cidadania transformando lixo em sonhos - inovação...

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Giselle de Araujo Barroso cresceu entre tecidos, agulhas, linhas e a máqui- na de costura de sua mãe, que costurava para fora e costumava presentear as filhas com bonecas feitas de retalhos. Inspirada em sua própria história, Giselle, hoje pro- prietária da fábrica de roupas para dor- mir Encanto de La Luna, que fica em Nova Friburgo, Rio de Janeiro, teve a ideia de aproveitar as sobras de tecido da fabri- cação de pijamas e camisolas para con- feccionar bonecos de pano e vendê-los junto com as roupas. Assim surgiu a bone- ca Luna, a primeira de uma série de per- sonagens que compõem hoje o projeto de responsabilidade social da empresa, que une reciclagem e inclusão social. Nova Friburgo, maior produtor de lin- gerie do país, gera cerca de cem tonela- das de resíduos por mês. Segundo Giselle Barroso, a fabricação de camisolas e pija- mas gera uma perda considerável de teci- dos, algo em torno de 30%. “Como as rou- pas são grandes, esse desperdício é ine- vitável”, diz ela. Com a fabricação dos bonecos, a empresa recicla 80% do lixo gerado. “Os bonecos se tornaram um dife- 48 Na confecção de camisolas e pijamas, como as peças são grandes, o desperdício de tecido é inevitável Fotos: Divulgação por Patrícia Mariuzzo C I D A D A N I A Transformando lixo em sonhos PROJETO DE FÁBRICA DE PIJAMAS LOCALIZADA NO RIO DE JANEIRO UNE RECICLAGEM, REUTILIZAÇÃO E INCLUSÃO SOCIAL

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Giselle de Araujo Barroso cresceuentre tecidos, agulhas, linhas e a máqui-na de costura de sua mãe, que costuravapara fora e costumava presentear as filhascom bonecas feitas de retalhos. Inspiradaem sua própria história, Giselle, hoje pro-prietária da fábrica de roupas para dor-mir Encanto de La Luna, que fica em NovaFriburgo, Rio de Janeiro, teve a ideia de

aproveitar as sobras de tecido da fabri-cação de pijamas e camisolas para con-feccionar bonecos de pano e vendê-losjunto com as roupas. Assim surgiu a bone-ca Luna, a primeira de uma série de per-sonagens que compõem hoje o projetode responsabilidade social da empresa,que une reciclagem e inclusão social.

Nova Friburgo, maior produtor de lin-

gerie do país, gera cerca de cem tonela-das de resíduos por mês. Segundo GiselleBarroso, a fabricação de camisolas e pija-mas gera uma perda considerável de teci-dos, algo em torno de 30%. “Como as rou-pas são grandes, esse desperdício é ine-vitável”, diz ela. Com a fabricação dosbonecos, a empresa recicla 80% do lixogerado. “Os bonecos se tornaram um dife-

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Na confecção de camisolas e pijamas, como as peças

são grandes, o desperdício detecido é inevitável

Fotos: Divulgação

por Patrícia Mariuzzo

C I D A D A N I A

Transformando lixo em sonhos

PROJETO DE FÁBRICA DE PIJAMAS LOCALIZADA NO RIO DEJANEIRO UNE RECICLAGEM, REUTILIZAÇÃO E INCLUSÃO SOCIAL

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renciam do padrão debrinquedos no mer-

cado. Kadu foi o pri-meiro boneco depano brasileiroque representa

uma criançacom síndromede Down. Ele

também foi ins-pirado na histó-

ria pessoal de Giselle, quetem na família uma pessoa

portadora da síndrome. Para executara ideia ela fez uma parceria com umaescola especializada no atendimentode crianças com síndrome de Down emNova Friburgo. A confecção das bone-cas se tornou uma das oficinas de tera-pia ocupacional para as crianças daescola. No início eram produzidas cer-ca de 100 bonecas por mês. Como ademanda pelos bonecos cresceu, Giselleresolveu profissionalizar a produção,passando a confeccionar os bonecos nafábrica de roupas. Hoje, segundo ela,são produzidas de três a quatro mil uni-dades. Além do Kadu, a Encanto fabri-ca Vivi, que retrata uma menina obesa,um índio e uma boneca negra. Essespersonagens, juntamente com a bone-ca Luna, formam o Clubinho da Luna,

um site na internet onde as crian-ças podem interagir com osbonecos. O personagem Kadu éo campeão de mensagens, mui-

tas delas de pessoas com sín-drome de Down. “Os únicos teci-

dos que eu compro são ospara a pele da

Malu, a bo-neca negra e

do índio Apo-ena, pois não produzo pija-

mas nessas cores. Todo oresto vem da reutilização

de resíduos”, explica Gi-selle.

ERA UMA VEZO projeto também originou O diá-

rio de Luna, livro que conta a históriados bonecos. A obra, que já vendeu maisde duas mil cópias, foi adotada em algu-mas escolas de Nova Friburgo, ondeGiselle faz palestras sobre reciclageme inclusão social. “Por meio dos bone-cos, conto minha experiência pessoale sobre como arranjei uma solução paranão poluir. As crianças e os professoressão muito receptivos, temos tido umbom retorno desse trabalho”, conta. Umdeles é a adoção do livro em diversasescolas. No Colégio Veríssimo, na cida-de do Rio de Janeiro, a história de Lunae seus amigos é lida pelos alunos daeducação infantil até o sexto ano doensino fundamental. Segundo a psicó-loga Glória Marques, que coordena osprojetos com o livro no Colégio, o con-teúdo é aproveitado em várias disci-plinas, como geografia e ciências. Aescola também utiliza os bonecos nasaulas. “O lúdico é muito importantenesse trabalho. Para as crianças é impor-tante ir além da imaginação e os bone-cos trazem a história para o concreto”,diz ela. Ainda segundo ela, ao trazertemas como a síndrome de Down, onegro, da criança que trabalha (o per-sonagem Zeca trabalha e estuda) ou aobesidade, os alunos têm a chance deaprender que ser diferente não é neces-sariamente ser limitado. “Temos quemostrar o potencial de cada pessoa evalorizar isso. É preciso quebrar o estig-ma da penalização e acionar a mobili-zação”, acredita a psicóloga.

Este ano devem ser lançados maisdois personagens: a cadeirante Funny eMané, um menino que não vai à escola.“Nossa intenção é mostrar que as dife-renças têm que ser aceitas com natura-lidade, daí a ideia de oferecer às criançasbrinquedos que retratem várias manei-ras de ser”, afirma a proprietária da con-fecção.

rencial, agregando valor aos meusprodutos”, conta Giselle. Eles podemser vendidos separadamente, mas ocarro-chefe da empresa são kitsque incluem pijamas ou camiso-las, uma bolsa e os bonecos.“Nosso público é muito variado.Vendemos para lojas de lingerie,papelarias, escolas etc. Com afabricação dos bonecos, aumen-tamos nossa grade de opções de pro-dutos”, diz ela.

PRODUÇÃO SUSTENTÁVELNa opinião de Giselle Barroso, na maio-

ria das vezes o desperdício ocorre por fal-ta de conhecimento. Para incentivar outrasiniciativas como a da Encanto de La Luna,a empresária fez uma parceria com aUniversidade Estadual do Rio de Janeiro(Uerj), para implantar o Centro deValorização de Resíduos em Nova Fribur-go. O lançamento do projeto foi feito emjulho durante a Feira Brasileira de ModaÍntima, Praia, Fitness e Matéria Prima(Fevest). O objetivo do novo projeto é des-tinar 80% dos resíduos para reciclageme 20% para reutilização, com capacitaçãode mão-de-obra para fabricação de bone-cos, bijuterias, estopas e artesanato emcooperativas de trabalho. “Nossa inten-ção é organizar as ações já existentesde maneira articulada, de modo atrazer benefícios para todo o pólode Nova Friburgo, tornando-ouma referência no Brasil emaproveitamento de resíduos”, afir-ma.

INCLUSÃOA l é m

da questãodo impactoambiental, o projeto criadopela Encanto de La Luna,busca promover inclusãosocial. Isso porque os bone-cos desenvolvidos se dife-

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