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1 DESENVOLVIMENTO A COMPREENSÃO DA COMPLEXIDADE

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DESENVOLVIMENTOA COMPREENSÃO DA COMPLEXIDADE

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Todas as caraterísticas transmitidas ao homem pelos seusantepassados, pela cultura, pelas contingências do locale do tempo em que nasceu, existem independentementedas suas escolhas. Trata- se de uma facticidade com queele é forçado a confrontar- se e que origina a base incon-tornável de todas as suas ações e consequentemente daestruturação social. Esta dinâmica geradora de múltiplase distintas realidades evidencia o caráter problematizadordo homem, possibilitando a procura de compromissos detransformação do mundo5 na esfera do conhecimento, daeconomia, da cooperação e do desenvolvimento, onde ascontradições surpreendem as pessoas com escolhas difí-ceis, com a necessidade constante de reformas sociais e,principalmente, de reformadas relações humanas. Apre-sentamos a curiosidade e a complexidade da compreen-são do outro e do desenvolvimento social como projetocomum, através das referências ao Álbum Fotográficoda Viagem da Rainha D. Amélia ao Egito e à “CampanhaInternacional para a Salvaguarda dos Monumentos daNúbia”.

DO ÁLBUM DE D. AMÉLIAÀ BARRAGEM DE ASSUÃO

A encruzilhada da memória é como uma rede que, com o pas-sar dos tempos, amplia e expande os seus nós. E nesta malhaa história revela o homem como uma fonte de realização ede transformação, senhor de um singular potencial criador,confrontado continuamente com necessidades concretas e

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A facticidadehumana e o seu

caráterproblematizador

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novas. O processo de transmissão e salvaguarda de toda asua obra requer uma consciência e um princípio de respon-sabilidade baseados no equilíbrio de antagonismos, inerentesà ambivalência do desenvolvimento e à presença constante domovimento.

Diga- se que no século XIX se vivia em Portugal um períodode grande adesão ao Orientalismo e interesse pelo Egipto. Nasequência das invasões napoleónicas, o Egipto tornara- se cru-cial ao desenvolvimento da arqueologia, através de uma di-nâmica que reuniu alguns países europeus.

Foram as viagens, o seu testemunho escrito e fotográfico, queestabeleceram o contacto do Ocidente com os vestígios ar-queológicos egípcios. O vanguardismo a nível fotográfico eos interesses da França e da Inglaterra na região, levaram osfotógrafos franceses e ingleses a divulgarem as primeirasimagens do Egipto, alimentando, desta forma, uma atraçãodos europeus pelo Oriente.

Esta tecnologia da cultura surgida no século XIX permitiu en-contrar no Álbum Fotográfico da viagem da Rainha D. Améliaao Egito, sinais de um olhar e também de um fascínio peloOriente, matizados pela perspetiva do domínio colonialeuropeu naquela região. O elemento água e as ruínas foramtemas muito explorados fotograficamente. Entre muitas ima-gens, o álbum apresenta algumas em plena zona de Assuão,centradas no complexo de templos que as inundações man-tinham parcialmente submersos. Termina com um núcleo defotografias do Canal do Suez que fora inaugurado em 1869,trinta e quatro anos antes, com a presença de várias cabeçascoroadas, como a Imperatriz Eugénia de França e o ImperadorFrancisco José da Áustria.

A rainha D. Amélia e os seus filhos, o Príncipe D. Luís e oInfante D. Manuel, viajaram em 1903 durante dois meses, aolongo do Mediterrâneo com destino ao Cairo. Ao interessecultural e turístico da viagem associaram- se, igualmente, es-

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Interesse pelo Egipto

Álbum fotográfico da viagem da Rainha D. Amélia ao Egito – 1903

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tratégias coloniais de cariz político, diplomático e económico.O Egipto e as suas ruínas tiveram grande impacto em toda acomitiva, em particular junto dos príncipes, com 14 e 16 anos.A maioria das 236 fotografias, montadas e distribuídas em 36páginas, e legendadas á mão pela própria rainha, foram tiradaspor eles e pelo pintor Casanova.

O itinerário ilustrado pelas fotografias reflete o desenvolvi-mento das escavações arqueológicas, a forma como aquelacivilização era entendida no Ocidente e todo um percursosingular, indissociável da questão da alteridade e da identidade.O álbum, organizado de forma cronológica e geográfica,termina com a documentação fotográfica do Canal do Suez,o maior canal sem comportas entre o Mediterrâneo e o MarVermelho.

Curiosamente, já anos antes, em 1869, Eça de Queiroz, umjovem de vinte e três anos, tinha realizado uma viagem idên-tica até ao Cairo, para assistir à inauguração do Canal doSuez. Tudo o que viu e sentiu foi apontando nos seus cader-nos de viagem, originando uma série de reportagens publi-cadas em janeiro de 1870, e o livro “O Egipto – notas deviagem”, cuja primeira edição completa póstuma é datada de1926. As suas considerações sobre a sociedade e as civilizaçõesantigas representam ainda hoje uma das narrativas maiscuriosas, críticas e lúcidas sobre o conflito entre a herançacultural e as tensões políticas, económicas e coloniais comque se deparava o moderno Egipto.

Sublinhe- se que o final da presença europeia em África tevemuito a ver com o Nilo e com a problemática do Canal doSuez, onde a derrota britânica e francesa, em 1956, constituiuum momento simbólico de afirmação do Egipto. Nasser, umhomem com uma visão nacionalista pró pan- arabista, lutoupor um Egipto independente, industrializado, como modelopara o mundo árabe. A concretização deste projeto, incluiu aconstrução da barragem de Assuão e a rentabilização e domíniodo canal do Suez.

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Inauguração doCanal do Suez

– 1869

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Fig. 2 – Domínios do projeto de Nasser.

Nasser propôs a construção da barragem de Assuão como amaior obra de infraestrutura egípcia, capaz de regularizar aagricultura, aumentar a quantidade de terras cultiváveis e aprodução hidroelétrica, permitindo uma ampla industrializa-ção e modernização da economia egípcia. Em 1954, cerca de50 anos depois da visita de D. Amélia ao Egipto, foi tomadaa decisão da construção da barragem, cuja obra terminou em1971. Esta realização simbolizou um Egipto independente,facto que ilustrava a estreita relação entre os recursos hídricose o poder na região do rio Nilo.

Mas, para a construção da barragem de Assuão, foi preciso sal-var os monumentos e os templos da antiga Núbia, que iriamser submersos pelas águas, após a grande obra do empreendi-mento. Alguns templos alagados, foram fotografados na ocasiãoda visita da família real portuguesa a Assuão.

Com três mil anos, estes testemunhos civilizacionais deviamdar lugar ao progresso. Nesse sentido, os governos egípcio esudanês, em 1959, dirigiram um apelo à UNESCO (Organiza-ção das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura),

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Construção da barragem de Assuão(1954- 1971)

Campanha desalvamentos dosmonumentos daNúbia (1960- 1980)

Ambiente

Sociedade

Economia

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originando uma campanha sem precedentes à escala mundial(1960 – 1980). A comunidade internacional respondeu ao de-safio: governos, instituições, fundações públicas e privadas,e muitas pessoas de boa vontade. Especialistas e fundos forammobilizados para uma ação de resgate sem precedentes: des-montar e remontar seis grupos de monumentos, em novas lo-calizações.

Os vinte anos da duração do projeto e o grande desafio tec-nológico envolvido, foram inéditos na história da UNESCO.Num total, 22 monumentos e complexos arqueológicos foramdeslocados com a ajuda de 40 missões técnicas originárias decinco continentes. Entre as obras ameaçadas, uma das maisnotáveis era o conjunto de Abu Simbel, mandado talhar numafalésia por Ramsés II.

Em troca da colaboração prestada, o governo egípcio doouquatro templos, como expressão da sua gratidão para com ospaíses que mais contribuíram para o sucesso da campanha:Debod para Espanha (Madrid), Taffa para a Holanda (Leiden),Dendur para os Estados Unidos da América (Nova York) e El-lesya para Itália (Turim).

Através de um amplo programa de colaboração internacional es-tudaram- se soluções e os trabalhos projetados orientaram- se emdiferentes sentidos: prospeções, escavações, transferência totalou parcial de monumentos gigantescos, execução de cópias,levantamentos e fotografias, obras de contenção e construçãode estradas. Todo o empreendimento exigiu avultados recursosfinanceiros e humanos, nomeadamente um grande número detécnicos de distintos sectores e especialidades – egiptólogos,arqueólogos, epigrafistas, arquitetos, engenheiros, fotógrafos,restauradores e topógrafos, entre outros. As dificuldades logís-ticas, técnicas e de mão- de- obra foram criativamente superadasnuma das maiores obras de recuperação de todos os tempos.

Sob a liderança da UNESCO o mundo uniu- se para salvar estepatrimónio da humanidade, um caso de solidariedade entre

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países conscientes da natureza universal do património e danecessidade de o preservar. O sucesso desta campanha serviude ponto de partida para a elaboração e adoção da Convençãoda UNESCO de 1972 sobre o património mundial e a inscriçãode bens na Lista do Património Mundial da UNESCO, na qualos monumentos da Núbia de Abou Simbel a Philae foram in-cluídos em 1979.

Passadas décadas da construção da barragem de Assuão (eda visita de D. Amélia ao Egipto), a avaliação do impacto doempreendimento levou o poder e os técnicos a repensar osfundamentos da tomada de decisão, quer a nível da informaçãorecolhida, quer a nível dos critérios adotados. Constatou- seque não foi avaliada a globalidade dos impactos e as respetivasconsequências, pois muitos poderiam ter sido minimizados.Todos os estudos de viabilidade económica e as análises decusto- benefício realizadas não evitaram os problemas ambien-tais, sociais e culturais, e até económicos, surgidos após asintervenções, num médio e longo prazo. A barragem impediuo depósito anual do húmus fertilizante, comprometendo ascolheitas dos camponeses, provocando uma migração massivae uma sobrelotação das cidades.

Todo este processo evidencia o facto de a compreensão dacomplexidade ser um exercício difícil e exigente. A decisão deNasser construir a barragem de Assuão, do ponto de vistatécnico, preencheu uma necessidade de obtenção de energiaelétrica para as populações e também uma necessidade deregularização do rio Nilo e controlo das cheias periódicas. Aoproblematizar- se a experiência e todo o processo de transfor-mação sequente, reconheceu- se que o projeto não teve pre-sente várias componentes e dinâmicas do meio ambiente, enão conciliou, na sua totalidade, as exigências e os objetivosdas diversas especialidades numa abordagem integrada e glo-bal. Pecou na articulação de problemáticas, convergências etecnologias, devido à excessiva lógica interna de cada disci-plina no âmbito da especialização. Mas, inevitavelmente, todaa obra humana testemunha um caminho traçado, uma atitude

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Avaliação do impacto da construçãoda barragem de Assuão

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projetiva e processos de trabalho, reflexo de modos de agirassentes em critérios fruto de escolhas e alternativas adotadas,num dado momento, face a uma necessidade ou situação. Tes-temunha também a interdependência e a multidisciplinari-dade do caminho do desenvolvimento, como resposta adiversos desafios e contextos, incluindo domínios como o am-biente, a segurança e as migrações.

IDEIA DE DESENVOLVIMENTO

A construção do Canal do Suez e a construção da Barragemde Assuão, testemunham a natureza empreendedora e criativado homem, contextualizada culturalmente e motivada pornecessidades. O ato de criar surge como um agir conjugadoa nível social, económico, político e cultural, em que a práticade criação orientada para o futuro reúne a dimensão do pen-samento e a dimensão do fazer, ou seja, projetar, planear erealizar. A conceção e execução do projeto parte de necessi-dades específicas que requerem um pensamento, que se tra-duz inicialmente numa intenção, numa concetualização, numaideia a ser desenvolvida. Ambos os empreendimentos teste-munham igualmente que o passado se revela à atualidade,exigindo exercícios do conhecimento, do reconhecimento etambém da estranheza, centrais ao desenrolar da cultura, ondetransformações aceleradas e frenéticas revoluções tecnológicasgeram processos e desafios que questionam e interferemcom o domínio das agendas do ambicionado desenvolvi-mento. Uma realidade que afeta as ideias de Humanidade ede Património da Humanidade e que levanta questões à ideiada totalidade que se designa como Mundo6.

O complexo processo da constituição da cultura, em quese vive, regista e comunica a experiência, conjuga- se comocomplexo processo do desenvolvimento, onde todas as coisasestão ligadas; e, em ambos os processos, a problematização

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Projetar; planeare realizar

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de conceitos como contexto, partilha e património, permiteencontrar a potência de conexão que lhes está subjacente.

A busca do desenvolvimento a nível planetário desliza entreo real e o ideal, entre um “nós” e os “outros” através de proces-sos e projetos criados para dar resposta às expetativas da hu-manidade. Subsiste o fenómeno social representativo de umare- evolução utópica onde o efeito se revela ambíguo, conju-gando o progresso liberal e a defesa do mundo tal como ele é.

Tende a generalizar- se a consciência de que qualquer trans-formação das condições de vida de uma comunidade dependedo reconhecimento, aceitação e valorização dos traços que lheconferem identidade, sentido de pertença e autoestima7. Nestadisposição, o conceito de desenvolvimento traduz uma com-ponente temporal e uma componente participativa na confi-guração de modelos de regulação, gestão e operação a nívelregional e supranacional, cuja finalidade é garantir aos habi-tantes de todas as regiões e países, sem distinção de sexo, ori-gem étnica, religião ou raça, a conquista de maiores direitoscívicos, políticos e económicos.

O desenvolvimento, lato sensu, está intimamente relacionadocom as caraterísticas particulares dos países ou regiões – asituação geográfica, a extensão territorial, a história, a cultura,os recursos naturais, a localização dos recursos energéticos,a tecnologia, a economia e a demografia. Estas característicasassumem um carater estruturante e decisivo para as socieda-des e para os decisores, e influenciam de uma forma efetivaa política nacional e internacional dos países.

As novas tendências do pensamento sobre o desenvolvimentonão reconhecem soluções universais. Por não existirem recei-tas de desenvolvimento padronizadas, os efeitos das reformaspolíticas diferem quer nas próprias circunstâncias, quer nanecessidade de estratégias locais apropriadas8. Isto porque acomplexidade e singularidade de cada caso combina, na suaanálise, a subjetividade dos atores sociais e políticos com re-

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Nós e os outros

Desenvolvimento

Um debatecontínuo

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curso a métodos qualitativos, e enfatiza os métodos quantita-tivos na procura de generalizações e explicações causais9.Esta expressão multidimensional do desenvolvimento e osrespetivos critérios de medida motivam um debate contínuo.

Um processo de desenvolvimento observa, ao longo do tempo, aexistência de crescimento do bem- estar (no aspeto humano e eco-nómico) caraterizável através de indicadores – a diminuição dosníveis de pobreza, o desemprego, a desigualdade e melhoramentodas condições de saúde, a nutrição, a habitação, etc. Os indica-dores constituem uma seleção de parâmetros organizados deforma matricial, considerados isoladamente ou combinados entresi (quantitativa ou qualitativamente) que caracteriza e reflete, aolongo do tempo, o estado ou condição do desenvolvimento, aten-dendo à componente territorial, social, ambiental e económica.

Numa determinada perspetiva, as caraterísticas universais dedesenvolvimento económico derivam de uma forma naturaldo crescimento do Produto Interno Bruto per capita, PIB percapita, estando implícita a convicção do poder das forças eco-nómicas agregadas como influência positiva nos outros aspe-tos socioeconómicos relacionados com o desenvolvimento.Esta perspetiva difere da ideia de que a correlação entre o PIBe outros aspetos desejados do desenvolvimento não é auto-mática e que, nalguns casos, pode não haver nenhuma relação.Nesta ótica, o Rendimento Nacional Bruto per capita, RNB percapita, não é o indicador geral mais apropriado, deve ser com-plementado com outros indicadores. Registe- se que estas duasvisões não se referem ao significado do desenvolvimento(sobre o qual pode existir unanimidade) mas sim à definiçãoe escolha do conjunto de variáveis que estão correlacionadascom o processo de desenvolvimento multidimensional.

Não sendo realista avaliar o nível do desenvolvimento centradono recurso ao PIB per capita, o desenvolvimento humanoadquire um relevo particular, transversal às épocas, às ideo-logias, às culturas, às classes e ao contexto, onde o bem- estar(para que possam prosperar), a capacitação e os requisitos

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Indicadores

Desenvolvimentoeconómico

Desenvolvimentohumano

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(habilitação das pessoas e dos grupos para que ajam) e a justiça(expansão da equidade, sustentação dos resultados ao longodo tempo e respeito pelos direitos humanos e por outros ob-jetivos da sociedade) são componentes essenciais.

A questão da sustentabilidade a nível do desenvolvimento su-gere a qualidade em vez de quantidade, reduzindo o uso dematérias- primas e produtos e aumentando a reutilização e areciclagem. Neste quadro, tenciona suprir as necessidades dageração atual sem comprometer as necessidades das geraçõesfuturas –não esgotando os recursos para o futuro. Esta definiçãoprocura harmonizar o desenvolvimento económico e a conser-vação ambiental. Deriva do reconhecimento de que os recursosnaturais são finitos. Este modelo de desenvolvimento global in-corpora a sustentabilidade ambiental, económica e sociopolítica.

Em 1990, o Programa das Nações Unidas para o Desenvol-vimento (PNUD) lançou o Relatório de DesenvolvimentoHumano (RDH). Estes documentos têm sido pioneiros natransmissão de ideias, sendo reconhecidos pelas Nações Uni-das como um exercício intelectual independente e uma im-portante ferramenta para aumentar a consciencialização sobreo desenvolvimento humano em todo o mundo. A mensagemessencial que tem sido transmitida nestes relatórios é a de queo crescimento económico não se traduz, por si só e automati-camente, sem progressos no desenvolvimento humano.10

Assim, com o objetivo de afastar os estudiosos e os políticosde uma visão economicista do desenvolvimento, centrada noPIB e no RNB, as Nações Unidas propuseram o Índice de De-senvolvimento Humano, IDH, que transmite uma visão maisampla e envolvente. Embora reconhecendo uma efetiva relaçãoentre o IDH e o PIB per capita, este índice combina indica-dores de saúde e de educação da população com um indica-dor de crescimento económico.

A natureza cada vez mais complexa e transfronteiriça dos de-safios implica um agir coordenado e operativo para melhorar

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Sustentabilidade

PNUD e DRH

IDH

Domínios da dinâmica dedesenvolvimento

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a equidade, incluindo a dimensão do género, proporcionaruma maior representação e participação dos cidadãos, in-cluindo a dos jovens, enfrentar as pressões ambientais, geriras alterações demográficas11 e migratórias, gerir os conflitosinternacionais e o destino dos refugiados e deslocados, entreoutros domínios específicos para a manutenção de uma di-nâmica de desenvolvimento.

A crescente interligação entre países através do comércio, damigração e das tecnologias da informação e comunicação, leva aque as decisões políticas de uma região, tenham impactos subs-tanciais nas demais. Assim, as crises dos últimos anos – alimentar,financeira, climática e de segurança, que devastaram a vida detantas populações, são reveladoras desse fenómeno e transmitemclaramente a importância dos esforços destinados a reduzir avulnerabilidade dos indivíduos aos choques e catástrofes12.

Fig. 3 – Políticas para a redução da vulnerabilidade e o reforço da re-siliência. Adaptado do RDH, 2014.

A compatibilidade entre o caráter cada vez mais individual ecompetitivo das sociedades, e a gestão necessariamente coletivade uma tecno- natureza complexa e frágil, desenha- se enigmáticae descaradamente improvável.

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• Regulação financeira• Acordo sobre

alterações climáticas• Desenvolvimento na

primeira infância• Políticas

macroeconómicas• Redução de risco de

catástrofes• Coesão social

Prevenir choques

• Prestação universal de educação e de saúde

• Pleno emprego• Promoção da igualdade

de género e de grupo• Instituições com

capacidade de resposta• Preparação para

catástrofes

Promoção de capacidades Proteção das escolhas

• Proteção social• Criação de emprego• Reforço da coesão

social e das competências

• Combate à descriminação mediante a alteração de leis e normas

• Recuperação face a crises e conflitos

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VINCULAÇÃO DA ECONOMIA À CULTURA

Tornou- se um hábito recorrente assistir ao debate e a contro-vérsias sobre os limites e as falhas do desenvolvimento, bemcomo a discussões sobre o poder e os modelos da economia.Exploram o mau funcionamento dos mercados e o fracasso dasinstituições vocacionadas para a governação e para a cooperação.Ambos os fenómenos alicerçados em valores ocidentais, falha-ram na promoção de um desenvolvimento justo a nível mundial.

Apesar da diversidade conceptualista da economia, por um ladorefere- se a economia que diz que o mercado conta como aquelaque pressupõe a concorrência e entende que a escassez é abase da competição e, por outro, a economia que diz que asinstituições contam, como um campo aberto, assente em váriosterritórios, dos quais evidencia as instituições, governação emudança institucional13.

A segunda tem uma capacidade de previsibilidade maior e temmaior envolvimento com fenómenos emergentes e novas rea-lidades. Ao valorizar uma matriz institucional associada a umconjunto de valores e preocupações sociais, manifesta umainequívoca proximidade com a consolidação de dinâmicas dedesenvolvimento humano e, por conseguinte, com a comple-mentaridade dos campos sociais da cultura. O papel da cul-tura e a importância dos recursos cognitivos associam- se aquiao cálculo e à seleção de estratégias exequíveis e eficazes,onde a estratégia tem primazia sobre a tática.

No mundo de hoje verificamos que é a complexa matriz deformas institucionais que pode definir e diferenciar uma eco-nomia. São as instituições que integram uma economia querevelam a sua inseparabilidade dos indivíduos, dos valores edos atores coletivos.

A economia que alicerça uma teoria económica das institui-ções pretende mostrar que os comportamentos dos indivíduos

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Mercado einstituições

Teoria económicadas instituições

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e dos atores, bem como as dinâmicas dos espaços econó-micos, não são apenas o resultado de uma lógica de cálculo ede racionalidade, nem de uma forma exclusiva de governação(a do mercado). Estão também vinculados a culturas, sistemasde valores, hábitos, rotinas, regras e instituições.

Assim, o desempenho competitivo de um país ou região, omodo como se estrutura e se posiciona num contexto maisvasto, ultrapassa a sua dimensão ou os resultados dos recur-sos ou da tecnologia de que dispõe. Relaciona- se igualmentecom os valores, as lógicas sociais e políticas, as culturas cívi-cas e organizacionais, as instituições que lhe dão especifici-dade e sentido coletivo. Com efeito, o mundo, a economia ea sociedade são contextos de incerteza e diversidade onde osatores têm possibilidade de controlar os processos que osenvolvem – com consciência e intencionalidade, através dassuas escolhas, deliberações, consensos e conflitos. Consoli-dam assim as soluções escolhidas, dando forma a uma deter-minada configuração institucional que, de forma não estática,sujeita a uma evolução constante, reproduz e molda ao longode gerações através da sua cultura14.

Embora no âmbito de discursos controversos, a centralidadedas instituições tem sido crescentemente sublinhada, salien-tando os direitos de propriedade e o Estado de Direito, bemcomo os efeitos mais instrumentais da participação e da res-ponsabilização. Simultaneamente surgiu o reconhecimento deque o contexto afeta a determinação das formas e funçõesinstitucionais que são apropriadas, pondo em causa a imita-ção ou o transplante das melhores práticas para contextos di-ferentes.15

A totalidade do tecido institucional suporta a ideia de gover-nação. Ora uma governação sustentável gere os recursos numequilíbrio entre presente e futuro, e balança os encargos dagestão corrente com o investimento em bens públicos de mé-rito, que melhoram a equidade e o potencial dos cidadãos nacriação de riqueza. Neste registo, a coesão territorial abrange

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Configuraçãoinstitucional

Contextosdiferentes,práticas

diferentes

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leituras de caráter social e económico. Um país coeso é umpaís com regiões com acesso a condições e a recursos pro-dutivos equiparados às suas necessidades e expetativas. Osresultados, medidos em termos sociais e económicos, sãotambém equiparados. Observa- se que os processos de trans-formação das condições e dos recursos nos resultados, sãonecessariamente diferentes e explicam trajetórias de cresci-mento próprias16.

O exercício da Economia, tanto trata das atividades dosagentes individuais, como trata dos agregados dessas ati-vidades e desses agentes. Ao relacionar- se com o funcio-namento dos níveis mais elementares, nomeadamente docomportamento dos consumidores e das empresas e comoestes decidem da afetação dos seus limitados recursos, o seuestudo cabe à microeconomia. Estuda assim, o comporta-mento destes agentes elementares, das suas escolhas, de comoessas escolhas dão origem à procura e oferta de bens e ser-viços, de como o cruzamento destas se reflete na formaçãodos preços e de como estes, por sua vez influenciam aquelasescolhas.17

O funcionamento da economia num nível mais abrangente,nomeadamente o relativo aos grandes agregados com rele-vância político- administrativa (o de uma região, de um Estado,de uma comunidade de Estados, ou do mundo inteiro) integraa macroeconomia. Neste nível, encontram- se as variáveis agre-gadas, comummente mais referidas, como o emprego, o PIB,a inflação, a balança de pagamentos, ou mesmo o crescimentoeconómico18.

Tal como toda a ciência, seja ela qual for, a ciência económicaé fundamentalmente humana, construída com pressupostoscontingentes e localizados19. Deste modo, a ciência econó-mica aplica- se desde um ponto de vista macroeconómico paradebater os desafios que enfrentam mudanças estruturais glo-bais e o combate à grande recessão, até aos fenómenos emi-nentemente microeconómicos20.

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Microeconomia

Macroeconomia

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O tipo de economia que a política hoje dirige, tem reveladouma ausência de resposta para muitas questões e uma ignorân-cia emergente. Nesta sobreposição de interesses e ausência desoluções, a Terra assemelha- se a uma nave sem piloto, propul-sionada por quatro motores ambivalentes: a ciência, a técnica,a economia e o benefício21, sendo cada vez mais visíveis situa-ções críticas que carecem de resolução, problemas fundamentaiscomo a fome, a miséria, a doença, as migrações, a degradaçãoecológica, a difusão de armas de destruição massiva, o poderiomilitar, a explosão de conflitos étnico- político- religiosos, a fa-lência dos estados, da economia e da educação.22

A procura de respostas a estas questões, aos maiores proble-mas sociais, económicos e ambientais, exige um questiona-mento do paradigma económico dominante. Aparentemente,a prevalência da natureza reformista da economia é acari-nhada pela maioria dos decisores políticos, mas também, cadavez mais se multiplicam, no âmbito político, os argumentos afavor da necessidade de uma grande transformação.23

Não são alheias a quadros deste tipo, as significativas mudançascíclicas na estrutura da economia que provocam grandes altera-ções na sociedade. Uma dessas mudanças foi, por exemplo, opapel das finanças sobre a atividade económica. Mas ocorreramvárias ao longo da História. Por exemplo, o desvio da agriculturapara a indústria foi uma delas, a chamada transição demográ-fica foi outra. A proliferação de informação de fácil acesso acusto reduzido através da internet é capaz de ser outra24.

Hoje em dia, a economia do bem- estar advoga a mudança radi-cal do paradigma dominante, conceptualizando atividade eco-nómica a partir do ideal de progresso humano, e não o inverso.25

Neste cenário global, a base do pensamento sobre a conver-gência do desenvolvimento tem vindo a mudar substancial-mente: começou pela ideia de que o investimento de capitalequivale ao crescimento e ao desenvolvimento, avançou su-cessivamente para o papel do capital humano, para o papel

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Situaçõescríticas

Mudançascíclicas daeconomia

Capacitaçãoindividual e de

grupos e domíniodas nações sobre

si mesmas

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dos mercados e das políticas, para o papel das instituições e,mais recentemente, para o papel da capacitação individual ede grupos e do domínio das nações sobre si mesmas26. O per-curso da economia do desenvolvimento tem sido longo, ba-seado em tentativas e erros, testando soluções diferenciadas.Um caminho que, com a mudança do paradigma económicono último quarto do século XX, viu aumentarem as questõesessenciais e adotarem de novas soluções.

Atualmente, não existe consenso acerca das políticas de de-senvolvimento. O impacto da crise no pensamento sobre odesenvolvimento, não sendo claro, tende para o regresso aum papel mais ativo das políticas públicas e a um objetivode desenvolvimento mais humanitário27, que impliquem umatransformação a nível individual e coletivo e a emergência ra-dical de alternativas em termos de aplicabilidade, rigor, efi-ciência e precisão. É tempo de uma forma de vida despertadapelo status de cidadão à escala do mundo, de uma nova men-talidade de convívio e de novas realizações.

DEMOCRACIA E PROGRESSO

A democracia é um modo ativo de vida despertado pela po-litização do status de cidadão28. Está associada à ideia dapossibilidade de um melhoramento da ordem social, de umaperfeiçoamento motivado pelos esforços da vontade cole-tiva. Embora hoje o termo “progresso” suscite desconfiança,a ideia que ele veicula é inseparável do projeto democrático.Na realidade, os habitantes dos países democráticos, mesmoquando insatisfeitos, vivem numa sociedade mais justa deque os outros, são protegidos por leis e gozam de diversosbenefícios e direitos. Isto porque a democracia é carateri-zada pelo pluralismo, pelo facto de os poderes não seremconfiados às mesmas pessoas, nem centrados nas mesmasinstituições.29

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Status decidadão

Democracia

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Neste paradigma, é essencial o poder judicial não estar subme-tido ao poder político (que reúne o poder executivo e o poderlegislativo) e o poder mediático não ser posto ao serviço do go-verno e permanecer plural. Também a economia dependente debens privados, deve preservar autonomia perante o poder polí-tico que, por sua vez, não deve ser instrumentalizado ao serviçodos interesses económicos de alguns indivíduos. A vontade po-pular deve resultar dos princípios definidos após reflexão cons-ciente e inscritos na Constituição do país, ou simplesmenteherdados da relação e sabedoria intergeracional.30

Dentro desta visão verifica- se que o espírito democrático conciliae satisfaz múltiplas exigências e interesses divergentes. Resu-midamente, pode dizer- se que o conceito de democracia reúnepovo, liberdade e progresso. Mas no seu exercício, a autonomi-zação de qualquer um destes elementos, pode transformar- seem ameaças – refira- se o populismo ou o ultraliberalismo.

Numa sociedade democrática próspera, relacionam- se insti-tuições políticas, legais, económicas e sociais, parecendo cadauma depender de muitas outras. Mas sempre que essas insti-tuições não existem ou não funcionam, surge inevitavelmentea difícil questão de identificar as instituições que primeirodevem ser criadas para se iniciar a mudança de um estado dedesordem para um estado de prosperidade.

Isto porque democracia não significa que todos os problemas serãoresolvidos, significa sim, que os governantes podem ser substituídose que é através das eleições que convém perceber os argumentose as consequências dos programas políticos e os respetivos hori-zontes de execução física e financeira. Mas o facto de a democraciaoperar através de eleições, não corresponde necessariamenteàs eleições serem a essência da democracia. A sua consolidaçãoprende- se com o reconhecimento de que a democracia é uma so-lução para o problema da tirania, e de que na base da sua estabi-lidade se têm desilusões e baixas expectativas, tornando necessáriaa procura e uma luta constante para o seu alargamento e sustenta-ção31. A democracia é sempre um projeto e é sempre um processo.

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Diferenciação depoderes

Povo, liberdadee progresso

Democracia, um processo

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Existe uma dissemelhança entre os conceitos de democraciadas sociedades contemporâneas e de Atenas do século V. In-felizmente, na atualidade, a democracia confunde- se comouma técnica de poder e experimenta ameaças reais: uma dou-trina hipertrofiada de proteção das liberdades, o uso que ohomem faz da ciência e da tecnologia, e o favorecimento dapolítica da indiferença. A primeira, permite a alguns pode-rosos o privilégio de se apropriarem não só da riqueza, mastambém do poder político e da palavra pública, suscitandoapreensão pelo facto de a democracia se ter transformado noprincipal inimigo dela própria.32 Tem- se o exemplo da crisecontínua que persiste na Europa, com base num estado deemergência que tem permitido legitimar decisões políticas eeconómicas que despojam os cidadãos e os privam de qual-quer possibilidade de decisão e também a inação ou desva-lorização de situações críticas.

A segunda ameaça surge perante a evidência de o homem seter tornado uma ameaça à sua própria sobrevivência, con-soante o uso que faz da ciência e da tecnologia. Muito emboraa ciência e a tecnologia sejam ajudas poderosas, elas podem- sevirar contra o homem, quando postas ao serviço da busca de-senfreada do lucro imediato. O exemplo da catástrofe de Fu-kushima, mostra não ter sido a confiança na ciência ou natecnologia as suas principais responsáveis, mas sim o esque-cimento do interesse comum33.

A terceira ameaça resulta do crescimento e do favorecimentoda política da indiferença, onde a globalização, o desenvol-vimento e a ocidentalização se mostraram incapazes de re-solver os problemas da humanidade. Continua a existir maispobreza do que riqueza34 e uma ameaça que pode arrastarpara a ruína todos os governos e todas as instituições domundo.

No século XX, a esperança no progresso contínuo desinte-grou- se, resultando de incertezas, urgências e medo do futuro.Basicamente cessou o crédito no progresso automático e na

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Ameaças reais

Sobrevivênciahumana

Política da indiferença

Dinâmicasparciais de progresso

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sucessão natural de todas as ordens do progresso (do cientí-fico e económico ao moral ou ao político). Existem dinâmicasparciais de progresso, mas sem a unificação geral de umquadro histórico de inteligibilidade e de uma governabilidadearticulada35. Neste cenário não se pode adotar a democraciacomo modelo, se não se definir o que é a democracia nos nos-sos dias. Crescem equívocos sobre a democracia vivendo- acomo uma mera técnica de administração, baseada em pesqui-sas de opinião, na manipulação da opinião pública, nas elei-ções, etc. afastando a possibilidade de uma democracia comoconstituição de um corpo político sólido e consciente, com oprogresso subjacente.

No sentido de gerar dinâmicas de progresso, o RDH de 2014– “Sustentar o Progresso Humano: reduzir as Vulnerabilidadese Reforçar Resiliência”, advogou basicamente duas teses: A –ser essencial o reforço e a proteção sustentável das escolhase capacidades individuais, bem como o das competências so-ciais; B – as estratégias políticas e as políticas de desenvolvi-mento humano devem visar a redução da vulnerabilidade eo reforço da resiliência36 – no fundo, assegurar que a comu-nidade, o Estado e as instituições globais se empenhem emcapacitar e proteger os indivíduos.

Fig. 4 – Dicotomia discursiva entre progresso económico e progressohumano. Adaptação de Bina, 2013.

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RDH de 2014

Recursos naturais

(Sociedade de)Consumidores

EconomiaBem-estar material

Sociedadede consumo

PROGRESSO ECONÓMICO

Atividades socioeconómicas

NaturezaPlaneta

Seres humanosSociedade(atividadesmercantis e

não mercantis)

PROGRESSO HUMANO

Atividades socioeconómicas

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Associa- se continuamente ao futuro e à transformação a ideiade um propósito e a ideia de progresso. Conseguir um progressoreal em matéria de desenvolvimento humano integra o aumentodo conjunto de opções de escolha determinantes das pessoas, asua capacidade de acesso à educação e à saúde, a conquista deum nível de vida razoável e de uma sensação de segurança. In-clui também a capacidade de reagir e recuperar da adversidadequer seja de origem natural ou humana. Saliente- se que o graude solidez dessas conquistas é determinante, acompanhando aexistência de condições suficientes para um desenvolvimentoque garanta que as escolhas presentes não comprometam a dis-ponibilidade das escolhas das gerações atuais e futuras.37

Hoje, as mudanças climáticas, as epidemias, o terrorismo, asdesigualdades comerciais, as migrações, são fenómenos queultrapassam as fronteiras dos países e criam interdependên-cias globais. A par das novas oportunidades da globalização,cresceu o risco de uma propagação mais rápida de fenóme-nos adversos. Estas novas ameaças exigem análises, respostas,recursos e lideranças nacionais, transfronteiriças e globais,uma ação coletiva, sob a forma de um compromisso globala favor da causa da universalidade. Neste contexto atribui- seà emergência e à salvaguarda de bens públicos globais, apossibilidade de redução da probabilidade de ocorrência, e dadimensão de choques transnacionais.38

O caso da campanha de salvaguarda dos monumentos da Núbia,motivou a criação da Convenção da UNESCO de 1972, sobre opatrimónio mundial e a inscrição de bens na lista do Patrimó-nio Mundial da UNESCO, ou seja, do Património da Humani-dade. Bens públicos, tradicionalmente considerados nacionais,ultrapassaram a soberania nacional, assim como bens públicosglobais se tornaram questões de política nacional.

A referência aos bens públicos globais relacionados com obem global, políticas globais e conhecimento global, con-sidera todas as possíveis formas de cooperação internacio-nal, desde as organizações internacionais às parcerias entre

LÚCIA SALDANHA

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Progresso

Salvaguarda de bens públicosglobais

Possíveisformas decooperaçãointernacional

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estados ou outras que sejam relevantes para a provisão dosbens.39

Trata- se de um quadro complexo onde se articulam, enquantosujeitos ativos, não só os estados nacionais e as organizaçõesinternacionais, mas também entidades locais e a própria so-ciedade civil, de forma mais ou menos organizada. Pre-tende- se que entre todos se consiga um fim comum, atravésde uma coordenação de políticas operacionais e de procedi-mentos, e também de mecanismos de financiamento. Essacoordenação traduz- se de diferentes formas, tais como quadroslegais nacionais, supranacionais, acordos e contratos comprivados.40

São bens públicos globais, a atmosfera, os oceanos, o conhe-cimento, os direitos humanos, os direitos comerciais ou a se-gurança internacional, entre outros. Têm uma relação diretacom fatores ambientais, económicos e humanos. No seuestudo, análise e promoção, tem particular importânciaa equidade. Isto porque a definição e prioridade dada adeterminado bem público global é sempre formulada em fun-ção das preferências de um conjunto de países, sendo de evitarque os interesses de uns prevaleçam em detrimento dos inte-resses de outros.

A necessidade permanente de conciliar crescimento e decres-cimento revela que, por um lado, importa mundializar – é ne-cessário alimentar a solidariedade e salvar regiões e pessoasdo planeta que estão ameaçadas e, por outro, importa des-mundializar – proteger a produção local, defender produtosvitais. No fundo, tudo aponta para uma nova economia queseja a simbiose entre o melhor da civilização europeia e asvirtudes das culturas locais: não abandonar as reformas sociaise reformar as relações humanas. Pressupondo sempre que osesforços individuais e coletivos separados são insuficientes.41

Neste quadro é de rejeitar pensar a liberdade de forma indi-vidual, pois muitas formas de liberdade só se alcançam com

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Equidade

Necessidade de uma nova

economia

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os outros. Hoje vivemos o impacto da revolução digital sobrea esfera pública e a crescente heterogeneidade cultural doscidadãos, provocando consequências visíveis na aprendiza-gem da cultura democrática, dos valores democráticos e namaneira de compreender a democracia.

A operacionalização da noção de bens públicos globais po-derá desempenhar um papel decisivo para transformar a ges-tão do paradigma global, inspirada numa visão utópica deuma nova sociedade democrática, em que a abrangência dosbenefícios se estenda a todos os países, indivíduos e gerações.

Não podemos ignorar a natureza frágil da democracia, bemcomo a impossibilidade de a importar ou exportar. É um mo-delo de vida que se constrói coletivamente e um determinadopatamar do progresso.

CONHECIMENTO E COOPERAÇÃO

Já há quase quatro décadas, Alvin Toffler escreveu que osanalfabetos do século XXI não seriam aqueles que não fos-sem capazes de ler e escrever, mas aqueles que não conse-guissem aprender, desaprender e reaprender. Foi visionárioao retratar a tecnologia a exceder as margens do controlo dasociedade e a prever mudanças sociais e tecnológicas tãodrásticas que deixariam as pessoas confusas na hora de tomardecisões e, consequentemente, na hora de construir o presentee o futuro. Um futuro desenhado a partir de decisões diárias,inconstantes e mutáveis, em que cada acontecimento influenciatodos os outros.

A procura de equilíbrio e de desenvolvimento de competên-cias diversas, nomeadamente do pensamento crítico, criativoe de atenção para com os outros, acontece, sobretudo, atravésdo questionamento. Se um modelo de vida leva ao esgota-

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Questionamento

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mento e à desorientação, é fundamental questionar se vale apena continuar pelo mesmo caminho, se se quer, se se devee se se pode mudar de direção42.

A natureza insatisfeita do homem leva- o a fazer novas per-guntas, interrogações que produzem um novo saber. Elenecessita de observar com outros olhares através da históriaindividual e coletiva, evitando a arrogância dos que supõempossuir o conhecimento e a certeza.43 Conhecer implica umarelação intencional que informa toda a experiência e lhe dáum carácter de abertura e de revelação. O conhecimento pres-supõe uma procura de verdade, de sentido, um ideal de con-senso ou uma referência a uma comunidade de investigaçãoque, de algum modo, regula a aceitação ou rejeição das cren-ças, hipóteses e teorias. Mas pouco adianta conhecer se nãohá a decisão de se aplicar esse conhecimento no agir. E, co-nhecendo- se mais, pode- se agir melhor, o que mostra que, decerta forma, o homem está destinado ao conhecimento.

Nada, no homem, incentiva tanto a atividade da sua existênciacomo o conhecimento. O homem é dotado de uma vocaçãode saber, de uma necessidade inicial de conhecimento44. Oconhecimento é o projeto que acompanha toda a História:conhecer o mundo e conhecer o próprio homem.

A evolução geral da tecnologia e das ciências contemporâneasespelham o desenvolvimento de uma cultura e confirmam umavocação e uma consciência de esperança na criatividade, asso-ciadas, amiúde, a uma vontade de poder (o que não faz a ciênciaresponsável pela perversão dos valores humanos).

O percurso evolutivo da ciência no século XX suscitou a re-volução das novas tecnologias, que foi acompanhada por umacrescente mundialização. Daí resultou uma economia que co-locou o saber e os recursos cognitivos no centro da atividadehumana e da dinâmica social. O que acontecerá no séculoXXI? Será que surgirá o desenvolvimento de sociedades quepartilhem o conhecimento?45

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Conhecer e agir

A economia do conhecimento

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Nas últimas décadas ampliou- se o acesso ao conhecimento,através da difusão da educação, da democracia e das mudan-ças tecnológicas. Mesmo assim, presentemente, é maior doque nunca a fratura cognitiva que separa os países ricos –com grande potencial de investigação e inovação, sistemaseducativos eficazes e centros de conhecimento e de culturaacessíveis a uma grande maioria –, das outras nações ondeos sistemas educativos são deficientes, as instituições de in-vestigação carecem de recursos e o potencial de conhecimen-tos se encontra gravemente afetado pela fuga de cérebros.Também entre as sociedades do conhecimento mais adianta-das e a dos países ricos que não investem suficientemente nainvestigação e no saber, está a emergir uma segunda fratura.

Neste quadro é curioso descobrir como o conhecimento in-fluencia a vida de cada um e de cada país e, em simultâneo,como o acesso ao conhecimento pode ser um lugar de confli-tos. Isto porque, quer a censura por parte dos regimes autori-tários, quer a privatização através dos direitos de autor, quer aespecialização intelectual, são apontadas como possíveis amea-ças à construção e difusão do conhecimento nos seus variadoscontextos.46

Verifica- se que, com o passar do tempo, o ideal do homem sábio,cujo conhecimento não está restrito a uma única área, foi subs-tituído pelo do intelectual especializado e que, à imagem deárvore de conhecimento sucedeu a imagem abstrata de sistema47.Existem especialidades, mas não há coerência, perdendo- secompletamente a visão holística. Tal circunstância reflete- senos consensos internacionais e nas suas linhas programáticas.

Tudo isto exige, como horizonte, um novo tipo de desenvol-vimento“inteligente”, humano e sustentável, cuja chave residano papel inovador ou reprodutor do conhecimento e na cons-trução de sociedades que partilhem o conhecimento48.

As «Conferências do Século XXI», organizadas pela UNESCO,permitiram um fórum intelectual destinado a promover o en-

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Partilha doconhecimento

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contro e a utilização de soluções em que se manifeste mais asolidariedade humana e a prevenir os equívocos que as guer-ras geram. Discutiram matérias como a evolução da demogra-fia, o que recear das biotécnicas, as novas doenças, o futuroda água, da alimentação e da energia, a evolução das línguase da literatura, as expectativas relativamente à educação, à de-mocracia ou como selar um novo contrato social na era da mun-dialização.49

A UNESCO também incitou as autoridades governamentais ainvestir numa educação de qualidade para todos, a multiplicaros locais de acesso comunitário às tecnologias da informaçãoe da comunicação, e a encorajar a partilha do saber científicoentre os países, a fim de reduzir as diferenças numéricas ecognitivas que separam as regiões e também abrir o caminhopara uma forma “inteligente” de desenvolvimento humanosustentável.50

Apresentou um panorama prospetivo das mudanças quese observam. Serão as novas tecnologias uma solução faceàs desigualdades e à exclusão? Como vamos organizar noespaço público democrático o debate sobre questões éticassem precedentes suscitadas por novos conhecimentos e asnovas técnicas como a genética, as biotecnologias? Como seadotarão as decisões nestes âmbitos? Encontramo- nos napresença de um desenvolvimento das «sociedades da apren-dizagem»? Como construir verdadeiras sociedades do conhe-cimento baseadas na educação para todos ao longo da vida?Que fisionomia terá, nesta perspetiva, o ensino superior dofuturo?51

Concluiu que o caminho que conduz às sociedades do conhe-cimento partilhado não exige apenas competição, competênciaou incentivo mas, também, algo fundamental, a cooperação.O conhecimento assume assim, um papel influente e prevale-cente, ao nível individual, na igualdade de oportunidades, mastambém na competitividade das organizações e dos Estados,associado sempre à cooperação.52

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Conhecimento

Cooperação

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A mudança de paradigma na cooperação para o desenvolvi-mento dá- se devido à existência de novos fenómenos quequestionam a visão predominante do mundo. Tal facto decorredas mudanças ideológicas que se verificam a nível global, dasincoerências que se vão identificando nos próprios modelose que impedem a sua coexistência e o consenso. Tendo emconta a nova realidade, as políticas de cooperação para o de-senvolvimento necessitam de ser repensadas, de encontrarnovas interpretações e formatos que reflitam e produzam res-postas praticáveis, linhas de ação, planos de operação e ca-lendarização no terreno.

A cooperação para o desenvolvimento apoia regiões, paísese comunidades com dificuldades, que estão inseridos numcontexto marcado por um desequilíbrio na repartição dosrecursos e das oportunidades a nível mundial. Trata- se de umesforço conjunto de países ditos desenvolvidos e países emdesenvolvimento, com a finalidade de combater as dificulda-des económicas e sociais de forma sustentável e duradoura.53

As áreas de atuação são diversas: desenvolvimento sustentá-vel, desenvolvimento comunitário, capacitação, microcrédito,desenvolvimento rural, segurança alimentar, saúde, educaçãopara o desenvolvimento, educação formal, formação técnica,saneamento básico e melhoria ou reabilitação de habitat, coo-peração descentralizada, igualdade de género, direitos huma-nos, ambiente e desenvolvimento, participação e cidadania,influência política em torno das políticas de cooperação parao desenvolvimento e da educação para o desenvolvimento,responsabilidade social das empresas, estudos e investigação,entre outras.54

Se por um lado a rapidez e a intensidade da evolução econó-mica, social e política do Mundo tem um grande potencial paracontribuir para uma melhoria das condições de vida das po-pulações mais desfavorecidas, por outro, os desafios para umdesenvolvimento sustentável e para a igualdade de oportuni-dades são também cada vez maiores.

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Regiões, paísese comunidades

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Perante esta conjuntura evolutiva, a multiplicidade de atoresque se movem na área do desenvolvimento têm consciênciada diferença e da complementaridade dos seus papéis e dofacto de as suas estratégias e opiniões nem sempre seremcoincidentes. Procuram adaptar- se às novas realidades, man-tendo um empenho e coordenação para atingir objetivos que,na sua essência, se desenham comuns. Reconhecem a neces-sidade de uma comunicação eficaz e de aprender a trabalharem conjunto.

O futuro, não sendo apenas uma questão de estatísticas, deprevisões e de cálculo dos riscos, é sobretudo, uma questãode ética55 e de responsabilidade. Todos somos responsáveis porgestos e decisões que podem ter consequências nefastas eirreversíveis para a geração atual e para as próximas gerações56,ou, pelo contrário, resultados e efeitos positivos.

O caráter da desordem mundial e a situação internacional,retratam a atrofia da capacidade atual de prevenir ou de re-solver conflitos. Isto porque é crucial compreender melhor ooutro, a realidade, a mudança e entender os principais obje-tivos de cada parte. A tecnologia evoluiu mais rapidamentedo que a modernidade e do que as próprias regras sociais.Na lógica da evolução social e no desenho do futuro comoprojeto, a experiência permanente, a lucidez para escolher,para recusar o que não se quer e não faz falta, e a coragempara não aceitar o absurdo, reforçam a importância da relaçãoda consciência, intencionalidade, dinâmica e inovação.

A inovação intelectual parte, sobretudo, das pessoas que têm odom de ver para além da sua própria formação, e que trabalhamcom as outras disciplinas de uma maneira mais engenhosa ecriativa. Aqui, o interesse principal reside em aplicar ideiase técnicas de outras disciplinas na resolução de uma novasituação.57

A sociedade dita moderna e inclusiva permite às pessoasfazerem coisas em conjunto – adaptar os ambientes físico,

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Consciência eintencionalidade

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económico, social e cultural na compreensão da ética dogénero humano e no sentido de uma identidade planetáriasolidária, e possibilita também uma distribuição espacial doconhecimento, desde os lugares em que o conhecimento foidescoberto, guardado ou elaborado para os que é difundido58.

Em 2015, na ONU, foi alcançado um consenso sobre a novaagenda de desenvolvimento sustentável para ser adotadopelos líderes mundiais, no sentido de erradicar a pobreza ea fome em todas as suas dimensões, até 2030, bem comopromover universalmente a prosperidade económica, odesenvolvimento social e a proteção ambiental. Estabelece-ram- se acordos a nível da cooperação internacional parafinanciamento de áreas específicas com investimentos sig-nificativos no âmbito de infraestrutura para energia, trans-portes, água e saneamento e outras áreas necessitadas. Deacordo com a ONU e perante a crescente desigualdade na so-ciedade (onde aumenta o fosso entre a pobreza e a riqueza)os objetivos da nova agenda, não só pretendem compensaraquilo que não foi alcançado com metas anteriores, mas tambémmostrar um caminho para um mundo novo, mais sustentávele equitativo.

Neste contexto, frequentemente, apesar das boas intenções,grande parte do conhecimento transforma- se em mercadoriae a cooperação em serviços. Na prática, verifica- se uma con-vicção insuficiente e uma certa ambiguidade na concretizaçãoe operacionalização da partilha de conhecimento e na coo-peração. Um desalinho nos critérios e na confiança no outro,no consenso e no compromisso. Partilhar Com quem? O quê?Para quê? Como? Quanto? E A troco de quê? É difícil conse-guir unanimidade para se alcançar um consenso e um com-promisso compatível com as necessidades geográficas reais epara se instrumentalizar e institucionalizar, consequentemente,os caminhos delineados.

É um exercício complexo, com muitas variáveis, que exigeum entendimento das diferentes culturas, dos seus valores,

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Nova agenda dodesenvolvimentosustentável

Desalinho de critérios econfiabilidade

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das diferenças, de complementaridades, que exige reciproci-dade tanto em direitos como em deveres, uma partilha de res-ponsabilidades e uma economia política capaz de administrara escassez (ao invés de privilegiar sistematicamente a acumu-lação), coragem para investir na experiência e ultrapassar afronteira do desconhecido e da novidade, questionar e solu-cionar o erro. Importa construir relacionamentos, explorar osproblemas, aprendendo uns com os outros, atraindo as partespara uma solução. Será uma utopia?

Uma reorganização da relação entre o poder político e a ci-dadania alicerça- se na confiança, na tolerância, na primaziada razão, na liderança, num espírito de compromisso, no di-namismo e num multilateralismo efetivo. As melhores soluçõesemergem de processos de aprendizagem entre partes, em quepartilham informação sobre o problema, sobre os seus interes-ses e sobre possíveis soluções, surgem de negociações, de diá-logos onde não existem vencedores.

Crendo nos surpreendentes desígnios da inteligência humana,permanece sempre a expetativa face à resolução de problemascoletivos, aqueles que afetam um grande e variado númerode pessoas: quando acabará a incapacidade dos indivíduos edos países, indispensáveis a um novo consenso mundial, ul-trapassarem as desconfianças e se juntarem de uma formapositiva e consequente, perante os grandes desafios do tempopresente, sejam eles os conflitos, as migrações, as alteraçõesclimáticas, as pandemias ou a pobreza59?

O homem articula e organiza conteúdos que adquirem sen-tido, cria conhecimento e projeta obras. Necessita de um nívelde escolarização e de conhecimento que lhe permita escolherinstituições potenciadoras do seu crescimento e da sociedadeem que vive, a nível humano e económico60.

Não se pode perder a capacidade de integração positiva detodos na sociedade. As instituições, as regras e os códigos, apar do historicamente estabelecido, são a base da estruturação

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Aprendizagementre partes

Conhecimento e projeto

Organização,regularização

e monitorização

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moderna do mundo. A organização, regulamentação e monito-rização de projectos de cooperação devem ser adaptados a cadacaso e implicam uma responsabilidade do pensar, sistematizare fazer, no conhecimento da geografia e da cultura local.

A expansão dos mercados mundiais gerou uma situação preo-cupante, resultando, grande parte, de fluxos culturais acen-tuadamente desequilibrados, predominando a orientação dospaíses ricos para os países pobres. No sentido do equilíbriodestes processos, o progresso de um país ou região atravésdo investimento nas pessoas concretiza- se através do capitalhumano, representado pelo desenvolvimento de competên-cias através da capacitação adquirida pela educação, pelaformação e pela experiência. Só assim se pode contrariar apadronização cultural, quer através de usos e costumes, queratravés de hábitos alimentares, quer através da moeda, queratravés de valores e da própria maneira de pensar.

SINOPSE DE EXPRESSÕES CHAVE

DO ÁLBUM DE D. AMÉLIA À BARRAGEM DE ASSUÃO: Inte-resse pelo Egipto; álbum fotográfico da viagem da rainha D.Amélia ao Egito – 1903; inauguração do canal do Suez – 1869;construção da barragem de Assuão (1954- 1971); campanhade salvamentos dos monumentos da núbia (1960- 1980); ava-liação do impacto da construção da barragem de Assuão.

IDEIA DE DESENVOLVIMENTO: projetar; planear e realizar;nós e os outros; desenvolvimento, um debate contínuo; in-dicadores; desenvolvimento económico; desenvolvimentohumano; sustentabilidade; PNUD e DRH; IDH; domínios dadinâmica de desenvolvimento.

VINCULAÇÃO DA ECONOMIA À CULTURA: mercado e insti-tuições; teoria económica das instituições; configuração ins-

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Capital humano

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titucional; contextos diferentes, práticas diferentes; microeco-nomia; macroeconomia; situações críticas; mudanças cíclicasda economia; capacitação individual e de grupos e domíniodas nações sobre si mesmas; status de cidadão.

DEMOCRACIA E PROGRESSO: democracia; diferenciação depoderes; povo; liberdade e progresso; democracia, um processo;ameaças reais; sobrevivência humana; política da indiferença;dinâmicas parciais de progresso; RDH de 2014; progresso;salvaguarda de bens públicos globais; possíveis formas decooperação internacional; equidade; necessidade de uma novaeconomia.

CONHECIMENTO E COOPERAÇÃO: questionamento; conhecere agir; a economia do conhecimento; partilha do conhecimento;conhecimento; cooperação; regiões, países e comunidades;consciência e intencionalidade; nova agenda do desenvolvi-mento sustentável; desalinho de critérios e confiabilidade;aprendizagem entre partes; conhecimento e projeto; organização,regularização e monitorização; capital humano.

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TÍTULOO Projeto

desenvolvimento | comunicação | cultura

AUTORALúcia Saldanha

DESIGN E PAGINAÇÃOVitor Duarte

CRÉDITOS FOTOGRÁFICOSCapa: MNAC, “Paris”, Gérard Castelo Lopes, ©DGPC/ADF

Págs. 8-9: MNAC, sem título, Jorge Silva Araújo, ©DGPC/ADFPág. 17: ADF/DDCI/DGPC, “Lisboa, Alfama. Rapaz bebendo numa bica”,

João Martins, ©DGPC/ADFPág. 51: MNAC, “Entreposto”, Adelino Lyon de Castro, © DGPC/ADF

Pág. 77: Expo’98, Abílio Leitão, © Parque Expo 98, SAPág. 105: MNAC, sem título, Jorge Silva Araújo, ©DGPC/ADF

Pág. 131: MNAz, “Todos os Sinais”, Ilda David, Luísa Oliveira, © DGPC/ADFPágs. 166-167: MNAC, sem título, Jorge Silva Araújo, ©DGPC/ADF

ISBN978-989-658-338-5

DEPÓSITO LEGAL 401738/15

DATA DE EDIÇÃODezembro 2015

EDIÇÃO

CALEIDOSCÓPIO – EDIÇÃO E ARTES GRÁFICAS, SARua de Estrasburgo, 26 - r/c dto.

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