cidadania e educação em ciências

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  • 7/21/2019 Cidadania e educao em cincias

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    PRTICAS DE CIDADANIA NO ENSINO DE CINCIAS:TRABALHO COLETIVO DE ENSINO E DE APRENDIZAGEM

    Ins Trevisan1Terezinha Valim Oliver Gonalves2

    1Universidade do Estado do Par Campus Altamira,Departamento de Cincias Naturais DCNA,[email protected]

    2Universidade Federal do ParNcleo de Pesquisa e Desenvolvimento da Educao Matemtica e Cientfica, [email protected]

    ResumoA investigao envolve professores de cincias de Altamira, municpio situado na regiooeste do Estado do Par, e teve como propsitos: i) compreender as razes que levam ossujeitos a desenvolver atividades que contribuam para a formao cidad; ii) identificarelementos presentes no fazer pedaggico que favorecem a aprendizagem para a cidadania.Trata-se de uma pesquisa qualitativa, na modalidade narrativa, utilizando como

    instrumento investigativo entrevista semi-estruturada na coleta dos relatos orais. Percebe-

    se que a inteno, da maioria das entrevistadas ao ensinar cincias se situa em darcondies intelectuais aos alunos para compreender processos naturais e tecnolgicospresentes no mundo que os rodeia e comportarem-se nele como atores responsveis. Entre

    os elementos que possibilitam o ensino de cincias com vistas cidadania, destacaram-se:participao em f runs escolares, projetos temticos, socializao das atividades decincias, tomada de postura, cuidado no fazer pedaggico, entre outros, o que permitiu aconstruo de princpios educacionais.

    Palavras-chave: Ensino deCincias; Cidadania; Prtica Docente.

    Abstract

    The research involves the science teachers of Altamira, municipality located in the western

    region of ParState, and had as objectives: i) understand the reasons why the subjects todevelop activities that contribute to forming citizen ii) to identify elements present in

    teaching to promote learning for citizenship. This is a qualitative research, in narrative

    form, using semi-structured interview to collect oral narratives. It is perceived that the

    intention of most of the interviewees to teach science is to give students the intellectual

    conditions for understanding natural processes and technology in the world around them

    and behave themselves as responsible actors in it. Among the elements that allow the

    teaching of science with regard to citizenship, there are: participation in educational

    forums, thematic projects, socialization of the activities of science, taking a position,

    careful to make teaching, among others, which allowed the construction of educational

    principles.

    mailto:[email protected]:[email protected]
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    Keywords: Teaching of Science, Citizenship, Practice teacher

    Prticas de Cidadania no Ensino de Cincias: trabalho coletivo de ensino

    e de aprendizagem

    Ins Trevisan

    Terezinha Valim Oliver Gonalves

    INTRODUO

    Um dos grandes desafios educao em cincias com vistas cidadania, estemconstruir estratgias mediadoras que ajudem o aluno/cidado a utilizar, de formaconsciente, produtiva e racional/emocional o seu potencial de pensamento. Para tanto, as

    deliberaes ou tomadas de deciso assumem um lugar de destaque. Segundo Santos(2005, p. 145), as deliberaes exigem uma articulao da aprendizagem do pensar

    aprendizagem da ao. Neste sentido faz-se necessrio situar, entre essas duas categoriasde aprendizagem, a aprendizagem da deliberao. Concordo, ainda, com a autora, quando

    afirma que educar para o exerccio da cidadania exige aprender a produzir conseqncias,ou seja, agir.

    Foi este pressuposto inicial que motivou a presente pesquisa, no sentido de investigar

    a prtica pedaggica de educao em cincias no ensino fundamental de professores dazona urbana de Altamira, Estado do Par. Compreendemos que os principais protagonistasda formao cidad na escola so aqueles que sustentam as prticas escolares, ou seja,professores, alunos e pais. E, assim, realizamos esta pesquisa, voltada para a formaocidadem aulas de cincias, procurando responder questo central: como se configura aprtica docente no ensino de cincias com vistas cidadania?

    Para tanto, buscamos compreender as razes que levam os educadores de cincias adesenvolver atividades que contribuam para a formao cidade identificar os elementospresentes em sua prtica docente que tendem a favorecer a aprendizagem para a cidadania.

    Para os propsitos das discusses trazidas neste artigo, esclarecemos que

    consideramos que a cidadania no se constri apenas pela eficincia tcnica, mas, tambm,por aes polticas em favor da recriao de uma sociedade mais humana e terrena.

    CAMINHOS CONSTRUDOS NA TRAJETRIA DE PESQUISA

    A metodologia que define a pesquisa nos levou a discusses tericas de naturezaqualitativa, pois o objeto de estudo trata de fenmenos educacionais que do mais nfaseao processo do que aos resultados, sendo esta abordagem mais adequada investigaoeducacional. Assumimos a modalidade de pesquisa narrativa, que possibilita a

    reconstruo de histrias e memrias compartilhadas. Conforme Connelly e Clandinin

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    (1995, p.11), os seres humanos so organismos contadores de histrias, pelas quais

    aprendem e ensinam uns aos outros. Percebemos a pesquisa qualitativa na modalidade

    narrativa adequada para atender o propsito de explorar e organizar este potencial humano,buscando produzir conhecimento sistematizado por meio de histrias vividas e relatadas.

    Para isso, ouvimos as histrias dos sujeitos, na forma de entrevistas semi-estruturadas, queresultaram em relatos que possibilitam reconstruir, comparar e analisar histrias vividaspor professores em sua prtica docente de Educao em Cincias. As narrativas presentesnesta investigao foram relatadas individualmente por seis professoras do ensino decincias do fundamental sries/finais, atuantes em escolas pblicas da zona urbana deAltamira. Os relatos obtidos por meio de entrevista semi-estruturada, seis ao todo, foram

    colhidos individualmente pesquisadora/pesquisado com durao de aproximadamente duashoras cada, e centrava em trs ncleos ideacionais. Em um desses ncleos, buscamosanalisar as prticas que os professores julgam mais significativas, sejam elas realizadascom seus alunos dentro ou fora da sala de aula. Nesse processo, o sujeito retoma sua

    histria profissional, revelando fatos de sua trajetria que consideram importantes no seufazer pedaggico. Em outro ncleo, buscamos verificar como os professores de cinciasarticulam com os demais componentes da escola, formas de organizao do processoeducativo. No terceiro e ltimo ncleo de idias buscamos compreender o que os sujeitospretendem com seus alunos ao ensinar Cincias. Neste processo, revelam suas intenes,perspectivas, concepes e compromissos que assumem ao ensinar cincias. Esses dilogosforam gravados e posteriormente transcritos e analisados.

    Para compreenso do material emprico, utilizo a anlise textual discursiva, a partirde Moraes e Galiazzi, (2007). Ao examinarmos o corpus, por meio da desconstruo,unitarizao e categorizao dos textos transcritos, buscamos ncleos de sentido, que

    possibilitaram compreenso mais profunda acerca de pensamentos, concepes esentimentos das professoras, ao relatarem sobre sua prtica docente. Nesse processo, pudeme ater, de um lado, nas comunalidades que emergiram de suas falas e, de outro lado, nas

    singularidades entre as idias e posicionamentos manifestos.

    RESULTADOS: O QUE PENSAM E FAZEM OS PROFESSORES DE CINCIAS

    INVESTIGADOS

    Na prtica pedaggica, comum percebermos por parte dos professores nfase dadaaos contedos especficos. Essa supervalorizao dos contedos est ligada supervalorizao da cincia que, para Santos (2007, p. 6) gerao mito da salvao dahumanidade, ao considerar que todos os problemas humanos podem ser resolvidos

    cientificamente. Isso leva o ser humano a uma dogmatizao da cincia, que se torna grave,considerando o seu significado para a formao de novas geraes, trazendo sriasconseqncias para a educao cidad, levando os alunos a aprenderem de formaequivocada, porque todo fundamentalista, segundo Boff (2001), surdo aos argumentos dointerlocutor e, portanto, inimigo do dilogo. Essa incapacidade de reaprender demonstraque devemos, cada vez mais, no estarmos demasiadamente certos de nossas certezas

    (FREIRE, 2006),

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    Neste sentido, importante questionar constantemente sobre os fundamentosepistemolgicos e pedaggicos da educao em cincias, pois o conhecimento construdonum processo intercalado por crises, rupturase reestruturaes, num processo permanentede mudanas (KUHN, 2005). Sabemos que a ao docente est ligada a diferentes

    concepes, envolvendo cientificidade e educao, bem como a posicionamentos polticose sociais. Nesta pesquisa, quatro das seis professoras compartilham a idia de que o ensinode cincias tem como pressuposto educar para vidae centram suas intenes no o queeporquensinam quando dizem ensinar, em seus prprios termos, no sentido de:

    Preparar o cidado com uma viso ampla. Estou preparando um aluno para futuramente ele estar frente dosproblemas da sociedade e saber conviver com esses problemas, mas tambm procurar solues para essesproblemas. (Snia).

    A disciplina Cincias aborda temas relevantes e atuais, o que estacontecendo no mundo. Assim, eu tenho deprepar-los para a vida, porque cuidaro deste planeta. Eu tento passar que h necessidade de cuidar do

    planeta. O professor no tem que se prender sno livro, pois o professor tem de preparar o seu aluno para omundo. (Ana)

    Percebemos nos depoimentos das professoras que elas buscam promover viso demundo, no sentido de dar condies aos alunos para compreender processos naturais e

    tecnolgicos, dominar linguagens, enfrentar problemas, desenvolver curiosidade e apreo

    pela cultura cientfica,como aponta Menezes (2005, p. 115).

    As professoras declaram estar buscando desenvolver uma educao em Cincias quepromova uma viso de mundo como um todo, global, contrapondo-se, no nosso entender, aum ensino restrito aos aspectos locais. Parece possvel aproximar as intenes dasprofessoras ao que prope o relatrio Delors (1999, p. 100), que defende um modelo deeducao capaz de fornecer aos alunosforas e referenciais intelectuais que lhes permitamcompreender o mundo que os rodeia e comportar-se nele como atores responsveis e

    justos.

    A prtica das professoras estimula e desafia os contedos programticos para oensino de cincias na educao bsica, pois reflete sobre afuno social dos contedos,como apontam Santos e Schnetzler (1998), na proposio de uma educao em cincias ecidadania. Uma educao para a conquista da participao em todos os ambientes sociais,para o desenvolvimento da capacidade de tomada de decises, ou seja, aprender a conhecere a fazer.

    A seguir, apresentamos relatos de sujeitos pesquisados que apontam a participaonos fruns escolarescomo uma condio primordial no ensino de Cincias com vistas cidadania. As deliberaes ali tomadas convergem para duas vertentes, cujas atividades sodesenvolvidas, em sua maioria, sob a forma de projetos temticos, possibilitando novosignificado ao currculo, que vai alm da sala de aula e, tambm, pela democratizao doespao fsico escolar, ambas se configurando em canais de participao que convergempara elaborao de condies favorveis ao exercido da cidadania.

    A partir do momento em que alunos e pais so envolvidos na discusso do processoeducativo, por meio dos fruns escolares, eles tm contato com a burocracia estatal, comfontes de exerccio de poder, com informaes sobre recursos e possibilidades da educaopblica. Isso contribui para uma percepo consciente acerca dos problemas pelos quaispassa a escola e se tornam parceiros na busca de soluo dos problemas. Assim se referemas professoras a esses espaos:

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    No planejamento anual, participa todas as pessoas que fazem parte da escola,

    desde a secretaria, serventes, associao de pais. Os alunos, por meio dosrepresentantes e vice-representantes de turma, e depois eles levam para a turma.

    Acho isso muito interessante porque nem toda escola faz isso. (Ana)

    Nessas reunies pedaggicas se discutem os projetos que a escola realizar etambm se avaliam esses projetos, se realmente atingiu os objetivos. Verifica-seo que precisa melhorar, ou repetir. (Snia)

    As professoras situam os fruns escolares como um espao de participao, quepossibilitam diferentes dilogos por meio de sugestes, reivindicaes e contribuies.

    Esse processo de participao resulta, para Abranches (2006, p. 23), no envolvimentodos atores com novos significados no mbito poltico e social, estabelecendo uma noo

    de identidade coletiva necessria participao social e concretizao do processo

    democrtico. Com os colegiados escolares ativos, a escola passa a ser um sistema aberto, o

    processo educativo no elemento fechado, isolado, solitrio, conforme a visomecanicista, mas reativo, relacional e automodificado em presena de outros atores.As discusses nestes fruns convergem para o encaminhamento de projetos

    temticos, constituindo-se num trabalho coletivo interdisciplinar. Umainterdisciplinaridade como uma postura poltico-pedaggica e no como uma justaposioou apenas afinidade entre os contedos a serem trabalhados, ou seja, um coletivo quepropicia uma nova dinmica ao currculo. A professora Dina, ao relatar sua prtica, mostraassumir essa prerrogativa, ao estabelecer uma relao entre os contedos, as necessidadessociais e os avanos tecnolgicos existentes na comunidade. Assim se expressa aprofessora:

    Nesse ano, temos livros didticos, mas no abordam nossa realidade, semprebusco contextualizar. Por exemplo: Quando trabalhei o solo, abordei os solos da

    regio buscando averiguar sua importncia. Um pai de aluno fazia jarro de argila,fomos visitar. Levei os alunos para a feira para constatar o que era produzido em

    nossa regio. Averiguamos os tipos de solo. Eles pegavam amostras,caracterizavam, estabelecendo a diferena entre os tipos de solo. Assim,caracterizaram o solo do quintal de sua casa. Tornando o mais real possvel paraeles (Dina).

    Levamos os alunos de 5 a 8 sries ao stio de um senhor, para observar ecompreender sobre a criao de abelhas e horta orgnica [...]. Ele [produtor]comeou a explicar tudo. O jeito que trabalhava, o que possua no stio. O que nsfizemos... Deixamos por conta dos alunos para que perguntassem vontade.Quando retornamos sala de aula, solicitamos que descrevessem sobre as abelhase a horta, incluindo tambm outros aspectos que consideraram mais interessanteno dilogo. Tivemos o apoio da prefeitura com transporte. Os pais levaram aalimentao dos alunos, nos ajudaram a cuidar deles, a coordenadora pedaggicaajudou tambm. Foram trs professores, dois tcnicos agrcolas amigos meus.(Gisele)

    Percebemos, nesses depoimentos, que os conceitos cientficos apresentados na salade aula tm relao com as necessidades sociais, pertencem realidade imediata do aluno e

    se relacionam com os avanos tecnolgicos dos quais a maioria dos cidados usuria.Isso nos leva compreenso de um o ensino de cincias como linguagem, que facilita o

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    entendimento do mundo pelos alunos, permitindo o desenvolvimento das habilidades

    essenciais do cidado, pela insero dos alunos nos espaos de que a comunidade dispe.Nesta perspectiva, vamos ao encontro de Chassot, (2001), Krasilchik; Marandino,

    (2004) e Santos; Schnetzeler (1998), os quais visualizam um modelo de ensino de cincias

    transformando-se em um instrumento para a alfabetizao cientfica dos cidados, que osajuda a compreender os problemas da sociedade atual e os capacita a tomarem decisesfundamentadas e responsveis.

    As professoras, sujeitos da pesquisa, viabilizam diferentes perspectivas de

    aprendizagem e compreenso do mundo, ao atuarem pedagogicamente em espaos scioambientais de ensino e de aprendizagem e mostram ser possvel capitalizarpedagogicamente tudo o que a cidade/municpio oferece praas, rios, roados, feiras,entre outros, para desenvolver a alfabetizao cientfica, tornando-se espaos importantespara a formao cientfica bsica. Esses espaos so complementares ao da escola,reforando o prprio sentido do aprendizado.

    De certa forma, a utilizao desses espaos constitui-se um crculo virtuoso, pararomper o crculo vicioso de um ensino meramente discursivo ou livresco, dando lugar aprticas participativas que trabalham o contexto. As iniciativas de ensino que possibilitamesta vivncia, segundo Menezes (2005, p 119),possuem duas vertentes: de um lado, o usode equipamentos culturais mais ricos e dinmicos e, de outro, a investigao da realidade

    vivencial, urbana ou rural, social e produtiva, na qual as cincias tm mltiplas

    presenas. Nesta perspectiva, o ensino em cincias e cidadania ocorre de maneira a nosimplesmente acumular informaes, mas efetivamente poder us-las para tomar decisesfrente s atuais questes scio-ambientais e isso demanda aquisio permanente de novosconhecimentos, possibilitando uma compreenso pblica da cincia.

    As parcerias, articuladas para o desenvolvimento da ao pedaggica, do sentido dechegar meta a ser alcanada. Os alunos, professores, seus conhecimentos, suasconcepes, suas necessidades norteiam as escolhas sobre o porqu e o como explorardeterminados assuntos/temas e, assim, a escola pode firmar-se na comunidade com feioprpria e conectada aos seus interesses e necessidades, permitindo uma ao pedaggicacompartilhada, que possibilita o desenvolvimento humano e social, o que para Krasilchik e

    Marandino (2004 p. 30) se d numprocesso de dilogo entre diferentes elementos dacultura a cientfica, o senso comum, os conhecimentos dos variados grupos. Essa

    articulao entre os diferentes profissionais ligados produo e divulgao doconhecimento uma meta que ainda necessita ser intensificada no sentido de promover a

    alfabetizao cientfica na sociedade.A democratizao do espao fsico e pedaggico da escola se constitui em

    estratgias de acolhimento da comunidade escolar, um espao que necessita no spermanecer de uso da escola, mas ser ampliado, uma vez que a cidade oferece poucos

    espaos de convivncia social, fazendo-se necessrio o uso por parte da comunidade desseespao escolar para que possa participar e desenvolver suas atividades. Os depoimentos aseguir evidenciam essa compreenso, nos seguintes termos:

    Estamos abrindo espao a eventos da comunidade, por exemplo: as igrejassolicitam o espao nos finais de semana para realizar seu congresso e a gente

    libera. A comunidade solicita e cedido para jogos, programaes, para grupo dedana de quadrilha. (Sonia)

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    Comunidade participa quando tem algum evento, noite cultural ou feira de

    cincias. (Rosa)

    Uma aula que eu achei muito significativa foi com uma turma de 6a. srie.Trabalhei solo, sua aplicao e a interao do solo com vegetais. Ns montamoscanteiros, preparamos o solo, depois recolhemos certa quantidade do solo em

    copinhos. Plantamos e ficamos acompanhando o desenvolvimento do vegetal

    (coentro). Cada um levou o copinho para sua casa, onde observaram a interaoentre o vegetal e o solo. Depois fizemos uma mini-horta na escola, para analisar

    a interao entre a planta e os animais, que muito importante. Foi muitoprodutivo. [...] Quando crescidas utilizamos para a merenda escolar. (Rosa)

    Esta atitude pe em destaque a capacidade e a intencionalidade da escola depromover a coeso social, indo ao encontro do que Abranches (2006) aborda com respeito gesto colegiada declarando que a escola, ao disponibilizar seu espao fsico comunidade, pode proporcionar uma transformao da percepo de organismogovernamental, para percepo de organismo pblico, gerando mudanas na viso daescola, tanto para aqueles que esto dentro dela, quanto para moradores da comunidade.Exercitando esforos no sentido de aprender a conviver, que se concretiza por meio dacooperao da escola com outros agentes sociais: os estabelecimentos de sade, asassociaes sociais e outros parceiros do tecido social circundante.

    As estratgias pedaggicas de acolhimento comunidade esto vinculadastambm socializao de atividades festivas, noites culturais e de ensino de cincias,feiras de cincias e horta escolar, ambas so maneiras encontradas para manter elo entreescola e comunidade. Nessas aes pedaggicas, os pais geralmente participam comocolaboradores e se envolvem nas atividades que so desenvolvidas e apresentadas pelosfilhos em eventos.

    As professoras, ao desnvolverem tais atividades, esto fazendo uso deestratgias que chamam a comunidade participao da vida escolar e, assim, articulam aconstruo de conhecimentos, que possibilita a compreenso de temas e problemas deforma compartilhada, levando pais, alunos e professores a refletirem e se sensibilizarem,

    contribuindo para a formao de valores e de atitudes. E, assim, a escola, como sugereCapra (2003, p.31), por meio de suas aes passa a constituir verdadeiras comunidades deaprendizagens nas quais experincias e desafios intelectuais so vivenciados e no

    apenas verbalizados, configurando-se aprendizado ativamente participativo.

    Esses elementos que emergiram da pesquisa possibilitam reconhecer que as

    condies institucionais se configuram fator primordial no processo de ensino e deaprendizagem, pois a democratizao do espao fsico/pedaggico e fruns escolarespossibilitaram deliberar e vivenciar procedimentos e posturas na prtica docente quese tornaram contedos de fato, convergindo para, aprender a viver juntos, basenecessria para o ensino que tem o propsito de trabalhar a cidadania.

    Outra caracterstica pautada na prtica docente situa-se na perspectiva do aprender aser, na qual o ensino de cincias para os sujeitos desta pesquisa conduz tomada deconscinciacom base na liberdade de pensamento, discernimento e sentimentos medianteas situaes que lhes so apresentadas ou desenvolvidas no processo de ensino e deaprendizagem, postura que desenvolve viso solidria, de modo a perceber que o outrotambm importante, convergindo para mudanas de atitude.

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    Nestes termos, o trabalho desenvolvido pode significar um estmulo mudana e noalgo que fica espera da superao, como podemos observar no relato das professoras, aseguir, ao desenvolver aes coletivas realizadas em suas escolas.

    Com a realizao do projeto, houve uma melhora no ambiente escolar, naquesto de papel no cho, pois no tinha lixeira. Houve confeco de lixeirascom lates de tinta, de madeira, de papelo. Cada turma fez a sua, fizeram e estlathoje. Cada turma tem um monitor, que fica orientando, ajudando ficandoperto deles. (Ana)

    Na visita ao lixo, os alunos observaram os tipos de lixo. Os que no deveriamestar ali, necessitando de outro destino. Conversaram com as famlias quesobrevivem do lixo e tiram o que consideram de valor para eles. O que mais

    chocou os alunos foi a disputa por restos de comida, garrafaspete papelo. Umaluno disse: Poxa, professora! Eu nunca mais vou estragar comida na minha

    casa. Devido presenciar aquelas cenas no lixo. (Dina).

    As professoras, em seus depoimentos, nos mostram que, ao desenvolver um trabalho

    em contextos interativos do cotidiano, propiciaram um envolvimento pessoal e coletivo

    entre os alunos e isso os incentiva a pensar, sentir e atuar, ou seja, acionam o cognitivo, o

    afetivo e a tendncia ao, conduzindo a uma tomada de postura que, para Coll(1998), pode acarretar mudana de atitude. Esses trs elementos deram significado eimportncia vida deles em relao a de outros, visualizando uma nova perspectiva, ovalor da ao coletiva, que se torna o novo ponto de fuga, conduzindo ao exerccio de umapostura cidad, tendo em vista que a cidadania na escola requer aprender a produzirconseqncias agir. Essa nova postura pode ser internalizada e exteriorizada paraambientes mais prximos (famlia, amigos, bairro). A isso podemos chamar de agirlocalmente. Para Sequeiros (2000), essas atitudes auxiliam na construo de novas

    tramas sociais que podem ir criando, gradualmente, uma mentalidade solidria, sensvel,

    aberta, para o agir globalmente.

    Ao desenvolver certas atividades, as professoras levam em considerao o contextoem que se efetivar idade, acesso, local, entre outros adaptando-as de acordo com aspossibilidades reais, demonstrando cuidado no fazer pedaggico, conforme relatam:

    Comuniquei os palestrantes sobre a faixa etria de meus alunos, qual era oobjetivo da palestrae porque eu havia convidado eles. (Dina)

    As crianas,de modo geral, ao freqentar as praias cortam seus ps em vidrosjogados na areia, motivo que nos levou a desenvolver esse projeto de limpeza

    das praias. Tivemos certos cuidados ao trabalhar [com a coleta de lixo na praia],

    tnhamos luvas, sacolas. (Snia, grifos meus)

    Esses depoimentos nos permitem inferir que as professoras passam a ser

    organizadoras do processo de ensino e de aprendizagem e, neste processo, inclui-se o afeto

    expresso por meio do cuidado que se constitui uma categoria essencial na tarefa de

    educar. Ressaltamos, ainda, nossa concordncia com Boff (1999, p. 100), ao afirmar queno se trata do cuidado no sentido assistencial, mas do cuidado no sentido da ateno e daresponsabilidade tico-poltica do educador. durante as atividades pedaggicas, que a

    professora vai qualificando a relao que se estabelece entre o aluno e os diversos objetosde conhecimento.

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    Ao fazer tais consideraes, oportuno lembrar Coll et al (1998, p. 147), quandoafirma que a atrao exercida pela figura do professor em seus alunos e o estabelecimento

    de laos afetivos positivos facilitara imitao de suas atitudes pelos alunos. Ou seja, a

    atitude do professor serve como reforos que marcam as pautas de conduta e transmitem os

    critrios que justificam os comportamentos diante de situaes problema. O aluno passa aperceber a importncia do educador que busca caminhos possveis para educar alm de seuterritrio(FERREIRA, 2007).

    Ento, a prtica pedaggica se estrutura sob a viso do ser humano que se indaga arespeito de seu lugar no mundo e de sua ao em relao aos semelhantes. Uma viso deconhecimento que vai mediar o eu em relao ao outro, possibilitando ao aluno a aprendera ser.

    CONCLUSES

    A constatao a que o estudo conduziu nos permite formular princpios ligados prtica docente do professorde cinciascom vistas formao da cidadania. As prticasdocentes encontram-se centradas na aprendizagem (DELORS, 1999) e podem ser

    expressas do seguinte modo:

    Princpio 1. Aprender a conhecer e a fazer Prtica docente pela qual oprofessor manifesta que reconhece e cultiva o esprito cientfico, aorepensar a cincia e sua aplicabilidade, revisando propsitos do ensino decincias. Trata-se de um fazer que desenvolve a capacidade de transitarentre os vrios saberes, estabelecendo pontes entre os saberes da academiae os da comunidade, processo implementado pela abordagem

    interdisciplinar que viabiliza a realizao de potencialidades criativas pormeio da capacidade de agir no seu ambiente/entorno. Visa promoo deuma significatividade da aprendizagem para o sujeito aprendente,

    estabelecendo uma relao menos artificial dos contedos com asrealidades dos contextos prximos e longnquos, ao considerar o espaolocal e o mundo globalizado. Serve de via para a formao de cidadosconscientes, responsveis e crticos, reconhecendo o papel da cincia emsuas vidas e o papel de suas vidas no contexto em que se encontram, com o

    uso da cincia para ler, compreender e transformar o mundo, em suasmltiplas dimenses.

    Princpio 2. Aprender a conviver Prtica docente pela qual o professorcria e participa de espaos de locuo/trocaefetiva e afetiva que permitem

    exercer a capacidade de negociao, descentralizao, enraizamento,autoformao e compreenso da interdependncia entre os integrantes daescola e da comunidade, por meio da participao nos fruns escolares, darealizao de projetos temticos, da insero em espaos scio ambientaisde ensino e aprendizagem, na formulao de parcerias, estratgias deacolhimento comunidade com o propsito de formar para a cidadania, aopossibilitar a vivncia de atividades compartilhadas que promovem a

    compreenso pblica da cincia e da cidadania responsvel.

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    Princpio 3. Aprender a ser Prtica docente que se projeta ao convviosolidrio e de novos tipos de relacionamentos, buscando a construo eorganizao de saberes coletivos propiciados por um ensino de cincias quecontribui para a tomada de conscincia, despertando nos alunos o sentido

    de pertencimento, participao e responsabilidade na busca de respostaslocais e globais. Visa construo do sujeito-subjetivao implicado nareflexo de valores em situao e no um cardpio de valoressupostamente universais a serem escolhidos e articulados. Essa prticadocente pressupe uma prtica centrada no planejamento de aescaracterizadas por uma abordagem multirrelacional dos contedos, dandonfase a conhecimentos interligados a diferentes saberes que impelem osalunos a obter orientaes propcias a alternativas favorveis dignidadeindividual e social do homem e salvaguarda da biosfera.

    Esses so princpios que, na nossa percepo, apoiada em Santos (2005, p. 60),

    conduzem a umempenhamento no sentido de 'cientifizar' a cidadania e de 'civilizar' acincia, possibilitando: i) entrelaamento de saberes e de prticas cientficas com saberes eprticas no cientficas; ii) ruptura epistemolgica que rompa com a distncia entreconhecimento e senso comum, e que proporcione condies epistemolgicas e sociais deemergncia de novas concepes multiculturais e de pluralidade de conhecimentos; iii)manuteno de alunos e professores em atitude de aprendizagem no sentido de ultrapassaro fosso entre cincia e cidado, para competentizar o cidado a aprender a lidar efetiva efuncionalmente com questes cientificas, tecnolgicas e ambientais que afetam suas vidase demais seres do planeta.

    Acreditamos que as contribuies desta pesquisa possibilitam uma reflexo crtica

    sobre a prtica curricular do ensino de cincias, auxiliando a pensar possibilidades derealizar uma prtica diferenciada de ensinar e de aprender, com vistas formao cidad.Contudo, preciso registrar que, mesmo evidenciando a vontade/inteno pessoal das

    professoras para a construo de um ensino mais humanista e comprometido com aaquisio de valores para o exerccio da cidadania, no se pode ignorar que, nesse processode mudana, as condies institucionais e a falta de cultura institucional escolar que adoteessas idias, limitam as potencialidades de propostas inovadoras.

    As inferncias deste trabalho revelam que preciso ter um professor de cinciasdiferenciado, que seja articulado com os demais componentes da escola, com instituies,com espaos scio ambientais e instituies de divulgao cientfica disponveis nacomunidade, com o propsito de se fazer um ensino de cincias centrado na aprendizagemsocialmente significativa, ou seja, que promova a aprendizagem do sentido das coisas a

    partir da vida cotidiana, vivenciando processos para abrir novos caminhos, e no apenaspara observar o caminho. A prpria significao, o sentido que pessoal ou coletivamente sedao caminhar, a pedra fundamental sobre a qual deve se assentar a significao de umaprtica que busca no dia-a-dia que os alunos se reconheam como ecocidados,responsveis pelo futuro das condies existenciais de nosso planeta, visando umacidadania planetria.

    REFERNCIAS

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