já tentaram,
mas não conseguiram encerrá-lo. Os sorrisos com que os
dinamizadores são recebidos nos encontros de leitura dizem
tudo; demonstram o sentimento de agradecimento pelo
trabalho estar acontecendo.
Percebe-se que muitos alunos vão se entregando,
aos poucos, aos prazeres da leitura. Descobrem que podem
escolher o que ler; que existem diversas opções; que um livro
pode ser entediante, mas o outro não; que há histórias como
as deles, histórias de superação e que, por fim, eles podem
ser os autores de sua própria história.
No entanto, o caráter sazonal de projetos
educacionais, até mesmo dos já consolidados, como o da
sala de leitura, é extremamente prejudicial porque, todos os
anos, traz insegurança aos atores das unidades escolares
duquecaxienses. Estes nunca sabem se poderão contar, ou
não, com a sala de leitura, dificultando a integração entre os
dinamizadores e os demais setores das escolas. Dessa
forma, concluímos ser essencial que a "sala de leitura" deixe
de ser um projeto para tornar-se um programa de caráter
definitivo. Assim, estaria garantida a permanência e a
efetivação do trabalho.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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educação de jovens e adultos. Porto Alegre: Mediação, 2012.
57
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Rio de Janeiro. 2011. 264 f. Tese (Doutorado em Educação)
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58
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de adultos. Brasília: UNESCO, 2010.
YUNES, Eliana; OSWALD, Maria Luiza M. Bastos. (Org.). A
experiência da leitura. 1 ed. São Paulo: Loyola. 2004.
59
ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO
PROGRAMA INTEGRADO DA UFRJ: INTERFERÊNCIA
DOS FATORES INTRA E EXTRAESCOLARES
Carla Beatris Barreto dos Reis1
Orientadora: Profª Drª Valéria da Silva Vieira
1 INTRODUÇÃO
A história da Educação de Jovens e Adultos (EJA) é
marcada por embates político-sociais em favor da educação
para os mais marginalizados. A grande militância nessa
modalidade de ensino é por uma oferta de educação
comprometida com as necessidades sociais, econômicas,
políticas e culturais e com o contexto de vida dos educandos,
garantindo aos jovens e adultos o devido direito a uma
educação pública e de qualidade.
Em relação ao trabalho de desenvolvimento das
habilidades de leitura e escrita dos alunos, objetivo do projeto
analisado neste estudo, devem ser usadas ferramentas
educacionais que permitam que sejam mais do que
alfabetizados, sejam letrados, e utilizem sua consciência
crítica e autônoma diante das diversas situações cotidianas.
No entanto, para um trabalho mais individualizado -
visto que o educando da EJA necessita de um tratamento
diferenciado que leve em conta sua história de vida - um
conhecimento mais apurado dos fatores internos e externos
1 Bacharel e Licenciada em Português/Literaturas (UFRJ). Especialista em EJA (IFRJ). Alfabetizadora e Supervisora do Programa Integrado para EJA (UFRJ).
60
(intra e extra) ao espaço escolar pode auxiliar o processo
educativo de jovens e adultos.
Assim, nesta pesquisa, buscou-se analisar quais
fatores, na percepção de alunos e professores do Programa
Integrado da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro)
para Educação de Jovens e Adultos, mais interferem no
processo de alfabetização desse público.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 Fatores intra e extraescolares
As dimensões intraescolares e extraescolares podem
ser simplificadamente entendidas, tomando-se por base
Dourado, Oliveira e Santos (2007). Para esses autores,
podem ser considerados intraescolares os seguintes fatores:
a) organização e gestão escolar;
b) práticas curriculares;
c) planejamento pedagógico;
d) processos de participação;
e) dinâmica de avaliação;
f) formação, profissionalização e ação pedagógica do
professor - plano do professor;
g) papel e expectativas sociais dos alunos;
h) condições de oferta do ensino (plano do sistema);
i) condições de acesso, permanência e desempenho escolar
(plano do aluno).
Já os extraescolares podem ser os seguintes:
a) questões econômicas;
b) questões socioculturais;
61
c) obrigações do Estado no provimento público da educação
e na viabilização de condições de
d) formação e valorização da carreira docente.
Neste trabalho, apresentam-se as dimensões
extrínsecas (extraescolares) e intrínsecas (intraescolares)
como fundamentais para análise do processo educativo uma
vez que interferem nas condições de ensino e aprendizagem.
Entende-se que uma escola é eficaz quando
possibilita a seus educandos um desempenho educacional
adequado, mesmo em face dos diversos fatores envolvidos
e das dificuldades encontradas, que existem em todos os
sistemas.
Segundo Gadotti (2014), o fato de o número de
analfabetos, atualmente, ser aproximadamente o mesmo,
comparado ao de 50 anos atrás, deve-se a vários motivos,
mas principalmente aos relativos à própria escola. Esta, por
um lado, não dá conta das necessidades educacionais dos
alunos, uma vez que muitos saem semianalfabetos; por outro
lado, não acolhe satisfatoriamente os alunos jovens e adultos
egressos da fase de alfabetização.
Sendo assim, os espaços escolares destinados aos
alunos da EJA devem desenvolver abordagens que atendam
às necessidades desse público, pois são pessoas que
trazem consigo uma rica bagagem de saberes, mas ainda
não são plenamente atendidas pelo sistema educacional.
Torna-se fundamental que os gestores tenham
autonomia para gerenciar os recursos financeiros voltados
para o atendimento das necessidades técnicas e
pedagógicas, além de professores que possuam formação e
condições adequadas para atuar, considerando as
expectativas de aprendizagem dos educandos.
62
Ao Estado, cabe possibilitar as condições
necessárias para o pleno desenvolvimento da educação.
Assim, dentre os fatores extraescolares, destacam-se as
ações governamentais. Uma política de educação de jovens
e adultos deve ter como objetivo principal superar a
perspectiva restrita de uma simples e apressada
alfabetização com rudimentos do ler e escrever.
A 5ª Conferência Internacional de Educação de
Adultos (CONFINTEA) da UNESCO (Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura -
United Nations Educational, Scientific and Cultural
Organization), realizada em Hamburgo, no ano de 1997,
confirmou a responsabilidade inegável do Estado quanto à
educação, além de ter dado destaque a toda a sociedade civil
como importante parceira nesse campo.
Como afirma Gadotti (2014), precisamos
urgentemente de uma política nacional de Estado para a
EJA, e não apenas programas transitórios e conjunturais de
governo. O autor lembra que Paulo Freire propôs um novo
pacto social, em que a Educação, promovida de comum
acordo com os movimentos sociais e a sociedade civil, torna
o Estado um instrumento de transformação social, de gestão
do desenvolvimento, de luta, e não, simplesmente, de
regulação e de governança.
Além do fator extraescolar mencionado, outro que
exerce um papel muito importante é a família, que deve
apoiar e incentivar a educação, qualquer que seja seu nível
socioeconômico. De acordo com Poncio (2010), a articulação
das famílias em prol do sucesso escolar - ou, em outras
palavras, as estratégias para permanência na escola -
passou a ser reconhecida como possível “catalisador” de
trajetórias exitosas.
63
Poncio aponta que a atuação das famílias a favor da
educação, ao convergir para dentro da escola, resulta em
uma gama de ações e estratégias educativas visando à
permanência e ao sucesso escolar. Assim, as famílias
acabam por destinar à escola uma série de expectativas que
as movem em prol da continuidade dos estudos de seus
membros. É importante ressaltar, conforme mencionado pelo
autor, que essa relação pode acontecer de várias formas e
graus de intensidade devido aos diversos fatores presentes
no contexto familiares.
2.2 A educação popular andragógica e a pedagogia
freiriana
Ao falar sobre a EJA, torna-se relevante comentar
sobre a educação popular, uma vez que os princípios dessa
educação são fundamentais, em especial, para essa
modalidade de ensino.
Segundo Brandão (2012), podem ser atribuídos
quatro diferentes sentidos à educação popular: 1) a
educação da comunidade primitiva anterior à divisão social
do saber; 2) a educação do ensino público; 3) a educação
das classes populares; 4) a educação da sociedade
igualitária. Assim, essa educação “não é um modelo único e
paralelo de prática pedagógica, mas um domínio de ideias e
práticas regidas pela diferença, para explorar o próprio
sentido da educação.” (BRANDÃO, 2012, p.15).
Para Paulo Freire, a educação popular é um projeto
político de construção do poder popular, pois “a educação
popular se delineia como um esforço no sentido da
mobilização e da organização das classes populares com
64
vistas à criação de um poder popular.” (FREIRE, apud
TORRES, 1987, p.74). O autor ainda acrescenta: “eu diria
que o que marca, o que define a educação popular, não é a
idade dos educandos, mas a opção política, a prática política
entendida e assumida na prática educativa.” (FREIRE, apud
TORRES, 1987, p. 86-87).
Segundo Brandão (2012), para os educadores e
cientistas sociais, educação popular refere-se a
[...] alguma modalidade agenciada e profissional de extensão dos serviços da escola a diferentes categorias de sujeitos dos setores populares da sociedade, ou a grupos sociais de outras etnias, existentes nela ou à sua margem. (BRANDÃO, 2012, p. 27)
Pode ser entendida, também, como “os tempos e
tipos de luta de políticos e intelectuais para uma educação
escolar que seja de algum modo estendida ao povo.”
(ibidem).
Em contato com alunos jovens e adultos, os docentes
são incentivados, concretamente, a considerar a pedagogia
freiriana atrelada intimamente à Andragogia3. Um fator que
aproxima esses modelos educacionais é a perspectiva de
considerar as experiências de vida dos educandos,
tornando-as um instrumento no processo de aprendizagem.
No modelo andragógico, a educação é de
responsabilidade compartilhada entre professor e aluno. E,
para que haja o real aprendizado, é necessário que as
informações oferecidas pelo sistema ou pelo educador
3Segundo Carvalho et al. (2010), Andragogia define-se como ensino de adultos.
65
estejam de acordo com as necessidades, vivências e
cotidiano dos educandos, pois, em geral, estes buscam a
praticidade do que aprendem (CARVALHO et al., 2010).
Em acordo com essa concepção educacional, Paulo
Freire, em seus escritos, relata a importância da
intencionalidade, da usualidade e da praticidade do
aprendizado no contexto de vida do educando. Para o autor,
o ato de aprender baseia-se em “construir, reconstruir,
constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco
e à aventura do espírito.” (FREIRE, 2013, p. 77).
Assim, como mencionado por Chotguis (2007, apud
CARVALHO et al., 2010), o modelo andragógico é baseado
em vários pressupostos, dentre os quais podem ser
destacados os seguintes: a necessidade de saber (porque
aprender), o autoconceito de aprendiz (os adultos são
responsáveis pela vida, pelo que acontece e por suas
aprendizagens), o papel das experiências dos aprendizes, o
fato de estarem prontos a aprender e a motivação.
É importante também considerarmos que, como
lembra Furter (1972, apud GADOTTI, 2014), a realidade do
adulto é diferente da realidade da criança. No entanto,
conforme defende Gadotti (2014), há um grande equívoco
metodológico em muitos programas de EJA, pois o currículo
dessa modalidade de ensino ainda, em geral, não interessa
aos educandos e nem atende suas necessidades.
Logo, para educar na EJA, devemos considerar
diferentes aspectos práticos, entre eles, o contexto no qual o
aluno está inserido, seus reais interesses, a necessidade de
o conteúdo estudado ter significância para ele, etc. Além
disso, essa educação deve estar articulada e integrada a
outras propostas de desenvolvimento social e econômico do
66
mundo globalizado, conforme exposto na Declaração de
Hamburgo, Art. III, publicado pela UNESCO em 1997:
A educação de adultos inclui a educação formal, a educação não formal e o espectro da aprendizagem informal e incidental disponível numa sociedade multicultural, onde os estudos baseados na teoria e na prática devem ser reconhecidos. [...]. Engloba todo o processo de aprendizagem formal ou informal, onde as pessoas [...] desenvolvem suas habilidades, enriquecem seu conhecimento e aperfeiçoam suas qualificações técnicas e profissionais, direcionando-as para a satisfação de suas necessidades e as de sua sociedade. (UNESCO, 1977, apud CUNHA JÚNIOR e ARAÚJO, 2013, p.120).
2.3 Letramento e Alfabetização
Segundo Soares (2000), letramento é o conjunto de
práticas sociais mediadas pela leitura e/ou escrita, realizada
por indivíduos inseridos em sociedades letradas.
Comumente ocorrem dúvidas quanto aos conceitos de
alfabetização e letramento, por isso, torna-se importante
esclarecê-los.
Enquanto o alfabetismo focaliza o individual e as
capacidades e competências (cognitivas e linguísticas)
técnicas e escolares de leitura e escrita, o letramento baseia-
se nos usos e nas práticas sociais da linguagem, valorizados
ou não valorizados; locais, universais ou globais;
considerando contextos sociais diversos em uma perspectiva
67
sociológica e antropológica. Logo, o letramento não se
desenvolve em um período demarcado, como a
alfabetização, mas ao longo da vida. Porém, torna-se
importante salientar que alfabetização e letramento são
indissociáveis, conforme nos revela Soares (2000):
Dissociar alfabetização e letramento é um equívoco porque, no quadro das atuais concepções psicológicas, linguísticas e psicolinguísticas de leitura e escrita, a entrada do adulto analfabeto no mundo da escrita ocorre simultaneamente por esses dois processos: pela aquisição do sistema convencional de escrita a alfabetização [grifo da autora] – e pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema em atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a língua escrita o letramento [grifo da autora]. (SOARES, 2000, p. 15)
Assim, deve- se buscar alfabetizar letrando, ou seja,
promover a alfabetização no trabalho com os diferentes
gêneros textuais. É importante que o educador busque
investigar as práticas sociais que permeiam o cotidiano dos
seus educandos e planeje as suas ações objetivando
desenvolver as habilidades de leitura e escrita
contextualizadas com as práticas sociais. Deve também
incentivar os seus educandos a praticá-las de forma ativa,
criativa e autônoma.
Nas discussões atuais sobre o letramento,
investigam-se os “multiletramentos”, partindo do pressuposto
que existem diferentes tipos e graus de letramento e que
estes se relacionam às necessidades e exigências da
68
sociedade e de cada indivíduo no meio social (CHAVES,
2008).
3 O PROGRAMA INTEGRADO DA UFRJ PARA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: UM ESTUDO DE CASO
3.1 Caracterização do Programa
O Programa Integrado da UFRJ para Educação de
Jovens e Adultos, objeto de estudo deste trabalho, foi criado
a partir do reconhecimento do papel da universidade para a
melhoria da qualidade da EJA. A iniciativa partiu da Pró-
Reitoria de Extensão da UFRJ, no ano de 2004, que articulou
as unidades acadêmicas da Faculdade de Educação,
Faculdade de Letras, Instituto de Matemática, Escola de
Educação Física e Desporto e da Escola de Serviço Social,
para iniciar as ações extensionistas nas comunidades do
entorno da Cidade Universitária (RJ).
Desde a sua criação, o Programa trabalha numa
perspectiva interdisciplinar, envolvendo diferentes áreas do
conhecimento, através da intervenção direta no processo de
alfabetização, na formação de professores, no
desenvolvimento físico e sociocultural dos sujeitos
atendidos, fazendo assim a indissociabilidade entre ensino-
pesquisa-extensão.
O objetivo desse Programa de Extensão é contribuir
para o fortalecimento da Educação de Jovens e Adultos no
estado do Rio de Janeiro e oportunizar aos estudantes da
UFRJ atividades extensionistas como previsto no Plano
Nacional de Educação ou Lei 10.172 (BRASIL, 2001), na
diretriz 23, no capítulo sobre a educação superior.
69
O programa é integrado pelos seguintes projetos:
Alfabetização de Jovens e Adultos em Espaços Populares;
Biblioteca Itinerante (incentivo à leitura); Educação Física e
Saúde; Cultural; Formação de Alfabetizadores; além de
atividades de pesquisa desenvolvidas pelo Núcleo de
Pesquisa e Extensão em Educação de Jovens e Adultos
(NUPEEJA), que visam à construção de materiais didáticos
e metodologias dirigidas para esse público específico.
O Programa Integrado, em 2015, atendia nove
turmas, para intervenção e investigação, em diferentes
espaços e localidades, como Ilha do Governador (onde
existem duas turmas), Ramos, Vila do João (Comunidade da
Maré), Baixa do Sapateiro, Cidade Universitária (Vila
Residencial), Parada de Lucas (onde existem duas turmas)
e Nova Holanda.
Neste trabalho, o foco é o projeto de Alfabetização de
Jovens e Adultos. Todas as informações sobre esse
programa de extensão foram coletadas e organizadas com
base nos dados disponibilizados no site Programa de
Inclusão Social da UFRJ (s.d.) e de acordo com Moura
(2013).
3.2 Objetivo geral e procedimentos metodológicos da
pesquisa
Como objetivo geral da pesquisa, caracterizada como
um estudo de caso, buscou-se investigar quais fatores
(extraescolares e intraescolares) mais influenciam no
desenvolvimento do processo de alfabetização, no Programa
Integrado da UFRJ para Educação de Jovens e Adultos, na
visão dos alunos e alfabetizadores.
70
Sendo assim, além da pesquisa bibliográfica e da
documental, foi realizada uma pesquisa de campo, por meio
de entrevistas semiestruturadas, com perguntas abertas e
fechadas (BOGDAN e BIKLEM 1994), gravadas com os
educadores e educandos que participam do Programa.
Os sujeitos da pesquisa pertenciam a cinco turmas;
duas da Ilha do Governador, uma da Maré (Vila do João),
uma da Vila Residencial da UFRJ (Cidade Universitária – Ilha
do Fundão) e uma de Ramos, todas na cidade do Rio de
Janeiro. Optou-se por fazer a entrevista com todos os
educadores. Quanto aos educandos, foram selecionadas,
aleatoriamente, as respostas de dois de cada turma para
análise. Totalizou-se a amostra com 15 participantes (10
alunos e 5 alfabetizadores).
As respostas às entrevistas foram analisadas com
base nas técnicas e procedimentos da Análise do Conteúdo,
de Bardin (1977). De forma mais sintética, foram realizadas
três etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento
dos resultados, inferência e interpretação.
É de suma importância ressaltar que, em todas as
etapas, houve flexibilidade, responsabilidade e zelo na
descrição e execução da análise, preservando a
confiabilidade e a validação dos dados apresentados.
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
4.1 Caracterização do público
Os educandos entrevistados eram majoritariamente
do sexo feminino, apresentavam faixa etária de 30 a 77 anos
e originavam-se de diferentes regiões do Brasil, sendo a
maioria do Nordeste. Quanto à renda, era garantida por
71
trabalhos como autônomos ou com vínculo empregatício,
além do caso dos idosos aposentados e pensionistas.
Os educadores desse Programa eram, em sua
maioria, do sexo feminino, tinham entre 19 e 50 anos e eram
oriundos de diferentes cursos de graduação da UFRJ
(Pedagogia, Ciências Biológicas, Letras e Educação Física).
Eles já atuavam como alfabetizadores há, pelo menos, seis
meses.
5.2 Categorização da entrevista
Os indicadores e as categorias levantados na
entrevista, para posterior análise, são mostrados na tabela 1
e 2.
Tabela 1 – Entrevistas com os educandos
Indicadores Categorias Resultados
Estudo
Estudo anterior
Resposta afirmativa:
➢ Nesta instituição
de ensino: 2
➢ Em outra
instituição: 6
Resposta negativa: Nunca estudaram: 2
Motivação para estudo
Ser alfabetizado: 6 ➢ Inserção na
sociedade: 2
➢ Capacitação
profissional: 2
Apoio familiar Sim: 7 Não: 3
72
Família
Reação dos familiares
➢ Felicidade: 5
➢ Incentivo: 3
➢ Neutralidade: 2
Alfabetizador
Capacitação
Todos os educandos consideraram seus alfabetizadores bem capacitados para lecionar.
Relacionamento
➢ Excelente e bom:
9
➢ Razoável: 1
Interferência do relacionamento no aprendizado
➢ Interfere: 4
➢ Não interfere: 6
Turma
Relacionamento
➢ Excelente e bom:
9
➢ Razoável: 1
Interferência do relacionamento no aprendizado
➢ Interfere: 5
➢ Não interfere: 5
Espaço
Estrutura Física ➢ Excelente e boa:
10
Segurança
➢ Excelente e boa:
8
➢ Ruim: 2
Percurso até a
escola
➢ Bom: 6
➢ Razoável: 3
➢ Ruim: 1
Ajuda ou
prejudica as aulas
Todos os educandos consideraram que ajuda no andamento das aulas.
Educação
Conteúdo curricular
Todos os educandos consideraram que os conteúdos abordados nas aulas
73
auxiliavam na vida diária.
Autoconfiança e autonomia
Todos os educandos consideraram o aumento da autoconfiança e da autonomia por estarem inseridos no processo educativo e, também, nas relações sociais.
Compreensão das mensagens dos meios de comunicação
➢ Sim: 9
➢ Neutro: 1
Saúde Física
Incentivo ao cuidado com a
saúde
➢ Recebe: 5
➢ Não recebe: 5
Prática de atividade física
➢ Pratica: 5
➢ Não pratica: 5
Expectativas
Futuras
Continuidade dos
estudos
➢ Pretende
continuar: 7
➢ Não pretende: 2
➢ Não soube
responder: 1
Tabela 2 – Entrevistas com os educadores
Indicadores Categorias Resultados
Programa
Conhecimento anterior da proposta
pedagógica
➢ Conhecia :1 ➢ Não conhecia:
4
Motivação para
participar
➢ Projeto social: 1 ➢ Temática da
EJA: 4
74
Habilidade
Todos os educadores consideraram-se capacitados para exercer sua função.
Educando
Motivação para estudar
➢ Autonomia quanto à escrita, leitura e códigos: 3 ➢ Escrever uma carta para a família: 1
➢ Aprender :1
Motivação familiar ➢ Com apoio, o
educando tem mais vontade de aprender: 3
➢ Interferência negativa: 2
Relacionamento
➢ Excelente: 4 ➢ Bom: 1 ➢
Turma
Relacionamento entre os alunos
➢ Excelente: 3 ➢ Bom: 2
Interferência do relacionamento
no processo educativo
➢ Sim: 4
➢ Não: 1
Espaço Externo
Estrutura Física ➢ Excelente: 3
➢ Boa: 2 Segurança ➢ Excelente: 3
➢ Boa: 2 Percurso até a
escola
➢ Excelente: 1 ➢ Bom: 2 ➢ Razoável
Interferência de fatores no processo educativo
Todos os educadores responderam que os fatores relativos ao espaço podem
75
interferir no processo educativo.
Vivência de situação de Insegurança
➢ Sim: 1 ➢ Não: 4
Espaço Interno
Interferência no planejamento
➢ Sim: 3 ➢ Não: 2
Educação
Autoconfiança e autonomia
Todos os educadores reconhecem o aumento da autoconfiança e da autonomia por parte dos educandos por estarem inseridos no processo educativo.
Autoconfiança e autonomia nas relações sociais
➢ Sim: 4 ➢ Não: 1
Conteúdo curricular e sua utilidade para o cotidiano do educando
Todos os educadores responderam que o conteúdo ensinado nas aulas auxiliava na vida diária dos educandos.
5.3 Análise das categorias
5.3.1 Os educandos
Na entrevista com os educandos, foi constatado que
a maioria já havia frequentado outras instituições de ensino
(6), dois voltaram a participar do programa e dois nunca
76
tinham frequentado anteriormente alguma instituição. Esse
dado confirmou que houve a saída e o posterior retorno da
maior parte dos educandos para o ambiente escolar.
Segundo Ajala (2011), vários estudos relatam que
um dos principais fatores que levam ao abandono escolar é
a necessidade do trabalho fora de casa. Isso remete a outro
possível problema: o trabalho infantil.
Naiff Miguez e Naiff Monteiro (2008), com base em
uma pesquisa, também destacam que os resultados
encontrados apontam para a necessidade de obter renda,
para contribuir com a família, como a principal justificativa
para os educandos terem deixado de estudar.
Em relação à motivação para o estudo, a maioria
respondeu que ansiava por aprender mais, ler e falar melhor,
buscar uma atualização, sair de casa e ter a leitura como um
instrumento para auxiliar no trabalho. Assim, percebemos a
importância do estudo para os educandos e as suas
expectativas educacionais, como aprender, ler e falar
melhor, além de utilizar os conhecimentos no trabalho e ter
um maior convívio social (quando o educando relatava que
estudava para ter um motivo de sair de casa).
O reconhecimento da necessidade do estudo foi um
fator apontado por Oliveira (2011) como motivação para o
ingresso e a permanência dos educandos no ambiente
escolar.
Naiff Miguez e Naiff Monteiro (2008) citaram os
elementos motivadores apontados pelos educandos por eles
pesquisados: inserção no mercado de trabalho, um futuro
melhor, maior aprendizado e importância do conhecimento,
também identificados nesta pesquisa.
Quanto à família, a maioria dos educandos tinha
apoio de seus familiares; apenas três relataram não tê-lo.
77
Quando questionados sobre a reação da família ao iniciarem
os estudos, a maioria contou que a família ficou feliz e deu
incentivo.
Os educandos adultos que têm o apoio da família
sentem-se mais seguros. No entanto, aqueles que não têm
esse apoio podem, em muitos casos, também se
desenvolverem bem, porque, por terem renda própria, não
são dependentes economicamente de seus familiares, como
acontece com crianças.
Ao analisarem a atuação didática e pedagógica dos
alfabetizadores, todos os educandos consideraram-nos bem
capacitados, e o relacionamento professor-aluno foi avaliado
como excelente pela maioria.
Quanto à interferência do relacionamento com o
alfabetizador na aprendizagem, a maioria considerou que
não acontece. É provável que isso se deva ao fato de os
educandos reconhecerem-se como protagonistas, ou seja,
responsáveis e autônomos também no processo ensino-
aprendizado.
Quando o aluno se vê como parte desse processo,
ciente de que a responsabilidade não é só do professor, está
em consonância com o que propõe a andragogia, para a qual
a aprendizagem é de responsabilidade compartilhada entre
professor e aluno.
A figura do educador concretiza-se na paciência, no
cuidado no preparo das aulas, no tratamento e no incentivo
ao educando. Cabe ao educador, como papel fundamental,
conforme as sábias palavras freiriana, “[...] contribuir
positivamente para que o educando vá sendo o artífice de
sua formação [...].” (FREIRE, 2013, p. 68). E, como dito por
Cunha Júnior e Araújo (2013), o professor é o facilitador
nesse processo.
78
A paciência torna-se muito necessária, porque os
educandos fazem muitas perguntas ao estarem à vontade
com o educador; algumas vezes, é preciso explicar várias
vezes o conteúdo até que o compreendam. É também
essencial o respeito ao tempo de aprendizado do aluno,
avaliando-o e incentivando seus progressos durante todo o
processo educativo.
Quanto ao relacionamento social com os colegas de
turma, a maioria considerou bom. Sobre a interferência do
relacionamento com os colegas no processo de
aprendizagem, as opiniões ficaram divididas igualmente:
50% acreditavam existe e 50% responderam que não ocorre.
Na avaliação sobre a estrutura física e a segurança
na instituição de ensino e a segurança até o local (do
deslocamento da casa/trabalho até o espaço da aula), a
maioria considerou-as boas.
Sobre o fator espaço, quanto a ajudar ou prejudicar
no andamento das aulas, todos os educandos responderam
que ajudava, uma vez que as aulas, em sua maioria, eram
ministradas em lugares de fácil acesso, que ofereciam as
condições básicas para um favorável desenvolvimento do
processo educativo, como salas espaçosas com carteiras,
bem ventiladas – algumas com ar-condicionado – quadro
branco/negro, etc.
Assim, quanto à interferência dos fatores
intraescolares relativos à estrutura física e à segurança na
instituição, corroboramos com Dourado, Oliveira e Santos
(2007) sobre a existência de um ambiente escolar adequado
ser diretamente relacionada ao desempenho dos
estudantes. Logo, no caso dos espaços do Programa, essa
interferência era positiva, mas, segundo opinião dos
79
educandos, caso as condições fossem diferentes, haveria
prejuízo no processo educativo.
Quando se questionou aos alunos se haviam
vivenciado alguma situação de insegurança para ir à aula, a
maioria respondeu que não. As respostas afirmativas
disseram respeito à ocorrência de tiroteio em uma
comunidade do Rio de Janeiro; situação vivida por alguns
educandos da turma localizada nessa região.
Essa pergunta também despertou, em uma aluna,
uma grande emoção (chorou bastante). Ela acabou
contando a triste situação vivida no período de sua infância
e adolescência, como podemos ver na transcrição abaixo:
Eu já. Porque eu queria estudar e eles não deixavam, onde eu fui criada, fui estudar com mais idade. (Nesta parte a entrevistada se emociona). Eu dizia que queria estudar e eles falavam para que que eu queria estudar. Eu fui criada por um pessoal, eu sofria muito, porque minha mãe era dessas pessoas assim que achavam que todo mundo é bom, trata a gente bem, é bom, mas eu sofri muito nesta casa. Mas eu não falava nada não, porque ela achava que eles eram os meus pais adotivos e gostavam de mim. Aí eles não deixavam eu estudar, não deixavam eu fazer nada, até que um dia eu fugi, com 15 anos, e eu fui para esta casa com 8 anos. Eu comecei a estudar já com 10 anos de idade, era escola e eu continuei até a 4ª série. (MDS, 53 anos)
Percebemos, ao analisar esse relato, que mesmo não
sendo a intenção da pergunta, esta despertou a recordação
do passado pela educanda. Isto demonstra a importância de
80
o educador ter sensibilidade para com os seus alunos, que
geralmente trazem consigo muitas histórias de vida, que
devem ser valorizadas. Ao escutar, o professor afina a
relação de confiança com o seu alunado. E, mais uma vez, é
evidenciada a importância do diálogo, permitindo ao
educador descobrir, segundo Freire (2013, p. 111), que
ensinar exige saber escutar, pois “é escutando que
aprendemos a falar com eles. Somente quem escuta
pacientemente e criticamente o outro fala com ele.” [grifo do
autor].
Os conteúdos abordados nas aulas devem auxiliar a
vida diária dos educandos. Esta é uma das premissas da
pedagogia freiriana. Esse tema foi também fez parte de um
dos questionamentos da entrevista. Todos os educandos
reconheceram a ajuda desses conteúdos nas suas vidas e
mencionaram o auxílio no trabalho (como na leitura de uma
planta de obra, a produção de uma lista de material); na
escrita, tornando a letra mais legível; na leitura em situações
diárias (esta foi uma situação muito citada), como ler os
nomes dos produtos no supermercado, observar a data de
validade, pesquisar os preços, ler placas de rua e de ônibus.
O conteúdo de matemática auxilia a fazer contas, cultivar
uma horta, tirar os documentos e também a melhorar o
convívio social.
Essas situações estão em consonância com a prática
do letramento, conforme descrita por Soares (2000). O
educador deve buscar investigar as práticas sociais que
permeiam o cotidiano dos seus educandos, planejando as
suas ações com o objetivo de ensinar a usualidade da
linguagem escrita e das habilidades de leitura,
contextualizadas com essas práticas.
81
Aos educandos foi interrogado sobre o aumento de
sua autoconfiança e autonomia, pelo fato de estarem
estudando, nas relações com os familiares e amigos. Todos
consideraram que houve um aumento, porque se sentiam
mais seguros; a família também os apoiava e incentivava;
além disso, os colegas de turma e a professora eram como
uma família.
Mas um dos entrevistados relatou que alguns
familiares e amigos os desmotivava, comentando que, pela
idade, ele não aprenderia mais, que já havia passado o
tempo. Felizmente, ele considerava isso “bobeira” por parte
deles. O fato de estar na escola deixava-o mais
autoconfiante, mesmo diante do cansaço por trabalhar em
“obra” (construção civil). Ele superava tudo e estava
conseguindo se alfabetizar.
Esses dados reforçam a tese de Poncio (2010) que a
relação entre o educando e sua família pode acontecer de
várias formas e graus de intensidade devido aos diversos
fatores presentes no contexto familiar. Logo, como
observado nos depoimentos, os educandos podem ter o
apoio da família, ou a indiferença dela, cabendo ao
educando, em alguns casos, se “automotivar”.
Há também aumento da autoconfiança e da
autonomia na relação com os companheiros de trabalho.
Alguns alunos mencionaram que, por participarem do
Projeto, estavam falando melhor; ficaram mais educados,
mais sábios, a par de tudo que acontecia na sociedade e, por
isso, mereciam mais o respeito das outras pessoas. Alguns,
inclusive, declararam que se sentiam percebidos pelos
demais. Os trechos das entrevistas abaixo comprovam
essas percepções:
82
Quando a gente não sabe nada, a pessoa é apagada, vê um número, o nome de uma rua, não sabe o nome do ônibus, é muito ruim, eu já passei por isso. E agora não tem mais nada disso. (SSC, 72 anos) Me sinto mais gente, me sinto bem, dá a sensação que a gente tá mais vista pelas pessoas, né? ( LFG, 58 anos)
Convém ressaltar que todos os educandos
entrevistados eram autônomos financeiramente, por
trabalharem ou serem aposentados, mas o não domínio da
escrita e da leitura fazia-os dependentes, de determinada
forma, de terceiros, como familiares e amigos
Foi questionado se o fato de estarem estudando
auxiliava na compreensão das mensagens mostradas pelos
meios de comunicação, e a maioria respondeu
afirmativamente.
Quanto ao incentivo à prática de atividade física, 50%
disseram receber, e os outros 50% não receber. Estes
últimos justificaram que tinham “preguiça” ou que já faziam
muitas atividades em casa ou no trabalho. Todos que
participam do Programa Integrado da UFRJ para Educação
de Jovens e Adultos têm aulas em que se desenvolvem
atividades e práticas pedagógicas voltadas para a saúde
(Projeto de Educação Física e Saúde). O intuito dessas aulas
é conscientizar os educandos, a partir de variadas temáticas,
sobre questões referentes à saúde; e, normalmente, eles
gostam muito das atividades.
Outro aspecto relevante abordado na entrevista foi a
continuidade dos estudos após a conclusão do processo de
alfabetização. A maioria respondeu afirmativamente quanto
ao desejo de prosseguir os estudos.
83
Para os educandos entrevistados, estudar é útil
também para uma pessoa mais velha, pois proporciona a
aquisição de novos conhecimentos, auxilia no
desenvolvimento mental, além de melhorar o convívio social.
O único fator que poderia vir a atrapalhar a continuidade dos
estudos seriam os problemas de memória.
As impressões dos educandos aferidas na pesquisa
ratificam os dados encontrados por Oliveira (2011):
[...] em síntese, as pesquisas estão nos mostrando que há marcadamente a presença de um aspecto prático – para que serve o aprendizado – em relação à permanência dos estudantes da EJA no ambiente escolar. Mas há também a prevalência de um aspecto relacional/subjetivo marcante da relação com o conhecimento, seja com a família, com o trabalho ou com a instituição religiosa. (OLIVEIRA, 2011, p. 38)
Para Oliveira4 (1999, apud CRUZ e VIANA, 2014, p.
8), os sujeitos que conseguem permanecer/continuar na
escola, dentre outros motivos, fazem-no em razão da relação
diferenciada que possuem com o saber e com a escola:
[...] construir trajetórias ininterruptas na
Educação de Jovens e Adultos requer
dos/as referidos/as estudantes a
apropriação de diversificadas
estratégias, tanto no que diz respeito à
4 OLIVEIRA, Marta Kohl. Jovens e Adultos como sujeitos de
conhecimento e aprendizagem. Revista Brasileira de Educação, n. 12, p. 59-73, set-dez. 1999.
84
busca pela superação das dificuldades
intraescolares [...] como extraescolar,
tendo em vista as adversidades impostas
pela vida cotidiana. (OLIVEIRA, 1999,
apud CRUZ e VIANA, 2014, p. 8)
5.3.2 Os educadores
Ao analisarmos as respostas dos educadores,
soubemos que a motivação para participarem do Programa
Integrado da UFRJ para Educação de Jovens e Adultos foi,
em geral, o interesse por essa modalidade de ensino. Ao
ingressar no Programa, a maioria dos educadores não
conhecia a proposta dele, mas mesmo estes sentiram-se
incentivados a participar devido ao público envolvido.
Ao serem questionados quanto à habilidade para
desenvolver as ações do Programa, todos os educadores
consideraram-se capacitados, justificando que faziam
pesquisas, buscavam orientações com outros professores,
satisfaziam os objetivos dos alunos, motivava-os,
preparavam as aulas e analisavam as necessidades deles.
Também destacaram que as práticas do dia a dia lhes
possibilitavam tornar-se mais experientes na docência,
desenvolvendo melhor suas próprias capacidades.
Ao relatarem a motivação dos alunos para estudar,
houve respostas como a busca da autonomia e
independência quanto à escrita, à leitura e aos códigos; o
desejo de escrever uma carta para a família e se sentirem
bem consigo mesmo; além do desejo de aprender.
Quanto ao relacionamento com os seus
alfabetizandos, a maioria dos educadores considerava-o
excelente, pois incentivava seus alunos e elogiava-os,
85
deixando-os mais animados. Os alfabetizadores também
achavam importante o diálogo, a explanação clara e a
relação de confiança para que os educandos pudessem tirar
suas dúvidas. Essa postura dos educadores retrata aspectos
destacados por Paulo Freire (2013), como a importância do
diálogo, da troca de conhecimentos e do incentivo à
autonomia dos educandos.
Freire (2011) ressalta:
[...] não há outro caminho senão o da
prática de uma pedagogia
humanizadora, em que a liderança
revolucionária, em lugar de se sobrepor
aos oprimidos e continuar mantendo-os
como quase coisas, com eles
estabelecem uma relação dialógica
permanente. (FREIRE, 2011, p. 77)
Sobre o relacionamento entre os alfabetizandos, a
maioria dos entrevistados considerou-o excelente, devido à
amizade, ao companheirismo e à ajuda mútua, mas também
se mencionaram problemas de relacionamento entre alguns
alunos.
Outro fator importante apontado foi o incentivo entre
os educandos, conforme descrito neste relato:
O aluno que está em processo mais inicial de alfabetização percebe o outro mais avançado e fica envergonhado, mas o mais avançado elogia ao outro e o mesmo empenha-se para poder aprender. (RF, 24 anos)
Assim, o apoio, o respeito e a ajuda mútua revelaram-
se como elementos positivos no desenvolvimento do
86
processo educativo, mesmo diante de conflitos de
relacionamento, comuns nos meios sociais.
Quanto à participação e à motivação da família, a
maioria relatou que, com o apoio da família, o aluno tem mais
vontade de aprender e mais confiança; apresenta um
interesse maior pelos estudos. Quando não ocorre esse
apoio, o educando chega ao ambiente escolar desmotivado,
o que dificulta o processo educativo. Um dos alfabetizadores
confirmou essa interferência negativa, relatando um episódio
no qual um aluno sofreu uma humilhação na família e, por
isso, regrediu na aprendizagem.
Outro aspecto destacado nas entrevistas foi a
questão econômica. Devido ao fato de precisar trabalhar
para ajudar financeiramente a família, o educando tende a
ter dificuldades de ir às aulas. Assim, podemos perceber que
fatores extraescolares como a família e as condições
econômicas podem interferir, conforme apresentado por
Dourado, Oliveira e Santos (2007), tanto positiva quanto
negativamente no processo educativo.
A estrutura física das salas de aulas, que são espaços
cedidos de forma gratuita, como por exemplo, por ONGs
(Organizações não governamentais), igrejas, projetos
sociais, foi considerada entre excelente (a maioria) e boa por
parte dos educadores. Quanto à interferência de fatores
relativos à estrutura do espaço e à sua organização, todos
os entrevistados responderam que havia essa interferência,
justificando que, quando a sala não é bem equipada e não
oferece uma estrutura básica, ocorre prejuízo ao rendimento
dos alunos, até mesmo devido às sensações térmicas
desconfortáveis (frio ou calor excessivo), que atrapalham a
concentração.
87
Logo, podemos constatar que existe a interferência
desses fatores intraescolares no processo educativo,
conforme identificou o estudo de Dourado e Oliveira (2009) e
de Oliveira (2011). Este concluiu que as condições de
funcionamento da turma são aspectos diferenciais e
determinantes para o acesso aos estudos e a permanência
dos estudantes no ambiente escolar.
A segurança nesses espaços também foi vista como
excelente ou boa, mas a segurança até o espaço de aula (da
sede do Programa até a sala de aula) foi considerada entre
boa e razoável, uma vez que existe o movimento de
circulação dentro da comunidade. Os educadores foram
questionados se já haviam vivenciado alguma situação de
insegurança no trajeto para o espaço, e a maioria respondeu
negativamente, porém, o educador que atuava em uma
turma localizada dentro de uma comunidade considerada de
risco pelas autoridades narrou que já fora abordado por um
integrante do tráfico de drogas da região, que questionou
quem era e sua intenção naquele lugar.
Os alfabetizadores relataram que a insegurança
gerava medo nos educandos e, por isso, eles ficavam com
receio de ir à aula. Essa insegurança interferia na
concentração, porque o aluno ficava preocupado com o que
estava acontecendo na comunidade. Foi citado por um
professor o fato de uma aluna trocar de turma porque se
sentia muito insegura na que estava.
Portanto, a interferência negativa do fator
extraescolar insegurança foi confirmada pela maioria dos
educadores, com exceção de um, que justificou que, no caso
da turma em que atuava, não havia insegurança. No entanto,
ele concordou que, se existisse, poderia atrapalhar o
processo ensino-aprendizado.
88
Quanto à interferência de outros fatores externos no
planejamento das aulas, dois educadores responderam
negativamente, justificando que, nas suas turmas, não
ocorriam. Os que responderam afirmativamente
apresentaram os seguintes fatos: um confronto em uma
comunidade próxima à sala de aula; o espaço da turma que
foi ocupado; e o episódio no qual um rapaz do tráfico apontou
uma arma para uma aluna, que ficou muito irritada. Esse
último acontecimento provocou um debate na sala,
interferindo na execução do planejamento daquela aula.
Outro dado apontado na entrevista, apresentado por
um professor de uma turma localizada numa comunidade em
situação de risco, referia-se ao caso de determinadas aulas,
ao longo do ano, terem sido canceladas por motivo de
segurança, para preservar a integridade física do educador e
dos educandos. Nessa comunidade, eram comuns trocas de
tiros, invasões, confronto entre policiais e traficantes.
Muitas vezes, próximo ao horário de início da aula, o
responsável pelo espaço das aulas entrou em contato com o
educador, informando-lhe que, devido a atos de violência no
entorno, fecharia esse espaço. Deve-se destacar que a
coordenação do Programa se mantinha alerta a notícias da
comunidade para garantir a segurança dos extensionistas
(os alfabetizadores) e dos educandos.
Assim, essas ocorrências acabavam por deixar os
alunos desestimulados pela interferência direta nas aulas e
“quebra” no processo de aprendizado. Os educandos, em
geral, tinham anseio muito grande pelo saber, desejando
recuperar o tempo em que não puderam estudar, e queriam
aprender logo. Segundo relato do professor da turma da
comunidade em situação de risco, os alunos ficavam tristes
89
e reclamavam muito quanto à falta das aulas, porque
gostavam de estudar.
Esses fatores externos interferem negativamente
uma vez que desmotivam os educandos e o educador, cujo
planejamento acaba não sendo posto em prática conforme o
esperado, frustrando a todos. Convém ressaltar que, ao
longo das aulas, o professor era orientado a estar em
constante diálogo com a turma no intuito de incentivá-la a
não desistir, mesmo diante das dificuldades.
Quanto à interferência de fatores internos no
planejamento e desenvolvimento das aulas, dois educadores
responderam negativamente, alegando que, nas suas
turmas, não tinha havido nenhuma forma de interferência. Os
demais educadores responderam afirmativamente,
apontando os seguintes fatos: problemas no fornecimento de
luz elétrica e no relacionamento entre os alunos. Esses fatos
ocorreram poucas vezes, logo, não houve maior prejuízo ao
processo educativo.
Os alfabetizadores também foram questionados
sobre as relações de autoconfiança e autonomia alcançadas
pelos educandos, em suas ações cotidianas, por estarem
estudando. Todos responderam que ocorriam essas
relações, apresentando as mais diversas justificativas, todas
positivas, como nesta fala:
Isso mostra para eles que são capazes, e eles se sentem sim mais confiantes e seguros. A maioria se sente melhor, muitos dizem que a vida melhorou bastante depois que começou a estudar; a ida ao mercado passou a ser mais fácil. (LM, 50 anos)
90
A influência quanto à autoconfiança e à autonomia
nas relações com os familiares e amigos também foi
questionada. Apenas um alfabetizador respondeu
negativamente, alegando o seguinte:
Talvez com as pessoas mais próximas nem tanto. Por serem pessoas que conhecem muito bem eles, pode ocorrer algum tipo de pressão. Talvez o aluno se sinta um pouco pressionado de conseguir se virar sozinho; assim, na frente deles, pode ser que, entre familiares e amigos, não seja a mesma coisa. Eu tenho uma aluna que já contou que o marido dela perguntou (ela já está mais avançada, se comparar quando ela entrou), e ele perguntou a ela se sabia ler e botou um texto na frente dela e, por ser ele, ela acabou travando e não conseguiu desenvolver. Se fosse uma pessoa desconhecida, talvez ela não se sentisse tão pressionada a ler corretamente. (CAD, 19 anos)
Em relação aos conteúdos desenvolvidos em sala de
aula e ao auxílio deles na vida do educando, todos os
educadores responderam que há esse auxílio, concluindo
isto através dos seguintes casos: as aulas sobre
medicamentos, porque era um conteúdo que alguns
educandos não conheciam; a explicação sobre fenômenos
naturais, sua real causa em oposição a determinadas
explicações por meios religiosos; o trabalho pedagógico
baseado no cotidiano dos educandos, como a ida ao
mercado; as aulas de matemática (o troco, os números
romanos) e as atividades com a palavra geradora “validade”
(o educador relatou também a emoção de uma aluna ao ler
91
a palavra “validade” de forma autônoma em um saco de
feijão).
Nas práticas desses educadores, ressalta-se a suma
importância de um ensino atrelado ao cotidiano do educando,
a abordagem de conteúdos mais atrativos e úteis na vida
dele. Dessa forma, Da Silva5, 2010, apud Oliveira 2011,
evidencia uma “tensão na relação ensino- aprendizagem”,
que, segundo Oliveira,
[...] envolve a vida cotidiana dos/as educandos/as com suas experiências e o atendimento às demandas da educação escolar, abarcando o ensino da leitura e da escrita aliado aos conhecimentos que os/as educandos/as já adquiriram ao longo da vida. (OLIVEIRA, 2011, p. 124 )
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho, defendemos, inicialmente, que
precisamos, conforme exposto por Gadotti (2014), lutar por
uma nova política educacional para a EJA, baseada nos
princípios da educação popular, que se realiza na gestão
democrática, na organização popular, na participação
cidadã, na conscientização, no diálogo, no respeito à
diversidade, na cultura popular, no conhecimento crítico e em
uma perspectiva emancipatória da Educação.
5 DA SILVA, Saly. As práticas de alfabetização e letramento de egressos do Programa Brasil Alfabetizado e seus significados para os sujeitos: uma experiência na rede municipal de educação de Belo Horizonte – o Projeto EJA/BH. 2010. 123f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Departamento de Educação, Universidade Federal de São João Del Rei, São João Del Rei, 2010.
92
Destacamos, em seguida, a importância de o
educador investigar as práticas sociais que permeiam o
cotidiano dos seus educandos, planejando as ações
pedagógicas no intuito de desenvolver as habilidades de
leitura e escrita contextualizadas com essas práticas sociais,
além de incentivá-los a utilizá-las de forma ativa, criativa e
autônoma.
Para atender o objetivo geral da pesquisa,
investigamos os fatores intra e extraescolares que podem
influenciar no processo de alfabetização, positiva ou
negativamente, no contexto do Programa Integrado da UFRJ
para Educação de Jovens e Adultos, na visão de educadores
e educandos.
Um dado muito relevante identificado na pesquisa foi
a opinião de quase todos os entrevistados (educandos e
educadores) que ocorre o aumento da autoconfiança e da
autonomia, nas ações diárias e nas relações sociais, como
consequência do processo educativo.
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96
A INTERCULTURALIDADE NA NOVA EJA:
por uma sociedade mais democrática e cidadã ?
Danielle Alves da Silva Figueiredo1
Orientadora: Profª Drª Claudia de Souza Teixeira Coorientadora: Profª Ma. Graça Helena Silva de Souza
1 INTRODUÇÃO
A educação de jovens e adultos (EJA), como
modalidade de ensino, foi implantada com o objetivo de
promover e garantir o acesso à Educação Básica (ensino
fundamental e médio) para as pessoas que, por diversos
motivos, não o tiveram durante o período de suas vidas
reconhecido como apropriado. A EJA deve realizar, através
de suas diferentes etapas, as funções reparadora,
equalizadora e qualificadora (BRASIL, 2000) no que
concerne à garantia do direito à educação de jovens, adultos
e idosos, considerando os aspectos históricos e
socioculturais nos quais estão inseridos.
A função reparadora, que parte do reconhecimento
da igualdade ontológica de todo ser humano, envolve a
restauração do direito à educação. Essa função abarca
necessariamente o desenvolvimento de estratégias
pedagógicas que possam criar oportunidades concretas de
ingresso e permanência dos jovens e adultos na escola
desde a alfabetização até o ensino médio.
1 Graduada em Pedagogia (UERJ). Membro da organização Braz-TESOL (Associação internacional formada por professores brasileiros do idioma Inglês). Pós-graduada em EJA. Professora de Inglês e Espanhol.
97
A função equalizadora busca a continuidade da
educação escolar e profissional, com crescentes
oportunidades educacionais que possibilitem a jovens e
adultos trabalhadores consolidar novas e melhores
condições na vida social e no mundo do trabalho.
A função qualificadora representa o próprio sentido
da EJA. É a atualização dos conhecimentos ao longo da
vida. Parte do princípio da incompletude do ser humano e da
permanente possibilidade de desenvolver potencialidades
desconhecidas ou adormecidas.
Esses aspectos permeiam as interações na EJA, e a
atenção para com eles se faz necessária para o bom
desenvolvimento das relações educacionais, sociais e
políticas verdadeiramente humanizadas na sociedade
brasileira.
O presente artigo foi produzido a partir de uma
pesquisa documental. Debruçou-se sobre o documento
oficial que orienta a educação de jovens e adultos na rede
estadual do Rio de Janeiro: o Manual de Orientações "Nova
EJA", desenvolvido pela Secretaria Estadual de Educação
do Rio de Janeiro (SEEDUC-RJ), cuja competência
prioritária, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (BRASIL, 1996), é ofertar o ensino médio.
Este trabalho tem o interesse de apresentar e
analisar a proposta do referido Manual em seu aspecto
curricular, refletindo sobre ele. Ao mesmo tempo, faz a
defesa de uma EJA em que questões interculturais estejam
presentes como princípio educativo orientador. Acredita-se
que, dessa forma, seus alunos/as e professores/as podem
reelaborar modos de ser e de conviver na escola e na
sociedade.
98
Na perspectiva do “pluralismo cultural”2, entendemos
os princípios da interculturalidade como um avanço para
campo de estudos da EJA, pois o multiculturalismo, ao longo
dos anos, não conseguiu promover a plena diversidade
cultural, tendendo a promover a simples aceitação da cultura
do outro, porém mantendo uma posição de hegemonia de
um mesmo sobre os demais. Segundo Candau:
A interculturalidade orienta processos que têm por base o reconhecimento do direito à diferença e à luta contra todas as formas de discriminação e desigualdade social. Tenta promover relações dialógicas e igualitárias entre pessoas e grupos que pertencem a universos culturais diferentes, trabalhando os conflitos inerentes a esta realidade. Não ignora as relações de poder presentes nas relações sociais e interpessoais. Reconhece e assume os conflitos, procurando as estratégias mais adequadas para enfrentá-los. (CANDAU, 2005, p. 19).
Cabe dizer, ainda, que o interesse da autora deste
trabalho pelo tema origina-se na experiência na escola
pública básica, na Universidade e na vida mais ampla em
sociedade. Nelas, observou o quanto as relações, na
dimensão da cultura, concorrem para produção das
desigualdades sociais e educacionais.
2 Conceito que conota, em primeiro lugar, a presença, coexistência ou simultaneidade de populações com culturas distintas em um determinado âmbito ou espaço territorial ou social. (ROMERO, 2003)
99
A educação de jovens e adultos visa contribuir para
a promoção da cidadania e o empoderamento de seus
educandos. Através de seus diferentes papéis sociais, na
família, no trabalho, na comunidade, eles podem levar seus
conhecimentos e habilidades adquiridos no ambiente
escolar, ensejando mudanças positivas, previsíveis e
imprevisíveis.
Jovens, adultos e idosos de diferentes matrizes
religiosas, etnias (e aqui vale lembrar que “étnico” na
perspectiva eurocêntrica é sempre o Outro), faixas etárias,
níveis sociais, origens geográficas, como sujeitos da EJA,
podem provocar desenvolvimento em seus grupos de
convívio, com seus novos saberes e conhecimentos, formais
e relacionais. Assim, participam plenamente da construção
de uma sociedade cada vez mais democrática, cidadã e,
consequentemente, menos desigual.
Consideramos que a Educação possui múltiplas
dimensões e que, na sociedade contemporânea, três
assumem posição de destaque: a escolarização básica, em
seus diferentes níveis; a qualificação para o mundo do
trabalho e as atividades relacionadas ao exercício de uma
cidadania mais substantiva e participativa (BRASIL, 1996).
Atualmente, a relação entre o conhecimento e o
acesso ao trabalho é pautada pela complexa conjuntura da
reestruturação produtiva, pela automação e pela hegemonia
do mercado sobre o estado e a sociedade. Contudo, isso
não implica necessariamente rendição aos parâmetros
exclusivos do mercado (SODRÉ, 2012); pelo contrário,
demanda a defesa de competências e valores
indiscutivelmente humanizadores para a orientação e
desenvolvimento da educação de jovens e adultos.
100
A reflexão, neste trabalho, sobre a proposta
curricular da "Nova EJA" tem o objetivo de propor, ainda que
sucintamente, uma educação intercultural, ou seja,
considerando a interculturalidade como promissor princípio
educativo norteador.
2 O PLURARISMO CULTURAL EM XEQUE NO
CONTEXTO NEOLIBERAL
O mundo atual vive o colapso provocado pelas
intensas transformações sociais, produtivas e políticas, em
curso desde os anos 70, e que afetam todos os setores da
sociedade, incluindo a educação, como não poderia deixar
de ser. Observamos um panorama de desigualdade social
crônica, em que uma pequena parcela da população acessa
e detém bens econômicos, sociais e educacionais, além de
recursos ambientais, mas a grande maioria vive à margem
desses recursos, sofrendo as consequências do
gerenciamento seletivo e egoísta dos mesmos.
A afirmação de identidades religiosas, étnicas, de
gênero, de padrões sócio-econômico-culturais vem sendo
realizada por meio de conflitos, disputas, perseguições,
movimentos de suspensão de direitos e exclusão.
O neoliberalismo, como construção hegemônica,
avança na proporção da crise que atinge o modelo de bem-
estar social, que, diga-se de passagem, nunca conseguimos
consolidar entre nós. Do ponto de vista neoliberal, a crise
dos sistemas educacionais refere-se à eficiência, eficácia e
produtividade. Uma crise de qualidade resultante da
improdutividade da gestão e das práticas pedagógicas
presentes nas redes/escolas (GENTILI,1999). Nesse
101
cenário, em detrimento da afirmação crescente de direitos
amplos e plurais, os neoliberais buscam afirmar dispositivos
meritocráticos.
O Brasil está inserido nesse contexto de globalização
hegemônica (supremacia dos interesses das elites,
corporações e mercado), e a educação é chamada a
desempenhar um papel de extrema importância para a
condução do processo educacional da sociedade, para que
esta se torne mais democrática e justa.
No entanto, em relação à EJA, ela vive o conflito
entre o que necessita ser e o que continua sendo, ainda
tensionada por relações desiguais e assimétricas de poder;
pois a história oficial dessa modalidade de ensino se
confunde com a história do lugar social reservado aos
setores populares. É fruto do trato dado pelas elites aos
adultos populares e trabalhadores/as (ARROYO, 2006).
Segundo Santos (2003), a construção do Estado
contemporâneo e do seu entendimento a respeito dos
direitos dos cidadãos foi marcada pelo individualismo
jurídico ou pela supremacia do direito individual, em
detrimento do direito coletivo, a favor das elites.
O colonialismo mercantilista foi marcado pela
exploração, assujeitamento e aniquilamento de povos
minoritários. Os europeus possuíam o domínio da ciência e
a usavam de forma abusiva para expandir territórios e
dominar povos através de incontáveis estratégias.
Os povos europeus que se afirmaram nos processos
de colonização escravizaram os povos africanos e
indígenas, forçando sua cristianização e o uso (abuso) de
sua vitalidade como força de trabalho escravo. Para os que
ofereciam resistência a essas condições, era destinada a
tortura, a morte ou a difícil fuga e reorganização.
102
A colonização dos povos foi marcada pela submissão
e subjugação (nunca absolutas) em relação aos
colonizadores europeus. Uma história marcada pela
distância de um Estado de direitos, naturalizando a
afirmação de privilégios. De acordo com Santos (2003),
[...] o Estado Nacional e seu direito individualista negou aos agrupamentos humanos minoritários qualquer direito coletivo, fazendo valer apenas seus direitos individuais, cristalizados na propriedade. (SANTOS, 2003, p.77)
Segundo Freire (1970), esse processo de
desumanização não deve ser visto como vocação histórica;
caso contrário, não haverá mais pelo que e por quem lutar.
É um fato concreto na história, não sendo, porém, destino
dado, e sim, resultado de uma ordem injusta que gera a
violência dos opressores contra os oprimidos.
Por não estar à margem do processo da dinâmica
histórica, em cada momento que antecede a
contemporaneidade, segundo as reflexões marxistas, a
educação caracterizou-se de maneira bem peculiar. Na
sociedade capitalista, além de ser utilizada para a
transmissão de conhecimentos fragmentários e tecnicistas,
a educação passou também a contribuir no processo de
desumanização dos indivíduos.
A realidade dos jovens e adultos das classes
populares continua extremamente excludente, dentro e fora
da escola. Apesar da redução do número de analfabetos no
país, de outros ganhos recentes no campo da educação e
da frágil conquista de alguns direitos sociais historicamente
negados, a condição de exclusão vem se aprofundado sob
muitos aspectos.
103
As mudanças ocorridas em caráter mínimo frente à
realidade revelam a difícil relação de forças e a “falsa
generosidade” da elite opressora, que controla e manipula
os grupos minoritários para sustentar seu poderio e a ordem
social desigual que os beneficia. Tais mudanças ainda estão
muito aquém de onde os atores sociais que lutam por uma
sociedade mais democrática almejam chegar.
Ainda segundo Freire:
A grande generosidade está em lutar para que, cada vez mais, estas mãos, sejam de homens ou de povos, se estendam menos em gestos de súplica. Súplica de humildes a poderosos, E se vão fazendo, cada vez mais, mãos humanas, que trabalhem e transformem o mundo. (FREIRE, 1970, p. 17)
Devemos considerar também o aumento do
contingente de idosos que procuram a EJA como forma de
convivência, socialização e superação dos desafios
impostos pela idade e pela sociedade. Isso vai além da
possibilidade de uma escolarização que representa para os
mais jovens a expectativa de inserção ou reinserção em
postos de trabalho.
Além das características etárias e geracionais,
também são percebidas, na EJA, diversidades de gênero,
étnico-raciais, regionais, de orientação religiosa, entre
outras. Todavia, todas as diferentes condições que marcam
essas diversidades são indiscutivelmente atravessadas e
marcadas por desigualdades.
Segundo Freire (1999), esse contexto de
desigualdade é herança do processo de colonização
brasileiro, extremamente predatório, comercial,
104
fundamentado no domínio das terras e no patriarcado. Esse
processo, ainda de acordo com o autor, não deu ao país a
possibilidade de uma “experiência democrática”. Para
Freire, esse cenário dificultou a criação de melhores
condições ao desenvolvimento de uma mentalidade
permeável, flexível, característica do clima cultural
democrático, no homem brasileiro.
Contudo, ainda que marcada por esses fatores
históricos, devemos considerar os avanços da EJA nas
últimas décadas. Como Arroyo destaca:
Não podemos esquecer que o lugar social, político, cultural pretendido pelos excluídos como sujeitos coletivos na diversidade de seus movimentos sociais e pelo pensamento pedagógico progressista tem inspirado concepções práticas de educação de jovens e adultos extremamente avançadas, criativas e promissoras nas últimas quatro décadas. (ARROYO,2005, p. 221)
Apesar disso, não é possível desconsiderar as
assimetrias entre os processos de lutas por direitos e a
formulação do corpo legal que orienta a EJA como
modalidade de ensino, frente às propostas, gestões e
currículos encontrados nas redes públicas de educação.
Eles podem ainda estar fortemente marcados por
concepções que conferem à EJA um caráter supletivo e
compensatório. Essas assimetrias dificultam o direito da
EJA em singularizar-se em benefício de seus sujeitos e de
efetivamente constituir-se como uma educação de
qualidade.
105
Esses desafios obviamente estão na contramão de
todo o ideário neoliberal de valorização da homogeneização
da educação, da meritocracia, da privatização, demandando
responsabilidade do Estado e organização da sociedade, no
sentido da afirmação de um estado de direitos
fundamentado por relações verdadeiramente interculturais.
3 MULTICULTURALISMO E INTERCULTURALIDADE
Para que avanços continuem acontecendo no campo
da EJA, é importante persistirmos em pensar e praticar a
interculturalidade como princípio educativo. E por que
assumir a interculturalidade e não mais o multiculturalismo
como princípio educativo? Por conta da incapacidade de o
multiculturalismo gerar relações de diálogo e interação real
entre as diferentes culturas e condições.
Segundo Romero (2003), a interculturalidade é a
superação das formas de exclusão. Se o multiculturalismo
aborda a diversidade, a interculturalidade busca construir a
unidade dialógica nas diversidades que constituem as
sociedades multiculturais. O plural. O direito à diferença,
como identidade e singularidade.
Diversos autores abordam o multiculturalismo em
suas produções, no entanto, limitamo-nos a usar o suporte
de Hall (2003), McLaren (1997) e Santos (2003) para ilustrar
as diferentes correntes do multiculturalismo.
Hall (2003) identifica diversas correntes
multiculturalistas: conservadora, liberal, comercial,
corporativa e crítica. Segundo Santos (2003), a primeira
forma de multiculturalismo conservador é o colonial. Nessa
perspectiva, ele afirma que
106
A cultura eurocêntrica branca nunca é étnica — étnicos são os não brancos, em princípio, e, portanto, não admite a etnicidade, o particularismo da cultura branca dominante. Para o multiculturalismo conservador a cultura eurocêntrica contém tudo o que de melhor foi dito ou pensado no mundo. (SANTOS, 2003, p.11)
O conceito humanista liberal, segundo McLaren
(1997), defende a igualdade entre as pessoas, no entanto,
os liberais compartilham com os conservadores uma postura
universalista, caracterizando-se por uma tentativa de
integração dos grupos culturais no padrão, amparada numa
cidadania individual universal.
O multiculturalismo comercial, segundo Hall (2003),
pressupõe que, se a diversidade dos indivíduos de distintas
comunidades for publicamente reconhecida, então os
problemas de diferença cultural serão resolvidos (e
dissolvidos) no conjunto privado, sem qualquer necessidade
de redistribuição do poder e dos recursos.
Já o multiculturalismo corporativo (público ou
privado), ainda segundo Hall (2003), busca administrar as
diferenças culturais da minoria, visando aos interesses do
centro. E, por fim, o multiculturalismo crítico enfoca o poder,
o privilégio, a hierarquia das opressões e os movimentos de
resistência.
Podemos observar que todas as correntes
multiculturalistas abordadas estão direcionadas para os
interesses dos grupos dominantes. São, portanto, formas
colonialistas de lidar com as diferentes culturas, buscando
sempre a submissão das mesmas a um padrão eurocêntrico.
107
Avançando na promoção das relações culturais
dialógicas e socialmente igualitárias, encontra-se o conceito
de interculturalidade:
A interculturalidade orienta processos que têm por base o reconhecimento do direito à diferença e a luta contra todas as formas de discriminação e desigualdade social. Tenta promover relações dialógicas e igualitárias entre pessoas e grupos que pertencem a universos culturais diferentes, trabalhando os conflitos inerentes a esta realidade. Não ignora as relações de poder presentes nas relações sociais e interpessoais. Reconhece e assume os conflitos, procurando as estratégias mais adequadas para enfrentá-los. (CANDAU, 2005, p. 19).
Certamente a educação de jovens e adultos tem
muito a ganhar quando as propostas curriculares e práticas
tornarem-se investidas e inspiradas por princípios
interculturais.
4 PROPOSTA DA REDE ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DO
RIO DE JANEIRO PARA A EJA: INTERCULTURALIDADE
COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO?
No primeiro semestre de 2013, o Governo do Estado
do Rio de Janeiro, em parceria com a Fundação Centro de
Ciências e Educação Superior a Distância do Estado do Rio
de Janeiro – Consórcio CEDERJ (Fundação CECIERJ),
implementou a nova política para a educação de jovens e
adultos no ensino médio. O programa resultou de um
108
conjunto de reformas realizadas pela SEEDUC-RJ no ano
de 2009. A "Nova EJA" foi construída a partir da crítica aos
projetos anteriores, e parece buscar a construção de uma
matriz curricular que responda, mesmo que minimamente,
às demandas contemporâneas da EJA, contando com a
parceria de instituições que promovem formação
profissionalizante
As falhas dos projetos anteriores resultaram na
produção de altas taxas de evasão e de faltas às aulas, além
da necessidade de formação continuada de professores/as
para atender as especificidades do alunado da EJA, que,
como modalidade, deve desenvolver modos singulares de
promover a educação.
O corpo da nova proposta para o desenvolvimento da
educação de jovens e adultos leva à reflexão sobre o que há
de “novo” na "Nova EJA". Sua proposta confere mesmo um
caráter inovador à EJA ou a "Nova EJA" é apenas “mais do
mesmo”? As respostas a essas perguntas só poderão, no
entanto, ser satisfatoriamente dadas através de pesquisas
que acompanhem o cotidiano de escolas em que a proposta
vem sendo implementada.
A proposta inova, em muitos aspectos, ao buscar
romper estigmas, como o que mantém a oferta da EJA
apenas no horário noturno (a proposta abre a possibilidade
de a EJA ser oferecida nos turnos diurno, vespertino e
noturno). Também se apresenta mais alinhada com as
demandas tecnológicas do século XXI, com os saberes
construídos na experiência e com as competências e
habilidades adquiridas e desenvolvidas no mundo do
trabalho. Segundo o Manual:
A proposta metodológica procura valorizar a experiência de cada aluno,
109
que é visto como sujeito construtor de conhecimento, e a própria experiência de vida adquirida na educação extraescolar é o ponto de partida e referencial permanente para outras aprendizagens. Essa nova metodologia representa uma promessa de confirmar um caminho de desenvolvimento de todas as pessoas, de todas as idades. Dessa forma, essa nova proposta poderá atingir seu objetivo maior: construir uma sociedade mais justa, mais desenvolvida, mais igualitária e humana. (GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, 2014, p. 4)
A nova política define as seguintes metas
educacionais para os estudantes (GOVERNO DO ESTADO
DO RIO DE JANEIRO, 2014, p. 4):
Aumentar as taxas de conclusão; Melhorar a aprendizagem; Desenvolver habilidades cognitivas e de autorregulação; Desenvolver a autoestima; Desenvolver habilidades para o mundo do trabalho e social; Aumentar o engajamento com a escola; Formar hábitos consistentes e claros de normas de convivência; Conquistar autonomia de modo a tornar-se sujeito do aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a ser e a conviver.
Observamos, ao analisar o Manual, que ele
preconiza o objetivo de fazer com que a EJA exerça, com
mais propriedade, influência no desenvolvimento da
110
cidadania e de transformações sociais na vida extraescolar
dos jovens, adultos e idosos que dela participam.
Ao explicitar a importância de contemplar
experiências e redes de saberes e práticas mais amplas, a
proposta vai ao encontro dos apontamentos de Oliveira:
Restringir o entendimento da ação pedagógica aos conteúdos formais de ensino constitui uma mutilação não só dos saberes que se fazem presentes nas escolas/classes, mas dos próprios sujeitos, à medida que fragmenta suas existências em pequenas “unidades analíticas” operacionais incompatíveis com a complexidade humana. (OLIVEIRA,2003, p.88)
Segundo Estevan e Puggian (2013), a "Nova EJA"
apresenta, entre suas características, a flexibilização de
tempos e espaços de aprendizagem, através do redesenho
do currículo do Ensino Médio, conhecido por sua perspectiva
conteudista. Observa-se a importância dada à preparação
inicial para professores/as atuarem com a proposta
curricular nas diferentes áreas de conhecimento. Nota-se,
também, a existência de materiais didáticos para
professores e alunos, que indicam detalhadamente os
conteúdos e metodologias de cada aula.
Há inovações na orientação de concepções e
práticas de avaliação, que sugerem três modos de avaliar –
produção individual, em grupo, incluindo monitorias entre
alunos, e o desenvolvimento de projetos, articulados ao PPP
(Projeto Político Pedagógico) da escola. Além desses
aspectos, destaca-se a implementação da plataforma
111
Moodle, como espaço virtual para a realização de atividades
complementares às atividades de sala de aula.
No tocante à estrutura e ao funcionamento, o
trabalho é realizado por módulos, totalizando quatro de um
semestre letivo cada, para a conclusão do ensino médio em
dois anos. A carga horária é distribuída em turnos de quatro
horas com quatro tempos de 50 minutos cada para
disciplinas optativas ou de dependência. Dentro dessa
estrutura, uma disciplina pode ser ministrada em quatro
tempos consecutivos sem quaisquer impedimentos
pedagógicos (GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO, 2014).
Caber destacar, ainda, que o documento oficial
informa que a proposta em tela organizou-se em diálogo
com professores/as, alunos/as, coordenadores
pedagógicos, gestores, Diretoria da SEEDUC e equipe do
CECIERJ. Isso parece também anunciar uma melhor
perspectiva que a das propostas formalmente definidas por
experts, segundo modelos idealizados de currículo e de
atividades pedagógicas.
Segundo o Manual, a matriz curricular da "Nova EJA"
deve contemplar as seguintes disciplinas e respectivas
cargas horárias:
➢ Língua Portuguesa: 320 horas
➢ Matemática: 300 horas
➢ História: 140 horas
➢ Geografia: 140 horas
➢ Filosofia: 80 horas
➢ Sociologia: 80 horas
➢ Física: 140 horas
➢ Química: 140 horas
112
➢ Biologia: 140 horas
➢ Educação Física: 40 horas
➢ Língua Estrangeira: 40 horas
➢ Artes: 40 horas
A disciplina optativa “Ensino Religioso” é oferecida
em todos os módulos, e “Língua Estrangeira”, também
optativa, está no terceiro módulo.
Analisando a carga horária, podemos perceber que,
assim como no ensino fundamental e médio regular, há uma
maior distribuição de horas/aulas para as disciplinas de
Língua Portuguesa e Matemática, em detrimento das
disciplinas das Ciências da Natureza (Física, Química e
Biologia). Essa desigualdade é ainda mais visível em relação
às disciplinas de Ciências Humanas (Filosofia, Sociologia,
História e Geografia) e Artes, que possuem um número bem
menor de horas/aulas.
É difícil não pensar que existe uma contradição num
projeto educacional cuja expectativa é, ao final de apenas
dois anos, ter os alunos dominando a leitura e a escrita,
fazendo cálculos aritméticos (persiste a ênfase no acesso
aos saberes elementares para jovens e adultos
trabalhadores), mas sem garantir um significativo equilíbrio
no ensino de conteúdos das diferentes áreas do
conhecimento. Provavelmente, esse equilíbrio fortaleceria
os alunos para assumirem posições mais críticas, criativas
e participativas na escola e na sociedade, conferindo um
novo status à cidadania, que deve ir muito além da
concessão das elites à classe trabalhadora.
Grosso modo, podemos definir currículo como o que
se ensina e o que se aprende no espaço escolar, que inclui
tecnologias do eu, ou seja, modos, meios de constituição de
113
um sujeito. O currículo é (ou deve ser) modificado de acordo
com cada cultura e necessidade de um determinado meio
social. Destaca Silva que
O currículo é lugar, espaço, território. O currículo é relação de poder. O currículo e trajetória, viagem, percurso. O currículo é autobiografia, Curriculum vitae: no currículo se forja nossa identidade. O currículo é texto, discurso, documento. O currículo é documento de identidade. (SILVA, 2003, p. 150)
Entendemos que o currículo sempre existiu, antes
mesmo que se pudesse dar a ele um termo próprio. As
práticas pedagógicas permitiam e permitem aos professores
constituir o currículo na tensa relação com o que se
apresenta como constituído e instituído. A necessidade da
criação de um termo específico para o currículo se deu a
partir dos processos de institucionalização e burocratização
do conhecimento e de atividades educacionais.
Em relação aos currículos para a EJA, cabe lembrar
as recomendações do Documento Base preparatório à VI
CONFITEA (Conferência Internacional de Educação de
Adultos):
Organizar currículos adequados à especificidade dos educandos de EJA, que levem em conta a diversidade e realidades locais, rompendo: com práticas de aligeiramento dos conhecimentos, superando a visão compensatória dessas práticas; com a redução do tempo e do direito à educação; e favorecendo sua permanência no processo e a qualidade dessa educação. (BRASIL, 2008, p.56)
114
Para que princípios de interculturalidade inspirem
verdadeiramente os currículos, é necessário que os saberes
produzidos pelos alunos façam parte da organização
curricular, e assim se realize um mais pleno
desenvolvimento cognitivo, afetivo, intelectual e relacional
dos indivíduos. Também é preciso afirmar o
comprometimento efetivo com o desenvolvimento
acadêmico de seus/suas alunos/as e com a formação inicial
e continuada de seus/suas professores/as, no sentido de
problematizar paradigmas, concepções e práticas.
Observa-se que importantes princípios para a
construção do pensamento crítico dos educandos estão
sendo objetivados na proposta da "Nova EJA", e isto é
bastante positivo para seu currículo. Como afirma Sodré
(2012):
Descolonizar o processo educacional significa liberá-lo, emancipá-lo, do monismo ocidentalista que reduz todas as possibilidades de saber e de enunciação da verdade à dinâmica cultural de um centro [...]. Esse movimento traz consigo igualmente a descolonização da crítica, ou seja, a desconstrução da crença intelectualista de que a consciência crítica é apanágio exclusivo do letrado ou de que caberia a este último iluminar criticamente o outro. (SODRÉ, 2012, p.19)
Vale pensar, no entanto, na insuficiência do tempo
para uma efetiva valorização da experiência de cada aluno
como construtor de conhecimento. Certamente num
adequado espaço/tempo novas relações serão
115
experimentadas, como discênciadocência e
docênciadiscência, de alunos/as, professores/as
(OLIVEIRA, 2003).
A produção de conhecimentos capazes de
impulsionar não só a reflexão sobre a realidade e sua
transformação, como também o diálogo entre as diferentes
culturas sob um mesmo patamar de
importância (considerando no caso, também as culturas
escolar, docente e discente), é uma das características da
interculturalidade como princípio educativo. Assim, parece
imprescindível, para que a "Nova EJA" afirme-se como
iniciativa afinada com o que vem sendo preconizado como
funções da EJA, e para que esta assuma seu caráter de
educação permanente, que esse princípio esteja
verdadeiramente inspirando o desenvolvimento da proposta.
Por último, também consideramos indispensável ao
processo de implantação e dinamização da nova proposta a
participação de uma "pedagogia do conflito" (FREIRE;
GADOTTI e GUIMARÃES, 1985), como dispositivo
pedagógico fundamental, na formação inicial e continuada
dos docentes e em suas práticas junto aos
grupos/turmas, no sentido de provocar inconformismos e
transformação da realidade, no viés de relações
interculturais. Como afirma Fleuri, a perspectiva intercultural
[...] emerge do contexto das lutas contra os processos crescentes de exclusão social. Surgem movimentos sociais que reconhecem o sentido e a identidade cultural de cada grupo social. Mas, ao mesmo tempo, valorizam o potencial educativo dos conflitos. E buscam desenvolver a interação e a reciprocidade entre grupos diferentes,
116
como fator de crescimento cultural e de enriquecimento mútuo. (FLEURI, 2001, p.48)
Considera-se necessária essa perspectiva curricular
para que possamos melhor compreender as causas sociais,
políticas e econômicas de fenômenos discriminatórios e
assim nos posicionar cada vez mais contra os processos de
colonização e dominação instalados em nossa sociedade e
nos espaços e tempos de uma educação formal.
A interculturalidade ajuda a compreender melhor os
impactos desses processos na vida dos educandos da EJA,
tão marcados pelas desigualdades internalizadas em seus
modos de vida, e como esses impactos se apresentam no
cotidiano escolar. Ela busca promover a construção de
identidades sociais e reconhecimento das diferenças
culturais, mas, ao mesmo tempo, procura sustentar a
relação crítica e solidária entre eles (FLEURI, 2001).
É preciso refletir não somente sobre a necessidade
de avançar contra os processos de dominação, mas também
sobre como podemos tratar deles na organização curricular.
É necessário analisar também como os docentes podem sair
das estruturas paralisantes de suas práticas pedagógicas,
com criatividade e ludicidade, incorporando os saberes
produzidos pela comunidade escolar em seus planos de aula
e projetos pedagógicos. De acordo com Arroyo (2006, p.54),
"os educandos nunca foram esquecidos nas propostas
curriculares, a questão é com que tipo de olhar eles foram e
são vistos."
Essa mudança de olhar consiste em um mergulho
sem reservas na realidade dos educandos. Segundo Fleuri
(2001), a educação intercultural se configura na pedagogia
117
do encontro (PERISSÉ, 2012) até as últimas consequências,
visando promover
[...] uma experiência profunda e complexa, em que o encontro/confronto de narrações diferentes configura uma ocasião de crescimento para o sujeito, uma experiência não superficial e incomum de conflito/acolhimento. [...] constitui uma particular oportunidade de crescimento da cultura pessoal de cada um, assim como de mudança das relações sociais, na perspectiva de mudar tudo aquilo que impede a construção de uma sociedade mais livre, mais justa e mais solidária. (FLEURI, 2001, p. 53)
Verificamos que o Manual de Orientações da Nova
EJA é muito limitado no que concerne às informações sobre
os conteúdos programáticos e as metodologias, e isso deixa
dúvidas sobre o que realmente há de novo nessa proposta.
A princípio, esta parece tentar uma abertura para iniciativas
de experiências não superficiais de educação, visto que
preconiza relações menos hierárquicas, menos formais e de
assimetrias entre o conhecimento científico e os saberes
empíricos. Todavia, apenas a observação in loco e uma
escuta sensível na formação continuada de professores/as
poderão trazer elementos para melhor avaliar essa proposta
frente às práticas e aos resultados reais.
A educação de jovens e adultos deve afirmar-se
como um direito daqueles (as) que tiveram sua vitalidade
empenhada como força de trabalho. E, assim sendo, seus
alunos (as) devem ser recebidos (as) e compreendidos (as),
não só como sujeitos que têm direito ao acesso a bens
culturais e sociais, mas também como protagonistas de
118
culturas e ações que demandam pleno reconhecimento
social.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Refletir sobre a interculturalidade na educação, em
especial, de jovens e adultos, é imperioso para a construção
de uma sociedade mais democrática e plural. Apesar de todo
o esforço dos movimentos sociais no intuito de lutar contra a
desigualdade e a discriminação dos grupos minoritários,
percebemos que, na prática, as políticas hegemônicas ainda
conduzem os processos educacionais. Como afirma Sodré
(2012):
O colonialismo clássico baseava-se na exploração territorial, econômica e política dos povos submetidos pela força das armas. A exploração deu lugar à dominação: hoje, persiste aquilo que em determinados círculos de estudos pós-coloniais costuma-se chamar de colonialidade, ou seja, a dominação de caráter cultural, que nega igualdade ao diferente. (SODRÉ, 2012, p. 42)
Observamos uma forte tendência atual à
padronização de pessoas e atitudes, onde as singularidades
estão sendo apagadas e/ou silenciadas por uma cultura de
massificação. O discurso intercultural, nessa circunstância,
tem extrema importância para manter aceso o diálogo entre
as diferentes culturas. Segundo Sales e Garcia, o discurso
intercultural
119
[...] partindo do conceito de cultura mais dinâmico e móvel, permite o intercâmbio e o diálogo entre os grupos culturais e seu mútuo enriquecimento. Não considera nenhuma cultura superior à outra e com o direito a dominá-la; porém tampouco concorda com os relativistas, para quem todas as culturas têm o mesmo valor. (SALES; GARCIA,1997, p.20)
O grande desafio da educação de jovens e adultos é
promover o conhecimento através do reconhecimento dos
educandos como sujeitos de saberes diversos, imersos em
redes e tessituras, dentro e fora da escola. Assim, não faz o
menor sentido propor um currículo cuja orientação, mesmo
que disfarçada, seja a que valoriza um 'saber enciclopédico',
reduzido e aligeirado, voltado apenas para a certificação,
fundado em verdades universais e desvinculado da vida.
A proposta da "Nova EJA" diz atender as
necessidades e direitos de jovens, adultos e idosos
trabalhadores/as por participarem de um processo
educacional formal, na etapa média da escolarização, que
os ajude a alçar novas condições para o trabalho e para a
vida social mais ampla. Mesmo com a urgência que a vida e
o tempo parecem impor, a educação não deve prescindir da
qualidade necessária e de direito, que poderá conferir ao
percurso a ressignificação do tempo perdido em tempo
redescoberto (SOUZA, 2011).
Cabe ainda ressaltar que pesquisas de maior fôlego
devem ser desenvolvidas para conhecermos as práticas que
dinamizam a proposta da "Nova EJA", no “chão da escola”,
nas diferentes áreas de conhecimento, na formação de
professores, nas dinâmicas de matrícula/frequência/
120
conclusão, nos processos e práticas de avaliação, e outros
aspectos que o presente estudo não pode abarcar.
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123
CONCLUSÃO DO ENSINO MÉDIO NA EDUCAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS: A BUSCA POR SER MAIS
Katyucha Ramos Barreto1
Orientadora: Profª Drª Valéria da Silva Vieira
1 INTRODUÇÃO
A educação de jovens e adultos (EJA) passou a ser
melhor investigada a partir dos anos 2000, quando suas
especificidades foram traçadas nas Diretrizes Curriculares
Nacionais (BRASIL, 2000). Entretanto é um tema que carece
de mais pesquisas dada sua pouca visibilidade quando
comparada com a educação regular.
Quando abordada em pesquisas, percebemos que os
temas balizam, muitas vezes, entre a evasão e o fracasso
escolar. Como argumenta o pesquisador Leôncio Soares, a
EJA é como um “ônibus que sai superlotado e de portas
abertas, porque se sabe que as pessoas cairão pelo
caminho.” (SOARES, entrevistado por RODRIGUES, 2014,
p. 16). Assim, os motivos da evasão na EJA já foram
abordados em trabalhos diversos, tais como Barbosa (2009),
Fontoura (2013), Silva (2015), entre outros.
Entretanto, mesmo diante das perspectivas de
fracasso, existem aqueles que permaneceram na escola e
concluíram o ensino médio na EJA. Então, nos perguntamos:
Quais fatores teriam contribuído para a permanência na
escola e conclusão do ensino médio na EJA? Por quais
1 Graduada em Pedagogia (UFF). Pós-graduada em EJA (IFRJ). Professora da Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro e da Secretaria Municipal de Educação de Angra dos Reis.
124
motivos esses alunos estão entre o pequeno saldo positivo
nas estatísticas da EJA? Quais seriam as razões do
“improvável” (LAHIRE, 1997)?
Conforma Charlot2, “se, afinal, é fácil mostrar porque
não é surpreendente que jovens e adultos dos meios
populares fracassem, ficamos sem explicação diante
daqueles que obtêm sucesso [...].” (CHARLOT, 1996, citado
em PASSOS, 2011, p. 14).
Essas questões nos incentivaram a pesquisar a EJA
por outro viés que não o da evasão e o da retenção. Então,
optamos pela pesquisa qualitativa para investigarmos quais
motivações colaboraram para os alunos concluírem o ensino
médio na EJA no município de Angra dos Reis (RJ).
Consultamos os históricos escolares dos alunos para
traçarmos sua trajetória educacional e, com a aplicação de
questionário e a realização de entrevista, identificamos o
perfil socioeconômico dos concluintes e os aspectos que,
segundo eles, os incentivaram a permanecer na escola e
concluir o ensino médio na EJA.
Contamos, ainda, com a pesquisa bibliográfica, em
que dialogamos com Mileto (2009), Carmo (2010), Passos
(2011), Furtado (2013) e Petró (2015), que também
pesquisaram fatores que influenciam os alunos a retornar e
a permanecer na EJA.
2 A DESTITUIÇÃO DO DIREITO À EDUCAÇÃO
A luta por direito à educação tem sido uma luta das
classes populares desde meados do século passado. E, de
2 CHARLOT, Bernard. Relação com o saber e com a escola entre estudantes da periferia. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, p. 47-63, maio, 1996.
125
certa maneira, podemos apontar, como um avanço, haver
97% das crianças em idade escolar matriculadas em
instituições de ensino (IBGE, 2010).
Entretanto, a oferta de educação no Brasil não é
igualitária nas condições de acesso, permanência e
qualidade (ALGEBAILE; RUMMERT; VENTURA, 2013), já
que há, considerando a população de 15 anos ou mais, 9,6%
de analfabetos e 49,3% com 25 anos ou mais que não
concluíram o ensino fundamental (IBGE, 2010).
Vale lembrar que o ensino fundamental é considerado
um direito público subjetivo desde a aprovação da Lei de
Diretrizes e Bases Nacionais (BRASIL, 1996). Recentemente
o ensino médio adquiriu a mesma garantia legal com a Lei
12.796/ 2013 (BRASIL, 2013). Assim, a educação básica
passou a ser assegurada para toda a população, inclusive
para os que não tiveram acesso a ela na idade própria, ou
seja, as pessoas jovens e adultas.
Essa garantia legal pressionou os estados e
municípios, responsáveis pela oferta da educação básica,
em colaboração com a União (BRASIL, 1996), a se
organizarem para atender à demanda potencial de 81,3
milhões de pessoas com 18 anos ou mais que possuem
menos de onze anos de estudos, incluindo desde pessoas
que nunca frequentaram a escola até aquelas que cursaram
alguma série do ensino médio (ALAVARSE; MORAES,
2011). Esses indivíduos, por sua faixa etária, seriam uma
demanda potencial para a educação de jovens e adultos
(BRASIL, 2010).
Dado o amparo legal e seus limites, principalmente
quanto ao acesso e à permanência da classe trabalhadora
na escola, concordamos com Cury (2008), quando afirma
126
que a garantia do direito à educação tem seus destinatários,
pois a educação escolar
[...] coexiste nessa contradição de ser inclusiva e seletiva nos modos e meios dessa inclusão e estar, ao mesmo tempo, sob o signo universal do direito. Ela não teve e ainda não tem sua distribuição efetivamente posta à disposição do conjunto dos cidadãos sob a égide da igualdade de oportunidades e de condições. (CURY, 2008, p. 210)
Assim, tomamos a EJA como nosso objeto de
pesquisa e nos aproximamos da tese de Ventura (2008) ao
compreendermos essa modalidade como a educação de
jovens e adultos trabalhadores, pois, apesar de toda a
diversidade de identidades (remanescentes quilombolas,
caiçaras, indígenas, mulheres, negros, etc.), existe algo que
os aproxima, que é a necessidade de produzir a sua própria
existência através do trabalho. Para Ventura (2008),
[...] é a classe trabalhadora, com as suas mais diversas identidades, o grande público da EJA. [...] apesar do corte geracional, a EJA nesses países refere-se mais do que à faixa-etária (jovens e adultos, ou seja, “não-crianças”), a uma luta, daqueles que vivem do trabalho, pelo direto à educação. Nesse sentido, não se refere a qualquer jovem ou adulto, mas delimita um determinado grupo de pessoas, relativamente homogêneo, que vivenciam variadas situações de reprodução da existência na sociedade contemporânea, mas todas elas ligadas, no mundo do trabalho, à execução de
127
trabalho simples. (VENTURA, 2008, p. 252-253)
Devido à falta de políticas públicas efetivas que
garantam, para além do acesso à escola, a permanência nela
e a sua qualidade, esses trabalhadores encontram muitos
desafios para concluir sua escolaridade.
Dessa maneira, consideramos a exclusão como um
processo forjado ao longo da história de nosso país e
concluímos que o público da EJA faz parte dos deserdados
do Brasil (CURY, 2008), pois, ainda hoje, enfrenta
dificuldades de toda ordem, como econômica, social e
pedagógica, ao tentarem sua reinserção na escola. Como
afirma Barbosa (2009),
Quando vamos discutir as defasagens da escolarização para um grande percentual da população, fica ressaltado que não estamos lidando com uma carência específica, lidamos com carências básicas e variadas: faltam habitação, trabalho, alimentação, e a educação é mais uma. (BARBOSA, 2009, p. 70)
Assim, em Barbosa (2009), percebemos que a
destituição do direito à educação é mais um no rol de
privações da classe trabalhadora.
2.1 A oferta e a demanda potencial da EJA em Angra dos
Reis
A pesquisa de campo foi realizada na cidade de
Angra dos Reis, que possuía uma população estimada em
184.940 pessoas em 2014 (IBGE, 2015). Do total de sua
128
população com 18 anos ou mais, 53% possuíam, no máximo,
o ensino médio incompleto (CEPERJ, 2014).
Como esta pesquisa foca o Ensino Médio na EJA,
elaboramos a Tabela 1 para demonstrar o número de
matrículas no período de 2010 a 2014 (INEP, s.d).
Tabela 1− Matrículas no Ensino Médio da EJA de Angra
dos Reis
ANO
EJA ENSINO MÉDIO - ANGRA DOS REIS
TOTAL PRESENCIAL SEMIPRESENCIAL
Estadual Privado Estadual Privado
2014 537 256 720 21 3.548
2013 351 320 928 0 3.612
2012 0 205 2.051 22 4.290
2011 0 0 1.738 0 3.749
2010 0 284 349 0 2.643
Fonte: INEP, s.d.
Além de observarmos uma oferta muito aquém da
demanda potencial, identificamos que, até o ano de 2013,
não havia oferta pública da modalidade EJA para o ensino
médio presencial no município. Assim, os alunos que
optassem por essa modalidade só a poderiam cursar em
escolas privadas ou na forma semipresencial.
Esse cenário modificou-se em 2013, quando foi
lançado pelo governo do Estado do Rio de Janeiro o
programa Nova EJA (NEJA). Com a proposta de melhorar a
qualidade do ensino e preparar os jovens e adultos para o
mundo do trabalho, o governo estadual firmou parceria com
a Fundação Centro de Ciências e Educação Superior a
Distância do Estado do Rio de Janeiro (CONSÓRCIO
129
CEDERJ) para elaborar essa nova política para EJA
(AGUIAR; CARMO; SILVA, 2015).
Mas, apesar dessa nova oferta, percebemos que, a
partir do ano de sua implantação, iniciou-se um processo de
queda nas matrículas, conforme pudemos observar na
Tabela 1.
Este não é um fenômeno exclusivo de Angra dos
Reis, pois, quando consideramos todo o estado do Rio de
Janeiro, as matrículas do ensino médio na EJA apresentaram
35% de queda ao compararmos as do ano de 2010 com as
de 2013 (INEP, s.d.).
Poderíamos supor que essa queda estaria
relacionada ao atendimento da demanda, mas a pesquisa
CEPERJ (2014) aponta que 42,8% da população com 18
anos ou mais do Estado do Rio de Janeiro, ou seja,
aproximadamente 3.269.384 pessoas, são potencialmente
demandantes da educação de jovens e adultos. Este é um
fenômeno preocupante, que precisa de estudos mais
aprofundados.
2.2 “No mesmo barco”: pesquisas pelo viés da
permanência
Na pesquisa bibliográfica, encontramos alguns
autores que, assim como nós, optaram por investigar a EJA
pelo viés do retorno e permanência dos alunos.
Na sua dissertação de Mestrado, Mileto (2009) dá
ênfase às relações interpessoais para a permanência na
EJA, apontando que há relação direta entre esta, as
trajetórias escolares anteriores e os processos de construção
de redes de sociabilidade. Essa última está fundamentada
em vínculos de cooperação e solidariedade, que estão bem
130
representados no título do trabalho do autor: “No mesmo
barco, dando força, um ajuda o outro a não desistir”.
Já Carmo (2010) realizou um survey para desvendar
o enigma dos motivos da evasão e do retorno dos jovens e
adultos que cursam o ensino fundamental. Para
compreender esses motivos, procurou sair do senso comum
que apontava o “mito trabalho” como principal causa da
evasão e fez uma aproximação da EJA com a teoria do
reconhecimento social de Axel Honneth3, concluindo que os
jovens e adultos, entre suas idas e vindas à escola, estão em
busca do reconhecimento social. Assim, propõe que a
permanência na escola colabora para aceitação e
valorização dos estudantes junto a seus pares sociais.
Na análise de Passos (2011), as estratégias de
permanência dos sujeitos estão pautadas na mobilização
pessoal e familiar, na boa relação entre professor-aluno, nas
relações de amizade entre os sujeitos da turma, e na
possibilidade de adquirir capital cultural.
Em sua tese, Furtado (2013) buscou compreender, à
luz de Certeau4, as táticas dos jovens da EJA para
permanecer na escola. Ao considerar que o processo escolar
está em permanente fracasso, mas que possibilita a
certificação desejada pelos jovens, a pesquisadora
3Professor da Universidade de Frankfurt, propôs sua própria teoria no interior da Teoria Crítica. Colocou o conflito social como objeto central, pois, para ele, a base da interação é o conflito e sua gramática, a luta por reconhecimento. A base da teoria reside na ideia de que o florescimento humano e a sua realização pessoal dependem de relações éticas estabelecidas (HONNETH, 2009). 4 Teórico francês que desenvolveu seus estudos na Psicanálise, na Filosofia, em Letras Clássicas e em História. Contribuiu com a metodologia das ciências humanas e sociais, principalmente com seus estudos que abordam o cotidiano.
131
identificou que os alunos se valem do “golpe da cola” e da
“indiferença”, associados à “tática da manipulação da
avaliação” pelos professores para permanecer na escola.
Apesar de a pesquisa apresentar um viés caótico da
realidade na EJA, a autora destaca as ações de
solidariedade como sinais para superação.
Petró (2015) pesquisou a influência das redes sociais
para o retorno de jovens à escola para cursar o Ensino
Médio. Identificou quatro tipos de rede: as familiares, as
institucionais, as orientadas por laços de amizade e as
orientadas por projetos (desejos). A autora conseguiu
descobrir como essas redes atuaram individualmente e em
conjunto para influenciar o retorno dos jovens à escola e a
permanência nela.
Desta maneira, dialogamos com Mileto (2009),
Carmo (2010), Passos (2011), Furtado (2013) e Petró (2015)
para discutir os resultados da nossa pesquisa, já que esses
pesquisadores também analisaram sujeitos que vivem em
contextos de acentuada desigualdade social e que ainda
assim investiram na educação escolar.
3 O CAMINHO PERCORRIDO
3.1 Contextualizando o local e os sujeitos da pesquisa
A escola pesquisada está vinculada à Secretaria
Estadual de Educação do Estado do Rio de Janeiro e
começou a ofertar a EJA no ano de 2013. Está situada no 4º
distrito de Angra dos Reis, às margens da rodovia Rio−
Santos, a 55 km do centro da cidade e no limite com o
município de Paraty. O bairro possuía uma população de
132
mais de 18.000 habitantes, um dos mais populosos da cidade
(IBGE, 2010).
A escola funciona nos três turnos: manhã, tarde e
noite. Oferece ensino fundamental regular nos anos finais,
ensino médio regular e ensino médio na modalidade EJA.
O público-alvo da pesquisa foram os alunos das duas
turmas concluintes do ensino médio na EJA em 2015. Uma
concluiu no 1º semestre, e a outra, no 2º semestre,
totalizando 47 formados. Entretanto a pesquisa foi realizada
com os 24 alunos que concordaram com a participação,
assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
O questionário foi aplicado pela pesquisadora na
própria escola, nas últimas semanas do período letivo de
cada turma. As entrevistas foram realizadas com quatro
alunos e ocorreram após o período letivo, em horário e local
previamente agendados.
3.2. Explicando a metodologia
Na análise bibliográfica, identificou-se que ainda não
havia um trabalho que visava evidenciar quais fatores
colaboravam para a permanência e conclusão do ensino
médio na EJA, pois a maior parte das pesquisas encontradas
teve como foco o ensino fundamental. Assim, percebemos a
necessidade de uma pesquisa de campo para nos
aproximarmos melhor do nosso objeto de estudo.
Na escola, realizamos a análise documental nos
históricos escolares a fim de obter dados da trajetória escolar
dos pesquisados e ratificar dados obtidos através de
questionário.
O questionário foi formulado com perguntas de
estimação ou avaliação e questões mistas, pois “possibilita
133
(m) mais informações sobre o assunto, sem prejudicar a
tabulação.” (MARCONI e LAKATOS, 2007, p. 104). Através
da aplicação dele, fizemos um primeiro contato com os
alunos, traçamos o perfil socioeconômico e investigamos as
influências para sua permanência e conclusão do ensino
médio na EJA.
Apesar de o questionário ser, normalmente,
considerado uma ferramenta de pesquisa quantitativa
(BOGDAN e BIKLEN, 1994), as respostas a ele foram
analisadas qualitativamente, ao haver “uma tentativa de
capturar a ‘perspectiva dos participantes’, isto é, a maneira
como os informantes encaram as questões que estão sendo
focalizadas.” (ANDRÉ; LÜDKE, 2014, p. 14). Assim, não
utilizamos os dados obtidos isoladamente, mas os
articulamos com os relatos produzidos durante as
entrevistas, dando a essa análise um caráter qualitativo.
Optamos por entrevista semiestruturada, em que “o
entrevistador tem liberdade para desenvolver cada situação
em qualquer direção que considere adequada.” (MARCONI;
LAKATOS, 2009, p. 279). As entrevistas foram importantes
por percebemos que, apesar de terem concluído o ensino
médio, alguns alunos não conseguiram interpretar as
perguntas do questionário e, mesmo com o auxílio para
compreendê-las, produziram respostas incompreensíveis ou
ilegíveis.
Segundo André e Lüdke (2014)
[a entrevista] pode permitir o aprofundamento de pontos levantados por outras técnicas de coleta [...]. E pode também, o que a torna particularmente útil, atingir informantes que não poderiam ser atingidos por outros meios de investigação, como é o caso de pessoas
134
com pouca instrução formal, para as quais a aplicação de um questionário escrito seria inviável. (ANDRÉ; LÜDKE, 2014, p.39)
Após a pesquisa de campo, realizamos a tabulação
dos dados obtidos na análise dos históricos-escolares e nas
respostas ao questionário. Os dados das perguntas de
múltipla escolha foram organizados em gráficos e tabelas
para dar suporte à discussão ao longo do trabalho.
Para analisarmos as respostas das entrevistas e das
perguntas abertas do questionário, utilizamos a metodologia
de Análise de Conteúdo, que, segundo Bardin (2011)
[...] é um conjunto de técnicas de análise de comunicações visando a obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens. (BARDIN, 2011, p.47)
Assim, as perguntas 15, 16, 20, 23 e 28 do
questionário (APÊNDICE 1), que procuravam captar o que
influenciou a permanência na EJA, foram agrupadas para
análise, somando-se a esse material os textos das
entrevistas realizadas.
Utilizamos o tema como unidade de registro. Para
Bardin (2011),
[...] fazer uma análise temática consiste em descobrir os “núcleos de sentido” que compõe a comunicação e cuja presença,
135
ou frequência de aparição, podem significar alguma coisa para o objetivo analítico escolhido. (BARDIN, 2011, p. 135)
Assim, os enunciados foram analisados a partir das
ideias-chave constituintes do texto. Então, transformamos
suas significações em temas e criamos uma tabela
demonstrando a frequência de ocorrência deles em cada
questão.
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Inicialmente, traçamos o perfil socioeconômico e a
trajetória educacional dos alunos. Em seguida, fizemos a
análise das influências que colaboraram para sua
permanência e conclusão do ensino médio na EJA.
4.1 Perfil socioeconômico dos sujeitos da pesquisa
A partir da análise dos históricos escolares,
identificamos que a faixa etária dos alunos estava entre 19 e
52 anos.
A maioria dos alunos, 87%, era originária de outros
municípios. Este fato pode ser explicado pela atratividade
dos postos de trabalho oferecidos pelas grandes empresas
instaladas no município, como o complexo de usinas
nucleares (Angra I e II), o terminal petrolífero (Tebig) e o
estaleiro (Brasfels). A cidade recebe migrantes desde a
década de 1970, quando foram iniciadas as obras de
abertura da estrada BR-101 (SANTOS, 2003).
Dos alunos que responderam o questionário, 58%
eram casados, e 75% tinham filhos; em média, dois. Com
136
relação à moradia, 59% possuíam casa própria; 33%
residiam em imóvel alugado, e 8%, em residência
emprestada. A média de moradores por domicílio era de 3,3
pessoas.
O Gráfico 1 mostra a renda familiar mensal dos
alunos, medida em salários mínimos (SM)5. Observa-se que
a renda familiar da maioria é de, no máximo, 2 SM. Alguns
não responderam à questão (NR). Apesar do rendimento
baixo, 82% afirmaram não haver relação entre a situação
financeira e a permanência na EJA.
Gráfico 1 − Renda Familiar Mensal
4.2 Aspectos da trajetória educacional
Todos os alunos pesquisados sempre estudaram em
escolas públicas, e 25% nunca pararam de estudar. É
interessante destacarmos que alguns destes estão na faixa
etária entre 19 e 21 anos, ou seja, provavelmente são jovens
5 Valor do salário mínimo na época: R$788,00.
0%
10%
20%
30%
40%
50%
Sem
renda
Menos de
1 S.M
1 a 2 S.M 2 a 3 S.M 3 a 4 S.M N.R
137
que passaram por reprovações ao longo de sua trajetória
escolar. Outros só entraram para o processo de
escolarização por volta dos 30 anos, ingressando na
alfabetização e seguindo sem interrupções até a conclusão
do ensino médio. Os outros 75% ficaram algum tempo sem
estudar, como podemos observar no Gráfico 2:
Gráfico 2 − Período fora da escola
É importante mencionar que, dos alunos que ficaram
mais de 20 anos sem estudar, havia alguns que estiveram
até 40 anos fora da escola.
De acordo com as respostas ao questionário, 70%
dos alunos cursaram algum ano ou todos os anos do ensino
fundamental na EJA. Os outros 30% ingressaram nessa
modalidade apenas no Ensino Médio.
Com relação às retenções/reprovações, a partir da
análise dos históricos escolares, identificamos que 56% dos
alunos tiveram retenções/reprovações durante a trajetória no
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
Nunca
parou
Até 5
anos
6 a 10
anos
11 a 15
anos
16 a 20
anos
Mais de
20 anos
138
ensino regular, enquanto apenas 22% já foram
retidos/reprovados na EJA.
4.3 Aspectos que influenciaram para o acesso e
permanência na EJA
Devido à ocorrência de mais de 12 temas deduzidos
das respostas ao questionário, usamos, como indicador para
a análise, os com maior índice de frequência e,
concomitantemente, os que surgiram na resposta à questão
que trata especificamente do objetivo desta pesquisa: “O que
você acha que foi mais importante para não desistir de
estudar na EJA?” (Item 26 - APÊNDICE 1). Dessa maneira,
conforme a Tabela 2, temos um recorte de oito temas para
análise.
Tabela 2 − Frequência de ocorrência dos temas nas
respostas
Tema Frequência
Questões de
ocorrência
Certificação 19 15, 16, 20, 23 e 28
Trabalho 18 15, 16 e 28
Família 16 15, 16 e 28
Amigos 13 16, 20, 23 e 28
Aprendizado/conhecimento 11 15, 23 e 28
Professor 11 23 e 28
Empenho pessoal 9 15, 16, 20 e 28
É importante esclarecermos que, apesar de termos
classificado as respostas do questionário e das entrevistas
139
com base em temas, em cada uma, foi apontada pelos
pesquisados a influência de dois ou mais aspectos como
importantes para a permanência e conclusão do ensino
médio na EJA.
Assim, concordamos com André e Lüdke (2014)
quando afirmam que “o que ocorre em educação é, em geral,
a múltipla ação de inúmeras variáveis agindo e interagindo
ao mesmo tempo.” (ANDRÉ e LÜDKE, 2014, p. 6). Por isso,
analisamos cada tema em articulação com os demais.
Corroborando com Carmo (2010), observou-se que o
desejo de obter a certificação foi o motivo mais relevante
para o retorno à escola e a permanência na EJA. Algumas
vezes, a busca por certificação está relacionada com a
necessidade de aumentar a autoestima e a valorização junto
aos pares sociais. Isso observamos no relato da aluna
Elvira6:
[...] me sentia envergonhada quando me perguntavam meu grau de escolaridade. (Elvira, 58 anos)
Petró (2015) afirma que os jovens da EJA sofrem
fortes influências das redes sociais para retornarem à escola,
por se sentirem envergonhados e inferiorizados perante
amigos e companheiros mais novos (ou não) que eram
formados ou cursavam o nível superior.
Nesse mesmo sentido, podemos perceber que Elvira
passava por situações em que a pouca escolaridade
despertava o sentimento de inferioridade quanto ao valor
6 Para preservar a identidade dos alunos, trocamos os nomes reais por fictícios.
140
próprio, ou seja, via-se como de menor valor do que seus
pares sociais.
Para Honneth (2009), “nessas reações emocionais
de vergonha, a experiência de desrespeito pode tornar-se o
impulso motivacional de uma luta por reconhecimento.”
(HONNETH, 2009, p. 224). Pode ter sido esse sentimento
que motivou o retorno de Elvira à escola e a permanência
nela, a fim de superar a situação de rebaixamento social em
que achava estar.
Como identificamos no Gráfico 2, a maior parte dos
pesquisados, 75%, possui uma trajetória marcada por
períodos fora da escola, e seu retorno significou uma nova
oportunidade de “se formar”. Através de alguns relatos,
compreendemos que obter o diploma de conclusão do ensino
médio representava um sonho realizado ou meta alcançada:
Ter meu diploma é um sonho realizado.
(Antônia, idade não informada) Para mim sempre foi um sonho terminar o ensino médio e, mesmo quando tava tão difícil, eu dizia pra mim mesma: eu vou conseguir; desistir jamais. (Adriane, 26 anos)
Podemos entender a dimensão dessa conquista, para
os pesquisados, ao sabermos que 43% da população do
Estado do Rio de Janeiro com 18 anos ou mais não concluiu
o ensino médio (CEPERJ, 2014).
Entretanto, devemos considerar que, apesar da
certificação ser um dos aspectos mais importantes para os
estudantes, esta não deve ser a única perspectiva do Estado
na oferta da EJA. Mileto (2009) faz críticas contundentes ao
que denomina a EJA na ‘”lógica do atalho”, praticada tanto
141
pelo Estado, com os baixos investimentos financeiros nessa
modalidade de ensino, quanto por alguns professores:
A “lógica do atalho” seria uma espécie de educação bancária com menores volumes de “depósitos” – conteúdos reduzidos ou simplificados – e menores exigências nas “retiradas” – menores exigências nos processos de avaliação. (MILETO, 2009, p. 105)
Assim, em muitos casos, a EJA não está
comprometida com a qualidade e nega os conhecimentos
socialmente valorizados aos estudantes, como podemos ver
nos relatos de Joelma e Adriane:
O conhecimento é pouco por falta de tempo. (Joelma, 41 anos) Os professores, eu acho que eles tinham que ter mais explicação. Tinham professores que chegavam na turma só liam, liam, liam [...], passava [a matéria] e não tinha aquela explicação [...]. Por a gente ter pouco horário de aula, acho que a gente tinha que ter mais explicações, entendeu? (Adriane, 26 anos )
Algebaile, Rummert e Ventura (2013) criticam a
política educacional brasileira, no que tange à
democratização do acesso à escola, ao afirmarem que existe
uma diferença qualitativa entre a educação da classe
trabalhadora e a da classe dominante. Segundo eles, o
Estado não se compromete com a garantia de acesso aos
conhecimentos científicos e tecnológicos para toda a
população:
142
Tais cisões não se assentam mais no binômio ingresso/não ingresso na escola, mas no ingresso em vias formativas diferenciadas que, também de forma desigual e combinada, visam a tornar mais próxima a universalização de índices de escolaridade sem universalizar condições de permanência e sucesso nem padrões socialmente referenciados de qualidade pedagógica. É a esse novo formato de destituição de direitos no âmbito educativo que denominamos de dualidade educacional de novo tipo. (ALGEBAILE; RUMMERT e VENTURA, 2013, p. 724)
Com esses autores, percebemos que há, por parte do
Estado, uma lógica de certificação e de aumento nos níveis
de escolaridade da classe trabalhadora que não passa pelo
compromisso com a qualidade.
Entretanto, a busca dessa certificação também está
relacionada com a percepção de conquista de um futuro
melhor, pois o relato do tipo “falta de oportunidades sem os
estudos” (Mara, 37 anos) foi recorrente nas respostas ao
questionário e às entrevistas. Outros exemplos:
[Estudar na EJA] Significa mais oportunidades. (Mara, 37 anos) Vontade de terminar para fazer cursos, para abrir novas oportunidades. (Américo, 33 anos)
Descobriu-se, também, na pesquisa, que 90% dos
pesquisados disseram que pretendem continuar estudando.
Podemos entender essas “oportunidades” como a
143
possibilidade de ingressar em cursos técnicos e superiores,
para os quais o ensino médio concluído é pré-requisito:
Pretendo não só fazer técnico em enfermagem, mas também estudar biologia. (Alexia, 32 anos) Porque o saber não tem fim, todos os dias temos algo para aprender e, como quero ser uma advogada, não posso me atrever a parar de estudar nunca. (Luísa, 32 anos) [Quero ser] professor de LIBRAS. (Marcel, 32 anos) Pretendo fazer curso para me especializar em alguma profissão. (Joelma, 41 anos) [Pretende continuar estudando?] Sim. Porque só o ensino médio sem sequer um curso fica difícil competir no mercado de trabalho. (Marcel 2, 32 anos) [Pretendo] fazer educação física. (Adriane, 26 anos)
Também percebemos que a certificação está
intrinsecamente relacionada com a expectativa de
mobilidade social vertical ascendente através da educação:
[...] sem os estudos eu não poderia
conseguir um emprego bom e ter uma
boa remuneração. [...] as empresas
estão exigindo pessoas qualificadas para
exercer uma função no mercado de
trabalho. (Fabrício, 33 anos)
144
[Com os estudos] é mais fácil de arrumar
um trabalho. (Deise, 25 anos)
Algebaile, Rummert e Ventura afirmam que, no Brasil,
tem-se usado a “[...] ênfase na educação como solução
individual para a precarização da vida e para o intensificado
processo de destituição de direitos [...].” (ALGEBAILE;
RUMMERT e VENTURA, 2013, p. 720). Compreendemos
que vivemos em um contexto de política econômica
neoliberal, caracterizado pela precarização e “afrouxamento”
nas relações de trabalho e pelo desemprego estrutural.
Portanto, percebemos os limites da educação, enquanto
projeto individual, que por si só não pode garantir um futuro
relacionado a melhores condições de trabalho e renda para
o estudante.
Também houve casos em que as empresas onde os
alunos trabalhavam exerciam pressões para que os seus
funcionários retornassem à escola e concluíssem o ensino
médio:
A empresa, ela trabalhou com o slogan “estude” “pense alto” “pense em desenvolvimento” “Pense grande”, “cultive relacionamento de longo prazo”. isso aí criou um incentivo a mais para eu terminar os estudos. (Fabrício, 33 anos) [...] eu tinha que entregar o diploma no trabalho rápido. A mulher que eu trabalhava pediu diploma, entendeu? [...] só que aí não deu tempo, porque, tipo assim, eu saí depois, aí não deu tempo. Um ano e pouco que eu tinha entrado eu saí, por causa... eu não aguentei também, porque eu estava trabalhando
145
com muita criança, tinha meu filho em casa, a escola... aí tive que optar por um, sair e terminar os estudos, aí foi quando eu saí. Pra poder terminar [os estudos]. (Adriane, 26 anos)
No relato de Fabrício, percebemos que ele se
apropriou de termos próprios do mundo empresarial: “pense
em desenvolvimento”, “cultive relacionamentos de longo
prazo”, e que essas ideias o influenciaram a retornar aos
estudos. Entretanto, Fabrício foi demitido logo após concluir
o ensino médio. Quanto à Adriane, apesar do certificado ser
uma exigência do trabalho, precisou pedir demissão, pois
não conseguiu conciliar a tripla jornada de estudante, mãe e
trabalhadora. Com esses dois exemplos, observamos
apenas uma fagulha das contradições entre educação e
trabalho na EJA, que não daremos conta de aprofundar nesta
pesquisa7.
No entanto, é necessária uma aproximação com
Frigotto (2012) para fazermos distinções entre o trabalho
construído na concepção burguesa, que se restringe à
mercadoria/força de trabalho (ocupação, emprego), e o
trabalho como relação social definidora do modo humano de
existência. Este último, além de envolver a produção material
para a sobrevivência físico-biológica, engloba também o
mundo das liberdades encontradas nas dimensões sociais,
estéticas, culturais, artísticas, etc.:
Ao enfatizar o mundo do trabalho, na sua historicidade, como relação social fundamental [...] estou querendo sinalizar
7 Para aprofundar o conhecimento sobre essa temática, sugerimos o seguinte trabalho: GOMES, Carlos Minayo et al. Trabalho e Conhecimento: dilemas a educação do trabalhador. 6.ed. São Paulo: Cortez, 2012.
146
que aí se situa o lócus da unidade teórica e prática, técnica e política, ponto de partida e de chegada das ações educativas que, na escola, nos sindicatos, na fábrica, interessam à luta hegemônica das classes populares. (FRIGOTTO, 2012, p. 34)
Assim, percebemos que o trabalho que tem
influenciado os estudantes da EJA é o da concepção
burguesa, e não aquele que representa a relação
fundamental da existência humana. Por isso, não soa
ingênuo, diante do contexto neoliberal, entendermos a
influência do trabalho (mercadoria/força de trabalho) como
motivador para a permanência na escola e conclusão do
curso pelos alunos.
Então, nesse sentido, concordamos com Sposito8
(1993), citado em Carmo (2010), e analisaremos o trabalho
como pano de fundo das aspirações para ascensão social
através da educação:
[...] ao buscar a escola como meio para conquistar a “melhoria da vida”, o trabalhador, a dona de casa, o jovem – os migrantes e seus filhos – têm a ilusão de que o acesso ao estudo resolverá o problema da sua condição subalterna na sociedade, ou ao menos poderá mitiga-la. Seria a ilusão um erro? Um momento de falsa consciência, verdadeira? A ilusão, mais do que um término da trajetória dos sonhos, é um ponto de partida e, nesse sentido, encerra uma
8 SPOSITO, Marília Pontes. A recusa da escola. A ilusão fecunda: a luta por educação nos movimentos populares. São Paulo: Hucitec; Edusp, p. 337-390, 1993.
147
dimensão fecunda. (SPOSITO, 1993, p. 372, citado em CARMO, 2010, p. 254)
Dessa maneira, essa “ilusão fecunda” de garantia de
melhores condições de vida e de renda através da educação
propulsiona o projeto de vida dos estudantes e os auxilia a
seguir em frente em seu propósito de conclusão do ensino
médio.
Em nossa análise, a motivação “trabalho” relaciona-
se com a possibilidade de proporcionar uma condição de vida
melhor para si e para seus familiares. É o que se deduz a
partir de respostas como as seguintes:
[O que me motiva é] meu filho e lógico a expectativa de melhorar de vida. (Luísa, 32 anos). [...] tentar exercer uma função para ver se eu consigo uma remuneração melhor para dar um conforto mais tranquilo para a família. (Fabrício, 33 anos)
Nos estudos de Lahire (1997), mostra-se o quanto a
família influencia no acesso de classes populares à escola e
no seu desempenho nela. Apesar de esta pesquisa focar o
alunado jovem e adulto, encontramos muitas relações com a
pesquisa de Lahire (1997), pois os nossos pesquisados são,
na verdade, pais de crianças das classes populares. Eles
buscam, através da sua própria elevação de escolaridade,
apropriar-se de uma capital cultural que sirva para
impulsionar a vida escolar de seus filhos, seja através do
exemplo, do auxílio nas tarefas escolares, ou da aquisição
de melhores condições financeiras que promovam acesso a
maior repertório cultural.
148
A preocupação com os filhos pode ser deduzida das
falas abaixo:
Gostaria de ter uma profissão que orgulhasse a mim e meus filhos. (Patrícia, 32 anos) Vontade de concluir e obter conhecimento e dar exemplo para meus filhos. (Joelma, 41 anos)
Petró (2015) identificou as redes das relações
familiares como laços fortes, pois o tempo de participação do
estudante nessa rede é longo e, além disso, existe um fator
afetivo muito significativo, que exerce influência para o
retorno à escola e para a permanência nela. O apoio dos
familiares foi apontado como muito importante por 82%
(Gráfico 3) dos pesquisados. As seguintes falas
exemplificam esse fato:
Meus filhos que me incentivaram, a minha família é muito importante para mim. (Antônia, N.I) Meu esposo falou que [eu] tinha que voltar a estudar, graças a ele, que me apoiou e me apoia até hoje. (Joelma, 41 anos)
Além disso, o auxílio proporcionado por familiares
que cuidam dos filhos das alunas da EJA também foi
apontado como importante:
Apoio familiar, pois preciso da minha família para olhar meus filhos. (Patrícia, 32 anos)
149
Meu esposo, quem foi assim... minha irmã também, foi assim que deram muita força para mim continuar na escola; foram eles. [E meu filho ficava] com meu esposo, meu sogro também ficava. (Adriane, 26 anos)
Gráfico 3 − Nível de importância do apoio recebido para
conclusão do ensino médio
Outra influência apontada pelos pesquisados foram
os laços de amizade, construídos fora e dentro da escola:
Um dia uma amiga me disse que tinha voltado a estudar e me convidou. Como a escola era no meu bairro, e as aulas à noite, me animei e voltei. (Elvira, 58 anos) As colegas pediam para eu retornar. (João, 52 anos)
050
100
Apoio Familiar
Apoio dos colegas
de turma
Apoio dos
professores
Não tive este apoio
Mais ou menos
Muito
150
[Fiquei sabendo] através de amigos e também de alguns alunos que estiveram lá para obter informações a respeito do curso, [os funcionários do colégio] pediram para informar que se tivesse alguém interessado em estudar lá eles estavam oferecendo o EJA. Aí eu fui lá e procurei e fiz minha inscrição. (Fabrício, 33 anos)
Corroborando com Petró (2015), pode-se afirmar que
os relatos de Elvira, João e Fabrício demonstram que o
contato com pessoas que estavam, de alguma maneira,
relacionadas ao ambiente escolar possibilitou que
informações sobre a oferta do curso na EJA chegassem até
o público pesquisado e despertassem o interesse dele em
retornar aos estudos.
Uma vez frequentando a EJA, as redes de
sociabilidade formadas com os colegas de turma foram
apontadas por mais de 60% (Gráfico 3) dos estudantes como
um grande diferencial para a permanência na EJA:
Ter o privilégio de ter uma turma com dificuldade assim como você é bem mais fácil, pois a turma se une e nos apoiamos nas dificuldades. (Patrícia, 32 anos) Hoje me sinto realizada por ter optado pelo EJA. Entrei em uma sala que tem uma integração entre jovens, adolescentes e adultos e assim há uma troca de conhecimento muito boa. (Luísa, 32 anos) [...] tem muitas ocasiões que você pensa em desistir [...] e tem colega que você se identifica mais, aí você passa seus problemas para ele. Tem muita gente
151
que eu acho que é assim. Você se identifica com alguma pessoa, aí você passa o que você sente para ele. Então aí ele dá aquela força, “rapaz, não para”. (João, 52 anos) Tive bastante influência e também bastante incentivo dos alunos e colegas de sala [...]. Um ajudava o outro nos questionamentos, nas questões que as professoras passavam, nos trabalhos... Ajudava muita gente que tinha dificuldade, ajudava, passava informações que era para responder a atividade, de como é que era o trabalho. Muitas pessoas que não iam na aula, eu passava a informação do que o professor passou, do que poderia estar pesquisando. Eles passavam palavras de incentivo para mim: “Você está faltando muito”, “Não pode perder a matéria”, e se eu criava assim “eu tô cansado hoje não vou à escola”, através daquela palavra do amigo, palavra de conforto, a gente dava força para seguir adiante nos nossos estudos, mais avante aí. Isso foi muito importante no nosso ensino, que um ajudava o outro, a gente trabalhava em união, um compartilhava com o outro, um auxiliava o outro quando era preciso. (Fabrício, 33 anos)
Com esses relatos, percebemos que os colegas tanto
influenciaram a permanência na EJA através de palavras de
incentivo, como também auxiliaram de maneira prática,
quando houve dificuldade em relação a alguma disciplina ou
através da disponibilização das informações perdidas
durantes os dias em que os colegas faltavam à aula.
Segundo Mileto (2009),
152
[...] para que essas redes de suporte mútuo viessem a se formar, deveria existir, de forma simultânea, uma procura pelos auxílios necessários junto aos colegas e uma receptividade nos momentos que essas ajudas eram oferecidas, direcionando-se o comportamento dos indivíduos para uma comunhão de valores e objetivos, tendo como fundamento principal a crença na importância da escolarização para a vida dos membros do grupo. (MILETO, 2009, p. 170)
Dessa maneira, ao compartilhar valores coletivos, ao
reconhecer-se no outro e ser reconhecido por ele, houve a
criação de vínculos que fortaleceram tanto a permanência
individual na escola como a do próprio grupo. Para Carmo
(2010),
[...] desejar aquilo que os outros desejam é o mesmo que participar de um sistema de reconhecimento social, no qual as identidades individuais estão ligadas a valores identitários coletivos compartilhados. (CARMO, 2010, p. 299)
Mileto (2009), ao constatar uma relação diretamente
proporcional entre os mais elevados índices de permanência
e a consolidação de vínculos de cooperação e solidariedade
nas turmas pesquisadas, atribuiu grande influência à
construção de identidades coletivas. Identificou que “a
riqueza e complexidade do mundo interior do sujeito –
construído a partir das relações sociais exteriores – é
diretamente proporcional ao seu ‘enraizamento’ social.”
(MILETO, 2009, p. 126).
153
Ao lermos Furtado (2013), percebemos que a autora,
em sua pesquisa, encontra outro tipo de solidariedade entre
os colegas de turma. Apesar de compreender a cola como
uma infração ao processo do conhecimento, aponta o “golpe
da cola” como uma tática solidária utilizada pelos alunos para
permanecerem na escola e alcançarem a certificação. Isso
pode ser constatado nas falas a seguir:
[...] cheguei até a fazer muito trabalho para alguns colegas que tinham dificuldade. Quando precisava eu levava o trabalho já feito para ele entregar na sala de aula. (Fabrício, 33 anos) [...] assim a gente era bem unido, sabe? A gente fazia trabalho, de ajudar. Se um não conseguia, vinha o outro e fazia, a gente era muito assim. (Adriane, 26 anos)
Furtado (2013) aponta o “golpe da cola” como uma
tática solidária dos dominados, que é utilizada para
confrontar a estratégia dos dominantes, que concebem a
EJA na “lógica do atalho” (Mileto, 2009).
Nesse sentido, podemos nos questionar: Qual era a
postura dos professores ao receberem trabalhos idênticos de
quase toda a turma? Essa questão abre espaço para
discutirmos sobre as duas outras influências para a
conclusão da trajetória escolar: o apoio dos professores e a
busca por conhecimento.
Os professores são os representantes da instituição
escolar que têm contato mais direto com os alunos e foram
citados como uma influência muito importante por mais de
80% dos pesquisados (Gráfico 3). Exemplos de citação:
154
A oportunidade e a compreensão da maioria dos professores com os alunos. Queremos aprender, mas temos dificuldades pelo cansaço do trabalho e pela idade. (Elvira, 58 anos) A dedicação dos professores; [eles] têm muita paciência com as turmas. (Joelma, 41 anos).
Ao analisarmos as respostas ao questionário, em
relação ao apoio dos professores (Gráfico 3), com as das
entrevistas, percebemos que a influência dos docentes para
a permanência na escola e conclusão do curso é um tanto
obscura, pois há algumas dúvidas sobre como ocorreu esse
apoio. Isso podemos observar nos relatos de Adriane e de
Marcel:
Eu tenho também amigas que estudam no horário normal e que reclamam também que o Colégio X9 é um colégio que o ensino está muito baixo. Eu achei também, sabe? Eu acho que a cobrança ali tá muito pouca, os alunos... Não sei se você já trabalhou no Colégio Y10. Nesse Colégio Y, eu tenho amigos que estavam lá e agora estão estudando à noite [no colégio X] porque estão precisando trabalhar. Elas falam que é muito diferente. E os professores são praticamente os mesmos. A cobrança ali é muito pouca, não é porque é um colégio público, o Colégio Y também é um colégio público, a cobrança tinha que ser
9 Colégio X: onde foi realizada pesquisa e onde a entrevistada estudava. 10Colégio Y: colégio estadual situado no bairro vizinho. Recebe recursos privados e é considerado de melhor qualidade pela comunidade local
155
igual, entendeu? Que nem eu vejo assim, esse negócio de passar, muita gente ali passa por nada assim, entendeu? Eu acho que tinha que ter mais cobrança de ter uma nota. Que ali os professores: “Eu te dou pontinho dali, pontinho daqui...”, eu acho que não, tinham que ter mais cobrança também. Para poder a pessoa passar, porque [se] ele [pensasse]: “Não, eu preciso estudar porque senão eu não vou passar!” Por que no Colégio Y eu sei que é assim, se você não estudar mesmo, se você não tem um limite de nota, você não passa, ali não. Ali eles arrumam ponto, aí você se vira. Falo por mim mesma, eu assim tive notas assim que eu fiquei até boba como eu passei porque eu tinha muita dificuldade sabe? mas eles não têm essa cobrança. (Adriane, 26 anos) Ela [colega de turma] ficou brava porque eu mostrei o meu boletim para ela, tudo vermelha, só vermelha, vermelha, vermelha... [Pesquisadora questiona] E você passou como? Cheio de nota vermelha? [Marcel responde] Não sei. Não me pergunta eu não sei. (Marcel, 32 anos)
No relato de Adriane, percebemos duras críticas à
avaliação dos conteúdos realizada pelos professores. Ainda
há uma comparação da atuação desses mesmos
professores no ensino regular diurno e em outras escolas. No
relato de Marcel, percebemos que uma colega de turma se
mostrou inconformada, já que ele, mesmo sem ter alcançado
a pontuação mínima exigida, foi aprovado.
A partir dos dois relatos, podemos compreender
melhor a relação entre os professores, os conteúdos, a
156
avaliação e a aprovação/reprovação na EJA. No trabalho de
Furtado (2013), encontramos alguns apontamentos sobre
como pode ter acontecido essa relação nas turmas de EJA
pesquisadas.
A autora identificou que os professores eram
coniventes tanto com o “golpe da cola”, como com o “golpe
da desatenção”, que se materializava quando os alunos
saíam da sala durante as explicações, falavam e
“navegavam” na internet do celular. Os professores
observados por ela utilizavam a tática da “manipulação da
avaliação”, em que amenizavam seus critérios de
desempenho escolar e colaboravam para burlar normas na
constatação de uma aprendizagem que não aconteceu.
Não foi objetivo deste trabalho a análise de material
didático, mas convém relatar que os livros didáticos utilizados
pela EJA, no Estado do Rio de Janeiro, na época desta
pesquisa, propunham exercícios cujas respostas constavam
no livro dos alunos, e pudemos observar que alguns
professores utilizavam essas atividades como instrumentos
de avaliação. Talvez possamos relacionar esse fato aos
“pontinhos” dados pelos professores, citado por Adriane.
Assim, para Furtado (2013), alunos e professores
[...] simulam um processo escolar de sucesso e resultados de aprovação, firmando o jogo em conquista de situações que os beneficiem, mas que apresenta um processo escolar em permanente fracasso. (FURTADO, 2013 p. 111).
Apesar do “nó” encontrado, nesta pesquisa,
envolvendo a certificação e a construção do conhecimento
na EJA, precisamos compreender que vivermos em uma
157
sociedade estratificada em classes sociais. Por isso,
aceitamos como legítima a busca dos estudantes por uma
instituição que seria considerada, a priori, como capaz de
auxiliá-los a dominar os códigos linguísticos e culturais de
maior prestígio para aqueles que detêm o poder social e
econômico: a escola.
Assim, a motivação por obter conhecimento, relatada
pelos pesquisados, está relacionada a um menor valor
atribuído aos conhecimentos empíricos adquiridos por eles
em suas práticas sociais que ocorrem fora da instituição
escolar. Dessa maneira, buscam na EJA apropriarem-se dos
conhecimentos científicos socialmente valorizados para
superar seu estado de subalternidade (ALGEBAILE,
RUMMERT e VENTURA, 2013). Deduz-se esse desejo em
respostas como as seguintes:
Necessidade de aprendizado gramatical e também cultural. (Patrícia, 32 anos). [...] queria pronunciar as palavras corretamente. O conhecimento é muito importante em todas as áreas da nossa vida e na sociedade para fazer cumprir nossos direitos e cumprirmos nossos deveres. E ajudar as pessoas que precisam de nós. (Elvira, 58 anos). Ah! Eu, pra mim, é que eu não sabia ler praticamente nada e teve um pontapé inicial muito bom lá, né? Aprendi alguma coisinha, e fui continuando né? A vantagem para mim foi essa, eu não sabia ler nada e aprendi a ler um pouquinho. (João, 52 anos) Com o conhecimento podemos ir longe. Voltei para a escola para me formar e
158
também para ter mais conhecimento. (Antônia, N.R)
Também foi apontado que a EJA proporciona o
aprendizado de atitudes, normas e valores:
[...] também na escola você aprende a comunicar, a se expressar com uma pessoa, a se comportar. Então muitas coisas você aprende. Aprende no seu dia-a-dia; também a vida ensina, a vida ensina, mas também na escola você aprende muitas coisas, comportamento, não é isso? [...] a pessoa, sabendo um pouquinho mais da cultura da leitura, então muitas coisas você... segura a onda, você não fala. Você sendo uma pessoa que não tenha muita... que eu acho que é assim, né? A pessoa, tudo que vem na mente você fala, então aquela que você fala, tem muitas coisas que prejudica as pessoas. Então você não pode estar falando tudo que você pensa e joga para os outros que você se prejudica, não é assim? Então você, tendo um pouquinho de sabedoria, ajuda porque muitas coisas você não vai soltando assim, falando. (João, 52 anos)
A motivação para obter conhecimento talvez seja
uma das grandes razões da permanência na escola aferida
nesta pesquisa, pois, como a EJA atende um público
extremamente diversificado, identificamos grande
pluralidade de expectativas concernentes ao conhecimento
almejado ao ingressar nessa modalidade.
Entretanto, ao reconhecer que a classe trabalhadora
possui saberes, mas que não são suficientes para dar conta
159
do real, já que foram excluídos dos historicamente
produzidos, organizados, acumulados, Frigotto (2012)
auxilia-nos a pensar sobre o tipo de conhecimento que a
classe trabalhadora busca na escola:
O saber que a classe trabalhadora busca na escola não coincide, necessariamente, com o saber historicamente acumulado sob a hegemonia da burguesia. [...] A luta hegemônica implica, concretamente, uma crítica radical ao saber dominante e uma articulação do conhecimento histórico – que não é exclusivo da burguesia – aos interesses da classe trabalhadora. Não se trata pura e simplesmente de mudanças de conteúdo, mas de uma forma nova de produção do conhecimento. (FRIGOTTO, 2012, p. 28-29)
Assim, percebemos que a mera reprodução do saber
hegemônico não colabora para a luta da classe trabalhadora
por educação. Então, é necessário “ter como ponto de
partida e de chegada o conhecimento, a consciência gestada
no mundo do trabalho, da cultura, das múltiplas formas como
estes trabalhadores produzem sua existência.” (FRIGOTTO,
2012, p. 29).
O empenho pessoal será a última influência analisada
neste trabalho. Se observarmos apenas os relatos de forma
fragmentada, teremos a falsa impressão de que este é um
aspecto estritamente individual. Seguem algumas
respostas:
A força de vontade de terminar meus estudos, isso foi muito importante. (Antônia)
160
Objetivo, meta, foi o que eu tracei para minha vida. (Marcel, 32 anos) Acreditar em mim. (Fátima, 39 anos)
Relacionamos essa influência à concepção de ser
humano como ser histórico que se sabe inacabado e
inconcluso e que reconhece, na educação, a possibilidade de
seu re-fazer permanente. Em nossa análise de conjunto,
percebemos que o empenho pessoal está sempre conjugado
com as outras influências. Então, será entendido aqui como
uma vontade que move o indivíduo a buscar apoio em suas
redes de sociabilidade no intuito de “serem mais além de si
mesmos” (FREIRE, 2014, p. 103).
Freire (2014) afirma que
[...] esta busca por ser mais, porém, não pode realizar-se no isolamento, no individualismo, mas na comunhão, na solidariedade dos existires, daí que seja impossível dar-se nas relações antagônicas entre opressores e oprimidos. (FREIRE, 2014. p. 105)
Por isso as redes de sociabilidade são formadas por
outros seres que, de alguma maneira, colaboram
mutuamente não para o ser mais que o outro numa
concepção egoísta, mas ser mais para e com o outro.
Assim, percebemos que a expressão “No mesmo
barco, dando força, um ajuda o outro a não desistir”
(MILETO, 2009), apesar de não ter sido falada pelos sujeitos
desta pesquisa, sintetiza o conteúdo dos relatos sobre a
importância de todas as redes de sociabilidade de que os
161
alunos se valeram para permanecer na escola e concluir o
ensino médio na EJA.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa possibilitou uma aproximação com a
realidade vivida por jovens e adultos trabalhadores.
Percebemos a complexa e frágil teia de fatores que os
influencia a concluir o ensino médio, na EJA, na idade tida
como imprópria.
Identificamos essa teia como frágil ao percebemos
que praticamente os mesmos fatores que os motivaram a
permanecer na escola, são aqueles que os fariam desistir
dela. Apesar de 38% afirmarem que nada os influenciariam
a desistir, 28% apontaram que a família poderia afastá-los da
escola, e outros 17% afirmaram que o trabalho ou a falta dele
os levariam a abandoná-la. Assim, Carmo (2010) conclui que
[...] os motivos declarados pelos alunos pesquisados para retornarem à escola têm algo que os envolve e também lhes dá unidade, inclusive para deixar essa mesma escola, provisória ou definitivamente. (CARMO, 2010, p.254).
Em suma, podemos afirmar que a maior parte dos
jovens e adultos pesquisados entrou e permaneceu na EJA
a fim de obter a certificação da conclusão do ensino médio,
para prosseguir nos estudos em cursos técnicos e/ou no
ensino superior. Tinham o intuito de se inserirem melhor no
mercado de trabalho e estavam alimentados pela expectativa
de proporcionar uma vida melhor para si e para seus
familiares.
162
Dessa maneira, percebemos que os estudantes,
através do seu empenho pessoal em ser mais, buscaram
apoio dos familiares, amigos e professores, para concluírem
o ensino médio na EJA. Segundo Petró,
[...] a imersão dos jovens em um número maior de redes sociais conduz a maiores chances de eles permanecerem na escola, pois serão pressionados em diferentes esferas da vida para continuar estudando, seja no âmbito da vida privada (família e amigos), seja no âmbito da vida pública (instituições). (PETRÓ, 2015, p. 181)
Entretanto, entendemos os limites deste trabalho,
pois conseguimos apenas aproximações das influências que
possibilitaram que os jovens e adultos lograssem êxito no
seu objetivo/meta/sonho de concluir o ensino médio.
Não podemos afirmar se a EJA, na escola
pesquisada, aproxima-se da educação libertária e
emancipatória, proposta por Paulo Freire (2014), ou apenas
está reproduzindo a lógica da certificação, “dando pouco
para quem é pouco” na visão hegemônica. Assim, a relação
entre a EJA, suas concepções, currículo e prática
pedagógica precisa de maior aprofundamento empírico e
teórico.
Assim, finalizamos esta pesquisa com muitas
indagações a respeito do universo da EJA. Ficam, ainda,
questionamentos como: Quais conhecimentos devem ser
construídos com os jovens e adultos e de que maneira?
Como nos afastar da lógica do capital que democratiza a
educação para a classe trabalhadora, mas não os
conhecimentos científicos e tecnológicos? Como podemos
aproximar a EJA do mundo do trabalho-produção da
163
existência e não do trabalho-força de trabalho precarizado?
Como nos aproximarmos da educação libertária e fugirmos
da “lógica do atalho” (MILETO, 2009)? E “como, a partir da
realidade do trabalhador, sem arrancá-lo do mundo do
trabalho, organizar um processo educativo que o constitua
estudante, técnico, cientista e mais artista?” (ARRUDA,
198611 citado em FRIGOTTO, 2012, p. 37). Essas são
questões que nos incentivam a mergulhar em novas
pesquisas.
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168
APÊNDICE
QUESTIONÁRIO PARA ALUNOS CONCLUINTES DO ENSINO MÉDIO NA EJA
Pesquisadora: Katyucha Ramos Barreto Pós-graduanda do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ)
Olá, Este questionário faz parte da minha pesquisa para a
pós-graduação em Educação de Jovens e Adultos. O meu interesse é saber sobre os alunos que cursam
a EJA no Ensino Médio em Angra dos Reis. Ao participar deste estudo, você responderá a um questionário contendo 28 questões.
O objetivo é conhecer o perfil dos alunos que frequentam a EJA para, em uma segunda fase, conversamos mais longamente com quem estiver disponível para essa conversa. 1. QUAL É O SEU NOME?
E SUA IDADE?
2. SEXO: 1. ( ) Feminino 2. ( ) Masculino
3. QUAL É A CIDADE E O ESTADO ONDE VOCÊ NASCEU?
4. HÁ QUANTO TEMPO VOCÊ MORA EM ANGRA DOS REIS?
5. QUAL O SEU ESTADO CIVIL? ( ) Solteiro ( ) Casado ( ) Divorciado, separado ou viúvo ( ) Outro_____________
6. TEM FILHOS? ( ) Não ( ) Sim. Quantos? _____
7. QUANTAS PESSOAS MORAM COM VOCÊ?
( ) Moro sozinho ( ) 1 pessoa ( ) 2 pessoas
( ) 3 pessoas ( ) 4 pessoas ( ) Mais de 4 pessoas
169
8. SUA MORADIA É ( ) Própria ( ) Alugada ( ) Emprestada ( ) Outro _____________
9. QUAL A RENDA FAMILIAR MENSAL? (O salário mínimo é de R$ 788,00.)
( ) Não possui renda. ( ) Menos de um salário mínimo. ( ) Entre 1 e 2 salários mínimos. ( ) Entre dois e três salários mínimos. ( ) Entre três e quatro salários mínimos . ( ) Mais de quatro salários mínimos. SOBRE A TRAJETÓRIA ESCOLAR 10. VOCÊ SEMPRE ESTUDOU EM ESCOLA PÚBLICA?
( ) Sim ( ) Não
11. POR QUANTOS ANOS PAROU DE ESTUDAR?
12. QUAL A ÚLTIMA SÉRIE QUE VOCÊ FEZ NO CURSO REGULAR DIURNO?
13. VOCÊ JÁ REPETIU O CURSO REGULAR DIURNO?
( ) Não ( ) Sim. POR QUÊ?
14. QUE MOTIVOS O/A LEVARAM A ABANDONAR A ESCOLA?
15. QUE MOTIVOS O/A LEVARAM A RETORNAR À ESCOLA?
16. HOUVE ALGUM TIPO DE INFLUÊNCIA PARA QUE VOCÊ RETORNASSE À ESCOLA?
17. QUANTAS VEZES VOCÊ VOLTOU A ESTUDAR?
18. VOCÊ CURSOU O ENSINO FUNDAMENTAL NA EJA?
( ) Sim ( ) Não
SE SIM, QUAIS SÉRIES/ANOS?
19. VOCÊ JÁ REPETIU ALGUM ANO NA EJA?
170
( ) Sim ( ) Não
SE SIM, QUANTAS VEZES? ( ) Uma vez ( ) Duas vezes ( ) Três vezes ( ) quatro vezes ( ) mais de cinco vezes
POR QUÊ?
20. O QUE SIGNIFICA, PARA VOCÊ, ESTUDAR NA EJA?
21. QUAIS AS DIFICULDADES ENCONTRADAS NA EJA?
22. O QUE HÁ DE BOM NA EJA?
23. POR QUE VOCÊ ESCOLHEU ESTUDAR NESTA ESCOLA?
24. O QUE FARIA VOCÊ DESISTIR DE ESTUDAR?
25. VOCÊ ACHA QUE SUA SITUAÇÃO FINANCEIRA ATUAL PODE FACILITAR OU PREJUDICAR SUA PERMANÊNCIA NA EJA? DE QUE FORMA?
26. VOCÊ JÁ DEIXOU DE IR À AULA POR CONSIDERAR PERIGOSO O TRAJETO PARA A ESCOLA?
( ) Sim ( ) Não
27. EM QUE MEDIDA OS ASPECTOS ABAIXO ESTÃO SENDO IMPORTANTES PARA VOCÊ PERMANECER NA EJA E CONCLUIR O ENSINO MÉDIO?
APOIO FAMILIAR
( ) muito importante ( ) mais ou menos importante ( ) não tenho esse apoio
APOIO DOS COLEGAS DE TURMA
( ) muito importante ( ) mais ou menos importante ( ) não tenho este apoio
APOIO DOS PROFESSORES
( ) muito importante ( ) mais ou menos importante ( ) não tenho este apoio
171
28. O QUE VOCÊ ACHA QUE FOI MAIS IMPORTANTE PARA NÃO DESISTIR DE ESTUDAR NA EJA?
29. APÓS CONCLUIR O ENSINO MÉDIO, PRETENDE CONTINUAR ESTUDANDO?
( ) Sim ( ) Não. POR QUÊ?
CONTINUIDADE DA PESQUISA
VOCÊ ACEITARIA CONTINUAR PARTICIPANDO DA PESQUISA, CONCEDENDO UMA ENTREVISTA EM OUTRO MOMENTO?
( ) Sim ( ) Não
Telefone para contato:
Endereço eletrônico (e-mail):
Endereço para correspondência:
MUITO OBRIGADA POR SUA PARTICIPAÇÃO!
172
A FORMAÇÃO CONTINUADA DOS PROFESSORES DA
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE ATUAM NO PROEJA
Nelma Barcelos do Carmo1
Orientador: Prof. Me. Jupter Martins de Abreu Júnior
1 INTRODUÇÃO
A pesquisa relatada neste trabalho investigou o perfil
de professores que atuavam, em cursos do PROEJA
(Programa Nacional de Integração da Educação Profissional
com a Educação Básica na Modalidade de Educação de
Jovens e Adultos), em uma escola estadual da cidade do
Rio de Janeiro. Foram examinados, também, aspectos
relativos à formação continuada docente, apresentando as
dificuldades que os professores enfrentam em relação a esta,
além de se propor uma reflexão sobre as necessidades
dessa formação. O interesse pelo tema surgiu da experiência
da autora deste estudo, quando era professora substituta do
curso Técnico de Administração, no PROEJA do Colégio
Pedro II (instituição federal do Rio de Janeiro).
Os professores que ministram aulas nas disciplinas
técnicas do PROEJA precisam ter formação específica para
lecionar essas disciplinas. Entretanto, observa-se que uma
parte deles concluiu Cursos Superiores de Tecnologias
(CST) ou Bacharelado. Dessa forma, eles tendem a
encontrar maiores dificuldades em sua prática pedagógica
do que aqueles que cursaram Licenciaturas.
1 Bacharel em Direito (Centro Universitário Augusto Motta). Licenciada em Pedagogia (AVM Faculdades Integradas). Pós-graduada em EJA (IFRJ). Professora de Legislação do PROEJA (Colégio Pedro II).
173
Ao considerar esses apontamentos como questões
iniciais, o presente trabalho visa contribuir, sobretudo, para
uma reflexão sobre a formação continuada dos professores
do PROEJA.
A fundamentação teórica da pesquisa – caracterizada
como um estudo de caso - teve, como aporte, os trabalhos
de Freire (1996), Ribeiro (2009), Machado (2008) e Manfredi
(2002).
Como fundamentação legal, utilizamos a Constituição
Brasileira (BRASIL, 1988); a Lei nº 9.394/96 (BRASIL, 1996),
que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN); o Parecer CEB 11/2000 (BRASIL, 2000), o Decreto
nº 5.840/06 (BRASIL, 2006), que regulamenta o PROEJA; o
Documento Base do PROEJA (BRASIL, 2007); além da Lei
11.741/08 (BRASIL, 2008), que
[...] estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional, para redimensionar,
institucionalizar e integrar as ações da
educação profissional técnica de nível
médio, da educação de jovens e adultos
e da educação profissional e tecnológica.
Na pesquisa de campo, foi aplicado um questionário
com perguntas fechadas, que foi preenchido por quinze
docentes da instituição estadual em questão, que oferece os
cursos de Eletromecânica, Eletrônica e Eletrotécnica e
Mecânica na modalidade PROEJA.
2 DA EJA AO PROEJA
A educação é essencial para a vida das pessoas.
Nela, está compreendida não só a alfabetização, como
174
também a possibilidade, entre outras, de inserção no mundo
do trabalho, o que tende a proporcionar crescimento social e
pessoal.
Nesse contexto, a EJA é oferecida para atender aos
sujeitos que não tiveram acesso ao ensino básico ou não o
concluíram na idade considerada adequada. Já iniciativas
como o PROEJA visam ao aumento do nível de escolaridade
em conjunto com a formação profissional. Assim, contribui,
de forma significativa, para inserção do sujeito na sociedade,
influenciando sua vida pessoal e profissional.
A história da EJA teve sua trajetória demarcada a
partir da década de 1940, quando surgiram políticas públicas
educacionais voltadas para a viabilização de ações de
escolarização, que hoje são compreendidas como
pertencentes à modalidade EJA. Houve, por exemplo, a
criação e a regulamentação, no Brasil, do Fundo Nacional de
Ensino Primário (FNEP) − com o objetivo de realizar
programas que ampliassem e incluíssem o Ensino Supletivo
para adolescentes e adultos − além de campanhas para a
educação de adultos, com ênfase no aumento da
escolaridade em âmbito nacional. Nessa época, surgiram os
movimentos internacionais de educação, e foi criada a
UNESCO. Tais ações estimularam a criação de programas
nacionais de educação de adultos.
Na década de 70, o Movimento Brasileiro de
Alfabetização (MOBRAL) tinha o objetivo de acabar com o
analfabetismo em um prazo de dez anos, fazendo com que
os alunos adquirissem técnicas de leitura, escrita e cálculo
como meio de integrá-los mais plenamente na sociedade e
de melhorar suas condições de vida. Esse programa
estendeu-se por todo o país em uma época que o governo
impunha severo controle sobre as políticas públicas
educacionais.
175
Posteriormente, no início dos anos 80, com o fim do
governo militar e a retomada do processo de
democratização, houve a extinção do MOBRAL e a criação
da Fundação Educar, o que resultou na redemocratização e
na ampliação das atividades da EJA.
Um dos grandes marcos da nossa educação ocorreu
com a promulgação da Constituição de 1988, que, em seus
artigos 205 e 208, trata do direito a educação:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; [...] VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. (BRASIL, 1988)
176
Os artigos 37 e 38 da Lei 9.394/96 tratam exclusivamente da modalidade EJA, apontando que
Art. 37 - A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria.
Art. 38 – Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que compreenderão a base nacional.
(BRASIL, 1996)
Nesse sentido, compreende-se que a EJA é uma
modalidade que está integrada à educação básica. Tem por
objetivo proporcionar ao sujeito o exercício pleno de sua
cidadania e a participação ativa na sociedade, incluindo a
qualificação e a requalificação profissional.
Assim, a EJA deve assegurar ao educando
oportunidades educacionais de acordo com a sua realidade,
priorizando as suas peculiaridades e compreendendo
também a importância do seu reingresso na vida escolar.
Vale ressaltar que a EJA é considerada uma modalidade de
ensino voltada para a inclusão, já que representa um direito
de escolarização para quem não teve acesso à escola ou não
conseguiu dar prosseguimento aos estudos no tempo
“regular/próprio”.
Um dos dispositivos legais de suma importância no
âmbito da EJA é o Parecer CEB 11/2000, que, além de
enfatizar a EJA como uma modalidade de ensino específica
da educação básica, traz o entendimento de suas três
funções: reparadora, equalizadora e qualificadora.
A função reparadora refere-se à restauração do
direito negado à população de ter uma escola de qualidade.
177
A função equalizadora trata da igualdade de oportunidades,
que devem ser oferecidas aos cidadãos que não tiveram
acesso ou não conseguiram permanecer na escola,
promovendo, dessa forma, o bem social. Já a função
qualificadora diz respeito a proporcionar atualização de
conhecimentos para todos.
Paulo Freire foi um dos grandes pensadores da
pedagogia crítica, que consiste no desenvolvimento do
sujeito a partir da sua realidade social, histórica e cultural. Na
sua visão, todo ato de educação é um ato político. Freire
estimulava os alunos adultos a se inserirem no contexto
político e social e criticava uma educação bancária, na qual
o professor apenas transmitia conhecimentos, e os alunos
eram simples receptores.
Segundo Freire (1996, p. 47), “[...] ensinar não é
transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a
sua própria produção ou a sua construção”. Nesse sentido,
visualiza-se a possibilidade de uma educação significativa
para que o aluno se interesse pelo aprendizado. Em sua
proposta, Freire enfatizava a importância de o professor
conhecer a realidade e a linguagem dos alunos como fator
essencial para, no processo de alfabetização, utilizar
palavras do vocabulário que fizessem sentido para eles.
Seus processos educativos visavam à transformação da
realidade por meio da alfabetização e à formação crítica do
indivíduo.
Atualmente, a busca por uma qualificação profissional
é grande, porque o trabalhador necessita estar qualificado
para atender às demandas do mercado de trabalho, que a
cada dia se torna mais exigente.
Promulgada em 1996, a LDBEN nº 9.394 aborda a
Educação Profissional em seus artigos 39 e 40:
178
Art. 39 A educação profissional e tecnológica, no cumprimento dos objetivos da educação nacional, integra-se aos diferentes níveis de modalidade de educação e às dimensões do trabalho, da ciência e da tecnologia. Art. 40 A educação profissional será desenvolvida em articulação com o ensino regular ou por diferentes estratégias de educação continuada, em instituições especializadas no ambiente de trabalho. (BRASIL, 1996)
Assim, observa-se que um dos principais objetivos da
Educação Profissional é integrar a teoria e a prática, de
maneira que se apresente o trabalho como princípio
educativo. Inserido nesse contexto, o PROEJA visa integrar
a educação profissional à educação básica, a fim de
promover o aumento do nível de escolaridade e o acesso à
formação profissional.
De acordo com o Decreto nº 5840 (BRASIL, 2006) e
com o Documento Base do PROEJA (BRASIL, 2007), a partir
da construção do projeto pedagógico integrado, os cursos do
PROEJA podem ser oferecidos das seguintes formas:
Formação Inicial e Continuada (ou Qualificação Profissional)
ao Ensino Fundamental e Educação Profissional Técnica
Integrada ou Concomitante ao Ensino Médio.
Diante disso, alguns desafios são evidentes nesse
programa, entre os quais se destaca a formação do
professor, já que este assume papel de destaque na
trajetória educacional dos alunos. Da mesma forma, também
se destacam a organização curricular integrada, a utilização
de metodologias próprias e os mecanismos de assistência
que favoreçam a permanência e a aprendizagem dos
179
estudantes, além de uma infraestrutura adequada para oferta
dos cursos, dentre outros.
3 A FORMAÇÃO DO DOCENTE
Na trajetória histórica da formação dos professores,
segundo Peterossi (1994), inicialmente, esta era restrita à
apresentação das regras internas da escola, normas de
cuidados com as ferramentas e utensílios, registro dos
apontamentos e frequências, uma vez que não existia uma
legislação específica.
No entanto, a formação docente deixou de ser um
processo inicial finito para se tornar contínuo, ligado à
habilitação profissional e às diferentes formas de continuar a
expandir conhecimentos. A formação inicial, que abrange a
necessidade da qualificação para o exercício profissional,
deve relacionar-se às experiências em sala de aula para
haver um bom desempenho no processo de ensino-
aprendizado.
Com o intuito de vislumbrar uma melhor formação
docente, o artigo 62 da LDBEN nº 9394/96 estabelece que
A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos 5 (cinco) primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio na modalidade normal.
§ 1º A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios, em regime de colaboração, deverão promover a formação inicial, a continuada e a
180
capacitação dos profissionais de magistério.
§ 2º A formação continuada e a capacitação dos profissionais de magistério poderão utilizar recursos e tecnologias de educação à distância.
§ 3º A formação inicial de profissionais de magistério dará preferência ao ensino presencial, subsidiariamente fazendo uso de recursos e tecnologias de educação à distância. (BRASIL, 1996)
Dessa forma, observamos que o docente, para atuar
no ensino fundamental II e no ensino médio, deverá estar
legalmente habilitado através da formação de nível superior.
Além disso, a lei incentiva a formação continuada, com o
objetivo de estimular a busca por mais conhecimento e
aprimorar a prática pedagógica.
Por outro lado, é importante considerar a diversidade
cultural, etária, social dos discentes da EJA. Então, o
professor precisa saber valorizar as experiências trazidas por
esses alunos para ajudar a promover sua maior inclusão
social, já que, como afirma Freire,
Os alunos da EJA, ao vivenciarem, pelo viés da exclusão social, o agravamento das formas de segregação – cultural, espacial, étnica, bem como das desigualdades econômicas –, experimentam, a cada dia, o abalo de seu sentimento de pertencimento social, o bloqueio de perspectivas de futuro social. (FREIRE, 2000, p. 254)
Nesse sentido, os alunos devem se conscientizar de
que o acesso à educação é um direito de todos,
independentemente das desigualdades sociais que vivem.
181
O PROEJA, que faz parte de um conjunto de políticas
públicas visando elevar o nível de escolarização dos jovens
e adultos e colaborar com a inserção deles no mercado de
trabalho, traz, como proposta, uma educação que integre a
última etapa do ensino fundamental e do ensino médio à
formação profissional.
Assim, os professores que optam pelo PROEJA como
campo de atuação, para que possam desenvolver uma
abordagem mais adequada do processo ensino-
aprendizado, considerando as particularidades do Programa,
devem procurar uma formação continuada com foco na
profissionalização do público da EJA. Isso os ajudará a
desenvolver práticas pedagógicas mais específicas, uma vez
que seus alunos possuem características diferentes
daquelas do alunado do ensino regular.
O PROEJA ainda se constitui num desafio para os
professores que buscam atender às especificidades do
público jovem e adulto, que busca valorização e formação
para o mercado de trabalho. Para o desempenho satisfatório
nessa trajetória pedagógica, é necessária uma formação
continuada docente mais direcionada para a EJA e, em
especial, para o Programa - embora ainda pouco ofertada
- pois sua falta pode dificultar a compreensão das
características desse público e do seu processo educativo.
Ribeiro comprova esse fato quando afirma, com base em
uma pesquisa de Oliveira2, que
Num universo de 198 trabalhos catalogados como parte deste estudo, Oliveira (1998) identificou 23 cuja temática contempla a formação e a
2 OLIVEIRA, Marcia Cristina. Educação de jovens e adultos no Brasil: aspectos específicos da formação do professor. Relatório final de pesquisa. São Paulo: FAPESP, 1998.
182
prática docente, verificando que a grande maioria identifica a falta de formação específica dos educadores como um dos principais entraves das experiências educativas. (RIBEIRO, 1999, p 185)
Portanto, Ribeiro afirma:
Considerando que a insuficiência da formação dos professores já foi suficientemente reiterada nos estudos acadêmicos, seria oportuno que esses estudos passassem a se concentrar mais na produção e na sistematização de conhecimentos que contribuam no plano teórico para constituição desse campo pedagógico e consequentemente, para a formação de seus educadores. (RIBEIRO, 1999, p.190)
Assim, além do desenvolvimento de um maior
número de pesquisas sobre formação docente para a EJA,
deveriam ser oferecidas, nos cursos de licenciatura, mais
disciplinas que contemplem essa modalidade. Também
iniciativas de formação continuada voltadas para a docência
na EJA, como cursos de pós-graduação, deveriam ser
promovidas.
Devido à expansão do PROEJA, os desafios das
instituições que ofertam esse Programa tornam-se a cada dia
maiores. Uma grande parte dos docentes que nele atuam
não foram preparados para tal. Por isso, a necessidade de
buscarem essa preparação em atividades de formação
continuada.
Com relação à educação técnica profissional (ETP),
de maneira geral, Machado aponta que
183
o desafio da formação de professores para a ETP manifesta-se de vários modos, principalmente quando se pensa nas novas necessidades e demandas político-pedagógicas dirigidas a eles: mais diálogos e com o mundo do trabalho e a educação em geral; práticas pedagógicas interdisciplinares e interculturais; enlaces fortes e fecundos entre tecnologia, ciência e cultura; processos de contextualização abrangentes; compreensão radical do que representa tomar o trabalho como princípio educativo; perspectiva de emancipação do educando, porquanto sujeitos de direitos e da palavra [...].
(MACHADO, 2008, p.694)
Então, de acordo com os desafios apontados acima
por Machado (2008), observa-se a necessidade do professor
que atua na educação profissional buscar uma formação que
o ajude a enfrentar os desafios que surgirem em sala de aula,
a utilizar uma metodologia mais adequada, considerando as
experiências trazidas pelos alunos e seus interesses.
4 DIALOGANDO COM A PESQUISA DE CAMPO
A pesquisa de campo do estudo de caso que embasa
este artigo foi realizada em uma instituição de ensino
estadual situada no município do Rio de Janeiro. Essa
instituição foi criada em 1997, e o PROEJA foi implantado em
2006.
Seus cursos, de acordo com o Catálogo Nacional dos
Cursos Técnicos (2014), estão inseridos na Área de Controle
e Processos Industriais, sendo oferecidos nas modalidades
Ensino Médio Integrado (EMI), Ensino Médio Concomitante
184
e PROEJA, para os cursos de Eletromecânica, Eletrônica,
Eletrotécnica e Mecânica; e Ensino Médio Subsequente
(SEM), para os cursos de Eletrônica e Mecânica.
A coleta de dados empíricos foi realizada com a
aplicação de um questionário a quinze professores que
atuam no PROEJA, buscando estabelecer uma reflexão
sobre a sua formação. Em seguida, foi realizada a tabulação
das respostas para uma análise descritiva dos resultados da
pesquisa.
Os dados apontam que predominavam professores
do sexo masculino (73%). 20% estavam entre 40 e 49 anos,
23% entre 30 e 39 anos, e 57% acima de 50 anos.
No que diz respeito à formação em nível superior,
somente 40% dos professores concluíram cursos de
Licenciatura. No entanto, descobriu-se que a maioria buscou
a formação continuada, pois cerca de 80% dos que
responderam ao questionário fez pós-graduação lato sensu
(especialização) ou stricto sensu. Conclui-se, no entanto,
que 80% destes não participaram de cursos de formação
continuada em EJA.
Quanto ao motivo de atuarem no PROEJA, 53%
optaram por fazê-lo para completar a carga horária e ter a
flexibilidade de trabalhar menos dias na escola. Portanto, não
os movia o interesse específico pelo Programa.
As reuniões pedagógicas devem ocorrer
periodicamente nas escolas com o intuito de torná-las um
espaço para a troca de experiências e de transformação da
práxis. É um momento de refletir sobre as experiências
vividas em sala de aula e de propor ações para solucionar
problemas. Assim, a instituição pesquisada promovia
reuniões pedagógicas com frequência, para possibilitar
intervenções pedagógicas nas turmas.
185
Os cursos do PROEJA foram implantados, na
instituição, sem que houvesse oportunidade e tempo hábil
para se montar uma estrutura adequada e se preparar um
material didático apropriado. Portanto, os docentes que
atuavam nesses cursos eram responsáveis pela elaboração
do material didático. Diante disso, 60% dos docentes
pesquisados afirmaram que a escola tinha uma boa estrutura
para assistir os cursos técnicos, no entanto, em
contrapartida, 73% concordaram que o material didático não
era oferecido, caindo sobre eles a responsabilidade pelo
preparo do material.
Também foi apontado que o diálogo entre os
professores, muitas vezes, não ocorre devido à falta da
maioria deles às reuniões pedagógicas, principalmente por
causa de compromissos assumidos fora da instituição por
alguns. Embora essa troca possa se efetivar nos intervalos
de aula, esse período é curto para uma ação mais
expressiva.
Fazer a conexão dos conteúdos das disciplinas do
núcleo comum com os da formação técnica é uma das
maiores dificuldades dos cursos. Para solucionar esse
problema, os professores, em suas reuniões pedagógicas,
poderiam propor projetos e atividades que contemplassem
a interdisciplinaridade, ou seja, a relação entre disciplinas da
grade curricular.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O PROEJA busca minimizar os impactos das
exigências do mundo do trabalho, aumentando o nível de
escolarização dos educandos/trabalhadores de forma a
promover a integração da educação básica com a educação
186
profissional. Isto é muito importante, pois esses alunos,
normalmente, enfrentam desigualdades sociais e precisam
de uma proposta de ensino voltada para suas necessidades
concretas, interligadas com o saber formal, e de professores
qualificados.
A falta de uma formação docente específica pode ser
uma das dificuldades para a realização de um trabalho mais
satisfatório no PROEJA. Assim, é necessário que o professor
que não foi preparado para atuar no Programa, ou mesmo na
EJA, participe de atividades de formação continuada. Estas
podem ocorrer em cursos de pós-graduação ou mesmo, na
escola, em reuniões ou grupos de estudo. Juntos, os
educadores poderão refletir sobre sua prática, buscando
solução para as dificuldades encontradas em sala de aula.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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______. Presidência da República: Casa Civil. Lei n.º 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm>. Acesso em: 05 jul. 2015.
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______. Presidência da República: Casa Civil. Decreto nº 5.840, de 13 de julho de 2006. Institui, no âmbito federal, o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional
187
com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA) e dá outras providências. Brasília, 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_ato2004-2006/2006/ decreto/D5840.htm>. Acesso em: 03 jul. 2015.
______. Ministério da Educação. Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA) - Documento Base. Brasília: SETEC, 2007. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/ pdf2/proeja_medio.pdf >. Acesso em: 05 jul. 2015.
______. Presidência da República: Casa Civil. Lei nº 11.741, de 16 de julho de 2008. Altera dispositivos da Lei nº9394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para redimensionar, institucionalizar e integrar as ações da educação profissional técnica de nível médio, da educação de jovens e adultos e da educação profissional e tecnológica. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008 /Lei/L11741.htm>. Acesso em: 05 jul. 2015.
______. Ministério da Educação. Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos. Brasília: SETEC, 2014. Disponível em: <http://portal1.iff.edu.br/ensino/catalogo-nacional-de-cursos/ catalogo_nacional-dos-cursos-tecnicos_versao2012.pdf>. Acesso em: 05 jul. 2015.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
MACHADO, Lucília Regina de Souza. Diferenciais inovadores na formação de professores para a educação profissional. Revista Brasileira da Educação Profissional e Tecnológica, Brasília, v 1, n 1, p 8-22, 2008. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf3/rev_brasileira.pdf>. Acesso em: 05 jul. 2015.
188
MANFREDI, Silva Maria. Educação profissional no Brasil. São Paulo: Cortez, 2002.
PETEROSSI, H. G. Formação do professor para o ensino técnico. São Paulo: Loyola, 1994.
RIBEIRO, Vera Masagão. Ensino fundamental de jovens e adultos: ideias em torno do currículo. Educação e Sociedade, Campinas, ano 20, n.68, Campinas, p. 184-201, dez. 1999.
189
A FORMAÇÃO ESPECÍFICA DE EDUCADORES PARA O PROEJA: UM DEBATE NECESSÁRIO
Carlos Alberto G. Pimentel Jr1
Orientadora: Profª Ma. Fernanda Paixão de Souza Gouveia
1 INTRODUÇÃO
Este artigo, constituído por uma revisão de literatura
e uma pesquisa documental, tem por objetivo identificar
como o tema da formação específica para educadores que
atuam no PROEJA (Programa Nacional de Integração da
Educação Profissional com a Educação Básica na
Modalidade de Educação de Jovens e Adultos) tem sido
abordado nos trabalhos acadêmicos. Partimos do
pressuposto de que as pesquisas identificadas e
selecionadas, neste estudo, ratificam a necessidade de se
consolidar um campo de conhecimento na área,
principalmente no que diz respeito à integração da EJA
(Educação de Jovens e Adultos) com a EP (Educação
Profissional).
Há que se levar em conta que o próprio documento
norteador do Programa – Documento Base (BRASIL, 2007)
– destaca a necessidade de formar docentes e gestores para
o trabalho com a modalidade EJA integrada à EP,
assumindo, dessa forma, que é precária e inexistente tal
formação.
Esta pesquisa, de caráter exploratório e qualitativo,
visa “proporcionar maior familiaridade com o problema com
1Graduado em Pedagogia. Especialista em Educação de Jovens e Adultos (IFRJ). Técnico em Assuntos Educacionais do Colégio Pedro II. Professor II, da rede municipal de educação do Rio de Janeiro.
190
vistas a torná-lo explícito ou a construir hipóteses” (SILVA e
MENEZES, 2001, p. 20).
Identificamos 17 dissertações e 03 teses, publicadas
entre os anos de 2008 e 2013, que tiveram como objeto de
estudo o PROEJA. A maioria desses trabalhos teve como
objetivo analisar o Programa nos Institutos Federais de
Educação Ciência e Tecnologia em diferentes unidades
federativas. É importante destacar que esta revisão teve
como foco as dissertações e teses sobre o PROEJA de
Ensino Médio.
Nas dissertações e teses analisadas, cujo objeto era
o PROEJA, observamos, após a leitura inicial de seus
respectivos resumos, quais delas faziam menção ou não à
temática da formação especifica de educadores para o
Programa. Dividimos, então, as produções acadêmicas em
03 grupos, classificados dessa forma: trabalhos que não
abordam o tema (Grupo I); trabalhos que abordam o tema
superficialmente (Grupo II); e trabalhos que abordam o tema
especificamente (Grupo III).
A discussão em torno da formação específica para
educadores que atuam na Educação de Jovens e Adultos
vem ganhando cada vez mais espaço nos fóruns sobre essa
modalidade de educação. O Conselho Nacional de
Educação e a Câmara de Educação Básica, no Parecer nº
11/2000, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais
para Educação de Jovens e Adultos, indica que o preparo do
profissional que trabalhará na EJA deve incluir, além das
exigências formativas para todo e qualquer professor,
àquelas relativas à complexidade diferencial dessa
modalidade de ensino (BRASIL, 2000).
Com o objetivo de priorizar a análise dos trabalhos
que, de maneira mais aprofundada, fizeram menção ao tema
central deste artigo, optamos por desconsiderar os Grupos I
191
e II e nos concentramos no Grupo III, onde existem 05
trabalhos que nos possibilitaram um estudo mais denso de
seus conteúdos.
Este trabalho está dividido em 03 momentos.
Abordaremos, inicialmente, a temática das novas exigências
de formação e qualificação profissional do trabalhador frente
ao fenômeno da reestruturação produtiva e da acumulação
flexível, considerando esses processos determinantes para
o surgimento de políticas públicas de formação e qualificação
profissional. Em seguida, discutiremos a formação de
educadores para EJA, considerando as especificidades
dessa modalidade de educação em momento peculiar, visto
que a integração da EJA com a EP é bastante recente. Em
um terceiro momento, trataremos da temática da formação
especifica para educadores do PROEJA explorada pelas
dissertações e teses analisadas para este artigo.
2 O PROEJA NO CONTEXTO DA REESTRUTURAÇÃO
PRODUTIVA
O PROEJA foi instituído pelo Decreto 5.478, de 2005
(BRASIL, 2005), que foi revogado com a promulgação do
Decreto 5.840, de 2006 (BRASIL, 2006). Esse novo decreto
trouxe algumas novidades, dentre as quais se destacam: a
exigência de um projeto pedagógico integrado único; a
possibilidade de oferta de vagas para o Ensino Fundamental;
a ampliação da abrangência para estados, municípios e
Sistema S2. Esse Programa busca proporcionar a elevação
2 O Sistema S é composto pelas seguintes entidades: Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), Serviço Social da Indústria
192
do nível de escolaridade do trabalhador, considerando as
características de jovens e adultos, numa proposta de
integração da EJA com EP na Educação Básica, com
objetivos de promover a inclusão social de jovens e adultos
pela via da profissionalização e da inserção no mercado de
trabalho.
Essa proposta de integração, bem como de outras
políticas de formação e qualificação profissional de
trabalhadores, é produto do entendimento, por parte do
governo federal, da necessidade de atendimentos das
demandas dos grupos industriais por formação de mão-de-
obra qualificada, dos movimentos de trabalhadores e de
acionamento de estratégias de controle social pelo Estado
burguês neoliberal.
Tais políticas tentam dar conta de atender as
demandas por formação e qualificação profissional de um
elevado número de jovens e adultos trabalhadores que estão
em busca de aumentar suas chances de tornarem-se
“empregáveis”, ou de oportunidades para seguirem a lógica
do “empreendedorismo”, presente não apenas no discurso
do Governo, mas também no discurso do empresariado.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT)
divulgou o relatório “A Crise do Emprego Jovem”, onde
demonstra que a taxa de desemprego, entre a população
jovem no Brasil, atingiu o patamar de 15,2% no ano de 2011
(OIT, 2012). Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (Pnad) de 2013 mostram que, quando
selecionamos um recorte do número de desempregados por
faixa etária, a taxa de desemprego é maior entre os mais
(Sesi), Serviço Social do Comércio (Sesc), Serviço Social do Transporte (Sest), Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) e Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
193
jovens: 23,1% para pessoas de 15 a 17 anos; 13,7% para a
faixa de 18 a 24 anos; e 5,3% no intervalo de 25 a 49 (IBGE,
2014).
A partir da crise instalada nos países de capitalismo
central, na primeira metade da década de 1970, os princípios
que regiam o sistema de produção fordista passaram a ser
questionados, e a rigidez desse modelo foi apontada como
causa das dificuldades - tais como a saturação dos mercados
de bens duráveis, surgimento de novos países produtores, a
diminuição do poder de compra dos trabalhadores etc. Deitos
comenta:
[...] a crise é então associada aos problemas de funcionamento dos mercados de trabalho; problemas esses criados pelos sistemas de proteção social, pelas negociações coletivas e pelos sistemas nacionais de educação e formação profissional. (DEITOS, 2007, p.2)
Nesse contexto de crise globalizada, onde se
evidencia o acirramento da concorrência internacional, o
modelo de produção vigente não dá mais conta de atender
às necessidades de reprodução do capital, demandando
uma nova organização de seu sistema de acumulação onde
a “flexibilização do sistema produtivo” e das relações entre o
capital e “a classe-que-vive-do-trabalho” sofrem profundas
alterações. Para Antunes:
Novos processos de trabalho emergem, onde o cronômetro e a produção em série e de massa são “substituídos” pela flexibilização da produção, pela “especialização flexível”, por novos padrões de busca de produtividade, por novas formas de adequação da produção
194
à lógica do mercado. (ANTUNES, 1999, p. 16)
Promove-se uma série de transformações no mundo
da produção, os países mais industrializados passam a
observar com maior atenção o “modelo japonês” de
produção, denominado posteriormente de toyotismo, que
teve sua origem no pós-guerra e sua implementação em
meados da década de 1950. Nessa nova fase de
[re]organização, segundo Antunes,
Ensaiam-se modalidades de desconcentração industrial, buscam-se novos padrões de gestão da força de trabalho dos quais os Círculos de Controle de Qualidade (CCQs), a “gestão participativa”, a busca da “qualidade total”, são expressões visíveis não só no mundo japonês, mas em vários países de capitalismo avançado, e do Terceiro Mundo industrializado, o toyotismo penetra, mescla-se ou mesmo substitui o padrão fordista dominante em várias partes do capitalismo globalizado. (ANTUNES, 1999, p. 16)
Em busca da manutenção de suas bases de
acumulação e em direção à flexibilização, que
posteriormente será denominada “acumulação flexível”, o
setor produtivo passou a adotar essas estratégias com o
objetivo de reestruturar os processos de trabalho através de
novas formas organizacionais e da utilização de novas
tecnologias na produção de mercadorias.
Para o toyotismo, também é imprescindível que haja
a flexibilização (leia-se desregulamentação) das relações de
trabalho. Com esse objetivo, são introduzidos novos
métodos organizacionais para que se consolide a
195
flexibilização de todo o aparato produtivo. Na lógica do
capital, faz-se necessária a “flexibilização de direitos, de
modo a dispor de força de trabalho em função direta das
necessidades do mercado consumidor.” (ANTUNES, 1999,
p. 28). Utiliza-se, para tanto, uma quantidade mínima de
trabalhadores e se intensifica o ritmo de trabalho através de
horas extras, contratos temporários, subcontratações e
também da intensificação do ritmo de trabalho.
Antunes ainda destaca que a década de 1980
presenciou, nos países de capitalismo avançado, profundas
transformações no mundo trabalho, nas formas de inserção
na estrutura produtiva, nas formas de representação sindical
e na política. O avanço tecnológico proporcionou um intenso
processo de automação e utilização da microeletrônica no
sistema produtivo. No caso do Brasil, os impactos desse
processo foram mais acentuados, no início da década de
1990, em razão da recessão que ocorria concomitantemente
ao processo de abertura da economia e de inserção na lógica
neoliberal.
Nesse contexto, inicia-se um novo processo de
“racionalização produtiva”, que passa a ser consolidado “com
vistas à redução máxima dos custos, da ociosidade dos
fatores produtivos e dos riscos impostos pela instabilidade e
mutações dos mercados” (DEDECCA3, 1999, p. 23 apud
DEITOS, 2007, p. 3).
O toyotismo mescla-se com formas tayloristas-
fordistas restritas no processo de trabalho garantindo uma
maior eficácia à lógica da flexibilidade. A preocupação central
3 DEDECCA, Claudio Salvadori. Emprego e qualificação no Brasil dos anos 90. In: OLIVEIRA, Marco Antônio de (org.). Reforma do Estado & políticas de emprego no Brasil. Campinas: UNICAMP, 1998. p. 269-294.
196
desse novo modo produtivo é com o elemento
subjetivo/espiritual da produção, pretendendo racionalizar o
trabalho às novas condições sócio-históricas e tecnológicas
de automação flexível no quadro da crise de superprodução
(NEVES, REIS, PIMENTEL JUNIOR, 2012). De acordo com
Alves,
O toyotismo é um estágio superior de racionalização do trabalho, que não rompe, a rigor, com a lógica do taylorismo e fordismo (é por isso que alguns autores, como Aglieta e Palloix, o denominam de “neofordismo”). Entretanto, no campo da gestão da força de trabalho, o toyotismo realiza um salto qualitativo na captura da subjetividade do trabalho pelo capital, se distinguindo do taylorismo e fordismo por promover uma via original de racionalização do trabalho; desenvolvendo, sob novas condições sócio-históricas (e tecnológicas), as determinações presentes nas formas tayloristas e fordistas, principalmente no que diz respeito à racionalidade tecnológica. (ALVES, 2008, p. 4)
O toyotismo opera, também, ao nível ideológico para
garantir a manipulação e o consentimento dos trabalhadores,
através de inovações organizacionais, institucionais e
relacionais, invocando princípios como “autonomação”, “auto
ativação”, just-in-time e kanban4, polivalência, trabalho em
4 Just in time (“bem na hora”) é um sistema de administração da produção caracterizado pela manutenção de estoque apenas em quantidade suficiente para atender a demanda do momento. O kanban (“cartão visível”) é um sistema de produção de lotes pequenos que são armazenados em recipientes acompanhados de um cartão de identificação kanban. (GOMIERE JR.; REAME JR., 2008)
197
equipe, produção enxuta, Círculos de Controle de Qualidade
(CCQs) e Qualidade Total, para envolver e engajar o
trabalhador no processo produtivo (ALVES, 2008).
Alves (2008) salienta que as novas qualificações
vinculam-se ao toyotismo (enquanto expressão da nova base
técnica e organizacional do sistema produtor de
mercadorias). Esboça uma crítica do conceito de
empregabilidade como parte de uma nova lógica de
integração sistêmica, caracterizada por uma promessa
restrita de um novo trabalhador. Alerta para as implicações
contraditórias do toyotismo nos âmbitos subjetivos e
objetivos da formação da força de trabalho, através das
políticas educacionais e de formação profissional. Para o
autor,
O conceito de empregabilidade opera com clareza ideológica as contradições da mundialização do capital, um sistema mundial de produção de mercadorias centrado na lógica da financeirização e da “produção enxuta” (uma das características do toyotismo), totalmente avesso às políticas de pleno emprego e geradora de desemprego e exclusão social. É por isso que a mundialização do capital tende a disseminar, como eixo estruturador de sua política de formação profissional, o conceito de empregabilidade, que aparece, com relativo consenso, seja entre as administrações neoliberais e seus opositores sociais-democratas, como um requisito básico para superar a crise do desemprego. (ALVES, 2008)
De acordo com Neves, Reis e Pimentel Junior (2012),
a empregabilidade tenta legitimar a produção destrutiva pela
198
responsabilização do indivíduo por se tornar empregável, ao
adquirir um pacote de competências, novos saberes e
credenciais que o habilitem a disputar uma vaga no mercado
de trabalho. Essa nova forma organizacional da produção
tende a exigir novas qualificações que articulam habilidades
cognitivas e habilidades comportamentais, tais como: novos
conhecimentos teóricos e práticos; capacidade de abstração,
decisão e comunicação; e qualidades relativas à
responsabilidade, à atenção e ao interesse pelo trabalho.
A associação entre educação – incluindo a EP – e
desenvolvimento econômico ganha cada vez mais espaço no
campo de ações do Estado, que promove, intencionalmente,
através de suas ações políticas, a criação de um “novo
conformismo” ou “homem coletivo” adequado às novas
exigências do sistema capitalista, assumindo, portanto, o
papel do “Estado educador”.
Para que ocorra a adequação dos indivíduos a essa
nova lógica vigente, estabelecendo novas formas de
sociabilidade, exigidas em função da crise estrutural do
capitalismo, as políticas educacionais de formação e
qualificação profissional do trabalhador, como é o caso do
PROEJA, são essenciais para garantir a conformação moral
e política.
O PROEJA insere-se no conjunto de ações do
governo para educação, na perspectiva da reestruturação
produtiva, com forte influência da teoria do capital humano.
Esses dois componentes teóricos são fundamentais para
compreendermos como leis e decretos assumem uma
função central na manutenção da ideologia capitalista
expressa nos dispositivos legais. Eles se concretizam em
políticas públicas de educação que objetivam conter as
tensões sociais desencadeadas pela estrutura de classes,
própria do sistema capitalista, cuja característica
199
fundamental está nas desigualdades sociais, assegurando
um mínimo para a existência da sociedade. Conforme Costa
(apud SILVA, 2013),
Vive-se, hoje em dia, em uma sociedade cuja característica principal são as diferenças sociais e, por conta disso, constitui-se uma sociedade conflituosa. Administrar esses conflitos é necessário para a sobrevivência da sociedade, e a política pública é um dos meios para fazê-lo. (COSTA5, 2009 apud SILVA, 2013, p. 64)
Percebe-se que as ações de formação profissional
vêm requerendo um novo complexo ideológico estruturante
para a definição das novas qualificações. Esse complexo
ideológico tem como eixos os conceitos de empregabilidade
e de competência. Nesse sentido, a reestruturação produtiva
precisa promover uma reforma intelectual e moral do mundo
do trabalho para desenvolver plenamente as forças
produtivas do capital, mesmo sem constituir um novo sistema
de vida e modo de desenvolvimento, fazendo com que sua
hegemonia social seja precária (ALVES, 2008).
Para Bonfim (2012), jovens e adultos que se
encontram sem a qualificação mínima para o trabalho
sujeitam-se às condições precárias nas relações de
produção e sentem-se culpados por não estarem
qualificados na mesma medida das exigências do mercado.
5 COSTA, R. C. D. O PROEJA para além da retórica: um estudo de caso sobre a sua trajetória da implantação do programa no Campus Charqueados. Porto Alegre, 2009. Dissertação (Mestrado) -- Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2009.
200
É a ideologia capitalista, associada à Teoria do Capital
Humano, dando novo fôlego às teorias liberais. Ela imprime
esse sentimento nessa parcela da população, que, ao longo
da história social brasileira, foi afetada pelo descaso das
autoridades ao não instituírem políticas públicas voltadas
para assegurar a progressão na vida escolar e a
permanência nela (BONFIM, 2012).
Diante desse quadro político e social, com vistas a
atender as exigências da reestruturação, da organização
produtiva e da ideologia do capital, imprimiram-se mudanças
na legislação educacional no que diz respeito à Educação de
Jovens e Adultos (EJA). Houve alterações na redação dos
artigos 37 § 3º e do Art. 39 da Lei nº 9.394/96 (BRASIL, 1996)
que, respectivamente, estabelece a articulação dessa
modalidade de ensino com a Educação Profissional, em
todos os níveis de ensino, em atendimento aos objetivos da
educação nacional. (BRASIL, 2008).
Dentro do contexto no qual estamos vivendo, essas
alterações refletem o cumprimento das exigências impostas
pelo mercado e pelo modo de produção capitalista para a sua
manutenção. Soma-se a isso, com a implementação dessas
medidas, a sua capacidade de alienar a população, de
promover a inculcação dos valores e de legitimar os
interesses dominantes, a pró-reestruturação produtiva e as
relações desiguais entre classes.
Sobre o conceito de políticas públicas, podemos nos
valer das contribuições de Fávero (2011) e Boneti (2011). O
primeiro autor compreende-as como uma junção de
iniciativas do Estado, ou melhor, da sociedade política, com
as ações e pressões da sociedade civil organizada, que se
dirigem ao Estado para exigir a garantia de direitos ou
implementá-los por meio de outras alternativas. Chama
nossa atenção para a questão da dialética entre os poderes
201
(sociedade civil organizada e sociedade política) no que
tange às políticas de EJA (FÁVERO, 2011).
Para Boneti (2011), as políticas públicas são decisões
de intervenção na realidade social, quer seja para efetuar
investimentos ou para intervenção administrativa ou
burocrática. Ele defende que se podem entender políticas
públicas como o resultado da dinâmica do jogo de forças que
se estabelece no âmbito das relações de poder, estas
constituídas pelos grupos econômicos e políticos, classes
sociais e demais organizações da sociedade civil.
Nesse sentido, entendemos o PROEJA como uma
das políticas públicas resultantes da correlação de forças
entre os poderes, que tem como perspectiva a inclusão
social, voltada para a educação e a formação profissional de
jovens e adultos, visando reverter o quadro de baixa
escolarização e qualificação dos sujeitos trabalhadores. De
acordo com Alves e Rummert,
[...] essas políticas são sustentadas por dois fortes elementos argumentativos: as exigências da sociedade do conhecimento e a importância da coesão social, e subordinam-se às características e demandas do padrão de acumulação flexível, que conferem particularidades à oferta de oportunidades educacionais aos trabalhadores que permanecem vitimados pelas decorrências do processo de concentração de riqueza. (ALVES; RUMMERT, 2010, p. 514)
O PROEJA tem como proposta a integração da
Educação Profissional com a Educação Básica na
modalidade de Educação de Jovens e Adultos e tem alguns
202
desafios que, no campo pedagógico, são antigos e
permanentes na trajetória da EJA, tais como a utilização de
metodologias apropriadas ao público da EJA, adoção de
mecanismos que favoreçam a permanência dos estudantes,
a constituição de movimentos que reconheçam o direito à
educação. Um dos caminhos que contribuem para superar
tais desafios é a compreensão do importante papel da
formação docente atuante na EJA, por isso, a preocupação
com o tratamento dado pelas pesquisas ao tema.
Para falar da formação específica de educadores
para o PROEJA, é importante fazermos referência ao
Parecer CNE/CEB nº 11/2000 (BRASIL, 2000), que dispõe
sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA, além
do Documento Base do PROEJA. Citaremos, também, as
contribuições de autores com pesquisas relevantes sobre
formação de educadores para EJA.
3 A FORMAÇÃO ESPECÍFICA DE EDUCADORES PARA
O PROEJA
Após a promulgação da Lei n.º 9.394/96, a Educação
de Jovens e Adultos passa a ser reconhecida como
modalidade de educação básica, nos ensinos fundamental e
médio, que possui características próprias, portanto, exige
que seus educadores tenham um perfil apropriado para
atender as demandas específicas do público dessa
modalidade (BRASIL, 1996).
Desse modo, esse profissional do magistério deve
estar preparado para interagir com essa parcela de
estudantes e de estabelecer o exercício do diálogo. Jamais
deve ser um professor aligeirado ou motivado apenas por um
voluntariado idealista, e sim um docente que se nutra do
203
geral e também das especificidades que a habilitação como
formação sistemática requer (BRASIL, 2000).
O debate sobre a formação específica para
educadores vem tornando-se cada vez mais presente nos
fóruns de EJA. Segundo Soares,
Esse novo patamar em que a discussão se coloca relaciona-se à própria configuração do campo da Educação de Jovens e Adultos. Nesse sentido, a formação dos educadores tem se inserido na problemática mais ampla da instituição da EJA como um campo pedagógico específico que, desse modo, requer a profissionalização de seus agentes. (SOARES, 2008, p. 85)
Nesse sentido, tem-se discutido a EJA como um
espaço de atuação onde se faz necessária a qualificação
mais especializada para os profissionais que nela atuam,
principalmente para os docentes. Sugere-se, portanto, uma
“profissionalização” dos professores que atendem ao público
da EJA, no entanto, os espaços onde tal “profissionalização”
deveria ocorrer, com certo grau de naturalidade, vêm
priorizando a formação para atuação em turmas de ensino
regular.
Tais espaços de formação vêm formando
profissionais que não possuem habilitação específica no
campo da EJA e acabam que, por diferentes situações,
atuam nessa área sem qualquer formação inicial ou
experiência prévia. Quando muito, são oferecidas, na
graduação, de maneira mais ou menos aprofundada, uma ou
duas disciplinas que tratam especificamente a EJA.
O Documento Base do PROEJA informa que o
objetivo da formação continuada de professores é a
204
construção de um quadro de referência e a sistematização
de concepções e práticas político-pedagógicas e
metodológicas que orientem a continuidade do processo. E
ainda:
Deve garantir a elaboração do planejamento das atividades do curso, a avaliação permanente do processo pedagógico e a socialização das experiências vivenciadas pelas turmas. Para alcançar esse objetivo é necessária a ação em duas frentes: um programa de formação continuada sob a responsabilidade das instituições proponentes e programas de âmbito geral fomentados ou organizados pela SETEC/MEC. (BRASIL, 2007, p. 60)
As instituições proponentes deverão contemplar, em
seus Planos de Trabalho, a formação continuada dos
professores e gestores, através de, no mínimo, as seguintes
ações:
a) formação continuada totalizando 120 horas, com uma etapa prévia ao início do projeto de, no mínimo, 40 horas; b) participação em seminários regionais, supervisionados pela SETEC/ MEC, com periodicidade semestral e em seminários nacionais com periodicidade anual, organizados sob responsabilidade da SETEC/MEC; c) possibilitar a participação de professores e gestores em outros programas de formação continuada voltados para áreas que incidam sobre o PROEJA, quais sejam, ensino médio, educação de jovens e adultos e educação profissional, bem como aqueles destinados à reflexão sobre o próprio Programa. (BRASIL, 2007, p. 60)
205
A Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica
do Ministério da Educação (SETEC/MEC), na condição de
gestora nacional do PROEJA, é responsável pelo
estabelecimento de programas especiais, para a “formação
de formadores” e para pesquisa em educação de jovens e
adultos, por meio das seguintes iniciativas:
a) oferta de Programas de Especialização em educação de jovens e adultos como modalidade de atendimento no ensino médio integrado à educação profissional; b) articulação institucional com vista à cursos de pós-graduação (mestrado e doutorado) que incidam em áreas afins do PROEJA; c) fomento para linhas de pesquisa em educação de jovens e adultos, ensino médio e educação profissional. (BRASIL, 2007, p. 60-61)
É possível notar, no Documento Base do PROEJA,
uma política de indução à profissionalização, por parte da
SETEC/MEC, para formação específica/qualificação de
gestores e educadores que atuariam no Programa. De 2006
a 2009, a SETEC convidou instituições da Rede Federal de
Educação Profissional, Científica e Tecnológica para
apresentar projetos de cursos de Pós-Graduação lato sensu
em Educação Profissional Integrada à Educação Básica na
Modalidade de Educação de Jovens e Adultos -
Especialização PROEJA. Esse fato demonstra que havia o
reconhecimento das especificidades da EJA e da
necessidade de produção de conhecimento sobre o campo
de articulação dessa modalidade com a Educação
Profissional.
Nos estudos que analisamos, não foram encontrados
dados numéricos referentes ao quantitativo de profissionais
206
que se matricularam e concluíram os Cursos de
Especialização PROEJA, nem informações sobre os cursos
nos polos de oferta desses cursos. As informações
constantes no portal do MEC (BRASIL, s.d.) mostram que,
no ano de 2006, era possível encontrar 21 instituições que
ofereciam a especialização. Já em 2007, 2008 e 2009, os
números eram respectivamente, 20, 30 e 19. Chama-nos a
atenção o aumento significativo da quantidade de instituições
ofertantes entre os anos de 2007 e 2008. Houve um aumento
de 50%, no entanto, é possível observar a grande redução
ocorrida entre os anos 2008 e 2009, queda de 55% no
número de instituições.
Ao observarmos esses dados, evidencia-se que
ocorreu a criação e a execução de cursos de Especialização
PROEJA ao mesmo tempo em que se abriam as turmas
desse Programa. Contudo, parece-nos que a demanda pelo
curso de especialização ficou bem abaixo das expectativas,
o que provavelmente ocasionou a acentuada queda da oferta
já mencionada anteriormente.
A seguir, descreveremos suscintamente como a
formação específica para educadores do PROEJA vem
sendo abordada nos trabalhos acadêmicos analisados.
4 A FORMAÇÃO DOCENTE EM DISSERTAÇÕES E
TESES SOBRE O PROEJA
Para compreendermos como a formação específica
para educadores do PROEJA tem sido abordada em
trabalhos acadêmicos, analisamos 20 dissertações e teses
sobre o PROEJA, buscando os conteúdos relacionados à
formação docente neles apresentados. Dividimos as
produções acadêmicas em 03 grupos, classificados dessa
207
forma: trabalhos que não abordam o tema da formação
(Grupo I); trabalhos que abordam o tema superficialmente
(Grupo II); e trabalhos que abordam o tema especificamente
(Grupo III).
As dissertações e teses que compõem os Grupos I e
II foram desconsideradas por não trazerem contribuições
relevantes a esta pesquisa. O Grupo III será foco de nossa
análise. Ele se compõe de cinco trabalhos, contudo, após
uma análise mais criteriosa, constamos que apenas dois
abordam a temática com maior densidade teórica: as
dissertações de Heckler (2012) e Neves (2013).
Encontramos, em suas palavras-chave, majoritariamente, os
seguintes termos: PROEJA, Educação Profissional,
Educação de Jovens e Adultos e Formação Docente.
Partimos, então, para a análise dos conteúdos
referentes à formação de educadores para o PROEJA, objeto
de interesse de nosso estudo.
Heckler (2012) tem como tema a especificidade do
trabalho docente no PROEJA do Instituto Federal de
Educação Ciência e Tecnologia Sul-Rio-Grandense –
Campus Sapucaia Sul/RS. Seu objetivo geral foi o de
desenvolver conceitualmente aspectos que envolvem a
docência num programa que articula a EJA com a Educação
Profissional. Entre seus objetivos específicos, destaca-se a
análise das características do exercício da docência, na
Educação Profissional de Jovens e Adultos, no PROEJA do
IFSUL.
No segundo capítulo da dissertação, a autora chama
atenção para a necessidade e a importância das pesquisas
e fóruns sobre EJA, destacando que a formação de docentes
para o PROEJA tem tido maior contribuição dos Fóruns EJA
Brasil. Acrescenta que esses fóruns são espaços que
objetivam organizar, aprofundar e compartilhar discussões
208
sobre tal modalidade de ensino, entre educadores,
pesquisadores, dirigentes dos sistemas de ensino e demais
interessados.
No terceiro capítulo, Heckler (2012) aborda a temática
da formação docente para o PROEJA com base no
documento norteador do Programa e nas contribuições de
outros autores. Entende que, após ser exarado o Decreto
5.840, de 2006, se configurou um campo epistemológico e
político inédito, que acabou por desencadear novos desafios
aos profissionais que atuariam nele, em especial, os
docentes, no que tange à formação.
Em suas considerações finais, a autora destaca a
questão da precarização do trabalho docente, evidenciada
pela insuficiência de professores efetivos atuando no
PROEJA, e a grande quantidade de professores substitutos,
o que pode refletir negativamente na busca pela formação
específica para atuar no Programa. Segundo Heckler,
[...] os professores estão submetidos a contratos temporários, o que lhes garante apenas dois anos na instituição [...] então têm poucas chances de programas de formação pedagógica, em especial, dos cursos de especialização para o PROEJA, pois mesmo que a duração do curso coincidisse com a do contrato do professor, qual o sentido de realizar um curso para atuar em um programa no qual não atuará no futuro? (HECKLER, 20012, p. 72)
O segundo trabalho analisado foi a dissertação de
Neves (2013), que investiga a temática da formação e da qualificação docente no Colégio Pedro II do Rio de Janeiro (CPII). Nesse estudo, o autor apresenta, como objetivo específico, “examinar como os professores do PROEJA nessa instituição percebem a necessidade de qualificação
209
específica para trabalhar com a EJA, integrada à Educação Profissional”.
Ao descrever seus procedimentos metodológicos, destacou que se deteve nas concepções contemporâneas de EJA e de Educação Profissional através da leitura dos seguintes trabalhos: Relatório Delors6, legislação brasileira e diretrizes e resoluções do Conselho Nacional de Educação (CNE) sobre o tema; trabalhos publicados nas reuniões da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (Anped); além uma revisão de literatura de dissertações e teses sobre o PROEJA.
A pesquisa de campo foi realizada com a aplicação de questionários a docentes e funcionários dos campi do Colégio Pedro II que ofertem cursos do PROEJA. Também foi feita uma análise de documentos fornecidos pelo CPII, dentre os quais estão o Plano de Desenvolvimento Institucional, relatórios anuais de atividades do PROEJA, Indicadores de Gestão do Programa e fluxograma dos cursos.
Nessa pesquisa, foram analisados o perfil do quadro
docente que atua no PROEJA do CPII, o posicionamento da
Associação dos Docentes do Colégio Pedro II (ADCPII) e do
Sindicato dos Servidores do Colégio Pedro II (SINDSCOPE)
em relação ao processo de expansão do Colégio e sua
adesão às ações de oferta de cursos do PROEJA, além das
repostas dos docentes e técnicos administrativos ao
questionário aplicado durante a pesquisa.
Neves (2013) conclui que a maioria dos educadores
pesquisados aponta para a necessidade de qualificação e
formação específicas para o trabalho com a Educação
Profissional e com o PROEJA, no entanto, isso contrasta
com o baixo percentual daqueles que efetivamente
6 DELORS, J. et al. Educação - um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XX. São Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO, 1988.
210
participam de espaços formativos sobre o tema. Ressalta
que pouco mais que a metade participou de cursos de
capacitação ou pós-graduação voltados para esse
segmento.
Essa realidade, em nossa análise, suscita algumas
compreensões: a formação ofertada pode não ser suficiente
ou de qualidade na avaliação dos professores, o que
explicaria a baixa adesão deles aos processos de formação.
É possível, também, que não haja interesse por parte dos
docentes e da instituição por esses espaços de formação, o
que nos leva à terceira interpretação: não é prioridade
consolidar conhecimento e práticas pedagógicas adequadas
para os sujeitos da EJA/PROEJA.
A pesquisa de Silva (2011) propôs-se a constatar o
nível de qualificação e de motivação e a visão dos docentes
que estão envolvidos com o PROEJA. No segundo capítulo,
aborda a temática da formação docente para o Programa,
utilizando-se, também, do que é preconizado pelo
Documento Base, não aprofundando a discussão, com o
referencial teórico, sobre formação específica.
O autor comenta que
A formação inicial e continuada de professores constitui elemento principal, quando se trata de docência na educação brasileira em qualquer modalidade. Entretanto, há outras dimensões que precisam ser consideradas: as condições de trabalho do professor, a atualização dos processos pedagógicos, a segurança física e patrimonial e o reconhecimento social. (SILVA, 2011 p. 18)
211
Em suas considerações finais, não faz comentários
sobre a formação específica de educadores para o
Programa.
A pesquisa de Oliveira (2011) propõe-se a estudar o
PROEJA do Instituto Federal de Educação Ciência e
Tecnologia do Rio Grande do Sul – IFRS dos Campi Sertão
e Bento Gonçalves. Procurou compreender e analisar,
através dos educandos, a metodologia e a prática
desenvolvidas no PROEJA, considerando que o Programa
apresenta significativa importância, visto que os cursos são
voltados à formação e à qualificação profissional de jovens e
adultos.
Ao comentar sobre a formação de docentes para o
Programa, Oliveira destaca o seguinte:
[...] a formação dos professores que irão atuar com PROEJA deve ser realizada para entender e valorizar as leituras do mundo e as experiências que os alunos trazem para dentro da sala de aula e para que possam ser úteis e comprometidos em formar cidadãos críticos, reflexivos, capazes de conviver com as constantes mudanças da sociedade e lidar com novas tecnologias. (OLIVEIRA, 2011, p. 26)
Em suas considerações finais, ressalta o papel do
professor como um dos principais atores do processo de
difusão do conhecimento e apresenta algumas propostas
voltadas para sua formação continuada, dentre elas,
ressaltamos a realização de cursos de capacitação e
formação continuada para professores e equipe pedagógica;
momentos pedagógicos para troca de experiências; eventos
para a multiplicação de saberes sobre a modalidade
educação de jovens e adultos, Oliveira (2011).
212
A dissertação de Silva (2013) teve como objetivo
geral identificar e analisar as representações presentes nas
narrativas dos docentes, com relação à implantação do
PROEJA, como política pública educacional viável, no
Instituto Federal do Piauí IFPI, Campus Teresina Central, no
período de 2009 a 2012.
O autor não faz considerações mais aprofundadas
sobre o tema da formação especifica de educadores, mas
comenta que “os princípios descritos no Documento Base
não eram conhecidos pelos sujeitos pesquisados [os
docentes envolvidos com o Programa].” (SILVA, 2013, p.
136). Isto nos leva a questionar a respeito do conhecimento/
desconhecimento dos docentes sobre as bases pedagógicas
e políticas que constituem o próprio Programa, sobre as
especificidades do PROEJA, e seus efeitos no trabalho
pedagógico.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando o estudo realizado para esta pesquisa,
acreditamos ser importante a consolidação de um campo de
conhecimento que debata a formação do docente atuante no
PROEJA. Este pode ser um caminho para continuidade de
um Programa que nasceu com potencialidades,
principalmente se levarmos em conta que foi inserido em
sistemas de ensino de forma integrada às instituições, como
no caso da Rede Federal.
Entendemos que as demandas sociais, as
expectativas de crescimento e a formação profissional
necessitam de uma constante atualização de conhecimentos
e habilidades. As mudanças ocorridas no mundo trabalho, o
aumento do desemprego, a globalização e as novas
213
tecnologias têm causado grandes impactos nas diversas
dimensões da vida dos trabalhadores e da sociedade como
um todo. Elas requerem do indivíduo o desenvolvimento de
competências e de novas habilidades, além da capacidade
de se adaptar ao sistema produtivo vigente e às demandas
no que diz respeito a tornar-se empregável.
Consideramos o PROEJA uma possibilidade para
que jovens e adultos trabalhadores tenham a oportunidade
de atender as novas exigências do mercado de trabalho.
Frente ao desemprego estrutural, que afeta mais
severamente a população juvenil, programas como o
PROEJA acabam por se constituir em possiblidades de
acesso à qualificação e à formação para o mundo do
trabalho, mesmo que nos limites impostos pelo capital.
Reconhecer esses limites, por meio de pesquisas
que se dispõem a tratar da formação do docente do
PROEJA, constitui-se também como um caminho para
compreender melhor a forma como tal Programa vem sendo
tratado nas instituições de ensino que o ofertam.
Apesar de termos constatados que algumas
pesquisas apontam a necessidade de formação específica
para atuar no campo da EJA integrada à Educação
Profissional, consideramos que o número delas é
insuficiente, tendo em vista a relevância do PROEJA, que se
propõe à transformação da realidade social dos indivíduos
das classes menos favorecidas.
É necessário compreender que o professor é peça
fundamental no processo de construção do conhecimento,
portanto, faz-se necessária uma boa formação, inicial e
continuada, e constante atualização, principalmente no que
tange a sua “profissionalização”.
Se realmente o que se pretende é a elevação dos
níveis de escolaridade da população jovem e adulta, com
214
vistas à inserção no mundo do trabalho e consequente
melhora das condições de vida de jovens e adultos
trabalhadores, o Governo Federal precisa conceber os
educadores e sua formação não como custo, mas como
investimento.
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219
JUVENILIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS: A TEORIA DIANTE DE UMA ESTRATÉGIA
NA EJA DE UMA ESCOLA DE PIRAÍ-RJ
Nívia Maria Vieira da Silva1
Orientador: Prof. Dr. Alexandre Maia do Bomfim
Depois de vinte anos na escola Não é difícil aprender
Todas as manhas do seu jogo sujo Não é assim que tem que ser?
Vamos fazer nosso dever de casa E aí então, vocês vão ver
Suas crianças derrubando reis Fazer comédia no cinema com as suas leis
(“Geração coca-cola”, de Renato Russo)
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho partiu da experiência da autora, em um
colégio do município de Piraí2, como orientadora
educacional, acompanhando uma turma da educação de
jovens e adultos (EJA), no horário da tarde, turno em que
também estudavam alunos do ensino fundamental (EF) II
regular (6º ao 9º ano). Essa aproximação propositiva das
modalidades de ensino aconteceu a partir de uma decisão
coletiva da equipe de gestores, professores e orientadores
do colégio, no sentido de envolver jovens adolescentes e
1 Graduada em Pedagogia (UERJ) e História (Universidade do Grande Rio). Pós-graduada em EJA. Orientadora Educacional nos municípios de Piraí e Barra Mansa (RJ). 2 Município situado na região do Vale do Paraíba fluminense.
220
professores num laço afetivo que favorecesse seus estudos
de uma maneira acolhedora.
Esses alunos eram jovens que acabavam de
completar 15 anos e que enfrentavam uma realidade de
muitas dificuldades de aprendizagem, baixa autoestima e
distorção idade-série. Entre eles, havia moças e rapazes com
consecutivos anos de retenção e de evasão escolar.
O colégio atendia, desde a educação infantil até o
ensino médio, inclusive turmas de EJA, em um bairro de
difícil acesso. A instituição é conhecida como “colégio” pela
comunidade local, apesar de ser municipal. Por isso,
utilizamos aqui a palavra colégio ao invés de escola, termo
adequado à instância municipal.
A EJA vespertina foi oferecida na intenção de atender
a necessidade de aproximação com a juventude. Segundo
os professores da instituição, o ensino regular não satisfazia
mais as expectativas dos jovens, e estes não podiam
frequentar a EJA noturna pelo fato de o colégio estar em uma
região de difícil acesso. A proposta era diferente de outras
recorrentes na história da modalidade, em que os alunos são
agrupados num processo de exclusão (encaminhamento, por
exemplo, de maiores de 15 anos para o turno noturno).
Santos (1996, p. 15) diz que “ainda vivemos em um
tempo simultâneo de conflito e de repetição, em que o novo
e o velho caminham lado a lado”. Experimentar um novo
caminho para aqueles jovens foi o propósito da equipe
pedagógica.
Dessa forma, este trabalho analisa, com base no
referencial teórico, a proposta desse colégio, considerando o
fenômeno da juvenilização da EJA, que, segundo Paiva
(2014), é cada vez mais comum. Primeiramente, foi feita uma
análise de documentos oficiais e uma revisão de literatura
que pudesse ajudar a entender o fenômeno em questão.
221
Foram consultados, principalmente, Freire (2001), Feixa e
Leccardi (2010), Pais (1990), Costa e Calháu (2010), Ribeiro
(1996), Tosi (2003) entre outros.
Segundo Marconi e Lakatos:
A pesquisa bibliográfica permite compreender que, se de um lado a resolução de um problema pode ser obtida através dela, por outro, tanto a pesquisa de laboratório quanto à de campo (documentação direta) exigem, como premissa, o levantamento do estudo da questão que se propõe analisar e solucionar. A pesquisa bibliográfica pode, portanto, ser considerada também como o primeiro passo de toda pesquisa científica. (MARCONI; LAKATOS, 1992, p.44)
Fomos da teoria à prática. Também realizamos um
estudo de campo, com base na técnica de observação, na
intenção de compreender como professores e jovens alunos
vivenciavam a experiência na EJA vespertina. Então, fomos
constatando que a educação de jovens e adultos vai se
tornando mais “jovem” e menos “adulta”.
2 O APORTE DOCUMENTAL E TEÓRICO
2.1 A EJA em documentos oficiais
A sociedade brasileira contemporânea está
enfrentando uma fase de transformação quanto à Educação.
Por um lado, acontece um cenário de lutas sindicais e
movimentos sociais em busca de uma Educação de
qualidade, onde os educadores são provocados à militância,
222
à discussão de ideias progressistas pela defesa da escola
pública no país. E, por outro lado, o Estado exerce a função
de instrumento regulador, reordenando a formação e a
prática educacional, na educação básica, através de políticas
públicas corporativistas. Nesse cenário dual e cercado de
contradições, segundo Ribeiro (2004),
[a] EJA [educação de jovens e adultos] encontra-se em estado de abandono, entregue à benevolência de alguns educadores, mesmos que os dados demostrem que, apesar do seu baixo nível médio de escolaridade, a população brasileira permanece longo tempo na escola, persiste nela, e opta pelo retorno. (RIBEIRO, 2004, p.197)
Segundo o que determinam as Diretrizes da EJA
(BRASIL, 2000),
A média nacional de permanência na escola na etapa obrigatória (oito anos) fica entre quatro e seis anos. E os oito anos obrigatórios acabam por se converterem em 11 anos, na média, estendendo a duração do ensino fundamental quando os alunos já deveriam estar cursando o ensino médio. Expressão dessa realidade são a repetência, a reprovação e a evasão, mantendo-se e aprofundando-se a distorção idade/ano e retardando um acerto definitivo no fluxo escolar. (BRASIL, 2000, p.4.)
A partir dessa afirmação, pode-se entender porque a
EJA passou a ser compreendida como pagamento de uma
223
dívida social para os que não cursaram ou não concluíram a
educação básica na idade dita apropriada (BRASIL, 2000).
Desse modo, há uma reparação histórica e social,
para com nossos jovens e adultos, baseada no princípio de
igualdade de direitos. Há uma necessidade de equalização
que deve ser atendida com a possibilidade de reinserção na
escola de todos que interromperam sua etapa educacional
por motivos de retenção, evasão, entre outras situações. A
EJA é, portanto, um caminho para ajudar a qualificar os
indivíduos para a vida cidadã.
A partir da Constituição Federal de 1988 e da Lei de
Diretrizes da Educação Básica (Lei nº 9394/96), a realidade
educacional tem buscado garantir o que preconiza esse
suporte legal. A comemoração do ano Internacional da
Alfabetização e da Conferência em Jomtien (Conferência
Mundial sobre Educação para Todos), na Tailândia, em
1990, confirmaram um marco mundial das estratégias de
união em prol de uma “Educação Para Todos” (crianças,
jovens e adultos).
Na sequência dos grandes acontecimentos, ocorreu
a V Confintea (Conferência Internacional sobre a Educação
de Adultos), em Hamburgo (Alemanha), em 1977, que
procurou orientar as estratégias mundiais para a EJA,
definindo a “Agenda para o Futuro” e a “Declaração de
Hamburgo”, documentos que selam o compromisso entre as
nações para atender à grande população de jovens e adultos
excluída nos países pobres.
Em relação à EJA, a Lei nº 9394/96, nos artigos 37 e
38, diz:
Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no
224
ensino fundamental e médio na idade própria. § 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames. § 2º O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si. § 3º A educação de jovens e adultos deverá articular-se, preferencialmente, com a educação profissional, na forma do regulamento. (Incluído pela Lei nº 11.741, de 2008). Art. 38. Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que compreenderão a base nacional comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter regular. § 1º Os exames a que se refere este artigo realizar-se-ão: I - no nível de conclusão do ensino fundamental, para os maiores de quinze anos; II - no nível de conclusão do ensino médio, para os maiores de dezoito anos. § 2º Os conhecimentos e habilidades adquiridos pelos educandos por meios informais serão aferidos e reconhecidos mediante exames. (BRASIL, 1996)
O parecer CNE/CBE nº 11 (BRASIL, 2000), de 10 de
maio de 2000, por sua vez, ressalta, em suas diretrizes, a
importância de legitimar o “direito” a ações educativas que
225
expressam o sentido urgente e coletivo de atender os mais
pobres.
2.2 A práxis na EJA
Há tempos que se buscam métodos e práticas
adequadas ao aprendizado de jovens e adultos. Em relação
à alfabetização desses sujeitos, Paulo Freire, há algumas
décadas, já defendia:
[...] a alfabetização não pode ser feita de cima pra baixo, nem de fora para dentro, como uma doação ou uma exposição, mas de dentro para fora pelo próprio analfabeto, somente ajustado pelo educador. Esta é a razão pela qual se procura um método que seja capaz de fazer instrumento também do educando e não só do educador [...]. [...] o conteúdo da aprendizagem deve caminhar junto com o processo de aprendizagem. Por essa razão, não devemos acreditar nas cartilhas que pretendem fazer uma montagem de sinalização gráfica como uma doação e que reduzem o analfabeto mais à condição de objeto de alfabetização do que de sujeito da mesma. (FREIRE, 1979, p.72)
Freire (1979), já no início de seu trabalho de
alfabetização, com base em técnicas e objetivos que
buscavam adequar esse trabalho à especificidade dos
alunos, começou a ter consciência de que alfabetizar jovens
e adultos requeria a utilização de estratégias diferentes
daquelas destinadas à criança. As necessidades e
226
possibilidade daqueles educandos exigiam o
desenvolvimento de propostas mais adequadas.
Paulo Freire deu início à sua intervenção social com
iniciativas populares quando decidiu organizar, juntamente
com paróquias católicas, projetos que abrangiam desde o
Jardim de Infância até a educação de adultos. As técnicas
desenvolvidas por ele, que depois foram utilizadas por
outros, eram estudo em grupo, ação em grupo, mesas
redondas, debates e distribuição de fichas temáticas. Freire,
a partir desse projeto, começou a aplicar o sistema de
técnicas educacionais denominadas por alguns “Método
Paulo Freire” e “Conscientização”.
Para o estudioso, os educandos devem sempre ser
reconhecidos como homens e mulheres que possuem muitos
conhecimentos e pertencem a uma determinada cultura. A
partir dessa perspectiva, criticou a chamada educação
bancária, que considera o aluno uma espécie de gaveta
vazia onde o educador deve depositar conhecimento. Freire
propunha uma ação educativa em que o alunado não
negasse a sua cultura, mas que esta fosse enriquecida
através do diálogo.
A teoria e a prática pedagógica de Paulo Freire
somente foram reconhecidas no mundo após 1970. A prática
educativa tornou-se uma práxis mais revolucionária, e uma
maior ênfase foi colocada no tema do compromisso com o
oprimido. Ainda hoje, as ideias de Freire, com respeito à
busca por novas ações pedagógicas, ganham força e nos
levam a refletir e a buscar novas metodologias adequadas à
realidade do educando jovem e adulto.
Dentro de um contexto mais amplo, a atual proposta
do governo federal para a EJA inclui não apenas a
alfabetização e as quatro primeiras séries do ensino
fundamental, mas também o ensino fundamental II e o ensino
227
médio. No entanto, há aspectos considerados
insuficientemente enfatizados, como, por exemplo, o que diz
respeito à educação para o trabalho, que, sem dúvida, é da
maior relevância em se tratando de ensino dirigido a jovens
e adultos.
2.3 A lógica capitalista, a escola e os jovens
O mundo capitalista organiza suas regiões políticas
com base em contradições e conflitos, causando uma
ausência de identidades: é o local a serviço do global. A
educação serve como instrumento em prol de interesses
econômicos e das organizações mundiais, que estabelecem
o controle social em todos os espaços formais e não formais.
Tosi (2003) afirma que a ideologia faz os homens agirem de
acordo com a vontade “do sistema”, que promove a coerção
das classes dominantes sobre as classes dominadas.
Embora haja a esperança de impedir que esse
modelo permaneça latente nas orientações de
pesquisadores e críticos do capitalismo, observamos, ao
longo dos anos, em nossas práticas escolares, que vivemos
períodos de retrocesso das diretrizes que deveriam
reconhecer a igualdade de direitos para todos,
independentemente de classe econômica, formação política
e origem social.
Devemos crer que é importante o despertar da
consciência crítica para a realidade e para nossas escolhas.
Freire defende que
[...] a opção política, a posição pedagógica, a inteligência da vida na cidade, o sonho em torno desta vida, tudo isso gravita de preferências políticas, éticas, estéticas, urbanísticas, e
228
ecológicas de quem o faz. (Freire, 2001, p.11)
Orientações advindas da política neoliberal
encontram-se distanciadas de uma realidade coletiva e em
permanente crise de igualdade e de oportunidades.
Percebemos uma excessiva valorização da ordem
conservadora; de um bloco dominante que afirma ser a
escola o único lugar onde adquirimos os conhecimentos
necessários para acessão a uma vida plena. Desse modo,
os jovens são impulsionados a buscar a escola pensando na
competitividade, em metas individuais calcadas em uma
política neoliberal burguesa e capitalista.
Na EJA, o confronto da teoria com o empírico evidencia
a necessidade de se construir um conceito de juventude
como categoria social. Porém, não se trata aqui de uma
juventude brasileira de forma genérica, mas daquela
composta por jovens filhos da classe trabalhadora. Sua
condição exige uma aproximação com conhecimentos sobre
suas relações com a cultura, o consumo, o lazer, o trabalho,
a família. Portanto, implica compreender as diversas formas
de socialização e de sociabilidade dos jovens da classe
trabalhadora.
Nas sociedades modernas, a educação escolar tem
um papel muito importante, pois atua como o “tempo da
espera”, o tempo de preparação do jovem para a idade
adulta. Dubet3 analisou essa situação, na sociedade
francesa, nas décadas de 1980 e 1990, e afirmou que o
prolongamento do tempo na escola tem como objetivo deixar
o jovem fora do mercado de trabalho, atendendo à crise do
desemprego no país (DUBET apud PIMENTA, 2002).
3 DUBET, François. Les Lycéens. Paris: Editions du Seuil, 1991.
229
Melucci4 (1991) vê nos estudos sobre a juventude a
possibilidade de compreensão do agir coletivo das
sociedades contemporâneas. O interesse sociológico por
esses estudos estaria, sobretudo, no fato de os jovens se
constituírem como atores de conflito (MELUCCI apud
PIMENTA, 2002).
Para Pimenta (2002), fazer uma nova leitura da EJA, a
partir dos alunos, deve constituir um dos objetivos de
pesquisadores e educadores, pois, ao se colocar a
centralidade nos educandos – seus anseios, suas angústias,
suas esperanças –, é possível que se veja o fenômeno de
outro ângulo, diferente daqueles tradicionalmente oferecidos
pelas abordagens pautadas na centralidade do trabalho.
Suas análises devem recuperar a perspectiva do aluno
como protagonista, seu ponto de vista, sua identidade, sua
cidadania, penetrando na esfera do seu cotidiano. Ampliam-
se, portanto, as possibilidades de explicação das formas de
organizações da ação e da mobilização nas sociedades
contemporâneas. Busca-se construir uma nova teoria do
social, pautada na cidadania e no direito pleno.
2.4 O “boom” da juvenilização na EJA
A educação de jovens e adultos abrange uma
diversidade de grupos sociais dentro de uma mesma
realidade educativa: negros, trabalhadores, pobres,
desempregados, mulheres, homens, idosos e, agora,
adolescentes, que cada vez mais cedo migram para a EJA,
oriundos do ensino regular.
4 MELUCCI, A. Linvenzione del presente movimenti socialinelle
societá complesse. Bologna: Mulino, 1991.
230
Freire (2001, p.11) comenta que “fazer a leitura crítica
do mundo se funda numa prática educativa crescente
desocultadora de verdades. Verdades cuja ocultação
interessa às classes dominantes da sociedade”. Dessa
forma, o autor (ibidem, p.13) afirma que se deve formar “uma
escola aberta, que supere preconceitos, que se faça um
centro de alegria”. Uma juventude plenamente incluída na
escola, inconformada com as inadequadas práticas
pedagógicas oferecidas, e, ao mesmo tempo, inquieta por
estar vivenciando a era tecnológica, só é possível com novas
estratégias educativas.
Para Pais (1990), há, na sociedade contemporânea,
alguns paradoxos sobre juventude que buscam categorizar o
conceito de cultura juvenil em um único discurso, preso a
uma cronologia de tempo social dominante. No entanto, os
jovens estão naturalmente reinventando suas posições e
atitudes diante da vida, demonstrando que não existe uma
cultura de juventude, e sim, culturas juvenis.
Dando continuidade a essas reflexões sobre
juventude, esse autor afirma que o conceito está atrelado a
uma estrutura classista que define o lugar e os valores
atribuídos aos jovens oriundos de diversos contextos
sociopolíticos e condições econômicas. Na verdade, Pais
(1990, p. 141) defende que, se os jovens não se esforçam
por contornar esses “problemas”, correm risco de serem
rotulados de “irresponsáveis” ou “desinteressados”. Assim
sendo, a noção de juventude torna-se ora manipuladora, ora
influenciada pelo aparelho social.
Devemos entender essa categoria a partir de um
conceito plural, repensando os nossos fazeres e discursos
enquanto educadores, projetando as nossas ações para
caminhos libertários e mais arrojadas, não categorizando os
231
lugares dos jovens, mas sim, relativizando essas novas
dinâmicas “juvenis” (PAIS5, apud RIBEIRO, 2004, p. 86).
As estatísticas vêm, a cada ano, demonstrando altos
índices de adolescentes e jovens reprovados, que acumulam
déficit de aprendizagem, distanciados da faixa etária e dos
interesses comuns do ensino regular. A indisciplina aumenta
entre esses alunos como consequência da falta de motivação
e de expectativa com o curso fundamental diurno, levando-
os a desistir de estudar, ou seja, aumentando a evasão
escolar.
Dessa forma, muitos alunos jovens (até
adolescentes) têm migrado ou são transferidos para a EJA,
provocando, nesta, o fenômeno da juvenilização
(CARVALHO, 2009).
Sendo assim, a EJA deve promover em nós,
educadores, uma ampliação acerca das percepções sobre
os jovens, suas aspirações e necessidades. O resultado das
transformações de leituras históricas, culturais, políticas e
sociais, sobre o mundo juvenil, precisará reorientar o fazer
pedagógico, construído na vivência com as diversas culturas
juvenis.
3. A EJA no turno vespertino: o lócus de nossa pesquisa
Pôde-se observar, no decorrer do levantamento
bibliográfico deste trabalho, que a visão social de uma
geração está relacionada à construção da identidade do
indivíduo, que engloba seu registro histórico (promovendo a
5 PAIS, J. M. Culturas juvenis. 2.ed. Lisboa: Imprensa Nacional -
Casa da Moeda, 2003.
232
consciência histórico-social), abarcando o meio social em
que está inserido. A partir desse pressuposto, foi possível
analisar concretamente, no colégio de Piraí, o processo de
juvenilização que diferentes estudos já apontavam como
uma característica da EJA atual.
Com Feixa e Leccardi (2010), compreendemos que
o conceito de “geração” apresentado pelas teorias sobre
juventude, a partir do pensamento social contemporâneo do
início do século XX, pode contribuir muito para o
entendimento do fenômeno da juvenilização na EJA. A cada
época, cada geração, à sua maneira, encontra diferentes
formas de se comunicar e de se expressar, certamente
condicionada a uma realidade específica, fruto de um quadro
sociopolítico da comunidade em que se insere.
Fazer essa reflexão acerca da educação de jovens e
adultos torna os professores e os alunos da EJA agentes de
transformação e interpretação dessa realidade, constituída
em confronto com um ideal imaginário presente no espaço
escolar.
Entendemos que a pesquisa contextualizada em
educação é de extrema relevância para o campo acadêmico,
pois aproxima-o da prática escolar. Então, buscamos um
entendimento sobre a procura dos adolescentes a partir de
15 anos pela EJA e a experiência desenvolvida nessa
modalidade à tarde para compreender esses jovens como
uma categoria sociológica, através de um olhar ético e
educacional.
O objetivo central do trabalho foi evidenciar a
identidade desses alunos, seus interesses e expectativas, e
identificar se estes estão sendo considerados nesse novo
caminho. Procuramos compreender se a estratégia que esse
colégio de Piraí adotou, em relação aos jovens que
233
apresentam distorção idade-série, está colaborando para
uma ação de mudança de maneira afetiva e acolhedora.
Vale dizer que este trabalho confronta as ideias dos
autores pesquisados com a realidade da unidade escolar de
Piraí em questão para buscar, também, resposta ao seguinte
problema: A decisão do colégio de ofertar a EJA vespertina
levou à valorização ou desvalorização dos alunos?
A experiência desenvolvida no colégio de Piraí com a
EJA vespertina surgiu de uma formação pedagógica que
fazia parte do calendário letivo do município e era voltada
para todos os profissionais da educação que atuavam nos
diversos segmentos em cada unidade escolar.
Esse Trabalho Dirigido (TD - como era identificado)
acontecia sempre, no início de cada ano letivo, como uma
reunião geral nas escolas. Depois, sob a responsabilidade
da coordenação pedagógica e educacional, ocorria, uma vez
por semana, com a presença dos professores das áreas em
comum, para definir as ações coletivas, planejamentos,
encaminhamentos e agenda de acordo com cada realidade
educacional.
O colégio está localizado na região do Médio Paraíba,
no município de Piraí, afastado do centro da cidade, numa
área considerada de difícil acesso. Tinha, na época da
pesquisa, 265 alunos da educação Infantil até o ensino médio
(este, competência do Estado).
As turmas dessa modalidade sempre funcionaram no
turno da noite, atendendo a jovens e adultos da alfabetização
ao ensino médio. Todavia, observamos, na prática, que o
número de jovens com distorção idade-série, retidos e
evadidos vinha crescendo, principalmente no ensino
fundamental II regular diurno. Por isso, em virtude dessa
demanda, a equipe dos profissionais (diretores, orientadores
e professores) resolveram articular uma proposta de migrar
234
esses jovens alunos para um projeto piloto de EJA
vespertina.
Partimos da nossa observação direta, como
orientadora educacional da escola, e da análise dos
professores presentes nessa formação continuada, que
estavam insatisfeitos pelo fato de os alunos estarem alguns
anos no mesmo período de escolaridade, retidos devido às
dificuldades de aprendizagem e ao avanço da idade.
Segundo os professores, esses jovens
demonstravam, nos diálogos com gestores, orientadores e
professores, baixa autoestima e nítido constrangimento
relacionado à estatura média da turma. O perfil desses
jovens estava relacionado a comportamentos inadequados,
bullying e indisciplina.
Na orientação educacional, analisamos cada aluno a
partir do diálogo com os professores no último conselho de
classe. Foi apresentada uma lista com registros de notas, por
disciplina, de cada turma (6º e 7º anos). Foi avaliada,
também, pela equipe pedagógica e educacional, em reunião
com cada família, a condição social e de moradia. Foi
realizado um mapeamento onde identificamos quinze jovens
entre quinze e dezoito anos que deveriam participar do
projeto piloto da turma de EJA vespertina.
A direção da escola comunicou o projeto à Secretaria
de Educação, que apoiou o trabalho. Entendeu-se que todos
os alunos retidos no sexto e no sétimo anos regulares, há
vários anos, que moravam num local de difícil acesso, sem
condições para o deslocamento noturno, e que não
trabalhavam à tarde, estavam em condições favoráveis de
participarem da nova turma.
Assim, quinze jovens foram sendo convocados pela
equipe de orientação educacional da escola para uma
235
sondagem sobre a possibilidade de adesão ao projeto e
sobre seus interesses e expectativas para o ano seguinte.
Alguns jovens apontaram, nesses encontros, o
desejo de trabalhar pela manhã, ainda em atividades
informais (algumas alunas, “tomando conta de crianças”, e
alguns alunos, trabalhando nas fazendas e sítios da região).
Identificou-se que cinco jovens, por já trabalharem, haviam
pensado em cursar EJA, mas não poderiam frequentar as
aulas porque moravam na Serra do Matoso, lugar de
dificílimo acesso.
Todos da equipe pedagógica sentiram a
receptividade das famílias e jovens, e, a partir dos encontros,
os 15 alunos aderiram ao projeto. Então, foram alocados
pelas orientadoras em uma turma no mesmo horário dos
alunos do ensino fundamental II regular, de maneira
estratégica, para aproximá-los, inclusive através de
atividades juvenis desenvolvidas na escola, como aulas de
violão e esporte.
A EJA era oferecida em ciclos (fases). A primeira
turma piloto estava cumprindo, na época da pesquisa (2015),
as fases VI e VII, correspondentes ao sexto e sétimo anos do
EF. De imediato, os jovens perceberam a iniciativa como
uma aceleração dos estudos e estímulo.
O colégio tinha uma equipe de gestores participativa,
composta pelas diretoras, orientadoras educacionais e
pedagógicas, que davam suporte a todos os professores,
auxiliando na execução do planejamento de área,
fornecendo material para a elaboração de aulas práticas e
teóricas diversificadas, organizando TDs com recursos
específicos que atendiam à EJA, sempre buscando novas
ideias pedagógicas. A equipe dava suporte também aos
alunos, orientando-os em suas dificuldades, proporcionando
236
encontros com as famílias e auxiliando a comunidade em
uma parceria atuante no espaço escolar.
Havia também, no município, a promoção, pela
Secretaria de Educação, de feiras culturais com a juventude
e palestras diversificadas. Além disso, para os alunos que
estavam na educação de jovens e adultos, havia o
EncontrEJA, organizado pela coordenação da EJA, com
temáticas que enriqueciam a formação dos alunos, sua vida
social, cultural, profissional; e promovia a cidadania através
de lideranças.
No início do período letivo, a equipe de professores,
orientadores e direção do colégio teve a preocupação de
seguir a rotina dos jovens alunos e o processo de
aprendizagem diferenciado desenvolvido na EJA vespertina.
Buscava orientá-los e acompanhar sua adaptação ao curso,
à sala de aula e aos espaços de convivência com os alunos
do EF, que viam, até então, seus amigos como “atrasados”.
Os recursos audiovisuais e tecnológicos eram
utilizados quase todos os dias (os alunos relataram à
orientadora educacional que estava mais fácil estudar com a
internet), os professores dedicavam-se mais à turma, a
matéria tornou-se mais simples de entender e as tarefas
eram mais relacionadas às experiências dos educandos.
Ao participar do primeiro conselho de classe da EJA
vespertina, identificamos, na fala dos professores que
atuavam na turma, que os alunos mudaram o
comportamento de forma drástica, após essa forma
diferenciada de recebê-los em um turno que os “incluía”.
Passaram a interagir mais, participando das aulas de violão,
de esportes; envolviam-se, como iguais, nas rodas de
conversa, nos espaços de convivência com outros alunos,
inseridos num contexto diferenciado.
237
O currículo passou por um filtro de interesses e
expectativas daquela comunidade escolar, graças aos
professores, com a mediação dos orientadores, sempre nos
encontros de TD. Manteve-se o currículo mínimo, mas
associado às riquezas de atividades e às peculiaridades
daquela região. As disciplinas Matemática e Língua
Portuguesa absorveram, em seus conteúdos, o cotidiano da
linguagem local e global. Foram feitos, também, estudos
comparativos de textos e cálculos matemáticos baseados no
universo dos jovens trabalhadores das fazendas da região.
A disciplina Ciências abordou a relação do homem
com o meio ambiente. Levou-se em consideração que o
bairro em que está a escola (Cacaria) é produtor de banana,
e que cinco dos jovens que estudavam na EJA vespertina
trabalhavam no trato com animais.
Em Geografia e História, exploraram-se os espaços,
revisitando a trajetória histórica do bairro, onde, em 1967,
aconteceu um acidente geográfico. O fato foi relacionado a
outras catástrofes, como a de Mariana - MG e da Região
Serrana - RJ.
Em Língua Inglesa, falou-se do projeto “Piraí Digital”
para aproximar aspectos tecnológicos globais com locais.
Professores de Educação Artística e Educação Física, por
sua vez, investiram nos projetos “Ano do Samba” e
“Olímpiada”.
Assim, o universo da EJA vespertina conseguiu
agregar, no ciclo de estudos dos seus jovens, um contexto
de inclusão e superação das dificuldades que os paralisaram,
por anos, nas mesmas etapas escolares. Como
consequência, houve a mudança de concepções sobre
retenção e evasão escolar e a união de todos os alunos do
turno, dando visibilidade aos jovens do colégio. Com isso,
percebeu-se uma grande melhora no rendimento e,
238
principalmente, na autoestima. O colégio, com a EJA
vespertina, estava na contramão da realidade excludente,
ajudando os alunos a se tornarem mais ativos diante dos
novos desafios.
Ainda que a Secretaria de Educação de Piraí
garantisse formação continuada para orientar os novos
professores da EJA, cada um atuava com liberdade,
utilizando seus próprios materiais diversificados, recursos
audiovisuais e tecnológicos em sua área, oferecendo aulas
expositivas e práticas, dentro da realidade dos alunos, com
autonomia.
No entanto, é preciso mencionar que, apesar do apoio
dessa Secretaria, havia, por parte da administração pública
municipal, falhas num entendimento mais global do projeto
piloto aqui relatado. Inclusive muitos profissionais da
educação do município questionavam o porquê de não se
legitimarem iniciativas como essa em outras unidades
escolares. Além disso, havia um crescente interesse desses
profissionais pela formação, nas TD, sobre o projeto.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo educacional deve orientar-se, implícita ou
explicitamente, por concepções sobre o tipo de sujeito e de
sociedade que se deseja; por julgamentos sobre quais
elementos da cultura são mais valiosos e essenciais.
Também deve-se considerar que a elaboração e o
desenvolvimento de programas e projetos educacionais
exigem dos educadores o esforço de complementar as
diretrizes genéricas com aspectos de seus contextos
específicos
239
Com base nisso, pudemos analisar a proposta de uma
EJA vespertina, em um colégio de uma região de difícil
acesso de Piraí (RJ), que visava atender a uma clientela de
adolescentes com necessidades específicas e prejudicada
pela distorção idade-série.
A proposta curricular na EJA deve ser delineada com
base na situação social e nas necessidades educativas dos
seus educandos. Os princípios gerais dessa modalidade e o
trabalho diversificado, por sua vez, devem ser postos em
prática em objetivos e estratégias que orientem a ação
educativa.
No que tange à EJA vespertina, percebemos que ainda
havia uma grande defasagem dos seus alunos. Estes eram
jovens que vivenciaram uma sucessão de equívocos sociais
e educacionais. Suas trajetórias individuais, na escola,
envolveram rótulos opressores que distanciaram cada vez
mais seus objetivos de uma formação humana plena. Houve
nítido comprometimento, nas suas relações afetivas juvenis,
de diversos fatores negativos, como indisciplina, atrasos,
fadiga devido ao trabalho informal, falta de dedicação aos
estudos, atrasos contínuos.
Sendo assim, como orientadora educacional,
observadora desse novo processo, podemos afirmar que
passou a haver uma diferença muito grande entre os alunos
da EJA noturna e da EJA vespertina. O projeto piloto deu
ânimo e visibilidade a todos os envolvidos no trabalho e,
principalmente, motivação aos professores e alunos na
construção coletiva desse projeto diurno.
Pode-se afirmar, portanto, que os alunos passaram a
se sentir mais valorizados. Porém, é fato que a pesquisa
sobre os efeitos da experiência relatada se encontra
inacabada, pois ainda há de se acompanhar o
240
desenvolvimento da proposta com mais tempo de sua
execução.
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TOSI, A.R. Sociologia da educação. 4. ed. Rio de Janeiro: DP &A, 2003.
243
TECNOLOGIAS DIGITAIS NA FORMAÇÃO
CONTINUADA DE DOCENTES DA EJA: UMA
PROPOSTA DE CURSO
Sylvia Regina de Azeredo Coutinho Lopes Alves1
Orientador: Prof. Me. William Eduardo da Silva
1 INTRODUÇÃO
Atualmente, os professores não podem ignorar o uso das
tecnologias digitais de informação e comunicação (TDICs) na
escola. Uma maneira de incorporá-las ao processo educativo
é articular o modelo de educação presencial e o virtual na
prática docente.
Este artigo demonstra, de modo objetivo, uma ferramenta
de design instrucional e a proposta de implementação de um
curso em um ambiente virtual de aprendizagem (AVA). Este
teria o intuito de disponibilizar aulas para a modalidade a
distância, explorando seu vasto e rico potencial, com vistas
a promover não só a discussão de aspectos referentes à
Educação de Jovens e Adultos (EJA), mas também o
desenvolvimento do letramento digital de professores.
É imprescindível compreender que vivemos em meio a
uma revolução digital, na qual a difusão das mídias vem
sendo provocada pelos efeitos da globalização. Essa
revolução torna-se mais acelerada, a cada dia que passa,
devido às necessidades geradas pelo capitalismo.
1 Graduada em Letras (UFRJ). Pós-graduada em EJA (IFRJ). Professora de língua portuguesa e língua francesa.
244
Vivenciamos mudanças na cultura, na educação, na
economia, nas relações sociais, etc., em razão de uma
intensa disseminação do uso da tecnologia. Com o avanço
desta, é preciso adaptar o uso das TDICs à prática
educacional e aliá-las aos saberes da escola. A partir do
diálogo estabelecido entre essas partes, será possível
mostrar a importância da relação tecnologia-educação no
ambiente escolar.
Para tanto, são necessários esforços para uma
preparação mais adequada dos educadores, através de
investimentos e de políticas públicas governamentais
voltados para a formação continuada. Ainda existem muitas
dificuldades para o uso das TDICs no espaço escolar, além
do despreparo dos profissionais de educação, como a falta
de equipamentos adequados, a escassez de verbas, a falta
de materiais etc.
De acordo com Litto (2009), é por meio da internet que as
pessoas estão compartilhando o conhecimento, antes
restrito a um grupo de pessoas. Para Figueredo e Capaz
(2010), com a utilização dessa mídia, o poder de voz está
cada vez mais descentralizado.
O maior potencial de transformação da rede mundial de
computadores está em conectar pessoas, colocando-as
diante de um modo de produção colaborativo. Nesse sentido,
o crescimento das oportunidades de acesso às TDICs está
tornando cada vez mais indistintos os limites entre tempos e
lugares.
O uso da Internet pode trazer imensos benefícios para a
vida das pessoas e pode, ainda, aproximá-las mesmo
estando a quilômetros de distância. Por isso, precisa estar
também na escola, pois é um meio de inserção social,
245
interação e de fomento à criatividade e à aquisição de
conhecimentos
O acesso às TDICs, no espaço escolar, é importante na
sociedade contemporânea, e os professores precisam se
familiarizar com os benefícios desses recursos no processo
ensino-aprendizagem. Além disso, elas podem contribuir
para a autonomia e a promoção da cidadania dos alunos,
que, através das informações obtidas, poderão produzir
novos conhecimentos e minimizar suas próprias dificuldades.
Assim, a partir das contribuições da disciplina
“Tecnologias Digitais na EJA”, lecionada no curso de
Especialização em Educação de Jovens e Adultos do IFRJ,
surgiu a motivação para a autora deste trabalho pesquisar
sobre o uso de tecnologias na formação docente.
O referencial bibliográfico baseia-se, em especial, nas
ideias de Ribeiro (1999), Soares (2002), Rummert (2007),
Freitas (2010), Paiva (2010), Franco (2010) e Almeida
(2003). Buscaram-se, nesse arcabouço teórico, os
entendimentos necessários para o desenvolvimento
metodológico da proposta de curso nos princípios do design
instrucional contextualizado (FILATRO, 2008).
Assim, os docentes em um curso de formação inicial ou
continuada poderão entender como usar a tecnologia a
serviço da educação. Entretanto, não é somente o acesso às
TDICs que garantirá a inclusão digital, visto que é primordial
não só saber fazer uso delas, mas pensar criticamente e
produzir conhecimento. Os professores devem ser críticos
diante da Internet e precisam perceber não só os seus
fatores positivos mas também negativos.
Em suma, este trabalho busca apresentar os elementos
envolvidos na proposta de criação de um curso a distância
246
de capacitação para professores em nível de formação
continuada em EJA .
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 Educação de Jovens e Adultos
A Educação de Jovens e Adultos (EJA), na realidade,
possui duas faces. A primeira é a consolidação de uma oferta
de ensino à população que se encontra fora da idade
considerada própria, e busca, nessa modalidade, uma nova
oportunidade de reingresso às salas de aula e ascensão
social. A segunda é esse mesmo tipo de formação oferecida
a jovens que buscam a aceleração dos estudos para a
obtenção de um emprego.
A EJA prevê oportunidades adequadas às características
e interesses de jovens e adultos, como a melhoria nas
condições de vida e de trabalho com a conclusão do ensino
fundamental e do ensino médio. Ela é voltada para a
formação integral do indivíduo que não teve acesso à escola
ou não pode dar continuidade aos seus estudos, bem como
daqueles que sofreram alguma situação de privação de
liberdade.
Apesar de os avanços obtidos na política da EJA terem
sido significativos, há ainda muito a se fazer. Os próprios
educadores são os sujeitos políticos responsáveis por buscar
formas eficientes e eficazes de levar a efeito a prática
pedagógica na EJA, promovendo assim mudanças
significativas.
Entretanto, o que a prática em sala de aula vem
mostrando é que ocorre uma simples transposição dos
conteúdos, currículos e materiais didáticos do ensino regular
247
para a EJA, consolidando uma oferta de escolarização fora
dos padrões previstos para atender às particularidades e os
interesses do público alvo dessa modalidade. Além disso,
não se tem objetivado uma formação de qualidade, com a
democratização do conhecimento científico e tecnológico,
mas apenas a certificação.
De acordo com Rummert (2007, p.65),
É inevitável que, desde 2003, a EJA tornou-se objeto de um número bem mais significativo de iniciativas do que nos períodos governamentais anteriores. Entretanto, tais iniciativas se apresentam como claras explicitações do quadro já delineado. A centralidade de tais ações reside na ampliação de mecanismos de certificação, relativos à conclusão à do Ensino Fundamental, à formação profissional – particularmente a de caráter inicial, que não exige níveis de escolaridade mínimos, conforme previsto na legislação atual – e com menor ênfase, ao término do Ensino Médio. As ações governamentais restringem-se, ainda, a metas quantitativas modestas, que não fazem frente ao grande contingente populacional sem escolaridade completa. Soma-se a isso a clara ausência de uma política unitária e fecunda que aponte, de forma segura, para efetiva democratização do acesso às bases dos conhecimentos científicos e tecnológicos e não para a mera ampliação de indicadores de elevação de escolaridade da classe trabalhadora destituída do direito à educação.
248
Ribeiro (1999) afirma que, na EJA, as visões do
paradigma supracitado dificultam a extensão do
conhecimento e limitam os educadores, que se encontram
despreparados para atuarem nessa modalidade. A formação
insuficiente de alguns docentes pode prejudicar o
desenvolvimento escolar do jovem e do adulto, que possuem
diferenciadas vivências a serem consideradas pelos
professores.
Na EJA, é comum que se utilizem livros didáticos
destinados ao ensino regular, ou se organizem
materiais apostilados. Existe, de fato, uma carência de
material escolar específico destinado a essa modalidade.
Dessa forma, em geral, a organização de conteúdo,
atividades e práticas de ensino excluem as necessidades
reais de aprendizagem dos alunos da EJA.
2.2 Letramento digital
Soares (2002) ressalta que o sintagma “letramento digital”
é usado para referir-se à prática de leitura e escrita
possibilitada pelo computador e pela internet. Já Freitas
(2010, p.339) afirma:
[...] compreendo letramento digital como o conjunto de competências necessárias para que um indivíduo entenda e use a informação de maneira crítica e estratégica, em formatos múltiplos, vinda de variadas fontes e apresentada por meio do computador-internet, sendo capaz de atingir seus objetivos, muitas vezes compartilhados social e culturalmente.
249
Como se pode perceber, o letramento digital refere-se ao
contexto social e cultural dos indivíduos e às práticas sociais
quotidianas em que as mídias digitais se fazem presentes.
Existem inúmeras ferramentas utilizadas no processo de
letramento digital, e os docentes necessitam de habilidade e
domínio delas para saber interagir adequadamente com as
informações que são veiculadas na Internet.
Os professores deveriam fazer uso do computador e da
Internet em sala, pois os recursos digitais podem enriquecer
suas práticas pedagógicas. É necessário que os docentes
estejam também atentos aos conhecimentos digitais de seu
alunado (ou à falta deles) para poder integrá-los, de forma
criativa e construtiva, ampliando os saberes e o senso crítico.
É necessário, portanto, atualização dos educadores,
quanto ao uso das tecnologias, a partir de cursos de
formação continuada. Estes podem beneficiar professores e
alunos em relação às diferentes formas de ensinar e de
aprender. Entretanto, não se pode esquecer que são
necessários investimentos e políticas públicas
governamentais para essa formação.
Freitas (2010) ainda declara que a escola está deixando
de ser o único lugar da legitimação do saber, o que se
constitui em um enorme desafio para o sistema educativo.
Diante disso, muitas vezes, os docentes adotam uma
posição defensiva, e até negativa, no que se refere às mídias
e às tecnologias digitais, como se pudessem deter seu
impacto e reafirmar o lugar da escola e o seu como
detentores do saber. É preciso que, na nova ordem mundial,
a escola e seus profissionais não rejeitem os novos recursos,
mas busquem compreender seus benefícios e se disponham
a lidar com eles.
250
A promoção e a inclusão do letramento digital podem
proporcionar, numa instituição de formação pedagógica, uma
maior integração entre os envolvidos no processo educativo,
motivados por trabalhos interdisciplinares; a criação de
novos projetos de pesquisa de cunho científico e tecnológico
na modalidade à distância; e a criação de disciplinas na
modalidade semipresencial ou à distância, podendo ser
estas de caráter obrigatório ou optativo nos cursos de
graduação e pós-graduação, como, por exemplo, na
formação continuada em nível de Especialização em EJA.
Devido às novas exigências impostas pelo uso das
TDICs, os professores podem vivenciar diversas
experiências positivas com o uso dos ambientes virtuais de
aprendizagem. Vale, portanto, ressaltar que essa demanda
foi considerada na elaboração deste artigo.
2.3 Ambientes virtuais de aprendizagem
Existem muitas opções de ambientes virtuais de
aprendizagem (AVA), gratuitos e pagos. Esses AVAs estão
disponíveis como software livre ou de um proprietário, mas
todos dispõem de facilidades e atribuições diferentes. Esses
programas objetivam a oferta de cursos na internet e auxiliam
os docentes na elaboração e no gerenciamento de
conteúdos que viabilizam o aprendizado de seus alunos.
Portanto, Almeida (2003, p.331) define os AVAs como
[...] sistemas computacionais disponíveis na internet, destinados ao suporte de atividades mediadas pelas tecnologias de informação e comunicação. [que] permitem integrar múltiplas mídias, linguagens e recursos, apresentar informações de maneira organizada,
251
desenvolver interações entre pessoas e objetos de conhecimento, elaborar e socializar produções tendo em vista atingir determinados objetivos.
Os AVAs são ferramentas que visam desenvolver os
processos de ensino-aprendizagem e são propícios para
atividades planejadas para a Educação a Distância (EAD).
Dentre seus benefícios, é imprescindível destacar a
superação do tempo-espaço, posto que é possível otimizar a
interação entre diversas pessoas; o reforço ao trabalho
pedagógico; a participação ativa de docentes e discentes,
incentivando assim uma cooperação no processo de ensino-
aprendizagem e um fomento à interatividade.
Em suma, os AVAs podem potencializar e estruturar
novas formas de interação e consequentemente novas
aprendizagens. No entanto, o grau das interações pode
variar de acordo com os recursos utilizados; entre eles,
destacam-se os áudios, textos escritos, animações, imagens
e vídeos.
O AVA deverá ser escolhido conforme as demandas de
cada proposta de ensino. Por essa razão, o presente trabalho
focará somente a plataforma Moodle e as suas
potencialidades para o design de cursos online. Entende-se
que este se adequa aos objetivos do curso de formação
continuada que será proposto.
2.3.1 A plataforma Moodle
O Moodle (acrônimo de “Modular Object-Oriented
Dynamic Learning”, criado, em 2001, por Martin Dougiamas)
é um sistema de administração de atividades educacionais
destinado à criação de comunidades online. Essa ferramenta
252
de apoio à aprendizagem é de código livre, aberto e gratuito.
Ele permite uma maior integração no gerenciamento e
estudos de um curso on-line e a criação de diversos perfis de
usuários: administrador, criador de cursos, professor,
monitor, aluno e visitante.
De acordo com Paiva (2010), esse software funciona em
qualquer sistema operacional e é construído em módulos, o
que permite adicionar, configurar ou remover
funcionalidades. Na visão de Paiva (2010, p.369),
O Moodle é um software para a gestão da aprendizagem e de trabalho colaborativo, permitindo a criação de cursos online, páginas de disciplinas e de grupos de trabalho. Está em desenvolvimento constante, tendo como filosofia uma abordagem social construccionista da educação.
No Moodle, são encontradas diversas ferramentas, como
uma página para perfil de alunos, inserção de avatar
(representação de um corpo/ser cibernético), fóruns,
calendários, gestão de conteúdos, página de perguntas mais
frequentes, blogs, sondagens, banco de dados, chat, criação
de grupos, glossários, questionários e pesquisas. Também
há a possibilidade de ferramentas administrativas para
atribuir notas, restaurar algum arquivo, importar emitir
relatórios e fazer backup.
Os docentes podem usar esse software livre, de apoio à
aprendizagem, para fazer a configuração da disciplina; a
gestão de alunos, de grupos, de cópias de segurança, de
escala de notas, de sistema de arquivos; a análise de notas
dos alunos e de relatórios; o acesso a fórum de professores
e a tarefas efetuadas pelos mesmos. Por outro lado, os
253
alunos podem realizar um trabalho colaborativo nessa
plataforma, usufruir dos recursos e realizar as atividades
propostas.2
A tabela 1 mostra os principais tipos de usuários do
Moodle e as tarefas que podem ser executadas por eles.
Tabela 1 − Principais tipos de usuários e seus respectivos papéis no Moodle
ADMINISTRADOR
DOCENTE
DISCENTE
• Gestão dos
utilizadores
• Gestão de
disciplinas
• Gestão de cópias
de segurança
• Gestão de idiomas
• Gestão de
atividades
• Gestão de
aparência do site
• Instalação de
novas atividades
• Atualização da
versão do Moodle
• Configuração
da página
• Gestão de
alunos
• Gestão de
grupos
• Análise de
relatórios
• Gestão das
notas dos
alunos
• Gestão do
sistema de
arquivos
• Recursos
• Atividades
• Blocos de
administração
2 O IFRJ, por exemplo, possui uma página instrucional denominada “Guia Moodle para orientação de docentes” no endereço <http://wiki.ifrj.edu.br/dokuwiki/doku.php?id=dgti:servicos:moodle: manual_docente> (Acesso em: 09 out. 2016).
254
• Acesso ao
fórum de
discussão
• Acesso às
tarefas
realizadas
pelos alunos
Fonte: Portal Educação, 2015.
O design de curso em nível de formação continuada de
professores poderá ser disponibilizado na plataforma
Moodle. Através dos processos rotineiros de sala de aula,
professores e alunos poderão desvendar o uso de
ferramentas simples, como fóruns de discussão, calendários,
criação de grupos, questionários e entrevistas, blogs, chats,
diários reflexivos entre outros.
Esse sistema modular de EaD oferece inúmeras
funcionalidades, tais como (FIGUEIREDO E MATTA, 2012):
Gerenciamento de curso: destinado à criação de
cursos, disciplinas, registro de atividades e acessos
efetuados pelos usuários, cálculo e publicação de notas;
Gerenciamento de usuários: destinado a cadastro de
usuários, gerenciamento de senhas, definição de perfis de
usuários, bem como o controle e registro de acesso;
Gerenciamento de conteúdo: oferece recursos para
armazenamento de conteúdo, bem como a organização do
mesmo no ambiente;
Disponibilização de disco virtual: área disponível para
download e upload de arquivos;
Comunicação: permite a comunicação síncrona e
assíncrona no ambiente;
255
Avaliação: recursos para gerenciamento da aplicação e
correção de avaliações, com possibilidade de sorteio de
questões, programação de data e horário para
disponibilização da avaliação para os alunos, controle do
tempo de realização, geração de estatísticas, bem como
feedback automático sobre o desempenho do aluno.
De acordo com Franco (2010), o Moodle é uma plataforma
desenvolvida com base no construtivismo, segundo o qual as
pessoas constroem, ativamente, novos conhecimentos ao
interagirem com o meio; de maneira específica, no
construtivismo social, que defende que a aprendizagem é,
particularmente, efetiva quando algo é construído para os
outros utilizarem. O conceito engloba a ideia de colaboração
dentro de um grupo social, construindo e compartilhando
significados e definições que estão relacionados à
participação dos indivíduos em discussões.
Muitas instituições de ensino básico e superior e centros
de formação de alunos e professores estão adaptando o
Moodle aos seus próprios conteúdos, com sucesso, não
apenas para cursos totalmente a distância, mas também
como uma forma de apoio aos cursos presenciais. Essa
adaptação é feita de forma interativa e criativa, facilitando a
navegação na plataforma e a busca do conteúdo de interesse
do aluno.
Para o design de curso, é imprescindível haver
planejamento, pois o ato de planejar é a primeira etapa de
todo processo, e vai desde a escolha de como será o curso
até como atenderá o alunado. Os cursos online também
necessitam de uma infraestrutura adequada para que os
alunos não fiquem descontentes ou desanimem porque
houve problemas em meio aos procedimentos, ou, ainda,
faltou suporte técnico.
256
3 METODOLOGIA DO DESIGN INSTRUCIONAL
Com apoio nas definições de Filatro (2008) e Kumar e Lee
(2009)3, Figueiredo e Matta (2012, p. 6) afirmam que design
instrucional (DI) é
[...] o processo de identificar um problema de aprendizagem, projetar, implementar e avaliar uma solução para esse problema. [...]. Pode, ainda, ser definido como a prática de organizar conteúdos e atividades para uma instrução eficaz [...].
O design de curso prevê situações de aprendizagem nas
quais o conteúdo é trabalhado de forma contextualizada e
significativa, considerando os conhecimentos prévios dos
alunos como ponto de partida para a construção de novos
conhecimentos. Todo o curso acontece em um AVA, e seu
objetivo é alcançado com o apoio de mecanismos de
interação e comunicação, além da disponibilização de
conteúdos, recursos multimídia e variadas atividades
pedagógicas.
Nesse sentido, o DI contribui para a autonomia do aluno,
a fim de que ele busque constantemente do conhecimento, a
capacidade de questionamento e de diálogo com o professor
e os colegas.
3 KUMAR, V.; LEE, S. Opens instructional design. In:
INTERNATIONAL WORKSHOP ON TECHNOLOGY FOR EDUCATION, aug 4-5, 2009, Bangalore. Anais... Bangalore: IEEE, 2009, p. 42-28.
257
A teoria do DI é um conjunto de prescrições para
determinar as estratégias apropriadas de instrução para
permitir aos alunos atingirem os objetivos educacionais. No
DI, pode-se fazer uso de um mapa de atividades e
elaboração de estratégias para o planejamento de um curso
na modalidade EaD.
Quando se pensa num curso virtual, não se pode
simplesmente conjeturar a mera transposição de conteúdos
e de estratégias que serão utilizadas em sala de aula para
um AVA, posto que não considerar os recursos disponíveis e
a falta de habilidade dos docentes poderá prejudicar o
funcionamento da plataforma.
É também imprescindível compreender como os
professores veem as tecnologias digitais e mostrar como e
por que devem ser usadas. Ao perceberem suas
potencialidades, eles serão capazes de empreender novos
projetos com o auxílio desses recursos de forma criativa e
crítica.
Pode-se afirmar que o design instrucional de disciplinas
virtuais precisa ser planejado tanto para a elaboração de
conteúdos quanto para a proposta de mídias e atividades,
tendo sempre como foco o favorecimento do aprendizado do
aluno.
4 DESIGN INSTRUCIONAL DO CURSO A DISTÂNCIA
4.1 Planejamento
O planejamento do curso a distância compreende a
definição do conteúdo abordado, a identificação dos
objetivos educacionais desejados, a elaboração das
258
atividades e a definição das mídias a serem usadas. A partir
das leituras realizadas sobre o uso das TDIC e a metodologia
do DI, apresenta-se, a seguir, o modelo de curso a distância
de formação de professores para EJA, com o apoio da
plataforma Moodle.
1. Interação
Chat
Fórum
Diário
2. Processos de
Aprendizagem
Vídeo-aulas
Tarefas baseadas
em
problemas/casos
Interatividade
Anotações
Material disponível
em PDF
Hipertextos
Instrumentos de
(auto)avaliação
3. Gerenciamento do Ambiente
Página de
desempenho
4. Pesquisa Mediateca (vídeos
e podcasts4) Glossário
4 Podcats: arquivo digital de áudio.
259
Ajuda on-line (tira-
dúvidas) Tutoriais (ex.: FAQ)
Suporte técnico Temas da sala de
aula virtual Caixa de mensagens Busca interna no AVA
Bibliografia sugerida
Pesquisa externa
Figura 1− Modelo do curso a distância com o AVA Moodle.
(Elaborado pela autora)
Na figura 1, mostramos uma matriz do curso a distância,
através de um AVA, que faz uso do software Moodle como
sua principal ferramenta de apoio à aprendizagem. A matriz
está dividida em quatro etapas: (1) interação, (2) processos
de aprendizagem, (3) gerenciamento do ambiente e (4)
pesquisa.
Nas etapas 1 e 4, pode-se verificar que os recursos
utilizados serão vídeos, hipertexto, leitura de texto na
biblioteca virtual. Também é possível fazer uso da
mediateca, com vídeos e podcasts, e arquivo de texto, além
de buscar termos em um glossário de acordo com a
bibliografia sugerida.
Com as atividades de vídeo, leitura, fórum de discussão e
chat, é possível atingir os alunos que têm mais habilidades
visuais e auditivas de aprendizagem. Já a atividade prática
de pesquisa externa e criação de um diário, por exemplo,
atinge aos alunos mais reflexivos.
O gerenciamento do ambiente, contemplado na fase 3,
mostra exatamente como está a página de desempenho do
260
docente diante das inúmeras tarefas que deverá realizar.
Nessa mesma página, os professores poderão contar com
um auxílio do suporte técnico, ajuda on-line e uma caixa de
mensagens para que possam se relacionar e trocar ideias,
opiniões e argumentos entre si. Todos os temas da sala de
aula virtual estarão disponíveis em um índice alfabético,
facilitando a busca interna no AVA.
Na fase 2, é realizada a produção de materiais didáticos
através de vídeo-aula, interatividade e adaptação dos
recursos para o AVA, como hipertextos, materiais
disponíveis em PDF e anotações. Os administradores
responsáveis elaborarão o conteúdo, e a equipe de
professores em nível de formação continuada poderá, por
exemplo, ser envolvida na produção de vídeos, realização de
tarefas baseadas em problemas e casos, orientações das
atividades, produção de texto e instrumentos de (auto)
avaliação no AVA.
4.2 Implantação
Para a implantação de um curso a distância, são
necessárias algumas etapas que vão desde a elaboração do
curso até a escolha do método avaliativo na modalidade
EaD.
A primeira etapa consiste em identificar o tipo de curso, as
reais necessidades dos alunos, a filosofia da instituição e a
estratégia pedagógica a ser utilizada. Em seguida, passa-se
à elaboração do design a ser adotado através da produção
de materiais, planejamento de curso, estratégias de
avaliação e do uso do DI.
261
A próxima etapa, a da implementação, inicia-se com a
execução do curso a distância por meio de vídeos, áudios,
softwares, fóruns de discussão, videoconferências e outras
possíveis formas. Para que haja comunicação no curso a
distância, é imprescindível que os docentes troquem
conhecimentos on-line. Essa interação é de extrema
importância para o bom funcionamento do curso.
4.3 Avaliação
Na EaD, a avaliação pode ser realizada através de um
acompanhamento das participações dos docentes nas
atividades online. Na proposta de curso aqui apresentada, o
próprio docente realiza os registros do produto dos trabalhos
desenvolvidos nas aulas, através de textos escritos, nos
chats, fóruns de discussão, e-mails. Esses registros passam
a ser fontes de coleta de informações.
Através da leitura das mensagens trocadas pelos
professores no decorrer das aulas, é possível monitorar o
nível de entendimento dos conteúdos e detectar dúvidas e
conceitos mal assimilados ou trabalhados. Essas
informações ajudarão a reorganizar o planejamento das
aulas e utilizar os interesses e sugestões dos docentes em
formação continuada, incorporando-os ao curso.
5 PROPOSTA DO CURSO A DISTÂNCIA PARA
PROFESSORES DA EJA
5.1 Dados do curso
Curso de Formação Continuada para Professores da
Educação de Jovens e Adultos (EJA)
262
Modalidade: Educação a Distância (EaD)
Carga Horária: 30 horas
Número de participantes: 25 (máximo)
Recursos: AVA Moodle
Objetivos:
• Apresentar e discutir as possibilidades de usos das
tecnologias digitais na EJA;
• Avaliar experiências bem sucedidas e promover a
reflexão crítica sobre as práticas envolvendo o uso
das tecnologias digitais na EJA;
• Utilizar, de forma exploratória, o AVA Moodle como
repositório de materiais e canal de comunicação e
troca, por meio de e-mail, de textos e documentos;
• Utilizar os diferentes recursos digitais embutidos no
AVA Moodle, como instrumentos de aprimoramento
pessoal e pedagógico/profissional.
Ementa: As tecnologias digitais de informação e
comunicação como aliadas na EJA. A inclusão digital na EJA.
Programas e materiais didáticos digitais. Avaliação da
aprendizagem mediada pela tecnologia digital.
5.2 Conteúdo programático, atividade e carga horária
Na Tabela 2, sugere-se, a partir da visão de DI
adotada, uma organização mais precisa dos conteúdos a
serem abordados na disciplina, as tarefas e os recursos
disponíveis no AVA Moodle, e a carga horaria estimada para
a realização de cada módulo.
263
Tabela 2: Organização do curso
Módulo
Atividade no AVA
Moodle
Carga Horária
Ambientação
• Preenchimento do perfil
• Leitura dos tutoriais
• Fórum de apresentação
• Questionário diagnóstico
4 horas
EJA e Tecnologias Digitais
• Vídeo conferência
• Hipertextos
• Fórum
• Glossário
• Midiateca (leituras complementares)
8 horas
Auto-avaliação 1 Diário reflexivo 1
1 hora
Recursos digitais para EJA
• Videoaulas (softwares específicos)
• Chat
• Podcasts
• Tarefas
• Fórum
• Midiateca (leituras complementares)
7 horas
Auto-avaliação 2 Diário reflexivo 2
1 hora
264
Avaliação da aprendizagem com recursos digitais
• Videoaulas (estudos de caso)
• Chat
• Portfólio digital
• Wiki (construção de texto colaborativo)
• Fórum
• Midiateca (leituras complementares)
7 horas
Avaliação final Questionário
2 horas
Fonte: Da autora
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A escola deve acompanhar o desenvolvimento da
sociedade e compreender que a relação entre o presencial e
o virtual é favorável ao processo de ensino-aprendizagem.
Para isso, os docentes precisam estar capacitados para
enfrentar o desafio da apropriação e do uso das TDICs em
sala de aula.
É imprescindível, atualmente, o uso das TDICs na
formação continuada de professores. No âmbito escolar, as
podem ser usadas como instrumentos facilitadores e
melhorar a qualidade do processo ensino-aprendizagem.
Elas, inclusive, possibilitam a busca de conhecimento para
adoção de práticas pedagógicas mais dinâmicas e interativas
A EaD pode promover o acesso ao conhecimento, por um
número grande de pessoas, através da exploração da
Internet, da investigação, do desenvolvimento do olhar crítico
e da autonomia, sabendo-se selecionar, diante de infinitas
265
escolhas, as possibilidades de crescimento pessoal e
acadêmico. No entanto, o uso das tecnologias digitais e suas
contribuições necessitam ser objeto de constantes reflexões
em cursos de formação continuada.
Propiciar a utilização das TDICs, através da prática
docente, é primordial, visto que assegura a valorização
social, científica e tecnológica, e pode ajudar os discentes a
se tornarem melhor (in)formados.
Os docentes capacitados podem fazer a diferença em
sala de aula ao usar tanto recursos tradicionalmente
reconhecidos (como o quadro, giz, caneta, cartaz, entre
outros) como mais sofisticados (como projetor, quadro
interativo, Internet, entre outros). Em suma, um professor
preparado, motivado e comprometido com a mudança
poderá levar seu alunado a alcançar resultados cada vez
mais ser positivos.
Figueiredo (2010) defende que o professor, ao se
perceber hoje em meio à complexidade das tecnologias,
deve reconhecer as competências necessárias para o
desenvolvimento de uma nova postura pedagógica e fazer
uso dos recursos digitais em benefício do seu ofício: o
processo de ensino-aprendizagem.
Assim, considerando a EaD e toda a sua potencialidade,
o professor pode participar dela através dos ambientes
virtuais. Dessa forma, faz-se necessário o planejamento e a
disponibilidade para perceber-se orientador em um processo
de busca e mediação no processo de construção do
conhecimento de seus alunos.
Espera-se que este artigo proporcione a motivação para
o desenvolvimento de atividades de formação continuada,
bem como a criação de novos projetos de pesquisa voltados
para o contexto virtual. Mais especificamente, destaca-se a
266
experiência em elaborar o plano de uma disciplina, na
modalidade a distância, para um curso de pós-graduação
dirigido a professores da EJA.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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abordagens e contribuições dos ambientes digitais de
aprendizagem. Educação e Pesquisa, São Paulo, USP, v.
29, n.2, p. 327-340, 2003.
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disciplinas virtuais utilizando recursos de design instrucional:
uma aplicação na engenharia. In: CONGRESSO
BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO EM ENGENHARIA-
COBENGE, Belém, 03-06 set. 2012. Anais... Belém:
ABENGE, 2012, p. p. 1-12. Disponível em:
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FRANCO, C. P. Parâmetros para a criação de um curso
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FREITAS, M. T. M. Letramento digital e formação de
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LITTO, F. M. O atual cenário internacional da EAD. In: LITTO,
F. M.; FORMIGA, M. M. M. (orgs.). Educação a distância: o
267
estado da arte. São Paulo: Pearson Education do Brasil,
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PAIVA, V. L. M. Ambientes virtuais de aprendizagem:
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CURSO online de como produzir um curso a distância. Portal
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produzir-um-curso-a-distancia/1955>. Acesso em: 12 dez
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RIBEIRO, V. M. A formação de educadores e a constituição
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em:<http://www.scielo.br/pdf/es/v20n68/a10v2068.pdf>.
Acesso em: 04 jun. 2012.
RUMMERT, S. M. A Educação de jovens e adultos
trabalhadores brasileiros no século XXI. O novo que reitera
antiga destituição de direitos. In: RUMMERT, S. M. Gramsci,
trabalho e educação. Jovens e adultos pouco escolarizados
no Brasil actual. Lisboa: EDUCA, 2007. [Cadernos Sísifo, nº
4]
SOARES, M. Novas práticas de leitura e escrita: letramento
na cibercultura. Educação e Sociedade, Campinas, v. 23,
n.81, p.143-160, dez. 2002.
268
O CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM EJA
DO IFRJ – CAMPUS NILÓPOLIS
RESUMO DO PROJETO PEDAGÓGICO DO CURSO
1 JUSTIFICATIVA
O curso de Pós-graduação Lato Sensu/
Especialização em Educação de Jovens e Adultos (EJA) do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio
de Janeiro – Campus Nilópolis vem atender a uma demanda
por espaços de formação continuada, tendo em vista os
desafios políticos, didático-pedagógicos e metodológicos
referentes à EJA – entendida como política pública voltada
para a formação de jovens e adultos.
Tal exigência fundamenta-se na escassez, na
formação superior, inclusive naquela voltada para a
docência, da abordagem de temas que contemplem as
questões que permeiam a EJA, tais como a relação trabalho-
educação, a gestão democrática participativa, os currículos
integrados na direção da formação unitária, as
especificidades da educação do campo, direitos humanos,
diversidade e inclusão, entre outros
O curso pretende, a partir da valorização da
experiência e do conhecimento que os professores
constroem no seu cotidiano, favorecer o delineamento de
propostas para a educação de jovens e adultos.
2 OBJETIVOS
O curso tem por finalidade contribuir para a formação
continuada de profissionais que atuem ou desejam atuar na
269
EJA. Soma-se a isso o estímulo para a formação do
professor-pesquisador. Para tanto, procura contemplar as
seguintes linhas de pesquisa e projetos:
Quadro 1
Linhas de pesquisa da Especialização em EJA
LINHA DE PESQUISA 1
Processos de Ensino e
Aprendizagem em EJA
Investigações sobre as múltiplas práticas educativas e
processos de ensino-aprendizagem na produção do
conhecimento dos alunos da EJA.
PROJETOS
ASSOCIADOS
1.1. Práticas de Letramento
na EJA
Investiga metodologias,
atividades e materiais didáticos
utilizados no letramento dos
sujeitos da EJA.
1.2. Tecnologias na EJA
Estuda o uso das tecnologias de
informação na EJA, a
apropriação de recursos
tecnológicos pelo professor e
sua aplicação em sala de aula, e
270
a construção de ambientes
digitais de ensino e
aprendizagem para a EJA.
LINHA DE PESQUISA 2
Políticas Educacionais na EJA
Analisa debates e processos de reforma educacionais
vivenciados pela EJA, especialmente a partir dos anos de
1990, levando em conta o cenário socioeconômico e político.
PROJETOS
ASSOCIADOS
2.1. Formação e prática
docente na EJA
Estudos e pesquisas dos
processos formativos de
educadores em EJA.
2.2. Políticas de formação e
qualificação profissional para
jovens e adultos
Estudo sobre as estratégias e
ações do Estado brasileiro
voltado para jovens e adultos
trabalhadores frente ao contexto
de desemprego estrutural e
recomposição do sistema do
capital.
271
3 CONCEPÇÃO DO PROGRAMA
O curso fundamenta-se nos seguintes pressupostos:
a) A necessidade de formação de profissionais que possam
atuar na EJA como docentes-pesquisadores, formadores de
formadores, gestores educacionais de programas e de
projetos e formuladores de políticas públicas;
b) A integração entre trabalho, ciência, tecnologia,
humanismo e cultura geral, que contribui para o
enriquecimento científico, cultural, político e profissional dos
sujeitos que atuem nessa esfera educativa, sustentando-se
nos princípios da interdisciplinaridade, contextualização e
flexibilidade como exigência historicamente construída pela
sociedade;
c) A demanda por espaço de formação continuada em que
os educadores possam aprender uns com os outros.
4 PÚBLICO ALVO
Profissionais que tenham concluído o ensino superior
em cursos reconhecidos pelo MEC.
5 CARGA HORÁRIA E DURAÇÃO
O curso tem a duração prevista de um ano e seis
meses, incluindo o tempo de elaboração do Trabalho de
Conclusão de Curso (TCC), prorrogável, a critério do
Colegiado, por até seis meses. A sua carga horária é de 360
horas. São ministradas 10 horas/aula semanais divididas em
dois dias: terças-feiras, das 13h às 18 h; e sábados, das 07h
às 12 h.
272
6 MATRIZ CURRICULAR
Quadro 2
Matriz curricular da Especialização em EJA
EIXOS CURRICULARES
Carga
Horária
EIXO CURRICULAR I
Concepções e Princípios da Educação de Jovens e Adultos
Educação, Trabalho e Sociedade Paradigmas Educacionais e Currículo em EJA Fundamentos, História e Legislação da EJA
30 45 30
Eixo Curricular II
Política e Legislação Educacional
Políticas Públicas Educacionais para Jovens e Adultos
45
Eixo Curricular III
Processos Cognitivos da Aprendizagem
Concepções da Aprendizagem de Jovens e Adultos
30
273
dos Jovens e Adultos
Eixo Curricular IV
Avaliação e Didáticas na Educação de Jovens e Adultos
Práticas e Estratégias Educativas Interdisciplinares em EJA Avaliação da Aprendizagem Tecnologias Digitais na EJA Letramento em EJA
45 15 30 30
Eixo Curricular V
Teoria e Prática da Pesquisa na Educação de Jovens e Adultos
Metodologia da Pesquisa I Metodologia da Pesquisa II Seminários I Seminários II
15 15 15 15
7 CRITÉRIOS DE SELEÇÃO
O curso possui uma entrada por ano. O processo
seletivo, que é regulamentado por edital específico, ocorre
em 3 (três) etapas: prova escrita, análise de currículo e
entrevista.
274
8 SISTEMAS DE AVALIAÇÃO
A avaliação dos alunos é realizada pelos professores,
ao longo do curso, de modo a permitir reflexão-ação-reflexão
da aprendizagem e a (re) construção do conhecimento.
Os instrumentos de avaliação são diversificados, a
critério de cada professor, podendo ser utilizados exercícios,
provas, testes, relatos de pesquisas, seminários, ensaios,
projetos, artigos científicos, entre outras estratégias.
A avaliação é realizada por disciplina, sendo
considerado aprovado o estudante que atingir, em cada uma
delas, média igual ou superior a 6,0 (seis) e 75% de
frequência. Procuram-se resgatar as dimensões
diagnóstica, formativa, processual, participativa.
9 TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO (TCC)
O TCC compreende uma pesquisa sobre questões
relativas à EJA, visando à produção individual de um artigo
científico.
O TCC é orientado por um dos professores do curso
e apresentado a uma banca examinadora composta por três
membros: o orientador e mais dois professores. Um destes
dois pode ser externo ao curso.
É considerado aprovado o TCC que obtém, após a
sua apresentação à banca examinadora, o conceito
“aprovado”. Caso seja “aprovado com restrições”, o aluno
tem 90 dias para fazer as alterações, e a banca é
reconvocada para análise do trabalho.
275
10 CERTIFICAÇÃO
O certificado somente é expedido após a entrega da
versão final do TCC aprovado pela banca. O aluno recebe o
certificado de conclusão do curso de Especialização em
Educação de Jovens e Adultos.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E
TECNOLOGIA – CAMPUS NILÓPOLIS. Projeto Pedagógico
do Curso de Especialização Lato Sensu em Educação de
Jovens e Adultos. Nilópolis: IFRJ-Campus Nilópolis, 2013.