circuitos quanticosˆ -...

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WECIQ 2006 - Mini-Curso 2 Circuitos Quˆ anticos Bernardo Lula J ´ unior 1 , A´ ercio Ferreira de Lima 2 1 Departamento de Sistemas e Computac ¸˜ ao Instituto de Estudos em Computac ¸˜ ao e Informac ¸˜ ao Quˆ anticas Universidade Federal de Campina Grande [email protected] 2 Departamento de F´ ısica Instituto de Estudos em Computac ¸˜ ao e Informac ¸˜ ao Quˆ anticas Universidade Federal de Campina Grande [email protected] 1. Introduc ¸˜ ao A computac ¸˜ ao quˆ antica ´ e um dom´ ınio de pesquisa recente que utiliza elementos de trˆ es ´ areas bem conhecidas: matem´ atica, f´ ısica e computac ¸˜ ao. O entendimento de computac ¸˜ ao quˆ antica passa pela compreens˜ ao tanto dos aspectos f´ ısicos quanto do modelo matem´ atico envolvidos na sua descric ¸˜ ao. Segundo Nielsen e Chuang (2000), “Para projetar bons al- goritmos quˆ anticos, n´ os devemos “desligar” nossa intuic ¸˜ ao cl´ assica, pelo menos parcial- mente, e usar efeitos verdadeiramente quˆ anticos para chegarmos ` a proposta do algoritmo”. A utilizac ¸˜ ao dos efeitos quˆ anticos para a representac ¸˜ ao e processamento de informac ¸˜ ao ´ e uma s´ eria possibilidade para futuras gerac ¸˜ oes de dispositivos computacionais. As van- tagens te´ oricas advindas dessa utilizac ¸˜ ao vem atraindo atenc ¸˜ ao crescente tanto da ´ area cient´ ıfica quanto da ´ area tecnol´ ogica/industrial. Em 1985, Deutsch propˆ os um algoritmo, utilizando apenas operac ¸˜ oes quˆ anticas, capaz de resolver um determinado problema matem´ atico de forma mais eficiente que por operac ¸˜ oes ou m´ etodos cl´ assicos [Deutsch 1985]. No entanto, esse algoritmo passou despercebido ate 1989, quando Deutsch introduziu a noc ¸˜ ao de portas l´ ogicas quˆ anticas que poderiam ser conectadas umas as outras formando um circuito ou malha quˆ antica [Deutsch 1989]. O algoritmo de Deutsch reescrito na nova linguagem teve a partir de ent˜ ao uma ampla repercuss˜ ao, pois a linguagem dos qubits (an´ alogo quˆ antico ao bit cl´ assico) e portas l´ ogicas quˆ anticas era similar a linguagem de circuitos l´ ogicos/digitais convencionais e poderia ser mais facilmente entendida por engenheiros eletricistas, f´ ısicos e cientistas da computac ¸˜ ao. Da´ ı em diante, outros algoritmos quˆ anticos foram desenvolvi- dos e difundidos utilizando-se a linguagem matem´ atica associada ` a linguagem de circuitos quˆ anticos. Neste mini-curso pretendemos apresentar os fundamentos da computac ¸˜ ao quˆ antica atrav´ es da linguagem dos circuitos quˆ anticos, enfatizando os fenˆ omenos f´ ısicos em que ela se baseia. O texto ´ e organizado da seguinte forma: na Introduc ¸˜ ao apresentamos aspec- tos importantes da mecˆ anica quˆ antica; no capitulo dois s˜ ao apresentadas noc ¸˜ oes b´ asicas e a notac ¸˜ ao utilizada para a representac ¸˜ ao da informac ¸˜ ao quˆ antica; no capitulo trˆ es ´ e feita a descric ¸˜ ao do processamento da informac ¸˜ ao atrav´ es da utilizac ¸˜ ao do modelo de circuitos quˆ anticos e apresentado alguns circuitos quˆ anticos para operac ¸˜ oes aritm´ eticas; por fim, 23

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WECIQ 2006 - Mini-Curso 2

Circuitos Quanticos

Bernardo Lula Junior 1, Aercio Ferreira de Lima2

1Departamento de Sistemas e ComputacaoInstituto de Estudos em Computacao e Informacao Quanticas

Universidade Federal de Campina Grande

[email protected]

2Departamento de FısicaInstituto de Estudos em Computacao e Informacao Quanticas

Universidade Federal de Campina Grande

[email protected]

1. Introducao

A computacao quanticae um domınio de pesquisa recente que utiliza elementos de tresareas bem conhecidas: matematica, fısica e computacao. O entendimento de computacaoquantica passa pela compreensao tanto dos aspectos fısicos quanto do modelo matematicoenvolvidos na sua descricao. Segundo Nielsen e Chuang (2000), “Para projetar bons al-goritmos quanticos, nos devemos “desligar” nossa intuicao classica, pelo menos parcial-mente, e usar efeitos verdadeiramente quanticos para chegarmosa proposta do algoritmo”.A utilizacao dos efeitos quanticos para a representacao e processamento de informacaoe uma seria possibilidade para futuras geracoes de dispositivos computacionais. As van-tagens teoricas advindas dessa utilizacao vem atraindo atencao crescente tanto daareacientıfica quanto daarea tecnologica/industrial.

Em 1985, Deutsch propos um algoritmo, utilizando apenas operacoes quanticas,capaz de resolver um determinado problema matematico de forma mais eficiente quepor operacoes ou metodos classicos [Deutsch 1985]. No entanto, esse algoritmo passoudespercebido ate 1989, quando Deutsch introduziu a nocao de portas logicas quanticasque poderiam ser conectadas umas as outras formando um circuito ou malha quantica[Deutsch 1989]. O algoritmo de Deutsch reescrito na nova linguagem teve a partir deentao uma ampla repercussao, pois a linguagem dos qubits (analogo quantico ao bitclassico) e portas logicas quanticas era similar a linguagem de circuitos logicos/digitaisconvencionais e poderia ser mais facilmente entendida por engenheiros eletricistas, fısicose cientistas da computacao. Daı em diante, outros algoritmos quanticos foram desenvolvi-dos e difundidos utilizando-se a linguagem matematica associadaa linguagem de circuitosquanticos.

Neste mini-curso pretendemos apresentar os fundamentos dacomputacao quanticaatraves da linguagem dos circuitos quanticos, enfatizando os fenomenos fısicos em queela se baseia. O textoe organizado da seguinte forma: na Introducao apresentamos aspec-tos importantes da mecanica quantica; no capitulo dois sao apresentadas nocoes basicase a notacao utilizada para a representacao da informacao quantica; no capitulo trese feitaa descricao do processamento da informacao atraves da utilizacao do modelo de circuitosquanticos e apresentado alguns circuitos quanticos para operacoes aritmeticas; por fim,

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no capitulo quatro o circuito quantico descrevendo o algoritmo de Deustche apresentadoe analisado segundo o interferometro de Mach-Zehnder [Cabral et al. 2004].

O textoe apoiado por um software de simulacao de circuitos quanticos chamadoZeno, desenvolvido pelo grupo de estudos em computacao e informacao quantica da Uni-versidade Federal de Campina Grande [Cabral et al. 2005]. Os exercıcios ao fim dassecoes ajudam a fixar os conceitos apresentados.

2. Princıpios basicos da Mecanica Quantica

2.1. Dualidade onda-partıcula

A Mecanica Quanticae a descricao do comportamento da materia e da luz em todos os de-talhes e em particular do que acontece na escala atomica ( ordem de10−10m ). Os objetosem uma escala tao diminuta comportam-se de maneira distinta de tudo que experimenta-mos no cotidiano. Na escala atomica os objetos nao comportam-se como partıculas, nemcomo nuvens, nem como bolas de bilhar ou com qualquer coisa que tenhamos visto nanossa experiencia direta [Feynman 1965].

A mecanica classica, por outro lado, trata de fenomenosmacroscopicosna escalaque nose familiar. Os conceitos classicos sao abstraıdos dessa escala, de tal forma quepodemos formar imagens destes conceitos com base na nossa experiencia cotidiana. Naose deve esperar portanto, que haja acordo entre os conceitosclassicos obtidos de maneiraintuitiva pela nossa percepcao direta e os fenomenos no mundo atomico e sub-atomicoinacessıveis aos nossos sentidos.

Isaac Newton pensava que a luz fosse constituıda de partıculas, porem ainda nasuaepoca foi descoberto que ela comportava-se como ondas. Apos algum tempo, porem( no comeco do seculo vinte ), foi descoberto que a luzas vezes comportava-se comouma partıcula. Tal fenomeno, hoje conhecido como efeito fotoeletrico, foi explicado porAlbert Einstein em um audacioso trabalho publicado em 1905 sob o tıtulo, Um ponto devista heurıstico sobre a producao e a transformacao da luz. A ideia original e audaciosaexplorada por Einstein neste trabalho lhe levou a conferira radiacao (luz) uma estruturadiscreta e atomıstica ( ouquantum). Nascia assim o conceito de foton, nome que foi dadoao quantum de luz decadas depois (1926).

Fundamentado na nossa percepcao e nos nossos sentidos, podemos assegurar queexistem dois conceitos da Fısica Classica bem definidos cujos atributos,a luz da nossaexperiencia diaria, nos parece claramente excludentes : onda e partıcula.

Uma partıcula, para a Fısica Classica pode ser imaginada como uma bolinha bempequena que se locomove pelo espaco e que em condicoes normais nao se divide. Alemda indivisibilidade, a partıcula classica pode ser considerada possuir uma posicao e umavelocidade bem definidas. Com o passar do tempo, a partıcula descreve no espaco umatrajetoria, quee a curva formada pela colecao de posicoes ocupadas por ela no espaco .

Uma onda, por outro lado,e concebida na Fısica Classica como uma excitacaoque se propaga em um meio, como, por exemplo, uma perturbacao em um espelho d’aguaocasionada por uma pedra lancada sobre ele. O que se propagacom uma ondae a en-ergia que esta associada ao movimento oscilatorio das partıculas do meio. Como estemovimento pode ser tao tenue quanto se queira, diz-se que as ondas nao possuem a car-

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acterıstica de serem indivisıveis e sim contınuas. Alem de serem contınuas e espalhadasno meio, as ondas exibem fenomenos tıpicos como ainterferencia.

O fenomeno de interferenciae de fundamental importancia na discussao dos con-ceitos basicos da Mecanica Quantica (ver por exemplo referencia [Pessoa Jr. 2003]). Comodiscutiremos neste curso, a interferenciae tambem utilizada como ingrediente chave namaioria dos algoritmos quanticos.

2.1.1. Superposicao de ondas

Uma onda contınua pode ser representada matematicamente por uma funcao senoidal (oucossenoidal). Por exemplo, uma funcaoΨ(x, t) representando uma onda que se propagapara direita do eixo xe : Ψ(x, t) = A0cos(2π

λx − ωt) ondeA0 e a amplitude da onda,λ

e chamado comprimento de onda eω e a frequencia da onda (numero de vezes que elarepete seu valor na unidade de tempo). Como uma onda representa um fenomeno que serepete no tempo, dizemos que a onda tem perıodoT seΨ(x, t + T ) = Ψ(x, t). Vocepode entender melhor a funcaoΨ(x, t) fixando uma das variaveis e variando a outra.

l

x

y (x,t )0

Figura 1. Representac ao de uma onda em uma dimens ao

Quando duas ondas se cruzam, como por exemplo, em uma corda, aonda resul-tante no cruzamento tem uma amplitude quee a soma das amplitudes das ondas origi-nais. Estee o princıpio da superposicao da fısica ondulatoria classica. Quando variasondas passam por um ponto a amplitude resultante no pontoe a soma das amplitudesdas ondas componentes. Para duas ondas contınuas com mesmo comprimento de ondaλpropagando-se na mesma direcao e sentido, a superposicao podera ser construtiva (ondasem fase) ou destrutiva (ondas deslocadas deλ/2 ).

A intensidade de uma onda esta relacionada com a energia por unidade de tempoe dearea que atravessa um elemento dearea perpendiculara direcao de propagacao daonda. Para nossa ondaΨ(x, t) em uma posicao x do espaco num instantet, a intensidadeI e dada por

I(x, t) = (Ψ(x, t).Ψ∗(x, t)) ∝ A(x)2cos2(ωt+ δ) (1)

ondeδ e uma fase arbitraria1 .

A luz visıvel possui frequenciaω ∼ 1015s−1 e esta oscilacao e tao rapida que odetector registra para a intensidadeI em um pontox do espaco apenas valores medios :

1O sımbolo∗ representa o complexo conjugado de um numero. Assim, sez = x+ iy ondex ey sao numeros reais,z∗ = x− iy.Entaozz∗ = |z|2 = x2 + y2

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I = A(x)2〈cos2(ωt+ δ)〉 = A(x)2〈sen2(ωt+ δ)〉 = 1/2 (aqui< ... > representa mediastemporais tomadas em um ciclo ou perıodo da oscilacao).

Exercıcio 1.1: Mostre que as medias〈cos2(ωt− δ)〉 e 〈sen2(ωt− δ)〉 sao iguais a1/2. Use que o valor medio de uma funcaof(t) num perıodoT e〈f(t)〉 = 1/T

∫ T

0f(t)dt.

Assim sendo, a intensidadee proporcional ao quadrado da amplitude da onda noponto considerado.

I = ψ(x)2 (2)

ondeψ(x) = Acos(ωt).

= =

Figura 2. Superposic ao de ondas: a esquerda construtiva(ondas em fase) e a direita destrutiva(ondasfora de fase).

2.1.2. Como as ondas se combinam?

A Figura 3 mostra uma onda de intensidadeI0 quee dividida em duas partes de igualintensidadeI ′. Por exemplo, em um espelho semi-prateado (ES)(ver Figura 3), qual seraa amplitude final de cada onda ? ComoI ′ = I0/2, usando a equacao 2 concluımos que aamplitude final de cada onda nos caminhosA eB seraψ′ = ψ0/

√2.

Como sera o caminho inverso? Como podemos recombinar os feixes nos cam-inhosA e B de tal forma que tenhamos a onda original? Veja que se somarmos sim-plesmente as contribuicoes das amplitudes das ondas nos caminhosA eB teremos quea amplitude da onda resultante sera ψ0/

√2 + ψ0/

√2 =

√2ψ0. Assim, a intensidade

final do feixe recombinado sera 2I0, maior que o feixe inicial! Ve-se portanto que naoha maneira simples de conseguir efeito desejado. Existem, porem, regras proprias para serecombinar ondas de forma a conseguir interferencia construtiva [Pessoa Jr. 2003] comoveremos na secao 2.2.

2.2. O Interferometro de Mach-Zehnder classico

Vamos apresentar o arranjo experimental envolvendo interferencia de ondas conhecidocomo interferometro de Mach-Zehnder . Para entender o funcionamento do interferometro,vamos considerar um feixe de ondas unidimensionais. O primeiro componente do inter-ferometroe um espelho semi-prateado (ES), que divide a luz em duas partes, uma transmi-tida e outra refletida de iguais amplitudes. Conforme vimos anteriormente, se a amplitude

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ES

LASER A

B

I0

Figura 3. Fonte geradora de Laser incidindo um pulso de ondas sobre um espelho semi-prateado ES.

do feixe inicial forψ0, a amplitude do feixe transmitido seraψ0/2, assim como a do feixerefletido.

Al em disso, cada componente refletida sofre um deslocamento defase em relacaoa transmitida. Usaremos, por convencao, que esse deslocamento de fasee deλ/4. Issoevalido para espelhos refletores que nao absorvem luz.

O esquema do interferometro de Mach-Zehnder esta apresentado na Figura 4. Ofeixe inicial passa pelo espelho semi-prateadoES1 e se separa em dois, uma componentetransmitida pelo caminhoA e outra refletida pelo caminhoB. Cada componente reflete-se nos espelhosE1 eE0, e voltam a se cruzar no espelho semi-prateadoES0, seguindofinalmente para os detectoresD1 eD0.

LASER

D0

D1

ES0

E 1S A

B

E1

E0

Figura 4. Esquema representando o Interfer ometro de Mach-Zehnder.

O que acontece nos detectores ?

Como cada componente se divide em duas partes emES0, poderıamos esperar

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que cada detector medisse50% do feixe. Mas o fato experimentale que100% do feixeoriginal incide no detectorD1, enquanto o detectorD0 nada registra! O que acontece ?

Explicacao: O efeito nos detectores pode ser explicado devido a superposicaoconstrutiva dos feixes de onda emD1 e destrutiva emD0 (Ver Figura 4). O feixe quesegue pelo caminhoA se aproxima deES0 com uma amplitudeψ0/

√2 e com um deslo-

camento de fase relativo deλ/4 (lembre-se que pela convencao adotada o espelhoE1

introduz esta defasagem); o feixe que segue pelo caminhoB aproxima-se deES0 coma mesma amplitude porem com uma defasagem deλ/2, pois sofreu reflexoes emES1

eE0. No espelho semi-prateadoES0, metade do feixe proveniente do caminhoA e re-fletido e metadee transmitido, sendo que a mesma coisa ocorre com o feixe provenientedo caminhoB. Consideremos as componentes dos feixes que rumam para o detectorD0.A componente que percorreu o caminhoA e transmitida e portanto permanece com a de-fasagem deλ/4, passando a ter amplitudeψ0/2 (apos divisao do feixe emES0). Ja o feixeque segue pelo caminhoB, e refletido emES0 e recebe um acrescimo na defasagem deλ/4 contabilizando uma defasagem final de3λ/4 e com amplitudeψ0/2. Temos assim,uma defasagem entre as componentes de mesma amplitude deδ = 3λ/4 − λ/4 = λ/2.Isto resulta numa interferencia destrutiva e, portanto, nadae registrado no detectorD0.

Podemos agora dirimir as duvidas sobre como acontece a composicao dos feixesde onda ( como as ondas se combinam ? ). So e possıvel combinar construtivamentedois feixes de onda que rumam em caminhos diferentes se os dividirmos de tal forma aocasionarmos uma superposicao destrutiva de parte dos componentes resultantes.

2.3. O Interferometro de Mach-Zehnder quantico

Para transformar o arranjo precedente (Figura 4) em um experimento quantico, no quala dualidade onda-partıcula seja relevante,e preciso diminuir a intensidade do feixe ateque apenas poucos fotons incidam emES1 por vez. Alem disso,e preciso utilizar de-tectores sensıveis a presenca de umunico foton. Existem dispositivos conhecidos comofotomultiplicadores que sao capazes de produzir um sinal ”detectavel”em forma de umacorrente eletrica atraves da absorcao de umunico foton . Infelizmente, no estagio atual datecnologia, a eficiencia destes detectorese cerca de30%. Vale salientar que experimentosopticos com feixes de fraquıssima intensidade tem sido realizados desde o inıcio do seculopassado, porem, so a partir de 1985 tornou-se viavel a preparacao do chamado ”estadomonofotonico”, ou seja, a preparacao de um pacote de onda ( ou podemos dizer, um feixede onda ) que carrega exatamente um quantum de energia e que atinge o interferometronum instante bem preciso. Um dos modos de preparar tais feixese utilizando um processoconhecido como conversao parametrica onde umunico foton atinge um cristal nao-linear(de dihidrogenio fosfato e potassio - KDP ) que tem a propriedade de transformar cadafoton incidente em dois, cada um deles com metade da energia doincidente, gerados si-multanemente e em direcoes perfeitamente correlacionadas ( em uma dimensao: se ummover-se para esquerda o outro se moveria para direita). Quando um dos fotons do pare detectado em um detector (atraves de uma fotomultiplicadora, por exemplo) sabe-secom certeza que o outro estara se aproximando de uma portaoptica receptora que se abreno intervalo de tempo preciso deixando o foton passar. A portaoptica pode ser represen-tada esquematicamente como uma das entradas (ou caminhos) do inteferometro de Mach-Zehnder quantico, conforme a Figura 5, e a representaremos por|0〉 ou |1〉. Similarmente

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ao caso classico [ver Figura 4 ], na Figura 5 podemos ver os espelhos semi-prateadosES1

eES2, os detectoresD0 eD1 e os espelhosE1 eE0. Tambem podemos ver dois elemen-tos defasadoresφ0 e φ1 (estes elementos podem representar por exemplo uma mudancano tamanho do percurso nos bracos -caminhosopticos) do interferometro responsaveispela mudanca de fase dos feixes de onda.

F0

F1

E0

E1

D0

D1

|0 >

|1 >

ES1

ES2

Figura 5. Esquema representando o Interfer ometro de Mach-Zehnder qu antico.

2.3.1. Analise do interferometro Mach-Zehnder quantico

O interferometro de Mach-Zehnder poder ser considerado a versao moderna do experi-mento de dupla fenda de Young [ veja por exemplo a referencia [Nussenzveig 1998] quedescreve em detalhes o experimento], onde as fendas no anteparo sao substituıdas pelosbracos do interferometro (ver Figura 5). Os espelhos semi-prateados (oubeam splitters),ES1 eES2, refletem ou transmitem o(s) feixe(s) ondulatorio(s) nele(s) incidente(s) comtaxas de reflexaoR e de transmissaoT . No caso ideal, ou seja, quando os espelhos naocausam perdas no sinal,R + T = 1 . E1 eE0 sao espelhos (R = 1 eT = 0).

A intensidade na saıdaD0 pode ser obtida (veja por exemplo [Nussenzveig 1998])usando os conceitos daOptica apresentados nas equacoes (3) e (4) abaixo:

ID0= I · cos2

(

φ1 − φ2 + k∆L

2

)

(3)

ID1= I · sen2

(

φ1 − φ2 + k∆L

2

)

(4)

ondeI e a intensidade media da fonte luminosa,k = 2π/λ e o numero de onda, e∆L e adiferenca no comprimento dos bracos do interferometro.

Sabendo que os possıveis caminhos a serem seguidos pela partıcula sao|0〉 ou |1〉,se uma partıcula, por exemplo um foton, inicialmente no caminho|0〉, incide emES1,tera seu caminho alterado,

|0〉 −→ i√R |1〉 +

√T |0〉 (5)

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ou

|0〉 −→ i√

1 − T |1〉 +√T |0〉

|0〉 −→ 1√2(|0〉 + i |1〉) (6)

onde consideramos que as taxas de reflexao e transmissao sao iguais,R = 1/2 = T e quea reflexao introduz uma faseeiπ/2 = i, com relacaoa transmissao. Observe que issoe con-sistente com a convencao que adotamos para a defasagem relativa entre as componentesrefletida e a transmitida dos feixes de onda ( veja secao 2.2) :

λx→ 2π

λ

(

x+λ

4

)

=2π

λx+

π

2

Se, por outro lado, a partıcula, antes de incidir emES1, estivesse no caminho|1〉:

|1〉 −→ i√

1 − T |0〉 +√T |1〉

|1〉 −→ 1√2i(|0〉 − i |1〉) (7)

Note que o que distingue os estados (6) e (7)e a fase relativaeiπ = −1 entre os caminhos|0〉 e |1〉 constituintes. Assim, podemos descrever o efeito dos dispositivosES1(2) comoproduzindo uma superposicao de estados distintos e uma fase relativa entre eles.

A operacao efetuada pelos espelhos semi-prateadosES (com R = T = 1/2 )sobre os caminhos|0〉 e |1〉, pode ser representada, como ficara claro no proximo capıtulo,pela operacao unitariaUES

UES =1√2

[

1 ii 1

]

(8)

Com objetivo de prosseguir com nossa analise do interferometro de Mach-Zehnderquantico (antecipando-se a notacao que sera utilizada no proximo capıtulo), podemos,como justificativa provisoria, identificar os rotulos dos caminhos do interferometro,|0〉 e|1〉, com as direcoes no espaco bi-dimensional:

|0〉 =

[

10

]

e |1〉 =

[

01

]

Naoe difıcil verificar que (8) satisfaz (6-7),

UES |0〉 =1√2

(|0〉 + i |1〉)

UES |1〉 =i√2

(|0〉 − i |1〉) (9)

Os espelhosE1 eE2 nao alteram significativamente os resultados relativos (6-7).O efeito dos espelhos pode ser representado pela operacaoUE

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UE =

[

0 11 0

]

(10)

Mais explicitamente,

UE |0〉 = |1〉UE |1〉 = |0〉 (11)

O caminho seguido pela partıcula no interferometro a partir do seu estado inicial|0〉 (veja Figura 5) pode agora ser representado por

|0〉 ES1−→ 1√2(|0〉 + i |1〉)

φ0,E0,φ1,E1−→ 1√2(eiφ0 |1〉 + ieiφ1 |0〉)

−→ iei(φ1+φ0)/2 1√2[ei(φ0−φ1)/2 |1〉 +

ie−i(φ0−φ1)/2 |0〉]ES2−→ iei

φ0+φ12

[ cos(φ0 − φ1)

2|0〉 +

sen(φ0 − φ1)

2|1〉 ] ≡ |ΨES2〉

(12)

Os detectoresD0 eD1 registram a presenca da partıcula em cada uma das possıveissaıdas.

A deteccaoe feita emD0 ouD1 atraves da medicao da intensidade da onda asso-ciadaa partıcula, que como vimos,e proporcional ao quadrado do modulo da amplitudeda mesma. Assim, a intensidade registrada no detectorD0, para uma partıcula vindainicialmente pelo caminho “|0〉”, e definida por

I|0〉0 = cos2 (φ0 − φ1)

2(13)

E para o detectorD1, encontra-se

I|0〉1 = sen2 (φ0 − φ1)

2(14)

Se o caminho inicial da partıcula fosse “|1〉” terıamos as intensidades medidas nosdetectoresD0 eD1 dadas por

I|1〉0 = sen2 (φ0 − φ1)

2(15)

e

I|1〉1 = cos2 (φ0 − φ1)

2(16)

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Observe que podemos recuperar o resultado obtido na discussao do interferometroclassico [ ver seccao 2.2]. Basta considerar a defasagemδ = φ0 − φ1 = 0 nas equacoes13 e 14. Note que surpreendentemente chegamosa conclusao que mesmo para umunicofoton incidindo numa das “portas”do interferometro, ele deve interagir consigo mesmo detal forma a produzir interferencia construtiva num dos detectores e destrutiva no outro,asemelhanca do que foi discutido na secao 2.2.

3. Representacao da informacao: qubit

3.1. O qubit

A unidade basica de informacao nos computadores classicose o bit (binary digit), quepode ser (ou tem valor)0 ou1. Entao, para representar uma informacao, codificada numasequencia finita de bits, um computador deve conter uma colecao correspondente de sis-temas fısicos, cada um dos quais deve existir (ou pode estar) em doisestados fısicosdistinguıveis e nao ambıguos,associados aos valores (0 ou 1) do bit que o sistema fısicorepresenta . Um exemplo de um sistema fısico capaz de representar um bite o de umachave mecanica (ou eletronica) de duas posicoes (estados) que implementa uma “barreirade energia”entre os estados para impedir transicoes espontaneas.

Em um computador quantico, um sistema quantico de2 estadose utilizado pararepresentar um bit, sendo entao chamado dequantum bit(ou qubit). No entanto, alem dapossibilidade de existir (ou de estar) em um dos dois estadosque representam os valores0 ou 1 (e que sao chamados de|0〉 ou de|1〉, respectivamente), um qubit tem a pecu-liaridade de existir (ou de estar) em uma mistura desses doisestados simultaneamente, oquee conhecido como umasuperposicao coerente de estados. Em termos matematicos, oestado geral de um qubit (denotado usualmente por|ψ〉) e descrito por um vetor unitarioem um espaco de Hilbert bidimensional (C

2):

|ψ〉 = α0 |0〉 + α1 |1〉 (17)

Com as amplitudesα0 eα1 ∈ C e satisfazendo|α0|2 + |α1|2 = 1.

Os dois estados classicos possıveis, denotados peloskets|0〉 e |1〉, formam umabase para este espaco chamada debase computacional. Os kets|0〉 e |1〉 representam osvetores:

|0〉 =

[

10

]

e |1〉 =

[

01

]

e, entao,|ψ〉 ≡[

α0

α1

]

Ao contrario de um bit no caso classico, que tem um valor determinado em qual-quer tempo, o valor de um qubit no estado|ψ〉 e indeterminado. De acordo com a fısicaquantica, uma medicao de|ψ〉 na base computacional daria como resultado o valor0 em|α0|2% das vezes e o valor1 nas outras|α1|2% das vezes. O processo de medicao altera oestado do sistema (qubit) fazendo-o assumir o estado|0〉 , com probabilidade|α0|2, ou oestado|1〉, com probabilidade|α1|2 ( o que explica a restricao |α0|2 + |α1|2 = 1 acima).

32

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Os valores deα0 eα1 nao podem ser conhecidos atraves de uma medicao, quee a “inter-face”entre o nıvel classico e o nıvel quantico e aunica maneira de acessoa informacaocontida no nıvel quantico.

Existe uma interpretacao geometrica para um qubit emR3 e que ajuda no entendi-mento das propriedades de um qubit. Como|α0|2 + |α1|2 = 1, a equacao 17 pode serreescrita como :

|ψ〉 = eiγ(

cos(θ/2) |0〉 + eiφsen(θ/2) |1〉)

, (18)

ondeθ, φ e γ ∈ R. Como o termoeıγ (chamadofator de fase global) nao tem efeitofısico observavel (lembre que|eiγ| = 1 ), pode ser desconsiderado e a equacao (18) setransforma em :

|ψ〉 = cos(θ/2) |0〉 + eiφsen(θ/2) |1〉 (19)

Os numerosθ ∈ [0, π] e φ ∈ [0, 2π], definem um ponto na esfera tridimensionalde raio igual1 (chamadaesfera de Bloch), como mostrado na figura abaixo :

θ

φ

|0>

x

y

Z

| >ψ

|1>

Figura 6. Esfera de Bloch

O anguloθ que o vetor faz com o eixo vertical (eixoZ ) esta relacionado comas “contribuicoes ”relativas dos estados da base|0〉 e |1〉 para o estado geral do qubit. Oanguloφ que a projecao do vetor sobre o planox− y faz com o eixox correspondea faserelativa do qubit. O fator de fase relativa embora nao altere as contribuicoes relativa doqubit nos estados da base, tem importancia capital nos efeitos de interferencia utilizadospelos algoritmos quanticos. Assim, um estado pode ter as mesmas proporcoes de|0〉’s e|1〉’s mas ter diferentes amplitudes devido a fatores de fase relativa diferentes.

Exercıcio 2.1: Mostre que a representacao polar noR3 de um estado qualqueredada por :(x, y, z) = (cosφsenθ, senφsenθ, cosθ), com0 ≤ θ ≤ π e0 ≤ φ ≤ 2π.

3.2. Espaco de Hilbert e produtos interno e exterior

Um espaco de Hilbertn-dimensionalH e um espaco vetorial complexo de dimensaon equipado com produto interno. Os espacosC

n ( n inteiro, finito e maior que1 ),

33

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sao exemplos de espacos de Hilbert2. A existencia de produto interno dota o espacode uma nocao natural de distancia. Oproduto internode dois vetores|φ〉 e |ψ〉 ∈ C

n,denotado por〈φ| |ψ〉, e definido como o produto matricial entre|φ〉† e |ψ〉, ou seja, onumero complexo dado por:

〈φ|ψ〉 = (|φ〉)† |ψ〉 =n∑

i=1

φ∗iψi (20)

O vetor|φ〉† e chamado vetordualde|φ〉, denotado por〈φ|, eφ∗i e o conjugado complexo

dai-esima componenteφi do vetor|φ〉.O produto interno satisfaz as seguintes regras:

1. 〈φ|ψ〉 = 〈ψ|φ〉∗,2. 〈φ| (a |u〉 + b |v〉) = a 〈φ|u〉 + b 〈φ| v〉,3. 〈φ|φ〉 ≥ 0

4. 〈φ|φ〉 = 0 ⇔ |φ〉 = 0

coma, b ∈ C e |φ〉, |ψ〉, |u〉 e |v〉 ∈ Cn

A normade um vetor|ψ〉, denotada por|| |ψ〉 ||, e definida por|| |ψ〉 || =√

〈ψ|ψ〉e dois vetores saoortogonaisse seu produto internoe zero, ou seja,〈φ|ψ〉 = 0.

O produtoexterior entre dois vetores|φ〉 ∈ Cm e |ψ〉 ∈ C

n, denotado por|φ〉 〈ψ|, e uma matrizm × n dada por|φ〉 (|ψ〉)†. Dada uma base{|i〉} para um espacode Hilbertn-dimensional, o produto exterior tem a seguinte propriedade (completude):∑n

i=1 |i〉 〈i| = I .

Exercıcio 2.2 : Mostre que o conjunto{|0〉 , |1〉} forma uma base ortonormal paraC

2

Exercıcio2.3: Mostre que para quaisquer dois vetores|φ〉 e|ψ〉 ∈ Cn, (|ψ〉 〈ψ|) |φ〉 =

〈ψ|φ〉 |ψ〉

3.3. Estado geral de um registrador de memoria quantico

Ate entao descrevemos o estado de um sistema quantico simples de dois estados, ou seja,o estado de um qubit. Porem, assim como em um computador classico, umregistradorde memoria em um computador quantico deve consistir de uma colecao de qubits. Entao,como devemos descrever seu estado ?

A f ısica quantica descreve o estado generico de um sistema composto den qubits(|ψ〉) como uma seperposicao normalizada dos2n estados da base computacional

{|0〉 , |1〉 , . . . , |2n − 1〉}2Ha outras definicoes matematicamente mais rigorosas que permitem tratar espacosde dimensao infinita. Para os nossos propositos

a definicao aqui utilizada sera suficiente

34

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do espacoCn, ou seja,

|ψ〉 =2n−1∑

x=0

αx |x〉 , com a restricao2n−1∑

x=0

|αx|2 = 1 (21)

Assim, o estado geral|ψ〉 de um sistema comn qubits e descrito por um vetorunitario no espacoC2n

com amplitudesαi, 0 ≤ i ≤ 2n − 1.

Por exemplo, o estado geral de um sistema de dois qubitse uma superposicao dosestados da base computacional|0〉 , |1〉 , |2〉 e |3〉, ou, na notacao binaria|00〉 , |01〉 , |10〉 e|11〉 :

|ψ〉 = α00 |00〉 + α01 |01〉 + α10 |10〉 + α11 |11〉 (22)

com a restricao

1∑

i,j=0

|αij|2 = 1. (23)

Um tipo especial de estadoe o chamadoproduto diretoquee descrito pelo produtotensorial dos estados de seus componentes. Por exemplo, se|ψ〉A e |φB〉 sao os vetoresde estado de dois qubitsA eB nos espacos de HilbertHA eHB, HA = HB = C

2:

|ψ〉A =

[

ψ0

ψ1

]

A

e |φ〉B =

[

φ0

φ1

]

B

ou de outra forma,

|ψ〉A = ψ0 |0〉A + ψ1 |1〉A e |φ〉B = φ0 |0〉B + φ1 |1〉B ,

entao, o estado produto direto do sistema composto pelos dois qubits, |ψ〉AB, e obtidopelo produto tensorial de|ψ〉A com|φ〉B :

|ψ〉AB = |ψ〉A ⊗ |φ〉B =

ψ0φ0

ψ0φ1

ψ1φ0

ψ1φ1

AB

(24)

O vetor resultante|ψ〉AB e um vetor no espacoC22

= C2 ⊗ C

2 gerado pela base :

{|0〉A ⊗ |0〉B , |0〉A ⊗ |1〉B , |1〉A ⊗ |0〉B , |1〉A ⊗ |1〉B}.

onde{|0〉A , |1〉A} e {|0〉B , |1〉B} sao as bases computacionais dos espacos associados

35

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aos qubitsA eB, respectivamente, ou seja :

|ψ〉A ⊗ |φ〉B =

(

ψ0

[

10

]

+ ψ1

[

01

])

A

⊗(

φ0

[

10

]

+ φ1

[

01

])

B

=

[

ψ0

ψ1

]

A

⊗[

φ0

φ1

]

B

=

ψ0φ0

ψ0φ1

ψ1φ0

ψ1φ1

AB

= (ψ0 |0〉A + ψ1 |1〉A) ⊗ (φ0 |0〉B + φ1 |1〉B)

= ψ0φ0 |0〉A ⊗ |0〉B + ψ0φ1 |0〉A ⊗ |1〉B+ ψ1φ0 |1〉A ⊗ |0〉B + ψ1φ1 |1〉A ⊗ |1〉B (25)

que podemos simplificar omitindo o sımbolo⊗

|ψ〉A ⊗ |φ〉B = ψ0φ0 |0〉A |0〉B + ψ0φ1 |0〉A |1〉B + ψ1φ0 |1〉A |0〉B + ψ1φ1 |1〉A |1〉B

=1∑

i,j=0

ψiφj |i〉A |j〉B (26)

Podemos simplificar ainda mais a notacao, omitindo a indicacao do espaco e es-crevendo|00〉 em lugar de|0〉 |0〉, |01〉 em lugar de|0〉 |1〉, etc, obtendo:

|ψ〉A ⊗ |φ〉B =1∑

i,j=0

ψiφj |ij〉

= ψ0φ0 |00〉 + ψ0φ1 |01〉 + ψ1φ0 |10〉 + ψ1φ1 |11〉 (27)

Note que o estado geral de dois qubits (22)e da forma produto direto (27) se esomente se,

α00 = ψ0φ0 , α01 = ψ0φ1, α10 = ψ1φ0 , α11 = ψ1φ1

ou seja,α00α11 = α01α10. Visto que as amplitudes em (22) sao regidas pela condicaode normalizacao (23), essa relacao nao e geral, e portanto, o estado geral de dois qubitsnem sempree o produto direto dos estados dos qubits individuais. Por exemplo, o estado(|00〉 + |11〉)/

√2 nao pode ser escrito como um estado produto direto de estados de um

qubit. Quando isto ocorre, o estadoe dito ser ou estaremaranhado.

Uma medicao do estado generico|ψ〉 den qubits produz um resultadox,0 ≤ x ≤ 2n − 1, e o estado apos a medicao sera |x〉. Usualmente, a medicao e real-izada qubit a qubit, produzindo zeros e uns que sao lidos em conjunto como um numerobinario den bits. O procedimento de medicao altera inevitavelmente|ψ〉, forcando-o aum “colapso”para algum estado da base computacional com probabilidades dadas pelosquadrados dos modulos das amplitudes de|ψ〉.

Uma propriedade interessante e utilizada em muitos algoritmos quanticose que seo estado de registrador quantico esta emaranhado, entao, os valores que podem ser obtidos

36

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pela medicao de qubits na sequencia serao determinados pelos resultados das medicoesrealizadas nos qubits anteriores. Essa propriedade nos permite alterar o estado de umaparte do registrador simplesmente medindo outra parte do registrador.

Al em disso, a expressao (21) que descreve o estado de umregistrador quanticoden qubits, nos permite inferir que, diferentemente de um registrador classico de n bits quepode ser preparado apenas em um dos2n estados possıveis, um registrador quantico de nqubits pode ser preparado numa superposicao de todos os2n estados possıveis, o que abrea possibilidade de processamento simultaneo de todas as entradas possıveis com apenasuma aplicacao do procedimento em vista, o quee chamadoparalelismo quantico.

4. Processamento da Informacao : circuitos quanticos

4.1. O computador classico

Em um computador classico, o processamento da informacao codificada em bitse real-izado por dispositivos chamadoscircuitos logicos. Uma maquina classica pode ser vistacomo um dispositivo que converte univocamente uma sequencia de bits(entrada) em outrasequencia de bits(saıda), ou seja, a cada sequencia de n bits de entrada, faz corresponderum unico conjunto de n bits de saıda, o que caracteriza sua acao como o calculo de umafuncao f : {0, . . . , N − 1} → {0, . . . , N − 1}, ondeN = 2n e n e o numero de bitsdos registradores de memoria. As funcoesf ’s passıveis de serem calculadas (ou com-putadas) por tais dispositivos formam a classe dasfuncoes computaveise que podem serdescritas a partir de funcoes booleanas elementares AND, OR e NOT. No modelo de cir-cuitos logicos (ou digitais), o processo de calculo( o algoritmo ) def e descrito por umcircuito formado por blocos elementares chamadosportas logicas, que podem ser fisica-mente realizadas por transistores e outros componentes eletronicos, e que implementamas funcoes booleanas elementares. Representando as portas NOT e AND, como na Figura7 e conectando as portas umasas outras por fios, podemos representar um circuito logico

a a = 1 − aa

ba · b

Figura 7. Portas NOT e AND, respectivamente. A ac ao da porta NOT e negar o bit de entrada a e aacao da porta AND e multiplicar os bits a e b da entrada.

atraves de um diagrama. Por exemplo, o diagrama da Figura 8 representa um circuitologico que realiza (ou computa) a funcaof(x, y) = x ⊕ y, onde⊕ e operador de somamodulo 2.

a

b

a⊕ b

Figura 8. Circuito que computa a func ao adic ao modulo 2.

O circuito da Figura 8e irreversıvel, istoe, naoe possıvel obter de volta os valoresdos bits de entrada a partir do valor do bit de saıda. As portas elementares AND e OR saoirreversıveis. No entantoe possıvel transformar um circuito logico qualquer irreversıvelem um circuito logico reversıvel. Para tanto, podemos usar a porta Toffoli que implementatodas as portas logicas elementares de forma reversıvel, de acordo com a Figura 9:

37

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c⊕ a · b =

a para c = 0 ANDa⊕ c para b = 1 XORc para a = b = 1 NOTa · b para c = 1 NANDa para b = 1, c = 0 FANOUT

a • a

b • b

c �������� c⊕ a · b

Figura 9. Porta Toffoli

A eficiencia com que um computador calcula uma funcao f pode ser comparadacom o numero de portas usadas no circuito que calcula f. Se o numero de portas no cir-cuito cresce polinomialmente com o tamanho da entrada ( o numero de bitsn), dizemosque o circuitoe eficiente. Se, por outro lado, o numero de portas no circuito cresce expo-nencialmente com n, dizemos que o circuitoe ineficiente.

Exercıcio 3.1: Mostre que a porta Toffolie reversıvel.

4.2. O computador quantico

4.2.1. Operacao unitaria

A teoria quantica nos diz que a evolucao no tempo de um sistema quantico isoladoedescrita matematicamente por uma transformacao linear. Como os vetores de estadosquanticos sao unitarios (modulo igual a um ), uma transformacao linearU que preserva omodulo dos vetorese umatransformacao unitaria, isto e, atendea seguinte propriedade

U †U = UU † = I (28)

ondeU † = (U∗)T , ou seja, a conjugada transposta deU .

Entao, uma consequencia imediata da definicao do processo evolutivo de um sis-tema quantico como um processo unitario (descrito por uma operacao unitaria )e que elee reversıvel. Usaremos no texto que segue os termos operacao e operador linear para fazerreferencia tantoa transformacao linear quantoa matriz que a representa.

A linguagem mais usada atualmente na descricao do processamento quantico dainformacao e a linguagem doscircuitos quanticos, similar a linguagem dos circuitoslogicos classicos : circuitos quanticos sao agrupamentos ou malhas de dispositivos maissimples chamados portas quanticas que realizam em conjunto uma operacao unitaria so-bre um registrador quantico. Uma porta especial de medicao permite a observacao oumedicao do estado de um qubit.

38

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4.2.2. Portas quanticas de 1-qubit

Uma porta quantica simples (porta de 1-qubit) realiza uma operacao unitariaU (represen-tada por uma matriz2×2) sobre o estado|ψ〉 de um qubit fazendo-o evoluir para o estadoU |ψ〉. Enquanto no caso classico temos apenas uma porta logica que pode atuar sobre umbit, a porta logica NOT, no caso quantico temos um numero infinito de portas quanticassimples (conjunto de matrizes unitarias2×2). A seguir, apresentamos as portas quanticaselementares de 1-qubit .

A porta quanticaX tem o mesmo efeito da porta logica NOT quando aplicada aosestados da base computacional de um qubit, ou seja,X|0〉 = |1〉 eX|1〉 = |0〉, e tem aseguinte expressao matricial

X =

[

0 11 0

]

(29)

Porem, se o estado do qubit for uma superposicao dos estados|0〉 e |1〉, |ψ〉 =α|0〉 + β|1〉, o estado resultante seraX |ψ〉 = β|0〉 + α|1〉. O caso classicoe um casoparticular deste.

A porta quantica Hadamard ou simplesmenteH, largamente utilizada para gerarsuperposicoes de estados,e comumente descrita pela sua representacao matricial:

H =1√2

[

1 11 −1

]

(30)

A aplicacao deH aos estados da base computacional|0〉 e |1〉 gera superposicoesigualmente distribuıdas onde a probabilidade de se obter um dos estados ao se fazer umamedicao no qubite a mesma,50% :

H |0〉 =1√2(|0〉 + |1〉) e H |1〉 =

1√2(|0〉 − |1〉)

A porta de faseS introduz uma fase relativaeiπ/2 = i (ondei =√−1) no estado

do qubit, ou seja, aplicada a um estado generico|ψ〉 = α |0〉+β |1〉, S |ψ〉 = α |0〉+iβ |1〉.A matriz que representaS e :

[

1 00 eiπ/2

]

(31)

Outras portas quanticas elementares sao representadas pelas matrizes abaixo :

Z =

[

1 00 −1

]

, Y =

[

0 −ii 0

]

e I =

[

1 00 1

]

(32)

As portas quanticas apresentadas acima operam sobre o estado de um qubite a informacaoassociada esta no nıvel quantico. Para torna-la acessıvel no nıvel classico precisamos re-alizar uma medicao. Entao,e necessario introduzir uma porta de medicao para representara operacao de medicao do estado de um qubit. O efeito desta portae projetar o estadodo qubit em um dos estados da base|0〉 ou |1〉 apresentando como resultado um valoraleatorio 0 ou1, respectivamente.

39

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Exercıcio3.2: Mostre que as matrizes que representam as portas quanticasX,Y,Z,H,Se I apresentadas acima sao unitarias.

Exercıcio 3.3: Mostre que as portas quanticasX,Y,Z,H,Se I apresentadas acimasao reversıveis.

4.2.3. Circuitos quanticos

Um circuito quanticoe um dispositivo que consiste de portas quanticas conectadas umasas outras e cujos passos computacionais sao sincronizados no tempo. Como os circuitoslogicos classicos, os circuitos quanticos sao mais comumente apresentados e entendidosatraves de um grafico ou diagrama. A Figura 10 apresenta o diagrama de um circuitoconsistindo de duas aplicacoes sucessivas da portaH a um qubit :

|Ψ〉 H H

Figura 10. Circuito com duas portas Hadamard e um qubit, repr esentando a operac ao : HH |ψ〉 =

H2 |ψ〉.

A entrada do circuitoe o vetor de estado de um qubit (|ψ〉), as linhas horizontaissao analogas aos fios de um circuito classico e representam a evolucao ( da esquerda paradireita ) do estado do qubit ( passagem do tempo ou deslocamento de uma partıcula) e asaıdae o novo vetor de estado do qubit apos a aplicacao sucessiva das portasH ,H2 |ψ〉.

A Figura 11 apresenta um circuito cuja entrada consiste de dois qubits nos estadosiniciais |0〉 e |1〉, respectivamemente, de duas portas Hadamards aplicadas uma a cadaqubit e de uma porta de medicao aplicada ao primeiro qubit. A saıda do circuitoe oestado dos dois qubits apos a aplicacao das operacoes indicadas :|0〉 (|0〉 − |1〉)/

√2 ou

|1〉 (|0〉−|1〉)/√

2, dependendo do resultado da medida do primeiro qubit. Sem a porta demedicao, o estado do sistema na saıda do circuito seria :(|0〉+ |1〉)/

√2 (|0〉−|1〉)/

√2 =

(|00〉 − |01〉 + |10〉 − |11〉)/2.

|0〉 HNM

|1〉 H

Figura 11. Circuito com dois qubits e uma medic ao no primeiro qubit

Acao do circuito da Figura 12 pode ser descrita como :

(H ⊗H)(|0〉 |0〉) = H⊗2 |00〉 = H |0〉 ⊗H |0〉

=1√2(|0〉 + |1〉) ⊗ 1√

2(|0〉 + |1〉)

=1

2(|0〉 |0〉 + |0〉 |1〉 + |0〉 |1〉 + |1〉 |1〉)

=1

2(|00〉 + |01〉 + |01〉 + |11〉) (33)

40

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Na notacao decimal:

=1

2(|0〉 + |1〉 + |2〉 + |3〉) (34)

Ou seja, o circuito produz uma superposicao igualmente distribuıda de todos osestados da base computacional do espaco dos dois qubits,C

2 ⊗C2. A notacaoH ⊗H ou

H⊗2 significa oproduto tensorialdo operador (ou matriz)H com ele mesmo.

|0〉 H

|0〉 H

Figura 12. Circuito para gerar a superposic ao de estados da base computacional.

Generalizando para circuitos com n qubits, obtemos:

H⊗n |0 . . . 0〉 = (H |0〉)⊗n

= (1√2(|0〉 + |1〉))⊗n

=1√2n

2n−1∑

x=0

|x〉 (35)

com o circuito apresentado na Figura 13 :

|0〉 H

|0〉 H

...1

2n/2

∑2n−1x=0 |x〉

|0〉 H

Figura 13. Circuito para obter a superposic ao de estados da base computacional que p oe registrador

no estado 1

2n/2

P

2n−1

x=0|x〉.

Exercıcio 3.4: Monte e teste os circuitos apresentados acima utilizando osimu-lador Zeno.

4.2.4. Portas CNOT e Toffoli

Em geral, podemos usar as portas quanticas de 1-qubit para transformar o estado|0 . . . 0〉de n qubits em qualquer estado do tipo|ψ1〉 |ψ2〉 . . . |ψn〉, onde cada|ψi〉 e uma superposicaoarbitrariaα |0〉 + β |1〉. Porem, esses estados que podem ser obtidos por um conjunto deportas basicas sobre um numero fixado de qubits sao estados do tipo produto-direto (ouseparaveis). Para se obter estados emaranhados, precisamos de portas (ou operacoes)sobre multiplos qubits .

41

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A porta CNOT (ou porta NOT-controlada)e uma porta multiqubit aplicada aoestado de dois qubits (controle e alvo) e sua acao pode ser definida pelas transformacoesoperadas nos estados da base computacional associada, ou seja:

|00〉 −→ |00〉|01〉 −→ |01〉|10〉 −→ |11〉|11〉 −→ |10〉 (36)

Istoe, se o bit de controle (o primeiro) estiver no estado|0〉, nada acontece ao alvo( o segundo ). Porem, se o qubit de controle estive no estado|1〉, a operacaoX e aplicadaao estado do qubit alvo. A Figura 14 abaixo apresenta o diagrama da porta CNOT :

•��������

Figura 14. Porta CNOT.

A matriz associadaa porta CNOTe a seguinte :

UCNOT =

1 0 0 00 1 0 00 0 0 10 0 1 0

(37)

Duas maneiras convenientes de representar a acao da porta CNOT sobre os estadosda base computacional sao :

|i, j〉 → |i, i⊕ j〉 (38)

ondei, j ∈ {0, 1} e⊕ e a operacao soma modulo 2, e

|i, j〉 → |i〉X i |j〉 (39)

ondeX i indica a aplicacaoi vezes da portaX.

Um resultado importante sobre circuitos quanticose que o conjunto de portas de1-qubit mais a porta CNOTe universal, ou seja, qualquer operacao unitaria pode serrepresentada por um circuito quantico composto apenas de portas desse conjunto.

Utilizando a portaH e a porta CNOT podemos construir um circuito que produzum estado emaranhado de dois qubits mostrado na Figura 15.

|0〉 H •

|00〉 + |11〉 /√

2|0〉 ��������

Figura 15. Circuito que produz um estado emaranhado de dois q ubits

42

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H • H

H �������� H

≡ ��������

Figura 16. Equival encia entre os circuitos.

Podemos generalizar a porta NOT-controlada de duas formas:(1) para uma portaU -controlada ondeU e uma operacao unitaria qualquer sobre um qubit e cuja acao podeser dada pelo diagrama da Figura 17, e (2) acrescentando qubits de controle como, porexemplo, a porta Toffoli quantica dada pelo diagrama da Figura 18 .

U

Figura 17. Porta U -controlada.

|a〉 • |a〉

|b〉 • |b〉

|c〉 �������� |c⊕ a · b〉

Figura 18. Porta Toffoli qu antica.

Exercıcio 3.5 : Mostre que a matrizUCNOT e unitaria.

Exercıcio 3.6 : Mostre que a matrizUCNOT e sua propria inversa.

Exercıcio 3.7 : Mostre e teste a porta CNOT no simulador Zeno, tanto como ma-triz 4 × 4 quanto utilizando a portaX e um controle.

Exercıcio 3.8 : Mostre e teste no simulador Zeno como implementar a portaSWAP, utilizando apenas CNOT’s, cuja funcao e trocar o estado de2 − qubits, ou seja,SWAP|x〉 |y〉 = |y〉 |x〉.

Exercıcio 3.9 : Mostre que a porta CNOT nao pode ser obtida a partir de portasde1 − qubit

Exercıcio 3.10 : Mostre que os dois circuitos da Figura 16 sao equivalentes.

4.2.5. Algoritmos aritmeticos

As operacoes aritmeticas basicas sao fundamentais para muitos algoritmos. Em umcomputador classico, estas operacoes estao previamente definidas no seu conjunto de

43

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bitsa b ce 0a b ce a ∧ ba a⊕ b ce a ∧ ba a⊕ b ce a ∧ b⊕ (ce ∧ (a⊕ b))a a⊕ b s ≡ a⊕ b⊕ ce cs ≡ (a ∧ b) ⊕ (a ∧ ce) ⊕ (b ∧ ce)a b s ≡ a⊕ b⊕ ce cs ≡ (a ∧ b) ⊕ (a ∧ ce) ⊕ (b ∧ ce)

Tabela 1. Valor bit a bit do somador completo de um bit.

instrucoes. Em um eventual computador quantico, essas operacoes tambem devem es-tar disponıveis. A Figura 19 abaixo apresenta um circuito quantico para implementar umsomador completo (full-adder) de um bit, ondea e b sao os bits dos operandos,ce e obit relativo ao “vem um”(carry-in) da soma anterior,cs o “vai um”(carry-out) que serapassado para frente es o valor da soma [Kowada 2006]. Apenas portas CNOT e Toffolisao usadas.

|a〉 • • • |a〉

|b〉 • �������� • • �������� |b〉

|ce〉 • �������� |s〉

|0〉 �������� �������� |cs〉

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _�����������

�����������

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _

Figura 19. Somador completo de um bit.

Na tabela 1e mostrado o valor de cada bit apos a aplicacao de cada porta.

Assim como no modelo classico, a expansao desse circuito tambem pode ser re-alizada em serie ou cascata para adicao de numeros inteiros binarios de tamanho n. NaFigura 20e mostrado o exemplo para a soma de operandos com 3 bits, usando o somadorcompleto de um bit . O primeirocarry-in e inicializado em 0, e ocarry-out da ultimasoma corresponde ao resultado.

O leitor podera se reportar a [Kowada 2006] para ver exemplos de circuitos queimplementam as demais operacoes aritmeticas e logicas.

Exercıcio 3.11 : Monte e teste no simulador Zeno o somador de tres bits da Figura20.

4.2.6. Computacao quantica

Uma operacao quanticae unitaria e portanto reversıvel. Entao, um computador quanticoprecisa de dois registradores para realizar uma computacao: um para guardar o estado daentrada e outro para o estado da saıda. A computacao de uma funcaof seria determinada

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|a0〉 • • • |a0〉

|b0〉 • �������� • • �������� |b0〉

|0〉 • �������� |s0〉

|0〉 �������� �������� |ce0〉 → (out)

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _�����������

�����������

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _

|a1〉 • • • |a1〉

|b1〉 • �������� • • �������� |b1〉

(in) → |ce0〉 • �������� |s1〉

|0〉 �������� �������� |ce1〉 → (out)

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _�����������

�����������

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _

|a2〉 • • • |a2〉

|b2〉 • �������� • • �������� |b2〉

(in) → |ce1〉 • �������� |s2〉

|0〉 �������� �������� |s3〉 (SOMA)

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _�����������

�����������

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _

Figura 20. Somador completo de tr es bits.

45

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por uma operacao unitariaUf que agiria sobre os dois registradores preservando a entrada,de acordo com o seguinte protocolo :

Uf |x〉 |y〉 = |x〉 |y ⊕ f(x)〉 (40)

Podemos observar que, sey = 0, entao,

Uf |x〉 |0〉 = |x〉 |0 ⊕ f(x)〉 = |x〉 |f(x)〉 (41)

Suponha que preparamos um registrador comm qubits no estado|ψ〉 de superposicaoigualmente distribuıda, conforme a equacao (35), e um registrador comn qubits no estado|0〉, ou seja :

|ψ〉 |0〉 =1

2n/2

2m−1∑

x=0

|x〉 |0〉 (42)

AplicandoUf ao estado|ψ〉 |0〉, como mostra o circuito da Figura 21, obtemos:

Uf |x〉 |0〉 = Uf

(

1

2m/2

2m−1∑

x=0

|x〉 |0〉)

=1

2m/2

2m−1∑

x=0

Uf |x〉 |0〉

=1

2m/2

2m−1∑

x=0

|x〉 |f(x)〉 (43)

|0〉 H

Uf

|0〉 H... Uf ...

12m/2

∑2m−1x=0 |x〉 |f(x)〉

|0〉 H

|0〉

Figura 21. Computando valor de f para todos os valores de x.

Ou seja, o circuito realiza a computacao de todos os2m valoresf(0), f(1), . . . ,f(2m − 1) ao mesmo tempo com umaunica aplicacao da operacao unitariaUf que im-plementa a funcaof . Essa caracterıstica incomum de calcular todos os valores def aomesmo tempoe chamada paralelismo quantico. No entanto, esse paralelismo por si sonao se concretiza em vantagem pois essa informacao esta no nıvel quantico e ao medir oestado do registrador de saıda obtemos apenas o valor da funcao em um ponto e que naoreflete toda informacao contida na superposicao.

5. O algoritmo de Deutsch

5.1. O problema de Deutsch

O primeiro exemplo concreto de utilizacao de operacoes quanticas para realizar umacomputacao foi o algoritmo quantico conhecido como oalgoritmo de Deustch, apre-sentado por David Deutsch em 1985. O problema a resolvere o seguinte : suponha

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funcao x = 0 x = 1f0 0 0f1 0 1f2 1 0f3 1 1

Tabela 2. Tabela representado as possıveis func oes booleanas f : {0, 1} → {0, 1}

|0〉 H

Uf

H

|1〉 H

|ψ0〉 |ψ1〉 |ψ2〉 |ψ3〉Figura 22. Circuito de Deutsch

que seja dada uma “caixa preta”ou “oraculo”que computa uma funcao booleanaf :{0, 1} → {0, 1} desconhecida. Como sabemos, existem4 dessas funcoes, conformetabela 2 abaixo:

As funcoesf0 e f3 sao chamadas funcoesconstantes, ou seja,fi(0) = fi(1),i ∈ {0, 3} e as funcoesf1 ef2 sao chamadas funcoesbalanceadas.

O problema consiste em determinar quale o tipo de funcao que o oraculo im-plementa, constante ou balanceada, com um mınimo de consultas ao oraculo. Classica-mente, precisarıamos consultar o oraculo duas vezes para calcular os valores def(0) ef(1) e entao comparar esses valores para extrair a informacao desejada. Uma maneira derealizar essa comparacaoe, por exemplo, calcular a soma modulo 2 def(0) comf(1) :

f(0) ⊕ f(1) =

{

0 sef e constante1 sef e balanceada

pois0 ⊕ 0 = 0, 1 ⊕ 1 = 0, 0 ⊕ 1 = 1 e1 ⊕ 0 = 1.

Deustch mostrou quee possıvel determinar qual o tipo da funcao consultando ooraculo apenas uma vez, fazendo uso da superposicao e interferencia quanticas.

Circuito da Figura 22 implementa uma variante do algoritmo quantico de Deustch.O estado de entrada do circuitoe |ψ0〉 = |01〉 e a porta unitariaUf implementa o oraculo.

Depois da aplicacao das duas portasH, o estado do sistema|ψ1〉 sera :

|ψ1〉 =

[ |0〉 + |1〉√2

] [ |0〉 − |1〉√2

]

(44)

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Note que aplicandoUf a um dado estado|x〉 (|0〉 − |1〉)/√

2, obteremos:

|x〉( |0〉 − |1〉√

2

)

Uf−→ |x〉( |0 ⊕ f(x)〉 − |1 ⊕ f(x)〉√

2

)

=

{

|x〉 |0〉−|1〉√2

sef(x) = 0

|x〉 |1〉−|0〉√2

sef(x) = 1

= (−1)f(x) |x〉 |0〉 − |1〉√2

(45)

A partir daı, naoe difıcil mostrar que, ao aplicarmosUf a|ψ1〉 teremos as seguintespossibilidades:

|ψ2〉 =

±[

|0〉+|1〉√2

] [

|0〉−|1〉√2

]

sef(0) = f(1)

±[

|0〉−|1〉√2

] [

|0〉−|1〉√2

]

sef(0) 6= f(1)(46)

Aplicando-se uma portaH ao primeiro qubit, teremos:

|ψ3〉 =

± |0〉[

|0〉−|1〉√2

]

sef(0) = f(1)

± |1〉[

|0〉−|1〉√2

]

sef(0) 6= f(1)(47)

que podemos reescrever da seguinte forma:

|ψ3〉 = ±(|f(0) ⊕ f(1)〉)[ |0〉 − |1〉√

2

]

(48)

Assim, o estado do primeiro qubit contem a informacao desejada sobre a funcao :f(0) ⊕ f(1). Fazendo uma medicao no primeiro qubit saberemos se a funcaoe constanteou balanceada.

Observe que a expressao (46) pode ser reescrita como (omitindo os fatores denormalizacao para facilitar o entendimento):

x=0,1

(−1)f(x) |x〉 ( |0〉 − |1〉 )

=[

(−1)f(0) |0〉 + (−1)f(1) |1〉]

( |0〉 − |1〉 )

=(−1)f(0)[

|0〉 + (−1)f(0)⊕f(1) |1〉]

( |0〉 − |1〉 ) (49)

ou seja, a aplicacao deUf ao estado|ψ1〉 = (|0〉 + |1〉)(|0〉 − |1〉) tem o efeito de deixarinalterado o estado do segundo qubit mas introduz um fator defase no estado do primeiroqubit igual a(−1)f(0)⊕f(1) (o fator de fase global(−1)f(0) nao tem significado e podeser desprezado).E justamente nesse fator de fase que esta a informacao desejada sobre afuncaof : sef e constante,f(0) ⊕ f(1) = 0, (−1)f(0)⊕f(1) = 1 e o estado do primeiroqubit sera portanto(|0〉 + |1〉). A aplicacao posterior deH a esse qubit resultara noestado|0〉 . Por outro lado, sef e balanceada,f(0) ⊕ f(1) = 1 , (−1)f(0)⊕f(1) = −1 eo estado do primeiro qubit sera portanto(|0〉 − |1〉). A aplicacao posterior deH a essequbit resultara no estado|1〉.

48

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Assim, o papel principal da operacaoUf no circuitoe gerar o fator de fase relativano estado do primeiro qubit [ver (49)] de acordo com o tipo def implementado. Osegundo qubit tem a funcao deauxiliar nesse processo.

Podemos ver, portanto, que o acessoa informacao desejada que relaciona ospossıveis valores da funcaof implementada so e possıvel gracasa superposicao ea in-terferencia. A superposicao possibilita o calculo dos valores da funcao de maneira si-multanea, e a interferenciae o ingrediente chave na solucao do problema de Deutschfazendo com que a propriedade desejada seja apresentada como um fator de fase relativaentre os estados.

5.2. O algoritmo de Deutsch e o interferometro de Mach-Zehnder

Com base nas discussoes sobre o algoritmo de Deutsch e sobre o inteferometro de Mach-Zehnder, em secoes anteriores, podemos agora analisar e comentar o papel dos elementos(portas) do circuito de Deutsch e sua relacao com os dispositivosoticos (espelhos de-fasadores) do interferometro. Para tal, vamos seguir passo a passo a execucao do algo-ritmo em paralelo com o funcionamento do interferometro, de acordo com as Figuras 5 e22, respectivamente. Nos passos a seguir omitiremos os fatores de normalizacao e fasesglobais para simplificar a notacao :

1o¯ passo do algoritmo: criar superposicoes dos estados de entrada

|0〉 |1〉 H⊗H−→ (|0〉 + |1〉)(|0〉 − |1〉) (50)

Ou seja, o primeiro qubit inicialmente no estado|0〉 e colocado no estado desuperposicao |0〉 + |1〉 pela primeira portaH e o segundo qubite colocado no estado|0〉 − |1〉 pela segunda portaH. Esse estado servira como auxiliar no passo seguinte degeracao do fator de fase desejado.

1o¯ passo do interferometro : usarES1 para criar superposicao de caminhos

|0〉 ES1−→ (|0〉 + i |1〉) (51)

Podemos ver que a funcao deES1 e similar a da primeira portaH (Hadamard)do circuito : criar uma superposicao dos caminhos|0〉 e |1〉. Podemos observar quena expressao (51) aparece, pelo efeito deES1, um fatori no caminho|1〉. Entretanto,para facilitar a analise podemos desconsidera-lo e continuar a rotular esse caminho por|1〉 visto que o fatori nao produz efeito observavel nos detectores [ver expressao (12)].Assim, podemos reescrever a expressao (51) na forma

|0〉 ES1−→ (|0〉 + |1〉) (52)

49

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2o¯ passo do algoritmo: gerar fator de fase

(|0〉 + |1〉)(|0〉 − |1〉) Uf−→(|0〉 + (−1)f(0)⊕f(1) |1〉)(|0〉 − |1〉) (53)

Ou seja,Uf deixa inalterado o segundo qubit e introduz o fator de fase relativa(−1)f(0)⊕f(1)

no primeiro qubit. O segundo qubit pode entao ser desprezado.

2o¯ passo do interferometro : defasar os caminhos|0〉 e |1〉 porφ0 eφ1

(|0〉 + |1〉) E0,φ0,E1,φ1−→ eiφ0 |1〉 + eiφ1 |0〉|0〉 + ei(φ0−φ1) |1〉 (54)

Os defasadores introduzem um fator de fase relativa entre ospercursos iguala ei(φ0−φ1). Para que esse defasamento nos caminhos simule o fator de fase relativa(−1)f(0)⊕f(1) introduzido porUf no circuito de Deutsch,ei(φ0−φ1) = (−1)f(0)⊕f(1), oque implica em :

(φ0 − φ1) =

{

0 para o casof(0) = f(1)

π para o casof(0) 6= f(1)(55)

Isto e, os defasadores devem ser preparados tais que(φ0 − φ1) = 0, se o interferometrodeve simular aplicacao do algoritmo de Deutsch a uma funcao constante, ou tais que(φ0 − φ1) = π, no caso de uma funcao balanceada.

3o¯ passo do algoritmo:

(|0〉 + (−1)f(0)⊕f(1) |1〉) H−→[(1 + (−1)f(0)⊕f(1)) |0〉+

+(1 − (−1)f(0)⊕f(1)) |1〉]/2 (56)

Ou seja, a portaH remete o estado do primeiro qubit para|0〉, sef(0)⊕f(1) = 0 (funcaoconstante), ou para|1〉 sef(0) ⊕ f(1) = 1 (funcao balanceada). Uma medicao do qubitindicara uma das duas situacoes com certeza absoluta.

3o¯ passo do interferometro : ES2 recombina os percursos

|0〉 + eiφ |1〉 ES2−→ cos (φ/2) |0〉 + isen(φ/2) |1〉 (57)

ondeφ = (φ0 − φ1). Note queES2 tem funcao analogaa ultima portaH do circuito:recombina os percursos de maneira que o feixe (foton) saia pelo caminho|0〉 e seja detec-tado pelo detectorD0, seφ = 0, ou saia pelo caminho|1〉 e seja detectado pelo detector

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D1, seφ = π. O interferometroe portanto capaz de determinar com precisao absoluta afase relativa entre os caminhos, desde que ela seja0 ouπ.

Como vemos, cada passo do algoritmo corresponde exatamentea passagem dofoton por um dispositivooptico do interferometro e as descricoes matematicas correspon-dentes sao equivalentes, ou seja,o interferometro de Mach-Zehnder tem a mesma estruturamatematica do algoritmo de Deutsch.

5.3. Outros algoritmos quanticos

O algoritmo original de Deutsch foi subsequentemente generalizado (algoritmo de Deutsch-Jozsa) para funcoes booleanas de aridade n qualquer,f : {0, 1}n → {0, 1}. As funcoessao assumidas serem constantes ou balanceadas ( istoe, o numero de entradas para asquais a funcao tem valor0 e igual ao numero de entradas para as quais a funcao tem valor1) e o objetivoe determinar se a funcao que o oraculo computae constante ou balanceada,com um mınimo de consultas ao oraculo.

Apesar do impacto provocado pelo algoritmo de Deutsch ( e suas variantes ), ap-resentando pela primeira vez um algoritmo quantico comprovadamente mais eficienteque qualquer algoritmo classico, a computacao quantica nao passava de uma curiosidadeacademica. A situacao mudou a partir de 1994 quando Peter Shor publicou seu artigo“Algorithms for quantum computation : discret logarithms and factoring”[Shor 1997]. Oartigo de Schor apresentava um algoritmo polinomial para fatorar numeros inteiros muitograndes, problema para o qual nao se conhece algoritmo classico eficiente (o melhoralgoritmoe superpolinomial ). Este algoritmo e a enorme importancia adquirida pelossistemas de criptografia de chave publica ( baseados na dificuldade computacional doproblema da fatoracao ) estimularam o estudo da computacao quantica tanto na direcaoda construcao de maquinas quanticas (computadores quanticos ) quanto na direcao do de-senvolvimento de novos algoritmos quanticos, destacando-se a esse respeito o algoritmode Grover para busca em listas desordenadas [Grover 1997].

Exercıcio 4.1 : Estude o algoritmo de Deutsch-Jozsa e monte e teste um circuitocorrespondente utilizando o simulador Zeno.

Referencias

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Cabral, G.E.M., Lula Jr., B. and Lima, A. F.,Revista Brasileira de Ensino de Fısica,26(2004), 109-116.

Cabral, G.E.M., Lula Jr., B. and Lima, A. F., Zeno a new graphical tool for design andsimulation of quantum circuits,In Proceedings of SPIE, conference Quantum In-

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Feynman, R.P., R.B.Leighton and Sands, M.,The Feynman Lectures on Physics, vol.3,Addison-Wesley, 1965.

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Nussenzveig,H.M.,Otica Relatividade e Fısica Quantica, Curso de Fısica Basicavol.4,Editora Edgard Blucher LTDA. 1a ed. 1998.

Kowada, L. A. B., Construcao de Algoritmos Reversıveis e Quanticos,Tese de Doutorado,COPPE, UFRJ, Rio de Janeiro,(2006).

Shor,P.W.,“Polynomial-time algorothms for prime factorization and discrete logarithmson a quantum computer,”SIAM J.Computing261484 (1997);quant-ph/9508027.

Grover,L.,“Quantum mechanics helps in searching a needle in a haystack”.Phys.Rev.Lett.,79(1997), 325.

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