cidadania digital e redes sociais: a ampliação do...

28
“Cidadania Digital e Redes Sociais: A ampliação do horizonte cívico a novos mecanismos de participação política” Bruno Rego Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e CCIAM – Centre for Climate Change Impacts Adaptation and Modelling Colóquio “Cidadania e Sociedade do Conhecimento” Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa - 4 de Dezembro de 2012

Upload: ngothu

Post on 09-Nov-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

“Cidadania Digital e

Redes Sociais:

A ampliação do horizonte cívico a novos mecanismos de participação política”

Bruno Rego

Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e CCIAM – Centre for Climate Change Impacts Adaptation and Modelling

Colóquio “Cidadania e Sociedade do Conhecimento”

Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa - 4 de Dezembro de 2012

A cidadania face aos desafios do século XXI

- O nosso século confronta-se com cenários presentes e futuros sob o prisma do risco e da incerteza, susceptíveis de poderem conduzir a nossa civilização a um colapso do seu modelo civilizacional e, na sua probabilidade mais radical, de alterar as condições da biosfera do planeta Terra.

- Os paradigmas que fecundaram a Modernidade - crescimento económico ilimitado, ideia de progresso, crença absoluta na ciência e na tecnologia, visão utilitarista e predatória dos recursos naturais – conduziram-nos progressivamente a uma condição de vulnerabilidade ecológica e social permanente.

A cidadania face aos desafios do século XXI

- As soluções para os desafios civilizacionais que enfrentamos têm que ser equacionadas à escala global de acordo com o alcance dos mesmos.

Vejamos, em síntese, alguns dos desafios presentes e futuros do mundo contemporâneo…

Crescimento da população

- Estima-se que em 2025/2030 a população mundial atingirá os 8 biliões de habitantes.

- 97% do crescimento populacional ocorrerá nos países em vias de desenvolvimento.

- 61% da população da população viverá na Ásia, em conjunto com África, o continente que será mais afectado pelas consequências das AC.

Fonte: União Europeia, The World in 2025 Report

Megacidades

- Das vinte e cinco cidades mais populosas do mundo, actualmente apenas seis pertencem a países desenvolvidos.

- 95 % do crescimento urbano nos próximos 25 anos ocorrerá

em cidades de países em desenvolvimento e o número de pessoas a viver em bairros de lata será de 1,5 mil milhões.

Fontes: Th.Brinkhoff, The Principal Agglomerations of the World European Union, State of the World in 2025 Report

A escassez mundial de água

- Entre 1970 e 2000, a quantidade de água disponível por pessoa diminuiu de 12 900 m³ para 7000 m³.

- Actualmente, 1,1 mil milhões de pessoas não têm acesso a

água potável. - Em 2025, estima-se que serão 3 mil milhões de pessoas sem

acesso a fontes de água potável.

Fonte: União Europeia, The World in 2025 Report

Cenários de Recursos Energéticos

- De acordo com a IEA, a procura energética do mundo, em

2025, aumentará 50% em relação a 2005.

- O aumento da procura terá como principais fontes países em

desenvolvimento como a China e a Índia. - Fonte: União Europeia, The World in 2025 Report

Cenários de Recursos Energéticos

- O dado mais relevante relativamente às projecções dos recursos energéticos para as próximas décadas é o de que estamos a lidar com cenários marcados pela incerteza.

“The energy world faces unprecedented uncertainty. The global economic crisis of 2008-2009 threw energy markets around the world into turmoil and the pace at which the global economy recovers holds the key to energy prospects for the next several years”.

- Fonte: IEA, World Energy Outlook 2010, Executive Summary

A cidadania face aos desafios do século XXI

Dado que os problemas que enfrentamos apenas encontram resolução num quadro de cooperação política no plano internacional, torna-se necessário repensar o funcionamento de alguns dos mecanismos e conceitos das instituições democráticas.

Entre eles, a noção de Estado-nação e o próprio conceito de cidadania no sentido de ser possível uma participação mais activa, comprometida e esclarecida por parte da sociedade civil nos desafios globais que enfrentamos.

A cidadania face aos desafios do século XXI

Com a emergência das tecnologias de informação e comunicação – TIC - nas últimas duas décadas, possibilitando estas a criação de plataformas de interacção em tempo real entre utilizadores a nível planetário começam-se a esboçar novos matizes que conferem novas dimensões ao exercício da participação cívica. Antes de entrarmos propriamente nelas, revisitemos as teses fundamentais de dois autores que preconizam a relação entre as TIC e a necessidade de incrementação da participação da sociedade civil no espaço público: Ulrich Beck e Manuel Castells.

Ulrich Beck: a criação de uma nova cultura política face aos riscos contemporâneos

Para Beck, autor de Risk Society (1986), o conceito que melhor descreve a volatilidade do século XXI é o conceito de risco. Segundo ele, vivemos numa sociedade dominada pela incerteza e insegurança criadas por uma série de ameaças ambientais e tecnológicas provenientes das actividades da ciência e da tecnologia que, devido à imprevisibilidade dos seus efeitos, colocam-nos perante a inadequação das instituições políticas, sugerindo a necessidade de revisão e questionamento do seu modo de funcionamento.

Ulrich Beck: a criação de uma nova cultura política face aos riscos contemporâneos

A incapacidade das instituições políticas em gerirem de forma eficaz os efeitos das situações de risco propiciou a criação de uma nova cultura política em que os processos de tomada de decisão foram ampliados a actores institucionais que anteriormente ficavam de fora do mesmo: é o que Beck designa como subpolítica.

Esta sugere o equilíbrio do sistema democrático através do aumento da participação da sociedade civil como stakeholder nos processos de tomada de decisão e de uma opinião pública melhor informada face a temas ambientais e tecnológicos.

Manuel Castells e A Era da Informação

Um dos conceitos que melhor retrata uma sociedade profundamente marcada pela tecnologia é o conceito de sociedade em rede, formulado por Manuel Castells em A Era da Informação. Segundo ele:

“Uma revolução tecnológica, centrada nas tecnologias de informação, começou a remodelar, de forma acelerada, a base material da nossa sociedade”. (2005: 1)

Manuel Castells e A Era da Informação

De acordo com Castells, esta revolução:

- Difundiu-se num período de reestruturação global do capitalismo, transformou o sistema económico e provocou a sua interdependência global (2005: 15);

- Alterou a natureza da relação entre Estado e sociedade, bem como dos intervenientes no sistema político (2005: 1);

- Modificou a base da esfera comunicacional do indivíduo criando novos modos de comunicação (2005: 3).

Cidadania digital e Globalização: um só mundo

Sendo um fenómeno que só recentemente começou a merecer a atenção por parte da comunidade académica, a melhor definição que se pode encontrar de cidadania digital é a da obra coordenada por Karen Mossberger, Digital Citizenship - The Internet, Society and Participation:

«“cidadania digital” é a capacidade para participar na sociedade online» (2008: 1).

Cidadania digital e Globalização: um só mundo

Além de possuir um capital elevado de potencial participação política, a sociedade em rede trouxe enormes benefícios a esse nível, aumentando o empenho cívico dos indivíduos (2008: 2).

Nesse sentido, os cidadãos digitais,

“[…] são aqueles que usam a tecnologia frequentemente, (…) em busca de informação política para cumprir os seus deveres cívicos […]” (2008: 2).

Cidadania digital e Globalização: um só mundo

Outro factor que contribuiu de forma preponderante para a emergência da noção de cidadania digital é o processo de globalização económica que o mundo sofreu nas duas últimas décadas, alicerçado na expansão das tecnologias de informação.

Como afirma, José Tomás do Patrocínio em Tornar-se Pessoa e Cidadão Digital:

Cidadania digital e Globalização: um só mundo

“De facto, a globalização, como processo complexo e multicausal, com o sentido que lhe é dado nos mais diversos tipos de discurso (económico, político, social, cultural, educativo) surge quando as novas tecnologias de informação e comunicação começam a expandir-se e a popularizar-se por todo o mundo (e ainda mais com o advento da internet) tornando-se a sua estrutura de sustentação” (2004: 37-38)

Cidadania digital e Globalização: um só mundo

A cidadania digital emerge de algumas das consequências da globalização sobre a noção da cidadania clássica: no descrédito das instituições políticas e na desconfiança dos cidadãos face à forma como estas actuam, acentuada pela distância entre agentes políticos e cidadãos e na ampliação das suas fronteiras de actuação, suscitando a consciência de que

“[…] contemporaneamente, quase nenhum assunto se pode resolver exclusivamente por conta própria nos tradicionais contextos local, regional ou nacional, apelando a contextos, mais do que internacionais, globais […]” (2004: 38)

Cidadania Digital e Redes Sociais: participação 2.0

A constituição de comunidades virtuais e o aparecimento das redes sociais estão, e continuarão, a contribuir para o redesign da participação cívica na sociedade actual, não no sentido de fazer emergir um novo conceito de cidadania mas de lhe ampliar a sua base geográfica e o seu horizonte de actuação.

Com o eclodir da cidadania digital alterou-se também o foco da participação, pautando-se esta por um carácter de despolitização: o exercício cívico deixou de estar ligado a questões políticas e económicas para passar a girar em torno de causas sociais como a luta contra a pobreza, a preservação do ambiente ou a paz.

Cidadania Digital e Redes Sociais: participação 2.0

A isso não é alheio o fenómeno a que nos últimos anos se tem dado a conhecer como Web 2.0, da qual fazem parte as redes sociais. Assentes numa lógica de participação e de interacção, distinguem-se dos media tradicionais pela forma como disponibilizam o acto de comunicação.

Redes sociais como o Facebook ou o Twitter são bidireccionais, isto é, de acordo com Sara Cardoso, permitem:

“[…] ao receptor ser também emissor, com um alcance global e instantâneo […]” (2011: 19).

Cidadania Digital e Redes Sociais: participação 2.0.

Além de que

“[…] conferem ao utilizador da Internet um maior controlo sobre a informação.” (2011: 19).

Neste sentido, além da autonomia que proporciona aos utilizadores, a importância das redes sociais para a cidadania traduz-se essencialmente no seu carácter agregador e mobilizador em torno de uma determinada causa ou movimento com um potencial de difusão mediática e a uma temporalidade vertiginosa inigualável por qualquer outro meio de comunicação na nossa era.

Cidadania Digital e Redes Sociais: participação 2.0

Exemplo disso mesmo são acontecimentos como os ocorridos na Tunísia e no Egipto no início de 2011, em que as redes sociais foram utilizadas como instrumento de mobilização e consciencialização política da população, contribuindo para a queda dos chefes de Estado de ambos os países.

Nesse sentido, insistimos no carácter essencial das redes sociais que, em nossa opinião até à data, conferem à cidadania digital um instrumento capaz de projectar novos modos de intervenção política e social: a capacidade de mobilização para a participação através da interacção entre os seus utilizadores em tempo real e à escala global.

Cidadania digital e o futuro: uma conclusão inconclusiva

Para além da Primavera Árabe, outros testemunhos dão conta do potencial mobilizador que as redes sociais detêm como motor de participação cívica: internacionalmente, o Movimento 15M – Demoracia Real Ya, ocorrido em 2011, em Espanha ou Occupy Wall Street, nos EUA ou as manifestações ocorridas em Portugal a 12 de Março de 2011 ou de 15 de Setembro de 2012, cuja mobilização foi feita essencialmente através do Facebook.

Para já, é lícito e prudente apenas afirmar o seguinte: as redes sociais possuem um reservatório de potencialidades ainda por explorar no domínio da participação cívica nas sociedades democráticas.

Cidadania digital e o futuro: uma conclusão inconclusiva

Para além das redes sociais propriamente ditas, fóruns digitais, blogues, petições, entre outros são ferramentas de participação online que permitem a criação de um espaço de debate público capaz de promover cidadãos mais esclarecidos e com maior consciência cívica. Local e globalmente.

A criação desse espaço público digital é uma tarefa em construção permanente. Os desafios globais, bem como aqueles de dimensão estritamente local, assim o exigem. Precisamos de cidadãos cada vez mais conscientes e esclarecidos face à complexidade do nosso mundo, que possam erguer a sua voz e que tenham uma palavra a dizer nas questões essenciais do nosso tempo.

Bibliografia

• Beck, Ulrich, 1992, Risk Society, London, Sage. • Cardoso, Gustavo, 2003, O que é a Internet, Lisboa, Quimera. • Cardoso, Gustavo. e Castells, Manuel. (Org.), 2005, A

Sociedade em Rede – Do conhecimento à política, Lisboa, INCM.

• Cardoso, Sara Casimira Abreu - As redes sociais online, os jovens e a cidadania [Em linha]. Lisboa: ISCTE-IUL, 2011. Dissertação de mestrado. [Consultado a 12 de Novembro de 2012] Disponível em www:<http://hdl.handle.net/10071/2011>.

Bibliografia

• Castells, Manuel, 2005, A Era da Informação – A Sociedade em Rede, Vol. I, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian.

• Howard, Philip N. et al., 2011, Open Closed Regimes – What

Was the Role of Social Media During the Arab Spring?. Project on Information Technology & Political Islam. [Consultado a 8 de Novembro de 2012]. Disponível em www:<http://dl.dropbox.com/u/12947477/publications/2011_Howard-Duffy-Freelon-Hussain-Mari-Mazaid_pITPI.pdf>.

• Mossberger, Karen, Tolbert J., Caroline e Mc Neal S., Ramona, 2008, Digital Citizenship – The Internet, Society and Participation, London, MIT Press.

Bibliografia

• Patrocínio, José Tomás, Tornar-se Pessoa e Cidadão Digital – Aprender a formar-se dentro e fora da escola na sociedade tecnológica globalizada. 2 Volumes. Lisboa: UNL-FCT, 2004. Dissertação de Doutoramento. [Consultado a 17 de Novembro de 2012]. Disponível em www:<http://www2.ufp.pt/~lmbg/monografias/tese_jtpv1.pdf>.

• Singer, Peter, 2004, Um só mundo – A ética da globalização, Lisboa, Gradiva.