ciclos,_progressao_continuada_e_aprovacao_automatica__contribuicoes_para_a_discussao.pdf

Upload: anderson-ortiz-alves

Post on 19-Feb-2018

218 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/23/2019 Ciclos,_Progressao_Continuada_e_Aprovacao_Automatica__contribuicoes_para_a_discussao.pdf

    1/14

    Ciclos, Progresso Continuada e Aprovao Automtica:

    contribuies para a discusso

    Regiane Helena Bertagna

    Educao: teoria e prtica, Rio Claro, SP, Brasil - eISSN: 1981-8106

    Est licenciada sob Licena Creative Commons

    Resumo

    O presente artigo pretende contribuir para a discusso sobre o processo de organizao

    escolar a partir dos conceitos de ciclos, progresso continuada e aprovao automtica.

    Para tanto, utilizou-se o resgate histrico, a anlise dos documentos oficiais, bem

    como da literatura pertinente temtica para contextualizao da origem dessas

    propostas e das concepes de avaliao subjacentes a elas. O texto procura esclarecer

    a questo dos ciclos, da progresso continuada e promoo/aprovao automtica,

    buscando analisar de que modo essas idias carregam, potencialmente, a possibilidade

    de os profissionais da educao rediscutirem a organizao escolar e, implicitamente,

    as marcas das polticas educacionais que as prope.

    Palavras-chave:ciclos; progresso continuada; aprovao automtica; avaliao; polticaeducacional.

    Cycles, Continuous Progress, Automatic Promotion:

    contributions for the discuss

    Abstract

    The present article aims to contribute for the discussion on the process of school

    organization starting from the concepts of cycles, continuous progress and automatic

    promotion. For that it was used the historical recover, the analysis of the official documents

    as well as of the literature that is pertinent to the subject, seeking the contextualization

    of the origin of those proposals and of the assessment conceptions that are underlying

    to them. The text tries to explain the subject of the cycles, of the continuous progress

    and automatic promotion/approval, analyzing how those ideas carry, potentially, the

    possibility of the professionals of the education possibility rediscuss the school

    organization and, implicitly, the marks of the education politics which propose them.

    Key words: cycles; continuous progress; automatic promotion inside education;assessment; educational policy.

    EDUCAO: Teoria e Prtica - v. 18, n.31, jul.-dez.-2008, p.73-86.

  • 7/23/2019 Ciclos,_Progressao_Continuada_e_Aprovacao_Automatica__contribuicoes_para_a_discussao.pdf

    2/14

    74

    Introduo

    Durante o perodo de realizao do trabalho como Assessora em Avalia-o junto ao Departamento Pedaggico (DEPE) da Secretaria Municipal de Edu-cao de Campinas na gesto 2005-2009, com atuao, mais especificamente,

    em 2005, muitos eram os questionamentos e dvidas dos profissionais da redemunicipal de Campinas em relao aos ciclos, a progresso continuada e a pro-moo automtica.

    Motivada e instigada pelos questionamentos desses profissionais da rede,que demandavam esclarecimentos sobre as questes mencionadas; fruto do de-bate, das snteses e da exigncia de sistematizao das informaes paradissemin-las nos diversos espaos escolares da rede, surgiu a perspectiva deconstruo do presente artigo em 2006.

    Os temas, embora recorrentes e, talvez, academicamente bastante ana-lisados, para os profissionais da educao da rede municipal de Campinas aindasuscitavam dvidas, visto que a progresso continuada existia na rede estadual,mas no na rede municipal. Naquele momento, vivia-se um processo de discus-so e de tentativa de implantao de uma poltica de reorganizao escolar envol-vendo novos tempos e espaos escolares com a proposta do ciclo com progres-so continuada (para o primeiro nvel de escolaridade) e a escola de tempo inte-gral, entre outras.

    Nesse sentido, o objetivo deste artigo contribuir para a discusso sobrea organizao escolar a partir de esclarecimentos sobre ciclos, progresso con-tinuada, aprovao automtica, buscando caracteriz-los, descrev-los,contextualiz-los historicamente para melhor compreenso dos mesmos e, des-sa maneira, possibilitar a apropriao dos conceitos e, consequentemente, dosrespectivos significados pelos sujeitos cujas prticas envolvem essas questes.

    Assim, apresentam-se aqui esclarecimentos sobre o sentido dos termos- ciclos, progresso continuada, promoo automtica - que vm frequentando odia-a-dia escolar, incorporando-se fala dos profissionais da educao para que

    se desfaam ambigidades ou dvidas que impedem o pensamento de mudan-as, a reflexo sobre outras formas de organizao escolar, antes mesmo queelas sejam implantadas e analisadas, tendo em vista seu potencial educativo.

    Este trabalho permeado por vozes resultantes dos debates com os pro-fissionais da educao da rede municipal de Campinas lanou mo do resgatehistrico para contextualizar a origem das propostas e as concepes subjacentesa elas. Assim foram analisados documentos oficiais, bem como a literatura perti-

    Regiane Helena Bertagna. Ciclos, Progresso Continuada e Promoo Automtica...

  • 7/23/2019 Ciclos,_Progressao_Continuada_e_Aprovacao_Automatica__contribuicoes_para_a_discussao.pdf

    3/14

    75

    nente temtica, com a seguinte organizao: esclarecimentos sobre ciclos,progresso continuada e promoo/aprovao automtica; e em seguida, a dis-cusso de como os ciclos e a progresso continuada carregam potencialmente apossibilidade de os profissionais repensarem a organizao escolar e, ao mesmo

    tempo, implicitamente, as marcas das polticas educacionais que as prope.

    Ciclos

    Compreender o que so os ciclos no tarefa muito fcil porque emnosso pas, as propostas de ciclos se construram de diferentes maneiras e se-gundo concepes diversas, o que dificulta a pretenso a uma nica assertiva oucompreenso sobre sua constituio. No entanto, no cerne na concepo dosciclos est a forma de organizar o tempo e o espao escolar, em contraposio

    clssica forma seriada. Nesse aspecto espao-temporal centra-se a grande pos-sibilidade de organizao da escola.

    Embora se observe o emprego generalizado da expresso ciclos,na literatura, na legislao e em documentos de vrias redespblicas de ensino do pas, para caracterizar uma organizao deensino oposta seriao, uma anlise mais detalhada de seuemprego indica uma diversidade de conceitos, bem como deiniciativas de organizao escolar (ALAVARSE, 2003, p.7).

    interessante lembrar que a atual forma de organizar o espao e o tem-po escolar atravs da seriao herana de Comenius (sculo XVII), perodoem que essa forma de organizao escolar tambm possua uma intencionalidade:A regularidade, ritmo e harmonia do trabalho escolar deveriam garantir uma orga-nizao produtiva em termos de eficincia, rapidez, preciso e tambm padroni-zao(FONTANA, 2003, p. 129). Ou seja, a finalidade era otimizar, potencializara utilizao do tempo e do espao para se ensinar num mesmo ritmo, muitosalunos. Passado tanto tempo, compreensvel e esperado que, com a evoluo

    da sociedade e da educao, as pessoas ligadas rea tenham apontado outraspropostas para romper com esta forma historicamente instituda. Assim, os ci-clos ganham potencialidade.

    A possibilidade da organizao no seriada do ensino no se constituiunovidade na legislao que normaliza o ensino institucionalizado. Segundo SOUSA(1998), ela est presente desde a LDB no4024/61, artigo 104, com carter expe-rimental e, na Lei no5692/71, artigo 14, explicitada como alternativa e, a partir

    EDUCAO: Teoria e Prtica - v. 18, n.31, jul.-dez.-2008, p.73-86.

  • 7/23/2019 Ciclos,_Progressao_Continuada_e_Aprovacao_Automatica__contribuicoes_para_a_discussao.pdf

    4/14

    76

    da LDB no9.394/96, artigo 23, fica instituda possibilidade da implantao dosciclos.

    A educao bsica poder organizar-se em sries anuais, perodos

    semestrais, ciclos, alternncia regular de perodos de estudos,grupos no-seriados, com base na idade, na competncia e outroscritrios, ou por forma diversa de organizao, sempre que ointeresse do processo de aprendizagem assim o recomendar(LDB, 1996, artigo 23).

    FREITAS (2003, p.7) aponta que, na legislatura de 2002, havia intenode suprimir a palavra ciclos presente no artigo da lei, mas como no foi recupera-do pelo autor do artigo, acabou sendo arquivado, mostrando-nos a indisposioque a utilizao de ciclos como organizao pedaggica tem suscitado

    O total de escolas organizadas em ciclos no pas, segundo os dados docenso escolar de 2002, indicavam 10,9% (FRANCO, 2004), o que significa quegrande parte do nosso sistema de ensino se organiza, ainda, pela forma seriada.Esse dado importante, principalmente porque muitas crticas foram destiladaslogo de incio demonstrando as falhas dos ciclos e apontando que a aprendiza-gem ficava prejudicada por essa nova forma de organizao, devido, principal-mente, ausncia da reprovao.

    No entanto, observamos que a maioria das escolas (aproximadamente

    80%), esto organizadas de forma seriada, persistindo nesse modelo e, ainda,com a possibilidade de reprovao (e, em alguns casos altos ndices de reprova-o). As estatsticas sobre o desempenho escolar dos alunos, fornecidas peloSistema de Avaliao da Educao Bsica SAEB, no se constituem comoreveladoras de qualidade de ensino, muito pelo contrrio, indicam-nos quantoestamos devendo aos alunos em relao aprendizagem. Com isso, queroapontar que o problema do ensinar com qualidade para todos os alunos estpresente para todas as formas de organizao escolar e no somente para a de

    ciclos. Poderamos, ainda, questionar que, em tantos anos da existncia domodelo seriado, o problema da no qualidade da educao persiste e, pior, omodelo tende a acirrar ou, no mnimo, manter as desigualdades escolares e soci-ais, como se pode observar pela quantidade de turmas que iniciam e terminam oEnsino Fundamental.

    Portanto, as novas formas de organizao do tempo e do espao escolar,denominadas de ciclos ou de outro nome que se pretenda apresentar, em contra-

    Regiane Helena Bertagna. Ciclos, Progresso Continuada e Promoo Automtica...

  • 7/23/2019 Ciclos,_Progressao_Continuada_e_Aprovacao_Automatica__contribuicoes_para_a_discussao.pdf

    5/14

    77

    dio com a forma seriada permite repensar a finalidade da educao e,consequentemente, a concepo de homem e sociedade. Definir com clareza oque se pretende nesse novo tempo/espao e persegui-lo, repensando as postu-ras e concepes frente educao e prtica pedaggica, representa grande

    desafio para todos os profissionais da educao.

    Progresso Continuada

    Assim como a organizao no seriada do ensino, a progresso continu-ada no se constitui novidade, ela tambm percorre o mesmo caminho, ou seja,oferece a possibilidade de uma organizao escolar diferenciada e, como a pro-gresso continuada, no privilgio da nova LDB no9.394/96, mas vem clarearessa perspectiva, apontando para sua efetivao, se for de interesse do processo

    de aprendizagem.Portanto, a discusso sobre a no-reprovao no recente. Tem sido

    realizada na realidade brasileira h muito tempo e, em determinados momentoshistricos, foi mais enfatizada, como na dcada de 1950. Reflexo disso so ostextos de ALMEIDA JNIOR (1957), PEREIRA (1958) e LEITE (1999). Essesautores revelam que, naquela poca, a no reprovao era denominada de apro-vao automtica e j se contava com experincias de outros pases, como aInglaterra - promoo por idade cronolgica (GIPPS, 1998), repercutindo emnosso pas por meio da discusso e do debate dessa possibilidade em vista dasaltas taxas de evaso e repetncia no pas, do desperdcio de verbas e da estag-nao dos alunos na mesma srie, principalmente nos primeiros anos escolares,o que impossibilitava o fluxo escolar.

    Segundo SOUSA (1998), de acordo com o Parecer do Conselho Federal deEducao (360/74 relatrio), j se propunha o sistema de avanos progressivos.

    [...] o sistema de avanos implica na adequao dos objetivoseducacionais s potencialidades de cada aluno, agrupando por

    idade e avaliando o aproveitamento do educando em funo desuas capacidades. [...] No existe reprovao. A escolaridade doaluno vista num sentido de crescimento horizontal; oaproveitamento, numa linha de crescimento vertical. Pelo regimede avanos progressivos, o aproveitamento escolar independeda escolaridade, ou seja, do nmero de anos que a crianafreqenta a escola (SOUSA, 1998, p. 87).

    Mais recentemente, na dcada de 1990, a discusso sobre aprovao

    EDUCAO: Teoria e Prtica - v. 18, n.31, jul.-dez.-2008, p.73-86.

  • 7/23/2019 Ciclos,_Progressao_Continuada_e_Aprovacao_Automatica__contribuicoes_para_a_discussao.pdf

    6/14

    78

    automtica foi recolocada a partir da abordagem pelos autores SILVA e DAVIS(1993) e MAINARDES (1998), alm de reflexes e discusses de resultados deexperincias com a aprovao automtica realizadas no pas, geralmente atrela-das a uma organizao escolar por blocos, ciclos, nveis, sendo a aprovao

    automtica tomada como possibilidade de ruptura com a seletividade escolar ede reorganizao do fluxo escolar.

    Embora os resultados apresentados nessas pesquisas demonstrassemo cuidado no trato da questo (aprovao automtica), desde 1957 j se colocavaa necessidade da participao dos professores na construo da nova proposta,recomendao que, historicamente, nas polticas pblicas, acaba sendo deixadade lado.

    Nesse movimento, em 1998, a progresso continuada foi instituda no

    Estado de So Paulo pelo Conselho Estadual de Educao (CEE, Deliberao no

    09/97) e adotada pela Secretaria de Estado da Educao (SEE), na forma deciclospara o ensino fundamental, regular ou supletivo.

    Quando essa medida foi adotada no Estado de So Paulo, as escolasestaduais de nvel fundamental foram organizandas em ciclos de progresso con-tinuada, estabelecendo-se dois ciclos: um de 1aa 4asrie e outro, de 5aa 8a

    srie. Esse modelo trouxe reflexos por outras redes de ensino, principalmente asmunicipais, que, gradativamente tm aderido aos ciclos, embora no necessaria-mente com a configurao dada pelo Estado de So Paulo.

    No Estado de So Paulo, a implantao da progresso continuada explicitada nos textos oficiais da seguinte maneira:

    [...] a progresso continuada permite uma nova forma deorganizao escolar, conseqentemente, uma outra concepode avaliao. Se antes aprovava-se/reprovava-se ao final decada srie, agora se espera que a escola encontre diferentesformas de ensinar que assegurem a aprendizagem dos alunos eo seu progresso intra e interciclos (BERTAGNA, 2003, p. 79).

    Nesse sentido, observa-se um certo tom de inovao no conceito deavaliao, presente nessa reestruturao do ensino no Estado de So Paulo,mas preciso observ-lo com cuidado. Partindo-se da idia de que toda criana capaz de aprender, a progresso continuada permite que os professores acom-panhem constantemente os avanos e as dificuldades dos alunos, oferecendosuporte e reforo escolar sempre que necessrio, apostando, entre outras coisas

    Regiane Helena Bertagna. Ciclos, Progresso Continuada e Promoo Automtica...

  • 7/23/2019 Ciclos,_Progressao_Continuada_e_Aprovacao_Automatica__contribuicoes_para_a_discussao.pdf

    7/14

    79

    nos recursos pedaggicos para assegurar a aprendizagem. Essa uma forma decompreenso que centra a discusso na aprendizagem, em seus aspectos tcni-co-metodolgicos e no na formao humana, no desenvolvimento da criana,como apontamos que seria interessante na concepo de ciclos.

    Ser contra a progresso continuada , em nosso entender, negara evidncia cientfica de que toda criana capaz de aprender, selhe forem oferecidas condies para tal; ou seja: respeito a seuritmo de aprendizagem e a seu estilo cognitivo, bem como recursospara que interaja de modo profcuo com os conhecimentos (SOPAULO (Estado), 1998a, p. 2).

    Como enfatiza o texto oficial a denominao progresso continuada foiadotada porque extrapola a compreenso da aprovao automtica no sentido deser apenas a implementao de uma norma administrativa, mas contempla oaspecto pedaggico, a crena em que toda criana capaz de aprender. Ento,sempre ocorrer progresso de aprendizagem, mesmo que em nveis diferentes,se respeitado o ritmo de aprendizagem dos alunos. Atrelada a essa concepoest a crena em que todos podem aprender se oferecidas as condies e recur-sos adequados para a aprendizagem.

    Essa concepo, j discutida por FREITAS (2003, 2005), no supera aclssica viso de compensao das diferenas de desempenho, (muitas origin-

    rias das condies sociais dos alunos), via recursos pedaggicos. Para esseautor, os pilares da progresso continuada demonstram ser ela [...] um esforode concretizao da utopia educacional liberal (FREITAS, 2005, p. 10). Destaforma, entendemos que a progresso continuada no promove a discusso sobrecomo organizar os tempos e espaos escolares visando a superar a atual formae a concepo de educao, de sociedade.

    Alm disso, os estudos acadmicos que acompanharam a implantaoda proposta da progresso continuada no Estado de So Paulo apontam, clara-

    mente, que no houve ruptura com a forma de organizar os tempos e espaosescolares e sim uma acomodao da forma seriada, agrupando-se sries com adenominao de ciclos (GUILHERME, 2003; BERTAGNA, 2003; FREITAS, 2000),pouco incentivando a discusso da forma escolar e sua finalidade.

    Nesse sentido, podemos entender a distino que alguns autores fazemem relao denominao de ciclos para a progresso continuada, no enten-dendo que ela seja uma proposta de ciclos (ARROYO, 1999; FREITAS, 2003).

    EDUCAO: Teoria e Prtica - v. 18, n.31, jul.-dez.-2008, p.73-86.

  • 7/23/2019 Ciclos,_Progressao_Continuada_e_Aprovacao_Automatica__contribuicoes_para_a_discussao.pdf

    8/14

    80

    H tambm uma oscilao quanto terminologia, ora progresso continu-ada, ora aprovao automtica, muito recorrente na realidade educacional. im-portante explicitar a diferena entre progresso continuada e aprovao automti-ca: [...] a criana avana em seu percurso escolar em razo de ter se apropriado,

    pela ao da escola, de novas formas de pensar, sentir e agir; e, na promooautomtica, a criana [...] permanece na unidade escolar, independentemente deprogressos terem sido alcanados (SO PAULO (Estado), 1998a, p. 2-3).

    Embora a diferena possa parecer pouco significativa, importante con-siderar que a progresso continuada prope a avaliao contnua do processo deaprendizagem dos alunos, assim como recuperao contnua, alm de modalida-des alternativas de adaptao, reclassificao, avano, aproveitamento escolar,controle de freqncia dos alunos e dispositivos regimentais. Com essas alterna-

    tivas e tendo o progresso como alavanca propulsora da aprendizagem, pretende-se beneficiar os alunos, favorecendo o seu desenvolvimento afetivo, social ecognitivo. Portanto, no deveria ser considerado aprovao automtica, visto queesta desconsidera o processo de aprendizagem da criana.

    Na proposta da progresso continuada do Estado de So Paulo so ain-da apontadas algumas mudanas necessrias como: na atuao pedaggicapara repensar os modelos de atuao docente. Propem-se, para isso, estratgi-as de ensino distintas, dirigidas ao conjunto da classe (conhecimentos comuns),e atividades para pequenos grupos, possibilitando a troca de experincias (osmais experientes monitoram os inexperientes) enfatizando-se, assim, um ensinocom base na heterogeneidade dos alunos.

    A progresso continuada implica acompanhamento contnuo daaprendizagem e tem no processo de reforo e recuperao umrecurso bsico para sanar dificuldades e defasagens. diferenteda promoo automtica, que entendida como mecanismo emque o aluno vai sendo promovido independentemente de sersubmetido a processo continuado de avaliao, com reforo erecuperao da aprendizagem, quando necessrio (SO PAULO(Estado), 1998b, p. 17).

    importante destacar que, embora a progresso continuada tenha apon-tado para uma perspectiva/proposta inovadora, de fato, na realidade, pouco seefetivou. Possivelmente, as dvidas geradas em torno do regime de progressocontinuada, implantado no Estado de So Paulo, so decorrentes da diferenaentre a concepo da proposta e sua implementao na prtica que se encami-

    Regiane Helena Bertagna. Ciclos, Progresso Continuada e Promoo Automtica...

  • 7/23/2019 Ciclos,_Progressao_Continuada_e_Aprovacao_Automatica__contribuicoes_para_a_discussao.pdf

    9/14

    81

    nhou muito mais para a aprovao automtica ao centrar-se na discusso daaprovao/reprovao desconsiderando outras essenciais como o fim a que sedestina a educao, a concepo de homem e sociedade que se pretendeimplementar (BERTAGNA, 2003), a questo dos contedos culturais e,

    consequentemente, a questo do conhecimento escolar (FREITAS, 2000), a par-ticipao e envolvimento dos profissionais, principalmente dos professores nesseprocesso (GUILHERME, 2003; MAINARDES, 2001), entre outros,descaracterizando-se o carter inovador e progressista apresentado na concep-o inicial da proposta do regime de progresso continuada.

    Ciclos x progresso continuada

    preciso pontuar, nessa discusso, diferentes estratgias utilizadas pelas

    polticas pblicas na implantao dos ciclos. Tm-se expandido vrias experin-cias de ciclos no pas, mas preciso diferenciar os ciclos de formao compretenso de modificar a organizao escolar, e que se baseiam em experinciassocialmente significativas para a idade e desenvolvimento do aluno e a progres-so continuada, que agrupa sries com o propsito principal de garantir a aprova-o do aluno e, consequentemente, a correo do fluxo escolar.

    [...] a primeira exige uma proposta global de redefinio dos tempose espaos da escola, enquanto a segunda instrumental destina-

    se a viabilizar o fluxo de alunos e tentar melhorar sua aprendizagemcom medidas de apoio (reforo, recuperao) (FREITAS, 2003,p.9).

    Ainda, segundo esse autor, como indicado anteriormente, a segunda nodeve ser chamada de ciclo, mas de progresso continuada, e a primeira deve serapropriada pelos professores e discutida para se chegar a uma transformao,em contraposio velha forma de organizar os tempos e espaos escolares, ouseja, como resistncia ao antigo modelo e perspectiva de construo de novos

    modelos educacionais, sem se perder de vista o essencial no processo educativo.Nos ciclos de formao deve haver um tempo contnuo, que se identifica

    com o tempo da formao do prprio desenvolvimento humano: infncia, puberda-de e adolescncia. Para FREITAS (2003) esse conceito deve ser expandido j que:

    Sua principal diferena que os tempos e espaos da escola socolocados a servio de novas relaes de poder entre o estudantee o professor, com a tarefa de formar para a vida, na atualidade,

    EDUCAO: Teoria e Prtica - v. 18, n.31, jul.-dez.-2008, p.73-86.

  • 7/23/2019 Ciclos,_Progressao_Continuada_e_Aprovacao_Automatica__contribuicoes_para_a_discussao.pdf

    10/14

    82

    propiciando o desenvolvimento de novas relaes entre aspessoas e entre as pessoas e as coisas (p.67).

    Portanto, preciso ir alm compreenso dos ciclos de formao, supe-

    rando-se a concepo de soluo pedaggica em contraposio seriao,para se constituir em instrumentos para o desenvolvimento de novas relaesescolares e sociais contrapostas s vividas/impostas pela atual sociedade.

    Nesse sentido os professores, pais e estudantes devem compreender afuno dos ciclos enquanto resistncia escola convencional que, junto comoutros movimentos sociais, poder apontar para a constituio de uma outraconcepo de educao e de sociedade.

    Segundo FREITAS (2005), ainda que os ciclos se constituam propostasmais elaboradas que a de progresso continuada, o autor faz uma analise crtica

    dos ciclos, apontando para a ampliao da sua concepo, problematizando,para alm da organizao dos tempos e espaos escolares, as relaes de po-der (excluso e subordinao) existentes.

    pautar a questo da formao e no s a da instruo(portugus e matemtica);

    introduzir o componente desenvolvimento (infncia, pr-adolescncia e adolescncia) na organizao escola;

    remeter relao educao e vida e no s como vivncia deexperincias sociais, mas tambm como estudo crtico daatualidade;

    apostar no desenvolvimento da auto-organizao do alunos,com sua participao em coletivos escolares como vivncia realde poder e deciso nos assuntos da escola;

    incorporar a progresso continuada.

    gesto democrtica (FREITAS, 2005, p.136).

    Na constituio desse modelo de organizao do trabalho pedaggico

    fica tambm o desafio de construir formas de avaliao que no se resumam simples aprovao dos alunos, sem uma reflexo sobre o processo de desenvol-vimento, mas que a reflexo sobre a constituio dessa nova organizao dostempos e espaos das escolas e das relaes (de poder) construdas carregueconsigo outras possibilidades de avaliao, que superam tambm as novas for-mas de excluso (eliminao adiada/eliminao branda), criadas a partir da reti-rada da avaliao formal aprovao/reprovao (BERTAGNA, 2003). A avaliao

    Regiane Helena Bertagna. Ciclos, Progresso Continuada e Promoo Automtica...

  • 7/23/2019 Ciclos,_Progressao_Continuada_e_Aprovacao_Automatica__contribuicoes_para_a_discussao.pdf

    11/14

    83

    deve ser incorporada ao processo de aprendizagem, sem necessrio destaqueou nfase, mas no papel que lhe cabe, de suporte ao processo de acompanha-mento do desenvolvimento do aluno e do trabalho desenvolvido pelas escolas(PERRENOUD, 1986; SOUSA, 1999; DALBEN, 2000).

    Dessa forma, importante enfatizar que propostas de ciclos de formaono prescindem da avaliao. O fato que, nas propostas de ciclos, a avaliaono utilizada ou entendida pelo seu produto aprovao/reprovao, e sim, pelasua potencialidade formativa junto ao processo de desenvolvimento da criana, oque no significa abolir a avaliao, pois esta imprescindvel ao acompanha-mento e desenvolvimento dos alunos e das propostas das escolas para atendi-mento dos estudantes, planejando e re-planejando, constantemente, suas aesem funo da aprendizagem e desenvolvimento dos educandos.

    Uma possibilidade para se repensar a avaliao no processo de organi-zao das escolas em ciclos deve considerar o envolvimento dos diferentes pro-fissionais no processo educativo e a co-responsabilidade pela aprendizagem dosalunos. Os professores, ao formarem coletivos por ciclos, compartilham a res-ponsabilidade pela aprendizagem dos alunos durante o ciclo.

    Outra possibilidade para esse processo de reorganizao e, ciclos podeser a da construo coletiva de mecanismos de avaliao com legitimidade pol-tica no grupo e na comunidade educativa, pela criao de outros instrumentospara acompanhar o desenvolvimento do aluno.

    Nesse processo preciso considerar atores nem sempre trazidos paraao debate: alunos e pais, pois so eles que do sentido e significado, alm delegitimidade ao processo educativo. Esclarec-los e envolv-los nas discusses essencial para a efetividade de qualquer proposta.

    Consideraes finais

    preciso retomar e potencializar as discusses sobre a construo deoutras formas de organizao escolar que se pautem nos fins a que se destina a

    educao, indicando o tipo de sociedade e de formao humana que se deseja. importante, tambm, que as novas formas de organizar os tempos e espaosescolares, as novas formas de reorganizao escolar, que implicam os ciclos, aprogresso continuada, a aprovao automtica entre outras que venham a serincorporadas s prticas escolares, sejam construdas e promovidas com umsignificado real para o desenvolvimento e formao dos alunos, sem descaracterizaro ensino dos conhecimentos que propiciem a emancipao deles, principalmen-

    EDUCAO: Teoria e Prtica - v. 18, n.31, jul.-dez.-2008, p.73-86.

  • 7/23/2019 Ciclos,_Progressao_Continuada_e_Aprovacao_Automatica__contribuicoes_para_a_discussao.pdf

    12/14

    84

    te, os provenientes das camadas populares, na escola pblica, onde as inova-es geralmente so implantadas.

    A importncia desse repensar os tempos e espaos escolares, a organi-zao escolar, a avaliao, reside na possibilidade de se repensar o fim a que se

    destina a aprendizagem, a educao. Na prtica, o que importa a finalidadeproposta para o ensino, para a educao, o envolvimento dos diferentes atores naconstruo e definio do que essencial para cada fase do desenvolvimento dacriana e, o comprometimento e a disposio para que a finalidade seja persegui-da na organizao escolar.

    Dizer isso no retira a responsabilidade das polticas de garantir as con-dies para a implantao, no somente das condies estruturais, fsicas, mastambm de criar espaos de discusso coletiva entre os diversos atores e forma-

    o que sustente o processo, uma vez que muitos problemas, alguns conheci-dos, outros no, podero emergir e devero ser socializados, debatidos.Portanto, a discusso e apropriao dos diversos conceitos que permeiam

    o cotidiano escolar pelos prprios sujeitos que os vivenciam criam espaos deconstruo a partir da mobilizao da escola e da comunidade, para analisecritica dos limites e das possibilidades da escola em nossa sociedade.

    Referncias

    ALAVARSE, Ocimar. Ciclos: a escola em (como) questo. 2002. Dissertao deMestrado, Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo, So Paulo.

    ALMEIDA JNIOR, A. Repetncia ou promoo automtica? IN: Revista Brasileira de

    estudos pedaggicos. Rio de Janeiro: v. 27, no 65, p.3-15, jan./mar., 1957.

    ARROYO, M. G. Ciclos de desenvolvimento humano e formao de educadores.

    Educao e sociedade, Campinas, no 68, p. 143-162, 1999.

    BERTAGNA, R. H. Progresso continuada: limites e possibilidades. 2003. Tese de

    Doutorado, Faculdade de Educao - UNICAMP, Campinas.

    DALBEN, ngela Imaculada L. de Freitas. A prtica pedaggica e os ciclos de formaona escola plural. IN: DALBEN, ngela Imaculada L. de Freitas (org.) Singular ou

    plural?: eis a escola em questo.Belo Horizonte, MG: GAME /FAE/ UFMG, 2000, p. 53-

    66.

    FREITAS, Jos Cleber de. Cultura e currculo: uma relao negada na poltica do

    sistema de progresso continuada do Estado de So Paulo. 2000. Tese de Doutorado,

    Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, So Paulo.

    Regiane Helena Bertagna. Ciclos, Progresso Continuada e Promoo Automtica...

  • 7/23/2019 Ciclos,_Progressao_Continuada_e_Aprovacao_Automatica__contribuicoes_para_a_discussao.pdf

    13/14

    85

    FREITAS, Luiz Carlos de. Ciclos, seriao e avaliao: confronto de lgicas. So Paulo:

    Editora Moderna, 2003.

    _______________________. El iminao adiada: novas fo rmas de exc luso

    introduzidas pelas reformas. In: Revista Pro-posies. Campinas; SP: v. 16, no. 3 (48):

    111-144, set/dez, 2005.

    FONTANA, R. A. C. De que tempos a escola feita? In: VIELLA, M. A. (org.) Tempos e

    espaos de formao.Chapec: Argos, 2003, p. 119-142.

    FRANCO, C. Ciclo e letramento na fase inicial do ensino fundamental. Revista Brasileira

    de Educao, no25, p. 30-38, 2004.

    GIPPS, Caroline. A avaliao de sistemas educacionais: a experincia inglesa. In:

    BITTAR, Hlia A. de F. (et al). Sistemas de avaliao educacional. SP: Fundao para

    o Desenvolvimento da Educao: FDE, 1998. (Srie Idias, no30).

    GUILHERME, Claudia Cristina Fiorio. A progresso continuada e a inteligncia dos

    professores. 2002. Tese de Doutorado, Faculdade de Cincias e Letras, Universidade

    Estadual Paulista, Araraquara.

    LEITE, Dante Moreira. Promoo automtica e adequao do currculo ao

    desenvolvimento do aluno. In: Pesquisa e planejamento. So Paulo, v.3, no 3, jul.,

    1959. Republicado pela Revista de estudos de avaliao educacional. So Paulo:

    Fundao Carlos Chagas, no 10, jan.-jun., 1999.

    MAINARDES, Jefferson. A promoo automtica em questo: argumentos, implicaese possibilidades. IN: Revista Brasileira de estudos Pedaggicos/INEP. Braslia, v. 79,

    no192, p. 16-29, 1998.

    _____________________. A organizao da escolaridade em ciclos: ainda um desafio

    para os sistemas de ensino. In: FRANCO, C. (org.). Avaliao, ciclos e promoo

    automtica. Porto Alegre: Artmed editora, 2001, p. 35-54.

    PEREIRA, Lus. A aprovao automtica na escola primria. IN: Revista Brasileira de

    Estudos Pedaggicos. Rio de Janeiro: v. 30, no 72, p. 105-7, out./dez., 1958. (Atravs de

    revistas e jornais)PERRENOUD, Philippe. Avaliao formativa num ensino diferenciado. Portugal:

    Coimbra: Livraria Almeidina, 1986.

    SO PAULO (Estado). Conselho Estadual de Educao. Deliberao CEE no 9/97.

    Institui, no sistema de ensino do Estado de So Paulo, o regime de progresso

    continuada no ensino fundamental. Dirio Oficial do Estado de So Paulo, Poder

    Executivo, So Paulo, SP, 05 ago. 1997. Seo 1, p. 12-13.

    EDUCAO: Teoria e Prtica - v. 18, n.31, jul.-dez.-2008, p.73-86.

  • 7/23/2019 Ciclos,_Progressao_Continuada_e_Aprovacao_Automatica__contribuicoes_para_a_discussao.pdf

    14/14

    86

    SO PAULO (Estado). Secretaria Estadual de Educao. Escola de Cara Nova.

    Planejamento 98. Progresso Continuada. So Paulo, 1998a.

    SO PAULO (Estado). Secretaria Estadual de Educao. A organizao do ensino na

    rede estadual orientao para as escolas.So Paulo: SEE, 1998b.

    SILVA, Rose Neubauer da e DAVIS, Claudia. proibido repetir. In: Estudos em Avaliao

    educacional, So Paulo: (7):5-44, janeiro/julho, 1993.

    SOUSA, Clarilza Prado de. Avaliao da aprendizagem formadora/avaliao formadora

    da aprendizagem. IN: BICUDO, M. A. V. e SILVA JR., C. A. da (org.). Formao do educador:

    avaliao institucional, ensino e aprendizagem. So Paulo: Editora da UNESP, 1999.

    (Seminrios & Debates, v. 4)

    SOUSA, Sandra M. Zkia L. O significado da avaliao da aprendizagem na

    organizao do ensino em ciclos. In: Revista Pro-posies. Campinas; SP: v.9, no. 3

    (27): 84-93, novembro, 1998.

    Enviado em set./2008Aprovado em dez./2008

    Regiane Helena BertagnaDocente do Departamento de Educao do Instituto deBiocincias da UNESP - Rio ClaroE-mail: [email protected]

    Regiane Helena Bertagna Ciclos Progresso Continuada e Promoo Automtica