cidade: meio midia e mediação

15
39 LUCRÉCIA D’ALESSIO FERRARA * Cidade: meio, mídia e mediação * Professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, professora doutora junto ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da -, pesquisadora 1 do CNPq e coordenadora do Grupo de Pesquisa Espaço/Visualidade- Comunicação/Cultura (Espacc) da - . [email protected] [email protected]m m RESUMO Este trabalho tem como objetivo o estudo da cidade como complexo sistema comuni- cativo onde se confrontam os suportes materiais que a constróem, sua imagem con- taminada pela rotação de estereótipos de cidade e o imponderável processo interativo que se processa, através do uso cotidiano, e alicerça valores e comportamentos. Palavras-chave: cidade, meio, mídia, mediação, comunicação ABSTRACT is text aims to discuss the complex communication system of a city where we have the confrontation between materials supports that built it, its images contaminated by rotation of town stereotypes and the imponderable interaction process made by daily uses who built values and behaviors. Key words: city, media, images, interaction, communication Pode ser que eu tenha medo de repentinamente perder Veneza, se falar a respeito dela. Ou pode ser que falando de outras cidades, já a tenha perdido pouco a pouco (CALVINO, 1991: 82).

Upload: adriana-gurgel

Post on 06-Sep-2015

246 views

Category:

Documents


22 download

DESCRIPTION

Texto de Lucrécia Ferrara publicado na revista Matrizes

TRANSCRIPT

  • 39

    L U C R C I A D A L E S S I O F E R R A R A *

    Cidade: meio, mdia e mediao

    * Professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, professora doutora junto ao Programa de Estudos Ps-Graduados em Comunicao e Semitica da PUC-SP, pesquisadora 1 do CNPq e coordenadora do Grupo de Pesquisa Espao/Visualidade-Comunicao/Cultura (Espacc) da [email protected]@hotmail.comm

    RESUMOEste trabalho tem como objetivo o estudo da cidade como complexo sistema comuni-cativo onde se confrontam os suportes materiais que a constrem, sua imagem con-taminada pela rotao de esteretipos de cidade e o impondervel processo interativo que se processa, atravs do uso cotidiano, e alicera valores e comportamentos.Palavras-chave: cidade, meio, mdia, mediao, comunicao

    ABSTRACT % is text aims to discuss the complex communication system of a city where we have the confrontation between materials supports that built it, its images contaminated by rotation of town stereotypes and the imponderable interaction process made by daily uses who built values and behaviors.Key words: city, media, images, interaction, communication

    Pode ser que eu tenha medo de repentinamenteperder Veneza, se falar a respeito dela.

    Ou pode ser que falando de outras cidades,j a tenha perdido pouco a pouco

    (CALVINO, 1991: 82).

  • 40 MATRIZes N. 2 abril 2008

    Cidade: meio, mdia e mediao

    CIDADE: DO MEIO MDIAO skyline da cidade um gr& co que registra as ' utuaes de seu poder econ-mico, mas, sobretudo, assinala o valor simblico da altura como comunicao de uma cidade com o mundo. Para a cidade, a altura uma mdia, um ndice capaz de fazer com que sejam comunicados seus pontos de referncia e o poder que, a exemplo das pirmides do Egito, poder identi& c-la na histria.

    A paisagem urbana do planeta j consolidou a verticalidade como ndice das cidades que se confrontam para atingir o cume da altura e do poder. Nesse panorama, uma despretensiosa comparao divulgada recentemente (A um quilmetro de cho, Revista poca,18 de dezembro de 2006) pode comprovar que a altura elemento de prestgio consolidado h longo tempo:

    Pirmide de Quops, Egito, 146m;Torre RioSul, Rio de Janeiro, Brasil, 164m;AT&T, Nova York, EUA, 201mTorre Ei. el, Paris, Frana, 300m;Torre Comercial doTexas, Houston, EUA, 320m;Empire State Building, Nova York, EUA, 381m;World Trade Center, Nova York, EUA, 412m;Torre Futurista, Houston, EUA, 426m;Torre Sears, Chicago, EUA, 442m;Petronas Towers, Kuala Lumpur, Malsia, 452m.Taipei 1001, Taipei, Taiwan, 508m

    E, para futuro prximo, esto projetadas as mega torres que, pela audcia tecnolgica e visual, j constituem exemplares divulgadas fotogra& camente, ocupando pginas de peridicos de todo o mundo: Freedom Tower (Novo World Trade Center), New York, EUA, 541m; e o surpreendente: Burg Dubai, Emirados rabes, 700m.

    A So Paulo, preparando-se para participar da escalada global, no poderia faltar, ao menos em projeto, a exibio de uma mega torre: o planejado e logo abortado Maharishi So Paulo Tower que aspirava chegar cifra de 510m.

    Da Pirmide de Quops ao projeto do Maharishi So Paulo Tower temos uma escalada vertical onde a arquitetura fora determinante e procura tra-duzir, em altura, a expresso simblica da identidade de um pas e, sobretudo, seu entusiasmo pela tecnologia que demonstra poder e interpretada como couraa diante de qualquer inmigo. As mdias nacional e internacional exercem importante papel codjuvante nessa divulgao e foram prdigas em comentrios desta natureza, ante a queda das torres gmeas de Nova York.

  • P. 39-53 LUCRCIA DALESSIO FERRARA 41

    DOSSIDOSSI

    Construir para signi& car, verticalizar para fazer ver, fazer ver para simbo-lizar. Esses so os elementos que permitem estudar a cidade como meio e como mdia. Ou seja, os ndices materiais e formais constroem as cidades e permitem que sua imagem constitua a mdia mais eloqente e e& caz. Apreender essa mdia, considerando seus suportes construtivos, nos leva a constatar que, s caracters-ticas urbansticas e funcionais de uma cidade, alia-se a dimenso comunicativa que faz com que a cidade surja sempre e, sobretudo nos dias atuais, de um lado, como e& ciente mdia a sustentar as ambies e planos globais e, de outro, nos surpreenda pelas imponderveis e inesperadas manifestaes de vida que vo muito alm da simples inteno miditica. Este o objetivo primordial deste trabalho, mas alcan-lo supe perceber o processo de produo desse espao que supera o simples adensamento para apresentar-se como cidade. Essa apresentao no linear e exige um forte dispositivo analtico para perceber sua gnese e transformao. Nessa gnese, a arquitetura desempenha papel exemplar.

    Aldo Rossi (1995: 13) assinala que a cidade um dado concreto na sua for-ma construda, mas essa concretude nos permite entender como a arquitetura constri a cidade, no s para funcionar, mas, sobretudo, para viver e comunicar. Funcionalidade e comunicao constituem dois parmetros bsicos da cidade atravs do seu meio originrio, a arquitetura. Ou seja, a arquitetura induz, atravs de materiais, tcnicas e formas construtivas, a funo, o uso e o valor do espao e, nesse sentido, constitui o suporte atravs do qual a cidade se constri como meio comunicativo que possibilite sociabilidades e interaes em constantes transformaes. As propostas tcnicas e funcionais da arquitetura constroem a cidade que se comunica atravs de imagens miditicas e inusitadas interaes: meios, imagens e mediaes constituem a complexa comunicao que, sobretudo a partir da Revoluo Industrial, tem a cidade como cena e motivo.

    ARQUITETURA NA COMUNICAO DA CIDADEA de& nio de Aldo Rossi su& ciente:

    ... por arquitetura da cidade podem se entender dois aspectos diferentes: no primeiro caso, assimilar a cidade a um grande artefato, uma obra de engenharia e de ar-quitetura, mais ou menos grande, mais ou menos complexa, que cresce no tempo; no segundo caso, podemos nos referir a entornos mais limitados da cidade inteira, a fatos urbanos caracterizados por uma arquitetura prpria, portanto, por uma forma prpria. Nos dois casos, percebemos que a arquitetura no representa mais que um aspecto de uma realidade mais complexa, de uma estrutura particular, mas ao mesmo tempo, sendo o dado ltimo veri& cvel dessa realidade, constitui o ponto de vista mais concreto com o qual se pode encarar o problema (Rossi, 1995: 13).

  • 42 MATRIZes N. 2 abril 2008

    Cidade: meio, mdia e mediao

    Como se v, no basta considerar a cidade como unidade construda, pois se trata de um problema mais amplo e complexo que nos leva, de um lado, a superar a simplicidade de pens-la como organismo espontneo que surge ao acaso ou, no extremo oposto, pens-la construda, como resultado de implanta-es espaciais ou planejamentos poltico-econmicos. Surgem dois planos nem sempre harmnicos, mas sempre coincidentes na estrutura da cidade enquanto fenmeno de comunicao: de um lado, est o plano construtivo como suporte da cidade que se transforma em meio a criar um ambiente comunicativo e, de outro lado, concretiza-se a imagem miditica da cidade que agasalha o cotidia-no, a sociabilidade e as trocas interativas que transformam a cidade na maior experincia comunicativa da humanidade.

    Se o plano urbano est aqum da cidade e no su& ciente ou exclusivo para que ela exista, a construo da cidade um dado que a histria consagra quando procura entender as transformaes culturais. Nesse sentido, entendem-se as ambiciosas propostas de totalizao de um modo de fazer cidades de que so exemplos histricos as propostas da cidade jardim de Howard, a cidade linear de Soria y Mata ou a cidade para trs milhes de habitantes, a Cidade Radiosa, de Corbusier. Nesses exemplos procurava-se, atravs de planos e pro-jetos, demonstrar que, alm de construo, a cidade pode ser a representao de um desejo e, mais do que isso, da apropriao e domnio do homem sobre o espao social. Misturam-se, na estrutura da cidade, plano e utopia, maestria imaginativa e condio tcnica e tecnolgica e, sobretudo, apresenta-se como paradoxal estrutura, onde nem sempre possvel encontrar pontos de equil-brio. Esse paradoxo leva Tafuri a identi& car na relao plano/utopia um eixo fundamental da base ideolgica do movimento moderno:

    O & nal do utopismo e o nascimento do realismo no so momentos mecnicos no interior do processo de formao da ideologia do movimento moderno. Pelo contrrio, a partir do quarto decnio do sculo XIX, o utopismo realista e o realismoo utpico sobrepem-se e compensam-se () ideologia arquitect-nica, artstica e urbana resta a utopia da forma, como projecto de recuperao da totalidade humana numa sntese ideal, como posse da desordem atravs da ordem (Tafuri, 1983: 38).

    Ao lado da complexa dicotomia entre plano e utopia que parece dominar a construo da cidade, sobretudo a partir do moderno, Rykwert (2004: 6) aponta outra tenso presente na cidade que, agora, se apresenta entre construo e representao, e est na prpria polissemia vocabular da palavra conservada em vrios idiomas para designar espaos anlogos: town e city para o ingls; ville

  • P. 39-53 LUCRCIA DALESSIO FERRARA 43

    DOSSIDOSSI

    e cit para o francs; ciudad e villa para o espanhol. Em portugus, as palavras cidade e vila referem-se a caractersticas histricas e polticas distintas e apenas o primeiro nome se refere quilo que entendemos atualmente por cidade, ao mesmo tempo construo e representao e, talvez, expressa de modo mais enftico pelo erudito urbe.

    A ambigidade est presente nos dois extremos: por um lado, a cidade no pura construo e, por outro lado, sabe-se que no organismo espontaneamente desenvolvido, ao contrrio, representao de complexas dimenses onde se misturam imagens e sensaes que podem esconder ou revelar a cidade:

    Mesmo com as instituies pblicas distanciadas, a sensao da cidade e o seu tecido fsico esto sempre presentes para os habitantes e visitantes. Apreciado, visto, tocado, cheirado adentrado, consciente ou inconscientemente, esse tecido uma representao tangvel daquela coisa intangvel, a sociedade que ali vive e suas aspiraes (Rikwert, 2004: 7).

    Na citao, observa-se a confusa percepo da cidade onde possvel apreender sua frgil e duvidosa comunicabilidade, que mais se faz sentir do que compreender ou explicar. A cidade corresponde a uma estranha espacia-lidade que s se comunica quando dela se fala ou quando traduzida pelo discurso tcnico que a submete a uma lgica que ordena sua multiplicidade sensvel. Desse modo, para apreender a cidade necessrio acompanhar sua circularidade comunicativa que nos leva a saber distinguir entre um sistema construdo, o valor por ele emitido e a interao que permite que a cidade seja diferente de ambos. Como no fruto de uma transformao que se processe de modo gradual ou harmnico, a cidade teatro de impactos que ocorrem em velocidades distintas e de ambguas dimenses, mas com imediata conseqn-cia. Essa ambigidade apresenta condies fundamentais para estruturar este texto, ou seja, a cidade , ao mesmo tempo, objeto comunicativo e sujeito da prpria interao que nela se desenvolve: entre as duas possibilidades podemos salientar a dimenso do seu ambiente mediativo e observar nuances e nexos que se estabelecem entre meio, mdia e interao. Considerando-se uma elementar estrutura comunicativa observa-se que, paradoxalmente, ao mesmo tempo em que a cidade no pode dispensar o cdigo que a mobiliza, est merc daqueles impactos que a transformam e a levam a explosivas alteraes.

    Enquanto construo, a cidade meio, enquanto imagem e plano, a cidade mdia, enquanto mediao, a cidade urbanidade. Porm, entre esses ele-mentos veri& ca-se uma distinta dinmica cultural que vai da organizao entre meios e mdia como efeitos sincrnicos e interdependentes, e mediao como

  • 44 MATRIZes N. 2 abril 2008

    Cidade: meio, mdia e mediao

    efeito contnuo que est subjacente mdia e constitui seu grau zero enquanto vitalidade informativa. Entretanto, como estruturas culturais, mdia e interao tm sido consideradas elementos sincrnicos e sinnimos, porm, se a mdia um evento planejado semioticamente, a mediao, ao contrrio, explosiva e complexa informao. Ou seja, a lgica construtiva de uma cidade suporte que se disponibiliza comunicao de uma ideologia, de uma utopia, plano ou ima-gem que, enquanto mdias, articulam desejos e valores a identi& car uma cidade entre cidades mas, enquanto interao, a cidade vai alm das suas aparncias ou massagens miditicas para se propror como desa& o que exige o dilogo banal, corriqueiro, cotidiano, frgil que constitui a vida e a morte de uma cidade:

    Sob a aparente desordem da cidade tradicional, existe, nos lugares em que ela funciona a contento, uma ordem surpreendente que garante a manuteno da segurana e da liberdade. uma ordem complexa. Sua essncia a complexidade do uso das caladas, que traz consigo uma sucesso permanente de olhos. Essa ordem compe-se de movimento e mudana ( Jacobs, 2000: 52).

    Nesse movimento, o estudo da cidade enquanto estrutura comunicativa exige ateno aos meios que a constroem como eloqente mdia, mas, no tm como impedir que ela se manifeste no cotidiano feito de interaes impercep-tveis e imprevistas que exigem a senso-comunologia proposta por Mafessoli (2007: 16) presente na vida de todo dia.

    A cidade como meio, mdia e mediao oferece trs nveis de investiga-o que a quali& cam como objeto cient& co, porm aquelas dimenses co-municativas no podem ser confundidas constituindo, portanto, um desa& o cient& co.

    O MEIO A PELE DA CIDADEA pele da cidade marcada pelos materiais, formas, volumes e implantaes utilizados para a construo do espao edi& cado e a sua essncia se consolida na constante evoluo tcnica. Esses meios assinalam distintas peles cultu-rais da cidade e, na histria, a desenham como singularidade que, conforme a base tcnica ou tecnolgica da sua construo, manifesta-se como verdadeira exploso comunicativa e cultural. Esses meios so informao concreta e a percepo da sua representao contextualiza, ao mesmo tempo, a cidade e, sobretudo, a base de identidade simblica que a comunica. A histria da cidade est marcada por estes exemplos e um rpido vo sobre ela ser su& ciente para deixar clara esta a& rmao. Desse modo, os meios desenham a histria da cidade atravs dos suportes da sua construo e criam um ambiente que pode

  • P. 39-53 LUCRCIA DALESSIO FERRARA 45

    DOSSIDOSSI

    estimular ou impedir a comunicao que constitui seu cotidiano que, banal, no atrai a ateno cient& ca.

    Construda em pedra ou em argila, mas defendida por muralhas, palcios e templos, a cidade antiga era mais fortaleza ou cidadela do que cidade, seus meios construtivos a delimitavam fsicamente no alto de colinas ou de picos montanhosos e su& cientes para assinalar, em pedra, a perenidade e fora que a destacavam. Ao contrrio da cidade antiga, a cidade grega aliou pedra a forma quadrangular e robusta para os templos ou circular para a gora como ponto de encontro e de debate. A cidade medieval aliou pedra a cor que invadia o interior das catedrais atravs da luz que rivalizava com a sombra para iluminar ou para esconder. A cidade renascentista modelou em ortogo-nalidade, proporo e simetria a forma grega, expandiu em horizontalidade as suas janelas ou repetiu, em verticalidade rtmica, as suas colunas. Os sculos 17 e 18 colocaram a necessidade de hierarquizar, atravs da horizontalidade das grandes avenidas, os espaos centrais construdos para a visvel ostentao e os espaos perifricos que, escondidos, destinavam-se aos menos favorecidos. No sculo 19, o ferro e o vidro estruturaram os grandes espaos comerciais que passaram a indiciar a nascente industrializao da cidade, surgiram as galerias, os sales de exposio, as estaes ferrovirias.

    A revoluo industrial, com a urgncia de agasalhar grandes contingentes populacionais, iniciou a especializao urbana que, nos sculos 19 e 20, se de& niu como disciplina. Surgiu o urbanismo e a necessidade de fazer do plano urbano o grande meio de construir e fazer cidades funcionais e democrticas. Cidades que deveriam adotar um modelo que tinha como ponto de doutrina e como objetivo ensinar a viver em cidades radiosas: A cidade deve assegurar, nos planos espiritual e material, a liberdade individual e o benefcio da ao coletiva ( Corbusier, 1993: 75). Razo e tecnologia, plano e concreto com Braslia frente, aliaram-se para construir outra cidade capaz de adiantar-se ao tempo e, com e& cincia tcnica e tecnolgica, concentrar cinquenta anos em cinco.

    Porm, se o avano tecnolgico dos materiais permitiu a possibilidade de construo da cidade partindo de planos e programas, para enfrentar a neces-sidade de comunicar valor e escala social, as fachadas invadiram a cidade ps-moderna e, escondendo o interior, mostraram-se em granito, vidro, ao, titnio reluzentes, ao mesmo tempo em que transformaram o meio em mdia.

    A IMAGEM DA CIDADE A SUA MDIAA tentativa de criar um lugar atravs do qual se possa mimetizar e parafrasear lugares domina a mdia da cidade. Nessa linearidade, a cidade como mdia surge e se exaure na lgica fechada do seu sistema que, auto-su& ciente, impede relaes

  • 46 MATRIZes N. 2 abril 2008

    Cidade: meio, mdia e mediao

    ou vinculaes associativas que podem permitir a descoberta da cidade nas suas diferenas e particularidades. Ao contrrio, nessa redundncia se inscrevem, ao mesmo tempo, a e& cincia miditica da imagem e sua fragilidade que a faz descartvel na prpria dinmica da sua linearidade ou mimese. Quanto mais e& ciente como efeito de uma causa, mais rpida e perecvel a percepo visual da imagem. A mimese contamina a visualidade da cidade e, ambas, estabelecem as bases estruturais da mdia que se con& gura como espetculo e preserva seu carter de exponibilidade que, distncia, extasia os olhos, mas impede o contato.

    Nessa mimese ou parfrase, a cidade se repete e se sincroniza atravs de diversas tecnologias, meios e, sobretudo, outras mdias. Situando-se entre mdias, a cidade um eixo gerador de uma midialogia cuja lgica , de um lado, responsvel pela sua presena constante como base temtica em vrias mdias e sobretudo naquelas de massa e, de outro lado, promove o dilogo entre as mdias que nela atuam e com ela interagem estabelecendo-se, entre elas, uma intensa economia persuasiva. Nessa sincronia miditica, entende-se a mundia-lizao da cultura que encontra, nas grandes cidades atuais, o terreno pronto para reproduzir-se e atualizar, de modo simplista, a metfora da aldeia global ou, mais recentemente, na frmula da cidade light de frgil personalidade ou baixa densidade que Rem Koolhas (2002) cunhou para referir-se a Houston.

    A imagem a mdia da cidade sob a gide do visual que distorce a realidade para se tornar palatvel percepo rpida e inconsequente. Uma cidade prt porter como se fosse miniatura de um brinquedo ou caricatura favorvel ao jogo comercial e empresarial que a utiliza como seu objeto. Essa linearidade entre causa e efeito faz com que a imagem seja o alicerce e o instrumento de uma operao de centralismo miditico que determina um modo de ver, usar e valorizar a cidade e faz com que a indiscutvel base icnica da imagem migre para uma interpretao que transforma o cone em emblema e empreste midialogia da cidade uma representao simblica. A imagem , portanto, a primeira forma de comunicao entre a cidade e o usurio atravs dos seus cones / simblicos que, justapostos ou no, so a primeira forma inteligvel da arquitetura como cdigo cultural.

    A cidade como objeto construdo atravs da su& cincia visual que deter-mina a linearidade entre a imagem e a codi& cada percepo dos seus smbolos encontra, no & nal do sculo 19 e no sculo 20, ampla divulgao. A visualidade como suporte da imagem transforma a cidade em cenrios distintos que vo da simples fruio utilidade persuasiva e ao consumo com demarcao de distintos olhares. As duas Franas, estudadas por Benjamin, so exemplos concretos desse percurso: se desenvolvem de 1828 a 1913 e so marcadas pelos

  • P. 39-53 LUCRCIA DALESSIO FERRARA 4747

    DOSSI

    primeiros efeitos urbanos da Revoluo Industrial at a criao de estabele-cimentos industriais mais complexos que levam caracterizao das & guras clssicas do patronato e do operrio, da de& nitiva dupla produo em massa e consumo, da migrao rural e do consequente adensamento populacional que constituem exemplos concretos daquele cenrio e da sua imagem.

    Enquanto fruio, a imagem est relacionada paisagem da cidade. Nesse caso, paisagem no cenrio, ao contrrio, agente de uma dinmica cultural que, enquanto mdia, elimina as dimenses perceptivas que distinguem visua-lidades para atuar como controle de um modo de ver programado distncia pelos veculos de comunicao de massa, para ser fruda em doses homeopticas e comprimidas em pores ou pedaos metonmicos da cidade selecionados para valer pelo todo e, portanto, mais retrica visual do que paisagem propriamente dita. A imagem da cidade como mdia leva, portanto, instrumentalizao da sua paisagem e da sua visualidade. Nesse domnio, o carto postal ou os lugares da cidade mostrados pela televiso so recursos geis para selecionar quadros, planos, angulaes, cores e cenas e disciplinar os modos de ver a cidade. Enquanto fruio, a cidade como mdia faz da imagem um dispositivo comunicativo que fragmenta e atomiza a paisagem a & m de ser possvel a line-aridade salientada entre causa e consequncia, entre visualidade e um modo adequado e reconhecido de ver-a-cidade.

    Dentro da mesma tica utilitria, porm mais instrumental e pragmtica, Kevin Lynch desenvolve, em 1980, e no mbito do desenho urbano, uma grande investigao que tinha por objetivo estudar como o planejamento poderia atuar como fator previdente da dinmica urbana e precioso auxiliar para estabelecer sua organizao e disciplina. As investigaes de Lynch introduzem a idia de que a imagem da cidade pode atuar funcionalmente como mapa mental susten-tado pelas imagens que, como referncias, seriam capazes de nortear, induzir e conduzir os deslocamentos na cidade a & m de ser possvel faz-los e& cientes e planejados. Para Lynch, a imagem da cidade utilizada como instrumento tcni-co para construir mapas mentais e comunicar a funcionalidade dos seus pontos de referncia. Com o mesmo objetivo pragmtico e utilitrio, a cidade como mdia utiliza a visualidade e seu dispositivo comunicativo como instrumento para o desenvolvimento da cidade miditica, mas a & m de atingir um terceiro degrau de grande e& cincia. Essa terceira manifestao da cidade como mdia , talvez, aquela que utiliza a imagem da cidade para atingir maior impacto persuasivo. Comercial e publicitria, essa imagem se transforma em objeto de desejo e de planos imaginrios que a comunicao explora e sustenta. Trata-se do turismo que inventou uma cidade mais imaginada do que real, mas sempre objeto ex-plorado pela lgica produtiva do mundo capitalista (Ferrara, 2002: 66).

  • 48 MATRIZes N. 2 abril 2008

    Cidade: meio, mdia e mediao

    Quanto mais impactante, mais recompensado se sente o homem quando encontra, na imagem, a realizao de desejos que vo da a& rmao afetiva at a segurana dos caminhos da cidade ou da identidade como nao. Este aspecto da questo nos leva a re' etir, outra vez, sobre o signi& cado da verticalidade pre-sente nas cidades mundiais do velho ou do novo mundo, mas sempre carregada de impacto perceptivo e su& cincia simblica. Atravs das torres de concreto, ao ou vidro, comunica-se a liderana de uma nao e d-se ao homem da cidade a iluso de ser o emissor daquele poder que deve contaminar o planeta. A mdia domina a cidade pela comunicao de um signi& cado de mo nica, embora parea sempre novo e original. Superar essa lgica e questionar sua unicidade constitui a primeira atuao crtica que nos permite rever o relacionamento com o mundo e com a cidade e, sobretudo, com possveis alteraes para a mediao entre o homem e o seu meio.

    Na mimese e na repetio, a cidade se caracteriza como mdia, mas se perde como mediao que, ao contrrio, surge vigorosa exatamente naqueles tecidos urbanos sem realces ou naquelas voltas imprevisveis da vida de uma cidade que, para serem encontrados, precisam ser vividos e compartilhados. Portanto, mdia e mediao no se confundem, ao contrrio, so dois processos paralelos que decorrem daqueles suportes construtivos da cidade mas que, superando sua base tcnica e tecnolgica, transformam-se em meios que se expandem em ambientes, para produzir distintos efeitos sensveis e continuidades comunica-tivas. Essa diferena e distino nos faz superar o carter miditico da cidade e atingir sua complexidade interativa.

    A CIDADE VIVIDA O GRAU ZERO DA MDIA

    A maldio implcita : queremos que a mdia nos diga algo que ainda no sabe-mos. Existe uma enorme presso para que a mdia sempre se transforme, tanto no seu contedo quanto na sua forma. O que torna difcil projetar um museu de mdia essa maldio de eventos em acelerao contnua, combinada com os problemas de se criar espaos reais e tambm espaos que sejam virtuais, efmeros ou destrutveis (Koolhaas, 2003: 33).

    Esse o desabafo de Rem Koolhaas ao & nal da apresentao de seu projetopara o Centro de Arte e Tecnologia da Mdia, edi& cado em Karlsruhe, Alemanha, em 1959. Essa declarao poder ser o mote que nos permitir re' etir sobre a diferena entre a mdia da cidade e a interao na cidade.

    Enquanto grau zero da mdia, a mediao no pode prescindir dela, mas parte dela, superando-a ou prolongando-a no enquanto consequncia,

  • P. 39-53 LUCRCIA DALESSIO FERRARA 49

    DOSSIDOSSI

    mas como possibilidade. Ou seja, no h como confundir mdia e mediao ou entend-las como apndices lineares, ao contrrio, a mediao apresen-ta intensidades e velocidades distintas porque um possvel interpretante da cidade como mdia. Ou seja, se enquanto mdia, a imagem se mimetiza na cidade e entre cidades, enquanto mediao, a cidade supera a imagem e processo, justaposio de experincias e movimento em transformao contnuos. Portanto, mdia e mediao tm distintos estatutos semiticos e cognitivos. A mdia plasma a cidade em dimenses icnicas, indiciais ou simblico-emblemticas, conforme a caracterizao visual e plstica e, so-bretudo, espetaculares dos seus processos representativos (Ferrara, 2002: 94). A mediao, ao contrrio, decorre daquela semitica visual, mas dela difere por ser a sua semiose, sua relao e extenso de sentido. Acrescenta ao signo, antes simblico, outro signi& cado apenas possvel, porque depende do processo relacional que o intrprete desenvolve como usurio da cidade, in' uenciando-a e sendo por ela in' uenciado. Ao contrrio da imagem da ci-dade que constitui representao icnica de desejos imaginrios de identidade, individual e coletiva, do usurio atravs da cidade, a mediao supe uma auto-organizao e transformao do usurio medida em que ele interfere na cidade e contribui para a prpria organizao do cotidiano que a carecte-riza. Desse modo, a mediao apresenta-se como complexa experincia que atinge, ao mesmo tempo, o usurio e a cidade e, nessa relao tica, ambos aprendem a encontrar as melhores alternativas e solues, independentes de programas e planos indutores de usos, funes e valores.

    Ou seja, a prpria mediao em processo contnuo a faz constantemen-te nova e original pois no h, na cidade, experincias que no sejam novas, embora reconheamos que o cotidiano gera comportamentos marcados pelo hbito e pela rotina. Porm, a mediao na cidade desafia aquela repe-tio levando-a, potencialmente, reverso e mudana. Nessa dinmica, a mediao substitui a eficincia comunicativa da imagem como mdia pela informao que, em processo, supe escolher entre alternativas de ao e de conduta (Wiener, 1993: 17). Na reciprocidade relacional dessa semiose, a mediao torna-se imprevisvel e em contnuo processo de inferncias de novas atualizaes mediativas. Nessa relao, toda cidade cria seu contexto comunicativo onde se encontram convergncias e divergncias de aes e valores mas, nos dois casos, surpreende-se os confrontos que caracterizam as interaes urbanas como processos vivos, de amplo contgio sistmico e complexo. A natureza desse contgio exige entender esses confrontos de valores e aes como a base da edificao dos processos de cidadania, ou seja, atravs deles podemos atingir harmonias e trocas que convergem

  • 50 MATRIZes N. 2 abril 2008

    Cidade: meio, mdia e mediao

    para uma ao coletiva, ou podemos enfrentar realidades que, divergentes, promovem diferenas, mudanas de valores, de aes e de usos que trans-formam a experincia, o cotidiano e os lugares da cidade em processos de interao complexa, mutuamente competitivos a desafiar, de modo quase incontrolvel, todas as estratgias pblicas, tcnicas e polticas de transformar a cidade em territrio de poder, conforme um princpio de ordem estabelecido.

    A mediao decorre da mdia, mas ao contrrio dela, supe substituir as ca-ractersticas mimticas por uma cognio do sistema meditico e, com isso, acaba por negar a prpria e& cincia comunicativa da mdia ou a dar-lhe outro desempenho mais crtico e conseqente. Alguns exemplos sero su& cientes para esclarecer a a& rmao.

    O Centro Pompidou (1977) erguido em Les Halles, em um velho quartei-ro insalubre e superpovoado de Paris, constitui uma interveno miditica do poder pblico do presidente Georges Pompidou para, atravs da imagem, deixar gravada, na cidade, a assinatura do seu poder, tal como & zera Napoleo III com o mercado construdo no mesmo local um sculo antes. A destruio do antigo mercado provocou grande reao pblica, mas a provocativa inter-veno arquitetnica de Renzo Piano e Richard Rogers transformaram a am-bio daquela imagem em possibilidade de devolver ao usurio o espao antes degenerado, levando-o a descobrir um novo lugar na cidade. Desde o incio, os arquitetos pensavam na possibilidade de fazer do edifcio um monumento arquitetnico e, ao mesmo tempo, um lugar capaz de resultar em um evento urbano. L utopie du Centre consiste peut-tre a vouloir reinventer la ville, jour aprs jour (Piano & Rogers, 1987: 15).

    A destruio da torres gmeas em setembro de 2001 fez com que, apesar da ao terrorista que redundou em morte e dor planetrias, mas tambm em espetculo de impacto visual, a populao mundial acordasse do sono miditico e se desse conta da realidade de outras cidades com suas respectivas populaes, valores e realidades geopolticas que se escondem e somem atrs da imagem comercial de Nova York e no so atingidas pelo efeito miditico das cidades consideradas globais. A emergncia dos con' itos e confrontos tnicos que, sem dvida, recrudesceram a partir daquele espetculo so a prova contundente do confronto comunicativo subjacente quele episdio.

    As fachadas de vidro e ao que criam uma barreira entre o interior e o exterior dos mega projetos ps-modernos exploram midiaticamente a imagem que tende a se virtualizar porque, cada vez mais, a verticalidade impe limites

  • P. 39-53 LUCRCIA DALESSIO FERRARA 51

    DOSSI

    possibilidade visual da escala humana, ao mesmo tempo em que impe outros valores para aquilo que tradicionalmente se entende como espao habitado:

    A primeira observao que em um edifcio que ultrapassa um certo tamanho, a escala torna-se to grandiosa e a distncia entre o centro e o permetro, ou ncleo e pele, torna-se to imensa, que no se pode mais esperar que o exterior revele com preciso o interior. Em outras palavras, rompe-se a relao humanista entre exterior e interior baseada na expectativa de que o exterior far revelaes e esclarecimentos sobre o interior. Exterior e interior tornam-se projetos com-pletamente autnomos e separados, a serem desenvolvidos independentemente, sem conexo aparente (Koolhaas, 2002: 13-14).

    Entretanto, a metfora do bigness criada pelo mesmo Rem Koolhass (2002: 81) procura fazer desse gigantismo uma manifestao daquele complexo con-fronto entre convergncias e divergncias apontado acima, que constitui mani-festao daquela complexidade sistmica e caraceriza os processos interativos da cidade: de um lado, a grandeza (bigness), enquanto mdia das grandes cidades complementa-se com o congestionamento, a insegurana, a exploso de escala entre o horizontal, que tende a desaparecer, e o vertical, as grandes distncias que di& cultam ou impedem o deslocamento e a sobrevivncia constituem efeitos comunicativos que caracterizam o viver em cidades mas, de outro lado, cons-titui uma forma de induzir a re' exo sobre o papel ideolgico da arquitetura, quando reduz a construo da vida na megalpole a uma quimera visual ou a uma exposio de formas e materiais.

    O espetculo do Guggenheim de Bilbao permitiu, por um lado, que aquela visualidade miditica desse cidade, at ento em franca degeneres-cncia, um lugar que lhe permitisse identificar-se nacional e mundialmente; de outro lado, a utilizao da mdia digital permitiu a experimentao de formas inusitadas e a explorao de novos materiais no panorama da arquite-tura mundial. A conjugao desses dois aspectos projetou sobre a Bilbao de-generada as luzes de uma cidade mundial, legitimando-a politicamente.

    Em So Paulo, a ocupao imprevista de um ponto de grande visualidade miditica como a Avenida Paulista, a transforma, de um lado, em grande praa onde se rotaciona a in' uncia da imagem dos lugares horizontais das grandes metrpoles mundiais que se concentram nas avenidas e a transformam, desde o antigo espetculo de 1968, em Paris, no lugar do espetculo urbano. Mas, por outro lado, indicia a falta, em mbito mundial, de espaos que, pela adequao da sua escala, possam permitir, agasalhar ou estimular a concentrao e a expresso pblicas, supostamente cada vez mais rejeitadas politicamente.

  • 52 MATRIZes N. 2 abril 2008

    Cidade: meio, mdia e mediao

    Em todos esses exemplos, arquitetnicos ou no, esto as possibilidades de mediao entre os povos que utilizam os recursos de diferentes mdias e sobretudo as digitais, para mostrar ao mundo aspectos culturais que precisam ser respeitados para que todas as cidades possam identi& car-se ontologicamente como um lugar para seus usurios.

    A cibercidade conectada wireless (Lemos, 2007) constitui realidade con-tempornea e est permitindo que aquela complexidade dos confrontos entre convergncias e divergncias interativas atinjam amplitude mundial e sobretudo uma expanso comunicativa inusitada. Embora a diferena de cada cidade e, nela, dos seus lugares, apresentem peculiaridades no modo de acesso infor-mao e, sobretudo, nas reaes que provocam, imperioso considerar que, nas suas diferenas, todas as cidades do mundo esto em contato e em expanso dos seus contgios que as levam a atuar de modo distinto e a providenciar respostas inusitadas para a urgente necessidade de sobrevivncia. Sem dvida, aquelas respostas no so unnimes, mas diferentes e divergentes, tendem a atuar, cada vez mais, no ambiente comunicativo dos lugares, transformados em caixas de ressonncias das interaes mundiais (Trivinho, 2007).

    Assim sendo, a cidade como mdia s se revela como mediao medida em que contempla as diferenas entre cidades e as caractersticas dos seus lugares. Se a cidade como mdia supe a lgica redundante da midialogia, a mediao supe reao e ao atentas ao movimento contnuo que organiza e reorganiza a cidade como um sistema. Em conseqncia e enquanto me-diao, a cidade no marcada pelas imagens que a simbolizam, mas ela prpria, enquanto produtora de aes e comportamentos, que se caracteriza pragmaticamente e se revela como mediao na grande experincia coletiva que dada ao homem descobrir e viver.

    Como grau zero da mdia, a mediao resistente s operaes des-critivas do seu fazer, mas est disponvel s interpretaes que sobre ela se processam gerando signi& cados e informaes. Se considerarmos, de um lado, o dinamismo tecnolgico dos materiais usados na construo e na constituio da cidade como mdia e, de outro lado, o dinamismo da cidade marcada pela mediao, seremos levados evidncia de uma outra dimenso espao-temporal. Essa dado novo se caracteriza pela experincia e pela ao que, embora sejam in' uenciados pela mdia, inauguram uma outra epistemo-logia que rejeita qualquer possibilidade explicativa e totalizante da cidade ou entre as cidades. Desse modo, possvel traar uma histria sincrnica das mdias na cidade ou diacrnica atravs das cidades percorrendo a evoluo dos seus suportes, mas ser tarefa inglria resgatar a lgica dos seus possveis processos de mediao.

  • P. 39-53 LUCRCIA DALESSIO FERRARA 53

    DOSSI

    Como grau zero da mdia, a mediao no , mas est disponvel e inaugu-ra-se como escritura cuja funo no exprimir ou transmitir valores e aes, mas impor a semiose que parte da dimenso semitica das interaes, para super-la e escrever uma histria da cidade feita do modo como nela operamos ou dela fazemos parte. A mdia sinaliza a cidade atravs das suas imagens, mas a mediao permanece cognitivamente na experincia que produz sua metamorfose feita de convergncias e divergncias.

    REFERNCIASCALVINO, Italo (1991). As cidades invisveis. So Paulo: Companhia das Letras.FERRARA, Lucrcia D Alessio (2002). Os lugares improvveis. In: Turismo e Paisagem

    (org. Eduardo Yazigi). So Paulo: Contexto._______, (2002). Por uma semitica visual do espao. Design em espaos. So Paulo:

    Rosari.JACOBS, Jane (2000). Morte e vida das grandes cidades. So Paulo: Martins Fontes.KOOLHAAS, Rem (2002). Conversa con Estudiantes. Barcelona: Gustavo Gili.LE CORBUSIER, (1993). A carta de Atenas. So Paulo: Hucitec-Edusp.LEMOS, Andr (2007). Cidade e mobilidade. Telefones celulares, funes ps-massivas

    e territrios informacionais. Matrizes. Revista do Programa de Ps-Graduao em Cincias da Comunicao da Universidade de So Paulo. N. 1, outubro de 2007.

    LYNCH, Kevin (1982). A imagem da cidade. Lisboa: Edies 70.MAFFESOLI, Michel (2007). O conhecimento comum introduo sociologia compre-

    ensiva. Porto Alegre: Sulina.PIANO, Renzo & ROGERS, Richard (1987). Du Plateau Beaubourg au Centre Georges

    Pompidou. Paris: Editions du Centre Pompidou.ROSSI, Aldo (1995). A arquitetura da cidade. So Paulo: Martins Fontes.RYKERT, Joseph (2004). A seduo do lugar. So Paulo: Martins Fontes.SITTE, Camillo (1992). A construo das cidades segundo seus princpios artsticos. So

    Paulo: tica.TAFURI, Manfredo (1985). Projecto e utopia arquitectura e desenvolvimetno do capita-

    lismo. Lisboa: Presena.TRIVINHO, Eugnio (2007). A dromocracia cibercultural. Lgica da vida humana na

    civilizao meditica avanada. So Paulo: Paulus.WIENER, Norbert (1993). Ciberntica e sociedade. O uso humano dos seres humanos.

    So Paulo: Cultrix.