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Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos
112 CADERNOS DO CNLF, VOL. XVIII, Nº 09 – LEITURA E INTERPRETAÇÃO
PERSONAGENS NEGROS E INDÍGENAS
NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS:
UMA PROPOSTA INCLUSIVA
Michelle de Chiara Ferreira (UNISUAM)
Nataniel dos Santos Gomes (UEMS)
RESUMO
A escola atual tem como uma de suas metas formar alunos leitores, e com este
propósito, pesquisamos as histórias em quadrinhos com o objetivo de usá-las como
instrumento para se discutir a diversidade de raças e culturas presente em nossa soci-
edade e como ferramenta didática para formar leitores, utilizando como material: ti-
ras, revistas de super-heróis ou literatura nacionais editadas neste formato, visto que
tal gênero combina imagem e texto, refletindo contextos e valores culturais, colabo-
rando com a educação dos leitores e com a ampliação de seus conhecimentos sobre o
mundo social. Falaremos de alguns poucos personagens negros e índios existentes nas
histórias em quadrinho dos super-heróis, pretendendo mostrar sob que estereótipo
eles são classificados nas histórias, possibilitando a identificação e a reflexão do papel
social de cada personagem no enredo, estigmatizado de forma negativa ou positiva em
determinados contextos.
Palavras-chave: Negros. Indígenas. Super-herói. Diversidade racial.
1. Introdução
Numa época em que a Internet, o mercado de produtos eletrôni-
cos, os videogames e os vários canais de TV por assinatura oferecem tan-
ta opção de entretenimento e diversão, parece destoante falar de leitura
como fonte de prazer. No entanto observamos um público que está sem-
pre atento aos lançamentos do mercado editorial e podemos constatar is-
so através de títulos de sucesso como A Culpa é das Estrelas, Harry Pot-
ter, O Senhor dos Anéis, Jogos Vorazes entre tantos outros que movi-
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mentam as livrarias e as grandes feiras de livro. São obras que motivam
crianças, jovens e adultos a entrarem no mundo da leitura, oferecendo
histórias com enredos fascinantes e uma linguagem que conquista pesso-
as de todas as faixas etárias.
Motivadas por este cenário e desejando formar leitores no âmbito
da educação básica, as instituições escolares, principalmente as do setor
público que atingem as camadas socioeconômicas menos favorecidas,
têm se empenhado em incentivar o aluno ao hábito da leitura e essa tarefa
tem sido um grande desafio para os docentes. A reflexão social, política e
cultural que obtemos a partir do conhecimento dos grandes clássicos, es-
pecialmente os de autores nacionais, não têm sido aproveitados por mui-
tos estudantes. Estes, ao iniciarem suas leituras, queixam-se do enredo
não atrativo e do tipo de linguagem empregada na obra (com expressões
e termos arcaicos pertinentes à época de suas publicações), fatos que,
sem dúvida, desestimulam o aluno a conhecê-las.
Diante desta percepção, o governo brasileiro tem adotado, no de-
correr de nossa recente história educacional, diversas estratégias que vi-
sam melhorar o ensino. Com o objetivo de inovar e ampliar o material
didático usado nas escolas, o MEC, no ano 2006, decidiu investir na
aquisição de diferentes gêneros textuais, distribuindo assim várias obras
atualizadas para serem utilizadas pelos docentes em sala de aula.
2. Os gêneros textuais
Mas o que entendemos por gêneros textuais? Para explicarmos tal
conceito, lembramo-nos de Bakhtin. Ele foi o primeiro a empregar a pa-
lavra gênero com o sentido mais amplo, referindo-se também aos textos
que empregamos nas situações cotidianas da comunicação.
Segundo Bakhtin, todos os textos que produzimos orais ou escri-
tos apresentam um conjunto de características relativamente estáveis, te-
nhamos ou não consciência dela. Essas características configuram dife-
rentes textos, ou como chamamos gêneros textuais, que podem ser mar-
cados por três aspectos: o tema, o modo composicional (a estrutura) e o
estilo (usos específicos da língua).
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3. A questão racial
Numa situação de interação verbal, a escolha do gênero não é es-
pontânea, pois são considerados vários fatores dados pela própria situa-
ção comunicativa: quem fala, sobre o que fala, com quem fala, com qual
finalidade. Pensando nisso, tais elementos são analisados pelo professor
na hora de fazer a escolha do gênero textual mais adequado a colaborar
com desenvolvimento da competência leitora, crítica e criativa dos alu-
nos, podendo-se utilizar narrativas em prosa, poemas, histórias em qua-
drinhos, textos argumentativos, notícias de jornais ou qualquer outro.
Como consequência da inserção de novos gêneros textuais na ins-
tituição escolar, no ano de 2007 (dez anos depois da criação do Programa
Nacional Biblioteca na Escola – PNBE), as histórias em quadrinhos
(HQs) finalmente foram incluídas nos acervos distribuídos a bibliotecas
dos colégios. Foram 14 livros neste formato e outros 16, em 2008. No
ano de 2009, as histórias em quadrinhos já representavam 4,2% dos 540
títulos listados pelo programa e para a sua seleção são levados em consi-
deração diversos critérios como a qualidade das ilustrações, da redação
dos textos e, principalmente, o tema enfocado em cada um. Estas avalia-
ções são feitas por uma equipe do MEC composta de mais de 80 especia-
listas, oriundos de diversas partes do país, a fim de se obter uma diversi-
dade regional, em que cada profissional vai colaborar culturalmente no
momento da escolha dos livros a serem trabalhados nas escolas.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) já contemplam e
destacam o gênero histórias em quadrinhos como importante ferramenta
ao sugerir o trabalho com diversas mídias em sala de aula. De acordo
com os PCN, as histórias em quadrinhos deverão estar inseridas nos con-
teúdos de temas transversais que tratam de questões sociais (saúde, orien-
tação sexual, cultura, meio ambiente e ética). Organizadas em diversas
linguagens, as histórias em quadrinhos viabilizam diferentes contextos e
produzem informações vinculadas aos temas sociais (BRASIL, 1997).
Entre os motivos para os docentes utilizarem os quadrinhos desta-
ca-se a atração dos estudantes por esse tipo de suporte, que trabalha ima-
gem, palavras, símbolos e signos. Esse gênero se torna envolvente justa-
mente por apresentar o enredo de uma maneira lúdica, o que proporciona
prazer na leitura e acaba criando uma ponte entre o mundo real e o ficci-
onal. Vergueiro (2010, p. 21) apresenta a sua posição quanto à utilização
dos quadrinhos na escola:
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Há várias décadas, as histórias em quadrinhos fazem parte do cotidiano das crianças e jovens, sua leitura é muito popular entre eles. A inclusão das
histórias em quadrinhos na sala de aula não é objeto de qualquer tipo de rejei-
ção por parte dos estudantes, que, em geral, as recebem de forma entusiasma-da, sentindo-se, com sua utilização, propensos a uma participação mais ativa
nas atividades em aula. As histórias em quadrinhos aumentam a motivação
dos estudantes para o conteúdo das aulas, aguçando sua curiosidade e desafi-ando seu senso crítico.
Dessa forma muitos professores montam seus projetos pedagógi-
cos escolhendo as histórias em quadrinhos como gênero textual a ser de-
senvolvido em todas as séries da educação básica, visto que a sua aplica-
ção resulta em compreensão temática, enriquecimento cultural, desen-
volvimento do hábito de leitura, ampliação de vocabulário, interação en-
tre os alunos, promovendo a participação de todos os envolvidos no pro-
cesso de leitura. Corroborando isso, destacamos o pensamento de Almei-
da (1998, p. 31-32):
[...] a educação lúdica integra uma teoria profunda e uma prática atuante. Seus
objetivos, além de explicar as relações múltiplas do ser humano em seu con-
texto histórico, social, psicológico, enfatizam a libertação das relações reflexi-
vas, criadoras, inteligentes, socializadoras, fazendo do ato de educar um com-
promisso consciente intencional, de esforço, sem perder o caráter de prazer, de
satisfação individual e modificador de sociedade.
Mediante a possibilidade de usar as histórias em quadrinhos como
instrumento para se discutir a diversidade de raças e culturas tão presente
em nossa sociedade, faremos um recorte mais definido neste trabalho, en-
focando duas raças de grande importância na formação do povo brasilei-
ro: a negra e a indígena, a partir de uma proposta pedagógica inclusiva
para a sala de aula.
Quando se fala em inclusão, propõe-se que todas as pessoas te-
nham os mesmos direitos e as mesmas oportunidades; todos devem ter
acesso aos mesmos benefícios, independentemente de etnia, gênero, clas-
se social, religião ou nível educacional. Promover um trabalho com uma
visão inclusiva torna-se essencial nas instituições educacionais, uma vez
que estas não possuem só o papel de transmitir o conhecimento sistemá-
tico de cada disciplina, mas também têm a função de acrescentar valores
morais, formando o homem como indivíduo e cidadão. E pensando nesse
caráter formativo da escola, faremos a apresentação dos recursos literá-
rios em formato de histórias em quadrinhos que podemos usar na escola
com a finalidade de promover a inclusão de negros e índios. Respaldados
na Lei Nº 11.645, de 10 de março de 2008, que torna obrigatório o ensino
sobre história e cultura afro-brasileira e indígena em todos os segmentos
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da educação básica, tencionamos através do gênero textual em quadri-
nhos apresentar temas que devem ser pensados e discutidos pelos alunos.
Vários clássicos da nossa literatura já foram editados em quadri-
nhos e podemos destacar algumas obras indianistas, pertencentes à pri-
meira fase literária do romantismo brasileiro: O Guarani (que narra a de-
voção e fidelidade do índio goitacá Peri, à Cecília, uma jovem de família
portuguesa; na trama ocorrem situações que geram o ataques da tribo dos
Aimorés contra os homens brancos); Iracema (história de uma índia ta-
bajara, Iracema, e do soldado português Martim Soares Moreno, a obra é
uma representação simbólica da formação da nação brasileira e que mos-
tra os primeiros contatos entre o índio e o homem branco), ambas do au-
tor José de Alencar. Outro clássico nacional apresentado de forma bem
interessante é o poema épico I-Juca Pirama, de Gonçalves Dias (narrati-
va dos fatos heróicos de tribos indígenas).
Uma literatura agradável que reúne duas linguagens: a verbal,
adaptada ao atual uso da língua, e a visual, com desenhos bem traçados e
coloridos, colaborando para que a leitura deixe de ser uma atividade de-
sinteressante passando ao status de tarefa de entretenimento entre os alu-
nos. Dessa maneira, é possível fazer uma ligação entre grandes autores
nacionais e um público que estaria consideravelmente afastado deles.
Outros títulos podem ser utilizados pelo professor de língua por-
tuguesa, com a finalidade de destacar os aspectos linguísticos no texto,
evidenciados no contato comunicativo entre as etnias, e também promo-
ver o trabalho interdisciplinar na instituição, através da abordagem de
pontos relacionados a outras matérias como geografia, história, sociolo-
gia, de modo a oferecer um conteúdo diversificado ao discente.
De acordo com essa proposta, pode-se explorar a obra Xingu que
apresenta um viés ecológico e social. Muitas partes da história surgiram
da experiência do autor Sérgio Macedo com a convivência dos índios
caiapós do Parque Nacional do Xingu, em Mato Grosso. O livro conta as
aventuras do estrangeiro Vic Voyage (protagonista de outros álbuns de
aventura), na região do pantanal mato-grossense, e de sua vivência entre
os índios, liderados pelo cacique Raoni. O estrangeiro toma conhecimen-
to da ameaça do homem branco que põe em risco a segurança e a liber-
dade dos povos indígenas e da própria natureza. A partir do enredo, o
professor pode propor debates na sala de aula, objetivando discutir as di-
ferenças culturais pertinentes a cada raça e o desrespeito aos direitos hu-
manos. Em entrevista ao site http://gibitecacom.blogspot.com.br, Macedo
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descreve a sua produção da seguinte forma: “... o livro é estritamente
cronológico. Não tem nada de ficção. É didático, pedagógico, como um
documentário, com começo e fim". Do mesmo autor temos o título “Po-
vos Indígenas”, que também trata de aspectos culturais dos índios.
Já o livro Paiaguá – Donos do Rio, de Augusto Figliaggi e Elaine
Gonçalves, é uma história de ficção baseada nos confrontos entre os ín-
dios paiaguás e guaicurus contra os colonizadores portugueses, no século
XVIII, em Mato Grosso. Um título indicado para se obter mais conheci-
mento cultural e proporcionar a inclusão dos índios como povo de grande
relevância na história do Brasil.
O livro em quadrinhos Casa Grande & Senzala, de Gilberto
Freyre não se refere especificamente a uma única etnia, pois narra a for-
mação do povo brasileiro. A linguagem de Freyre na obra original obvi-
amente não é adequada para sala de aula (o livro foi escrito em 1933),
mas a sua adaptação apresenta uma linguagem atualizada, com desenhos
bem elaborados e acompanhando todos os acontecimentos do livro.
Publicado pela primeira vez em 1981, a versão quadrinizada é su-
cinta e didática, mas permite conhecer as principais ideias da obra do au-
tor. O livro vem sendo distribuído para a realização de oficinas de inicia-
ção à leitura, nas escolas públicas municipais do Recife desde 2001, me-
diante convênio estabelecido entre a Prefeitura do Recife e a Fundação
Gilberto Freyre, e também nas escolas públicas estaduais de Pernambu-
co. O tipo de enredo de também promove o trabalho interdisciplinar em
sala de aula, possibilitando através dos fatos contados a troca de infor-
mações concernentes à diversidade racial, ao fenômeno da miscigenação
e a herança cultural deixada por cada um dos povos portugueses, africa-
nos e índios desde a época de colonização até a nossa contemporaneida-
de.
As discussões relacionadas aos temas abordados nos quadrinhos
permitem a identificação e a reflexão do papel social de cada personagem
na história, o preconceito racial latente, assim como sua manifestação
através dos abusos e injustiças contra negros e índios. Não deixando de
ressaltar o respeito ao direito da cidadania e a integração social de tais
raças na vida secular como função social de um país democrático. Se-
gundo Mendes (1990/1):
As histórias em quadrinhos (...) é um meio de comunicação de massas,
cujas histórias são narradas através de imagens desenhadas e textos inter-
relacionados. Podem ser publicadas em almanaques, periódicos e revistas. Além de informar e entreter, têm junto a outros meios de comunicação de
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massa um papel na formação das crianças. A história em quadrinhos é trans-missora de ideologia e, portanto, afeta a educação de seu público leitor. (p. 25)
Como destacado na definição de Mendes (1990/1), esse gênero
textual transmite ideologias que se reproduzem através de estereótipos de
classe, sexo e raça. Visando a ampliação dessa análise sociológica é fun-
damental que se exponha alguns conceitos referentes às ações humanas,
possibilitando a elaboração dos conceitos individuais formados a partir
do senso crítico dos alunos em relação ao enredo. Desejamos citar o con-
ceito de etnocentrismo e estereótipo segundo a sociologia:
O etnocentrismo consiste em julgar, a partir de padrões culturais próprios, como “certo” ou “errado”, “feio” ou “bonito”, “normal” ou “anormal”, os
comportamentos e as formas de ver o mundo dos outros povos, desqualifican-
do suas práticas e até negando sua humanidade. Assim, percebemos como o etnocentrismo se relaciona com o conceito de estereótipo, que consiste na ge-
neralização e atribuição de valor (na maioria das vezes, negativo) a algumas
características de um grupo, reduzindo-o a essas características e definindo os “lugares de poder” a serem ocupados. É uma generalização de julgamentos
subjetivos, feitos em relação a um determinado grupo, impondo-lhe o lugar de
inferior e de incapaz, no caso dos estereótipos negativos. (Brasil Escola13)
Em diversas situações vemos o negro ser estereotipado de modo
negativo, o candomblé e outras expressões culturais dos povos afro-
descendentes como o samba e a capoeira foram durante décadas proibi-
das e perseguidas pela polícia e nos dias atuais representam símbolos cul-
turais do país, através de um processo político inclusivo, mas complexo e
de muita persistência por parte dos movimentos negros. Com a promul-
gação da Lei 10.639, uma nova posição pedagógica foi adotada para a
divulgação de tais valores étnicos no país.
Em função de uma ideologia inclusiva do negro, A história em
quadrinhos “Zumbi – A Saga de Palmares” foi lançada no dia 20 de no-
vembro de 2002 (Dia da Consciência Negra), pela editora Marques Sa-
raiva, marcando a data de comemoração de 307 anos da morte de Zumbi.
A história tem como tema geral apresentar os quilombos de Palmares,
sua formação, seus principais líderes, assim como o contexto cultural e
social da época colonial brasileira. Para este intento, a narrativa descreve
aspectos do surgimento da escravidão de africanos, o tráfico para o Brasil
e os modos de relação entre senhor e escravo. É contínua a associação
dos aspectos culturais e das relações escravocratas brasileiras do período
colonial com características sociais de hoje. A descrição da cultura e reli-
13 Disponível em: http://meuartigo.brasilescola.com/sociologia/etnocentrismo-estereotipos-estigmas-preconceito-discriminacao.htm)
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gião africana na história recebe um destaque interessante, assim como a
luta contra o domínio racial. Esses temas podem ser levantados e discuti-
dos com a leitura do livro Zumbi dos Palmares, que insere a figura do
negro sob um estereótipo positivo valorizando a cultura afro-brasileira e
apresentando Zumbi como um bravo guerreiro na história nacional. A
especificidade da narrativa de “Zumbi – A Saga de Palmares” é a associ-
ação visível da figura histórica com outros heróis em quadrinhos. Ao in-
vés de dar ênfase ao papel histórico de Zumbi, suas relações com outras
personalidades, e até mesmo na sua vivência em Palmares, a história o
apresenta como um herói.
Outra literatura que oferece bom suporte para se trabalhar a diver-
sidade cultural e racial é A Turma do Pererê, do cartunista Ziraldo. A
história foi lançada em outubro de 1960 e era mensalmente publicada pe-
la revista “O Cruzeiro”. Inicialmente a obra tinha por título O Pererê,
dois anos depois, em 1962, virou A Turma do Pererê. Com essa criação,
Ziraldo foi o primeiro a lançar no Brasil, uma história em quadrinhos de
autoria nacional, foi também a primeira revista de um só personagem e a
primeira colorida.
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Os temas e os personagens são tipicamente brasileiros e podemos
destacar entre eles: Tininim (índio natural da Amazônia), Tuiuiu (índia
namorada de Tininim) e Boneca de Piche (namorada do Saci). A história
se situa na Mata do Fundão, localizada em algum interior do Brasil, onde
existem árvores, rios e natureza. O personagem principal e líder do grupo
é o Pererê, um saci, personagem da raça negra e presentes nas lendas e
folclores nacionais, símbolo do Brasil. A sua caracterização feita por Zi-
raldo é de um menino alegre, de bem com a vida, herói, diferente do per-
sonagem saci, nas histórias de Monteiro Lobato.
Nesta obra, o autor tem como proposta oferecer ao leitor um livro
de entretenimento, mas com uma visão educacional e crítica do contexto
social vivido na época. “Poucas vezes, no quadro geral da literatura e arte
brasileiras, uma obra refletiu com tanta agudeza crítica os problemas so-
ciais de sua época como o Pererê de Ziraldo” (CIRNE, 1971, p. 35). O
livro é caracterizado como uma literatura de cunho inclusivo, pois apre-
senta a diversidade racial, característica da composição do povo brasilei-
ro.
As histórias da Turma do Pererê fizeram tanto sucesso que em
1996, a produtora Sônia Garcia, amiga de Ziraldo, queria que os perso-
nagens criassem vida. A série começou a gravada no final de 1998 na ci-
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dade de Tiradentes – MG e começou a ser exibida entre 1999 e 2001 na
TVE Brasil.
No campo das histórias em quadrinhos, outro autor que merece
destaque é Maurício de Sousa, desenhista que introduziu nas histórias da
Turma da Mônica alguns personagens negros e índios, apresentando po-
sitivamente as diferentes raças e transmitindo às crianças valores de res-
peito e cidadania. O autor também promove a inclusão racial ao lançar
revistas em quadrinhos que homenageiam personagens negros do futebol,
transformando-os em heróis animados.
Ao mencionar a colaboração artística de Maurício de Souza não
podemos esquecer seu primeiro personagem negro criado em 1960, o Je-
remias, que sempre usava boina para esconder sua careca. Seu tataravô, o
príncipe Jeremim, foi trazido para o Brasil na época da escravidão e aju-
dou inúmeros escravos a fugir. Nas primeiras publicações, o personagem
era de cor preta, a ponto de ser todo pintado de nanquim (mais precisa-
mente nos anos 70). Com o tempo, foi sendo "suavizado", seus lábios
diminuíram um pouco e sua pele ganhou um tom castanho (veja a gravu-
ra).
Em 1976, Maurício de Sousa lançou em homenagem ao rei do fu-
tebol, o personagem Pelezinho. Ronaldinho Gaúcho entrou no gibi em
2006, no papel de um garoto de 7 anos que adora jogar bola, com sotaque
sulista, torce para o Grêmio e gosta de churrasco. Já o craque da seleção
brasileira Neymar Jr. nasceu nos quadrinhos em abril do ano passado, por
meio de um personagem que tem 10 anos, idade com que o jogador co-
meçou no esporte.
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Outra criação relevante do autor, em 1970, foi o personagem Pa-
pa-Capim, um menino índio, integrado à sua tribo e à natureza. Vive na
Floresta Amazônica cultivando as lendas e a cultura dos índios brasilei-
ros. Observe a primeira capa abaixo, que mostra um ritual com dança pa-
ra atrair a chuva, de acordo com as crenças indígenas e a preocupação do
índio com a fauna e a flora.
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Papa-Capim também conta com um amigo inseparável, o Cafuné,
que o acompanha nas caçadas, pescarias e às vezes nas fugas, quando en-
contram índios ferozes de outras tribos ou quando a caça decide atacá-
los. Na história, há uma indiazinha, a Jurema, da aldeia do Papa-Capim e
que sempre teve um olhar mais atencioso para ele. Nos quadrinhos abai-
xo, identificamos no texto elementos da cultura indígena: quando Cafuné
se refere à lua como Jaci, de acordo com a lenda do povo; e quando os
personagens associam o desmatamento da floresta à chegada do progres-
so, visto que para construir é preciso derrubar as árvores da floresta. Es-
ses enredos são importantes recursos pedagógicos para os jovens leitores
terem conhecimento dos costumes indígenas, do seu modo de vida e da
sua história de origem.
Um excelente material didático é a utilização das tiras de qua-
drinhos e podemos escolher algumas para trabalhar o tema da aula refe-
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rente ao estereótipo negativo do negro. O quadrinho da turma da Mônica
usa fatos históricos para fazer uma crítica, neste caso o preconceito é
classificado como social e não racial, pois ocorre entre membros de
mesma etnia. Nesta tirinha a discriminação é manifesta pelos persona-
gens negros que são segregados em grupo superior e inferior. O primeiro
grupo é formado pelos negros que desempenham uma posição de poder e
prestígio social (um negociante escravagista) em oposição ao segundo,
escravos, que não têm recursos financeiros para pagar pela sua liberdade
e são vendidos como mercadoria.
Tirinhas publicadas em revistas e jornais também podem ser utili-
zadas a respeito do tema preconceito racial. Observemos a tira da menina
Mafalda, desenhada pelo cartunista argentino Quino. Em suas histórias,
ela sempre demonstra preocupação com a humanidade e a paz mundial.
Percebemos o etnocentrismo presente no texto, através da fala da colega
da Mafalda, a menina loira, que representa o grupo superior em valor,
julgando os negros como grupo inferior. A fala “Afinal, nós somos todos
iguais! Como é que vou ter preconceito racial?” representa a camuflagem
de um pensamento preconceituoso e que ainda está presente na sociedade
contemporânea. Comprovamos a desconstrução desse discurso através do
comportamento e da ação da referida personagem, quando diz que vai la-
var o dedo, demonstrando asco ao ter tocado no boneco negro que é con-
siderado por ela como algo sujo.
A tira faz uma forte crítica em relação ao pensamento de determi-
nados grupos sociais detentores de uma conversa decorada e que na prá-
tica se desconstrói por meio de ações contrárias ao que se defende. A de-
claração dos direitos humanos é um ótimo recurso a ser utilizado com a
turma, pois além de proporcionar o conhecimento das leis, ela oferece
respaldo para o confronto das ideias preconceituosas transmitidas no tex-
to. Vamos analisar o quadrinho seguinte (www.explosm.blogspot.com):
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Depois de ler a tira, vemos a manifestação do pensamento discri-
minatório através do estereótipo negativo do negro como objeto adquiri-
do e que se pode “pegar para criar”, como se fosse um animal de rua, não
possuindo direito algum nem mesmo sobre os seus órgãos. O texto fala
que o menino negro foi trazido da África, conforme acontecia como os
escravos na época da colonização nacional, o que demonstra o pensa-
mento escravocrata conservado ainda por muitos da sociedade. Esses re-
ferenciais ideológicos descumprem os artigos I, II e IV da declaração dos
direitos humanos (1948, p. 1) que assim diz:
(I) Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São
dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com
espírito de fraternidade. (II) Toda pessoa tem capacidade para gozar os direi-
tos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer
espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra
condição. (IV) Ninguém será mantido em escravidão ou servidão, a escravi-
dão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.
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Outro recurso semanticamente depreciativo foi o uso da interjei-
ção “AAGH!” indicando nojo pela criança, o diálogo dos personagens
demonstra o desrespeito pelo ser humano negro.
Numa diferente tira, retirada do mesmo site, encontramos outro
exemplo de etnocentrismo, estereótipo e preconceito sofrido pelo perso-
nagem negro.
A história narra uma situação de bullying em que aparece um per-
sonagem, que se julga o superior do grupo em relação aos demais. A per-
cepção de poder já se dá pelo tamanho dos bonecos e pelas feições. O
mais forte é maior, sua expressão facial demonstra irritação e domínio
pelo grupo dos menores que são subjugados, embora se mostrem alegres.
A segregação se dá por força, por tamanho, possivelmente por idade (o
que não fica bem explícito na tira), e pela raça, a partir do momento que
se faz a distinção de cor entre os componentes do grupo que é considera-
do inferior. Neste caso, a mensagem transmitida na tira fere os direitos
humanos, que não são respeitados de acordo com os artigos II e VII (p. 1,
1948):
(II) Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades es-tabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça,
cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem naci-
onal ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. (VII) Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção
da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que
viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.
Os quadrinhos tiveram sua propagação inicialmente através dos
jornais como entretenimento, mas ganhou destaque mundial com as pro-
duções de super-heróis. Consequentemente, as histórias em quadrinhos
acabaram tornando-se um meio de comunicação de massa cada vez mais
popular. Segundo Cirne (1970, p. 45),
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Os quadrinhos nasceram dentro do jornal – que abalava (e abala) a menta-lidade linear dos literatos, – frutos da revolução industrial... e da literatura.
Seu relacionamento com a televisão seria posterior – que o esquema literário
que os alimentavam culturalmente seria modificado, mas não destruído. Em contradição dialética, os quadrinhos (e o cinema) apressariam o fim do roman-
ce, criando uma nova arte – ou um novo tipo de literatura – tendo o consumo
como fator determinante de sua permanência temporal.
4. Considerações finais
A escola deseja formar alunos que tenham por hábito o exercício
da leitura e para isso tem investido em gêneros textuais mais adequados a
colaborar com desenvolvimento da competência leitora, crítica e criativa
dos alunos. Com esse propósito, pesquisamos as Histórias em quadrinhos
com o objetivo de usá-las como instrumento para se discutir a diversida-
de de raças e culturas presente em nossa sociedade e como ferramenta
didática por meio de tiras, revistas de super-heróis ou literatura nacionais
editadas neste formato. Sabemos que esse gênero textual é muito bem re-
cebido pelos estudantes, visto que é uma literatura que combina imagem
e texto, refletindo contextos, valores culturais, colaborando
com a educação de seus leitores, transmitindo estereótipos e ampliando
seus conhecimentos sobre o mundo social.
Observamos que as mudanças sociais têm colaborado muito para
que a figura do índio e do negro apresente um estereótipo positivo e com
o objetivo de promover a inclusão racial, várias editoras têm publicado
obras nacionais em quadrinhos cujos protagonistas são representantes de
tais raças. Autores como Ziraldo e Mauricio de Sousa produzem literatu-
ras que promovem o respeito à diversidade social com a integração de
personagens de diferentes raças.
Promover projetos pedagógicos com uma visão inclusiva torna-se
essencial nas instituições educacionais, uma vez que estas têm a função
de acrescentar valores morais, formando o homem como cidadãos cons-
cientes do respeito às diferenças do outro, presente dentro e fora dos mu-
ros da escola.
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