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  • 8/14/2019 Cincia e educao

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    INTERACES NO. 3, PP. 160-187 (2006)

    http://www.eses.pt/interaccoes

    CINCIA E EDUCAO: QUE RELAO?

    Pedro Reis

    Escola Superior de Educao do Instituto Politcnico de SantarmCentro de Investigao em Educao da Faculdade de Cincias da Universidade de Lisboa

    [email protected]

    Resumo

    Neste artigo discutem-se diversos argumentos invocados na justificao de uma

    educao cientfica alargada a toda a populao e um dos slogansque tem sido mais

    utilizado com o objectivo de mobilizar a sociedade em torno de determinadas ideias epropostas de mudana relativamente educao em cincia: literacia cientfica.

    Apresentam-se diferentes definies do conceito de literacia cientfica, os diversos

    elementos que as caracterizam e as propostas dos seus autores no sentido de as

    operacionalizarem atravs da educao formal e no-formal.

    Palavras-chave: Cincia; Educao em cincia; Literacia cientfica.

    Abstract

    This paper discusses (1) some arguments invoked to justify a scientific education

    for all, and (2) the definition of scientific literacy: one of the slogans more widely used

    to mobilize the society around the objective of promoting a science education for all

    citizens.

    Key Words: Science; Science Education; Scientific literacy.

    Discutindo as Finalidades da Educao em Cincia

    Desde o sculo XIX tm proliferado os apelos, de provenincias distintas

    (polticos, empregadores, cientistas, educadores, meios de comunicao social...), no

    sentido de uma educao cientfica alargada a toda a populao. As razes apontadas

    para tal alargamento tm variado de acordo com o contexto social e poltico da poca

    e as percepes de cada um daqueles sectores da sociedade relativamente s

    finalidades dessa educao (DeBoer, 2000; Freire, 1993). Actualmente, o

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    conhecimento da cincia pela populao cincia para todos um objectivo de

    muitos pases, expresso atravs dos seus currculos de cincias (Fensham, 1997) e de

    inmeras iniciativas como a revitalizao dos museus, a realizao de colquios e

    debates, o alargamento do espao destinado cincia nos meios de comunicao

    social e a organizao de grandes exposies e feiras de cincia (Queiroz, 1998). De

    acordo com vrios autores, os argumentos mais referidos pela literatura das ltimas

    dcadas, para justificar uma educao cientfica alargada a todos os alunos, so de

    natureza econmica, utilitria, cultural, democrtica e moral (Millar, 2002; Osborne,

    2000; Thomas e Durant, 1987; Wellington, 2001).

    De acordo com o argumento econmico, a educao cientfica deve assegurar

    um fluxo constante de engenheiros e cientistas capazes de garantirem o

    desenvolvimento cientfico e tecnolgico e, consequentemente, a prosperidadeeconmica e a competitividade internacional do seu pas. Segundo esta perspectiva,

    comum desde o sculo XIX, o ensino das cincias dever proporcionar uma

    preparao pr-profissional e seleccionar os alunos mais aptos para uma carreira

    cientfica; os restantes alunos acabam por beneficiar deste ensino, ficando melhor

    preparados para as exigncias de um mercado de trabalho onde a cincia e a

    tecnologia assumem uma importncia crescente. Na opinio de alguns autores, este

    argumento, apesar de vlido, suscita alguns problemas (Aikenhead, 2002; Osborne,

    2000). Em primeiro lugar, at que ponto ser lcito sujeitar todos os alunos a umcurrculo de cincia concebido (em termos de objectivos, contedos e metodologias)

    de acordo com as caractersticas do pequeno grupo que ir prosseguir estudos e,

    eventualmente, uma carreira na rea da cincia. Para estes alunos, o currculo

    convencional de cincia pouco relevante para as suas vidas actuais ou futuras

    (Hodson, 1998; Layton, Jenkins, Macgill e Davey, 1993; Millar e Osborne, 1998). Em

    segundo lugar, a investigao tem revelado que at mesmo os alunos mais

    inteligentes e criativos so desencorajados por currculos aborrecidos e irrelevantes,

    acabando por desistir de uma carreira cientfica (Solomon, 1993). Em terceiro lugar,estudos recentes sobre o trabalho dos cientistas sugerem que o conhecimento de

    cincia necessrio sua actividade, para alm de ser bastante especfico do contexto

    em que investigam, representa apenas um dos muitos requisitos necessrios sua

    profisso (Coles, 1998, citado por Osborne, 2000). Pelo contrrio, vrios outros

    requisitos considerados importantes pelos cientistas inquiridos nesse estudo

    (capacidades de anlise e interpretao de dados, de trabalho em equipa e de

    comunicao fluente) so pouco valorizados pelos currculos actuais, marcados por

    uma grande nfase factual.

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    O argumento utilitrio defende que a educao cientfica deve proporcionar

    conhecimentos e desenvolver capacidades e atitudes indispensveis vida diria dos

    cidados. De acordo com este argumento, qualquer cidado necessita: a)

    conhecimentos cientficos (nomeadamente, sobre electricidade, frico, anatomia e

    fisiologia humanas, sade e doena, microbiologia e fotossntese) que permitam uma

    experincia informada e inteligente com o mundo natural e a utilizao dos artefactos

    e processos tecnolgicos com que se depara no dia-a-dia; b) capacidades intelectuais

    indispensveis resoluo de problemas da vida diria (por exemplo, analisar e

    interpretar dados, prever e formular hipteses); e c) atitudes ou disposies teis na

    vida diria e no trabalho (nomeadamente, uma forma racional e analtica de pensar,

    intuio, curiosidade e cepticismo). Contudo, segundo alguns autores, este argumento

    apresenta algumas falhas e, como tal, no deveria ser utilizado por professores ou

    gestores curriculares. Em primeiro lugar, e de acordo com Osborne (2000), numa

    sociedade tecnologicamente avanada a educao cientfica no tem grande impacto

    na capacidade dos alunos utilizarem artefactos tecnolgicos. A sofisticao crescente

    dos artefactos (mquinas de lavar, computadores, gravadores de vdeo, etc.)

    simplificou imenso a sua utilizao, ao ponto de apenas requerer capacidades

    mnimas, limitando-se a reparao de qualquer avaria interveno de especialistas.

    Logo, o cidado comum no necessita de conhecimentos de cincia para trabalhar

    com a maioria dos artefactos. Em segundo lugar, o conjunto de conhecimentos e de

    capacidades necessrio para o mercado de trabalho, alm de ser difcil de

    estabelecer, sofre mutaes constantes (Wellington, 1994, 2001). Assim, o que

    considerado necessrio hoje, poder tornar-se obsoleto daqui a alguns anos. Em

    terceiro lugar, no existe qualquer garantia de que os conhecimentos de cincia

    apropriados na escola sejam aplicados na vida real, existindo mesmo alguns

    resultados de investigao contrrios a esta assuno (Hodson, 1998). Para que tal

    possa acontecer, torna-se necessrio um ensino de cincia que destaque a

    aplicabilidade e a relevncia desses contedos e capacidades para a vida dos alunos,o que no acontece frequentemente.

    Segundo o argumento cultural, a cincia constitui um aspecto marcante da nossa

    cultura que todos os cidados devem ter oportunidade e capacidade de apreciar e,

    como tal, merece um espao no currculo. Desde a segunda metade do sculo XIX,

    considera-se que um indivduo culto e bem informado deve possuir, por exemplo,

    algum conhecimento sobre o funcionamento do mundo natural, a forma cientfica de

    pensar e o efeito da cincia na sociedade. De acordo com este argumento, numa

    sociedade em que os temas de cincia ocupam um espao crescente nos meios de

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    comunicao social, a educao cientfica deve promover a compreenso deste

    empreendimento e do grande feito e da luta rdua que representa, o que implicar: a)

    alguns conhecimentos sobre histria da cincia, tica da cincia, argumentao em

    cincia e controvrsia cientfica; e b) uma nfase maior na dimenso humana e menor

    na cincia como corpo de conhecimento. Contudo, por vezes, perante o crescimento

    de uma atitude anti-cincia entre a populao, este argumento assume uma dimenso

    mais propagandstica do que informativa e formativa: a cincia e a tecnologia so

    apresentadas como empreendimentos que conduzem inevitavelmente ao progresso e

    ao bem-estar da humanidade, sem uma discusso que contemple tanto as suas

    potencialidades como as suas limitaes (Queiroz, 1998). Outras vezes, assume-se

    que a literacia cientfica da populao se traduzir num apoio incondicional ao

    desenvolvimento da cincia e da tecnologia. No entanto, uma sociedade

    cientificamente literada dificilmente ir apoiar a cincia de forma acrtica. Vrias

    situaes mais ou menos recentes (por exemplo, os desastres de Chernobyl e de

    Bhopal, a crise das vacas loucas e os efeitos negativos sobre a sade pblica de

    alguns medicamentos e aditivos alimentares) tm informado a populao

    relativamente aos limites e incertezas da cincia e da tecnologia, bem como das suas

    relaes estreitas com a poltica e a economia. Logo, provavelmente, um aumento da

    literacia cientfica traduzir-se- numa maior diviso e ambivalncia das atitudes da

    populao relativamente cincia e s suas aplicaes (Thomas, 1997).

    O argumento democrtico, bastante utilizado nos documentos mais recentes,

    prope uma educao cientfica para todos como forma de assegurar a construo de

    uma sociedade mais democrtica, onde todos os cidados se sintam capacitados para

    participar de forma crtica e reflexiva em discusses, debates e processos decisrios

    sobre assuntos de natureza scio-cientfica (AAAS, 1989; Dsautels e Larochelle,

    2003; Comisso Europeia e Fundao Calouste Gulbenkian, 1995; Galvo, 2001;

    Millar e Osborne, 1998; SCCC, 1996; Silva, Emdio e Grilo, 1988). A sociedade actual,

    marcada por dilemas morais e polticos suscitados pelo crescimento cientfico etecnolgico, s ser verdadeiramente democrtica quando as decises sobre as

    opes cientficas e tecnolgicas deixarem de ser entendidas como responsabilidade

    exclusiva de especialistas, de governos nacionais ou instncias internacionais

    (Queiroz, 1998). A ignorncia e o medo da cincia e da tecnologia podem escravizar

    os cidados na servido do sculo XXI, tornando-os estranhos na sua prpria

    sociedade e completamente dependentes da opinio de especialistas (Prewitt, 1983).

    Os cidados necessitam, simultaneamente: a) de estar conscientes das eventuais

    implicaes sociais, econmicas, polticas e ambientais de determinadas opes

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    como, por exemplo, a introduo de organismos geneticamente modificados nos

    ecossistemas, a co-incinerao de resduos txicos em cimenteiras e a utilizao de

    hormonas e antibiticos na pecuria; b) de desenvolver as competncias necessrias

    sua avaliao; e c) de conhecer as melhores formas de influenciar (de forma

    inteligente, responsvel e democrtica) as decises polticas relativas a estes temas.

    Devem, ainda, possuir os conhecimentos e as capacidades indispensveis

    compreenso e anlise crtica das notcias sobre cincia e tecnologia divulgadas

    pelos meios de comunicao social. Assim, de acordo com este argumento, a

    educao cientfica dever promover uma compreenso bsica da cincia

    (nomeadamente, de como os cientistas trabalham e decidem o que cincia legtima)

    e o desenvolvimento de uma atitude mais crtica que reconhea, simultaneamente, as

    potencialidades, as limitaes e os comprometimentos ideolgicos do

    empreendimento cientfico. Contudo, a prtica corrente da educao em cincia

    promove a conformidade relativamente ao conhecimento autorizado e ao discurso

    cientfico, encorajando os alunos a procurarem a aprovao de uma autoridade

    legitimada para validar as suas aces, em vez de os implicar em discurso crtico e

    democrtico (Dsautels e Larochelle, 2003; Roth e Lee, 2002). Para alm disso, a

    dificuldade de participao dos cidados em processos de discusso de questes

    scio-cientficas torna-se cada vez mais notria devido ao crescimento e

    especializao exponencial do conhecimento cientfico e consequente dependncia

    relativamente aos pareceres dos especialistas. Alguns autores chegam ao ponto de

    considerar que a complexidade cientfica de muitas destas questes torna este

    objectivo impraticvel, devendo as decises sobre questes de base cientfica ficar a

    cargo de especialistas (Shamos, 1995).

    De acordo com o argumento moral, a educao cientfica permite o contacto com

    a prtica cientfica e com todo um conjunto de normas, de obrigaes morais e de

    princpios ticos a ela inerentes, teis sociedade em geral. No entanto, alguns

    autores discordam deste argumento chamando a ateno para a inexistncia deevidncias de que os cientistas adiram a estas normas (em contextos interiores e

    exteriores cincia) mais do que qualquer outro grupo social (Barnes e Dolby, 1970).

    Em Portugal, alguns destes argumentos so claramente perceptveis na Lei de

    Bases do Sistema Educativo (Assembleia da Repblica, 1986) que define as grandes

    finalidades do sistema educativo em geral e, consequentemente, da educao em

    cincia. A Lei de Bases do Sistema Educativo reala, nos seus princpios gerais, o

    papel da educao na formao de cidados livres, responsveis, autnomos e

    solidrios, capazes de julgarem com esprito crtico e criativo o meio social em que

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    se integram e de se empenharem na sua transformao progressiva (pontos 4 e 5,

    respectivamente). No artigo relativo aos princpios organizativos, estabelece que o

    sistema educativo se deve organizar de forma a desenvolver a capacidade para o

    trabalho e proporcionar, com base numa slida formao geral, uma formao

    especfica para a ocupao de um justo lugar na vida activa. Neste mesmo

    documento, os argumentos democrtico, econmico e cultural so evidentes em

    alguns dos objectivos propostos para os nveis de ensino Bsico e Secundrio (Art.os

    7 e 9), nomeadamente: Proporcionar a aquisio de atitudes autnomas, visando a

    formao de cidados civicamente responsveis e democraticamente intervenientes

    na vida comunitria (Ensino Bsico) e Assegurar o desenvolvimento do raciocnio, da

    reflexo e da curiosidade cientfica e o aprofundamento dos elementos fundamentais

    de uma cultura humanstica, artstica, cientfica e tcnica que constituam suporte

    cognitivo e metodolgico apropriado para o eventual prosseguimento de estudos e

    para a insero na vida activa (Ensino Secundrio). Mais recentemente, o Currculo

    Nacional para o Ensino Bsico destaca o papel da educao em cincia na

    preparao dos indivduos: a) para um mercado de trabalho caracterizado pela

    insegurana e transitoriedade (atravs do desenvolvimento, por exemplo, de

    capacidades de comunicao e de aprendizagem ao longo da vida); e b) para a

    compreenso e o acompanhamento de debates sobre temas cientficos e tecnolgicos

    e suas implicaes sociais (Ministrio da Educao, 2001a). Este ltimo argumento

    tambm realado no Programa de Biologia e Geologia para os 10 e 11 anos do

    Curso Geral de Cincias Naturais (Ministrio da Educao, 2001b). Na introduo

    geral sublinha-se a importncia deste currculo na construo de cidados mais

    informados, responsveis e intervenientes capazes de desempenharem o seu papel

    no seio da democracia participada e de garantirem a liberdade e o controlo sobre os

    abusos de poder e sobre a falta de transparncia nas decises polticas (p. 4). De

    acordo com a introduo da componente de Biologia deste currculo, a liberdade de

    formular opes (ticas, scio-econmicas e polticas) depende, entre outrosaspectos, do grau de literacia biolgica do cidado (p. 65).

    Desde o sculo XIX, a discusso das finalidades da educao em cincia, tanto

    em Portugal como no estrangeiro, tem sido marcada por tenses entre os defensores

    destes diferentes argumentos (econmicos, utilitrios, culturais, democrticos e

    morais). Wellington (2001) refere algumas delas:

    1. A tenso entre aqueles que justificam a educao cientfica pelo seu valor

    intrnseco (o conhecimento cientfico um produto cultural de grande beleza,

    interesse e poder intelectual que ajuda a satisfazer a curiosidade humana

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    acerca do mundo natural) e os que o fazem pelo seu valor extrnseco

    (preparao para a vida, o trabalho ou a economia).

    2. A tenso entre a inteno de preparar futuros cientistas e a de promover uma

    literacia cientfica para todos os alunos.

    3. A tenso entre os defensores de um ensino da cincia como corpo de

    conhecimentos e os que propem o ensino dos processos e mtodos da

    cincia. Este debate centra-se, frequentemente, no carcter efmero do

    conhecimento factual e no carcter mais perene das capacidades e dos

    processos.

    4. A tenso entre as propostas de uma educao cientfica acadmica

    (percepcionada como de elevado estatuto) e de uma educao cientfica

    vocacional mais relevante (de menor estatuto). Esta tenso est

    estreitamente ligada s tenses 1 e 2.

    5. A tenso entre os defensores de um ensino da cincia centrado em

    conhecimento substantivo e os defensores de um ensino da cincia atravs

    das suas aplicaes e consequncias morais, sociais e ambientais. Este

    debate centra-se, por exemplo, (a) na necessidade de um ensino de cincia

    mais relevante, que destaque as suas aplicaes, e (b) nas diferenas entre

    uma educao em cincia (marcada pelo conhecimento substantivo epreocupada com uma minoria da populao os cientistas), uma educao

    sobre cincia (com nfase no desenho dos processos metodolgicos de

    questionamento, experimentao e validade do conhecimento) e uma

    educao pelacincia (concebida para todos os alunos e preocupada com

    o desenvolvimento de conhecimentos, capacidades e atitudes considerados

    necessrios ao exerccio da cidadania).

    Durante os ltimos 50 anos, as conjunturas nacionais e internacionais e as

    motivaes e os interesses de foras internas e externas cincia tm (res)suscitado

    periodicamente estas tenses e originado propostas de poltica educativa que oscilam

    entre aqueles plos. Algumas destas propostas tm recorrido a slogans especficos

    com o objectivo de mobilizar o maior nmero de cidados (decisores polticos,

    cientistas, educadores em cincia, meios de comunicao social, encarregados de

    educao, alunos, etc.) em torno das ideias que defendem e das mudanas que

    propem. Entre os mais divulgados, o sloganliteracia cientfica destaca-se pelo seu

    grande impacto na rea da educao em cincia.

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    Discutindo o Conceito de Literacia Cientfica

    Progressivamente, desde o seu aparecimento nos anos 50 do sculo XX

    (Conant, 1947, Hurd, 1958), o termo literacia cientfica passou a ser utilizado como

    sinnimo de finalidades da educao cientfica (Hodson, 1998; Shamos, 1995). Apartir dos anos 80 do sculo XX, este sloganespalha-se por todo o mundo associado

    ao slogande cincia para todos defendido pela UNESCO e por vrios pases (AAAS,

    1989; SRC, 1984; UNESCO, 1983). Durante os ltimos anos, a promoo da literacia

    cientfica tornou-se uma finalidade principal para os educadores em cincia (Kolstoe,

    2000). No entanto, apesar desse termo representar um objectivo universalmente

    desejado e aceite, o seu significado no claro (DeBoer, 2000; Eisenhart et al., 1996;

    Galbraith et al., 1997; Hodson, 1998; Jenkins, 1990). Segundo Shamos (1995), o facto

    do objectivo literacia cientfica nunca ter sido claramente definido em termosoperacionais poder estar na base do relativo insucesso dos educadores em alcan-

    lo: Actualmente, o objectivo da literacia cientfica tornou-se praticamente sinnimo de

    ensino das cincias apesar da sua definio se manter vaga e de se desconhecerem

    os mtodos para o alcanar (p. 158).

    Contudo, Jenkins (1997a) acredita que o facto da literacia cientfica constituir um

    slogan e no uma prescrio para a aco deve ser entendido como um aspecto

    positivo. Os slogans(expresso que, segundo este autor, deriva das palavras galicas

    sluaghe gairm, ou seja, exrcito e grito) continuam a ser invocados como gritos de

    reagrupamento de foras no sentido da obteno e da alterao de ideias, servindo

    como meio de angariao de apoio poltico, educacional, social ou financeiro sem o

    inconveniente de ter que se explicar o significado dos termos envolvidos. Durante as

    ltimas dcadas, o slogan da literacia cientfica tem sido utilizado pelos educadores

    em cincia de todo o mundo para orientar o desenvolvimento curricular e as prticas

    de sala de aula (Aikenhead, 2002). Na opinio de Jenkins, precisamente a

    impreciso e a ambiguidade dos slogansque lhes conferem um papel significativo nodesencadeamento de mudanas: o estatuto de sloganpermite que se possam atribuir

    mltiplos significados e interpretaes ao termo literacia cientfica, de acordo com as

    diferentes pocas e contextos em que utilizado. Os slogans aparecem e

    desaparecem medida que as realidades sociais mudam ao longo do tempo

    (Aikenhead, 2002).

    Ao longo dos ltimos 50 anos, um pouco por todo o mundo, tm sido

    apresentadas mltiplas definies de literacia cientfica centradas em diferentes

    aspectos. J em 1987, Thomas e Durant, atravs de uma anlise de literatura

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    publicada at esse momento, conseguiam identificar oito aspectos distintos includos

    na noo de literacia cientfica:

    1. Uma apreciao da natureza, dos objectivos e das limitaes gerais da

    cincia e um conhecimento bsico da abordagem cientfica no que respeita,

    por exemplo, a (1) racionalidade de argumentos, (2) capacidade de

    generalizar, sistematizar e extrapolar, e (3) papis da teoria e da observao.

    2. Uma apreciao da natureza, dos objectivos e das limitaes da tecnologia e

    de como estes diferem da cincia.

    3. Um conhecimento do funcionamento da cincia e da tecnologia,

    nomeadamente, de aspectos como o financiamento da investigao, as

    convenes da prtica cientfica e as relaes entre investigao e

    desenvolvimento.

    4. Uma apreciao das inter-relaes entre cincia, tecnologia e sociedade,

    incluindo o papel social dos cientistas e tcnicos como especialistas e a

    estrutura de uma tomada de decises relevante.

    5. Um conhecimento geral da linguagem e de alguns constructos-chave da

    cincia.

    6. A capacidade bsica de interpretao de dados numricos, nomeadamente,

    probabilsticos e estatsticos.

    7. A capacidade de assimilao e de utilizao de informao tcnica e dos

    produtos da tecnologia.

    8. Alguma ideia sobre as possveis fontes de informao e de aconselhamento

    sobre questes relacionadas com cincia e tecnologia.

    De acordo com uma anlise realizada por Bisanz, Bisanz, Korpan e Zimmerman

    (1996), apesar desta multiplicidade de aspectos, possvel identificar trs elementos

    comuns s diferentes definies de literacia cientfica: a) a familiaridade com factos,

    conceitos e processos cientficos; b) o conhecimento de mtodos e de procedimentos

    de investigao cientfica; e c) a compreenso do papel da cincia e da tecnologia na

    sociedade.

    Numa das primeiras tentativas de clarificao, bastante centrada em

    conhecimentos, Pella e seus colaboradores (1966) sugeriram que a literacia cientfica

    envolve a compreenso: a) de conceitos bsicos da cincia; b) da natureza da cincia;

    c) da tica que controla o cientista no seu trabalho; d) das inter-relaes da cincia eda sociedade; e) das inter-relaes da cincia e das humanidades; e f) das diferenas

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    entre cincia e tecnologia. Alguns anos mais tarde, Klopfer (1985) prope uma

    definio envolvendo uma articulao equilibrada de conhecimentos, capacidades e

    atitudes, nomeadamente: a) conhecimento de factos, conceitos, princpios e teorias

    significativas; b) capacidade de aplicar conhecimentos relevantes sobre cincia a

    situaes do dia-a-dia; c) capacidade de utilizar os processos do inqurito cientfico; d)

    compreenso de ideias gerais sobre as caractersticas da cincia e das suas

    interaces com a tecnologia e a sociedade; e e) desenvolvimento de atitudes e

    interesses esclarecidos relacionados com a cincia.

    O documento Science for all americans: Project 2061, produzido pela American

    Association for the Advancement of Science, em 1989, refora a importncia da

    interrelao do conhecimento, da diminuio da nfase em informao pormenorizada

    e de uma maior nfase na promoo de capacidades de pensamento. Aponta comoobjectivos a alcanar, tendo em vista a literacia cientfica: a) a familiarizao com o

    mundo natural e o reconhecimento da sua diversidade e unicidade; b) a compreenso

    de conceitos e princpios chave da cincia; c) a tomada de conscincia da

    dependncia entre cincia, matemtica e tecnologia; d) o conhecimento da cincia, da

    matemtica e da tecnologia como empreendimentos humanos com potencialidades e

    limitaes; e) a promoo da capacidade de pensar de forma cientfica; e f) a

    utilizao de conhecimentos e de formas de pensamento cientficos para objectivos

    individuais e colectivos. Este documento atribui especial importncia a dois aspectosda literacia cientfica. O primeiro diz respeito ao desenvolvimento dos conhecimentos e

    das capacidades necessrios compreenso das ideias, pretenses e

    acontecimentos com que os cidados so confrontados no seu dia-a-dia, de forma a

    assegurar o que vrios autores designam por independncia intelectual (Aikenhead,

    1990; Norris, 1997), ou seja, a capacidade de resistirem a discursos pouco familiares e

    intimidatrios provenientes de polticos e cientistas respeitveis, bem como a

    propostas dogmticas, fraudulentas ou simplistas. O segundo aspecto, realado por

    este documento, consiste no reconhecimento da importncia da cincia nodesenvolvimento de solues eficazes para problemas locais e globais e na promoo

    do respeito inteligente pela natureza, imprescindvel tomada de decises sobre

    questes tecnolgicas e preservao do nosso sistema de suporte de vida.

    Mais recentemente, o Scottish Consultative Council on the Curriculum (SCCC,

    1996), preocupado com o facto de muitas definies de literacia cientfica no

    inclurem a capacidade e a vontade de agir, de uma forma ambientalmente

    responsvel e socialmente justa, adoptou o termo aptido cientfica (scientific

    capability) em substituio de literacia cientfica. Procurando destacar a importncia

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    de uma educao cientfica orientada para a aco, descreveu a aptido cientfica em

    termos de cinco aspectos distintos mas claramente interrelacionados: a) curiosidade

    cientfica um hbito mental inquiridor; b) competncia cientfica a capacidade para

    investigar cientificamente; c) compreenso cientfica a compreenso de ideias

    cientficas e da forma como a cincia funciona; d) criatividade cientfica a capacidade

    para pensar e agir criativamente; e e) sensibilidade cientfica a conscincia crtica do

    papel da cincia na sociedade combinada com uma atitude de cuidado e precauo.

    De acordo com o documento produzido pela SCCC (1996), uma pessoa

    cientificamente apta, no possui apenas conhecimentos e capacidades sendo tambm

    capaz de mobilizar e aplicar os seus recursos de conhecimento e de capacidades de

    forma criativa e sensvel, em resposta a uma questo, problema ou fenmeno (p. 15).

    Logo, a aptido cientfica no envolve apenas conhecimentos e capacidades mas

    tambm o desenvolvimento de qualidades pessoais e de atitudes e a formulao de

    ideias pessoais e a tomada de posio sobre uma variedade de assuntos com uma

    dimenso cientfica e/ou tecnolgica.

    Hodson (1998) vai um pouco mais longe considerando que qualquer currculo de

    cincias estar incompleto se, apesar de preparar para a aco, no incluir uma

    componente de aco scio-poltica. Assim, ao propor o termo literacia cientfica

    crtica universal como grande finalidade para a educao cientfica, este autor marca

    a sua rejeio por uma educao diferenciada em cursos acadmicos/tericos comalto estatuto, destinados a alunos com grandes capacidades, e cursos com menor

    estatuto, orientados no sentido de capacidades para a vida, para os restantes alunos.

    Portanto, defende a promoo de uma literacia cientfica crtica em todos os cidados,

    atravs de uma educao cientfica, centrada em assuntos e muito mais politizada,

    cujo objectivo central consista em equipar os alunos com a capacidade e o

    comprometimento de realizar aces apropriadas, responsveis e eficazes sobre

    questes de teor social, econmico, ambiental e moral-tico (p. 4). Este autor adverte

    para a impossibilidade de se atingir este objectivo atravs de currculos clssicos emtodos de ensino transmissivos. Na sua opinio, fundamentada por vrios resultados

    de investigao, as abordagens curriculares tradicionais centradas apenas ou

    prioritariamente em conceitos no capacitam os alunos para a aplicao dos

    conhecimentos cientficos a contextos reais e contribuem para o desenvolvimento da

    ideia de que o conhecimento cientfico aprendido na escola no tem qualquer valor

    fora do contexto escolar. Hodson (1998) afirma que, actualmente, nas aulas de

    cincias, muitos alunos so aborrecidos com contedos que consideram irrelevantes

    para as suas necessidades, interesses e aspiraes, no se sentindo envolvidos pelas

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    metodologias de ensino-aprendizagem utilizadas nem pelo clima social e emocional

    das aulas. Este autor est convicto de que a literacia cientfica crtica, para uma

    populao de alunos cada vez mais diversificada, s poder ser alcanada atravs de

    um currculo de cincia: a) baseado em assuntos locais, regionais, nacionais e globais,

    seleccionados pelo professor e pelos alunos; b) que tenha em conta os

    conhecimentos, as crenas, os valores, as aspiraes e as experincias pessoais de

    cada aluno; c) no qual a cincia e a tecnologia sejam apresentadas como

    empreendimentos humanos; d) com uma educao em cincia e tecnologia politizada

    e infundida de valores humanos e ambientais mais relevantes; e e) onde todos os

    alunos tenham a oportunidade de executar investigaes cientficas e de se envolver

    em tarefas de resoluo de problemas tecnolgicos seleccionadas e concebidas por

    eles prprios. Para que este currculo seja uma realidade para todos dever prestar-se

    especial ateno aos obstculos sentidos pelos indivduos, muitos dos quais

    relacionados com etnia, gnero e classe social, atravs: a) da construo de uma

    imagem da cincia, dos cientistas e da actividade cientfica mais autntica,

    culturalmente sensvel e inclusiva, que mostre a cincia a ser utilizada e desenvolvida

    por diversas pessoas em diversas situaes; e b) da manuteno de um ambiente de

    sala de aula que proporcione a todos os alunos uma sensao de conforto e de

    pertena.

    Hodson (1998) afirma que, frequentemente, os professores tratam a educaocientfica como uma manipulao de esquemas conceptuais complexos e abstractos

    que, na melhor das hipteses, sero aplicados mais tarde a situaes, acontecimentos

    e problemas. Consequentemente, os alunos com um desempenho elevado na cincia

    escolar so bem sucedidos a recordar, a analisar e a resolver problemas acadmicos,

    mas muitas vezes no conseguem mobilizar o seu conhecimento em situaes reais.

    Na opinio deste autor, a mobilizao dos conhecimentos cientficos para a aco s

    ser possvel se estes conhecimentos forem ensinados e experimentados, pelos

    menos parcialmente, nos contextos em que podero ser utilizados, atravs darealizao de investigaes cientficas (tanto dentro como fora dos laboratrios) e do

    envolvimento em aco social e ambiental.

    Este investigador considera ainda que, muitas vezes, a cincia apresentada

    como a aplicao meticulosa, ordenada e exaustiva de um mtodo poderoso, objectivo

    e de confiana para a averiguao de conhecimento factual sobre o universo. E os

    cientistas so retratados como indivduos racionais, lgicos, intelectualmente

    honestos, abertos a novas propostas e disponveis a partilhar procedimentos e

    descobertas e a quem lhes exigida uma postura desinteressada, livre de valores e

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    analtica. Logo, muitos alunos nunca se sintonizam com a cincia, percepcionando-a

    como uma actividade esotrica e abstracta, difcil e intimidante, afastada das suas

    preocupaes dirias e do domnio exclusivo dos especialistas. Hodson (1998)

    acredita que esta imagem despersonalizada da cincia e dos cientistas: a) deturpa

    seriamente a natureza da cincia e a prtica cientfica; b) desencoraja muitos alunos

    de prosseguirem estudos em cincia; e c) dissuade os alunos do escrutnio crtico ao

    apresentar o conhecimento cientfico como uma coleco de afirmaes fixas, no

    negociveis e autoritrias efectuadas por especialistas, contribuindo para a

    dependncia intelectual dos alunos relativamente a outras pessoas e para uma

    sensao de falta de poder. Na sua opinio, existem muitos alunos que se sentem

    sem poder devido s suas experincias na escola e que esto cada vez mais

    afastados da cincia. Logo, defende que a literacia cientfica crtica s ser alcanada

    atravs de uma compreenso clara dos fundamentos epistemolgicos da cincia e do

    reconhecimento da prtica cientfica como empreendimento humano influenciado e

    influenciador do contexto scio-cultural em que decorre. Acredita que o

    desenvolvimento de uma viso de cincia mais personalizada passa pelo

    conhecimento das influncias exercidas pelos conhecimentos, experincias, crenas,

    valores e aspiraes das pessoas no tipo e formas de cincia que praticam. Desta

    forma, o inqurito cientfico apresentado como fludo, reflexivo, dependente do

    contexto e idiossincrtico. O ncleo central da actividade do cientista passa a ser o

    seu conhecimento especializado (construdo atravs da experincia e frequentemente

    designado como conhecimento tcito, intuio cientfica e instinto cientfico) que

    combina compreenso conceptual e capacidades de laboratrio com elementos de

    criatividade, intuio experimental e um conjunto de atributos afectivos que

    proporcionam o mpeto necessrio de determinao e comprometimento. De acordo

    com Hodson (1998), trata-se de apresentar uma viso mais humana da cincia e dos

    cientistas:

    No desejo retratar todos os cientistas como (...) oportunistas cnicos com

    motivaes pessoais, e seria um desastre se o currculo de cincias o fizesse.

    No h dvida de que as posies pessoais, polticas e religiosas dos cientistas

    tm impacto no tipo de cincia que escolhem fazer; tambm no existe dvida de

    que a intuio, a sorte (boa e m), o interesse prprio, a ambio pessoal e as

    presses acadmica e de publicao influenciam, de tempos a tempos, a forma

    como o fazem. (...) Acima de tudo, eu quero lembrar os alunos de que a cincia

    realizada por pessoas, e de que essas pessoas, como quaisquer outras, tm

    posies, valores, crenas e interesses. Pretendo que o currculo mostre aos

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    alunos que essas pessoas (cientistas) podem ser calorosas, sensveis, bem-

    humoradas e apaixonadas. Mais importante, quero que eles compreendam que

    as pessoas que so calorosas, sensveis, bem-humoradas e apaixonadas podem

    tornar-se cientistas apesar de lhes ser exigido que conduzam o seu trabalho de

    acordo com cdigos de prtica estabelecidos, avaliados e mantidos pela

    comunidade de cientistas.(p. 20)

    A literacia cientfica crtica para todos requer, tambm, a politizao do currculo,

    ou seja, a discusso dos interesses polticos e dos valores sociais subjacentes s

    prticas cientfica e tecnolgica, o que, de acordo com este autor, pode ser alcanado

    atravs de um currculo centrado em assuntos e com quatro nveis de sofisticao:

    Nvel 1: Apreciao do impacto social da mudana cientfica e tecnolgica e

    reconhecimento de que a cincia e a tecnologia so, at certo ponto, determinadas

    culturalmente.

    Nvel 2: Reconhecimento de que as decises relativas ao desenvolvimento

    cientfico e tecnolgico so tomadas tendo em vista interesses particulares e que os

    benefcios resultantes para uns podem ser obtidos custa de outros. Reconhecimento

    de que o desenvolvimento cientfico e tecnolgico est inextrincavelmente ligado

    distribuio de riqueza e poder.

    Nvel 3: Desenvolvimento de pontos de vista prprios e estabelecimento dasposies de valor individuais subjacentes.

    Nvel 4: Preparao para a aco e respectiva concretizao.

    Na sua opinio, apenas a passagem para o nvel quatro assegura: a) a

    apropriao do conhecimento e das capacidades necessrias a uma interveno

    eficaz em processos de tomada de deciso; e b) a valorizao das vozes alternativas

    e dos interesses e valores subjacentes nas decises polticas. Logo, um dos objectivos

    centrais do currculo consistir em equipar os alunos com: a) as capacidades e odesejo de tomarem aces apropriadas, responsveis e eficazes sobre questes de

    teor social, econmico, ambiental e moral-tico; e b) o sentimento de poder necessrio

    para participar e marcar a diferena.

    De acordo com Hodson, a educao cientfica s conseguir assegurar uma

    literacia cientfica crtica universal se abandonar as suas caractersticas actuais (elitista

    e restritiva; aborrecida; abstracta, acadmica e afastada da vida real; sexista; racista;

    impessoal e desumanizada; indiferente, objectiva e apresentada como isenta de

    valores) e passar a ser: acessvel a todos; interessante e excitante; real, relevante e

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    til; no sexista e multicultural; pessoalmente relevante e humanizada; portadora de

    valores e interessada. Conforme refere Kyle (1996): A educao deve ser

    transformada da orientao passiva, tcnica e apoltica reflectida pela maioria das

    experincias escolares, para um empreendimento activo, crtico e politizado que

    transcenda os limites das salas de aula e das escolas (p. 1). Contudo, Hodson (1998)

    reconhece que esta evoluo dificultada quando os professores trabalham com um

    currculo oficial obrigatrio.

    semelhana de Hodson, tambm Roth (2001) reala a importncia de uma

    educao cientfica que envolva os alunos numa aco responsvel. Este autor, numa

    posio algo controversa relativamente importncia da educao em cincia,

    considera que a maior parte da populao vive perfeitamente sem saber cincia e que

    o conhecimento cientfico, tal como valorizado pelos professores, no tonecessrio vida como se pretende fazer crer na literatura. Acredita que a maioria das

    aulas de cincia envolve actividades artificiais nas quais os alunos aprendem para a

    escola e para as classificaes em vez de estimular a participao em situaes

    reais, promotoras de aprendizagens relevantes e significativas para a vida. Na sua

    opinio, a literacia cientfica alcana-se atravs da expanso do potencial de aco

    dos alunos e no atravs da aprendizagem de um corpo bsico de conhecimentos,

    que estar sempre aqum das necessidades do momento. Para tal, prope uma

    educao cientfica que permita aos alunos aprender cincia (de forma significativa econtextualizada) enquanto exercem o seu direito cidadania pela participao

    responsvel em actividades da vida diria da sociedade. Desta forma, a autenticidade

    das aces dos alunos na comunidade no resulta da sua semelhana com a prtica

    do dia-a-dia mas do facto de constiturem parte integrante da prtica do dia-a-dia. A

    participao em prticas relevantes para a comunidade refora a percepo da

    relevncia da escola para a vida.

    Tambm outros autores tm sido bastante crticos relativamente maioria das

    tentativas de definio e de operacionalizao do conceito de literacia cientfica

    (Fensham, Law, Li e Wei, 2000; Irwin e Wynne, 1996; Jenkins, 1997b; Layton, Jenkins,

    Macgill e Davey, 1993). Na sua opinio, a maior parte das abordagens tem definido

    este conceito por referncia ao que as comunidades cientfica e educacional acreditam

    dever ser conhecido e apreciado pela populao em geral, no tendo em conta: a) as

    exigncias reais da sociedade moderna; b) o que os cidados identificam como

    significativo para as suas preocupaes dirias; e c) a diversidade de contextos com

    que os alunos iro deparar fora da escola. Logo, com vista operacionalizao do

    conceito de literacia cientfica, propem uma abordagem baseada na identificao das

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    necessidades de conhecimento cientfico apresentadas pelos adultos nos vrios

    contextos sociais em que participam. De acordo com esta proposta, faz sentido a

    identificao de uma variedade de literacias cientficas relacionadas com uma

    variedade de contextos (por exemplo, emprego, famlia, tempos livres e definio de

    polticas) e de temas (nomeadamente, alimentao, sade, tratamento de resduos

    txicos, aconselhamento gentico, conservao de recursos pesqueiros). Fensham,

    Law, Li e Wei (2000), por exemplo, num trabalho realizado em Hong-Kong,

    propuseram e utilizaram uma abordagem scio-pragmtica na identificao e definio

    da cincia contextual considerada necessria para os cidados conseguirem

    enfrentar o dia-a-dia e participar em decises sociais, nos diferentes contextos em

    que vivem. As trs fases desta abordagem implicam, respectivamente: a) a

    identificao, por especialistas em questes sociais (que lidam diariamente com o

    pblico em geral), dos principais problemas manifestados pelos cidados

    relativamente a questes envolvendo cincia e tecnologia; b) a especificao, por

    cientistas acadmicos, do conhecimento cientfico e tecnolgico associado aos

    problemas identificados na primeira fase; c) o envolvimento de educadores no

    desenvolvimento de um currculo de cincia para os diferentes nveis do ensino

    obrigatrio que inclua os contedos identificados na segunda fase. Fensham e os seus

    colaboradores acreditam que um currculo de cincia construdo a partir desta

    abordagem scio-pragmtica ter mais probabilidades de ser percepcionado como

    relevante e motivador da aprendizagem do que os currculos actuais.

    Uma das posies mais radicais quanto definio e operacionalizao da

    literacia cientfica foi assumida por Shamos (1995). Na sua opinio, a finalidade de

    uma literacia cientfica alargada a toda a populao constitui um mito: a) inatingvel,

    em resultado das dificuldades inerentes aprendizagem da cincia e da

    impossibilidade de se assegurar a utilizao das aprendizagens escolares na idade

    adulta; e b) desnecessrio, pois a iliteracia cientfica da maioria da populao no tem

    impedido o progresso cientfico e tecnolgico da sociedade actual. Acredita que aeducao cientfica deveria concentrar-se na preparao dos cidados para a

    colaborao com os especialistas e no para a anlise crtica de temas de base

    cientfica que, pelo facto de requerer conhecimentos de cincia demasiado complexos,

    se torna impraticvel. Logo, considera que a finalidade da educao em cincia

    deveria consistir na consciencializao da populao acerca de como a cincia

    funciona (science awareness) e no na promoo de uma literacia cientfica centrada

    em contedos cientficos. Esta consciencializao implicaria: a) o conhecimento de

    como a cincia e a tecnologia funcionam; b) o conhecimento pblico do que a

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    cincia, mesmo que se conhea pouco de cincia; c) a compreenso pblica do que

    se pode esperar da cincia; e d) o conhecimento de como a opinio pblica relativa

    cincia poder ser ouvida de forma mais eficaz. Simultaneamente, a responsabilidade

    pela tomada de decises sobre questes de base cientfica deveria ser transferida dos

    cidados em geral para os especialistas em cincia. De acordo com Shamos (1995), o

    contedo do currculo de cincia deveria centrar-se, essencialmente, na tecnologia

    (dada a sua relevncia para a sociedade) e ser utilizado para exemplificar a natureza

    da cincia e como a cincia praticada.

    Em Portugal, nos ltimos anos, a promoo da literacia cientfica passou a

    assumir o estatuto de principal finalidade da educao em cincia. Nas Orientaes

    Curriculares para o 3 Ciclo do Ensino Bsico, relativas rea disciplinar de Cincias

    Fsicas e Naturais (Galvo, 2001), a promoo da literacia cientfica surge como agrande finalidade da educao em cincias. De acordo com este documento, a

    literacia cientfica fundamental para o exerccio pleno da cidadania e implica a

    compreenso da cincia no apenas enquanto corpo de saberes, mas tambm

    enquanto instituio social, e o desenvolvimento de um conjunto de competncias

    que se revelam em diferentes domnios, tais como o conhecimento (substantivo,

    processual ou metodolgico, epistemolgico), o raciocnio, a comunicao e as

    atitudes (p. 5). Para a promoo de competncias nestes diferentes domnios, sugere

    as seguintes experincias educativas:

    1. Domnio do conhecimento: a) Anlise e discusso de evidncias e de

    situaes problemticas que permitam a aquisio de conhecimento

    cientfico, necessrio interpretao e compreenso de leis e modelos

    cientficos, e o reconhecimento das limitaes da cincia e da tecnologia na

    resoluo de problemas pessoais, sociais e ambientais (conhecimento

    substantivo); b) Realizao de pesquisas bibliogrficas, observaes e

    experincias, avaliao dos dados obtidos, planeamento e realizao de

    investigaes, elaborao e interpretao de representaes grficas de

    dados estatsticos e matemticos (conhecimento processual); c) Anlise e

    debate de relatos de descobertas cientficas, evidenciando xitos e

    fracassos, metodologias utilizadas por diferentes cientistas e influncias da

    sociedade sobre a cincia, que permitam confrontar as explicaes

    cientficas com as do senso comum e a cincia, a arte e a religio

    (conhecimento epistemolgico).

    2. Domnio do raciocnio: Resoluo de problemas (envolvendo interpretao dedados, formulao de problemas e de hipteses, planeamento de

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    investigaes, previso e avaliao de resultados, estabelecimento de

    comparaes, realizao de inferncias, generalizao e deduo) de forma

    crtica e criativa.

    3. Domnio da comunicao: Utilizao de linguagem cientfica na interpretao

    de fontes de informao, na representao e apresentao de informao,

    em debates promotores de capacidades de apresentao, anlise e

    argumentao de ideias e na produo de textos.

    4. Domnio das atitudes: Realizao de experincias educativas promotoras de

    atitudes inerentes ao trabalho em cincia como, por exemplo, a curiosidade,

    a perseverana e a tica no trabalho, a reflexo crtica sobre o trabalho

    efectuado e a flexibilidade para aceitar o erro e a incerteza.

    A introduo geral do currculo de Biologia e Geologia para os 10 e 11 anos do

    Curso Geral de Cincias Naturais (Ministrio da Educao, 2001b) reala a

    importncia de uma literacia cientfica slida na compreenso do mundo, na

    identificao dos problemas com que este se confronta e na participao dos cidados

    na discusso crtica e fundamentada de possveis solues. De acordo com as

    finalidades e objectivos gerais da componente de Biologia deste currculo, esta

    literacia cientfica envolve: a) a apropriao de conceitos fundamentais inerentes aos

    sistemas vivos; b) o reforo de capacidades e competncias prprias das cincias

    (capacidades de abstraco, experimentao, trabalho em equipa, ponderao e

    sentido da responsabilidade); e c) a interiorizao de um sistema de valores e a

    assuno de atitudes que valorizem os princpios de reciprocidade e responsabilidade

    do ser humano perante todos os seres vivos, em oposio a princpios de

    objectividade e instrumentalizao caractersticos de um relacionamento

    antropocntrico (p. 67).

    Apesar da importncia atribuda escola na promoo da literacia cientfica,

    vrios autores destacam o papel desempenhado por agentes de educao no-formal(museus, centros de cincia, jardins botnicos, parques naturais, clubes de cincia,

    rdio, televiso, imprensa escrita, cinema, Internet, etc.) na prossecuo deste

    objectivo (Chagas, 1993; Falk, 2001; Jenkins, 1997b; Lewenstein, 2001; Martins,

    2002a; Reis, 2004; Wellington, 1991). Constata-se que as pessoas aprendem cincia

    a partir de uma variedade de fontes, por uma variedade de razes e de diversas

    maneiras (Wellington, 1990). Ao contrrio das experincias de sala de aula (nas quais

    a aprendizagem envolve, geralmente, o desenvolvimento de conhecimentos e de

    capacidades, em perodos alargados de tempo, debaixo da superviso de

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    cientficos fora da sua rea de especializao (Bauer, 1992). Contudo, o tipo de

    cincia divulgado, por exemplo, pela televiso ou pelos jornais, diferente do tipo de

    cincia apresentado em contextos educativos formais: a maioria da educao

    cientfica formal centra-se na cincia convencional, no-controversa, estabelecida e

    fidedigna; as notcias dos media destacam a cincia de fronteira, controversa,

    preliminar e em discusso (Zimmerman, Bisanz e Bisanz, 1999). Por vezes, ainda,

    apresentam uma imagem sensacionalista, pouco rigorosa e estereotipada da cincia,

    utilizando apenas determinadas histrias e apresentando as teorias polmicas como

    factos e os cientistas como seres superiores que vivem num mundo parte (Nelkin,

    1995a; Reis, 2004; Santos e Valente, 1997). Recorrem, frequentemente, a metforas

    de grande impacto desastre, bno da medicina moderna, novo marco, proeza

    cientfica, fraude, luta que afectam a forma como os cidados entendem, pensam e

    actuam acerca de questes scio-cientficas (Lakoff e Johnson, 1980). Atravs destas

    metforas do forma s concepes da populao acerca da natureza da cincia.

    Liakopoulos (2002), por exemplo, num estudo sobre as metforas utilizadas

    pelos jornais ingleses nos artigos sobre biotecnologia, detectou grandes quantidades

    de metforas destinadas a transmitir imagens muito positivas revoluo, ouro,

    grandenegcio, aventura, milagre e muito negativas Caixa de Pandora, ameaa,

    plantas assassinas, escravos, Frankenstein, perigo. Constatou, tambm, que o

    biotecnlogo era retratado como um cientista louco ou um gnio mau perseguindo osseus objectivos sem olhar a meios: uma imagem que, na sua opinio, tem um efeito

    considervel sobre a confiana do pblico relativamente biotecnologia. Muitos filmes

    de fico descrevem a investigao cientfica como um empreendimento que cruza as

    fronteiras do admissvel (Weingart, Muhl e Pansegrau, 2003). Desde as histrias

    medievais sobre alquimistas, at aos filmes actuais sobre clonagem, as narrativas

    sobre cientistas raramente os retratam de forma positiva, traduzindo o receio do poder

    e da mudana inerentes cincia e recorrendo a um nmero restrito de esteretipos: o

    alquimista diablico; o cientista como heri e salvador da sociedade; o cientista louco;o investigador desumano e insensvel; o cientista como aventureiro que transcende as

    fronteiras do espao e do tempo; o cientista louco, mau, perigoso e pouco escrupuloso

    no exerccio do poder; e o cientista incapaz de controlar o resultado do seu trabalho

    (Haynes, 2003). Portanto, a capacidade de leitura e avaliao crtica das

    representaes da cincia divulgadas pelos media importante para os cidados de

    sociedades democrticas, representando o nico antdoto contra eventuais tentativas

    de manipulao. Torna-se necessrio que a escola encare os filmes e as notcias

    divulgadas pelos meios de comunicao social como uma oportunidade para (1)

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    explorar os contedos de cincia envolvidos, (2) reflectir sobre as interaces

    cincia-tecnologia-sociedade, (3) discutir ideias acerca da natureza da cincia e dos

    cientistas e (4) desenvolver capacidades de anlise crtica da informao (Dhingra,

    2003; Miguns, Serra, Simes, e Roldo, 1996; Millar e Osborne, 1998; Norris e

    Phillips, 1994; Reis, 2004; Reis e Galvo, 2004; Rose, 2003; Shibley Jr., 2003; Thier e

    Nagle, 1996; Zimmerman, Bisanz e Bisanz, 1999). A actualizao cientfica da

    populao depende, e ir continuar a depender, em grande parte, da informao

    veiculada pelos meios de comunicao social e da capacidade dos cidados lerem,

    compreenderem e avaliarem criticamente, ao longo da vida, essas fontes de

    informao e o discurso dos especialistas.

    importante que os educadores reconheam as mensagens acerca da natureza

    da cincia e dos cientistas veiculadas pelos meios de comunicao social como umconjunto importante de experincias informais de aprendizagem. Essas mensagens,

    apropriadas pelos alunos, influenciam e interagem com a aprendizagem da cincia na

    sala de aula (Dhingra, 2003). Logo, a educao em cincia nunca poder ignorar os

    efeitos poderosos dos meios de comunicao social nas concepes dos alunos

    acerca do empreendimento cientfico. De acordo com um estudo realizado por

    Dimopoulos e Koulaidis (2003), os artigos de jornal sobre questes cientficas e

    tecnolgicas podem revelar-se extremamente teis na promoo da literacia cientfica

    dos cidados em contexto formal de aprendizagem. Os jornais constituem uma fontede materiais adequados discusso de questes scio-cientficas (considerados

    relevantes e interessantes pelos alunos e pelos cidados em geral), ao contrrio dos

    manuais escolares de cincia que, em 42 pases, apenas dedicam uma mdia de

    3,9% do seu espao a este tipo de questes (Wang e Schmidt, 2001). Na sua opinio,

    os artigos de jornal revelam: a) a natureza transdisciplinar da cincia e da tecnologia; e

    b) a dimenso social destes empreendimentos, realando as influncias de outros

    domnios (cultura, religio, tica, poltica, economia, etc.) em processos decisrios

    relacionados com questes tcnicas e cientficas. Estes autores consideram, ainda,que estes artigos permitem: a) destacar a relevncia do conhecimento cientfico e

    tecnolgico na compreenso de situaes do dia-a-dia; e b) ilustrar o tipo de

    argumentao e de raciocnio normalmente utilizado em disputas scio-cientficas.

    Contudo, advertem para o facto das notcias no se adequarem ao ensino dos

    contedos cientficos subjacentes nem das metodologias internas da cincia e da

    tecnologia (aspectos pouco explorados pelos jornais) e para a necessidade dos

    professores assegurarem uma explorao equilibrada e justa das potencialidades e

    das limitaes destes empreendimentos.

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    22/28

    181 REIS

    http://www.eses.pt/interaccoes

    Valente (1996), prope que os professores aproveitem as vias de educao

    no-formal para despertar nos alunos o gosto e a vontade de aprender cincia.

    Contudo, adverte para os limites da divulgao cientfica, enquanto forma de iniciao

    para a cincia, quando esta se limita a um espectculo cincia sem o indispensvel

    complemento de uma educao cientfica mais aprofundada, estruturada e exigente

    em termos de promoo de capacidades de pensamento, proporcionado pela escola.

    Martins (2002a) alerta para a necessidade da formao de professores suscitar o

    interesse pelos canais de educao no-formal e capacitar os docentes para a

    explorao das potencialidades dessas vias. Na opinio de Bybee (2001) e de Martins

    (2002a), qualquer tentativa de alargamento da literacia cientfica da populao dever

    implicar uma organizao e uma articulao de esforos de todas as infra-estruturas

    educativas, tanto formais como no-formais, de forma a evitar conflitos e a potenciar

    recursos e experincia acumulada. No entanto, para que essa cooperao possa ser

    uma realidade, torna-se imprescindvel a adopo de objectivos comuns que orientem

    tanto as actividades realizadas na escola como a abordagem da cincia pelas

    infra-estruturas no-formais, nomeadamente, os meios de comunicao social.

    Analisando o caso americano, Bybee sugere que todas as instituies de educao

    cientfica (formal e no-formal) poderiam coordenar esforos, orientando as suas

    actividades pelos Critrios Nacionais de Educao em Cincia (National Science

    Education Standards).

    Como se pode constatar por tudo o que j foi referido neste captulo, so

    diversos os significados atribudos ao conceito de literacia cientfica. Contudo, apesar

    das diferenas apresentadas, todas as propostas envolvem uma maior ou menor

    nfase na apropriao de conhecimento cientfico, na compreenso dos

    procedimentos da cincia e no desenvolvimento de capacidades e de atitudes

    (atitudes cientficas e atitudes relativamente cincia) considerados necessrios

    participao activa e responsvel dos cidados em processos decisrios relacionados

    com cincia e tecnologia. De acordo com DeBoer (2000), a anlise dos diferentessignificados permite afirmar que a literacia cientfica implica uma compreenso

    alargada e funcional da cincia para fins de educao geral e no uma preparao

    para carreiras cientficas e tcnicas especficas. Este autor considera que se deve,

    simultaneamente: a) aceitar a elevada abrangncia deste conceito; b) manter a

    conscincia da impossibilidade de se concretizarem todos os objectivos propostos; e

    c) optar pelo conhecimento e pelas experincias que melhor se adequam s

    caractersticas especficas de cada contexto. Como ele reala, Felizmente, no temos

    que dominar todas as reas do conhecimento para vivermos com sucesso na nossa

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    23/28

    CINCIA E EDUCAO: QUE RELAO? 182

    http://www.eses.pt/interaccoes

    sociedade e a conscincia deste facto pode libertar-nos para explorarmos, mais

    criativamente, como lidar com questes de literacia cientfica (p. 595).

    Os pases, as escolas e os professores necessitam de definir prioridades

    (adequadas s necessidades sociais, polticas e econmicas de cada contexto

    especfico) e estabelecer ligaes entre os objectivos de forma a conseguirem,

    simultaneamente, concretizar o maior nmero possvel e manter uma educao

    coerente, substantiva e intelectualmente satisfatria. Para DeBoer (2000), o mais

    importante que os alunos tenham a oportunidade de aprender algo que considerem

    interessante, importante e relevante, de forma a continuarem a estudar cincia, tanto

    formal como informalmente, no futuro. No necessitam todos de desenvolver os

    mesmos conhecimentos e capacidades: existem vrios caminhos para a literacia

    cientfica.

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