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CIDADANIA CULTURAL E ESPAÇO PÚBLICO EM BURKINA FASO: a intelectualidade e as estratégias sociopolíticas da juventude muçulmana para o desenvolvimento Pingréwaoga Béma Abdoul Hadi Savadogo Conferir as legendas das imagens (Internet) na página XVI Natal RN 2018 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes Departamento de Ciências Sociais Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais

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CIDADANIA CULTURAL E ESPAÇO PÚBLICO EM BURKINA FASO: a intelectualidade e as estratégias

sociopolíticas da juventude muçulmana para o desenvolvimento

Pingréwaoga Béma Abdoul Hadi Savadogo

Conferir as legendas das imagens (Internet) na página XVI

Natal – RN 2018

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Departamento de Ciências Sociais

Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais

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CIDADANIA CULTURAL E ESPAÇO PÚBLICO EM BURKINA

FASO: a intelectualidade e as estratégias sociopolíticas da

juventude muçulmana para o desenvolvimento

PINGRÉWAOGA BÉMA ABDOUL HADI SAVADOGO

Tese de Doutorado apresentada ao

Programa de Pós-graduação em Ciências

Sociais da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte como parte dos requisitos

para obtenção do título de Doutor em

Ciências Sociais.

Orientadora: Profa. Dra. Norma Missae

Takeuti

Natal – RN 2018

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Financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de

Nível Superior - CAPES

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Savadogo, Pingréwaoga Béma Abdoul Hadi. Cidadania cultural e espaço público em Burkina Faso: aintelectualidade e as estratégias sociopolíticas da juventudemuçulmana para o desenvolvimento / Pingréwaoga Béma Abdoul HadiSavadogo. - 2018. 266f.: il.

Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande doNorte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa dePós-graduação em Ciências Sociais. Natal, RN, 2019. Orientador: Prof.ª Dr.ª Norma Missae Takeuti.

1. Intelectualidade e Cidadania cultural -Tese. 2. Juventudee Responsabilidade Social - Tese. 3. Islã e Ética - Tese. 4.Burkina Faso - Tese. 5. África do Oeste - Tese. I. Takeuti,Norma Missae. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 316(6-15)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRNSistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes -CCHLA

Elaborado por Ana Luísa Lincka de Sousa - CRB-15/748

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PINGRÉWAOGA BÉMA ABDOUL HADI SAVADOGO

CIDADANIA CULTURAL E ESPAÇO PÚBLICO EM BURKINA FASO: a

intelectualidade e as estratégias sociopolíticas da juventude

muçulmana para o desenvolvimento

Tese de Doutorado apresentada ao

Programa de Pós-graduação em Ciências

Sociais da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte como parte dos requisitos

para obtenção do título de Doutor em

Ciências Sociais.

Orientadora: Profª.Drª. Norma Missae

Takeuti

Data da Defesa: 31/07/2018

Resultado: APROVADO

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________

Profª.Drª. Norma Missae Takeuti (Orientadora) Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais

da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Presidente

_______________________________________________________

Profª. Drª. Vânia de Vasconcelos Gico Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais

da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Examinadora Interno

_______________________________________________________

Profª.Drª. Ana Laudelina Ferreira Gomes Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Examinadora Interno

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______________________________________________________________________

Profª. Drª. Karlla Christine Araújo Souza

Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais e Humanas da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte.

Examinadora Externo

_______________________________________________________

Prof. Dr. Cláudio Alves Furtado

Programa de Pós-graduação em Estudos Étnicos e Africanos da Universidade Federal da Bahia.

Examinador Externo

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Resumo

Com foco na juventude urbana e muçulmana, o estudo trata da sociedade burkinabê

(Burkina Faso), apreendida em seu contexto sociopolítico da África Ocidental, trazendo

algumas informações essenciais, do ponto de vista histórico, desde a Idade Média até os

dias atuais, como suporte de compreensão da situação econômica, social, cultural e

política do país. A região islamizada, após o advento do islã no século VII, foi o cenário

de uma corrente de reafirmação de uma identidade islâmica que marcou a África

Ocidental Francesa desde sua independência e ao longo de todo o processo de sua

descolonização. As reivindicações da juventude burkinabê denunciando as questões

sociais que o país enfrenta no contexto da globalização oferecem muitos elementos para

a compreensão das novas dinâmicas intelectuais que, baseadas na ética islâmica, se

erguem contra a lógica neoliberal e defendem práticas cidadãs nos espaços públicos

religiosos da África do Oeste. O islã é abordado enquanto uma epistemologia do saber

que nutre, junto aos jovens burkinabê, a sua busca e a sua vontade de transmissão do

conhecimento, não apenas religioso, mas também cultural, político, social e científico.

Através da noção de cidadania cultural e de sua expressão no espaço público, trata-se, na

presente tese, de interrogar-se sobre a definição das "origens", bem como das

características da intelectualidade muçulmana em curso, no segmento jovem, na

sociedade burkinabê. Por outro lado, trata-se igualmente de apreender esta mesma

intelectualidade através de uma África devastada pela cobiça dos países do Norte, o que

leva a questionar a configuração das relações no campo social e político, orientando assim

as negociações entre a pluralidade dos atores em presença.

Palavras-chaves: Intelectualidade e Cidadania cultural; Juventude e Responsabilidade

Social; Islã e Ética; Burkina Faso; África do Oeste.

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Résumé

À partir de sa jeunesse urbaine et musulmane, l’étude porte sur la société burkinabè

(Burkina Faso) appréhendée dans son contexte sociopolitique de Afrique occidentale, à

travers d’importantes données historiques qui vont du Moyen Âge à nos jours, en tant que

support de compréhension de la situation économique, sociale, culturelle et politique du

pays. La région islamisée aux lendemains de l’avènement de l’islam au VIIe siècle a été

le théâtre d’un courant de réaffirmation d’une identité islamique qui a marquée l’Afrique

occidentale française depuis son indépendance et durant tout le long processus de sa

décolonisation. Les revendications de la jeunesse burkinabè dénonçant les questions

sociales qui se posent au pays dans le contexte de la globalisation offrent bien d’éléments

pour la compréhension des nouvelles dynamiques intellectuelles qui, basées sur l’éthique

islamique, s’érigent contre la logique néolibérale et défendent des pratiques citoyennes

dans les espaces publics réligieux d’Afrique de l’Ouest. L’islam est abordé en tant qu’une

épistémologie du savoir qui nourrit la jeunesse burkinabè, sa quête ainsi que sa volonté

de transmission de la connaissance, non pas celle réduite à la seule dimension religieuse,

mais aussi à celles culturelle, politique, sociale et scientifique. À travers la notion de

citoyenneté culturelle et de son expression dans l’espace public, il s’agit dans la présente

thèse de s’interroger sur la définition des « origines » aussi bien que des caractéristiques

de l’intellectualité musulmane en cours dans la société burkinabè, notamment en ce qui

concerne la jeunesse. Par ailleurs, il est également question d’appréhender cette même

intellectualité à travers une Afrique ravagée par les convoitises des pays du Nord, ce qui

ramène à questionner la configuration des relations dans le champ social et politique,

orientant ainsi les négociations entre la pluralité des ateurs en présence.

Mots-clés : Intellectualité et Citoyenneté culturelle ; Jeunesse et Responsabilité Sociale;

Islam et Éthique; Burkina Faso; Afrique de l’ouest.

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I

DEDICATÓRIA

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II

Ao ser moldado numa ética através de

certos valores, reconhece-se facilmente o

molde que o sustentou. Nesse sentido,

destacando-se da galinha se limpando o

bico depois de bicar, tomamos com

ternura o tempo para dizer aos amores

que eles são, toda a nossa gratidão.

Aos meus pais Sana Mohamed Savadogo

e Matagari Ouattara, cuja acuidade da

exigência e o constante dom de si, me

ensinaram o dever de levar alto e longe a

tocha.

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III

AGRADECIMENTOS

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IV

Escravo da cabeça, a boca manda ao resto do mundo, fala e grita em seu

nome, muitas vezes erradamente, às vezes com razão, sem pedir sua

opinião nem à barriga, que comeria ainda enquanto ela [a boca] se declara

saciada, nem às pernas, que gostaria não mais andar quando ela [a boca]

diz-se capaz de ir mais longe.

A boca tomou todo o poder do corpo o dia em que soube-se indispensável.

Ele salva o homem às vezes e, mais freqüentemente, leva-o à sua perda,

pois lhe é difícil contentar-se de: não sei.

Falar demais é sempre ruim; não ser ouvido é muitas vezes fonte de

aborrecimento, assim como não entender o que outra boca diz. É o que

Serigne-Marabu deve ter dito a si mesmo, quando, voltando da Meca, parou

em Kayes (cidade do Mali), na casa/família de um de seus discípulos.

Trancado na mais bela cabana1, Serigne tinha começado logo a entoar

versos do Alcorão e litanias. Veio a hora da refeição. Uma criança foi

enviada para buscar o Marabu. A criança entrou na cabana e disse a

Serigne:

— Ki ka na : a gente te chama (em bambara).

Serigne lhe respondeu:

— Mana : sou eu (em woloff).

A criança voltou dizer a seus pais:

— Ele disse que não vem.

Assim, jantaram sem o hóspede.

O dia seguinte de manhã, a criança veio de novo chamar o Marabu na sua

língua (o bambara), e Serigne lhe havia respondido na sua (woloff). Assim

foi a meio dia e também à noite. Durante três dias e três vezes por dia, o

devoto peregrino deu ao jovem mensageiro a mesma resposta ao mesmo

chamado.

Convertidos de fresca data, os anfitriões do Marabu não entendiam

1 Casa tradicional feito de terra com teto em palha

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V

nada a tanto fervor. Com certeza, a refeição sabe que não será poupada

mesmo quando a questão não é mais de saber se deve-se orar antes de

comer ou comer antes de orar. Comer sem rezar não é o ato de um crente,

mesmo que nunca estivesse em Meca. Mas rezar sem comer? Qualquer que

seja o poder que a palavra divina tenha, esses bambaras ainda recém-

incrédulos nunca tinha ouvido falar que o Alcorão podia substituir uma

cabaça de arroz, sobretudo de tô (tipo de polenta ‘’grosso’’), de tô feita com

massa de milho, junto com um perfeito molho de quiabo fresco,

acompanhado por um frango devidamente assado, um verdadeiro tô de

chefe para honrar o Mestre. E eis que o Mestre sempre se recusava a vir

compartilhar arroz, tô ou cuscuz.

Serigne, do seu lado, se perguntava, entre uma surata e uma litania,

se, desde que ele entrou na cabana, um enxame de gafanhotos não tinha

caído sobre os campos do país; se os cupins não tivessem devastado os

celeiros; se o rio Senegal tinha secado em uma noite; se todas as raças de

peixes que o povoavam: carpas, capitães, peixes-cachorros, até os imundos

siluros que deleitam-se com dejeções, desertando Kayes e Medina, não

tinham subidos até o Fouta-Djallon, ou descidos em direção de Saint-Louis

e o mar.

Ele se perguntava se de repente todos os bois que pastavam, numerosos, do

outro lado do rio não tinham sido levados em uma noite pela peste; se todas

ovelhas que os Mouros e os fulas levavam para o norte, sofrendo

subitamente de ‘’pasteurellose’’, não tinham ido se deitar com raiva para

morrer num piscar de olhos. Ele se perguntava enfim quantas vezes por

mês se comia neste país. Sua dignidade de grande Marabu o proibia, no

entanto, de exigir comida. O discípulo, preocupado, veio finalmente ver o

Mestre e eles se explicaram.

Serigne não entendia, ele que possuía melhor do que um erudito de

Timbuktu, o árabe literário, uma palavra de Bambara, e a criança que eles

lhe enviava não entendia o Wolof, pois nunca tinha saído de Kayes e nunca

tinha cruzado a Faleme, que separa o Sudão do Senegal. Quando a criança,

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VI

em Bambara, dizia ao Marabu:

— Ki ka na : estão te chamando.

Serigne entendia:

— Ki ka na ? : quém é? em woloff.

E quando o Marabu respondia em woloff :

— Mana ! : sou eu!

A criança entendia :

— Ma na ! : não venho, em bambara.

Serigne assim soube, à custa da sua barriga, o poder da boca e o valor da

palavra, mesmo profana.

Entretanto, como há males que vêm por bem, e que a sorte pode

surgir mesmo dos laços que vos ata, Serigne, em seguida ao seu jejum

forçado durante o qual nenhum alimento impuro tinha contaminado sua

boca, tornou-se melhor que um marabu, quase Wali quase um santo (…).2

Assim, a esta altura de meu percurso de vida nesta terra, não posso deixar

de pensar às diferentes situações que, como esta sabedoria da África, me

alimentou durante trinta e nove anos de vida e cujo tudo o que relaciona-se

a isso é um traço do Onipotente, do Onisciente, do Provedor, do Protetor, do

Defensor e do Guia (Al-Hadi). Nesse sentido, de fato, muitas situações me

aproximaram do Único. No entanto, não haveria como agradecê-lo sem

expressar minha gratidão a todas as pessoas que desde minha tenra idade

compartilharam comigo seu saber, seu tempo, sua pessoa, sua humanidade,

sua vida.

Desta misericórdia e situações vividas, quanta sabedoria e emoções

responderam à tenaz obsessão que me move: o que é a vida? E quem é o

humano? Essas mesmas perguntas, de outra forma, mantêm a mesma

relevância: quem é o humano? E o que é a vida?

2 « La Biche et les deux chasseurs », conto africano, fragmento retirado de Birago Diop, Les

Contes d’Amadou Koumba, éditions Présence Africaine, 1961.

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VII

Muitas pessoas e instituições contribuíram às respostas que me

foram dadas de explorar. As mencionadas nas poucas páginas que me são

reservadas aqui não podem ser a redução de todos aqueles que me

acompanharam e ofereceram o que é eles. Neste sentido, desde jà, a todos e

a cada um, nem meu coração nem meu pensamento esquecem. Que a vida

seja a jamais o arco-íris de nossos amores. Dito isto, é com imenso prazer

que gostaria mencionar umas.

Institucionalmente, penso, em primeiro lugar, à Universidade Federal

do Rio Grande do Norte, e em particular a todos os funcionários técnico-

administrativos do Departamento de Ciências Sociais e dos diferentes

professores. Além disso, meu laboratório, a Casa das Áfricas - núcleo

Amanar tem sido essencial durante todo o nosso percurso de pós-graduação.

Lhe expresso aqui toda a minha gratidão.

A título particular, não poderia começar os agradecimentos sem

mencionar a Profa. Norma Missae Takeuti, aquela que, mais do que o seu

dever, me acompanhou com erudição e ternura, sabendo além da exigência

acadêmica, abraçar o humano em mim.

Profa. Vânia de Vasconcelos Gico, seu apoio e sua presença

incondicional me valeram este percurso. A confiança depositada em mim e o

grande carinho que tenho desfrutado ao longo desses anos valem seu peso

em ouro. O saber nutritivo transmitido, a socialização com as famílias

pessoal como acadêmica - mencionei o Observatório Boa-Ventura de Estudos

Sociais, honraram minha cabeça, minha alma.

Das pessoas que inspiram respeito e consideração tão seu percurso e

compromisso cidadãos permanecem exemplares, as conheci através desta

família. Em primeiro lugar, vem o Mestre, Prof. Jose Willington Germano,

cujo o legado continua sendo uma fonte de grande inspiração.

O que dizer dos Profs. Itamar de Morais Nobre e Zéu Palmeira Sobrinho? Se

há umas pessoas cuja exemplaridade não passa despercebida e em que

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VIII

inveja-se a satisfação da exigência profissional, sem dúvida, elas

responderiam presentes.

Assim como eles também distingue-se os Profs. Ana Laudelina Ferreira

Gomes, Maria da Conceição Xavier de Almeida e Hermano Machado Ferreira

Lima, cujo o conhecimento soube conjugar em mim conhecimento e

humanidade. Por ter aproveitar do que vocês são, vos agradeço.

Não posso passar sob silêncio o pessoal técnico-administrativo,

particularmente Otânio Revoredo Costa e Jefferson Gustave Lopes que, além

de suas responsabilidades, participam plenamente desta tese.

Tão é verdade que da única intenção de lavar as roupas a gente se depara

afinal com as roupas e unhas limpas, dessa dinâmica, me apareceu duas

irmãs: Juliana Rocha de Azevedo Costa e Ana Carmem do Nascimento Silva

que saúdo, bem como seus respectivos companheiros e familiares. Aqui, não

esqueço a família capoerista, especialmente o mestre Joshua Rocha.

É também com grande coração que deixo aqui uma lembrança a todos os

membros do Observatório Boa-ventura de Estudos Sociais com os quais

compartilhei grandes momentos. Citei: Catarina da Silva Souza, Andrielle

Cristina Moura Mendes Guilherme, Ana Eleonora Freire, Walber Cunha

Lima e Elmano Ricarte Azevêdo de Souza.

Querido André Luiz de Lima, quantas vezes sua presença discreta e sutil

responderam à minha solidão e angústias. Da qualidade de sua amizade, ela

me é indispensável.

O saber sabe não se reduzir às meras divisões dos campos de estudo; e mais

quando se trata de militância. Meus pensamentos vão aqui a Joane Dos

Santos Araújo e seu companheiro Ruy Alkmim Rocha e seus próximos, nas

Profas. Tamara Maria Costa Silva N Abreu, Jennifer Sarah Cooper com um

pensamento especial para Profa. Tânia Maria de Araújo Lima e Larissa

Fontes de C. Torres cuja presença soube manter viva em mim, a chama da

beleza da vida. Eu não esqueço todos os humanos que conheci através eles,

assim que o que nos foi dado de compartilhar.

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IX

A amizade não é apenas bonita, mas também é riqueza. Saboreei o seu

perfume através o saber e a grande disponibilidade de: Alecrides Jahne

Raquel Senna Castelo Branco, Fabrico e Magaly a quem dirijo minha

profunda gratidão.

Natal tem seus encantos. De seus encantos inesperados que não deixam

ninguém indiferente, constituindo-se num convite permanente ao qual é

difícil resistir. Meus agradecimentos ao Clube Poliglota de Natal e à

Associação Potiguar de Esperanto Natal e seus respectivos membros. A

pessoa do coordenador, Rodrigo Tavares Pinheiro de Medeiros, sabe fazer

dessas estruturas, tantos espaços de aprendizagem quanto de bem-estar e

oportunidades.

Muitos anos se passaram desde que me mudei para Natal/RN. Tão

diferentes uns quanto os outros, encontrei perto de uma família, um

profundo amor e uma tranqüilidade da alma que souberam resinificar minha

longa caminhada de vida. Sim, com a família Araújo de Souza e as famílias

aliadas, as perspectivas do passado e do futuro vestiram a simples e

tranqüila beleza das cores dos dias ensolarados na savana balançada pelo

suave abraço das brisas do litoral. Dessa serenidade, quantos saberes

ancorados na árvore do conhecimento souberam me alimentar, consolando

em mim a definição da vida em toda a sua bela complexidade. A

exemplaridade de um percurso, as sabedorias e todas as valorosas

conquistas que o ilustram permanecem para mim um caminho; o caminho.

Aqui estou eu diante de vocês, humilde e grato.

A fé só pode ser mantida pelo que a alimenta. Isso, o devo a toda a

comunidade muçulmana de Natal, membros e simpatizantes da mesquita

Associação Beneficente Muçulmana do Rio Grande do Norte. Meus

agradecimentos vão particularmente aos irmãos Salimo Normomade, Marcos

Abd Al Jabbar, e sobretudo ao Imam Muhamad Taufik Mahamid assim que a

sua esposa Ana Maria Pimenta. Deus é testemunha de suas ações e

permanentes esforços em seu caminho; que ele os recompensa

abundantemente, bem como suas famílias e próximos.

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X

Na UFRN, particularmente no RU, o lugar mais importante rsrsrs, fui

gratificado no cotidiano do carinho de muitas pessoas cujos me gardo de

citar aqui nomes. Para o mendigo do amor que sou, seria vão dizer quão

precioso isso foi para mim; desta preciosidade que vos faz humano. Cada um

saberá reconhecer aqui o canto da singular relação que nos liga. A toda(o)s

a(o)s minhas/meus amiga(o)s e irmãs/irmãos com quem quatro anos

prolongaram minha vida, minha humanidade. Igualmente, deixo aqui um

grande pensamento para todos os funcionários deste lugar vital.

Tão é verdade que o futuro resulta do presente, é com lucidez e afeção

que este permanece ligado ao passado.

Se a busca existencial motivou o percurso alimentando minhas pequenas

questões, elas cresceram; contudo, permanecem. Denise, a jamais

agradecido por beneficiar de ti, o que Emmanuel Mounier diz : Tout travail

travaille à faire un homme en même temps qu'une chose ! Afetuosamente!!!

Da diversidade que ensina ao conhecimento que nutre, meus pensamentos

vão para o Mahfouz Ag Adnane cuja mais que justa e legítima luta lhe honra.

Ando por outros devaneios, entretanto minhas íntimas orações acompanham

sua espada.

Há personalidades que inspiram respeito pois sabem reconhecer a alteridade

como complemento de si. Engajada, sabe superar seus limites, dando voz a

um patrimônio da humanidade desprezado por cálculo. À Marina Pastore Di

Napoli.

Das singulares pessoas que a capital paulista me presenteou, foi a

competência alegre da terapia ocupacional social personificada na pessoa da

Debora Galvani cujo o calor sabe acompanhar, esquentar.

Humildade e discrição caracterizam certo os homens de saber, porém, tal a

luz, o saber e toda a sua nobreza os destacam. A você Valdir Pierote Silva.

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XI

Somente um saber que se tornou conhecimento contribui à cidadania. Para

isso, é preciso formar o cidadão. Foi assim que a chave da arte me foi

oferecido. A Jair Guilherme Filho.

Edson Eduardo Ramos da Silva, é prazeroso ver através você, a grandeza da

Filosofia.

O trabalho assim que a dedicação que lhe é consagrado precede o

profissional e abre caminhos. Para o andarilho que sou, a alegria de te

conhecer é e permanece bem viva. A Miki Sato.

Dos ricos momentos e atuações participando de meu amadurecimento, a

contribuição da Casa das Áfricas – Amanar e de tod@s seus membros e

simpatizantes foram preciosas. Brindo à saúde das conquistas

contabilizadas e às que nos insuflam energia de vida.

Avó branca, a árvore que plantou deu também frutas. E in-cha-Allah, tanto a

biodiversidade quanto o ciclo da natureza não deixará, de continuar, de

enriquecer-se. Dessa evolução criadora, a Química contribuiu imensamente

à Antropologia. Mas tratando-se da história, ainda estou me questionando

rsrsrs

Tia branca, a afecção sabe ser energia. Seu impulso leva a realizações. O

tempo vai escorrendo-se mas o que nutre para sempre nutriu.

Corações têm tamanhos diferentes. Eis o alicerce da disposição ao outro.

Gianni, desse alimento, me engordei e dessa gordura continuo me

alimentando.

Há pessoas cuja gente não saberia exatamente caracterizar a importância de

sua presença em nossa vida. Seu amor fortificante permanece, apesar da

distância e dos anos que se passaram. Toda a minha gratidão à minha

querida filósofa Eva, chérie Maria assim como a toda família Rocha por todos

esses anos de amor solidário.

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XII

Kiko, da exemplaridade de personalidade está a chave do desabrochamento.

A memória assim que o coração, diante de um acolhimento que alimenta

ficam a jamais vivos. A você e a sua família.

Prima branca querida. A vida pode parecer um cavalo selvagem. Só o

coração a decifra. A domar cabe à fé. Afetuosamente!

A singularidade dos percursos de vida é uma profunda fonte de riqueza.

Diante da sua essência, do que é universal – cujo a sua sagralidade, torna-se

igualmente riqueza, o presente de um tal encontro. De Bamako ao Brasil,

foram anos de ensinamentos sobre o que é a vida, além da geografia, e o que

ela a de mais nobre a compartilhar, a oferecer. A você Marina Berthé!

Há amizades que, tal como o vinho envelhecem se tornando cada vez mais

saboroso. Foi o presente de São Paulo. Presente que não deixou de me

acompanhar, alegrando meu Eu. São rostos, famílias e corações

omnipresentes pois de fato, os dias e seus momentos sabem alternar-se mas

sem ser parecidos. Disso, meu coração e sua memória carregam para

sempre as luzes históricas desses dias e momentos de vazios em que a vida

nos entrega ao desemparo. A minha irmã Carol Shiramizo, a sua família e a

toda a família Shiramizo; sua gêmea Clarice Madalosso Kerr e suas famílias;

Marina Jorge da Silva, sua família e famílias; Luciene Gomes e sua falecida

mãe; Isadora Cardinalli e seu companheiro; meu irmão Thiago Schindler

Crivellente Avanzi e sua família. Reitero aqui minha fraternidade e profunda

gratidão!!!

Quando o profissional e o humano se tornam um, a seiva sacia profundas

sedes. Desse bebedouro, para o resto do caminhar, minha sede aliviada se

tornou companheira. O devo-a às Profas.: Ana Paula Serrata Malfitano,

Roseli Esquerdo Lopes, Thelma Simões Matsukura e Samira Lima da Costa.

A mobilidade sabe gratificar os viajantes. Sem desmentir a sabedoria

africana, caberia melhor dizer que há personalidades remédio do humano.

Ao irmão Idriss Démé, o Padre Bernardino e ao Prof. Cláudio Alves Furtado.

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XIII

Salvador me abriu suas portas num momento de frio. Braços e rostos

calorosos abasteceram minhas energias. À presente tese, a sua contribuição

foi louvável pois o que foi ontem está no sabor de hoje. Às famílias Albergaria

e Nascimento!

A "Savadogoville", às famílias Sawadogo, Ouattara assim como as amigas e

aliadas que a errância me obrigou à solidão e à dor do distanciamento. A

vocês minha riqueza e felicidade, a vocês minhas marcas e a quem devo

tanto...!!!

A toda(a)s que se reconhecerão neste trabalho. A toda(o)s aquelas/aqueles

que de longe ou de perto reconheceram a importância deste trabalho e o

alimentou. Vejam aqui, nele, o penhor e o selo do que nos une. E como “a

galinha nem precisa agradecer o pilão e o pau do pilão”, deixo aqui a melodia

do que foi, do que é e permanecerá in-cha-Allah: Jarabi (Amor)_versão longa

- Sona Jobarteh_ https://www.youtube.com/watch?v=z71PPfHZQ2k

Sofia minha querida filha! Das felicidades e delícias da paternidade, eu te os

devo. E a Deus eu sou grato. À vida e a o que ela a de melhor a oferecer!!!

A Deise Nascimento dos Santos Savadogo meu coração, minha esposa

que, em Deus, partilha a minha vida, a beleza do nosso idílio sabe tão

identificar-se a o que lhe dá sua razão de ser:

É perto de um riacho que dois burkinabê se encontraram

E eu disse a Zenabo que a amo

Zénabo soriu e sacodiu a cabeça

Se for para sermos junto, me disse, fique tranqüilo

Contudo, se for sem respeito

Isso nunca poderia ser

Então virei e me sentei na raiz de um árvore (ruanga)

Para falar a Zénabo, lhe agradecendo e lhe parabenizando

Sabe, sou pobre Zénabo – não vou te enganar

Meu pai é agricultor Zénabo. É igualmente minha profissão

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XIV

De comida, nunca te faltará

E se Deus providencia, nunca faltará do que se vestir

Mas trantando dos demais assuntos Zénabo, isso, só Deus sabe

E Zénabo de me dizer que isso não é um problema

Pois se vê rico se tornar pobre

Da mesma forma, o pobre também pode vir a possuir mais dinheiro

O humano só consegue que no dia certo

Por conta disso, temos que ser humildes em fé diante de Deus pois é ele que

faz e desfaz

Muitos dizam que meninas não têm mais honra

E quem estiver a procura de namoro, é com quem tem dinheiro

Entretanto, de tudo isso, digo eu que nesta terra, há ainda mulheres íntegras

Pois se casamento fosse dinheiro,

Ainda estaria solteiro, sofrendo aqui

Portanto, temos que ser humildes em fé diante de Deus

Pois nisso, há coisas boas.

Canção_Zenabo: Issouf Compaoré

Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul-Hadi Savadogo

https://www.youtube.com/watch?v=v4iIRUF9c1s

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XV

LISTA DE SIGLAS

AEEMB: Associação dos Alunos e Estudantes de Burkina

AEVF: Associação de Estudantes Voltaicos na França

AEVO: Associação dos Estudantes Voltaicos de Ouagadougou

AIDS/HIV: Síndrome/Vírus da Imunodeficiência Adquirida

ANEB: Associação Nacional dos Estudantes Burkinabê

AOF: África Ocidental Francesa

ASV: Associação de Escolares Voltaicas

BM: Banco Mundial

CAPES:

CDR: Comitê de Defesa da Revolução

CEPE: Certificado de Estudos Primários Elementares

CERFI: Centro de Estudos de Pesquisa e Formação Islâmica

CFA (franco):

CMB: Comunidade muçulmana de Burkina

CMHV: Comunidade Muçulmana da Alta Volta

CNR: Conselho Nacional Revolucionário

CODMPP: Coletivo das Organizações Democráticas de Massa e de Partidos Políticos

CRS: Companhia de Segurança Republicana

CUP: Centro Universitário Polivalente

FEANF: Federação dos Estudantes da África Negra na França

FIBES: Faculdade Al Aliman Ibn Baz de Educação e Ciências

FMI: Fundo Monetário Internacional

FONER: Fundo Nacional para a Educação e a Pesquisa

ISESCO: Organização Islâmica para a Educação, as Ciências e a Cultura

ODP-MT: Organização para a Democracia Popular - Movimento Trabalhista

OIC: Organização da Conferência Islâmica

ONGs: Organizações Não Governamentais

ONU: Organização das Nações Unidas

PAS: Programa de Ajustamento Estrutural

PRMDE: Faça que a Paz, o Respeito e que a Misericórdia de Deus seja sobre Ele

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XVI

TPR: Tribunais Populares Revolucionários

UCB: União dos Comunistas Burkinabê

UGEAO: União Geral dos Estudantes da África Ocidental

UGEV: União Geral dos Estudantes Voltaicos

ULC: União das Lutas Comunistas

UNEF: União Nacional dos Estudantes do Faso

LISTA DE FIGURAS

Legendas das imagens da capa [da direita a esquerda e de cima para baixo]

Fontes: Internet. Links nas referências bibliográficas)

I. Memória do levante popular em 2014 obrigando o Presidente Blaise Compaoré a

abdicar do poder e exilar-se na Costa do Marfim;

II. Cena cotidiana do trânsito no centro de Ouagadougou (capital política do Burkina

Faso);

III. Mesquita construída pelo Almamy Samori Touré [figura da luta anti-colonial

francesa] em Bobo Diulasso (capital econômica do Burkina Faso);

IV. Lassina Sawadogo, funcionário (inspetor) de finanças enfrentando a polícia militar

durante o levante popular em 2014.

V. Imagem de fundo da capa e da contracapa: O revolucionário burkinabê Thomas

Sankara, líder póstumo da Geração Sankara, também chamado o ‘’Che (Guevara)

africano’’

VI. Desenhos em marca-d’água das páginas CCXLIII a CCLXI e página CCLXVI: Sophia

Nascimento dos Santos (Savadogo)

Imagem 1: a África 22

Imagem 2: O Burkina Faso 31

Imagem 3: O Mali 31

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XVII

Imagem 4: Império do Mali (séc. XIII - XVII) e República do Mali (Contemporâneo) 34

Imagem 5: Capa da minha Monografia 33

Imagem 6: Capa da minha Dissertação 35

Imagem 7: O Burkina Faso na África do oeste 36

Imagem 8: A África do oeste 37

Imagem 9: Comunidades socioculturais e sua repartição geográfica 44

Imagem 10: Impérios de Macina (Mali) e Sokoto (Nigéria) 46

Imagem 11: As duas maiores cidades do Burkina Faso 47

Imagem 12: O Presidente Sangoulé Lamizana 48

Imagem 13: O jornalista Norbert Zongo 50

Imagem 14: Tráfico escravagista árabe na idade média 52

Imagem 15: Mapa das cidades e rotas do comércio transsaariano no final do século

XV assim que os produtos comercializados

54

Imagem 16: Os três maoires impérios da África do Oeste 56

Imagem 17: Mesquita/madraça de Sankoré em Timbuctu no século XI 57

Imagem 18: Mesquita/madraça de Djingareyber em Timbuctu no século XI 57

Imagem 19: Mesquita/madraça Sidi Yahya em Timbuctu no século XV 58

Imagem 20: Dinâmica do comércio negreiro, notadamente o atlântico 59

Imagem 21: Nelson Mandela 64

Imagem 22: O artista Oumou Sangaré 75

Imagem 23: O grupo Yeleen 79

Imagem 24: O artista Tiken Jah Fakoly 80

Imagem 25: Maurice Yaméogo 104

Imagem 26: O estudante mártir Dabo Boukary na televisão burkinabê 106

Imagem 27: O grupo Faso Kombat 113

Imagem 28: O coletivo A vassoura cidadã 117

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XVIII

Sumário

DEDICATÓRIA I

AGRADECIMENTOS III

CONSIDERAÇÕES INICIAIS 21

DISCUSSÕES PRELIMINARES: A ciência, a sua linguagem e as suas exigências 24

I. A ciência, a pesquisa e o pesquisador: qual relação? 24

II. Itinerário e motivações do pesquisador para o estudo 29

III. Contextualização do estudo 36

IV. Abrangência do campo de estudo 45

CAPÍTULO I: A ÁFRICA ATRÁVES DA HISTÓRIA 51

1.1. A África na história da globalização 51

1.1.1. O comércio transsaariano 51

1.1.2. O islã e a extroversão da África do Oeste 55

1.1.3. A África e suas relações transatlânticas 59

1.2. A África e suas relações com o mundo atual 61

1.2.1. A África diante de si 63

1.2.2. A África contemporânea 69

1.3. A arte da África do Oeste e a cidadania cultural 74

1.4. Cidadania Cultural e Desenvolvimento 85

CAPÍTULO II: HERANÇAS HISTÓRICAS E LUTAS SOCIAIS NO BURKINA FASO 89

2.1. Memória e revoluções 89

2.2. Das lutas sociopolíticas da juventude africana 92

2.2.1. O sistema escolar colonial e a formação de uma nova geração de africanos 92

2.2.2. A juventude estudantil e as lutas pela independência 94

2.2.3. Das expectativas e das responsabilidades da juventude nas sociedades africanas 98

2.3. Do militantismo estudantil no Burkina Faso 102

2.4. Do militantismo dos jovens de rua 208

2.5. Do militantismo do movimento hip-hop 111

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XIX

CAPÍTULO III: ISLÃ E SOCIEDADE EM ÁFRICA DO OESTE 118

3.1. As dinâmicas do conhecimento 118

3.2. Migração e intelectualidade dos muçulmanos árabofonos no contexto burkinabê 123

3.3. Os muçulmanos e o Estado burkinabê 129

3.4. Da comunidade muçulmana do Burkina Faso: clivagens e conflitos 131

CAPÍTULO IV: DA JUVENTUDE MUÇULMANA BURKINABÊ E SUA ESTRATÉGIA DE LUTA 134

4.1. Da cidadania cultural e do espaço público 134

4.2. Islã e mudança social: singularidade do reformismo da juventude muçulmana 141

4.3. Do islã 143

4.4. Das lutas sociais pelo islã 152

CONSIDERAÇÕES FINAIS 157

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS 160

ANNEXO XIX

O último sermão do profeta Muhammad (em francês) XIXI

Discurso de orientação política de Thomas Sankara no dia 02 de outubro de 1983 - francês XIX

Discurso de Thomas Sankara na ONU no dia 04 de Outubro 1984 - francês XIX

Canções (letras) na tese CCXLIII

Oratória – defesa da tese CCLVII

Carta-convite de defesa da tese 1 CCLXII

Carta-convite de defesa da tese 2 CCLXVI

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A presente tese tem como objeto de estudo a intelectualidade da juventude muçulmana

do Burkina Faso (África do Oeste). Ela procura investigar como se expressa “a fé” (noção que

será trabalhada ulteriormente) de um dado segmento da juventude que abraça a ética e os valores

da responsabilidade social oriundos do islã, em cuja Filosofia se tem o humano como um dado

central. Destacamos que tal modo de exercer a cidadania distancia-se dos modos que as

precedentes gerações a exerceram. Nosso olhar recai sobre a sua capacidade em articular a

tradição à modernidade, pela aceitação do desafio de pensar a emergência de sociedade(s)

justa(s) e plurais em que, a partir dos direitos humanos, se assume a necessidade de coexistência

da “universalidade” do humano, ao mesmo tempo em que observa/respeita a questão da

diferenciação entre os humanos/as sociedades.

É nesse sentido que a juventude muçulmana burkinabê vem se destacando nas suas

reivindicações sociais. Conquistando, cada vez mais, um maior espaço político pelas denúncias

e interpelações junto à sociedade e pela sua exigência de respostas sobre as diferentes questões

sociais e políticas.

A pauperização, cada vez maior, das populações africanas tem levado essa juventude a

pensar o continente como um todo na contemporaneidade, de modo a não restringir a sua

cidadania cultural aos limites do Burkina Faso. Nesse sentido, esta tese explora igualmente as

dinâmicas sociopolíticas da África pós-colonial.

[Espaço – imagem 1]

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Imagem 1: a África

*****

Na presente pesquisa, destacamos principalmente duas partes. Na primeira, Discussões

Preliminares: A ciência, a sua linguagem e as suas exigências, trata-se de questões teóricas e

metodológicas permeando a tese. Nela, discutimos igualmente as articulações entre nosso

percurso e posicionamento sociopolítico e nossa atuação (profissional).

A segunda parte da pesquisa abrange os quatro (04) diferentes capítulos. No primeiro capítulo,

nos debruçamos sobre o continente assim como os momentos sociohistóricos que o marcaram,

definindo e configurando suas realidades socioculturais. No capítulo seguinte, numa primeira

perspectiva de apreender a temática ligada aos autores sociais foco de nosso estudo, exploramos

o Burkina Faso através de sua história.

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O terceiro capítulo da tese se refere à relação entre o islã e as sociedades africanas. Nele são

abordadas as dimensões sociais da religião assim como as dinâmicas e lógicas das comunidades

muçulmanas, de acordo com a centralidade do conhecimento no islã. No quarto capítulo, se

centraliza a discussão e as análises acerca do que delineamos especificamente como proposta

do presente estudo.

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Discussões Preliminares: A ciência, a sua linguagem e as suas exigências

Tratamos, nesta parte inicial da tese, das exigências metodológicas do trabalho

científico. Aqui, além de desenvolver os requisitos de avaliação da cientificidade de nosso

trabalho, analisamos o complexo diálogo entre ‘’objetividade’’ e ‘’subjetividade’’. Diálogo no

qual o pesquisador (sua identidade, seu percurso acadêmico e suas motivações) está

inteiramente envolvido, participando e contribuindo à Ciência, ao mesmo tempo em que

exercita o aprendizado desta.

I. A ciência, a pesquisa e o pesquisador: qual relação?

Ao longo do projeto de tese, há que se destacar a minha satisfação de ter como

“cúmplice” as conversas que tivemos, desde criança, sob a forma de contos-socialização, de

brincadeiras e de conversas entre amigos no Burkina Faso. O que não era explicitamente

cobrado não deixava, sutilmente, de ser importante. Procurava-se identificar a capacidade de

cada um em se expressar a partir de uma retórica sustentada pelos personagens de contos, os

provérbios e o que é chamado no continente de conhecimento-sabedoria africana. Mais abaixo,

veremos com Morin (1990) que deve existir uma aliança entre esse tipo de conhecimento e o

conhecimento científico.

Mas, antes vejamos uma rememoração de um conto, logo que iniciamos essa parte da

tese. E como não faz sentido proibir-se entrar na roda da dança quando todo seu corpo está te

implorando para no final do evento dar livre curso ao frenesi, compartilhá-lo-ei com os leitores

já que estão insistindo.

Diz-se que o elefante caiu e quebrou a pata. Depois, foi o mosquito que caiu e quebrou

igualmente a pata. Moral da história: foi o peso de cada um que participou dessa “infelicidade”;

isso nos leva a concordar sobre o peso (a capacidade) de cada um em qualquer empreendimento.

É isso que queremos pensar justamente sobre a ciência: se ela (elefante) é “maior do que o

cientista”, o que ela seria “sem o cientista” (o mosquito)? Não seria a importância de um que

alimenta o outro e reciprocamente!?

Morin (1990) destaca, com pertinência, a complexidade tanto do ser humano quanto a

do mundo em que habita. Defensor da interdependência dos fenômenos, ele defende a

transdisciplinaridade, argumentando que a realidade não pode e não deve ser simplificada em

nome do conhecimento. Ou seja, reduzir o todo às partes, ou as partes ao todo. Da mesma forma,

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não se pode conformar o um no múltiplo, nem o múltiplo ao um. Ele argumenta que a noção de

simplicidade - que se opõe à da complexidade - é perigosa, pois “as modas simplificadoras do

conhecimento mutilam mais do que expressam as realidades ou fenômenos que relatam”

(MORIN, 1990, p.9).

Para ele, a complexidade seria o contrário do pensamento que simplifica, que isola os

diferentes elementos de um sistema sem levar em conta as interações que o compõe e que

desqualifica os demais conhecimentos ou saberes que o mundo produz. Seria preciso fazer a

distinção entre os elementos e entender o todo que os unem, levando em conta as interações na

composição do conjunto. Assim, Morin (1990, p.19) vai definir a complexidade como a unidade

do simples e do complexo, evitando a inteligência cega: “A inteligência cega destrói os

conjuntos e as totalidades, ela isola todos os objetos do ambiente deles. Ela não concebe o

vínculo inseparável entre o observador e a coisa observada”.

Ora, a cultura é uma manifestação incoercível da criatividade do espírito humano. Para

Buznic Bourgeacq (2009), é por intermédio do saber que uma parte da humanidade se edifica,

e a outra parte possibilita a entrada, nessa humanidade, nesse mundo cultural, de diferentes

indivíduos, permitindo assim a vida em sociedade. Para Fleck (1979) e Buznic-Bourgeacq

(2009), o conhecimento da verdade é a atividade humana mais condicionada socialmente,

fazendo do saber e da sua importância, devido a seus diferentes e múltiplos desdobramentos, a

criação social soberana. Chamam assim a atenção tanto para a importância das instituições

sociais, como para o seu conteúdo. De fato, a cultura é depositária do saber e suas instituições

são aquelas que o garantem. No entanto, é necessário dizer que só o Homem permanece no

centro dessa produção.

A experiência cotidiana em suas diferentes dimensões (jogos, áudio, leitura, escrita,

observação, reflexão, trabalho, entre outras) é produzida pelo saber. Para Buznic-Bourgeacq

(2009, p.20), “o saber não se apresenta no real, é apenas uma construção humana, uma extração,

com finalidade organizadora, do sincretismo que apresenta. Do real ao saber, há o homem,

perfectível e ávido de ordem”. Ainda que o presente estudo ocorra no contexto da produção

acadêmica, ele guarda, como todo exercício de construção do saber, sua dimensão subjetiva.

Sob o risco de uma crítica de estarmos sendo dissonantes nas orientações teóricas,

resgatamos algo da sociologia clássica que nos parece sempre útil de ser relembrado: a

sociologia compreensiva de Weber acentua a necessidade de aprofundar o debate entre a

condição social e cultural do pesquisador e o método, a produção de conhecimento e a

organização social (QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA, 2003).

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Weber, compreende a história como constituída pela diversidade das formações sociais, o que

leva a investigar cada formação e cada fase do processo histórico de cada sociedade segundo a

sua especificidade. Para o autor, a sociologia deve buscar a conexão de sentido, a compreensão

social através da ação social que passa pela alteridade, pelo significado e pela interação (ibid.).

Ele divide a ação social em: a) racional com relação a fins (racionalmente buscada); b)

a valores (ético, religiosa, política, estética); c) ao afeto (orgulho, paixão, vingança, inveja,

medo) e; por fim, d) a ação racional social tradicional (costumes e hábitos arraigados). Para ele,

existe sempre uma parcialidade na análise sociológica porque é impossível descartar-se das

noções prévias.

Se há parcialidade e subjetividade na análise da sociedade, vale então procurar saber o

que garante o rigor na produção de conhecimento. Para Nascimento e Aires (2013) estudiosos

de Weber, o conhecimento científico da realidade social é um ordenamento conceitual da

sociedade para determinados fins práticos ou intelectuais válidos universalmente. Para ele, uma

análise válida sociologicamente, o que ele chamaria “objetiva”, deve ser neutra

axiologicamente, parcial ao abandonar a ideia de totalidade, sensível ao substrato subjetivo dos

fenômenos sociais e, por fim, trabalhar com base em tipos ideais. Estes correspondem a

elemento para a análise da sociedade como religião, capitalismo, história social, economia e

burocracia.

Segundo Weber, os tipos ideais são fundamentais, são construídos pela abstração e

combinação de diferentes elementos que, ainda que presentes na realidade, não se manifestam

ou o fazem raramente naquela forma específica. O tipo ideal é tipo puro em seu sentido lógico

e serve para facilitar a análise de questões empíricas. A ação social - aquela que o indivíduo

atribui sentido relacionado com os outros – é conceito vinculado, portanto, ao conceito de

relação social.

Weber chama a atenção para o fato de que os conceitos derivam da realidade, mas só

são construídos para a análise, possuindo assim sentido somente naquele contexto de análise.

A abstração pelos conceitos nos leva aos tipos ideais que Monteiro e Cardoso (2002),

Nascimento e Aires, (2013) descrevem como sendo uma construção de tipo ideal pois cumpre

duas funções básicas. Primeiro porque fornece um caso limitativo com o qual os fenômenos

concretos podem ser contrastados e é um conceito inequívoco que facilita a classificação e a

comparação. E segundo, porque serve de esquema para generalizações, os quais por sua vez,

servem ao objetivo final da análise do tipo ideal que é a explicação causal dos acontecimentos

históricos.

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Segundo Nascimento e Aires (2013), cabe ressaltar o fato de que os tipos ideais são

construídos através de abstração e combinação de um grande número de elementos que, embora

retirados da realidade, nos aparecerão na realidade dificilmente, talvez nunca, da mesma

maneira de que eles estão construídos. Servindo só para facilitar a explicação e a descrição da

realidade social, a construção tipo ideal representa um meio heurístico para investigar a

sociedade, analisar o(s) fenômeno(s) estudado(s) garantindo a cientificidade da produção de

conhecimento. A neutralidade axiológica consiste, assim, em se apoiar sobre fatos, dados reais

e não em valores que são qualidades em nome das quais se avalia a realidade (COHN, 2011;

NASCIMENTO; AIRES, 2013). Quer dizer separar o que é entendimento do “ser” do que é

entendimento do “dever ser”.

A segunda etapa para a validade da análise sociológica é baseada na ideia de que a

realidade, sendo infinita, implica em uma seleção para seu estudo. Assim, o conhecimento e a

ciência nascem do próprio interesse do cientista e, quando esse último define um determinado

objeto de estudo, está implicitamente reafirmando sua prioridade e importância em relação a

outros objetos. Por isso, Weber afirma que é preciso preocupar-se com os estudos das

individualidades, das singularidades (e não a totalidade) da realidade social que em si é

essencialmente individual e singular. A resposta à pergunta como selecionar uma causa como

foco a ser estudado entre a infinidade de causas possíveis de um fenômeno social nos leva à

terceira condição no processo da validade da análise sociológica, segundo Weber: a

subjetividade.

Para o autor, todo fenômeno social possui causas econômicas, históricas, culturais e

psicológicas. Considerando essa complexidade da realidade, não pode se afirmar objetivamente

qual é a causa maior ou mais importante. É aí que a subjetividade, ou seja, os valores do

pesquisador, tanto como sua visão de mundo serão o guia tanto da seleção das causalidades

quanto da maneira de lidar com o fenômeno ao longo do processo de produção de

conhecimento.

***

Uma vez analisada a complexa relação entre objetividade e subjetividade, torna-se

conveniente agora nos apresentarmos.

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Definir-se passa pelo questionamento de nossa condição humana, situando-a no

universo e também interrogando a nossa posição em relação à natureza e aos demais seres

humanos. É nesse sentido que os Bambara1 (SAVADOGO, 2009) dizem "so don, jiri don, yεrε

don de ɲɔgɔn tε"; o que significa: não importa saber andar a cavalo nem subir nas árvores. O

mais importante é conhecer a si mesmo.

Sou filho de um moaga2 (IZARD, 1987) e mais especificamente de um “nionioga”3

(LAURENT, 2003; LE GALLOU, 1986) e de uma “dògòsé”4 (PEOPLE AND LANGUAGE

DETAIL REPORT, 1997; BETHANY WORLD PRAYER CENTER, 1999) cujo percurso

escolar do primeiro [meu pai] (ensino primário, médio e de formação profissional) tanto quanto

da minha mãe (ensino primário, médio e superior) se deram também através da migração.

Como filho de pais muçulmanos, que percorreram um caminho pelo ensino escolar

Ocidental, principalmente de orientação francesa, terminei por seguir percurso semelhante

ainda que, paralelamente ao estudo laico Ocidental; fui igualmente estudante de escolas de

formação islâmica durante os períodos de férias acadêmicas num primeiro momento. Depois,

sempre que o currículo escolar oficial o permitia, participávamos de diferentes encontros de

formação da “Association des Élèves et Étudiants Musulmans du Burkina Faso (AEEMB)’’,

ou seja, Associação dos Alunos e Estudantes Muçulmanos do Burkina Faso.

1 Comunidade sociolinguística do Mali (África do Oeste) cuja a língua tem igualmente o mesmo nome.

2 A maior (numericamente) comunidade sociolinguística do Burkina Faso (África do Oeste) que, ao longo do

período colonial, perdeu importantes grupos comunitários, que foram se instalar no Mali e na Costa do Marfim.

3 Sociedade minoritária, em Burkina Faso, assimilada aos “Mossé” (frequentemente traduzida por ‘’Mossi’’ em

português e outras línguas europeias). Autóctonos da região central do país, eles foram incorporados pelos

“Mossé”, perdendo assim a cultura deles em si. Tradicionalmente, a sua identidade cultural se reduziu a um papel

religioso. Nas aldeias mossé da região, eles são os “mestres da terra”, papel de grande importância nos cultos dos

antepassados (a religião tradicional).

4 Sociedade minoritária do centro-sul do Burkina Faso cuja uma parte vive na Costa do Marfim.

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II. Itinerário e motivações do pesquisador para o estudo

Para o africano que sou, a ambição de uma tese sobre a África constitui-se em um

impressionante estimulante intelectual e físico. Das emoções decorrendo disso, elas são tão

mitigadas, pois sabem permanecer ambíguas. Quanto à postura e ao posicionamento em relação

às exigências intelectuais, éticas e emancipatórias no que diz respeito ao humano e aos

combates que isso implica, eles permanecem claros e definitivamente decididos.

Ao longo do projeto, foi-nos dado a oportunidade de dialogar com um grande número

bem variado de produções intelectuais extremamente rigorosas e pertinentes a respeito do

continente africano. É preciso, aqui, enaltecer os diferentes autores, africanos ou não. E se por

conta de algumas exigências acadêmicas a se respeitar, algumas das produções visitadas não

aparecem na presente tese; entretanto, com certeza, para além delas terem me alimentado, a

História as retêm.

Desse diálogo me apareceu uma questão que não deixa de me atormentar: apesar de tais

produções, o que explicaria que ainda estejamos diante de uma ‘’África desconhecida e

desprezada’’? Por que mesmo nos meios e espaços de circulação de saberes, esse continente,

suas populações e culturas permanecem desprezadas?

Embora essas questões sejam de grande importância para mim, a presente tese não

pretende respondê-las nem constituir um fio diretriz nesse sentido. O estudo está mais

direcionado para uma pesquisa que participa da defesa dos direitos humanos e dos direitos

políticos, os quais não se reduzem a uma dimensão exclusivamente contemporânea; há

conexões históricas de passados remoto e recente que religam os fatos e situações atuais.

Muçulmano e africano, são essas identidades que me sugeriram esse percurso

acadêmico, diante do qual estive e estou plenamente disposto, nos limites da minha

humanidade, a assumir seus devidos deveres e responsabilidades.

De fato, este estudo não se inicia no momento em que me matriculo no doutorado. Trata-

se de saberes que venho acumulando ao longo de minha trajetória social e política, desde o

Burkina Faso, o que me levou a sair para os estudos superiores (graduação) no Mali e, em

seguida, no Brasil para a pós-graduação.

Ao contrário da ideia de desistir, esse percurso me incentivou a perseguir e aprimorar

esse conhecimento, sempre nos traços da história que conforma as sociedades africanas e

burkinabê, mais particularmente. Assim, por ter dado ouvidos, durante trinte nove anos, à vida

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e aos homens, é com responsabilidade que, munido de bem poucas de suas respostas e que,

como Samory Touré, digo: Borry bana5 (L’INDÉPENDANT, nº 000 du 3 Juin 1993).

Esse último grande resistente à colonização viu-se progressivamente obrigado a afrontar

o exército colonial francês. Assim, depois muitos meses de guerrilha, ao longo dos quais ele

lhe infligiu numerosas derrotas, Samory Touré (BEMBEYA JAZZ NATIONAL, 1970), de pé

no flanco da colina, em frente ao lago das barrancas no vale, contempla o trabalho de seus sofas

(soldados). Nesse momento, vem o general de seu exército, Mógófindjan Diabaté, lhe anunciar:

Fama (Imperador), os homens edificaram a última barraca do campo. Logo, o olhar do

Imperador se tornou grave. No seu rosto, era possível ler as ranhuras feitas pelas duras batalhas,

as noites sem sono e as longas marchas. Ele levanta seu general pelo ombro, o olha fixamente

e diz: Borry bana.

Nada se perde, nada se cria, tudo se transforma, dizia Lavoisier. É nesse sentido que a

história se repete, pois, ela é fonte de inspiração. Mais, ela é um legado que pertence aos seus

legítimos herdeiros. Quanto a esses últimos, cabe-lhes, por sua vez, o dever de levar bem longe,

a tocha. Sim, doravante mais de que nunca, tratara-se para mim, de assumir a minha

intelectualidade, suas exigências e implicações diante do direito do humano à dignidade ao

nome da sua nobreza. Neste estudo, nosso enfoque inscreve-se na perspectiva dos Estudos

Africanos com uma nota epistemológica contemplando o olhar sobre a África a partir do

continente em si.

Burkinabê6, meu pertencimento a esta realidade me forneceu os dados empíricos

indispensáveis a tal perspectiva. De fato, morei no Burkina Faso e no Mali, ao longo de meus

trinta e treze primeiros anos de vida.

5 ‘’a fuga acabou’’ nas línguas Mandiga, Bambara e Diula

6 "Burkina" é um adjetivo vindo de "burkindi" que em mooré (língua dos Mossé) traduz-se por conceito da

integridade. "Faso" significa em diula (língua falada no Oeste do país) a pátria. Assim, "burkinabê" é composto

de "burkina" e do sufixo "bê" que em fulfuldé (língua dos Fula) expressa a noção do pertencimento. Por conta

dessa realidade sociolinguística, usaremos ao longo do texto a palavra "burkinabê" para nomear o(s) habitante(s)

de Burkina Faso.

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Formei-me em Antropologia Social e Cultural, durante minha estadia de sete anos

(2003-2010) no Mali, a minha segunda cidadania. Durante esse período, através das exigências

acadêmicas, aprimorei meus conhecimentos sobre as temáticas da África, suas sociedades,

culturas e religiões (notadamente o islã) que sempre se constituíram, para mim, em um grande

interesse ontológico e existencial particular.

No Mali, nesse ambiente, diferente daquele do Burkina Faso em que cresci e vivera, até

então, me foi dada a oportunidade de explorar, sob outras perspectivas e realidades, esse grande

conjunto sociocultural e linguístico da África do Oeste. De fato, o Mali enquanto Estado

contemporâneo pertence ao Mandé, área sociocultural e linguística cujo o Império do mesmo

nome, o Mali, é um dos maiores e mais antigo.

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Imagem 4: Império do Mali (séc. XIII - XVII) e República do Mali (Contemporâneo)

O meu trabalho de conclusão do Curso de graduação (TCC) defendido na Universidade

de Bamako, em 2009, versou sobre: A mudança social e os valores na sociedade bambara de

Ségou (no Mali). Ao longo da minha estada e, particularmente, durante esse trabalho

acadêmico, de imersão nos diferentes universos em presença, em especial o universo dos

bambara, eu pude muito aprender sobre a realidade africana.

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Imagem 5: Capa da minha Monografia

Com efeito, a socialização e a apropriação desses universos (as diferentes comunidades

socioculturais e linguísticas], em Bamako na capital, feitas através da minha pesquisa de campo,

em Ségou (uma grande cidade que foi a capital de um dos reinos Bambara), de modo a atender

as necessidades da minha monografia de conclusão de curso (TCC) foram, para mim, uma rica

e estimulante experiência.

De volta ao Burkina Faso, pude atuar como pesquisador, durante dois anos na “área do

desenvolvimento’’. Assim, enquanto Assistente de Pesquisa associado a diferentes estudos, tive

a possibilidade de uma melhor apropriação das diferentes ferramentas da pesquisa científica,

adquiridas ao longo de meus precedentes anos de formação.

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A riqueza desse período traduziu-se por numerosas viagens realizadas através do país

[o Burkina Faso], tanto em meios rurais quanto em meios urbanos. Essas viagens foram um

laboratório de apreensão de uma África na contemporaneidade na qual se presencia um estreito

diálogo entre tradição e modernidade.

A África como objeto de estudo foi um continuum durante meu mestrado em Terapia

Ocupacional Social, realizado de 2012 a 2014, na Universidade Federal de São Carlos

(UFSCar), em São Paulo. Através da minha dissertação, nesse campo de estudo, eu pude

explorar e aprofundar a historiografia africana, bem como novas problemáticas

epistemológicas.

Igualmente, foi-me possível abordar outras temáticas sobre as sociedades e demais

realidades africanas. Desse modo, trabalhei sobre: o desafio dos jovens muçulmanos voltando

de seus estudos realizados nos países de língua árabe. Minha atenção focalizou-se sobre sua

vulnerabilidade social, bem como em suas estratégias de reconstrução de sua cidadania cultural.

[espaço – imagem 6]

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Imagem 6:

Capa da minha Dissertação

Não poderei passar sob o silêncio da rica abordagem da sociedade, do humano, de suas

atividades e saber-fazer que essa formação me propiciou. A noção de mediação central nela [a

Terapia Ocupacional] é inédita e revela numerosas potencialidades para as Ciências Sociais e

Humanas. Meu percurso e meus engajamentos intelectuais me sugeriram o tema da presente

tese de doutorado. Através das páginas a seguir, não derrogarei à tradição científica e bem

pertinente de contextualizar este estudo a fim de situar a realidade à qual me refiro.

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III. Contextualização do estudo

O exercício consistindo em definir primeiro o objeto que nos propomos a estudar tem

uma significativa importância no sentido em que ele permite, de um lado, ao pesquisador de

esclarecer e assumir conscientemente seu pensamento diante desse objeto. Do outro lado, esse

exercício pode vir a assegurar, aos leitores, indicações relativamente à lucidez do pesquisador

e, além disso, oferecer uma posição confortável, aos leitores, para participar à conversação.

Embora o estudo esteja focado mais especificamente em Burkina Faso, ele se articula

inextricavelmente às diferentes problemáticas ligadas primeiramente à África como um todo e,

em segundo, à África do Oeste. Diferentes aspectos dessas [problemáticas] serão discutidos ao

longo da tese, com maior ou menor enfoque segundo a necessidade argumentativa em cada

parte em desenvolvimento.

Imagem 7: o Burkina Faso na África do Oeste

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Imagem 8: A África do Oeste

A África foi definida pela Biblioteca colonial (MUDIMBE, 2013). Essa biblioteca era

constituída, em um primeiro momento, de todo o discurso Ocidental que caracterizava as

comunidades africanas, desde a época das explorações ao momento posterior, especificamente

da colonização. De um lado, há a construção da imagem de uma África sem noção de tempo, e

vazia de cultura, notadamente de arte. Essa África é perigosa e a qualquer momento se pode

morrer de uma morte violenta. Essa justificativa serviu para a legitimação da invasão e da posse

do espaço físico africano e, em seguida, para a reforma das mentalidades africanas para as

« civilizarem » (processo de aquisição, distribuição e exploração/domínio do continente).

De acordo com Ekanza (2006), vinte anos depois do início da colonização em 1880, a

colonização europeia se apropriou do continente inteiro, com exceção da Libéria e da Etiópia.

Assim, foram desarticuladas e subjugadas as diferentes entidades geopolíticas (tanto as

lideranças tradicionais quanto os reinados e Impérios) que dominavam territórios unificados,

reorganizando-os segundo a lógica colonial.

O segundo passo dessa Biblioteca vislumbrou a integração da economia africana à

perspectiva Ocidental, mas a subjugando. No caso da África do Oeste, o grande dinamismo do

próspero comércio transsahariano que alimentava os grandes centros inter-regionais sofreu uma

grande queda antes de desaparecer. Doravante, a direção das trocas tinha que ser Norte-Sul

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através do Oceano Atlântico (MUDIMBE, 2013). Segundo esse autor, os diferentes modos de

exploração variavam de acordo com os meios e política de cada Estado colonial, nas regiões

conquistadas. Descreve quatro fases. A primeira foi a Econômica de predação, que começou no

final do século XIX até a Primeira Guerra Mundial. Tratava-se da exploração de borracha,

madeira e marfim, nas zonas do Congo-Brazzaville, Gabão, no atual Gana e na Costa do

Marfim.

A segunda fase foi a da Economia de Negócio praticado na Costa do Marfim, no Senegal

e em Uganda. A lógica era a exportação dos produtos brutos a partir dos diferentes portos e, em

contrapartida, o escoamento dos produtos manufaturados dos países colonizadores. Eram os

europeus que escolhiam e impunham as diferentes culturas a se produzir no território africano.

Exigiam maior produção onde se cultivavam já esses produtos, impunham aqueles que queriam

quando não se cultivava. O sistema coercitivo de pagamento de impostos por pessoa acabava

obrigando os produtores a entrarem no circuito dessa economia monetária, dependente para os

africanos.

A Economia de plantação desenvolveu-se na altura do Quênia, do Tanganyika, da Atual

República Democrática do Congo, dos Camarões, da Rodésia e da África do Sul. Após ter

expropriado as populações desses países, elas foram subjugadas como mão de obra nas

plantações dos colonos. A última fase da exploração foi a Economia Mineira que foi praticada

essencialmente nas regiões central e austral do continente e em menor escala na parte Ocidental.

Motor do desenvolvimento onde era praticado, essa economia era sustentada pelo grande

número de mão de obra africana.

A outra imagem construída remete a uma África dourada onde tudo cintila. Os trabalhos

de Kpao Sarè (2007); Prudhomme (2014); Blanchard, Bancel, Boetsch et al (2011); Diop,

Graille, Zatorska (2012); Albertan-Coppola (2012) são nesse sentido eloquentes. Referindo-se

às diferentes produções humanísticas (literatura, história, filosofia, antropologia e arte),

iniciadas pelos navegadores-comerciantes, desde o século XV, exploram-se as representações

sobre a África subsaariana durante o século XVIII, o século das Luzes.

Nelas, destacam-se o desconhecimento assumido, pelos intelectuais da época, das

“terras profundas’’ do continente africano. Desconhecimento justificado pelo fato de que as

viagens para o continente tinham o perfil das profissões do comércio, da marinha, dos militares

e dos missionários. As suas produções abraçavam fortemente os diferentes preconceitos de suas

áreas respectivas de atuação, além das ficções que cada qual produzia. Até então, a presença

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dos europeus se concentrava essencialmente nas costas africanas. Nada justificava ainda um

investimento para se conhecer, de fato, as terras do interior do continente.

O segundo momento da construção dessa Biblioteca colonial é a reapropriação da lógica

colonial pelos africanos, não por alienação, mas por ‘’obrigação’’ e/ou visão estratégica. Em

mooré, se diz: se por falta de recursos não tem como parar o seu ladrão, ajude-lhe a transportar

o que não te pertence. Bem que criticável, isso foi uma posição que muitas comunidades

adotaram diante das novas lógicas às quais foram submetidas.

Os conceitos de etnia e de tribo participam do projeto de classificação das sociedades

ameríndias, africanas e asiáticas que seriam diferentes daquelas europeias pois ‘’não

civilizadas’’. Anibal Quijano (2005) discute a noção de raça enquanto uma categoria mental da

modernidade, mostrando toda a construção que europeus vão fazer para produzir a ideia de raça

inferior. Ele fala da América latina, mas em tudo é semelhante ao que passa no continente

africano. Na América, a raça inferior que tinha que se legitimar enquanto tal eram os negros

escravos, mais o povo autóctone - o indígena nativo. Assim, diferentes e inferiores, essas

sociedades (a África no que diz respeito a nosso presente estudo) não participavam da

comunidade humana (AMSELLE e M'BOKOLO, 1985; MBEMBE, 2013).

Do debate sobre as origens da etnia e da etnicidade, na África, aparece claramente que

a consagração dessas noções se refere ao período colonial durante o qual militares,

administradores civis, missionários e antropólogos se reuniram num objetivo comum: o de

conhecer melhor as sociedades conquistadas a fim de melhor governá-los. O saber

antropológico que se edificou, desde então, acompanhou o processo de dominação e de

legitimação da suposta superioridade europeia sobre a África (OTAYEK, 2001). Assim, para

nós, as noções de etnia e de etnicidade são ‘’ferramentas’’ de classificação das sociedades

africanas, utilizadas pelo colonizador, segundo as tipologias de suas próprias representações e

intenções.

Nossa postura epistemológica justifica-se pela nossa adesão às pertinentes análises de

Gruénais (1986); Tuquoi, Otayek e Coulon (2008); Chrétien e Prunier (2003). De fato, não há

como negar as diferentes dinâmicas identitárias aos quais as diversas comunidades africanas

participaram ao longo do período pré-colonial. Nesse sentido, se é verdade que os colonizadores

Anglo-saxões, Francês, Belgas e Portugueses, muitas vezes manipularam, (re)formularam,

classificaram e hierarquizaram a etnicidade, nisso, eles foram apoiados pela Igreja cristã, que

no âmbito da espacialização da ação missionária contribuiu ao delineamento étnica, bem como

à fixação de alguns costumes.

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Embora o período colonial seja uma marca importante na questão étnica, como

anunciado acima, os africanos se o apropriaram. Sem reduzir as realidades socioeconômicas e

políticas africanas à etnicidade, convém mencioná-las. Se, em função dos contextos geográficos

e históricos ou mesmo simplesmente devido às circunstâncias, ela não se expressa, a questão

étnica em suas múltiplas acepções permanece um fato incontornável. E, isso, no detrimento da

questão do “humano’’, um tema que tratado, ao longo deste trabalho.

Diante do Estado moderno e suas lógicas hegemônicas de imposição da identidade

nacional – pela violência física, econômica e/ou simbólica – o projeto étnico que beneficia mais

a uns que aos demais, mas reivindicando ser universalista e portador exclusivo da ideia de

progresso, as sociedades africanas opõem uma forte resistência identitária. Mas nisso, elas se

apropriam do argumento étnico no sentido em que melhor se enquadre aos seus interesses. Os

desafios societais inéditos, assim como as oportunidades sem precedentes de poder e

enriquecimento, exacerbam a competição entre as diferentes comunidades. Umas para acessá-

los e outras para se premunir da ‘’tirania’’ da mudança social.

Sob o prisma dos contextos econômicos e sociais da politização da etnicidade,

LONSDALE (1996) discute uma ‘’etnicidade moral’’ com certeza controvertida, mas

apreendida enquanto virtude cívica pela qual os diferentes grupos étnicos medem a estima que

têm de si e que se traduz em suas lutas para o acesso aos recursos públicos.

Para Goetschel e Péclard (2006), os procedimentos de acesso, assim como os modos de

gestão desses recursos são estreitamente ligados ao poder e ao modo de funcionamento do

Estado. Nesse sentido, eles não deixam de sublinhar o fato de que os recursos em questão e os

modos de vida que decorrem disso constituem a base vital política e econômica dos Estados, o

que implica tomar em conta as dinâmicas históricas e políticas de formação das classes

dirigentes no período colonial.

Mitificando seu próprio lugar histórico enquanto produtor de subjetividade, o

capitalismo apoiado pela ideia de modernidade produziu a racionalidade eurocêntrica que

colonizou e tem explorado as diferentes sociedades, a partir de meados do século XVII

(QUIJANO, 2005). É nesse sentido que o autor denuncia a colonialidade no fato de se impor

mundialmente por um tipo de poder bem mais enraizado e mais durável que o colonialismo em

si.

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***

Ainda, para contextualizar o presente estudo, precisaremos abordar mais

especificamente o tema relativo à juventude. É judicioso, desde já, mencionar a estreita relação

existente entre a juventude burkinabê e a africana. As duas realidades articulando-se. Tal

articulação será perceptível ao longo da tese.

É preciso dizer que o continente africano se destaca com cerca de 40% de sua população

que é majoritariamente jovem, tendo entre quinze e vinte e quatro anos, e mais de dois terços

tendo menos de trinta anos (CODESRIA, 2012). Cabe dizer aqui que no Burkina Faso, a

característica da população é sensivelmente similar à do continente. Ela sofre dos efeitos do

contexto colonial passado. A juventude permeada por múltiplas e diferentes lógicas

sociolinguísticas encontra-se espezinhada por políticas econômicas e sociais europeias e

eurocêntricas espoliadoras.

Dá-se para cantar a vida quando filhos de pais oprimidos que, até aos quarenta anos, não

conseguem um trabalho digno, enquanto 90% das riquezas do país vão alimentar as populações

do Norte e suas instituições que os chamam de miseráveis? Qual vida pensar quando realizar-

se significa entregar alma e corpo à decadência vil disfarçada atrás de acordos, instituições e

seus diversos funcionários necrológicos? Como celebrar a vida quando mentes, corações e

corpos martirizados compartilham o cotidiano com a morte e suas perversidades? Quantos

vazios que a herança do presente, decorrendo há séculos, não preencheu ainda? Numa

permanente e constante renovação, quantas vidas o presente condena? Tais são algumas das

questões que se colocam para a juventude africana.

Defronte a uma sanguinária adversidade, a juventude africana tem que cavar seu lugar

numa África, teatro de competição econômica, cultural e ideológica de cobiças da Europa, dos

países ‘’Árabe-muçulmanos’’ e, hoje em dia, da China. Tais afirmações não explicam por si

sós a exaustividade e a profundidade da complexidade da realidade da juventude no contexto

africano. No entanto, vale salientar que a sua articulação com o peso demográfico e suas

implicações sócio-políticas, é de grande importância para o continente.

Os estudos tratando das diferentes políticas de desenvolvimento adotadas ao longo da

história, bem como as reações dessa parte da população permitem entender a complexidade da

sua condição e a sua capacidade criativa em enfrentar a (re)produção social (CODESRIA,

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2012). Disso, decorrem as perguntas que interessam, mais especificamente, nesta tese: como a

partir da fé e da ética islâmica, a juventude muçulmana apreende a realidade sociopolítica

burkinabê na sua articulação com a globalização? No conjunto da juventude do país e de seus

pares, a juventude do continente, qual é o seu lugar social e político nas dinâmicas sociais

contemporâneas?

Pela sua forte presença no espaço público, buscaremos igualmente apreender o conceito

de juventude, bem como a sua pertinência nos tempos atuais. Estes são os objetivos subjacentes

para o nosso estudo uma vez que um maior foco recai nos jovens africanos muçulmanos, de

modo a explorar a intelectualidade presente, em seu processo de construção da cidadania

cultural; processo, enquanto estratégia de reivindicação social e de luta para o reconhecimento

sócio-político e profissional dos jovens, na contemporaneidade. É nisso, portanto, que se situa

o nosso objetivo principal.

Para lidarmos com esses desafios contemporâneos, geopoliticamente bem situados,

inscrevemo-nos, do ponto de vista teórico e epistemológico, no interior do pensamento crítico

« descolonial », a partir de um conjunto de conhecimentos chamado « Epistemologias do Sul

», tal como nos propõe Santos (2012; 2011), como um contraponto à lógica capitalista do Norte

e seus avatares que desqualificam as culturas do Sul. Porém, pela especificidade das realidades

africanas distantes das europeias e da América Latina, ao longo da tese, manteremos um diálogo

com pesquisadores que pensam essas problemáticas a partir dos contextos africanos.

Para isso, tratando-se das realidades africanas, cabe mencionar aqui os estudos pós-

coloniais, mais especificamente aquelas se referindo aos contextos africanos em relação à sua

crítica sobre a concepção colonial da razão, do humanismo e do universalismo que o Ocidente

tem em relação à África. Para Mbembe (2006), uns dos autores que, para nós, se destaca nessa

perspectiva, trata-se de enfrentar a violência inerente a uma certa concepção europeia da relação

aos outros que se reflete nas suas decisões práticas, políticas e simbólicas. Nesse sentido, ele

caracteriza essa perspectiva pela desconstrução mental, isto é, as representações, bem como as

formas simbólicas compondo a ossatura/infraestrutura do projeto colonial.

Mbembe chama a atenção sobre o fato de que o humanismo europeu sempre se mostrou

sob a figura da duplicidade, da deturpação de suas intenções, do real. Assim, o pensamento pós-

colonial preocupa-se a revelar e a quebrar a potente e sofisticada reserva de mentira que sustenta

o colonialismo enquanto configuração histórica de poder. Ele lembra que a permanência da

universalização do imperialismo Ocidental vai além da violência da sua coerção. Ela decorre

em parte da cumplicidade consciente de muitos colonizados. Atentivo então ao enredamento

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complexo da relação decorrendo da relação colonizado-colonizador, o pensamento pós-colonial

inscreve-se nas diferentes lutas sociais históricas das sociedades colonizadas africanas.

Nesse sentido, este estudo se alinha a um conjunto de estudos pós-coloniais que se

espraiam em diversos continentes do planeta. Diante da urgência da mudança de paradigma

proposto a partir de suas culturas respectivas, os críticos pós-coloniais orientais (Spivak, Guha,

Shiva, entre outros), os ''descoloniais'' da América Latina, tais como Mignolo, Grosfoguel,

Quijano e Lander, assim como outros diversos intelectuais de culturas diversas atestam o

alinhamento existente em torno de uma epistemologia do Sul.

Essa epistemologia parece atender às exigências de uma compreensão em torno da

intelectualidade de uma juventude burkinabê que se enraíza em diferentes matrizes de saberes

que compõem a sociedade. Diante de uma tal diversidade, formulamos a hipótese de que há

uma forte tensão, atualmente, entre a juventude urbana burkinabê e a sociedade de um lado e,

de outro, entre essa juventude e as diferentes políticas eurocêntricas promovidas tanto pelo

Estado quanto pelas diferentes instituições não governamentais. Por seus discursos e ações

expressando uma luta política – tanto contra uma tradição que a diferentes níveis mostrou seus

limites quanto à imposição de um saber ocidental que se toma por único, legítimo e universal e

que desqualifica os demais saberes –, exploraremos a nossa hipótese à luz de suas

reivindicações.

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A sociedade burkinabê se compõe de cerca de sessenta e três comunidades tradicionais

organizadas em torno de suas atividades socioprofissionais através das quais foram

identificadas em diferentes momentos históricos. As identidades assim construídas velam,

muitas vezes as diferentes especializações e saberes, dos quais cada grupo ou família específica

é detentor no seio da comunidade.

Imagem 9: Comunidades socioculturais burkinabê e sua repartição geográfica

Desse modo, a islamização do país, iniciada por volta do século XV e, em seguida, a

colonização francesa somente no final do século XIX reconfiguraram a dinâmica intelectual e

as identidades que dizem respeito a esses saberes. Doravante, no campo político e social, se

cristalizam principalmente uma rivalidade entre uma elite cristã que detêm as rédeas do poder

e das instituições do Estado (esses últimos tiveram um percurso intelectual através das

instituições escolares e acadêmicas ocidentais) e a outra parte da população que é muçulmana

e reivindica uma intelectualidade baseada na fé e nos valores islâmicos.

Em relação à população burkinabê, é importante chamar a atenção sobre o fato que os

dados e estatísticas de fácil acesso pela internet assim como aquelas oriundas de certas fontes

oficiais velam uma realidade antropológica de grande relevância.

A divisão e repartição/representatividade entre as diferentes comunidades religiosas

(animistas, cristãs e muçulmanas – todas tendências consideradas) não é claramente perceptível.

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Embora haja comunidades ou regiões onde prevalece uma ou outra dessas três religiões, o

sincretismo se destaca. Assim, os cidadãos respondem em função dos contextos de informação.

No caso específico do islã, que é o nosso centro de interesse na presente tese, a sua

adoção pelo conjunto da sub-região Oeste africana fez-se sem “renúncia” da “religião dos

ancestrais’’ (nome que os religiosos em questão dão ao que é geralmente chamado

‘’animismo’’). Dos estudos passados até os anos 1980, essa realidade do islã na África lhe valeu

a denominação “Islã negro’’ (GANDOLFI, 2003; CUOQ, 1984).

Essa parte da população [os muçulmanos] que a diferentes níveis é atravessada por

certos conflitos opondo as diversas escolas de pensamento e de prática religiosa fará o objeto

de nossa atenção na presente tese. Notadamente, a sua juventude e as diferentes reivindicações

das quais ela se faz a porta-voz.

Inerente às dinâmicas sociais, o conflito é a expressão dos diferentes antagonismos

comunitários. Através da história do país, e mais recentemente dos movimentos sociais que

levaram às transformações sociopolíticas, entre 2014 e 2016 (HAGBERG e al., 2017),

procuraremos entender como a diversidade cultural e intelectual que decorreu disso se constitui

em uma força de luta, uma riqueza para o desenvolvimento. Essa força de luta política sustenta-

se a partir de valores éticos islâmicos. É esta hipótese que a tese busca apreender.

IV. Abrangência do campo de estudo

A escolha do Burkina Faso como realidade empírica da nossa pesquisa justifica-se tanto

pela sua história quanto pela sua composição sociocultural. De fato, o país contabiliza mais de

sessenta línguas, o que reflete a multiplicidade e diversidade das comunidades que compõem o

país. Assim, o conhecimento é caracterizado por várias epistemes que se interagiram com

culturas estrangeiras e que, ao decorrer dos contextos sociohistóricas, passaram a pertencer à

sociedade burkinabê.

Dentre elas, destacamos uma matriz árabe-islâmico, uma europeu-cristã e uma islâmico-

europeia. A forte presença de um islã secular do mesmo modo que a colonização francesa

marcou profundamente a organização administrativa do país. Do outro lado, a presença cada

vez mais significativa de instituições internacionais (multinacionais, ONGs e corpo

diplomático) coloca o Burkina Faso em um turbilhão de tensões, com severas consequências

no plano econômico quanto no plano político.

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No século XX, com a proximidade dos centros fortemente islamizados como a Dina

(reino teocrático) de Sékou Ahmadou Bari, em Macina (atual Mali), e o Califado de Sokoto (ao

Norte da atual Nigéria), as populações do atual território do Burkina Faso tiveram importantes

contatos com o islã. Esse processo integrou o movimento de renovação do islã liderado pelas

sociedades Fula e Tuculeur, nos séculos XVIII e XIX (KANE, 2003).

Imagem 10: Impérios de Macina (Mali) e Sokoto (Nigéria)

Segundo M'Bokolo (2009), foi o Norte do país que experimentou as primeiras adesões.

No Oeste do país, com Bobo-Dioulasso como grande centro comercial, o islã teve um terreno

fértil para a sua implementação.

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Imagem 11: As duas maiores cidades do Burkina Faso

De fato, grupos de comerciantes, Dioula, vindos das margens do rio Níger introduziram

o islã, entre os séculos XVI e XVIII. O Norte, já sob a grande influência dos Impérios

teocráticos Sokoto e Macina, formou os Emirados Fulas do Liptako e do Jelgooji, no século

XIX.

No centro, no país moaga, a introdução do islã deu-se de maneira discreta. Isso valeu

em outras partes do país onde a maioria da população vivia de acordo com a sua religião baseada

no culto dos antepassados. No entanto, depois de uma longa resistência, o islã conseguiu

sutilmente instalar-se no moogho central através de uma aliança entre os Yarsés e os soberanos

mossé (CISSE 2003). Mais tarde, nos anos 1970, por iniciativa do regime do presidente

Sangoulé Lamizana primeiro presidente muçulmano, até então, o islã se consolidou. Com a luta

contra o Israel e o apartheid, o contexto era favorável à aproximação entre a África e o « mundo

árabe-islâmico » em nome da solidariedade.

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Imagem 12: Presidente Sangoulé Lamizana

O encarecimento do preço do petróleo nos « países árabes » produtores facilitou a

cooperação entre os Estados. Seguiu a adesão do Burkina Faso à organização da conferência

islâmica em 1974. Desde então, o Estado devia tomar conta de suas aspirações envolvendo-os

mais estritamente à sua política (OTAYEK, 1996). Hoje em dia, de acordo com a tabela abaixo,

muitas Organizações Não Governamentais (ONGs) de diferentes países “árabe-muçulmanos’’

atuam no Burkina Faso, em diversos campos:

[espaço – tabela]

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Nome da ONG País de origem Área de atuação

Associação Islãmica de Ajuda

International – O I I S

Arábia Saudita Saúde, educação

Agência dos Muçulmanos da África

(AMA)

Kuwait Hidráulica, saúde, educação,

assistência social.

Associação Mundial do Apelo ao Islã

(AMAI)

Líbia Educação, financiamento de projetos

sociais

Zakat house Kuwait Financiamento de projetos sociais

Fundação ibn mashoud Arábia Saudita Educação, saúde, assistência social

Fundação Al Maktoum Qatar Educação, financiamento de projetos

sociais

Qatar Caridade Qatar Assistência social

Organização Turca de Solidaridade

(FOSAPA)

Turquia Educação, assistência social

Mounazama Islãia Sudão Educação, financiamento de projetos

sociais

Fonte da tabela: SOGOBA, 2010, p.11, Quadro n°3.

O segundo nível da escolha do Burkina Faso, como realidade empírica da presente

pesquisa, está relacionado à colonização francesa. De fato, o espaço político burkinabê (antigo

Alto Volta) se construiu em torno do Império multisecular moaga que, durante muito tempo,

resistiu às diferentes invasões e transtornos sociopolíticos na região.

Na véspera da ocupação colonial, e depois ter sido colaboradores, a política colonial

violentou os muçulmanos. De fato, da ocupação da capital Ouagadougou em 1896 ao final da

conquista em 1898, a violência colonial matou muitas personalidades importantes do Islã

burkinabê. Daí o período colonial ter se caracterizado por relações conflituosas entre os

muçulmanos e a administração colonial francesa. Isso causou uma profunda desconfiança da

parte dos muçulmanos que passaram a desdenhar a escola francesa, « essa escola que ensinava

um conhecimento profano e formava cidadãos desenraizados » (GÉRARD, 1997).

A situação favoreceu as populações evangelizados do Sudoeste, formados pela escola

missionária que beneficiavam de um considerável apoio da administração colonial. O período

pós-colonial se caracterizou, até os anos 2000, por um relativo controle marcado do aparelho

do Estado, assim como pelo monopólio da administração pública por parte da elite cristã

formada na escola francesa.

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O terceiro nível justificando a escolha do Burkina Faso como campo empírico do estudo

está nas mudanças sócio-políticas no país, que vem sendo o teatro, há uns anos, dos descalabros

resultantes das políticas preconizadas pela globalização.

Dos anos 1980 aos 2000, os dois países da África Ocidental de língua francesa tendo

maior destaque econômico – a Costa do Marfim e o Senegal – passaram por momentos bastante

difíceis. A queda internacional do preço de suas principais culturas (o cacau e o café no caso da

Costa do Marfim e o amendoim no caso do Senegal), deixou toda a região numa profunda crise

econômica e política. Em 1994, acrescentou-se a queda de valor do franco CFA.

Afim de lidar com a crise, os diferentes governos multiplicaram as medidas de

liberalização econômica. Movimentos de contestações e rupturas políticas ocorreram:

revolução democrática e popular de Thomas Sankara no Burkina Faso; destituição de Moussa

Traoré no Mali por golpe militar; movimentos sociais urbanos em contestação à continuidade

do mandato do Presidente Abdou Diouf no Senegal; manifestações estudantis nos diferentes

países da sub-região (GOMEZ-PEREZ; LEBLANC, 2007).

É nesse contexto socioeconômico e político que, em 1996, os estudantes burkinabê

fazem greve durante meses para denunciar suas difíceis e vergonhosas condições de estudo,

bem como para denunciar o autoritarismo do regime através do qual personalidades, como o

Presidente Thomas Sankara e o renomado jornalista de investigação Norbert Zongo, foram

assassinados. Os jovens que até então eram excluídos dos espaços econômicos e políticos,

tiveram assim a oportunidade de expressar-se.

Imagem 13: O jornalista Norbert Zongo

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CAPÍTULO 1: A ÁFRICA ATRÁVES DA HISTÓRIA

Neste primeiro capítulo, trataremos de uma análise retrospectiva do continente africano e

de suas realidades societais, atráves da História, que vão ter sérias repercussões na sociedade

burkinabê. Debruçar-nos-emos sobre três grandes períodos, nos pelos quais o continente teve

fortes relações com outras regiões do mundo, implicando grandes mudanças sociopolíticas e

econômicas.

1.1. A África na história da globalização

1.1.1. O comércio transsaariano

No primeiro período, ressaltamos o comércio transsaariano que ligava a África

subsaariana à península arábica, que era uma grande rotatória de comércio e de atividades

socioculturais, passando pelo Maghreb (África do Norte). Essa atividade econômica se revelou

um instrumento aproximando os dois lados do Saara, o maior deserto do mundo.

Analisamos aqui, igualmente, os primeiros momentos da islamização da África

Ocidental e como a partir do direito islâmico, as diferentes populações lidaram com a questão

da escravidão.

Antes do advento do islã no século VII, era já notável a presença de escravos na

península arábica. A história de Bilal (CAPO CHICHI, 2016), escravo, uns dos primeiros a se

converter ao islã, é testemunha disso. Devido à sua bela voz, foi o primeiro muezim7 do islã.

Bilal é um dos primeiros convertidos ao islã. Foi comprado de Umayya Ibn Khalaf, um chefe

de clã, por Abou Bakr (tio e companheiro do profeta), pouco antes de 622, (a.C) ano da hégira8

para o libertar. Bilal era o filho de Hamama uma escrava negra e de Rabah pertecendo ao clã

dos Banu Jumah da tribo dos Quraysh. Chamado Bilal ‘al-Habashi’ o que significa Bilal o

abyssinense, suas origens se encontram no que hoje em dia são a Etiópia e a Eritreia, que eram

um grande centro de aquisição de escravos.

7 Pessoa, que geralmente da torre da mesquita, ou hoje em dia com microfone, chama os muçulmanos à oração.

8 622, o ano da hegira marca o início do calendário muçulmano que é um calendário lunar.

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Os estudos em egiptologia, bem como as fontes religiosas islâmicas citam a passagem

do profeta Abraham e de sua esposa Sarah no Egito, por volta de 1695, antes da nossa era. É

durante essa passagem que o faraó Sheshong ‘’ofereceu’’ a Sarah, a escrava Hajar (COOVI

GOMEZ, 2011). Botte (2011) nos revela a presença de escravos da África subsaariana (Bilâd

as-Sûdân ou « País dos Negros »), notadamente Núbios, Etiópios, Somalis e Zanjs da costa

oriental na África do Norte. No II milênio a.C, a Núbia e o Império de Meroé (séc. VIII a. C.

até o século IV d. C.) ‘’forneciam’’ regularmente cativos negros ao faraó no Egito.

Todavia, é preciso dizer que foi o estabelecimento do comércio transsaariano que

ocorreu durante doze séculos (do século VIII ao século XIX, d.C) que consagrou o tráfico

escravagista. Esse sistema econômico implicou a instauração e a manutenção de importantes

redes de transportes, pontos de compra/venda, de (re)distribuição e demais mercados tanto do

Sul quanto do Norte. Segundo Botte (2011), a conquista da África do Norte necessitou setenta

e sete anos. Os Berberes foram os primeiros a sofrerem a escravidão. Depois de sua conversão

ao islã, tornaram-se irmãos dos Árabes e, a esse título, era juridicamente proibido escravizar

seus irmãos muçulmanos9.

Imagem 14: Tráfico escravagista árabe na idade média

9 Segundo a interpretação outrora do direito e da jurisprudência islâmica.

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Cabe salientar, aqui, que as diferentes questões de leis e de jurisprudência, no islã, são

intimamente ligadas à mensagem islâmica que legisla sobre as instituições e práticas sociais,

em todas as eras, através de diferentes sociedades humanas. Transmitidas durante 22 anos (610

- 632) ao profeta Muhammad, (570 – 632 a.C) ele regulou essa instituição, num primeiro

momento, e depois a condenou definitivamente. Desde então, o que precedeu se torna caduco.

O estudo de Botte (2011) é de grande relevância. Estudioso de uma das maiores

referências em história da África do Norte e subsaariana, Ibn Khaldûn, ele nos traz ricas

informações. Para o autor, a morte do governador de Tanger, ‘Umar Ibn ‘Abd Allâh, morto

pelos Berberes revoltados, é expressivo da interpretação interessada que as sociedades,

indivíduos e autoridades podem fazer da mensagem islâmica. Os Nafûsa que foram ferozes

adversários dos colonizadores árabes tinham, inicialmente, adotado o judaísmo e depois o

cristianismo. Após terem se convertidos ao islã, revoltaram-se contra a autoridade do

governador que inventava um pretexto para os remeter à escravidão:

Os Berberes se revoltaram logo quando souberam que o vencedor os olhava

como butim de guerra pertencendo aos muçulmanos e que ele [o vencedor] se

propunha em consequência tomar o quinto de seu número [para os tornar

escravos].

A revolta se justificava igualmente pela obrigação de ter que fornecer diferentes

prestações, tais como disponibilizar bonitas escravas berberes, de penugem cor de mel e/ou

produtos mais raros do Magrebe. De fato, depois disso, a grande demanda omíada e, em

seguida, abássida de escravos, notadamente de jovens meninas berberes jawârî, reputadas por

terem uma grande beleza, justifica as falsas acusações de apostasia vislumbrando a escravização

dos Berberes (BOTTE, 2011; SAVAGE, 1992). No século X, em Córdoba, as escravas brancas

eram apresentadas como francas, galegas e berberes (LÉVI-PROVENÇAL, 1953; BILÉ, 2008).

Depois da conversão em massa dos Berberes ao islã entre os séculos 718-720’, o

governador de Ifrīqīya, Abd-al-Rahmân b. Habîb, escreveu uma carta, no século 754, ao califa

abássida Abû Ja’far al-Mansûr na qual explicava a esse último que o Ifrīqīya, por ter se tornado

uma terra muçulmana, não era mais possível tornar escravas pessoas dali. A notícia deixou o

califa numa fúria intensa, o que o fez responder com ameaças (BOTTE, 2011).

Foi depois desse período que se iniciou o comércio transaariano, motivado pela busca e

uma grande demanda por escravos. Para Brett (1969) e Botte (2011), esse comércio assentava-

se sobre a existência de um mercado de demanda e de consumo de mútua complementariedade

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insubstituível, entre certos produtos do Norte e do Sul. Cada parte incentivando o crescimento

do outro, a economia do conjunto das sociedades implicadas se desenvolveu em conformidade

mútua.

Imagem 15: Mapa das cidades e rotas do comércio transsaariano no final do século XV assim como os

produtos comercializados

Dentre os produtos principalmente trocados, havia o sal, os temperos, as tâmaras, os

tecidos, manuscritos, os cavalos vindos do Norte. Do Sul, vinham os produtos agrícolas, as

bandas de algodão, nozes de cola, marfim, peles de animais, madeira, ferro, cobre, ouro e

escravos10. O controle político e militar dos diferentes espaços de armazéns e de circulação

necessários foram assegurados pelas comunidades e os Estados presentes ao longo das rotas.

10 Para as questões relativas à escravidão e ao ‘’destino’’ e condições dos escravos no ‘’mundo árabe-muçulmano’’,

são diversas as fontes de consultas: 1) Jean-Louis Triaud, « Roger Botte, Esclavages et abolitions en terres d’islam

», Archives de sciences sociales des religions [En ligne], 156 | octobre-décembre 2011, document 156-25, mis en

ligne le 14 février 2012, consulté le 17 décembre 2017. http://journals.openedition.org/assr/22879; 2) Tidiane

N'diaye. Le génocide voilé. Éditions Gallimard, 2008. https://www.petit-fichier.fr/2014/06/20/le-genocide-

voile/le-genocide-voile.pdf; 3) Salah Trabelsi. Mémoires contemporaines de la traite et de l’esclavage dans le

monde árabe. 2014. https://webtv.univ-nantes.fr/fiche/5032/salah-trabelsi-memoires-contemporaines-de-la-traite-

et-de-l-esclavage-dans-le-monde-arabe; 4) Agnès Lambert. Espaces d’échanges, territoires d’État en Afrique de

l’Ouest. Autrepart (6), 1998, p. 27-38. URL :

http://horizon.documentation.ird.fr/exldoc/pleins_textes/pleins_textes_7/autrepart/010014749.pdf; 5) Commerce

caravanier et traite transsaharienne.

http://www.ladocumentationfrancaise.fr/var/storage/libris/3303331280750/3303331280750_EX.pdf.

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Contudo, é preciso dizer que a religião (o islã), bem como o parentesco que regiam as relações

comunitárias e sociais eram igualmente garantias desse comércio.

Dos diferentes centros que participaram ativamente do dinamismo do comércio

transaariano, embora variáveis nesse período, podemos notar ao Norte: Fes, Marrakech,

Tlemcen e seu porto Huneyn situado perto de Orã, Kairouan, Trípoli, Cairo. Ao Sul, havia os

Estados: do Takrur, do Diafûn(u), do Gana, em seguida do Mali, de Gao e de Kano. Por outro

lado, havia as cidades do Bornû, Agadez, Timbuctou (ADNANE, 2017; JEPPIE e DIAGNE,

2008; FARIAS, 2008) que foram criadas no século XII pelos Berberes. Na Idade Média, entre

meados do século VIII e do século XI, a criação das grandes cidades relé ibâdites de Tâhert,

Wâdî Rîgh, Sadrâta, Sijilmâsa, Ghadamès e Zawîla constituiu-se em um importante trunfo para

o dinamismo desse comércio (BOTTE, 2011).

Com os dois lados do Saara aproximados pelo comércio transsaariano e uma vez o islã

adotado pelas diferentes comunidades subsaarianas, assistimos a um movimento histórico de

grande alcance: a África do Oeste indo ao encontro de alteridades.

1.1.2. O islã e a extroversão da África do Oeste

Ao contrário do que deixa pensar o comércio transsaariano e sua dinâmica de relações

sociais, é preciso salientar a grande vontade que teve a região da África do Oeste em conhecer

realidades e sociedades, além de suas fronteiras.

A Idade Média foi esse período de extroversão pelo qual saelianos (comerciantes ou

não) conversaram com outras realidades e culturas distantes, notadamente, com Meca na Arábia

Saudita, que naquele momento era um centro de grande importância para os muçulmanos, assim

como era uma rotatória bastante significativa de intelectualidade e de informação que dialogava

com o mundo inteiro. Assim, o islã tem sido para a África do Oeste a porta de acesso ao mundo

exterior internacional (FARIAS, 2004).

De fato, uma vez que as duas margens do Saara foram aproximadas, através do comércio

transsaariano, os saelianos puderam reinventar-se. Isso aconteceu em diferentes níveis, pois,

além da filosofia e da teologia, o islã oferecia novos conhecimentos a respeito da astrologia e

do espaço-tempo, a gestão do político, da riqueza e da sociedade.

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O islã teve uma ‘’presença pacífica’’ no Sael, até o século XVI. Uma presença que

redinamizou as relações entre as diferentes sociedades e comunidades saelo-saarianas e aquelas

da zona tropical mais ao Sul da região. Grandes cidades como Terraza, Taoudeni, Aoudaghost,

Koubi-saleh, Gao, Djenné, Tad-Mekka, El-Souk marcaram assim a História.

Imagem 16: Os três maoires impérios da África do Oeste

Os grandes Impérios da época caracterizavam a região. Nesse sentido, temos primeiro

o Império do Gana de origem sarakolé que estendia o seu apogeu (século XI) do Senegal ao

Níger. Em seguida, teve o Império do Mali bem poderoso, por volta de 1350, que se impunha

ao deserto do Norte e controlava os vastos territórios entre a Costa do Senegal e a região oriental

do Rio Níger. Quando do seu declínio, o Império Sonraï assumiu o lugar, submetendo vastos

territórios.

Segundo Kane (2003), o início do longo processo de islamização do Oeste do continente

se fez, desde o século IX, sendo que o período de islamização massiva, aconteceu no século XI

quando os diferentes chefes assim como as elites urbanas dos reinados e Impérios fizeram sua

conversão, notadamente: Gana, Mali, Songhai, Kanem e Bornou. Esse século se caracterizou

também pelo distanciamento das populações do modelo de vida rural e agrícola para a vida

urbana. Já nesse período, o islã era uma religião de prestígio social e de erudição.

No século XIV, houve uma inteligência negro-africana que se destacou entre famílias

mercantes para se especializar em estudos teológicos e literários. Nessa época, as famosas

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cidades muçulmanas de Djenné e Timbuctou11 constituíram-se em lugares privilegiados de

produção de conhecimento e foram espaços de excelência de transmissão do saber organizado

e estruturado (TRIAUD; KANE, 1998).

Imagem 17: Mesquita/madraça de Sankoré em Timbuctu no século XI

Imagem 18: Mesquita/madraça de Djingareyber em Timbuctu no século XI

11 A mesquita de Sankore, a de Djingareyber assim que a madraça Sidi Yahya eram os três centros de formação

universitário que tornou a cidade de Timbuktu muito famosa, onde até 25.000 alunos estudaram, tal o reconhecido

erudito Averroès [filósofo, médico e advogado também chamado Ibn Rushd, é um andaluz do século XII (nascido

em 1126 em Córdoba, Andaluzia na Espanha muçulmana e falecido em 1198 em Marrakech, Marrocos)].

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Houve uma assimilação progressiva do islã na África do Oeste onde o apogeu ocorreu

entre 1250 e 1550 (ABOUBACAR, 2005). Os Mansa (imperador) Moussa e Souleymane do

Império do Mali (um dos mais vastos Impérios africanos fundando no século XIII), assim como

Askia Mohamad e Askia Daoud contribuíram para a difusão da religião muçulmana.

Imagem 19: Mesquita/madraça Sidi Yahya em Timbuctu no século XV

Farias (2004; 1989) ressalta que sua disseminação ocorreu tanto pela mediação da

oralidade como pela presença da escrita (panfletos e livros). Ele menciona como um exemplo

de referência desse período, a peregrinação do Mansa12 Kanka Musa – 1307/1312 a 1332/1337

à Meca levando com ele todas as categorias socioprofissionais do Império do Mali. A viagem

do imperador fez cair o valor do ouro no mercado internacional. É classificado, em muitas

fontes bibliográficas, como o homem mais rico da história13.

12 Imperador em línguas: Diula, Bambara e Malinké

13 Conferir os seguintes trabalhos:

Mansa Musa's golden empire. http://www.nationalgeographic.com.au/videos/quest-for-gold/mansa-

musas-golden-empire-3540.aspx;

Le pèlerinage du Mansa Moussa. https://www.youtube.com/watch?v=bIFB-vccX4I;

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Após esse período marcante, o continente africano participou da globalização, através

de seu violento encontro com os europeus. Decorrente disso, estabeleceu-se o comércio

triangulário envolvendo a Europa, a África e as Américas, em suas relações transatlânticas

1.1.3. A África e suas relações transatlânticas

No século XV, a exploração das costas da África, pelos portugueses, marcou o início do

comércio negreiro atlântico. No entanto, é na sequência à viagem de Cristóvão Colombo, em

1492, que se inicia a grande escala da exploração europeia de escravos africanos, a qual veio se

acrescentar às demais formas exploratórias que já existiam (INIKORI, 1999). Deportados para

as Américas e para as ilhas do Atlântico, esse comércio ocorreu durante quase quatro séculos

(do século XVI à metade do século XIX), arrancando milhões de africanos de sua terra,

Imagem 20: Dinâmica do comércio negreiro, notadamente o do atlântico

Kanka Moussa, l’homme le plus riche de tous les temps.

https://histoireislamique.wordpress.com/2014/04/07/kanka-moussa-lhomme-le-plus-riche-de-tous-les-

temps/;

La Découverte Islamique des Amériques. http://www.histoiredislam.com/la-decouverte-islamique-des-

ameriques-33/

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Para Louise Marie Diop-Maes (2007), a esse número há que se acrescentar as diferentes

vítimas de um lado ao outro dessa instituição. Primeiro, há os suicidas e os revoltados mortos,

no momento das capturas e do encaminhamento para as costas, durante a acomodação antes da

embarcação e durante a travessia do Atlântico. De outro lado, tem que se contabilizar

igualmente os mortos imputáveis aos múltiplos ataques e guerras de extermínio mútuo geradas

pela deslocação das entidades políticas, a fuga das populações e a fome, pois as colheitas e

reservas foram saqueadas, sem esquecer as doenças de todos tipos que se seguiram.

Joseph E. Inikori (1999) que se debruçou sobre a economia da escravidão mostra, em

seus trabalhos que a maior parte das diferentes transações econômicas internacionais, entre

1451 e 1870, provém, de um lado, da compra, do transporte e do uso de mais de onze milhões

de escravos em economias capitalistas produzindo para o mercado internacional e, de outro, do

transporte e da venda dos produtos fabricados pelos escravos. Incluindo as diferentes formas e

setores de investimentos envolvidos para a aquisição de escravos, da natureza das funções

econômicas exercidas, pelos diferentes territórios e da receita global produzida por essas

economias mandada para o exterior, ele mostra como o sistema atlântico propulsou o

desenvolvimento da Europa Ocidental e da América do Norte, entre exatamente 1500 e 1870.

Os estudos de Inikori (1999) são pertinentes, mostrando como a economia do comércio

negreiro contribuiu fortemente para a riqueza das sociedades que o praticou; seus trabalhos

fazem a diferença entre os conceitos de desenvolvimento econômico e de crescimento

econômico. Esse último registrado, em um longo período, numa dada economia, se mede pelo

crescimento contínuo da renda anual por habitante da população total. Ela corresponde ao

estado posterior à decolagem econômica enquanto o desenvolvimento econômico, por sua vez,

constitui as fases prévias da decolagem.

Assim, o desenvolvimento econômico se definiria como a transformação efetiva de uma

economia tradicional, de subsistência, rural e regional em uma economia racional, comercial,

urbana e nacional combinada de instituições próprias assegurando a mobilidade dos fatores. O

autor lembra que esta transformação se acompanha, muitas vezes, de uma reorganização das

estruturas em uma economia que, essencialmente agrícola, toma um caráter essencialmente

industrial.

Depois dos grandes períodos consagrando à participação do continente africano na

globalização, assistimos a movimentos contemporâneos de transnacionalização de grande

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dinamismo, expressão da capacidade das comunidades africanas em se reinventar à luz dos

diferentes acontecimentos sociohistóricos.

1.2. A África e suas relações com o mundo atual

No final do século XX, devido às grandes dinâmicas migratórias tanto dentro do

continente como fora dele (Europa, Ásia, América, Oceania), observam-se recomposições das

realidades socioculturais (estruturas políticas, econômicas e culturais) africanas, em

modalidades diferentes, segundo diferentes países. Trata-se de uma dinâmica de

transnacionalização ocorrendo em múltiplos níveis.

A mobilidade internacional dos estudantes africanos, nesse início de século XXI,

inscreve-se em uma dimensão relativamente nova, comparada ao fenômeno antigo. De fato,

fenômenos migratórios na África são conhecidos e têm sido estudados tanto pela profundidade

de suas raízes históricas como por suas dinâmicas mais recentes e atuais. Por meio da

mobilidade e da migração, os povos realizaram trocas diversas: troca de homens, de bens, de

culturas e de ideias.

Para Grégoire e Schmitz (2000), nas sociedades da África do Oeste, a migração tornou-

se tão fortemente presente na dinâmica cultural de algumas populações (como Soninke e

Haalpulaaren) que ela é vista como um ritual de iniciação. Assim, o migrante chamado

"tounkaranké" na língua soninquê ou "danniyanké" na língua fulfuldê é aquele que viajou e

adquiriu uma experiência ou mesmo, um saber. Como pensa Barros (2010), em seu estudo sobre

os Dogon de Songho (República do Mali), isso leva a considerar que a mobilidade participa da

construção de identidades com ampliação e multiplicação dos espaços de pertencimento e das

narrativas históricas coletivas.

O Mali, nossa primeira experiência no exterior, é igualmente um destino de estudo de

muitos jovens, sobretudo da África Central e do Oeste. Sendo assim, vivemos e partilhamos a

vida acadêmica e cultural com pessoas de diversas nacionalidades: Níger, Costa do Marfim,

Togo, Benin, Mauritânia, Gana, Senegal, Camarões, República Centro Africano, Gabão. Vale

salientar que cada um desses países constitui, eles mesmos, polos e destinos de estudo, pois a

mobilidade na África é contínua e intensa (DE BRUIJN e al, 2001). Essa tradição da mobilidade

alimenta, de outro lado, o sistema de ensino em que um número importante de docentes faz um

percurso similar. Inscrevem-se numa dinâmica de mobilidade na sub-região, em outras regiões

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do continente, assim como fora do continente: Europa (principalmente) e América do Norte no

que se refere às antigas rotas migratórias.

No Burkina Faso, nos anos 1970, devido ao enriquecimento ligado ao aumento do preço

do petróleo, as ações voltadas para o Terceiro Mundo, a luta contra Israel e o regime de

apartheid na África do Sul, os países árabes passaram a desenvolver políticas de maior

aproximação com a África negra (OTAYEK, 1996). O contexto favoreceu políticas de outorga

de bolsas de estudos, pelas quais um grande número de jovens fez sua formação no exterior:

Egito, Síria, Líbia e Arábia Saudita. Sophie Bava (2009), que estudou o percurso escolar e as

aspirações sociais dos estudantes de países da África subsaariana, analisa os diferentes desafios

e peripécias dessa mobilidade que através das possíveis oportunidades pode leva-los além do

continente.

Em suas críticas contra os analistas que essencializam a África através das diferentes

crises e problemáticas com as quais o continente tem lidado, Achille Mbembe (2002) chama a

atenção sobre as recomposições em curso no continente, expressão não de uma anomia, mas

bem de um processo de transnacionalização. É preciso dizer que esse processo possui diversas

formas de acordo com os países, suas estruturas políticas, econômicas e culturais. Num primeiro

tempo, com relação à inserção das economias africanas no plano internacional, Mbembe (2002)

indexa o capitalismo, do fim do século XX, que se desenvolveu sobre os “entulhos’’ de

economias outrora dominadas por sociedades de Estados controlados por clientelas no poder.

Além disso, há monopólios datados da era colonial operando sobre os mercados assujeitados às

suas regras.

O período, logo após às independências, foi caracterizado por uma dicotomia entre a

economia urbana e a rural ou entre economia formal e a informal. A essa característica,

substituiu uma economia fragmentada em vários núcleos mantendo entre eles seu ambiente,

assim como os setores internacionais mantiveram relações bastante complexas e sujeitas a

mudanças. Assim, emergiu uma multiplicidade de territorialidades econômicas, às vezes dentro

de um mesmo país.

Os enclaves extrativos (mineiros, petroleiro ou haliêuticos) que aí têm uma importância

decisiva articulam-se diretamente com as redes do comércio internacional, infirmando desse

fato a hipótese da marginalização do continente. Mbembé (2002) sublinha que quando os

enclaves são controlados pelas multinacionais aos quais o Estado central estende ou delega sua

soberania, esses espaços disputados suscitam conflitos e alimentam lógicas de guerra. Para o

autor, um outro aspecto da transnacionalização das economias africanas constitui a emergência

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de zonas francas e de corredores criando as condições fiscais, ideais de acolhimento para

empresas estrangeiras.

Por outro lado, a importância acrescida das captações, dos parques, reservas naturais e

florestas constitui uma característica do esmiuçamento do espaço econômico africano.

Explorados pelas companhias turísticas, os negociantes locais e internacionais, esses territórios

constituem-se doravante em lugares de informalidade, por excelência, sendo acompanhados

pelas emergências das grandes metrópoles regionais.

Os trabalhos de Achille Mbembé (2002) são de grande relevância, visto que analisam as

consequências do processo de atomização do capitalismo sobre as consequências na formação

das identidades africanas, mencionando duas configurações da violência: violência do mercado

se expressando pelas lutas para a privatização dos recursos; violência social tornada

incontrolável, uma vez que os poderes públicos perderam o seu controle. De outro modo, pela

transnacionalização das economias, os atores privados como os estatais foram obrigados a

procurar em outro lugar novas fontes de rendas ou simplesmente novos meios de sobrevivência.

Assim, as novas dinâmicas de aquisição de bens conduziram a uma singular revivificação

dos imaginários do que é distante, remoto. Isso tem inacreditavelmente alimentado as diferentes

lógicas migratórias (refúgio, busca por trabalho, religião); o que explica as numerosas diásporas

através do mundo. Isso faz com que a identidade da juventude se estruture ao longo dos grandes

percursos migratórias, dos trânsitos, da travessia das fronteiras, assim como da negociação dos

riscos nos lugares de acolhimento.

O encontro da África com os europeus resultou em lutas de diferentes ordens que o

continente e suas populações travaram. Ora, o que reter de um tal balanço?

1.2.1. A África diante de si

É importante lembrar que cada período da história colonial e pós-colonial da África

caracteriza-se por desafios específicos aos quais as diferentes gerações de africanos deram

respostas de acordo com as realidades dos contextos.

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Nesse sentido, Ibrahima Thioub (2016), em suas análises, faz uma retrospectiva do

percurso histórico do continente africano. Para ele, na saída da segunda guerra mundial, iniciou-

se a descolonização do continente. Daí, assistimos a movimentos de contestação da colonização

encaminhados pela juventude, pelo movimento das mulheres e o dos trabalhadores e

sindicalistas.

Foram essas lutas que levaram à soberania a maior parte dos países da África Ocidental

francesa, por volta dos anos 1960 (menos o Gana que foi em 1957). Entre 1960 e 1965, foi a

vez dos países do Império britânico. Particularmente sangrenta, foi a das colônias portuguesas

dez anos depois, ou seja, nos anos 1970. A libertação de Nelson Mandela, seguida de sua eleição

como Presidente, em 1994, marca o fim desse período.

Imagem 21: Nelson Mandela

Os ajustamentos estruturais que ocorreram, entre 1979 e 1992, destacaram as principais

questões sociais do continente: crescimento das cidades; novas dinâmicas sociais em diferentes

níveis; novos atores no espaço público solicitando novos papeis e sentidos de vida. Para o

historiador Thioub (2016), estamos hoje diante do desafio tanto da crítica sobre o próprio

continente e suas populações quanto do conteúdo de suas relações com os outros.

Vale aqui colocar algumas questões. Aos exploradores: o que a África e suas

comunidades deram e não receberam de volta? Ao continente ‘’Mãe África’’ e suas populações:

que ‘’mãe’’ é, e que ‘’super-homens’’ são seus filhos? À humanidade: o que a África e suas

populações têm de fundamentalmente diferente da condição humana e suas contingências

sociohistóricas?

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Como viemos analisando, a identidade de numerosas sociedades e comunidades africanas

se construiu e foi se reinventando, desde a Idade Média, a partir de acontecimentos

sociohistóricos (uns mais violentos que outros) que as marcaram profundamente. Entretanto,

paradoxalmente, muitas sociedades africanas defendem a ideia de uma identidade ‘’puramente

africana’’, ou seja, da autenticidade de uma cultura/identidade africana.

Exploraremos essa problemática através de uma das noções, abaixo exposta: a noção de

tempo na espiritualidade islâmica e a senioridade ou o ‘’complexo de super-homem’’ nas

sociedades africanas.

Visão crítica da noção de tempo através da espiritualidade islâmica

A espiritualidade islâmica oferece uma pertinente concepção do tempo. A sua articulação

com a imaginação criativa é uma ferramenta podendo levar a mudanças sociopolíticos inéditas.

Assim, para Souleymane Bachir Diagne (2014a; 2014b; 2014c; 2016a), dos estudos dos

filósofos africanos que se debruçaram sobre a noção do tempo, destaca-se uma problemática na

perspectiva de leitura do tempo pelos políticos africanos contemporâneos que é notadamente

do passado para o presente.

Uma tal gestão do tempo que se restringe a orgulhar-se evocando meramente a grandeza

das sociedades, dos Impérios, das Universidades (Sankoré, Djinguereber e Sidi Yahya em

Djenné e Timbuctu, no século XIV) e dos atos políticos históricos (a Carta de Kurukanfuga, em

1236) é simplista, pois a fidelidade verdadeira está no movimento e não na simples repetição

ou imitação de si. Para isso, inserir as ações presentes dentro de planejamentos/projetos de

médio e longo prazo faz apelo a uma cultura política de gestão do tempo a adquirir. É preciso

dizer aqui que o pesquisador e homem de fé (muçulmano) Souleymane Bachir Diagne (2013;

2014a; 2014b; 2014c; 2014d; 2016a; 2016b; 2017a) haure da fonte (conhecimentos) do islã

erudito que o nutriu ao longo de seu percurso. Nisso, refere-se ao sufismo (tratando

especificamente das finalidades/objetivos do islã), uma das ciências do islã, como mencionado

mais adiante.

Tariq Ramadan (2012; 2013), em seus trabalhos, caracteriza o sufismo como a purificação

espiritual de si no islã a fim de se aproximar de Deus o criador de tudo. Esse caminho passa

pelo desvelamento do coração que, em função do nível, nos permite realizar a harmonia entre

nossa existência e nosso ser. Trata-se de seguir o caminho de Deus, obedecer a suas regras (sem

simplesmente mirar a aplicação de suas regras) no objetivo último de conhecê-lo e de se

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aproximar dele. Isso implica os esforços, o trabalho a fazer sobre si (particularmente) nesse

sentido para conseguir.

Através dos seus trabalhos a respeito do conhecimento da espiritualidade islâmica no

contexto das religiões monoteístas, Henry Corbin (2006) pensou o conceito de ‘’imaginal’’,

procurando a descompartimentalização entre o imaginário e a ciência. Seus estudos sobre a vida

e a obra de Ibn'Arabi, filosófo, teológo e místico sufista, tratam da Criação, do macrocosmo

cósmico, da sombra visível da luz original que é uma materialização do verbo divino. Para esse

último, às condições iniciais da criação dos mundos, responde a criatura imaginando também

seu mundo ou seus mundos, prosseguindo assim, ela mesma, a criação renovando-a.

Para Corbin (DOUSSET, 1959; PROULX, 2011), a espiritualidade de Ibn' Arabî

distingue-se do pensamento religioso literal e dogmática que se reduz ao conformismo coletivo.

Seu encontro com Deus é solitário; é um encontro do só com o Só. Realidade que não pode ser

obtido que pela penetração do sábio no mundo das imagens reais e subsistentes, mundo

intermediário entre o universo das evidências sensíveis, históricas e irreversíveis e o do

Pensamento puro, da Inteligência absoluta. O órgão desse mundo mediador é essa Imaginação

criadora da qual Corbin nos descreve as características e as funções. Para consegui-la, o sábio

deve se fazer discípulo do mestre espiritual invisível do místico (Khezer), ou mesmo se tornar

Khezer em si.

É segundo os termos do Alcorão, uma expressão da existência, da presença de Deus. E

somente o discípulo de Khezr descobre ‘’o Nome sob o qual cada um conhece seu Deus, e sob

o qual seu Deus o conhece’’. Assim, ele toca a verdade mística esotérica que domina a Lei, que

alcance a Fonte da Vida e se torna em si mesmo um ‘’Eterno Adolescente’’.

Para avançar nesse caminho, o sábio, o sufi que já possui o conhecimento filosófico e a

experiência espiritual se tornará um ‘’fiel de amor’’. Essa identificação da sabedoria do amor e

da beleza como expressão da divindade caracteriza bem a teosofia de Ibn' Arabî; ela justifica a

sua filiação platoniana. Corbin propõe uma dimensão nova do ser nos mostrando a riqueza e o

papel insubstituível da imaginação tal que o sufismo de Ibn Arabî o concebeu: a imaginação é

o lugar em que se realizam todas as ‘’histórias divinas’’ tais como as dos profetas que só têm

significado porque são teofanias. Sua função é mediadora. A ‘’cosmografia mística designa o

mundo que ela cria como luminoso das Ideias-Imagens. Esse mundo é a sombra de Deus.

A imaginação teofânica tem uma dupla função como Imaginação criadora imaginando a

criação e como Imaginação criatural imaginando O Criador. Ibn Arabî denomina os dois termos

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desse casal ‘’Criador-criação’’ ou ainda ‘’Criador-criatura’’, uma simultaneidade não como

uma contradição, mas como opostos que são complementares. E é essa a característica da

Imaginação ativa de operar essa união teofânica, visto do lado do Criador, ou uma união

teofânica, visto do lado da criatura. Está em nenhuma consideração uma união hipostática.

‘’Retornar ao seu Senhor’’ é realizar esse casal eterno do fiel e de seu Senhor, o qual é

por essência divino em sua generalidade, mas em sua individualização em tal ou tal de seus

‘‘Nomes’’. Mas, se o fiel perde seu vínculo com seu Senhor, então seu ‘’eu’’ é entregue a uma

hipertrofia que degenera logo em imperialismo espiritual. A ‘’coincidência dos opostos’’ nos

preserva desse imperialismo e é por isso que nossa oração jamais será uma demanda de algo,

mas um meio de existir e de fazer existir. Pela oração, nosso ser realiza-se: ela é criadora. Assim,

para Ibn Arabî, se ele [seu Senhor] nos deu a vida e a existência pelo seu ser, eu lhe dou também

a vida, o (re) conhecendo em meu coração.

Nas reivindicações da juventude burkinabê, a expressão da imaginação criativa é

perceptível. A repercussão se vê em seu desejo de luta, pela reinvenção de “armas” que

desloquem os valores com os quais a sociedade tem se valido, desde a colonização Ocidental.

A senioridade ou o complexo de ‘’super-homem’’ nas sociedades africanas

A forte horizontalidade é característica das relações em muitas sociedades e comunidades

africanas. Nessas últimas organizadas e estruturadas em faixas etárias, os primogênitos/os

anciãos tendem a incarnar nessa construção uma posição, um lugar de expressão que capitaliza

o poder sobre o conjunto dos outros grupos que interagem. Esses seriam, pela sua presumida

experiência capitalizada no tempo em templos de memorias e de sabedoria, referências

incontornáveis para os quais tem que, permanentemente, se voltar para se situar e achar o

próprio caminho no labirinto da vida.

Assim, com todos os interesses considerados, esse grupo faz valer ideologicamente uma

posição de superioridade sobre o conjunto dos outros grupos que constituem e fazem a

heterogeneidade dos interesses e das linhas de clivagens da sociedade. Relação distorcida, pois,

desfasada da realidade, de um lado, e trabalhando, de outro, a partir de um necessário excesso

de arestas e de rugosidade da história; o incontestável direito e privilégio do primogênito/dos

anciãos constituem a expressão de uma instrumentalização do poder sobre o conjunto da

sociedade/comunidade contra o qual convém lutar quando se trata de pensar em sociedades

justas e equitativas (M’BOKOLO, 2015a; 2015b; 2009).

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Nesse sentido, numerosos provérbios e ditados dizem e traem a contestação interna das

desigualdades presentes, ilustrando ao mesmo tempo a reabilitação, assim como as expectativas

dos grupos e comunidades negligenciadas. É aí uma medida da intelectualidade, dos esforços e

do trabalho desses grupos a se impor, esvaziando os quadros ideológicos de suas lógicas de

trapaçaria com fins de exploração.

A partir de uma certa constância dos movimentos de contestação/protestação ou de

revoltas sociais historicamente conduzidos por jovens (homens e mulheres), o autor chama

nossa atenção sobre o fato que na África, como em qualquer outro lugar, as tendências e os

profundos movimentos que agitam e modificam os fundos e as formas sociais não é reservado

a nenhum grupo particular em detrimento dos outros. Assim, a performance e a qualidade não

sendo o exclusivo apanágio dos primogênitos/anciãos, acontece que, como o diz o provérbio,

que um jovem toca tão forte e tão bem o tambor que consegue fazer dançar os

primogênitos/anciãos. Para M'Boukou (2008):

Na África, como em outras realidades, os velhos não têm nenhuma vocação a incarnar

estatutariamente outra coisa que o que são enquanto indivíduos. Todos os discursos

que, pelos meios de excesso ideológico ou de fabulação mitificante, visando a conferir

uma pretenciosa sabedoria « natural » do fato exclusivo da idade, trata-se muitas vezes

de trapaçaria, de tática e/ou de estratégias de capitalização do poder sobre os outros

membros do grupo social: nada mais. No fundo, estamos aí diante de lógicas muito

prosaicas de afirmação, de controle dos recursos econômicos e dos capitais

simbólicos, ou de conservação de privilégio que não são sempre legítimos e cuja

atualidade permanece, em muitos níveis, problemática.

Para muitos africanos ou ‘’namorados da África’’, falar do continente significa fazer o

elogio de sociedades em que o parentesco e a fraternidade humana concebidos idealmente

seriam a regra. Nesse sentido, fazem a apologia do eldorado terrestre. A senioridade atribuindo

o saber e a autoridade que decorre dele aos primogênitos/anciãos, alimenta o estatuto de criança

atribuído aos demais atores sociais. Esse poder assim conquistado se traduz pela incapacidade

presumida desses últimos a decidir; e isso, tanto no que diz respeito a questões de ordem

pessoais/privadas quanto as de ordem política (M’BOKOLO, 2015a; 2015b; 2009; DIOUF,

2014).

Defronte às urgentes questões sociais, a desigualdade, bem como as injustiças sociais

parecem ainda como uma aposta perdida de antemão. A legitimidade das contestações e dos

movimentos sociais denotam a urgência, ou ainda, o imperativo de virar as costas aos diversos

etnocentrismos e afrocentrismos que fazem da África e das sociedades africanas lugares

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essencialmente humanos em relação aos outros. A esse complexo de superioridade ou de

‘’super-homem’’ (CUTI, 2012) é preciso opor a singularidade qualquer (AGAMBEN, 1990)

que reconhece a cada humano sua ‘’condição banal’’ e os direitos que lhe cabem do mesmo

modo que os seus semelhantes.

No que diz respeito ao nosso posicionamento, eis as condições sine qua non de

sociedades africanas novas e plurais diante dos desafios da contemporaneidade.

1.2.2. A África contemporânea

No bojo de um questionamento contemporâneo sobre os pressupostos veiculadores de

princípios do universalismo, do monolínguismo e da noção de pureza, um conjunto de autores

puseram em questão o eurocentrismo dentre os muitos conceitos transportados para os estudos

africanos.

A partir de Appiah, Kane (2003) se refere aos escritos em língua portuguesa, francês e

inglesa sobre a África subsaariana afirmando que a maioria dos intelectuais dessa parte do

continente é eurófono e constitui uma consequência histórica do encontro com o Ocidente. Kane

replica com pertinência que essas línguas mencionadas (menos o latim) eram na Europa

medieval línguas vernaculares. Adquiriram o estatuto de línguas eruditas somente sob o

impulso da indústria da imprensa e a partir da publicação massiva de obras nessas línguas

mencionadas. Isso marcou uma dimensão importante da Modernidade Ocidental que, no mesmo

período, construiu a identidade "selvagem" que caracteriza, desde então, os povos não

ocidentais. O trabalho de Kane (2003) denuncia leituras de forte inclinação eurocêntrica que

intelectuais, inclusive os africanos formados em escolas ocidentais, fazem do saber na África e

sobre a África. Ele destaca o fato que, ao contrário da biblioteca colonial construída por esses

intelectuais, muitos dentre eles são pensadores pan-africanos.

Samir Amin (1988) caracteriza o eurocentrismo como um fenômeno especialmente

moderno que começou no Renascimento e floresceu no século XIX, constituindo uma dimensão

da cultura e da ideologia do mundo capitalista moderno. Segundo o autor, esse paradigma

manifesta-se de diferentes maneiras, tanto na expressão das ideias recebidas e banalizadas pela

mídia, bem como nas reformulações de especialistas de diversos domínios da ciência social. A

dimensão essencial da ideologia capitalista e as manifestações do eurocentrismo caracterizam,

em um primeiro momento, as atitudes dominantes comuns ao conjunto de sociedades

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capitalistas desenvolvidas. O centro do sistema seria a Europa Ocidental, a América do Norte,

o Japão e, de certo modo, a Austrália, a Nova Zelândia e Israel. Em oposição ao centro, a

América Latina e as Antilhas, a África e a Ásia não-comunista representam as periferias. Ainda

que tal oposição periferia-centro contenha um grau importante de simplificação do real, ela

orienta a discussão sobre a desigualdade entre os espaços decisórios e da luta pela hegemonia.

Ao analisar os sistemas sociais pré-capitalistas, Samir Amin (1988) os define como

economia de transparência, pois, tanto a punção na dinâmica do controle de produção como a

gestão não escapam à percepção dos que suportam a carga de trabalho. De fato, a destinação da

produção se torna imediatamente visível, pois a maior parte é diretamente consumida pelos

próprios produtores. O excedente é retirado antecipadamente, pelas classes dirigentes, em

forma de taxas e impostos. Trocas mercantis e o trabalho assalariado não estão sempre ausentes,

mas limitados em sua amplitude e marginalizados no contexto social e econômico. O

capitalismo produziu um corte decisivo na história universal, alterou a estrutura das relações

entre os diferentes aspectos da vida social (organização econômica, regime político, conteúdo

e função das ideologias), reorganizando-as sobre novas bases. Na análise crítica das relações

entre as concepções do eurocentrismo aplicadas às culturas africanas, deve-se observar sua

tripla dimensão: econômica, política e cultural.

Lévy-Strauss (1987) em seu esforço de sublinhar a distinção entre raça e cultura, observa

que as raças são contadas por unidades, enquanto que as culturas são contadas por milhares. O

autor recusa a validade da ideia dominante, mesmo nos meios acadêmicos, de uma

superioridade ou de uma exemplaridade da cultura Ocidental sobre as outras. Trazendo de volta

a lembrança do pensamento etnocêntrico da maioria dos teóricos ocidentais da história (Locke,

Vico e Turgot, entre outros), ele enfatiza o papel encenado pela colonização e sua visão

civilizatória, em um primeiro plano, e pela alienação que atingiu os africanos e americanos.

A esse propósito, Tariq Ramadan (2005), em um de seus trabalhos sobre a colonização

e a sua alienação, afirma que:

A força das lógicas que nos sufocam já se encontra no cume quando elas

conseguem nos habitar. Incrível e insidiosa eficácia de uma força que aliena a

nossa vontade e nos engana a respeito de nós mesmos, enquanto pensamos

que somos responsáveis pelos nossos pensamentos, tanto quanto das nossas

ações. O fato é claro: hoje, corremos o risco de não mais nos pertencer. [...]

Então, torna-se difícil viver sua fé, moldar sua mente, determinar suas marcas,

marcar seus limites. Difícil ser um homem, difícil ser livre. Entendo por livre

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dessa verdadeira liberdade pelo qual sopro a mente caminha e faz suas

escolhas à proximidade de seu coração, de suas meditações, de sua

inteligência, de suas esperanças.

Ao se referir ao islã como uma escola (no sentido de processo de aprendizagem), o autor

discorre sobre o dever de resistência individual e coletivo diante das lógicas políticas, sociais e

culturais que se esforçam muito para nos manter sob o seu jugo.

De fato, o autor ressalta o primeiro princípio islâmico cujo imperativo é a liberdade

daquele que se forma desta maneira. Sendo assim, ele se assume enquanto ser de consciência e

de responsabilidade. A sede desse princípio cardinal de formação, de edificação, de resistência

é o coração, e a fé é uma das condições para se orientar nas profundezas do espírito. Contudo,

não há fé sem liberdade, não há liberdade sem pleno domínio de seu ser, coração e mente. É

assim que ele convida a responder ao primeiro dever de resistência contra os poderes arbitrários,

os falsos ídolos e a ditadura sedutora de nossos próprios desejos. Para isso, precisaria proteger

a luz do coração, construir a autonomia da mente, descolonizar e vivificar a inteligência,

reivindicar o direito de escolher, com consciência, o caminho e o sentido da vida.

Uma das sutilezas da dominação cultural passa pela sedução tanto do coração quanto da

mente; não importa aqui a ordem. Fragilizar a relação identitária do dominado diante da sua

cultura, para tê-lo sob seu poder, é uma estratégia forte. Sobre isso, podemos apelar a La

Fontaine (2011) que nos apresenta um quadro cômico e triste simultaneamente:

(...)

Um Leão de nobre descendência,

Passando por certo prado,

encontrou uma pastora que o agradou.

Pediu-a em casamento.

O pai com certeza preferiria,

qualquer outro genro menos terrível.

Dar-lhe a mão da filha seria bem penoso.

Porém, não sentia capaz de recusar;

pois sua recusa,

talvez o fizesse numa bela manhã se surpreender

diante de um casamento escondido.

Ele sabia que a bela

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era destinada a nobres pretendentes.

A menina iria pentear-se de bom grado,

para um namorado com longa juba.

O pai, então,

não ousando mandar embora o amante,

disse-lhe: "Minha filha é delicada;

suas garras podem machucá-la

quando quiser acarinhá-la.

Que o Senhor permita, então, que cada garra de suas patas

seja aparada, e que os dentes,

sejam polidos pois.

seus beijos serão menos rudes.

E para o Senhor mais prazerosos,

pois minha filha os responderão melhor,

São estas minhas as inquietações."

O Leão consentiu

tanto sua alma estava cega!

Sem dentes nem garras, ei-lo,

Como um lugar desmantelado.

Soltaram sobre ele uns cachorros:

Ele mostrou pouquíssima resistência.

Jean de La Fontaine. Le Lion amoureux.

Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul Hadi Savadogo

Continuando o raciocíno, a fábula do leão apaixonado nos permite igualmente pensar a

modernidade muitas vezes oposta à tradição.

O moderno, ou seja, a modernidade alimentou numerosos debates no âmbito das Ciências

Humanas e Sociais, problematizando a oposição entre sociedade tradicional e sociedade

moderna. Essa classificação binária está ligada a uma concepção da história em que o passado

é pensado como sendo “atrás de nós”, abolido do presente que é sempre novo. Essa distinção

nos põe diante de uma série de contrastes que opõem o passado ao presente, o estático ao

dinâmico, o que é continuidade e o que é ruptura. A confusão entre história e o presente

simbolizando mudança leva a crer que a persistência de um fato no tempo não é histórica.

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A noção de tradição (LENCLUD, 1987) destaca a ideia de uma posição e de um

movimento no tempo. A tradição seria a permanência do passado no presente, a sobrevivência

de uma época que já se foi. A tradição seria assim, o passado, o antigo que persiste no presente.

A tradição corresponde a uma filtragem, uma triagem pois ela não transmite a integralidade do

passado. Ela é caracterizada por um depósito escolhido, selecionado, cuja transmissão de

geração em geração ocorre tanto pelo ensino formal quanto pelo comportamento. Se for

considerar a tradição como a conservação de um conteúdo cultural, uma sociedade será

qualificada como tradicional ou como moderna de acordo com o seu grau de respeito e/ou de

submissão aos ditames de continuidade. Cada sociedade, em etapas diferentes da sua história,

seleciona no passado, em sua tradição, as melhores heranças culturais a conservar ou a

perpetuar. Assim, as tradições se fazem e se desfazem continuamente. Daí a pergunta: quais

dentre as sociedades ditas tradicionais ou modernas são as mais tradicionais?

Indagação essa que nos remete a problematizar a questão da identidade na África: esta

se deu através de diferentes contextos sociohistóricos que participa da configuração das relações

entres as múltiplas e diversas comunidades que convivem há séculos. Entretanto,

paradoxalmente, muitas sociedades africanas defendem a ideia de uma identidade puramente

africana, ou seja, da autenticidade de uma cultura, uma identidade africana. Aí se situa o conflito

entre africanos sobre quem é culturalmente africano, ou seja, tradicional ou quem é

culturalmente ‘’branco’’ e, nesse caso, moderno.

Além do biológico, a cultura é constituída por nosso ser, pelo meio da nossa

compreensão do mundo e pelo modo com o qual nele nos projetamos. Enquanto “reservatório”

do conjunto de práticas internas ou externas a certo espaço social em que sujeitos e atores

sociais se mobilizam em função de conjunturas políticas, as culturas e as identidades resultam

de contingências sociohistóricas.

A cultura é a seiva que nutre e de onde a identidade constrói suas raízes e retira a sua

força e energia para a plenitude do ser. É com esse propósito que, Amadou Hampaté Bâ (1985)

convida a juventude africana a assumir sua identidade a partir da cultura. Entretanto, lembra

ele, é preciso ser bom jardineiro, o que significa saber podar as folhas e galhos mortos e, se

necessário, proceder judiciosamente aos enxertos úteis, o que nos conduz a pensar, aí, também

a questão da mestiçagem. As “lógicas mestiças” (AMSELLE, 1999) nos permitem prescindir

do debate sobre a origem e a busca de definição de critérios de pureza. Esse convite à

mestiçagem evidencia o imperativo das culturas se enriquecerem umas com as outras, sob o

risco de murchar e desaparecer.

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Se, para Agambem (2009), a história é característica da complexidade das sociedades

que a compõem, a contemporaneidade seria a relação singular que cada sujeito, cada ator

mantém com a sua época, permitindo-lhe discernir além da realidade simplista o que é

profundo, velado, escondido. Essa relação se quer exigente na sua perspicácia a fim de não

sucumbir aos encantos assassinos reverberados pela sociedade. Nesse sentido, Agambem

(2009) define o contemporâneo como aquele que é capaz de viver a sua época se subtraindo da

sua lógica, de suas armadilhas.

Mais que isso, é preciso que ele adira decididamente às lutas justas a fim de mudar a

realidade, dando à história um sopro novo e perspectivas melhores. É, nesse sentido, percutante,

para uma boa parcela da juventude burkinabê, as palavras do Profeta Muhammad14: socorre o

seu irmão, seja ele injusto/opressor, seja ele vítima de injustiça/oprimido. E ao lhe perguntar

como daria para socorrer um injusto, respondeu: lhe impedindo de ser injusto/opressor.

É tal visão, enquanto postura respeitosa de si e das alteridades, complementares entre

si, que parece contemplar a desejada cidadania cultural, junto a uma juventude clivada entre os

valores ocidentais (do colonialismo e do atual neoliberalismo econômico do qual a África não

escapa) e os valores ancestrais das comunidades socioculturais (muitas delas, há muitos séculos

já impregnadas da religião islâmica).

1.3. A arte Oeste-africana e a cidadania cultural

De acordo com o pensamento de Agamben (2009), é possível analisar o papel da arte

como uma intelectualidade de resistência e defesa dos direitos humanos. É nessa perspectiva

que desenvolveremos a presente rubrica, já circunscrevendo mais ainda a compreensão sobre a

África do Oeste. É preciso dizer que são dinâmicas africanas regionais que se repercutem

fortemente no imaginário criativo local, de uns e outros. Em um capítulo específico sobre a

juventude burkinabê, veremos com maior acuidade as ações culturais-artísticas, nessa

sociedade, em particular.

14 Em nome de Allah, o Mais Todo Misericordioso, o Mais Misericordioso. De acordo com Abu Houreira (que

Allah esteja satisfeito com ele), o Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) disse: "Socorre seu

irmão caso ele seja injusto ou vítima de injustiça". Um homem disse: Ó Mensageiro de Allah! Eu o socorro se ele

sofre uma injustiça, mas se é ele quem comete a injustiça, como posso socorrê-lo? O Profeta (que a paz e as

bênçãos de Allah estejam sobre ele) disse: "Você o impede de ser injusto, isso é o socorrer". Narrado por Boukhari

no seu Sahih n°6952 e Mouslim no seu Sahih n°2584.

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Oumou Sangaré e a dialéctica do labor

Imagem 22: O artista Oumou Sangaré

Moço, não tenha medo do trabalho pois ali tem uma riqueza

Moço, não tenha medo da terra pois ela carrega em si uma riqueza

Plante árvores; é uma riqueza

Crie gados; é uma riqueza

Uma riqueza não acessível a qualquer um

Incentiva e ensina o trabalho

Moço, não tenha medo do trabalho campestre pois tem ali uma riqueza

A sua riqueza [do trabalho] não é acessível ao preguiçoso

Onde estão os grandes de ontem

Eles se extinguiram

Sim, os grandes de ontem sumiram

Pergunte aos Fula (comunidade) do Wassulu (região do Mali), eles te

informarão

Pergunte aos Malinké (comunidade); eles te dirão que não existem mais

Pergunte às pessoas de Koutiala/Ségou/Bamako; esses últimos estão

sumidos

Pergunte ao povo de Sikasso (região); eles te dirão que hoje dia, esses

grandes são pouquíssimos, mas que estão trabalhando.

Canção: Oumou Sangaré (2009) - N’guatu.

Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul Hadi Savadogo

Para Supiot (2004), a consciência de si de todo sujeito começa pela alteridade que lhe

manda de volta a sua imagem e lhe confere assim seu estatuto, sua condição humana. Se o

trabalho, de um lado, nos afasta do vício, da necessidade e do tédio, como diz Voltaire (2003),

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em muitas situações, ele é realizado em comunidade, permitindo assim a produção/atualização

dos laços sociais, de outro lado.

A relação do Humano em relação à alteridade é consubstancial à vida social, pois

permite a compreensão das relações que nascem a partir das interações entre indivíduos

fundando assim as sociedades (BOUVIER, 2005). Oumou Sangaré (1996) e Jean De La

Fontaine (2011) elogiam o trabalho que, ao longo da história, tem sido o meio pelo qual

indivíduos, bem como comunidades passaram a existir. O trabalho em si envolve ação e saber-

fazer. Nesse processo, destaca-se uma nova perspectiva: o laço social como forma de cuidar;

cuidar de si e cuidar dos outros.

Pela solidariedade mecânica, bem como aquela orgânica (TREMBLAY, 2002), é

possível entender que o vínculo social não é uma finalidade, mas sim um meio. Nesse sentido,

Supiot (2004) apreende a sociedade como uma massa de partículas elementares impulsionadas

pelo cálculo de suas utilidades individuais, onde todos se comportam como ser auto-suficiente,

enquanto ninguém pode fazer nada sem o outro.

E porque cada um está focado sobre si, caem na armadilha da auto-referência e só tem

assim a ‘’solidão’’ ou a ‘’violência’’ como escolha. Isso nos leva à consideração de que o

"anthropos" enquanto homem de cultura e o "humanitas" enquanto homem de conhecimento

(NISHITANI, 2004) são a expressão eloquente de que o humano é um ser social cuja realização,

desabrochamento, passa não apenas pela alteridade, mas pela qualidade do laço que ela lhe

outorga.

Merquior (2013) sublinha a característica da arte como forma de conhecimento, de

interpretação do mundo (através da metafísica ou da história concreta) ou da realidade objeto

de atenção. Para ele, o artista é em consequência um instrumento de interpretação do mundo.

Assim sendo, a realidade que vive chama sua atenção e o interpela pois ele participa, assumindo

uma posição determinada. Daí decorre sua responsabilidade social.

O engajamento, a contribuição da arte à cultura vista como a maneira pela qual os

Homens humanizam-se através das práticas que criam a existência social, econômica, política,

religiosa, intelectual e artística (CHAUÍ, 1995), é determinante para a permanente busca do

equilíbrio social. Ele é ligado a elementos instáveis e contraditórios criados num certo tempo-

espaço e num período de pertinência definido (BARROS e GALVANI, 2016). Nesse sentido,

a cultura artística deve ser percebida como inseparável da dignidade humana e o respeito que

lhe cabe é constitutivo do direito fundamental dos indivíduos, comunidades e sociedades.

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A postura do artista músico diante da realidade/dinâmica social traduz a importância

dessa arte nas suas relações com os atores sociais implicados. A repressão, assim como as fortes

políticas de controle da atividade musical pelos Estados totalitários, constitui a prova do escopo

político da música do Oeste africano, enquanto contribuição à cidadania cultural que participa

dos Direitos Humanos.

Yeleen, uma visão de vida

Surgido na cena musical burkinabê, nos anos 2000, o grupo de rappers burkinabê-

chadense Yeleen, composto dos artistas Smarty e Mawndoué, cativou seu público através da

sua leitura das realidades sociopolíticas contemporâneas, notadamente no que toca à África. Eis

aqui uma de suas canções ‘’Visão de vida’’:

Deus Todo Poderoso, me mostra o caminho (Refrão)

Não quero me erguer como quem dá lição

Não venho para me inserir na sua vida e suas visões filho

Não venho para botar fogo nas suas casas

Venho só trazer minha contribuição à verdade

Há muitos jovens hoje que não sabem que somos 28 milhões no mundo a ter

o HIV

Cada vez que na África seu sexo ralhar

Pense que somos 20 milhões já no túmulo filho

Matematicamente, somos os mais doentes

A juventude pela falta de informação diz que é só besteira

A gente se entrega ao sexo, ao álcool e à droga

Uns acabam na prisão e outros no necrotério

É a inconsciência crescente nas escolas

Pessoas se prostituem para a obtenção do diploma

A classe honesta vê seu sonho inacabado

Na África, os advogados terminam nos campos de trigo

1360 FCFA (≈ R$ 10,60) por dia para as vacas na França; tais são seus direitos

Eu choro para o cidadão médio de meu país

Quando sei que a gente vive com menos de 600 FCFA (≈R$ 3,85)/ mês

A pobreza a uma dimensão infernal

Esta imagem se vende – mendicidade internacional

As ONGs pululam em nossos países

Fundos são mobilizados, mas a quem isso beneficia?

Sucessões de colóquios e seminários

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Subvenções para uma das numerosas festas dos milionários

Milhões de estudantes são diplomados enquanto uma minoria nos leva ao

panteão dos suicidados

Longe de suscitar alguma rebelião

Gostaria que a gente pensasse nos jovens além das eleições

Quantos apodrecem nos campos de arroz no Sourou enquanto você leva uma

vida de churrasco?

O cachorro late e a caravana passa

Do que se diz, para os pobres não tem mais lugar

É a bagunça nos supermercados

E ainda somos nós que consumimos os produtos fora de prazo de vocês

Ao pensar nisso, temo pela nossa saúde

As farmácias são caras demais e nossas mães não podem pagar

O que explica o forte índice de mortalidade, a forte taxa de comprimidos

expostos em nossas ruas

Eu não tenho resultados às soluções

É só uma inquietação que desvendo numa canção

Certos pais não têm mais limites em sua vida

Bebem e embriagam-se com suas filhas no mesmo bar

Qual educação herdarão os bebês de hoje em dia

Se aos 9 anos têm a disposição um vídeo pornográfico

Ano 2000 ou a época do numérico

Sinto vir os trompetes apocalípticos

São palavras de coração feitas para te tocar

E se não gostar, vai pode zapar.

Canção: Yeleen (2007) - Visions de vie.

Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul Hadi Savadogo

Através da canção acima, o grupo denuncia, num primeiro momento, a “miséria moral”

pela qual uma parte da juventude “se deixa levar” apesar dos susceptíveis problemas de saúde

que expõe os jovens, do mesmo modo que agrava o prejuízo do país, no tocante à sua

participação social. De fato, a taxa de pessoas vivendo com o HIV na África subsaariana é

significativa (ONUSIDA, 2013). Ainda que existam diferentes modos de transmissão, os

comportamentos sexuais de risco contribuem fortemente para isso. E as estatísticas das

instituições de saúde pública, diante do consumo de álcool e demais drogas, não são as

melhores.

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Imagem 23: O grupo Yeleen

Como os demais países da sub-região, o Burkina Faso lida com a falta de escolarização

tanto no ensino médio quanto no superior. Igualmente, para a maior parte da população, o difícil

acesso à escolarização de qualidade (PILON, 2004; PILON, WAYACK-PAMBE, SANGLI,

2013; DIA, 2013), constitui um déficit para os fracos orçamentos da maioria dos Estados Oeste-

africanos que se esmigalham sob o peso de suas ‘’obrigações’’ diante dos colonizadores de

ontem (SAVADOGO, 2014; KOUTONIN, 2014; AMIN, 1971).

Tal como Yeleen o sublinha aqui, a inadequação entre a formação dos diplomados e sua

inserção socioprofissional, assim como a pauperização das comunidades, justificam o recurso

à ‘’ajuda estrangeira’’. E tratando-se das lógicas de exploração e de corrupção da ‘’mendicância

internacional’’, há muito a se denunciar (DE SARDAN, 1995; BIERSCHENK, DE SARDAN

ET CHAUVEAU, 2000).

Os artistas não deixam também de chamar a atenção sobre o lamentável mercado de

produtos alimentícios e farmacêuticos, sobretudo, o que constitui o continente africano (JEUNE

AFRIQUE, 2013; DOCCHECK NEWS, 2013). Junto a essa realidade, o grande escândalo

depois da morte, em 2006, de milhares de habitantes na Costa do Marfim devido às toneladas

de resíduos tóxicos descarregados no porto de Abidjan, pelo navio Probo Koala (SANGARÉ,

2014; JEUNE AFRIQUE, 2010; 2012) merece ser mencionado aqui. Ele nos remete à perversa

visão de depósito que políticos dos países do Norte e, também, os do Sul têm a respeito da

África.

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Tiken Jah Fakoly e a crise econômica marfinense dos anos 1980 e 1990

Imagem 24: O artista Tiken Jah Fakoly

Tiken Jah Fakoly (RFI Musique, 2014) cuja carreira musical iniciou-se, em 1987, com

o grupo Djelys, conquistou a cena musical em 1996. Artista engajado, suas canções convidam

as populações à reflexão e a mais dinamismo e responsabilidade nas ações cidadãs.

Na canção Baba, abaixo transcrita, através de uma realidade vivida pelos agricultores

da Costa do Marfim, o artista denuncia a má governança dos Estados Africanos.

Vamos pôr a nossa fé em Deus; Deus defenderá a verdade (Refrão)

Cada dia bem cedo, baba percorre uma longa distância a pé para ir ao campo

Ele trabalha sempre ao sol, torturado pelos Wororowo15

Suas mãos carregam as feridas deixadas pela enxada

Os talos de milhete fazem igual

Depois de tudo isso, a colheita não oferece nada a baba

Não vejam o quanto baba o pobre sofre

15 Nome em línguas diula e bambara de um inseto (particularmente "chato") atraído pelo suor. Sabendo que a

agricultura em África do Oeste é ainda hoje em dia praticada manualmente, é com facilidade que a gente visualiza

a imagem que é descrita pelo artista.

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Cada dia, ouço pela televisão e pelo rádio que o sucesso do país baseia-se na

agricultura

Mas nossos pais vivem e morrem numa grande miséria

A cidade de Abidjan (Costa de Marfim) é repleta de braços valentes capazes

de cultivar

Não o fazem. Entretanto, gostam tanto do arroz quanto da banana

O governo abunda de braços válidos capazes de trabalhar

Não o farão; entretanto, são eles que gerenciam as riquezas do país

Será que não veem como baba o pobre sofre!?

Canção: Tiken Jah Fakoly (2008) - Baba.

Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul Hadi Savadogo

Nessa canção, o artista marfinense denuncia uma situação sociopolítica: a queda do

preço do cacau e do café, que abalou a economia da Costa do Marfim nos anos 1980 e 199016.

Depois de um reluzente crescimento, entre 1975 e 1978, a crise econômica de plantação

leva o país a uma recessão conduzindo a ajustamentos dos gastos internos (BOSSARD, 2003).

As consequências dessa crise foram terríveis para os agricultores, primeiros atores dessa

economia. É dessa realidade que se trata na presente canção de Tiken Jah Fakoly. A

originalidade do artista de identidade manding17 reside no seu gênio a denunciar a partir dos

valores sociais comuns à África do Oeste. De fato, a poética de sua mensagem respeita as regras

da arte da palavra das comunidades Oeste-africana, que no grupo mandé (NIANE, 1960;

CAMARA, 1978; CISSÉ e KAMISSOKO, 1988) partilham as línguas Dioula e Bambara.

Através dessa estética, o artista relata o sofrimento cotidiano/anual dos agricultores da

Costa do Marfim18 composto dos grupos Akan/Baulé (42 %) e Kru/Bété (11 %), populações

locais que historicamente se instalaram há mais tempo e cujas línguas são respectivamente o

kwa e o kru. Quanto aos alógenos, eles se compõem dos grupos malinké (17,5 %)

e mandé (16,4 %) falando as línguas voltaicas e mandé (BOSSARD, 2003). O artista usa a

personagem ‘’Baba’’ que se traduziria por ‘’papai’’. Entretanto, é preciso mencionar que

16 No mesmo período, os demais países da sub-região eram abalados por importantes mudanças sociopolíticas e

econômicas (LEBLANC E GOMEZ-PEREZ, 2007).

17 Adjectivo vindo de mandé.

18 Devido à sua localização geográfica (fácil acesso pelo sul do Oceano Atlântico) assim como as condições

climáticas favoráveis para a agricultura, o país, graças às políticas coloniais, é uma das maiores encruzilhadas da

África Ocidental.

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socialmente, ‘’Baba’’ é um homem da terceira idade tendo sob a sua responsabilidade (moral e

financeira) muitas famílias (jovens casais e seus filhos) e, por conta disso, está ainda

trabalhando enquanto, segundo a cultura, apesar de já estar em um momento da vida em que

deveria ‘’descansar’’. A mudança social que interveio na família Oeste-africana, desde há uns

trinta anos (SAVADOGO, 2009) abalando seus valores acentua a dor de "Baba". Ademais, o

artista chama também a atenção sobre a preferência que muitos cidadãos têm a respeito do

‘’trabalho intelectual’’ em comparação à vida rural áspera, assim como o trabalho agrícola,

principal setor econômico do país. Ele elogia aqui a coragem e a dedicação dos agricultores

nesse setor apesar das permanentes crises que eles sofrem.

Salif Keïta e a imigração Oeste-africana na França

Embaixador da música mandinga, desde os anos 1987, o engajamento social e político

de Salif Keïta através da arte permitiu um melhor conhecimento do mandé. Por ter imigrado na

França nos anos 1984, a convivência com os compatriotas africanos lhe permitiu em 1989, uma

significativa contribuição a essa mesma temática, através da canção ‘’Nou pas bouger’’:

Do tempo da escravidão

Os africanos sofreram, padeceram

Eles foram lesados

Os brancos estão em todos lugares na África

Estão no Senegal, na Costa do Marfim, no Mali

E como os chamam?

Chamam-se cooperadores

Cooperadores franceses, chineses japoneses

E nós, os chamamos nossos irmãos

Minha irmã, guarde minhas bagagens

Há CRS [militares] em todos cantos com apitos nos lábios para nos

repatriar

Nou pas bouger (Não vamos ir embora) – Refrão

O branco está em todos cantos em África

E cada dia, sofremos vergonhas e humilhações

Os bombeiros são cotidianamente mobilizados

E cada dia nos matam

Os policiais estão permanentemente em alerta

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Cada dia há apreensões e aviões são constantemente fretados para nos

expulsar

Enquanto os negros falam o francês, o inglês, o chinês, o japonês

Tudo isso a fim de provar a sua digna humanidade aos brancos

Mas sem sucesso; esforços e trabalho perdidos

Minha irmã, guarde minhas bagagens

Pois têm policiais em todos cantos com apitos nos lábios

Nos ordenando a ir embora do país

Os filhos dos brancos e dos negros nascidos aqui são infelizes

Seus pais falam francês e suas mães falam francês

Minha irmã, guarde minhas bagagens

Pois têm policiais em todos cantos com apitos nos lábios

Nos ordenando para ir embora do país

Mas ‘’nou pas bouger’’ (não vamos ir embora)

Canção: Salif Keïta (1989), Nou pas bouger.

Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul Hadi Savadogo

A exclusão, a xenofobia, as leis e comportamentos discriminatórios (tanto institucionais

como da parte das populações locais) diante dos trabalhadores imigrados africanos, sobretudo,

malineses inspiraram Salif Keïta na composição da canção Nou pas bouger. O artista se

apropria aqui da linguagem cômica19 desses imigrantes que, na sua maioria, não tiveram uma

aprendizagem escolar formal da língua francesa e misturam o francês ao bambara. Através de

uma perspectiva histórica indo do tráfico negreiro (DORIGNY, SCHMIDT E DUMESTE,

2008; M'BOKOLO, 2016) aos anos 1989, ele lembra as tribulações dos africanos diante da

opressão do ‘’homem branco’’. Ele não deixa de chamar a atenção sobre a sutileza das

expressões usadas de acordo com a sofisticação das políticas de exploração das relações

‘’França-África’’ na medida em que os africanos vão mobilizando esforços para se subtrair à

lógica: aprendizado das línguas dos diferentes países anfitriões como signo de boa-fé; lógica de

‘’esconde-esconde’’ com os diferentes exércitos “da lei”; solidariedade entre os imigrantes.

19 O mesmo vale para a expressão ‘’anciões combatentes’’ (veteranos) da África Ocidental das primeira e segunda

guerras mundiais que misturam o francês e suas línguas maternas. Conferir também Ousmane Sembene. Camp de

Thiaroye - [Legendado em Português]. 1987. URL: https://www.youtube.com/watch?v=BOyD3u0vXvI

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Tantos esforços em vão leva a indignação ao máximo. Daí sua recusa em se deixar expulsar

(KEÏTA, 2001).

Na sub-região Oeste-africana, com as crises econômicas dos anos 1980 a 1994 que se

estenderam até os anos 1998 com rupturas e outras contestações políticas, a juventude que até

então era excluída das esferas políticas e econômicas (GOMEZ-PEREZ e LEBLANC, 2007)

apropriaram-se dos espaços públicos, redefinindo a cidadania em relação à cultura (de cada

realidade social) e ao político.

Muitas expressões artísticas, notadamente musicais da sub-região surgiram de um tal

contexto. O que destaca a força da sua significativa participação social. Todavia, Mbembe

(2009) sublinha as difíceis condições para o seu devido reconhecimento, contestado ainda hoje.

Essa constatação vale igualmente quando se trata da criatividade cultural africana. Para o autor,

isso se explica, de um lado, pela relação mantida pelos governos e políticos africanos com o

setor artístico. De outro, trata-se da relação de poder estabelecida pelas agências de

financiamento da Europa Ocidental diante dos artistas supostos beneficiários. Em primeiro

lugar, ele evoca entre outros a crítica da arte e da cultura vistos como paliativos ao

subdesenvolvimento.

A isso acrescenta-se a interpretação da arte como expressão coletiva; a ideia defendida

aqui sendo a refutação de uma estética africana em favor de uma autenticidade que, se

necessário, é fabricada. Em seguida, vem a progressiva queda, há uns dez anos, da contribuição

financeira da Europa Ocidental ao desenvolvimento das artes e da cultura na África, assim como

as humilhantes restrições das políticas de financiamento de suas agências.

Crítico do desconto da importância e do valor da arte de acordo com a sua contribuição

a um pretendido desenvolvimento medido sobre a base do bem-estar material, Mbembe (2009)

situa a saída da crise da arte contemporânea africana na necessidade de políticos de criatividades

artísticas em articular a crítica cultural e a teoria da crítica que lhe permitirá gravar

diferentemente seu nome, sua voz e seu rosto em uma história temporal orientado para o futuro.

O autor está convencido do inextricável destino da África, ligado ao do resto do mundo. É nesse

sentido que convida os governos e políticos africanos, bem como as agências de financiamentos

das artes e da cultura na África, a redefinir suas relações a partir de uma ética nova baseada no

reconhecimento e na reciprocidade.

Diante das violências impostas ao continente africano e às suas populações, assim como

das perversas contribuições que lhes foram exigidas ao longo da história, parece-nos evidente

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que pela sua cidadania cultural, a África e suas populações têm, como Leopold Sédar Senghor

o dizia, participado legitimamente no ‘‘desenvolvimento global’’, no ‘’banquete do universal’’.

1.4. Cidadania Cultural e Desenvolvimento

O banquete do universal ao qual se refere um dos pais da Negritude20, Léopold Sédar

Senghor21, refere-se em substância à necessidade de contribuição de cada povo do planeta ao

universalismo da humanidade, a partir de sua cultura própria. É desse arco-íris do humanismo

que Nelson Mandela fazia a apologia. São igualmente valores expressados pela fórmula do

historiador Serge Gruzinski: podemos pertencer a muitos mundos e a muitos tempos sem querer

os reduzir ou os uniformizar. Não seria o único jeito hoje em dia de domar a globalidade que

nos cerca e que nos invade?

Apreende-se a globalização como a abolição do espaço e, em seguida, do tempo. Serge

Gruzinski (2016) se referindo à sua dimensão colonial a caracteriza como a ‘’Ocidentalização’’

das diferentes partes do globo, assim como tudo que decorre daquilo. Seus trabalhos situam o

início deste empreendimento, no século XVI (1580), quando os Impérios da Espanha e de

Portugal se aliam.

Esse evento maior é singular, pois, pela primeira vez, grandes Impérios se ‘’fusionam’’

sob a autoridade da Monarquia Católica que administra territórios espalhados nas quatro partes

do mundo: Espanha, Portugal, Bélgica-Holanda, uma parte da Itália, uma parte da América

(Lima no Peru, México no México), a Ásia com as Filipinas (Manila), a China (Macau), a Índia

(Goa) e a África com os portugueses (DENOON, 1999; PABIOU-DUCHAMP, 2005; KIPRÉ,

2004).

Tal empreendimento que o autor designa como a “mundialização ibérica” mobiliza um

conjunto de redes (comércio, política, religião, intelectualidade) ao serviço de um processo

20 Movimento, corrente literária notadamente estudantil do século XX que agregou intelectuais negros e/ou se

identificando à identidade negra nos países africanos ou da diáspora africana que são/foram vítimas da opressão

colonial. Os líderes foram René Maran, Aimé Césaire e Léopold Sédar Senghor.

21 Conferir: Assemblée parlementaire de la Francophonie - section française. Actes du colloque : Léopold Sédar

Senghor : la pensée et l’action politique. 2006. http://www.assemblee-

nationale.fr/international/colloque_senghor.pdf

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planetário de homogeneização do espaço e do tempo tanto nas suas dimensões materiais quanto

nas simbólicas.

Assim, a história dos indígenas do Novo Mundo escreve-se através da captura das

memórias locais. Essa colonização cristã inculca a esses últimos uma visão do tempo (passado,

presente e futuro) e de suas realidades europeias, notadamente a grande competição do

momento entre islã e cristandade (GRUZINSKI, 1988).

Sincronizando as novas terras e suas populações conquistadas com a cristandade

europeia, a Monarquia Católica unifica o tempo pelo simbólico. Esta escritura da história,

iniciada no México no século XVI, constituía um dos motores da mundialização ibérica que,

mais tarde, servirá em outras experiências históricas: a Índia, a África, a China. Doravante, por

todo o mundo, a colonização europeia exporta seus diferentes parâmetros históricos e isso será

acompanhado por uma redução das memórias locais.

O conceito de desenvolvimento assumiu muitas formas, ao longo da história de

diferentes sociedades, determinando assim suas múltiplas acepções. Depois se restringiu,

durante muito tempo, à dimensão econômica, diante dos desafios contemporâneos, uma atenção

particular é dada à sua dimensão humana e social na sua definição e implementação (DIAGNE,

2017b).

Guy Hermet (2000) define o desenvolvimento como sendo o processo de mudança pelo

qual uma sociedade alcança um maior bem-estar. Para isso, através de uma abertura para o

outro, ela deve conseguir tirar de si mesma todos os recursos que possui. Através deste processo,

trata-se de permitir à sociedade de se realizar mais pela auto-revelação de suas capacidades e

pela mobilização de suas potencialidades.

No entanto, deve se dizer por essa definição, que o crescimento e a distribuição da

riqueza material relacionada à dimensão econômica do desenvolvimento permanecem

incontornáveis para esse bem-estar em questão. A cultura, vista como a matriz primordial de

valores, é, portanto, comportamentos, razões para uma sociedade existir.

Abordar a questão do desenvolvimento em sua estreita relação com a cultura leva a

considerar a cultura em suas dimensões social e econômica. De acordo com muitos estudos,

(HERMET, 2000; BEAUCHAMP, 1997; CERNEA, 1998; ROPIVIA, 1995; AUBERTIN e

FRANCK-DOMINIQUE, 2006), desenvolver-se a partir do capital social passa pelos recursos

intrínsecos que as sociedades envolvidas possuem, o que implica na faculdade de ser sensível

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às especificidades culturais delas. Falaremos, então, de participação social. A exigência da

participação social constitui, enquanto princípio moral ou ético, tanto os meios como a meta a

ser alcançada no âmbito do respeito da natureza humana e de sua realização.

O desenvolvimento contribuiria assim para uma cidadania moderna em sintonia com a

sociedade e os desafios que ela enfrenta. Nesse sentido, a dimensão econômica da atividade

cultural na economia de mercado da globalização está longe de ser insignificante. Esta indústria

cultural (TIENDREBEOGO, 2017) e suas produções comercialmente projetadas

(re)dinamizam as economias.

A nova importância agora atribuída aos fatores sociais e antropológicos nas abordagens

de desenvolvimento supõe igualmente o estabelecimento de topografias culturais e

institucionais específicas, destacando as limitações, bem como as oportunidades meio invisíveis

de cada cultura, assim como seu capital social. Essa ferramenta permite aos atores sociais uma

melhor apreensão da diversidade das comunidades e sociedades envolvidas no processo de

desenvolvimento. As diferentes resistências das populações e da intelligentsia africana, desde

o final da segunda guerra mundial, constituem-se em pertinentes respostas às lógicas coloniais

em relação à África.

Todavia, deve-se dizer que os espíritos e a imaginação estão congelados no tempo

(THIOUB, 2016). Assim, a África funcionaria a partir de uma norma ocidental (DIOUF, 2014;

MUDIMBE, 2013; SAID, 1990). Isso justificaria aos olhos das chamadas sociedades do

primeiro mundo, a violência dos africanos, sua burrice, seu atraso no mercado mundial e sua

pobreza.

Para nós, trata-se de chamar a atenção sobre as noções de sociedade, de humanidade e

de imaginação criativa (BOULANGA, 2009; 2016; MBEMBÉ, 2014; 2016; DIAGNE, 2017;

MBEKO, 2017a, 2017b) que querem que o que as sociedades humanas construíram e pensaram,

por todo o mundo, ao longo da história, sejam sempre fontes de inspiração a fim de enfrentar

os desafios do nosso tempo. Isso só poderia se fazer pensando em uma humanidade geral que

faz apelo à alma aberta, descrita pelo pensamento bergsoniano, como aquela que se opõe à alma

atrofiada e fechada para quem, amar é sempre amar contra os outros, pois, preocupando-se

apenas consigo mesma.

A antropologia (anthropos) islâmica faz do humano o "vice-regente de Deus" diante de

uma parte de sua criação (notadamente a terra, seus recursos e habitantes, incluindo o humano).

Sua responsabilidade assim estabelecida de proteger a vida pelo cuidar da criação divina é,

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portanto, a condição da plena realização de sua humanidade. Nisso, dizemos que a consciência

ecológica aparece como um imperativo; e, ainda mais, porque os homens em sociedade

dependem dela.

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CAPÍTULO 2: HERANÇAS HISTÓRICAS E LUTAS SOCIAIS EM BURKINA FASO

Nesta capítulo nos deteremos fundamentalmente no quadro das lutas sociais e políticas

em curso na sociedade burkinabê; se suas expressões denotam uma configuração relacionada

às realidades do século XXI, é no século XIX que convém situar essas origens. Devido às

considerações relacionadas às políticas coloniais e, posteriormente, às reconfigurações pós-

coloniais, nossas análises hão de referir-se constantemente a essas realidades históricas que se

articulam.

O conjunto dos países francófonos da região da África do Oeste pertencia a uma só

administração territorial: a África Ocidental Francesa (AOF) cuja capital foi, por muitos anos,

a cidade de Dakar no Senegal. A administração dos diferentes territórios que a compunha seguia

essa hierarquização, até as independências a partir da qual esses últimos adquiriram suas

‘’autonomias’’.

Nesse sentido, iremos nos referir permanentemente a uma ou outra realidade dessa

configuração histórica, pois, são indissociáveis. Nessa mesma lógica, usaremos igualmente, os

nomes: ‘’Alta Volta’’, nome antigo do Burkina Faso cuja população seria ‘’voltaícos’’ e

‘’Burkina Faso’’ referindo-se ao nome atual cuja população chama-se ‘’burkinabê’’.

2.1. Memória e Revoluções

Durante os anos de 2014 e 2015, a juventude burkinabê se destacou marcando

significativamente a história do país. Diante da decisão do Presidente Blaise Compaoré em

participar das eleições almejando, um terceiro mandato, um movimento popular o obrigou a se

demitir.

Os atores dessa revolução reivindicaram os seus atos como pertencendo à “geração

Sankara". Essa eloquente identificação dos jovens ao Sankara nos leva a indagar,

primeiramente: quem é Sankara? Qual legado de Sankara os burkinabê reivindicam? Nas

explicações que se seguem, a se considerar que ‘’Thomas Sankara’’ e o ‘’Che Africano são a

mesma pessoa.

Thomas Sankara (1949-1987) é uma das personalidades singulares que, por suas ações,

lutou contra a desigualdade e a injustiça social, no país. Fortemente comprometido com o

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fortalecimento dos grupos sociais desfavorecidos, a mudança social que ele promovera, marcou

a sociedade com uma grande mudança relativamente às políticas nacionais, até então definidas.

Tendo como líder o capitão Thomas Sankara chamado o "Che Africano", a revolução

democrática popular do 04 de agosto de 1983 tomou o poder tendo como projeto a

transformação radical da sociedade22. O regime do Conselho Nacional Revolucionário (CNR)

trouxe uma mudança radical nas alianças sociais que sustentavam a organização sociopolítica

do país. Destacando-se dos predecessores políticos, a relação de Sankara e do CNR com a

sociedade civil, assim como com as suas principais instituições (chefes tradicionais, líderes

religiosos, sindicatos), focou na substituição da aliança entre o Estado, os seus funcionários, as

autoridades tradicionais e religiosas para uma aliança com os camponeses os quais se tornariam

a base social do regime (OTAYEK, 1993).

Dentro de suas prioridades constava a luta contra as políticas culturais imperialistas do

Norte, do mesmo modo que a luta contra a alienação em cuja lógica opera para a redução das

populações do Sul. Além disso, a sua política internacional configurava-se contra o

neocolonialismo, que caracterizava (o que continua, ainda nos dias atuais) as relações entre a

França e a África, e pela recusa em pagar a dívida financeira de ajuda ao desenvolvimento,

"imposta" pelas poderosas instituições políticas e econômicas internacionais, tais a Organização

das Nações Unidas (ONU), o Banco Mundial, assim como o Fundo Monetário International

(FMI).

Se a juventude burkinabê reivindica o legado de Thomas Sankara, deve-se dizer que ele

é de grande importância. Em 4 de outubro de 1984, na trigésima nona sessão da Assembléia

Geral das Nações Unidas, sua mensagem impôs o firme passo em que ele se comprometeu

resolutamente. Assim que iniciou sua fala, ele se apresenta como um cidadão do pequeno país

de apenas 274.000 km2, tendo naquele momento sete milhões de habitantes e, recusando

doravante a morrer de ignorância, de fome e de sede devido à injustiça, a espoliação e outras

violências de um sistema colonial. Solidário dos povos da Ásia, da América Latina e da África,

que também compartilham o status de povo do Terceiro Mundo, denominação maliciosa da

segregação cultural, bem como da subjugação econômica e política aos quais o Ocidente se

22 Conferir o discurso de orientação política do Conselho Nacional da Revolução (CNR) em 1983. Disponível em:

http://thomassankara.net/discours-d-orientation-politique-2/

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atribui o direito, ele afirmou que o grão do pobre alimentou mais do que o suficiente a vaca do

rico.

Thomas Sankara fala da "ajuda" ao desenvolvimento que assume a mesma lógica,

entretanto com formas diferentes ao longo das eras. Para esse propósito, ele recorre à metáfora

bíblica para jamais se recusar categoricamente e firmemente a receber outros tapas, pois tem

esticado por muito tempo a outra face. De fato, sensível à universalidade do humano tanto no

nível espiritual como material, ele faz sua a causa de todos aqueles que sofrem em sua carne,

pois escarnidos em sua dignidade de homem por uma minoria de homens, por um sistema que

os esmaga; assim ele dizia que, enquanto homem, nada do que é humano lhe é estrangeiro.

Hábil, mas bem claro e sem rodeios, o "Che africano" interpela a ONU a respeito da sua

responsabilidade assassina no destino dos povos martirizados. E defronte à urgente necessidade

dos povos a se assumir, ele afirma que o escravo que não é capaz de assumir sua revolta não

merece que se lamente sobre sua condição, seu destino, pois este último responderá sozinho por

sua infelicidade se ele se ilude sobre a suspeita condescendência de um mestre que pretende

libertá-lo. Nesse sentido, apenas a luta liberta. Homem de personalidade, ele proclama, jurando

que, doravante, no Burkina Faso, não haverá mais atentado ao pudor e à dignidade dos

burkinabê, pois, suas vozes se farão ouvir e sua vontade será implementada. É nessa visão que

ele inscreve a revolução no Burkina Faso como uma resposta inspirada em todas as experiências

dos homens, desde o primeiro sopro da Humanidade.

Assim, ele faz o povo burkinabê herdeiro de todas as revoluções do mundo e de todas

as lutas de libertação dos povos do Terceiro Mundo. A escuta dos abalançamentos que

transformaram o mundo, tirando lição das consequências das vitórias conquistadas pelas

diferentes revoluções, Thomas Sankara clama "a África quanto o Burkina Faso aos dignos

filhos que os merece" (SANKARA, 198423).

Para a Geração Sankara, trata-se, conformemente ao legado de Thomas Sankara, de

resistir aos ditames do Ocidente, mas também de ser vigilante e crítico a respeito da burguesia

africana diplomada nas escolas ocidentais. De fato, esses últimos se comprazem muitas vezes

em seus privilégios corroendo assim o dinamismo das legítimas lutas. Nesse sentido, a

mensagem do "Che Africano" é explícita. Para ele, trata-se para os intelectuais africanos, nas

23 Discurso de Thomas Sankara na 39e sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) no 04 de outubro

de 1984. Conferir a integralidade do discurso em anexo.

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diferentes áreas de atuação, da necessidade urgente de nunca deixar aos inimigos, de ontem e

de hoje, o monopólio do pensamento, da imaginação e da criatividade. Eles devem retornar a si

mesmos, à sua sociedade e à miséria herdada, a fim de perceber o quanto a batalha por um

pensamento a serviço das massas deserdadas está longe de ser em vão. E porque ele dará

internacionalmente uma imagem fiel de seus povos, esse pensamento lhes permitirá realizar

mudanças profundas na situação social e política, capaz de arrebatar os africanos da dominação

e da exploração estrangeiras que entregam seus Estados à única perspectiva da falência.

Uma vez resgatada uma memória revolucionária, o que reter daqueles que se engajaram

nas lutas?

2.2. Das lutas sociopolíticas da juventude africana

2.2.1. O sistema escolar colonial e a formação de uma nova geração de africanos

Como indicado, no início do capítulo, as lógicas antigas da administração colonial

francesa, interligadas as realidades da Alta Volta e, na contemporaneidade, do Burkina Faso,

conversarão permanentemente.

Logo após a colonização, a necessidade de assegurar a perenidade da dominação

francesa sobre as colônias levou a França a pensar na formação dos colonizados. Assim, no dia

7 de março de 1817, em São Luís do Senegal, foi inaugurada a primeira escola na qual se propôs

a trabalhar com base no método Bell e Lancaster a fim de promover o ensino mútuo.

Em 1841, diante da crise do ensino, os notáveis de São Luís e o Governador acabaram

por entregá-la nas mãos dos religiosos. Solicitados para dar um ensino profano, os religiosos

instalaram um processo de ensino baseado no cristianismo. Enfim, surge o conflito, já que a

região é majoritariamente muçulmana (SALL, 1996). Cabe ressaltar que a administração

colonial tinha uma atitude ambivalente quanto ao islã, prossegue Sall (1996). A prática de

ensino com presença de um mestre e disciplina de estudo encontra-se já presente nos contextos

muçulmanos, sendo assim percebidos pela administração colonial como capaz de favorecer as

atitudes e a aceitação da constituição de escolas coloniais.

Entretanto, ela poderia vir a favorecer a organização de resistências ao colonialismo

francês. Compreende-se, assim, os motivos da adoção por parte da administração colonial de

uma política estrategicamente pró-islâmica, era ambígua pois capaz de reprimir os muçulmanos

quando entendessem que seus atos sinalizavam situações de ameaça. Em reação a um conflito

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religioso entre a base cristã e islâmica que se tornava cada vez mais importante, o então

Governador Louis Faidherbe criou, em 1856, a chamada Escola dos Reféns (l’École des

Otages), cujo objetivo central era contribuir para consolidar o colonialismo através da

dominação cultural, assimilando os colonizados.

Em 1871, ela foi fechada para ser reaberta em 1894 designada, então, de Escola dos

Filhos de Chefes (l’École des Fils de Chefs) voltada naquele momento para a formação de uma

elite colonial local com base nas antigas elites locais (SALL, 1996; SOW, 2004). Em 24 de

novembro de 1903, através de três resoluções, o Governador Geral da África Ocidental

Francesa (Afrique Occidentale Française - AOF) permitiu, pela primeira vez, tratar das questões

de ensino e do sistema educacional (adaptado sempre ao traço colonial). Na época, o sistema

escolar era assim composto:

Ensino fundamental oferecido pelas escolas regionais. Estes estabelecimentos podiam

atribuir o Certificado de Estudos Primários Elementares (CEPE) localmente;

Ensino fundamental oferecido pelas escolas urbanas. Estas deveriam preparar o exame para

o CEPE de acordo com os programas franceses;

Ensino profissional;

Ensino urbano: médio e comercial acessível apenas após o CEPE;

Escola de formação de São Luís (no atual Senegal), com um departamento para os

professores e uma seção administrativa para formar intérpretes e outras funções de

responsabilidades no contexto colonial (SALL, 1996).

As necessidades da administração dos territórios expoliados pela França forçam as

autoridades a estabelecer um sistema escolar. O Senegal, que tinha Dakar como residência do

Governador Geral, que era a capital da África Ocidental Francesa (AOF), assumiu uma posição

central em relação às outras possessões do Oeste africano.

O sistema escolar foi fundado para formar quadros subalternos para a administração

(comissões e intérpretes) a partir do Senegal, favorecendo a criação de infraestruturas como o

estabelecimento progressivo de empresas e o fortalecimento do comércio. Formavam-se, assim,

as condições para que emergisse uma elite local vinculada ao modo de vida, formas de

pensamento e, sobretudo, aos interesses franceses. A evolução do sistema escolar permitiu a

uma minoria africana seguir os estudos nas universidades e faculdades de renome da África do

Norte e da Europa (principalmente da França no caso do Burkina Faso).

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O encontro com estudantes de outras regiões colonizadas do mundo (entre outros fatores

históricos como as Guerras da Europa) iria favorecer o surgimento de um lado, dos movimentos

de independência e de solidariedade entre os estudantes do país e de outro, do perfil intelectual

e filosófico das suas lideranças. Assim, a participação ativa dos africanos nas duas guerras

mundiais pela liberdade, de quem os priva deste mesmo direito, nutriu contestações, seguidas

de reivindicações.

O papel da juventude nesses movimentos de luta pela independência teve grande alcance

e repercussões duradouras (SOW, 1993). Podemos considerar que o século XX foi o contexto

de emergência do próprio conceito de juventude na África (BONNEVAL, 2011; ALMEIDA-

TOPOR, 1992). Pela predisposição e o compromisso para ações inovadoras, nota-se que a

juventude africana passa pela construção de uma identidade sedenta de autoafirmação e de

afirmação política. Diante das inúmeras críticas em relação à ordem social em vigor, suas ações,

no contexto socioeconômico, político e histórico, mantêm-se determinantes nos principais

processos de mudança social.

Das lutas anticoloniais, retém-se a imagem da juventude estudantil engajada nos

combates políticos em nome da recusa da servidão. E, por isso, a luta revolucionária contra o

imperialismo e seus agentes permitiriam a reivindicação de um melhor estatuto político e

cultural (MBEMBE, 1985; MONGA, 2010; IROBI, 2012).

2.2.2. A juventude estudantil e as lutas pela independência

Após os anos 1930, formaram-se na Europa, principalmente na França, assim como nos

países da África do Oeste que ainda eram colônias francesas, grupos de estudos comunistas

secretos, dando origem a um espaço de formação política de base (BÂ, 1975; SOW 1993).

Neste contexto histórico, os movimentos de estudantes uniram-se para denunciar as políticas

coloniais que negaram e desprezaram as diferenças culturais africanas, e saquearam suas

riquezas.

O jornal estudantil “Dakar-Étudiant”, órgão da União Geral dos Estudantes da África

Ocidental (UGEAO), assim como o jornal “L’étudiant d’Afrique noire” da Federação dos

Estudantes da África Negra na França (FEANF), ganharam destaque nos anos 1954. Tornaram-

se poderosos suportes de mobilização política e instrumento de difusão da luta dos povos

africanos e, também, de experiências para outros movimentos revolucionários contemporâneos.

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Essa dinâmica foi consolidada pela emergência consciência patriótica que soube ultrapassar os

antagonismos e as outras dificuldades consecutivas à luta (SOW 1993).

No primeiro momento, essas ações impulsionaram o reflorescimento cultural, seguida

pela revalorização dessa mesma cultura, enfatizando as resistências à penetração colonial e a

história das culturas africanas. É nesse contexto que jovens pesquisadores, como Cheikh Anta

Diop, ganham destaque (SOW, 1993).

Movimento político-cultural revolucionário que se destaca por uma crítica veemente da

cultura eurocêntrica e colonizadora, o pan-africanismo se caracteriza desde seu início pelas

identidades múltiplas marcando as diferentes populações da diáspora africana nas Américas.

Identidades construídas através da violência escravagista do comércio negreiro transatlântico,

o movimento nasce no Caribe (Haiti e Jamaica) e nos Estados Unidos no final do século XVIII

de uma vontade firme de luta pela liberdade e pela dignidade da grande família africana mundial

(BOUKARI-YABARA, 2014; 2016).

Do encontro em Paris dos estudantes africanos e os da diáspora africana – os

afrodescendentes (sem esquecer outros movimentos no Ocidente), nasce o movimento literário

da Negritude em 1932-1934 (SENGHOR, 1967), que teve como líderes Aimé Césaire, das

Antilhas; Léopold Sédar Senghor, do Senegal, e Léon-Gontran Damas, da Guiana.

Identificando-se ao Pan-Africanismo, o movimento exaltou o ‘’negro’’ assim como ‘’ser

negro’’ como resposta à opressão colonialista em suas diferentes dimensões (DOMINGUES,

2005).

Pan-negrismo num primeiro momento, este sentimento de solidariedade entre a diáspora

africana nas Américas, o Pan-Africanismo alimenta a vontade do retorno sobre a terra mãe-

África que até o fim do século XIX estava sob o domínio colonial a fim de libertá-la e unificar

os diferentes povos africanos. Desta ideia, o Pan-Africanismo se torna um movimento de

libertação, de luta anticolonial.

A partir da secunda metade do século XX – através notadamente de países tais o Gana

de Kwamé Nkrumah, a Etiópia de Haîlé Sélassié, o Egito de Gamal Abdoul Nasser, assim

como outros líderes destacados das lutas anticoloniais – o caráter político do movimento se vê

cada vez mais assumido pelos Estados independentes que apoiam as diferentes lutas de

libertação e de combates contra o racismo (apartheid). Nesssa conjuntura de luta pelas

independências, os intelectuais e homens políticos de destaque em Burkina Faso (conhecida

antigamente por Alto-Volta), entre outros, foram: Nazi Boni, Daniel Ouezzin Coulibaly,

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Philippe Zinda Kaboré e Maurice Yaméogo (BOUKARI-YABARA, 2014; 2015; M'BOKOLO,

2016; OUÉDROAGO, 2009).

A África independente e pós-independente investiu em programas de treinamento no

sentido de infundir o desenvolvimento econômico e social, lutando, ainda que com muitas

ambiguidades e conflitos renovados, pelo fim da dependência cultural e intelectual herdada da

colonização. Assim, as universidades e outras instituições de formação tornaram-se referências

de estímulo do desenvolvimento esperado pela juventude inserida no processo de

descolonização.

Por conseguinte, no centro de uma nova concepção da sociedade e de desenvolvimento,

surge uma juventude estudantil marcada pela ambiguidade de seu estatuto. Com efeito, o seu

lugar, no sistema socioeconômico e político, iria permanecer problemático, representando os

antagonismos sociais (MBEMBE, 1985) de maneira, às vezes, dramática. Desenvolve-se,

assim, de um lado, o sentimento de grande desconfiança das elites dirigentes em relação à

juventude. De outro, crescem as críticas por parte daqueles que também lutaram juntos pelas

independências, guardando ao mesmo tempo o sabor amargo de sua decepção e um sentimento

de traição.

No entanto, deve-se salientar que apesar das difíceis condições de inserção

socioprofissionais ao concluir os estudos, a possibilidade de ascensão social através do diploma

e o prestígio relativo permaneceria marcando a visão do estudante na sociedade burkinabê. Isso

reflete o fato de que o estudante é considerado como aquele que é destinado a assumir as funções

administrativas e políticas, que podem lhe abrir as portas da maestria da autoridade e do poder,

assim como as funções de acumulação de riquezas e de privilégios, já que a conclusão da escola

e da universidade está relacionada ao alcance da fortuna (MBEMBE, 1985).

Se for possível afirmar que a juventude, principalmente a estudantil, contribuiu

significativamente para as lutas anticolonialistas, é preciso dizer também que ela se alinhou

muitas vezes aos colonizadores do passado, no exercício da subalternização da população

(MONGA, 2010; IROBI, 2012). Com efeito, ao estudar nas universidades ocidentais, a nova

elite dirigente africana, substituindo “seus mestres” depois da independência, acabou por

reproduzir os esquemas anteriores de dominação.

Os trabalhos de Trung (1992) sobre o Senegal, um dos polos de excelência do ensino na

África Ocidental, mostram bem a que ponto o sistema escolar e universitário está em crise na

sub-região. Essa crise, cujas origens remontam à fase seguinte da independência, alcança o

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estado crítico, por volta dos anos 1980-1990. Diante de um sistema sem esperança, as

numerosas greves traduzem o difícil diálogo entre os jovens: de um lado, as autoridades

públicas e escolares; de outro, a indiferença destas em relação às reivindicações dos estudantes.

De fato, embora útil ao poder, a juventude está esvaziada de importância social e

econômica, desde meados dos anos 1980. Em testemunho à negligência dos poderes que, por

sua vez, julgam as contestações e outras reivindicações escolares e estudantis como infantis, os

jovens perderam sua voz. Assim, sem se respeitar os compromissos assumidos nas negociações,

vê-se imediatamente nesses movimentos um caráter político visando desestabilizar o poder dos

Estados africanos, bem como o ressalta Mbembe (1985), e sem hesitar por usar a violência

policial como meio de repressão.

A juventude foi e tem sido alvo continuado e intenso de ações e de políticas da África,

após a descolonização e as independências. Tais políticas assumem muitas vezes um caráter

“intervencionista", segundo a expressão de Mbembe (1995). Trata-se, sobretudo de manter o

controle sobre essa camada da sociedade, por parte dos novos Estados incapazes de encarar as

questões sociais de maneira consistente e aprofundada, que para isso constroem abordagens que

flagram uma preocupação permanente com a ameaça dos regimes no poder. Entretanto, há

situações em que os Estados também elaboraram o que chamam de políticas de participação no

desenvolvimento, através das quais circunscreveram as ações da juventude de acordo com os

objetivos definidos previamente (MBEMBE, 1985).

Acreditamos, assim como o autor, que a motivação fundamental dos Estados tem sido

calcada em uma escolha econômica, em um tipo de desenvolvimento e em uma proposta de

produção social que assegure a hegemonia constituída e os compromissos com as agências

internacionais. Ao elaborar políticas de emprego dirigidas aos jovens, privilegia-se o menor

risco ou o menor perigo para o regime e para o grupo no poder. Regulamentada pela lei 18 AL,

de 15 de agosto de 1959, a juventude burkinabê, através de diferentes associações, passou a ser

mobilizada para fins políticos (BURKINA FASO, 2008). De 1982 a 1991, o objetivo final das

políticas da juventude foi a mobilização e a organização para servir à revolução pelas formações

militar e ideológica.

Em muitas sociedades africanas, como a burkinabê, a formação da pessoa pauta-se pelo

estabelecimento de espaços e lugares sociais bem definidos que se produzem ligados ao estatuto

social (que seguem idade, geração, gênero, tipos de socialização – típica ou atípica – papel na

divisão social do conhecimento e do trabalho) e a posição da pessoa na família e desta na

organização histórica e social de cada sociedade que hoje compõe o país Burkina Faso.

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Assim, a noção do “bom jovem” é percebida no senso comum como caracterizado pelo

respeito, pela obediência e pela disciplina. Embora a importante mudança social tenha sido

provocada pela colonização e que os valores culturais europeus tenham ampliado a já existente

grande complexidade nas formas de ordenação social, ainda hoje a consciência coletiva

permanece guiada por valores locais que seguem ordenando as relações entre as gerações. Os

primogênitos e os mais idosos se investem de autoridade para assumir as tarefas políticas,

religiosas e quotidianas.

As injunções paradoxais que sofrem os jovens nos dias atuais, premidos entre as

exigências da tradição e as exigências de uma inserção social e profissional em um mundo

altamente complexificado e globalizado; e cujas tensões (oriundas dessas injunções paradoxais)

são acrescidas, pelo desejo de afirmação de uma “identidade” mais autônoma que consiga fazer

face às contradições de uma sociedade pós-independente africana.

2.2.3. Das expectativas e das responsabilidades da juventude nas sociedades africanas

Definir a juventude não é tarefa fácil, pois a divisão entre idade biológica e idade social

não é apenas arbitrária, mas também complexa. Com efeito, os dados socialmente construídos

revelam antagonismos entre gerações, como pensa Bourdieu, (1978) e Mauger, (2001),

principalmente nas sociedades em que as relações interpessoais estão baseadas nos princípios

da maturidade, como afirma Attané, (2011, 2007).

Bourdieu (1978) e Mauger (2001) chamam nossa atenção sobre o fato de que a noção

de juventude é um artefato, pois tem uma ausência de substância e de realidade em si. Nesse

sentido, nota-se que a divisão das idades é, sobretudo, construída no âmbito de lutas e de

definições, que se atribuem em função das épocas passadas e das sociedades. No entanto,

segundo Bourdieu (1978), ela é plural e se forma em função do capital escolar, cultural e

relacional.

Já a identificação de uma fase específica de vida na juventude, segundo Bonneval (2011)

é bem recente e provém da concepção Ocidental de educação. Representa o período no qual a

noção refere-se à individualidade profunda dos atores considerados, como momento-chave de

mobilização de suas potencialidades intrínsecas.

Em vigor nos anos 1940, nos Estados Unidos, seguida pela imposição escolar um pouco

mais tarde na Europa, a juventude constituiria, assim, uma fase específica de preparação para o

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exercício de funções adultas. Se a juventude se desenvolveu como mudança recente na história

social de países ocidentais, na África, isto é acentuado e precisamos ter presentes as diferenças

dessas transformações nas diferentes sociedades do continente.

A divisão social, que opõe juventude e velhice, é igualmente arbitrária e se inscreve na

luta pela repartição do poder. Assim, assistimos a um conflito entre a velhice, de um lado,

detentora do controle do patrimônio material e imaterial e das dinâmicas de poder local, e de

outro, a juventude desejosa de mais espaços e privilégios, usando de estratégias desenvolvidas

por diferentes discursos modernizantes e do novo cenário alicerçado em partidos políticos para

legitimar sua posição.

É isso que Bourdieu (1978) designa por estratégias de juventude e de obsolescência. A

primeira estratégia está relacionada ao desejo do velho de se manter o maior tempo possível

jovem (que, por sua vez, é desprovido de conhecimento e experiência). A segunda estratégia,

chamada de obsolescência, é conduzida pela juventude em direção ao lado adversário,

pressionando-o para ceder o lugar "desgastado".

A representação ideológica dessa competição determina as características e os valores (moral,

gosto, ambição e posse), que cada parte atribui ao outro; a ideia é de sempre impor ao outro os

limites e produzir uma ordem em que cada um deve permanecer em seu lugar. Ademais, esse

conflito entre gerações conduz à distribuição dos bens e às oportunidades de acesso. Com efeito,

o que para a primeira geração era uma conquista, não o é mais para a nova, que já a recebe

desde o nascimento, em outro contexto. Bourdieu faz da juventude, a partir do contexto francês,

um elemento essencial de seu conceito de habitus que apreende como o conjunto de relações

históricas ‘’depositadas’’ no seio dos corpos individuais sob a forma de padrões mentais e

corporais de percepção, de apreciação e de ação (BOURDIEU; WACQUANT, 1992; ALVES,

2009).

No contexto burkinabê, a questão de gerações possui laços significativos com a

dinâmica da relação entre primogênito e caçula, e cabe aqui distinguir, também, senioridade e

primogenitura. Attané (2007) define a senioridade como a relação vertical ligada à anterioridade

geracional da qual a filiação é expressão direta.

A noção de primogenitura define-se no interior de uma mesma geração. É a

preeminência horizontal: o (a) primeiro (a) nascido (a) em relação aos seguintes. Todavia, a

autora cita o conceito de primogenitura aplicado por outros autores (ABÉLÈS; COLLARD,

1985; ATTIAS-DONFUT; ROSENMAYR, 1994; MEILLASSOUX, 1960; 1975) para

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designar a relação que une dois membros de duas gerações, seja de irmãs ou de irmãos de idades

diferentes.

A legitimidade de uso indiferenciado dos termos de senioridade e de primogenitura é

caracterizada pelos sistemas lineares baseados nesse modelo de senioridade, em que a

anterioridade se impõe como princípio de autoridade, que desde a época pré-colonial regeu o

conjunto das relações sociais e políticas (SARDAN, 1994 ; ATTANÉ, 2007).

Nessa relação conflituosa entre gerações, o controle e o modo de distribuição dos bens

asseguram o poder dos primogênitos sociais sobre os mais novos. De fato, a possessão e/ou o

controle dos bens (terra, gado e colheita), por muito tempo, atestou a posição do primogênito,

desde o período colonial. Se for verdade que a idade determina a posição dos indivíduos nas

diferentes famílias, ele constitui, ainda nos dias atuais, um critério de primogenitura social. A

monetização gradual da sociedade desde o período colonial alterou a situação.

Ao considerar a juventude como uma construção social (MAUGER, 2010; MAUGER

e al., 1987; BOURDIEU, 1984), é importante valorizar as transformações atuais nos países

africanos em transição e questionar-se sobre o papel da juventude na configuração pós-

independente. Atualmente, o acesso à instrução escolar, a competência profissional e técnica,

os recursos financeiros e a capacidade de redistribuição dessas últimas determinam o status do

primogênito social.

Attané (2007) salienta a importância do pertencimento e da ampla (re)distribuição de

bens materiais nas cerimônias (com ostentação), como meio essencial para construir e

confirmar a posição de primogenitura social. Destaca também que uma maior participação e

contribuição são exigidas das mulheres. Em seu estudo, a autora analisa as relações intrínsecas

no processo de mudança social presente desde o período colonial. Ademais, revela-nos que há

casos em que os primogênitos dependem financeiramente dos mais novos. Aqui, as relações

entre eles serão diferentes, o que nos leva a concordar com Attané (2011) de que a posição

social e econômica do indivíduo, na atualidade, modifica suas relações na diferenciação entre

gerações.

A posição do indivíduo na sociedade burkinabê depende do grau da sua disposição para

prestar serviço e ser útil ao conjunto da sua comunidade. A família extensa (SAVADOGO,

2009) envolve igualmente amigos e colegas de cada membro da família, e os eventos que

mobilizam o conjunto dessa rede de conhecimento. As contribuições individuais e coletivas

(grupos de afinidades) são dadas ao irmão, ao amigo/colega, como ajuda para arcar às despesas

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do evento. É por meio de tais acontecimentos que se percebe e se atribui qual a importância, o

prestígio e o poder de uma pessoa, família ou comunidade.

Em suas pesquisas, Attané (2011) analisando as relações sociais em Burkina Faso, pelo

conceito de primogenitura social, ressalta a forte circulação monetária nas relações entre

famílias.

Ao caracterizar o processo multidimensional e multidirecional, afirma:

Essa circulação de dinheiro responde às necessidades materiais imediatas:

compra de ingredientes para a refeição cotidiana, pagamento da cantina na

escola para as crianças, pagamento da conta de luz, despesa com gasolina do

caçula ou do "velho" para os passeios. Mas essa circulação monetária

responde também a uma série de obrigações de solidariedade intrafamiliar

determinada pela norma social, que exige o sustento daquele ou daquela que

está com necessidade. A norma social classifica o potencial de cada um em:

aquele que ajuda e aquele que recebe (s/p)24.

Se, ainda, em Burkina Faso, hoje, os primogênitos desfrutam de uma posição

privilegiada, não se trata mais de uma autoridade real sobre os mais novos, ao menos que essa

autoridade seja acompanhada por um conjunto de elementos.

Assim, o nível de escolaridade, o estado civil, o sucesso econômico, a posição de notável

e de líder religioso asseguram a real autoridade, que pode ser reforçada pela importância da

descendência (número de filhos/netos, sexo, estudo, sucesso econômico e social). Em sua

análise, Attané (2011) considera o contexto histórico que conduz a essa configuração. De fato,

devido à colonização, a escolarização, a monetização da economia e o alto custo de vida atual

(alimentação, saúde, escola e transporte) transformaram a organização social. Essa mudança

histórica operada impôs um novo imaginário (GRUZINSKI, 1988) nas relações sociais a

diferentes níveis e, em seguida, na competição pela mobilidade social.

Takeuti (2012), em seu estudo sobre os paradoxos societais da juventude

contemporânea, bem como a abordagem De Gaulejac (2016) em sua obra tratando da trajetória

e mobilidades sociais das pessoas, permite-nos uma melhor compreensão do conflito

psicológico e social que levamos em conta em relação à juventude burkinabê. Para De Gaulejac,

a neurose de classe pode aflorar a partir da vivência de conflitos que emergem da articulação

24 Sem paginação.

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entre as histórias pessoal, familiar e social dos indivíduos. Analisar as articulações desses níveis

de história quer dizer apreender as mediações e contradições sociais pelas quais os indivíduos

passam da história social para a história pessoal, e, por outro lado, como esta última passa a

alimentar a primeira.

De fato, a história individual se encaixa em uma história familiar e, depois, em uma

história social, definindo assim a identidade. Ator e produto da história, ele é acima de tudo um

portador da historicidade através de sua capacidade dialética defronte aos eventos na busca do

ser sujeito.

Seguindo a linha de raciocínio de Takeuti (2012) e de De Gaulejac (2016), podemos

dizer que os jovens do Burkina Faso se veem em tensão diante dos paradoxos familiares,

culturais e sociais. Trata-se, na perspectiva das famílias, de um tipo de enunciado ambivalente:

sejam "ocidentais" como o colonizador, mas sejam igualmente "africanos" respeituosos dos

valores tradicionais e islâmicos que a qualquer custo devem ser preservados.

Eis aí um exemplo típico de violência social que conduz a uma neurose social: como

passar a representar-se socialmente sob o paradigma das sociedades europeias – altamente

competitivas e inseridas na lógica da produtividade neoliberal – e, ao mesmo tempo, como

vivenciar as responsabilidades, enquanto adulto, no seio da família que guarda ainda as

referências tradicionais e religiosas?

Essa problemática perpassa a militância e as lutas políticas e sociais dos burkinabê

(antigamente chamados "voltaícos") desde o período colonial. Cabe apreendermos essa

expressão através da história. Para isso, teremos recurso a três categorias de jovens compondo

a sociedade burkinabê: os estudantes, os ‘’jovens de rua’’ e os do movimento hip-hop.

2.3. Do militantismo estudantil no Burkina Faso

Malgrado os inúmeros desafios de ordem sociocultural e pessoal com os quais se

confrontam os jovens burkinabê, vê-se no curso de acontecimentos políticos na África do Oeste,

a emergência de uma força de mobilização jovem, na sociedade burkinabê a partir da década

de 1950.

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Uma das primeiras categorias de jovens militantes retendo nossa atenção é a juventude

estudantil. Cabe dizer que, após o processo de emancipação progressivo das colônias francesas

após a Segunda Guerra Mundial, nasce em 1950 a Associação de Estudantes Voltaicos na

França (AEVF) seguida da Associação de Escolares Voltaicas (ASV) em 1956. Essas

associações constituíram o núcleo central da União Geral dos Estudantes Voltaicos (UGEV)

criada em 1960, pouco antes da independência do país. Em 1958, contra a maior parte da classe

política em favor da adesão à Comunidade Francesa que propunha a França, os estudantes

voltaicos se opuseram, defendendo uma "luta revolucionária das massas populares africanas".

Depois da independência, julgando as novas elites adquiridas aos interesses da França,

eles se tornam uma importante voz de protesto e de oposição política. Eis uma ilustração de

uma posição tomada pela União Geral dos Estudantes Voltaicos (UGEV) em relação a uma

série de medidas que o primeiro chefe de Estado da Alta Volta, Maurice Yaméogo, tomou entre

1962 e 1964:

Seu governo não respeita os princípios democráticos, princípios pelos quais

deveria ter consideração, mesmo que fosse apenas um desejo de conservação;

deixando de fazê-lo, ele se expõe a não saber qual é o grau de

descontentamento do povo, descontentamento que fará tudo explodir um dia,

surpreendendo mesmo uns (BALIMA, 1969, p. 134-135).

Esse posicionamento vale para a União Geral dos Estudantes Voltaicos (UGEV) a

supressão de sua legalidade administrativa, a partir de abril de 1964. É na clandestinidade que

suas seções da França e do Senegal continuam as ações de protesto, através de publicações

denunciando o Estado voltaico e sua política.

Diante de um Congresso em que a União Geral de Estudantes Voltaicos (UGEV)

organizava, em julho de 1964, a carta do Presidente Maurice Yaméogo dirigida ao Presidente

da AEVF, foi expressivo da luta que opunha as diferentes partes:

Claro, eu esperava o pedido de vocês, já que deveria constituir um dos

primeiros atos de execução da tentativa de conspiração montada pela

Associação de Estudantes Voltaica na França (AEVF), atuando como

escritório da União. Aluno Geral dos Voltaicos (UGEV). [...] Vocês são

apenas garotos para imaginarem poder guardar o segredo de vossa grotesca

mascarada; mas o fato é que constituem uma banda perigosa diante da qual é

indispensável colocar fora de perigo. [...] Como consequência, umas carreiras

universitárias devem ser consideradas desde já concluídas. [...] Como

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pretendem que em Alta Volta reina "a insegurança interna" (apreensões,

regime policial, mutações arbitrárias e ameaças de todos os tipos), vos

prometo que vocês encontrarão tudo isso durante as suas férias. [...] Eu vos

prometo fazer o que for necessário para que haja muitas pessoas nas janelas

quando chegar a hora de corrigi-los. Sim, senhores pequenos pretenciosos,

haverá jornalistas e embaixadores para observá-los menear; pois, confiem em

mim, não é "o sangue dos outros" que correrá.

Imagem 25: Maurice Yaméogo

O fim da Primeira República ocorreu em janeiro de 1966 com a queda de Maurice

Yaméogo e seu Governo, após a ira social e a impopularidade desse último. De fato, por meio

de medidas econômicas restritivas, ele tinha a seu crédito o declínio dos salários dos

funcionários públicos, o rebaixamento do valor das pensões dos ex-combatentes (soldados que

participaram da segunda guerra mundial), as demissões de agentes públicos, o aumento de taxas

e impostos, a redução dos abonos de famílias, a supressão de alocação de carros de função na

administração pública, entre outros.

Além disso, para fortalecer suas relações com a Costa do Marfim, seu segundo

casamento com uma marfinense levou-o a repudiar sua primeira esposa. A reação da população

foi muito forte, o que o tornou ainda mais impopular. Também, ele perdeu o apoio da Igreja

que o protegia porque tinha feito seus primeiros estudos escolares no Seminário (Pequeno

seminário de Pabré) – uma instituição de educação da Igreja Católica.

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O movimento estudantil contribuiu significativamente para a história política da Alto

Volta, hoje Burkina Faso, ao lado de outras vozes. Seu percurso tem sido a expressão dos

diferentes desafios e eventos sociopolíticos (tanto nacional como internacional) ao qual o país

foi confrontado ao longo da história.

Depois de uma intensa fase, de 1978 a 1981, a mobilização dos estudantes voltaicos

marca uma pausa devido aos sucessivos golpes de Estado e à repressão exercida por esses

regimes militares. Com uma grande popularidade no seio da juventude escolarizada, Thomas

Sankara detido pela segunda vez, em 20 e 21 de maio de 1983, foi libertado por manifestações

de rua, com essa juventude à frente.

Durante o período revolucionário, a Associação dos Estudantes Voltaicos de

Ouagadougou (AEVO) que se tornou a Associação Nacional dos Estudantes Burkinabê

(ANEB) entrou em conflito com vários movimentos para o controle da Universidade: o Comitê

de Defesa da Revolução (CDR), a União dos Comunistas Burkinabê (UCB) e a União das Lutas

Comunistas (ULC).

Após o assassinato do presidente Thomas Sankara, em 15 de outubro de 1987, seguido

pela queda do Conselho Nacional da Revolução (CNR), que marcou o advento do regime em

agosto de 1983, uma manifestação dos estudantes sankaristas é reprimida no sangue, em 17 de

maio de 1988. A queda do Conselho Nacional da Revolução (CNR) dá vez ao regime da "Frente

Popular", com a criação, em abril de 1989, da Organização para a Democracia Popular -

Movimento Trabalhista (ODP-MT). Diante das transformações geopolíticas no ano seguinte,

um regime civil foi posto e forçado a aceitar o Programa de Ajustamento Estrutural (PAS)

imposto pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial (BM), o que o

Conselho Nacional da Revolução (CNR) tinha até o momento recusado.

Em 16 de maio de 1990, uma manifestação de estudantes foi violentamente reprimida

pela polícia e pelos comandos da guarda presidencial. Ativistas da Associação Nacional dos

Estudantes Burkinabê (ANEB) são sequestrados e torturados nas dependências da Segurança

Presidencial onde um dos líderes, Dabo Boukary, desaparece para sempre. Mártir da luta

sindical, esse líder constitui hoje ainda o símbolo do engajamento estudantil. Doravante,

menciona-se em todas as plataformas o direito de saber onde está seu corpo.

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Imagem 26: O estudante mártir Dabo Boukary na televisão burkinabê

A Educação foi considerada muito cara pelos "especialistas" do Programa de Ajustamento

Estrutural (PAS). Decidiu-se conceder 500 novas bolsas por ano no valor de 37.500 F CFA

mensal25. Assim, o número de bolsistas, 6.123 no ano letivo de 1991-1992 (aproximadamente

86% do número total de estudantes), cai drasticamente para 3.045 bolsistas em 1995-1996,

(35% do número total de estudantes) (MESSRS 1996, p. 217). No que diz respeito aos

empréstimos concedidos pelo Fundo Nacional para a Educação e a Pesquisa (FONER), de 1.000

em 1993-1994, o número aumenta para 4.925 em 1999-2000.

Ao contrário da posição de seus rivais, a Associação Nacional dos Estudantes Burkinabê

(ANEB) sempre recusou o princípio do empréstimo do Fundo Nacional para a Educação e a

Pesquisa (FONER). Em 1997, uma grande mobilização, levou a uma greve de mais de sete

semanas, durante a qual a ANEB reivindicou a substituição da política de empréstimo por uma

política de concessão de uma ajuda de 160.000 F CFA por ano para todos os estudantes não

bolsistas.

25 Os economistas do Banco Mundial e do FMI consideram o ensino superior como não sendo rentável em termos

de custos-benefícios. Em contrapartida, recomendavam investimentos no ensino Fundamental. Por maiores

informações: Tandika Mkandawire. Running While Others Walk. Knowledge and the Challenge of African

Development. CODESRIA - Africa Development, Vol. XXXVI, No. 2, 2011, pp. 1– 36.; Mahmood Mandani.

Scholars in the Marketplace. The Dilemmas of Neo-liberal Reform at Makerere University, 1989-2005.

CODESRIA, 2007.

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A situação exigiu a intervenção do Mediador do Faso e a greve terminou com um

compromisso que a Associação Nacional dos Estudantes burkinabê (ANEB) dificilmente

aceitou. Depois desse compromisso, os estudantes, culpando-a por ter capitulado, formaram

uma nova organização: a União Nacional dos Estudantes do Faso (UNEF).

Rigorosamente estruturada, a regularidade da Associação Nacional dos Estudantes

Burkinabê (ANEB) em diferentes frentes de reivindicação, assim como a sua experiência

adquirida ao longo dos anos de militância faz dela a organização mais popular dos estudantes.

A União Nacional dos Estudantes do Faso (UNEF) passa a ter mais audiência com os novos

estudantes.

Com a morte do jornalista Norbert Zongo, em 13 de dezembro de 1998, uma

mobilização dos estudantes dois dias após, em 15 de dezembro de 1998, invadiu a sede do

Partido no poder. Essa violenta manifestação leva a uma contestação de massa com o apoio do

Coletivo das Organizações Democráticas de Massa e de Partidos Políticos (CODMPP), que

obriga o poder a criar uma comissão independente de investigação. O relatório desta comissão,

em maio, estabelece que se trata de um atentado e não um acidente de trânsito e que os "sérios

suspeitos" são membros da Guarda Presidencial. No prolongamento desse ciclo de protestos,

inicia-se em 1999-2000 após uma longa greve dos estudantes um novo episódio de

mobilizações contra a política de quotas das bolsas.

A resposta do poder é então inédita. Ela invalida o ano letivo, dissolve as Faculdades e

depois inaugura a "refundação" da Universidade com um novo status. Isso dá origem a um

conflito com o conjunto dos universitários. Após a "refundação", a atualidade sindical estudantil

caracterizou-se pela manutenção de um relativo dinamismo das organizações sindicais nas

diferentes Unidades de Formação e de Pesquisa (UFR). Assim, cada estrutura envolve-se na

realização de assembleias gerais, congressos, conselhos sindicais e seminários de formação de

seus ativistas.

De 2002 a 2007, as tímidas contestações expressam-se através de plataformas

reivindicativas sensivelmente iguais. Em 2007, as greves ocorridas entre fevereiro e maio

levaram a três semanas de parada das atividades acadêmicas. A grande mobilização resultou,

em 16 de maio de 2007, na criação da Universidade Ouaga II, no aumento da taxa da ‘’ajuda’’

de 130.000 francos CFA para 150.000 francos CFA, na revalorização da bolsa (8%), assim

como no aumento do número de bolsas que passam de 500 desde 1992 para 1.000.

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Segundo Bianchini e Korbéogo (2008), as origens sociais dos diferentes grupos de

estudantes não são sem importância no seu envolvimento sindical. A maioria sendo de famílias

modestas e mesmo sem recursos financeiros, o engajamento sindical aparece como conjuração

dessa indigência social. Eles distinguem assim três grupos: os estudantes da diáspora burkinabê,

os estudantes rurais e os estudantes urbanos (oriundos das diferentes cidades do país).

Para os primeiros, a experiência adquirida com as dificuldades de adaptação e dos

diferentes desafios relativos à migração são facilmente reconvertidos na luta sindical a fim de

induzir uma mudança social. Entretanto, no caso específico dos estudantes burkinabê nascidos

na Costa do Marfim, é preciso dizer que, por ser um país cosmopolita e um centro econômico

de grande importância26, ela [a experiência da diáspora burkinabê da Costa do Marfim] dá

origem a um grande dinamismo social, incluindo o sindicalismo escolar e estudantes ao qual

muitos deles participaram antes de vir a Burkina Faso continuar seus estudos (ZONGO, 2003).

Para os estudantes urbanos (oriundo das diferentes cidades do país) por herança, embora

a maioria seja de famílias modestas (funcionários da administração pública), seu pertencimento

a esta realidade e suas redes de solidariedade os subtrai de certa vulnerabilidade. Privilegiados

num tal contexto, notamos que são poucos os que estariam dispostos ao engajamento sindical.

Cabe dizer que o engajamento dos estudantes burkinabê através da história é expressivo

de sua força de mobilização diante da adversidade ao qual o poder os submete. Por essa relação

de poder, esta força se define socialmente e conquista, por esta mesma dinâmica, a legitimidade

do modelo de sociedade que negociam.

2.4. Do militantismo dos jovens de rua

Nessa rubrica, trata-se de outra categoria importante da juventude do Burkina Faso

participando das relações de força existentes na cena política do país. No contexto burkinabê,

‘’jovens de rua’’ refere-se a um conjunto de jovens caracterizados por uma vulnerabilidade

social e econômica e que tiram sustento com trabalhos nas ruas.

26 Na União Monetária da África Ocidental (UEMOA), a Costa do Marfim sozinha representa mais ou menos de

40% de seus recursos.

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Podem ter semelhanças nas condições de vida, no tocante à sua vulnerabilidade social,

dos assim denominados jovens de rua da sociedade brasileira que enfrentam sérias dificuldades

e obstáculos (inclusive, a morte) à participação no mundo do consumo e do trabalho (mesmo

no setor informal); estando a definição de jovens de rua reservada, então, aos jovens infratores

e/ou delinquentes, geralmente desgarrados de suas famílias, sem nenhuma proteção do Estado,

ao contrário destinados a serem homo sacer27 dessa sociedade, expostos a uma vulnerabilidade

psicológica (Takeuti, 2002).

Já, em Burkina Faso, os perfis abrangentes são mais amplos: jovens trabalhadores

precários vendendo e/ou vivendo nas ruas; também fazem parte dessa categoria, mendigos,

delinquentes e marginais. Uma importante distinção que vemos entre esses e os jovens de rua

brasileiros é que estes, geralmente, são alvos da repressão policial (tratados incondicionalmente

como “bandidos, ladrões ou criminosos”), bem como submetidos a uma opressão social (a

processos de estigmatização, de discriminação e de segregação sociais) altamente “mortífera”

conforme retrata Takeuti (2002), em sua obra a respeito dos jovens de rua brasileiros.

Cremos que se, em Burkina Faso, tais violências sociais não deixam de existir, elas não

adquirem a dimensão extrema da morte, como Takeuti elabora no tocante ao Brasil. Em Burkina

Faso, para alguns jovens, trata-se de um ambiente somente de atuação de trabalho; para outros,

significa uma fatalidade pela falta de oportunidade e de suporte sociais que lhes permitam trilhar

por outros caminhos sociais, mais dignos possíveis, em uma sociedade bastante fragilizada

economicamente em face da pilhagem estrangeira à qual ela tem sido submetida, desde o seu

período colonial.

Para Bonneval (2011), os jovens de rua e sua relação com o espaço público urbano de

burkinabê é uma medida significativa das formas de contestação à ordem social estabelecida.

A “economia de calçada” a qual a sua reflexão se refere reúne um conjunto de profissões do

setor informal que constituem fontes de renda de importância variável.

Sem poder distinguir claramente os limites do exercício de suas atividades, elas

compõem-se de mecânica (motocicleta e bicicleta), serviços (restauração, caregar/descargar

mercadorias, limpeza) e comércio de qualquer tipo. Embora sejam precárias e tragam benefícios

27 Homo sacer :"um ser humano que podia ser morto por qualquer um impunemente, mas que não devia ser

sacrificado segundo as normas prescritas pelo rito" [contracapa (AGAMBEN, 2010)], tendo uma "vida nua",

enquanto a grandeza e miséria do ser humano que se encontra praticamente anulada na forma de vida que se

estabeleceu.

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muito baixos, essas atividades e as redes sociais relacionadas constituem a fonte de

sobrevivência desses jovens.

Muitos percursos os levam para a rua. E, embora seja necessário reconhecer que a

independência e um certo espírito de autonomia na realização de si mesmo imprime-se no perfil

dos jovens de rua (MAIGA; WANGRE, 2009), é importante sublinhar as formas de

sociabilidade, bem como as marcas socio-simbólicas que caracterizam a realidade. Em busca

de realização e reconhecimento social, além das estratégias de sobrevivência, esses jovens

aprendem regras e códigos de conduta que são específicos à vida no seio desses grupos, bem

como entre os diferentes grupos em presença na rua.

Os conflitos e as lutas permanentes relacionadas às lógicas de uso e ocupação do espaço

público urbano opõem os jovens de rua às populações urbanas e autoridades públicas.

Expressão da autoridade e do controle do Estado, essa última se atribui a tarefa de lutar contra

"o congestionamento das calçadas" ou contra o comércio informal. É importante mencionar que

uma parte significativa da população, principalmente a juventude, depende disso.

No entanto, apesar da regulamentação formal que a define, a permanência do setor informal

deve ser vista como uma forma de oposição às instituições do Estado. É preciso dizer que esta

atividade percebida pelas autoridades do estado como ilegal, leva seus atores a serem

constantemente rastreados. Isto se justifica pela bela imagem da cidade que as autoridades se

dedicam em sustentar, especialmente durante eventos e demais manifestações internacionais.

De fato, as incursões da polícia nesses períodos levam essa população "indesejável" a

lugares distantes da cidade. No entanto, em previsão de seu retorno [essa população] alguns

dias depois, o que é bastante comum, a Companhia de Segurança Republicana (CRS) os

mantém em suas instalações. Por essa prévia "limpeza", as cidades atenderiam aos critérios de

saneamento, de ordem e de modernização requeridas pelas autoridades nacionais, protegendo

assim os interesses econômicos relacionados à "ajuda ao desenvolvimento".

Pecado da sociedade moderna confessado na praça pública, os jovens da rua tendem a

ser invisibilizados pelas políticas de gestão do espaço público. Todavia, estes últimos, pela sua

resistência, afirmam sua presença; uma presença de atores sociais com uma consciência política

aguçada, capaz de questionar as relações de poder opondo-os às autoridades políticas, do

mesmo modo que ao conjunto da sociedade.

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2.5. Do militantismo do movimento hip-hop

Ainda, mais uma categoria de jovens que devemos levar em conta, no cenário da

juventude e suas atuações políticas. Trata-se daquilo em que a Geração Sankara igualmente se

define: o ativismo dos jovens rappers e os adeptos do hip-hop. A inscrição e a apropriação que

eles fazem do espaço público burkinabê denota uma cidadania que luta contra os males da

sociedade.

Estudos destacam o peso social e político da mensagem expressa pelo movimento hip-

hop (TAKEUTI, 2009a; 2010; ATERIANUS-OWANGA, 2014; AIDARA, 2017). Composto

por uma dimensão musical que é o rap, de uma pictórica - do graff ou o tagg e, em seguida, sua

forma em dança, o smurf ou o breakdance, o rap nasceu em Burkina Faso, em 1988; entretanto,

é bem mais tarde, em 2001, que ele se afirma. Caracteriza-se como uma recomposição cultural,

pois, refletindo uma vontade de conciliação entre alguns referenciais: a cultura burkinabê, uma

arte musical vinda de outro lugar e uma mensagem subversiva (BONNEVAL, 2011).

Por terem habilmente combinado o local com o global e o tradicional com o moderno,

as estrelas do rap burkinabê constituem-se em "figuras de sucesso" tanto para os jovens (público

principal) quanto para as outras faixas etárias da população. O advento do movimento hip-hop

suscitou o rejuvenescimento dos atores da música moderna burkinabê.

A idade média desta nova geração de músicos é de menos de 20 anos (em 2018)28, o que

contrasta com os artistas da geração anterior (KABORET e KABORE, 2004). Vindo, na sua

grande maioria de realidades sociais humildes, esse movimento constitui uma grande fonte para

expressar, para denunciar questões sociais que pesam sobre eles e à sociedade, tanto quanto

sobre seus pares através do mundo. Eis uma das músicas que ilustram isso:

Desenrasque-se, trabalhe, procure obter o que precisa, pois consegue-se na

vida sempre por um intermediário

A vida é como um karitê quase maduro. Se acompanhar o processo

devidamente, poderá alimentar-se disso no futuro

O que você diz/faz pode te tornar escravo da vida. Nunca se torne escravo de

ninguém

28 Nos anos 2000, essa realidade se referia mais especificamente ao conjunto dos participantes do movimento hip-

hop em si. No que diz respeito aos que se destaca enquanto artistas, tinham uma idade maior. Hoje em dia, mesmo

o fato do movimento não ter o mesmo dinamismo, artistas relativamente jovens se destacam.

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Seja forte como a rocha contra a qual, impotente, o vento resigna-se a apenas

levar a folhagem a seus pés.

Filho de família modesta, profundamente devoto, me banhei no Alcorão por

mais de uma década

Naturalmente, seu ensinamento influencia minhas ações e comportamento,

embora que cada vez menos ao meu redor eu o manifesto

Eu poderia ter sido hustaz (erudito, mestre religioso) ou

imã em uma mesquita

Optei para o rap e o hip-hop me embarcou

Sinto muito por todos meus pais indignados

Vocês sabem muito bem que cada homem segue o seu destino

Só vai acontecer o que Deus decidiu

Fiz cem vezes o estado da minha fé e vejo que às vezes está estável outras

vezes aumenta. Mas só o supremo sabe se nele eu tenho fé

Eu acredito no destino, no fim do mundo e no julgamento último

O hip-hop é um aliado, ele não me impede de rezar

O hip-hop é minha profissão e se consigo manejá-lo, pretendo mesmo trocá-

lo por dinheiro

Está mal e sofre!? Então trabalhe - isso poderia te trazer benefício de volta

no futuro

Tem raiva e o ódio te anima!? Então, que não te falte força pois a vida em si

é oportunidade

Desenrasque-se, trabalhe, busca seu caminho pois a vida dá oportunidades

Eu tenho o hip-hop na alma e o purifico no islã

Sim, siga seu caminho - a vida é oportunidade

Eu luto contra todos esses demônios com tudo que tenho como armas

Sim, é através de um intermediário que se consegue a vida.

Canção: Faso Kombat (2012) - Sabaabo29

Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul-Hadi Savadogo

Diante dos desafios do século XXI, Faso Kombat (AFREAKA, [entre 2014 e 2017])30,

nesta canção discute o conflito social que opõe a juventude do movimento hip-hop, vítima do

29 Noção islâmica trauzindo tudo aquilo pelo qual acontece as manifestações/vontades de Deus.

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desemprego e em busca de nova identidade aos país e à sociedade que, diga-se de passagem, vê

esse movimento como um caminho de delinquência, contrário aos valores humanos e sociais

defendidos pelo islã.

Faso Kombat lhes replica dizendo que o rap é uma profissão entre muitos outros e não

é incompatível com a fé. Além disso, a mensagem é voltada também aos jovens em busca de

sentido de vida e que sofrem dos estertores das problemáticas relacionadas à educação, à saúde

e à integração socioprofissional.

Imagem 27: O grupo Faso Kombat

Artistas engajados, Faso Kombat lembra à sociedade que a cidadania a qual reivindicam

o pertencimento não se confina aos limites do Burkina Faso ou da África. E diante da história,

sua responsabilidade é de manter viva a memória e despertar as consciências. Trata-se de gritar

que os mártires caídos ontem, defenderam uma causa, que não deve afundar no esquecimento.

Aqui está a mensagem:

Foram, deixaram este mundo almejando algo

Que a terra vos seja leve

Suas almas estão no céu, mas o que almejam ficou aqui nesta terra

Que a terra vos seja leve

As coisas boas não duram

Os grandes homens também

30 Mencionamos aqui um featuring que o grupo fez com um grupo de rap brasileiro (Z'África Brasil). Acessível

em : https://www.youtube.com/watch?v=tOKp1VnXvyU

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Seja que vêm de Durban ou do Reino Mossi

Isto não é um fato novo

Desde a época do Messia, homens lúcidos demais são alvos – genocídios

O sistema não gosta daqueles que têm um sexto sentido, pois são supostos ter

um terceiro olho

Não faremos o luto daqueles que se atreveram a dizer comprometendo sua

vida

Recusar de mentir ao nome da dignidade da massa

Diante das pressões das ameaças, manter o mesmo discurso

Não corre as ruas, homens desta estatura

Aqueles homens que desafiam tudo sem armas e sem armaduras

Imagina a Turquia sem Ankara

Isso diz bastante não é - penso em Sankara

Os cérebros do continente são vítimas de mascaradas

Vítimas de denunciadores covardes que se mascaram, que rondam

Em todo o país, ainda há possibilidade de vontade

Eles puseram seu tijolo, nos pedindo de nos agarrar nisso firmemente

Aqui no Burkina, já teve pessoas que se ilustraram

Do que colheram, nos pedem de cuidar disso

Por que a Bélgica treme quando ouve falar ‘’Lumumba’’ - selvagemente

eliminado?

O Ocidente caiu se rebaixando, mas Patrice [Lumumba] não te preocupe, a

África não te esquece

Aqueles que morrerem em batalha permanecerão eternos

Independente como o nome de seu jornal, ele queria que nenhum mal seja

feito ao seu povo

Norbert Zongo é para você que minha caneta vibra - partiu violentamente por

querer uma imprensa livre

Que suas almas descansem em paz; que a terra vos seja leve

O que está acontecendo meus? Por que as coisas estão nesse estado?

Ao contrário do que eles queriam - seus algozes, a gente vos imortaliza

Oraremos por vocês nas mesquitas e nas igrejas

Eu continuo minha listagem; Che Guevara, Ghandy, Luther King, em nossas

memórias permanecerão sempre gravados como Mandela, Malcom X ou

Marcus Garvey

Nesse ritmo, o continente só pode afundar

Pois seus ativistas estão todos morrendo

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Canção: Faso Kombat feat Alif Naaba (2009) - Martyrs Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul-Hadi Savadogo

É com grande arte que o grupo de rap, Yeleen, estudioso e cultivado se ilustrou no

espaço público do Burkina Faso, apontando para a responsabilidade dos líderes africanos, bem

como seus pares em outras partes do mundo. E por ter entendido a mensagem de Thomas

Sankara, não tem dificuldade em fazer a ligação entre as diferentes problemáticas aos quais os

povos enfrentam.

Inspirando-se em valores islâmicos, a referência a Deus, à justiça e à sociedade como

um refúgio de paz para seus cidadãos, Yeleen se faz o eco da mensagem da Geração Sankara.

Aqui, a música “Dar Es Salam” ou refúgio de paz (em árabe) é a expressão disso:

Dar es Salaam, Blaise Compaoré

Ao receber minha carta, leia-a bem antes de postá-la

Uns estão tão longe do seu palácio

Que o eco de suas queixas morre em sigilo

Dê ouvido ao povo - eles dizem a verdade

Eles gritam justiça e esperança em uma terra de paz

Mande em seguida esta pomba branca a Laurent Gbagbo

A fim que ela acalma o fogo ardendo o coração de Guillaume Soro

E que ela diga alto a Abdoulaye Wade que o nascer do sol em Casamança

atrasa

Será que poderia também despachar uma cópia

Para a igualdade do Norte ao Sul a Idriss Deby

Que Jacques Chirac confessa isto a Sarkozy:

A verdadeira França são as periferias, os estrangeiros das colônias

Diga a eles, a George Bush e a Tony Blair de regar o Iraque com rosas e eles

terão o fim da guerra

Por que ódio, dor e raiva nos dizimam

Rabin, Arafat, Sharon, Israel e Palestina

Para o homem que eu sou e as palavras escritas

Há apenas Deus nos separando e me ditando

Que a conclusão de tudo está nas suas mãos

Dar-es-Salam, era a porta do destino

Amigavelmente, vossa [Exelência] Blaise Compaoré

Era o estrangeiro vindo de longe para te falar

Esta música não é feita para agradar

Ela é feita para um mundo mais igualitário

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Canção: Yeleen (2006) - Dar Es Salam

Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul-Hadi Savadogo

Movimento de protesto político, o coletivo ''A vassoura cidadã31’’ soube conquistar uma

liderança dentro da Geração Sankara. Criado em 2013, pelo rapper Smockey, o reggaeman

Sams’K Le Jah e o magistrado Guy Hervé Kam, o coletivo visa a luta contra os abusos do

poder. Ele desempenhou um papel decisivo na mobilização que levou à queda do presidente

Blaise Compaoré, que esteve no poder por 27 anos (1987 a 2014).

Com cerca de sessenta clubes na capital e cerca de quarenta outros em todo o país, a ‘’vassoura

cidadã’’ abrange diferentes atores pertencendo a todas as esferas sociais: estudantes,

comerciantes, artistas, músicos, jornalistas, juristas sem esquecer muitos outros cidadãos

marginalizados (CARRETEIRO, 1993)

31 Cabe mencionar aqui referências relativas ao: Coletivo ''A vassoura cidadã. Arquivos Disponíveis em:

Burkina Faso: le Balai citoyen fait le grand ménage. Tous les internets-ARTE. 2016.

https://www.youtube.com/watch?v=3XngUcbDJ_w;

Balai Citoyen - La révolution burkinabé en route. Africalia. 2015.

https://www.youtube.com/watch?v=Rpk_wVGvPio;

Smockey à Nuit Debout s'exprime dans le stand de la commission France –Afrique. sitethomassankaranet.

2016. https://www.youtube.com/watch?v=szNLDN25zco;

Smockey, Porte Parole Mouvement Balai Citoyen de Burkina Faso : L’invité du 20h. Télé Futurs Medias.

2015. https://www.youtube.com/watch?v=B6jWvLlZwCk;

Sams'k le Jah. Une révolution africaine : la chute de Blaise Compaoré. ThinkingAfrica1. 2016.

https://www.youtube.com/watch?v=7GKDEG8i17Y;

Nouveau disque pour le fondateur du "Balai Citoyen". TV5MONDE, 2015.

https://www.youtube.com/watch?v=pUHPhbwuQLY;

Burkina Faso: La rue fait plier le régime de Blaise Compaoré. TV5MONDE. 2014.

https://www.youtube.com/watch?v=jZ3YqLFTfZU;

Au Burkina Faso, le changement est en marche! Droit Libre TV. 2014.

https://www.youtube.com/watch?v=DSSrxe5mkEI;

Africolor, festival musical, social et militant. FRANCE 24. 2016.

https://www.youtube.com/watch?v=L5-wRqHnUxc. Acesso em: 20 jun. 2018.

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Imagem 28: O coletivo A vassoura cidadã

Caracterizado pelo questionamento das regras sociais vigentes, o anticonformismo da

juventude visa questionar as instituições sociais a fim de se afirmar melhor. Nisso, a inovação

que ela demonstra ocupa um lugar importante. A respeito da juventude burkinabê, Bonneval

(2011) sublinha que, apesar de sua posição desfavorável nas hierarquias do poder, ela

desempenha um papel importante nos processos de mudança sociopolítica, em Burkina Faso.

Pelas múltiplas estratégias de inscrição no espaço público que os jovens desenvolvem,

eles constituem-se em um instrumento relevante das diferentes modalidades de contestação da

ordem social e política. À luz de seu estudo, Bonneval (2011), recentemente concluído, nós

pudemos ver o alcance do engajamento político do conjunto da juventude burkinabê, da

Geração Sankara (FRANCE 24, 2015).

Após termos nos debruçado sobre a historicidade das lutas sociopolíticas lideradas pela

juventude burkinabê, deve-se lembrar que o nosso interesse recai sobre a juventude muçulmana.

No entanto, antes de chegar a ela, parece importante concentrar-se primeiro na dinâmica do islã

na sub-região Oeste africana.

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CAPÍTULO 3: ISLÃ E SOCIEDADE EM ÁFRICA DO OESTE

Neste capítulo, trata-se da adoção-apropriação progressiva do islã pelas diferentes

sociedades africanas que se deu, principalmente, como resposta às necessidades tanto

econômicas quanto existencial. Igualmente, discutiremos sobre a participação dessa religião,

que vem permitir novas (re)configurações sociais.

3.1. As dinâmicas do conhecimento

O islã tem sido gradualmente adotado pelas diferentes sociedades africanas. Embora

fosse verdade que essa adoção foi inicialmente sustentada pela violência, deve-se dizer que seus

aportes de diferentes conhecimentos (antropologia-sociologia, história-geografia, filosofia-

teologia e medicina, entre outros) contribuíram para uma mudança social de suma importância

na sub-região.

Segundo Triaud e Kane (1998), o islã subsaariano estende-se nesta parte do continente

em territórios abrangendo o Oeste do continente, se prolongando no Sul ao longo do Oceano

Índico ao Trópico de Capricórnio. Implantou-se no ponto de chegada das caravanas e dos navios

comerciantes e marinheiros muçulmanos.

A sua lenta difusão a partir desses pontos se fez através de comerciantes ousados,

preocupados com seus negócios (ouro, marfim, madeira preciosa, escravos e sal), bem como

com o seu prestígio. Por ter permanecido, por muito tempo, em posição minoritária diante de

autoridades não-muçulmanas ou superficialmente islamizadas, os muçulmanos têm sido

induzidos a uma maior tolerância em face de outras práticas religiosas. Cercado do prestígio da

escrita transmitida ao longo dos séculos por suas elites, o islã foi também uma transmissão oral

da cultura na sombra das autoridades locais.

Considerando a diferença nos modos de recepção do islã na África subsaariana, o autor

distingue três conjuntos principais de modelo, que vão da África do Oeste, ao Senegal e o

Chade. Para ele, a região se caracteriza por uma velha frente de islamização descendo

progressivamente em direção à costa do golfo da Guiné.

Sempre em movimento, é uma das poucas regiões em que o islã teve novos adeptos.

Entretanto, sua islamização sem a arabização tem sido lenta, mas constante. As diferentes

línguas locais se tornaram assim línguas do islã. São principalmente o fulfuldé, o Wolof, o

malinké-jula, o Songhai e o Hausa (TRIAUD; KANE, 1998).

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Ousmane Kane situa, mais especificamente, o contato da região Oeste Africano com o

islã no século IX. No entanto, foi no século XI que a região se islamiza, através de intercâmbios

entre os comerciantes da África do Norte e os saarianos (KANE, 2003).

Como figura importante do islã na África Ocidental, notamos os Almorávidas (Berberes

da atual Mauritânia). Reinaram durante um século (meado do século XI ao meado do século

XII) em um vasto Império do qual muitas dinastias relacionam as suas genealogias. De fato,

muitas elites interessadas no controle do comércio transsaariano se alternaram no poder

(Impérios do Gana, do Mali, do Songhai, do Kanem e do Bornu).

De acordo com Aboubacar Adamou (2005), houve uma assimilação gradual do islã na

África Ocidental, entre os anos 1250 e 1550. Os Mansa (imperadores) Moussa e Souleymane

do Império do Mali, os Ásquia, Mohamed e Daoud contribuíram significativamente na difusão

do islã. Paulo de Moraes Farias (2004) ressalta que essa difusão se fez tanto pela oralidade

quanto pela escrita (folhetos e livros). No século XIV, uma intelligentsia se destacou das

famílias comerciantes para se especializar em estudos teológicos e literários. Nessa época, as

cidades de Djenne e Timbuktu, em Mali, constituíam-se em espaços privilegiados do

conhecimento; com Timbuktu como um modelo por excelência de transmissão de um

conhecimento organizado e estruturado (TRIAUD; KANE, 1998).

A tradição de erudição na região é atribuída a cinco grupos específicos: os Berberes

Sanhaja, os Dyula Wangara, os Ineslemen Zawaywa, os Halpulaar e os Shurafa (KANE, 2003).

Esses grupos marcaram significativamente a tradição intelectual árabe-islâmica. Além dos

Zawaywa para o qual o essencial da produção é em árabe, os dois quartos são em acjami.

Discutindo a relação entre língua e ciência, Kane (2003) chama a atenção sobre o fato que, antes

de 1500, a Europa Ocidental produzia 77% de seus livros em latim, antes de produzir em línguas

vernaculares, 150 a 200 milhões de livros, entre 1500 e 1600, consagrando assim essas últimas

em línguas de erudição. Ao exemplo das línguas vernaculares europeias que se tornaram línguas

científicas, o acjami se impõe como tal em toda a África subsaariana notadamente entre os

séculos XVIII e XIX. A literatura acjami nasceu da apropriação dos carácteres da escrita árabe

utilizada pelas elites intelectuais islamizadas da África Ocidental para transcrever línguas

locais: Wolof, Hausa, Pulaar, Malinké, Songhai, suaíli. Assim, além do uso do acjami como

língua de correspondência, encontramos uma rica produção acadêmica nessa língua: literatura,

política, cultura, teologia etc (KANE, 2003). Enquanto língua erudita escrita, o acjami e o árabe

menos usados, eram circunscritas na rede minoritária de elites locais. No entanto, em um

segundo nível, grande parte da vida intelectual foi oral.

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O islã contribuiu de forma notória para irradiar o saber e a cultura intelectual no Oeste

da África. As universidades e as inúmeras escolas corânicas, os centros de formação e de

produção intelectual, moral e espiritual, representavam os aspectos formais, enquanto os

marabus, chefes comunitários e membros de grandes redes comerciais e políticas, eram os

depositários do saber, facilitando, assim, a inserção social e econômica de seus alunos.

A promoção da vida intelectual na região Oeste-africana dá-se através da circulação de

informação (correspondência, obras de todos os tipos) e de conhecimento. Entre esses,

destacam-se alunos e estudantes que se deslocam para estudar e aprofundar o conhecimento.

Ademais, há os eruditos que pesquisam para compartilhar experiências, sob o interesse dos

chefes tradicionais locais ou, mais tarde, sob o poder colonial. Essa realidade alimentava um

importante circuito econômico e animava uma via sociopolítica que oferecia poder e prestígio

social. Ainda hoje, em modalidades diferentes, essa realidade existe e motiva novas gerações.

A partir de 1950, à imagem do ensino baseado no modelo europeu, nascem os madâri,

um novo tipo de escola islâmica. Mais moderna, ela tem desde o seu início duas orientações:

uma pelo qual além do árabe e do islã, estudam-se disciplinas científicas, a partir de uma língua

europeia. Conservadora, a segunda se refere ao mundo árabe com o árabe como língua exclusiva

de ensino (FADIGA, 1988; GANDOLFI, 2003).

Segundo Cissé (1998), a primeira madraça32 burkinabê data de 1955-1956. A segunda,

criada um ano mais tarde - como a primeira, no Oeste do país - em Bobo Dioulasso, na fronteira

com o Mali. Elas definiriam um processo de reforma de antiga herança do ensino nas chamadas

corânicas ou escolas de marabus. De fato, Mahamoud Sanogo, seu fundador, teria recebido de

seu pai a responsabilidade de continuar o ensino de seus alunos. Após realizar seus estudos ao

lado do pai, entre 1934 e 1947, decidiu migrar para Diouma (Timbuctu), depois para a Barweli

(Segou), ambas as cidades situadas no atual Mali. O autor nos revela que consecutivamente à

abertura do país ao mundo árabe, surgiu nos anos de 1967 a primeira geração de bolsistas do

sistema de madraça. Entre os anos 1977 e 1980, as madâri privadas multiplicaram-se, dando

32 A madraça (plural: madâri) originalmente designa a escola, seja ela secular ou religiosa. Trata-se uma instituição

em que as várias disciplinas - literárias, sociais, científicas e religiosas – são realizadas em árabe. Nelas, privilegia-

se o estudo do Alcorão, da sua Interpretação (Tafsir), assim como do Direito e da Judisprudência islâmica (Figh).

A necessidade de se comunicar em francês, e o prestígio dessa língua levou à introdução de programas com ensino

em árabe e em francês. No entanto, o árabe guarda grande apreço na sociedade por seu caráter religioso e de língua

sagrada.

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um novo dinamismo ao conteúdo de ensino através da adaptação ao modelo árabe a fim de

facilitar a integração dos futuros bolsistas com aquele sistema de ensino.

Ora, o Burkina Faso atual possui uma população de 19.729.900 habitantes, dos quais

mais da metade (60,5%) muçulmanos. A juventude (15 a 39 anos) representa mais de 31% da

população. Em razão de fatores religiosos, políticos e socioeconômicos, as instituições franco-

árabes de ensino fundamental e médio se tornaram responsáveis por uma parcela importante da

população.

Considerando o nível dos docentes dos madâri e o dos alunos, trabalhos tais como de

Sanogo (2005, p.149) destacam o baixo nível de oferta educacional desses estabelecimentos:

A análise do perfil dos docentes dessas escolas informa sobre seu

domínio da língua árabe. De fato, 19% dos docentes que participaram

da pesquisa confessaram que não falam árabe. Neste grupo

encontramos tanto docentes de escolas “francês-árabe” quanto os de

escolas corânicas. [...]. Essa situação é ainda mais surpreendente que

46% dos docentes afirmam usar só o árabe como única língua de ensino

em suas escolas.

Entretanto, são estes estabelecimentos de ensino que possibilitam aos jovens

concorrerem a bolsas para estudarem em Universidades, nos países do “mundo árabe”,

principalmente no Egito, na Líbia, na Síria e na Arábia Saudita.

Sophie Bava (2009, 2011), que analisa os itinerários de estudo e as aspirações sociais

dos estudantes de países da África subsaariana, assim como as condições de vida nos países de

acolhimento, particularmente na Argélia e no Egito, chama a atenção sobre a problemática

desses estudantes nos processos de compatibilização dos sistemas de ensino, de validação dos

estudos precedentes. Avaliando os seus níveis de baixa formação, são inicialmente alocados em

períodos acadêmicos inferiores. Durante sua estada no país de acolhimento - frequentemente

longa -, eles aprofundam seus conhecimentos da língua árabe e da cultura local, além daqueles

próprios aos diferentes campos disciplinares específicos (GANDOLFI, 2003).

Para melhorar suas condições de estadia e de estudo, muitos alunos lecionam no país de

acolhimento aulas particulares de árabe. Posteriormente, essas condições se revelam

avantajados para eles, pois, de volta ao Burkina Faso, possuem uma vantagem sobre os

professores “locais” devido à ampliação de horizontes e de conhecimentos (TRIAUD, 1995).

Os jovens diplomados que estudaram fora do país são recrutados para lecionar nas

instituições de ensino superior e contribuem assim à realização de um dos objetivos explicitados

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pela Organização Islâmica para a Educação, as Ciências e a Cultura (ISESCO), ao enfatizar que

se necessita de programas de preparação de docentes para minimizar os diferentes problemas

do ensino em todos os níveis e em todo o território nacional.

Em Burkina Faso, há três estabelecimentos superiores islâmicos que se estabelecem e

se consolidam no século XXI. Dois deles estão localizados em Ouagadougou (a capital política)

e outro em Bobo Dioulasso (a capital econômica). Trata-se, respectivamente, do Centro

Universitário Polivalente (CUP), da Faculdade Al-Aliman Ibn Baz para Educação e Ciência, da

Faculdade Imar Al-Fourkane para Educação e Estudos Islâmicos.

O Centro Universitário Polivalente - CUP, situado em Ouagadougou existe

oficialmente desde 13 de dezembro de 2004. Ele possui duas unidades33: a faculdade de

Ciências da Educação com departamentos de Estudos Islâmicos e de Língua e Literatura Árabe

e a faculdade Politécnica com cursos de Finanças-Contabilidade e Engenharia da Computação.

Desde sua inauguração até o ano acadêmico de 2009-2010, o CUP34 contava efetivamente com

154 (cento e cinquenta e quatro) estudantes.

A Faculdade Al Aliman Ibn Baz de Educação e Ciências (FIBES), também em

Ouagadougou, foi inaugurada em 3 de outubro de 2006, oferecendo cursos de Informática e de

Ciências Islâmicas. Atualmente, ela possui cerca de 153 (cento e cinquenta e três) estudantes.

O instituto Imar/Al Fourkane de Educação e de Estudos islâmicos35 é reconhecido oficialmente

desde 06 de setembro de 2010; ele possui apenas o departamento de Estudos Islâmicos e

Pedagógicos com uma centena de estudantes.

No CUP e na FIBES, e em certa medida no instituto Imar/Al Fourkane, há por volta de

duzentos estudantes de outras nacionalidades (burkinabê, malinesa e nigeriana). Cabe ressaltar

que três quartos dos professores destes estabelecimentos são burkinabê, que cursaram o estudo

33 Trata-se aqui de unidades de ensino. Hoje, o estabelecimento funciona apenas com duas unidades. Entretanto,

desde sua inauguração, obteve do MESSRS a autorização para o ensino de Línguas – árabe, francês e inglês –, de

Gestão de TI, de Administração, de Ciências administrativas e de Ciências islâmicas. O Centro Universitário

Polivalente – C.U.P – é o único estabelecimento de ensino superior islâmico, cuja formação em Estudos islâmicos

e em Língua e Literatura Árabe é reconhecida.

34 Os estudantes da Faculdade de Ciências da Educação, diferentemente da Faculdade Politécnica, são todos

muçulmanos.

35 Atualmente, na FIBES, há apenas estas unidades. Desde sua inauguração, porém, obteve do MESSRS a

autorização de ensino nas seguintes unidades: Finanças e Contabilidade, Gestão comercial, Gestão de TI, Negócios

e Seguro, e Ciências islâmicas.

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superior em países de língua árabe, principalmente no Egito, na Arábia Saudita, na Líbia e na

Síria.

Essa realidade ancora-se na história das dinâmicas das trocas entre a África do Norte e a

Subsaariana. Nesse sentido, cabe-nos interrogar sobre o seu conteúdo.

3.2. Migração e intelectualidade dos muçulmanos arabófonos no contexto burkinabê

Os contatos entre as duas margens do Saara, entre as populações do Norte da África e

as da África Subsaariana são seculares. Datando do período romano, segundo Grégoire e

Schmitz (2000), elas foram inicialmente, de natureza militar, entretanto, foram transformando-

se em formas diferenciadas de trocas, notadamente comerciais.

Blin (1988, 1990) ressalta igualmente a importância das relações entre a África

subsaariana e os países de língua árabe ao longo dos últimos séculos. Estas relações

intensificaram-se a partir dos anos 1950 com os processos de descolonização, a formação dos

Estados pós-coloniais e, igualmente, com o desenvolvimento das novas tecnologias e novas

formas de mobilidade de pessoas entre estas regiões.

Para Sow (2006), a face atual da África constituiu-se em meio aos diversos movimentos

migratórios, caracterizando-se por uma redistribuição constante de seus povos com criação e

recriação de suas fronteiras políticas, econômicas e culturais.

Na contemporaneidade, a competição socioprofissional participa na transformação e na

intensificação da formação e do saber. Essa dinâmica é um elemento de motivação essencial

nos processos e dinâmicas migratórias dentro e fora do continente africano. A juventude

muçulmana burkinabê não se encontra à margem dessa realidade que tem gerado experiências

novas e prolongadas em ambientes culturais distantes e diversificados.

O acesso à escola, ou seja, àquilo que é considerado, na sociedade burkinabê, a primeira e mais

importante instituição à qual se delega a educação formal e a aquisição de competências tanto

profissionais como acadêmicas se constitui em um espaço social em que se depositam

esperanças e pesados investimentos de longo prazo para viabilizar uma mobilidade social

ascendente. Nela, a complexidade e o desafio da questão da língua destacam-se, impondo

reflexões e evidenciando um campo de disputas no interior da sociedade. De um lado, as

instituições nacionais e o projeto de Estado-Nação erguido sobre o molde francês e, de outro, a

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sociedade que desenvolvera, desde o século XV, um espaço cultural e religioso de matriz

muçulmana.

No Burkina Faso, a migração estudantil muçulmana evidencia os vínculos entre o

interesse diante de destinos preferenciais por parte da população local às oportunidades

derivadas das iniciativas originadas em países como Egito, Líbia, Síria e Arábia Saudita que

desenvolveram políticas específicas com oferta de bolsas de estudos. Vale salientar que dentre

as diversas motivações da mobilidade de jovens, o conhecimento religioso e o investimento

intelectual ocupam um lugar relevante. O princípio islâmico que afirma que se deve conhecer

Deus antes de adorá-lo confirma isso. Igualmente, como propedêutica da fé, é conhecido que a

adoração do sábio é melhor à do inculto.

Tais exortações à cultura do conhecimento são fundamentais para compreender o valor

social e cultural atribuído à formação erudita. Essa realidade dá à migração estudantil, para

países árabes, uma dimensão relevante dentro da mundialização estudantil e das novas formas

de cidadania cultural (MAZZELLA, 2009; BAVA, 2009; NYAMBA, 2008; OTAYEK, 1993;

LEBLANC e GOMEZ-PEREZ, 2007).

Kane (2003) destaca a existência na África de múltiplas e diferentes epistemologias não

eurofones, cujos saberes caracterizam-se e se estruturam pelo conjunto de crenças e práticas

islâmicas (saberes esotéricos e exotéricos; práticas religiosas – orações, jejum, proselitismo,

peregrinação sobre os túmulos de santos etc.). Denuncia leituras de forte inclinação eurocêntrica

que intelectuais, inclusive os africanos formados em escolas ocidentais, fazem do saber na

África e sobre a África.

Em suas análises, Ramadan (2003) chama atenção sobre uma dimensão da identidade

muçulmana que se constrói por essa epistemologia não eurofone. Trata de apropriar-se primeiro

da concepção da vida fundada na fé, na espiritualidade com uma compreensão fundamental das

prescrições morais. Em seguida, trata de expressá-la, de aplicá-la na prática cultural e na

vivência cotidiana.

A espiritualidade islâmica é a maneira pela qual o fiel mantém e vivifica sua fé, se educa

e educa. É a memória, a lembrança (dhikr) e o esforço íntimo que permite lutar contra a

tendência humana e natural de esquecer Deus, o sentido da vida e a vida após da morte. Baseia-

se na fé, o elemento mais importante da identidade muçulmana e símbolo íntimo da crença em

um Deus único, onipotente e onisciente sem nada O associar (RAMADAN, 2003). O autor

acrescenta que a segunda identidade muçulmana tem por base uma inteligência ativa e dinâmica

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que requer conhecimento e compreensão das fontes islâmicas (o Al Corão e a Sunna). Por outro

lado, é também uma questão de atitude intelectual diante do contexto de vida visando escolher

livremente entre o bem e o mal querendo assumir a sua responsabilidade perante o Criador.

A transmissão é assim um conceito fundamental no islã, pois está conectada aos esforços

de aprendizado e estudo. A fé (imân) é um reservatório (amaná) que deve ser transmitido ao

próximo. De fato, desde os primeiros meses da revelação da mensagem do islã, foi ordenado ao

Profeta: “E adverti ao pessoal mais próximo” (CORAN, 2007: Sura 26, versículo 214). Trata-

se em seguida de testemunhar perante a humanidade. É o que fez o Profeta, desde a Revelação,

e na hora de morrer, em seu último sermão36, ele diz:

Ô Povo, escuta-me com atenção, [...] e leva esta mensagem àqueles que não

podem estar presentes aqui hoje. [...] Que todos aqueles que me escutam,

transmitam esta mensagem aos outros, e estes a outros ainda, e que os últimos

possam compreendê-la melhor de que aqueles que me escutam diretamente.

Sê testemunha Ô Deus, que eu transmiti Tua mensagem a Teu Povo.

Numerosos são os versículos que encorajam a busca e a transmissão do conhecimento,

não apenas religioso, mas também cultural, político, social e científico. Assim, transmitir

constitui dever e direito de todos.

O islã na África subsaariana é caracterizado pelo dinamismo. Essa “reislamização” leva

à reformulação e ao esclarecimento da identidade muçulmana, que durante muito tempo foi

considerada como herança cultural e por conta disso é definida como natural (SAINT-LARY,

2011).

No entanto, a autora chama atenção sobre o fato de que esse renascimento da

religiosidade islâmica se inscreve na continuação de um fato que na verdade nunca se

interrompeu, desde o último século. Ao analisar a questão da reislamização da paisagem

sociopolítica burkinabê, a autora afirma que é necessário distinguir duas características

inovadoras:

Primeiramente, trata-se de uma reação a um contexto particular, o de uma

desregularização importante do Estado, conduzindo os poderes públicos a

36 Sermão feito no nono dia do mês de Zoul Houja (décimo segundo mês do calendário lunar), no ano 10 de Hégire,

em 632 d. J.C., no Vale Uranah do Monte Arafat, na Arábia Saudita. O sermão integral está disponível em:

http://islamfrance.free.fr/doc/sunnah/sermon.html

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gerar com cada vez mais dificuldades as necessidades comuns. Os atores

religiosos se colocam assim como paliativos dos problemas dos Estados

africanos: visam essencialmente às funções sociais (saúde, educação,

assistência de urgência, etc.) e raramente às funções próprias ao Estado. A

segunda constatação provém do que aconteceu por trás: os movimentos

religiosos (no caso islâmico) contemporâneos, cada vez mais presentes no

espaço público, têm em sua essência em si uma relação à política que tem que

se levar em consideração. (SAINT-LARY, 2011, s/p37).

Em função da nova efervescência islâmica ocorrendo, atualmente, em Burkina Faso, um

grande número de muçulmanos se questiona sobre a fé de si. Daí, nasce a necessidade de

revitalizá-la, (re)aprendendo o islã através do Al Corão e da tradição profética e vivenciando o

cotidiano como um “bom muçulmano”.

Nesse contexto de expressão coletiva de necessidade de aprendizagem, os diplomados

em Institutos e Universidades de países de língua árabe constituem um grupo respeitado pela

erudição, ao mesmo tempo que são temidos por serem portadores potenciais de novas ideias.

Há, ainda, a apreensão gerada pelo risco de certa desestabilização de estruturas de poder em um

ethos em que a erudição é forma canônica de poder (OTAYEK, 1993, 1996; OUEDRAOGO,

2000).

No caso do Burkina Faso, as Organizações Não-Governamentais (ONGs) estrangeiras

e pessoas físicas de grande notoriedade (SAINT-LARY, 2011), investem significativamente na

causa islâmica, contribuindo para o reconhecimento e a valorização dos intelectuais diplomados

em língua árabe quando retornam da sua migração de estudo.

Mas apesar desses investimentos e da intensificação das relações com o mundo árabe-

muçulmano, nota-se que diante do mercado de trabalho bastante competitivo, os jovens

burkinabê recém-formados em língua árabe têm dificuldades, ao retornar dos estudos (CISSÉ,

2007; 1989).

Desse modo, diante da adversidade desse retorno, vemos a emergência de um percurso

construído a partir de uma consciência de cidadania e formas de organização coletiva. Assim,

é possível pensar que desenvolvem uma identidade de resistência e mesmo uma identidade de

projeto que os consagra sujeitos. Isto é, definir um sujeito pelo seu desejo de ser um indivíduo,

de criar uma história pessoal, atribuindo significado a todo o conjunto de experiências da vida

37 Sem paginação

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individual. Para tanto, a transformação de indivíduos em sujeitos resulta da combinação

necessária de duas afirmações: a dos indivíduos contra as comunidades, e a dos indivíduos

contra o mercado (CASTELLS, 2002)

A cultura - incluindo a dimensão e linguagens da religiosidade - constrói na experiência

social mais do que uma dimensão de direitos. Ela pode se configurar como mediação e

possibilidade de fortalecimento da pessoa, das identidades coletivas assim como das redes de

interdependência (BARROS; GALVANI, 2013, s/p).

Ora, se nos parece pertinente assumir a juventude muçulmana burkinabê – ainda que ela

tenha importantes diferenciações internas - como grupo social exposto diretamente à

precarização do trabalho, à vulnerabilidade relacional, bem como suscetível à marginalização

e à ruptura das redes sociais, esse caráter de mediação da cultura torna-se importante. É uma

juventude que precisa fazer face à ameaça da exclusão e ao déficit de integração vinculado à

degradação do mundo do trabalho e suas consequências na qualidade e possibilidades de vida

(BARROS; GHIRARDI; LOPES; 2002).

É nesse sentido que a cultura e as redes de religiosidade constituem-se em campos e

estratégia de participação social para uma parcela considerável da população jovem burkinabê.

Assim, a militância política, no bojo da religiosidade islâmica apresenta-se como uma

oportunidade, para esses jovens, para se alcançar novos lugares sociais e espaços de poder, além

de possibilidades de se denunciar violações ou de se reivindicar garantia de direitos ao Estado.

As associações e mobilizações de grupos, ao criar campos de reconhecimento mútuo, parece

lhe trazer uma dimensão identitária forte dentro de um tipo particular de dinâmica social em

um espaço instituído, em ponto de referência de uma rede de relações independentemente dos

limites territoriais.

Nos seus estudos, Barros e Galvani (2013) exploram a noção de ‘’pedaço’’ de Magnani

(2002). O ‘’pedaço’’ é caracterizado por relações de sentido entretidas pelos membros de um

grupo social específico através de símbolos e códigos comuns. De modo semelhante, os espaços

associativos (formais ou espontâneos) geram possibilidades de trabalho; mas podem ir além,

criando espaços - como o pedaço descrito por Magnani - gerados por meio de práticas de

sociabilidades que reforçam ou conferem significados a laços interpessoais e a espaços comuns,

sobretudo urbanos. No que diz respeito aos jovens diplomados em língua árabe, o pedaço

constitui um pilar e uma chave para inserção socioprofissional.

Como discutido, há uma pluralidade de culturas e comunidades coexistindo. Suas

diferenças podem, segundo o contexto sociopolítico e histórico, transformarem-se em objeto de

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valorização ou de desqualificação de uma parte ou do conjunto da sociedade. O conflito social

que resulta disso leva a parte que tende a ser marginalizada a pensar em estratégias de

resistência e de (re)afirmação identitária.

Essas identidades de resistência podem assumir a forma, como sugere Castells (2002),

de identidade de projetos em que os atores são capazes de redefinir sua posição na sociedade,

favorecendo a transformação da própria organização social (BARROS; GALVANI, 2013).

Engajada em tal meta, a juventude muçulmana burkinabê procura estratégias para reforçar o

pertencimento e sua identidade coletiva. É em tal contexto que evoluem os jovens diplomados

em países de língua árabe (em África ou no Oriente Médio) se comprometem com a luta

política, ou seja, o dever de reivindicar mais atenção do Estado em nome de sua cidadania.

Determinando a ação e a participação social de acordo com uma perspectiva islâmica,

Ramadan (2007, p.144) destaca quatro aspectos maiores que são inerentes à vida humana:

Desenvolver e proteger a vida espiritual na sociedade; difundir tanto a

educação religiosa quanto a secular entre as pessoas; agir para que haja mais

justiça em cada esfera da vida social, econômica e política e, enfim, promover

a solidariedade entre todas as categorias de necessitados que são objeto de

esquecimento ou de negligência.

Para o autor, esses pontos associados às duas dimensões do ser ativo (enquanto

indivíduo) e do ser participativo (ou ser social) respondem à dimensão fundamental da presença

muçulmana sobre na Terra: Estar com Deus é estar com os outros seres humanos, não apenas

com os muçulmanos, mas, como disse o profeta, com "as pessoas" quer dizer com a humanidade

inteira (RAMADAN, 2007, p.145).

Hoje em dia, os discursos para a igualdade de direitos políticos, civis e sociais da

juventude muçulmana burkinabê traduzem suas reivindicações por uma política de Estado

cidadão que reconheça seus direitos e coíba suas violações. Ainda que o contexto burkinabê

seja diferente do europeu, partilhamos da visão de Pedziwiatr (2011) quando define o conceito

de "civismo muçulmano", salientando o fato de que a mobilização islâmica contemporânea é

uma passagem da identidade muçulmana à cidadania muçulmana, caracterizada por uma

consciência que faz um forte apelo aos discursos nacionais e promove a identificação aos outros

compatriotas componentes da identidade nacional.

A consciência de si de cada sujeito para Supiot (2004), passa primeiramente pela

alteridade que envia ao sujeito a sua própria imagem, conferindo-lhe seu estatuto e sua condição

humana. O autor representa a sociedade como um conjunto de partículas elementares

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impulsionados pelo cálculo das suas funções individuais, em que cada um se comporta como

autossuficiente enquanto, sempre, ele precisa de alguém, do outro. Assim, a relação do gênero

humano com a alteridade é consubstancial à vida social, pois a partir dela nascem as interações

entre indivíduos, fundando assim as sociedades (BOUVIER, 2005). E se for verdade que

“antropos” e “humanitas” (NISHITANI, 2004) são apenas um e que este é por essência e

excelência um ser social, parece-nos que seu florescimento, sua plena realização passa tanto

pela alteridade quanto pela qualidade do laço que lhe é concedido.

Falar de cidadania refere-se à relação existente entre os membros de uma sociedade e o

Estado a quem é delegado a responsabilidade de gestão-organização dessa sociedade. O que

reter dessa relação entre os muçulmanos do Burkina Faso e o Estado burkinabê?

3.3. Os muçulmanos e o Estado burkinabê

Exploraremos nesta rubrica, a complexa configuração do islã e de suas entidades

políticas, em Burkina Faso, assim como a relação que ele mantém com o Estado. De acordo

com os trabalhos de René Otayek (1996), foi a partir de 1970 que a dominação política do islã,

que antes limitava o acesso dos muçulmanos ao aparelho administrativo do Estado (serviço

público), foi contrabalançada.

De fato, pela sua política de valorização das competências e instituições do país,

“voltaïzação”38, o presidente Lamizana - 1966-1980 - favoreceu a formação de empresários

muçulmanos através de outorgas preferenciais e demais facilidades de acesso ao crédito e

contratos públicos. Essa conjuntura permitiu aos muçulmanos se inserir, inclusive, de modo

privilegiado nas redes clientelistas permitindo-os maximizar a acumulação de riquezas

reforçando ao mesmo tempo a sua autoridade social à sombra do Estado. Isso deu voz a uma

geração de empresários muçulmanos que se tornaram grandes empresários indispensáveis ao

Estado, os quais conseguiram assim vantagens na negociação de sua subordinação ao poder

político.

38 Tornar ‘’voltaíco’’. Referindo-se à Alta Volta, antigo nome do Burkina Faso.

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O estreitamento das relações entre o Burkina Faso e o mundo “árabe-muçulmano”, bem

como dos investimentos que fizeram em nome da solidariedade religiosa reestruturou o islã

burkinabê. No mesmo contexto, com a adesão do país à Organização da Conferência Islâmica

em 1974, a comunidade muçulmana se tornou politicamente mais forte. Assim, as diferentes

representações da comunidade foram integradas aos projetos de desenvolvimento do Estado.

A partir dos trabalhos de René Otayek (1996) sobre o islã no espaço Burkinabê, é

possível distinguir com cuidado três entidades: uma primeira tradicionalista que, de acordo com

as configurações socioculturais regionais, é relacionada aos valores culturais tradicionais. Ela

é representada pela associação “Comunidade muçulmana do Burkina Faso – CMB”.

A segunda entidade se destaca através do movimento “sunita”. E, pela educação secular,

a terceira entidade se identifica com a cultura Ocidental. Seus partidários encontram-se nas duas

associações que são: a Associação dos Alunos e Estudantes de Burkina (AEEMB) e o Centro

de Estudos de Pesquisa e Formação Islâmica (CERFI). Presente e atuando no espaço público e

na administração do país em modalidades diferentes, notamos uma certa competição entre as

diferentes entidades para garantir a cada uma, melhor participação social.

Embora a França arrogue-se o direito ao acesso e à exploração dos recursos (naturais e

humanos) de Burkina Faso, o liberalismo econômico preconizado pela globalização a obriga a

competir com diversos outros países. No final dos anos 1960 e ao longo da década que seguiu,

Burkina Faso focou sua política externa para o mundo “árabe-islâmico”. Desenvolveu assim

estreitas relações com o Egito, Argélia, Líbia, Arábia Saudita, bem como os Emirados Árabes

Unidos e Qatar. Nesse sentido, diferentes acordos de cooperação técnica, econômica, comercial,

cultural e educacional assinados se materializaram.

A adesão da Alto Volta à Organização da Conferência Islâmica (OIC), em 1974, e sua

participação na Conferência de cúpula do Cairo, março de 1977, que reuniu sessenta países

árabes e africanos, concretizou essas relações de cooperação. A Arábia Saudita se comprometeu

em oferecer uma ajuda de 250 bilhões de francos CFA, nos anos seguintes, e os Emirados

Árabes Unidos 2,25 bilhões. Mais tarde, o benefício da substancial ajuda de mais de 200

milhões de francos CFA vindo da Arábia Saudita, Líbia, Argélia, Egito e da OIC deu à

economia burkinabê um dinamismo sem precedente. Como a relação entre os muçulmanos e o

Estado burkinabê nos permite explorar a dinâmica de atuação assim como as tensões existentes

dentro da comunidade?

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3.4. Da comunidade muçulmana do Burkina Faso: clivagens e conflitos

Durante o regime revolucionário do Conselho Nacional Revolucionário (CNR)39, certa

intelectualidade nasceu no seio da comunidade muçulmana burkinabê a partir de uma leitura

islâmica do projeto revolucionário de Thomas Sankara. Esse dado tem o interesse, na presente

tese, de compreender aquilo que define as “origens” da atual intelectualidade muçulmana do

país, o objeto principal de nosso presente estudo. Nesse sentido, torna-se imprescindível a

caracterização das premissas dessa intelectualidade.

De acordo com os trabalhos de Otayek (1996) e Madore (2013), a histórica rivalidade

regional acentuada pela colonização opõe principalmente as diferentes comunidades do Centro

e do Oeste africano, com Bobo Dioulasso como importante metrópole comercial, cujas

populações têm relações estreitas com o Mali e o Norte da Costa do Marfim. Além disso, esse

antagonismo é sustentado por filiações e confrarias diferentes. A maioria dos muçulmanos do

Oeste pertence à “Tijaniyya” propagado pelo conquistador El-Hajj Omar. Os do Centro

identificam-se à “Qadiriyyah” e os do Norte, à “Hamaliyya”.

O principal órgão representativo dos muçulmanos foi, primeiro, a Comunidade

Muçulmana da Alta Volta (CMHV), criado em 1962. Mais tarde, com a mudança de nome do

país, se tornou a Comunidade muçulmana de Burkina (CMB). O maior conflito interno à

comunidade é a clivagem entre os Mossé, que podemos classificar no grupo dos

“tradicionalistas” e os que não o são e que classificamos no grupo dos “reformadores”. As

implicações do conflito estão ligadas ao conhecimento e à legitimidade da autoridade religiosa.

O grupo dos tradicionalistas se compõe de marabus ou docentes de escolas corânicas, de líderes

religiosos, bem como de influentes comerciantes. Com uma legitimidade baseada sobre o seu

status de herdeiros da tradição, eles se formaram por meio das escolas corânicas e

representavam as práticas populares da fé islâmica.

Modelada sobre a gerontocracia e a hierarquização das relações sociais de acordo com

a cultura moaga, muito respeitosa da autoridade do imperador o “Mogho-naaba”, a juventude

não tinha voz. Assim, à imagem da chefia tradicional, o “imamat”40 era considerado como uma

39 Conferir o capítulo II; 2.1. Memória e revoluções.

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liderança religiosa, a qual se transmitia de pai para filho. A legitimidade da autoridade do pai

se desdobrava pela obtenção da “baraka”, a bênção espiritual mística. Por extensão, isso regia

as relações entre os docentes de escolas corânicas e seus alunos. Enquanto “únicos detentores”

do conhecimento islâmico, os primeiros beneficiavam de importantes e bons cuidados da parte

dos últimos. De fato, para adquirir a baraka, os alunos tinham que honrar seus mestres se

colocando à sua disposição e oferecendo-lhes sempre presentes.

Quanto ao grupo dos reformistas, ele era bastante heterogêneo (comerciantes, falantes

de árabe, intelectuais francófonos); membros que eram, em sua maioria, antigos agentes da

administração, antes e depois da independência. Formados pela escola francesa e se

identificando com a cultura ocidental, essa elite, um pouco mais racionalista, articulava seus

discursos ao tema da modernidade e promovia assim a renovação das práticas islâmicas. Os

reformistas se distanciavam das práticas tradicionais. Além do apelo à unidade muçulmana,

propunham a reforma da concepção do islã, através de uma reforma da proposta de ensino nas

escolas corânicas.

Através dos madâri, a introdução de novos métodos pedagógicos, bem como o

aprendizado acadêmico da língua árabe serviria para uma melhor formação dos muçulmanos a

respeito da espiritualidade, bem como de sua entrada na modernidade. Pela vontade de se

subtrair à autoridade da chefia tradicional moaga, os reformistas impuseram-se através do texto

do estatuto oficial adotada pela CMHV em que firmemente tomaram posição contra os

tradicionalistas. Entretanto, na prática, a complexidade das alianças sociopolíticas dificultou a

execução.

Um terceiro grupo, os “wahhabitas”, reunidos numa rede chamada “movimento sunita”,

que se opõe a uma grande maioria dos muçulmanos, destacam-se pelo islã que professam.

Defendendo a aplicação “rigorista e literalista” das referências islâmicas, eles se confrontam

abertamente com os tradicionalistas. Da mesma forma, distanciam-se dos reformistas que eles

acusam de serem grandes imitadores do Ocidente. Seu percurso intelectual, feito em Meca ou

nas principais universidades do Magrebe, os distinguem radicalmente dos reformistas.

O ano de 1930 marcou o início de uma migração para a Arábia Saudita. Indo em

peregrinação à Meca, seguido de uma longa estadia, vários fluxos de migrantes retornaram. Em

1963 e 1964, duzentos e dez migrantes em situação ilegal foram repatriados para o Burkina

40 Liderança especifica variando de acordo com a organização comunitária. Comumente, refere-se ao guia das

orações formais.

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Faso. Reforçando o peso político daqueles que voltaram anteriormente, o conflito entre os

“wahhabitas” e as demais comunidades muçulmanas exacerbou-se levando a violentos

confrontos na cidade de Bobo-Dioulasso, em 1973.

Politicamente e financeiramente apoiados pela Arábia Saudita, o “movimento sunita”

foi oficialmente reconhecido pelo Estado em 1973. A partir de então, mais representativo na

esfera pública e educacional, com os madâri privilegiando a educação religiosa com o árabe

como língua acadêmica, muitas bolsas de estudo foram concedidas pela Arábia Saudita ao

“movimento sunita”. Além disso, com a aproximação do Governo do presidente Lamizana dos

países do “mundo árabe-muçulmano”, o Estado burkinabê beneficia-se regularmente de bolsas

de estudos distribuídas entre os três ramos da comunidade muçulmana.

Assim, através da história configura-se o islã no Burkina Faso. É a partir de tal legado

que a nova geração muçulmana do Burkina Faso busca participar na construção de sua

cidadania. Cabe então apreender a sua característica assim como a sua estratégia de luta.

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CAPÍTULO 4: DA JUVENTUDE MUÇULMANA BURKINABÊ E SUA

ESTRATÉGIA DE LUTA

Neste capítulo, trata-se do posicionamento social e político da juventude muçulmana a

partir de suas referências islâmicas. Serão destacadas, também aqui, as estratégias de luta

mobilizadas por essa juventude para a cidadania.

4.1. Da cidadania cultural e do espaço público

No cenário sociopolítico burkinabê intervêm diferentes atores, sejam pessoas físicas

sejam instituições nacionais ou estrangeiras. Essa rubrica nos permitirá pensar a capacidade da

juventude muçulmana a encaminhar as pautas de suas lutas sociais, articulando-as com as

propostas oferecidas pelos atores em presença.

Saito (2010) discute a noção de participação social através das perspectivas macro e

micropolítica. A primeira perspectiva refere-se à luta pelos direitos humanos, por meio de ações

que se identifiquem com os valores estabelecidos. A segunda perspectiva refere-se às vontades

e aos interesses dos cidadãos na sua relação com o universo social através da vida cotidiana.

Articulada às questões sociais, essas duas perspectivas vislumbram a participação dos cidadãos

às transformações sociais em curso.

A noção de cidadania refere-se às condições de pertencimento a uma comunidade

política em que os membros, submetidos a diferentes regras sociais, mantêm relações de direitos

e deveres recíprocos. Este princípio legal coexiste com uma dimensão simbólica ligada às

aspirações do que é comum à comunidade ou à sociedade como um todo.

Nesse sentido, revela-se como um reflexo da identidade (cultural) e implica uma

participação ativa à vida social, em que os interesses antagonistas e os conflitos sociais

resultantes são objeto de lutas. A cidadania permite assim a criação de espaços para a expressão

e ação, dando voz a diferentes grupos e camadas sociais a fim de reivindicar seus direitos:

melhores políticas que promovam e garantam, através da cultura, as liberdades fundamentais e

a justiça social (UNESCO, 1998; 2002). Ela se chamaria, então, cidadania cultural (MILLER,

1998; LEBLANC e GOMEZ-PEREZ, 2007), e vai ao encontro do que vimos ressaltando

anteriormente neste trabalho, notadamente a respeito da participação política da juventude, sua

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luta pela educação e cultura, destacando o ensino superior assim como as demais manifestações

musicais como expressão desta mesma cidadania [cultural].

Retomando o trabalho de Toby Miller (1998), Leblanc e Gomez-Perez (2007) que

discutem a noção de cidadania cultural religando-a à dimensão religiosa, particularmente ao

islã. Com referência ao contexto da África Ocidental de língua francesa, as autoras definem a

cidadania cultural como a expressão da articulação dos consentimentos (negociação) e

resistência (reivindicações) dos jovens burkinabê relativas aos padrões de socialização em

vigor. A característica dessa cidadania reside no seu exercício nos espaços paralelos aos do

Estado, mas com a intenção de diálogo. Leblanc e Gomez-Perez enfatizam que esses são

espaços com suas próprias economias e modalidades políticas.

As políticas de descentralização, privatização e liberalização consecutivas à

democratização, iniciadas na África subsaariana nos anos 1990, como dito, reconfiguraram as

realidades sociopolíticas dos Estados dessa região. Daí, surgiram novos espaços nacional e

transnacional de expressão e de contestação. Através das tecnologias da informação e da

comunicação, a conquista do espaço público se revelou um poderoso instrumento político para

a juventude que, pelas redes sociais digitais e movimentos associativos, vem redefinindo o seu

lugar e o seu papel na sociedade. Para melhor compreender esse processo em curso, deve se,

primeiramente apreender a noção do espaço público no contexto africano, articulada à noção

de juventude africana.

Preliminarmente, observemos uma questão de ordem mais teórica sobre o espaço

público, tal qual teorizado por Kant (1784) e popularizado por Habermas (1988)41. Para estes,

trata-se de um espaço territorial simbólico onde se opõem e se respondem discursos de

diferentes intelectuais (atores políticos, sociais, religiosos e culturais) na composição de uma

sociedade. Historicamente, vincula-se a dois movimentos. Um primeiro, em favor da liberdade

individual e da capacidade em exibir publicamente a sua identidade; um segundo, vinculado à

democracia que promova a ideia de publicidade contra aquilo que é mantido como secreto e

proibido.

Esse conceito adquire consistência na conquista do movimento de emancipação que se

caracteriza pela valorização da liberdade individual e de tudo que é público, em oposição ao

que era “privado”, este identificado com o domínio da tradição e demais proibições antigas

(WOLTON sd;WOLTON e al., 1989). Para o autor, o espaço público, visto como abrangência

41 Trata-se de sua tese de doutorado cuja data de publicação da primeira edição é 1962.

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do espaço comum, é a primeira condição de existência do espaço político, enquanto espaço de

decisão e de ação.

Baseado em uma perspectiva histórica dos Estados modernos europeus, marcada por uma esfera

política emancipada das autoridades religiosas e estritamente ligada à crítica racional, o

conceito de espaço público habermasiano exportado para o contexto africano sofreu muitas

críticas.

A má gestão dos bens públicos, notadamente as lógicas de corrupção relacionadas à

alocação de recursos no âmbito dos projetos de desenvolvimento na África do Oeste, é, para

alguns autores, a justificativa da inexistência de uma esfera pública africana. Confrontado com

a difícil verificação do ideal da esfera pública habermassiano, em contextos políticos africanos,

deve-se notar que essa posição é extrema (DAHOU, 2005). Para o autor, trata-se de analisar o

político através das tensões existentes entre o poder de agir em conjunto, determinado pela

vontade política colectiva (de agir), de um lado; e através do poder sobre a ação alheia (poder

dominante), de outro. Essa abordagem permite entender as dinâmicas sociopolíticas ocorrendo

nas sociedades africanas nas quais notamos, baseados na obra de Saint-Lary (2011; 2009), a

forte participação do religioso nas políticas públicas, bem como nos debates sobre as demais

questões sociais.

Os trabalhos de Saint-Lary e Holder (2013) chamam a atenção sobre o fato de que os

processos de democratização iniciados nos anos 1990 têm conduzidos à uma liberalização

jurídica das mídias e das associações. Por outro lado, este período também se caracterizou pela

descentralização das diferentes instituições, da ajuda ao desenvolvimento assim como de uma

grande urbanização.

O "despertar do religioso" cristão (MAYRARGUE, 2004) tanto quanto o do islâmico,

nesse mesmo período, foi marcado por (re)afirmações identitárias, e mesmo nacionalistas.

Assim, várias iniciativas islâmicas se estabeleceram para a conquista da esfera pública a fim de

constituir uma opinião pública, até então pouco levada em conta. Nesse sentido, nascem muitas

rádios do mesmo modo que programas adaptados aos fiéis.

Da mesma forma, as associações que trabalham para a educação, a saúde, a família, a

justiça e a inclusão social permitiram o surgimento de um espaço público religioso onde a fé

enquanto experiência do social sustenta a razão. Essa noção permite apreender a natureza das

relações entre Estado e religião e, no nosso caso, entre o Estado e o islã, conforme discutido ao

longo da tese.

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Com uma taxa de urbanização próxima de 50% hoje, comparada a 11% em 1960, as

estatísticas refletem razoavelmente bem a tendência das cidades na África subsaariana, cobiça

dos indivíduos, assim como das comunidades. Espaços de mistura e de mestiçagem alimentados

por ondas migratórias notáveis pelo seu ritmo, sua escala e sua duração, as cidades constituem

reais desafíos e implicações para as populações africanas (YAPI-DIAHOU, 2015). De acordo

com o autor, vale resaltar que referências de progresso por uns, de emancipação e liberdade-

distanciamento das realidades rurais tradicionais para outros, elas drenam vários fluxos: tanto

homens como recursos financeiros, notadamente a economia extra agrícola. Os investimentos

em infraestruturas fazem das cidades africanas vetores e meios de conexões com os diferentes

centros do sistema mundo. A proximidade das diferentes instituições administrativas e aparatos

estatais as torna lugares privilegiados.

Ao contrário de seus vizinhos fortemente islamizados, tais como o Senegal, o Mali e o

Níger, as estatísticas em Burkina Faso representavam apenas 20% dos muçulmanos (CISSÉ,

1994), em 1959, contra 61% da população nacional, em 2010, (INSTITUT NATIONAL de la

STATISTIQUE et de la DÉMOGRAPHIE – INSD, 2012)42.

Segundo Madore (2016), apesar de uma elite política se compondo principalmente por

cristãos, os muçulmanos burkinabês, além de sua importância numérica viveram várias décadas

de subordinação política, têm sido bem dinámicos, desde o início da democracia, no início dos

anos 1990. A relevante presença de associações (testemunham as 240 associações islâmicas

oficiais do país), a criação de madâri, de universidades e mídias islâmicas (vários canais de

rádio lançados nos anos 2000 e um canal de televisão criado em 2012) são a expressão da

identidade islâmica na esfera pública.

Até o final da década de 1980, a esfera pública burkinabê, que se caracterizava pela

secularização do político dominado pelo Estado, foi substituída por um espaço público

islâmico. Esse último se define através de uma comunidade, em nome da fraternidade islâmica.

Ele almeja se reagrupar em uma única organização nacional, dividida entre muçulmanos

"reformistas", "tradicionalistas", "modernistas" e “de irmandades’’.

42 Segundo as estatísticas de 2012 do Institut National de la Statistique et de la Démographie (INSD) através da

pesquisa “Enquête Démographique et de Santé et à Indicateurs Multiples (EDSBF-MICS IV) 2010”, feita em

2010, Burkina Faso abrange 61% de muçulmanos, 23,2% de cristãs (19% de católicos e 4,2% de protestantes),

15,3% praticando o culto dos ancestrais e 0,4 % que praticam nenhuma religião. Consultar pesquisa em:

http://www.burkinafaso-cotedazur.org/ documents/ demographie/rapport-2010.pdf

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Como outra característica do islã burkinabê, é preciso dizer que a forte presença de

“arabizantes’’43, especialmente os "wahhabitas" (CSSÉ, 2009), chamados assim de acordo com

os países, ou de "salafistas" ou ainda de "isalistas". Firmes de seus conhecimentos religiosos,

adquiridos através de caminhos acadêmicos inéditos e singulares e difíceis estadas em

Universidades da África do Norte e da Ásia, eles reivindicam a autoridade espiritual do país,

pois, esses “arabizantes’’ são os interlocutores privilegiados dos investidores vindo dos países

árabes (MADORE, 2013; SAVADOGO, 2014; BAVA; PLIEZ, 2009; BAVA; CAPONE,

2010; BAVA; PICARD, 2010; BAVA, 2011; MAZZELLA, 2009). Ainda, os muçulmanos

que fizeram sua escolarização em meios laicos francófonos não poupam esforços para o

fortalecimento de sua fé (SAINT-LARY, 2011).

Opostos ontem aos arabizantes a respeito de questões relativas ao conhecimento

religioso e, portanto, de legitimidade de expressão, eles estão doravante presentes, pela

profundidade e pela pertinência do conteúdo dos debates sobre a cidadania cultural islâmica.

Quanto as irmandades sufis, elas são marcadas pela redefinição interna da afirmação de uma

nova geração de líderes/chefes religiosos que se apresentam como empreendedores religiosos.

No Burkina Faso, como na Costa do Marfim marcada pela pluralidade religiosa, a

questão identitária se manifesta por uma luta cívica para o reconhecimento e defesa dos direitos

das populações muçulmanas. Esses fenômenos de re-islamização fazem do espaço público

verdadeiros desafios e implicações identitárias e sociopolíticas44 cujos atores, desde cerca de

há vinte anos, suscitam e animam os debates em torno das grandes questões sociais:

vulnerabilidades sociais, relações de gênero, AIDS/HIV (Síndrome/Vírus da Imunodeficiência

Adquirida), educação, espaçamento de nascimentos, excisão, poligamia, pena de morte,

corrupção, justiça, igualdade.

Para Holder e Saint-Lary (2013), o espaço público religioso que se constitui enquanto

espaço de ação crítica diante das políticas públicas, do Estado e do modelo societal, reclama-se

como o agente de transformação social. Assim, os promotores desse espaço singular redefinem

43 Falantes de árabe e lidando fortemente com realidades das sociedades com forte presença árabe e/ou muçulmana.

44 Para Saint-Lary e Samson (2011), Holder e Saint-Lary (2013), dos diferentes significados relacionados ao

conceito de re-islamização, destaca-se um que se refere ao islã político em relação à revolução iraniana. Em

seguida tem a corrente econômica chamando a atenção dos crentes sobre a equidade. Aqui, a economia moral

constituiria um meio de resistência ao liberalismo sem ética, bem como à ocidentalização das economias africanas.

Em terceiro lugar, trata-se das dimensões sociais e culturais da re-islamização.

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a noção de espaço público. Esse último, visto como um espaço de difusão de valores e de

debates sobre desafios societais, é adaptado aos valores éticos e morais, bem como à filosofia

de vida enaltecida pelo islã. Esses autores chamam a atenção sobre a pluralidade dos pontos de

vista dos atores do espaço público religioso, por serem animados por convicções e lutas

específicas. Todavia, todos têm o cuidado de não falar em público, críticas contra as posições

de seus correligionários; relegando-os ao espaço privado. Levados a reconsiderar os termos de

referência das políticas nacionais à luz do islã (todas as escolas jurídicas e ciências islâmicas

combinadas), os diferentes atores do espaço público posicionam-se como mediadores entre os

poderes públicos e o interesse geral.

As fontes de financiamento da esfera pública islâmica têm uma significativa influência

sobre o conteúdo dos debates, assim como sobre seu dinamismo. As mesquitas, bem como as

diferentes organizações muçulmanas, beneficiam ou suscitam financiamentos de origens

diversas. O comércio, a educação, a construção e as demais obras públicas, a indústria cultural,

o trabalho humanitário, assim como a contribuição dos diferentes fiéis, lhe asseguram o seu

autofinanciamento. E isso lhe fornece garantias para formular críticas contra as autoridades e

políticas públicas.

A respeito dos temas sobre os quais a sociedade deve ser consultada ou implicando a

sua participação, as diferentes autoridades e instituições recorrem aos líderes e chefes religiosos

como agentes de transmissão de opinião que são, pois, capazes de articular os argumentos

apropriados recebíveis pelas populações-alvo (KAAG e SAINT- LARY, 2011). Solicitados

como incontornáveis, eles se posicionam como parceiros na implementação de vários

programas de desenvolvimento (MARSHALL e KEOUGH, 2004; HAYNES, 2013).

Os estudos de Mara Vitale (2009), Miran (2007) e Bava (2003) tratando da economia

moral e da esfera pública religiosa são eloquentes. Ao longo dos períodos históricos e áreas

geográficas consideradas, os autores da Economia Moral (THOMPSON, 1963; SCOTT, 1976;

HYDEN, 1980; 2007) associam-na a uma das referências pelas quais ela emergiu; notadamente

às estratégias postas em prática pelo campesinato ou pela classe trabalhadora a fim de garantir

a sua subsistência. A partir de Thompson (1963), uma atenção é dada às relações econômicas,

bem como às trocas materiais da classe trabalhadora, reguladas por normas e ideais não

mercantis. No contexto africano, mesmo que o dinheiro permaneça incontornável, as trocas

econômicas não obedecem a uma pura lógica de lucro, mas sim a uma organização complexa

de relações de interdependências e solidariedades recíprocas.

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A economia moral, igualmente sinônima da economia informal, refere-se a um mercado

que não obedece a uma pura lógica capitalista. Assim, definir a economia moral na África seria

o conjunto dos princípios éticos e valores morais, caracterizando as trocas econômicas e

materiais. Nessa lógica, as relações econômicas (trocas de bens, de serviços, de dinheiro) são

reguladas por normas e ideais que não se reduzem à lógica puramente mercantil da busca e da

acumulação de lucros (CISSÉ, 2014).

É preciso enfatizar que neste sistema, a liderança religiosa desempenha um papel

importante. A autoridade e a ação do líder/chefe religioso (VITALE, 2012; ZAPPA, 2009), um

ator social ao poder carismático45, é fundamental. Legitimado pelos seus laços de sangue, seu

saber (estudos/conhecimentos), suas relações e redes sociais (amizades, religião, política), ele

é investido e reconhecido por sua preocupação com o bem-estar de sua "comunidade". Além

de seu status de ‘’mais velho/ancião’’ (acompanhamento social e espiritual) em relação aos

demais, leva-se em conta também sua capacidade em mobilizar os diferentes recursos (dinheiro

e bens de todos os tipos), de redistribuí-los e investí-los para o benefício da comunidade de

acordo com os valores morais compartilhados que lhe é exigido.

Em seu estudo, Mara Vitale (2012) explica que, confiando aos líderes religiosos a

direção da economia comunitária, os fiéis lhe reconhecem a capacidade de sua administração

de acordo com os interesses de todos os membros. Fazem isso respeitando, sobretudo, quatro

principais regras islâmicas no âmbito da economia e das finanças:

1. A proibição de empréstimos com juros a cobrar);

2. A proibição da venda de artigos e produtos cuja existência e as características são

sujeitos a incerteza (gharar);

3. A proibição de atividades especulativas;

4. A redistribuição da “esmola obrigatória” (zakat que todo muçulmano é obrigado a

pagar) às categorias sociais beneficiárias: os pobres e os necessitados, aos responsáveis

pela “coleta’’ e sua repartição aos simpatizantes para associá-los, a comprar escravos

para os libertar, àqueles que foram à falência, os combatentes e viajantes necessitados

(ALCORÃO: 9, 60).

Este último ponto constitui o direito dos mais vulneráveis sociais sobre aqueles que

dispõem de melhores condições materiais e financeiras. Cabe dizer que, na economía moral

45 Poder que "emana de sua proximidade a Deus", assim como da herança do empreendimento carismático original

do santo fundador da irmandade na prática cotidiana.

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islâmica de redistribuição, a “esmola obrigatória’’ desempenha um papel importante no

princípio regulador do sistema de solidariedade social, de redistribuição das riquezas.

A esta economia vale, também, mencionar diferentes comemorações e festas islâmicas,

as visitas aos líderes religiosos em busca de cura (doenças) ou bênções, a organização de visitas

e peregrinações sobre túmulos dos santos, que são características de uma "economia da oração"

(ZAPPA, 2010a, 2010b). Enquanto gerente e planificador social (ELBOUDRARI, 1985), o

papel do líder/chefe religioso é identificado àquele do Estado e a de suas instituições. De fato,

os bens recebidos servem à requalificação do espaço urbano através da construção de

importantes obras de interesse público: mesquitas, escolas, centros de saúde ou na divulgação

da mensagem islâmica através de cursos de instrução religiosa ou aprendizagem do Alcorão.

Nesse sentido, há igualmente programas de pregação radiofônicos.

Os princípios sustentando a economia moral têm como recurso, as estratégias coletivas

e pessoal para perpetuar e perenizar um sistema social e modos de vida e, em menor escala,

diante das contingências socioeconômicas e políticas, transmitir seus valores. O peso das

migrações, bem como a intensificação dos fluxos migratórios, tanto dentro como fora do

continente, deu origem a intercâmbios econômicos e financeiros mais dinâmicos, o que exige

dos líderes religiosos novas formas de (re)negociação de sua autoridade.

Os líderes religiosos não desconhecem a natureza global do sistema de intercâmbio nem

as restrições transnacionais das migrações. Estudos realizadas notadamente no Senegal sobre

os Mourides (BAVA, 2005; 2003) mostram a capacidade dessa irmandade de tecer e alimentar

poderosas redes econômicas e religiosas transnacionais (DIAZ, 2017).

Através dos estudos de Leblanc e Gomez-Perez (2007), observamos a falta de definição da

cidadania enquanto status jurídico regendo a relação entre os indivíduos e o Estado, dentro dos

limites de um espaço político-geográfico e econômico. Mais por abranger várias questões, ela

transcende esse espaço e faz apelo a uma relação mais complexa entre os indivíduos, o Estado

e o mundo. Nos debruçaremos sobre essa dimensão, mais adiante.

4.2. Islã e mudança social: singularidade do reformismo da juventude muçulmana

A partir de 1970, um aumento significativo de ajuda financeira e material, vindo dos

países árabe-muçulmanos, exacerbou as tensões que antes já existiam. Em 1972, a Líbia

concedeu uma ajuda de 15 milhões de francos CFA para a renovação da Grande Mesquita de

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Ouagadougou. Entretanto, sem que a renovação tenha sido feita, a maior parte do dinheiro

desapareceu. Em 1977, um projeto de construção de uma nova sede para a CMHV mobilizando

um orçamento de 300 milhões de francos CFA foi subsidiado com 53 milhões de francos CFA,

pelos países árabes. Este projeto nunca se realizou e deu origem a um novo escândalo.

Com a adesão da Alta Volta à Organização da Conferência Islâmica (OIC), em 1974, o

Islã voltaico se beneficiou de um apoio substancial da Arábia Saudita, Líbia, Argélia e Egito,

assim como do OIC. Assim, mais de 200 milhões de francos CFA foram alocados para a

construção e a renovação de mesquitas e para a construção de madâri. Da mesma forma,

docentes desses países foram enviados a fim de melhorar a qualidade do ensino. Deve-se

acrescentar as numerosas bolsas de estudo oferecidas aos alunos almejando aprimorar seus

estudos em Faculdades ou Universidades islâmicas.

O apoio financeiro dos países “árabe-muçulmanos” insuflava o islã, assim como a

economia burkinabê que era injetada de um dinamismo sem precedentes. Isso, ao mesmo tempo

em que ela estimulava as ambições pessoais e demais rivalidades entre as diferentes facções.

Os conflitos foram piorando e pontuados por escândalos financeiros expostos em praça pública.

A propósito, a acessão do CNR veio instituir os Tribunais Populares Revolucionários (TPR)

para o julgamento de inúmeras questões em torno da corrupção.

Diante do regime revolucionário obrigando a sociedade civil e o conjunto da população

a acompanhar as novas orientações econômicas e políticas do CNR, os muçulmanos

entenderam a urgente necessidade de uma mudança de paradigma. Assistimos, assim, ao

surgimento de uma nova geração de intelectuais muçulmanos.

Como já vimos anteriormente (Capítulo 2), através da revolução de Thomas Sankara,

nasceu com a juventude muçulmana do Burkina Faso (todas as confrarias juntas), uma nova

geração de intelectuais: reformistas empenhados em dialogar com a modernidade, a partir das

referências islâmicas. Eles cristalizavam as frustrações e as expectativas das gerações

precedentes. Instruídos e atentos aos debates ideológicos e aos diferentes desafios sociais da

modernidade. Assim, de um lado, em nome do aviltamento moral dos mais velhos e dos pais

que lideravam a comunidade, o que é contrário aos ensinamentos islâmicos e, de outro, diante

do profundo mal-estar em que estavam implicando os fiéis, os reformistas se puseram a

questionar a sua liderança, até então reconhecida, de modo a se tornarem os atores de uma nova

visão. Superando as velhas clivagens doutrinais, a nova sociabilidade, nascida da mobilização

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do movimento associativo tinha (e tem) por preocupação o pretendido retorno a um islã

“autêntico”.

Formados e convencidos de suas capacidades intelectuais, os reformistas têm como,

respaldo da sua legitimidade, a competência em articular a modernidade ao islã. Para isso, seria

então preciso pensar uma política islâmica adequada. É interessante notar que essa estratégia

de afirmação veio a se constituir em uma reação histórica significativa, diante da subordinação

política do islã, no espaço burkinabê.

O novo desafio presente está em se pensar uma melhor inserção da comunidade islâmica, no

processo de construção nacional, no qual urge a negociação com os ideais modernistas da elite

ocidentalizada. Ao mesmo tempo, isso significa submeter a ideia de modernidade à crítica do

islã.

4.3. Do islã

Na concepção islâmica de universo, o humano possui um lugar privilegiado. Nesse

sentido, antes de explorar essa cosmovisão através da sua ética guiando as lutas sociais da

juventude muçulmana de Burkina Faso, objeto da presente tese, um breve esclarecimento sobre

o conceito de humano, à luz das Ciências Sociais e Humanas, nos parece necessário.

As Ciências Sociais e Humanas caracterizam o humano, de um lado, como ser de cultura

anthropos e, de outro, como ser de conhecimento humanitas (NISHITANI, 2004). Pelas

relações de poder, os antropos constituem-se em objeto de estudo dos segundos, o que confere

a esses o último dos status "supremo" de "homens conhecedores". A relevância de uma tal visão

reside na relação que os humanitas mantêm com o saber. Portanto, cabe aqui questionar a

definição do ser de acordo com outras referências. O que o caracteriza? Qual é a sua

especificidade?

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Segundo a tradição islâmica46, Deus só criou os gênios (djinns) e os homens para que

os adorem (ALCORÃO - SURATA 51, VERSÍCULO 56). No entanto, a relação com Deus de

cada uma dessas criaturas é singular em comparação com suas diferentes naturezas47.

O Alcorão assim como os ensinamentos proféticos insistem sobre o amor e a preferência

de Deus pelo Humano em relação a toda a sua criação: Enobrecemos os filhos de Adão48 e os

conduzimos pela terra e pelo mar; agraciamo-los com todo o bem, e os preferimos

enormemente sobre a maior parte de tudo quanto criamos (ALCORÃO - SURATA 17;

VERSÍCULO 70). O conhecimento que lhe foi dado é a condição de sua nobreza e de sua

dignidade; daí a vontade de Deus de que os anjos, assim como o gênio Iblis (Satanás) se

prostrem em signo de respeito. Isso, no islã, é a expressão da liberdade e da dignidade do

humano. Liberdade por sua própria natureza em relação à sua relação específica com o seu

criador, e dignidade, porque ele é um ser de conhecimento.

O objetivo último do humano é agradecer a Deus. Porém, se pretenderdes contar as

mercês de Allah, jamais podereis enumerá-las. Sabei que Allah é Indulgente,

Misericordiosíssimo (ALCORÃO: SURATA 16, VERSÍCULO 18). Além disso, Deus diz

igualmente: Não criei os gênios e os humanos, senão para Me adorarem (ALCORÃO:

SURATA 51, VERSÍCULO 56). Para isso, é necessário conseguir:

1. Uma paz interior: o equilíbrio das dimensões da alma (inteligência, raiva, desejo

e imaginação);

2. A harmonia entre a alma e o corpo e lhes dar seus respectivos direitos;

3. A harmonia e o respeito para as demais criaturas cujo o homem é o mais

importante e o mais amado.

Esse desafio é uma luta permanente. Por um lado, entre o humano e ele mesmo (a alma

e o corpo que não são qualificados moralmente) e, de outro, entre o humano e seus semelhantes.

Eis, assim, a importância do saber49 em islã.

46 As principais referências islâmicas são: o Alcorão, a Tradição do Profeta Muhammad e as Ciências Islâmicas.

47 Os Anjos são criados a partir da luz, os Gênios a partir do fogo e o Humano de barro. Os Anjos não são por

natureza dotados de liberdade. Eles têm apenas a faculdade de obediência às vontades e mandamentos de Deus.

Quanto aos Gênios e ao Humano, eles têm a latitude da escolha.

48 Adão é segundo o islã o primeiro homem da humanidade. Ele é um profeta.

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As ciências islâmicas se estruturam em três grandes áreas principais: a ciência das

Fontes do islã50, abrangendo a Filosofia e a Teologia; a das Regras islâmicas51 constituída pelo

Direito e a Jurisprudência e enfim, a Ciência das Finalidades e Objetivos da Fé52: a busca da

perfeição humana nos limites em que a natureza humana o permite (a Ética) a fim de ser o mais

próximo possível de Deus.

Saber no islã é ter a compreensão profunda das coisas. Não se trata simplesmente de

acumular conhecimento, mas de ter o discernimento: Na criação dos céus e da terra e na

alternância do dia e da noite há sinais para os sensatos (ALCORÃO: SURATA 3,

VERSÍCULO 190). No entanto, o humano permanece livre. Por um lado, livre para ser ou não

um ser de fé e, por outro lado, para fazer suas escolhas de vida. Trata-se da liberdade de fé e

consciência:

Porém, se teu Senhor tivesse querido, aqueles que estão na terra teriam

acreditado unanimemente. Poderias (ó Mohammad) compelir os humanos a

que fossem crentes? (ALCORÃO: SURATA 10, VERSÍCULO 99);

Não há imposição quanto à religião, porque já se destacou a verdade do erro

[...] (ALCORÃO: SURATA 2, VERSÍCULO 256);

Ao Mensageiro só cabe a proclamação (da mensagem). Allah conhece o que

manifestais e o que ocultais (ALCORÃO: SURATA 5, VERSÍCULO 99).

49 O conhecimento passa pelo intelecto, mas não se reduz a ele pois os campos do conhecimento são múltiplos:

inteligência tátil (a escultura), inteligência dos sentidos (a arte); inteligência do coração (o amor).

50 Há noções importantes a mencionar:

‘’Islã’’ com maiúscula refere-se à civilização islâmica e ‘’islã’’ com minúscula à religião;

‘’Allah’’ significa ‘’Deus’’ em árabe. Não é preciso dizer ‘’Allah’’ ao falar do islã pois é

simplesmente uma questão linguística;

O adjetivo ‘’islâmico/islâmica’’ se usa para o que se refere ao islã. Tratando-se de quem

pratica/adere à religião, se diz ‘’muçulmano/muçulmana’’;

O calendário muçulmano se refere à lua (lunar) e inicia-se no ano da hégira em 622 depois JC

quando o profeta exilou-se de Mecca para Médine.

51 Devido ao analfabetismo de muitas populações que estavam se convertendo, esta Ciência se desenvolveu

rapidamente através da história, sombreando as demais. No entanto, de acordo com as regiões do mundo e dos

contextos históricos, encontra-se mais a expressão de uma ou outra dessas três ciências [islâmicas].

52 Trata-se notadamente do sufismo.

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Na mensagem islâmica, a conjugação e o exercício consciente das duas noções de saber

e de liberdade fazem a nobreza e a dignidade do humano, ser de conhecimento autônomo, mas

sempre sujeito à responsabilidade de suas escolhas e atos.

Em segundo lugar, é através do saber e da autonomia intelectual pelo espírito crítico que

se torna sujeito. Conhecer é a nossa capacidade de ser um ator social, entre outros atores sociais.

Além disso, qualquer que seja o campo e o local, a problemática permanece a mesma: como

respeitar o humano e lhe ser útil?

Se pensarmos como Foucault (2001), tratar-se-ia de uma prática ascética que em lugar

de se definir como uma moral, pode-se pensar como um modo de ser constituindo um exercício

de si sobre si através do qual transforma-se, ao mesmo tempo em que se constrói. É o que ele

vai demonstrar através dos textos dos Gregos Antigos que há todo um conjunto de regras de

conduta ou de princípios que se constituem, ao mesmo tempo, em ‘’verdades’’ e em

‘’prescrições’’. Articulando tal pensamento ao islã, podemos dizer que se trata de uma aplicação

que contempla (e deve contemplar) o respeito pelo humano que somos, de um lado, e o respeito

pela alteridade com a qual vivemos em sociedade, de outro.

A espiritualidade é uma dimensão da condição humana de acordo com a tradição

islâmica. Ela é esse mediador primordial permitindo a superação das tensões íntimas e dos

conflitos internos que acorrentam o “si” e ocasionam o sofrimento no ser. Trata-se, assim, de

caminhar para as profundezas de sua intimidade, de se desligar e de se afastar do “si”, a fim de

elevar a consciência, além da dimensão física dos elementos, no sentido de acessar o seu sentido

metafísico e a sua inscrição no cosmos.

Esse ato de fé, essa "entrada em si" e essa paz interior buscados consistem, também, em

ser um tipo de desvelamento da essência das coisas, da presença no mundo e da presença do

mundo (RAMADAN, 2002, 2015). Essa dimensão constitui um dever do humano. Dever de

cuidar de si mesmo, de seus semelhantes e da natureza através de suas relações, de sua

intimidade com o criador.

O imperativo fundamental “preocupe-se consigo” dos Gregos Antigos, segundo Foucault

(2001), referia-se à prática da liberdade que consistia no cuidado de si tanto para se conhecer

quanto para se formar, para se superar a si mesmo a fim de dominar seus apetites que poderiam

nos impregnar. Esta prática da liberdade individual (comportar-se bem) que passa a ser

igualmente cívica (praticar a liberdade como deveria ser) tinha por premissa “o governo de si e

dos outros”. A consciência ecológica de Foucault que trata de uma busca de problematização,

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pelos Gregos Antigos, de dizer a “verdade’’ (parresía) ou seja, “uma certa maneira de dizer a

verdade’’, encontra eco na teologia e na filosofia islâmica. Portanto, poderíamos dizer que a

liberdade é a condição ontológica da ética, que, ela mesma, é a prática refletida da liberdade.

Ramadan (2015) sublinha que voltar a si é acompanhar-se e educar-se a fim de aprender,

amadurecer, dar corpo e substância a seu ser (responsabilidade individual e social) diante da

existência, diante da vida (Deus). E o despertar, o exercício da espiritualidade consiste em olhar

diferentemente as coisas. A ver neles signos, celebrações, canções de louvor e de oração à

ordem cósmica, ao arquétipo universal.

Assim, essa conversão do olhar se transforma em uma conversão do coração que acessa

das profundezas da interioridade, do "eu" para a capacidade de conhecer, reconhecer e

maravilhar-se. Essa estética da vida e de Deus não é uma contemplação presunçosa. Ela abrange

uma dimensão social e política no sentido que visa a transformação emancipatória da sociedade.

A fórmula seria: defender o belo através do amor que lhe é dedicado.

A referência islâmica na pessoa do profeta Muhammad é eloquente (AL-

MUBÂRAKFÛRÎ, 2014, ALGHAZALI, 2013, LINGS, 2010, RAMADAN, 2008). De uma

grande sensibilidade, ele chorava diante da beleza da natureza e da perfeição da criação divina,

incluindo o humano. É, no entanto, através dessa alma de poeta, que ele defendeu o ser humano

tanto na sua sacralidade ontológica quanto na sacralidade material.

É através da noção do cuidado de si (que necessita de uma relação com o outro e do

conhecimento de si) que os Gregos Antigos opõem a liberdade à escravidão, “indo em busca

do saber, da prática da liberdade”. Em seus últimos trabalhos, Foucault (2001) recorda a ligação

intrínseca entre "cuidar de si" e "cuidar dos outros". Se um parece pertencer ao âmbito do

privado, ele mantém uma forte ligação com a dimensão política da responsabilidade social.

Nisso, a liberdade é em si, como se diz, política, pois, se o escravo não tem ética porque é

privado de liberdade, aquele que é escravo de si mesmo (ego, desejos, receios, apetites e

instintos) não pode ser livre. Ser livre, então, significa necessariamente que se estabeleça

consigo mesmo, uma certa relação de dominação, de domínio que os gregos chamavam de:

poder, comando.

O autor sublinha que essa relação íntima consigo e depois com os outros implica

necessariamente uma mediação que tem o papel de guia, de conselheiro que sempre diz a

verdade (parresía), o que transpomos para os termos de conhecimento (intelectualidade) e/ou

fé (Deus). O cuidado de si é ético em si e deve-se sempre visar o bem dos outros, embora as

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relações com esses últimos podem ser bastante complexas. Conjuga-se no equilíbrio da gestão

do espaço de poder presente nas relações: não dominar. Nesse sentido, vale dizer de acordo

com Foucault (2001), que qualquer um que se importe consigo mesmo será capaz, por isso

mesmo, de se comportar como se deve em relação aos outros e para os outros: uma cidade na

qual todos cuidariam de si como deveria ser seria uma cidade que funcionaria bem e que

encontraria assim o princípio ético de sua permanência (FOUCAULT, 2001, p. 1534).

Continuamos tentados a fazer uma aproximação das ideias de Foucault com a ética

islâmica. Ora, a raiz da palavra árabe traduzindo a noção de ética refere-se ao equilíbrio entre

o macrocosmo e o microcosmo. Nisso, reside o objetivo último da ética: a prática ponderada da

liberdade permitindo esse equilíbrio. Apartando-nos, agora, de Foucault sobre os

desdobramentos do seu pensamento sobre ética-estética que resultam na arte de viver,

destacamos que, a ética islâmica se refere "ao bom comportamento", que tira sua fonte dos

valores, os quais são grade de leitura abrangendo as noções de bem e mal.

Este ponto é de extrema importância para as lutas sociais e políticas das comunidades e

sociedades islâmicas, principalmente para a intelectualidade, motivando a ação cidadã dos

jovens muçulmanos burkinabê: é uma referência a críticas e a ações sociais visando o respeito

pela dignidade e pela nobreza da vida humana, dos animais e da natureza. Isso nos conduz às

seguintes questões: quem determina o bem e o mal? Quais são as suas fontes?

Do debate entre as diferentes escolas que decorreu disso, houve três posições distintas:

aqueles que primeiro enalteciam a razão e depois a referência aos textos; aqueles que enalteciam

os textos, qualquer que fosse a ordem da razão e; aqueles, em último lugar, que se posicionaram

entre os dois pontos de vista. As vozes desta última categoria foram as mais numerosas. Nesse

sentido, cabe lembrar o hadith53 do profeta que diz: eu fui enviado apenas para ultimar o bom

comportamento. Isto quer dizer, confirmar e completar o bom comportamento que me precedeu.

“O bom comportamento” refere-se a qualquer ação ou política feita, visando o respeito

da dignidade e da nobreza do humano, por um lado, e o respeito (preservação e cuidado) das

outras criaturas de Deus, tais como os animais e a natureza, por outro. E, nisso, o próprio profeta

53 O "hadith" refere-se ao ensinamento do profeta: o que ele disse, fez e aconselhou. Além disso, o que ele se

absteve de dizer ou fazer também está sujeito à interpretação. Os "hadiths" são em si um ramo das ciências

islâmicas em que se discute suas autenticidades em relação àqueles que os relatam, assim como o contexto através

da história.

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reconhece que antes dele havia outros humanos, profetas e mensageiros, que como ele levaram

em conta essa cosmovisão.

A figura e o exemplo do profeta Muhammad é central no islã. Eles constituem, portanto,

para os jovens muçulmanos do Burkina Faso, uma referência na implementação da mensagem

do Islã para a humanidade. O segundo ponto que merece uma atenção é saber como aplicar os

valores ou, ainda como, traduzi-los em bom comportamento? Intervém aqui o lugar central da

educação cuja responsabilidade é inculcar os valores, ensinar sua compreensão e sua aplicação.

Assim, traduz-se aqui, a relação do islã com o conhecimento (todos campos confundidos) que

é o conhecimento profundo das coisas e sua aplicação.

O islã não é homogêneo. Tanto relativamente ao que é formalmente classificado, assim

como o aspecto cultural quanto o do intelecto, as correntes são diversas e múltiplas e se

configuram de acordo com as realidades socioculturais nas quais se inscrevem. Por outro lado,

não é raro encontrar visões inspirando-se nas diferentes correntes ao mesmo tempo ou que

bebem em culturas diferentes. No entanto, para a melhor compreensão, descreveremos

sucintamente, a seguir, as bases da teologia e da filosofia sobre as quais o islã se edifica.

Cabe ressaltar, em primeiro lugar, que a tradição islâmica não atribui o “nascimento do

islã’’ ao seu profeta mais ilustre, Muhammad (Faça que a Paz, o Respeito e a Misericórdia de

Deus sejam sobre Ele54). Segundo essa tradição, o islã data da criação do universo, no sentido

de que este e todos os seus componentes constituem criaturas de Deus, as quais se submetem a

ele e lhe devotam uma profunda adoração55.

A história da humanidade desde a criação do profeta Adão (o primeiro Homem) foi

marcada pela passagem de profetas e/ou de mensageiros56. Moisés (PRMDE), o ilustre "profeta

dos judeus" e Jesus Cristo (PRMDE), "o dos cristãos" (para mencionar só estes) são assim

54 A respeito da tradição islâmica, essa fórmula deve acompanhar (pronunciar se for à oral) o nome dos profetas.

No presente trabalho, usarei à abreviatura “PRMDE’’.

55 O Homem, enquanto ser humano ocupa um lugar particular e privilegiado no seio desse universo. Adão foi o

primeiro Homem da história da humanidade, segundo a tradição islâmica e foi criado a partir de terra.

56 Nem sempre os profetas foram mensageiros. Entretanto, os mensageiros sempre foram profetas. Apesar de serem

pessoas “iluminadas” por Deus, os profetas, além da mensagem única de Deus (o islã) não tinha mensagem

específica a transmitir. Conquanto, cada mensageiro foi enviado para comunidade(s) específica(s) e com uma

mensagem particular. Por exemplo, Moisés foi enviado tanto ao Faraó Ramsés II quanto aos Judeus e tinha como

mensagem “os dez comandos”. Muhammad foi enviado para a humanidade inteira.

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muçulmanos57, e Muhammad (PRMDE) seria o mais amado e o mais elevado58 de todas as

criaturas.

Malgrado o seu estatuto específico, foi ele quem continuou e aperfeiçoou a mensagem

de Deus (o islã), que é crer em Um Deus Único, sem jamais associá-lo a nada. Um Deus Único

que nunca engendrou nem foi engendrado, onipotente e onisciente, senhor do dia do último

julgamento e a quem devemos nos entregar. Assim, a única mensagem do islã através de todas

as eras é a de: crer na centralidade de Deus e de seus profetas e mensageiros, sendo o último,

Muhammad, que veio como misericórdia para a humanidade, e "fazer o bem e evitar o mal"59.

A revelação do islã a partir do profeta Muhammad fez-se na região da península arábica,

no século VII. Ele se ergue sobre os cinco pilares da teologia islâmica que são:

1. O testemunho da fé (shahada) na unicidade de Deus e de que Muhammad é o seu

enviado. Sobre este conceito de unicidade de Deus (Tawhid) repousam toda a

filosofia e a fé islâmicas. Este é o pilar fundamental uma vez que é a partir dele que

todos os outros ganham sentido;

2. As cinco orações (as-salat) cotidianas, que devem ser feitas em momentos

específicos em direção à kaaba, a "primeira mesquita", construída pelo profeta

Abraão que se encontra em Meca;

3. A "taxa social purificadora" (zakat), direito dos vulneráveis sociais (necessitados e

viajantes mesmo que não sejam muçulmanos). São 2,5% do valor da riqueza (todo

tipo) que todo muçulmano poupou, durante um ano. Sua função espiritual é a de

purificação dos bens daqueles que a praticam;

4. O jejum (as-siyam) de 29 ou 30 dias durante o mês de Ramadã60;

5. A peregrinação (hajj) à Meca, ao menos uma vez na vida, caso se tenha as condições

(saúde e financeiras) para isto.

57 Todos os Homens são, por essência, muçulmanos, pois, o sopro divino foi insuflado a todos, desde a criação de

Adão.

58 Ele é o preferido de Deus dentre todas as criaturas divinas. Imã (líder espiritual) de todos os profetas e/ou

mensageiros, é o último da linhagem com quem o islã adquire seu estatuto completo. Com efeito, por meio da

intemporalidade da mensagem do nobre e sagrado Al-Corão, assim como da sunnah (vida, fatos e ditos) de

Muhammad (PRMDE), o islã confirma ser a religião de perfeição por Deus.

59 Os conceitos de bem e mal no islã se referem ao que Deus define.

60 O mês mais sagrado do calendário anual muçulmano.

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Como outros elementos da identidade muçulmana, há os seis pilares "dogmáticos" da

fé islâmica:

1. Acreditar na Unicidade de Deus através de Sua Senhoria, Sua Divindade, Seus

Nomes e Atributos;

2. Acreditar nos Anjos;

3. Acreditar nos Livros Revelados61;

4. Acreditar na Profecia;

5. Acreditar no Julgamento Final;

6. Acreditar no Destino, que seja ele "bom" ou "mau".

Esquema resumido da estructura do islã

O islã: definição

A partir da criação (o Universo inteiro e tudo que o compõe sem

distinção);

A partir do monoteísmo (as pessoas do livro);

A partir da comunidade de Mohamed (que foi mandado para toda a

humanidade); os chamados comumente ‘’muçulmanos’’.

As referências islâmicas

O Alcorão;

A tradição do profeta Muhammad (Hadiths);

As ciências islâmicas

As fontes: filosofia e teologia

As regras: direito e jurisprudência

As finalidades/objectivos: a busca da proximidade máxima de

Deus.

61 Os escritos de Davi, os Dez Mandamentos de Moussa (Moisés), o Evangelho de Issa (Jesus) e o Al-Corão de

Muhammad (Muhammad)

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4.4. Das lutas sociais pelo islã

Tratar-se-á, nessa rubrica, da dimensão política do islã, o islamismo62, na sua articulação

com os direitos humanos.

O islã por si só carrega uma dimensão política que visa uma certa

organização/administração da sociedade, bem como articula-se com os direitos humanos, e

possui o papel de motor de mudança social. Todavia, a definição contemporânea do conceito

de Islamismo ou do islã político nasce, no início do século XX, com três objetivos principais

através da Europa, da África e da Ásia. Tratava-se, primeiro, de libertar-se da colonização e,

depois, a partir dos valores islâmicos, de resistir à ocidentalização cultural.

Tendo os movimentos sociais como celeiro, ele visa promover a justiça social e defender

principalmente os pobres e oprimidos. Assim, o islamismo se mantém, social e

economicamente, bem próximo das populações. A ideia de Estado-Nação constituiu

inicialmente a melhor resposta diante da lógica colonial da época (RAMADAN, 2013).

Ainda de acordo com esse autor, as mudanças sociais insufladas pela globalização

abalaram esses diferentes movimentos sociais. De fato, o poder do Estado visto como meio de

reforma social, tornou-se um fim em si mesmo. Assim, a relação ao poder de muitos

movimentos islamitas, os quais não souberam acompanhar o novo paradigma, relegou, a um

segundo plano, as questões sociais, bem como o respeito pelos direitos humanos e pelas

liberdades fundamentais,

Com o tempo, mesmo sabendo preservar o apoio popular que os legitima, estabeleceu-

se um hiato entre o discurso e as ações. Enquanto preservaram a referência religiosa no discurso,

esvaziaram-na de sua essência: a liberação social, econômica e cultural. Doravante, uma

ideologia de meios e de gestão nos países de maioria muçulmana, o Islamismo não oferece mais

propostas de significado ou de renovação, como uma reação aos oponentes ou ao Ocidente. Ela

se encontra na incapacidade de oferecer alternativas éticas aos diferentes níveis de

educação, de justiça social, do meio ambiente, de cultura e de comunicação.

Assistimos, então, a muitas derivas e emergência de discursos a partir das referências

religiosas que são instrumentalizados para fins identitários, culturais e políticos. Os islamitas

62 É preciso lembrar que ‘’islã’’ é diferente de ‘’islamismo’’. O primeiro refere-se à religião em si e o

segundo à dimensão política do islã.

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se inclinaram diante da economia capitalista, em nome do pragmatismo e caminham, a cada

compromisso, obcecados pelo seu reconhecimento internacional (RAMADAN, 2013).

A cidadania cultural islâmica refere-se à reformulação da identidade muçulmana que,

mesmo que ela seja culturalmente herdada, não é evidente em si. Desde a década de 1990, trata-

se para os jovens burkinabê, e para seus pares, de viverem ativamente sua fé no cotidiano,

participando da vida social e cultural, bem como da vida econômica e política. Eles

permanecem críticos à participação das economias africanas à economia mundial que se fez ao

longo da história segundo muitas modalidades: o comércio transaariano na Idade Média, a

colonização no século XIX, a cooperação e o desenvolvimento nos séculos XX e XXI.

Para Lushaba (2009)63, esses diferentes momentos são apenas os três diferentes períodos

que caracterizam o capitalismo: a era do capitalismo mercantil, do século XV ao XVIII, a era

capitalista propriamente dita, do século XVIII até a metade do século XX e a política liberal do

final do século XX até hoje. Ainda segundo Segundo Lushaba (2009), Sy (2015) e Mbembé

(2002), a modernidade hoje em dia se expressa através do paradigma do desenvolvimento

neoliberal imposto aos países africanos pelas instituições de Bretton Woods (ONU, BM e FMI).

De fato, com Roc (2014), deve-se dizer que o liberalismo econômico é concebido em

uma abordagem que enquadra e consolida o capitalismo e seu mercado. Para o autor, o

liberalismo econômico clássico desenvolvido por Adam Smith, em seu livro "A riqueza das

nações", publicado em 1776, tem como princípio constitutivo a emancipação da economia em

relação aos dogmas religiosos que seriam danosos para o desenvolvimento. Ele dominou todo

o século XIX até a Grande Depressão dos anos 1930.

A o mesmo tempo, a ideologia econômica, política e social, enquanto corrente de

pensamento restringe o poder do Estado para o benefício das liberdades individuais e preconiza

a liberdade de mercado e o livre empreendimento como mecanismos de resolução de problemas

sociais. Assim, ao mesmo tempo que enquadra as relações do Estado e da sociedade civil, o

liberalismo orienta as leis do mercado, e garante o "crescimento econômico", em detrimento do

humano.

Ainda segundo Roc (2014), a Crise de 1929 e a subsequente Grande Depressão tiveram

um impacto devastador na economia. Assim, as leis de mercado estabelecidas pelo liberalismo

63 Consultar igualmente as diferentes publicações de Aminata Dramane Traore

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econômico clássico, "assegurando o crescimento e a estabilidade do mercado" por mais de um

século, atingiram seu limite.

Logo no final da década de 1940, o neoliberalismo começou a se impor como um

mecanismo capaz de reavivar o crescimento. Para tanto, foram estabelecidas entre outras,

algumas medidas: liberalização sem restrição das trocas mercantis e dos fluxos de capitais,

rigidez dos gastos públicos e políticas salariais, preponderância do setor privado,

desengajamento do Estado em relação ao social. Assim, o neoliberalismo se impõe como uma

doutrina hegemônica, dando-se a vocação de regular tanto a economia quanto o social, fora da

intervenção do Estado. Por isso mesmo, põe em questão as políticas de igualdade e de justiça

social, deveres dos Estados, em nome de um ataque à liberdade e apresenta a desigualdade

como um valor indispensável e uma condição de eficácia.

O Neoliberalismo (POLICAR, 2006; 2012; VROEY, 2009; MARTIN, 2009) contribuiu

fundamentalmente à construção da soberania dos Estados contemporâneos, abalando suas

prerrogativas, moldando-os para que eles sejam perfeitamente adequados ao capital e à sua

acumulação. Tudo leva a pensar que é o econômico que gera o Estado. Retraindo-se ao status

de Estado mínimo, os Estados, atuam no sentido de se descomprometer de seus cidadãos,

principalmente dos que se encontram em situação de vulnerabilidade social maior, como os

assalariados, do mesmo modo que os vulneráveis sociais (doentes, pensionistas,

desempregados, pobres). E não esqueçamos dos jovens e sua fragilidade social.

O Estado se subjugou ao capital. Suas intervenções alegam socorrer as instituições e

grupos com quem se comprometeu enquanto análises rigorosas expõem estratégias de

espoliação e de pauperização das populações das quais se exige o pagamento do custo político

e econômico de suas escolhas arbitrárias (LAZZARATO, 2013; 2005).

Vale lembrar o discurso na Assembléia Geral da ONU, em 4 de outubro de 1984, de

Thomas Sankara, o ‘’Che Africano’’, quando era o Presidente de Burkina Faso, ainda um

pequeno país de 274. 000 km2 contando na época 7 milhões de habitantes64. Declarou65 em

substância o seguinte:

64 Discurso integral na parte anexo da tese.

65 Discurso histórico de Thomas Sankara [o Che Africano] na ONU (4 octobre 1984)

https://www.youtube.com/watch?v=6ZGSKy2Z7jA

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Venho a esta sessão vos falar em nome de um povo que escolheu daqui em diante se

afirmar e assumir a sua história denunciando as razões da sua revolta. Devemos dar voz

às justas lutas da nossa população mobilizada contra o imperialismo monstruoso. À

revolta passageira, fogo de palha, deve-se substituir, para sempre, a revolução, a luta

eterna contra a dominação.

Como eu, muitas pessoas disseram e dirão o quanto a distância entre os ricos e aqueles

que só aspiram a viver e manter sua dignidade vai crescendo. Até quando o grão do

pobre alimentará a vaca do rico? Nunca mais haverá ataques ao nosso pudor e a nossa

dignidade. Falamos em nome de todos aqueles que sofrem na sua carne; todos aqueles

cuja dignidade humana é violada e negada por uma minoria e por um sistema

estruturalmente injusto que os esmaga.

O escravo que não é capaz de assumir a sua rebelião não merece lamentos sobre a sua

condição. Este escravo irá responder sozinho da sua desgraça, se está se iludindo sobre

a condescendência suspeita de um mestre pretendendo libertá-lo. Só a luta liberta. Nossa

revolução se inspira também em todas as experiências dos homens desde o primeiro

sopro de humanidade. Queremos ser os herdeiros de todas as revoluções do mundo, de

todas as lutas de libertação.

Homem que sou, nada do que é humano, tem que ser distante de mim. Por isso, respeito

e sucesso eterno dos povos que lutam pela sua liberdade! Respeito e sucesso eterno para

as pessoas que decidem se assumir pela sua dignidade!

Com as mesmas palavras, quantas vozes semelhantes marcaram a história? Quantas

religiões, espiritualidades e filosofias carregam tal mensagem? Agnósticos e ateus expressaram

igualmente a mesma preocupação: como respeitar a dignidade e a nobreza do humano? Como

contemplar o humano?

A esse respeito, Oumou Sangaré propõe um caminho:

Reconhecer e respeitar a humanidade alheia leva ao melhor conhecimento da

diversidade, da vida

É reconhecendo e respeitando a humanidade alheia que pessoas se juntam à sua

causa; se entrega a ti

Sim, trata-se da delicadeza, da ternura que se dedica ao humano

Preste atenção! Perceberá que filhos até deixam de ser por falta disso

Ser anfitrião faz apelo ao mesmo princípio

E mais, vale igualmente diante dos animais

Disso, não há arrependimentos

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Se acontece que ninguém te o reconhece,

Pode ter certeza que Deus o fará

Vem na minha terra!

Verá casais românticos

Experimentará também o sabor da fraternidade e da

irmandade

Ao chegar na minha terra, descobrirá como pessoas sabem reconhecer e respeitar o

humano.

Canção: Oumou Sangaré (1990) Maladon

Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul Hadi Savadogo

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os diferentes propósitos da presente tese enunciados no início, assim como suas

articulações ao longo do estudo foram cotejados. Ao explorar a intelectualidade da juventude

muçulmana do Burkina Faso, foi perceptível como a partir da fé e da ética islâmica, a juventude

muçulmana, junto a seus contemporâneos, assume sua responsabilidade social.

Longe de se fechar numa tradição cuja pertinência exige uma releitura crítica, a sua

cidadania cultural se faz igualmente pelo dever de desafiar as problemáticas políticas

promovidas pelo Estado assim como as que são impostas por uma globalização eurocêntrica

espoliadora e assassina. Denunciando, interpelando e exigindo respostas para as diferentes

questões sociais, a juventude burkinabê, a geração sankara, milita para que se dê ao humano o

caráter de dignidade e integridade.

No Burkina Faso, em uma África que, com firmeza, mas não sem dificuldades, enfrenta

cobiças e espoliações necrófilas das conivências entre seus dirigentes, dos países do Norte e das

instituições de Breton Woods, uma voz se faz resistência: a juventude muçulmana. Herdeiros

da ética islâmica que se erige contra a denigração e o aviltamento do humano, eles opõem a sua

intelectualidade ao neoliberalismo que exacerbou as problemáticas relacionadas às diferentes

questões sociais.

Essa cidadania cultural fortemente expressa no espaço público burkinabê se faz eco dos

Direitos Humanos e Políticos que, diante da escala e da profundidade da desumanização em

curso, aparecem inoperantes, ou melhor, cabe dizer que as principais instituições internacionais

que se declaram serem defensoras [dos Direitos Humanos] são as que legitimam as lógicas e as

políticas que são precisamente as causas de grande parte dos sofrimentos sociais.

Através da presente tese, pensar as lutas sociais, bem como as estratégias implementadas

pela juventude muçulmana burkinabê, quer dizer pensar as solidariedades africanas na

articulação do tradicional à modernidade. É, igualmente, me debruçar sobre o diálogo

polarizado entre juventude e senioridade, a desumanizante e a fratricida opressão do Sul pelo

Norte; além disso, incontestavelmente, é se confrontar com as racionalidades/sensibilidades

individuais e coletivas e; em seguida, em outro nível, cuidar das alteridades diante das quais

temos igualmente a responsabilidade do humanismo.

Essa visão-construção da identidade, de um modo de ser, permanece um profundo e

ardente desejo do sentido de humanidade enaltecido pelo islã e, ademais, por todos aqueles que

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pensam em sociedades plurais, justas e igualitárias. O conhecimento, esse encontro de

epistemes, constitui-se em uma chave do consenso e do respeito das responsabilidades diante

de nossos engajamentos que disso decorram, isto é, ele se constitui em uma prioridade, nesses

tempos assassinos, em que o sofrimento humano nos “define”. Aqui, a intelectualidade não se

reduz mesmo aos bardos medíocres que as sociedades sabem oferecer àqueles que elas erigem

em ‘’deuses’’ e cuja excelência tem por único valor e razão de ser, apenas aquilo que se

relaciona com a grandeza de números (lucro, capital, rendimento, produtividade) significando

o rebaixamento do valor humano em vários sentidos.

Através do pós-colonialismo, inscrevemo-nos na tradição dos juristas e dos poetas que,

através das eras, e além das sociedades, souberam e sabem dar/dar de novo ao humano suas

cartas de nobreza.

Além do espaço finito dos territórios, os valores da identidade inventam-se e se

reinventam continuamente em relação às diferentes dinâmicas de desterritorialização e de

reterritorialização dos lugares de significação.

Mais do que nunca, ao encontro do humano, da vida e de suas lutas, burkinabê,

muçulmano, intelectual e cidadão por minhas identidades, aqui vim, aqui estou; então, aqui

viverei, por enquanto e, daqui continuarei a luta pois a terra é apenas um país e todos nós somos

seus cidadãos:

Caminhando e cantando e seguindo a canção

Somos todos iguais braços dados ou não

Nas escolas, nas ruas, campos, construções

Caminhando e cantando e seguindo a canção

Vem, vamos embora, que esperar não é saber

Quem sabe faz a hora, não espera acontecer

Pelos campos há fome em grandes plantações

Pelas ruas marchando indecisos cordões

Ainda fazem da flor seu mais forte refrão

E acreditam nas flores vencendo o canhão

Vem, vamos embora, que esperar não é saber

Quem sabe faz a hora, não espera acontecer

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Há soldados armados, amados ou não

Quase todos perdidos de armas na mão

Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição

De morrer pela pátria e viver sem razão

Vem, vamos embora, que esperar não é saber

Quem sabe faz a hora, não espera acontecer

Nas escolas, nas ruas, campos, construções

Somos todos soldados, armados ou não

Caminhando e cantando e seguindo a canção

Somos todos iguais braços dados ou não

Os amores na mente, as flores no chão

A certeza na frente, a história na mão

Caminhando e cantando e seguindo a canção

Aprendendo e ensinando uma nova lição

Vem, vamos embora, que esperar não é saber

Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.

Pra não dizer que não falei das flores

Geraldo Vandré

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ANNEXO

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Página CLXXXVII

LE DERNIER SERMON DU PROPHETE MUHAMMAD

Le prophète Mohammed a prononcé son dernier sermon au cours du

Hajj de l’an 632 (l’année 10 de l’Hégire), au neuvième jour du mois de

dhoul hijjah, douzième mois du calendrier lunaire, dans la vallée

Uranah du Mont Arafat.

ABDULLAH, Amatullah. Disponível em:

https://www.islamreligion.com/fr/articles/523/le-dernier-sermon-

du-prophete-mohammed/. Acesso em: 20 jun. 2018.

Après avoir loué et remercié Dieu, le Prophète (que la paix et les bénédictions

de Dieu soient sur lui) a déclaré :

« Ô peuple! Écoutez-moi attentivement, car je ne sais pas si, après cette

année-ci, je serai encore parmi vous. Écoutez, donc, ce que je vous dis

avec beaucoup d’attention et transmettez ce message à ceux qui ne

pouvaient être présents parmi nous aujourd’hui.

Ô peuple! Tout comme vous considérez ce mois, ce jour, cette cité

comme sacrés, considérez aussi la vie et les biens de chaque musulman

comme sacrés. Retournez à leurs légitimes propriétaires les biens qui

vous ont été confiés. Ne blessez personne afin que personne ne puisse

vous blesser. Souvenez-vous qu’en vérité, vous rencontrerez votre

Seigneur et qu’effectivement, Il vous demandera compte de vos actes.

Dieu vous a défendu de pratiquer l’usure [de prendre ou payer de

l’intérêt], donc tout intérêt non-payé sera maintenant annulé. Votre

capital, cependant, vous revient. Vous n’infligerez ni d’endurerez

aucune injustice. Dieu a décidé de rendre l’intérêt illicite, et tout intérêt

qui était dû à Abbas ibn Abd’al Mouttalib sera maintenant annulé.

Méfiez-vous de Satan, pour le salut de votre religion. Il a perdu tout

espoir de ne pouvoir jamais vous amener à commettre les grands

péchés; attention, donc, à ne pas le suivre dans les péchés mineurs.

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Página CLXXXVIII

Ô peuple! Il est vrai que vous avez certains droits à l’égard de vos

femmes, mais elles aussi ont des droits sur vous. Souvenez-vous que

c’est par la permission de Dieu que vous les avez prises pour épouses et

que c’est Dieu qui vous les a confiées. Si elles respectent vos droits,

alors à elles appartient le droit d’être nourries et habillées

convenablement. Traitez donc bien vos femmes et soyez gentils envers

elles, car elles sont vos partenaires et elles sont dévouées envers vous.

Il est de votre droit qu’elles ne se lient pas d’amitié avec des gens que

vous n’approuvez pas, et qu’elles ne commettent jamais l’adultère.

Ô peuple! Écoutez-moi bien : adorez Dieu, faites vos cinq prières

quotidiennes, jeûnez pendant le mois de Ramadan, et donnez votre

richesse en zakat. Accomplissez le Hajj si vous en avez les moyens.

Toute l’humanité descend d’Adam et Ève. Un Arabe n’est point

supérieur à un non-Arabe, et un non-Arabe n’est point supérieur à un

Arabe; et les Blancs ne sont point supérieurs aux Noirs, de même que

les Noirs ne sont point supérieurs aux Blancs. Aucune personne n’est

supérieure à une autre, si ce n’est en piété et en bonnes actions. Vous

savez que chaque musulman est le frère de tous les autres musulmans.

Vous êtes tous égaux. Vous n’avez aucun droit sur les biens

appartenant à l’un de vos frères, à moins qu’on ne vous ait fait un don

librement et de plein gré. Par conséquent, ne soyez pas injustes les uns

envers les autres.

Souvenez-vous, un jour vous vous présenterez devant Dieu et répondrez

de vos actes. Prenez garde, donc, ne vous écartez pas du droit chemin

après ma mort. Ô peuple! Aucun prophète ni messager ne viendra

après moi, et aucune nouvelle religion ne naîtra. »

Raisonnez bien, ô peuple, et comprenez bien les mots que je vous

transmets. Je laisse derrière moi deux choses : le Coran et mon

exemple, la Sounnah. Et si vous les suivez, jamais vous ne vous

égarerez.

Que tous ceux qui m’écoutent transmettent ce message à d’autres, et

ceux-là à d’autres encore; et que les derniers puissent le comprendre

mieux que ceux qui m’écoutent directement. Sois témoin, ô Dieu, que j’ai

transmis Ton message à Tes serviteurs. »

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C’est ainsi que le Prophète termina son dernier sermon et, alors qu’il se

tenait près du sommet de Arafat, le verset suivant lui fut révélé :

« … Aujourd’hui, J’ai parfait votre religion pour vous et J’ai accompli Mon

bienfait sur vous. Et J’ai choisi l’islam comme religion pour vous. » (Coran

5:3)

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DISCOURS D’ORIENTATION POLITIQUE PRONONCÉ

PAR THOMAS SANKARA le 2 OCTOBRE 1983

Disponível em: http://thomassankara.net/discours-d-orientation-politique-

2/. Acesso em: 20 jun. 2018.

Peuple de Haute-Volta,

Camarades militantes et militants de la révolution. Notre pays au cours de

cette année 1983 a connu des moments d’une intensité particulière qui

laisse encore des empreintes indélébiles dans l’esprit de bien des

concitoyens. La lutte du peuple voltaïque a connu durant cette période des

flux et des reflux. Notre peuple a subi l’épreuve de luttes héroïques et a enfin

remporté la victoire dans la nuit devenue désormais historique du 4 août

1983. Cela fera bientôt deux mois que la révolution est en marche

irréversible dans notre pays. Deux mois que le peuple combattant de Haute-

Volta s’est mobilisé comme un seul homme derrière le Conseil national de la

révolution (CNR) pour l’édification d’une société voltaïque nouvelle, libre,

indépendante et prospère ; une société nouvelle débarrassée de l’injustice

sociale, débarrassée de la domination et de l’exploitation séculaires de

l’impérialisme international. A l’issue de ce bref chemin parcouru, je vous

invite, avec moi, à jeter un regard rétrospectif afin de tirer les enseignements

nécessaires pour déterminer correctement les tâches révolutionnaires qui se

posent à l’heure actuelle et dans le prochain avenir. En nous dotant d’une

claire perception de la marche des événements, nous nous fortifions

davantage dans notre lutte contre l’impérialisme et les forces sociales

réactionnaires.

En somme : d’où sommes-nous venus ? Et où allons-nous ? Ce sont là les

questions de l’heure qui exigent de nous une réponse claire et résolue, sans

équivoque aucune, si nous voulons marcher hardiment vers de plus grandes

et de plus éclatantes victoires. La révolution d’août est l’aboutissement de la

lutte du peuple voltaïque Le triomphe de la révolution d’août n’est pas

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seulement le résultat du coup de force révolutionnaire imposé à l’alliance

sacro-sainte réactionnaire du 17 mai 1983. Il est l’aboutissement de la lutte

du peuple voltaïque sur ses ennemis de toujours. C’est une victoire sur

l’impérialisme international et ses alliés nationaux. Une victoire sur les

forces rétrogrades obscurantistes et ténébreuses. Une victoire sur tous les

ennemis du peuple qui ont tramé complots et intrigues derrière son dos. La

révolution d’août est le terme ultime de l’insurrection populaire déclenchée

suite au complot impérialiste du 17 mai 1983, visant à endiguer la marée

montante des forces démocratiques et révolutionnaires de ce pays. Cette

insurrection a été non seulement symbolisée par l’attitude courageuse et

héroïque des commandos de la ville de Pô, qui ont su opposer une résistance

farouche au pouvoir pro-impérialiste et antipopulaire du médecin-

commandant Jean-Baptiste Ouédraogo et du colonel Somé Yoryan, mais

aussi, par le courage des forces populaires démocratiques et révolutionnaires

qui, en alliance avec les soldats et les officiers patriotes, ont su organiser

une résistance exemplaire. L’insurrection du 4 août 1983, la victoire de la

révolution et l’avènement du Conseil national de la révolution sont donc

incontestablement la consécration et l’aboutissement conséquent des luttes

du peuple voltaïque contre la domination et l’exploitation néocoloniales,

contre l’assujettissement de notre pays, pour l’indépendance, la liberté, la

dignité et le progrès de notre peuple. En cela, les analyses simplistes et

superficielles, cantonnées dans la reproduction des schémas préétablis, ne

pourront rien changer à la réalité des faits. La révolution d’août a triomphé

en se posant ainsi comme l’héritière et l’approfondissement du soulèvement

populaire du 3 janvier 1966. Elle est la poursuite et le développement à un

stade qualitatif supérieur de toutes les grandes luttes populaires qui sont

allées en se multipliant ces dernières années et qui toutes, marquaient le

refus systématique du peuple voltaïque et particulièrement de la classe

ouvrière et des travailleurs de se laisser gouverner comme avant. Les jalons

les plus marquants et les plus significatifs de ces grandes luttes populaires

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correspondent aux dates de décembre 1975, de mai 1979, d’octobre et

novembre 1980, d’avril 1982 et de mai 1983. C’est un fait établi que le grand

mouvement de résistance populaire qui a immédiatement suivi la

provocation réactionnaire et pro-impérialiste du 17 mai 1983, a créé les

conditions favorables à l’avènement du 4 août 1983. En effet, le complot

impérialiste du 17 mai a précipité sur une grande échelle le regroupement

des forces et organisations démocratiques et révolutionnaires qui se sont

mobilisées durant cette période en développant des initiatives et en

entreprenant des actions audacieuses inconnues jusque-là. Pendant ce

temps, l’alliance sacro-sainte des forces réactionnaires autour du régime

moribond souffrait de son incapacité à juguler la percée des forces

révolutionnaires qui, de façon de plus en plus ouverte, montaient à l’assaut

du pouvoir anti-populaire et anti-démocratique. Les manifestations

populaires, des 20, 21 et 22 mai ont connu un large écho national à cause

essentiellement de leur grande signification politique, du fait qu’elles

apportaient la preuve concrète de l’adhésion ouverte de tout un peuple et

surtout de sa jeunesse, aux idéaux révolutionnaires défendus par des

hommes traîtreusement abattus par la réaction. Elles ont eu une grande

portée pratique, du fait qu’elles exprimaient la détermination de tout un

peuple et de toute sa jeunesse qui se sont mis debout pour affronter

concrètement les forces de domination et d’exploitation impérialistes. Ce fut

la démonstration la plus patente de la vérité selon laquelle, quand le peuple

se met debout l’impérialisme et les forces sociales qui lui sont alliées

tremblent.

L’histoire et le processus de conscientisation politique des masses populaires

suivent un cheminement dialectique qui échappe à la logique réactionnaire.

C’est pourquoi les événements du mois de mai 1983 ont grandement

contribué à l’accélération du processus de clarification politique dans notre

pays, atteignant ainsi un degré tel que les masses populaires dans leur

ensemble ont accompli un saut qualitatif important dans la compréhension

de la situation. Les événements du 17 mai ont contribué grandement à

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ouvrir les yeux du peuple voltaïque, et l’impérialisme dans son système

d’oppression et d’exploitation leur est apparu sous un éclat brutal et cruel. Il

y a des journées qui renferment en elles des enseignements d’une richesse

comparable à celle d’une décennie entière. Au cours de ces journées, le

peuple apprend avec une rapidité inouïe et une profondeur d’esprit telle que

mille journées d’études ne sont rien à côté d’elles. Les événements du mois

de mai 1983 ont permis au peuple voltaïque de mieux connaître ses

ennemis. Ainsi, dorénavant, en Haute-Volta, tout le monde sait : Qui est qui

! Qui est avec qui et contre qui ! Qui fait quoi et pourquoi. Ce genre de

situation qui constitue le prélude à de grands bouleversements a contribué à

mettre à nu l’exacerbation des contradictions de classes de la société

voltaïque. La révolution d’août arrive par conséquent comme la solution des

contradictions sociales qui ne pouvaient désormais être étouffées par des

solutions de compromis. L’adhésion enthousiaste des larges masses

populaires à la révolution d’août est la traduction concrète de l’espoir

immense que le peuple voltaïque fonde sur l’avènement du CNR pour

qu’enfin puisse être réalisée la satisfaction de son aspiration profonde à la

démocratie, à la liberté et à l’indépendance, au progrès véritable, à la

restauration de la dignité et de la grandeur de notre patrie, que 23 années de

régime néo-coloniale ont singulièrement bafouée.

L’héritage de 23 années de néo-colonisation

L’avènement du CNR le 4 août 1983, et l’instauration d’un pouvoir

révolutionnaire en Haute-Volta depuis cette date, ont ouvert une page

glorieuse dans les annales de l’Histoire de notre peuple et de notre pays.

Cependant, lourd et pesant est l’héritage que nous lèguent 23 années

d’exploitation et de domination impérialistes. Dure et ardue sera notre tâche

d’édification d’une société nouvelle, d’une société débarrassée de tous les

maux qui maintiennent notre pays dans une situation de pauvreté et

d’arriération économique et culturelle. Lorsqu’en 1960, le colonialisme

français traqué de toutes parts, déconfit à Dien-Bien-Phu (Vietnam), en prise

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à des difficultés énormes en Algérie, fut contraint, tirant ainsi les leçons de

ces défaites, d’octroyer à notre pays la souveraineté nationale et l’intégrité

territoriale, cela a été salué positivement par notre peuple qui n’était pas

resté impassible mais développait des luttes de résistance appropriées. Cette

fuite en avant de l’impérialisme colonialiste français constitua pour le peuple

une victoire sur les forces d’oppression et d’exploitation étrangères. Du point

de vue des masses populaires ce fut une réforme démocratique, tandis que

du point de vue de l’impérialisme ce n’était qu’une mutation opérée dans ses

formes de domination et d’exploitation de notre peuple. Cette mutation a

abouti cependant à une redisposition des classes et couches sociales et à

l’établissement de nouvelles classes. En alliance avec les forces rétrogrades

de la société traditionnelle, la petite-bourgeoisie intellectuelle de l’époque,

dans un mépris total des masses fondamentales qui lui avaient servi de

tremplin pour son accession au pouvoir, entreprit d’organiser les fondements

politiques et économiques des nouvelles formes de domination et

d’exploitation impérialistes. La crainte que la lutte des masses populaires ne

se radicalise et ne débouche sur une solution véritablement révolutionnaire

est à la base du choix opéré par l’impérialisme qui consiste à exercer

dorénavant sa mainmise sur notre pays, à perpétuer l’exploitation de notre

peuple par des nationaux interposés. Des nationaux voltaïques allaient

prendre le relais de la domination et de l’exploitation étrangères. Toute

l’organisation de la société néo-coloniale reviendra à une simple opération de

substitution dans les formes. Dans leur essence, la société néo-coloniale et

la société coloniale ne diffèrent en rien. Ainsi, à l’administration coloniale on

a vu se substituer une administration néo-coloniale identique sous tous les

rapports à la première. A l’armée coloniale se substitue une armée néo-

coloniale avec les mêmes attributs, les mêmes fonctions et le même rôle de

gardien des intérêts de l’impérialisme et de ceux de ses alliés nationaux. A

l’école coloniale se substitue une école néo-coloniale qui poursuit les mêmes

buts d’aliénation des enfants de notre pays et de reproduction d’une société

essentiellement au service des intérêts impérialistes, accessoirement au

service des valets et alliés locaux de l’impérialisme.

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Des nationaux voltaïques entreprirent, avec l’appui et la bénédiction de

l’impérialisme, d’organiser le pillage systématique de notre pays. Des miettes

de ce pillage qui leur retombent, ils se transforment petit à petit en une

bourgeoisie véritablement parasitaire, ne sachant plus retenir leurs appétits

voraces. Mus par leurs seuls intérêts égoïstes, ils ne reculeront désormais

plus devant les moyens les plus malhonnêtes, développant à grande échelle

la corruption, le détournement des deniers et de la chose publics, les trafics

d’influence et la spéculation immobilière, pratiquant le favoritisme et le

népotisme. Ainsi s’expliquent toutes les richesses matérielles et financières

qu’ils ont pu accumuler sur le dos du peuple travailleur. Et non contents de

vivre sur les rentes fabuleuses qu’ils tirent de l’exploitation éhontée de leurs

biens mal acquis, ils jouent des pieds et des mains pour s’accaparer des

responsabilités politiques qui leur permettront d’utiliser l’appareil étatique

au profit de leur exploitation et de leur gabegie. Une année entière ne se

passe sans qu’ils se payent de grasses vacances à l’étranger. Leurs enfants

désertent les écoles du pays pour un enseignement de prestige dans d’autres

pays. A la moindre petite maladie, tous les moyens de l’État sont mobilisés

pour leur assurer des soins coûteux dans les hôpitaux de luxe des pays

étrangers. Tout cela se déroule sous les yeux d’un peuple voltaïque

laborieux, courageux et honnête, mais qui croupit dans la misère la plus

crasse. Si pour la minorité de riches la Haute-Volta constitue un paradis,

pour cette majorité que constitue le peuple, elle est un enfer à peine

supportable. Dans cette grande majorité, les salariés, malgré le fait qu’ils

sont assurés d’un revenu régulier subissent contraintes et pièges de la

société de consommation du capitalisme. Tout leur salaire se voit consommé

avant même qu’il n’ait été touché. Et le cercle vicieux se poursuit sans fin,

sans aucune perspective de rupture. Au sein de leurs syndicats respectifs,

les salariés engagent des luttes revendicatives pour l’amélioration de leurs

conditions de vie. L’ampleur de ces luttes contraint quelquefois les pouvoirs

néo-coloniaux en place à lâcher du lest. Mais ils ne donnent d’une main que

pour récupérer aussitôt de l’autre. Ainsi on annonce, avec grand tapage, une

augmentation de 10 pour cent des salaires pour immédiatement prendre des

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mesures d’imposition qui annulent les effets bénéfiques attendus de la

première mesure. Les travailleurs après 5, 6, 7 mois finissent toujours par se

rendre compte de la supercherie et se mobilisent pour de nouvelles luttes.

Sept mois, c’est plus qu’il ne faut aux réactionnaires au pouvoir pour

reprendre du souffle et élaborer d’autres stratagèmes. Dans cette lutte sans

fin, le travailleur s’en sort toujours perdant. Au sein de cette grande

majorité, il y a ces «damnés de la terre», ces paysans que l’on exproprie, que

l’on spolie, que l’on moleste, que l’on emprisonne, que l’on bafoue et que l’on

humilie chaque jour et qui, cependant, sont de ceux dont le travail est

créateur de richesses. C’est par leurs activités productives que l’économie du

pays se maintient malgré sa fragilité. C’est de leur travail que se «sucrent»

tous ces nationaux pour qui la Haute-Volta est un El Dorado. Et pourtant,

ce sont eux qui souffrent le plus du manque des structures,

d’infrastructures routières, du manque des structures et d’encadrement

sanitaires. Ce sont ces paysans créateurs de richesses nationales qui

souffrent le plus du manque d’écoles et de fournitures scolaires pour leurs

enfants. Ce sont leurs enfants qui vont grossir les rangs des chômeurs après

un passage-éclair sur les bancs des écoles mal adaptées aux réalités de ce

pays. C’est parmi eux que le taux d’analphabétisme est le plus élevé : 98

pour cent. Ceux qui ont besoin de plus de savoir pour que leur travail

productif puisse s’améliorer en rendement, c’est encore eux qui profitent le

moins des investissements dans le domaine de la santé, de l’éducation et de

la technologie. La jeunesse paysanne, qui a les mêmes dispositions d’esprit

que toute la jeunesse, c’est-à-dire, plus sensible à l’injustice sociale et

favorable au progrès, en arrive, dans un sentiment de révolte, à déserter nos

campagnes les privant ainsi de ses éléments les plus dynamiques. Le

premier réflexe pousse cette jeunesse dans les grands centres urbains que

sont Ouagadougou et Bobo-Dioulasso. Là ils espèrent trouver un travail plus

rémunérateur et profiter aussi des avantages du progrès. Le manque de

travail les pousse à l’oisiveté avec les vices qui la caractérisent. Enfin ils

chercheront leur salut, pour ne pas finir en prison, en s’expatriant vers

l’étranger où l’humiliation et l’exploitation la plus éhontée les attendent.

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Mais la société voltaïque leur laisse-t-elle d’autre choix ? Telle est, de la

manière la plus succincte, la situation de notre pays après 23 années de

néo-colonisation : paradis pour les uns et enfer pour les autres. Après 23

années de domination et d’exploitation impérialistes, notre pays demeure un

pays agricole arriéré où le secteur rural qui occupe plus de 90 pour cent de

la population active ne représente seulement que 45 pour cent de la

production intérieure brute (PIB) et fournit les 95 pour cent des exportations

totales du pays. Plus simplement il faut constater que pendant que dans

d’autres pays les agriculteurs qui constituent moins de 5 pour cent de la

population arrivent non seulement à se nourrir correctement, à assurer les

besoins de toute la nation entière, mais aussi à exporter d’immenses

quantités de leurs produits agricoles, chez nous plus de 90 pour cent de la

population malgré de rudes efforts connaissent famines et disettes et sont

obligés d’avoir recours, avec le reste de la population, à l’importation des

produits agricoles si ce n’est à l’aide internationale. Le déséquilibre entre les

exportations et les importations ainsi créé contribue à accentuer la

dépendance du pays vis-à-vis de l’étranger. Le déficit commercial qui en

résulte s’accroît sensiblement au fil des années et le taux de couverture des

importations par les exportations se situe aux environs de 25 pour cent. En

termes plus clairs, nous achetons à l’étranger plus que nous ne lui vendons

et une économie qui fonctionne sur cette base se ruine progressivement et va

vers la catastrophe. Les investissements privés en provenance de l’extérieur

sont non seulement insuffisants, mais en outre exercent des ponctions

énormes sur l’économie du pays et ne contribuent donc pas à renforcer sa

capacité d’accumulation. Une part importante de la richesse créée à l’aide

des investissements étrangers est drainée vers l’extérieur au lieu d’être

réinvestie pour accroître la capacité productive du pays. Dans la période

1973-1979, on estime les sorties des devises comme revenus des

investissements directs étrangers à 1,7 milliard de francs CFA par an, alors

que les investissements nouveaux ne se chiffrent qu’à 1,3 milliard de francs

CFA par an en moyenne. L’insuffisance des efforts en investissements

productifs amène l’État voltaïque à jouer un rôle fondamental dans

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l’économie nationale par l’effort qu’il fournit en vue de suppléer à

l’investissement privé. Situation difficile lorsque l’on sait que les recettes du

budget de l’État sont essentiellement constituées par les recettes fiscales qui

représentent 85 pour cent des recettes totales et qui se résument en grande

partie à des taxes sur les importations et à des impôts. Les recettes de l’État

financent, outre l’effort d’investissement national, les dépenses de l’État dont

70 pour cent servent à payer les salaires des fonctionnaires et à assurer le

fonctionnement des services administratifs. Que peut-il en rester alors pour

les investissements sociaux et culturels ? Dans le domaine de l’éducation,

notre pays se situe parmi les pays les plus retardataires avec un taux de

scolarisation de 16,4 pour cent et un taux d’analphabétisme qui s’élève à 92

pour cent en moyenne. C’est dire que sur 100 Voltaïques, à peine huit

semblent savoir lire et écrire en quelque langue que ce soit. Sur le plan

sanitaire, le taux de morbidité et de mortalité est des plus élevés dans la

sous région en raison de la prolifération des maladies transmissibles et des

carences nutritionnelles. Comment d’ailleurs éviter une telle situation

catastrophique lorsque l’on sait que chez nous on ne compte qu’un lit

d’hôpital pour 1 200 habitants et un médecin pour 48 000 habitants ? Ces

quelques éléments suffisent à eux seuls pour illustrer l’héritage que nous

laissent 23 années de néo-colonisation, 23 années d’une politique de totale

démission nationale. Cette situation, parmi les plus désolantes, ne peut

laisser dans l’indifférence aucun Voltaïque qui aime et honore son pays. En

effet notre peuple, peuple courageux et travailleur, n’a jamais pu tolérer une

telle situation. Et parce qu’il avait compris qu’il ne s’agissait pas là d’une

fatalité mais d’une organisation de la société sur des bases injustes au seul

profit d’une minorité, il a toujours développé des luttes multiformes,

cherchant les voies et moyens pour mettre un terme à l’ancien ordre des

choses. C’est pourquoi, il a salué fiévreusement l’avènement du Conseil

national de la révolution et de la révolution d’août qui est le couronnement

des efforts qu’il a déployés et des sacrifices qu’il a consentis pour renverser

l’ancien ordre, instaurer un nouvel ordre à même de réhabiliter l’homme

voltaïque et donner une place de choix à notre pays clans le concert des

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nations libres, prospères et respectées. Les classes parasitaires qui avaient

toujours tiré profit de la Haute-Volta coloniale et néo-coloniale sont et seront

hostiles aux transformations entreprises par le processus révolutionnaire

entamé depuis le 4 août 1983. La raison en est qu’elles sont et demeurent

attachées par un cordon ombilical à l’impérialisme international. Elles sont

et demeurent les fervents défenseurs des privilèges acquis du fait de leur

allégeance à l’impérialisme. Quoique l’on fasse, quoique l’on dise, elles

resteront égales à elles-mêmes, et continueront de tramer complots et

intrigues pour la reconquête de leur «royaume perdu». De ces nostalgiques il

ne faut point s’attendre à une reconversion de mentalité et d’attitude. Ils ne

sont sensibles et ne comprennent que le langage de la lutte, la lutte des

classes révolutionnaires contre les exploiteurs et les oppresseurs des

peuples. Notre révolution sera pour eux la chose la plus autoritaire qui soit ;

elle sera un acte par lequel le peuple leur imposera sa volonté par tous les

moyens dont il dispose et s’il le faut par ses armes. Ces ennemis du peuple,

qui sont-ils ? Ils se sont démasqués aux yeux du peuple lors des événements

du 17 mai dans leur hargne contre les forces révolutionnaires. Ces ennemis

du peuple, le peuple les a identifiés dans le feu de l’action révolutionnaire.

Ce sont.:

1) La bourgeoisie voltaïque, qui se distingue, de par la fonction que les

uns et les autres accomplissent, en bourgeoisie d’État, bourgeoisie

compradore et bourgeoisie moyenne.

– La bourgeoisie d’État : C’est cette fraction qui est connue

sous l’appellation de bourgeoisie politico bureaucratique.

C’est une bourgeoisie qu’une situation de monopole politique

a enrichie de façon illicite et crapuleuse. Elle s’est servie de

l’appareil d’État tout comme le capitaliste industriel se sert

de ses moyens de production pour accumuler les plus-values

tirées de l’exploitation de la force de travail des ouvriers.

Cette fraction de la bourgeoisie ne renoncera jamais de plein

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gré à ses anciens avantages pour assister, passive, aux

transformations révolutionnaires en cours.

– La bourgeoisie commerçante : Cette fraction, de par ses

activités mêmes, est attachée à l’impérialisme par de

multiples liens. La suppression de la domination impérialiste

signifie pour elle la mort de «la poule aux oeufs d’or». C’est

pourquoi elle s’opposera de toutes ses forces à la présente

révolution. C’est dans cette catégorie que se recrutent par

exemple les commerçants véreux qui cherchent à affamer le

peuple en retirant de la circulation les vivres à des fins de

spéculation et de sabotage économique.

– La bourgeoisie moyenne : Cette fraction de la bourgeoisie

voltaïque, bien qu’ayant des liens avec l’impérialisme, rivalise

avec celui-ci pour le contrôle du marché. Mais comme elle

est plus faible économiquement, elle se fait évincer par

l’impérialisme. Elle a donc des griefs contre l’impérialisme,

mais a aussi peur du peuple et cette peur peut l’amener à

faire front avec l’impérialisme. Toutefois, du fait que la

domination impérialiste sur notre pays l’empêche de jouer

son rôle véritable de bourgeoisie nationale, quelques-uns de

ses éléments, sous certains rapports, pourraient être

favorables à la révolution qui les situerait objectivement dans

le camp du peuple. Cependant, entre ces éléments qui

viennent à la révolution et le peuple, il faut développer une

méfiance révolutionnaire. Car, sous ce couvert accourront à

la révolution des opportunistes de toutes sortes.

2°) Les forces rétrogrades qui tirent leur puissance des structures

traditionnelles de type féodal de notre société. Ces forces, dans leur

majorité, ont su opposer une résistance ferme à l’impérialisme

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colonialiste français. Mais depuis l’accession de notre pays à la

souveraineté nationale, elles ont fait corps avec la bourgeoisie

réactionnaire pour oppresser le peuple voltaïque. Ces forces ont tenu les

masses paysannes en une situation de réservoir à partir duquel elles se

livraient à des surenchères électoralistes. Pour préserver leurs intérêts

qui sont communs à ceux de l’impérialisme et opposés à ceux du

peuple, ces forces réactionnaires ont le plus souvent recours aux

valeurs décadentes de notre culture traditionnelle qui sont encore

vivaces dans les milieux ruraux. Dans la mesure où notre révolution

vise à démocratiser les rapports sociaux dans nos campagnes, à

responsabiliser les paysans, à mettre à leur portée plus d’instruction et

plus de savoir pour leur propre émancipation économique et culturelle,

ces forces rétrogrades s’y opposeront.

Ce sont là les ennemis du peuple dans la présente révolution, des ennemis

que le peuple a identifiés lui-même lors des événements du mois de mai. Ce

sont ces individus-là qui ont constitué le gros de la troupe des marcheurs

isolés, protégés par un cordon militaire, et qui ont manifesté leur soutien de

classe au régime déjà moribond issu du coup d’État réactionnaire et pro-

impérialiste. En dehors des classes et couches sociales réactionnaires et

antirévolutionnaires ci-dessus énumérées, le reste de la population constitue

le peuple voltaïque. Un peuple qui tient la domination et l’exploitation

impérialistes en abomination et qui n’a cessé de le manifester dans la lutte

concrète de tous les jours contre les différents régimes néo-coloniaux. Ce

peuple dans la présente révolution regroupe :

1°) La classe ouvrière voltaïque, jeune et peu nombreuse, mais qui a su

faire la preuve dans ses luttes incessantes contre le patronat, qu’elle est

une classe véritablement révolutionnaire. Dans la révolution présente,

c’est une classe qui a tout à gagner et rien à perdre. Elle n’a pas de

moyen de production à perdre, elle n’a pas de parcelle de propriété à

défendre dans le cadre de l’ancienne société néo-coloniale. Par contre,

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elle est convaincue que le révolution est son affaire, car elle en sortira

grandie et fortifiée.

2°) La petite-bourgeoisie qui constitue une vaste couche sociale très

instable et qui hésite très souvent entre la cause des masses populaires

et celle de l’impérialisme. Dans sa grande majorité, elle finit toujours

par se ranger du côté des masses populaires. Elle comprend les

éléments les plus divers parmi lesquels : les petits commerçants, les

intellectuels petits-bourgeois (fonctionnaires, étudiants, élèves,

employés du secteur privé, etc.), les artisans.

3°) La paysannerie voltaïque est, dans sa grande majorité, constituée de

petits paysans attachés à la propriété parcellaire du fait de la

désintégration progressive de la propriété collective depuis l’introduction

du mode de production capitaliste dans notre pays. Les rapports

marchands dissolvent de plus en plus les liens communautaires, et à

leur place s’instaure la propriété privée des moyens de production.

Dans cette nouvelle situation ainsi créée par la pénétration du

capitalisme dans nos campagnes, le paysan voltaïque qui se trouve lié à

la petite production, incarne les rapports bourgeois de production.

Aussi, au vu de toutes ces considérations, la paysannerie voltaïque est

partie intégrante de la catégorie de la petite-bourgeoisie. De par le passé

et de par sa situation présente, elle est la couche sociale qui a payé le

plus de tribut à la domination et à l’exploitation impérialistes. La

situation d’arriération économique et culturelle qui caractérise nos

campagnes l’a tenue longtemps à l’écart des grands courants de progrès

et de modernisation, et contenue dans le rôle de réservoir des partis

politiques réactionnaires. Cependant elle a intérêt à la révolution et en

est, du point de vue du nombre, la force principale.

4°) Le lumpen-prolétariat : C’est cette catégorie d’éléments déclassés

qui, du fait de leur situation de sans-travail, sont prédisposés à être à la

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solde des forces réactionnaires et contre-révolutionnaires pour

l’exécution de leurs sales besognes. Dans la mesure où la révolution

saura les convertir en les occupant utilement, ils pourront être ses

fervents défenseurs.

Le caractère et la portée de la révolution d’août

Les révolutions qui surviennent de par le monde ne se ressemblent point.

Chaque révolution apporte son originalité qui la distingue des autres. Notre

révolution, la révolution d’août, n’échappe pas à cette constatation. Elle tient

compte des particularités de notre pays, de son degré de développement et

d’assujettissement au système capitaliste impérialiste mondial.

Notre révolution est une révolution qui se déroule dans un pays agricole

arriéré, où le poids des traditions et de l’idéologie sécrétées par une

organisation sociale de type féodal, pèse énormément sur les masses

populaires. Elle est une révolution dans un pays qui, à cause de la

domination et de l’exploitation que l’impérialisme exerce sur notre peuple, a

évolué de la situation de colonie qu’était ce pays, à celle de néo-coloniale.

Elle est une révolution qui se produit dans un pays caractérisé encore par

l’inexistence d’une classe ouvrière consciente de sa mission historique et

organisée et par conséquent, ne possédant aucune tradition de lutte

révolutionnaire. C’est une révolution qui se produit dans un petit pays

continental, au moment où, sur le plan international, le mouvement

révolutionnaire s’effrite de jour en jour sans l’espoir visible de voir se

constituer un bloc homogène à même d’impulser et de soutenir

pratiquement les mouvements révolutionnaires naissants. Cet ensemble de

circonstances historiques, géographiques et sociologiques donne une

certaine empreinte singulière à notre révolution. La révolution d’août est une

révolution qui présente un double caractère : elle est une révolution

démocratique et populaire. Elle a pour tâches primordiales la liquidation de

la domination et de l’exploitation impérialistes, l’épuration de la campagne

de toutes les entraves sociales, économiques et culturelles qui la

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maintiennent dans un état d’arriération. De là découle son caractère

démocratique. De ce que les masses populaires voltaïques sont partie

prenante à part entière dans cette révolution et se mobilisent

conséquemment autour de mots d’ordre démocratiques et révolutionnaires

qui traduisent dans les faits leurs intérêts propres opposés à ceux des

classes réactionnaires alliées à l’impérialisme, elle tire son caractère

populaire. Ce caractère populaire de la révolution d’août réside aussi dans le

fait qu’en lieu et place de l’ancienne machine d’État s’édifie une nouvelle

machine à même de garantir l’exercice démocratique du pouvoir par le

peuple et pour le peuple. Notre révolution présente, ainsi caractérisée, tout

en étant une révolution anti-impérialiste, s’effectue encore dans le cadre des

limites du régime économique et social bourgeois. En procédant à l’analyse

des classes sociales de la société voltaïque, nous avons soutenu l’idée selon

laquelle la bourgeoisie voltaïque ne constitue pas une seule masse homogène

réactionnaire et anti-révolutionnaire. En effet, ce qui caractérise la

bourgeoisie des pays sous-développés sous le rapport capitaliste, c’est leur

incapacité congénitale de révolutionner la société à l’instar de la bourgeoisie

des pays européens des années 1780, c’est-à-dire à l’époque où celle-ci

constituait encore une classe ascendante. Tels sont les caractères et les

limites de la présente révolution déclenchée en Haute-Volta depuis le 4 août

1983. En avoir une claire perception et une définition exacte de son contenu

nous prémunit des dangers de déviation et des excès qui pourraient porter

préjudice à la marche victorieuse de la révolution. Que tous ceux qui ont pris

fait et cause pour la révolution d’août se pénètrent de la ligne directrice ainsi

dégagée en vue de pouvoir assumer leur rôle de révolutionnaires conscients

et, en véritables propagandistes intrépides et infatigables, en fassent une

diffusion au sein des masses. Il ne suffit plus de se dire révolutionnaire, il

faut en plus se pénétrer de la signification profonde de la révolution dont on

est le fervent défenseur. C’est le meilleur moyen de mieux la défendre contre

les attaques et les défigurations que les contre-révolutionnaires ne

manqueront pas de lui opposer. Savoir lier la théorie révolutionnaire à la

pratique révolutionnaire sera le critère décisif permettant désormais de

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distinguer les révolutionnaires conséquents de tous ceux qui accourent à la

révolution mus par des mobiles étrangers à la cause révolutionnaire.

De la souveraineté du peuple dans l’exercice du pouvoir

révolutionnaire

Un des traits distinctifs de la révolution d’août, avons-nous dit, et qui lui

confère son caractère populaire, c’est qu’elle est le mouvement de l’immense

majorité au profit de l’immense majorité. C’est une révolution faite par les

masses populaires voltaïques elles-mêmes avec leurs mots d’ordre et leurs

aspirations. L’objectif de cette révolution consiste à faire assumer le pouvoir

par le peuple. C’est la raison pour laquelle le premier acte de la révolution,

après la Proclamation du 4 août, fut l’appel adressé au peuple pour la

création des Comités de défense de la révolution (CDR). Le CNR a la

conviction que pour que cette révolution soit véritablement populaire, elle

devra procéder à la destruction de la machine d’État néo-coloniale et

organiser une nouvelle machine capable de garantir la souveraineté du

peuple. La question de savoir comment ce pouvoir populaire sera exercé,

comment ce pouvoir devra s’organiser, est une question essentielle pour le

devenir de notre révolution. L’histoire de notre pays jusqu’à nos jours a été

essentiellement dominée par les classes exploiteuses et conservatrices qui

ont exercé leur dictature anti-démocratique et anti-populaire, par leur

mainmise sur la politique, l’économie, l’idéologie, la culture, l’administration

et la justice. La révolution a pour premier objectif de faire passer le pouvoir

des mains de la bourgeoisie voltaïque alliée à l’impérialisme aux mains de

l’alliance des classes populaires constituant le peuple. Ce qui veut dire qu’à

la dictature anti-démocratique et anti-populaire de l’alliance réactionnaire

des classes sociales favorables à l’impérialisme, le peuple au pouvoir devra

désormais opposer son pouvoir démocratique et populaire. Ce pouvoir

démocratique et populaire sera le fondement, la base solide du pouvoir

révolutionnaire en Haute-Volta. Elle aura pour tâche primordiale la

reconversion totale de toute la machine d’État avec ses lois, son

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administration, ses tribunaux, sa police, son armée qui avaient été façonnés

pour servir et défendre les intérêts égoïstes des classes et couches sociales

réactionnaires. Elle aura pour tâche d’organiser la lutte contre les menées

contre-révolutionnaires de reconquête du «paradis perdu» en vue d’écraser

complètement la résistance des réactionnaires nostalgiques du passé. Et

c’est là que résident la nécessité et le rôle des CDR, comme point d’appui des

masses populaires à l’assaut des citadelles réactionnaires et contre-

révolutionnaires.

Pour une juste compréhension de la nature, du rôle et du

fonctionnement des CDR

L’édification de d’État de démocratie populaire qui est l’objectif final de la

révolution d’août n’est pas et ne sera pas l’oeuvre d’un seul jour. C’est une

tâche ardue qui exigera de nous des sacrifices énormes. Le caractère

démocratique de cette révolution nous impose une décentralisation et une

déconcentration du pouvoir administratif afin de rapprocher l’administration

du peuple, afin de faire de la chose publique une affaire qui intéresse tout

un chacun. Dans cette oeuvre immense de longue haleine, nous avons

entrepris de remodeler la carte administrative du pays pour une plus grande

efficacité. Nous avons aussi entrepris de renouveler la direction des services

administratifs dans un sens plus révolutionnaire. En même temps, nous

avons «dégagé» des fonctionnaires et militaires qui, pour des raisons

diverses, ne peuvent suivre la cadence de la présente révolution. Il nous

reste beaucoup à faire et nous en sommes conscients. Le Conseil national de

la révolution, qui est dans le processus révolutionnaire déclenché depuis le 4

août le pouvoir de conception, de direction, et de contrôle de la vie nationale

tant sur le plan politique, économique que social, se doit d’avoir des

instances locales dans les divers secteurs de la vie nationale. Et c’est là que

réside le sens profond de la création des CDR qui sont les représentants du

pouvoir révolutionnaire dans les villages, les quartiers des villes, les lieux de

travail. Les CDR constituent l’organisation authentique du peuple dans

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l’exercice du pouvoir révolutionnaire. C’est l’instrument que le peuple s’est

forgé pour se rendre véritablement souverain de son destin et étendre de ce

fait son contrôle dans tous les domaines de la société. Les armes du peuple,

le pouvoir du peuple, les richesses du peuple, ce sera le peuple qui les gèrera

et les CDR sont là pour cela. Quant à leurs rôles, ils sont immenses et

diversifiés. Leur mission première est l’organisation du peuple voltaïque tout

entier en vue de l’engager dans le combat révolutionnaire. Le peuple ainsi

organisé dans les CDR acquiert non seulement le droit de regard sur les

problèmes de son devenir, mais aussi participe à la prise de décision sur son

devenir et à son exécution. La révolution comme théorie juste pour détruire

l’ordre ancien et, en lieu et place, édifier une société d’un type nouveau ne

saurait être menée que par ceux qui y ont intérêt. Les CDR sont alors les

détachements d’assaut qui s’attaqueront à tous les foyers de résistance. Ce

sont les bâtisseurs de la Haute-Volta révolutionnaire. Ce sont les levains qui

devront porter la révolution dans toutes les provinces, tous nos villages, tous

les services publics et privés, tous les foyers, tous les milieux. Pour ce faire,

les militants révolutionnaires au sein des CDR doivent rivaliser d’ardeur

dans les tâches primordiales suivantes :

1°) L’action en direction des membres du CDR : il revient aux militants

révolutionnaires le travail d’éducation politique de leurs camarades. Les

CDR doivent être des écoles de formation politique. Les CDR sont les

cadres adéquats où les militants discutent des décisions des instances

supérieures de la révolution, du CNR et du gouvernement.

2°) L’action en direction des masses populaires vise à les entraîner à

adhérer massivement aux objectifs du CNR par une propagande et une

agitation intrépides et sans relâche. A la propagande et aux calomnies

mensongères de la réaction, les CDR doivent savoir opposer une

propagande, une explication révolutionnaires appropriées selon le

principe que seule la vérité est révolutionnaire. Les CDR se doivent

d’être à l’écoute des masses afin de se rendre compte de leur état

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d’esprit, de leurs besoins, pour en informer à temps le CNR et faire à ce

sujet des propositions concrètes. Ils sont invités à examiner les

questions touchant l’amélioration des intérêts des masses populaires,

en soutenant les initiatives prises par ces dernières. Le contact direct

avec les masses, populaires, par l’organisation périodique des

assemblées ouvertes où sont discutées les questions qui les intéressent,

est une nécessité impérieuse pour les CDR s’ils veulent aider à

l’application correcte des directives du CNR. Ainsi, dans l’action de

propagande, les décisions du CNR seront expliquées aux masses.

Seront aussi expliquées toutes les mesures destinées à l’amélioration de

leurs conditions de vie. Les CDR doivent lutter avec les masses

populaires des villes et des campagnes contre leurs ennemis et

l’adversité de la nature, pour la transformation de leur existence

matérielle et morale.

3°) Les CDR devront travailler de manière rationnelle illustrant ainsi un

des traits de notre révolution : la rigueur. Par conséquent, ils doivent se

doter de plans d’action cohérents et ambitieux qui s’imposent à tous

leurs membres. Depuis le 4 août, date devenue désormais historique

pour notre peuple, répondant à l’appel du CNR, les Voltaïques ont

développé des initiatives pour se doter de CDR. Ainsi des CDR virent le

jour dans les villages, dans les quartiers des villes, bientôt sur les lieux

de travail, dans les services, dans les usines, au sein de l’armée. Tout

ceci est le résultat de l’action spontanée des masses. Il convient

maintenant de travailler à leur structuration interne sur une base

claire, et à leur organisation à l’échelle nationale. C’est ce à quoi

s’attelle actuellement le Secrétariat général national des CDR. En

attendant que des travaux de réflexions qui se mènent actuellement sur

la base des expériences déjà accumulées, sortent des résultats

définitifs, nous nous contenterons d’esquisser le schéma et les principes

directeurs généraux du fonctionnement des CDR. L’idée première

poursuivie avec la création des CDR consiste en la démocratisation du

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pouvoir. Les CDR devenant ainsi des organes par lesquels le peuple

exerce le pouvoir local découlant du pouvoir central dévolu au CNR. Le

CNR constitue, en dehors des assises du congrès national, le pouvoir

suprême. Il est l’organe directeur de tout cet édifice dont le principe

directeur est le centralisme démocratique. Le centralisme démocratique

est basé d’une part sur la subordination des organes de l’échelon

inférieur aux organismes de l’échelon supérieur dont le plus haut est le

CNR auquel se subordonnent toutes les organisations. D’autre part, ce

centralisme reste démocratique, car le principe électif est de rigueur à

tous les niveaux et l’autonomie des organes locaux est reconnue pour

toutes les questions relevant de leur ressort, toutefois dans les limites et

le respect des directives générales tracées par l’instance supérieure.

De la moralité révolutionnaire au sein des CDR

La révolution vise à la transformation de la société sous tous les rapports,

économiques, sociaux et culturels. Elle vise à créer un Voltaïque nouveau,

avec une moralité et un comportement social exemplaires qui inspirent

l’admiration et la confiance des masses. La domination néo-coloniale a placé

notre société dans un pourrissement tel qu’il nous faudra des années pour la

purifier. Cependant les militants des CDR doivent se forger une nouvelle

conscience et un nouveau comportement en vue de donner le bon exemple

aux masses populaires. En faisant la révolution, nous devons veiller à notre

propre transformation qualitative. Sans une transformation qualitative de

ceux-là mêmes qui sont censés être les artisans de la révolution, il est

pratiquement impossible de créer une société nouvelle débarrassée de la

corruption, du vol, du mensonge, et de l’individualisme de façon générale.

Nous devons nous efforcer de faire concorder nos actes à nos paroles,

surveiller notre comportement social afin de ne pas prêter le flanc aux

attaques des contre-révolutionnaires qui sont à l’affût. Avoir continuellement

à l’esprit que l’intérêt des masses populaires prime sur l’intérêt personnel

nous préservera de tout égarement. L’activisme de certains militants

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caressant le rêve contre-révolutionnaire d’amasser des biens et des profits

par le biais des CDR doit être dénoncé et combattu. Le vedettariat doit être

éliminé. Plus vite ces insuffisances seront combattues, mieux cela vaudra

pour la révolution. Le révolutionnaire de notre point de vue, c’est celui qui

sait être modeste tout en étant des plus déterminés dans les tâches qui lui

sont confiées. Il s’en acquitte sans vantardise et n’attend aucune

récompense. Ces derniers temps nous constatons que des éléments qui ont

pris part activement à la révolution et qui s’attendaient, pour ce faire, à ce

que leur soient réservés des traitements privilégiés, des honneurs, des

postes importants se livrent, par dépit, à un travail de sape parce qu’ils n’ont

pas eu gain de cause. C’est la preuve qu’ils ont participé à la révolution sans

jamais comprendre les objectifs réels. On ne fait pas de révolution pour se

substituer simplement aux anciens potentats renversés. On rie participe pas

à la révolution sous une motivation vindicative animée par l’envie d’une

situation avantageuse : «ôte-toi de là que je m’y mette». Ce genre de mobile

est étranger à l’idéal de la révolution d’août et ceux qui le portent

démontrent leurs tares de petits-bourgeois situationnistes quand ce n’est

pas leur opportunisme de contre-révolutionnaires dangereux. L’image du

révolutionnaire que le CNR entend imprimer dans la conscience de tous,

c’est celui du militant qui fait corps avec les masses, qui a foi en elles et qui

les respecte. Il se départit de toute attitude de mépris vis-à-vis d’elles. Il ne

se considère pas comme un maître à qui ces masses doivent obéissance et

soumission. Au contraire, il se met à leur école, les écoute attentivement et

fait attention à leurs avis. Il se départit des méthodes autoritaires dignes des

bureaucrates réactionnaires. Le révolution se distingue de l’anarchie

dévastatrice. Elle exige une discipline et une ligne de conduite exemplaires.

Les actes de vandalisme et les actions aventuristes de toute sorte, au lieu de

renforcer la révolution par l’adhésion des masses, l’affaiblissent et

repoussent loin d’elle les masses innombrables. C’est pourquoi les membres

des CDR doivent élever leur sens des responsabilités devant le peuple et

chercher à inspirer respect et admiration. Ces insuffisances le plus souvent

relèvent d’une ignorance du caractère et des objectifs de la révolution. Et

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pour nous en prémunir, il nous faut nous plonger dans l’étude de la théorie

révolutionnaire. L’étude théorique élève notre compréhension des

phénomènes, éclaire nos actions et nous prémunit de bien des

présomptions. Nous devons désormais accorder une importance particulière

à cet aspect de la question et nous efforcer d’être des exemples qui

encouragent les autres à nous suivre.

Pour une révolutionnarisation de tous les secteurs de la société

voltaïque

Tous les régimes politiques qui se sont succédé jusqu’alors se sont évertués

à instaurer un ensemble de mesures pour une meilleure gestion de la société

néo-coloniale. Les changements opérés par ces divers régimes se résumaient

à la mise en place de nouvelles équipes dans la continuité du pouvoir néo-

colonial. Aucun de ces régimes ne voulait et ne pouvait entreprendre une

remise en cause des fondements socio-économiques de la société voltaïque.

C’est la raison pour laquelle ils ont tous échoué.

La révolution d’août ne vise pas à instaurer un régime de plus en Haute-

Volta. Elle vient en rupture avec tous les régimes connus jusqu’à présent.

Elle a pour objectif final l’édification d’une société voltaïque nouvelle au sein

de laquelle le citoyen voltaïque animé d’une conscience révolutionnaire sera

l’artisan de son propre bonheur, un bonheur à la hauteur des efforts qu’il

aura consentis. Pour ce faire, la révolution sera, n’en déplaise aux forces

conservatrices et rétrogrades, un bouleversement total et profond qui

n’épargnera aucun domaine, aucun secteur de l’activité économique, sociale

et culturelle. La révolutionnarisation de tous les domaines, de tous les

secteurs d’activité, est le mot d’ordre qui correspond au moment présent.

Fort de la ligne directrice ainsi dégagée, chaque citoyen, à quelque niveau

qu’il se trouve, doit entreprendre de révolutionnariser son secteur d’activité.

D’ores et déjà, la philosophie des transformations révolutionnaires touchera

les secteurs suivants :

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1°) L’armée nationale ; 2°) La politique de la femme ; 3°)

L’édification économique.

1°) L’armée nationale : sa place dans la Révolution démocratique et populaire

Selon la doctrine de défense de la Haute-Volta révolutionnaire, un peuple

conscient ne saurait confier la défense de sa patrie à un groupe d’hommes

quelles que soient leurs compétences. Les peuples conscients assument eux-

mêmes la défense de leur patrie. A cet effet, nos Forces armées ne

constituent qu’un détachement plus spécialisé que le reste du peuple pour

les tâches de sécurité intérieure et extérieure de la Haute-Volta. De la même

manière, bien que la santé des Voltaïques soit l’affaire du peuple et de

chaque Voltaïque pris individuellement, il existe et existera un corps médical

plus spécialisé et consacrant plus de temps à la question de la santé

publique. La révolution dicte aux Forces armées nationales trois missions :

–1) Être en mesure de combattre tout ennemi intérieur et extérieur, et

participer à la formation militaire du reste du peuple. Ce qui suppose

une capacité opérationnelle accrue faisant de chaque militaire un

combattant compétent au lieu de l’ancienne armée qui n’était qu’une

masse de salariés.

– 2) Participer à la production nationale. En effet, le militaire nouveau

doit vivre et souffrir au sein du peuple auquel il appartient. Finie

l’armée budgétivore. Désormais, en dehors du maniement des armes,

elle sera aux champs, elle élèvera des troupeaux de boeufs, de moutons

et de la volaille. Elle construira des écoles et des dispensaires dont elle

assurera le fonctionnement, entretiendra les routes et transportera par

voie aérienne le courrier, les malades et les produits agricoles entre les

régions.

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– 3) Former chaque militaire en militant révolutionnaire. Fini le temps

où l’on prétendait à la réalité de la neutralité et de l’apolitisme de

l’armée tout en faisant d’elle le rempart de la réaction et le garant des

intérêts impérialistes ! Fini le temps où notre armée nationale se

comportait tel un corps de mercenaires étrangers en territoire conquis !

Ce temps-là est désormais révolu à jamais. Armés de la formation

politique et idéologique, nos soldats, nos sous-officiers et nos officiers

engagés dans le processus révolutionnaire cesseront d’être des

criminels en puissance pour devenir des révolutionnaires conscients,

étant au sein du peuple comme un poisson dans l’eau. Année au service

de la révolution, l’armée nationale populaire ne fera de place à aucun

militaire qui méprise son peuple, le bafoue et le brutalise. Une armée du

peuple au service du peuple, telle est la nouvelle armée que nous

édifierons à la place de l’armée néo-coloniale, véritable instrument

d’oppression et de répression aux mains de la bourgeoisie réactionnaire

qui s’en sert pour dominer le peuple. Une telle armée, du point de vue

même de son organisation interne et de ses principes de

fonctionnement, sera fondamentalement différente de l’ancienne armée.

Ainsi, à la place de l’obéissance aveugle des soldats vis-à-vis de leurs

chefs, des subalternes vis-à-vis des supérieurs, se développera une

discipline saine qui, tout en étant stricte, sera fondée sur l’adhésion

consciente des hommes et des troupes. Contrairement aux points de

vue des officiers réactionnaires animés par l’esprit colonial, la

politisation de l’armée, sa révolutionnarisation, ne signifie pas la fin de

la discipline. La discipline dans une armée politisée aura un contenu

nouveau. Elle sera une discipline révolutionnaire. C’est-à-dire une

discipline qui tire sa force dans le fait que l’officier et le soldat, le gradé

et le non-gradé se valent quant à la dignité humaine et ne diffèrent les

uns des autres que par leurs tâches concrètes et leurs responsabilités

respectives. Forts d’une telle compréhension des rapports entre les

hommes, les cadres militaires doivent respecter leurs hommes, les

aimer et les traiter avec équité. Ici aussi, les Comités de défense de la

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révolution ont un rôle fondamental à jouer. Les militants CDR au sein

de l’armée devront être les pionniers infatigables de l’édification de

l’armée nationale populaire de l’État démocratique et populaire dont les

tâches essentielles seront :

– Sur le plan intérieur, la. défense des droits et des intérêts du

peuple, le maintien de l’ordre révolutionnaire et la sauvegarde du

pouvoir démocratique et populaire.

– Sur le plan extérieur, la défense de l’intégrité territoriale.

2°) La femme voltaïque : son rôle dans la Révolution démocratique et populaire

Le poids des traditions séculaires de notre société voue la femme au rang de

bête de somme. Tous les fléaux de la société néo-coloniale, la femme les

subit doublement : premièrement, elle connaît les mêmes souffrances que

l’homme ; deuxièmement, elle subit de la part de l’homme d’autres

souffrances.

Notre révolution intéresse tous les opprimés, tous ceux qui sont exploités

dans la société actuelle. Elle intéresse par conséquent la femme, car le

fondement de sa domination par l’homme se trouve dans le système

d’organisation de la vie politique et économique de la société. La révolution,

en changeant l’ordre social qui opprime la femme, crée les conditions pour

son émancipation véritable. Les femmes et les hommes de notre société sont

tous victimes de l’oppression et de la domination impérialistes. C’est

pourquoi ils mènent le même combat. La révolution et la libération de la

femme vont de pair. Et ce n’est pas un acte de charité ou un élan

d’humanisme que de parler de l’émancipation de la femme. C’est une

nécessité fondamentale pour le triomphe de la révolution. Les femmes

portent sur elles l’autre moitié du ciel. Créer une nouvelle mentalité chez la

femme voltaïque qui lui permette d’assumer le destin du pays aux côtés de

l’homme est une des tâches primordiales de la révolution. II en est de même

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de la transformation à apporter dans les attitudes de l’homme vis-à-vis de la

femme. Jusqu’à présent la femme a été exclue des sphères de décisions. La

révolution, en responsabilisant la femme, crée les conditions pour libérer

l’initiative combattante des femmes. Le CNR, dans sa politique

révolutionnaire, travaillera à la mobilisation, à l’organisation et à l’union de

toutes les forces vives de la nation et la femme ne sera pas en reste. Elle sera

associée à tous les combats que nous aurons à entreprendre contre les

diverses entraves de la société néo-coloniale et pour l’édification d’une

société nouvelle. Elle sera associée, à tous les niveaux de conception, de

décision et d’exécution, à l’organisation de la vie de la nation entière. Le but

final de toute cette entreprise grandiose, c’est de construire une société libre

et prospère où la femme sera l’égale de l’homme dans tous les domaines.

Cependant, il convient d’avoir une juste compréhension de la question de

l’émancipation de la femme. Elle n’est pas une égalité mécanique entre

l’homme et la femme. Acquérir les habitudes reconnues à l’homme : boire,

fumer, porter des pantalons. Ce n’est pas cela l’émancipation de la femme.

Ce n’est pas non plus l’acquisition de diplômes qui rendra la femme égale à

l’homme ou plus émancipée. Le diplôme n’est pas un laisser-passer pour

l’émancipation. La vraie émancipation de la femme, c’est celle qui

responsabilise la femme, qui l’associe aux activités productives, aux

différents combats auxquels est confronté le peuple. La vraie émancipation

de la femme c’est celle qui force le respect et la considération de l’homme.

L’émancipation tout comme la liberté ne s’octroie pas, elle se conquiert. Et il

incombe aux femmes elles-mêmes d’avancer leurs revendications et de se

mobiliser pour les faire aboutir. En cela, la Révolution démocratique et

populaire créera les conditions nécessaires pour permettre à la femme

voltaïque de se réaliser pleinement et entièrement. Car, serait-il possible de

liquider le système d’exploitation en maintenant exploitées ces femmes qui

constituent plus de la moitié de notre société ?

3°. Une économie nationale indépendante, auto-suffisante et planifiée au

service d’une société démocratique et populaire.

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Le processus des transformations révolutionnaires entreprises depuis le 4

août met à l’ordre du jour de grandes réformes démocratiques et populaires.

Ainsi, le Conseil national de la révolution est conscient que l’édification

d’une économie nationale, indépendante, auto-suffisante et planifiée passe

par la transformation radicale de la société actuelle, transformation qui elle-

même suppose les grandes réformes suivantes :

– La réforme agraire – La réforme de l’administration

– La réforme scolaire – La réforme des structures de production et de distribution dans le secteur

moderne.

* La réforme agraire aura pour but :

– L’accroissement de la productivité du travail par une meilleure

organisation des paysans et l’introduction au niveau du monde

rural de techniques modernes d’agriculture

– Le développement d’une agriculture diversifiée de pair avec la

spécialisation régionale

– L’abolition de toutes les entraves propres aux structures socio-

économiques traditionnelles qui oppriment les paysans

– Enfin, faire de l’agriculture le point d’appui du développement

de l’industrie.

Cela est possible en donnant son vrai sens au slogan d’auto-suffisance

alimentaire, trop vieilli à force d’avoir été proclamé sans conviction. Ce sera

d’abord la lutte âpre contre la nature qui, du reste, n’est pas plus ingrate

chez nous que chez d’autres peuples qui l’ont merveilleusement vaincue sur

le plan agricole. Le Conseil national de la révolution ne se bercera pas

d’illusions en projets gigantissimes, sophistiqués. Au contraire, de

nombreuses petites réalisations dans le système agricole permettront de

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faire de notre territoire un vaste champ, une suite infinie de fermes. Ce sera

ensuite la lutte contre les affameurs du peuple, spéculateurs et capitalistes

agricoles de tout genre. Ce sera enfin la protection contre la domination

impérialiste de notre agriculture, dans l’orientation, le pillage de nos

ressources et la concurrence déloyale à nos productions locales par des

importations qui n’ont de mérite que leur emballage pour bourgeois en mal

de snobisme. Des prix rémunérateurs et des unités industrielles agro-

alimentaires assureront aux paysans des marchés pour leurs productions en

toute saison.

* La réforme administrative vise à rendre opérationnelle l’administration

héritée de la colonisation. Pour ce faire, il faudra la débarrasser de tous les

maux qui la caractérisent, à savoir la bureaucratie lourde, tracassière et ses

conséquences, et procéder à une révision complète des statuts de la Fonction

publique. La réforme devra déboucher sur une administration peu coûteuse,

plus opérante et plus souple.

* Le Réforme scolaire vise à promouvoir une nouvelle orientation de

l’éducation et de la culture. Elle devra déboucher sur la transformation de

l’école en un instrument au service de la révolution. Les diplômés qui en

sortiront devront être, non au service de leurs propres intérêts et (de celui)

des classes exploiteuses, mais au service des masses populaires. L’éducation

révolutionnaire qui sera dispensée dans la nouvelle école devra inculquer à

chacun une idéologie, une personnalité voltaïque qui débarrasse l’individu

de tout mimétisme. Apprendre aux élèves étudiants à assimiler de manière

critique et positive les idées et les expériences des autres peuples, sera une

des vocations de l’école dans la société démocratique et populaire. Pour

arriver à bout de l’analphabétisme et de l’obscurantisme, il faudra mettre

l’accent sur la mobilisation de toutes les énergies en vue de l’organisation

des masses pour les sensibiliser et créer en elles la soif d’apprendre en leur

montrant les inconvénients de l’ignorance. Toute politique de lutte contre

l’analphabétisme, sans la participation même des principaux intéressés est

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vouée à l’échec. Quant à la culture dans la société démocratique et

populaire, elle devra revêtir un triple caractère : national, révolutionnaire et

populaire. Tout ce qui est anti-national, anti-révolutionnaire et anti-

populaire devra être banni. Au contraire, notre culture qui a célébré la

dignité, le courage, le nationalisme et les grandes vertus humaines sera

magnifiée. La Révolution démocratique et populaire créera les conditions

propices à l’éclosion d’une culture nouvelle. Nos artistes auront les coudées

franches pour aller hardiment de l’avant. Ils devront saisir l’occasion qui se

présente à eux pour hausser notre culture au niveau mondial. Que les

écrivains mettent leur plume au service de la révolution. Que les musiciens

chantent non seulement le passé glorieux de notre peuple mais aussi son

avenir radieux et prometteur. La révolution attend de nos artistes qu’ils

sachent décrire la réalité, en faire des images vivantes, les exprimer en notes

mélodieuses tout en indiquant à notre peuple la voie juste conduisant vers

un avenir meilleur. Elle attend d’eux qu’ils mettent leur génie créateur au

service d’une culture voltaïque, nationale, révolutionnaire et populaire. Il

faut savoir puiser ce qu’il y a de bon dans le passé, c’est-à-dire dans nos

traditions, ce qu’il y a de positif dans les cultures étrangères, pour donner

une dimension nouvelle à notre culture. La source inépuisable, pour

l’inspiration créatrice des masses, se trouve dans les masses populaires.

Savoir vivre avec les masses, s’engager dans le mouvement populaire,

partager les joies et les souffrances du peuple, travailler et lutter avec lui,

devraient constituer les préoccupations majeures de nos artistes. Avant de

produire, se poser la question : à qui destinons-nous notre création ? Si

nous avons la conviction que c’est pour le peuple que nous créons, alors

nous devons savoir clairement ce qu’est le peuple, quelles sont ses

composantes, quelles sont ses aspirations profondes.

* La réforme dans les structures de production et de distribution de notre

économie : les réformes dans ce domaine visent à établir progressivement le

contrôle effectif du peuple voltaïque sur les circuits de production et de

distribution. Car sans une véritable maîtrise de ces circuits, il est

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pratiquement impossible d’édifier une économie indépendante au service du

peuple.

Peuple de Haute-Volta, Camarades militantes et militants de la révolution :

Les besoins de notre peuple sont immenses. La satisfaction de ces besoins

nécessite des transformations révolutionnaires à entreprendre dans tous les

domaines. Ainsi dans le domaine sanitaire et (celui) de l’assistance sociale en

faveur des masses populaires, les objectifs à atteindre se résument en ceci :

– Une santé à la portée de tous.

– La mise en oeuvre d’une assistance et d’une protection maternelle et infantile.

– Une politique d’immunisation contre les maladies transmissibles par la multiplication des campagnes de vaccination.

– Une sensibilisation des masses pour l’acquisition de bonnes

habitudes hygiéniques. Tous ces objectifs ne peuvent être atteints sans l’engagement conscient des masses populaires elles-mêmes dans le combat sous l’orientation révolutionnaire des services de

santé. Dans le domaine de l’habitat, domaine d’une importance cruciale, il nous faudra entreprendre une politique vigoureuse pour

mettre fin aux spéculations immobilières, à l’exploitation des travailleurs par l’établissement des taux de loyers excessifs. Des mesures importantes devront être prises dans ce domaine pour :

– Établir des loyers raisonnables. – Procéder aux lotissements rapides de quartiers.

– Développer sur une grande échelle la construction de maisons d’habitation modernes en nombre suffisant et accessibles aux

travailleurs. Une des préoccupations essentielles du CNR, c’est l’union des différentes

nationalités que compte la Haute-Volta dans la lutte commune contre les

ennemis de notre révolution. II existe en effet dans notre pays, une

multitude d’ethnies se distinguant les unes des autres par leur langue et

leurs coutumes. C’est l’ensemble de ces nationalités qui forment la nation

voltaïque. L’impérialisme dans sa politique de diviser pour régner, s’est

évertué à exacerber les contradictions entre elles, pour les dresser les unes

contre les autres. La politique du CNR visera à l’union de ces différentes

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nationalités pour qu’elles vivent dans l’égalité et jouissent des mêmes

chances de réussite. Pour ce faire, un accent particulier sera mis pour : – Le

développement économique des différentes régions. – Encourager les

échanges économiques entre elles. – Combattre les préjugés entre les

ethnies, régler les différends qui les opposent dans un esprit d’union. –

Châtier les fauteurs de divisions. Au vu de tous les problèmes auxquels

notre pays se trouve confronté, la révolution apparaît comme un défi que

nous devons, animés de la volonté de vaincre, surmonter avec la

participation effective des masses populaires mobilisées au sein des CDR.

Dans un proche avenir, avec l’élaboration des programmes sectoriels, tout le

territoire de Haute-Volta sera un vaste chantier de travail où le concours de

tous les Voltaïques valides et en âge de travailler sera requis pour le combat

sans merci que nous livrerons pour transformer ce pays en un pays prospère

et radieux, un pays où le peuple sera le seul maître des richesses matérielles

et immatérielles de la nation. Enfin, il nous faut définir la place de la

révolution voltaïque dans le processus révolutionnaire mondial. Notre

révolution fait partie intégrante du mouvement mondial pour la paix et la

démocratie contre l’impérialisme et toute sorte d’hégémonisme. C’est

pourquoi nous nous efforcerons d’établir des relations diplomatiques avec

les autres pays sans égard à leur système politique et économique sur la

base des principes suivants : – Le respect réciproque pour l’indépendance,

l’intégrité territoriale et la souveraineté nationale. – La non-agression

mutuelle. – La non-intervention dans les affaires intérieures. – Le commerce

avec tous les pays sur un pied d’égalité et sur la base d’avantages

réciproques. Notre solidarité et notre soutien militants iront à l’endroit des

mouvements de libération nationale qui combattent pour l’indépendance de

leur pays et la libération de leurs peuples. Ce soutien s’adresse

particulièrement : – Au peuple de Namibie sous la direction de la SWAPO. –

Au peuple Sahraoui dans sa lutte pour le recouvrement de son territoire

national. – Au peuple Palestinien pour ses droits nationaux. Dans notre

lutte, les pays africains anti-impérialistes sont nos alliés objectifs. Le

rapprochement avec ces pays est rendu nécessaire par les regroupements

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néo-coloniaux qui s’opèrent sur notre continent. Vive la Révolution

démocratique et populaire ! Vive le Conseil national de la révolution ! La

patrie ou la mort, nous vaincrons !

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DISCOURS DE THOMAS SANKARA À L’ONU LE 04 OCTOBRE 1984

Le 4 octobre 1984, Sankara s’adresse à la Trente-neuvième session de

l’Assemblée générale des Nations Unies. La source de son discours ci-après

est une brochure distribuée par la représentation du Burkina Faso auprès des

Nations Unies.

Disponível em: http://www.thomassankara.net/discours-de-sankara-

devant-lassemblee-generale-de-lonu-le-4-octobre-1984-texte-integral/.

Acesso em: 20 jun. 2018. Version audio du discours à

www.thomassankara.net/?p=1217.

Monsieur le Président, Monsieur le secrétaire Général,

Honorables représentants de la Communauté internationale

Je viens en ces lieux vous apporter le salut fraternel d’un pays de 274000

km², où sept millions d’enfants, de femmes et d’hommes, refusent désormais

de mourir d’ignorance, de faim, de soif, tout en n’arrivant pas à vivre

véritablement depuis un quart de siècle d’existence comme Etat souverain,

siégeant à l’ONU.

Je viens à cette Trente-neuvième session vous parler au nom d’un peuple

qui, sur la terre de ses ancêtres, a choisi, dorénavant de s’affirmer et

d’assumer son histoire, dans ses aspects positifs, comme dans ses aspects

négatifs, sans complexe aucun.

Je viens enfin, mandaté par le Conseil National de la Révolution (CNR) du

Burkina Faso, pour exprimer les vues de mon peuple concernant les

problèmes inscrits à l’ordre du jour, et qui constituent la trame tragique des

évènements qui fissurent douloureusement les fondements du monde en

cette fin du vingtième siècle. Un monde où l’humanité est transformée en

cirque, déchirée par les luttes entre les grands et les semi-grands, battue par

les bandes armées, soumise aux violences et aux pillages. Un monde où des

nations, se soustrayant à la juridiction internationale, commandent des

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groupes hors-la-loi, vivant de rapines, et organisant d’ignobles trafics, le fusil

à la main.

Monsieur le Président

Je n’ai pas ici la prétention d’énoncer des dogmes. Je ne suis ni un messie ni

un prophète. Je ne détiens aucune vérité. Ma seule ambition est une double

aspiration : premièrement, pouvoir, en langage simple, celui de l’évidence et

de la clarté, parler au nom de mon peuple, le peuple du Burkina Faso ;

deuxièmement, parvenir à exprimer aussi, à ma manière, la parole du

« Grand peuple des déshérités », ceux qui appartiennent à ce monde qu’on a

malicieusement baptisé Tiers Monde. Et dire, même si je n’arrive pas à les

faire comprendre, les raisons que nous avons de nous révolter.

Tout cela dénote de l’intérêt que nous portons à l’ONU, les exigences de nos

droits y prenant une vigueur et la rigueur de la claire conscience de nos

devoirs.

Nul ne s’étonnera de nous voir associer l’ex Haute-Volta, aujourd’hui le

Burkina Faso, à ce fourre-tout méprisé, le Tiers Monde, que les autres

mondes ont inventé au moment des indépendances formelles pour mieux

assurer notre aliénation culturelle, économique et politique. Nous voulons

nous y insérer sans pour autant justifier cette gigantesque escroquerie de

l’Histoire. Encore moins pour accepter d’être « l’arrière monde d’un Occident

repu ». Mais pour affirmer la conscience d’appartenir à un ensemble

tricontinental et admettre, en tant que non-alignés, et avec la densité de nos

convictions, qu’une solidarité spéciale unit ces trois continents d’Asie,

d’Amérique latine et d’Afrique dans un même combat contre les mêmes

trafiquants politiques, les mêmes exploiteurs économiques.

Reconnaître donc notre présence au sein du Tiers Monde c’est, pour

paraphraser José Marti, « affirmer que nous sentons sur notre joue tout

coup donné à n’importe quel homme du monde ». Nous avons jusqu’ici tendu

l’autre joue. Les gifles ont redoublées. Mais le cœur du méchant ne s’est pas

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attendri. Ils ont piétiné la vérité du juste. Du Christ ils ont trahi la parole. Ils

ont transformé sa croix en massue. Et après qu’ils se soient revêtus de sa

tunique, ils ont lacéré nos corps et nos âmes. Ils ont obscurci son message.

Ils l’ont occidentalisé cependant que nous le recevions comme libération

universelle. Alors, nos yeux se sont ouverts à la lutte des classes. Il n’y aura

plus de gifles.

Il faut proclamer qu’il ne peut y avoir de salut pour nos peuples que si nous

tournons radicalement le dos à tous les modèles que tous les charlatans de

même acabit ont essayé de nous vendre vingt années durant. Il ne saurait y

avoir pour nous de salut en dehors de ce refus là. Pas de développement en

dehors de cette rupture.

Du reste, tous les nouveaux « maîtres-à-penser » sortant de leur sommeil,

réveillés par la montée vertigineuse de milliards d’hommes en haillons,

effrayés par la menace que fait peser sur leur digestion cette multitude

traquée par la faim, commencent à remodeler leurs discours et, dans une

quête anxieuse, recherchent une fois de plus en nos lieu et place, des

concepts-miracles, de nouvelles formes de développement pour nos pays. Il

suffit pour s’en convaincre de lire les nombreux actes des innombrables

colloques et séminaires.

Loin de moi l’idée de tourner en ridicule les efforts patients de ces

intellectuels honnêtes qui, parce qu’ils ont des yeux pour voir, découvrent

les terribles conséquences des ravages imposés par lesdits « spécialistes » en

développement dans le Tiers Monde. La crainte qui m’habite c’est de voir les

résultats de tant d’énergies confisquées par les Prospéro de tout genre pour

en faire la baguette magique destinée à nous renvoyer à un monde

d’esclavage maquillé au goût de notre temps.

Cette crainte se justifie d’autant plus que la petite bourgeoisie africaine

diplômée, sinon celle du Tiers Monde, soit par paresse intellectuelle, soit

plus simplement parce qu’ayant goûté au mode de vie occidental, n’est pas

prête à renoncer à ses privilèges. De ce fait, elle oublie que toute vraie lutte

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politique postule un débat théorique rigoureux et elle refuse l’effort de

réflexion qui nous attend. Consommatrice passive et lamentable, elle se

regorge de vocables fétichisés par l’Occident comme elle le fait de son whisky

et de son champagne, dans ses salons à l’harmonie douteuse.

On recherchera en vain depuis les concepts de négritude ou d’ »African

Personality » marqués maintenant par les temps, des idées vraiment neuves

issues des cerveaux de nos « grands » intellectuels. Le vocabulaire et les

idées nous viennent d’ailleurs. Nos professeurs, nos ingénieurs et nos

économistes se contentent d’y adjoindre des colorants parce que, des

universités européennes dont ils sont les produits, ils n’ont ramené souvent

que leurs diplômes et le velours des adjectifs ou des superlatifs.

Il est nécessaire, il est urgent que nos cadres et nos travailleurs de la plume

apprennent qu’il n’y a pas d’écriture innocente. En ces temps de tempêtes,

nous ne pouvons laisser à nos seuls ennemis d’hier et d’aujourd’hui, le

monopole de la pensée, de l’imagination et de la créativité. Il faut, avant qu’il

ne soit trop tard, car il est déjà trop tard, que ces élites, ces hommes de

l’Afrique, du Tiers Monde, reviennent à eux-mêmes, c’est-à-dire à leur

société, à la misère dont nous avons hérité pour comprendre non seulement

que la bataille pour une pensée au service des masses déshéritées n’est pas

vaine, mais qu’ils peuvent devenir crédibles sur le plan international, qu’en

inventant réellement, c’est-à-dire, en donnant de leurs peuples une image

fidèle. Une image qui leur permette de réaliser des changements profonds de

la situation sociale et politique, susceptibles de nous arracher à la

domination et à l’exploitation étrangères qui livrent nos Etats à la seule

perspective de la faillite.

C’est ce que nous avons perçu, nous, peuple burkinabè, au cours de cette

nuit du 4 août 1983, aux premiers scintillements des étoiles dans le ciel de

notre Patrie. Il nous fallait prendre la tête des jacqueries qui s’annonçaient

dans les campagnes affolées par l’avancée du désert, épuisées par la faim et

la soif et délaissées. Il nous fallait donner un sens aux révoltes grondantes

des masses urbaines désoeuvrées, frustrées et fatiguées de voir circuler les

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limousines des élites aliénées qui se succédaient à la tête de l’Etat et qui ne

leur offraient rien d’autre que les fausses solutions pensées et conçues par

les cerveaux des autres. Il nous fallait donner une âme idéologique aux

justes luttes de nos masses populaires mobilisées contre l’impérialisme

monstrueux. A la révolte passagère, simple feu de paille, devait se substituer

pour toujours la révolution, lutte éternelle contre la domination.

D’autres avant moi ont dit, d’autres après moi diront à quel point s’est élargi

le fossé entre les peuples nantis et ceux qui n’aspirent qu’à manger à leur

faim, boire à leur soif, survivre et conserver leur dignité. Mais nul

n’imaginera à quel point » le grain du pauvre a nourri chez nous la vache du

riche ».

Dans le cas de l’ex Haute Volta, le processus était encore plus exemplaire.

Nous étions la condensation magique, le raccourci de toutes les calamités

qui ont fondu sur les pays dits « en voie de développement ». Le témoignage

de l’aide présentée comme la panacée et souvent trompetée, sans rime ni

raison, est ici éloquent. Très peu sont les pays qui ont été comme le mien

inondés d’aides de toutes sortes. Cette aide est en principe censée œuvrer au

développement. On cherchera en vain dans ce qui fut autrefois la Haute-

Volta, les signes de ce qui peut relever d’un développement. Les hommes en

place, soit par naïveté, soit par égoïsme de classe, n’ont pas pu ou n’ont pas

voulu maîtriser cet afflux extérieur, en saisir la portée et exprimer des

exigences dans l’intérêt de notre peuple.

Analysant un tableau publié en 1983 par le Club du Sahel, Jacques Giri

dans son ouvrage « Le Sahel Demain », conclut avec beaucoup de bon sens

que l’aide au Sahel, à cause de son contenu et des mécanismes en place,

n’est qu’une aide à la survie. Seuls, souligne-t-il, 30 pour cent de cette aide

permet simplement au Sahel de vivre. Selon Jacques Giri, cette aide

extérieure n’aurait d’autres buts que de continuer à développer les secteurs

improductifs, imposant des charges intolérables à nos petits budgets,

désorganisant nos campagnes, creusant les déficits de notre balance

commerciale, accélérant notre endettement.

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Juste quelques clichés pour présenter l’ex Haute-Volta :

– 7 millions d’habitants, avec plus de 6 millions de paysannes et de paysans

– Un taux de mortalité infantile estimé à 180 pour mille

– Une espérance de vie se limitant à 40 ans

– Un taux d’analphabétisme allant jusqu’à 98 pour cent, si nous concevons

l’alphabétisé comme celui qui sait lire, écrire et parler une langue.

– Un médecin pour 50000 habitants

– Un taux de scolarisation de 16 pour cent

– et enfin un produit intérieur brut par tête d’habitant de 53356 francs CFA

soit à peine plus de 100 dollars.

Le diagnostic à l’évidence, était sombre. La source du mal était politique. Le

traitement ne pouvait qu’être politique.

Certes nous encourageons l’aide qui nous aide à nous passer de l’aide. Mais

en général, la politique d’assistance et d’aide n’a abouti qu’à nous

désorganiser, à nous asservir, à nous déresponsabiliser dans notre espace

économique, politique et culturel.

Nous avons choisi de risquer de nouvelles voies pour être plus heureux.

Nous avons choisi de mettre en place de nouvelles techniques.

Nous avons choisi de rechercher des formes d’organisation mieux adaptées à

notre civilisation, rejetant de manière abrupte et définitive toutes sortes de

diktats extérieurs, pour créer ainsi les conditions d’une dignité à la hauteur

de nos ambitions. Refuser l’état de survie, desserrer les pressions, libérer

nos campagnes d’un immobilisme moyenâgeux ou d’une régression,

démocratiser notre société, ouvrir les esprits sur un univers de

responsabilité collective pour oser inventer l’avenir. Briser et reconstruire

l’administration à travers une autre image du fonctionnaire, plonger notre

armée dans le peuple par le travail productif et lui rappeler incessamment

que sans formation patriotique, un militaire n’est qu’un criminel en

puissance. Tel est notre programme politique.

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Au plan de la gestion économique, nous apprenons à vivre simplement, à

accepter et à nous imposer l’austérité afin d’être à même de réaliser de

grands desseins.

Déjà, grâce à l’exemple de la Caisse de solidarité nationale, alimentée par des

contributions volontaires, nous commençons à répondre aux cruelles

questions posées par la sécheresse. Nous avons soutenu et appliqué les

principes d’Alma-Ata en élargissant le champ des soins de santé primaires.

Nous avons fait nôtre, comme politique d’Etat, la stratégie du GOBI FFF,

préconisée par l’UNICEF.

Par l’intermédiaire de l’Office du Sahel des Nations Unies (OSNU), nous

pensons que les Nations unies devraient permettre aux pays touchés par la

sécheresse la mise sur pied d’un plan moyen et long termes afin de parvenir

à l’autosuffisance alimentaire.

Pour préparer le vingt et unième siècle, nous avons, par la création d’une

tranche spéciale de la Tombola, « Instruisons nos enfants », lancé une

campagne immense pour l’éducation et la formation de nos enfants dans

une école nouvelle. Nous avons lancé à travers l’action salvatrice des

Comités de Défense de la Révolution un vaste programme de construction de

logements sociaux, 500 en trois mois, de routes, de petites retenues d’eau

etc… Notre ambition économique est d’œuvrer pour que le cerveau et les

bras de chaque burkinabè puissent au moins lui servir à inventer et à créer

de quoi s’assurer deux repas par jour et de l’eau potable.

Nous jurons, nous proclamons, que désormais au Burkina Faso, plus rien

ne se fera sans la participation des burkinabè. Rien qui n’ait été au préalable

décidé par nous, élaboré par nous. Il n’y aura plus d’attentat à notre pudeur

et à notre dignité.

Forts de cette certitude, nous voudrions que notre parole s’élargisse à tous

ceux qui souffrent dans leur chair, tous ceux qui sont bafoués dans leur

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dignité d’homme par un minorité d’hommes ou par un système qui les

écrase.

Permettez, vous qui m’écoutez, que je le dise : je ne parle pas seulement au

nom du Burkina Faso tant aimé mais également au nom de tous ceux qui

ont mal quelque part.

Je parle au nom de ces millions d’êtres qui sont dans les ghettos parce qu’ils

ont la peau noire ou qu’ils sont de culture différente et bénéficient d’un

statut à peine supérieur à celui d’un animal.

Je souffre au nom des Indiens massacrés, écrasés, humiliés et confinés

depuis des siècles dans des réserves afin qu’ils n’aspirent à aucun droit et

que leur culture ne puisse s’enrichir en convolant en noces heureuses au

contact d’autres cultures, y compris celle de l’envahisseur.

Je m’exclame au nom des chômeurs d’un système structurellement injuste

et conjoncturellement désaxé, réduits à ne percevoir de la vie que le reflet de

celle des plus nantis.

Je parle au nom des femmes du monde entier, qui souffrent d’un système

d’exploitation imposé par les mâles. Pour ce qui nous concerne, nous

sommes prêts à accueillir toutes les suggestions du monde entier, nous

permettant de parvenir à l’épanouissement total de la femme burkinabè. En

retour, nous donnons en partage à tous les pays, l’expérience positive que

nous entreprenons avec des femmes désormais présentes à tous les échelons

de l’appareil de l’État et de la vie sociale au Burkina Faso. Des femmes qui

luttent et proclament avec nous, que l’esclave qui n’est pas capable

d’assumer sa révolte ne mérite pas que l’on s’apitoie sur son sort. Cet esclave

répondra seul de son malheur s’il se fait des illusions sur la condescendance

suspecte d’un maître qui prétend l’affranchir. Seule la lutte libère et nous en

appelons à toutes nos sœurs de toutes les races pour qu’elles montent à

l’assaut pour la conquête de leurs droits.

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Je parle au nom des mères de nos pays démunis, qui voient mourir leurs

enfants de paludisme ou de diarrhée, ignorant qu’il existe, pour les sauver,

des moyens simples que la science des multinationales ne leur offre pas,

préférant investir dans les laboratoires de cosmétiques et dans la chirurgie

esthétique pour les caprices de quelques femmes ou d’hommes dont la

coquetterie est menacée par les excès de calories de leurs repas trop riches

et d’une régularité à vous donner, non, plutôt à nous donner, à nous autres

du Sahel, le vertige. Ces moyens simples recommandés par l’OMS et

l’UNICEF, nous avons décidé de les adopter et de les populariser.

Je parle aussi au nom de l’enfant. L’enfant du pauvre, qui a faim et qui

louche furtivement vers l’abondance amoncelée dans une boutique pour

riches. La boutique protégée par une vitre épaisse. La vitre défendue par une

grille infranchissable. Et la grille gardée par un policier casqué, ganté et

armé de matraque. Ce policier, placé là par le père d’un autre enfant qui

viendra se servir ou plutôt se faire servir parce que représentant toutes les

garanties de représentativité et de normes capitalistiques du système.

Je parle au nom des artistes (poètes, peintres, sculpteur, musiciens,

acteurs), hommes de bien qui voient leur art se prostituer pour l’alchimie

des prestidigitations de show-business.

Je crie au nom des journalistes qui sont réduits soit au silence, soit au

mensonge pour ne pas subir les dures lois du chômage.

Je proteste au nom des sportifs du monde entier dont les muscles sont

exploités par les systèmes politiques ou les négociants de l’esclavage

modernes.

Mon pays est un concentré de tous les malheurs des peuples, une synthèse

douloureuse de toutes les souffrances de l’humanité, mais aussi et surtout

des espérances de nos luttes. C’est pourquoi je vibre naturellement au nom

des malades qui scrutent avec anxiété les horizons d’une science accaparée

par les marchands de canons. Mes pensées vont à tous ceux qui sont

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touchés par la destruction de la nature et à ces trente millions d’hommes qui

vont mourir comme chaque année, abattus par la redoutable arme de la

faim.

Militaire, je ne peux oublier ce soldat obéissant aux ordres, le doigt sur la

détente, et qui sait que la balle qui va partir ne porte que le message de la

mort.

Enfin, je veux m’indigner en pensant aux Palestiniens qu’une humanité

inhumaine a choisi de substituer à un autre peuple, hier encore martyrisé.

Je pense à ce vaillant peuple palestinien, c’est-à-dire à ces familles

atomisées errant de par le monde en quête d’un asile. Courageux,

déterminés, stoïques et infatigables, les Palestiniens rappellent à chaque

conscience humaine la nécessité et l’obligation morale de respecter les droits

d’un peuple : avec leurs frères juifs, ils sont antisionistes.

Aux côtés de mes frères soldats de l’Iran et de l’Irak, qui meurent dans une

guerre fratricide et suicidaire, je veux également me sentir proche des

camarades du Nicaragua dont les ports sont minés, les villes bombardées et

qui, malgré tout, affrontent avec courage et lucidité leur destin. Je souffre

avec tous ceux qui, en Amérique latine, souffrent de la mainmise

impérialiste.

Je veux être aux côtés des peuples afghan et irlandais, aux côtés des

peuples de Grenade et de Timor Oriental, chacun à la recherche d’un

bonheur dicté par la dignité et les lois de sa culture.

Je m’élève ici au nom des tous ceux qui cherchent vainement dans quel

forum de ce monde ils pourront faire entendre leur voix et la faire prendre en

considération réellement. Sur cette tribune beaucoup m’ont précédé,

d’autres viendront après moi. Mais seuls quelques uns feront la décision.

Pourtant nous sommes officiellement présentés comme égaux. Eh bien, je

me fais le porte voix de tous ceux qui cherchent vainement dans quel forum

de ce monde, ils peuvent se faire entendre. Oui je veux donc parler au nom

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de tous les « laissés pour compte » parce que « je suis homme et rien de ce

qui est humain ne m’est étranger ».

Notre révolution au Burkina Faso est ouverte aux malheurs de tous les

peuples. Elle s’inspire aussi de toutes les expériences des hommes depuis le

premier souffle de l’Humanité. Nous voulons être les héritiers de toutes les

révolutions du monde, de toutes les luttes de libération des peuples du Tiers

Monde. Nous sommes à l’écoute des grands bouleversements qui ont

transformé le monde. Nous tirons des leçons de la révolution américaine, les

leçons de sa victoire contre la domination coloniale et les conséquences de

cette victoire. Nous faisons nôtre l’affirmation de la doctrine de la non-

ingérence des Européens dans les affaires américaines et des Américains

dans les affaires européennes. Ce que Monroe clamait en 1823, « L’Amérique

aux Américains », nous le reprenons en disant « l’Afrique aux Africains », « Le

Burkina aux Burkinabè ». La Révolution française de 1789, bouleversant les

fondements de l’absolutisme, nous a enseigné les droits de l’homme alliés

aux droits des peuples à la liberté. La grande révolution d’octobre 1917 a

transformé le monde, permis la victoire du prolétariat, ébranlé les assises du

capitalisme et rendu possible les rêves de justice de la Commune française.

Ouverts à tous les vents de la volonté des peuples et de leurs révolutions,

nous instruisant aussi de certains terribles échecs qui ont conduits à de

tragiques manquements aux droits de l’homme, nous ne voulons conserver

de chaque révolution, que le noyau de pureté qui nous interdit de nous

inféoder aux réalités des autres, même si par la pensée, nous nous

retrouvons dans une communauté d’intérêts.

Monsieur les Président,

Il n’y a plus de duperie possible. Le Nouvel Ordre Economique Mondial pour

lequel nous luttons et continuerons à lutter, ne peut se réaliser que :

– si nous parvenons à ruiner l’ancien ordre qui nous ignore,

– si nous imposons la place qui nous revient dans l’organisation politique du

monde,

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– si, prenant conscience de notre importance dans le monde, nous obtenons

un droit de regard et de décision sur les mécanismes qui régissent le

commerce, l’économie et la monnaie à l’échelle planétaire.

Le Nouvel Ordre Economique international s’inscrit tout simplement, à côté

de tous les autres droits des peuples, droit à l’indépendance, au libre choix

des formes et de structures de gouvernement, comme le droit au

développement. Et comme tous les droits des peuples, il s’arrache dans la

lutte et par la lutte des peuples. Il ne sera jamais le résultat d’un acte de la

générosité d’une puissance quelconque.

Je conserve en moi la confiance inébranlable, confiance partagée avec

l’immense communauté des pays non-alignés, que sous les coups de boutoir

de la détresse hurlante de nos peuples, notre groupe va maintenir sa

cohésion, renforcer son pouvoir de négociation collective, se trouver des

alliés parmi les nations et commencer, de concert avec ceux qu peuvent

encore nous entendrez, l’organisation d’un système de relations

économiques internationales véritablement nouveau.

Monsieur le Président,

Si j’ai accepté de me présenter devant cette illustre assemblée pour y

prendre la parole, c’est parce que malgré les critiques qui lui sont adressées

par certains grands contributeurs, les Nations Unies demeurent la tribune

idéale pour nos revendications, le lieu obligé de la légitimité des pays sans

voix.

C’est cela qu’exprime avec beaucoup de justesse notre Secrétaire général

lorsqu’il écrit : « L’organisation des Nations Unies est unique en ce qu’elle

reflète les aspirations et les frustrations de nombreux pays et gouvernements

du monde entier. Un de ses grands mérites est que toutes les Nations, y

compris celles qui sont faibles, opprimées ou victimes de l’injustice, (il s’agit

de nous), peuvent, même lorsqu’elles sont confrontées aux dures réalités du

pouvoir, y trouver une tribune et s’y faire entendre. Une cause juste, même

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si elle ne rencontre que revers ou indifférence, peut trouver un écho à

l’Organisation des Nations Unies ; cet attribut de l’Organisation n’est pas

toujours prisé, mais il n’en est pas moins essentiel ».

On ne peut mieux définir le sens et la portée de l’Organisation.

Aussi est-il, pour chacun de nous, un impératif catégorique de consolider les

assises de notre Organisation, de lui donner les moyens de son action. Nous

adoptons en conséquence, les propositions faîtes à cette fin par le Secrétaire

Général, pour sortir l’Organisation des nombreuses impasses,

soigneusement entretenues par le jeu des grandes puissances afin de la

discréditer aux yeux de l’opinion publique.

Monsieur le Président,

Reconnaissant les mérites mêmes limités de notre Organisation, je ne peux

que me réjouir de la voir compter de nouveaux adhérents. C’est pourquoi la

délégation burkinabè salue l’entrée du 159ème membre de notre

Organisation : l’Etat du Brunei Daressalam.

C’est la déraison de ceux entre les mains desquelles la direction du monde

es tombée par le hasard des choses qui fait l’obligation au Mouvement des

pays non alignés, auquel je l’espère, se joindra bientôt l’Etat du Brunei

Darussalam, de considérer comme un des objectifs permanents de sa lutte,

le combat pour le désarmement qui est un des aspects essentiels et une

condition première de notre droit au développement.

Il faut, à notre avis des études sérieuses prenant en compte tous les

éléments qui ont conduit aux calamités qui ont fondu sur le monde. A ce

titre, le Président Fidel Castro en 1979, a admirablement exprimé notre

point de vue à l’ouverture du sixième sommet des Pays non alignés lorsqu’il

déclarait : « Avec 300 milliards de dollars, on pourrait construire en un an

600000 écoles pouvant recevoir 400 millions d’enfants ; ou 60 millions de

logements confortables pour 300 millions de personnes ; ou 30000 hôpitaux

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équipés de 18 millions de lits ; ou 20000 usines pouvant employer plus de

20 millions de travailleurs ou irriguer 150 millions d’hectares de terre qui,

avec les moyens techniques adéquats pourraient alimenter un milliard de

personnes… »

En multipliant aujourd’hui ce chiffre par 10, je suis certainement en deçà de

la réalité, on réalise ce que l’Humanité gaspille tous les ans dans le domaine

militaire, c’est-à-dire contre la paix.

On perçoit aisément pourquoi l’indignation des peuples se transforme

rapidement en révolte et en révolution devant les miettes qu’on leur jette

sous la forme ignominieuse d’une certaine « aide », assortie de conditions

parfois franchement abjectes. On comprend enfin pourquoi dans le combat

pour le développement, nous nous désignons comme des militants

inlassables de la paix.

Nous faisons le serment de lutter pour atténuer les tensions, introduire les

principes d’une vie civilisée dans les relations internationales et les étendre à

toutes les parties du monde. Ce qui revient à dire que nous ne pouvons

assister passifs, au trafic des concepts.

Nous réitérons notre résolution d’être des agents actifs de la paix ; de tenir

notre place dans le combat pour le désarmement ; d’agir enfin dans la

politique internationale comme le facteur décisif, libéré de toute entrave vis-

à-vis de toutes les grandes puissances, quels que soient les projets de ces

dernières.

Mais la recherche de la paix va de pair avec l’application ferme du droit des

pays à l’indépendance, des peuples à la liberté et des nations à l’existence

autonome. Sur ce point, le palmarès le plus pitoyable, le plus lamentable _

oui, le plus lamentable_ est détenu au Moyen Orient en termes d’arrogance,

d’insolence et d’incroyable entêtement par un petit pays, Israël, qui, depuis,

plus de vingt ans, avec l’inqualifiable complicité de son puissant protecteur

les Etats-Unis, continue à défier la communauté internationale.

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Au mépris d’une histoire qui hier encore, désignait chaque Juif à l’horreur

des fours crématoires, Israël en arrive à infliger à d’autres ce qui fut son

propre calvaire. En tout état de cause, Israël dont nous aimons le peuple

pour son courage et ses sacrifices d’hier, doit savoir que les conditions de sa

propre quiétude ne résident pas dans sa puissance militaire financée de

l’extérieur. Israël doit commencer à apprendre à devenir une nation comme

les autres, parmi les autres.

Pour l’heure, nous tenons à affirmer du haut de cette tribune, notre

solidarité militante et agissante à l’endroit des combattants, femmes et

hommes, de ce peuple merveilleux de la Palestine parce que nous savons

qu’il n’y a pas de souffrance sans fin.

Monsieur, le Président,

Analysant la situation qui prévaut en Afrique sur les plans économique et

politique, nous ne pouvons pas ne pas souligner les graves préoccupations

qui sont les nôtres, face aux dangereux défis lancés aux droits des peuples

par certaines nations qui, sûres de leurs alliances, bafouent ouvertement la

morale internationale.

Certes, nous avons le droit de nous réjouir de la décision de retrait des

troupes étrangères au Tchad, afin que le Tchadiens entre eux, sans

intermédiaire, cherchent les moyens de mettre fin à cette guerre fratricide, et

donner enfin à ce peuple qui n’en finit pas de pleurer depuis de nombreux

hivernages, les moyens de sécher ses larmes. Mais, malgré les progrès

enregistrés çà et là par les peuples africains dans leur lutte pour

l’émancipation économique, notre continent continue de refléter la réalité

essentielle des contradictions entre les grandes puissances, de charrier les

insupportables apories du monde contemporain.

C’est pourquoi nous tenons pour inadmissible et condamnons sans recours,

le sort fait au peuple du Sahara Occidental par le Royaume du Maroc qui se

livre à des méthodes dilatoires pour retarder l’échéance qui, de toute façon,

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lui sera imposée par la volonté du peuple sahraoui. Pour avoir visité

personnellement les régions libérées par le peuple sahraoui, j’ai acquis la

confirmation que plus rien désormais ne saurait entraver sa marche vers la

libération totale de son pays, sous la conduite et éclairée du Front Polisario.

Monsieur le Président,

Je ne voudrais pas trop m’étendre sur la question de Mayotte et des îles de

l’Archipel malgache. Lorsque les choses sont claires, lorsque les principes

sont évidents, point n’est besoin d’élaborer. Mayotte appartient aux

Comores. Les îles de l’archipel sont malgaches.

En Amérique Latine, nous saluons l’initiative du Groupe de Contadora, qui

constitue une étape positive dans la recherche d’une solution juste à la

situation explosive qui y prévaut. Le commandant Daniel Ortega, au nom du

peuple révolutionnaire du Nicaragua a fait ici des propositions concrètes et

posé des questions de fond à qui de droit. Nous attendons de voir la paix

s’installer dans son pays et en Amérique Centrale, le 15 octobre prochain et

après le 15 octobre et nous prenons à témoin l’opinion publique mondiale.

De même que nous avons condamné l’agression étrangère de l’île de

Grenade, de même nous fustigeons toutes les interventions étrangères. C’est

ainsi que nous ne pouvons pas nous taire face à l’intervention militaire en

Afghanistan.

Il est cependant un point, mais dont la gravité exige de chacun de nous une

explication franche et décisive. Cette question, vous vous en doutez, ne peut

qu’être celle de l’Afrique du Sud. L’incroyable insolence de ce pays à l’égard

de toutes les nations du monde, même vis-à-vis de celles qui soutiennent le

terrorisme qu’il érige en système pour liquider physiquement la majorité

noire de ce pays, le mépris qu’il adopte à l’égard de toutes nos résolutions,

constituent l’une des préoccupations les plus oppressantes du monde

contemporain.

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Mais le plus tragique, n’est pas que l’Afrique du Sud se soit elle-même mise

au banc de la communauté internationale à cause de l’abjection des lois de

l’apartheid, encore moins qu’elle continue de maintenir illégalement la

Namibie sous la botte colonialiste et raciste, ou de soumettre impunément

ses voisins aux lois du banditisme. Non, le plus abject, le plus humiliant

pour la conscience humaine, c’est qu’elle soit parvenue à « banaliser » le

malheur de millions d’êtres humains qui n’ont pour se défendre que leur

poitrine et l’héroïsme de leurs mains nues. Sûre de la complicité des grandes

puissances et de l’engagement actif de certaines d’entre elles à ses côtés,

ainsi que de la criminelle collaboration de quelques tristes dirigeants de pays

africains, la minorité blanche ne se gêne pas pour ridiculiser les états d’âme

de tous les peuples, qui, partout à travers le monde, trouvent intolérable la

sauvagerie des méthodes en usage dans ce pays.

Il fut un temps où les brigades internationales se constituaient pour aller

défendre l’honneur des nations agressées dans leur dignité. Aujourd’hui,

malgré la purulence des plaies que nous portons tous à nos flancs, nous

allons voter des résolutions dont les seules vertus, nous dira-t-on, seraient

de conduire à résipiscence une Nation de corsaires qui « détruit le sourire

comme la grêle tue les fleurs ».

Monsieur le Président,

Nous allons bientôt fêter le cent cinquantième anniversaire de l’émancipation

des esclaves de l’Empire britannique. Ma délégation souscrit à la proposition

des pays d’Antigua et de la Barbade de commémorer avec éclat cet

événement qui revêt, pour les pays africains et le monde noir, une

signification d’une très grande importance. Pour nous, tout ce qui pourra

être fait, dit ou organisé à travers le monde au cours des cérémonies

commémoratives devra mettre l’accent sur le terrible écot payé par l’Afrique

et le monde noir, au développement de la civilisation humaine. Ecot payé

sans retour et qui explique, sans aucun doute, les raisons de la tragédie

d’aujourd’hui sur notre continent.

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C’est notre sang qui a nourri l’essor du capitalisme, rendu possible notre

dépendance présente et consolidé notre sous-développement. On ne peut

plus escamoter la vérité, trafiquer les chiffres. Pour chaque Nègre parvenu

dans les plantations, cinq au moins connurent la mort ou la mutilation. Et

j’omets à dessein, la désorganisation du continent et les séquelles qui s’en

sont suivies.

Monsieur le Président,

Si la terre entière, grâce à vous, avec l’aide du Secrétaire Général, parvient à

l’occasion de cet anniversaire à se convaincre de cette vérité-là, elle

comprendra pourquoi, avec toute la tension de notre être, nous voulons la

paix entre les nations, pourquoi nous exigeons et réclamons notre droit au

développement dans l’égalité absolue, par une organisation et une

répartition des ressources humaines.

C’est parce que de toutes les races humaines, nous appartenons à celles qui

ont le plus souffert, que nous nous sommes jurés, nous burkinabè, de ne

plus jamais accepter sur la moindre parcelle de cette terre, le moindre déni

de justice. C’est le souvenir de la souffrance qui nous place aux côtés de

l’OLP contre les bandes armées d’Israël. C’est le souvenir de cette souffrance

qui, d’une part, nous fait soutenir l’ANC et la SWAPO, et d’autre part, nous

rend intolérable la présence en Afrique du Sud des hommes qui se disent

blancs et qui brûlent le monde à ce titre. C’est enfin ce même souvenir qui

nous fait placer l’Organisation des Nations Unies toute notre foi dans un

devoir commun, dans un tâche commune pour un espoir commun.

Nous réclamons :

– Que s’intensifie à travers le monde la campagne pour la libération de

Nelson Mandela et sa présence effective à la prochaine Assemblée générale

de l’ONU comme une victoire de fierté collective.

– Que soit créé en souvenir de nos souffrances et au titre de pardon collectif

un Prix international de l’Humanité réconciliée, décerné à tous ceux qui par

leur recherche auraient contribué à la défense des droits de l’homme.

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– Que tous les budgets de recherches spatiales soient amputés de 1/10000e

et consacrés à des recherches dans le domaine de la santé et visant à la

reconstitution de l’environnement humain perturbé par tous ces feux

d’artifices nuisibles à l’écosystème

Nous proposons également que les structures des Nations Unies soient

repensées et que soit mis fin à ce scandale que constitue le droit de veto.

Bien sûr, les effets pervers de son usage abusif sont atténués par la vigilance

de certains de ses détenteurs. Cependant, rien ne justifie ce droit : ni la taille

des pays qui le détiennent ni les richesses de ces derniers.

Si l’argument développé pour justifier une telle iniquité est le prix payé au

cours de la guerre mondiale, que ces nations, qui se sont arrogé ces droits,

sachent que nous aussi nous avons chacun un oncle ou un père qui, à

l’instar de milliers d’autres innocents arrachés au Tiers Monde pour

défendre les droits bafoués par les hordes hitlériennes, porte lui aussi dans

sa chair les meurtrissures des balles nazies. Que cesse donc l’arrogance des

grands qui ne perdent aucune occasion pour remettre en cause le droit des

peuples. L’absence de l’Afrique du Club de ceux qui détiennent le droit de

veto est une injustice qui doit cesser.

Enfin ma délégation n’aurait pas accompli tous ses devoirs si elle n’exigeait

pas la suspension d’Israël et le dégagement pur et simple de l’Afrique du Sud

de notre organisation. Lorsque, à la faveur du temps, ces pays auront opéré

la mutation qui les introduira dans la Communauté internationale, chacun

de nous nous, et mon pays en tête, devra les accueillir avec bonté, guider

leur premier pas.

Nous tenons à réaffirmer notre confiance en l’Organisation des Nations

Unies. Nous lui sommes redevables du travail fourni par ses agences au

Burkina Faso et de la présence de ces dernières à nos côtés dans les durs

moments que nous t traversons.

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Nous sommes reconnaissants aux membres du Conseil de Sécurité de nous

avoir permis de présider deux fois cette année les travaux du Conseil.

Souhaitons seulement voir le Conseil admettre et appliquer le principe de la

lutte contre l’extermination de 30 millions d’êtres humains chaque année,

par l’arme de la faim qui, de nos jours, fait plus de ravages que l’arme

nucléaire.

Cette confiance et cette foi en l’Organisation me fait obligation de remercier

le Secrétaire général, M. Xavier Pérez de Cuellar, de la visite tant appréciée

qu’il nous a faite pour constater, sur le terrain, les dures réalités de notre

existence et se donner une image fidèle de l’aridité du Sahel et la tragédie du

désert conquérant.

Je ne saurai terminer sans rendre hommage aux éminentes qualités de notre

Président (Paul Lusaka de Zambie) qui saura, avec la clairvoyance que nous

lui connaissons, diriger les travaux de cette Trente-neuvième session.

Monsieur le Président,

J’ai parcouru des milliers de kilomètres. Je suis venu pour demander à

chacun de vous que nous puissions mettre ensemble nos efforts pour que

cesse la morgue des gens qui n’ont pas raison, pour que s’efface le triste

spectacle des enfants mourant de faim, pour que disparaisse l’ignorance,

pour que triomphe la rébellion légitime des peuples, pour que se taise le

bruit des armes et qu’enfin, avec une seule et même volonté, luttant pour la

survie de l’Humanité, nous parvenions à chanter en chœur avec le grand

poète Novalis :

« Bientôt les astres reviendront visiter la terre d’où ils se sont éloignés

pendant nos temps obscurs ; le soleil déposera son spectre sévère,

redeviendra étoile parmi les étoiles, toutes les races du monde se

rassembleront à nouveau, après une longue séparation, les vieilles familles

orphelines se retrouveront et chaque jour verra de nouvelles retrouvailles, de

nouveaux embrassement ; alors les habitants du temps jadis reviendront

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vers la terre, en chaque tombe se réveillera la cendre éteinte, partout

brûleront à nouveau les flammes de la vie, le vieilles demeures seront

rebâties, les temps anciens se renouvelleront et l’histoire sera le rêve d’un

présent à l’étendue infinie ».

A bas la réaction internationale !

A bas l’impérialisme !

A bas le néocolonialisme !

A bas le fantochisme !

Gloire éternelle aux peuples qui luttent pour leur liberté !

Gloire éternelle aux peuples qui décident de s’assumer pour leur dignité !

Victoire éternelle aux peuples d’Afrique, d’Amérique latine et d’Asie qui

luttent !

La Patrie ou la mort, nous vaincrons !

Je vous remercie.

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Canções (letras) presentes na tese

1. ZÉNABO: Issouf Compaoré

É perto de um riacho que dois burkinabê se encontraram

E eu disse a Zenabo que a amo

Zénabo soriu e sacodiu a cabeça

Se for para sermos junto, me disse, fique tranqüilo

Contudo, se for sem respeito

Isso nunca poderia ser

Então virei e me sentei na raiz de um árvore (ruanga)

Para falar a Zénabo, lhe agradecendo e lhe parabenizando

Sabe, sou pobre Zénabo – não vou te enganar

Meu pai é agricultor Zénabo. É igualmente minha profissão

De comida, nunca te faltará

E se Deus providencia, nunca faltará do que se vestir

Mas trantando dos demais assuntos Zénabo, isso, só Deus sabe

E Zénabo de me dizer que isso não é um problema

Pois se vê rico se tornar pobre

Da mesma forma, o pobre também pode vir a possuir mais dinheiro

O humano só consegue que no dia certo

Por conta disso, temos que ser humildes em fé diante de Deus pois é ele

que faz e desfaz

Muitos dizam que meninas não têm mais honra

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E quem estiver a procura de namoro, é com quem tem dinheiro

Entretanto, de tudo isso, digo eu que nesta terra, há ainda mulheres

íntegras

Pois se casamento fosse dinheiro,

Ainda estaria solteiro, sofrendo aqui

Portanto, temos que ser humildes em fé diante de Deus

Pois nisso, há coisas boas.

Canção: Issouf Compaoré - Zénabo (p. XIV)

Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul-Hadi Savadogo

OUMOU SANGARÉ, N’guatu

Moço, não tenha medo do trabalho pois ali tem uma riqueza

Moço, não tenha medo da terra pois ela carrega com si uma riqueza

Plante árvores; é uma riqueza

Crie gados; é uma riqueza

Uma riqueza não acessível a qualquer um

Incentive e ensine o trabalho

Moço, não tenha medo do trabalho campestre pois tem ali uma riqueza

A sua [o trabalho campestre] riqueza não é acessível ao preguiçoso

Onde estão os grandes de ontem

Eles se extinguiram

Sim, os grandes de ontem sumiram

Pergunte aos Fula (comunidade) do Wassulu (região do Mali), eles te informarão

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Pergunte aos Malinké (comunidade); eles te dirão

que não existem mais

Pergunte às pessoas de Koutiala/Ségou/Bamako;

esses últimos estão sumidos

Pergunte ao povo de Sikasso (região); eles te dirão que hoje dia, esses grandes são pouquíssimos mas

que estão trabalhando.

Canção: Oumou Sangaré (2009) - N’guatu (p.75) Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul Hadi Savadogo

2. YELEEN, Vision de vie

Deus Todo Poderoso, me mostre o caminho (Refrão)

Não quero me erguer como quem dá lição

Não venho para me inserir na sua vida e suas visões

filho

Não venho para botar fogo nas suas casas

Venho só trazer minha contribuição à verdade

Há muitos jovens hoje que não sabem que somos 28

milhões no mundo a ter o HIV

A cada vez que na África seu sexo ralhar

Pense que somos 20 milhões já no túmulo filho

Matematicamente, somos os mais doentes

A juventude em falta de informação diz que são

besteiras

A gente se entrega ao sexo, ao álcool e à droga

Uns acabam na prisão e outros no necrotério

É a inconsciência crescente nas escolas

Pessoas se prostituem para a obtenção do diploma

A classe honesta vê seu sonho inacabado

Na África, os advogados terminam nos campos de

trigo

1360 FCFA (≈ R$ 10,60) por dia para as vacas na

França; tais são seus direitos

Eu choro para o cidadão médio de meu país

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Quando sei que a gente vive com menos de 600

FCFA (≈R$ 3,85)/ mês

A pobreza a uma dimensão infernal

Esta imagem se vende – mendicidade internacional

Os ONGs pululam em nossos países

Fundos são mobilizados, mas a quem isso beneficia?

Sucessões de colóquios e seminários

Subvenções para uma das numerosas festas dos

milionários

Milhões de estudantes são diplomados enquanto

uma minoria nos leva ao panteão dos suicidados

Longe de suscitar alguma rebelião

Gostaria que a gente pensa aos jovens além das

eleições

Quantos apodrecem nos campos de arroz no Sourou

enquanto você leva uma vida de churrasco

O cachorro late e a caravana passa

Do que se diz, para os pobres não tem mais lugar

É a bagunça nos supermercados

E ainda somos nós que consumimos os produtos

fora de prazo de vocês

Ao pensar nisso, temo para nossa saúde

As farmácias são caras demais e nossas mães não

podem pagar

O que explica o forte índice de mortalidade, a forte

taxa de comprimidos expostos em nossas ruas

Eu não tenho resultados às soluções

É só uma inquietação que desvendo numa canção

Certos pais não têm mais limites em sua vida

Bebem e embriagam-se com suas filhas no mesmo

bar

Qual educação herdarão os bebês de hoje em dia

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Página CCXLVII

Se aos 9 anos têm a disposição um vídeo

pornográfico

Ano 2000 ou a época do numérico

Sinto vir os trompetes apocalípticos

São palavras de coração feitas para te tocar

E se não gostar, vai pode zapar.

Canção: Yeleen (2006) - Visions de vie (p. 78) Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul Hadi Savadogo

3. TIKEN JAH FAKOLY, Baba

Vamos pôr a nossa fé em Deus; Deus defenderá a

verdade (Refrão)

Cada dia bem cedo, baba percorre uma longa

distância a pé para ir ao campo

Ele trabalha sempre no sol, torturado pelos

wororowo1

Suas mãos carregam as feridas deixadas pela

enxada

Os talos de milhete fazem igual

Depois de tudo isso, a colheita não oferece nada a

baba

Não vejam o quanto baba o pobre sofre

Cada dia, ouço pela televisão e pela rádio que o

sucesso do país o basea-se sobre a agricultura

Mas nossos pais vivem e morem numa grande

miséria

A cidade de Abidjan (Costa de Marfim) é repleta de

braços valentes capazes de cultivar

1 Nome em línguas diula e bambara de um inseto (particularmente "chato") atraído pelo suor.

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Página CCXLVIII

Não o fazem. Entretanto gostam tanto do arroz

quanto da banana

O governo abunda de braços válidos capazes de

trabalhar

Não o farão; entretanto, são eles que gerenciam as

riquezas do país

Será que não veem como baba o pobre sofre!?

Canção: Tiken Jah Fakoly (2000) - Baba (p. 81)

Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul Hadi Savadogo

4. SALIF KEÏTA, Nou pas bouger

Do tempo da escravidão

Os africanos sofreram, padeceram

Eles foram lesados

Os brancos são em todos lugares na África

São no Senegal, na Costa do Marfim, no Mali

E como os chamam?

Chamam-se de cooperadores

Cooperadores franceses, chineses japoneses

E nós, os chamamos nossos irmãos

Minha irmã, guarde minhas bagagens

Há CRS [militares] em todos cantos com apitos nos lábios

para nos repatriar

Nou pas bouger (Não vamos ir embora) – Refrão

O branco está em todos cantos em África

E cada dia, sofremos vergonhas e humiliações

Os bombeiros são cotidianamente mobilizados

E cada dia nos matam

Os policiais são permanentemente em alerta

Cada dia são apreensões e aviões são constantemente

fretados para nos expulsar

Enquanto os negros falam o francês, o inglês, o chinês, o

japonês

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Página CCXLIX

Tudo isso a fim de provar a sua digna humanidade aos

brancos

Mas sem sucesso; esforços e trabalho perdidos

Minha irmã, guarde minhas bagagens

Pois têm policiais em todos cantos com apitos nos lábios

Nos ordenando de ir embora do país

Os filhos dos brancos e dos negros nascidos aqui são

infelizes

Seus pais falam francês e suas mães falam francês

Minha irmã, guarde minhas bagagens

Pois têm policiais em todos cantos com apitos nos lábios

Nos ordenando de ir embora do país

Mas ‘’nou pas bouger’’ (não vamos ir embora).

Canção: Salif Keïta (1989), Nou pas bouger (p. 83) Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul Hadi Savadogo

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Página CCL

5. FASO KOMBAT, Sabaabo

Desenrasque-se, trabalhe, procure obter o que

precisa, pois consegue-se na vida sempre por um

intermediário

A vida é como um karitê quase maduro. Se

acompanhar o processo devidamente, poderá

alimentar-se disso no futuro

O que você diz/faz pode te tornar escravo da vida.

Nunca se torne escravo de ninguém

Seja forte como a rocha contra a qual, impotente, o

vento resigna-se a apenas levar a folhagem a seus

pés.

Filho de família modesta, profundamente devoto, me

banhei no Alcorão por mais de uma década

Naturalmente, seu ensinamento influencia minhas

ações e comportamento, embora que cada vez menos

ao meu redor eu o manifesto

Eu poderia ter sido hustaz (erudito, mestre religioso)

ou imã em uma mesquita

Optei para o rap e o hip-hop me embarcou

Sinto muito por todos meus pais indignados

Vocês sabem muito bem que cada homem segue o

seu destino

Só vai acontecer o que Deus decidiu

Fiz cem vezes o estado da minha fé e vejo que às

vezes está estável outras vezes aumenta. Mas só o

supremo sabe se nele eu tenho fé

Eu acredito no destino, no fim do mundo e no

julgamento último

O hip-hop é um aliado, ele não me impede de rezar

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Página CCLI

O hip-hop é minha profissão e se consigo manejá-lo,

pretendo mesmo trocá-lo por dinheiro

Está mal e sofre!? Então trabalhe - isso poderia te

trazer benefício de volta no futuro

Tem raiva e o ódio te anima!? Então, que não te falte

força pois a vida em si é oportunidade

Desenrasque-se, trabalhe, busca seu caminho pois a

vida dá oportunidades

Eu tenho o hip-hop na alma e o purifico no islã

Sim, siga seu caminho - a vida é oportunidade

Eu luto contra todos esses demônios com tudo que

tenho como armas

Sim, é através de um intermediário que se consegue

a vida.

Canção: Faso Kombat (2012) - Sabaabo2 (p. 112)

Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul-Hadi Savadogo

6. FASO KOMBAT, Martyrs

Foram, deixaram este mundo almejando algo

Que a terra vos seja leve

Suas almas estão no céu, mas o que almejam ficou

aqui nesta terra

Que a terra vos seja leve

As coisas boas não duram

Os grandes homens também

Seja que vêm de Durban ou do Reino Mossi

Isto não é um fato novo

2 Noção islâmica trauzindo tudo aquilo pelo qual acontece as manifestações/vontades

de Deus.

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Página CCLII

Desde a época do Messia, homens lúcidos demais

são alvos – genocídios

O sistema não gosta daqueles que têm um sexto

sentido, pois são supostos ter um terceiro olho

Não faremos o luto daqueles que se atreveram a

dizer, comprometendo sua vida,

Recusar de mentir ao nome da dignidade da massa

Diante das pressões das ameaças, manter o mesmo

discurso

Não corre as ruas, homens desta estatura

Aqueles homens que desafiam tudo sem armas e

sem armaduras

Imagina a Turquia sem Ankara

Isso diz bastante não é - penso em Sankara

Os cérebros do continente são vítimas de

mascaradas

Vítimas de denunciadores covardes que se

mascaram, que rondam

Em todo o país, ainda há possibilidade de vontade

Eles posaram seu tijolo, nos pedindo de nos agarrar

nisso firmemente

Aqui no Burkina, já teve pessoas que se ilustraram

Do que colheram, nos pedem de cuidar disso

Por que a Bélgica treme quando ouve falar

‘’Lumumba’’ - selvagemente eliminado

O Ocidente caiu se rebaixando, mas Patrice

[Lumumba] não te preocupe, a África não te esquece

Aqueles que morrerem em batalha permanecerão

eternos

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Página CCLIII

Independente como o nome de seu jornal, ele queria

que nenhum mal seja feito ao seu povo

Norbert Zongo é para você que minha caneta vibra -

partiu violentamente por querer uma imprensa livre

Que suas almas descansem em paz; que a terra vos

seja leve

O que está acontecendo meus? Por que as coisas

estão nesse estado?

Ao contrário do que eles queriam - seus algozes, a

gente vos imortaliza

Oraremos por vocês nas mesquitas e nas igrejas

Eu continuo minha listagem; Che Guevara, Ghandy,

Luther King, em nossas memórias permanecerão

sempre gravados como Mandela, Malcom X ou

Marcus Garvey

Nesse ritmo, o continente só pode afundar

Pois seus ativistas estão todos morrendo.

Canção: Faso Kombat feat Alif Naaba (2009) - Martyrs (p. 115)

Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul-Hadi Savadogo

7. YELEEN, Dar Es Salam

Dar es Salaam, Blaise Compaoré

Ao receber minha carta, leia-a bem antes de postar-la

Uns estão tão longe do seu palácio

Que o eco de suas queixas morre em sigilo

Dê ouvido ao povo - eles dizem a verdade

Eles gritam justiça e esperança em uma terra de paz

Mande em seguida esta pomba branca a Laurent

Gbagbo

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Página CCLIV

A fim que ela acalma o fogo ardendo o coração de

Guillaume Soro

E que ela diga alto a Abdoulaye Wade que o nascer do

sol em Casamança atrasa

Será que poderia também despachar uma cópia

Para a igualdade do Norte ao Sul a Idriss Deby

Que Jacques Chirac confessa isto a Sarkozy:

A verdadeira França são as periferias, os estrangeiros

das colônias

Diga a eles, a George Bush e a Tony Blair de regar o

Iraque com rosas e eles terão o fim da guerra

Por que ódio, dor e raiva nos dizimam

Rabin, Arafat, Sharon, Israel e Palestina

Para o homem que eu sou e as palavras escritas

Há apenas Deus nos separando e me ditando

Que a conclusão de tudo está nas suas mãos

Dar-es-Salam, era a porta do destino

Amigavelmente, vossa [Excelência] Blaise Compaoré

Era o estrangeiro vindo de longe para te falar

Esta música não é feita para agradar

Ela é feita para um mundo mais equivalente.

Canção: Yeleen (2006) - Dar Es Salam (p. 116)

Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul-Hadi Savadogo

8. OUMOU SANGARÉ, Maladon

Reconhecer e respeitar a humanidade alheia leva ao

melhor conhecimento da diversidade, da vida

É reconhecendo e respeitando a humanidade alheia

que pessoas se juntam à sua causa; se entrega a ti

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Página CCLV

Sim, trata-se da delicadeza, da ternura que se

dedica ao humano

Preste atenção! Perceberá que filhos até deixam de

ser por falta disso

Ser anfitrião faz apelo ao mesmo princípio

E mais, vale igualmente diante dos animais

Disso, não há arrependimentos

Se acontece que ninguém te o reconhece,

Pode ter certeza que Deus o fará

Vem na minha terra!

Verá casais românticos

Experimentará também o sabor da fraternidade e da

irmandade

Ao chegar na minha terra, descobrirá como pessoas

sabem reconhecer e respeitar o humano.

Canção: Oumou Sangaré (1990) Maladon (p. 156)

Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul Hadi Savadogo

9. GERALDO VANDRÉ, Pra não dizer que não falei das flores

Caminhando e cantando e seguindo a canção

Somos todos iguais braços dados ou não

Nas escolas, nas ruas, campos, construções

Caminhando e cantando e seguindo a canção

Vem, vamos embora, que esperar não é saber

Quem sabe faz a hora, não espera acontecer

Pelos campos há fome em grandes plantações

Pelas ruas marchando indecisos cordões

Ainda fazem da flor seu mais forte refrão

E acreditam nas flores vencendo o canhão

Vem, vamos embora, que esperar não é saber

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Página CCLVI

Quem sabe faz a hora, não espera acontecer

Há soldados armados, amados ou não

Quase todos perdidos de armas na mão

Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição

De morrer pela pátria e viver sem razão

Vem, vamos embora, que esperar não é saber

Quem sabe faz a hora, não espera acontecer

Nas escolas, nas ruas, campos, construções

Somos todos soldados, armados ou não

Caminhando e cantando e seguindo a canção

Somos todos iguais braços dados ou não

Os amores na mente, as flores no chão

A certeza na frente, a história na mão

Caminhando e cantando e seguindo a canção

Aprendendo e ensinando uma nova lição

Vem, vamos embora, que esperar não é saber

Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.

Pra não dizer que não falei das flores (p. 159)

Geraldo Vandré

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Página CCLVII

Oratória – defesa da tese

Boa tarde ilustres mestres - Boa tarde minhas famílias!!!!

Fala em bambara (...)

Tradução: Os Bambara dizem que: onde termina o seu

conhecimento é aí mesmo que se inicia a aprendizagem do outro.

Quer dizer que: ao ver alguém na sombra, significa sem nenhuma

dúvida que alguém fico antes no sol.

Portanto, gostaria agradecer vocês meus ilustres mestres assim

que os que me acompanharam e e vieram participar desse

momento solene e abranger igualmente meus agradecimentos a

todas e todos que, acadêmicos ou não, travaram as devidas lutas

que honram a vida e o humano para que, hoje, nesta instituição,

a minha geração e os por vir estejam se deliciando do sabor do

conhecimento.

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Página CCLVIII

Dito isso, saúdo a Ufrn assim que o departamento de pós-

graduação em ciências sociais assim que todos os seus

funcionários.

Minhas saudações particulares nesse momento vão primeiramente

à minha orientadora – a Profa. Norma Missae Takeuti e em

seguida a toda a banca, meus mestres, que aceitaram se

debruçar sobre a minha tese.

Finalizo essa primeira parte agradecendo todas minhas famílias

aqui presentes ou não, pelo calor e a qualidade do

acompanhamento que para sempre fica gravado em mim.

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O que dizer sobre a tese!?

Confrontados à lógica pós-colonial, a juventude do Burkina Faso,

herdeira do espirito de resistência de Thomas Sankara – o che

africano, contra os ditames da cultura ocidental expressas

através do projeto da globalização, se destacou tanto dentro

quanto fora do continente pela sua cidadania cultural. Esta

juventude se autodeclara: Geração Sankara.

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Página CCLIX

Através da Geração Sankara, nos debruçamos mais

especificamente sobre a juventude muçulmana e sua

intelectualidade que rompeu com uma tradição islâmica ancorada

na grande dinâmica do islã na África do Oeste, desde o advento

do islã na Arábia Saudita no século VII, junto ao

desenvolvimento do comércio transsaariano entre as duas

margens do Saara – o maior deserto do mundo.

Reapropriando-se da ética do islã diante da vida e das lutas

sociopolíticas, os muçulmanos da geração sankara reinventaram

as armas de luta para transformar a sua própria realidade e,

do outro lado, abraçar as justas lutas das demais sociedades

africanas através da história assim que dos diferentes povos ao

redor do mundo que, enquanto humanos, lidam no cotidiano

contra as lógicas necrófilas do capitalismo e de seus avatares.

Tratou-se na tese de analisar como pela apropriação do espaço

público burkinabê, a juventude muçulmana discute a centralidade

da questão do humano e das problemáticas sociais atreladas

nela, e aos quais, necessariamente e obrigatoriamente se deve

dar as devidas respostas.

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Página CCLX

Discutimos deste modo, a proposta intrinsecamente

emancipatória da ética do islã para o desenvolvimento de

sociedades plurais e justas, conscientes da necessidade

incondicional de viver junto em bom acordo, conforme as

exigências dos direitos humanos.

Meus ilustres mestres, eis como através dos conceitos de

cidadania cultural, de espaço público, da geração sankara e da

intelectualidade da sua juventude muçulmana, eu discuti a ética

islâmica diante do humano, tanto dentro das fronteiras do

Burkina Faso, na sob região oeste africana quanto a nível

continental e mais que isso, no que diz respeito à humanidade

além das contingências geográficas, políticas e socioculturais.

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Antes de encerrar minha fala, gostaria que junto, através de

uma sabedoria africana, que refletirmos a respeito do que nos

reuniu aqui hoje, nesta tarde, além do conhecimento...

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Página CCLXI

Projeção – vídeo:

1) Homenagem à ‘’Causa’1

A arte do Griot – filosofia africana

https://www.youtube.com/watch?v=AWVeC6kbNH0

2) Homenagem-sentimental à ‘’Famille’’

Lokua Kanza: Famille feat. Fally Ipupa

https://www.youtube.com/watch?v=u1H_pMGCSvI

.....

Aos que por amor e/ou

dignidade salvam almas da vida!!!

1 Sabaab (Noção islâmica traduzindo tudo aquilo pelo qual acontece as manifestações/vontades de

Deus).

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P á g i n a CCLXII

CIDADANIA CULTURAL E ESPAÇO PÚBLICO EM

BURKINA FASO: a intelectualidade e as estratégias sociopolíticas da juventude muçulmana para o

desenvolvimento

Convite para a Defesa da Tese de Doutorado

Pingréwaoga Béma Abdoul Hadi Savadogo

Natal – RN

2018

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Departamento de Ciências Sociais

Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais

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P á g i n a CCLXIII

CIDADANIA CULTURAL E ESPAÇO PÚBLICO EM BURKINA

FASO: a intelectualidade e as estratégias sociopolíticas da

juventude muçulmana para o desenvolvimento

PINGRÉWAOGA BÉMA ABDOUL HADI SAVADOGO

Tese de Doutorado apresentada ao

Programa de Pós-graduação em Ciências

Sociais da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte como parte dos requisitos

para obtenção do título de Doutor em

Ciências Sociais.

Orientadora: Profa. Dra. Norma Missae

Takeuti

Banca Examinadora

Profª.Drª. Norma Missae Takeuti (Orientadora) Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais

da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Profª. Drª. Vânia de Vasconcelos Gico

Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Profª.Drª. Ana Laudelina Ferreira Gomes Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais

da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

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P á g i n a CCLXIV

Profª. Drª. Karlla Christine Araújo Souza

Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais e Humanas da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte.

Prof. Dr. Cláudio Alves Furtado Programa de Pós-graduação em Estudos Étnicos

e Africanos da Universidade Federal da Bahia.

Prof. Dr. Jose Willington Germano

Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Profª. Drª. Catarina da Silva Souza Programa de Cursos de Administração e Engenharia Civil do Centro Universitário

do Rio Grande do Norte (UNI-RN).

Natal – RN 2018

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P á g i n a CCLXV

Com foco na juventude urbana e muçulmana, o estudo trata da

sociedade burkinabê (Burkina Faso), apreendida em seu contexto

sociopolítico da África Ocidental, trazendo algumas informações

essenciais, do ponto de vista histórico, desde a Idade Média até os dias

atuais, como suporte de compreensão da situação econômica, social,

cultural e política do país. A região islamizada, após o advento do islã

no século VII, foi o cenário de uma corrente de reafirmação de uma

identidade islâmica que marcou a África Ocidental Francesa desde sua

independência e ao longo de todo o processo de sua descolonização. As

reivindicações da juventude burkinabê denunciando as questões sociais

que o país enfrenta no contexto da globalização oferecem muitos

elementos para a compreensão das novas dinâmicas intelectuais que,

baseadas na ética islâmica, se erguem contra a lógica neoliberal e

defendem práticas cidadãs nos espaços públicos religiosos da África do

Oeste. O islã é abordado enquanto uma epistemologia do saber que

nutre, junto aos jovens burkinabê, a sua busca e a sua vontade de

transmissão do conhecimento, não apenas religioso, mas também

cultural, político, social e científico. Através da noção de cidadania

cultural e de sua expressão no espaço público, trata-se, na presente

tese, de interrogar-se sobre a definição das "origens", bem como das

características da intelectualidade muçulmana em curso, no segmento

jovem, na sociedade burkinabê. Por outro lado, trata-se igualmente de

apreender esta mesma intelectualidade através de uma África devastada

pela cobiça dos países do Norte, o que leva a questionar a configuração

das relações no campo social e político, orientando assim as

negociações entre a pluralidade dos atores em presença.

« Assim a tarefa não é de

contemplar o que ninguém

contemplou até então. Mas sim de meditar sobre o que

está exposto ao olhar de

todos como ninguém ainda o

fez. » Schopenhauer

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P á g i n a CCLXVI

Como diz a sabedoria moaga1, com uma única mão, não se apanha

a farinha necessária para cozinhar a refeição do dia. Você que acompanhou

e faz parte desse importante processo, te convido a mais um momento

de conversa com a África, a respeito do humano.

Acontecerá in-cha-Allah, terça-feira, dia 31 de julho de 2018 na Ufrn,

no Setor II de aula – CCHLA, na sala C4 às 14h 30mn.

Desde já, seja bem-vinda/bem-vindo!!!

Abdoul-Hadi

1 Comunidade sociolingüística do Burkina Faso chamado no plural de “Mossé”,

geralmente chamado ‘’Mossi’’.