ciência e arte: investigações sobre identidades, diferenças e diálogos

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261 Educação e Pesquisa, São Paulo, v.36, n.1, p. 261-280, jan./abr. 2010 Ciência e arte: investigações sobre identidades, diferenças e diálogos Francisco Romão Ferreira Instituto Oswaldo Cruz Resumo Este artigo narra a construção da disciplina “Leituras e reflexões em Filosofia, Ciência e Arte”, que faz parte de um projeto desenvolvido pelo Programa de Pós-graduação no Ensino de Ciências do Instituto Oswaldo Cruz/Fundação Oswaldo Cruz (IOC/FIOCRUZ), ligado à linha de pesquisa “Ciência e Arte como estratégia de motivação para edu- cação em ciência e saúde”, cujo objetivo é desenvolver ferramentas pedagógicas que conciliem o uso da ciência e da arte no ensino das ciências da saúde. A proposta da disciplina é de tentar identificar os possíveis referenciais teóricos que permitam refletir acerca da interface entre essas duas áreas; identificar elementos que demonstrem o po- tencial desse diálogo para o processo de ensino-aprendizagem; valo- rizar a imaginação, a criatividade e a intuição; potencializar a capaci- dade criativa que viabilize uma “recriação do ensino”; produzir uma reflexão sistemática sobre a interação complexa do ensinar e aprender, do instruir e o compartilhar saberes; além de apontar para a perspec- tiva de pensar crítica e detalhadamente os processos artísticos e cien- tíficos. O objetivo central da disciplina é identificar e contrapor dife- rentes referenciais teóricos e refletir acerca dos padrões de interação entre a Educação, a Arte e a Ciência no campo da Saúde. Palavras-chave Arte — Filosofia — Ciência — Educação. Correspondência: Francisco Romão Ferreira Rua Carmela Dutra, 05 apto 307 20250 080 - Rio de Janeiro - RJ E-mail: [email protected]

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Page 1: Ciência e arte: investigações sobre identidades, diferenças e diálogos

261Educação e Pesquisa, São Paulo, v.36, n.1, p. 261-280, jan./abr. 2010

Ciência e arte: investigações sobre identidades,diferenças e diálogos

Francisco Romão FerreiraInstituto Oswaldo Cruz

Resumo

Este artigo narra a construção da disciplina “Leituras e reflexões emFilosofia, Ciência e Arte”, que faz parte de um projeto desenvolvidopelo Programa de Pós-graduação no Ensino de Ciências do InstitutoOswaldo Cruz/Fundação Oswaldo Cruz (IOC/FIOCRUZ), ligado à linhade pesquisa “Ciência e Arte como estratégia de motivação para edu-cação em ciência e saúde”, cujo objetivo é desenvolver ferramentaspedagógicas que conciliem o uso da ciência e da arte no ensino dasciências da saúde. A proposta da disciplina é de tentar identificar ospossíveis referenciais teóricos que permitam refletir acerca da interfaceentre essas duas áreas; identificar elementos que demonstrem o po-tencial desse diálogo para o processo de ensino-aprendizagem; valo-rizar a imaginação, a criatividade e a intuição; potencializar a capaci-dade criativa que viabilize uma “recriação do ensino”; produzir umareflexão sistemática sobre a interação complexa do ensinar e aprender,do instruir e o compartilhar saberes; além de apontar para a perspec-tiva de pensar crítica e detalhadamente os processos artísticos e cien-tíficos. O objetivo central da disciplina é identificar e contrapor dife-rentes referenciais teóricos e refletir acerca dos padrões de interaçãoentre a Educação, a Arte e a Ciência no campo da Saúde.

Palavras-chave

Arte — Filosofia — Ciência — Educação.

Correspondência:Francisco Romão FerreiraRua Carmela Dutra, 05 apto 30720250 080 - Rio de Janeiro - RJE-mail: [email protected]

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Science and art: investigations on identities, differencesand dialogues

Francisco Romão FerreiraInstituto Oswaldo Cruz

Abstract

This article details the construction of the discipline “Readings andreflections in Philosophy, Science and Art”, which is part of aproject developed by the Program of Graduate Studies in theTeaching of Sciences of the Oswaldo Cruz Institute/Oswaldo CruzFoundation (IOC/FIOCRUZ), linked to the line of research entitled“Science and Art as a motivation strategy for education in scienceand health”, whose objective is to create pedagogical tools tobring together science and art in the teaching of the healthsciences. The discipline’s proposal is to identify possible theoreticalframeworks that might help to reflect about the interface betweenthese two areas; to identify elements that demonstrate thepotential of such dialogue for the teaching-learning process; tovalue imagination, creativity and intuition; to stimulate the creativedrive to “re-create teaching”; to produce a systematic reflectionabout the complex interaction between teaching and learning,between instructing and sharing knowledges; and also to pointtoward the perspective of thinking critically and carefully aboutthe artistic and scientific processes. The central aim of the discipli-ne is to identify and contrast different theoretical frameworks, andto reflect upon the patterns of interaction between Education, Artand Science in the field of Health.

Keywords

Art — Philosophy — Science — Education.

Contact:Francisco Romão FerreiraRua Carmela Dutra, 05 apto 30720250 080 - Rio de Janeiro - RJE-mail: [email protected]

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Este artigo narra a construção da disci-plina “Leituras e reflexões em Filosofia, Ciênciae Arte”, que faz parte de um projeto maisamplo desenvolvido no IOC/FIOCRUZ e é liga-do à linha de pesquisa “Ciência e Arte comoestratégia de motivação para educação em ci-ência e saúde”, cujo objetivo é desenvolverferramentas pedagógicas que conciliem o usoda ciência e da arte1 no ensino das ciências dasaúde. O projeto é realizado pelos componen-tes do grupo Ciência, Arte, Saúde e Alegria(CASA), que é constituído por professores ealunos da pós-graduação que desenvolvematividades de pesquisa, atuam na formação deprofissionais do campo da Saúde, lidam com ainterface arte e ciência e utilizam a arte e acriatividade como meios facilitadores para otrabalho interdisciplinar no campo das ciênci-as da saúde. A disciplina é coordenada peloProf. Dr. Francisco Romão Ferreira e faz partedo trabalho de campo da sua pesquisa de pós-doutorado em curso.

Os participantes da pesquisa, assim comoos alunos da disciplina, promovem a integraçãode diferentes estratégias de educação na forma-ção de profissionais de saúde, atuando tanto emespaços tradicionais, como os espaços escolares(com professores do ensino fundamental e mé-dio), como também na formação de profissionaisde saúde e de alunos da graduação e pós-gra-duação. Os pesquisadores e estudantes dessalinha de pesquisa propõem a utilização de dife-rentes linguagens artísticas que possam sensibi-lizar professores e alunos para um ensino deciências mais criativo, ampliando a percepção dopapel da ciência e da arte; desenvolvendo estra-tégias, processos, metodologias e produtos queaumentem a criatividade na formação dos futu-ros cientistas ou profissionais de saúde; e ain-da praticando um ensino que estimule a imagi-nação, a criatividade, a sensibilidade e a intuição.

O significado da arte

A ideia de que Arte e Ciência são camposopostos e inconciliáveis traduz um preconceito

surgido no Período Moderno. Ao estudarmos osistema das “artes liberais” da Idade Média, ob-servamos que a primeira parte do ensino univer-sitário era formada pelas três disciplinas dotrivium (gramática latina, lógica e retórica), se-guidas pelas disciplinas do quadrivium (aritmé-tica, geometria, música e astronomia — o con-junto dos quatro ramos do saber). Juntas, elasconstituíam as sete artes ou as artes liberais.Nesse período, o horizonte científico e o hori-zonte artístico se confundiam. A oposição entrearte e ciência está, portanto, inscrita na órbita deum tipo de pensamento que separou esses sabe-res e os manteve isolados em suas especialida-des, como se não houvesse possibilidade de di-álogo entre eles. Arte e ciência foram se afastan-do e, no paradigma dominante, elas passaram aassumir características, linguagens, métodos,processos cognitivos e vinculações epistemo-lógicas independentes e diferenciadas e, às ve-zes, também opostas.

O termo art que é utilizado na línguainglesa desde o século XIII, vem da precursoraimediata art, do francês antigo que, por sua vez,é originária da palavra artem, do latim, de cujaraiz deriva e cujo significado é “habilidade”. Atéo final do século XVIII, o termo é utilizado emassuntos tão diversos como a habilidade namatemática, na medicina ou na pesca com vara.Segundo Willians (2007), até o século XVIII,

[...] a maioria das ciências eram artes; a dis-tinção moderna entre ciência e arte, comoáreas opostas de habilidade e de esforçohumanos, com métodos e finalidades fun-damentalmente diferentes, remonta a mea-dos do século XIX, embora os próprios ter-mos se tenham contraposto muito antes, nosentido de ‘teoria’ e ‘prática’. (p. 60)

O uso que damos hoje ao termo Arte,com letra maiúscula, ou ao adjetivo “artista”,como pessoa imaginativa ou criativa, datam dofinal do século XVIII e início do século XIX.

1. Sob a coordenação da Profa. Dra. Tânia Cremonini de Araújo Jorge.

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A palavra arte, que em sua origem lati-na ars significa habilidade, designa até o séculoXV, no ocidente, apenas um conjunto de ativi-dades ligadas à técnica, ao ofício, à perícia, istoé, a atividades essencialmente manuais.

Sua fundação, enquanto ciência, é o resulta-do de um longo processo de emancipaçãoque, pelo menos no Ocidente, concerne aoconjunto da atividade espiritual, intelectual,filosófica e artística, sobretudo a partir daRenascença. (Jimenez, 1999, p. 32)

Nos séculos XVI e XVII, enquanto a ciên-cia se consolidava como forma de produção deconhecimento baseada nos princípios da razão,da lógica e do pensamento matemático, visan-do a uma interferência ativa e objetiva na na-tureza, as preocupações teóricas do campo daArte vão incorporar a subjetividade, a discussãoacerca da moralidade, da sensibilidade, da cul-tura como uma segunda natureza e da faculda-de individual de julgamento do gosto.

A definição precisa do campo da Arte éuma tarefa inviável, pois o que é consideradoarte ou artístico abarca diferentes dimensõestemporais (desde a pré-história até o futuro daficção científica); compreende todas as áreashabitadas da comunidade humana (indepen-dente do seu estágio tecnológico ou cultural);incorpora diversos tipos de manifestação (comoas artes visuais, a dança, o teatro, o cinema, ajardinagem etc.); tanto se manifesta numa es-cala macro (incorporando monumentos e cida-des, com suas ruas, praças, parques etc.), quan-to numa escala micro (incorporando miniaturas,joias, objetos, roupas de época, moedas etc.);como também compreende as atividades técni-cas (como a marcenaria, ourivesaria, construçãocivil etc.), atendendo a suas funções práticas,representativas e ornamentais. A polissemia dotermo arte, da mesma forma, compreende di-versos sentidos que vão desde a capacidade ouperícia para executar uma tarefa, capacidadecriadora, até o conjunto de obras de uma épocaou país, diferentes períodos, estilos ou escolas,

diversos movimentos artísticos, diferentes obrasou objetos, ofícios, artifícios, artimanhas oucapacidades. Ou seja: é uma palavra aberta queincorpora uma multiplicidade de sentidos emodos de compreensão.

Segundo Argan (1994), o conceito dearte não define categorias de coisas, mas umtipo de valor. A arte está ligada ao trabalhohumano e suas técnicas mentais e operacionaissão formas significantes às quais a consciênciaatribui significados. Para ele, a história da artenão é uma história dos objetos, mas uma his-tória dos juízos de valor acerca dos objetos e,por isso, ela é fundamental para compreendera sociedade. Ainda segundo Argan (1992), aarte é a busca de um sistema que dê conta detodas as relações possíveis, pois as técnicasartísticas são técnicas de ideação a partir de umfazer autônomo. Fazer arte é muito mais doque executar uma tarefa, pois requer uma di-mensão reflexiva, uma fenomenologia da forma,uma percepção conformadora e formadora, queexpande a percepção do mundo e produz umareflexividade que pressupõe diferentes possibi-lidades de sentidos. Para ele, a construção daobra de arte é um processo cognoscitivo am-plo, na medida em que “o melhor objeto que ohomem pode produzir é aquele que contémuma experiência mais ampla, uma concepçãototal do mundo”. Como também, “a obra de arteé o objeto único, que tem o máximo de quali-dade e o mínimo de quantidade” (p. XVIII-XIX).A obra de arte, portanto, incorpora elementossociais, históricos, cognoscitivos, éticos, religio-sos ou formais, sem privilegiar qualquer uma dasinstâncias envolvidas. Nesse sentido, a arte secontrapõe à ciência, que busca a redução às leisuniversais, à padronização dos procedimentosmetodológicos e o rigor lógico na construçãodos saberes, na tentativa de controlar o que é doseu domínio. A obra de arte, ao contrário, con-tinua produzindo significados independente-mente do que foi imaginado pelo seu criador.Ela produz sensações e modos abstratos depensamento que escapam aos domínios daracionalidade ou da lógica.

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A partir do século XVIII, desde Kant(1724-1804) com a obra Crítica da faculdadede julgar, Schiller (1759-1805) com a publica-ção das Cartas para a educação estética dohomem e Baumgarten (1714-1762) com o tra-tado Aesthetica, a arte passa a fazer parte da“esfera estética”, devendo ser julgada a partirde parâmetros de beleza, que colocam as obrasde arte como objetos de fruição, contemplaçãoe criação artística. Beleza e arte passam a seconstituir em um todo único e inseparável(Carchia; D’Angelo, 1999). A arte incorpora asubjetividade e passa a se distanciar cada vezmais da Ciência, pois incorpora a sensação, aimaginação, o sentimento, o entusiasmo, ogosto pessoal, as paixões, a memória, ou seja,critérios que se afastam do ideal de clareza,objetividade e verdade – que são os pilares dopensamento científico.

A obra de arte traduz os conflitos históri-cos e os problemas políticos, morais ouepistêmicos do seu tempo. Para Argan (1994),

[...] a obra de um grande artista é uma rea-lidade histórica que não fica atrás da refor-ma religiosa de Lutero, da política de CarlosV, das descobertas científicas de Galileu. Elaé, pois, explicada historicamente, como seexplicam historicamente os fatos da políti-ca, da economia, da ciência. (p. 17)

Existiria, portanto, uma relação entre osproblemas artísticos e o desenvolvimento doconhecimento humano.

O modelo científico

A revolução científica iniciada no sécu-lo XVI dá início a um processo social e a umaconcepção de ciência que perdura até hoje. Asrelações sociais vão ser orientadas por umaracionalidade científica que tudo explica e re-solve com seu discurso “neutro”, racional eindependente. Esse modelo de racionalidade seconstituiu tendo como modelo as ciências na-turais, especialmente a física, e

[...] sendo um modelo global, a nova racio-nalidade é também um modelo totalitário,na medida em que nega o caráter racionala todas as formas de conhecimento quenão se pautarem pelos seus princípiosepistemológicos e pelas suas regras meto-dológicas. (Santos, 2004, p. 21)

Desse modo, a arte, por não se pautarnos princípios de verdade e racionalidade ob-jetiva da ciência nascente, passa a ocupar ou-tro espaço na esfera do conhecimento.

O modelo científico se constitui a partirde uma lógica matemática que se torna o ins-trumento privilegiado de análise, assim como ainvestigação e a representação da própria es-trutura da matéria. Sendo assim, conhecer sig-nifica quantificar e representar a partir de ummodelo construído, às vezes, arbitrariamente.

As qualidades intrínsecas do objeto são, porassim dizer, desqualificadas e em seu lugarpassam a imperar as quantidades em queeventualmente se podem traduzir. O que nãoé quantificável é cientificamente irrelevante.Em segundo lugar, o método científico as-senta na redução da complexidade. (Santos,2004, p. 28)

A racionalidade científica moderna nãose caracteriza por seu caráter contemplativo,ela se constitui como um saber que propõe umaintervenção na natureza com a intenção dedominá-la, transformá-la, agir sobre ela. Seusconceitos e pressupostos reproduzem uma con-cepção de mundo mecanicista, dualista,quantitativista e ordenadora. Ou seja: é um tipode conhecimento que, ao interferir, modela,constrói a realidade, organiza segundo seusinteresses, seus pressupostos e seus métodos,ela age no social, embora isso nem sempre fi-que explícito. Nessa racionalidade, a subjetivi-dade é um problema a ser evitado.

Desde Descartes, conhecer implicadesmembrar, classificar e eliminar o acidental, oaleatório, o subjetivo, considerando-se que

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aquilo que não pode ser medido, dividido,quantificado e organizado, dentro de uma ló-gica própria, não pode ser conhecido. Essaconcepção, além de possuir uma base matemáti-ca, tem como referência um modelo mecanicista,funcional, que reduz tudo o que há no universoa relações mecânicas de causa e efeito. Essemétodo propicia a formulação de leis gerais quepoderiam explicar e controlar a natureza e a vida,as regularidades observadas permitiriam estabele-cer as leis que fundamentariam o comportamen-to de todos os fenômenos, naturais ou sociais.

Daí que o prestígio de Newton e das leissimples a que reduzia toda a complexidadeda ordem cósmica tenham convertido a ci-ência moderna no modelo da racionalidadehegemônica que pouco a pouco se trans-bordou do estudo da natureza para o estu-do da sociedade. (Santos, 2004, p. 32)

No entanto, esse paradigma, que nasceucom Descartes e Newton, já não consegue maisexplicar a realidade em sua totalidade e comple-xidade. A hipótese de causalidade, implícita nes-se paradigma, já não é mais suficiente nem ne-cessária para dar conta das incertezas do real.Desde Kant, já sabemos que o real é incognoscívele, desde Heisenberg e Bohr, já aprendemos quenão é possível conhecer o real sem interferir nele,sem o alterar, e o próprio objeto do conhecimentose faz de acordo com o processo de conheci-mento. Eles não são neutros, nem o objeto nemo processo, muito menos o sujeito. O que conhe-cemos do real se dá a partir da intervenção queoperamos nele, a partir das condições de obser-vação, dos critérios de análise ou da seleção doobjeto. O olhar do observador vai interferir deci-sivamente no processo.

A crise desse paradigma dominante sefaz sentir a partir de vários ângulos. O modelode causalidade, finalidade e relação mecânica jánão dá mais conta de conhecer a natureza e,menos ainda, a vida social. Simultaneamente,junto com a crise da ciência no século XXacontece a percepção de que a autonomia da

ciência, sua neutralidade e sua desvinculaçãodos problemas que afetam a vida social não sãofatores irrelevantes, externos, alheios à realida-de e desvinculados dos interesses e conflitosdas questões políticas e econômicas.

Para Santos (2004), esse questionamento

[...] faz parte de um movimento convergente,pujante, sobretudo a partir da última década,que atravessa as várias ciências da natureza eaté as ciências sociais, um movimento de vo-cação transdisciplinar que Jantsch designapor paradigma da auto-organização e quetem aflorações, entre outras, na teoria dePrigogine, na sinergética de Haken, no concei-to de hiperciclo e na teoria da vida da Eigen,no conceito de autopoiesis de Maturana eVarela, na teoria das catástrofes de Thom,na teoria da evolução de Jantsch, na teoriada ordem implicada de David Bohm ou nateoria da matriz-S de Geoffrey Chew e na fi-losofia do “bootstrap” que lhe subjaz. Essemovimento científico e as demais inovaçõesteóricas que atrás defini como outras tantascondições teóricas da crise do paradigmadominante têm vindo a proporcionar umaprofunda reflexão epistemológica sobre oconhecimento científico, uma reflexão de talmodo rica e diversificada que, melhor doque qualquer outra circunstância, caracterizaexemplarmente a situação intelectual dotempo presente. (p. 48)

A crise do modelo científico hegemônicoaponta seus limites e abre o caminho paranovas perspectivas, entre elas, a busca por umdiálogo com outros campos e uma maiorpermeabilidade em seus assuntos e métodos,mas sem perder o rigor que o caracteriza. Areflexão acerca da rigidez das ciências exatas,a relativização da produção do conhecimentoque pode variar a partir da perspectiva doobservador, a crescente influência das ciênciashumanas, a percepção da influência dos inte-resses externos à produção científica e a bus-ca por novos métodos (mais flexíveis), permi-

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tem uma aproximação com outros campos dosaber que antes sequer poderia ser cogitada. Naaproximação com a arte erudita, por exemplo,percebemos que inúmeros fatores são comunsaos dois campos, pois ambos utilizam imagina-ção, criatividade, intuição, construção de mo-delos abstratos, questionamento dos modelosvigentes, procedimentos rigorosos de pesquisa,busca por novas linguagens, extrema organiza-ção na construção dos trabalhos, procedimen-tos lógicos e processos cognitivos complemen-tares, enfim, existem muitas semelhanças quepodem ser exploradas e analisadas de modo apotencializar os dois campos.

A Arte, por sua vez, não se refere apenasao belo e ao efêmero, embora possa represen-tar objetos belos. A Arte é uma forma específi-ca de produção de conhecimento. Ela não sereduz ao estético – não só porque não aspiraexclusivamente à beleza e à fruição, mas tam-bém porque mantém uma série de ligações comâmbitos que ultrapassam o contexto estéticocom funções cognoscitivas e com funções prá-ticas. A dimensão artística pode ser entendidatambém como uma dimensão do pensamento,da técnica e da atividade produtiva. As grandesrupturas epistemológicas que transformaram opensamento humano e o desenvolvimentotecnológico produziram, por percursos distin-tos, abalos profundos e mudanças significativasna produção de conhecimento na Arte, na Ci-ência e na Filosofia. Tais transformações são aomesmo tempo paralelas, por vezes sincrônicas,e independentes. Arte e ciência, portanto, sãomodos de manifestação do pensamento, sãoformas distintas de produção de conhecimen-to e não há uma hierarquia entre elas.

O diálogo Ciência e Arte

Do século XIX até os nossos dias, a Ci-ência e a Arte se consolidaram como dois“Campos” independentes, cada um com as suasespecificidades, lógicas internas, divisões, for-mações discursivas, relações de poder e hierar-quias próprias. Para Bourdieu (1989), um Cam-

po pode ser definido como uma rede ou comoum conjunto de relações objetivas entre posi-ções definidas a partir das diferentes posiçõesque os atores (sujeitos, agentes ou instituições)ocupam numa determinada situação (atual oupotencial) na estrutura da distribuição das di-ferentes espécies de poder (ou de capital). Aposse de tal capital proporciona uma posiçãohierárquica (dominação, subordinação, depen-dência, homologia etc.) em relação aos outrosatores que participam do mesmo jogo. Essepoder hierárquico que é estruturado e ao mes-mo tempo estrutura as ações e define as rela-ções no campo que, por sua vez, é dinâmico emutável, refletindo a dinâmica das posições edas relações de poder próprias a cada campo.

A concepção de arte e ciência que temoshoje reproduz não apenas o nosso habitus declasse, como também a forma como esses sa-beres estão estruturados na sociedade. Naacepção de Bourdieu (1989), a memória docampo é assimilada e repetida quase que auto-maticamente por meio do habitus, que é umsistema de disposições duradouras adquiridaspelo indivíduo durante o processo de socializa-ção. O habitus nos fornece os esquemas depercepção e apreciação, as estruturas cognitivase avaliadoras, os modos de compreensão ereprodução do mundo social, de modo a orga-nizar as condições objetivas de existência emprincípios de ação, percepção e reflexão qua-se que inconscientes. Os comportamentos evalores aprendidos são considerados comoóbvios, naturais, reproduzindo as regras semreflexão. Para aproximarmos ciência e arte,torna-se então necessário conhecermos cadaCampo e, a partir daí, buscarmos outra dimen-são do pensamento que possa identificar ospontos divergentes, encontrar pontos conver-gentes, trazer à tona o que está por trás decada discurso, método ou teoria, de modo aconhecer melhor cada um dos dois campospara saber como entendê-los e articulá-los.

O processo de industrialização da ciên-cia e de mercantilização da arte refletem, cadaum a seu modo, os compromissos desses cam-

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pos com os centros de decisão do poder eco-nômico, social e político, que cada vez maisvão influenciar, interferir, intermediar, direcionare definir as “prioridades” do pensamento cien-tífico. Bourdieu (2004) afirma que o campocientífico é um mundo social e, como tal, fazimposições, solicitações – que são, no entan-to, relativamente independentes das pressõesdo mundo social global que o envolve. Contu-do, essa independência é sempre relativa, o graude autonomia ou heteronomia de um campo sedá de acordo com a sua capacidade de nego-ciação com o mundo exterior e peso políticoou econômico na hora da decisão.

O campo científico é um campo de for-ças e, como tal, a dinâmica e a importânciasocial de seus atores influenciam no que elepode ou não fazer. É a posição que eles ocu-pam na estrutura social que determina ou ori-enta suas tomadas de posição. A estruturaçãointerna do campo pode ser determinada peladistribuição do capital científico dentro docampo, mas ela também sofre influência dosfatores externos. Segundo Bourdieu (2004), osagentes (indivíduos ou instituições) caracteri-zados pelo volume de seu capital determinama estrutura do campo em proporção ao seupeso, que depende do peso de todos os outrosagentes, isto é, de todo o espaço. Dessa forma,a racionalidade científica e a produção artísti-ca estão impregnadas das questões existentesnas suas bases sociais, visto que elas sofrem osefeitos políticos e econômicos das suas formasde inserção na vida social.

Para conciliarmos, ou pelo menos, criarcanais de diálogo entre a arte e a ciência, tor-na-se necessário recorrermos a outro modo deprodução de conhecimento que permita analisarcada campo e perceber quais são as barreirasque impedem esse diálogo. Para nós, a filosofiaé a forma de conhecimento que pode promovera reflexão mais profunda e a análise mais precisadesses dois campos, com eles e a partir deles.Enquanto ciência e arte reforçam suas caracte-rísticas e linguagens próprias, a filosofia perguntaqual é a significação do que está sendo proposto

por cada campo; que motivações estão presen-tes em cada estrutura de pensamento; qual for-mação discursiva está sendo produzida; qual éo sentido, o significado, a utilidade, o valor, aintenção e a finalidade do que está sendo pen-sado, dito e feito. Nossa hipótese é de que aFilosofia poderá, quiçá, construir as necessáriaspontes entre estes Campos.

No decorrer da disciplina tentamos com-preender as formas de atuação da Ciência e daArte, analisando suas características, linguagens,métodos e processos. A Filosofia foi o eixo cen-tral da nossa reflexão e a referência principal sedeu a partir da obra do pensador francês GillesDeleuze (1992), que entende a Arte, a Filosofiae a Ciência como as “três asas do conhecimen-to”. Como três formas independentes de criação,com formas distintas de compreensão e ação,cada uma operando a partir de suas caracterís-ticas – sendo que uma não é mais importanteque a outra, elas são complementares. Elas pro-duzem, juntas, formas criativas de compreensãoda realidade que potencializam umas às outras.

Filósofos, artistas e cientistas são, antesde tudo, pensadores. E essa é a questão cen-tral de Deleuze (2006): Como acontece o pen-samento? Como se produz pensamento na filo-sofia, na ciência ou na arte? Afinal, não é só afilosofia que pensa, que produz Ideias. Para ele,as Ideias são invenções que podem se manifes-tar na pintura, na escultura, na produção de umconceito filosófico, na literatura, na criação deuma teoria científica, de um artefato tecnológicoou na concepção de um filme para o cinema.Entretanto, não se tratam de invenções de umamesma natureza, pois cada uma delas possuiuma órbita própria e uma forma própria de semanifestar e criar Ideias. Todas possuem emcomum um mesmo desejo de produzir, inventar,criar. Para ele, as Ideias são multiplicidades, cadaIdeia é uma multiplicidade, uma variedade deproposições, definida por n dimensões.

Segundo Roberto Machado (1990), oobjeto principal da filosofia de Deleuze é o exer-cício do pensamento, que, segundo ele, não éobjeto exclusivo da filosofia. Para Machado,

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[...] o que interessa são as relações entre arte,ciência e filosofia. Não existe privilégio deuma dessas disciplinas sobre as outras. Cadauma delas é criadora. O verdadeiro objeto daciência é criar funções, o verdadeiro objetoda arte é criar agregados sensíveis e o objetoda filosofia é criar conceitos. (p. 04)

Todavia, a filosofia não produz concei-tos para ilustrar os outros campos do conheci-mento, sua função não é explicar ou descreveresses campos. Não se trata de produzir concei-tos sobre o cinema, sobre a Arte ou sobre aCiência. A filosofia não é

[...] um metadiscurso ou uma metalinguagemque tem como objetivo formular ou explicitarcritérios de legitimidade ou de justificação, ereivindicar para ela a produção de conheci-mento ou, mais propriamente, a criação depensamento. (Machado, 1990, p. 02)

Segundo Machado (1990), para Deleuze“não há reflexão sobre, e sim, pensamento a partir,ou melhor, com...” (p. 05). A questão que a filoso-fia coloca é: como encontrar ou estabelecer cone-xões, identificar ressonâncias de um campo nooutro? Como as Ideias são criadas e se propagamna Arte ou na Ciência? Como refletir sobre elas?

A ciência não produz conceitos – essa é atarefa da filosofia –, a ciência produz funções,proposições, hipóteses, modelos de explicaçãodos fenômenos. Uma noção científica é determi-nada não por conceitos, mas por funções ouproposições, e os elementos das funções, Deleuze(1992) os chama de functivos. Uma proposiçãocientífica pode utilizar um determinado númerode conceitos, mas ela sempre se apropria delescom a intenção de reunir, ordenar, organizar e,para tal, ela fragmenta, parcela extratos potenci-ais, estabelece limites e intervalos. “A função, naciência, determina um estado de coisas, uma coisaou um corpo que atualizam o virtual sobre umplano de referência e num sistema de coordena-das” (p. 172). Procedendo assim, a ciência pro-duz uma desaceleração, um modelo cristalizado

de compreensão, que funciona a partir de variá-veis predeterminadas e fixadas.

Para Deleuze (1992), a arte produzafectos e perceptos, ou seja, formas de divul-gação, ampliação e diversificação da percepção,ela conecta o sujeito com o desejo, com o quelhe afeta, com “blocos de sensações” que am-pliam sua capacidade de ser e existir. A filoso-fia, por sua vez, produz conceitos, que elechama de conceptos, são reflexões, ideias or-denadas em um procedimento meticuloso deanálise que nos ajudam a produzir formas decompreensão das proposições da ciência oudos afectos e perceptos da arte. “A filosofia éa arte de formar, de inventar, de fabricar con-ceitos” (p. 10). No entanto, pensar é pensar porfunctivos, conceptos, afectos e perceptos. Épreciso então que arte, filosofia e ciência apren-dam a pensar a partir de outros critérios paraenriquecer os critérios existentes. Para ele,

[...] a filosofia precisa de uma não-filoso-fia que a compreenda, ela precisa de umacompreensão não-filosófica, como a arteprecisa da não-arte e a ciência da não-ci-ência. (p. 279)

Deleuze (1992) ressalta o papel da intuição,dos afetos e das intensidades na produção deconhecimento, na criação de Ideias e de novaspossibilidades de percepção. Não se trata de des-valorizar os princípios da racionalidade científicaou de valorizar o pensamento artístico e sim deconhecê-los, identificar seus processos e ampliá-los. Só assim, podemos criar ferramentas teóricase estratégias pedagógicas que ampliem a capaci-dade criativa, produzindo novos conceitos e novaspercepções do fazer artístico e científico, enrique-cendo a discussão e a análise crítica de cada cam-po e produzindo formas mais intensas, relevantese apaixonantes de estudar ciência e/ou arte. Aproposta do curso, entretanto, não se limitou aoestudo do pensamento de Gilles Deleuze sobreo tema. Outros autores foram lidos e discutidos— autores que partem de princípios e formaçõesteóricas distintas acerca da relação ciência e arte.

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A obra de Deleuze, portanto, foi uma referênciaimportante, mas não a única, embora tenha de fatosido o ponto de partida e de apoio paraproblematizar e analisar outras correntes do pen-samento, refletindo acerca da relação Ciência eArte e buscando alternativas para a produção doconhecimento e também para a descoberta denovos caminhos para o ensino de ciências.

Nossa proposta de conciliar Arte e Ciên-cia vai ao encontro da necessidade de buscarnovos rumos na educação e na formação pro-fissional, a partir da criação de instrumentosteóricos e estratégias pedagógicas que faciliteme potencializem o aprendizado de ciências.Imersos no campo da Ciência, como pesquisa-dores da Fiocruz que somos, a aproximaçãocom o campo da Arte parece ser uma boa al-ternativa, pois ela amplia a criatividade e apercepção e enriquece o ensino das ciências.Uma nova forma de produção de conhecimentodeve, necessariamente, buscar canais de diálo-go entre os diferentes saberes. No século XXI,a Educação deve estimular o uso total da inte-ligência, o livre exercício da curiosidade e odiálogo entre saberes, a criatividade e a criaçãode diferentes formas de percepção e ação.

O percurso da disciplina

Nosso interesse, ao criar a disciplina, nãoera de utilizar a arte para ilustrar as teoriascientíficas nem de utilizar teorias científicaspara respaldar ou “explicar objetivamente” osmovimentos artísticos. Trata-se de percebercomo o pensamento é produzido em cadacampo e pensar junto, buscando um diálogoentre eles, tentando extrair deles uma novaimagem do pensamento. A opção pela filosofiase dá exatamente para potencializar a produçãode pensamentos, Ideias e conceitos que nosajudem a problematizar e pensar com essesdois campos do saber. Em vez de buscarmosum conjunto de regras ou tentarmos criar mo-delos que poderiam limitar a questão eempobrecê-la, optamos buscar um saber quenão nos oferece respostas prontas e acabadas,

mas nos ajuda a produzir perguntas, elaborarquestões e propor novos problemas, ampliandoo pensamento e problematizando as formasatuais de (re)produção do conhecimento.

Ao invés da contenção, da redução doconhecimento a representações que se pretendemúnicas e inquestionáveis, verdades indiscutíveis oumodelos que engessam o pensamento, buscamosa expansão, a multiplicidade e o prazer na cria-ção de novas ideias. Nesse sentido, a obra deGilles Deleuze é a que ofereceu a abordagem quemelhor se coadunou com a nossa proposta. Aoquestionar rigidez dos princípios de umaracionalidade científica que busca o padrão, auniformização e a normatização do pensamentoe, por outro lado, ao valorizar a sensibilidade, oafeto, a diferença, a criatividade e o desejo,Deleuze vai conceber a produção de conheci-mento como criação, invenção, constituição deprocessos intensivos, na qual a intensidade dodesejo do sujeito, seja ele artista ou cientista,ocupa um lugar fundamental.

Deleuze combatia tudo que apequenavaa vida e reduzia a criatividade, a intuição e aimaginação. Trabalhava contra os poderes quediminuem a alegria e separam os sujeitos dassuas forças ativas, do desejo e da sua força vi-tal, pois o desejo é quem libera as forças cri-ativas, os fluxos de intensidades, a alegria e aimaginação, e a sua ausência, por outro lado,estimula a repetição de padrões estabelecidos,formas pouco criativas de viver e pensar. Semdesejo não há criação, só repetição sem ques-tionamento. Devemos então criar agencia-mentos, formas de pensamento que traduzemdesejos coletivos, formas múltiplas de pensa-mento que produzem intensidades, afetos eacontecimentos que envolvem os indivíduos epotencializam suas formas de atuação, suasformas de devir, de estar no mundo, de se tor-nar o que se quer ser. Produzindo percepçõesque levam a novos posicionamentos e possi-bilitam a criação de novos territórios. As pala-vras acima destacadas são alguns conceitospresentes na obra de Deleuze que serviramcomo palavras-chave para analisar o “estado

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da arte” e promover novas discussões e re-flexões no campo.

A busca por um diálogo entre a arte e aciência reforça essa tentativa de criação de novoslugares, diferentes territórios, que possam levar àcriação de outras formas de pensar, estudar eensinar. Ao longo do curso, a partir das discus-sões dos textos e da análise de cada posição,tivemos a oportunidade de aprofundar a discus-são, reformular ideias, criar propostas, debater,enfim, inventar uma nova forma de ensino nocampo das ciências, tornando alunos e professo-res mais interessados e importantes. No entanto,sabemos que isso não é simples, que existemresistências, preconceitos e cristalizações queimpedem a chegada de novas ideias. A simplesmenção, no meio científico mais tradicional, datentativa de articulação de saberes tão dísparescomo a filosofia, a ciência e a arte já geram in-certezas e resistências, pois a chegada de umnovo saber pode desestabilizar o que está cons-tituído e isso nem sempre é bem visto. O simplesfato de não existir um campo para envio de pro-jetos ou linhas de pesquisa que articulem sabe-res diferentes nas instituições de fomento já é umsintoma de que essa articulação não necessaria-mente é bem-vinda.

A realização dessa disciplina foi ao en-contro da necessidade de um grande númerode profissionais em aprofundar teoricamente asquestões acerca da interface Ciência e Arte –entre eles, vários profissionais do campo daSaúde ou das Ciências Humanas que já realizamações a partir dessa interface. São profissionaisde diversas áreas que possuem em comum ointeresse em articular esses campos, pois jáfazem isso nas suas práticas cotidianas, mas quebuscam uma fundamentação teórica que sus-tente suas proposições. Sabemos que uma dis-ciplina com esse perfil pode ser construída apartir de um número infinito de possibilidades,porém o que queremos expor aqui é a nossaexperiência, a nossa tentativa, com todos oslimites e equívocos que são próprios desse tipode experimentação, para que os nossos erros,equívocos e omissões sirvam de referência ou

base de discussão para outras disciplinas quetenham interesses e perspectivas comuns. Nãose trata de construir um curso que deva serreproduzido com os mesmos princípios, trata-se apenas do relato de uma experiência quepode ajudar a fomentar a discussão no campo,incentivar o diálogo entre artistas e cientistas eservir de base de discussão (até para ser evita-da) para novas iniciativas2.

Os princípios norteadores da

disciplina

Ao pensar na articulação entre a arte e aciência, temos então que perguntar quais sãoos agenciamentos que buscamos e criamos,quais seriam os nossos parceiros e quais seri-am os nossos inimigos com quem nos aliamose contra quem falamos. Sabemos que a potên-cia nasce do coletivo e não dos indivíduos. Acapacidade de criar um campo ou articularesses saberes não é tarefa isolada, é fruto daressonância, do diálogo entre os atores quecompõem a cena e da intensidade e competên-cia desse diálogo. É preciso, portanto, avaliar asassociações possíveis para constituição da dis-ciplina, as composições que possam tornar aarticulação viável, os estilos de fala, ou seja, osfundamentos teóricos que compõem a fala, olugar de quem fala e a escolha do território aser explorado. Cada um desses itens define osagenciamentos que criamos e participamos, apossibilidade dos deslocamentos e os vínculosque se estabelecem, pois sabemos que a cons-tituição de um novo campo de saber não éapenas uma questão ontológica, de origem, éuma questão política. É preciso conhecer oterritório no qual se atua, a dinâmica do jogo,ter a noção do conjunto, do peso dos atoresenvolvidos, os movimentos possíveis e o espa-ço que os atores envolvidos no processo vão sesituar. Criar uma disciplina que fuja aos pa-drões rígidos da academia, que articule formas

2. O conteúdo programático das aulas e as referências bibliográficas docurso encontram-se anexos.

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distintas de pensar, ao mesmo tempo em quedetém também o rigor científico necessário,com um método coerente e uma fundamenta-ção teórica consistente, dentro de uma institui-ção reconhecida internacionalmente como re-ferência na área de Saúde, não é tarefa simples,posto a própria necessidade da existência dadisciplina não ser nem mesmo uma unanimida-de entre os pares.

Com Foucault (2005), aprendemos que arealidade material do discurso, seja ele científi-co ou artístico, supõe uma relação de poder, umlugar de lutas, vitórias, conflitos e ferimentos. Osdiscursos não existem sem pressão, sem violên-cia, e criar disciplinas novas, que articulam sa-beres distintos e que coloca em cheque o saberdisciplinar estabelecido, não ocorre de formaneutra — pois o discurso é uma ferramenta depoder e, ao se propor uma nova forma de pen-sar o poder estabelecido, os mecanismos deinclusão e exclusão aparecem.

O modelo científico hegemônico se impõe,direciona o saber, as funções, os modos de pen-sar dos sujeitos cognoscentes e dita seus méto-dos, processos e instrumentos que validam suaforma específica de produção de conhecimento.Tal conjunto de saberes, em geral, estabelece-sea partir de um corpo institucional que reforça amanutenção das práticas, das ações e dos proces-sos cognitivos. Produz uma espécie de pressão,de coerção no sentido de uma forma de raciona-lização que classifica, ordena, hierarquiza e dis-tribui seus mecanismos de poder. A criação deuma nova disciplina ou um novo campo de sa-ber, em geral, desestabiliza o jogo e obriga osatores a se reposicionarem, o que nem sempre éconfortável ou agradável para quem já estava emuma posição de poder estabelecida.

O conhecimento disciplinar especializa-do pressupõe um conjunto de códigos, regras,identidades e procedimentos que estruturamum corpus de proposições consideradas verda-deiras, que podem ser repetidas independentesdo seu autor. Para que haja a disciplina, é pre-ciso que haja a possibilidade de se formularproposições novas, a partir de uma base co-

mum, preestabelecida. Os campos de saber seapropriam da linguagem corrente e constituemsistemas de saber, dotados de valores simbóli-cos, que validam os instrumentos conceituaispara quem compartilha dos mesmos códigos.Uma proposição precisa ser compartilhada pe-los componentes de um mesmo campo para seraceita e respeitada, ela precisa estar de acordocom o modelo vigente, o paradigma aceito portodos. Nesse sentido, não basta dizer a verda-de, é preciso dizer a verdade a partir do discur-so corrente, a partir do que é considerado ver-dadeiro, pois o verdadeiro existe a partir deregras de uma “política discursiva que devemosreativar em cada um dos nossos discursos”.Segundo Foucault (2005), “ninguém entrará naordem do discurso se não satisfizer a certasexigências ou se não for, de início, qualificadopara fazê-lo” (p. 36-37).

No entanto, as questões que se colocarampara nós foram: Como criar uma disciplina queconcilia campos aparentemente inconciliáveis?Como falar de Arte e Ciência sem conhecer asregras do jogo em cada campo? Como conciliaros teóricos desses dois campos? Como criar umdiálogo entre esses campos e transformar isso emuma ferramenta didática que possa ser divulgadae analisada? Quem poderia fazer essa ponte? Queautor ou que autores poderíamos utilizar para nosfundamentar?

Era fundamental encontrar um autor queconciliasse esses diferentes campos e nossa es-colha se deu a partir da leitura da obra de GillesDeleuze (2004), que é um dos autores quemelhor articula o diálogo entre as “três asas doconhecimento” (a Arte, a Filosofia e a Ciência),colocando-as num mesmo patamar de importân-cia. Dentre os conceitos que ele criou, uma dasideias que utilizamos no nosso trabalho é a de“agenciamento coletivo de enunciação”. A par-tir desse conceito, ele expõe uma forma deconstrução de pensamento que não obedece àlógica linear da construção científica. Essa ideiase aproxima do conceito de rizoma que, por suavez, contrapõe-se ao conceito de “árvore doconhecimento” que comentaremos a seguir.

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A imagem do pensamento tradicionalsupõe um encadeamento que pode ser repre-sentado pela imagem da árvore do conheci-mento, com o seu tronco único a partir dasciências naturais e suas diversas ramificações,que representariam as especializações científi-cas – como se os galhos dessa árvore cresces-sem de forma independente e sem possibilida-de de comunicação entre si. Pelo contrário,quanto maior o nível de especialização, maiora distância entre as partes que a compõe. ORizoma, ao contrário, utiliza a metáfora da raiz,de uma ramificação que não tem uma origemúnica e que pode se espalhar por um determi-nado território. O rizoma não obedece à lógicalinear da racionalidade científica, e o pensamen-to, da mesma forma, também não obedece aessa lógica sistêmica.

A Arte, a Filosofia e a Ciência são trêsformas distintas de produção de conhecimen-to, mas não são as únicas. A religião e o sen-so comum, por exemplo, são também duaspoderosas formas de produção social de senti-dos e de entendimento da realidade. Cada umadelas opera a partir de uma lógica interna pró-pria e são complementares, coincidentes, nãohavendo a sobreposição de uma sobre a outraou de anulação de uma diante da outra. Oconhecimento, portanto, acontece a partir deum processo de heterogênese. Ele é produzidoa partir de diversas instâncias e surge a partirde diferentes origens. A produção do pensa-mento não ocorre de forma mecânica esistêmica nem é organizado e linear como su-põe a racionalidade científica, pelo contrário,ele surge a partir de diferentes circunstânciasnas quais o desejo, os afetos, as circunstânci-as e os acontecimentos produzem diferentesagenciamentos, associações e movimentos.

Os agenciamentos coletivos de enunciaçãotraduzem essa multiplicidade de desejos, devirese afetos que envolvem os indivíduos e suas inten-sidades de existir (Deleuze, 2004). Eles se com-põem de quatro elementos principais: o estadodas coisas, os estilos de enunciação, os territóri-os e os movimentos. O “estado das coisas” fala da

dinâmica do jogo, do contexto, dos diferentesinteresses que compõem o campo acadêmico eque não permite (ou dificulta) a constituição deuma disciplina ou de um saber que articule dife-rentes instâncias do pensamento. Refere-se, por-tanto, às tensões conjunturais, à paisagem, àforma como o saber se constitui por especiali-zações e aos mecanismos criados para a manu-tenção da ordem. Os “estilos de enunciação”falam dos dispositivos retóricos, argumentativosou teóricos que se contrapõem à tentativa de secriar uma disciplina nova, às tentativas dedesqualificação do saber constituído contra ou-tras formas de saber em processo de constitui-ção. Fala também dos modos de organizaçãodos signos e das bases de organização dos dis-cursos, porque no campo científico a opção porutilizar um conjunto de terminologias, conceitoou teorias já exclui a possibilidade de trazernovas ideias à cena. Os “movimentos” se referemàs percepções dos estados das coisas e daspossibilidades de criação de novos posiciona-mentos dos sujeitos, observando a dinâmica dojogo, seus ritmos, fluxos, interesses e tempora-lidades. Criando linhas de fuga, alternativas àordem estabelecida e a possibilidade de transi-tar por outros territórios. E finalmente, os “ter-ritórios” se referem aos espaços que precisam serdestruídos (desterritorialização), refeitos(reterritorialização) e ocupados (territorialização).

As principais referências da

disciplina

A partir de Gilles Deleuze, que é a nos-sa referência principal, tentamos identificar al-gumas de suas influências para entender a partirde que posição ele fala e contra quem fala. Aoanalisar suas influências, alguns nomes se des-tacam imediatamente, entre eles, Espinosa,Bergson e Nietzsche. Esses três autores nãoapenas são fundamentais na obra de Deleuze,como também dão o tom da disciplina. A par-tir deles, podemos pensar nossos própriosagenciamentos, movimentos e territórios. Ou-tros autores e assuntos fizeram parte do reper-

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tório de Deleuze. Poderíamos citar os diferen-tes livros dele que trataram de filósofos comoHume (Deleuze, 2001), Kant (Deleuze, 1963) eLeibniz (Deleuze, 1991), de escritores comoKafka (Deleuze, 1977) e Proust (Deleuze, 2003),de um pintor como Francis Bacon (Deleuze,2007), e de temas como o cinema (Deleuze,1990) ou a psicanálise (Deleuze, 1976). No en-tanto, os três autores citados inicialmente com-põem a estrutura principal, a espinha dorsal dopensamento deleuziano e, devido ao espaço limi-tado deste artigo, limitamo-nos a mencionar es-ses três autores que consideramos fundamentaispara Deleuze e ganharam destaque na formulaçãoda disciplina.

Da obra de Espinosa (1632-1677), ele re-tira a ideia de univocidade do ser, a noção de umaimanência que se contrapõe à transcendência pla-tônica, que separa pensamento e matéria. Espinosase baseia na ideia de um Deus que possui atribu-tos infinitos, mas que é um único ser, imanente,que se manifesta por meio de uma única substânciapara todas as coisas, materiais ou imateriais, pen-samento ou matéria. E tudo o que existe é expres-são desse Deus, dessa Natureza que se manifestaem todas as coisas, conciliando pensamento, ma-téria e ação (Deleuze, 2002). Nesse sentido, a exis-tência deixa de algo decidido externamente oupredeterminado por uma ordem divina. Ela passaa ser o resultado das escolhas do indivíduo, dosafetos e das paixões que ele se deixa envolver,sejam esses afetos positivos ou negativos.

Para Espinosa, o corpo é um sistemacomplexo de movimentos internos e externos.Ele é relacional, formando um sistema de açõescentrípeto e centrífugo, constituído por rela-ções internas entre seus órgãos e com relaçõesexternas com outros corpos. É constituído porafecções, isto é, pela capacidade de afetar e deser afetado por outros corpos e ser afetado poreles sem se deixar destruir, regenerando-se comeles e os regenerando (Chauí, 2000). Um cor-po compõe com o meu quando aumenta minhapotência, amplia minha força vital e poten-cializa minha capacidade de ação. Por outrolado, um corpo pode também diminuir minha

potência, esvaziar ou diminuir minha força vi-tal e reduzir minha capacidade de ação. E es-ses encontros que determinam a existência,traduzem uma forma plena de existir ou, aocontrário, apequenam a existência, reduzindo-a a simples sobrevivência. Para Espinosa, osbons ou maus encontros não são fruto de umaordem divina nem obedecem a uma regulaçãomoral exterior ao sujeito, pois somos nós queescolhemos nossas relações, nossos afetos edefinimos o curso da nossa existência. Nós nosrelacionamos com afetos positivos e negativose somos nós mesmos que escolhemos a manu-tenção ou não desses afetos.

Deleuze percebe em Espinosa um pensa-mento que afirma o desejo, que coloca corpoe alma como indissociáveis, atuando de formaativa e passiva, traduzindo uma imanência quecoloca alma e corpo juntos e por inteiro, semrelações hierárquicas entre eles. O corpo não éuma máquina como afirmava Descartes, não éapenas um feixe de músculos, nervos e funçõesnuma estrutura mecânica que separa as sensa-ções corpóreas do pensamento. O corpo, paraEspinosa, também não é túmulo ou prisão daalma como afirma o platonismo. Ele está emrelação com os afetos, com os desejos e comas paixões, sejam elas alegres ou tristes.

O corpo humano é uma unidade estru-turada, não é um agregado de partes, mas uni-dade de conjunto e equilíbrio de ações internasinterligadas de órgãos. Os apetites do corpo re-fletem os afetos da alma, pois os corpos sãorelacionais, eles estão necessariamente em rela-ção uns com os outros e, nesses encontros, omeu corpo tanto pode ampliar ou reduzir suapotência, sua capacidade de ação. Nem o cor-po comanda a alma nem a alma comanda ocorpo como afirmava a tradição do pensamen-to ocidental. Para ele, corpo e mente se fundeme manifestam a correspondência entre os acon-tecimentos psíquicos e corporais, manifestandoa causalidade única da Substância (Deus/Natu-reza). Essa percepção aponta para a responsabi-lidade do sujeito e a intensidade e capacidadereflexiva que ele possui acerca de sua própria

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existência. A intensidade do desejo é quem de-termina a poética da existência.

Nietzsche (1844-1900), da mesma forma,afirma essa intensidade da vida e a busca poruma existência plena de vontade de potência(que não pode ser confundida com uma vonta-de mesquinha de apropriação de um poder quemanipula e apequena a vida). A existência, paraNietzsche, é cheia de paixões, desejos e vonta-des que se referem à vida e à expansão da nossaforça vital, portanto, não se referem espontane-amente ao bem e ao mal, pois estes são umainvenção da moral racionalista que foi erguidacom uma finalidade repressora, e não para ga-rantir o exercício da liberdade (Deleuze, 2001).

Para Nietzsche, não existe uma almasuperior que subordina a verdade. Esta é subor-dinada às paixões do corpo, é integrada aocorpo numa relação de pura imanência, semtranscendência alguma. Ou seja, o corpo assimcomo a razão, o intelecto, a ciência e seusconceitos são instrumentos colocados à dispo-sição de seu dono de modo a expandir suavitalidade e sua potência. O corpo, da mesmaforma, não é apenas um conjunto mecânico depeças estranhas umas às outras, ele é um jogoflexível de peças que se confrontam e estabe-lecem uma relação dinâmica entre elas (Levine;Touboul, 2002). Ele também se insere nessapluralidade de forças, de pulsões, de paixões,de interesses e vontade de potência que visamconstruir um mundo de acordo com uma ne-cessidade particular. Ele não é apenas um con-junto, é uma hierarquia de forças “subordina-das” ou “dominantes” – colocadas em relaçãode comando ou obediência. Tal conjunto repro-duz relações de força que lutam entre si, bus-cando obter o comando, mas que falam amesma linguagem, isto é, num mesmo corpo,habitam uma pluralidade de espíritos, de von-tades ou de consciências, que criam uma hie-rarquia que, ao mesmo tempo, traduz um con-flito interno e uma compreensão mútua entre asvontades. Permitem uma forma de coesão apartir da diferença, são vontades divergentesque se equilibram e se ajustam mutuamente.

Nietzsche propõe uma reflexão sobre aciência, ou seja, uma investigação sobre asquestões relativas ao conhecimento, às condi-ções de produção do pensamento, da razão, daconsciência, do conceito e, principalmente, daverdade e dos valores que constroem o mono-pólio da verdade (Deleuze, 2007). Para ele, essabusca metafísica dos valores revela uma neces-sidade humana de segurança e garantia, pois oinstinto humano é passivo, fraco e reativo. E ohomem não consegue confrontar-se com acrueldade da realidade nem com a vida comoprocesso de mudança constante. E os valoresmorais são históricos, são resultado da produ-ção humana, são interpretações produzidaspelo homem para melhor se adequar ao mun-do. Sendo assim, não existem valores moraisuniversais, transcendentes. Os valores devem seravaliados a partir de sua força, de sua possibi-lidade de ampliar ou reduzir a potencialidade davida. Todos os valores são sintomas que devemser interpretados a partir dessa pluralidade deforças, e a moral, ao lado da ciência e da reli-gião, é o resultado da necessidade de carregar-mos máscaras, da necessidade de mentir, sãomentiras sem as quais não podemos viver, mascujo caráter de mentira é esquecido.

Com Bergson (1859-1941), a questãocorpo versus mente ganha outros ingredientes.Para ele, corpo e espírito se distinguem pordiferenças de ritmo, natureza e grau, e o am-biente onde estas distinções acontecem é oTempo. Em sua obra, Bergson (1990) afirmaque “nosso corpo é um instrumento de ação esomente de ação” (p. 16). A função do corpofísico é produzir a percepção imediata dascoisas, servindo apenas para selecionar imagenscom vista à ação, e a consciência, que é memó-ria, independe do corpo. Segundo ele, “meucorpo, objeto destinado a mover objetos, éportanto um centro de ação; ele não poderiafazer nascer uma representação” (p. 14).

Bergson relaciona o corpo à percepçãoe a consciência à memória, esta sim ligada aoespírito. Segundo ele, existem dois tipos dememória: a pura, que é a verdadeira, atividade

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puramente espiritual, e a hábito, que não pas-sa de instrumento motor da primeira. Enquan-to a memória pura é uma extensão da consciên-cia e possui uma duração, a memória hábito étransitória, “move-se num presente que estásempre recomeçando”. A memória pura, essenci-almente contemplativa e desinteressada, registrao singular em si e por si. Já a “memória hábito,essencialmente motora, serve à ação e, com esseobjetivo, converte o particular em geral”(Huisman, 2001, p. 139).

Ou seja, a necessidade de agir no mundomaterial faz com que a percepção trace as açõesvirtuais ou possíveis do corpo, e o que ele chamade matéria é apenas esse conjunto de imagenscaptadas pelo cérebro. Segundo Bergson (1990), “océrebro nos parece um instrumento de análise comrelação ao movimento executado [...]. Equivale adizer que o sistema nervoso nada tem de umaparelho que serviria para fabricar ou mesmo pre-parar representações” (p. 27). Ou seja, enquanto apercepção é apenas um dado imediato da consci-ência, é a memória que constitui a subjetividade;enquanto a percepção é efêmera, a memória pro-longa uma pluralidade de momentos. “Mesmo a‘subjetividade’ das qualidades sensíveis [...], consis-te sobretudo em uma espécie de contração doreal, operada por nossa memória” (p. 31).

No entanto, a memória não consistenuma regressão ao passado, ao contrário, ela éo passado que se faz presente, que se materi-aliza numa percepção atual e se torna um es-tado presente e atuante no nosso corpo. Essamemória, agindo no presente, resgata a lem-brança na percepção, fazendo com que o pre-sente se torne intenso, carregado de planos deconsciência diferentes. O presente

[...] é o que age em nós e o que nos fazagir, ele é sensorial e motor, nosso presenteé antes de tudo o estado do nosso corpo.Nosso passado é o que não age mais, maspoderia agir, o que agirá ao inserir-se numasensação presente da qual tomará empresta-da a vitalidade. [...] Compreende-se por quea lembrança não podia resultar de um esta-

do cerebral. O estado cerebral prolonga alembrança; faz com que ela atue sobre opresente pela materialidade que lhe confere;mas a lembrança pura é uma manifestaçãoespiritual. Com a memória estamos definiti-vamente no domínio do espírito. (Bergson,1990, p. 281)

Conclusão

Essas três concepções, apresentadas porEspinosa, Nietzsche e Bergson, fundamentam apercepção de Deleuze acerca das propriedadesdo corpo, do sentido da existência e da funçãodo desejo. Traduzem também a opção por umacrítica à racionalidade científica ocidental quehipervaloriza a razão e desvaloriza a imaginação,a criatividade e a intuição que, para Deleuze,são formas privilegiadas do pensamento e forçaspositivas que potencializam a existência. É im-portante ressaltar que essas concepções colocamem evidência um olhar sobre o corpo que vaialém do paradigma atual da biomedicina, queainda vê o corpo de forma mecanicista,reducionista e dualista, e a possibilidade de re-fletir acerca dessas diferentes concepções é fun-damental para nós que trabalhamos com o en-sino de ciências no campo da saúde.

Deleuze tinha horror a tudo que empo-brecia a existência e tornava medíocre o pensa-mento. Para ele, a produção do conhecimentodeve ocorrer em condições de liberdade, com apossibilidade de utilização da imaginação e dacriatividade, sem ficar preso às formas rígidas etradicionais do pensar. Nesse sentido, a intuiçãoganha um lugar de destaque na constituição dopensamento, pois ela é uma compreensão glo-bal e completa de uma verdade, um objeto ouum conjunto de relações. Nela, de uma só vez,a razão capta todas as relações que constituema realidade e a verdade da coisa intuída, pois elaé um ato intelectual de discernimento que en-globa inúmeros procedimentos racionais arma-zenados na memória e, com a ajuda da imagi-nação e da criatividade, cria novas conexões eum novo conjunto de relações no qual só havia

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pensamentos dispersos e desconectados. A intui-ção dá ordem ao aparente caos.

A intuição é fundamental tanto na Artequanto na Ciência, assim como a imaginação ea criatividade. No entanto, para conectá-las, épreciso acionar o desejo, a força vital de quefalavam Espinosa, Bergson e Nietzsche. A intui-ção opera uma síntese que reúne fatos ouações inexplicáveis no passado porque nãoeram percebidos de uma só vez. Ela cria umasíntese que permite articular e organizar umtodo, estabelecer uma nova ordem de sentidose criar articulações inusitadas. Além disso, per-mite ao sujeito, de uma só vez, perceber oobjeto conhecido, relacionando suas formas,seus conteúdos, suas causas, relações, propri-edades, efeitos, suas relações com outros ob-jetos, assim como permite ao sujeito do conhe-cimento conhecer a si mesmo.

Tanto na Arte como na Ciência, a intui-ção é imprescindível, pois ela articula tanto asinformações oriundas da sensibilidade, da ima-ginação, da experiência, do desejo ou das di-ferentes percepções da realidade, como tambémproduz um conhecimento intelectual que sebaseia nos princípios da razão (os princípios deidentidade, contradição, do terceiro-excluído eda razão suficiente). A intuição não exclui autilização da razão, ao contrário, ambas sãoformas de inteligência complementares e estãopresentes nos diferentes processos cognitivos –sejam eles artísticos e/ou científicos.

A imaginação, a intuição e a razão, juntas,produzem relações complexas que levam à emo-ção criadora, que produzem uma alegria que fazo corpo vibrar. Essa alegria é diferente do prazermomentâneo, ilusório, pois serve para a conser-vação e invenção da vida, pois onde há alegria,

há criação. Quanto mais rica a criação, mais pro-funda é a alegria, seja na dimensão artística, ci-entífica, moral, existencial ou intelectual. ParaBergson, o élan da vida está na criação, não estána serialização e na repetição do conhecimentosem crítica. Está no movimento e não nas formascristalizadas do saber e na paralisação em fórmu-las de ensino desgastadas e ineficientes.

Nesse sentido, os três teóricos se aproxi-mam, pois falam (a partir de conceitos diferen-tes) de uma mesma coisa, de uma mesma forçainventiva que recria a vida. Isso pode ser iden-tificado no conceito de “conatus” na obra deEspinosa, das paixões alegres proporcionadaspelo discernimento que o conhecimento traz.Como também no conceito de “duração” ou naideia de evolução criadora da vida na obra deBergson. Ou ainda no conceito de “eterno retor-no” ao que nos dá prazer, nos alimenta e amplianossa vontade de potência (em Nietzsche).Estamos sempre falando de uma forma positiva,criativa, inventiva de produzir conhecimento,seja no campo artístico ou científico.

Nossa proposta de conciliar a arte com oensino de ciências, portanto, enquadra-se nessaperspectiva de criar estratégias pedagógicas quemobilizem pelo prazer, pela emoção e que valo-rizem a imaginação, a intuição e a criatividade.Que criem mecanismos de conexão dos alunoscom o seu próprio desejo, fazendo-os perceberque tanto o trabalho artístico quanto o científi-co são formas de expressar a criatividade, deinventar novas possibilidades, de ampliar a percep-ção da realidade e de conceber novas leituras domundo. Intuição e razão, criatividade e precisão,prazer e reflexão, corpo e mente, arte e ciência,não são pares opostos, são antes dimensões com-plementares da existência.

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Anexo

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Recebido em 12.02.09

Aprovado em 03.11.09

Francisco Romão Ferreira é graduado em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mestre emHistória e Crítica da Arte pela Escola de Belas Artes (UFRJ) e doutor em Ciências pela Escola Nacional de Saúde Pública,Fundação Oswaldo Cruz.

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