ciência da administração - cap. 2

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2. A Administração Pública como Objecto de Estudo

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Esta obra constitui doutrina jurídica na área de Administração Pública e Boa Governança.

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Page 1: Ciência Da Administração - Cap. 2

2. A Administração Pública como Objecto de Estudo

Page 2: Ciência Da Administração - Cap. 2

SUMÁRIO

Objectivos da Unidade

2.1 Gestão

2.2 Administração

2.3 Ciência da Administração em Sentido Lato

2.4 Ciência da Administração em Sentido Estrito: Objecto de Estudo

2.5 Autonomia da Ciência da Administração

2.6 Itinerário da Ciência da Administração

2.7 Origem da Ciência da Administração

2.8 A Perspectiva Gestionária: Managerialismo

2.9 AReinvenção da Governação

2.10 O Novo Serviço Público

Teste Formativo

Respostas às Actividades

Respostas ao Teste Formativo

Leituras Complementares

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Page 3: Ciência Da Administração - Cap. 2

Objectivos da Unidade

No final do processo de aprendizagem desta unidade o estudante deestar apto a:

• Relacionar gestão pública e gestão privada.

• Distinguir a ciência da administração em sentido lato e em sen -estrito.

• Identificar a especificidade da administração pública.

• Identificar as três perspectivas sociológicas da gestão.

• Distinguir gestão e administração.

• Identificar o papel do gestor.

• Explicar o objecto de estudo da ciência da administração.

• Indicar o itinerário da ciência da administração.

• Discutir a autonomia da ciência da administração face às restan;ciências sociais.

• Relacionar a "nova administração pública" com a "reinvençãogovernação" .

• Elaborar um projecto de pesquisa em ciência da administração.

• Distinguir um estudo científico sobre a administração pública deestudo de ciência da administração.

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I Mike Reed, The Sociology ofManagement. New York [etc.]:Harvester wheatsheaf, 1989.O autor desmonta nesta obraesta imagem estereotipada dagestão.

2.1 Gestão

Desde o início do século XX e particularmente após a Segunda GuerraMundial, devido aos escritos e à acção pessoal e pedagógica, em especialde Peter Drucker, a direcção das organizações vem sendo objecto de estudosde análise e de sistematização, por parte de investigadores que dão origema novos modelos conceptuais que constituem um novo corpo organizadode conhecimentos, uma disciplina acadérnica, habitualmente designada porgestão.

Encarada, por vezes, como conjunto de ferramentas analíticas ou comoconjunto de técnicas e truques, a gestão define regras que permitem estabelecerconexões de causa e efeito, a partir de uma sucessão de casos anteriores. Defacto, as orientações para a acção, que propõe, vêm conseguindo resultadospositivos na vida das empresas, acabando por conformar o modo como asorganizações são dirigidas e por confirmar a validade dos pressupostos.

No entanto, outros autores defendem uma perspectiva diferente, considerandoa gestão como uma arte, pelo facto de corresponder a uma actividade quetem que ver com seres humanos, com motivações e projectos variados einteractivos, que não se enquadram em regras fixas que permitam preverconsequências inevitáveis dos respectivos pressupostos.

o que é curioso, contudo, é que aparecem convergências entre as duas linhas,que apontam para a validade de um tratamento científico, embora compressupostos mais alargados, exigindo o estudo da acção humana livre.

Esta acção humana começa quando duas ou mais pessoas têm de produziralgo em conjunto, e a imagem mais conhecida da gestão corresponde a umconjunto de processos racionais que visam atingir objectivos instrumentais,através da mobilização de tecnologias organizacionais eficientes'.

A ideia de gestão que acabamos de apresentar, tanto se aplica à gestão dosector empresarial privado como do público.

o termo gerir tem origem na arte de manejar cavalos. Durante muitos anosgerir e administrar foram sinónimos e, ainda hoje, há cursos superiores, emPortugal, com designações de gestão e administração.

Todavia, o termo gerir tende a aplicar-se mais à actividade desenvolvida pororganizações empresariais - que visam o lucro, sujeitas às leis de mercado-,quer o seu capital social seja total ou parcialmente privado ou público.

Por gestão pública, em Portugal, entendia-se a actividade desenvolvida pelasorganizações empresariais do sector empresarial do Estado ou das Autarquias.As empresas cujo capital social pertence ao Estado ou às Autarquias, quer

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2 Veja-se a Lei 0.° 58/98 de 18de Agosto (Lei das EmpresasMunicipais, Intermunicipaise Regionais);Decreto-Lei n."408/82, de 29 de Setembro(Código das SociedadesComerciais); Decreto-Lein.? 260176, de 8 de Abril eDecreto-Lei n.075-Af77, de 28de Fevereiro (Lei das EmpresasPúblicas).

3 Vd. Christopher Pollit,Managerialism and lhe PublicServices: Cuts or culturalchange in. lhe 1990s. 2" ed.,Oxford: Blackwell Publi hers,Ltd., 1993, p. 1.

4 V. J. Perry e K. Kraemer,Public Management: Publicand Private Perspectiv es .California: Mayfield,1983. Citado por OavidFarnharn e Sylvia Hortoo,"Managing Private and PublicOrganisations" .in D. Farnhame S. Horton (ed.), Managinglhe New Public Services. 2nd

ed., London: MacMillao Press,Ltd., 1996, p. 25.

5 C. C. Hood, "Publicmanagement for Ali Season".Public Administration, 69,3-19; Vincent Ostrom, TheIntelectual Crisis in AmericanPublic Admi ni s t r atí o n,Alabarna: Alabama UniversityPress,1971.

6 Oliveira Rocha, Princípiosde Gestão Pública. Lisboa:Presença, 1991.

7 Mike Reed, The Sociologyof Management . New York[etc.]: Harvester Wheatsheaf,1989. p. 1-32.

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assumam a natureza de empresas públicas, quer de sociedades comerciais,integram-se numa designação comum de sector empresarial do Estado oudas Autarquias",

Todavia, há, actualmente, quem defenda que as recentes tendênciasnas organizações públicas conduziram a uma nova gestão pública(public management), diferente da tradicional administração pública eda gestão empresarial. Isto é a posição nascida do "managerialismo", ummovimento surgido na década de 80, nos países anglo-saxónicos e queadmite que uma melhor gestão é a solução eficaz para os males sociais eeconómicos'.

Alguns autores" advogam que esta gestão pública funde a administraçãopública tradicional com a orientação instrumental da gestão privada. Não é,porém, esse o sentido que queremos dar aqui à expressão gestão públicas.Em Portugal, Oliveira Rocha" defende que gestão pública e administraçãopública são conceitos que se sobrepõem.

o que é a gestão?

Será a gestão um processo racional de planeamento, organização, comando,coordenação e controlo?

Mike Reed' analisou o processo de gestão ao longo deste século, na tentativade identificar tal processo, e chegou à conclusão que há três perspectivasdiferentes: técnica, política e crítica. Isto significa que, para o autor, a ideiaque os especialistas e os práticos têm de gestão não é a mesma.

Na perspectiva técnica a gestão é um instrumento racionalmente concebidopara a realização de objectivos instrumentais. Esta perspectiva faz uso dateoria sistémica, e a sua estratégia de acção é a valorização da eficáciaorganizacional.

Na perspectiva política, a gestão surge como um processo social denegociação, para regulação do conflito de grupos de interesse, num meioenvolvente caracterizado por incertezas consideráveis acerca dos critériosde avaliação do desempenho organizacional. Esta perspectiva rompe coma racionalidade e a tendência determinista, implícita na perspectiva técnicaanterior. A gestão concentra-se nas transformações permanentes do equilíbriode interesses e de poder que se gera no quadro dos órgãos de gestão, o quepode gerar comportamentos não racionais dos actores envolvidos.

Na perspectiva crítica, a gestão surge como um mecanismo de controlodestinado à extracção máxima de mais-valias, que funciona para satisfaçãodos imperativos económicos impostos pelo modo de produção capitalista, e

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dro ideológico que permite obscurecer estas realidadesara terização dos processos e das estruturas de gestãoà abordagem marxista das organizações .

. a é claramente, a mais conhecida e de maior utilizaçãoI re ente nas diversas acções de formação ministradas.

lítica e crítica são mais conhecidas e utilizadas pelos- tem menor impacto na vida quotidiana das empresas e

re a Gestão

Modelode explicação

Teoria sistémica

TemáticaEstratégiade acção

nto racionalmente Valorização da eficáciada configuração orga-nizacional

~~CiCIlU\}:> para a realizaçãovo in trumentais

ocial de negocia-regulação de con-

grupo de interesse

Teoria da acção Aperfeiçoamentodas capacidades denegociação dos queexercem funções degestão

Teoria marxista Evitar, aos profissio-nais de gestão, visõesdistorcidas da reali-dade social

_:'':';~I!lSl[110 de controlo des-extracção máxima

Fonte: Mike Reed, ob. cit., p. 14.

é a gestão, podemo-nos interrogar sobre o que fazemuas funções e tarefas?

~-.:::.....-.~_~iez notar: "se perguntar a um gestor o que é que ele faz,_~_~._ resoonderá que planeia, organiza, coordena e controla. Em

ue ele de facto faz, e não fique surpreendido se não___ ..=;__ L::!.Z::~~ o que vê, com aquelas quatro palavras'".

.::==;:a::::d':~'-.. ".o gestor desempenha dez papéis integrados em três gruposerpe soais, informação, decisão. O papel interpessoal

~~:!i:: _ __ ~- ntação formal, ligação entre colegas e liderança dosI relativo à informação integra a monitorização, autor para o exterior. O papel de decisor envolve o de

. ia a mudança, o de controlador da perturbação, dec ta>ão de recursos e negociador".

8 Henry Mintzberg, "TheManager's Job Folklore andFact". Harvard Bus ines sReview. 53:4 (1975) 49; Nature01 Managerial Work. London:Harper& Row, 1973.

9 Nature 01 Managerial Work .London: Harper& Row, 1973.p.56-57.

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10 Christopher Pollitt, ob. cit.,p.5.

" Thornas J. Peters e RobertH. Waterman Jr., ln Search01 Excellence (Na Senda daExcelência). 2.' ed., Lisboa:Publicações Dom Quixote,1987.

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Normalmente as actividades de um bom gestor implicam:

- Estabelecimento de objectivos claros;

- Sua comunicação à organização;

- Afectação de recursos para que os objectivos sejam atingidos;

- Controlo de custos;

- Motivação do pessoal;

- Aumento da eficiência;

- Actuação estratégica e pró-activa."

Durante os anos 80, também se discutiu, bastante, a necessidade dos gestoresde topo formarem e gerirem culturas organizacionais conducentes a ummelhor desempenho, sobretudo após a publicação de ln Search of Excellencede Tom Peters e Robert Waterman 11.

A gestão não é apenas gestão de negócios (business). É parte integrante detodas as iniciativas humanas que reúnam numa organização pessoas comdiversos conhecimentos e competências. Tem de ser aplicada a todas asinstituições do sector terciário, como hospitais, universidades, associaçõesprivadas sem fins lucrativos, organismos públicos. Por todo o mundo a gestãotomou-se numa função social.

Actividade 2.1

Escreva, cerca de mil caracteres (uma página A4), respondendo, deforma fundamentada, à questão: Pode o Estado ser accionista de umasociedade anónima?

2.2 Administração

o termo administrar remonta às expressões latinas administratio e administrare. Os etimologistas não estão de acordo quanto à origem de administrare. Para uns seria ad manus trahere, sinónimos de trazer à mão,

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conduzir, servir e manejar. Segundo outros, derivaria de minister - o agente,auxiliar, o intermediário na realização de um serviço.

Têm sido atribuídos diversos sentidos ao termo Administrar. De acordo como Código das Sociedades Comerciais, as sociedades por quotas dispõem deconselhos de gerência, enquanto as sociedades anónimas têm conselhos deadministração. Esta diferença parece induzir uma certa hierarquia entre osdois termos: administrar seria uma actividade superior à de gerir. Por outrolado, e em sentido oposto à hierarquia anterior, quando se quer referir aactividades rotineiras fala-se em administração, como no exemplo: pessoaladministrati vo.

Administrar, durante o século XX, foi uma actividade vista como: ainterpretação das missões e objectivos fixados por quem de direito e a suatransformação em acção organizacional - produção de bens ou serviços -,através do planeamento, organização, direcção e controlo, de todos os esforçosrealizados, a fim de atingir tais objectivos.

Tem havido tentativas para determinar o que seja a actividade de administrare o seu significado e amplitude sofreram grande aprofundamento e ampliação.De entre as muitas definições desta actividade, uma das mais simples é a deGulick: "a administração tem a ver com fazer coisas; com a prossecução deobjectivos definidos". Administrar tem, efectivamente, a ver com fazer coisase alcançar objectivos, num contexto organizacional.

Vimos, no ponto anterior, que gerir e administrar têm sido sinónimos,designando ambos os termos a mesma actividade ou processo.

Por isso, não admira que o carácter instrumental e a convicção de que aadministração tem a ver com a prossecução de objectivos - apresentandoum carácter determinístico, racional e instrumental- seja, de resto, frequenteem gestão.

Assim, administrar é uma actividade que, tal como gerir, se expressa atravésda combinação de recursos, que dão entrada num processo de transformação,e saem sob a forma de bem ou serviço, num contexto organizacional.

Vale a pena lembrar que o termo organização tem origem no grego organon,que significa instrumento, utensílio. Ora, é com este instrumento chamadoorganização, que o "fazer coisas, prosseguindo um determinado objectivo",se transforma em administração. É que nem toda a acção destinada a obterum efeito é administração. Por isso, é compreensível que se encare aadministração como uma decorrência da teoria organizacional, como umprocesso que tem lugar no âmbito da actividade organizacional.

O que distingue o trabalho de administração do restante trabalho que temlugar numa organização, é o facto do trabalho de administração ter a ver

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• 2 Herbert Simon,Administrative Behaviour :A study 01 decision makingprocesses in administrationorgonization.A th. New York:Free Press, 2000 (1945),p.253.

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com o futuro. É ele que deve traçar o rumo geral, definir a visão a missão,e os objectivos globais da organização, condições para a sua sobrevivênciasaudável por longo prazo.

Se no sector privado os termos administrar e gerir são usados ao longo doséculo passado de forma mais ou menos indiferenciada, dependendo docontexto o sentido em que a expressão é utilizada, é certo que em Portugalsempre se usou e continua a usar a expressão "administração pública" comduas acepções bem distintas. Por um lado, um modo de organização específicae concreta (conjunto de instituições) que visa a prossecução do interessepúblico, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos doscidadão. Por outro lado, a acção de organizar, de impor o cosmos no caosque é objecto da teoria organizacional ou da sociologia das organizações.

Actividade 2.2

Encontre no texto e sublinhe o que é a administração para Gulick?

2.3 Ciência da Administração em Sentido Lato

A ciência da administração, em sentido lato, tem como objecto de estudotanto a administração privada como a pública e confunde-se, frequentemente,com a teoria organizacional.

Um bom exemplo de definição de ciência da administração em sentidolato encontra-se em Herbert Sirnon: "uma ciência da administração práticaconsiste em propostas, relativamente ao modo como os homens devem agir,se quiserem que da sua actividade resulte o maior grau de realização dosobjectivos administrativos" I 2 •

Simon integra-se num grupo de teóricos conhecidos por generics theoristsque pugnam por uma concepção unitária e homogeneizada da ciência daadministração, que esbate o que há de específico na administração públicaface à administração privada.

A ciência da administração, em sentido lato, não valoriza a instrumentalidadedo poder político, ou seja, o contexto político da actividade administrativa. Nãoconcede também qualquer especificidade no campo técnico à gestão financeira eorçamental pública, à gestão de recursos humanos no contexto público (funçãopública), ao planeamento público (nomeadamente nas vertentes de planeamentocentral, sectorial, regional e municipal), à produtividade pública, etc ..

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13 ldalberto Chiavenato,Introdução à Teoria Geralda Administração. São Paulo[etc.]: MeGraw Hill, 1980.

Em sentido lato, a ciência da administração confunde-se com a ciência dagestão, e não apresenta um corpo teórico diferente. A título de ilustração,referem-se dois casos de sistematização elaborados por dois autores,cujas obras têm sido ensinadas a diversas gerações de jovens de línguaportuguesa.

Em primeiro lugar, Idalberto Chiavenato!", que organizou a sua obraintitulada "Introdução à Teoria Geral da Administração", do seguinte modo:introdução à teoria geral da administração, primórdios da administração;abordagem clássica da administração; abordagem humanística; abordagemestruturalista; abordagem neoclássica; abordagem comportamental eabordagem sistémica.

Em segundo lugar, David R. Hampton'", que atribuiu à sua obra "AdministraçãoContemporânea" a seguinte estrutura: elementos da organização, motivaçãogrupos e organizações informais, tecnologia; planeamento, organização,direcção, controles, e mudança organizacional.

As diferenças que se podem verificar nos manuais de ensino prendem-se oucom as preferências pessoais dos autores, ou com as suas posições teóricas,em termos de modelos ou paradigmas científicos seguidos. É o caso de quefalámos das três perspectivas identificadas por Mik:e Reed", sobre o ensinoe investigação em gestão.

Todavia, a administração pública possui especificidades face à administraçãoprivada, derivadas do contexto político da sua actividade (dependência dosórgãos políticos, representativos da comunidade) e da sua missão (assegurara satisfação de necessidades colectivas)".

Por isso, os termos administrar e administração, no âmbito desta obra e apartir deste momento, serão reservados para designar actividade e processos,desenvolvidos por organizações públicas de tipo não empresarial.

Actividade 23

Que defendem os generics theorists? (Compare o que escreveu coma resposta que se encontra no final da unidade).

2.4 Ciência da Administração em Sentido Estrito: Objecto de Estudo

A ciência da administração, em sentido restrito, trata do estudo científicoda administração pública, como entidade no seio da qual se desenvolvem

14 David R. Ha m p t o n ,Administração Contem-porânea, 3.' ed .. São Paulo[etc.]: MeGraw Hill, 1992.

15 Mike Reed, ob. eit..

16 João Bilhim, "Administraçãodo Território e Regionalização",in ISCSP-9Q anos: 1906-1996.Lisboa: ISCSP, 1996, p. 249--269.

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17 1. Stewart; S. Ranson,"Management in the PublicDomain". Public Money andManagement. 8:2 (1988) 13-19.

18 Freitas do Amaral, Cursode Direito Administrativo,VoI. I, Coimbra: Almedina,1993. p. 41.

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actividades administrativas, destinadas à satisfação de necessidades colectivas.A satisfação de necessidades colectivas pela administração pública confere-lhe uma especificidade: dependência instrumental do poder político.

A sujeição da administração pública ao poder político afasta-a do âmbitoda administração privada, que está marcada pelo mercado e suas leis. Aadministração privada prospera e fracassa com o mercado. O mercadoemite sinais onde há carências e onde há excedentes desnecessários. Sãojustamente os incentivos e as penalidades um estímulo à invenção e aoaperfeiçoamento.

Nem Adam Smith, nem os seus sucessores, salvo raras e extremasexcepções, acreditavam que a actividade pública, no seu total, devia serda responsabilidade do mercado. Há lugar para o Estado e as Autarquias,pelo menos, suprirem as carências de mercado e desenvolverem actividadespúblicas, quer sob a forma de prestação de serviços, quer de regulação.

A administração pública actua num contexto de constrangimentos jurídico--formais, que sobrepõe os aspectos processuais, o "como deve ser feito" ,aosobjectivos ou "o que deve ser feito".

A administração privada está sujeita à lei da falência, ou seja, morte daactividade organizacional, ao passo que a administração pública, por razõesde ordem política, nomeadamente o preço, pode continuar a sobreviver àcusta de fundos públicos e através de dotações orçamentais. O poder políticopode sustentar uma actividade de administração pública, independentementedo seu êxito ou fracasso.

Diversos autores'? apontaram diferenças entre a administração privada e aadministração pública. Para o Prof. Freitas do Amaral", "embora tenhamem comum o serem ambas administração, a administração pública e aadministração privada distinguem-se todavia pelo objecto sobre que incidem,pelo fim que visam prosseguir, e pelos meios que utilizam".

Quanto ao objecto, a administração pública trata das necessidades colectivas,assumidas como tarefas e responsabilidades próprias da colectividade, aopasso que a administração privada trata das necessidades individuais.

Quanto ao fim, a administração pública prossegue o interesse público,enquanto a administração privada prossegue fins particulares, pessoais.

Quanto aos meios, a administração pública utiliza o comando unilateral,quer a forma de acto normativo (regulamento administrativo), quer a formade decisão concreta (acto administrativo). Pelo contrário, a administraçãoprivada usa o contrato civil - instrumento jurídico típico da administraçãoprivada -, baseado no princípio da igualdade das partes.

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19 D. Farnham; S. Horton, ob.cit., p. 45.

L. Willcocks e J. Harrow procuraram, também, diferenciar os serviçospúblicos do sector privado, tal como podemos ver abaixo:

Principais diferenças entre os serviços públicos e o sector privado

Serviços Públicos Sector Privado

Regulamentação; códigos de conduta Conselho de administração; enquadramentocondicionado pelo planeamento da empresa

ecessidades provindas da gestão da Indicadores do mercadoeconomia nacional

Relativa transparência da administração Relativo secretismo; ênfase sobre a confi-e da tomada de decisão -, ênfase sobre os dencialidade do negóciorepresentantes

Público atento; uma base ampla de multi- Foco primordial nos accionistas e na gestão-interessados (stakeholders); impacto de stakeholders; impacto de corposcorpos reguladores subsidiários

Múltiplos valore e objectivos: Serviço; 5. Relativamente restritosInteresse público; Equidade; Profissio-nalismo; Participação do utente; Trocascomplexas

Fonte principal de recursos: impostos Fonte principal de recursos: receitas opera-cionais e empréstimos

Ampla responsabilidade Responsabilidade restrita

Dar resposta às orientações políticas e aosNão há uma sobreposição politica nacional:/

horizontes de curto prazolocal real; menos constrangimentos artificiaisem tempo

Objectivos sociais primordiais, ex. segu- Objectivo primordial: lucrorança, saúde, educação, entre outros

Fonte: Adaptação de Willcocks e Harrow, ob. cit., p. XXI.

As diferenças entre os serviços públicos e os privados resultam de factoresúnicos e específicos inerentes às organizações públicas, e que restringem asua descrição, estruturas e estilos de gestão. Estes factores incluem:

• Controlo por políticos eleitos;

• Enquadramento legal destinado especificamente aos serviçospúblicos;

• Relativa abertura;

• Responsabilidade perante uma série de garantias do interesse público".

As diferenças entre a gestão nas organizações privadas e nas públicasresultam, em última análise, dos respectivos contextos e orientações.

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20 João Bilhim, "Ciênciada Administração: Relaçãopúblico/privado", in AntônioTavares (Coord.), Estudo eEnsino da AdministraçãoPública em Portugal. Lisboa:Escolar Editora, 2006.

21 Ferre] Heady, PublicAdministration, 4th ed .. NewYork: Marcel Dekker, lnc.,1991, p. 2.

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Contexto e Orientação do Sector Privado e do Sector Público

Satisfação das exigências políticas,como um como meio para a integraçãopolítica e estabilidade social

Sector Privado Sector PúblicoContexto Dirigido pelo mercado Dirigido pelos políticos

Orientação Satisfação das necessidadesdos clientes como meio para sealcançar lucros

Fonte: Adaptação de D. Farnbam e S. Horton, ob. cit., p. 4-

Em resumo, a Adrrúnistração Pública enquanto Estado-administração, pessoacolectiva pública e Administração do Estado, que integra diversas pessoascolectivas públicas, distingue-se das restantes organizações em dois pontoessenciais: pertença obrigatória dos cidadãos ao Estado-administração; oEstado dispõe de poderes de coacção (jus imperium) e privilégio de execuçãoprévia, exerce-os sem precisar da aquiescência dos indivíduos.

Estas duas características serão suficientes para fundamentar uma diferençaessencial entre a administração privada e a pública?

Se entendermos a administração como um conjunto de padrões formais einformais de comportamento e processos que regem o comportamento doindivíduos que integram aAdrrúnistração do Estado (sistemas de remuneração.de incentivos e restrições, mecanismos de coordenação e supervisão, fluxode informação, relações hierárquicas) a resposta deve ser negativa".

Os problemas da administração pública podem ser analisados e solucionadocom o apoio dos conceitos, modelos e técnicas em uso na administraçãoprivada. A administração pública é essencialmente administração (decisões decoordenação e motivação, destinadas a obter resultados através do cooperaçãodos outros indivíduos, utilizando recursos materiais escassos).

Não são a complexidade, o tamanho, a sua natureza hierárquica traçoespecíficos e muito menos essenciais da administração pública. Háorganizações privadas grandes, complexas e hierárquicas.

A diferença entre a adrrúnistração privada e a ppblica situa-se fundamentalmenteao nível do enquadramento. De facto, a adrrúnistração pública tem lugarnuma envolvente particular e específica de restrições impostas pelo carácterjurídico-político que a envolve. A Adrrúnistração Pública está marcada pelasupremacia do direito e da natureza política dos seus fins.

Deste ponto de vista, faz tanto ou mais sentido escrever um manual ou ensinaradministração pública como administração das instituições financeirasindustriais, de serviços, etc. "É um aspecto de um conceito mais geral - aadministração - cuja essência é descrita como conjunto de acções destinadasà obtenção de um determinado resultado ou atribuições'?'.

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Será que a Administração Pública Portuguesa mudou nos últimos vinte anos?O seu verdadeiro significado mudou profundamente. É que a Administraçãoperdeu uma força laboral composta por trabalhadores pouco qualificadose ganhou em contrapartida uma força de trabalhadores e funcionários doconhe.cimento, em certos casos altamente qualificados. Isto teve comoconsequência que muitas das suas funções, atribuições e competências foramalteradas por força daquela alteração demográfica.

Actividade 2.4

Compare a razão de ser da política e da ciência da administração.

2.5 Autonomia da Ciência da Administração

Não existe, ainda, um acordo total entre os cientistas sociais, acerca daadministração pública poder constituir uma ciência autónoma, integrada nafamília das ciências sociais.

Para alguns destes cientistas sociais os estudos científicos da administraçãopública sobrepõem-se, total ou parcialmente, com a Teoria Organizacional,com o Direito Administrativo e, ainda, com a Ciência Política.

Na Europa Continental houve um predomínio do método jurídico nos estudossobre a administração pública. Esta hegemonia do direito administrativo tevecomo consequência a..§obrevalorizacão dos aspectos normativos e a ocultaçãoda teoria e comportàmento organizacionais.

Nos Estados Unidos da América e em Inglaterra passou-se o mesmofenómeno, mas com sinal contrário. Valorizando-se os aspectos ligados aopoder e ao comportamento organizacional, ignoraram os aspectos formaise legais.

Mas qual é o corpo teórico da ciência da administra~ Qual é a.§!lamatrizteórica, entendida esta como conjunto organizado de conceitos e relaçõesentre conceitos referidos directa ou indirectamente ao real? As respostas aestas perguntas não são fáceis. Por isso, não descobrindo tal corpo teórico,há quem defenda que a ciência da administração, em sentido lato, ou emsentido restrito, não passa de uma pura aplicação da ciência.

Para suprir esta carência há quem lance mão do contributo de outras ciênciase reúna, num todo, os contributos para o conhecimento, a compreensão e_. -

a explicação do fenómeno administrativo. É, em nosso entender, o caso de

LfI (9 35

Page 15: Ciência Da Administração - Cap. 2

22 David H. Rosenbloom,"Public Administration Theoryand the Separation of Powers",Public Administration Review.43 (1983),219-227.

23 Dwigbt Waldo, "Th eperdurability of Politics-Administration Dichotomy inJack rabin; James s. Bowman",Politics and Administration:New York: marcel Dekker,Inc., p. 219-233.

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Rosenbloom", para quem a teoria da administração pública deve integrar(assemble) três abordagens distintas - gestionária, política e legal -, paraque haja um efectivo corpo teórico.' , ..--

Para Dwight Wald023 , num trabalho sobre o pensamento de Woodrow Wilson- pai da administração pública dos estados Unidos da América -, "o queWilson estava tentando fazer com o estudo da administração pública era umacombina~ão da política, do direito público e da gestã?, tudo isto iluminadopela história e pelos estudos comparados".

Para Freitas do Amaral, a Ciência da Administração apres~nta três perspectivasdiferentes, que se conjugam: uma de análise (sociologia da administração);uma de construção teórica (teoria da administração); uma de proposta crítica(reforma admmistratIva).

A ciência da administração tem, até ao presente, integrado contribuições dediversas ciências sociais, e estas têm estudado a administração pública a partirde ângulos de visão próprios e, simultaneamente, diversos uns dos outros.Todavia, todas as ciências sociais se preocupam em explicar, articuladamente,a relação entre conduta humana e as condições materiais e simbólicas quedela resulta e por sua vez a determina.

Fruto deste enorme contributo, os pais fundadores da Ciência da Administraçãosão, igualmente, de outras ciências sociais, tais como: Max Weber, sociólogoe economista; Pierre Grémion, sociólogo; Pierre Langrod e Goodnow, juristas;Gaus, politólogo; entre outros. Significa isto que não estão ainda devidamentereconhecidas pela comunidade científica, a existência de uma agenda deinvestigação, a formulação de urna problemática teórica específica e umametodologia firme, que ilumine os passos da pesquisa.

Já existe, todavia, há vários anos, ensino sobre a administração pública erevistas específicas, onde são divulgados trabalhos sobre este terna na ópticadas ciências sociais. Estão reunidas as condições para que novos cultorespossam surgir neste campo.

Em Portugal, as Faculdades de Direito trataram o tema da administraçãopública no âmbito exclusivo do direito administrativo, seguindo, naturalmente,o método jurídico. Pelo contrário, a escola que teve a seu cargo a formaçãode administradores para o antigo ultramar português e, no pós 25 de Abril,a formação de gestores e administradores públicos - o Instituto Superior deCiências Sociais e Política Ultramarina - adoptou um modelo mais próximodo americano, inspirado na Universidade de Colúmbia.

No final do século XX, a Ciência da Administração tende, no nossoPaís, a surgir autonomamente no interior das ciên~ias sociais. Para tal,tem contribuído o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, da

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Universidade Técnica de Lisboa, as Faculdades de Direito, a Universidade doMinha e a Universidade Aberta e muitas Escolas que integram os InstitutosPolitécnicas do País.

A ciência da administração é interdisciplinar, circunstância que lhe confereambiguidade e riqueza. Trata-se de uma ciência aplicada que lança mão deparadigmas de diversas áreas do conhecimento para adaptar a um determinadocontexto.

o seu objecto mantém-se como gestão dos assuntos públicos, pese emboraa sua evolução ao longo do tempo e entre países. Há relativo consensosobre quais as áreas científicas que integram a ciência da Administração:Direito Administrativo, Teoria e Comportamento Organizacional, Teoriasda Administração Pública, Gestão pública e Políticas Públicas, Missões ouFunções do Estado, Economia Pública. Acresce que, actualmente, há umcrescente interesse pelas teorias da escolha pública e da decisão.

Em Portugal e na Europa Continental, está em curso uma aproximaçãoà perspectiva americana do Management, pese embora o facto de talaproximação respeitar e salvaguardar a legalidade, a legitimidade e umconjunto de imperativos constitucionais.

Actividade 2.5

o que é que todas as ciências sociais tentam explicar?

2.6 Itinerário da Ciência da Administração

A Ciência da Administração teve uma origem e insere-se na evolução dosestudos de cameralismo dos séculos XVII e XVill.

o cameralismo é uma designação genérica para classificar um conjuntode escritos heterogéneos, sobre a administração pública, elaborados numaperspectiva prática e sem preocupação científica, na sua maioria de autoresalemães.

Os historiadores não estão de acordo sobre qual o autor que esteve na origemda transformação do cameralismo numa verdadeira ciência. Para Langrod,foi Sonnenfels e para Small terá sido Justi".

No século XIX, a divulgação do princípio da separação de poderes, e o êxitodo Estado liberal, levaram a que a ciência do direito administrativo adquirisseuma posição hegemónica nos estudos dedicados à administração pública.

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24 João Caupers, A. Adminis-tração Periférica do Estado:Estudo de Ciência da admi-nistração. Lisboa: Ed. Notícias,1994. p. 21; Sousa Franco,Manual de Finanças Públicase Direito Financeiro, Vol. I,Lisboa, 1974, p. 216.

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25 João Caupers, A Adminis-tração Periférica do Estado:Estudo de ciência da admi-nistração. Lisboa: Ed. Notícias,1994, p. 21.

26 Cfr. Wilson's Era:"Philosopby and Times inJack Rabin e James Bowman".Politics and Administration.Nova lorque: Marcel Dekker,Inc. 1984, p. 17-49.

27 Cfr. Georges Langrod, LaScience et /' Enseignement del' Administration Publique auxÊtats-Unís. Paris, 1954, p. 41

28 Lutlier Gulick & Lyndall F.Urwick (ed.), Papers on theScience of Administration,Nova Yorque: ColumbiaUniversity, Institute of PublicAdrninistration, 1937.

29 Cf. Gareth Morgan, lmagesof Organization . Londres:Sage, 1986, p. 19-39.

38

Foi neste ambiente marcado pelo direito administrativo que Lorenz VonStein, autor hoje aceite como fundador da moderna ciência da administração,escreveu a sua monumental obra "Verwaltungslehre", publicada entre 1865e 1884.

Von Stein defendeu, uma tendência dominante no seu tempo e que viriaainda a persistir durante décadas, contra o carácter unitário da ciência daadministração.

A este propósito, escreveu João Caupers: "Stein, lutando isoladamente contraa vaga de fundo do direito administrativo, contra nomes respeitados comoOrlano, Otto Mayer e Laferriêre, não pôde obstar ao eclipse que a ciênciada administração já então atravessava't".

Nos E. U., A. a Ciência da Administração nasceu marcada pelo conceitode sociedade industrial e por um sentimento, fortemente antijurídico esem grandes pontos de contacto, com o pensamento europeu, apesar daproximidade cronológica das suas produções.

Para outros autores, o estudo de Woodrow Wilson" sobre "The Study ofAdministration" e as suas lições sobre administração na Universidade deJohns Hopkins, correspondem ao nascimento da disciplina da administraçãopública, na América.

Outros, ainda, entendem que é a obra de Frank Goodnow, "Politics andAdministration", publicada em 1890, que marca o verdadeiro início dosestudos científicos sobre ~ administração pública".

Leonard White publicou, em 1926, a sua "Introduction to the Study ofPublicAdministration" e 1927 foi o ano em que William Willoughby deu ao prelo"Principies of Public Administration".

A substantiva intervenção do Estado no sector económico, na década de 30do século passado, esteve na origem da publicação de um número muitosignificativo de obras. Em 1935 "Public Administration", de John Pfiffnere, em 1937, os "Papers on the Science of Administrationí+, por exemplo.

Esta última publicação reúne as contribuições de autores que publicavammatérias ligada à gestão em geral e hoje classificadas como integrando ametáfora mecanicista", entre os quais L. Urwick, J. Mooney, M. Dimock eL. Gulick.

Não há dúvida de que, até à Segunda Guerra Mundial, a Ciência daAdministração apresentou um nível de desenvolvimento mais avançado nosEUA que na Europa.

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30 Henri Fayol, AdministrationIndustrielle et Générate -Prévoyance, Org anisatiot ,Commandement, Coordination,Controle. Paris: Gatithier--Villars (1916),1981.

Do lado europeu há duas excepções: o francês Henri Fayol (1841-1925)30,e oalemão Max Weber (1864-1920)31,que ficou conhecido mundialmente a partirda sua tradução para inglês, pela mão de um americano, Ta1cott Parsons.

Weber representa um papel de grande destaque no pensamento das ciênciassociais, desde a sociologia à economia, e na gestão salientou-se pela formacomo caracterizou as organizações de tipo burocrático. As suas ideiasencontram-se, porém, muito próximas das de F. W. Taylor (1856-1915)32.Ambos defendem um modelo organizacional mecanicista, marcado pela:previsibilidade, racionalidade, controlo e impessoalidade.

Henri Fayol também não esteve distante do grande organizador da indústriaamericana no início do século XX, Taylor. O autor francês, dando mais ênfaseà estrutura e ao poder formal do que às funções e tarefas, representou paraa organização administrativa o que Taylor significou para a organizaçãoindustrial.

Nos EUA, o pós-guerra permitiu lançar um novo e mais intenso dinamismonos estudos sobre a ciência da administração, de que o ano de 1947 éexpressão. Nesse ano, Simon" desenvolveu a sua teoria da racionalidadelimitada, pondo em causa o princípio basilar do modelo mecanicista eRobert Dahl publicou o importante artigo intitulado "The Science of PublicAdministration: Three Problems"?',

Ainda nos E.U.A. Wald035introduziu uma nova perspectiva sobre os estudosda Administração Pública, até então marcados pela preocupação da eficiênciae, nessa medida, numa óptica comum à da administração privada. Tendoestudado na Europa, o autor tomou-se mais sensível às questões da relaçãoentre a administração pública e a política.

Assim, as questões relacionadas com a medição da produtividade e o retomodo investimento público têm, na sua opinião, de entrar em linha de conta coma valorização dos aspectos de "serviço público" que, em geral, os estudossobre a administração privada não têm que ponderar.

Os anos cinquenta são marcados pela publicação de: "The Study of PublicAdministration", de Waldo, em 1955, e "The Bureaucracy in ModernSociety" de Peter Blau, em 1956.

A década de sessenta vê aparecer "Administrative Organization" e "PublicAdministration" de Pfiffner, respectivamente, em 1960 e 1967.

Howard McCurdy, num estudo feito com base nas vinte obras mais citadasnos EUA, em dois períodos de transição, da década de sessenta para a desetenta e desta para a de oitenta, conclui que, no primeiro período, houve umforte abrandamento das temáticas da administração pública e, no segundo,um fortíssimo incremento dos temas da Ciência da Administração.

31 Max Weber, Social andEconomic Org anis ations .Londres: Free Press, 1947.

32 Frederick W. Taylor, ThePrincipies o] Sc i e n t ifi cManagement. Nova Yorque:Harper & Row, 1911.

33 Veja-se G. Morgan, Imageso] Organization, Londres:Sage, 1996, pp. 81-84; HerbertSimone outros, PublicAdministration. Nova Yorque:Alfred A. Knopf, 1950.

34 Robert Dahl, "The Scienceof Public Administration:Three problems". PublicAdministr ation Review. 7(1947), p. 1-11.

35 Dwigbt Waldo, TheAdministrative State, 2.' ed.New York: Holmes and Meier0949),1984.

39

Page 19: Ciência Da Administração - Cap. 2

di

Na Europa, a Ciência da Administração está ligada à matriz do Estado nação,daí o seu pendor mais jurídico. O seu renascimento teve lugar na década desessenta, como resultado da acção de dois franceses: Georges Langrod eRoland Drago.

Langrod publicou uma vastíssima bibliografia, com destaque para o "Traitéde Science Administrative", em 1966. Drago publicou "Les Missions deI'Administration" e foi quem assegurou, no início da década de sessenta, acadeira de Ciência da Administração, em Paris.

Na década de setenta foram publicados três manuais que merecem serassinalados: "lntroduction à la Science Administrative", de Bernard Gournay,"Science Administrative", de Charles Debbasch, e "Science Administrative"de J. Chevallier e D. Loschak.

Numa perspectiva mais sociológica, será de destacar, em França, oscontributos de Michel Crozier e lsabelle Orgogozo.

Em Portugal, no século XIX, merecem destaque as seguintes obras:"Instituições de Direito Administrativo Português", de Justino de Freitas,publicado em 1861, e "Estudos de Administração", de Lobo d'Ávila, em1874. São, no fundo, manuais de direito administrativo, embora o livro deLobo d' Ávila integre matérias que poderiam constar no índice de um manualde ciência da administração.

Na obra "Curso de Sciência da Administração e Direito Administrativo",publicada já no século XX, o autor, Guimarães Pedrosa, parece ultrapassaros conteúdos e a visão estritamente normativos e jurídicos do tema, emboraa Ciência da Administração apareça, ainda, como subsidiária do Direito.

Marcello Caetano, Afonso Queiró e Freitas do Amaral, embora nas suasobras não seja abordada a ciência da administração, não deixam de dedicarao tema algum tempo. Esforçaram-se, também, por distinguir a ciência daadministração do direito administrativo e por incentivar a emergência, emPortugal, da ciência da administração, como ciência social autónoma.

Mais recentemente, a Universidade do Minho, as Faculdade de Direitoe a Universidade Técnica de Lisboa atribuíram umas duas dezenas dedoutoramentos nesta área científica e centenas de dissertações de mestradojá foram aprovadas. A Ciência da Administração, enquanto ciência daadministração Pública ganhou finalmente o seu espaço e muitos profissionaisestão a ser lançados no mercado de trabalho.

40

..••.

Page 20: Ciência Da Administração - Cap. 2

Actividade 2.6

Caracterize a ciência da administração nos Estados Unidos da Arnéricae na Europa.

2.7 Origem da Ciência da Administração

Já vimos que a Ciência da Administração tem uma dupla origem. E apresentadois tipos de investigação diferentes. O primeiro, europeu, que tem muitoa ver com a Administração Pública, concebida como instrumento de acçãodo Estado. O segundo, que aparece tardiamente nos Estados Unidos, é umaciência que se interessa pela organização e transcende as fronteiras entre opúblico e o privado.

A emergência destas concepções deu origem às duas tradições existentes naciência da administração. Não há dúvida, porém, que ambas têm a ver com ocontexto sócio-político bem característico que está subjacente a cada uma.

No primeiro caso, é a construção de um "Estado de Nação", na Europa.No segundo, o desenvolvimento do conceito de "sociedade industrial", nosEstados Unidos".

A partir dos anos sessenta destacam-se na ciência da administração trêsconcepções diferentes:

a) Uma concepção jurídica: marcada pelo objectivo de conhecer asestruturas de funcionamento da administração pública, a partir dapesquisa documental.

b) Uma concepção gestionária: voltada para a investigação e imple-mentação das técnicas de gestão mais eficazes, que não se limita àadministração pública e não vê razões para a existência de fronteirasentre o sector público e privado.

c) Uma concepção sociológica: que investiga o fenómeno administrativo,com recurso às técnicas específicas da sociologia, em particular oinquérito sociológico.

Perspectiva Jurídica

Segundo a concepção jurídica, o objecto da ciência da administração é,apenas, a administração pública, considerada com uma instituição específica

36 Jacques Chevalier, ScienceAdministrative, 2.' ed., Paris:PUF,1994.

41

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e diferente de outro tipo de organização. Nos países europeus é a ela que osjuristas se referem e a mesma é objecto de estudo nas escolas de direito dosrespectivos países.

Em geral, os seus defensores não confundem "ciência da administração" com"direito administrativo", encarando a primeira como uma ciência positiva, ea segunda como uma ciência normativa.

Com excepção da Inglaterra, a perspectiva jurídica tem sido a abordagemmarcante em todos os países europeus. A sua ligação está, claramente,patenteada no facto de se localizar nas faculdades de direito europeias umacadeira ou uma licenciatura com o nome de Ciência Administrativa ou Ciênciade Administração.

Por outro lado, o imperativo do direito sobre a ciência da administraçãorevela-se, ainda, no facto de desempenhar um papel importante nesta ciência,já que ocupa um capítulo onde se distingue a ciência da administração dodireito administrativo. Este último, encarado como disciplina normativa,fundada sob os métodos da lógica formal, e a ciência da administração vistacomo disciplina positiva, que tem por objecto a administração tal e qual ela é.

Apesar desta separação, em geral admitida, nem por isso a ciênciada administração deixa de ser tributária dos esquemas do direitoadministrativo.

É, ainda, a partir de critérios de tipo administrativo, que se institui o próprioobjecto da ciência da administração, ou seja, ela trata da administraçãopública, enquanto titular de um estatuto específico, e da sujeição a um regimejurídico que se afasta, e muito, do regime de direito comum.

Mesmo a distinção entre a administração e a política é estabelecida a partirde textos da Constituição e não se efectua, portanto, uma separação a partirde critérios próprios da ciência da administração.

A importância do direito está ainda presente no método utilizado pela ciência daadministração, na perspectiva jurídica. Ora como sabemos, a ciência do direitousa, fundamentalmente, o método dedutivo, ou seja, a partir de uma regraprocura examinar as condições da sua aplicação. Só com muita dificuldade éque os juristas procuram, por exemplo, fazer investigação empírica.

Nesta perspectiva, a Ciência da Administração ainda se mantém, claramente,com uma impressão característica da ciência do direito, podendo mesmoconsiderar-se como um prolongamento desta.

42

Page 22: Ciência Da Administração - Cap. 2

Perspectiva de Gestão

Uma segunda concepção é a concepção de gestão, que difere da anterior aoprocurar fazer uma assimilação da administração e da gestão. O seu objectivoé bastante pragmático, na medida em que procura descobrir, e pôr em marcha,métodos mais racionais e eficazes de organização.

Assim, a ciência da administração parece confundir-se pura e simplesmentecom a gestão. Todavia, esta perspectiva não deixa de reconhecer, naadministração pública, a existência de certos particularismos administrativos,que não se encontram no campo das empresas privadas.

Nesta perspectiva, a ciência da administração tende a transformar-se no ramoda gestão que tem aplicação na gestão pública. Haveria assim um troncocomum de gestão, que subdivide-se em dois ramos, um voltado para a gestãoprivada e o outro para a gestão pública.

Quanto à finalidade, a gestão é bastante utilitária e claramente operacional.A sua ambição é definir as melhores regras, normas e preceitos, com o fimde permitir às organizações, com o máximo de eficácia, atingir os objectivosque fixaram. Em princípio, a gestão lida com a optimização da relação entreutilização de recursos e resultados.

Todavia, a gestão não se limita apenas a ser um conjunto de receitas sobrea melhor forma ou, dito por outras palavras, a forma mais eficaz de gerir.Há uma dimensão, teórica e conceptual, onde estas práticas se ligam com arepresentação da realidade que se quer científica.

De qualquer forma, a gestão permanece com uma preocupação fundamental,que é a de encontrar as condições óptimas de realização e de articulação deoperações, nomeadamente, planear, organizar, gerir e controlar, no sentidode obter a maior eficácia, os melhores resultados.

Mesmo para esta perspectiva de gestão, a administração pública possui umconjunto de particularismos que, de alguma forma, se distinguem do sectorprivado, ou seja, uma coisa é assimilação outra é uma aproximação.

Embora - como vimos -, se reconheça que existem estes particularismosno sector público, não existe unanimidade acerca do grau de especificidadedestes particularismos. Para uns, a Administração Pública tem um conjuntode instrumentos de acção idênticos aos da gestão privada e apenas as escolhasestratégicas divergem, em razão das diferentes objectos de estudo. Paraoutros, a gestão pública deve forjar instrumentos próprios de gestão e evitarqualquer imitação das empresas privadas.

43

Page 23: Ciência Da Administração - Cap. 2

44

Perspectiva Sociológica

Uma terceira concepção é a concepção sociológica, que tem três tipos deinvestigadores e de defensores.

Um primeiro tipo constituído por pessoas da Ciência Política (politólogos),que se interessam fundamentalmente, no quadro dos trabalhos da SociologiaPolítica, pelo actor administrativo.

Se é verdade que a Ciência Política abandonou, durante muitos anos, asquestões ligadas à administração, ela acabou por descobrir que a administraçãoé um aspecto primordial da actividade do Estado. Esta descoberta deu-se,sobretudo, pelo papel económico e social que o Estado tem, a partir dos anossessenta, vindo a desempenhar.

Por outro lado, esta perspectiva dos estudos políticos levou ao abandonoprogressivo da visão jurídica e formalista da administração, que a encerravanas tarefas da simples execução. Permitiu ainda perceber a sua implicaçãono exercício do poder, e revelar a grande dificuldade dos políticos traçaremfronteiras entre a esfera administrativa e a esfera política.

Assim, este grupo interessou-se pela análise do poder burocrático, dofenómeno tecnocrático, pela elaboração de políticas públicas sobre o processode decisão e, fundamentalmente, sobre o funcionamento do sistema políticoadministrativo.

Em segundo lugar, esta perspectiva integra também um grupo de sociólogosque se interessam pela administração pública, seja no quadro de umasociologia do Estado (prolongando a tradição de Weber), ou no quadro deuma sociologia das organizações.

Em terceiro lugar há, ainda, o contributo dos juristas, que procuram rompercom a dogmática jurídica e se vão reapropriar do saber sociológico.

Estes três grupos têm como motor, como elemento fundamental, o desenvolvi-mento enorme da sociologia das organizações que vai dar à ciência administra-tiva, não só o corpo de referências teóricas, como as metodologias necessárias.

A sociologia das organizações parte da confluência dos trabalhos e daspreocupações de Max Weber e da sua ligação com o movimento de relaçõeshumanas desenvolvido no interior das grandes firmas industriais.

o seu postulado é o de que o funcionamento de uma organização não pode serreduzido, a que apenas sejam tidos em conta os regulamentos explícitos quea governam. Há todo um conjunto de elementos que completam e corrigem,concretamente, este aspecto formal, e que passam pela análise das motivações,comportamentos e estratégias dos membros dessa mesma organização. Nesta

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37 Sobre as diferentes abor-dagens sociológicas dasorganizações veja-se de JoãoBilhim, Teoria Organizacional.Lisboa: ISCSP, 2008.

II

perspectiva, as organizações são unidades sociais complexas, formadas deindivíduos e grupos, cujo interesse raramente coincide, sendo, muitas vezes,palco de conflito.

As organizações não são sistemas fechados, pois evoluem num meiodeterminado, com o qual estabelecem trocas mais ou menos intensas. Porisso, é necessário tomar em conta as chamadas variáveis do ambiente ou daenvolvente, que condicionam o tipo de estruturação interna e a sua própriasobrevivência",

Isto leva a que a organização se confronte com um duplo processo deajustamento. Por um lado, o ajustamento interno, com a sua envolvente internano sentido da integração e, por outro, a sua envolvente externa, que vai nosentido da adaptação aos diversos elementos dessa mesma envolvente".

Actividade 2.7

Sublinhe no texto os principais termos que caracterizam a perspectivasociológica.

2.8 A perspectiva Gestionária: Managerialismo

Desde o final dos anos 70 que se vem assistindo a uma mudança de foco:da public administration para a public management. A diferenciação entreelas ~eriva da procura e adopção de modelos de gestão alternativos aostradi9onais, com origem no sector empresarial.

Por managerialismo entende-se, em geral, um conjunto de práticas, raramentetestadas, fundadas na crença de que uma melhor gestão é~ soluÇão eficazpara um vasto campo de males económicos e sociais".

Os pressupostos destas crenças são os seguintes:

• o caminho para oJ2rogresso social depende da obtenção de aumentoscontínuos de produtividade;

• tais aumentos de produtividade resultam da aplicação de tecnologiascada vez mais sofisticadas, tais como sistemas de informação e- - .•. - -comunica .ão;

• a aplicação e exploração destas tecnologias implica a existência deuma força de trabalho altamente treinada e disciplinada, de acordocom as normas da produtividade;

38 Sobre esta abordagemveja-se João Bilhim, TeoriaOrg anizacio nol . Lisboa:ISCSP, 2008.

39 Christopher Pollitt, ob. cit.,p. 1.

45

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40 Christopher Pollitt, ob. cit.,p.2-3.

41 J. Stewart e S. Ranson, ob.cit., p. 26.

42 Christopher Hood, "A PublicManagement for All Seasons?".Public Administration, 69(Spring, 1991), p. 3-4.

43 C. Hood, ob. cit., p. 3.

44 Elisabeth Wilson, ob. cit.,p.42.

46

• a gestão é uma função organizacional separada e distinta dasdemais;

• o sucesso do negócio dependerá, cada vez mais, das qualidades e doprofissionalismo dos gestores;

• para que os gestores possam desempenhar esse papel crucial deverãopossuir um espaço de manobra considerável'".

Generalizou-se, a partir dos anos oitenta, a ideia de que os bons gestorespossuem as mesmas tarefas e capacidades, independentemente do sectoronde se encontram". Daí o impacto do manageríalismo nas doutrinas daadministração públicas, nas últimas décadas, traduzido em dois movimentosidênticos: a New Public Management e o Reinventing Government.

o managerialismo, reflectiu-se, nas últimas décadas do século XX, nummovimento de reforma e modernização administrativa, que atravessou ospaíses da OCDE - o New Public Management.

Segundo Hood, a New Publíc Management é a designação atribuída a umconjunto de doutrIDas globalmente semelhante~ que dominaram a agendadã reforma burocrática em muitos países da OCDE, desde o final dosanos 7042

.

Para o autor, a emergência desta corrente é uma das mais surpreendentestendências internacionais na administração pública. O seu aparecimento pareceestar ligad~atro mega tendências administrativas, nomeadamente:

a) a tentativas para abrandar, ou reverter, o crescimento do sector admi-nistrativo em termos de despesa pública e número de funcionários;

b) uma tendência para a privatização e quase-privatização , e umafastamento das instituições governamentais, com uma ênfaserenovada na subsidiariedade na provisão de serviços;~ >

c) o desenvolvimento da automação, especialmente das tecnologias deinformação, na produção e distribuição dos serviços públicos;

d) o desenvolvimento de uma "agenda" internacional cada vez maiscentrada nos aspectos gerais da administração pública na concepçãode políticas, nos estilos de gestão e na cooperação intergovernamental(em vez da velha tradição da especificidade da administração públicanacional)".

Trata-se, em resumo, da i..mportação de conceitos e técnicas do sectorprivado para o sector público44

, e os pressupostos que a legitlmam: a gestãçé superior à administração; a gestão no sector privado é superior à gestão no- -

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45 E.Wilson, ob. cit., p. 50.

sector público; a boa gestão é urna solução eficaz para urna vasta variedadede probTemas económicos e sociais; a gestão consiste num corpo distinto deconhecimentos universalmente aplicáveis".

Para o autor, aNew Public Managementpossui uma pretensão à universalidade:~blic administration for all seasons ~

Para Hood, os elementos-chave da New Public Management são: a gestãoprofissional actuante; ~s padrões e as medidas de desempenho explícitos; amaior ênfase nos controlos de resultados; a tendência paraã desagregaçãode unidades; a tendência para urna maior competição; a ênfase nos estilosde gestão prati'"cados no sector privado; uma maior ênfase na disciplina eparcimónia na utilização de recursos".

As críticas feitas ao managerialismo'" e à sua aplicação no domínio público(New Public Manageme,,!t), andam à volta da possibilidade de se aceitar auniversalidade da gestão e, logo, da aplicação dos seus conceitos e técnicas,independentemente do contexto considerado (sector privado, público ouvoluntário). A questão, à partida, reside em se saber se existem diferençasentre o sector público e o sector privado, e em que é que elas se traduzem.

Para Christopher Pollitt, existem factores de diferenciação entre os sectorespúblico e privado, que são incontornáveis e irão condicionar, se não mesmodesvirtuar, a aplicação de conceitos e técnicas oriundos do sector privadono sector público.

Estes factores são: Responsabilidade perante os representantes eleitos;Múltiplos e conflituantes objectivos e prioridades; Ausência ou raridadede organizações em competição; Relação oferta/rendimento; Processosorientados para o cliente/cidadão; Gestão do pessoal; Enquadramentolegal".

Em suma, a gestão privada encontra-se, internamente, balizada pela>legislação, repulamentos e procedimentos formais e, externamente, limitadapelo tipo de legislatura política que esteja a ser efectuada. Pelo contrário, agestão privada acha-se menos circunscrita pelo tipo de legislatura política,menos espartilhada por imperativos constitucionais, nomeadamente, pelosprincípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidadee da boa-fé (artigo 266.° da cy). Dado o tipo de constrangimentos formaisom que, obrigátoriamente, tem de lidar o gestor público em Portugal,

afigura-se ser mais exigente ser um bom gestor público do que ser um bomgestor privado.

46 c. Hood, ob. cit., p. 4-5.

.7 Moshe Moar, "The Paradoxof Managerialism". PublicAdministration Review, Vol.59, n.? 1, 1999,p. 5-18.

48 Christopher Pollitt, ob. cit.,p.118.

47

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49 David Osbome; Ted Gaebler,Reinventing Government: Howthe entrepreneurial spirit istransforming lhe public sectorfromschoolhouse to statehouse,city hall to the pentagon.Reading, Massach usetts:Addison-Weslev PublishingCompany. Ine., 1992.

48

Actividade 2.8

Descreva, por palavras suas, as crenças subjacentes ao managerialismo,e compare-as em seguida com o texto.

2.9 A Reinvenção da Governação

Desde o início da década de 90, que nos Estados Unidos da América, aadministração Clinton liderou um movimento conhecido por: reinventinggovernment. Este movimento apresentava uma forma mais moderada que aanterior, protagonizada por Margareth Thatcher e Ronald Reagan. No anteriormodelo, o termo mais expressivo do seu pensamento era "privatização" dosserviços públicos e introdução do espírito da administração privada nas áreasque não fossem susceptíveis de privatização. , '\.I'..)..AWIV~lJhk...

Para o movimento do reinventing goverment e para a terceira via do Newr .

J:a)Kw!.. em Inglaterra o termo "privatizacão" é substituído por "concorrência".Sustenta-se que o monopólio é sempre mau, quer seja público quer sejaprivado. Assim, o que importa, então, é criar as regras de jogo (regulação) paraque os diversos actores públicos e privados possam actuar. A concorrênciaentre serviços públicos e entre estes e os privados seria o elixir para amodernização da Administração e a solução para uma Administração maiseficiente, eficaz, económica e ética.

Importa,porém, salientar que a expressão «reinventing government» deve-sea David Osborne e a TedQaebler, que, em 1992, publicaram uma obra muitodiVü1gada 'inundia~nte, intitulada: !!-einventing Government. - How theentrepreneurial spirit is transforming the public sector from schoolhouse tostatehouse, city hall to the pentagon":

Os postulados de Osborne e Gaebler destacam as directrizes da concepçãoda administração pública empreendedora via empresarialização dos serviçospúblicos sociais: A maioria dos governos empreendedores promoveria acompetição entre os que prestam serviços ao público. Eles dão poder aocidadãos, transferindo o controlo dessas actividades da burocracia para acomunidade. Medem a actuação das suas agências, focalizando não os factoresutilizados, as entradas de recursos, mas sim, os resultados.

Orientam-se pela missão e pelos seus objectivos, em vez de regras eregulamentos. Redefinem os seus utilizadores como clientes, oferecendo-lheopções - entre escolas, programas de formação, tipos de moradia. Evitamo surgimento de problemas, limitando-se a oferecer serviços à guisa de

Page 28: Ciência Da Administração - Cap. 2

a

correcção ou remédio. Investem as suas energias na produção de recursos,oncentrando-se simplesmente nas despesas.

Descentralizam a autoridade, promovendo a gestão com participação.Preferem os mecanismos do mercado às soluções ao público, mas, tambéma catálise de todos os sectores - público, privado e voluntário - para a acçãoonjunta, dirigida à resolução dos problemas da comunidade'".

Tendo como ceme tais directrizes, os autores propõem ainda que os mesmosprincípios sejam aplicados nos sectores sociais dos sistemas de saúde,ducação e justiça. Nessa linha, sugerem uma reinvenção do ensino público

em torno da ideia de reestruturação da gestão escolar.

Os autores advogam "[ ...] maior escolha para os pais, um sistema de avaliaçãofocalizado nos resultados, no lugar do cumprimento de regras e regulamentos;descentralização da autoridade e da responsabilidade pelas decisões em favorda escola local; um sistema de pessoal que premeie, efectivamente, o sucessodos estudantes e faça com que o insucesso tenha consequências reais; além daparticipação activa e sustentada dos pais e da comunidade empresarial'?'.

_ o seu livro, Osbome e Gaebler defendem a existência de dez princípiospara uma «administração de tipo empresarial» que são:

1.Administração Catalisadora

2. Administração Pertencente à Comunidade

3. Administração Competitiva

4. Administração Dirigida pela Missão

5. Administração Orientada por Resultados

6. Administração Orientada para o Cliente

7. Administração de Tipo Empresarial

8. Administração Pró-activa

9. Administração Descentralizada

10. Administração Orientada para o Mercado

50 Osbome; Gaebler, ob. cit.,p.20.

51 Osbome; Gaebler, ob. cit.,p.343.

49

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52 Albert Gore, Reinvençãoda Administração Pública.Lisboa: Quetzal, 1996, p. 25.

53 Albert Gore, ob. cit., p. 9.

54 Albert Gore, ob. cit., p. 33.

55 Anthony Giddens, ParaUma Terceira Via. Lisboa:Presença.

50

Todavia, o precursor desta proposta, na prática política, foi o antigo vice-presidente dos Estados Unidos, Albert Gore, ao elaborar um relatório acercada administração pública norte-americana, onde propagou a necessáriareinvenção da mesma. O enfoque de governança empreendedora representouo novo contrato sobre o funcionamento dos serviços públicos, uma novaadministração eficaz, eficiente e capaz de dar respostas aos problemas "[ ...,diz respeito à mudança da rotina burocrática para a obtenção de resultadoconcretos, criando uma Administração Pública que funcione melhor e gastemenos?".

O Relatório de Albert Gore apresenta recomendações para mudanças combase numa nova filosofia de gestão: "[ ...] na qual inspiram as cerca de380 recomendações apresentadas, implicando a adopção de cerca de 120medidas concretas. O que se pretende, confessamente, é uma reinvenção daAdministração Pública"53.

Albert Gore chama a proposta de reinvenção da administração pública deNational Performance Review sob a alegação de que essa gestão funcionemelhor e gaste menos: "[ ...] Chegou a altura de pôr a Administração Públicaa trabalhar para os cidadãos, aprender a fazer muito com pouco e a tratar 0_

contribuintes como clientes'?". A proposta teve por base quatro princípio --chave: 1) Eliminar a burocracia; 2) Pôr os clientes em primeiro lugar; 3Dar competências aos funcionários para obter resultados; 4) Regressar afundamental: melhor Administração por menos dinheiro.

Idêntica filosofia pode ser identificada na "terceira via" protagonizada pelNew Labour de Tony Blair, cujo teórico foi o sociólogo Antbony Giddens".Para o autor, o primeiro objectivo de uma política de terceira via devia ser ode ajudar os cidadãos a encontrar um caminho através das revoluções maisiIllportantes do nosso tempo: globalização, transformação da vida pessoal eo nosso relacionamento com a natureza.

Uma política de terceira via deveria ter uma atitude positiva a respeitoda globalizacão mas, e i§to é fundamental, na medida em que ela for umfenómeno de âmbito mais alargado do que o mercado global. Os sociais--democratas têm de combater o proteccionismo económico e cultural, têmde lutar no terreno da extrema-direita, que encara a globalização como umaameaça à integridade nacional e aos valores tradicionais.

Uma política de terceira via não deve encarar a globalização como aceitaçãotácita da liberdade dos mercados. O comércio livre pode ser a locomotivado desenvolvimento económico mas, devido ao poder destrutivo que omercados exercem sobre a sociedade e a cultura, temos sempre de analisaras consequências mais graves da sua libertação.

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Tmapolítica de terceira via deve manter a justiça social como preocupaçãouclear, embora levando em linha de conta que o leque de questões que

não cabem na velha dicotomia esquerda/direita é mais amplo do que nunca.gualdade e liberdade individual podem tornar-se antagónicas, mas asedidas de igualização podem também alargar as perspectivas de liberdade

ue se apresentam aos indivíduos. Para os sociais-democratas liberdadeevia significar autonomia de acção, o que por sua vez exige o envolvimento

da comunidade social mais alargada. Tendo abandonado o colectivismo,política de terceira via procura um novo tipo de relacionamento entre o

indivíduo e a comunidade, uma redefinição de direitos e obrigações.

O segundo preceito da sociedade actual deveria ser que não há autoridadesem democracia. A direita sempre viu os símbolos como meios privilegiadose justificar a autoridade, fosse a Nação, o Governo, a Família ou outras

in tituições. Numa sociedade em que a tradição e os costumes estão a perderforças, o único caminho para a estabilidade passa pela democracia. O novoindividualismo não corrói inevitavelmente a autoridade, mas exige que elaeja repensada numa base de participação activa.

Uma modernização sensível aos problemas ambientais não significa "maise mais modernidade", mas tem consciência dos problemas e limitações dosprocessos de modernização. Está alerta para a necessidade de restabelecer aontinuidade e melhorar a coesão social num mundo de mudanças erráticas,

em que as energias, por si próprias imprevisíveis, da inovação científica eecnológica têm um papel importante.

Constituem valores da terceira via: igualdade; protecção dos desfavorecidos;liberdade encarada como autonomia; não há direitos sem obrigações;osmopolitismo pluralista; conservadorismo filosófico.

Um programa da terceira via incluiria: centro radical; o novo Estadodemocrático (o Estado sem inimigos); sociedade civil activa; a famíliademocrática; a nova economia mista; igualdade como inclusão; protecçãoocial positiva; o Estado social como investimento; a nação cosmopolita;

democracia cosmopolita.

2.10 O Novo Serviço Público

Actualmente, há claramente dois modelos em presença: o tradicional ouBurocrático, centrado na interpretação e aplicação da lei, de raiz jurídica; e omodelo Gestionário, onde se inserem as políticas de gestão por objectivos naAdministração Pública, centrado na medição. Para este último, gerir é medirobjectivos; medir é comparar resultados; e comparar é melhorar a prestaçãoda qualidade do serviço público.

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56 Denhardt Janet; DenhardtRobert, The New PublicService: Serving, not steering .London: M. E. Sharpe, 2003.

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ATRIBUTOS BUROCRÁTICO GESTIONÁRIOObjectivos Vagos, atribuições departamentais Precisos, com indicador de

medidaCritérios de Evitar erros, seguir os procedimentos Atingir/superar objectivos

sucesso administrativos operacionais

Uso de Foco no despacho de delegação de Eficiência, eficácia,Recursos competências. Gasta-se de acordo com a qualidade e ética

lei. Baixa preocupação com o resultado

Tipo de Mecanicista, rígida e hierarquizada Flexibilidade, estruturaOrganização achatada, rede e delegação.

Papel do Interpreta e aplica a lei Lidera, opta entre soluçõesDirigente alternati vas

o modelo gestionário inspira-se na tradição anglo-saxónica, área culturalonde a administração pública partilha idêntica origem com a gestão privada,isto é, o conceito de sociedade industrial. Acontece que o modelo tradicionale continental europeu lança as suas raízes no conceito de Estado-nação. Daía sua matriz mais jurídica. Ora, a aproximação destes dois modelos, que estáactualmente em curso, não está isenta de problemas, em virtude das diferençasculturais subjacentes a ambos os modelos.

As perspectivas managerialista e de reinvenção do governo promoveram avisão de um gestor público empreendedor de um novo governo reduzido eprogressivamente mais privatizado, imitando não apenas as práticas da gestãoprivada, mas até os seus valores. Os seus autores argumentavam com baseno contraste entre a sua perspectiva e a administração pública burocráticae mecanicista.

Mais recentemente, Robert B. Denhardt e Janet Vinzant Denhardt" têmposto em causa esta dicotomia entre administração gestionária e burocráticae propõem que tal comparação se estabeleça com o que os autores chamam onovo serviço público "NewPublic Service,"movimento apoiado na cidadaniademocrática, na comuriidaãe e sóciedade civil e numa dimensão humanistado sistema organizacional.

Assim, Robert B. Denhardt & Janet Vinzant Denhardt sugerem sete princípiospara o novo serviço público em que o papel mais importante do funcionárioou trabalhador da Administração é ajudar a estabelecer, parcerias entre aadministração e cidadãos e empresas, para a solução dos seus problemas,mais do que controlar ou pilotar a sociedade.

Tais princípios constitutivos deste movimento do novo serviço público são:Buscar o interesse público; Valorizar a cidadania; Pensar estrategicamentee~ctuar democraticamente; Prfstar contas; Servir e não mandar; Valorizaras pessoas; Respeitar os ideais do serviço públlco.

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l

etividade 2.9

presente uma crítica à perspectiva da reinvenção da governação apartir de um artigo de um jornal.

este Formativo

Qual a perspectiva técnica da gestão? (Assinale a resposta que julgarmais correcta).

A. A gestão é um processo racional instrumental.

B. A gestão é um processo negocial, regulador de conflitos.

C. A gestão destina-se a extrair a mais-valia.

Qual o sentido etimológico dos termos administrar/ administração?

Em sentido estrito, de que trata a Ciência da Administração?

Que se entende por administração pública?

o que é o cameralismo ?

espostas às Actividades

_-.°1: Pode. Temos entre outros casos, os CTT Correios de Portugal SA.É uma sociedade anónima cujo capital pertence 100% ao EstadoPortuguês.

_-.°2: A administração tem a ver com fazer coisas; com a prossecução deobjectivos definidos.

_-.0 3: Pugnam por uma concepção unitária e homogeneizada da Ciênciada Administração, esbatendo o que possa haver de específico naadministração pública face à privada.

_-.0 4: A política existe para definir o interesse geral da colectividade,enquanto a administração pública tem por finalidade interpretar eexecutar o interesse geral definido por aquela.

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N." 5: As ciências sociais tentam, articuladamente, explicar a relação entrea conduta humana e as condições materiais e simbólicas que delaresulta e por sua vez a determinam.

N." 6: Nos EUA, a Ciência da Administração está marcada pelo conceitode sociedade industrial, enquanto na Europa, a matriz encontra-se nanoção de Estado nação.

N." 7: Politólogos; Sociologia Política; actividade do Estado em matériaeconómica e social; abandono progressivo da visão jurídica formalistada administração; fronteiras entre a esfera administrativa e a esferapolítica; análise do poder burocrático; prolongando a tradição deWeber; juristas que procuram romper com a dogmática jurídica e sevão reapropriar do saber sociológico; o desenvolvimento enorme dasociologia das organizações que deu à ciência administrativa não sóo corpo de referências teóricas como a metodologia necessária.

Respostas ao Teste Formativo

N.o 1: A.

N,? 2: O termo "administrar" remonta às expressões latinas administratio e administrare. Os etimologistas não estão de acordo quanto à origem dead ministrare. Para uns seria ad manus trahere, sinónimos de trazer àmão, conduzir, servir e manejar. Segundo outros, derivaria de ministero agente auxiliar, o intermediário na realização de um serviço.

N." 3: A ciência da administração, em sentido restrito, trata do estudocientífico da administração pública como entidade no seio da qual sedesenvolvem actividades administrativas, destinadas à satisfação dasnecessidades colectivas. A satisfação das necessidades colectivas pelaadministração pública confere-lhe uma especificidade: a dependênciainstrumental do poder político.

N.04: Entende-se por administração pública a entidade social, formalmentecoordenada, com fronteiras delimitadas, e funcionando numa baserelativamente constante. As actividades que desenvolvem, nadependência dos órgãos políticos representativos de uma comunidade,destinam-se a assegurar as necessidades colectivas de segurança,cultura e bem-estar, individualmente sentidas.

N." 5: O cameralismo é a designação genérica que se usa para classificar umconjunto de escritos heterogéneos, na sua maioria de autores alemães,elaborados numa perspectiva prática e sem preocupação científica,sobre a administração pública.

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Leituras Complementares

Bll..,HIM, João

2008 Teoria Organizacional: Estruturas epessoas 6.a edição. Lisboa:ISCSP.

BOZEMAN, Barry1993 Public Management. San Francisco: Jossey-Bass.

CAUPERS, João1994 A Administração Periférica do Estado: estudo de ciência da

administração. Lisboa: Notícias.

CHEVALIER, Jacques1994 Science Administrative, 2.a edição. Paris: PUF.

DENHARDT, Robert1995 Public Administration, 2th. New York [etc.]: Harcourt Brace

College Publishers.

DENHARDT Janet; DENHARDT Robert

2003 The New Public Service: Serving; not steering. London: M. E.Sharpe.

HOOD,C.C."Public Administration for Ali Seasons". Public Administration, 69,3-19.

ROCHA, Oliveira

1991 Princípios de Gestão Pública. Lisboa: Presença.

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